a rave como expressão da contemporaneidade sob um olhar psicanalítico pedro h. o. costa

17

Click here to load reader

Upload: pedro-costa

Post on 11-Jul-2015

429 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: A rave como expressão da contemporaneidade sob um olhar psicanalítico   pedro h. o. costa

1

A RAVE COMO EXPRESSÃO DA CONTEMPORANEIDADE SOB UM OLHAR

PSICANALÍTICO1

Pedro H. O. Costa2

RESUMO: Este artigo apresenta uma leitura sobre as relações da contemporaneidade, atravésdas pontuações do sociólogo Zygmunt Bauman, ilustrada pela festa rave e analisadas sob umolhar psicanalítico, tendo como referência as visões dos psicanalistas Charles Melman e JorgeForbes. Buscou-se apresentar aqui as mudanças que infligiram o sujeito contemporâneo, suamaneira de fazer laços e de livrar-se do seu mal-estar. Como método, foi realizada umarevisão bibliográfica sobre os saberes psicanalíticos e produções acadêmicas sobre o tema dasraves, além da experiência do autor neste tipo de evento. O resultado permitiu vincular amaneira de fazer laços e de buscar a satisfação nas festas rave, àquelas observadas na era pós-moderna, denotando uma busca por soluções imediatas ao mal-estar, que estão desvinculadasdo campo da palavra e do Outro, mostrando uma forma singular do sujeito haver-se com seugozo, que constatamos ser uma das características principais da era contemporânea.

Palavras-chave: rave - psicanálise - contemporaneidade - gozo

ABSTRACT: This article presents an understanding on the functioning of the humanrelations of the contemporaneity, through the work of sociologist Zygmunt Bauman,illustrated by rave parties and analyzed under a psychoanalytical study with reference to theviews of psychoanalysts Charles Melman and Jorge Forbes. Under that perspective, it ispresented here the changes that inflicted the contemporary subject , his ways of making socialbonds and how he gets rid of uneasiness. As a method, a literature review was conducted onthe psychoanalytic knowledge and academic works on the matter of rave parties, apart fromthe author's experience in this type of event. The result could be linked between the way ofseek for satisfaction in rave parties and those observed in the post-modern world, denoting asearch for immediate solutions to unpleasantness that are unrelated to the field of word andthe Another, showing a singular form of enjoyment of the subject, which we found to be amajor feature of the contemporary era.

Keywords: rave - psychoanalysis - contemporaneity - enjoyment

1 Trabalho de conclusão do curso de Psicologia, apresentado em sessão pública de defesa no primeirosemestre de 2013, sob orientação das Profs. Dra. Larissa Guimarães Marins Abrão e Ms. Carolina Santana Lima.2 Graduando de Psicologia da Faculdade Pitágoras - Unidade Uberlândia. E-mail:[email protected]

Page 2: A rave como expressão da contemporaneidade sob um olhar psicanalítico   pedro h. o. costa

2

1 PONTUAÇÕES SOBRE AS RELAÇÕES NA CONTEMPORANEIDADE

Com as mudanças do homem no século XXI, se fez necessária uma psicanálise

diferente daquela do século XX, uma postura ética e mesmo uma nova leitura das relações

entre os sujeitos. Nessas mudanças surgiram novas maneiras de se relacionar, reinventado os

laços e as formas como irão se consolidar – ou não, posto que estamos, de acordo com

Bauman (2001), numa era de laços líquidos e horizontais. Contudo estes se mantêm, a

humanidade continua a fazer laços, o que muda na contemporaneidade são as formas de atar

os nós.

O complexo de Édipo, teorizado por Freud, foi uma explicação possível sobre como

era formada a personalidade de um sujeito. Portanto, quando foi desenvolvida tal teoria,

poderíamos afirmar que a sociedade organizava-se numa estrutura vertical. Havia uma

hierarquia em que no topo estava a figura do Pai, como aquele que tinha a função de instaurar

a castração, impondo um limite à criança, tirando-a da alienação com a figura materna,

abrindo espaço para outros laços sociais e para o investimento de libido em outros objetos.

O pai, que ditava um limite, também era aquele visto como exemplo ou referência,

posto que é ele quem ocupa um lugar privilegiado no desejo sexual da mãe. Com isso,

podemos afirmar que a referência de um sujeito, era o pai. Assim, com esta forma de

imposição da Lei3, os sujeitos estariam lutando para uma ordem própria, mas tendo como

referência a ordem do pai, indo a favor ou contra esta.

Lacan (2008) pontuou que o complexo de Édipo era relativo a uma estrutura social.

Com o que pudemos perceber, vinculando a constituição do sujeito pelo Édipo às explicações

de Bauman (2001) sobre a era industrial e a atual, chegamos ao seguinte argumento: a forma

como se apresenta o complexo de Édipo, centrada no pai, faz referência a uma sociedade

baseada em estruturas verticalizadas, de poder e significação, tendo uma organização em

torno de uma figura poderosa que dita limites.

Podemos aludir a um outro exemplo de como funcionou o complexo de Édipo, citando

características de um campo totalmente globalizado como a informática, onde temos o

software, como sendo os programas de computador com suas linguagens, e hardware, como a

parte física da máquina. Seria o complexo de Édipo, o melhor software usado pelo hardware

3 O termo aqui usado com inicial maiúscula, “em psicanálise, de modo algum remete à lei escrita do direito, menos ainda às regras e aos regulamentos”, mas designa a proibição do incesto e a perda que a linguagem vai impor ao sujeito, que ocorrerá com a castração, que implica a falta. (MELMAN, 2008, p. 200 e p. 205)

Page 3: A rave como expressão da contemporaneidade sob um olhar psicanalítico   pedro h. o. costa

3

homem, para programar-se e agir perante o que lhe ocorria. Mas, de acordo com Bauman

(2001), autor do qual tomaremos a perspectiva sobre a pós-modernidade, temos agora um

tempo em que não está mais dado para os sujeitos um software que os ajude a se programar e

enfrentar sua vida. Para o autor, o que antes estava firme, rígido, hard, amparado em bases

sólidas, agora se liquefez.

Para situarmo-nos no desenvolvimento deste texto, os termos globalização, mundo

globalizado, pós-modernidade e contemporaneidade, serão tratados como sinônimos que se

referem ao contexto histórico atual, que Baumam (2001) designa como modernidade líquida.

Falamos assim de mudanças que influenciaram nos mais diversos campos onde atua o

homem, alterando suas relações consigo mesmo, com os outros, com sua forma de se livrar do

seu mal-estar e com os padrões que vigoravam para manter sua conduta e garantir sua moral,

resultando numa era despadronizada, se a comparamos aos pilares de sustentação de épocas

anteriores, ou seja, a contemporaneidade se apresenta como um tempo em que as referências

garantidas pelas religiões, pelos ideais, pelos valores, pelos pais, pelas nações, já não se

sustentam mais.

Os padrões, códigos e regras que nos guiavam estão cada vez mais faltantes.

Entretanto isso não quer dizer que as pessoas estão guiadas apenas por suas paixões e

vontades para construir seus modos de vida, mas que estamos passando de uma era em que

estavam postos “grupos de referência” para uma outra de “comparação universal”,

liquefazendo os padrões de dependência e interação, que significa que o que vai possibilitar a

construção de um sujeito não está mais dado de antemão e que ainda sofrerá inúmeras e

significantes mudanças antes de seu fim com a morte, de acordo com Bauman (2001).

A contemporaneidade evidencia ser uma época de falta de garantias, que

anteriormente poderiam provir da posição que se ocupa ou até dos títulos que se ostenta, e um

tempo de intensa presença da insegurança e das incertezas, seja em relação tanto à

continuidade do que hoje se é, à uma futura estabilidade e quanto ao próprio corpo e

subjetividade. Bauman (2001) reflete que esta parece ser uma época que exige um homem

flexível, pronto às circunstâncias, que saiba manejar seus recursos e num curto tempo se

reprogramar, sabendo que poderá haver mais outras novas atualizações a se fazer.

O homem pós-moderno pertence a comunidades efêmeras, ele mudará de lugar de

acordo com a informação, ou até falará de diferentes lugares e assumirá, de acordo com o

psicanalista Charles Melman (2008), polissubjetividades. Nesse tempo não lidamos com uma

Page 4: A rave como expressão da contemporaneidade sob um olhar psicanalítico   pedro h. o. costa

4

face que sempre representará uma dada subjetividade, mas sim com uma que mesmo sem

alterar-se por fora, poderá, em poucos momentos não ser a mesma por dentro, que poderá

experimentar gozos4 diferentes e explorar todas as situações, vindo ao encontro do que o

mesmo autor chama de o verdadeiro liberalismo, o liberalismo psíquico.

Cabem às pessoas que vivem na era pós-moderna, na globalização, inventarem um

novo tipo para ser - ou para estar - que será singular enquanto criado sem apoio a valores

anteriormente dados, e se responsabilizar pelo qual foi escolhido.

Contudo, percebe-se que uma das estratégias usadas perante a falta de uma segurança

a longo prazo tem sido a busca por satisfações instantâneas. Bauman (2001) cogita que por

não sabermos o que o amanhã trará, adiar a satisfação já não nos fascina. Consoante a esta

visão, o psicanalista Jorge Forbes (2012) sugere que esta estratégia faz surgir as, assim por ele

chamadas, patologias do imediato.

São por Forbes (2012) chamadas de patologias do imediato, aquelas que se opõem às

patologias mediadas pelas fala, que são resolvidas pelo deslocamento de sua significação, tais

como as neuroses habituais. Forbes (2012a) ainda as explica como sendo doenças do curto-

circuito do gozo, que curto-circuitam a palavra. São como respostas não simbolizadas ante a

dor de existir.

Como exemplos desse tipo de patologia, temos as toxicomanias, os crimes hediondos,

os atos delinquenciais, os fenômenos psicossomáticos, as anorexias, que mesmo sendo

diferentes entre si denotam ter em comum um acesso imediato ao gozo, uma recusa quanto a

existência do Outro. Tais doenças seriam, segundo Forbes (2012), formas de apreensão da

verdade, mas não uma verdade que se guia pelo saber, diferente daquela que se revelaria

numa cadeia de significações.

O sujeito, através das patologias do imediato, não responde ao seu mal-estar, a

ocasiões que demandam simbolização, através de significantes, sintomas, sonhos, mas por

uma ação. Ele se põem em uma prática, que age diretamente sobre o corpo e curto-circuita o

campo do dizer, conforme sugere Campanário (2000).

Estas doenças citadas, abundantes na pós-modernidade, são amostras da busca de um

gozo sem intermediários, sem objetos de apoio. Há uma desvinculação do Outro da linguagem

e da Lei, como exemplifica Campanário (2000), quanto as toxicomanias compulsivas, onde

4 O emprego deste termo “por analistas, não se deve entendê-lo em sua concepção usual, ainda que assim não esteja dissociado dela”, mas este está além do prazer, pode denotar um comportamento ao qual o sujeito não sabe porque se mantém vinculado, podendo designar o próprio funcionamento deste. (MELMAN, 2008, p. 204)

Page 5: A rave como expressão da contemporaneidade sob um olhar psicanalítico   pedro h. o. costa

5

existe uma satisfação solitária, autística, de forma que a satisfação situa-se na sua própria

maneira de gozar, não passando pelo corpo do outro.

Porém, é nesse contexto que também puderam surgir inúmeras possibilidades de

formas de se viver, que em épocas anteriores não foram cogitadas, não foram aceitas ou

sequer teriam a possibilidade de serem imaginadas. Emergem na contemporaneidade novos

meios de comunicação, campos de trabalho, formas de se relacionar e expressões artísticas, na

dança, teatro e música. Para este trabalho, faremos um recorte sobre uma das saídas

encontradas por este novo sujeito para lidar com seu mal-estar, e abordaremos as festas rave e

sua música eletrônica.

2 VISITANDO A CONTEMPORANEIDADE NUMA RAVE

A fim de compreendermos os fenômenos que possibilitaram o surgimento das festas

rave e parte de sua estrutura, utilizaremos de saberes vindos de campos diversos como a

sociologia, a filosofia, a psicologia e a psicanálise, além de um trabalho em campo,

lembranças e conhecimentos do autor neste ambiente. Contudo o objetivo aqui não é explicar

toda festa rave, menos ainda apontar ou criticar pontos positivos e negativos desse tipo de

festa, mas demonstrar através dela, as características da dinâmica social que a caracteriza e

permitiu seu surgimento.

A leitura sobre a rave aqui será conduzida tendo-se em vista as mudanças ocorridas na

sociedade e nos sujeitos, passando da era industrializada para a da globalização, tomando a

realização do evento, a festa, como nossa ilustração. Para o desenvolvimento desta revisão

bibliográfica, tomaremos a perspectiva de alguns autores importantes na discussão deste

assunto, tais como o sociólogo Z. Bauman e os psicanalistas C. Melman e J. Forbes, além de

outros que virão complementar nossa análise.

Através da clínica psicanalítica, que no curso de sua história sofreu mudanças de

conceitos e viradas na forma de interpretar e analisar os sujeitos, mantendo-se atenta às

mudanças dos laços sociais - mudam-se os laços, mudam-se os sintomas -, abordaremos

características no modo raver de festejar, que apontam para uma relação nova dos sujeitos

com sua satisfação e formas de apreensão do gozo.

Tal alteridade motiva a condução deste estudo, ao reconhecer que como psicólogos

devemos estar atentos às formas usadas pelos sujeitos para livrarem-se do seu mal-estar.

Page 6: A rave como expressão da contemporaneidade sob um olhar psicanalítico   pedro h. o. costa

6

Quais são alguns destes efeitos e como se constituem, explicaremos tomando como exemplo a

forma que se dá as relações entre os participantes de festas rave.

3. A RAVE

As raves possuem características que surgiram na época pós-moderna, na

globalização, e acompanharam o seu desenvolvimento. São frequentadas por pessoas de

diferentes culturas e realizada em várias partes do mundo, sendo frequentemente lembradas

por serem festas de duração prolongada, conduzidas pelo som da música eletrônica e com

presença de intenso uso de psicoativos.

O surgimento das raves se deu em meados dos anos 80, como eventos esporádicos nas

ilhas de Ibiza (Espanha), Goa (Índia) e cidades como Londres e Paris. A cena ampliou-se nos

anos 90, atingindo o circuito mundial e ampliando cada vez mais o número de participantes.

Há festivais que contam mais de trinta mil pessoas.

Rave significa delirar, extasiar, como aponta Mendes (2010). A principal característica

de uma festa rave é o tipo de música que lá toca. A trilha sonora é feita pela música eletrônica,

uma forma de expressão musical que depende da tecnologia e tem seus sons produzidos ou

modificados eletronicamente. Poderíamos cair em contradição afirmando que assim toda a

música atual é eletrônica, mas tomemos cuidado e analisemos que o que diferencia o som da

música eletrônica, por exemplo, do samba (que também pode usar recursos eletrônicos em sua

produção, gravação e execução), é a sua estrutura e a maneira como são produzidos os sons,

além da mensagem que a música pode vir a passar aos ouvintes.

A música eletrônica de uma rave apresenta uma estrutura sem refrãos, não há uma voz

cantando uma letra ou servindo como guia melódico (sendo esta usada como mais um efeito),

não há mais notas e acordes, mas som, paisagens sonoras, timbres e texturas, feitos com uso

de samplers5, pickups6, sintetizadores, equipamentos digitais e computadores que substituem

os instrumentos convencionais (como baixo, bateria, percussão e guitarra), além de ser tocada

por DJ's7, podendo ser apresentada diferentemente a cada performance.

5 Em música, é um software ou hardware dedicado, usado para armazenar e executar amostras de áudio,recortados de obras ou gravações pontuais, com a finalidade de serem reproduzidas e/ou reprocessadasposteriormente.

6 Equipamento usado pelo DJ para misturar as sons das músicas e samplers, é geralmente composto por doistoca discos e um mixer, que une os canais de som dos toca-discos ou seleciona quais deles serão emitidos àscaixas de som.7 Um disc jockey ou disco-jóquei (DJ ou dee jay) é um artista que, através de seu equipamento, seleciona e roda

Page 7: A rave como expressão da contemporaneidade sob um olhar psicanalítico   pedro h. o. costa

7

Realizar-se ao ar livre, dançando embalado pelo som da música eletrônica e

substâncias psicoativas, como o LSD e o ectsasy, são as três condições que caracterizam uma

rave. Podemos também somar a essas características a sua realização em várias partes do

planeta e que sua duração costuma ir além do que ocorre nas festas convencionais, podendo

durar mais de doze horas, ou até mesmo dias seguidos, sem intervalos, como o festival

brasileiro Universo Paralelo, que acontece na Bahia e o festival O.Z.O.R.A, próximo à cidade

de Ozora, no sul da Hungria.

Além de ser realizada em vários locais do mundo, não ter um território fixo ou uma

demarcação regional - o que também a faz um evento dos tempos globalizados -, os lugares

escolhidos para a realização de uma rave podem ser praias, fazendas, montanhas, lugares que

tenham rios, lagos, cachoeiras e campados, que são importantes características valorizadas

pelos frequentadores e geralmente são as referências na propaganda da festa, ressaltadas nos

seus folhetos de divulgação, conhecidos como flyers.

É predominante a ocorrência em lugares afastados dos centros populacionais, que são

escolhidos e preparados para os eventos, mas assim mesmo frequentados por jovens urbanos.

A peculiaridade do local é uma característica que diferencia a rave de outros eventos de

música eletrônica.

Na rave geralmente há uma pista principal, onde as pessoas dançam e também se

apresentam os principais DJ's da festa, conhecida como mainstage. Há lugar para os bares, e

em eventos de grande porte podemos encontrar, além do espaço reservado ao acampamento,

uma vasta área de alimentação, contando com diferentes tipos de refeições e bebidas, além de

espaços para barracas que vendem imagens religiosas hindus, batas, incensos, artesanatos

hippies e outros artigos que complementam a imaginário das festas. É composta muitas vezes

também por uma área de descanso, chamada de chillout, onde as pessoas podem relaxar e

ouvir um som mais calmo que o tocado no mainstage.

A festa apresenta uma decoração especial, que conta com elementos de diversas

culturas, havendo sempre referência a deuses hindus, aliens e o espaço sideral, a imagens

psicodélicas e o uso de cores fluorescentes. As pessoas também se vestem de forma

característica à moda raver, usando roupas fluorescentes, batas, tranças dreadlocks (cabelos

emaranhados estilo rastafári), ponchos, braceletes feitos de material orgânico, roupas com tie

as mais diversas composições, previamente gravadas para um público-alvo. Disco-joquéi foi e é utilizado paradescrever primeiramente a figura do locutor de rádio que introduziam e tocavam discos de gramofone,posteriormente, o long play, mais tarde compact disc laser (CD) e atualmente, empregam o uso do mp3. Hádiferentes tipos de DJ's e estilos de música tocada por eles.

Page 8: A rave como expressão da contemporaneidade sob um olhar psicanalítico   pedro h. o. costa

8

dyes (técnica de pintura sobre tecido), echarpes de crochê e muitos outros adereços inspirados

na cultura hippie.

A escolha do local e a estética dos participantes formam o imaginário das raves e,

segundo Chies (2007), diferenciam seus participantes, que são a tribo dos ravers, daquela dos

clubbers, que frequentam ambientes fechados, como boates e casas noturnas.

A música eletrônica das raves não é a mesma tocada nas discotecas, nem são todos os

estilos de música eletrônica capazes de animar a festa. O principal sub-gênero tocado é

conhecido como psytrance8, que varia de 135 a 165 bpm's9, apresentando uma mistura de

bases de bateria eletrônica, sintetizadores e manipulação de samplers, como alguns mantras

hindus.

Contudo, a rave é uma festa que dura todo o dia e toda a noite, e em cada momento

(como amanhecer, meio do dia, entardecer, noite e madrugada) pode haver estilos diferentes

de música eletrônica sendo tocados. No meio da madrugada ouvimos um som mais pesado e

concentrado, de batidas fortes, chamado de dark e na medida em que o amanhecer revela seu

espetáculo vai cedendo espaço a outras vertentes mais harmoniosas, como o trance.

Na performance da dança, que para Abreu (2005) é um dos fatores sociais que

integram as pessoas do ambiente, não há coreografias fixas, ensaiadas, como vemos nas

micaretas de axé. Com isso, na rave não existem limites para grupos de amigos, nenhuma

roda fechada em si, que colegas dançam juntos, mas dança-se para qualquer direção, dança-se

com todos e com ninguém, da forma que se bem entender.

Assim, uma vez caracterizado nosso objeto ilustrativo, apresentaremos, a seguir, a

articulação entre tal objeto, a psicanálise e as pontuações sobre o sujeito contemporâneo.

4 DESENVOLVIMENTO

“Lose yourself to dance”

Daft Punk, 2013

Pretendemos para este desenvolvimento, apontar algumas das principais características

do mundo pós-moderno, vinculando-as ao que se observa numa rave. O evento, a festa, será

8 Uma das principais vertentes da música eletrônica, que em português brasileiro se traduz por trance psicodélico. Enquanto a tradução literal de trance para o português é transe.9 Refere-se ao número de batidas por minutos apresentada nas músicas. É um fator primordial para diferenciar os estilos de música eletrônica, por exemplo: o garage é em torno de 120 bpm, e o house em torno de 130bpm.

Page 9: A rave como expressão da contemporaneidade sob um olhar psicanalítico   pedro h. o. costa

9

um guia deste estudo, que é focado nas relações da contemporaneidade e em maneiras

encontradas pelos sujeitos atuais de livrarem-se de seu mal-estar, servindo como apoio a

demonstração de algumas das significativas mudanças apresentadas por estes indivíduos,

vivendo num mundo desbussolado, conforme cita Jorge Forbes (2012b), ao expressar que não

há uma direção, um guia ou um norte, para o gozo contemporâneo.

Neste recorte da rave, tentaremos demonstrar algumas de suas características lidas à

luz da psicanálise. Abordaremos para este desenvolvimento a música eletrônica, com sua

maneira singular de tocar o sujeito, a dança e o uso de psicoativos. Delimitaremos o foco a

estes três itens, pois a maneira como se relacionam pode denotar uma postura do sujeito pós-

moderno, perante seu desejo e a busca de seu gozo.

Quando ouvimos a música eletrônica de uma rave percebemos que não há letra, e há

até mesmo, pouca presença de vozes. E estas, quando existem, são usadas como mencionamos

acima, apenas como mais um efeito dentro da textura musical tocada pelo DJ. Mesmo sendo

usados no trance muitos samplers de mantras hindus e indianos, estes não atingem os

participantes diretamente pela sua mensagem, ou pela mística que designam nas suas culturas

originais, desconhecida para grande maioria.

Logo, fica evidente que nesta música não há uma mensagem claramente dita, sua

expressão não tem um objetivo delimitado, não conta uma história, não propõem um grito de

guerra, não faz denúncias e quebra com a ortodoxia das canções (onde há início, meio,

refrãos, fim e refrão). O que temos é uma música eternamente inacabada, sem início, meio ou

fim, um banco de dados eternamente disponível à manipulação, como um mantra tecnológico

que tem a função na festa de, consoante a decoração e o uso de psicoativos, fazer o ouvinte

“viajar”.

O DJ é o mestre da cerimônia, que manipulará os sons e conduzirá, tal qual um xamã,

como é associado por Mendes (2010) e por Sousa (2002), como o guia, a figura principal,

deste ritual pós-moderno. O DJ é quem controla a energia, o êxtase e a vibração (conhecida

entre os participantes como vibe) da festa, de acordo com o que ele mixa, a velocidade que

conduz a música (aumentando e diminuindo suas bpm's) e o ritmo dos sons repetitivos.

Em rituais tribais, os xamãs buscavam um estado de alinhamento entre corpo, mente e

alma, para atingir uma suposta comunicação com seus deuses. Há nestes rituais uma busca

coletiva de estados alterados de consciência, que para ser atingido usavam a música, danças

coletivas, plantas psicoativas e cântigos xamânicos, como salienta Mendes (2010).

Page 10: A rave como expressão da contemporaneidade sob um olhar psicanalítico   pedro h. o. costa

10

As principais caraterísticas dos rituais, como uso de músicas, danças coletivas e

plantas alucinógenas para atingir certo estado mental, se assemelham àquelas citadas

anteriormente como sendo as principais presentes numa rave. O consumo das “plantas

sagradas” nestes rituais eram tidos como a forma mais poderosa de atingir estados alterados

de percepção, aumentando a acuidade visual e auditiva, que na rave poderiam ser

caracterizadas pelo grande consumo de bebidas e comprimidos energéticos e/ou

entorpecentes.

Na música tribal eram usados chocalhos e tambores para construir uma batida rítmica

forte, constante e repetitiva. Temos a mesma estética no som das raves, com seus mantras

eletrônicos na busca de criar um ambiente onde a repetição leva a transcendência. Freud usa o

termo “sentimento oceânico”, descrito por seu amigo Romain Rolland, em O mal-estar na

civilização (1921), como sendo esta sensação de transcendência, a qual seu amigo afirmava

atingir pela ioga, referindo a este sentimento num adulto como uma busca por um narcisismo

ilimitado.

O narcisismo, um dos termos mais importantes na teoria psicanalítica, pode ser

dividido em dois estágios, sendo eles o narcisismo primário e secundário. Segundo Laplanche

e Pontallis, “o narcisismo primário designa um estado precoce em que a criança investe toda

sua libido em si mesma. O narcisismo secundário designa um retorno ao eu da libido retirada

dos seus investimentos objetais” (LAPLANCHE e PONTALIS, 1999, p. 290). A distinção não

é satisfatória, o que os mesmos autores admitem, afirmando que para os termos pode haver

diferentes acepções, o que impossibilita a obtenção de uma concepção unívoca.

Segundo o texto de Freud de 1914, “Introdução ao Narcisismo”, o 'eu' é postulado

como o grande reservatório de libido, a partir do qual esta se dispersaria para os objetos

externos, com a condição de voltar a sua origem, caso estes não lhe proporcionasse prazer.

Contudo, anos depois, no texto “O Eu e o Id” (1923), Freud propõe o 'isso' como portador de

toda libido, em razão da fragilidade do 'eu' no início da organização psíquica, conforme frisa

Mendes (2010).

Para Freud (1923), o 'isso' emitiria suas pulsões aos objetos externos, enquanto o 'eu',

adquirindo mais força e amplitude, logo tomaria o lugar destes objetos, apoderando-se de

parte da libido que detinham e impondo-se ao 'isso' como objeto amoroso. Portanto o

narcisismo do 'eu' é secundário, subtraído dos objetos. Com isto, Freud parece designar o

narcisismo primário como uma fase da vida anterior à constituição do 'eu'.

Page 11: A rave como expressão da contemporaneidade sob um olhar psicanalítico   pedro h. o. costa

11

Desta maneira, voltando ao foco das raves, a partir da teoria do narcisismo e do

conceito de narcisismo primário, podemos aludir que a busca pela transcendência, pelo

momento onde se pode “viajar”, denotam a busca por um estado relativo ao que se vive no

estágio de narcisismo primário, já que toda a libido do sujeito está investida nele mesmo.

Os artifícios usados para atingir tal estado apresentam uma importante característica

em comum. Pois a música que nada diz, ao mesmo tempo toca. A satisfação obtida pelo uso

de substâncias psicoativas é corporal e singular. Enquanto a dança é coletiva, mas

individualizada. Todas citadas, caracterizam formas de satisfação que estão fora do circuito da

palavra e voltadas para o sujeito, denotando um desencontro com a figura e importância de

um Outro.

Desta maneira, pensamos que o que se busca no mainstage da rave é a desvinculação

de um Outro, o qual escrevemos com inicial maiúscula por designar um lugar no discurso do

inconsciente. Quinet (2012), designa o Outro como sendo o alhures onde o sujeito é mais

pensado do que realmente pensa, a alteridade do eu consciente, de onde vêm as determinações

simbólicas do sujeito, lugar dos significantes, com os quais o sujeito associa e se articula,

determinando como se pensa, fala, sente e age.

O Outro, como alteridade, também impõe uma falta, onde é concomitante uma perda

de gozo à instauração da Lei simbólica. Essa falta, é o que Freud postulou como presente após

o complexo de castração, indicada por Lacan como aquilo que barra o sujeito após sua

inserção na linguagem. Contudo, o Outro é inconsistente, o que lhe dá materialidade é a

materialidade sonora dos significantes, ou seja, a própria imagem acústica da palavra que

permite um sujeito se expressar, como ressalta Quinet (2012).

Portanto, o sujeito, numa rave, buscaria no seu transe um retorno ao 'eu' como objeto

de satisfação. Que podemos perceber na maneira de um raver dançar, voltado para si mesmo,

entrando muito pouco em contato com o outro, e pela experiência com os entorpecentes, que

como mencionamos anteriormente, propiciam um gozo solitário, autístico, voltado ao corpo.

Embora esta busca pelo transe esteja presente em religiões afro-brasileiras, orientais e

também nas igrejas protestantes, como quando um pastor ora em voz alta e convoca seus

discípulos a comungar numa espécie de “êxtase profético”, à procura de uma experiência com

Deus, o que podemos perceber no transe de uma rave é que ele não almeja um pedido a um

Deus, como podem ocorrer nos rituais tribais que visam atrair a chuva dos céus, ou a qualquer

outra pessoa ou entidade, mas denotam a busca de prazer pessoal, singular e individualizado.

Page 12: A rave como expressão da contemporaneidade sob um olhar psicanalítico   pedro h. o. costa

12

Sousa (2002) traça em seu texto “A cibermúsica, djing, tribos e cibercultura”, algumas

características que diferenciam o transe almejado nas raves daqueles dos rituais tribais,

enfatizando o primeiro como:

um esforço “tribal” para um prazer hedonista, despolitizado e pagão.Hedonista porque imediato e em função do prazer; despolitizado, porque éuma cultura além-Estado, além-Governos, além- Instituições, globalizante euniversal, sem bases em partidarismos; e pagão, na medida em que nenhumareligião é eleita como coletiva, nenhum deus é eleito como norteador. O únicodeus é a música tribal.(SOUSA, 2002, s.p)

Seguindo este pensamento, em que na rave se busca um prazer individualizado e

hedonista, sugerimos que o objetivo de seus participantes é a satisfação de um gozo, mas um

gozo que não passa pelo Outro. Esta forma de satisfação, totalmente atual, posto que é sem

referências e sem limites, poderemos denominar de gozo autístico, devido seu aspecto de

retorno ao 'eu' e por desvincular-se de uma autoridade simbólica.

Assim, podemos vislumbrar no panorama das raves, que o que há em comum entre os

participantes é o gosto pela música eletrônica. Esse som é o elemento que faz sua união, que

para Coutinho (2001) é uma forma de reafirmar o sentimento que um dado grupo compartilha,

mesmo que mostramos através deste estudo que cada sujeito apreende de uma forma singular

o som da música eletrônica e os sentimentos que ela proporciona.

A reunião das pessoas numa rave não tem por finalidade um objetivo comum, que para

além do festejar, constitua uma aliança, fixa ou duradoura. A reunião é efêmera e

individualizada, onde sujeitos estão juntos sem a necessidade de se compreenderem ou

mesmo de se comunicarem uns com os outros.

As pessoas que dançam no espaço de uma rave não tem, visto assim, uma razão, uma

ligação universal para estarem ali, posto que não há um ideal que garanta a sua união. Cada

um enquanto festeja, enquanto dança, encontra o seu interesse corporal para fazê-lo, sem ter

de explicar o porquê.

A música eletrônica traz em si uma forma de linguagem universal, totalmente

globalizada, que portanto não precisa de tradução e, desta maneira também não é feita para ser

compreendida. A música eletrônica numa rave é tocada para ser sentida. É uma música que

toca, mas não diz.

Com o aumento do número das raves, em vários locais distintos, de carnavais

Page 13: A rave como expressão da contemporaneidade sob um olhar psicanalítico   pedro h. o. costa

13

eletrônicos nas ruas de Paris e Berlim a festivais em praias brasileiras que duram até uma

semana, percebemos que há uma adesão cada vez maior de pessoas a este tipo de evento. Este

seria um sinal, segundo uma hipótese de Forbes (2012b), de uma nova forma de apreensão do

gozo do corpo, que não passaria pelo circuito integral da palavra. Poderíamos neste aspecto

apontar, o modo de festejar numa rave e a música eletrônica como uma tentativa direta, que

está fora do circuito das palavras, de apreensão do real do corpo.

5 CONCLUINDO, FIM DE FESTA OU AFTER PARTY?

Dentre as descobertas de Freud, uma das mais importantes é que, o sujeito não se

relaciona com o mundo a partir de um objeto, mas pela falta dele. No complexo de Édipo,

após a castração, o objeto perdido é a mãe, que abrirá o sujeito para novas relações com o

mundo. Hoje, segundo a hipótese de Melman (2003), estaríamos presenciando a emergência

de uma nova economia psíquica, cuja particularidade é que, para se ter acesso à satisfação não

é mais preciso passar pela perda, por um Outro que impõe uma barreira, que era uma fonte de

neuroses. Há assim a busca por objetos que determinam uma ação, uma via direta à satisfação,

fora do circuito da palavra, como demonstramos acima e ilustramos pela música eletrônica,

que é sem dizeres.

Portanto, um dos fatores que podemos apresentar com este trabalho é que, do século

XX ao século XXI, do tempo sólido ao líquido, o modo de relação entre as pessoas se alterou,

os laços se horizontalizaram, e com isso, a forma como os indivíduos se livram do seu mal-

estar também veio a se modificar.

Vivenciamos um tempo em que se renovam as formas de interação, tal como se dão

através dos computadores. Uma renovação das artes, cinema, teatro e comunicação. Um

tempo em que a internet vê surgir uma nova forma de linguagem.

A rave, nascida e crescida nesta nova era, se mostra como um ambiente no qual

podemos perceber alguns fatores da sociedade pós-moderna e seu desbussolamento. Ao passo

em que ela contém a música eletrônica, como uma solução inovadora de um dos campos das

artes - apresentando uma figura como a do DJ, um homem posto às circunstâncias, manejando

vários equipamentos e músicas simultaneamente, para manter o som ideal nas pistas -, traz em

si uma das formas de vida que hoje imperam, acionando o que vislumbra ser o ideal do

Page 14: A rave como expressão da contemporaneidade sob um olhar psicanalítico   pedro h. o. costa

14

homem contemporâneo, que é gozar. Gozar a qualquer preço, sem limites e sem demora.

A ideia de que o “futuro é agora”, um dos jargões dos ravers, conforme descreve

Abreu (2005), aponta para esta ideia que defendemos, que a rave se localiza na virada do

comportamento entre dois séculos, em que o último privilegia atitudes hedonistas e não

posterga a satisfação.

Percebemos que os elementos usados na rave, como a música, o uso de substâncias

psicoativas e a dança, visam criar um ambiente em que os participantes desvinculam-se uns

dos outros, voltam-se para si mesmos e satisfazem-se de forma singular, através de seus

corpos. Mas que é fundamental a coletividade, estar inserido num grupo, na medida em que o

evento surge como um ambiente, onde um participante autoriza o outro a expor sua maneira

individual de gozar do que a festa oferece, tal como ressalta Bauman (2001), quando alude

que um dos métodos preferidos, na modernidade líquida, para a construção de comunidades, é

compartilhar intimidades, e como aponta Melman (2003), que estaríamos passando de uma

economia psíquica organizada pelo recalque a uma economia organizada pela exibição de um

gozo.

Contudo, a rave se apresenta como uma maneira atual de fazer laços. É a necessidade

do coletivo que nos leva a compará-las às tribos, com a diferença que estas objetivavam à

ancestralidade da tribo, enquanto naquela temos encontros efêmeros. As ligações entre os

participantes, se surgiram, podem se dissolver no final da festa, sem remorsos. São, como

dizemos, laços diferentes daqueles que sustentaram gerações anteriores, mas não são doentios

em si por se darem desta maneira, sendo que a avaliação do que cada participante tira desta

experiência, se é saudável ou patológica, deve ser vista caso a caso.

A satisfação coletiva poderia ser tomada, portanto, como um quarto e indispensável

elemento, que, assim como o conceito de gozo surgiu na teoria psicanalítica, fazendo o nó

borromeano na última clínica lacaniana, viria sustentar a experiência no evento que usamos

como ilustração deste texto.

E através do movimento mundial que estas festas empreenderam, nas raves podemos

identificar matrizes discursivas e um campo simbólico comum, como aponta Abreu (2005),

que a permite ser identificada como uma “tribo global”, que está para além das classes,

culturas e etnias. Eis uma “tribo” que anula os atravessamentos culturais.

Percebemos desta maneira a rave como uma expressão da época que vivenciamos.

Page 15: A rave como expressão da contemporaneidade sob um olhar psicanalítico   pedro h. o. costa

15

Uma época sem padrões, que, conforme evidencia Jorge Forbes (2012b), em psicanálise

aludimos como a época do Outro que não existe, que exige novos psicólogos e novos

psicanalistas.

Diante deste cenário, Melman (2003) afirma que eles não devem ser os higienistas da

sociedade, detentores de um regresso a uma época anterior. Forbes (2012b) aponta que, eles

não terão também que frequentar festas raves, mas devem estar atentos às soluções

contemporâneas de alívio do sofrimento, devem saber constatar os efeitos da evolução que

ocorre e, principalmente, vir a ocupar um lugar no espaço esvaziado entre a ação e a palavra,

conseguindo ajudar seu paciente nos arranjos necessários do gozo sem gravidade e

desbussolado desses dias.

Concluímos, portanto, a partir desta visão psicanalítica, que o modo de festejar na

rave e a busca de satisfação que ele evidencia, não é em si um modo adoecido, por ser sem

palavras e por apresentar o que compreendemos como a desvinculação de um Outro. Vemos

na rave um laço que não passa pela mútua compreensão, mas pela exposição coletiva de um

sensação, de um gozo, que pelo ressoar da música eletrônica encontra o corpo do participante.

Entendemos que ele contém o gozo, mas que é acessado pela via do Real e não do Simbólico,

donde mencionamos haver uma verdade que não se guia pelo saber. Percebemos que, desta

maneira, o sujeito apresenta a busca de uma verdade única, que pode ser compreendida

apenas caso a caso, daí a impossibilidade de a priori apontarmos malefícios e benefícios desta

conduta, que é inventada pelo sujeito.

Pudemos no decorrer deste trabalho vislumbrar alguns conceitos da psicanálise, como

narcisismo, complexo de Édipo e o Outro. Contudo, há ainda muito que poderia ser tratado e

abordado, sobre os conceitos psicanalíticos e a forma como estes podem vir a dizer sobre a

sociedade, tomando a rave como ilustração. Portanto, o que de mais importante podemos

refletir é que, algumas das soluções encontradas pelo sujeito contemporâneo, para livrar-se de

seu mal-estar, denotam a busca de uma verdade pessoal, que deve ser avaliada como uma

maneira singular de lidar com a angústia que viver nos acomete.

REFER0NCIAS

Page 16: A rave como expressão da contemporaneidade sob um olhar psicanalítico   pedro h. o. costa

16

ABREU, Carolina de Camargo. Raves: Encontros e Disputas. Dissertação de Mestrado

apresentada ao Programa de Pós Graduação em Antropologia Social do departamento de

Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São

Paulo para obtenção do título de Mestre em Antropologia Social, 2005.

BAUMAN, Zygmundt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

CAMPANÁRIO, Isabela Santoro. Algumas considerações acerca do gozo nas

toxicamanias. Revista Reverso, Belo Horizonte, CPMG, n.47, set. 2000.

CHIES, T. C . Novas formas de viver: Clubbers e Ravers. [online]

http://www.osurbanitas.org/antropologia/osurbanitas/revista/Clubbers1.html Acesso: 15 de

maio de 2013.

COUTINHO, L. G. (2001) Da metafora paterna a metonímia das tribos:um estudo

psicanalítico sobre as tribos urbanas e as novas configurações do individualismo. Tese de

Doutorado, PUC-RJ. [online] http://www.rubedo.psc.br/Artigos/tribus.htm Acesso: 15 de

maio de 2013.

DJ. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2013. Disponível

em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=DJ&oldid=35212257>. Acesso em: 4 jun.

2013.

FORBES, Jorge. A realidade não precisa de mim. In: Voce quer o que deseja? 9a ed., Rio de

Janeiro: Editora Best Seller, 2012, p. 142 – 148.

FORBES, Jorge. A clínica lacaniana. In: Voce quer o que deseja? 9a ed., Rio de Janeiro:

Editora Best Seller, 2012a, p. 167 - 175.

FORBES, Jorge. Geração Mutante. In: Voce quer o que deseja? 9a ed., Rio de Janeiro:

Editora Best Seller, 2012b, p. 22 – 26.

FREUD, Sigmund. ______(1914) Introdução ao Narcisismo. IN: Sigmund Freud Obras

Completas. São Paulo: Companhia das Letras; Vol. XII 2011

______(1923) O Eu e o Id. IN: Sigmund Freud Obras Completas. São Paulo: Companhia das

Letras; Vol. XVI 2011

______ (1930) O Mal estar na civilização. IN: Sigmund Freud Obras Completas. São Paulo:

Companhia das Letras; Vol. XVIII 2011

Page 17: A rave como expressão da contemporaneidade sob um olhar psicanalítico   pedro h. o. costa

17

______ (1921) Psicologia das massas e analise do Eu. IN: Sigmund Freud Obras Completas.

São Paulo: Companhia das Letras; Vol. XV 2011

______(1913) Totem e Tabu. IN: Sigmund Freud Obras Completas. São Paulo: Companhia

das Letras; Vol. XI 2011

LACAN, Jacques. Os complexos familiares na formação do indivíduo. Rio de Janeiro:

Martins Jorge Zahar, 2008.

LAPLANCHE & PONTALIS. Vocabulario de Psicanalise. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

MELMAN, Charles. O homem sem gravidade: gozar a qualquer preço. Rio de Janeiro:

Companhia de Freud, 2008.

MENDES, Cristianne Macedo. Ensaio Psicanalítico da Experiencia Psíquica em Festas

Raves. Dissertação de conclusão de mestrado em Psicologia Clínica. Pontifícia Universidade

Católica, SP, 2010.

QUINET, Antonio. Os outros em Lacan. Rio de Janeiro: Zahar, 2012

SAMPLER. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2013.

Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Sampler&oldid=35765093>.

Acesso em: 4 jun. 2013

SOUZA, C. M. D. A cibermusica, djing, tribos e cibercultura [online]. Mestrado em

Comunica ção e Cultura Contemporânea, UFBA (Facom).

http://www.pragatecno.com.br/ensaio2.html Acesso: 01 de maio de 2013.

TRANCE. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2013.

Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Trance&oldid=35972693>. Acesso

em: 4 jun. 2013.