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A QUESTÃO DA HIERARQUIA CULTURAL EM GILBERTO FREYRE Marco Antônio Nunes da SILVA I Resumo: O artigo propõe analisar a grande obra de Gilberto Freyre. ('aso- Grande & S<.'I1::0/0. pelo viés da cultura. apontando. de forma sucinta. as principais inovações trazidas pelo I i \'1"0. bem como tecer algumas críticas e estereótipos que ainda pel111aneCem muitos destes beirando o preconceito-. mesmo numa obra inovadora como esta. Pala\'ras-Cha"e: Gilberto Freyre: hierarquia cultural: Nordeste brasileiro: cristãos-novos: tltmília patriarcal: cultura ahicana: Casa-Grande & Senzala. Entre as muitas críticas feitas a Casa-Grande & Senzala. está a que aponta a talta de historiadores hrasileiros clássicos. como Francisco Vamhagen. Capistrnno de Ahreu e Lima. ausência essajustiticada pelo próprio Gilherto Fn:yre. ao creditar a defici21lciu ao fato de ter optado pelo LISO mais intenso de ttmtes primárias. em detrimento de uma bibl iogratia escrita. Ora. mas esse é um dos pontos fortes da obra. inovadora justamente devido ao uso de fontes documentais pouco usadas. como. por exemplo. recortes de jornais. Críticas tam hém são feitas quanto à excessiva impOJ1ância dada ao elemento sexual em sua análise da formação social do Brasil. Excessivo. igualmente. é o papel que o meio exerce sobre a t(xmação do brasileiro. aliado ao nlto do livro se preocupar demais com o Nordeste. dando pouca importância ao Sul. questionamento le\antado por Taunay. e constantes todos no Prefácio . . Doutor em Hi.,lória Social pela llni\crsidade de São Paulo. Prof. convidado da FEA. 98 .\\""" a\,,,,,, .\raçalllha. \ "' Il .'. P <IX· I II . I li 11 2005

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A QUESTAtildeO DA HIERARQUIA CULTURAL EM GILBERTO

FREYRE

Marco Antocircnio Nunes da SILVA I

Resumo O artigo propotildee analisar a grande obra de Gilberto Freyre (asoshy

Grande amp SltI100 pelo vieacutes da cultura apontando de forma sucinta as

principais inovaccedilotildees trazidas pelo Ii 10 bem como tecer algumas criacuteticas e

estereoacutetipos que ainda pel111aneCem muitos destes beirando o preconceito-

mesmo numa obra inovadora como esta

Palaras-Chae Gilberto Freyre hierarquia cultural Nordeste brasileiro

cristatildeos-novos tltmiacutelia patriarcal cultura ahicana Casa-Grande amp Senzala

Entre as muitas criacuteticas feitas a Casa-Grande amp Senzala estaacute a que

aponta a talta de historiadores hrasileiros claacutessicos como Francisco Vamhagen

Capistrnno de Ahreu e Oli~ira Lima ausecircncia essajustiticada pelo proacuteprio

Gilherto Fnyre ao creditar a defici21lciu ao fato de ter optado pelo LISO mais

intenso de ttmtes primaacuterias em detrimento de uma bibl iogratia escrita Ora mas

esse eacute um dos pontos fortes da obra inovadora justamente devido ao uso de

fontes documentais pouco usadas como por exemplo recortes de jornais

Criacuteticas tam heacutem satildeo feitas quanto agrave excessiva impOJ1acircncia dada ao

elemento sexual em sua anaacutelise da formaccedilatildeo social do Brasil Excessivo

igualmente eacute o papel que o meio exerce sobre a t(xmaccedilatildeo do brasileiro aliado

ao nlto do livro se preocupar demais com o Nordeste dando pouca importacircncia

ao Sul questionamento leantado por Taunay e constantes todos no Prefaacutecio

Doutor em Hiloacuteria Social pela llnicrsidade de Satildeo Paulo Prof convidado da FEA

98 a raccedilalllha Il P ltIXmiddot I II I li11 2005

Em meio a essas criacuteticas Darcy Ribeiro em seus Ensaios Insoacutelitos

tece elogios rasgados agrave obra de Gilberto Fre)Te sem contudo deixar de criticaacuteshy

la Como o proacuteprio Darc) afinna muito a contragosto Gilberto FreTe escreveu

a olml mais importante da cultura brasileira (RIBEIRO 1979 64) Mas mesmo

tecendo tatildeo grande elogio espanta-se por natildeo entender como um homem tatildeo

tacanhamente reacionaacuterio no plano poliacutetico possa ter escrito obra de tatildeo grande

envergadura~ (NOVINSKY 1996 11) Poreacutem aponta que a obra de Freyre

nos fez ver com orgulho nossos ancestrais e a nos reconciliannos com nossa

ancestralidade lusitana e negra de que todos nos vexaacutevamos um pouco

(RIBEIRO 1979 65)

Elogios sagraveo tambeacutem feitos por Roberto DaMatta Afinna este autor

que Gilberto Fre)Te rompeu com uma tradiccedilatildeo racista representada por homens

como lina Rodrigues c Oliveira Viana Enquanto estes sempre t~llam do que

nos iacutealta e de como poderiacuteamos ter sido ele [Gilbel1o Fre)Tiacute] fala do Brasil que

eacute Esse Brasil que existe antes de noacutes e que a despeito de nossa ontade

continuaraacute depois de noacutes Esse Brasil que eacute nosso Illas natildeo foi inventado por

noacutes (DAMATTA 1987 6-7)

Se de ullla forma ampla Casa-Grande amp Senzala nos tira o

constrangimento de sem10S brasileiros especificamente avanccedila ainda mais ao

romper com uma visatildeo consagrada do Nordeste a da pobreza Cenaacuterio

preponderante de sua obra eacute do litoral feacute11 iI nordestino que se ocupa a obra

nagraveo o de bode e paccediloca de securas e fomes ao contraacuterio eacute o do siri e do

piratildeo da cana e do massapeacute (RIBEIRO 1979 81 )

Agradtccedilo aqui a gentileza da Professora Anita Novinsky por ter me ctJiJn antts

mesmo da publicaccedilatildeo coacutepia dt seu texto sobre o aspecto judaico na obra de Gilberto Freyre Nesse trabalho essa posiccedilatildeo de Darcy Ribeiro nagraveo eacute referendada pela Professora Anita ao afirmar que as pronunciaccedilotildees poliacuteticas [de Gilberto Freyre] a sua luta pela Democracia as perseguiccedilotildees que sofreu os exemplos de resistecircncia e de consciecircncia que deu jamais permitiragraveo julgar o conjunto de sua obra como hostil aos judeus Poreacutem mesmo criticando-o nagraveo deixa Dare) Ribeiro de comparaacute-lo a Cervantes Camotildees Tolstoi e Sartre

99

o pioneirismo gilbertiano estaacute ainda no fato de ter se dedicado a

estudar os modos de tagravelar dos escravos o espaccedilo nobre e pobre das moradas

de engenho de sua terra as praacuteticas sexuais os juramentos e as expressotildees de

blasfemias e oproacutebrio a cozinha e a comida (DAMATTA 1987 7) Igualmente

segundo Anita Novinsky Gilberto FreTe foi o primeiro estudioso da sociedade

colonial que incluiu os cristatildeos-novos entre os elementos baacutesicos que formaram

o Brasil tanto do ponto de vista econocircmico como do ponto de vista cultural

assunto que em sua eacutepoca para natildeo dizer ainda hoje - era pouco explorado

cientificamente (NOVINSK Y 1996 1-3)

Enl sua comunicaccedilatildeo Anita Novinsky atinna que o anti-semitismo

atribuiacutedo a Gilberto Freyre natildeo condiz com a verdade o anti-semitismo

moderno se alimenta da falsificaccedilatildeo da histoacuteria Freyre nunca o tez ao contraacuterio

valorizou muito mais o cristatildeo-novo do que o criticou ~ (NOVPSKY 1996

II) Se por um lado vaci la em alguns momentos quando por exemplo atribui

aos judeus interesses apenas econocircmicos por outro natildeo deixa de mostrar o

papel relevante desempenhado pelo elemento judaico na constituiccedilatildeo brasileiras

(NOVINSKY 1996 6)

Mas natildeo haacute como negar quc Gilberto Freyre mostra uma certa

dose de preconceito ao imputar aos israelitas vocaccedilotildees natildeo agriacutecolas mas

preponderantemente comerciais Sua anaacutelise caminha mais no sentido de mostrar

que o portuguecircs tinha pouca tradiccedilatildeo em lidar com a agricultura e se foi por

Como aponta a ProtessoraAnita Gilberto Freyre mostrou em 1933 com o lanccedilamento de sua obra que os judeus foram os primeiros colonos soacutel idos mecacircnicos nas faacutebricas de accediluacutecar Gilberto Freyre toi o autor que mais valorizou a imp0l1acircncia do judeu para a colocircnia Citando suas palanas Novinsky nos h1Z ver que Freyre jaacute identiticava que na prosperidade dos judeus baseou-se o imperialismo portuguecircs para expandir-se J A Professora Anita eacute categoacuterica ao afirmar que Gi Iberto Freyre abriu um caminho para os estudos dos cristatildeos-novos no Brasil Num momento especiacutetico de sua obra Gilberto afirma que os judeus sagraveo avessos ao trabalho manual estereoacutetipo muito em voga nos ciacuterculos anti-semitas de seu tempo

100

esse setor que a colocircnia brasileira se desenvolveu explica-se melhor por uma

imposiccedilatildeo desta do que por uma escolha dos colonizadores Quanto a esse

ponto Darcy Ribeiro critica a posiccedilatildeo de Gilberto Freyre afirmando que o

judeu assume um retrato caricaturesco e impiedoso na obra gilbertiana()

(RIBEIRO 1979 84 FREYRE 1994 24)

Como muito propriamente pontua Anita Novinsky 0 que surpreende

entre as muitas contradiccedilotildees que encontramos na obra de Gilberto Fre)Te eacute que

tendo escrito numa eacutepoca impregnada de anti-semitismo e racismo acentua a

superioridade cultural dos judeus sobre os portugueses em geraL (NOVINSKY

1996 8) Da mesma forma daacute um passo agrave frente ao perceber os verdadeiros

motivos da perseguiccedilatildeo imposta pela Inquisiccedilatildeo aos judeus A resposta diz-nos

Freyre natildeo dew ser buscada na religiatildeo pois se esconde atraacutes de interesses

eCOnOI11ICOS

Sabemos ainda atraveacutes dessa grande obra que os cristatildeos-noos

chegados em terras americanas traziam consigo grandes capitais os quais

investiram nas induacutestrias de accediluacutecar (NOVINSK Y 1996 2) Com isso Casashy

Cirande amp Senzala nos faz rever a sempre recorrente acusaccedilatildeo que paira sobre

osjudeus de soacute se interessarem pelo comeacutercio o que a princiacutepio pode contradizer

o que dissemos acima mas natildeo se levannos em conta as muitas contradiccedilotildees

- releridas por Anita Novinsky - que vemos ao longo de sua obra I~ petiCitamente

possiacutevel em detenninada pm1e Gilberto FreTe deixar claro a preponderacircncia

do judeu no comeacutercio e em outra nos falar de sua relaccedilatildeo com o accediluacutecar

Mas o avanccedilo de Freyre natildeo se acha apenas em ter ele se ocupado

primeiramente do elemento judaico mas por ter se dedicado a questotildees ateacute

entatildeo desconhecidas dos historiadores Agrave iacuterente de nomes como Robel1 Mandrou

Segundo o proacuteprio Gilberto Freyre para os portugueses o ideal teria sido nagraveo uma colocircnia

de plantaccedilatildeo mas outra iacutendia com que israelitamente comerciassem em especiarias e pedras preciosas

101

--------------------------_ shy

Phil ippe Aries e Georges Duby preocupou-se igualmente com a vida cotidiana

as mulheres a casa a comida a roupa a visatildeo de mundo do homem colonial e

a sua maneira de sentir a vida o amor a morte1 (NOVINSKY 1996 4

CHACON 1983 247)

Os elementos que compotildeem Casa-Grande amp Senzala satildeo o

Iatifuumlndio monocultor da cana-de-accediluacutecar assentado quase que soacute na matildeo-deshy

obra atricana Faz parte igualmente de sua constituiccedilatildeo um cristianismo povoado

por caracteriacutesticas indiacutegenas e africanas tudo accedilambarcado pela figura do

patriarcalismo representado pelo senhor de engenho habitante da casa-grande

marido e pai poliacutegamo em muitos casos que husca em negras e mesticcedilas

satisfaccedilatildeo para suas necessidades de homem nem sempre encontradas nas hem

comportadas esposas (RIBEIRO 1979 82)

Mas essa importacircncia em demasia dada agrave famiacutelia patriarcal eacute alvo

de criacutetica por parte de Dare) Ribeiro Na visagraveo deste autor Gilherto Freyre

esqueceu-se de anal isar a natildeo- tam iacutel ia esta antitam iacutelia matricecircntrica de ontem e

de hoje que eacute a matildee pohre preta ou hranca parideira que gcrou e criou o

Brasil-massa (RIBEIRO 1979 82)

Na anaacutelise de Fre)Te preocupado em fixar e interpretar a tom1accedilatildeo

da famiacutelia hrasileira a casa-grande natildeo foi meacuterito apenas da cultura accedilucareira

mas tamheacutem do sul cafeicultor regiatildeo igualmente monocultora e escravocrata

Ligada agravecasa-grande estaacute o patriarcalismo escravocrata e poliacutegamo juntamente

com a presenccedila marcante do cristianismo mesclado agraves crendices da senzala

Foi Freyre ainda quem primeiro trabalhou com toacutepicos como t~uniacutelia sexualidade infacircncia

e cultura material antecipando a Nova Histoacuteria dos anos 70 e 80 Falando do impacto que (usa-vrandu amp )middotunua causou fora do Brasil Vamireh Chacon coloca bem sua importagravencia para renomados historiadores Um historiador da Escola dos Al11acs Peter Burke mostrou como foi Gi Iberto Freyre quem intluenciou Fernand Braudel naquelas direccedilotildees nagraveo BraudeJ a Gilberto Freyre

102 Awsso asomiddotraccedilawha 3 11 3 r lSmiddot III JUI1 200

o problema aqui eacute que o engenho descrito em Casa-Grande amp

Senzala natildeo existiu pois eacute fantasioso e exagerado E mesmo descontando-se os

excessos o modelo proposto se restringiria mais a Pernambuco natildeo extensivo

portanto ao restante do Brasil Ainda tratando desse universo dominado pelo

engenho fica patente que Gilberto FreTe propotildee um governo ao Brasil tal qual

se governava um engenho Esse aspecto natildeo de todo expliacutecito mostra um

Gilberto do passado homem que se refugia em suas lemhranccedilas para descrever

uma sociedade que natildeo mais existe

Na formaccedilatildeo da sociedade brasileira Gi lberto FreTe nos diz que

a tagravelta de mulheres na colocircnia obrigou o europeu a confraternizar-se com o iacutendio

e com o escravo fator que contribuiu para diminuir a distacircncia entre senhores e

escravos entre a casa-grande e a mata tropicaL E a mulher indiacutegena entatildeo eacute

considerada como a base da formaccedilatildeo da iacuteagravemiacutelia brasileira acolhendo os

portugueses que aqui chegaram ressentidos pela escassez de mulher europeacuteia

Tamheacutem muito dos costumes que ~judaram na constituiccedilatildeo do povo hrasileiro

foi-lhe transmitido pela iacutendia (FREYRE 1994 94)

Mas se a mulher indiacutegena merece destaque o mesmo natildeo ocorre

com o homem indiacutegena que teria contrihuiacutedo mais com seus conhecimentos

guerreiros quer na defesa da colocircnia contra invasotildees estrangeiras quer no

alargamento das fronteiras rumo ao interior Pouca ou quase nenhuma contrihuiccedilatildeo

deu quanto ao trabalho agriacutecola ausecircncia explicada em parte por sua tradiccedilatildeo

de homem da floresta caccedilador portanto Na cultura indiacutegena o cultivo do solo

era tarefa eminentemente destinada agraves mulheres

Nesse mundo de proximidades a liacutengua portuguesa constituiu-se

em mais uma prova da confraternizaccedilatildeo entre partes distintas O uso riacutegido que

o portuguecircs tagravezia dos pronomes foi pelo escravo abrandado apontando e

reforccedilando a confraternizaccedilatildeo Poreacutem FreTe natildeo deixa de ver como o homem

branco crescia aprendendo a usar o poder sobre o negro Criados juntos senhor

Avesso avesso Araccedilalllha 3 n) p 98 _ III JlIn 2005 103

e escravo logo se diferenciavam levando o primeiro a desenvolver muitas vezes

tendecircncias saacutedicas subjugando e humilhando seu companheiro de brincadeiras

(FREYRE 1994 335-337) Nesse sentido o Brasil paiacutes formado por uma

seacuterie de antagonismos pode ser resumido num mais abrangente aquele que

coloca em lados opostoso senhor e o escravo (FREYRE 1994 53)

Essa predisposiccedilatildeo do portuguecircs agrave miscigenaccedilatildeo estaacute ligada ao seu

passado histoacuterico ao seu contato anterior com a Aacutefrica Para Gilberto FreyTe o

portuguecircs eacute um povo indefinido entre a Europa e a Aacutefrica1 (FREYRE 1994

5-6) Nesse sentido a tagravecilidade com que o portuguecircs se adaptou ao clima tropical

o ajudou em sua escalada colonizadora Obra conseguida por poucos brancos

a adaptabilidade lusitana deve-se agrave proacutepria especificidade de seu territoacuterio pois

que nas condiccedilotildees tisicas de solo e de temperatura Portugal eacute antes Aacutefrica do

que Europa (FREYRE 1994 10)

Mas natildeo deixa de ligar o sucesso da colonizaccedilatildeo portuguesa nos

troacutepicos agrave intluecircncia do elemento semita povo que imprimiu aos lusitanos

caracteres adaptativos que os possibilitaram a melhor sobreviver em habitat

tropical (FREYRE 1994 8) A facilidade para mover-se com desenvoltura

herdada em parte dos semitas explicaria entatildeo o sucesso da empresa

colonizadora juntamente com o gosto do portuguecircs pelo intercurso social e

sexual com raccedilas de cor praacutetica trazida do contato com os norte-africanos

(FREYRE 1994 9) Mal alimentado o portuguecircs eacute visto por Freyre como o

menos cruel dos colonizadores e mais afeito agrave miscigenaccedilatildeo caracteriacutestica

resultante de uma maior plasticidade social (FREYRE 1994 189)

A influecircncia moura chegou ao Brasil trazida pelo portuguecircs

colonizador Os seacuteculos que permaneceram na Peniacutensula Ibeacuterica imprimiram na

cultura lusitana caracteriacutesticas mouriscas visiacuteveis ainda hoje abrangendo todos

xComo afirma o autor Portugal era um paiacutes influenciado pela Aacutefrica condicionado pelo

clima africano solapado pela miacutestica sensual do Islamismo

104 Avesso avesso Araccedilatuba v3 n3 p 98middot III illll 2005

os niacuteveis da vida portuguesa Assim amplamente amalgamados com os mouros

os portugueses acabaram por trazer agrave colocircnia americana traccedilos culturais dos

nOIte-africanos

Se por um lado o mouro ajudou a criar o portuguecircs influenciou

igualmente a presenccedila judaica agindo ambos no sentido de deseuropeizar a

cultura portuguesa Mas volta o autor a imprimir ao judeu caracteriacutesticas

estereotipadas afirmando que suas matildeos foram transformadas em garras

incapazes de semear e de criar (FREYRF 1994 226231 )

Mas podemos perceber que a proposiccedilatildeo da obra caminha no

sentido de mostrar que a modernidade do colonizador portuguecircs nagraveo estuacute no

seu burguesismo mas na miscigenaccedilatildeo racial O avanccedilo desloca-se p0l1anto

do econoacutemico para o cultural

A empresa colonizadora proposta por Portugal eacute ainda mais

valorizada quando se consideram as harreiras naturais a serem vencidas A

comeccedilar peIa mudanccedila da base alimentar trocando-se o trigo pela mandioca

Posteriormente o clima tropical tornou mais penoso o trabalho da terra

problemas nagraveo enfrentados por exemplo pelos povoadores da Ameacuterica do

0I1e l (FRERF 1994 15)

A colonizaccedilatildeo pOl1uguesa abriu caminho na histoacuteria para um novo

tipo de exploraccedilatildeo Deixou de lado a tiacutepica exploraccedilatildeo mineral vegetal ou animal

e dedicou-se a criar a riqueza no proacuteprio local patrocinando o povoamento da

tella (FREYRE 1994 17) Dessa tlt)rIna inaugurou o pOl1uguecircs a (o(il1ia

Quanto a essa posiccedilatildeo questionaacutevel em relaccedilatildeo ao judeu eja-se a passagem que se

segue referindo-se agrave formaccedilatildeo agraacuteria portuguesa Fregt re lembra que esse passado fora penertido pela atiidade comercial dos judeus

I Problemas de ordem natural tambeacutem tiveram que ser vencidos como os rios as formigas

as lagartas e inuacutemeras outras pragas II Haacute que se considerar que mesmo essa criaccedilatildeo de riqueza na colocircnia visava primeiramente

a exportaccedilatildeo

105

------------------------___-shy

de planlaccediltio tendo por base a exploraccedilatildeo agriacutecola fixando o colono a terra

Nesse tipo de colocircnia utilizou-se largamente das riquezas naturais exploradas

com o auxiacutelio de uma matildeo-de-obra nativa substituiacuteda posteriormente pelo

escravo africano l (FREYRE 1994 17)

Jaacute a partir da terceira deacutecada da colonizaccedilatildeo a famiacutelia rural se

impotildee promovendo ela o avanccedilo da colocircnia e marcando presenccedila tatildeo

significante que nem mesmo o Estado portuguecircs conseguiu se lhe impor pois

sobre ela o rei de Portugal quase que reina sem governar (FREYRE 1994

19) Entatildeo os louros da vitoacuteria devem ser creditados mais agrave iniciativa privada do

que ao Estado portuguecircs sempre sumiacutetico (FREYRE 1994 18) No

alargamento das tronteiras por exemplo a accedilagraveo de particulares foi bem mais

cxpressiva que a do govemo Assinados contratos estipulando limites acabaram

sendo ignorados pela iniciativa privada

Nessa marcha para a fixaccedilatildeo em novo telTitoacuterio () catolicismo seniu

ao colonizador como Uumltor de uniatildeo Aos que chegavam ao Brasil muitos dos

quais estrangeiros natildeo se olhavam caracteres tlsieos mas a religiatildeo professada

Como lembra Fre)Te o estrangeiro nagraveo representava perigo agrave unidade mas sim

() herege Ao ti)rasteiro bastava saber rezar o padre-nosso e a ave-maria

dizer Creio-em-Deus-Padrc fazer o pelo-sinal-da-Santa-Cruz para ser bcm

recebido L (FREYRE 1994 29-30)

E lemento importante para o portuguecircs eacute a rei igiatildeo que ampara a

colonizaccedilatildeo Nesse sentido a capela do engenho substitui a estrutura eclesiaacutestica

ausente e que age como fator aglutinador Assim eacute no acircmbito da tamiacutelia que a

religiatildeo se desenvolve essa religiosidade domeacutesticn que acaba por dar a tocircnica

da religiosidade brasileira

C Nesse sentido Freyre afirma que o instrumento de trabalho (a matildeo-de-obra escrava) agiu igualmente como elemento formador da famiacutelia brasileira I Nesse sentido o Catolicismo foi realmente o cimento da nossa unidade

106

Assim o problema vivido pelo colonizador em relaccedilatildeo ao outro

ligava-se mais agrave feacute do que ao fato de ser estrangeiro Era contra o herege que

lutavam os lusitanos natildeo simplesmente contra homens pertencentes a outras

naccedilotildees Situaccedilatildeo semelhante veriticou-se quanto ao indiacutegena hereacutetico que

devia ser combatido por sua falta de feacute natildeo por pertencer a uma raccedila diferente

E nesse universo congregante as caracteriacutesticas fiacutesicas do Brasil

como o c lima e o solo que poderiam ter agido como fator desagregador agiu

num sentido inverso A uniatildeo se deu em grande parte no sentido de vencer as

vicissitudes impostas por uma terra inoacutespita A solidariedade nasceu da

necessidade de se middotencerjuntos a natureza

Fator importante da ohra o latituumlndio monocultor eacute apontado por

Gilhlrto Freyre como uma das causas responsaacuteveis pela maacute alimentaccedilatildeo na

colocircnia e a consequumlente maacute fomlaccedilatildeo do brasileiro A ideacuteia que ) Brasil era um

paraiacuteso gastronoacutemico natildeo condiz com a realidade de privaccedilotildees que se veritica

onde a elite em poucas ocasiotildees -como as testas - conseguia tagravertar-se Uacute mesa

(FREYRE 1994 29-30)

essa carencia alimentar eacute ahel1a uma exceccedilatildeo quando se hlla de

Satildeo Paulo Aqui para os lados do Sul os paulistas nutriam-se melhor em irtudc

principalmente da diersifiacutecaccedilatildeo de atividades - a agriacutecola e a pastoril Essa

melhor (m11a de alimentaccedilatildeo acabou por influenciar na sauacutede dos paulistas

menos propensos a uma seacuterie de enfcnniacutedades

Mas um dos prohlemas de Casa-Grande amp Senzala estaacute

relacionado ao encontro de culturas Gilberto Frevre afirma muito

apropriadamente que a chegada do europeu desestruturou a ham10nia existente

entre o indiacutegena c seu meio Poreacutem eacute justamente aqui que a criacutetica se insere

pois Fre) Te utiliza-se de te11110S bastante questionaacuteveis como atrasado-adiantado

j Freyre credita a deticiecircncia de formaccedilatildeo do brasileiro a fatores como o clima a miscigenaccedilatildeo

e a carecircncia alimentar por que passa a populaccedilatildeo

~) lttlgtsn raccedilawha ~ 11 r ()ji - III JUIl 20l 107

e superh)r-inferior Ao se referir ao contato do europeu com o iacutendio afirma

que desse encontro principia a degradaccedilatildeo da raccedila atrasada ao contato da

adiantada (FREYRE 1994 89)

Portanto o encontro dessas duas culturas a europeacuteia e a indiacutegena

produziu para esta um cenaacuterio de destruiccedilatildeo vivido ainda hoje Como bem lembra

Gilberto Fre-Te embora utilize tennos totalmente questionaacuteveis esse encontro

produziu exlerminio ou degradaccedilcio pois o europeu desconsiderou o outro

enquanto produtor de cultura negando a entrar em contato com o universo

cultural indiacutegena (FREYRE 1994 109) E sem duacutevida a contribuiccedilatildeo de Casashy

Grande amp Senzala nesse sentido estaacute em ter apontado um problema tatildeo seacuterio

que f()i o extermiacutenio dos povos indiacutegenas os verdadeiros donos da terra

Nesse processo de degradaccedilatildeo os jesuiacutetas desempenharam um

imp0l1ante papel Suas missotildees agiram no sentido da imobilizaccedilatildeo tirando do

iacutendio uma de suas caracteriacutesticas mais marcantes ou seja a ida dispersa e

J1(jmade A destruiccedilatildeo de um modo de vida todo peculiar se deu por mecanismos

poderosos atraveacutes da catequese ou do sistema moral pedagoacutegico e de

organizaccedilatildeo e divisatildeo sexual do trabalho imposto pelos jesuiacutetas (FREYRE

1994 110)

o trabalho jesuiacutetico atuou em duas frentes que ao final se

complementaram Por um lado tornou o iacutendio daacutecil e meliacutefluo seminarista

llmndo-o aceitar a religiatildeo e a cultura do invasor Essa primeira dominaccedilatildeo

abriu caminho para interesses econoacutemicos transfoacutern1ando a populaccedilatildeo indiacutegena

em serviccedilais obedientes produtores de riquezas que acabaram sendo

apropriadas pelos jesuiacutetas (FREYRE 1994 146-147)

O brasileiro traz consigo a marca do indiacutegena e do africano quer

seja na alma quer seja no corpo E Freyre chega a colocar novamente numa

comparaccedilatildeo perigosa a cultura africana em patamar superior agrave do indiacutegena e a

do proacuteprio colonizador Assim em mateacuteria de contribuiccedilatildeo ao progresso

108 Asso ltlnsso raccedilatuha ~ n ~p 9R - II I JUI1 2005

--~---- ~------------------------

econocircmico da colocircnia o africano teria desempenhado papel mais importante

que o indiacutegena e o proacuteprio portuguecircs principalmente no litoral agraacuterio

(FREYRE 1994 285)

A adaptabilidade do negro ao clima tropical eacute creditada a fatores

psicoloacutegicos e fisioloacutegicos e tambeacutem devido agrave capacidade do negro de transpirar

por todo o corpo e natildeo apenas pelos sovacos (FREYRE 1994 287)AquL

pelo menos Freyre natildeo acredita na medida e peso do ceacuterebro como indicativos

da inteligecircncia humana Baseando-se em pesquisadores reconhecidos afim1a

que jaacute natildeo eacute mais aceita a superioridade mentaL inata e hereditaacuteria dos hrancos

sobre os negros (FREYRE 1994 294)

Ao se referir aos negros vindos para o Brasil o autor alel1a para a

imp0l1acircncia de se fazer ii diferenccedila entre eles haja vista terem saiacutedo de lugares

diferentes p0l1adores de culturas diferentes lf (FREYRE 1994 298-299) Para

caacute teriam vindo o melhor da cultura negra da Aacutefrica contribuiccedilatildeo importante

na formaccedilatildeo brasileira Nesse sentido ainda segundo Freyre o Brasil foi

privilegiado toma-se em comparaccedilatildeo o sul norte-americano que natildeo pocircde

contar com elementos da elite africana (FREYRE 1994 299-300) Citando

outros autores tenta mostrar a superioridade da cultura negra tanto sohre a

indiacutegena quanto sobre a portuguesa o trahalho de metais a criaccedilatildeo de gado e a

cul inaacuteria contribuiccedilotildees aflicanas que enriqueceram a cultura hrasileira (FREYRE

1994 307-308)

Um erro apontado por Fre)Te eacute julgar o negro pelo comportamento

do escravo Toda imoralidade proacutepria do sistema escravocrata eacute impingida ao

negro como se tais caracteriacutesticas fossem suas por natureza (FREYRE 1994

314-317) E aqui mais uma vez vemos a marca do inovador ao nos mostrar o

I Freyre na tentativa de relativizar a superioridade ou inferioridade de culturas nagraveo daacute conta de redimir o erro que eacute considerar uma cultura uperior agrave outra I Assim importa determinarmos a aacuterea de cultura de procedecircncia dos escra os evitandoshyse o erro de eII11OS no africano lima soacute e indistinta figura de pela da guine ou de pref() da

CosIa

Asso ltIS Araccedilatuha 3 11 3 P 91 - III JlIl1 2005 109

erro em se atribuir ao negro defeitos oriundos da condiccedilatildeo proacutepria do escravo

O grande preconceito que perpassa a historiografia brasileira diz

respeito agrave miscigenaccedilatildeo Gilberto FreyTe rompe com essa tendecircncia ao ver esse

fator atraveacutes de uma oacutetica positiva principalmente ao colocar o negro enquanto

elemento superior

Chegado ao Brasil o negro passou por um processo de

desafricanizaccedilatildeo levado a cabo pela catequese auxi liada nessa cruzada de

conversatildeo pela caIm-grande e principalmente pela senzala ao misturar esta uacuteltima

os receacutem-chegados com os veteranos jaacute abrasileirados Outros fatores

responsaacuteveis por esse abrasileiramento do negro apontados na obra satildeo o

meio fiacutesico a alimentaccedilatildeo e o sistema de trabalho (FREYRE 1994 357-358)

Para techar essa modesta anaacutelise de uma obra tatildeo importante e

marcante da historiografia brasileira c na tentativa de melhor entender autor

muitas vezes mal compreendido dou a palavra a Roberto DaMatta que vecirc a

obra de Gilberto Fre)Te de forma original e misturada como seu autor de um

lado perdida numa vaidade doentia e quase perversamente atraiacuteda pelo elogio e

pelo poder e de outro eternamente fascinada e atraiacuteda pelo pequeno mundo

dos homens comuns dos desejos secretos e dos gestos humildes (DAMATTA

19877)

DA SILVA Marco Antonio 1unes The issue ofcultural hierarchy in Gilberto

Freire Avesso do Avesso Revista Educaccedilatildeo e Cultura Araccedilatuba v3 n3

p 98 - 111 jun 2005

Abstract This article proposes an analysis ofthe masterwork ofGilberto Freire

Casa-Grande amp Senzala from the cultural view highlighting in a brief way the

main novelties approached in the book such as some critics and stereotypes

110 Anss(l ansstl Araccedilatuha 3 113 p ltIRmiddot I I UII 2005

which still remain - manyofwhich boundingthe frontierofprejudice- even in a

innovative vork like this one

Key words Gilberto Freire cultural hierarchy BraziI ieacuteUl nOlthwest ne christians

patriarchal1~lmily African culture Casa Grande amp Senzala

Referecircncias Bibliograacuteficas

ARAtrlO Ricardo Benzaquen de Guerra e Paz Casa-Grande amp Senzala e a

obra de Gilbel10 Freyre nos anos 30 Rio de Janeiro Editora 34 1994

CHACOI Vamireh Gilberto Freyre lJma biografia intelectual Recife

Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Editora Massangana Satildeo Paulo Companhia Editora

Nacional 1993

DAMATTA Roberto A originalidade de Gilberto Freyremiddotmiddot ln Boletim

Inform~ltiYo e Bibliograacutefico de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro n 242

semestre dt 1987 pp 3-10

FRrYRE Gilberto Casa-Grande amp Senzala ttmnaccedilatildeo da famiacutelia brasileira

sob o regime da economia patriarcal 29 cd Rio de Janeiro Editora Record

1994

NOVINSKY Anita Os judeus na obra de Gilberto Fre)Te ln Conferecircncia

apresentada na semana dedicada aos estudos sobre Gilberto Freyre

Recife 1996

RIBEIRO Darcy Gentidades Gilbel10 Frevre Casa-Grande amp Senzala

ln Ensaios Insoacutelitos Porto Alegre L amp PM Editores 1979 pp 63-107

III

Em meio a essas criacuteticas Darcy Ribeiro em seus Ensaios Insoacutelitos

tece elogios rasgados agrave obra de Gilberto Fre)Te sem contudo deixar de criticaacuteshy

la Como o proacuteprio Darc) afinna muito a contragosto Gilberto FreTe escreveu

a olml mais importante da cultura brasileira (RIBEIRO 1979 64) Mas mesmo

tecendo tatildeo grande elogio espanta-se por natildeo entender como um homem tatildeo

tacanhamente reacionaacuterio no plano poliacutetico possa ter escrito obra de tatildeo grande

envergadura~ (NOVINSKY 1996 11) Poreacutem aponta que a obra de Freyre

nos fez ver com orgulho nossos ancestrais e a nos reconciliannos com nossa

ancestralidade lusitana e negra de que todos nos vexaacutevamos um pouco

(RIBEIRO 1979 65)

Elogios sagraveo tambeacutem feitos por Roberto DaMatta Afinna este autor

que Gilberto Fre)Te rompeu com uma tradiccedilatildeo racista representada por homens

como lina Rodrigues c Oliveira Viana Enquanto estes sempre t~llam do que

nos iacutealta e de como poderiacuteamos ter sido ele [Gilbel1o Fre)Tiacute] fala do Brasil que

eacute Esse Brasil que existe antes de noacutes e que a despeito de nossa ontade

continuaraacute depois de noacutes Esse Brasil que eacute nosso Illas natildeo foi inventado por

noacutes (DAMATTA 1987 6-7)

Se de ullla forma ampla Casa-Grande amp Senzala nos tira o

constrangimento de sem10S brasileiros especificamente avanccedila ainda mais ao

romper com uma visatildeo consagrada do Nordeste a da pobreza Cenaacuterio

preponderante de sua obra eacute do litoral feacute11 iI nordestino que se ocupa a obra

nagraveo o de bode e paccediloca de securas e fomes ao contraacuterio eacute o do siri e do

piratildeo da cana e do massapeacute (RIBEIRO 1979 81 )

Agradtccedilo aqui a gentileza da Professora Anita Novinsky por ter me ctJiJn antts

mesmo da publicaccedilatildeo coacutepia dt seu texto sobre o aspecto judaico na obra de Gilberto Freyre Nesse trabalho essa posiccedilatildeo de Darcy Ribeiro nagraveo eacute referendada pela Professora Anita ao afirmar que as pronunciaccedilotildees poliacuteticas [de Gilberto Freyre] a sua luta pela Democracia as perseguiccedilotildees que sofreu os exemplos de resistecircncia e de consciecircncia que deu jamais permitiragraveo julgar o conjunto de sua obra como hostil aos judeus Poreacutem mesmo criticando-o nagraveo deixa Dare) Ribeiro de comparaacute-lo a Cervantes Camotildees Tolstoi e Sartre

99

o pioneirismo gilbertiano estaacute ainda no fato de ter se dedicado a

estudar os modos de tagravelar dos escravos o espaccedilo nobre e pobre das moradas

de engenho de sua terra as praacuteticas sexuais os juramentos e as expressotildees de

blasfemias e oproacutebrio a cozinha e a comida (DAMATTA 1987 7) Igualmente

segundo Anita Novinsky Gilberto FreTe foi o primeiro estudioso da sociedade

colonial que incluiu os cristatildeos-novos entre os elementos baacutesicos que formaram

o Brasil tanto do ponto de vista econocircmico como do ponto de vista cultural

assunto que em sua eacutepoca para natildeo dizer ainda hoje - era pouco explorado

cientificamente (NOVINSK Y 1996 1-3)

Enl sua comunicaccedilatildeo Anita Novinsky atinna que o anti-semitismo

atribuiacutedo a Gilberto Freyre natildeo condiz com a verdade o anti-semitismo

moderno se alimenta da falsificaccedilatildeo da histoacuteria Freyre nunca o tez ao contraacuterio

valorizou muito mais o cristatildeo-novo do que o criticou ~ (NOVPSKY 1996

II) Se por um lado vaci la em alguns momentos quando por exemplo atribui

aos judeus interesses apenas econocircmicos por outro natildeo deixa de mostrar o

papel relevante desempenhado pelo elemento judaico na constituiccedilatildeo brasileiras

(NOVINSKY 1996 6)

Mas natildeo haacute como negar quc Gilberto Freyre mostra uma certa

dose de preconceito ao imputar aos israelitas vocaccedilotildees natildeo agriacutecolas mas

preponderantemente comerciais Sua anaacutelise caminha mais no sentido de mostrar

que o portuguecircs tinha pouca tradiccedilatildeo em lidar com a agricultura e se foi por

Como aponta a ProtessoraAnita Gilberto Freyre mostrou em 1933 com o lanccedilamento de sua obra que os judeus foram os primeiros colonos soacutel idos mecacircnicos nas faacutebricas de accediluacutecar Gilberto Freyre toi o autor que mais valorizou a imp0l1acircncia do judeu para a colocircnia Citando suas palanas Novinsky nos h1Z ver que Freyre jaacute identiticava que na prosperidade dos judeus baseou-se o imperialismo portuguecircs para expandir-se J A Professora Anita eacute categoacuterica ao afirmar que Gi Iberto Freyre abriu um caminho para os estudos dos cristatildeos-novos no Brasil Num momento especiacutetico de sua obra Gilberto afirma que os judeus sagraveo avessos ao trabalho manual estereoacutetipo muito em voga nos ciacuterculos anti-semitas de seu tempo

100

esse setor que a colocircnia brasileira se desenvolveu explica-se melhor por uma

imposiccedilatildeo desta do que por uma escolha dos colonizadores Quanto a esse

ponto Darcy Ribeiro critica a posiccedilatildeo de Gilberto Freyre afirmando que o

judeu assume um retrato caricaturesco e impiedoso na obra gilbertiana()

(RIBEIRO 1979 84 FREYRE 1994 24)

Como muito propriamente pontua Anita Novinsky 0 que surpreende

entre as muitas contradiccedilotildees que encontramos na obra de Gilberto Fre)Te eacute que

tendo escrito numa eacutepoca impregnada de anti-semitismo e racismo acentua a

superioridade cultural dos judeus sobre os portugueses em geraL (NOVINSKY

1996 8) Da mesma forma daacute um passo agrave frente ao perceber os verdadeiros

motivos da perseguiccedilatildeo imposta pela Inquisiccedilatildeo aos judeus A resposta diz-nos

Freyre natildeo dew ser buscada na religiatildeo pois se esconde atraacutes de interesses

eCOnOI11ICOS

Sabemos ainda atraveacutes dessa grande obra que os cristatildeos-noos

chegados em terras americanas traziam consigo grandes capitais os quais

investiram nas induacutestrias de accediluacutecar (NOVINSK Y 1996 2) Com isso Casashy

Cirande amp Senzala nos faz rever a sempre recorrente acusaccedilatildeo que paira sobre

osjudeus de soacute se interessarem pelo comeacutercio o que a princiacutepio pode contradizer

o que dissemos acima mas natildeo se levannos em conta as muitas contradiccedilotildees

- releridas por Anita Novinsky - que vemos ao longo de sua obra I~ petiCitamente

possiacutevel em detenninada pm1e Gilberto FreTe deixar claro a preponderacircncia

do judeu no comeacutercio e em outra nos falar de sua relaccedilatildeo com o accediluacutecar

Mas o avanccedilo de Freyre natildeo se acha apenas em ter ele se ocupado

primeiramente do elemento judaico mas por ter se dedicado a questotildees ateacute

entatildeo desconhecidas dos historiadores Agrave iacuterente de nomes como Robel1 Mandrou

Segundo o proacuteprio Gilberto Freyre para os portugueses o ideal teria sido nagraveo uma colocircnia

de plantaccedilatildeo mas outra iacutendia com que israelitamente comerciassem em especiarias e pedras preciosas

101

--------------------------_ shy

Phil ippe Aries e Georges Duby preocupou-se igualmente com a vida cotidiana

as mulheres a casa a comida a roupa a visatildeo de mundo do homem colonial e

a sua maneira de sentir a vida o amor a morte1 (NOVINSKY 1996 4

CHACON 1983 247)

Os elementos que compotildeem Casa-Grande amp Senzala satildeo o

Iatifuumlndio monocultor da cana-de-accediluacutecar assentado quase que soacute na matildeo-deshy

obra atricana Faz parte igualmente de sua constituiccedilatildeo um cristianismo povoado

por caracteriacutesticas indiacutegenas e africanas tudo accedilambarcado pela figura do

patriarcalismo representado pelo senhor de engenho habitante da casa-grande

marido e pai poliacutegamo em muitos casos que husca em negras e mesticcedilas

satisfaccedilatildeo para suas necessidades de homem nem sempre encontradas nas hem

comportadas esposas (RIBEIRO 1979 82)

Mas essa importacircncia em demasia dada agrave famiacutelia patriarcal eacute alvo

de criacutetica por parte de Dare) Ribeiro Na visagraveo deste autor Gilherto Freyre

esqueceu-se de anal isar a natildeo- tam iacutel ia esta antitam iacutelia matricecircntrica de ontem e

de hoje que eacute a matildee pohre preta ou hranca parideira que gcrou e criou o

Brasil-massa (RIBEIRO 1979 82)

Na anaacutelise de Fre)Te preocupado em fixar e interpretar a tom1accedilatildeo

da famiacutelia hrasileira a casa-grande natildeo foi meacuterito apenas da cultura accedilucareira

mas tamheacutem do sul cafeicultor regiatildeo igualmente monocultora e escravocrata

Ligada agravecasa-grande estaacute o patriarcalismo escravocrata e poliacutegamo juntamente

com a presenccedila marcante do cristianismo mesclado agraves crendices da senzala

Foi Freyre ainda quem primeiro trabalhou com toacutepicos como t~uniacutelia sexualidade infacircncia

e cultura material antecipando a Nova Histoacuteria dos anos 70 e 80 Falando do impacto que (usa-vrandu amp )middotunua causou fora do Brasil Vamireh Chacon coloca bem sua importagravencia para renomados historiadores Um historiador da Escola dos Al11acs Peter Burke mostrou como foi Gi Iberto Freyre quem intluenciou Fernand Braudel naquelas direccedilotildees nagraveo BraudeJ a Gilberto Freyre

102 Awsso asomiddotraccedilawha 3 11 3 r lSmiddot III JUI1 200

o problema aqui eacute que o engenho descrito em Casa-Grande amp

Senzala natildeo existiu pois eacute fantasioso e exagerado E mesmo descontando-se os

excessos o modelo proposto se restringiria mais a Pernambuco natildeo extensivo

portanto ao restante do Brasil Ainda tratando desse universo dominado pelo

engenho fica patente que Gilberto FreTe propotildee um governo ao Brasil tal qual

se governava um engenho Esse aspecto natildeo de todo expliacutecito mostra um

Gilberto do passado homem que se refugia em suas lemhranccedilas para descrever

uma sociedade que natildeo mais existe

Na formaccedilatildeo da sociedade brasileira Gi lberto FreTe nos diz que

a tagravelta de mulheres na colocircnia obrigou o europeu a confraternizar-se com o iacutendio

e com o escravo fator que contribuiu para diminuir a distacircncia entre senhores e

escravos entre a casa-grande e a mata tropicaL E a mulher indiacutegena entatildeo eacute

considerada como a base da formaccedilatildeo da iacuteagravemiacutelia brasileira acolhendo os

portugueses que aqui chegaram ressentidos pela escassez de mulher europeacuteia

Tamheacutem muito dos costumes que ~judaram na constituiccedilatildeo do povo hrasileiro

foi-lhe transmitido pela iacutendia (FREYRE 1994 94)

Mas se a mulher indiacutegena merece destaque o mesmo natildeo ocorre

com o homem indiacutegena que teria contrihuiacutedo mais com seus conhecimentos

guerreiros quer na defesa da colocircnia contra invasotildees estrangeiras quer no

alargamento das fronteiras rumo ao interior Pouca ou quase nenhuma contrihuiccedilatildeo

deu quanto ao trabalho agriacutecola ausecircncia explicada em parte por sua tradiccedilatildeo

de homem da floresta caccedilador portanto Na cultura indiacutegena o cultivo do solo

era tarefa eminentemente destinada agraves mulheres

Nesse mundo de proximidades a liacutengua portuguesa constituiu-se

em mais uma prova da confraternizaccedilatildeo entre partes distintas O uso riacutegido que

o portuguecircs tagravezia dos pronomes foi pelo escravo abrandado apontando e

reforccedilando a confraternizaccedilatildeo Poreacutem FreTe natildeo deixa de ver como o homem

branco crescia aprendendo a usar o poder sobre o negro Criados juntos senhor

Avesso avesso Araccedilalllha 3 n) p 98 _ III JlIn 2005 103

e escravo logo se diferenciavam levando o primeiro a desenvolver muitas vezes

tendecircncias saacutedicas subjugando e humilhando seu companheiro de brincadeiras

(FREYRE 1994 335-337) Nesse sentido o Brasil paiacutes formado por uma

seacuterie de antagonismos pode ser resumido num mais abrangente aquele que

coloca em lados opostoso senhor e o escravo (FREYRE 1994 53)

Essa predisposiccedilatildeo do portuguecircs agrave miscigenaccedilatildeo estaacute ligada ao seu

passado histoacuterico ao seu contato anterior com a Aacutefrica Para Gilberto FreyTe o

portuguecircs eacute um povo indefinido entre a Europa e a Aacutefrica1 (FREYRE 1994

5-6) Nesse sentido a tagravecilidade com que o portuguecircs se adaptou ao clima tropical

o ajudou em sua escalada colonizadora Obra conseguida por poucos brancos

a adaptabilidade lusitana deve-se agrave proacutepria especificidade de seu territoacuterio pois

que nas condiccedilotildees tisicas de solo e de temperatura Portugal eacute antes Aacutefrica do

que Europa (FREYRE 1994 10)

Mas natildeo deixa de ligar o sucesso da colonizaccedilatildeo portuguesa nos

troacutepicos agrave intluecircncia do elemento semita povo que imprimiu aos lusitanos

caracteres adaptativos que os possibilitaram a melhor sobreviver em habitat

tropical (FREYRE 1994 8) A facilidade para mover-se com desenvoltura

herdada em parte dos semitas explicaria entatildeo o sucesso da empresa

colonizadora juntamente com o gosto do portuguecircs pelo intercurso social e

sexual com raccedilas de cor praacutetica trazida do contato com os norte-africanos

(FREYRE 1994 9) Mal alimentado o portuguecircs eacute visto por Freyre como o

menos cruel dos colonizadores e mais afeito agrave miscigenaccedilatildeo caracteriacutestica

resultante de uma maior plasticidade social (FREYRE 1994 189)

A influecircncia moura chegou ao Brasil trazida pelo portuguecircs

colonizador Os seacuteculos que permaneceram na Peniacutensula Ibeacuterica imprimiram na

cultura lusitana caracteriacutesticas mouriscas visiacuteveis ainda hoje abrangendo todos

xComo afirma o autor Portugal era um paiacutes influenciado pela Aacutefrica condicionado pelo

clima africano solapado pela miacutestica sensual do Islamismo

104 Avesso avesso Araccedilatuba v3 n3 p 98middot III illll 2005

os niacuteveis da vida portuguesa Assim amplamente amalgamados com os mouros

os portugueses acabaram por trazer agrave colocircnia americana traccedilos culturais dos

nOIte-africanos

Se por um lado o mouro ajudou a criar o portuguecircs influenciou

igualmente a presenccedila judaica agindo ambos no sentido de deseuropeizar a

cultura portuguesa Mas volta o autor a imprimir ao judeu caracteriacutesticas

estereotipadas afirmando que suas matildeos foram transformadas em garras

incapazes de semear e de criar (FREYRF 1994 226231 )

Mas podemos perceber que a proposiccedilatildeo da obra caminha no

sentido de mostrar que a modernidade do colonizador portuguecircs nagraveo estuacute no

seu burguesismo mas na miscigenaccedilatildeo racial O avanccedilo desloca-se p0l1anto

do econoacutemico para o cultural

A empresa colonizadora proposta por Portugal eacute ainda mais

valorizada quando se consideram as harreiras naturais a serem vencidas A

comeccedilar peIa mudanccedila da base alimentar trocando-se o trigo pela mandioca

Posteriormente o clima tropical tornou mais penoso o trabalho da terra

problemas nagraveo enfrentados por exemplo pelos povoadores da Ameacuterica do

0I1e l (FRERF 1994 15)

A colonizaccedilatildeo pOl1uguesa abriu caminho na histoacuteria para um novo

tipo de exploraccedilatildeo Deixou de lado a tiacutepica exploraccedilatildeo mineral vegetal ou animal

e dedicou-se a criar a riqueza no proacuteprio local patrocinando o povoamento da

tella (FREYRE 1994 17) Dessa tlt)rIna inaugurou o pOl1uguecircs a (o(il1ia

Quanto a essa posiccedilatildeo questionaacutevel em relaccedilatildeo ao judeu eja-se a passagem que se

segue referindo-se agrave formaccedilatildeo agraacuteria portuguesa Fregt re lembra que esse passado fora penertido pela atiidade comercial dos judeus

I Problemas de ordem natural tambeacutem tiveram que ser vencidos como os rios as formigas

as lagartas e inuacutemeras outras pragas II Haacute que se considerar que mesmo essa criaccedilatildeo de riqueza na colocircnia visava primeiramente

a exportaccedilatildeo

105

------------------------___-shy

de planlaccediltio tendo por base a exploraccedilatildeo agriacutecola fixando o colono a terra

Nesse tipo de colocircnia utilizou-se largamente das riquezas naturais exploradas

com o auxiacutelio de uma matildeo-de-obra nativa substituiacuteda posteriormente pelo

escravo africano l (FREYRE 1994 17)

Jaacute a partir da terceira deacutecada da colonizaccedilatildeo a famiacutelia rural se

impotildee promovendo ela o avanccedilo da colocircnia e marcando presenccedila tatildeo

significante que nem mesmo o Estado portuguecircs conseguiu se lhe impor pois

sobre ela o rei de Portugal quase que reina sem governar (FREYRE 1994

19) Entatildeo os louros da vitoacuteria devem ser creditados mais agrave iniciativa privada do

que ao Estado portuguecircs sempre sumiacutetico (FREYRE 1994 18) No

alargamento das tronteiras por exemplo a accedilagraveo de particulares foi bem mais

cxpressiva que a do govemo Assinados contratos estipulando limites acabaram

sendo ignorados pela iniciativa privada

Nessa marcha para a fixaccedilatildeo em novo telTitoacuterio () catolicismo seniu

ao colonizador como Uumltor de uniatildeo Aos que chegavam ao Brasil muitos dos

quais estrangeiros natildeo se olhavam caracteres tlsieos mas a religiatildeo professada

Como lembra Fre)Te o estrangeiro nagraveo representava perigo agrave unidade mas sim

() herege Ao ti)rasteiro bastava saber rezar o padre-nosso e a ave-maria

dizer Creio-em-Deus-Padrc fazer o pelo-sinal-da-Santa-Cruz para ser bcm

recebido L (FREYRE 1994 29-30)

E lemento importante para o portuguecircs eacute a rei igiatildeo que ampara a

colonizaccedilatildeo Nesse sentido a capela do engenho substitui a estrutura eclesiaacutestica

ausente e que age como fator aglutinador Assim eacute no acircmbito da tamiacutelia que a

religiatildeo se desenvolve essa religiosidade domeacutesticn que acaba por dar a tocircnica

da religiosidade brasileira

C Nesse sentido Freyre afirma que o instrumento de trabalho (a matildeo-de-obra escrava) agiu igualmente como elemento formador da famiacutelia brasileira I Nesse sentido o Catolicismo foi realmente o cimento da nossa unidade

106

Assim o problema vivido pelo colonizador em relaccedilatildeo ao outro

ligava-se mais agrave feacute do que ao fato de ser estrangeiro Era contra o herege que

lutavam os lusitanos natildeo simplesmente contra homens pertencentes a outras

naccedilotildees Situaccedilatildeo semelhante veriticou-se quanto ao indiacutegena hereacutetico que

devia ser combatido por sua falta de feacute natildeo por pertencer a uma raccedila diferente

E nesse universo congregante as caracteriacutesticas fiacutesicas do Brasil

como o c lima e o solo que poderiam ter agido como fator desagregador agiu

num sentido inverso A uniatildeo se deu em grande parte no sentido de vencer as

vicissitudes impostas por uma terra inoacutespita A solidariedade nasceu da

necessidade de se middotencerjuntos a natureza

Fator importante da ohra o latituumlndio monocultor eacute apontado por

Gilhlrto Freyre como uma das causas responsaacuteveis pela maacute alimentaccedilatildeo na

colocircnia e a consequumlente maacute fomlaccedilatildeo do brasileiro A ideacuteia que ) Brasil era um

paraiacuteso gastronoacutemico natildeo condiz com a realidade de privaccedilotildees que se veritica

onde a elite em poucas ocasiotildees -como as testas - conseguia tagravertar-se Uacute mesa

(FREYRE 1994 29-30)

essa carencia alimentar eacute ahel1a uma exceccedilatildeo quando se hlla de

Satildeo Paulo Aqui para os lados do Sul os paulistas nutriam-se melhor em irtudc

principalmente da diersifiacutecaccedilatildeo de atividades - a agriacutecola e a pastoril Essa

melhor (m11a de alimentaccedilatildeo acabou por influenciar na sauacutede dos paulistas

menos propensos a uma seacuterie de enfcnniacutedades

Mas um dos prohlemas de Casa-Grande amp Senzala estaacute

relacionado ao encontro de culturas Gilberto Frevre afirma muito

apropriadamente que a chegada do europeu desestruturou a ham10nia existente

entre o indiacutegena c seu meio Poreacutem eacute justamente aqui que a criacutetica se insere

pois Fre) Te utiliza-se de te11110S bastante questionaacuteveis como atrasado-adiantado

j Freyre credita a deticiecircncia de formaccedilatildeo do brasileiro a fatores como o clima a miscigenaccedilatildeo

e a carecircncia alimentar por que passa a populaccedilatildeo

~) lttlgtsn raccedilawha ~ 11 r ()ji - III JUIl 20l 107

e superh)r-inferior Ao se referir ao contato do europeu com o iacutendio afirma

que desse encontro principia a degradaccedilatildeo da raccedila atrasada ao contato da

adiantada (FREYRE 1994 89)

Portanto o encontro dessas duas culturas a europeacuteia e a indiacutegena

produziu para esta um cenaacuterio de destruiccedilatildeo vivido ainda hoje Como bem lembra

Gilberto Fre-Te embora utilize tennos totalmente questionaacuteveis esse encontro

produziu exlerminio ou degradaccedilcio pois o europeu desconsiderou o outro

enquanto produtor de cultura negando a entrar em contato com o universo

cultural indiacutegena (FREYRE 1994 109) E sem duacutevida a contribuiccedilatildeo de Casashy

Grande amp Senzala nesse sentido estaacute em ter apontado um problema tatildeo seacuterio

que f()i o extermiacutenio dos povos indiacutegenas os verdadeiros donos da terra

Nesse processo de degradaccedilatildeo os jesuiacutetas desempenharam um

imp0l1ante papel Suas missotildees agiram no sentido da imobilizaccedilatildeo tirando do

iacutendio uma de suas caracteriacutesticas mais marcantes ou seja a ida dispersa e

J1(jmade A destruiccedilatildeo de um modo de vida todo peculiar se deu por mecanismos

poderosos atraveacutes da catequese ou do sistema moral pedagoacutegico e de

organizaccedilatildeo e divisatildeo sexual do trabalho imposto pelos jesuiacutetas (FREYRE

1994 110)

o trabalho jesuiacutetico atuou em duas frentes que ao final se

complementaram Por um lado tornou o iacutendio daacutecil e meliacutefluo seminarista

llmndo-o aceitar a religiatildeo e a cultura do invasor Essa primeira dominaccedilatildeo

abriu caminho para interesses econoacutemicos transfoacutern1ando a populaccedilatildeo indiacutegena

em serviccedilais obedientes produtores de riquezas que acabaram sendo

apropriadas pelos jesuiacutetas (FREYRE 1994 146-147)

O brasileiro traz consigo a marca do indiacutegena e do africano quer

seja na alma quer seja no corpo E Freyre chega a colocar novamente numa

comparaccedilatildeo perigosa a cultura africana em patamar superior agrave do indiacutegena e a

do proacuteprio colonizador Assim em mateacuteria de contribuiccedilatildeo ao progresso

108 Asso ltlnsso raccedilatuha ~ n ~p 9R - II I JUI1 2005

--~---- ~------------------------

econocircmico da colocircnia o africano teria desempenhado papel mais importante

que o indiacutegena e o proacuteprio portuguecircs principalmente no litoral agraacuterio

(FREYRE 1994 285)

A adaptabilidade do negro ao clima tropical eacute creditada a fatores

psicoloacutegicos e fisioloacutegicos e tambeacutem devido agrave capacidade do negro de transpirar

por todo o corpo e natildeo apenas pelos sovacos (FREYRE 1994 287)AquL

pelo menos Freyre natildeo acredita na medida e peso do ceacuterebro como indicativos

da inteligecircncia humana Baseando-se em pesquisadores reconhecidos afim1a

que jaacute natildeo eacute mais aceita a superioridade mentaL inata e hereditaacuteria dos hrancos

sobre os negros (FREYRE 1994 294)

Ao se referir aos negros vindos para o Brasil o autor alel1a para a

imp0l1acircncia de se fazer ii diferenccedila entre eles haja vista terem saiacutedo de lugares

diferentes p0l1adores de culturas diferentes lf (FREYRE 1994 298-299) Para

caacute teriam vindo o melhor da cultura negra da Aacutefrica contribuiccedilatildeo importante

na formaccedilatildeo brasileira Nesse sentido ainda segundo Freyre o Brasil foi

privilegiado toma-se em comparaccedilatildeo o sul norte-americano que natildeo pocircde

contar com elementos da elite africana (FREYRE 1994 299-300) Citando

outros autores tenta mostrar a superioridade da cultura negra tanto sohre a

indiacutegena quanto sobre a portuguesa o trahalho de metais a criaccedilatildeo de gado e a

cul inaacuteria contribuiccedilotildees aflicanas que enriqueceram a cultura hrasileira (FREYRE

1994 307-308)

Um erro apontado por Fre)Te eacute julgar o negro pelo comportamento

do escravo Toda imoralidade proacutepria do sistema escravocrata eacute impingida ao

negro como se tais caracteriacutesticas fossem suas por natureza (FREYRE 1994

314-317) E aqui mais uma vez vemos a marca do inovador ao nos mostrar o

I Freyre na tentativa de relativizar a superioridade ou inferioridade de culturas nagraveo daacute conta de redimir o erro que eacute considerar uma cultura uperior agrave outra I Assim importa determinarmos a aacuterea de cultura de procedecircncia dos escra os evitandoshyse o erro de eII11OS no africano lima soacute e indistinta figura de pela da guine ou de pref() da

CosIa

Asso ltIS Araccedilatuha 3 11 3 P 91 - III JlIl1 2005 109

erro em se atribuir ao negro defeitos oriundos da condiccedilatildeo proacutepria do escravo

O grande preconceito que perpassa a historiografia brasileira diz

respeito agrave miscigenaccedilatildeo Gilberto FreyTe rompe com essa tendecircncia ao ver esse

fator atraveacutes de uma oacutetica positiva principalmente ao colocar o negro enquanto

elemento superior

Chegado ao Brasil o negro passou por um processo de

desafricanizaccedilatildeo levado a cabo pela catequese auxi liada nessa cruzada de

conversatildeo pela caIm-grande e principalmente pela senzala ao misturar esta uacuteltima

os receacutem-chegados com os veteranos jaacute abrasileirados Outros fatores

responsaacuteveis por esse abrasileiramento do negro apontados na obra satildeo o

meio fiacutesico a alimentaccedilatildeo e o sistema de trabalho (FREYRE 1994 357-358)

Para techar essa modesta anaacutelise de uma obra tatildeo importante e

marcante da historiografia brasileira c na tentativa de melhor entender autor

muitas vezes mal compreendido dou a palavra a Roberto DaMatta que vecirc a

obra de Gilberto Fre)Te de forma original e misturada como seu autor de um

lado perdida numa vaidade doentia e quase perversamente atraiacuteda pelo elogio e

pelo poder e de outro eternamente fascinada e atraiacuteda pelo pequeno mundo

dos homens comuns dos desejos secretos e dos gestos humildes (DAMATTA

19877)

DA SILVA Marco Antonio 1unes The issue ofcultural hierarchy in Gilberto

Freire Avesso do Avesso Revista Educaccedilatildeo e Cultura Araccedilatuba v3 n3

p 98 - 111 jun 2005

Abstract This article proposes an analysis ofthe masterwork ofGilberto Freire

Casa-Grande amp Senzala from the cultural view highlighting in a brief way the

main novelties approached in the book such as some critics and stereotypes

110 Anss(l ansstl Araccedilatuha 3 113 p ltIRmiddot I I UII 2005

which still remain - manyofwhich boundingthe frontierofprejudice- even in a

innovative vork like this one

Key words Gilberto Freire cultural hierarchy BraziI ieacuteUl nOlthwest ne christians

patriarchal1~lmily African culture Casa Grande amp Senzala

Referecircncias Bibliograacuteficas

ARAtrlO Ricardo Benzaquen de Guerra e Paz Casa-Grande amp Senzala e a

obra de Gilbel10 Freyre nos anos 30 Rio de Janeiro Editora 34 1994

CHACOI Vamireh Gilberto Freyre lJma biografia intelectual Recife

Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Editora Massangana Satildeo Paulo Companhia Editora

Nacional 1993

DAMATTA Roberto A originalidade de Gilberto Freyremiddotmiddot ln Boletim

Inform~ltiYo e Bibliograacutefico de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro n 242

semestre dt 1987 pp 3-10

FRrYRE Gilberto Casa-Grande amp Senzala ttmnaccedilatildeo da famiacutelia brasileira

sob o regime da economia patriarcal 29 cd Rio de Janeiro Editora Record

1994

NOVINSKY Anita Os judeus na obra de Gilberto Fre)Te ln Conferecircncia

apresentada na semana dedicada aos estudos sobre Gilberto Freyre

Recife 1996

RIBEIRO Darcy Gentidades Gilbel10 Frevre Casa-Grande amp Senzala

ln Ensaios Insoacutelitos Porto Alegre L amp PM Editores 1979 pp 63-107

III

o pioneirismo gilbertiano estaacute ainda no fato de ter se dedicado a

estudar os modos de tagravelar dos escravos o espaccedilo nobre e pobre das moradas

de engenho de sua terra as praacuteticas sexuais os juramentos e as expressotildees de

blasfemias e oproacutebrio a cozinha e a comida (DAMATTA 1987 7) Igualmente

segundo Anita Novinsky Gilberto FreTe foi o primeiro estudioso da sociedade

colonial que incluiu os cristatildeos-novos entre os elementos baacutesicos que formaram

o Brasil tanto do ponto de vista econocircmico como do ponto de vista cultural

assunto que em sua eacutepoca para natildeo dizer ainda hoje - era pouco explorado

cientificamente (NOVINSK Y 1996 1-3)

Enl sua comunicaccedilatildeo Anita Novinsky atinna que o anti-semitismo

atribuiacutedo a Gilberto Freyre natildeo condiz com a verdade o anti-semitismo

moderno se alimenta da falsificaccedilatildeo da histoacuteria Freyre nunca o tez ao contraacuterio

valorizou muito mais o cristatildeo-novo do que o criticou ~ (NOVPSKY 1996

II) Se por um lado vaci la em alguns momentos quando por exemplo atribui

aos judeus interesses apenas econocircmicos por outro natildeo deixa de mostrar o

papel relevante desempenhado pelo elemento judaico na constituiccedilatildeo brasileiras

(NOVINSKY 1996 6)

Mas natildeo haacute como negar quc Gilberto Freyre mostra uma certa

dose de preconceito ao imputar aos israelitas vocaccedilotildees natildeo agriacutecolas mas

preponderantemente comerciais Sua anaacutelise caminha mais no sentido de mostrar

que o portuguecircs tinha pouca tradiccedilatildeo em lidar com a agricultura e se foi por

Como aponta a ProtessoraAnita Gilberto Freyre mostrou em 1933 com o lanccedilamento de sua obra que os judeus foram os primeiros colonos soacutel idos mecacircnicos nas faacutebricas de accediluacutecar Gilberto Freyre toi o autor que mais valorizou a imp0l1acircncia do judeu para a colocircnia Citando suas palanas Novinsky nos h1Z ver que Freyre jaacute identiticava que na prosperidade dos judeus baseou-se o imperialismo portuguecircs para expandir-se J A Professora Anita eacute categoacuterica ao afirmar que Gi Iberto Freyre abriu um caminho para os estudos dos cristatildeos-novos no Brasil Num momento especiacutetico de sua obra Gilberto afirma que os judeus sagraveo avessos ao trabalho manual estereoacutetipo muito em voga nos ciacuterculos anti-semitas de seu tempo

100

esse setor que a colocircnia brasileira se desenvolveu explica-se melhor por uma

imposiccedilatildeo desta do que por uma escolha dos colonizadores Quanto a esse

ponto Darcy Ribeiro critica a posiccedilatildeo de Gilberto Freyre afirmando que o

judeu assume um retrato caricaturesco e impiedoso na obra gilbertiana()

(RIBEIRO 1979 84 FREYRE 1994 24)

Como muito propriamente pontua Anita Novinsky 0 que surpreende

entre as muitas contradiccedilotildees que encontramos na obra de Gilberto Fre)Te eacute que

tendo escrito numa eacutepoca impregnada de anti-semitismo e racismo acentua a

superioridade cultural dos judeus sobre os portugueses em geraL (NOVINSKY

1996 8) Da mesma forma daacute um passo agrave frente ao perceber os verdadeiros

motivos da perseguiccedilatildeo imposta pela Inquisiccedilatildeo aos judeus A resposta diz-nos

Freyre natildeo dew ser buscada na religiatildeo pois se esconde atraacutes de interesses

eCOnOI11ICOS

Sabemos ainda atraveacutes dessa grande obra que os cristatildeos-noos

chegados em terras americanas traziam consigo grandes capitais os quais

investiram nas induacutestrias de accediluacutecar (NOVINSK Y 1996 2) Com isso Casashy

Cirande amp Senzala nos faz rever a sempre recorrente acusaccedilatildeo que paira sobre

osjudeus de soacute se interessarem pelo comeacutercio o que a princiacutepio pode contradizer

o que dissemos acima mas natildeo se levannos em conta as muitas contradiccedilotildees

- releridas por Anita Novinsky - que vemos ao longo de sua obra I~ petiCitamente

possiacutevel em detenninada pm1e Gilberto FreTe deixar claro a preponderacircncia

do judeu no comeacutercio e em outra nos falar de sua relaccedilatildeo com o accediluacutecar

Mas o avanccedilo de Freyre natildeo se acha apenas em ter ele se ocupado

primeiramente do elemento judaico mas por ter se dedicado a questotildees ateacute

entatildeo desconhecidas dos historiadores Agrave iacuterente de nomes como Robel1 Mandrou

Segundo o proacuteprio Gilberto Freyre para os portugueses o ideal teria sido nagraveo uma colocircnia

de plantaccedilatildeo mas outra iacutendia com que israelitamente comerciassem em especiarias e pedras preciosas

101

--------------------------_ shy

Phil ippe Aries e Georges Duby preocupou-se igualmente com a vida cotidiana

as mulheres a casa a comida a roupa a visatildeo de mundo do homem colonial e

a sua maneira de sentir a vida o amor a morte1 (NOVINSKY 1996 4

CHACON 1983 247)

Os elementos que compotildeem Casa-Grande amp Senzala satildeo o

Iatifuumlndio monocultor da cana-de-accediluacutecar assentado quase que soacute na matildeo-deshy

obra atricana Faz parte igualmente de sua constituiccedilatildeo um cristianismo povoado

por caracteriacutesticas indiacutegenas e africanas tudo accedilambarcado pela figura do

patriarcalismo representado pelo senhor de engenho habitante da casa-grande

marido e pai poliacutegamo em muitos casos que husca em negras e mesticcedilas

satisfaccedilatildeo para suas necessidades de homem nem sempre encontradas nas hem

comportadas esposas (RIBEIRO 1979 82)

Mas essa importacircncia em demasia dada agrave famiacutelia patriarcal eacute alvo

de criacutetica por parte de Dare) Ribeiro Na visagraveo deste autor Gilherto Freyre

esqueceu-se de anal isar a natildeo- tam iacutel ia esta antitam iacutelia matricecircntrica de ontem e

de hoje que eacute a matildee pohre preta ou hranca parideira que gcrou e criou o

Brasil-massa (RIBEIRO 1979 82)

Na anaacutelise de Fre)Te preocupado em fixar e interpretar a tom1accedilatildeo

da famiacutelia hrasileira a casa-grande natildeo foi meacuterito apenas da cultura accedilucareira

mas tamheacutem do sul cafeicultor regiatildeo igualmente monocultora e escravocrata

Ligada agravecasa-grande estaacute o patriarcalismo escravocrata e poliacutegamo juntamente

com a presenccedila marcante do cristianismo mesclado agraves crendices da senzala

Foi Freyre ainda quem primeiro trabalhou com toacutepicos como t~uniacutelia sexualidade infacircncia

e cultura material antecipando a Nova Histoacuteria dos anos 70 e 80 Falando do impacto que (usa-vrandu amp )middotunua causou fora do Brasil Vamireh Chacon coloca bem sua importagravencia para renomados historiadores Um historiador da Escola dos Al11acs Peter Burke mostrou como foi Gi Iberto Freyre quem intluenciou Fernand Braudel naquelas direccedilotildees nagraveo BraudeJ a Gilberto Freyre

102 Awsso asomiddotraccedilawha 3 11 3 r lSmiddot III JUI1 200

o problema aqui eacute que o engenho descrito em Casa-Grande amp

Senzala natildeo existiu pois eacute fantasioso e exagerado E mesmo descontando-se os

excessos o modelo proposto se restringiria mais a Pernambuco natildeo extensivo

portanto ao restante do Brasil Ainda tratando desse universo dominado pelo

engenho fica patente que Gilberto FreTe propotildee um governo ao Brasil tal qual

se governava um engenho Esse aspecto natildeo de todo expliacutecito mostra um

Gilberto do passado homem que se refugia em suas lemhranccedilas para descrever

uma sociedade que natildeo mais existe

Na formaccedilatildeo da sociedade brasileira Gi lberto FreTe nos diz que

a tagravelta de mulheres na colocircnia obrigou o europeu a confraternizar-se com o iacutendio

e com o escravo fator que contribuiu para diminuir a distacircncia entre senhores e

escravos entre a casa-grande e a mata tropicaL E a mulher indiacutegena entatildeo eacute

considerada como a base da formaccedilatildeo da iacuteagravemiacutelia brasileira acolhendo os

portugueses que aqui chegaram ressentidos pela escassez de mulher europeacuteia

Tamheacutem muito dos costumes que ~judaram na constituiccedilatildeo do povo hrasileiro

foi-lhe transmitido pela iacutendia (FREYRE 1994 94)

Mas se a mulher indiacutegena merece destaque o mesmo natildeo ocorre

com o homem indiacutegena que teria contrihuiacutedo mais com seus conhecimentos

guerreiros quer na defesa da colocircnia contra invasotildees estrangeiras quer no

alargamento das fronteiras rumo ao interior Pouca ou quase nenhuma contrihuiccedilatildeo

deu quanto ao trabalho agriacutecola ausecircncia explicada em parte por sua tradiccedilatildeo

de homem da floresta caccedilador portanto Na cultura indiacutegena o cultivo do solo

era tarefa eminentemente destinada agraves mulheres

Nesse mundo de proximidades a liacutengua portuguesa constituiu-se

em mais uma prova da confraternizaccedilatildeo entre partes distintas O uso riacutegido que

o portuguecircs tagravezia dos pronomes foi pelo escravo abrandado apontando e

reforccedilando a confraternizaccedilatildeo Poreacutem FreTe natildeo deixa de ver como o homem

branco crescia aprendendo a usar o poder sobre o negro Criados juntos senhor

Avesso avesso Araccedilalllha 3 n) p 98 _ III JlIn 2005 103

e escravo logo se diferenciavam levando o primeiro a desenvolver muitas vezes

tendecircncias saacutedicas subjugando e humilhando seu companheiro de brincadeiras

(FREYRE 1994 335-337) Nesse sentido o Brasil paiacutes formado por uma

seacuterie de antagonismos pode ser resumido num mais abrangente aquele que

coloca em lados opostoso senhor e o escravo (FREYRE 1994 53)

Essa predisposiccedilatildeo do portuguecircs agrave miscigenaccedilatildeo estaacute ligada ao seu

passado histoacuterico ao seu contato anterior com a Aacutefrica Para Gilberto FreyTe o

portuguecircs eacute um povo indefinido entre a Europa e a Aacutefrica1 (FREYRE 1994

5-6) Nesse sentido a tagravecilidade com que o portuguecircs se adaptou ao clima tropical

o ajudou em sua escalada colonizadora Obra conseguida por poucos brancos

a adaptabilidade lusitana deve-se agrave proacutepria especificidade de seu territoacuterio pois

que nas condiccedilotildees tisicas de solo e de temperatura Portugal eacute antes Aacutefrica do

que Europa (FREYRE 1994 10)

Mas natildeo deixa de ligar o sucesso da colonizaccedilatildeo portuguesa nos

troacutepicos agrave intluecircncia do elemento semita povo que imprimiu aos lusitanos

caracteres adaptativos que os possibilitaram a melhor sobreviver em habitat

tropical (FREYRE 1994 8) A facilidade para mover-se com desenvoltura

herdada em parte dos semitas explicaria entatildeo o sucesso da empresa

colonizadora juntamente com o gosto do portuguecircs pelo intercurso social e

sexual com raccedilas de cor praacutetica trazida do contato com os norte-africanos

(FREYRE 1994 9) Mal alimentado o portuguecircs eacute visto por Freyre como o

menos cruel dos colonizadores e mais afeito agrave miscigenaccedilatildeo caracteriacutestica

resultante de uma maior plasticidade social (FREYRE 1994 189)

A influecircncia moura chegou ao Brasil trazida pelo portuguecircs

colonizador Os seacuteculos que permaneceram na Peniacutensula Ibeacuterica imprimiram na

cultura lusitana caracteriacutesticas mouriscas visiacuteveis ainda hoje abrangendo todos

xComo afirma o autor Portugal era um paiacutes influenciado pela Aacutefrica condicionado pelo

clima africano solapado pela miacutestica sensual do Islamismo

104 Avesso avesso Araccedilatuba v3 n3 p 98middot III illll 2005

os niacuteveis da vida portuguesa Assim amplamente amalgamados com os mouros

os portugueses acabaram por trazer agrave colocircnia americana traccedilos culturais dos

nOIte-africanos

Se por um lado o mouro ajudou a criar o portuguecircs influenciou

igualmente a presenccedila judaica agindo ambos no sentido de deseuropeizar a

cultura portuguesa Mas volta o autor a imprimir ao judeu caracteriacutesticas

estereotipadas afirmando que suas matildeos foram transformadas em garras

incapazes de semear e de criar (FREYRF 1994 226231 )

Mas podemos perceber que a proposiccedilatildeo da obra caminha no

sentido de mostrar que a modernidade do colonizador portuguecircs nagraveo estuacute no

seu burguesismo mas na miscigenaccedilatildeo racial O avanccedilo desloca-se p0l1anto

do econoacutemico para o cultural

A empresa colonizadora proposta por Portugal eacute ainda mais

valorizada quando se consideram as harreiras naturais a serem vencidas A

comeccedilar peIa mudanccedila da base alimentar trocando-se o trigo pela mandioca

Posteriormente o clima tropical tornou mais penoso o trabalho da terra

problemas nagraveo enfrentados por exemplo pelos povoadores da Ameacuterica do

0I1e l (FRERF 1994 15)

A colonizaccedilatildeo pOl1uguesa abriu caminho na histoacuteria para um novo

tipo de exploraccedilatildeo Deixou de lado a tiacutepica exploraccedilatildeo mineral vegetal ou animal

e dedicou-se a criar a riqueza no proacuteprio local patrocinando o povoamento da

tella (FREYRE 1994 17) Dessa tlt)rIna inaugurou o pOl1uguecircs a (o(il1ia

Quanto a essa posiccedilatildeo questionaacutevel em relaccedilatildeo ao judeu eja-se a passagem que se

segue referindo-se agrave formaccedilatildeo agraacuteria portuguesa Fregt re lembra que esse passado fora penertido pela atiidade comercial dos judeus

I Problemas de ordem natural tambeacutem tiveram que ser vencidos como os rios as formigas

as lagartas e inuacutemeras outras pragas II Haacute que se considerar que mesmo essa criaccedilatildeo de riqueza na colocircnia visava primeiramente

a exportaccedilatildeo

105

------------------------___-shy

de planlaccediltio tendo por base a exploraccedilatildeo agriacutecola fixando o colono a terra

Nesse tipo de colocircnia utilizou-se largamente das riquezas naturais exploradas

com o auxiacutelio de uma matildeo-de-obra nativa substituiacuteda posteriormente pelo

escravo africano l (FREYRE 1994 17)

Jaacute a partir da terceira deacutecada da colonizaccedilatildeo a famiacutelia rural se

impotildee promovendo ela o avanccedilo da colocircnia e marcando presenccedila tatildeo

significante que nem mesmo o Estado portuguecircs conseguiu se lhe impor pois

sobre ela o rei de Portugal quase que reina sem governar (FREYRE 1994

19) Entatildeo os louros da vitoacuteria devem ser creditados mais agrave iniciativa privada do

que ao Estado portuguecircs sempre sumiacutetico (FREYRE 1994 18) No

alargamento das tronteiras por exemplo a accedilagraveo de particulares foi bem mais

cxpressiva que a do govemo Assinados contratos estipulando limites acabaram

sendo ignorados pela iniciativa privada

Nessa marcha para a fixaccedilatildeo em novo telTitoacuterio () catolicismo seniu

ao colonizador como Uumltor de uniatildeo Aos que chegavam ao Brasil muitos dos

quais estrangeiros natildeo se olhavam caracteres tlsieos mas a religiatildeo professada

Como lembra Fre)Te o estrangeiro nagraveo representava perigo agrave unidade mas sim

() herege Ao ti)rasteiro bastava saber rezar o padre-nosso e a ave-maria

dizer Creio-em-Deus-Padrc fazer o pelo-sinal-da-Santa-Cruz para ser bcm

recebido L (FREYRE 1994 29-30)

E lemento importante para o portuguecircs eacute a rei igiatildeo que ampara a

colonizaccedilatildeo Nesse sentido a capela do engenho substitui a estrutura eclesiaacutestica

ausente e que age como fator aglutinador Assim eacute no acircmbito da tamiacutelia que a

religiatildeo se desenvolve essa religiosidade domeacutesticn que acaba por dar a tocircnica

da religiosidade brasileira

C Nesse sentido Freyre afirma que o instrumento de trabalho (a matildeo-de-obra escrava) agiu igualmente como elemento formador da famiacutelia brasileira I Nesse sentido o Catolicismo foi realmente o cimento da nossa unidade

106

Assim o problema vivido pelo colonizador em relaccedilatildeo ao outro

ligava-se mais agrave feacute do que ao fato de ser estrangeiro Era contra o herege que

lutavam os lusitanos natildeo simplesmente contra homens pertencentes a outras

naccedilotildees Situaccedilatildeo semelhante veriticou-se quanto ao indiacutegena hereacutetico que

devia ser combatido por sua falta de feacute natildeo por pertencer a uma raccedila diferente

E nesse universo congregante as caracteriacutesticas fiacutesicas do Brasil

como o c lima e o solo que poderiam ter agido como fator desagregador agiu

num sentido inverso A uniatildeo se deu em grande parte no sentido de vencer as

vicissitudes impostas por uma terra inoacutespita A solidariedade nasceu da

necessidade de se middotencerjuntos a natureza

Fator importante da ohra o latituumlndio monocultor eacute apontado por

Gilhlrto Freyre como uma das causas responsaacuteveis pela maacute alimentaccedilatildeo na

colocircnia e a consequumlente maacute fomlaccedilatildeo do brasileiro A ideacuteia que ) Brasil era um

paraiacuteso gastronoacutemico natildeo condiz com a realidade de privaccedilotildees que se veritica

onde a elite em poucas ocasiotildees -como as testas - conseguia tagravertar-se Uacute mesa

(FREYRE 1994 29-30)

essa carencia alimentar eacute ahel1a uma exceccedilatildeo quando se hlla de

Satildeo Paulo Aqui para os lados do Sul os paulistas nutriam-se melhor em irtudc

principalmente da diersifiacutecaccedilatildeo de atividades - a agriacutecola e a pastoril Essa

melhor (m11a de alimentaccedilatildeo acabou por influenciar na sauacutede dos paulistas

menos propensos a uma seacuterie de enfcnniacutedades

Mas um dos prohlemas de Casa-Grande amp Senzala estaacute

relacionado ao encontro de culturas Gilberto Frevre afirma muito

apropriadamente que a chegada do europeu desestruturou a ham10nia existente

entre o indiacutegena c seu meio Poreacutem eacute justamente aqui que a criacutetica se insere

pois Fre) Te utiliza-se de te11110S bastante questionaacuteveis como atrasado-adiantado

j Freyre credita a deticiecircncia de formaccedilatildeo do brasileiro a fatores como o clima a miscigenaccedilatildeo

e a carecircncia alimentar por que passa a populaccedilatildeo

~) lttlgtsn raccedilawha ~ 11 r ()ji - III JUIl 20l 107

e superh)r-inferior Ao se referir ao contato do europeu com o iacutendio afirma

que desse encontro principia a degradaccedilatildeo da raccedila atrasada ao contato da

adiantada (FREYRE 1994 89)

Portanto o encontro dessas duas culturas a europeacuteia e a indiacutegena

produziu para esta um cenaacuterio de destruiccedilatildeo vivido ainda hoje Como bem lembra

Gilberto Fre-Te embora utilize tennos totalmente questionaacuteveis esse encontro

produziu exlerminio ou degradaccedilcio pois o europeu desconsiderou o outro

enquanto produtor de cultura negando a entrar em contato com o universo

cultural indiacutegena (FREYRE 1994 109) E sem duacutevida a contribuiccedilatildeo de Casashy

Grande amp Senzala nesse sentido estaacute em ter apontado um problema tatildeo seacuterio

que f()i o extermiacutenio dos povos indiacutegenas os verdadeiros donos da terra

Nesse processo de degradaccedilatildeo os jesuiacutetas desempenharam um

imp0l1ante papel Suas missotildees agiram no sentido da imobilizaccedilatildeo tirando do

iacutendio uma de suas caracteriacutesticas mais marcantes ou seja a ida dispersa e

J1(jmade A destruiccedilatildeo de um modo de vida todo peculiar se deu por mecanismos

poderosos atraveacutes da catequese ou do sistema moral pedagoacutegico e de

organizaccedilatildeo e divisatildeo sexual do trabalho imposto pelos jesuiacutetas (FREYRE

1994 110)

o trabalho jesuiacutetico atuou em duas frentes que ao final se

complementaram Por um lado tornou o iacutendio daacutecil e meliacutefluo seminarista

llmndo-o aceitar a religiatildeo e a cultura do invasor Essa primeira dominaccedilatildeo

abriu caminho para interesses econoacutemicos transfoacutern1ando a populaccedilatildeo indiacutegena

em serviccedilais obedientes produtores de riquezas que acabaram sendo

apropriadas pelos jesuiacutetas (FREYRE 1994 146-147)

O brasileiro traz consigo a marca do indiacutegena e do africano quer

seja na alma quer seja no corpo E Freyre chega a colocar novamente numa

comparaccedilatildeo perigosa a cultura africana em patamar superior agrave do indiacutegena e a

do proacuteprio colonizador Assim em mateacuteria de contribuiccedilatildeo ao progresso

108 Asso ltlnsso raccedilatuha ~ n ~p 9R - II I JUI1 2005

--~---- ~------------------------

econocircmico da colocircnia o africano teria desempenhado papel mais importante

que o indiacutegena e o proacuteprio portuguecircs principalmente no litoral agraacuterio

(FREYRE 1994 285)

A adaptabilidade do negro ao clima tropical eacute creditada a fatores

psicoloacutegicos e fisioloacutegicos e tambeacutem devido agrave capacidade do negro de transpirar

por todo o corpo e natildeo apenas pelos sovacos (FREYRE 1994 287)AquL

pelo menos Freyre natildeo acredita na medida e peso do ceacuterebro como indicativos

da inteligecircncia humana Baseando-se em pesquisadores reconhecidos afim1a

que jaacute natildeo eacute mais aceita a superioridade mentaL inata e hereditaacuteria dos hrancos

sobre os negros (FREYRE 1994 294)

Ao se referir aos negros vindos para o Brasil o autor alel1a para a

imp0l1acircncia de se fazer ii diferenccedila entre eles haja vista terem saiacutedo de lugares

diferentes p0l1adores de culturas diferentes lf (FREYRE 1994 298-299) Para

caacute teriam vindo o melhor da cultura negra da Aacutefrica contribuiccedilatildeo importante

na formaccedilatildeo brasileira Nesse sentido ainda segundo Freyre o Brasil foi

privilegiado toma-se em comparaccedilatildeo o sul norte-americano que natildeo pocircde

contar com elementos da elite africana (FREYRE 1994 299-300) Citando

outros autores tenta mostrar a superioridade da cultura negra tanto sohre a

indiacutegena quanto sobre a portuguesa o trahalho de metais a criaccedilatildeo de gado e a

cul inaacuteria contribuiccedilotildees aflicanas que enriqueceram a cultura hrasileira (FREYRE

1994 307-308)

Um erro apontado por Fre)Te eacute julgar o negro pelo comportamento

do escravo Toda imoralidade proacutepria do sistema escravocrata eacute impingida ao

negro como se tais caracteriacutesticas fossem suas por natureza (FREYRE 1994

314-317) E aqui mais uma vez vemos a marca do inovador ao nos mostrar o

I Freyre na tentativa de relativizar a superioridade ou inferioridade de culturas nagraveo daacute conta de redimir o erro que eacute considerar uma cultura uperior agrave outra I Assim importa determinarmos a aacuterea de cultura de procedecircncia dos escra os evitandoshyse o erro de eII11OS no africano lima soacute e indistinta figura de pela da guine ou de pref() da

CosIa

Asso ltIS Araccedilatuha 3 11 3 P 91 - III JlIl1 2005 109

erro em se atribuir ao negro defeitos oriundos da condiccedilatildeo proacutepria do escravo

O grande preconceito que perpassa a historiografia brasileira diz

respeito agrave miscigenaccedilatildeo Gilberto FreyTe rompe com essa tendecircncia ao ver esse

fator atraveacutes de uma oacutetica positiva principalmente ao colocar o negro enquanto

elemento superior

Chegado ao Brasil o negro passou por um processo de

desafricanizaccedilatildeo levado a cabo pela catequese auxi liada nessa cruzada de

conversatildeo pela caIm-grande e principalmente pela senzala ao misturar esta uacuteltima

os receacutem-chegados com os veteranos jaacute abrasileirados Outros fatores

responsaacuteveis por esse abrasileiramento do negro apontados na obra satildeo o

meio fiacutesico a alimentaccedilatildeo e o sistema de trabalho (FREYRE 1994 357-358)

Para techar essa modesta anaacutelise de uma obra tatildeo importante e

marcante da historiografia brasileira c na tentativa de melhor entender autor

muitas vezes mal compreendido dou a palavra a Roberto DaMatta que vecirc a

obra de Gilberto Fre)Te de forma original e misturada como seu autor de um

lado perdida numa vaidade doentia e quase perversamente atraiacuteda pelo elogio e

pelo poder e de outro eternamente fascinada e atraiacuteda pelo pequeno mundo

dos homens comuns dos desejos secretos e dos gestos humildes (DAMATTA

19877)

DA SILVA Marco Antonio 1unes The issue ofcultural hierarchy in Gilberto

Freire Avesso do Avesso Revista Educaccedilatildeo e Cultura Araccedilatuba v3 n3

p 98 - 111 jun 2005

Abstract This article proposes an analysis ofthe masterwork ofGilberto Freire

Casa-Grande amp Senzala from the cultural view highlighting in a brief way the

main novelties approached in the book such as some critics and stereotypes

110 Anss(l ansstl Araccedilatuha 3 113 p ltIRmiddot I I UII 2005

which still remain - manyofwhich boundingthe frontierofprejudice- even in a

innovative vork like this one

Key words Gilberto Freire cultural hierarchy BraziI ieacuteUl nOlthwest ne christians

patriarchal1~lmily African culture Casa Grande amp Senzala

Referecircncias Bibliograacuteficas

ARAtrlO Ricardo Benzaquen de Guerra e Paz Casa-Grande amp Senzala e a

obra de Gilbel10 Freyre nos anos 30 Rio de Janeiro Editora 34 1994

CHACOI Vamireh Gilberto Freyre lJma biografia intelectual Recife

Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Editora Massangana Satildeo Paulo Companhia Editora

Nacional 1993

DAMATTA Roberto A originalidade de Gilberto Freyremiddotmiddot ln Boletim

Inform~ltiYo e Bibliograacutefico de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro n 242

semestre dt 1987 pp 3-10

FRrYRE Gilberto Casa-Grande amp Senzala ttmnaccedilatildeo da famiacutelia brasileira

sob o regime da economia patriarcal 29 cd Rio de Janeiro Editora Record

1994

NOVINSKY Anita Os judeus na obra de Gilberto Fre)Te ln Conferecircncia

apresentada na semana dedicada aos estudos sobre Gilberto Freyre

Recife 1996

RIBEIRO Darcy Gentidades Gilbel10 Frevre Casa-Grande amp Senzala

ln Ensaios Insoacutelitos Porto Alegre L amp PM Editores 1979 pp 63-107

III

esse setor que a colocircnia brasileira se desenvolveu explica-se melhor por uma

imposiccedilatildeo desta do que por uma escolha dos colonizadores Quanto a esse

ponto Darcy Ribeiro critica a posiccedilatildeo de Gilberto Freyre afirmando que o

judeu assume um retrato caricaturesco e impiedoso na obra gilbertiana()

(RIBEIRO 1979 84 FREYRE 1994 24)

Como muito propriamente pontua Anita Novinsky 0 que surpreende

entre as muitas contradiccedilotildees que encontramos na obra de Gilberto Fre)Te eacute que

tendo escrito numa eacutepoca impregnada de anti-semitismo e racismo acentua a

superioridade cultural dos judeus sobre os portugueses em geraL (NOVINSKY

1996 8) Da mesma forma daacute um passo agrave frente ao perceber os verdadeiros

motivos da perseguiccedilatildeo imposta pela Inquisiccedilatildeo aos judeus A resposta diz-nos

Freyre natildeo dew ser buscada na religiatildeo pois se esconde atraacutes de interesses

eCOnOI11ICOS

Sabemos ainda atraveacutes dessa grande obra que os cristatildeos-noos

chegados em terras americanas traziam consigo grandes capitais os quais

investiram nas induacutestrias de accediluacutecar (NOVINSK Y 1996 2) Com isso Casashy

Cirande amp Senzala nos faz rever a sempre recorrente acusaccedilatildeo que paira sobre

osjudeus de soacute se interessarem pelo comeacutercio o que a princiacutepio pode contradizer

o que dissemos acima mas natildeo se levannos em conta as muitas contradiccedilotildees

- releridas por Anita Novinsky - que vemos ao longo de sua obra I~ petiCitamente

possiacutevel em detenninada pm1e Gilberto FreTe deixar claro a preponderacircncia

do judeu no comeacutercio e em outra nos falar de sua relaccedilatildeo com o accediluacutecar

Mas o avanccedilo de Freyre natildeo se acha apenas em ter ele se ocupado

primeiramente do elemento judaico mas por ter se dedicado a questotildees ateacute

entatildeo desconhecidas dos historiadores Agrave iacuterente de nomes como Robel1 Mandrou

Segundo o proacuteprio Gilberto Freyre para os portugueses o ideal teria sido nagraveo uma colocircnia

de plantaccedilatildeo mas outra iacutendia com que israelitamente comerciassem em especiarias e pedras preciosas

101

--------------------------_ shy

Phil ippe Aries e Georges Duby preocupou-se igualmente com a vida cotidiana

as mulheres a casa a comida a roupa a visatildeo de mundo do homem colonial e

a sua maneira de sentir a vida o amor a morte1 (NOVINSKY 1996 4

CHACON 1983 247)

Os elementos que compotildeem Casa-Grande amp Senzala satildeo o

Iatifuumlndio monocultor da cana-de-accediluacutecar assentado quase que soacute na matildeo-deshy

obra atricana Faz parte igualmente de sua constituiccedilatildeo um cristianismo povoado

por caracteriacutesticas indiacutegenas e africanas tudo accedilambarcado pela figura do

patriarcalismo representado pelo senhor de engenho habitante da casa-grande

marido e pai poliacutegamo em muitos casos que husca em negras e mesticcedilas

satisfaccedilatildeo para suas necessidades de homem nem sempre encontradas nas hem

comportadas esposas (RIBEIRO 1979 82)

Mas essa importacircncia em demasia dada agrave famiacutelia patriarcal eacute alvo

de criacutetica por parte de Dare) Ribeiro Na visagraveo deste autor Gilherto Freyre

esqueceu-se de anal isar a natildeo- tam iacutel ia esta antitam iacutelia matricecircntrica de ontem e

de hoje que eacute a matildee pohre preta ou hranca parideira que gcrou e criou o

Brasil-massa (RIBEIRO 1979 82)

Na anaacutelise de Fre)Te preocupado em fixar e interpretar a tom1accedilatildeo

da famiacutelia hrasileira a casa-grande natildeo foi meacuterito apenas da cultura accedilucareira

mas tamheacutem do sul cafeicultor regiatildeo igualmente monocultora e escravocrata

Ligada agravecasa-grande estaacute o patriarcalismo escravocrata e poliacutegamo juntamente

com a presenccedila marcante do cristianismo mesclado agraves crendices da senzala

Foi Freyre ainda quem primeiro trabalhou com toacutepicos como t~uniacutelia sexualidade infacircncia

e cultura material antecipando a Nova Histoacuteria dos anos 70 e 80 Falando do impacto que (usa-vrandu amp )middotunua causou fora do Brasil Vamireh Chacon coloca bem sua importagravencia para renomados historiadores Um historiador da Escola dos Al11acs Peter Burke mostrou como foi Gi Iberto Freyre quem intluenciou Fernand Braudel naquelas direccedilotildees nagraveo BraudeJ a Gilberto Freyre

102 Awsso asomiddotraccedilawha 3 11 3 r lSmiddot III JUI1 200

o problema aqui eacute que o engenho descrito em Casa-Grande amp

Senzala natildeo existiu pois eacute fantasioso e exagerado E mesmo descontando-se os

excessos o modelo proposto se restringiria mais a Pernambuco natildeo extensivo

portanto ao restante do Brasil Ainda tratando desse universo dominado pelo

engenho fica patente que Gilberto FreTe propotildee um governo ao Brasil tal qual

se governava um engenho Esse aspecto natildeo de todo expliacutecito mostra um

Gilberto do passado homem que se refugia em suas lemhranccedilas para descrever

uma sociedade que natildeo mais existe

Na formaccedilatildeo da sociedade brasileira Gi lberto FreTe nos diz que

a tagravelta de mulheres na colocircnia obrigou o europeu a confraternizar-se com o iacutendio

e com o escravo fator que contribuiu para diminuir a distacircncia entre senhores e

escravos entre a casa-grande e a mata tropicaL E a mulher indiacutegena entatildeo eacute

considerada como a base da formaccedilatildeo da iacuteagravemiacutelia brasileira acolhendo os

portugueses que aqui chegaram ressentidos pela escassez de mulher europeacuteia

Tamheacutem muito dos costumes que ~judaram na constituiccedilatildeo do povo hrasileiro

foi-lhe transmitido pela iacutendia (FREYRE 1994 94)

Mas se a mulher indiacutegena merece destaque o mesmo natildeo ocorre

com o homem indiacutegena que teria contrihuiacutedo mais com seus conhecimentos

guerreiros quer na defesa da colocircnia contra invasotildees estrangeiras quer no

alargamento das fronteiras rumo ao interior Pouca ou quase nenhuma contrihuiccedilatildeo

deu quanto ao trabalho agriacutecola ausecircncia explicada em parte por sua tradiccedilatildeo

de homem da floresta caccedilador portanto Na cultura indiacutegena o cultivo do solo

era tarefa eminentemente destinada agraves mulheres

Nesse mundo de proximidades a liacutengua portuguesa constituiu-se

em mais uma prova da confraternizaccedilatildeo entre partes distintas O uso riacutegido que

o portuguecircs tagravezia dos pronomes foi pelo escravo abrandado apontando e

reforccedilando a confraternizaccedilatildeo Poreacutem FreTe natildeo deixa de ver como o homem

branco crescia aprendendo a usar o poder sobre o negro Criados juntos senhor

Avesso avesso Araccedilalllha 3 n) p 98 _ III JlIn 2005 103

e escravo logo se diferenciavam levando o primeiro a desenvolver muitas vezes

tendecircncias saacutedicas subjugando e humilhando seu companheiro de brincadeiras

(FREYRE 1994 335-337) Nesse sentido o Brasil paiacutes formado por uma

seacuterie de antagonismos pode ser resumido num mais abrangente aquele que

coloca em lados opostoso senhor e o escravo (FREYRE 1994 53)

Essa predisposiccedilatildeo do portuguecircs agrave miscigenaccedilatildeo estaacute ligada ao seu

passado histoacuterico ao seu contato anterior com a Aacutefrica Para Gilberto FreyTe o

portuguecircs eacute um povo indefinido entre a Europa e a Aacutefrica1 (FREYRE 1994

5-6) Nesse sentido a tagravecilidade com que o portuguecircs se adaptou ao clima tropical

o ajudou em sua escalada colonizadora Obra conseguida por poucos brancos

a adaptabilidade lusitana deve-se agrave proacutepria especificidade de seu territoacuterio pois

que nas condiccedilotildees tisicas de solo e de temperatura Portugal eacute antes Aacutefrica do

que Europa (FREYRE 1994 10)

Mas natildeo deixa de ligar o sucesso da colonizaccedilatildeo portuguesa nos

troacutepicos agrave intluecircncia do elemento semita povo que imprimiu aos lusitanos

caracteres adaptativos que os possibilitaram a melhor sobreviver em habitat

tropical (FREYRE 1994 8) A facilidade para mover-se com desenvoltura

herdada em parte dos semitas explicaria entatildeo o sucesso da empresa

colonizadora juntamente com o gosto do portuguecircs pelo intercurso social e

sexual com raccedilas de cor praacutetica trazida do contato com os norte-africanos

(FREYRE 1994 9) Mal alimentado o portuguecircs eacute visto por Freyre como o

menos cruel dos colonizadores e mais afeito agrave miscigenaccedilatildeo caracteriacutestica

resultante de uma maior plasticidade social (FREYRE 1994 189)

A influecircncia moura chegou ao Brasil trazida pelo portuguecircs

colonizador Os seacuteculos que permaneceram na Peniacutensula Ibeacuterica imprimiram na

cultura lusitana caracteriacutesticas mouriscas visiacuteveis ainda hoje abrangendo todos

xComo afirma o autor Portugal era um paiacutes influenciado pela Aacutefrica condicionado pelo

clima africano solapado pela miacutestica sensual do Islamismo

104 Avesso avesso Araccedilatuba v3 n3 p 98middot III illll 2005

os niacuteveis da vida portuguesa Assim amplamente amalgamados com os mouros

os portugueses acabaram por trazer agrave colocircnia americana traccedilos culturais dos

nOIte-africanos

Se por um lado o mouro ajudou a criar o portuguecircs influenciou

igualmente a presenccedila judaica agindo ambos no sentido de deseuropeizar a

cultura portuguesa Mas volta o autor a imprimir ao judeu caracteriacutesticas

estereotipadas afirmando que suas matildeos foram transformadas em garras

incapazes de semear e de criar (FREYRF 1994 226231 )

Mas podemos perceber que a proposiccedilatildeo da obra caminha no

sentido de mostrar que a modernidade do colonizador portuguecircs nagraveo estuacute no

seu burguesismo mas na miscigenaccedilatildeo racial O avanccedilo desloca-se p0l1anto

do econoacutemico para o cultural

A empresa colonizadora proposta por Portugal eacute ainda mais

valorizada quando se consideram as harreiras naturais a serem vencidas A

comeccedilar peIa mudanccedila da base alimentar trocando-se o trigo pela mandioca

Posteriormente o clima tropical tornou mais penoso o trabalho da terra

problemas nagraveo enfrentados por exemplo pelos povoadores da Ameacuterica do

0I1e l (FRERF 1994 15)

A colonizaccedilatildeo pOl1uguesa abriu caminho na histoacuteria para um novo

tipo de exploraccedilatildeo Deixou de lado a tiacutepica exploraccedilatildeo mineral vegetal ou animal

e dedicou-se a criar a riqueza no proacuteprio local patrocinando o povoamento da

tella (FREYRE 1994 17) Dessa tlt)rIna inaugurou o pOl1uguecircs a (o(il1ia

Quanto a essa posiccedilatildeo questionaacutevel em relaccedilatildeo ao judeu eja-se a passagem que se

segue referindo-se agrave formaccedilatildeo agraacuteria portuguesa Fregt re lembra que esse passado fora penertido pela atiidade comercial dos judeus

I Problemas de ordem natural tambeacutem tiveram que ser vencidos como os rios as formigas

as lagartas e inuacutemeras outras pragas II Haacute que se considerar que mesmo essa criaccedilatildeo de riqueza na colocircnia visava primeiramente

a exportaccedilatildeo

105

------------------------___-shy

de planlaccediltio tendo por base a exploraccedilatildeo agriacutecola fixando o colono a terra

Nesse tipo de colocircnia utilizou-se largamente das riquezas naturais exploradas

com o auxiacutelio de uma matildeo-de-obra nativa substituiacuteda posteriormente pelo

escravo africano l (FREYRE 1994 17)

Jaacute a partir da terceira deacutecada da colonizaccedilatildeo a famiacutelia rural se

impotildee promovendo ela o avanccedilo da colocircnia e marcando presenccedila tatildeo

significante que nem mesmo o Estado portuguecircs conseguiu se lhe impor pois

sobre ela o rei de Portugal quase que reina sem governar (FREYRE 1994

19) Entatildeo os louros da vitoacuteria devem ser creditados mais agrave iniciativa privada do

que ao Estado portuguecircs sempre sumiacutetico (FREYRE 1994 18) No

alargamento das tronteiras por exemplo a accedilagraveo de particulares foi bem mais

cxpressiva que a do govemo Assinados contratos estipulando limites acabaram

sendo ignorados pela iniciativa privada

Nessa marcha para a fixaccedilatildeo em novo telTitoacuterio () catolicismo seniu

ao colonizador como Uumltor de uniatildeo Aos que chegavam ao Brasil muitos dos

quais estrangeiros natildeo se olhavam caracteres tlsieos mas a religiatildeo professada

Como lembra Fre)Te o estrangeiro nagraveo representava perigo agrave unidade mas sim

() herege Ao ti)rasteiro bastava saber rezar o padre-nosso e a ave-maria

dizer Creio-em-Deus-Padrc fazer o pelo-sinal-da-Santa-Cruz para ser bcm

recebido L (FREYRE 1994 29-30)

E lemento importante para o portuguecircs eacute a rei igiatildeo que ampara a

colonizaccedilatildeo Nesse sentido a capela do engenho substitui a estrutura eclesiaacutestica

ausente e que age como fator aglutinador Assim eacute no acircmbito da tamiacutelia que a

religiatildeo se desenvolve essa religiosidade domeacutesticn que acaba por dar a tocircnica

da religiosidade brasileira

C Nesse sentido Freyre afirma que o instrumento de trabalho (a matildeo-de-obra escrava) agiu igualmente como elemento formador da famiacutelia brasileira I Nesse sentido o Catolicismo foi realmente o cimento da nossa unidade

106

Assim o problema vivido pelo colonizador em relaccedilatildeo ao outro

ligava-se mais agrave feacute do que ao fato de ser estrangeiro Era contra o herege que

lutavam os lusitanos natildeo simplesmente contra homens pertencentes a outras

naccedilotildees Situaccedilatildeo semelhante veriticou-se quanto ao indiacutegena hereacutetico que

devia ser combatido por sua falta de feacute natildeo por pertencer a uma raccedila diferente

E nesse universo congregante as caracteriacutesticas fiacutesicas do Brasil

como o c lima e o solo que poderiam ter agido como fator desagregador agiu

num sentido inverso A uniatildeo se deu em grande parte no sentido de vencer as

vicissitudes impostas por uma terra inoacutespita A solidariedade nasceu da

necessidade de se middotencerjuntos a natureza

Fator importante da ohra o latituumlndio monocultor eacute apontado por

Gilhlrto Freyre como uma das causas responsaacuteveis pela maacute alimentaccedilatildeo na

colocircnia e a consequumlente maacute fomlaccedilatildeo do brasileiro A ideacuteia que ) Brasil era um

paraiacuteso gastronoacutemico natildeo condiz com a realidade de privaccedilotildees que se veritica

onde a elite em poucas ocasiotildees -como as testas - conseguia tagravertar-se Uacute mesa

(FREYRE 1994 29-30)

essa carencia alimentar eacute ahel1a uma exceccedilatildeo quando se hlla de

Satildeo Paulo Aqui para os lados do Sul os paulistas nutriam-se melhor em irtudc

principalmente da diersifiacutecaccedilatildeo de atividades - a agriacutecola e a pastoril Essa

melhor (m11a de alimentaccedilatildeo acabou por influenciar na sauacutede dos paulistas

menos propensos a uma seacuterie de enfcnniacutedades

Mas um dos prohlemas de Casa-Grande amp Senzala estaacute

relacionado ao encontro de culturas Gilberto Frevre afirma muito

apropriadamente que a chegada do europeu desestruturou a ham10nia existente

entre o indiacutegena c seu meio Poreacutem eacute justamente aqui que a criacutetica se insere

pois Fre) Te utiliza-se de te11110S bastante questionaacuteveis como atrasado-adiantado

j Freyre credita a deticiecircncia de formaccedilatildeo do brasileiro a fatores como o clima a miscigenaccedilatildeo

e a carecircncia alimentar por que passa a populaccedilatildeo

~) lttlgtsn raccedilawha ~ 11 r ()ji - III JUIl 20l 107

e superh)r-inferior Ao se referir ao contato do europeu com o iacutendio afirma

que desse encontro principia a degradaccedilatildeo da raccedila atrasada ao contato da

adiantada (FREYRE 1994 89)

Portanto o encontro dessas duas culturas a europeacuteia e a indiacutegena

produziu para esta um cenaacuterio de destruiccedilatildeo vivido ainda hoje Como bem lembra

Gilberto Fre-Te embora utilize tennos totalmente questionaacuteveis esse encontro

produziu exlerminio ou degradaccedilcio pois o europeu desconsiderou o outro

enquanto produtor de cultura negando a entrar em contato com o universo

cultural indiacutegena (FREYRE 1994 109) E sem duacutevida a contribuiccedilatildeo de Casashy

Grande amp Senzala nesse sentido estaacute em ter apontado um problema tatildeo seacuterio

que f()i o extermiacutenio dos povos indiacutegenas os verdadeiros donos da terra

Nesse processo de degradaccedilatildeo os jesuiacutetas desempenharam um

imp0l1ante papel Suas missotildees agiram no sentido da imobilizaccedilatildeo tirando do

iacutendio uma de suas caracteriacutesticas mais marcantes ou seja a ida dispersa e

J1(jmade A destruiccedilatildeo de um modo de vida todo peculiar se deu por mecanismos

poderosos atraveacutes da catequese ou do sistema moral pedagoacutegico e de

organizaccedilatildeo e divisatildeo sexual do trabalho imposto pelos jesuiacutetas (FREYRE

1994 110)

o trabalho jesuiacutetico atuou em duas frentes que ao final se

complementaram Por um lado tornou o iacutendio daacutecil e meliacutefluo seminarista

llmndo-o aceitar a religiatildeo e a cultura do invasor Essa primeira dominaccedilatildeo

abriu caminho para interesses econoacutemicos transfoacutern1ando a populaccedilatildeo indiacutegena

em serviccedilais obedientes produtores de riquezas que acabaram sendo

apropriadas pelos jesuiacutetas (FREYRE 1994 146-147)

O brasileiro traz consigo a marca do indiacutegena e do africano quer

seja na alma quer seja no corpo E Freyre chega a colocar novamente numa

comparaccedilatildeo perigosa a cultura africana em patamar superior agrave do indiacutegena e a

do proacuteprio colonizador Assim em mateacuteria de contribuiccedilatildeo ao progresso

108 Asso ltlnsso raccedilatuha ~ n ~p 9R - II I JUI1 2005

--~---- ~------------------------

econocircmico da colocircnia o africano teria desempenhado papel mais importante

que o indiacutegena e o proacuteprio portuguecircs principalmente no litoral agraacuterio

(FREYRE 1994 285)

A adaptabilidade do negro ao clima tropical eacute creditada a fatores

psicoloacutegicos e fisioloacutegicos e tambeacutem devido agrave capacidade do negro de transpirar

por todo o corpo e natildeo apenas pelos sovacos (FREYRE 1994 287)AquL

pelo menos Freyre natildeo acredita na medida e peso do ceacuterebro como indicativos

da inteligecircncia humana Baseando-se em pesquisadores reconhecidos afim1a

que jaacute natildeo eacute mais aceita a superioridade mentaL inata e hereditaacuteria dos hrancos

sobre os negros (FREYRE 1994 294)

Ao se referir aos negros vindos para o Brasil o autor alel1a para a

imp0l1acircncia de se fazer ii diferenccedila entre eles haja vista terem saiacutedo de lugares

diferentes p0l1adores de culturas diferentes lf (FREYRE 1994 298-299) Para

caacute teriam vindo o melhor da cultura negra da Aacutefrica contribuiccedilatildeo importante

na formaccedilatildeo brasileira Nesse sentido ainda segundo Freyre o Brasil foi

privilegiado toma-se em comparaccedilatildeo o sul norte-americano que natildeo pocircde

contar com elementos da elite africana (FREYRE 1994 299-300) Citando

outros autores tenta mostrar a superioridade da cultura negra tanto sohre a

indiacutegena quanto sobre a portuguesa o trahalho de metais a criaccedilatildeo de gado e a

cul inaacuteria contribuiccedilotildees aflicanas que enriqueceram a cultura hrasileira (FREYRE

1994 307-308)

Um erro apontado por Fre)Te eacute julgar o negro pelo comportamento

do escravo Toda imoralidade proacutepria do sistema escravocrata eacute impingida ao

negro como se tais caracteriacutesticas fossem suas por natureza (FREYRE 1994

314-317) E aqui mais uma vez vemos a marca do inovador ao nos mostrar o

I Freyre na tentativa de relativizar a superioridade ou inferioridade de culturas nagraveo daacute conta de redimir o erro que eacute considerar uma cultura uperior agrave outra I Assim importa determinarmos a aacuterea de cultura de procedecircncia dos escra os evitandoshyse o erro de eII11OS no africano lima soacute e indistinta figura de pela da guine ou de pref() da

CosIa

Asso ltIS Araccedilatuha 3 11 3 P 91 - III JlIl1 2005 109

erro em se atribuir ao negro defeitos oriundos da condiccedilatildeo proacutepria do escravo

O grande preconceito que perpassa a historiografia brasileira diz

respeito agrave miscigenaccedilatildeo Gilberto FreyTe rompe com essa tendecircncia ao ver esse

fator atraveacutes de uma oacutetica positiva principalmente ao colocar o negro enquanto

elemento superior

Chegado ao Brasil o negro passou por um processo de

desafricanizaccedilatildeo levado a cabo pela catequese auxi liada nessa cruzada de

conversatildeo pela caIm-grande e principalmente pela senzala ao misturar esta uacuteltima

os receacutem-chegados com os veteranos jaacute abrasileirados Outros fatores

responsaacuteveis por esse abrasileiramento do negro apontados na obra satildeo o

meio fiacutesico a alimentaccedilatildeo e o sistema de trabalho (FREYRE 1994 357-358)

Para techar essa modesta anaacutelise de uma obra tatildeo importante e

marcante da historiografia brasileira c na tentativa de melhor entender autor

muitas vezes mal compreendido dou a palavra a Roberto DaMatta que vecirc a

obra de Gilberto Fre)Te de forma original e misturada como seu autor de um

lado perdida numa vaidade doentia e quase perversamente atraiacuteda pelo elogio e

pelo poder e de outro eternamente fascinada e atraiacuteda pelo pequeno mundo

dos homens comuns dos desejos secretos e dos gestos humildes (DAMATTA

19877)

DA SILVA Marco Antonio 1unes The issue ofcultural hierarchy in Gilberto

Freire Avesso do Avesso Revista Educaccedilatildeo e Cultura Araccedilatuba v3 n3

p 98 - 111 jun 2005

Abstract This article proposes an analysis ofthe masterwork ofGilberto Freire

Casa-Grande amp Senzala from the cultural view highlighting in a brief way the

main novelties approached in the book such as some critics and stereotypes

110 Anss(l ansstl Araccedilatuha 3 113 p ltIRmiddot I I UII 2005

which still remain - manyofwhich boundingthe frontierofprejudice- even in a

innovative vork like this one

Key words Gilberto Freire cultural hierarchy BraziI ieacuteUl nOlthwest ne christians

patriarchal1~lmily African culture Casa Grande amp Senzala

Referecircncias Bibliograacuteficas

ARAtrlO Ricardo Benzaquen de Guerra e Paz Casa-Grande amp Senzala e a

obra de Gilbel10 Freyre nos anos 30 Rio de Janeiro Editora 34 1994

CHACOI Vamireh Gilberto Freyre lJma biografia intelectual Recife

Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Editora Massangana Satildeo Paulo Companhia Editora

Nacional 1993

DAMATTA Roberto A originalidade de Gilberto Freyremiddotmiddot ln Boletim

Inform~ltiYo e Bibliograacutefico de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro n 242

semestre dt 1987 pp 3-10

FRrYRE Gilberto Casa-Grande amp Senzala ttmnaccedilatildeo da famiacutelia brasileira

sob o regime da economia patriarcal 29 cd Rio de Janeiro Editora Record

1994

NOVINSKY Anita Os judeus na obra de Gilberto Fre)Te ln Conferecircncia

apresentada na semana dedicada aos estudos sobre Gilberto Freyre

Recife 1996

RIBEIRO Darcy Gentidades Gilbel10 Frevre Casa-Grande amp Senzala

ln Ensaios Insoacutelitos Porto Alegre L amp PM Editores 1979 pp 63-107

III

Phil ippe Aries e Georges Duby preocupou-se igualmente com a vida cotidiana

as mulheres a casa a comida a roupa a visatildeo de mundo do homem colonial e

a sua maneira de sentir a vida o amor a morte1 (NOVINSKY 1996 4

CHACON 1983 247)

Os elementos que compotildeem Casa-Grande amp Senzala satildeo o

Iatifuumlndio monocultor da cana-de-accediluacutecar assentado quase que soacute na matildeo-deshy

obra atricana Faz parte igualmente de sua constituiccedilatildeo um cristianismo povoado

por caracteriacutesticas indiacutegenas e africanas tudo accedilambarcado pela figura do

patriarcalismo representado pelo senhor de engenho habitante da casa-grande

marido e pai poliacutegamo em muitos casos que husca em negras e mesticcedilas

satisfaccedilatildeo para suas necessidades de homem nem sempre encontradas nas hem

comportadas esposas (RIBEIRO 1979 82)

Mas essa importacircncia em demasia dada agrave famiacutelia patriarcal eacute alvo

de criacutetica por parte de Dare) Ribeiro Na visagraveo deste autor Gilherto Freyre

esqueceu-se de anal isar a natildeo- tam iacutel ia esta antitam iacutelia matricecircntrica de ontem e

de hoje que eacute a matildee pohre preta ou hranca parideira que gcrou e criou o

Brasil-massa (RIBEIRO 1979 82)

Na anaacutelise de Fre)Te preocupado em fixar e interpretar a tom1accedilatildeo

da famiacutelia hrasileira a casa-grande natildeo foi meacuterito apenas da cultura accedilucareira

mas tamheacutem do sul cafeicultor regiatildeo igualmente monocultora e escravocrata

Ligada agravecasa-grande estaacute o patriarcalismo escravocrata e poliacutegamo juntamente

com a presenccedila marcante do cristianismo mesclado agraves crendices da senzala

Foi Freyre ainda quem primeiro trabalhou com toacutepicos como t~uniacutelia sexualidade infacircncia

e cultura material antecipando a Nova Histoacuteria dos anos 70 e 80 Falando do impacto que (usa-vrandu amp )middotunua causou fora do Brasil Vamireh Chacon coloca bem sua importagravencia para renomados historiadores Um historiador da Escola dos Al11acs Peter Burke mostrou como foi Gi Iberto Freyre quem intluenciou Fernand Braudel naquelas direccedilotildees nagraveo BraudeJ a Gilberto Freyre

102 Awsso asomiddotraccedilawha 3 11 3 r lSmiddot III JUI1 200

o problema aqui eacute que o engenho descrito em Casa-Grande amp

Senzala natildeo existiu pois eacute fantasioso e exagerado E mesmo descontando-se os

excessos o modelo proposto se restringiria mais a Pernambuco natildeo extensivo

portanto ao restante do Brasil Ainda tratando desse universo dominado pelo

engenho fica patente que Gilberto FreTe propotildee um governo ao Brasil tal qual

se governava um engenho Esse aspecto natildeo de todo expliacutecito mostra um

Gilberto do passado homem que se refugia em suas lemhranccedilas para descrever

uma sociedade que natildeo mais existe

Na formaccedilatildeo da sociedade brasileira Gi lberto FreTe nos diz que

a tagravelta de mulheres na colocircnia obrigou o europeu a confraternizar-se com o iacutendio

e com o escravo fator que contribuiu para diminuir a distacircncia entre senhores e

escravos entre a casa-grande e a mata tropicaL E a mulher indiacutegena entatildeo eacute

considerada como a base da formaccedilatildeo da iacuteagravemiacutelia brasileira acolhendo os

portugueses que aqui chegaram ressentidos pela escassez de mulher europeacuteia

Tamheacutem muito dos costumes que ~judaram na constituiccedilatildeo do povo hrasileiro

foi-lhe transmitido pela iacutendia (FREYRE 1994 94)

Mas se a mulher indiacutegena merece destaque o mesmo natildeo ocorre

com o homem indiacutegena que teria contrihuiacutedo mais com seus conhecimentos

guerreiros quer na defesa da colocircnia contra invasotildees estrangeiras quer no

alargamento das fronteiras rumo ao interior Pouca ou quase nenhuma contrihuiccedilatildeo

deu quanto ao trabalho agriacutecola ausecircncia explicada em parte por sua tradiccedilatildeo

de homem da floresta caccedilador portanto Na cultura indiacutegena o cultivo do solo

era tarefa eminentemente destinada agraves mulheres

Nesse mundo de proximidades a liacutengua portuguesa constituiu-se

em mais uma prova da confraternizaccedilatildeo entre partes distintas O uso riacutegido que

o portuguecircs tagravezia dos pronomes foi pelo escravo abrandado apontando e

reforccedilando a confraternizaccedilatildeo Poreacutem FreTe natildeo deixa de ver como o homem

branco crescia aprendendo a usar o poder sobre o negro Criados juntos senhor

Avesso avesso Araccedilalllha 3 n) p 98 _ III JlIn 2005 103

e escravo logo se diferenciavam levando o primeiro a desenvolver muitas vezes

tendecircncias saacutedicas subjugando e humilhando seu companheiro de brincadeiras

(FREYRE 1994 335-337) Nesse sentido o Brasil paiacutes formado por uma

seacuterie de antagonismos pode ser resumido num mais abrangente aquele que

coloca em lados opostoso senhor e o escravo (FREYRE 1994 53)

Essa predisposiccedilatildeo do portuguecircs agrave miscigenaccedilatildeo estaacute ligada ao seu

passado histoacuterico ao seu contato anterior com a Aacutefrica Para Gilberto FreyTe o

portuguecircs eacute um povo indefinido entre a Europa e a Aacutefrica1 (FREYRE 1994

5-6) Nesse sentido a tagravecilidade com que o portuguecircs se adaptou ao clima tropical

o ajudou em sua escalada colonizadora Obra conseguida por poucos brancos

a adaptabilidade lusitana deve-se agrave proacutepria especificidade de seu territoacuterio pois

que nas condiccedilotildees tisicas de solo e de temperatura Portugal eacute antes Aacutefrica do

que Europa (FREYRE 1994 10)

Mas natildeo deixa de ligar o sucesso da colonizaccedilatildeo portuguesa nos

troacutepicos agrave intluecircncia do elemento semita povo que imprimiu aos lusitanos

caracteres adaptativos que os possibilitaram a melhor sobreviver em habitat

tropical (FREYRE 1994 8) A facilidade para mover-se com desenvoltura

herdada em parte dos semitas explicaria entatildeo o sucesso da empresa

colonizadora juntamente com o gosto do portuguecircs pelo intercurso social e

sexual com raccedilas de cor praacutetica trazida do contato com os norte-africanos

(FREYRE 1994 9) Mal alimentado o portuguecircs eacute visto por Freyre como o

menos cruel dos colonizadores e mais afeito agrave miscigenaccedilatildeo caracteriacutestica

resultante de uma maior plasticidade social (FREYRE 1994 189)

A influecircncia moura chegou ao Brasil trazida pelo portuguecircs

colonizador Os seacuteculos que permaneceram na Peniacutensula Ibeacuterica imprimiram na

cultura lusitana caracteriacutesticas mouriscas visiacuteveis ainda hoje abrangendo todos

xComo afirma o autor Portugal era um paiacutes influenciado pela Aacutefrica condicionado pelo

clima africano solapado pela miacutestica sensual do Islamismo

104 Avesso avesso Araccedilatuba v3 n3 p 98middot III illll 2005

os niacuteveis da vida portuguesa Assim amplamente amalgamados com os mouros

os portugueses acabaram por trazer agrave colocircnia americana traccedilos culturais dos

nOIte-africanos

Se por um lado o mouro ajudou a criar o portuguecircs influenciou

igualmente a presenccedila judaica agindo ambos no sentido de deseuropeizar a

cultura portuguesa Mas volta o autor a imprimir ao judeu caracteriacutesticas

estereotipadas afirmando que suas matildeos foram transformadas em garras

incapazes de semear e de criar (FREYRF 1994 226231 )

Mas podemos perceber que a proposiccedilatildeo da obra caminha no

sentido de mostrar que a modernidade do colonizador portuguecircs nagraveo estuacute no

seu burguesismo mas na miscigenaccedilatildeo racial O avanccedilo desloca-se p0l1anto

do econoacutemico para o cultural

A empresa colonizadora proposta por Portugal eacute ainda mais

valorizada quando se consideram as harreiras naturais a serem vencidas A

comeccedilar peIa mudanccedila da base alimentar trocando-se o trigo pela mandioca

Posteriormente o clima tropical tornou mais penoso o trabalho da terra

problemas nagraveo enfrentados por exemplo pelos povoadores da Ameacuterica do

0I1e l (FRERF 1994 15)

A colonizaccedilatildeo pOl1uguesa abriu caminho na histoacuteria para um novo

tipo de exploraccedilatildeo Deixou de lado a tiacutepica exploraccedilatildeo mineral vegetal ou animal

e dedicou-se a criar a riqueza no proacuteprio local patrocinando o povoamento da

tella (FREYRE 1994 17) Dessa tlt)rIna inaugurou o pOl1uguecircs a (o(il1ia

Quanto a essa posiccedilatildeo questionaacutevel em relaccedilatildeo ao judeu eja-se a passagem que se

segue referindo-se agrave formaccedilatildeo agraacuteria portuguesa Fregt re lembra que esse passado fora penertido pela atiidade comercial dos judeus

I Problemas de ordem natural tambeacutem tiveram que ser vencidos como os rios as formigas

as lagartas e inuacutemeras outras pragas II Haacute que se considerar que mesmo essa criaccedilatildeo de riqueza na colocircnia visava primeiramente

a exportaccedilatildeo

105

------------------------___-shy

de planlaccediltio tendo por base a exploraccedilatildeo agriacutecola fixando o colono a terra

Nesse tipo de colocircnia utilizou-se largamente das riquezas naturais exploradas

com o auxiacutelio de uma matildeo-de-obra nativa substituiacuteda posteriormente pelo

escravo africano l (FREYRE 1994 17)

Jaacute a partir da terceira deacutecada da colonizaccedilatildeo a famiacutelia rural se

impotildee promovendo ela o avanccedilo da colocircnia e marcando presenccedila tatildeo

significante que nem mesmo o Estado portuguecircs conseguiu se lhe impor pois

sobre ela o rei de Portugal quase que reina sem governar (FREYRE 1994

19) Entatildeo os louros da vitoacuteria devem ser creditados mais agrave iniciativa privada do

que ao Estado portuguecircs sempre sumiacutetico (FREYRE 1994 18) No

alargamento das tronteiras por exemplo a accedilagraveo de particulares foi bem mais

cxpressiva que a do govemo Assinados contratos estipulando limites acabaram

sendo ignorados pela iniciativa privada

Nessa marcha para a fixaccedilatildeo em novo telTitoacuterio () catolicismo seniu

ao colonizador como Uumltor de uniatildeo Aos que chegavam ao Brasil muitos dos

quais estrangeiros natildeo se olhavam caracteres tlsieos mas a religiatildeo professada

Como lembra Fre)Te o estrangeiro nagraveo representava perigo agrave unidade mas sim

() herege Ao ti)rasteiro bastava saber rezar o padre-nosso e a ave-maria

dizer Creio-em-Deus-Padrc fazer o pelo-sinal-da-Santa-Cruz para ser bcm

recebido L (FREYRE 1994 29-30)

E lemento importante para o portuguecircs eacute a rei igiatildeo que ampara a

colonizaccedilatildeo Nesse sentido a capela do engenho substitui a estrutura eclesiaacutestica

ausente e que age como fator aglutinador Assim eacute no acircmbito da tamiacutelia que a

religiatildeo se desenvolve essa religiosidade domeacutesticn que acaba por dar a tocircnica

da religiosidade brasileira

C Nesse sentido Freyre afirma que o instrumento de trabalho (a matildeo-de-obra escrava) agiu igualmente como elemento formador da famiacutelia brasileira I Nesse sentido o Catolicismo foi realmente o cimento da nossa unidade

106

Assim o problema vivido pelo colonizador em relaccedilatildeo ao outro

ligava-se mais agrave feacute do que ao fato de ser estrangeiro Era contra o herege que

lutavam os lusitanos natildeo simplesmente contra homens pertencentes a outras

naccedilotildees Situaccedilatildeo semelhante veriticou-se quanto ao indiacutegena hereacutetico que

devia ser combatido por sua falta de feacute natildeo por pertencer a uma raccedila diferente

E nesse universo congregante as caracteriacutesticas fiacutesicas do Brasil

como o c lima e o solo que poderiam ter agido como fator desagregador agiu

num sentido inverso A uniatildeo se deu em grande parte no sentido de vencer as

vicissitudes impostas por uma terra inoacutespita A solidariedade nasceu da

necessidade de se middotencerjuntos a natureza

Fator importante da ohra o latituumlndio monocultor eacute apontado por

Gilhlrto Freyre como uma das causas responsaacuteveis pela maacute alimentaccedilatildeo na

colocircnia e a consequumlente maacute fomlaccedilatildeo do brasileiro A ideacuteia que ) Brasil era um

paraiacuteso gastronoacutemico natildeo condiz com a realidade de privaccedilotildees que se veritica

onde a elite em poucas ocasiotildees -como as testas - conseguia tagravertar-se Uacute mesa

(FREYRE 1994 29-30)

essa carencia alimentar eacute ahel1a uma exceccedilatildeo quando se hlla de

Satildeo Paulo Aqui para os lados do Sul os paulistas nutriam-se melhor em irtudc

principalmente da diersifiacutecaccedilatildeo de atividades - a agriacutecola e a pastoril Essa

melhor (m11a de alimentaccedilatildeo acabou por influenciar na sauacutede dos paulistas

menos propensos a uma seacuterie de enfcnniacutedades

Mas um dos prohlemas de Casa-Grande amp Senzala estaacute

relacionado ao encontro de culturas Gilberto Frevre afirma muito

apropriadamente que a chegada do europeu desestruturou a ham10nia existente

entre o indiacutegena c seu meio Poreacutem eacute justamente aqui que a criacutetica se insere

pois Fre) Te utiliza-se de te11110S bastante questionaacuteveis como atrasado-adiantado

j Freyre credita a deticiecircncia de formaccedilatildeo do brasileiro a fatores como o clima a miscigenaccedilatildeo

e a carecircncia alimentar por que passa a populaccedilatildeo

~) lttlgtsn raccedilawha ~ 11 r ()ji - III JUIl 20l 107

e superh)r-inferior Ao se referir ao contato do europeu com o iacutendio afirma

que desse encontro principia a degradaccedilatildeo da raccedila atrasada ao contato da

adiantada (FREYRE 1994 89)

Portanto o encontro dessas duas culturas a europeacuteia e a indiacutegena

produziu para esta um cenaacuterio de destruiccedilatildeo vivido ainda hoje Como bem lembra

Gilberto Fre-Te embora utilize tennos totalmente questionaacuteveis esse encontro

produziu exlerminio ou degradaccedilcio pois o europeu desconsiderou o outro

enquanto produtor de cultura negando a entrar em contato com o universo

cultural indiacutegena (FREYRE 1994 109) E sem duacutevida a contribuiccedilatildeo de Casashy

Grande amp Senzala nesse sentido estaacute em ter apontado um problema tatildeo seacuterio

que f()i o extermiacutenio dos povos indiacutegenas os verdadeiros donos da terra

Nesse processo de degradaccedilatildeo os jesuiacutetas desempenharam um

imp0l1ante papel Suas missotildees agiram no sentido da imobilizaccedilatildeo tirando do

iacutendio uma de suas caracteriacutesticas mais marcantes ou seja a ida dispersa e

J1(jmade A destruiccedilatildeo de um modo de vida todo peculiar se deu por mecanismos

poderosos atraveacutes da catequese ou do sistema moral pedagoacutegico e de

organizaccedilatildeo e divisatildeo sexual do trabalho imposto pelos jesuiacutetas (FREYRE

1994 110)

o trabalho jesuiacutetico atuou em duas frentes que ao final se

complementaram Por um lado tornou o iacutendio daacutecil e meliacutefluo seminarista

llmndo-o aceitar a religiatildeo e a cultura do invasor Essa primeira dominaccedilatildeo

abriu caminho para interesses econoacutemicos transfoacutern1ando a populaccedilatildeo indiacutegena

em serviccedilais obedientes produtores de riquezas que acabaram sendo

apropriadas pelos jesuiacutetas (FREYRE 1994 146-147)

O brasileiro traz consigo a marca do indiacutegena e do africano quer

seja na alma quer seja no corpo E Freyre chega a colocar novamente numa

comparaccedilatildeo perigosa a cultura africana em patamar superior agrave do indiacutegena e a

do proacuteprio colonizador Assim em mateacuteria de contribuiccedilatildeo ao progresso

108 Asso ltlnsso raccedilatuha ~ n ~p 9R - II I JUI1 2005

--~---- ~------------------------

econocircmico da colocircnia o africano teria desempenhado papel mais importante

que o indiacutegena e o proacuteprio portuguecircs principalmente no litoral agraacuterio

(FREYRE 1994 285)

A adaptabilidade do negro ao clima tropical eacute creditada a fatores

psicoloacutegicos e fisioloacutegicos e tambeacutem devido agrave capacidade do negro de transpirar

por todo o corpo e natildeo apenas pelos sovacos (FREYRE 1994 287)AquL

pelo menos Freyre natildeo acredita na medida e peso do ceacuterebro como indicativos

da inteligecircncia humana Baseando-se em pesquisadores reconhecidos afim1a

que jaacute natildeo eacute mais aceita a superioridade mentaL inata e hereditaacuteria dos hrancos

sobre os negros (FREYRE 1994 294)

Ao se referir aos negros vindos para o Brasil o autor alel1a para a

imp0l1acircncia de se fazer ii diferenccedila entre eles haja vista terem saiacutedo de lugares

diferentes p0l1adores de culturas diferentes lf (FREYRE 1994 298-299) Para

caacute teriam vindo o melhor da cultura negra da Aacutefrica contribuiccedilatildeo importante

na formaccedilatildeo brasileira Nesse sentido ainda segundo Freyre o Brasil foi

privilegiado toma-se em comparaccedilatildeo o sul norte-americano que natildeo pocircde

contar com elementos da elite africana (FREYRE 1994 299-300) Citando

outros autores tenta mostrar a superioridade da cultura negra tanto sohre a

indiacutegena quanto sobre a portuguesa o trahalho de metais a criaccedilatildeo de gado e a

cul inaacuteria contribuiccedilotildees aflicanas que enriqueceram a cultura hrasileira (FREYRE

1994 307-308)

Um erro apontado por Fre)Te eacute julgar o negro pelo comportamento

do escravo Toda imoralidade proacutepria do sistema escravocrata eacute impingida ao

negro como se tais caracteriacutesticas fossem suas por natureza (FREYRE 1994

314-317) E aqui mais uma vez vemos a marca do inovador ao nos mostrar o

I Freyre na tentativa de relativizar a superioridade ou inferioridade de culturas nagraveo daacute conta de redimir o erro que eacute considerar uma cultura uperior agrave outra I Assim importa determinarmos a aacuterea de cultura de procedecircncia dos escra os evitandoshyse o erro de eII11OS no africano lima soacute e indistinta figura de pela da guine ou de pref() da

CosIa

Asso ltIS Araccedilatuha 3 11 3 P 91 - III JlIl1 2005 109

erro em se atribuir ao negro defeitos oriundos da condiccedilatildeo proacutepria do escravo

O grande preconceito que perpassa a historiografia brasileira diz

respeito agrave miscigenaccedilatildeo Gilberto FreyTe rompe com essa tendecircncia ao ver esse

fator atraveacutes de uma oacutetica positiva principalmente ao colocar o negro enquanto

elemento superior

Chegado ao Brasil o negro passou por um processo de

desafricanizaccedilatildeo levado a cabo pela catequese auxi liada nessa cruzada de

conversatildeo pela caIm-grande e principalmente pela senzala ao misturar esta uacuteltima

os receacutem-chegados com os veteranos jaacute abrasileirados Outros fatores

responsaacuteveis por esse abrasileiramento do negro apontados na obra satildeo o

meio fiacutesico a alimentaccedilatildeo e o sistema de trabalho (FREYRE 1994 357-358)

Para techar essa modesta anaacutelise de uma obra tatildeo importante e

marcante da historiografia brasileira c na tentativa de melhor entender autor

muitas vezes mal compreendido dou a palavra a Roberto DaMatta que vecirc a

obra de Gilberto Fre)Te de forma original e misturada como seu autor de um

lado perdida numa vaidade doentia e quase perversamente atraiacuteda pelo elogio e

pelo poder e de outro eternamente fascinada e atraiacuteda pelo pequeno mundo

dos homens comuns dos desejos secretos e dos gestos humildes (DAMATTA

19877)

DA SILVA Marco Antonio 1unes The issue ofcultural hierarchy in Gilberto

Freire Avesso do Avesso Revista Educaccedilatildeo e Cultura Araccedilatuba v3 n3

p 98 - 111 jun 2005

Abstract This article proposes an analysis ofthe masterwork ofGilberto Freire

Casa-Grande amp Senzala from the cultural view highlighting in a brief way the

main novelties approached in the book such as some critics and stereotypes

110 Anss(l ansstl Araccedilatuha 3 113 p ltIRmiddot I I UII 2005

which still remain - manyofwhich boundingthe frontierofprejudice- even in a

innovative vork like this one

Key words Gilberto Freire cultural hierarchy BraziI ieacuteUl nOlthwest ne christians

patriarchal1~lmily African culture Casa Grande amp Senzala

Referecircncias Bibliograacuteficas

ARAtrlO Ricardo Benzaquen de Guerra e Paz Casa-Grande amp Senzala e a

obra de Gilbel10 Freyre nos anos 30 Rio de Janeiro Editora 34 1994

CHACOI Vamireh Gilberto Freyre lJma biografia intelectual Recife

Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Editora Massangana Satildeo Paulo Companhia Editora

Nacional 1993

DAMATTA Roberto A originalidade de Gilberto Freyremiddotmiddot ln Boletim

Inform~ltiYo e Bibliograacutefico de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro n 242

semestre dt 1987 pp 3-10

FRrYRE Gilberto Casa-Grande amp Senzala ttmnaccedilatildeo da famiacutelia brasileira

sob o regime da economia patriarcal 29 cd Rio de Janeiro Editora Record

1994

NOVINSKY Anita Os judeus na obra de Gilberto Fre)Te ln Conferecircncia

apresentada na semana dedicada aos estudos sobre Gilberto Freyre

Recife 1996

RIBEIRO Darcy Gentidades Gilbel10 Frevre Casa-Grande amp Senzala

ln Ensaios Insoacutelitos Porto Alegre L amp PM Editores 1979 pp 63-107

III

o problema aqui eacute que o engenho descrito em Casa-Grande amp

Senzala natildeo existiu pois eacute fantasioso e exagerado E mesmo descontando-se os

excessos o modelo proposto se restringiria mais a Pernambuco natildeo extensivo

portanto ao restante do Brasil Ainda tratando desse universo dominado pelo

engenho fica patente que Gilberto FreTe propotildee um governo ao Brasil tal qual

se governava um engenho Esse aspecto natildeo de todo expliacutecito mostra um

Gilberto do passado homem que se refugia em suas lemhranccedilas para descrever

uma sociedade que natildeo mais existe

Na formaccedilatildeo da sociedade brasileira Gi lberto FreTe nos diz que

a tagravelta de mulheres na colocircnia obrigou o europeu a confraternizar-se com o iacutendio

e com o escravo fator que contribuiu para diminuir a distacircncia entre senhores e

escravos entre a casa-grande e a mata tropicaL E a mulher indiacutegena entatildeo eacute

considerada como a base da formaccedilatildeo da iacuteagravemiacutelia brasileira acolhendo os

portugueses que aqui chegaram ressentidos pela escassez de mulher europeacuteia

Tamheacutem muito dos costumes que ~judaram na constituiccedilatildeo do povo hrasileiro

foi-lhe transmitido pela iacutendia (FREYRE 1994 94)

Mas se a mulher indiacutegena merece destaque o mesmo natildeo ocorre

com o homem indiacutegena que teria contrihuiacutedo mais com seus conhecimentos

guerreiros quer na defesa da colocircnia contra invasotildees estrangeiras quer no

alargamento das fronteiras rumo ao interior Pouca ou quase nenhuma contrihuiccedilatildeo

deu quanto ao trabalho agriacutecola ausecircncia explicada em parte por sua tradiccedilatildeo

de homem da floresta caccedilador portanto Na cultura indiacutegena o cultivo do solo

era tarefa eminentemente destinada agraves mulheres

Nesse mundo de proximidades a liacutengua portuguesa constituiu-se

em mais uma prova da confraternizaccedilatildeo entre partes distintas O uso riacutegido que

o portuguecircs tagravezia dos pronomes foi pelo escravo abrandado apontando e

reforccedilando a confraternizaccedilatildeo Poreacutem FreTe natildeo deixa de ver como o homem

branco crescia aprendendo a usar o poder sobre o negro Criados juntos senhor

Avesso avesso Araccedilalllha 3 n) p 98 _ III JlIn 2005 103

e escravo logo se diferenciavam levando o primeiro a desenvolver muitas vezes

tendecircncias saacutedicas subjugando e humilhando seu companheiro de brincadeiras

(FREYRE 1994 335-337) Nesse sentido o Brasil paiacutes formado por uma

seacuterie de antagonismos pode ser resumido num mais abrangente aquele que

coloca em lados opostoso senhor e o escravo (FREYRE 1994 53)

Essa predisposiccedilatildeo do portuguecircs agrave miscigenaccedilatildeo estaacute ligada ao seu

passado histoacuterico ao seu contato anterior com a Aacutefrica Para Gilberto FreyTe o

portuguecircs eacute um povo indefinido entre a Europa e a Aacutefrica1 (FREYRE 1994

5-6) Nesse sentido a tagravecilidade com que o portuguecircs se adaptou ao clima tropical

o ajudou em sua escalada colonizadora Obra conseguida por poucos brancos

a adaptabilidade lusitana deve-se agrave proacutepria especificidade de seu territoacuterio pois

que nas condiccedilotildees tisicas de solo e de temperatura Portugal eacute antes Aacutefrica do

que Europa (FREYRE 1994 10)

Mas natildeo deixa de ligar o sucesso da colonizaccedilatildeo portuguesa nos

troacutepicos agrave intluecircncia do elemento semita povo que imprimiu aos lusitanos

caracteres adaptativos que os possibilitaram a melhor sobreviver em habitat

tropical (FREYRE 1994 8) A facilidade para mover-se com desenvoltura

herdada em parte dos semitas explicaria entatildeo o sucesso da empresa

colonizadora juntamente com o gosto do portuguecircs pelo intercurso social e

sexual com raccedilas de cor praacutetica trazida do contato com os norte-africanos

(FREYRE 1994 9) Mal alimentado o portuguecircs eacute visto por Freyre como o

menos cruel dos colonizadores e mais afeito agrave miscigenaccedilatildeo caracteriacutestica

resultante de uma maior plasticidade social (FREYRE 1994 189)

A influecircncia moura chegou ao Brasil trazida pelo portuguecircs

colonizador Os seacuteculos que permaneceram na Peniacutensula Ibeacuterica imprimiram na

cultura lusitana caracteriacutesticas mouriscas visiacuteveis ainda hoje abrangendo todos

xComo afirma o autor Portugal era um paiacutes influenciado pela Aacutefrica condicionado pelo

clima africano solapado pela miacutestica sensual do Islamismo

104 Avesso avesso Araccedilatuba v3 n3 p 98middot III illll 2005

os niacuteveis da vida portuguesa Assim amplamente amalgamados com os mouros

os portugueses acabaram por trazer agrave colocircnia americana traccedilos culturais dos

nOIte-africanos

Se por um lado o mouro ajudou a criar o portuguecircs influenciou

igualmente a presenccedila judaica agindo ambos no sentido de deseuropeizar a

cultura portuguesa Mas volta o autor a imprimir ao judeu caracteriacutesticas

estereotipadas afirmando que suas matildeos foram transformadas em garras

incapazes de semear e de criar (FREYRF 1994 226231 )

Mas podemos perceber que a proposiccedilatildeo da obra caminha no

sentido de mostrar que a modernidade do colonizador portuguecircs nagraveo estuacute no

seu burguesismo mas na miscigenaccedilatildeo racial O avanccedilo desloca-se p0l1anto

do econoacutemico para o cultural

A empresa colonizadora proposta por Portugal eacute ainda mais

valorizada quando se consideram as harreiras naturais a serem vencidas A

comeccedilar peIa mudanccedila da base alimentar trocando-se o trigo pela mandioca

Posteriormente o clima tropical tornou mais penoso o trabalho da terra

problemas nagraveo enfrentados por exemplo pelos povoadores da Ameacuterica do

0I1e l (FRERF 1994 15)

A colonizaccedilatildeo pOl1uguesa abriu caminho na histoacuteria para um novo

tipo de exploraccedilatildeo Deixou de lado a tiacutepica exploraccedilatildeo mineral vegetal ou animal

e dedicou-se a criar a riqueza no proacuteprio local patrocinando o povoamento da

tella (FREYRE 1994 17) Dessa tlt)rIna inaugurou o pOl1uguecircs a (o(il1ia

Quanto a essa posiccedilatildeo questionaacutevel em relaccedilatildeo ao judeu eja-se a passagem que se

segue referindo-se agrave formaccedilatildeo agraacuteria portuguesa Fregt re lembra que esse passado fora penertido pela atiidade comercial dos judeus

I Problemas de ordem natural tambeacutem tiveram que ser vencidos como os rios as formigas

as lagartas e inuacutemeras outras pragas II Haacute que se considerar que mesmo essa criaccedilatildeo de riqueza na colocircnia visava primeiramente

a exportaccedilatildeo

105

------------------------___-shy

de planlaccediltio tendo por base a exploraccedilatildeo agriacutecola fixando o colono a terra

Nesse tipo de colocircnia utilizou-se largamente das riquezas naturais exploradas

com o auxiacutelio de uma matildeo-de-obra nativa substituiacuteda posteriormente pelo

escravo africano l (FREYRE 1994 17)

Jaacute a partir da terceira deacutecada da colonizaccedilatildeo a famiacutelia rural se

impotildee promovendo ela o avanccedilo da colocircnia e marcando presenccedila tatildeo

significante que nem mesmo o Estado portuguecircs conseguiu se lhe impor pois

sobre ela o rei de Portugal quase que reina sem governar (FREYRE 1994

19) Entatildeo os louros da vitoacuteria devem ser creditados mais agrave iniciativa privada do

que ao Estado portuguecircs sempre sumiacutetico (FREYRE 1994 18) No

alargamento das tronteiras por exemplo a accedilagraveo de particulares foi bem mais

cxpressiva que a do govemo Assinados contratos estipulando limites acabaram

sendo ignorados pela iniciativa privada

Nessa marcha para a fixaccedilatildeo em novo telTitoacuterio () catolicismo seniu

ao colonizador como Uumltor de uniatildeo Aos que chegavam ao Brasil muitos dos

quais estrangeiros natildeo se olhavam caracteres tlsieos mas a religiatildeo professada

Como lembra Fre)Te o estrangeiro nagraveo representava perigo agrave unidade mas sim

() herege Ao ti)rasteiro bastava saber rezar o padre-nosso e a ave-maria

dizer Creio-em-Deus-Padrc fazer o pelo-sinal-da-Santa-Cruz para ser bcm

recebido L (FREYRE 1994 29-30)

E lemento importante para o portuguecircs eacute a rei igiatildeo que ampara a

colonizaccedilatildeo Nesse sentido a capela do engenho substitui a estrutura eclesiaacutestica

ausente e que age como fator aglutinador Assim eacute no acircmbito da tamiacutelia que a

religiatildeo se desenvolve essa religiosidade domeacutesticn que acaba por dar a tocircnica

da religiosidade brasileira

C Nesse sentido Freyre afirma que o instrumento de trabalho (a matildeo-de-obra escrava) agiu igualmente como elemento formador da famiacutelia brasileira I Nesse sentido o Catolicismo foi realmente o cimento da nossa unidade

106

Assim o problema vivido pelo colonizador em relaccedilatildeo ao outro

ligava-se mais agrave feacute do que ao fato de ser estrangeiro Era contra o herege que

lutavam os lusitanos natildeo simplesmente contra homens pertencentes a outras

naccedilotildees Situaccedilatildeo semelhante veriticou-se quanto ao indiacutegena hereacutetico que

devia ser combatido por sua falta de feacute natildeo por pertencer a uma raccedila diferente

E nesse universo congregante as caracteriacutesticas fiacutesicas do Brasil

como o c lima e o solo que poderiam ter agido como fator desagregador agiu

num sentido inverso A uniatildeo se deu em grande parte no sentido de vencer as

vicissitudes impostas por uma terra inoacutespita A solidariedade nasceu da

necessidade de se middotencerjuntos a natureza

Fator importante da ohra o latituumlndio monocultor eacute apontado por

Gilhlrto Freyre como uma das causas responsaacuteveis pela maacute alimentaccedilatildeo na

colocircnia e a consequumlente maacute fomlaccedilatildeo do brasileiro A ideacuteia que ) Brasil era um

paraiacuteso gastronoacutemico natildeo condiz com a realidade de privaccedilotildees que se veritica

onde a elite em poucas ocasiotildees -como as testas - conseguia tagravertar-se Uacute mesa

(FREYRE 1994 29-30)

essa carencia alimentar eacute ahel1a uma exceccedilatildeo quando se hlla de

Satildeo Paulo Aqui para os lados do Sul os paulistas nutriam-se melhor em irtudc

principalmente da diersifiacutecaccedilatildeo de atividades - a agriacutecola e a pastoril Essa

melhor (m11a de alimentaccedilatildeo acabou por influenciar na sauacutede dos paulistas

menos propensos a uma seacuterie de enfcnniacutedades

Mas um dos prohlemas de Casa-Grande amp Senzala estaacute

relacionado ao encontro de culturas Gilberto Frevre afirma muito

apropriadamente que a chegada do europeu desestruturou a ham10nia existente

entre o indiacutegena c seu meio Poreacutem eacute justamente aqui que a criacutetica se insere

pois Fre) Te utiliza-se de te11110S bastante questionaacuteveis como atrasado-adiantado

j Freyre credita a deticiecircncia de formaccedilatildeo do brasileiro a fatores como o clima a miscigenaccedilatildeo

e a carecircncia alimentar por que passa a populaccedilatildeo

~) lttlgtsn raccedilawha ~ 11 r ()ji - III JUIl 20l 107

e superh)r-inferior Ao se referir ao contato do europeu com o iacutendio afirma

que desse encontro principia a degradaccedilatildeo da raccedila atrasada ao contato da

adiantada (FREYRE 1994 89)

Portanto o encontro dessas duas culturas a europeacuteia e a indiacutegena

produziu para esta um cenaacuterio de destruiccedilatildeo vivido ainda hoje Como bem lembra

Gilberto Fre-Te embora utilize tennos totalmente questionaacuteveis esse encontro

produziu exlerminio ou degradaccedilcio pois o europeu desconsiderou o outro

enquanto produtor de cultura negando a entrar em contato com o universo

cultural indiacutegena (FREYRE 1994 109) E sem duacutevida a contribuiccedilatildeo de Casashy

Grande amp Senzala nesse sentido estaacute em ter apontado um problema tatildeo seacuterio

que f()i o extermiacutenio dos povos indiacutegenas os verdadeiros donos da terra

Nesse processo de degradaccedilatildeo os jesuiacutetas desempenharam um

imp0l1ante papel Suas missotildees agiram no sentido da imobilizaccedilatildeo tirando do

iacutendio uma de suas caracteriacutesticas mais marcantes ou seja a ida dispersa e

J1(jmade A destruiccedilatildeo de um modo de vida todo peculiar se deu por mecanismos

poderosos atraveacutes da catequese ou do sistema moral pedagoacutegico e de

organizaccedilatildeo e divisatildeo sexual do trabalho imposto pelos jesuiacutetas (FREYRE

1994 110)

o trabalho jesuiacutetico atuou em duas frentes que ao final se

complementaram Por um lado tornou o iacutendio daacutecil e meliacutefluo seminarista

llmndo-o aceitar a religiatildeo e a cultura do invasor Essa primeira dominaccedilatildeo

abriu caminho para interesses econoacutemicos transfoacutern1ando a populaccedilatildeo indiacutegena

em serviccedilais obedientes produtores de riquezas que acabaram sendo

apropriadas pelos jesuiacutetas (FREYRE 1994 146-147)

O brasileiro traz consigo a marca do indiacutegena e do africano quer

seja na alma quer seja no corpo E Freyre chega a colocar novamente numa

comparaccedilatildeo perigosa a cultura africana em patamar superior agrave do indiacutegena e a

do proacuteprio colonizador Assim em mateacuteria de contribuiccedilatildeo ao progresso

108 Asso ltlnsso raccedilatuha ~ n ~p 9R - II I JUI1 2005

--~---- ~------------------------

econocircmico da colocircnia o africano teria desempenhado papel mais importante

que o indiacutegena e o proacuteprio portuguecircs principalmente no litoral agraacuterio

(FREYRE 1994 285)

A adaptabilidade do negro ao clima tropical eacute creditada a fatores

psicoloacutegicos e fisioloacutegicos e tambeacutem devido agrave capacidade do negro de transpirar

por todo o corpo e natildeo apenas pelos sovacos (FREYRE 1994 287)AquL

pelo menos Freyre natildeo acredita na medida e peso do ceacuterebro como indicativos

da inteligecircncia humana Baseando-se em pesquisadores reconhecidos afim1a

que jaacute natildeo eacute mais aceita a superioridade mentaL inata e hereditaacuteria dos hrancos

sobre os negros (FREYRE 1994 294)

Ao se referir aos negros vindos para o Brasil o autor alel1a para a

imp0l1acircncia de se fazer ii diferenccedila entre eles haja vista terem saiacutedo de lugares

diferentes p0l1adores de culturas diferentes lf (FREYRE 1994 298-299) Para

caacute teriam vindo o melhor da cultura negra da Aacutefrica contribuiccedilatildeo importante

na formaccedilatildeo brasileira Nesse sentido ainda segundo Freyre o Brasil foi

privilegiado toma-se em comparaccedilatildeo o sul norte-americano que natildeo pocircde

contar com elementos da elite africana (FREYRE 1994 299-300) Citando

outros autores tenta mostrar a superioridade da cultura negra tanto sohre a

indiacutegena quanto sobre a portuguesa o trahalho de metais a criaccedilatildeo de gado e a

cul inaacuteria contribuiccedilotildees aflicanas que enriqueceram a cultura hrasileira (FREYRE

1994 307-308)

Um erro apontado por Fre)Te eacute julgar o negro pelo comportamento

do escravo Toda imoralidade proacutepria do sistema escravocrata eacute impingida ao

negro como se tais caracteriacutesticas fossem suas por natureza (FREYRE 1994

314-317) E aqui mais uma vez vemos a marca do inovador ao nos mostrar o

I Freyre na tentativa de relativizar a superioridade ou inferioridade de culturas nagraveo daacute conta de redimir o erro que eacute considerar uma cultura uperior agrave outra I Assim importa determinarmos a aacuterea de cultura de procedecircncia dos escra os evitandoshyse o erro de eII11OS no africano lima soacute e indistinta figura de pela da guine ou de pref() da

CosIa

Asso ltIS Araccedilatuha 3 11 3 P 91 - III JlIl1 2005 109

erro em se atribuir ao negro defeitos oriundos da condiccedilatildeo proacutepria do escravo

O grande preconceito que perpassa a historiografia brasileira diz

respeito agrave miscigenaccedilatildeo Gilberto FreyTe rompe com essa tendecircncia ao ver esse

fator atraveacutes de uma oacutetica positiva principalmente ao colocar o negro enquanto

elemento superior

Chegado ao Brasil o negro passou por um processo de

desafricanizaccedilatildeo levado a cabo pela catequese auxi liada nessa cruzada de

conversatildeo pela caIm-grande e principalmente pela senzala ao misturar esta uacuteltima

os receacutem-chegados com os veteranos jaacute abrasileirados Outros fatores

responsaacuteveis por esse abrasileiramento do negro apontados na obra satildeo o

meio fiacutesico a alimentaccedilatildeo e o sistema de trabalho (FREYRE 1994 357-358)

Para techar essa modesta anaacutelise de uma obra tatildeo importante e

marcante da historiografia brasileira c na tentativa de melhor entender autor

muitas vezes mal compreendido dou a palavra a Roberto DaMatta que vecirc a

obra de Gilberto Fre)Te de forma original e misturada como seu autor de um

lado perdida numa vaidade doentia e quase perversamente atraiacuteda pelo elogio e

pelo poder e de outro eternamente fascinada e atraiacuteda pelo pequeno mundo

dos homens comuns dos desejos secretos e dos gestos humildes (DAMATTA

19877)

DA SILVA Marco Antonio 1unes The issue ofcultural hierarchy in Gilberto

Freire Avesso do Avesso Revista Educaccedilatildeo e Cultura Araccedilatuba v3 n3

p 98 - 111 jun 2005

Abstract This article proposes an analysis ofthe masterwork ofGilberto Freire

Casa-Grande amp Senzala from the cultural view highlighting in a brief way the

main novelties approached in the book such as some critics and stereotypes

110 Anss(l ansstl Araccedilatuha 3 113 p ltIRmiddot I I UII 2005

which still remain - manyofwhich boundingthe frontierofprejudice- even in a

innovative vork like this one

Key words Gilberto Freire cultural hierarchy BraziI ieacuteUl nOlthwest ne christians

patriarchal1~lmily African culture Casa Grande amp Senzala

Referecircncias Bibliograacuteficas

ARAtrlO Ricardo Benzaquen de Guerra e Paz Casa-Grande amp Senzala e a

obra de Gilbel10 Freyre nos anos 30 Rio de Janeiro Editora 34 1994

CHACOI Vamireh Gilberto Freyre lJma biografia intelectual Recife

Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Editora Massangana Satildeo Paulo Companhia Editora

Nacional 1993

DAMATTA Roberto A originalidade de Gilberto Freyremiddotmiddot ln Boletim

Inform~ltiYo e Bibliograacutefico de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro n 242

semestre dt 1987 pp 3-10

FRrYRE Gilberto Casa-Grande amp Senzala ttmnaccedilatildeo da famiacutelia brasileira

sob o regime da economia patriarcal 29 cd Rio de Janeiro Editora Record

1994

NOVINSKY Anita Os judeus na obra de Gilberto Fre)Te ln Conferecircncia

apresentada na semana dedicada aos estudos sobre Gilberto Freyre

Recife 1996

RIBEIRO Darcy Gentidades Gilbel10 Frevre Casa-Grande amp Senzala

ln Ensaios Insoacutelitos Porto Alegre L amp PM Editores 1979 pp 63-107

III

e escravo logo se diferenciavam levando o primeiro a desenvolver muitas vezes

tendecircncias saacutedicas subjugando e humilhando seu companheiro de brincadeiras

(FREYRE 1994 335-337) Nesse sentido o Brasil paiacutes formado por uma

seacuterie de antagonismos pode ser resumido num mais abrangente aquele que

coloca em lados opostoso senhor e o escravo (FREYRE 1994 53)

Essa predisposiccedilatildeo do portuguecircs agrave miscigenaccedilatildeo estaacute ligada ao seu

passado histoacuterico ao seu contato anterior com a Aacutefrica Para Gilberto FreyTe o

portuguecircs eacute um povo indefinido entre a Europa e a Aacutefrica1 (FREYRE 1994

5-6) Nesse sentido a tagravecilidade com que o portuguecircs se adaptou ao clima tropical

o ajudou em sua escalada colonizadora Obra conseguida por poucos brancos

a adaptabilidade lusitana deve-se agrave proacutepria especificidade de seu territoacuterio pois

que nas condiccedilotildees tisicas de solo e de temperatura Portugal eacute antes Aacutefrica do

que Europa (FREYRE 1994 10)

Mas natildeo deixa de ligar o sucesso da colonizaccedilatildeo portuguesa nos

troacutepicos agrave intluecircncia do elemento semita povo que imprimiu aos lusitanos

caracteres adaptativos que os possibilitaram a melhor sobreviver em habitat

tropical (FREYRE 1994 8) A facilidade para mover-se com desenvoltura

herdada em parte dos semitas explicaria entatildeo o sucesso da empresa

colonizadora juntamente com o gosto do portuguecircs pelo intercurso social e

sexual com raccedilas de cor praacutetica trazida do contato com os norte-africanos

(FREYRE 1994 9) Mal alimentado o portuguecircs eacute visto por Freyre como o

menos cruel dos colonizadores e mais afeito agrave miscigenaccedilatildeo caracteriacutestica

resultante de uma maior plasticidade social (FREYRE 1994 189)

A influecircncia moura chegou ao Brasil trazida pelo portuguecircs

colonizador Os seacuteculos que permaneceram na Peniacutensula Ibeacuterica imprimiram na

cultura lusitana caracteriacutesticas mouriscas visiacuteveis ainda hoje abrangendo todos

xComo afirma o autor Portugal era um paiacutes influenciado pela Aacutefrica condicionado pelo

clima africano solapado pela miacutestica sensual do Islamismo

104 Avesso avesso Araccedilatuba v3 n3 p 98middot III illll 2005

os niacuteveis da vida portuguesa Assim amplamente amalgamados com os mouros

os portugueses acabaram por trazer agrave colocircnia americana traccedilos culturais dos

nOIte-africanos

Se por um lado o mouro ajudou a criar o portuguecircs influenciou

igualmente a presenccedila judaica agindo ambos no sentido de deseuropeizar a

cultura portuguesa Mas volta o autor a imprimir ao judeu caracteriacutesticas

estereotipadas afirmando que suas matildeos foram transformadas em garras

incapazes de semear e de criar (FREYRF 1994 226231 )

Mas podemos perceber que a proposiccedilatildeo da obra caminha no

sentido de mostrar que a modernidade do colonizador portuguecircs nagraveo estuacute no

seu burguesismo mas na miscigenaccedilatildeo racial O avanccedilo desloca-se p0l1anto

do econoacutemico para o cultural

A empresa colonizadora proposta por Portugal eacute ainda mais

valorizada quando se consideram as harreiras naturais a serem vencidas A

comeccedilar peIa mudanccedila da base alimentar trocando-se o trigo pela mandioca

Posteriormente o clima tropical tornou mais penoso o trabalho da terra

problemas nagraveo enfrentados por exemplo pelos povoadores da Ameacuterica do

0I1e l (FRERF 1994 15)

A colonizaccedilatildeo pOl1uguesa abriu caminho na histoacuteria para um novo

tipo de exploraccedilatildeo Deixou de lado a tiacutepica exploraccedilatildeo mineral vegetal ou animal

e dedicou-se a criar a riqueza no proacuteprio local patrocinando o povoamento da

tella (FREYRE 1994 17) Dessa tlt)rIna inaugurou o pOl1uguecircs a (o(il1ia

Quanto a essa posiccedilatildeo questionaacutevel em relaccedilatildeo ao judeu eja-se a passagem que se

segue referindo-se agrave formaccedilatildeo agraacuteria portuguesa Fregt re lembra que esse passado fora penertido pela atiidade comercial dos judeus

I Problemas de ordem natural tambeacutem tiveram que ser vencidos como os rios as formigas

as lagartas e inuacutemeras outras pragas II Haacute que se considerar que mesmo essa criaccedilatildeo de riqueza na colocircnia visava primeiramente

a exportaccedilatildeo

105

------------------------___-shy

de planlaccediltio tendo por base a exploraccedilatildeo agriacutecola fixando o colono a terra

Nesse tipo de colocircnia utilizou-se largamente das riquezas naturais exploradas

com o auxiacutelio de uma matildeo-de-obra nativa substituiacuteda posteriormente pelo

escravo africano l (FREYRE 1994 17)

Jaacute a partir da terceira deacutecada da colonizaccedilatildeo a famiacutelia rural se

impotildee promovendo ela o avanccedilo da colocircnia e marcando presenccedila tatildeo

significante que nem mesmo o Estado portuguecircs conseguiu se lhe impor pois

sobre ela o rei de Portugal quase que reina sem governar (FREYRE 1994

19) Entatildeo os louros da vitoacuteria devem ser creditados mais agrave iniciativa privada do

que ao Estado portuguecircs sempre sumiacutetico (FREYRE 1994 18) No

alargamento das tronteiras por exemplo a accedilagraveo de particulares foi bem mais

cxpressiva que a do govemo Assinados contratos estipulando limites acabaram

sendo ignorados pela iniciativa privada

Nessa marcha para a fixaccedilatildeo em novo telTitoacuterio () catolicismo seniu

ao colonizador como Uumltor de uniatildeo Aos que chegavam ao Brasil muitos dos

quais estrangeiros natildeo se olhavam caracteres tlsieos mas a religiatildeo professada

Como lembra Fre)Te o estrangeiro nagraveo representava perigo agrave unidade mas sim

() herege Ao ti)rasteiro bastava saber rezar o padre-nosso e a ave-maria

dizer Creio-em-Deus-Padrc fazer o pelo-sinal-da-Santa-Cruz para ser bcm

recebido L (FREYRE 1994 29-30)

E lemento importante para o portuguecircs eacute a rei igiatildeo que ampara a

colonizaccedilatildeo Nesse sentido a capela do engenho substitui a estrutura eclesiaacutestica

ausente e que age como fator aglutinador Assim eacute no acircmbito da tamiacutelia que a

religiatildeo se desenvolve essa religiosidade domeacutesticn que acaba por dar a tocircnica

da religiosidade brasileira

C Nesse sentido Freyre afirma que o instrumento de trabalho (a matildeo-de-obra escrava) agiu igualmente como elemento formador da famiacutelia brasileira I Nesse sentido o Catolicismo foi realmente o cimento da nossa unidade

106

Assim o problema vivido pelo colonizador em relaccedilatildeo ao outro

ligava-se mais agrave feacute do que ao fato de ser estrangeiro Era contra o herege que

lutavam os lusitanos natildeo simplesmente contra homens pertencentes a outras

naccedilotildees Situaccedilatildeo semelhante veriticou-se quanto ao indiacutegena hereacutetico que

devia ser combatido por sua falta de feacute natildeo por pertencer a uma raccedila diferente

E nesse universo congregante as caracteriacutesticas fiacutesicas do Brasil

como o c lima e o solo que poderiam ter agido como fator desagregador agiu

num sentido inverso A uniatildeo se deu em grande parte no sentido de vencer as

vicissitudes impostas por uma terra inoacutespita A solidariedade nasceu da

necessidade de se middotencerjuntos a natureza

Fator importante da ohra o latituumlndio monocultor eacute apontado por

Gilhlrto Freyre como uma das causas responsaacuteveis pela maacute alimentaccedilatildeo na

colocircnia e a consequumlente maacute fomlaccedilatildeo do brasileiro A ideacuteia que ) Brasil era um

paraiacuteso gastronoacutemico natildeo condiz com a realidade de privaccedilotildees que se veritica

onde a elite em poucas ocasiotildees -como as testas - conseguia tagravertar-se Uacute mesa

(FREYRE 1994 29-30)

essa carencia alimentar eacute ahel1a uma exceccedilatildeo quando se hlla de

Satildeo Paulo Aqui para os lados do Sul os paulistas nutriam-se melhor em irtudc

principalmente da diersifiacutecaccedilatildeo de atividades - a agriacutecola e a pastoril Essa

melhor (m11a de alimentaccedilatildeo acabou por influenciar na sauacutede dos paulistas

menos propensos a uma seacuterie de enfcnniacutedades

Mas um dos prohlemas de Casa-Grande amp Senzala estaacute

relacionado ao encontro de culturas Gilberto Frevre afirma muito

apropriadamente que a chegada do europeu desestruturou a ham10nia existente

entre o indiacutegena c seu meio Poreacutem eacute justamente aqui que a criacutetica se insere

pois Fre) Te utiliza-se de te11110S bastante questionaacuteveis como atrasado-adiantado

j Freyre credita a deticiecircncia de formaccedilatildeo do brasileiro a fatores como o clima a miscigenaccedilatildeo

e a carecircncia alimentar por que passa a populaccedilatildeo

~) lttlgtsn raccedilawha ~ 11 r ()ji - III JUIl 20l 107

e superh)r-inferior Ao se referir ao contato do europeu com o iacutendio afirma

que desse encontro principia a degradaccedilatildeo da raccedila atrasada ao contato da

adiantada (FREYRE 1994 89)

Portanto o encontro dessas duas culturas a europeacuteia e a indiacutegena

produziu para esta um cenaacuterio de destruiccedilatildeo vivido ainda hoje Como bem lembra

Gilberto Fre-Te embora utilize tennos totalmente questionaacuteveis esse encontro

produziu exlerminio ou degradaccedilcio pois o europeu desconsiderou o outro

enquanto produtor de cultura negando a entrar em contato com o universo

cultural indiacutegena (FREYRE 1994 109) E sem duacutevida a contribuiccedilatildeo de Casashy

Grande amp Senzala nesse sentido estaacute em ter apontado um problema tatildeo seacuterio

que f()i o extermiacutenio dos povos indiacutegenas os verdadeiros donos da terra

Nesse processo de degradaccedilatildeo os jesuiacutetas desempenharam um

imp0l1ante papel Suas missotildees agiram no sentido da imobilizaccedilatildeo tirando do

iacutendio uma de suas caracteriacutesticas mais marcantes ou seja a ida dispersa e

J1(jmade A destruiccedilatildeo de um modo de vida todo peculiar se deu por mecanismos

poderosos atraveacutes da catequese ou do sistema moral pedagoacutegico e de

organizaccedilatildeo e divisatildeo sexual do trabalho imposto pelos jesuiacutetas (FREYRE

1994 110)

o trabalho jesuiacutetico atuou em duas frentes que ao final se

complementaram Por um lado tornou o iacutendio daacutecil e meliacutefluo seminarista

llmndo-o aceitar a religiatildeo e a cultura do invasor Essa primeira dominaccedilatildeo

abriu caminho para interesses econoacutemicos transfoacutern1ando a populaccedilatildeo indiacutegena

em serviccedilais obedientes produtores de riquezas que acabaram sendo

apropriadas pelos jesuiacutetas (FREYRE 1994 146-147)

O brasileiro traz consigo a marca do indiacutegena e do africano quer

seja na alma quer seja no corpo E Freyre chega a colocar novamente numa

comparaccedilatildeo perigosa a cultura africana em patamar superior agrave do indiacutegena e a

do proacuteprio colonizador Assim em mateacuteria de contribuiccedilatildeo ao progresso

108 Asso ltlnsso raccedilatuha ~ n ~p 9R - II I JUI1 2005

--~---- ~------------------------

econocircmico da colocircnia o africano teria desempenhado papel mais importante

que o indiacutegena e o proacuteprio portuguecircs principalmente no litoral agraacuterio

(FREYRE 1994 285)

A adaptabilidade do negro ao clima tropical eacute creditada a fatores

psicoloacutegicos e fisioloacutegicos e tambeacutem devido agrave capacidade do negro de transpirar

por todo o corpo e natildeo apenas pelos sovacos (FREYRE 1994 287)AquL

pelo menos Freyre natildeo acredita na medida e peso do ceacuterebro como indicativos

da inteligecircncia humana Baseando-se em pesquisadores reconhecidos afim1a

que jaacute natildeo eacute mais aceita a superioridade mentaL inata e hereditaacuteria dos hrancos

sobre os negros (FREYRE 1994 294)

Ao se referir aos negros vindos para o Brasil o autor alel1a para a

imp0l1acircncia de se fazer ii diferenccedila entre eles haja vista terem saiacutedo de lugares

diferentes p0l1adores de culturas diferentes lf (FREYRE 1994 298-299) Para

caacute teriam vindo o melhor da cultura negra da Aacutefrica contribuiccedilatildeo importante

na formaccedilatildeo brasileira Nesse sentido ainda segundo Freyre o Brasil foi

privilegiado toma-se em comparaccedilatildeo o sul norte-americano que natildeo pocircde

contar com elementos da elite africana (FREYRE 1994 299-300) Citando

outros autores tenta mostrar a superioridade da cultura negra tanto sohre a

indiacutegena quanto sobre a portuguesa o trahalho de metais a criaccedilatildeo de gado e a

cul inaacuteria contribuiccedilotildees aflicanas que enriqueceram a cultura hrasileira (FREYRE

1994 307-308)

Um erro apontado por Fre)Te eacute julgar o negro pelo comportamento

do escravo Toda imoralidade proacutepria do sistema escravocrata eacute impingida ao

negro como se tais caracteriacutesticas fossem suas por natureza (FREYRE 1994

314-317) E aqui mais uma vez vemos a marca do inovador ao nos mostrar o

I Freyre na tentativa de relativizar a superioridade ou inferioridade de culturas nagraveo daacute conta de redimir o erro que eacute considerar uma cultura uperior agrave outra I Assim importa determinarmos a aacuterea de cultura de procedecircncia dos escra os evitandoshyse o erro de eII11OS no africano lima soacute e indistinta figura de pela da guine ou de pref() da

CosIa

Asso ltIS Araccedilatuha 3 11 3 P 91 - III JlIl1 2005 109

erro em se atribuir ao negro defeitos oriundos da condiccedilatildeo proacutepria do escravo

O grande preconceito que perpassa a historiografia brasileira diz

respeito agrave miscigenaccedilatildeo Gilberto FreyTe rompe com essa tendecircncia ao ver esse

fator atraveacutes de uma oacutetica positiva principalmente ao colocar o negro enquanto

elemento superior

Chegado ao Brasil o negro passou por um processo de

desafricanizaccedilatildeo levado a cabo pela catequese auxi liada nessa cruzada de

conversatildeo pela caIm-grande e principalmente pela senzala ao misturar esta uacuteltima

os receacutem-chegados com os veteranos jaacute abrasileirados Outros fatores

responsaacuteveis por esse abrasileiramento do negro apontados na obra satildeo o

meio fiacutesico a alimentaccedilatildeo e o sistema de trabalho (FREYRE 1994 357-358)

Para techar essa modesta anaacutelise de uma obra tatildeo importante e

marcante da historiografia brasileira c na tentativa de melhor entender autor

muitas vezes mal compreendido dou a palavra a Roberto DaMatta que vecirc a

obra de Gilberto Fre)Te de forma original e misturada como seu autor de um

lado perdida numa vaidade doentia e quase perversamente atraiacuteda pelo elogio e

pelo poder e de outro eternamente fascinada e atraiacuteda pelo pequeno mundo

dos homens comuns dos desejos secretos e dos gestos humildes (DAMATTA

19877)

DA SILVA Marco Antonio 1unes The issue ofcultural hierarchy in Gilberto

Freire Avesso do Avesso Revista Educaccedilatildeo e Cultura Araccedilatuba v3 n3

p 98 - 111 jun 2005

Abstract This article proposes an analysis ofthe masterwork ofGilberto Freire

Casa-Grande amp Senzala from the cultural view highlighting in a brief way the

main novelties approached in the book such as some critics and stereotypes

110 Anss(l ansstl Araccedilatuha 3 113 p ltIRmiddot I I UII 2005

which still remain - manyofwhich boundingthe frontierofprejudice- even in a

innovative vork like this one

Key words Gilberto Freire cultural hierarchy BraziI ieacuteUl nOlthwest ne christians

patriarchal1~lmily African culture Casa Grande amp Senzala

Referecircncias Bibliograacuteficas

ARAtrlO Ricardo Benzaquen de Guerra e Paz Casa-Grande amp Senzala e a

obra de Gilbel10 Freyre nos anos 30 Rio de Janeiro Editora 34 1994

CHACOI Vamireh Gilberto Freyre lJma biografia intelectual Recife

Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Editora Massangana Satildeo Paulo Companhia Editora

Nacional 1993

DAMATTA Roberto A originalidade de Gilberto Freyremiddotmiddot ln Boletim

Inform~ltiYo e Bibliograacutefico de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro n 242

semestre dt 1987 pp 3-10

FRrYRE Gilberto Casa-Grande amp Senzala ttmnaccedilatildeo da famiacutelia brasileira

sob o regime da economia patriarcal 29 cd Rio de Janeiro Editora Record

1994

NOVINSKY Anita Os judeus na obra de Gilberto Fre)Te ln Conferecircncia

apresentada na semana dedicada aos estudos sobre Gilberto Freyre

Recife 1996

RIBEIRO Darcy Gentidades Gilbel10 Frevre Casa-Grande amp Senzala

ln Ensaios Insoacutelitos Porto Alegre L amp PM Editores 1979 pp 63-107

III

os niacuteveis da vida portuguesa Assim amplamente amalgamados com os mouros

os portugueses acabaram por trazer agrave colocircnia americana traccedilos culturais dos

nOIte-africanos

Se por um lado o mouro ajudou a criar o portuguecircs influenciou

igualmente a presenccedila judaica agindo ambos no sentido de deseuropeizar a

cultura portuguesa Mas volta o autor a imprimir ao judeu caracteriacutesticas

estereotipadas afirmando que suas matildeos foram transformadas em garras

incapazes de semear e de criar (FREYRF 1994 226231 )

Mas podemos perceber que a proposiccedilatildeo da obra caminha no

sentido de mostrar que a modernidade do colonizador portuguecircs nagraveo estuacute no

seu burguesismo mas na miscigenaccedilatildeo racial O avanccedilo desloca-se p0l1anto

do econoacutemico para o cultural

A empresa colonizadora proposta por Portugal eacute ainda mais

valorizada quando se consideram as harreiras naturais a serem vencidas A

comeccedilar peIa mudanccedila da base alimentar trocando-se o trigo pela mandioca

Posteriormente o clima tropical tornou mais penoso o trabalho da terra

problemas nagraveo enfrentados por exemplo pelos povoadores da Ameacuterica do

0I1e l (FRERF 1994 15)

A colonizaccedilatildeo pOl1uguesa abriu caminho na histoacuteria para um novo

tipo de exploraccedilatildeo Deixou de lado a tiacutepica exploraccedilatildeo mineral vegetal ou animal

e dedicou-se a criar a riqueza no proacuteprio local patrocinando o povoamento da

tella (FREYRE 1994 17) Dessa tlt)rIna inaugurou o pOl1uguecircs a (o(il1ia

Quanto a essa posiccedilatildeo questionaacutevel em relaccedilatildeo ao judeu eja-se a passagem que se

segue referindo-se agrave formaccedilatildeo agraacuteria portuguesa Fregt re lembra que esse passado fora penertido pela atiidade comercial dos judeus

I Problemas de ordem natural tambeacutem tiveram que ser vencidos como os rios as formigas

as lagartas e inuacutemeras outras pragas II Haacute que se considerar que mesmo essa criaccedilatildeo de riqueza na colocircnia visava primeiramente

a exportaccedilatildeo

105

------------------------___-shy

de planlaccediltio tendo por base a exploraccedilatildeo agriacutecola fixando o colono a terra

Nesse tipo de colocircnia utilizou-se largamente das riquezas naturais exploradas

com o auxiacutelio de uma matildeo-de-obra nativa substituiacuteda posteriormente pelo

escravo africano l (FREYRE 1994 17)

Jaacute a partir da terceira deacutecada da colonizaccedilatildeo a famiacutelia rural se

impotildee promovendo ela o avanccedilo da colocircnia e marcando presenccedila tatildeo

significante que nem mesmo o Estado portuguecircs conseguiu se lhe impor pois

sobre ela o rei de Portugal quase que reina sem governar (FREYRE 1994

19) Entatildeo os louros da vitoacuteria devem ser creditados mais agrave iniciativa privada do

que ao Estado portuguecircs sempre sumiacutetico (FREYRE 1994 18) No

alargamento das tronteiras por exemplo a accedilagraveo de particulares foi bem mais

cxpressiva que a do govemo Assinados contratos estipulando limites acabaram

sendo ignorados pela iniciativa privada

Nessa marcha para a fixaccedilatildeo em novo telTitoacuterio () catolicismo seniu

ao colonizador como Uumltor de uniatildeo Aos que chegavam ao Brasil muitos dos

quais estrangeiros natildeo se olhavam caracteres tlsieos mas a religiatildeo professada

Como lembra Fre)Te o estrangeiro nagraveo representava perigo agrave unidade mas sim

() herege Ao ti)rasteiro bastava saber rezar o padre-nosso e a ave-maria

dizer Creio-em-Deus-Padrc fazer o pelo-sinal-da-Santa-Cruz para ser bcm

recebido L (FREYRE 1994 29-30)

E lemento importante para o portuguecircs eacute a rei igiatildeo que ampara a

colonizaccedilatildeo Nesse sentido a capela do engenho substitui a estrutura eclesiaacutestica

ausente e que age como fator aglutinador Assim eacute no acircmbito da tamiacutelia que a

religiatildeo se desenvolve essa religiosidade domeacutesticn que acaba por dar a tocircnica

da religiosidade brasileira

C Nesse sentido Freyre afirma que o instrumento de trabalho (a matildeo-de-obra escrava) agiu igualmente como elemento formador da famiacutelia brasileira I Nesse sentido o Catolicismo foi realmente o cimento da nossa unidade

106

Assim o problema vivido pelo colonizador em relaccedilatildeo ao outro

ligava-se mais agrave feacute do que ao fato de ser estrangeiro Era contra o herege que

lutavam os lusitanos natildeo simplesmente contra homens pertencentes a outras

naccedilotildees Situaccedilatildeo semelhante veriticou-se quanto ao indiacutegena hereacutetico que

devia ser combatido por sua falta de feacute natildeo por pertencer a uma raccedila diferente

E nesse universo congregante as caracteriacutesticas fiacutesicas do Brasil

como o c lima e o solo que poderiam ter agido como fator desagregador agiu

num sentido inverso A uniatildeo se deu em grande parte no sentido de vencer as

vicissitudes impostas por uma terra inoacutespita A solidariedade nasceu da

necessidade de se middotencerjuntos a natureza

Fator importante da ohra o latituumlndio monocultor eacute apontado por

Gilhlrto Freyre como uma das causas responsaacuteveis pela maacute alimentaccedilatildeo na

colocircnia e a consequumlente maacute fomlaccedilatildeo do brasileiro A ideacuteia que ) Brasil era um

paraiacuteso gastronoacutemico natildeo condiz com a realidade de privaccedilotildees que se veritica

onde a elite em poucas ocasiotildees -como as testas - conseguia tagravertar-se Uacute mesa

(FREYRE 1994 29-30)

essa carencia alimentar eacute ahel1a uma exceccedilatildeo quando se hlla de

Satildeo Paulo Aqui para os lados do Sul os paulistas nutriam-se melhor em irtudc

principalmente da diersifiacutecaccedilatildeo de atividades - a agriacutecola e a pastoril Essa

melhor (m11a de alimentaccedilatildeo acabou por influenciar na sauacutede dos paulistas

menos propensos a uma seacuterie de enfcnniacutedades

Mas um dos prohlemas de Casa-Grande amp Senzala estaacute

relacionado ao encontro de culturas Gilberto Frevre afirma muito

apropriadamente que a chegada do europeu desestruturou a ham10nia existente

entre o indiacutegena c seu meio Poreacutem eacute justamente aqui que a criacutetica se insere

pois Fre) Te utiliza-se de te11110S bastante questionaacuteveis como atrasado-adiantado

j Freyre credita a deticiecircncia de formaccedilatildeo do brasileiro a fatores como o clima a miscigenaccedilatildeo

e a carecircncia alimentar por que passa a populaccedilatildeo

~) lttlgtsn raccedilawha ~ 11 r ()ji - III JUIl 20l 107

e superh)r-inferior Ao se referir ao contato do europeu com o iacutendio afirma

que desse encontro principia a degradaccedilatildeo da raccedila atrasada ao contato da

adiantada (FREYRE 1994 89)

Portanto o encontro dessas duas culturas a europeacuteia e a indiacutegena

produziu para esta um cenaacuterio de destruiccedilatildeo vivido ainda hoje Como bem lembra

Gilberto Fre-Te embora utilize tennos totalmente questionaacuteveis esse encontro

produziu exlerminio ou degradaccedilcio pois o europeu desconsiderou o outro

enquanto produtor de cultura negando a entrar em contato com o universo

cultural indiacutegena (FREYRE 1994 109) E sem duacutevida a contribuiccedilatildeo de Casashy

Grande amp Senzala nesse sentido estaacute em ter apontado um problema tatildeo seacuterio

que f()i o extermiacutenio dos povos indiacutegenas os verdadeiros donos da terra

Nesse processo de degradaccedilatildeo os jesuiacutetas desempenharam um

imp0l1ante papel Suas missotildees agiram no sentido da imobilizaccedilatildeo tirando do

iacutendio uma de suas caracteriacutesticas mais marcantes ou seja a ida dispersa e

J1(jmade A destruiccedilatildeo de um modo de vida todo peculiar se deu por mecanismos

poderosos atraveacutes da catequese ou do sistema moral pedagoacutegico e de

organizaccedilatildeo e divisatildeo sexual do trabalho imposto pelos jesuiacutetas (FREYRE

1994 110)

o trabalho jesuiacutetico atuou em duas frentes que ao final se

complementaram Por um lado tornou o iacutendio daacutecil e meliacutefluo seminarista

llmndo-o aceitar a religiatildeo e a cultura do invasor Essa primeira dominaccedilatildeo

abriu caminho para interesses econoacutemicos transfoacutern1ando a populaccedilatildeo indiacutegena

em serviccedilais obedientes produtores de riquezas que acabaram sendo

apropriadas pelos jesuiacutetas (FREYRE 1994 146-147)

O brasileiro traz consigo a marca do indiacutegena e do africano quer

seja na alma quer seja no corpo E Freyre chega a colocar novamente numa

comparaccedilatildeo perigosa a cultura africana em patamar superior agrave do indiacutegena e a

do proacuteprio colonizador Assim em mateacuteria de contribuiccedilatildeo ao progresso

108 Asso ltlnsso raccedilatuha ~ n ~p 9R - II I JUI1 2005

--~---- ~------------------------

econocircmico da colocircnia o africano teria desempenhado papel mais importante

que o indiacutegena e o proacuteprio portuguecircs principalmente no litoral agraacuterio

(FREYRE 1994 285)

A adaptabilidade do negro ao clima tropical eacute creditada a fatores

psicoloacutegicos e fisioloacutegicos e tambeacutem devido agrave capacidade do negro de transpirar

por todo o corpo e natildeo apenas pelos sovacos (FREYRE 1994 287)AquL

pelo menos Freyre natildeo acredita na medida e peso do ceacuterebro como indicativos

da inteligecircncia humana Baseando-se em pesquisadores reconhecidos afim1a

que jaacute natildeo eacute mais aceita a superioridade mentaL inata e hereditaacuteria dos hrancos

sobre os negros (FREYRE 1994 294)

Ao se referir aos negros vindos para o Brasil o autor alel1a para a

imp0l1acircncia de se fazer ii diferenccedila entre eles haja vista terem saiacutedo de lugares

diferentes p0l1adores de culturas diferentes lf (FREYRE 1994 298-299) Para

caacute teriam vindo o melhor da cultura negra da Aacutefrica contribuiccedilatildeo importante

na formaccedilatildeo brasileira Nesse sentido ainda segundo Freyre o Brasil foi

privilegiado toma-se em comparaccedilatildeo o sul norte-americano que natildeo pocircde

contar com elementos da elite africana (FREYRE 1994 299-300) Citando

outros autores tenta mostrar a superioridade da cultura negra tanto sohre a

indiacutegena quanto sobre a portuguesa o trahalho de metais a criaccedilatildeo de gado e a

cul inaacuteria contribuiccedilotildees aflicanas que enriqueceram a cultura hrasileira (FREYRE

1994 307-308)

Um erro apontado por Fre)Te eacute julgar o negro pelo comportamento

do escravo Toda imoralidade proacutepria do sistema escravocrata eacute impingida ao

negro como se tais caracteriacutesticas fossem suas por natureza (FREYRE 1994

314-317) E aqui mais uma vez vemos a marca do inovador ao nos mostrar o

I Freyre na tentativa de relativizar a superioridade ou inferioridade de culturas nagraveo daacute conta de redimir o erro que eacute considerar uma cultura uperior agrave outra I Assim importa determinarmos a aacuterea de cultura de procedecircncia dos escra os evitandoshyse o erro de eII11OS no africano lima soacute e indistinta figura de pela da guine ou de pref() da

CosIa

Asso ltIS Araccedilatuha 3 11 3 P 91 - III JlIl1 2005 109

erro em se atribuir ao negro defeitos oriundos da condiccedilatildeo proacutepria do escravo

O grande preconceito que perpassa a historiografia brasileira diz

respeito agrave miscigenaccedilatildeo Gilberto FreyTe rompe com essa tendecircncia ao ver esse

fator atraveacutes de uma oacutetica positiva principalmente ao colocar o negro enquanto

elemento superior

Chegado ao Brasil o negro passou por um processo de

desafricanizaccedilatildeo levado a cabo pela catequese auxi liada nessa cruzada de

conversatildeo pela caIm-grande e principalmente pela senzala ao misturar esta uacuteltima

os receacutem-chegados com os veteranos jaacute abrasileirados Outros fatores

responsaacuteveis por esse abrasileiramento do negro apontados na obra satildeo o

meio fiacutesico a alimentaccedilatildeo e o sistema de trabalho (FREYRE 1994 357-358)

Para techar essa modesta anaacutelise de uma obra tatildeo importante e

marcante da historiografia brasileira c na tentativa de melhor entender autor

muitas vezes mal compreendido dou a palavra a Roberto DaMatta que vecirc a

obra de Gilberto Fre)Te de forma original e misturada como seu autor de um

lado perdida numa vaidade doentia e quase perversamente atraiacuteda pelo elogio e

pelo poder e de outro eternamente fascinada e atraiacuteda pelo pequeno mundo

dos homens comuns dos desejos secretos e dos gestos humildes (DAMATTA

19877)

DA SILVA Marco Antonio 1unes The issue ofcultural hierarchy in Gilberto

Freire Avesso do Avesso Revista Educaccedilatildeo e Cultura Araccedilatuba v3 n3

p 98 - 111 jun 2005

Abstract This article proposes an analysis ofthe masterwork ofGilberto Freire

Casa-Grande amp Senzala from the cultural view highlighting in a brief way the

main novelties approached in the book such as some critics and stereotypes

110 Anss(l ansstl Araccedilatuha 3 113 p ltIRmiddot I I UII 2005

which still remain - manyofwhich boundingthe frontierofprejudice- even in a

innovative vork like this one

Key words Gilberto Freire cultural hierarchy BraziI ieacuteUl nOlthwest ne christians

patriarchal1~lmily African culture Casa Grande amp Senzala

Referecircncias Bibliograacuteficas

ARAtrlO Ricardo Benzaquen de Guerra e Paz Casa-Grande amp Senzala e a

obra de Gilbel10 Freyre nos anos 30 Rio de Janeiro Editora 34 1994

CHACOI Vamireh Gilberto Freyre lJma biografia intelectual Recife

Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Editora Massangana Satildeo Paulo Companhia Editora

Nacional 1993

DAMATTA Roberto A originalidade de Gilberto Freyremiddotmiddot ln Boletim

Inform~ltiYo e Bibliograacutefico de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro n 242

semestre dt 1987 pp 3-10

FRrYRE Gilberto Casa-Grande amp Senzala ttmnaccedilatildeo da famiacutelia brasileira

sob o regime da economia patriarcal 29 cd Rio de Janeiro Editora Record

1994

NOVINSKY Anita Os judeus na obra de Gilberto Fre)Te ln Conferecircncia

apresentada na semana dedicada aos estudos sobre Gilberto Freyre

Recife 1996

RIBEIRO Darcy Gentidades Gilbel10 Frevre Casa-Grande amp Senzala

ln Ensaios Insoacutelitos Porto Alegre L amp PM Editores 1979 pp 63-107

III

de planlaccediltio tendo por base a exploraccedilatildeo agriacutecola fixando o colono a terra

Nesse tipo de colocircnia utilizou-se largamente das riquezas naturais exploradas

com o auxiacutelio de uma matildeo-de-obra nativa substituiacuteda posteriormente pelo

escravo africano l (FREYRE 1994 17)

Jaacute a partir da terceira deacutecada da colonizaccedilatildeo a famiacutelia rural se

impotildee promovendo ela o avanccedilo da colocircnia e marcando presenccedila tatildeo

significante que nem mesmo o Estado portuguecircs conseguiu se lhe impor pois

sobre ela o rei de Portugal quase que reina sem governar (FREYRE 1994

19) Entatildeo os louros da vitoacuteria devem ser creditados mais agrave iniciativa privada do

que ao Estado portuguecircs sempre sumiacutetico (FREYRE 1994 18) No

alargamento das tronteiras por exemplo a accedilagraveo de particulares foi bem mais

cxpressiva que a do govemo Assinados contratos estipulando limites acabaram

sendo ignorados pela iniciativa privada

Nessa marcha para a fixaccedilatildeo em novo telTitoacuterio () catolicismo seniu

ao colonizador como Uumltor de uniatildeo Aos que chegavam ao Brasil muitos dos

quais estrangeiros natildeo se olhavam caracteres tlsieos mas a religiatildeo professada

Como lembra Fre)Te o estrangeiro nagraveo representava perigo agrave unidade mas sim

() herege Ao ti)rasteiro bastava saber rezar o padre-nosso e a ave-maria

dizer Creio-em-Deus-Padrc fazer o pelo-sinal-da-Santa-Cruz para ser bcm

recebido L (FREYRE 1994 29-30)

E lemento importante para o portuguecircs eacute a rei igiatildeo que ampara a

colonizaccedilatildeo Nesse sentido a capela do engenho substitui a estrutura eclesiaacutestica

ausente e que age como fator aglutinador Assim eacute no acircmbito da tamiacutelia que a

religiatildeo se desenvolve essa religiosidade domeacutesticn que acaba por dar a tocircnica

da religiosidade brasileira

C Nesse sentido Freyre afirma que o instrumento de trabalho (a matildeo-de-obra escrava) agiu igualmente como elemento formador da famiacutelia brasileira I Nesse sentido o Catolicismo foi realmente o cimento da nossa unidade

106

Assim o problema vivido pelo colonizador em relaccedilatildeo ao outro

ligava-se mais agrave feacute do que ao fato de ser estrangeiro Era contra o herege que

lutavam os lusitanos natildeo simplesmente contra homens pertencentes a outras

naccedilotildees Situaccedilatildeo semelhante veriticou-se quanto ao indiacutegena hereacutetico que

devia ser combatido por sua falta de feacute natildeo por pertencer a uma raccedila diferente

E nesse universo congregante as caracteriacutesticas fiacutesicas do Brasil

como o c lima e o solo que poderiam ter agido como fator desagregador agiu

num sentido inverso A uniatildeo se deu em grande parte no sentido de vencer as

vicissitudes impostas por uma terra inoacutespita A solidariedade nasceu da

necessidade de se middotencerjuntos a natureza

Fator importante da ohra o latituumlndio monocultor eacute apontado por

Gilhlrto Freyre como uma das causas responsaacuteveis pela maacute alimentaccedilatildeo na

colocircnia e a consequumlente maacute fomlaccedilatildeo do brasileiro A ideacuteia que ) Brasil era um

paraiacuteso gastronoacutemico natildeo condiz com a realidade de privaccedilotildees que se veritica

onde a elite em poucas ocasiotildees -como as testas - conseguia tagravertar-se Uacute mesa

(FREYRE 1994 29-30)

essa carencia alimentar eacute ahel1a uma exceccedilatildeo quando se hlla de

Satildeo Paulo Aqui para os lados do Sul os paulistas nutriam-se melhor em irtudc

principalmente da diersifiacutecaccedilatildeo de atividades - a agriacutecola e a pastoril Essa

melhor (m11a de alimentaccedilatildeo acabou por influenciar na sauacutede dos paulistas

menos propensos a uma seacuterie de enfcnniacutedades

Mas um dos prohlemas de Casa-Grande amp Senzala estaacute

relacionado ao encontro de culturas Gilberto Frevre afirma muito

apropriadamente que a chegada do europeu desestruturou a ham10nia existente

entre o indiacutegena c seu meio Poreacutem eacute justamente aqui que a criacutetica se insere

pois Fre) Te utiliza-se de te11110S bastante questionaacuteveis como atrasado-adiantado

j Freyre credita a deticiecircncia de formaccedilatildeo do brasileiro a fatores como o clima a miscigenaccedilatildeo

e a carecircncia alimentar por que passa a populaccedilatildeo

~) lttlgtsn raccedilawha ~ 11 r ()ji - III JUIl 20l 107

e superh)r-inferior Ao se referir ao contato do europeu com o iacutendio afirma

que desse encontro principia a degradaccedilatildeo da raccedila atrasada ao contato da

adiantada (FREYRE 1994 89)

Portanto o encontro dessas duas culturas a europeacuteia e a indiacutegena

produziu para esta um cenaacuterio de destruiccedilatildeo vivido ainda hoje Como bem lembra

Gilberto Fre-Te embora utilize tennos totalmente questionaacuteveis esse encontro

produziu exlerminio ou degradaccedilcio pois o europeu desconsiderou o outro

enquanto produtor de cultura negando a entrar em contato com o universo

cultural indiacutegena (FREYRE 1994 109) E sem duacutevida a contribuiccedilatildeo de Casashy

Grande amp Senzala nesse sentido estaacute em ter apontado um problema tatildeo seacuterio

que f()i o extermiacutenio dos povos indiacutegenas os verdadeiros donos da terra

Nesse processo de degradaccedilatildeo os jesuiacutetas desempenharam um

imp0l1ante papel Suas missotildees agiram no sentido da imobilizaccedilatildeo tirando do

iacutendio uma de suas caracteriacutesticas mais marcantes ou seja a ida dispersa e

J1(jmade A destruiccedilatildeo de um modo de vida todo peculiar se deu por mecanismos

poderosos atraveacutes da catequese ou do sistema moral pedagoacutegico e de

organizaccedilatildeo e divisatildeo sexual do trabalho imposto pelos jesuiacutetas (FREYRE

1994 110)

o trabalho jesuiacutetico atuou em duas frentes que ao final se

complementaram Por um lado tornou o iacutendio daacutecil e meliacutefluo seminarista

llmndo-o aceitar a religiatildeo e a cultura do invasor Essa primeira dominaccedilatildeo

abriu caminho para interesses econoacutemicos transfoacutern1ando a populaccedilatildeo indiacutegena

em serviccedilais obedientes produtores de riquezas que acabaram sendo

apropriadas pelos jesuiacutetas (FREYRE 1994 146-147)

O brasileiro traz consigo a marca do indiacutegena e do africano quer

seja na alma quer seja no corpo E Freyre chega a colocar novamente numa

comparaccedilatildeo perigosa a cultura africana em patamar superior agrave do indiacutegena e a

do proacuteprio colonizador Assim em mateacuteria de contribuiccedilatildeo ao progresso

108 Asso ltlnsso raccedilatuha ~ n ~p 9R - II I JUI1 2005

--~---- ~------------------------

econocircmico da colocircnia o africano teria desempenhado papel mais importante

que o indiacutegena e o proacuteprio portuguecircs principalmente no litoral agraacuterio

(FREYRE 1994 285)

A adaptabilidade do negro ao clima tropical eacute creditada a fatores

psicoloacutegicos e fisioloacutegicos e tambeacutem devido agrave capacidade do negro de transpirar

por todo o corpo e natildeo apenas pelos sovacos (FREYRE 1994 287)AquL

pelo menos Freyre natildeo acredita na medida e peso do ceacuterebro como indicativos

da inteligecircncia humana Baseando-se em pesquisadores reconhecidos afim1a

que jaacute natildeo eacute mais aceita a superioridade mentaL inata e hereditaacuteria dos hrancos

sobre os negros (FREYRE 1994 294)

Ao se referir aos negros vindos para o Brasil o autor alel1a para a

imp0l1acircncia de se fazer ii diferenccedila entre eles haja vista terem saiacutedo de lugares

diferentes p0l1adores de culturas diferentes lf (FREYRE 1994 298-299) Para

caacute teriam vindo o melhor da cultura negra da Aacutefrica contribuiccedilatildeo importante

na formaccedilatildeo brasileira Nesse sentido ainda segundo Freyre o Brasil foi

privilegiado toma-se em comparaccedilatildeo o sul norte-americano que natildeo pocircde

contar com elementos da elite africana (FREYRE 1994 299-300) Citando

outros autores tenta mostrar a superioridade da cultura negra tanto sohre a

indiacutegena quanto sobre a portuguesa o trahalho de metais a criaccedilatildeo de gado e a

cul inaacuteria contribuiccedilotildees aflicanas que enriqueceram a cultura hrasileira (FREYRE

1994 307-308)

Um erro apontado por Fre)Te eacute julgar o negro pelo comportamento

do escravo Toda imoralidade proacutepria do sistema escravocrata eacute impingida ao

negro como se tais caracteriacutesticas fossem suas por natureza (FREYRE 1994

314-317) E aqui mais uma vez vemos a marca do inovador ao nos mostrar o

I Freyre na tentativa de relativizar a superioridade ou inferioridade de culturas nagraveo daacute conta de redimir o erro que eacute considerar uma cultura uperior agrave outra I Assim importa determinarmos a aacuterea de cultura de procedecircncia dos escra os evitandoshyse o erro de eII11OS no africano lima soacute e indistinta figura de pela da guine ou de pref() da

CosIa

Asso ltIS Araccedilatuha 3 11 3 P 91 - III JlIl1 2005 109

erro em se atribuir ao negro defeitos oriundos da condiccedilatildeo proacutepria do escravo

O grande preconceito que perpassa a historiografia brasileira diz

respeito agrave miscigenaccedilatildeo Gilberto FreyTe rompe com essa tendecircncia ao ver esse

fator atraveacutes de uma oacutetica positiva principalmente ao colocar o negro enquanto

elemento superior

Chegado ao Brasil o negro passou por um processo de

desafricanizaccedilatildeo levado a cabo pela catequese auxi liada nessa cruzada de

conversatildeo pela caIm-grande e principalmente pela senzala ao misturar esta uacuteltima

os receacutem-chegados com os veteranos jaacute abrasileirados Outros fatores

responsaacuteveis por esse abrasileiramento do negro apontados na obra satildeo o

meio fiacutesico a alimentaccedilatildeo e o sistema de trabalho (FREYRE 1994 357-358)

Para techar essa modesta anaacutelise de uma obra tatildeo importante e

marcante da historiografia brasileira c na tentativa de melhor entender autor

muitas vezes mal compreendido dou a palavra a Roberto DaMatta que vecirc a

obra de Gilberto Fre)Te de forma original e misturada como seu autor de um

lado perdida numa vaidade doentia e quase perversamente atraiacuteda pelo elogio e

pelo poder e de outro eternamente fascinada e atraiacuteda pelo pequeno mundo

dos homens comuns dos desejos secretos e dos gestos humildes (DAMATTA

19877)

DA SILVA Marco Antonio 1unes The issue ofcultural hierarchy in Gilberto

Freire Avesso do Avesso Revista Educaccedilatildeo e Cultura Araccedilatuba v3 n3

p 98 - 111 jun 2005

Abstract This article proposes an analysis ofthe masterwork ofGilberto Freire

Casa-Grande amp Senzala from the cultural view highlighting in a brief way the

main novelties approached in the book such as some critics and stereotypes

110 Anss(l ansstl Araccedilatuha 3 113 p ltIRmiddot I I UII 2005

which still remain - manyofwhich boundingthe frontierofprejudice- even in a

innovative vork like this one

Key words Gilberto Freire cultural hierarchy BraziI ieacuteUl nOlthwest ne christians

patriarchal1~lmily African culture Casa Grande amp Senzala

Referecircncias Bibliograacuteficas

ARAtrlO Ricardo Benzaquen de Guerra e Paz Casa-Grande amp Senzala e a

obra de Gilbel10 Freyre nos anos 30 Rio de Janeiro Editora 34 1994

CHACOI Vamireh Gilberto Freyre lJma biografia intelectual Recife

Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Editora Massangana Satildeo Paulo Companhia Editora

Nacional 1993

DAMATTA Roberto A originalidade de Gilberto Freyremiddotmiddot ln Boletim

Inform~ltiYo e Bibliograacutefico de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro n 242

semestre dt 1987 pp 3-10

FRrYRE Gilberto Casa-Grande amp Senzala ttmnaccedilatildeo da famiacutelia brasileira

sob o regime da economia patriarcal 29 cd Rio de Janeiro Editora Record

1994

NOVINSKY Anita Os judeus na obra de Gilberto Fre)Te ln Conferecircncia

apresentada na semana dedicada aos estudos sobre Gilberto Freyre

Recife 1996

RIBEIRO Darcy Gentidades Gilbel10 Frevre Casa-Grande amp Senzala

ln Ensaios Insoacutelitos Porto Alegre L amp PM Editores 1979 pp 63-107

III

Assim o problema vivido pelo colonizador em relaccedilatildeo ao outro

ligava-se mais agrave feacute do que ao fato de ser estrangeiro Era contra o herege que

lutavam os lusitanos natildeo simplesmente contra homens pertencentes a outras

naccedilotildees Situaccedilatildeo semelhante veriticou-se quanto ao indiacutegena hereacutetico que

devia ser combatido por sua falta de feacute natildeo por pertencer a uma raccedila diferente

E nesse universo congregante as caracteriacutesticas fiacutesicas do Brasil

como o c lima e o solo que poderiam ter agido como fator desagregador agiu

num sentido inverso A uniatildeo se deu em grande parte no sentido de vencer as

vicissitudes impostas por uma terra inoacutespita A solidariedade nasceu da

necessidade de se middotencerjuntos a natureza

Fator importante da ohra o latituumlndio monocultor eacute apontado por

Gilhlrto Freyre como uma das causas responsaacuteveis pela maacute alimentaccedilatildeo na

colocircnia e a consequumlente maacute fomlaccedilatildeo do brasileiro A ideacuteia que ) Brasil era um

paraiacuteso gastronoacutemico natildeo condiz com a realidade de privaccedilotildees que se veritica

onde a elite em poucas ocasiotildees -como as testas - conseguia tagravertar-se Uacute mesa

(FREYRE 1994 29-30)

essa carencia alimentar eacute ahel1a uma exceccedilatildeo quando se hlla de

Satildeo Paulo Aqui para os lados do Sul os paulistas nutriam-se melhor em irtudc

principalmente da diersifiacutecaccedilatildeo de atividades - a agriacutecola e a pastoril Essa

melhor (m11a de alimentaccedilatildeo acabou por influenciar na sauacutede dos paulistas

menos propensos a uma seacuterie de enfcnniacutedades

Mas um dos prohlemas de Casa-Grande amp Senzala estaacute

relacionado ao encontro de culturas Gilberto Frevre afirma muito

apropriadamente que a chegada do europeu desestruturou a ham10nia existente

entre o indiacutegena c seu meio Poreacutem eacute justamente aqui que a criacutetica se insere

pois Fre) Te utiliza-se de te11110S bastante questionaacuteveis como atrasado-adiantado

j Freyre credita a deticiecircncia de formaccedilatildeo do brasileiro a fatores como o clima a miscigenaccedilatildeo

e a carecircncia alimentar por que passa a populaccedilatildeo

~) lttlgtsn raccedilawha ~ 11 r ()ji - III JUIl 20l 107

e superh)r-inferior Ao se referir ao contato do europeu com o iacutendio afirma

que desse encontro principia a degradaccedilatildeo da raccedila atrasada ao contato da

adiantada (FREYRE 1994 89)

Portanto o encontro dessas duas culturas a europeacuteia e a indiacutegena

produziu para esta um cenaacuterio de destruiccedilatildeo vivido ainda hoje Como bem lembra

Gilberto Fre-Te embora utilize tennos totalmente questionaacuteveis esse encontro

produziu exlerminio ou degradaccedilcio pois o europeu desconsiderou o outro

enquanto produtor de cultura negando a entrar em contato com o universo

cultural indiacutegena (FREYRE 1994 109) E sem duacutevida a contribuiccedilatildeo de Casashy

Grande amp Senzala nesse sentido estaacute em ter apontado um problema tatildeo seacuterio

que f()i o extermiacutenio dos povos indiacutegenas os verdadeiros donos da terra

Nesse processo de degradaccedilatildeo os jesuiacutetas desempenharam um

imp0l1ante papel Suas missotildees agiram no sentido da imobilizaccedilatildeo tirando do

iacutendio uma de suas caracteriacutesticas mais marcantes ou seja a ida dispersa e

J1(jmade A destruiccedilatildeo de um modo de vida todo peculiar se deu por mecanismos

poderosos atraveacutes da catequese ou do sistema moral pedagoacutegico e de

organizaccedilatildeo e divisatildeo sexual do trabalho imposto pelos jesuiacutetas (FREYRE

1994 110)

o trabalho jesuiacutetico atuou em duas frentes que ao final se

complementaram Por um lado tornou o iacutendio daacutecil e meliacutefluo seminarista

llmndo-o aceitar a religiatildeo e a cultura do invasor Essa primeira dominaccedilatildeo

abriu caminho para interesses econoacutemicos transfoacutern1ando a populaccedilatildeo indiacutegena

em serviccedilais obedientes produtores de riquezas que acabaram sendo

apropriadas pelos jesuiacutetas (FREYRE 1994 146-147)

O brasileiro traz consigo a marca do indiacutegena e do africano quer

seja na alma quer seja no corpo E Freyre chega a colocar novamente numa

comparaccedilatildeo perigosa a cultura africana em patamar superior agrave do indiacutegena e a

do proacuteprio colonizador Assim em mateacuteria de contribuiccedilatildeo ao progresso

108 Asso ltlnsso raccedilatuha ~ n ~p 9R - II I JUI1 2005

--~---- ~------------------------

econocircmico da colocircnia o africano teria desempenhado papel mais importante

que o indiacutegena e o proacuteprio portuguecircs principalmente no litoral agraacuterio

(FREYRE 1994 285)

A adaptabilidade do negro ao clima tropical eacute creditada a fatores

psicoloacutegicos e fisioloacutegicos e tambeacutem devido agrave capacidade do negro de transpirar

por todo o corpo e natildeo apenas pelos sovacos (FREYRE 1994 287)AquL

pelo menos Freyre natildeo acredita na medida e peso do ceacuterebro como indicativos

da inteligecircncia humana Baseando-se em pesquisadores reconhecidos afim1a

que jaacute natildeo eacute mais aceita a superioridade mentaL inata e hereditaacuteria dos hrancos

sobre os negros (FREYRE 1994 294)

Ao se referir aos negros vindos para o Brasil o autor alel1a para a

imp0l1acircncia de se fazer ii diferenccedila entre eles haja vista terem saiacutedo de lugares

diferentes p0l1adores de culturas diferentes lf (FREYRE 1994 298-299) Para

caacute teriam vindo o melhor da cultura negra da Aacutefrica contribuiccedilatildeo importante

na formaccedilatildeo brasileira Nesse sentido ainda segundo Freyre o Brasil foi

privilegiado toma-se em comparaccedilatildeo o sul norte-americano que natildeo pocircde

contar com elementos da elite africana (FREYRE 1994 299-300) Citando

outros autores tenta mostrar a superioridade da cultura negra tanto sohre a

indiacutegena quanto sobre a portuguesa o trahalho de metais a criaccedilatildeo de gado e a

cul inaacuteria contribuiccedilotildees aflicanas que enriqueceram a cultura hrasileira (FREYRE

1994 307-308)

Um erro apontado por Fre)Te eacute julgar o negro pelo comportamento

do escravo Toda imoralidade proacutepria do sistema escravocrata eacute impingida ao

negro como se tais caracteriacutesticas fossem suas por natureza (FREYRE 1994

314-317) E aqui mais uma vez vemos a marca do inovador ao nos mostrar o

I Freyre na tentativa de relativizar a superioridade ou inferioridade de culturas nagraveo daacute conta de redimir o erro que eacute considerar uma cultura uperior agrave outra I Assim importa determinarmos a aacuterea de cultura de procedecircncia dos escra os evitandoshyse o erro de eII11OS no africano lima soacute e indistinta figura de pela da guine ou de pref() da

CosIa

Asso ltIS Araccedilatuha 3 11 3 P 91 - III JlIl1 2005 109

erro em se atribuir ao negro defeitos oriundos da condiccedilatildeo proacutepria do escravo

O grande preconceito que perpassa a historiografia brasileira diz

respeito agrave miscigenaccedilatildeo Gilberto FreyTe rompe com essa tendecircncia ao ver esse

fator atraveacutes de uma oacutetica positiva principalmente ao colocar o negro enquanto

elemento superior

Chegado ao Brasil o negro passou por um processo de

desafricanizaccedilatildeo levado a cabo pela catequese auxi liada nessa cruzada de

conversatildeo pela caIm-grande e principalmente pela senzala ao misturar esta uacuteltima

os receacutem-chegados com os veteranos jaacute abrasileirados Outros fatores

responsaacuteveis por esse abrasileiramento do negro apontados na obra satildeo o

meio fiacutesico a alimentaccedilatildeo e o sistema de trabalho (FREYRE 1994 357-358)

Para techar essa modesta anaacutelise de uma obra tatildeo importante e

marcante da historiografia brasileira c na tentativa de melhor entender autor

muitas vezes mal compreendido dou a palavra a Roberto DaMatta que vecirc a

obra de Gilberto Fre)Te de forma original e misturada como seu autor de um

lado perdida numa vaidade doentia e quase perversamente atraiacuteda pelo elogio e

pelo poder e de outro eternamente fascinada e atraiacuteda pelo pequeno mundo

dos homens comuns dos desejos secretos e dos gestos humildes (DAMATTA

19877)

DA SILVA Marco Antonio 1unes The issue ofcultural hierarchy in Gilberto

Freire Avesso do Avesso Revista Educaccedilatildeo e Cultura Araccedilatuba v3 n3

p 98 - 111 jun 2005

Abstract This article proposes an analysis ofthe masterwork ofGilberto Freire

Casa-Grande amp Senzala from the cultural view highlighting in a brief way the

main novelties approached in the book such as some critics and stereotypes

110 Anss(l ansstl Araccedilatuha 3 113 p ltIRmiddot I I UII 2005

which still remain - manyofwhich boundingthe frontierofprejudice- even in a

innovative vork like this one

Key words Gilberto Freire cultural hierarchy BraziI ieacuteUl nOlthwest ne christians

patriarchal1~lmily African culture Casa Grande amp Senzala

Referecircncias Bibliograacuteficas

ARAtrlO Ricardo Benzaquen de Guerra e Paz Casa-Grande amp Senzala e a

obra de Gilbel10 Freyre nos anos 30 Rio de Janeiro Editora 34 1994

CHACOI Vamireh Gilberto Freyre lJma biografia intelectual Recife

Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Editora Massangana Satildeo Paulo Companhia Editora

Nacional 1993

DAMATTA Roberto A originalidade de Gilberto Freyremiddotmiddot ln Boletim

Inform~ltiYo e Bibliograacutefico de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro n 242

semestre dt 1987 pp 3-10

FRrYRE Gilberto Casa-Grande amp Senzala ttmnaccedilatildeo da famiacutelia brasileira

sob o regime da economia patriarcal 29 cd Rio de Janeiro Editora Record

1994

NOVINSKY Anita Os judeus na obra de Gilberto Fre)Te ln Conferecircncia

apresentada na semana dedicada aos estudos sobre Gilberto Freyre

Recife 1996

RIBEIRO Darcy Gentidades Gilbel10 Frevre Casa-Grande amp Senzala

ln Ensaios Insoacutelitos Porto Alegre L amp PM Editores 1979 pp 63-107

III

e superh)r-inferior Ao se referir ao contato do europeu com o iacutendio afirma

que desse encontro principia a degradaccedilatildeo da raccedila atrasada ao contato da

adiantada (FREYRE 1994 89)

Portanto o encontro dessas duas culturas a europeacuteia e a indiacutegena

produziu para esta um cenaacuterio de destruiccedilatildeo vivido ainda hoje Como bem lembra

Gilberto Fre-Te embora utilize tennos totalmente questionaacuteveis esse encontro

produziu exlerminio ou degradaccedilcio pois o europeu desconsiderou o outro

enquanto produtor de cultura negando a entrar em contato com o universo

cultural indiacutegena (FREYRE 1994 109) E sem duacutevida a contribuiccedilatildeo de Casashy

Grande amp Senzala nesse sentido estaacute em ter apontado um problema tatildeo seacuterio

que f()i o extermiacutenio dos povos indiacutegenas os verdadeiros donos da terra

Nesse processo de degradaccedilatildeo os jesuiacutetas desempenharam um

imp0l1ante papel Suas missotildees agiram no sentido da imobilizaccedilatildeo tirando do

iacutendio uma de suas caracteriacutesticas mais marcantes ou seja a ida dispersa e

J1(jmade A destruiccedilatildeo de um modo de vida todo peculiar se deu por mecanismos

poderosos atraveacutes da catequese ou do sistema moral pedagoacutegico e de

organizaccedilatildeo e divisatildeo sexual do trabalho imposto pelos jesuiacutetas (FREYRE

1994 110)

o trabalho jesuiacutetico atuou em duas frentes que ao final se

complementaram Por um lado tornou o iacutendio daacutecil e meliacutefluo seminarista

llmndo-o aceitar a religiatildeo e a cultura do invasor Essa primeira dominaccedilatildeo

abriu caminho para interesses econoacutemicos transfoacutern1ando a populaccedilatildeo indiacutegena

em serviccedilais obedientes produtores de riquezas que acabaram sendo

apropriadas pelos jesuiacutetas (FREYRE 1994 146-147)

O brasileiro traz consigo a marca do indiacutegena e do africano quer

seja na alma quer seja no corpo E Freyre chega a colocar novamente numa

comparaccedilatildeo perigosa a cultura africana em patamar superior agrave do indiacutegena e a

do proacuteprio colonizador Assim em mateacuteria de contribuiccedilatildeo ao progresso

108 Asso ltlnsso raccedilatuha ~ n ~p 9R - II I JUI1 2005

--~---- ~------------------------

econocircmico da colocircnia o africano teria desempenhado papel mais importante

que o indiacutegena e o proacuteprio portuguecircs principalmente no litoral agraacuterio

(FREYRE 1994 285)

A adaptabilidade do negro ao clima tropical eacute creditada a fatores

psicoloacutegicos e fisioloacutegicos e tambeacutem devido agrave capacidade do negro de transpirar

por todo o corpo e natildeo apenas pelos sovacos (FREYRE 1994 287)AquL

pelo menos Freyre natildeo acredita na medida e peso do ceacuterebro como indicativos

da inteligecircncia humana Baseando-se em pesquisadores reconhecidos afim1a

que jaacute natildeo eacute mais aceita a superioridade mentaL inata e hereditaacuteria dos hrancos

sobre os negros (FREYRE 1994 294)

Ao se referir aos negros vindos para o Brasil o autor alel1a para a

imp0l1acircncia de se fazer ii diferenccedila entre eles haja vista terem saiacutedo de lugares

diferentes p0l1adores de culturas diferentes lf (FREYRE 1994 298-299) Para

caacute teriam vindo o melhor da cultura negra da Aacutefrica contribuiccedilatildeo importante

na formaccedilatildeo brasileira Nesse sentido ainda segundo Freyre o Brasil foi

privilegiado toma-se em comparaccedilatildeo o sul norte-americano que natildeo pocircde

contar com elementos da elite africana (FREYRE 1994 299-300) Citando

outros autores tenta mostrar a superioridade da cultura negra tanto sohre a

indiacutegena quanto sobre a portuguesa o trahalho de metais a criaccedilatildeo de gado e a

cul inaacuteria contribuiccedilotildees aflicanas que enriqueceram a cultura hrasileira (FREYRE

1994 307-308)

Um erro apontado por Fre)Te eacute julgar o negro pelo comportamento

do escravo Toda imoralidade proacutepria do sistema escravocrata eacute impingida ao

negro como se tais caracteriacutesticas fossem suas por natureza (FREYRE 1994

314-317) E aqui mais uma vez vemos a marca do inovador ao nos mostrar o

I Freyre na tentativa de relativizar a superioridade ou inferioridade de culturas nagraveo daacute conta de redimir o erro que eacute considerar uma cultura uperior agrave outra I Assim importa determinarmos a aacuterea de cultura de procedecircncia dos escra os evitandoshyse o erro de eII11OS no africano lima soacute e indistinta figura de pela da guine ou de pref() da

CosIa

Asso ltIS Araccedilatuha 3 11 3 P 91 - III JlIl1 2005 109

erro em se atribuir ao negro defeitos oriundos da condiccedilatildeo proacutepria do escravo

O grande preconceito que perpassa a historiografia brasileira diz

respeito agrave miscigenaccedilatildeo Gilberto FreyTe rompe com essa tendecircncia ao ver esse

fator atraveacutes de uma oacutetica positiva principalmente ao colocar o negro enquanto

elemento superior

Chegado ao Brasil o negro passou por um processo de

desafricanizaccedilatildeo levado a cabo pela catequese auxi liada nessa cruzada de

conversatildeo pela caIm-grande e principalmente pela senzala ao misturar esta uacuteltima

os receacutem-chegados com os veteranos jaacute abrasileirados Outros fatores

responsaacuteveis por esse abrasileiramento do negro apontados na obra satildeo o

meio fiacutesico a alimentaccedilatildeo e o sistema de trabalho (FREYRE 1994 357-358)

Para techar essa modesta anaacutelise de uma obra tatildeo importante e

marcante da historiografia brasileira c na tentativa de melhor entender autor

muitas vezes mal compreendido dou a palavra a Roberto DaMatta que vecirc a

obra de Gilberto Fre)Te de forma original e misturada como seu autor de um

lado perdida numa vaidade doentia e quase perversamente atraiacuteda pelo elogio e

pelo poder e de outro eternamente fascinada e atraiacuteda pelo pequeno mundo

dos homens comuns dos desejos secretos e dos gestos humildes (DAMATTA

19877)

DA SILVA Marco Antonio 1unes The issue ofcultural hierarchy in Gilberto

Freire Avesso do Avesso Revista Educaccedilatildeo e Cultura Araccedilatuba v3 n3

p 98 - 111 jun 2005

Abstract This article proposes an analysis ofthe masterwork ofGilberto Freire

Casa-Grande amp Senzala from the cultural view highlighting in a brief way the

main novelties approached in the book such as some critics and stereotypes

110 Anss(l ansstl Araccedilatuha 3 113 p ltIRmiddot I I UII 2005

which still remain - manyofwhich boundingthe frontierofprejudice- even in a

innovative vork like this one

Key words Gilberto Freire cultural hierarchy BraziI ieacuteUl nOlthwest ne christians

patriarchal1~lmily African culture Casa Grande amp Senzala

Referecircncias Bibliograacuteficas

ARAtrlO Ricardo Benzaquen de Guerra e Paz Casa-Grande amp Senzala e a

obra de Gilbel10 Freyre nos anos 30 Rio de Janeiro Editora 34 1994

CHACOI Vamireh Gilberto Freyre lJma biografia intelectual Recife

Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Editora Massangana Satildeo Paulo Companhia Editora

Nacional 1993

DAMATTA Roberto A originalidade de Gilberto Freyremiddotmiddot ln Boletim

Inform~ltiYo e Bibliograacutefico de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro n 242

semestre dt 1987 pp 3-10

FRrYRE Gilberto Casa-Grande amp Senzala ttmnaccedilatildeo da famiacutelia brasileira

sob o regime da economia patriarcal 29 cd Rio de Janeiro Editora Record

1994

NOVINSKY Anita Os judeus na obra de Gilberto Fre)Te ln Conferecircncia

apresentada na semana dedicada aos estudos sobre Gilberto Freyre

Recife 1996

RIBEIRO Darcy Gentidades Gilbel10 Frevre Casa-Grande amp Senzala

ln Ensaios Insoacutelitos Porto Alegre L amp PM Editores 1979 pp 63-107

III

econocircmico da colocircnia o africano teria desempenhado papel mais importante

que o indiacutegena e o proacuteprio portuguecircs principalmente no litoral agraacuterio

(FREYRE 1994 285)

A adaptabilidade do negro ao clima tropical eacute creditada a fatores

psicoloacutegicos e fisioloacutegicos e tambeacutem devido agrave capacidade do negro de transpirar

por todo o corpo e natildeo apenas pelos sovacos (FREYRE 1994 287)AquL

pelo menos Freyre natildeo acredita na medida e peso do ceacuterebro como indicativos

da inteligecircncia humana Baseando-se em pesquisadores reconhecidos afim1a

que jaacute natildeo eacute mais aceita a superioridade mentaL inata e hereditaacuteria dos hrancos

sobre os negros (FREYRE 1994 294)

Ao se referir aos negros vindos para o Brasil o autor alel1a para a

imp0l1acircncia de se fazer ii diferenccedila entre eles haja vista terem saiacutedo de lugares

diferentes p0l1adores de culturas diferentes lf (FREYRE 1994 298-299) Para

caacute teriam vindo o melhor da cultura negra da Aacutefrica contribuiccedilatildeo importante

na formaccedilatildeo brasileira Nesse sentido ainda segundo Freyre o Brasil foi

privilegiado toma-se em comparaccedilatildeo o sul norte-americano que natildeo pocircde

contar com elementos da elite africana (FREYRE 1994 299-300) Citando

outros autores tenta mostrar a superioridade da cultura negra tanto sohre a

indiacutegena quanto sobre a portuguesa o trahalho de metais a criaccedilatildeo de gado e a

cul inaacuteria contribuiccedilotildees aflicanas que enriqueceram a cultura hrasileira (FREYRE

1994 307-308)

Um erro apontado por Fre)Te eacute julgar o negro pelo comportamento

do escravo Toda imoralidade proacutepria do sistema escravocrata eacute impingida ao

negro como se tais caracteriacutesticas fossem suas por natureza (FREYRE 1994

314-317) E aqui mais uma vez vemos a marca do inovador ao nos mostrar o

I Freyre na tentativa de relativizar a superioridade ou inferioridade de culturas nagraveo daacute conta de redimir o erro que eacute considerar uma cultura uperior agrave outra I Assim importa determinarmos a aacuterea de cultura de procedecircncia dos escra os evitandoshyse o erro de eII11OS no africano lima soacute e indistinta figura de pela da guine ou de pref() da

CosIa

Asso ltIS Araccedilatuha 3 11 3 P 91 - III JlIl1 2005 109

erro em se atribuir ao negro defeitos oriundos da condiccedilatildeo proacutepria do escravo

O grande preconceito que perpassa a historiografia brasileira diz

respeito agrave miscigenaccedilatildeo Gilberto FreyTe rompe com essa tendecircncia ao ver esse

fator atraveacutes de uma oacutetica positiva principalmente ao colocar o negro enquanto

elemento superior

Chegado ao Brasil o negro passou por um processo de

desafricanizaccedilatildeo levado a cabo pela catequese auxi liada nessa cruzada de

conversatildeo pela caIm-grande e principalmente pela senzala ao misturar esta uacuteltima

os receacutem-chegados com os veteranos jaacute abrasileirados Outros fatores

responsaacuteveis por esse abrasileiramento do negro apontados na obra satildeo o

meio fiacutesico a alimentaccedilatildeo e o sistema de trabalho (FREYRE 1994 357-358)

Para techar essa modesta anaacutelise de uma obra tatildeo importante e

marcante da historiografia brasileira c na tentativa de melhor entender autor

muitas vezes mal compreendido dou a palavra a Roberto DaMatta que vecirc a

obra de Gilberto Fre)Te de forma original e misturada como seu autor de um

lado perdida numa vaidade doentia e quase perversamente atraiacuteda pelo elogio e

pelo poder e de outro eternamente fascinada e atraiacuteda pelo pequeno mundo

dos homens comuns dos desejos secretos e dos gestos humildes (DAMATTA

19877)

DA SILVA Marco Antonio 1unes The issue ofcultural hierarchy in Gilberto

Freire Avesso do Avesso Revista Educaccedilatildeo e Cultura Araccedilatuba v3 n3

p 98 - 111 jun 2005

Abstract This article proposes an analysis ofthe masterwork ofGilberto Freire

Casa-Grande amp Senzala from the cultural view highlighting in a brief way the

main novelties approached in the book such as some critics and stereotypes

110 Anss(l ansstl Araccedilatuha 3 113 p ltIRmiddot I I UII 2005

which still remain - manyofwhich boundingthe frontierofprejudice- even in a

innovative vork like this one

Key words Gilberto Freire cultural hierarchy BraziI ieacuteUl nOlthwest ne christians

patriarchal1~lmily African culture Casa Grande amp Senzala

Referecircncias Bibliograacuteficas

ARAtrlO Ricardo Benzaquen de Guerra e Paz Casa-Grande amp Senzala e a

obra de Gilbel10 Freyre nos anos 30 Rio de Janeiro Editora 34 1994

CHACOI Vamireh Gilberto Freyre lJma biografia intelectual Recife

Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Editora Massangana Satildeo Paulo Companhia Editora

Nacional 1993

DAMATTA Roberto A originalidade de Gilberto Freyremiddotmiddot ln Boletim

Inform~ltiYo e Bibliograacutefico de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro n 242

semestre dt 1987 pp 3-10

FRrYRE Gilberto Casa-Grande amp Senzala ttmnaccedilatildeo da famiacutelia brasileira

sob o regime da economia patriarcal 29 cd Rio de Janeiro Editora Record

1994

NOVINSKY Anita Os judeus na obra de Gilberto Fre)Te ln Conferecircncia

apresentada na semana dedicada aos estudos sobre Gilberto Freyre

Recife 1996

RIBEIRO Darcy Gentidades Gilbel10 Frevre Casa-Grande amp Senzala

ln Ensaios Insoacutelitos Porto Alegre L amp PM Editores 1979 pp 63-107

III

erro em se atribuir ao negro defeitos oriundos da condiccedilatildeo proacutepria do escravo

O grande preconceito que perpassa a historiografia brasileira diz

respeito agrave miscigenaccedilatildeo Gilberto FreyTe rompe com essa tendecircncia ao ver esse

fator atraveacutes de uma oacutetica positiva principalmente ao colocar o negro enquanto

elemento superior

Chegado ao Brasil o negro passou por um processo de

desafricanizaccedilatildeo levado a cabo pela catequese auxi liada nessa cruzada de

conversatildeo pela caIm-grande e principalmente pela senzala ao misturar esta uacuteltima

os receacutem-chegados com os veteranos jaacute abrasileirados Outros fatores

responsaacuteveis por esse abrasileiramento do negro apontados na obra satildeo o

meio fiacutesico a alimentaccedilatildeo e o sistema de trabalho (FREYRE 1994 357-358)

Para techar essa modesta anaacutelise de uma obra tatildeo importante e

marcante da historiografia brasileira c na tentativa de melhor entender autor

muitas vezes mal compreendido dou a palavra a Roberto DaMatta que vecirc a

obra de Gilberto Fre)Te de forma original e misturada como seu autor de um

lado perdida numa vaidade doentia e quase perversamente atraiacuteda pelo elogio e

pelo poder e de outro eternamente fascinada e atraiacuteda pelo pequeno mundo

dos homens comuns dos desejos secretos e dos gestos humildes (DAMATTA

19877)

DA SILVA Marco Antonio 1unes The issue ofcultural hierarchy in Gilberto

Freire Avesso do Avesso Revista Educaccedilatildeo e Cultura Araccedilatuba v3 n3

p 98 - 111 jun 2005

Abstract This article proposes an analysis ofthe masterwork ofGilberto Freire

Casa-Grande amp Senzala from the cultural view highlighting in a brief way the

main novelties approached in the book such as some critics and stereotypes

110 Anss(l ansstl Araccedilatuha 3 113 p ltIRmiddot I I UII 2005

which still remain - manyofwhich boundingthe frontierofprejudice- even in a

innovative vork like this one

Key words Gilberto Freire cultural hierarchy BraziI ieacuteUl nOlthwest ne christians

patriarchal1~lmily African culture Casa Grande amp Senzala

Referecircncias Bibliograacuteficas

ARAtrlO Ricardo Benzaquen de Guerra e Paz Casa-Grande amp Senzala e a

obra de Gilbel10 Freyre nos anos 30 Rio de Janeiro Editora 34 1994

CHACOI Vamireh Gilberto Freyre lJma biografia intelectual Recife

Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Editora Massangana Satildeo Paulo Companhia Editora

Nacional 1993

DAMATTA Roberto A originalidade de Gilberto Freyremiddotmiddot ln Boletim

Inform~ltiYo e Bibliograacutefico de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro n 242

semestre dt 1987 pp 3-10

FRrYRE Gilberto Casa-Grande amp Senzala ttmnaccedilatildeo da famiacutelia brasileira

sob o regime da economia patriarcal 29 cd Rio de Janeiro Editora Record

1994

NOVINSKY Anita Os judeus na obra de Gilberto Fre)Te ln Conferecircncia

apresentada na semana dedicada aos estudos sobre Gilberto Freyre

Recife 1996

RIBEIRO Darcy Gentidades Gilbel10 Frevre Casa-Grande amp Senzala

ln Ensaios Insoacutelitos Porto Alegre L amp PM Editores 1979 pp 63-107

III

which still remain - manyofwhich boundingthe frontierofprejudice- even in a

innovative vork like this one

Key words Gilberto Freire cultural hierarchy BraziI ieacuteUl nOlthwest ne christians

patriarchal1~lmily African culture Casa Grande amp Senzala

Referecircncias Bibliograacuteficas

ARAtrlO Ricardo Benzaquen de Guerra e Paz Casa-Grande amp Senzala e a

obra de Gilbel10 Freyre nos anos 30 Rio de Janeiro Editora 34 1994

CHACOI Vamireh Gilberto Freyre lJma biografia intelectual Recife

Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Editora Massangana Satildeo Paulo Companhia Editora

Nacional 1993

DAMATTA Roberto A originalidade de Gilberto Freyremiddotmiddot ln Boletim

Inform~ltiYo e Bibliograacutefico de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro n 242

semestre dt 1987 pp 3-10

FRrYRE Gilberto Casa-Grande amp Senzala ttmnaccedilatildeo da famiacutelia brasileira

sob o regime da economia patriarcal 29 cd Rio de Janeiro Editora Record

1994

NOVINSKY Anita Os judeus na obra de Gilberto Fre)Te ln Conferecircncia

apresentada na semana dedicada aos estudos sobre Gilberto Freyre

Recife 1996

RIBEIRO Darcy Gentidades Gilbel10 Frevre Casa-Grande amp Senzala

ln Ensaios Insoacutelitos Porto Alegre L amp PM Editores 1979 pp 63-107

III