a questÃo da hierarquia cultural em gilberto … · é o "do siri e do pirão. da cana e do...
TRANSCRIPT
A QUESTAtildeO DA HIERARQUIA CULTURAL EM GILBERTO
FREYRE
Marco Antocircnio Nunes da SILVA I
Resumo O artigo propotildee analisar a grande obra de Gilberto Freyre (asoshy
Grande amp SltI100 pelo vieacutes da cultura apontando de forma sucinta as
principais inovaccedilotildees trazidas pelo Ii 10 bem como tecer algumas criacuteticas e
estereoacutetipos que ainda pel111aneCem muitos destes beirando o preconceito-
mesmo numa obra inovadora como esta
Palaras-Chae Gilberto Freyre hierarquia cultural Nordeste brasileiro
cristatildeos-novos tltmiacutelia patriarcal cultura ahicana Casa-Grande amp Senzala
Entre as muitas criacuteticas feitas a Casa-Grande amp Senzala estaacute a que
aponta a talta de historiadores hrasileiros claacutessicos como Francisco Vamhagen
Capistrnno de Ahreu e Oli~ira Lima ausecircncia essajustiticada pelo proacuteprio
Gilherto Fnyre ao creditar a defici21lciu ao fato de ter optado pelo LISO mais
intenso de ttmtes primaacuterias em detrimento de uma bibl iogratia escrita Ora mas
esse eacute um dos pontos fortes da obra inovadora justamente devido ao uso de
fontes documentais pouco usadas como por exemplo recortes de jornais
Criacuteticas tam heacutem satildeo feitas quanto agrave excessiva impOJ1acircncia dada ao
elemento sexual em sua anaacutelise da formaccedilatildeo social do Brasil Excessivo
igualmente eacute o papel que o meio exerce sobre a t(xmaccedilatildeo do brasileiro aliado
ao nlto do livro se preocupar demais com o Nordeste dando pouca importacircncia
ao Sul questionamento leantado por Taunay e constantes todos no Prefaacutecio
Doutor em Hiloacuteria Social pela llnicrsidade de Satildeo Paulo Prof convidado da FEA
98 a raccedilalllha Il P ltIXmiddot I II I li11 2005
Em meio a essas criacuteticas Darcy Ribeiro em seus Ensaios Insoacutelitos
tece elogios rasgados agrave obra de Gilberto Fre)Te sem contudo deixar de criticaacuteshy
la Como o proacuteprio Darc) afinna muito a contragosto Gilberto FreTe escreveu
a olml mais importante da cultura brasileira (RIBEIRO 1979 64) Mas mesmo
tecendo tatildeo grande elogio espanta-se por natildeo entender como um homem tatildeo
tacanhamente reacionaacuterio no plano poliacutetico possa ter escrito obra de tatildeo grande
envergadura~ (NOVINSKY 1996 11) Poreacutem aponta que a obra de Freyre
nos fez ver com orgulho nossos ancestrais e a nos reconciliannos com nossa
ancestralidade lusitana e negra de que todos nos vexaacutevamos um pouco
(RIBEIRO 1979 65)
Elogios sagraveo tambeacutem feitos por Roberto DaMatta Afinna este autor
que Gilberto Fre)Te rompeu com uma tradiccedilatildeo racista representada por homens
como lina Rodrigues c Oliveira Viana Enquanto estes sempre t~llam do que
nos iacutealta e de como poderiacuteamos ter sido ele [Gilbel1o Fre)Tiacute] fala do Brasil que
eacute Esse Brasil que existe antes de noacutes e que a despeito de nossa ontade
continuaraacute depois de noacutes Esse Brasil que eacute nosso Illas natildeo foi inventado por
noacutes (DAMATTA 1987 6-7)
Se de ullla forma ampla Casa-Grande amp Senzala nos tira o
constrangimento de sem10S brasileiros especificamente avanccedila ainda mais ao
romper com uma visatildeo consagrada do Nordeste a da pobreza Cenaacuterio
preponderante de sua obra eacute do litoral feacute11 iI nordestino que se ocupa a obra
nagraveo o de bode e paccediloca de securas e fomes ao contraacuterio eacute o do siri e do
piratildeo da cana e do massapeacute (RIBEIRO 1979 81 )
Agradtccedilo aqui a gentileza da Professora Anita Novinsky por ter me ctJiJn antts
mesmo da publicaccedilatildeo coacutepia dt seu texto sobre o aspecto judaico na obra de Gilberto Freyre Nesse trabalho essa posiccedilatildeo de Darcy Ribeiro nagraveo eacute referendada pela Professora Anita ao afirmar que as pronunciaccedilotildees poliacuteticas [de Gilberto Freyre] a sua luta pela Democracia as perseguiccedilotildees que sofreu os exemplos de resistecircncia e de consciecircncia que deu jamais permitiragraveo julgar o conjunto de sua obra como hostil aos judeus Poreacutem mesmo criticando-o nagraveo deixa Dare) Ribeiro de comparaacute-lo a Cervantes Camotildees Tolstoi e Sartre
99
o pioneirismo gilbertiano estaacute ainda no fato de ter se dedicado a
estudar os modos de tagravelar dos escravos o espaccedilo nobre e pobre das moradas
de engenho de sua terra as praacuteticas sexuais os juramentos e as expressotildees de
blasfemias e oproacutebrio a cozinha e a comida (DAMATTA 1987 7) Igualmente
segundo Anita Novinsky Gilberto FreTe foi o primeiro estudioso da sociedade
colonial que incluiu os cristatildeos-novos entre os elementos baacutesicos que formaram
o Brasil tanto do ponto de vista econocircmico como do ponto de vista cultural
assunto que em sua eacutepoca para natildeo dizer ainda hoje - era pouco explorado
cientificamente (NOVINSK Y 1996 1-3)
Enl sua comunicaccedilatildeo Anita Novinsky atinna que o anti-semitismo
atribuiacutedo a Gilberto Freyre natildeo condiz com a verdade o anti-semitismo
moderno se alimenta da falsificaccedilatildeo da histoacuteria Freyre nunca o tez ao contraacuterio
valorizou muito mais o cristatildeo-novo do que o criticou ~ (NOVPSKY 1996
II) Se por um lado vaci la em alguns momentos quando por exemplo atribui
aos judeus interesses apenas econocircmicos por outro natildeo deixa de mostrar o
papel relevante desempenhado pelo elemento judaico na constituiccedilatildeo brasileiras
(NOVINSKY 1996 6)
Mas natildeo haacute como negar quc Gilberto Freyre mostra uma certa
dose de preconceito ao imputar aos israelitas vocaccedilotildees natildeo agriacutecolas mas
preponderantemente comerciais Sua anaacutelise caminha mais no sentido de mostrar
que o portuguecircs tinha pouca tradiccedilatildeo em lidar com a agricultura e se foi por
Como aponta a ProtessoraAnita Gilberto Freyre mostrou em 1933 com o lanccedilamento de sua obra que os judeus foram os primeiros colonos soacutel idos mecacircnicos nas faacutebricas de accediluacutecar Gilberto Freyre toi o autor que mais valorizou a imp0l1acircncia do judeu para a colocircnia Citando suas palanas Novinsky nos h1Z ver que Freyre jaacute identiticava que na prosperidade dos judeus baseou-se o imperialismo portuguecircs para expandir-se J A Professora Anita eacute categoacuterica ao afirmar que Gi Iberto Freyre abriu um caminho para os estudos dos cristatildeos-novos no Brasil Num momento especiacutetico de sua obra Gilberto afirma que os judeus sagraveo avessos ao trabalho manual estereoacutetipo muito em voga nos ciacuterculos anti-semitas de seu tempo
100
esse setor que a colocircnia brasileira se desenvolveu explica-se melhor por uma
imposiccedilatildeo desta do que por uma escolha dos colonizadores Quanto a esse
ponto Darcy Ribeiro critica a posiccedilatildeo de Gilberto Freyre afirmando que o
judeu assume um retrato caricaturesco e impiedoso na obra gilbertiana()
(RIBEIRO 1979 84 FREYRE 1994 24)
Como muito propriamente pontua Anita Novinsky 0 que surpreende
entre as muitas contradiccedilotildees que encontramos na obra de Gilberto Fre)Te eacute que
tendo escrito numa eacutepoca impregnada de anti-semitismo e racismo acentua a
superioridade cultural dos judeus sobre os portugueses em geraL (NOVINSKY
1996 8) Da mesma forma daacute um passo agrave frente ao perceber os verdadeiros
motivos da perseguiccedilatildeo imposta pela Inquisiccedilatildeo aos judeus A resposta diz-nos
Freyre natildeo dew ser buscada na religiatildeo pois se esconde atraacutes de interesses
eCOnOI11ICOS
Sabemos ainda atraveacutes dessa grande obra que os cristatildeos-noos
chegados em terras americanas traziam consigo grandes capitais os quais
investiram nas induacutestrias de accediluacutecar (NOVINSK Y 1996 2) Com isso Casashy
Cirande amp Senzala nos faz rever a sempre recorrente acusaccedilatildeo que paira sobre
osjudeus de soacute se interessarem pelo comeacutercio o que a princiacutepio pode contradizer
o que dissemos acima mas natildeo se levannos em conta as muitas contradiccedilotildees
- releridas por Anita Novinsky - que vemos ao longo de sua obra I~ petiCitamente
possiacutevel em detenninada pm1e Gilberto FreTe deixar claro a preponderacircncia
do judeu no comeacutercio e em outra nos falar de sua relaccedilatildeo com o accediluacutecar
Mas o avanccedilo de Freyre natildeo se acha apenas em ter ele se ocupado
primeiramente do elemento judaico mas por ter se dedicado a questotildees ateacute
entatildeo desconhecidas dos historiadores Agrave iacuterente de nomes como Robel1 Mandrou
Segundo o proacuteprio Gilberto Freyre para os portugueses o ideal teria sido nagraveo uma colocircnia
de plantaccedilatildeo mas outra iacutendia com que israelitamente comerciassem em especiarias e pedras preciosas
101
--------------------------_ shy
Phil ippe Aries e Georges Duby preocupou-se igualmente com a vida cotidiana
as mulheres a casa a comida a roupa a visatildeo de mundo do homem colonial e
a sua maneira de sentir a vida o amor a morte1 (NOVINSKY 1996 4
CHACON 1983 247)
Os elementos que compotildeem Casa-Grande amp Senzala satildeo o
Iatifuumlndio monocultor da cana-de-accediluacutecar assentado quase que soacute na matildeo-deshy
obra atricana Faz parte igualmente de sua constituiccedilatildeo um cristianismo povoado
por caracteriacutesticas indiacutegenas e africanas tudo accedilambarcado pela figura do
patriarcalismo representado pelo senhor de engenho habitante da casa-grande
marido e pai poliacutegamo em muitos casos que husca em negras e mesticcedilas
satisfaccedilatildeo para suas necessidades de homem nem sempre encontradas nas hem
comportadas esposas (RIBEIRO 1979 82)
Mas essa importacircncia em demasia dada agrave famiacutelia patriarcal eacute alvo
de criacutetica por parte de Dare) Ribeiro Na visagraveo deste autor Gilherto Freyre
esqueceu-se de anal isar a natildeo- tam iacutel ia esta antitam iacutelia matricecircntrica de ontem e
de hoje que eacute a matildee pohre preta ou hranca parideira que gcrou e criou o
Brasil-massa (RIBEIRO 1979 82)
Na anaacutelise de Fre)Te preocupado em fixar e interpretar a tom1accedilatildeo
da famiacutelia hrasileira a casa-grande natildeo foi meacuterito apenas da cultura accedilucareira
mas tamheacutem do sul cafeicultor regiatildeo igualmente monocultora e escravocrata
Ligada agravecasa-grande estaacute o patriarcalismo escravocrata e poliacutegamo juntamente
com a presenccedila marcante do cristianismo mesclado agraves crendices da senzala
Foi Freyre ainda quem primeiro trabalhou com toacutepicos como t~uniacutelia sexualidade infacircncia
e cultura material antecipando a Nova Histoacuteria dos anos 70 e 80 Falando do impacto que (usa-vrandu amp )middotunua causou fora do Brasil Vamireh Chacon coloca bem sua importagravencia para renomados historiadores Um historiador da Escola dos Al11acs Peter Burke mostrou como foi Gi Iberto Freyre quem intluenciou Fernand Braudel naquelas direccedilotildees nagraveo BraudeJ a Gilberto Freyre
102 Awsso asomiddotraccedilawha 3 11 3 r lSmiddot III JUI1 200
o problema aqui eacute que o engenho descrito em Casa-Grande amp
Senzala natildeo existiu pois eacute fantasioso e exagerado E mesmo descontando-se os
excessos o modelo proposto se restringiria mais a Pernambuco natildeo extensivo
portanto ao restante do Brasil Ainda tratando desse universo dominado pelo
engenho fica patente que Gilberto FreTe propotildee um governo ao Brasil tal qual
se governava um engenho Esse aspecto natildeo de todo expliacutecito mostra um
Gilberto do passado homem que se refugia em suas lemhranccedilas para descrever
uma sociedade que natildeo mais existe
Na formaccedilatildeo da sociedade brasileira Gi lberto FreTe nos diz que
a tagravelta de mulheres na colocircnia obrigou o europeu a confraternizar-se com o iacutendio
e com o escravo fator que contribuiu para diminuir a distacircncia entre senhores e
escravos entre a casa-grande e a mata tropicaL E a mulher indiacutegena entatildeo eacute
considerada como a base da formaccedilatildeo da iacuteagravemiacutelia brasileira acolhendo os
portugueses que aqui chegaram ressentidos pela escassez de mulher europeacuteia
Tamheacutem muito dos costumes que ~judaram na constituiccedilatildeo do povo hrasileiro
foi-lhe transmitido pela iacutendia (FREYRE 1994 94)
Mas se a mulher indiacutegena merece destaque o mesmo natildeo ocorre
com o homem indiacutegena que teria contrihuiacutedo mais com seus conhecimentos
guerreiros quer na defesa da colocircnia contra invasotildees estrangeiras quer no
alargamento das fronteiras rumo ao interior Pouca ou quase nenhuma contrihuiccedilatildeo
deu quanto ao trabalho agriacutecola ausecircncia explicada em parte por sua tradiccedilatildeo
de homem da floresta caccedilador portanto Na cultura indiacutegena o cultivo do solo
era tarefa eminentemente destinada agraves mulheres
Nesse mundo de proximidades a liacutengua portuguesa constituiu-se
em mais uma prova da confraternizaccedilatildeo entre partes distintas O uso riacutegido que
o portuguecircs tagravezia dos pronomes foi pelo escravo abrandado apontando e
reforccedilando a confraternizaccedilatildeo Poreacutem FreTe natildeo deixa de ver como o homem
branco crescia aprendendo a usar o poder sobre o negro Criados juntos senhor
Avesso avesso Araccedilalllha 3 n) p 98 _ III JlIn 2005 103
e escravo logo se diferenciavam levando o primeiro a desenvolver muitas vezes
tendecircncias saacutedicas subjugando e humilhando seu companheiro de brincadeiras
(FREYRE 1994 335-337) Nesse sentido o Brasil paiacutes formado por uma
seacuterie de antagonismos pode ser resumido num mais abrangente aquele que
coloca em lados opostoso senhor e o escravo (FREYRE 1994 53)
Essa predisposiccedilatildeo do portuguecircs agrave miscigenaccedilatildeo estaacute ligada ao seu
passado histoacuterico ao seu contato anterior com a Aacutefrica Para Gilberto FreyTe o
portuguecircs eacute um povo indefinido entre a Europa e a Aacutefrica1 (FREYRE 1994
5-6) Nesse sentido a tagravecilidade com que o portuguecircs se adaptou ao clima tropical
o ajudou em sua escalada colonizadora Obra conseguida por poucos brancos
a adaptabilidade lusitana deve-se agrave proacutepria especificidade de seu territoacuterio pois
que nas condiccedilotildees tisicas de solo e de temperatura Portugal eacute antes Aacutefrica do
que Europa (FREYRE 1994 10)
Mas natildeo deixa de ligar o sucesso da colonizaccedilatildeo portuguesa nos
troacutepicos agrave intluecircncia do elemento semita povo que imprimiu aos lusitanos
caracteres adaptativos que os possibilitaram a melhor sobreviver em habitat
tropical (FREYRE 1994 8) A facilidade para mover-se com desenvoltura
herdada em parte dos semitas explicaria entatildeo o sucesso da empresa
colonizadora juntamente com o gosto do portuguecircs pelo intercurso social e
sexual com raccedilas de cor praacutetica trazida do contato com os norte-africanos
(FREYRE 1994 9) Mal alimentado o portuguecircs eacute visto por Freyre como o
menos cruel dos colonizadores e mais afeito agrave miscigenaccedilatildeo caracteriacutestica
resultante de uma maior plasticidade social (FREYRE 1994 189)
A influecircncia moura chegou ao Brasil trazida pelo portuguecircs
colonizador Os seacuteculos que permaneceram na Peniacutensula Ibeacuterica imprimiram na
cultura lusitana caracteriacutesticas mouriscas visiacuteveis ainda hoje abrangendo todos
xComo afirma o autor Portugal era um paiacutes influenciado pela Aacutefrica condicionado pelo
clima africano solapado pela miacutestica sensual do Islamismo
104 Avesso avesso Araccedilatuba v3 n3 p 98middot III illll 2005
os niacuteveis da vida portuguesa Assim amplamente amalgamados com os mouros
os portugueses acabaram por trazer agrave colocircnia americana traccedilos culturais dos
nOIte-africanos
Se por um lado o mouro ajudou a criar o portuguecircs influenciou
igualmente a presenccedila judaica agindo ambos no sentido de deseuropeizar a
cultura portuguesa Mas volta o autor a imprimir ao judeu caracteriacutesticas
estereotipadas afirmando que suas matildeos foram transformadas em garras
incapazes de semear e de criar (FREYRF 1994 226231 )
Mas podemos perceber que a proposiccedilatildeo da obra caminha no
sentido de mostrar que a modernidade do colonizador portuguecircs nagraveo estuacute no
seu burguesismo mas na miscigenaccedilatildeo racial O avanccedilo desloca-se p0l1anto
do econoacutemico para o cultural
A empresa colonizadora proposta por Portugal eacute ainda mais
valorizada quando se consideram as harreiras naturais a serem vencidas A
comeccedilar peIa mudanccedila da base alimentar trocando-se o trigo pela mandioca
Posteriormente o clima tropical tornou mais penoso o trabalho da terra
problemas nagraveo enfrentados por exemplo pelos povoadores da Ameacuterica do
0I1e l (FRERF 1994 15)
A colonizaccedilatildeo pOl1uguesa abriu caminho na histoacuteria para um novo
tipo de exploraccedilatildeo Deixou de lado a tiacutepica exploraccedilatildeo mineral vegetal ou animal
e dedicou-se a criar a riqueza no proacuteprio local patrocinando o povoamento da
tella (FREYRE 1994 17) Dessa tlt)rIna inaugurou o pOl1uguecircs a (o(il1ia
Quanto a essa posiccedilatildeo questionaacutevel em relaccedilatildeo ao judeu eja-se a passagem que se
segue referindo-se agrave formaccedilatildeo agraacuteria portuguesa Fregt re lembra que esse passado fora penertido pela atiidade comercial dos judeus
I Problemas de ordem natural tambeacutem tiveram que ser vencidos como os rios as formigas
as lagartas e inuacutemeras outras pragas II Haacute que se considerar que mesmo essa criaccedilatildeo de riqueza na colocircnia visava primeiramente
a exportaccedilatildeo
105
------------------------___-shy
de planlaccediltio tendo por base a exploraccedilatildeo agriacutecola fixando o colono a terra
Nesse tipo de colocircnia utilizou-se largamente das riquezas naturais exploradas
com o auxiacutelio de uma matildeo-de-obra nativa substituiacuteda posteriormente pelo
escravo africano l (FREYRE 1994 17)
Jaacute a partir da terceira deacutecada da colonizaccedilatildeo a famiacutelia rural se
impotildee promovendo ela o avanccedilo da colocircnia e marcando presenccedila tatildeo
significante que nem mesmo o Estado portuguecircs conseguiu se lhe impor pois
sobre ela o rei de Portugal quase que reina sem governar (FREYRE 1994
19) Entatildeo os louros da vitoacuteria devem ser creditados mais agrave iniciativa privada do
que ao Estado portuguecircs sempre sumiacutetico (FREYRE 1994 18) No
alargamento das tronteiras por exemplo a accedilagraveo de particulares foi bem mais
cxpressiva que a do govemo Assinados contratos estipulando limites acabaram
sendo ignorados pela iniciativa privada
Nessa marcha para a fixaccedilatildeo em novo telTitoacuterio () catolicismo seniu
ao colonizador como Uumltor de uniatildeo Aos que chegavam ao Brasil muitos dos
quais estrangeiros natildeo se olhavam caracteres tlsieos mas a religiatildeo professada
Como lembra Fre)Te o estrangeiro nagraveo representava perigo agrave unidade mas sim
() herege Ao ti)rasteiro bastava saber rezar o padre-nosso e a ave-maria
dizer Creio-em-Deus-Padrc fazer o pelo-sinal-da-Santa-Cruz para ser bcm
recebido L (FREYRE 1994 29-30)
E lemento importante para o portuguecircs eacute a rei igiatildeo que ampara a
colonizaccedilatildeo Nesse sentido a capela do engenho substitui a estrutura eclesiaacutestica
ausente e que age como fator aglutinador Assim eacute no acircmbito da tamiacutelia que a
religiatildeo se desenvolve essa religiosidade domeacutesticn que acaba por dar a tocircnica
da religiosidade brasileira
C Nesse sentido Freyre afirma que o instrumento de trabalho (a matildeo-de-obra escrava) agiu igualmente como elemento formador da famiacutelia brasileira I Nesse sentido o Catolicismo foi realmente o cimento da nossa unidade
106
Assim o problema vivido pelo colonizador em relaccedilatildeo ao outro
ligava-se mais agrave feacute do que ao fato de ser estrangeiro Era contra o herege que
lutavam os lusitanos natildeo simplesmente contra homens pertencentes a outras
naccedilotildees Situaccedilatildeo semelhante veriticou-se quanto ao indiacutegena hereacutetico que
devia ser combatido por sua falta de feacute natildeo por pertencer a uma raccedila diferente
E nesse universo congregante as caracteriacutesticas fiacutesicas do Brasil
como o c lima e o solo que poderiam ter agido como fator desagregador agiu
num sentido inverso A uniatildeo se deu em grande parte no sentido de vencer as
vicissitudes impostas por uma terra inoacutespita A solidariedade nasceu da
necessidade de se middotencerjuntos a natureza
Fator importante da ohra o latituumlndio monocultor eacute apontado por
Gilhlrto Freyre como uma das causas responsaacuteveis pela maacute alimentaccedilatildeo na
colocircnia e a consequumlente maacute fomlaccedilatildeo do brasileiro A ideacuteia que ) Brasil era um
paraiacuteso gastronoacutemico natildeo condiz com a realidade de privaccedilotildees que se veritica
onde a elite em poucas ocasiotildees -como as testas - conseguia tagravertar-se Uacute mesa
(FREYRE 1994 29-30)
essa carencia alimentar eacute ahel1a uma exceccedilatildeo quando se hlla de
Satildeo Paulo Aqui para os lados do Sul os paulistas nutriam-se melhor em irtudc
principalmente da diersifiacutecaccedilatildeo de atividades - a agriacutecola e a pastoril Essa
melhor (m11a de alimentaccedilatildeo acabou por influenciar na sauacutede dos paulistas
menos propensos a uma seacuterie de enfcnniacutedades
Mas um dos prohlemas de Casa-Grande amp Senzala estaacute
relacionado ao encontro de culturas Gilberto Frevre afirma muito
apropriadamente que a chegada do europeu desestruturou a ham10nia existente
entre o indiacutegena c seu meio Poreacutem eacute justamente aqui que a criacutetica se insere
pois Fre) Te utiliza-se de te11110S bastante questionaacuteveis como atrasado-adiantado
j Freyre credita a deticiecircncia de formaccedilatildeo do brasileiro a fatores como o clima a miscigenaccedilatildeo
e a carecircncia alimentar por que passa a populaccedilatildeo
~) lttlgtsn raccedilawha ~ 11 r ()ji - III JUIl 20l 107
e superh)r-inferior Ao se referir ao contato do europeu com o iacutendio afirma
que desse encontro principia a degradaccedilatildeo da raccedila atrasada ao contato da
adiantada (FREYRE 1994 89)
Portanto o encontro dessas duas culturas a europeacuteia e a indiacutegena
produziu para esta um cenaacuterio de destruiccedilatildeo vivido ainda hoje Como bem lembra
Gilberto Fre-Te embora utilize tennos totalmente questionaacuteveis esse encontro
produziu exlerminio ou degradaccedilcio pois o europeu desconsiderou o outro
enquanto produtor de cultura negando a entrar em contato com o universo
cultural indiacutegena (FREYRE 1994 109) E sem duacutevida a contribuiccedilatildeo de Casashy
Grande amp Senzala nesse sentido estaacute em ter apontado um problema tatildeo seacuterio
que f()i o extermiacutenio dos povos indiacutegenas os verdadeiros donos da terra
Nesse processo de degradaccedilatildeo os jesuiacutetas desempenharam um
imp0l1ante papel Suas missotildees agiram no sentido da imobilizaccedilatildeo tirando do
iacutendio uma de suas caracteriacutesticas mais marcantes ou seja a ida dispersa e
J1(jmade A destruiccedilatildeo de um modo de vida todo peculiar se deu por mecanismos
poderosos atraveacutes da catequese ou do sistema moral pedagoacutegico e de
organizaccedilatildeo e divisatildeo sexual do trabalho imposto pelos jesuiacutetas (FREYRE
1994 110)
o trabalho jesuiacutetico atuou em duas frentes que ao final se
complementaram Por um lado tornou o iacutendio daacutecil e meliacutefluo seminarista
llmndo-o aceitar a religiatildeo e a cultura do invasor Essa primeira dominaccedilatildeo
abriu caminho para interesses econoacutemicos transfoacutern1ando a populaccedilatildeo indiacutegena
em serviccedilais obedientes produtores de riquezas que acabaram sendo
apropriadas pelos jesuiacutetas (FREYRE 1994 146-147)
O brasileiro traz consigo a marca do indiacutegena e do africano quer
seja na alma quer seja no corpo E Freyre chega a colocar novamente numa
comparaccedilatildeo perigosa a cultura africana em patamar superior agrave do indiacutegena e a
do proacuteprio colonizador Assim em mateacuteria de contribuiccedilatildeo ao progresso
108 Asso ltlnsso raccedilatuha ~ n ~p 9R - II I JUI1 2005
--~---- ~------------------------
econocircmico da colocircnia o africano teria desempenhado papel mais importante
que o indiacutegena e o proacuteprio portuguecircs principalmente no litoral agraacuterio
(FREYRE 1994 285)
A adaptabilidade do negro ao clima tropical eacute creditada a fatores
psicoloacutegicos e fisioloacutegicos e tambeacutem devido agrave capacidade do negro de transpirar
por todo o corpo e natildeo apenas pelos sovacos (FREYRE 1994 287)AquL
pelo menos Freyre natildeo acredita na medida e peso do ceacuterebro como indicativos
da inteligecircncia humana Baseando-se em pesquisadores reconhecidos afim1a
que jaacute natildeo eacute mais aceita a superioridade mentaL inata e hereditaacuteria dos hrancos
sobre os negros (FREYRE 1994 294)
Ao se referir aos negros vindos para o Brasil o autor alel1a para a
imp0l1acircncia de se fazer ii diferenccedila entre eles haja vista terem saiacutedo de lugares
diferentes p0l1adores de culturas diferentes lf (FREYRE 1994 298-299) Para
caacute teriam vindo o melhor da cultura negra da Aacutefrica contribuiccedilatildeo importante
na formaccedilatildeo brasileira Nesse sentido ainda segundo Freyre o Brasil foi
privilegiado toma-se em comparaccedilatildeo o sul norte-americano que natildeo pocircde
contar com elementos da elite africana (FREYRE 1994 299-300) Citando
outros autores tenta mostrar a superioridade da cultura negra tanto sohre a
indiacutegena quanto sobre a portuguesa o trahalho de metais a criaccedilatildeo de gado e a
cul inaacuteria contribuiccedilotildees aflicanas que enriqueceram a cultura hrasileira (FREYRE
1994 307-308)
Um erro apontado por Fre)Te eacute julgar o negro pelo comportamento
do escravo Toda imoralidade proacutepria do sistema escravocrata eacute impingida ao
negro como se tais caracteriacutesticas fossem suas por natureza (FREYRE 1994
314-317) E aqui mais uma vez vemos a marca do inovador ao nos mostrar o
I Freyre na tentativa de relativizar a superioridade ou inferioridade de culturas nagraveo daacute conta de redimir o erro que eacute considerar uma cultura uperior agrave outra I Assim importa determinarmos a aacuterea de cultura de procedecircncia dos escra os evitandoshyse o erro de eII11OS no africano lima soacute e indistinta figura de pela da guine ou de pref() da
CosIa
Asso ltIS Araccedilatuha 3 11 3 P 91 - III JlIl1 2005 109
erro em se atribuir ao negro defeitos oriundos da condiccedilatildeo proacutepria do escravo
O grande preconceito que perpassa a historiografia brasileira diz
respeito agrave miscigenaccedilatildeo Gilberto FreyTe rompe com essa tendecircncia ao ver esse
fator atraveacutes de uma oacutetica positiva principalmente ao colocar o negro enquanto
elemento superior
Chegado ao Brasil o negro passou por um processo de
desafricanizaccedilatildeo levado a cabo pela catequese auxi liada nessa cruzada de
conversatildeo pela caIm-grande e principalmente pela senzala ao misturar esta uacuteltima
os receacutem-chegados com os veteranos jaacute abrasileirados Outros fatores
responsaacuteveis por esse abrasileiramento do negro apontados na obra satildeo o
meio fiacutesico a alimentaccedilatildeo e o sistema de trabalho (FREYRE 1994 357-358)
Para techar essa modesta anaacutelise de uma obra tatildeo importante e
marcante da historiografia brasileira c na tentativa de melhor entender autor
muitas vezes mal compreendido dou a palavra a Roberto DaMatta que vecirc a
obra de Gilberto Fre)Te de forma original e misturada como seu autor de um
lado perdida numa vaidade doentia e quase perversamente atraiacuteda pelo elogio e
pelo poder e de outro eternamente fascinada e atraiacuteda pelo pequeno mundo
dos homens comuns dos desejos secretos e dos gestos humildes (DAMATTA
19877)
DA SILVA Marco Antonio 1unes The issue ofcultural hierarchy in Gilberto
Freire Avesso do Avesso Revista Educaccedilatildeo e Cultura Araccedilatuba v3 n3
p 98 - 111 jun 2005
Abstract This article proposes an analysis ofthe masterwork ofGilberto Freire
Casa-Grande amp Senzala from the cultural view highlighting in a brief way the
main novelties approached in the book such as some critics and stereotypes
110 Anss(l ansstl Araccedilatuha 3 113 p ltIRmiddot I I UII 2005
which still remain - manyofwhich boundingthe frontierofprejudice- even in a
innovative vork like this one
Key words Gilberto Freire cultural hierarchy BraziI ieacuteUl nOlthwest ne christians
patriarchal1~lmily African culture Casa Grande amp Senzala
Referecircncias Bibliograacuteficas
ARAtrlO Ricardo Benzaquen de Guerra e Paz Casa-Grande amp Senzala e a
obra de Gilbel10 Freyre nos anos 30 Rio de Janeiro Editora 34 1994
CHACOI Vamireh Gilberto Freyre lJma biografia intelectual Recife
Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Editora Massangana Satildeo Paulo Companhia Editora
Nacional 1993
DAMATTA Roberto A originalidade de Gilberto Freyremiddotmiddot ln Boletim
Inform~ltiYo e Bibliograacutefico de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro n 242
semestre dt 1987 pp 3-10
FRrYRE Gilberto Casa-Grande amp Senzala ttmnaccedilatildeo da famiacutelia brasileira
sob o regime da economia patriarcal 29 cd Rio de Janeiro Editora Record
1994
NOVINSKY Anita Os judeus na obra de Gilberto Fre)Te ln Conferecircncia
apresentada na semana dedicada aos estudos sobre Gilberto Freyre
Recife 1996
RIBEIRO Darcy Gentidades Gilbel10 Frevre Casa-Grande amp Senzala
ln Ensaios Insoacutelitos Porto Alegre L amp PM Editores 1979 pp 63-107
III
Em meio a essas criacuteticas Darcy Ribeiro em seus Ensaios Insoacutelitos
tece elogios rasgados agrave obra de Gilberto Fre)Te sem contudo deixar de criticaacuteshy
la Como o proacuteprio Darc) afinna muito a contragosto Gilberto FreTe escreveu
a olml mais importante da cultura brasileira (RIBEIRO 1979 64) Mas mesmo
tecendo tatildeo grande elogio espanta-se por natildeo entender como um homem tatildeo
tacanhamente reacionaacuterio no plano poliacutetico possa ter escrito obra de tatildeo grande
envergadura~ (NOVINSKY 1996 11) Poreacutem aponta que a obra de Freyre
nos fez ver com orgulho nossos ancestrais e a nos reconciliannos com nossa
ancestralidade lusitana e negra de que todos nos vexaacutevamos um pouco
(RIBEIRO 1979 65)
Elogios sagraveo tambeacutem feitos por Roberto DaMatta Afinna este autor
que Gilberto Fre)Te rompeu com uma tradiccedilatildeo racista representada por homens
como lina Rodrigues c Oliveira Viana Enquanto estes sempre t~llam do que
nos iacutealta e de como poderiacuteamos ter sido ele [Gilbel1o Fre)Tiacute] fala do Brasil que
eacute Esse Brasil que existe antes de noacutes e que a despeito de nossa ontade
continuaraacute depois de noacutes Esse Brasil que eacute nosso Illas natildeo foi inventado por
noacutes (DAMATTA 1987 6-7)
Se de ullla forma ampla Casa-Grande amp Senzala nos tira o
constrangimento de sem10S brasileiros especificamente avanccedila ainda mais ao
romper com uma visatildeo consagrada do Nordeste a da pobreza Cenaacuterio
preponderante de sua obra eacute do litoral feacute11 iI nordestino que se ocupa a obra
nagraveo o de bode e paccediloca de securas e fomes ao contraacuterio eacute o do siri e do
piratildeo da cana e do massapeacute (RIBEIRO 1979 81 )
Agradtccedilo aqui a gentileza da Professora Anita Novinsky por ter me ctJiJn antts
mesmo da publicaccedilatildeo coacutepia dt seu texto sobre o aspecto judaico na obra de Gilberto Freyre Nesse trabalho essa posiccedilatildeo de Darcy Ribeiro nagraveo eacute referendada pela Professora Anita ao afirmar que as pronunciaccedilotildees poliacuteticas [de Gilberto Freyre] a sua luta pela Democracia as perseguiccedilotildees que sofreu os exemplos de resistecircncia e de consciecircncia que deu jamais permitiragraveo julgar o conjunto de sua obra como hostil aos judeus Poreacutem mesmo criticando-o nagraveo deixa Dare) Ribeiro de comparaacute-lo a Cervantes Camotildees Tolstoi e Sartre
99
o pioneirismo gilbertiano estaacute ainda no fato de ter se dedicado a
estudar os modos de tagravelar dos escravos o espaccedilo nobre e pobre das moradas
de engenho de sua terra as praacuteticas sexuais os juramentos e as expressotildees de
blasfemias e oproacutebrio a cozinha e a comida (DAMATTA 1987 7) Igualmente
segundo Anita Novinsky Gilberto FreTe foi o primeiro estudioso da sociedade
colonial que incluiu os cristatildeos-novos entre os elementos baacutesicos que formaram
o Brasil tanto do ponto de vista econocircmico como do ponto de vista cultural
assunto que em sua eacutepoca para natildeo dizer ainda hoje - era pouco explorado
cientificamente (NOVINSK Y 1996 1-3)
Enl sua comunicaccedilatildeo Anita Novinsky atinna que o anti-semitismo
atribuiacutedo a Gilberto Freyre natildeo condiz com a verdade o anti-semitismo
moderno se alimenta da falsificaccedilatildeo da histoacuteria Freyre nunca o tez ao contraacuterio
valorizou muito mais o cristatildeo-novo do que o criticou ~ (NOVPSKY 1996
II) Se por um lado vaci la em alguns momentos quando por exemplo atribui
aos judeus interesses apenas econocircmicos por outro natildeo deixa de mostrar o
papel relevante desempenhado pelo elemento judaico na constituiccedilatildeo brasileiras
(NOVINSKY 1996 6)
Mas natildeo haacute como negar quc Gilberto Freyre mostra uma certa
dose de preconceito ao imputar aos israelitas vocaccedilotildees natildeo agriacutecolas mas
preponderantemente comerciais Sua anaacutelise caminha mais no sentido de mostrar
que o portuguecircs tinha pouca tradiccedilatildeo em lidar com a agricultura e se foi por
Como aponta a ProtessoraAnita Gilberto Freyre mostrou em 1933 com o lanccedilamento de sua obra que os judeus foram os primeiros colonos soacutel idos mecacircnicos nas faacutebricas de accediluacutecar Gilberto Freyre toi o autor que mais valorizou a imp0l1acircncia do judeu para a colocircnia Citando suas palanas Novinsky nos h1Z ver que Freyre jaacute identiticava que na prosperidade dos judeus baseou-se o imperialismo portuguecircs para expandir-se J A Professora Anita eacute categoacuterica ao afirmar que Gi Iberto Freyre abriu um caminho para os estudos dos cristatildeos-novos no Brasil Num momento especiacutetico de sua obra Gilberto afirma que os judeus sagraveo avessos ao trabalho manual estereoacutetipo muito em voga nos ciacuterculos anti-semitas de seu tempo
100
esse setor que a colocircnia brasileira se desenvolveu explica-se melhor por uma
imposiccedilatildeo desta do que por uma escolha dos colonizadores Quanto a esse
ponto Darcy Ribeiro critica a posiccedilatildeo de Gilberto Freyre afirmando que o
judeu assume um retrato caricaturesco e impiedoso na obra gilbertiana()
(RIBEIRO 1979 84 FREYRE 1994 24)
Como muito propriamente pontua Anita Novinsky 0 que surpreende
entre as muitas contradiccedilotildees que encontramos na obra de Gilberto Fre)Te eacute que
tendo escrito numa eacutepoca impregnada de anti-semitismo e racismo acentua a
superioridade cultural dos judeus sobre os portugueses em geraL (NOVINSKY
1996 8) Da mesma forma daacute um passo agrave frente ao perceber os verdadeiros
motivos da perseguiccedilatildeo imposta pela Inquisiccedilatildeo aos judeus A resposta diz-nos
Freyre natildeo dew ser buscada na religiatildeo pois se esconde atraacutes de interesses
eCOnOI11ICOS
Sabemos ainda atraveacutes dessa grande obra que os cristatildeos-noos
chegados em terras americanas traziam consigo grandes capitais os quais
investiram nas induacutestrias de accediluacutecar (NOVINSK Y 1996 2) Com isso Casashy
Cirande amp Senzala nos faz rever a sempre recorrente acusaccedilatildeo que paira sobre
osjudeus de soacute se interessarem pelo comeacutercio o que a princiacutepio pode contradizer
o que dissemos acima mas natildeo se levannos em conta as muitas contradiccedilotildees
- releridas por Anita Novinsky - que vemos ao longo de sua obra I~ petiCitamente
possiacutevel em detenninada pm1e Gilberto FreTe deixar claro a preponderacircncia
do judeu no comeacutercio e em outra nos falar de sua relaccedilatildeo com o accediluacutecar
Mas o avanccedilo de Freyre natildeo se acha apenas em ter ele se ocupado
primeiramente do elemento judaico mas por ter se dedicado a questotildees ateacute
entatildeo desconhecidas dos historiadores Agrave iacuterente de nomes como Robel1 Mandrou
Segundo o proacuteprio Gilberto Freyre para os portugueses o ideal teria sido nagraveo uma colocircnia
de plantaccedilatildeo mas outra iacutendia com que israelitamente comerciassem em especiarias e pedras preciosas
101
--------------------------_ shy
Phil ippe Aries e Georges Duby preocupou-se igualmente com a vida cotidiana
as mulheres a casa a comida a roupa a visatildeo de mundo do homem colonial e
a sua maneira de sentir a vida o amor a morte1 (NOVINSKY 1996 4
CHACON 1983 247)
Os elementos que compotildeem Casa-Grande amp Senzala satildeo o
Iatifuumlndio monocultor da cana-de-accediluacutecar assentado quase que soacute na matildeo-deshy
obra atricana Faz parte igualmente de sua constituiccedilatildeo um cristianismo povoado
por caracteriacutesticas indiacutegenas e africanas tudo accedilambarcado pela figura do
patriarcalismo representado pelo senhor de engenho habitante da casa-grande
marido e pai poliacutegamo em muitos casos que husca em negras e mesticcedilas
satisfaccedilatildeo para suas necessidades de homem nem sempre encontradas nas hem
comportadas esposas (RIBEIRO 1979 82)
Mas essa importacircncia em demasia dada agrave famiacutelia patriarcal eacute alvo
de criacutetica por parte de Dare) Ribeiro Na visagraveo deste autor Gilherto Freyre
esqueceu-se de anal isar a natildeo- tam iacutel ia esta antitam iacutelia matricecircntrica de ontem e
de hoje que eacute a matildee pohre preta ou hranca parideira que gcrou e criou o
Brasil-massa (RIBEIRO 1979 82)
Na anaacutelise de Fre)Te preocupado em fixar e interpretar a tom1accedilatildeo
da famiacutelia hrasileira a casa-grande natildeo foi meacuterito apenas da cultura accedilucareira
mas tamheacutem do sul cafeicultor regiatildeo igualmente monocultora e escravocrata
Ligada agravecasa-grande estaacute o patriarcalismo escravocrata e poliacutegamo juntamente
com a presenccedila marcante do cristianismo mesclado agraves crendices da senzala
Foi Freyre ainda quem primeiro trabalhou com toacutepicos como t~uniacutelia sexualidade infacircncia
e cultura material antecipando a Nova Histoacuteria dos anos 70 e 80 Falando do impacto que (usa-vrandu amp )middotunua causou fora do Brasil Vamireh Chacon coloca bem sua importagravencia para renomados historiadores Um historiador da Escola dos Al11acs Peter Burke mostrou como foi Gi Iberto Freyre quem intluenciou Fernand Braudel naquelas direccedilotildees nagraveo BraudeJ a Gilberto Freyre
102 Awsso asomiddotraccedilawha 3 11 3 r lSmiddot III JUI1 200
o problema aqui eacute que o engenho descrito em Casa-Grande amp
Senzala natildeo existiu pois eacute fantasioso e exagerado E mesmo descontando-se os
excessos o modelo proposto se restringiria mais a Pernambuco natildeo extensivo
portanto ao restante do Brasil Ainda tratando desse universo dominado pelo
engenho fica patente que Gilberto FreTe propotildee um governo ao Brasil tal qual
se governava um engenho Esse aspecto natildeo de todo expliacutecito mostra um
Gilberto do passado homem que se refugia em suas lemhranccedilas para descrever
uma sociedade que natildeo mais existe
Na formaccedilatildeo da sociedade brasileira Gi lberto FreTe nos diz que
a tagravelta de mulheres na colocircnia obrigou o europeu a confraternizar-se com o iacutendio
e com o escravo fator que contribuiu para diminuir a distacircncia entre senhores e
escravos entre a casa-grande e a mata tropicaL E a mulher indiacutegena entatildeo eacute
considerada como a base da formaccedilatildeo da iacuteagravemiacutelia brasileira acolhendo os
portugueses que aqui chegaram ressentidos pela escassez de mulher europeacuteia
Tamheacutem muito dos costumes que ~judaram na constituiccedilatildeo do povo hrasileiro
foi-lhe transmitido pela iacutendia (FREYRE 1994 94)
Mas se a mulher indiacutegena merece destaque o mesmo natildeo ocorre
com o homem indiacutegena que teria contrihuiacutedo mais com seus conhecimentos
guerreiros quer na defesa da colocircnia contra invasotildees estrangeiras quer no
alargamento das fronteiras rumo ao interior Pouca ou quase nenhuma contrihuiccedilatildeo
deu quanto ao trabalho agriacutecola ausecircncia explicada em parte por sua tradiccedilatildeo
de homem da floresta caccedilador portanto Na cultura indiacutegena o cultivo do solo
era tarefa eminentemente destinada agraves mulheres
Nesse mundo de proximidades a liacutengua portuguesa constituiu-se
em mais uma prova da confraternizaccedilatildeo entre partes distintas O uso riacutegido que
o portuguecircs tagravezia dos pronomes foi pelo escravo abrandado apontando e
reforccedilando a confraternizaccedilatildeo Poreacutem FreTe natildeo deixa de ver como o homem
branco crescia aprendendo a usar o poder sobre o negro Criados juntos senhor
Avesso avesso Araccedilalllha 3 n) p 98 _ III JlIn 2005 103
e escravo logo se diferenciavam levando o primeiro a desenvolver muitas vezes
tendecircncias saacutedicas subjugando e humilhando seu companheiro de brincadeiras
(FREYRE 1994 335-337) Nesse sentido o Brasil paiacutes formado por uma
seacuterie de antagonismos pode ser resumido num mais abrangente aquele que
coloca em lados opostoso senhor e o escravo (FREYRE 1994 53)
Essa predisposiccedilatildeo do portuguecircs agrave miscigenaccedilatildeo estaacute ligada ao seu
passado histoacuterico ao seu contato anterior com a Aacutefrica Para Gilberto FreyTe o
portuguecircs eacute um povo indefinido entre a Europa e a Aacutefrica1 (FREYRE 1994
5-6) Nesse sentido a tagravecilidade com que o portuguecircs se adaptou ao clima tropical
o ajudou em sua escalada colonizadora Obra conseguida por poucos brancos
a adaptabilidade lusitana deve-se agrave proacutepria especificidade de seu territoacuterio pois
que nas condiccedilotildees tisicas de solo e de temperatura Portugal eacute antes Aacutefrica do
que Europa (FREYRE 1994 10)
Mas natildeo deixa de ligar o sucesso da colonizaccedilatildeo portuguesa nos
troacutepicos agrave intluecircncia do elemento semita povo que imprimiu aos lusitanos
caracteres adaptativos que os possibilitaram a melhor sobreviver em habitat
tropical (FREYRE 1994 8) A facilidade para mover-se com desenvoltura
herdada em parte dos semitas explicaria entatildeo o sucesso da empresa
colonizadora juntamente com o gosto do portuguecircs pelo intercurso social e
sexual com raccedilas de cor praacutetica trazida do contato com os norte-africanos
(FREYRE 1994 9) Mal alimentado o portuguecircs eacute visto por Freyre como o
menos cruel dos colonizadores e mais afeito agrave miscigenaccedilatildeo caracteriacutestica
resultante de uma maior plasticidade social (FREYRE 1994 189)
A influecircncia moura chegou ao Brasil trazida pelo portuguecircs
colonizador Os seacuteculos que permaneceram na Peniacutensula Ibeacuterica imprimiram na
cultura lusitana caracteriacutesticas mouriscas visiacuteveis ainda hoje abrangendo todos
xComo afirma o autor Portugal era um paiacutes influenciado pela Aacutefrica condicionado pelo
clima africano solapado pela miacutestica sensual do Islamismo
104 Avesso avesso Araccedilatuba v3 n3 p 98middot III illll 2005
os niacuteveis da vida portuguesa Assim amplamente amalgamados com os mouros
os portugueses acabaram por trazer agrave colocircnia americana traccedilos culturais dos
nOIte-africanos
Se por um lado o mouro ajudou a criar o portuguecircs influenciou
igualmente a presenccedila judaica agindo ambos no sentido de deseuropeizar a
cultura portuguesa Mas volta o autor a imprimir ao judeu caracteriacutesticas
estereotipadas afirmando que suas matildeos foram transformadas em garras
incapazes de semear e de criar (FREYRF 1994 226231 )
Mas podemos perceber que a proposiccedilatildeo da obra caminha no
sentido de mostrar que a modernidade do colonizador portuguecircs nagraveo estuacute no
seu burguesismo mas na miscigenaccedilatildeo racial O avanccedilo desloca-se p0l1anto
do econoacutemico para o cultural
A empresa colonizadora proposta por Portugal eacute ainda mais
valorizada quando se consideram as harreiras naturais a serem vencidas A
comeccedilar peIa mudanccedila da base alimentar trocando-se o trigo pela mandioca
Posteriormente o clima tropical tornou mais penoso o trabalho da terra
problemas nagraveo enfrentados por exemplo pelos povoadores da Ameacuterica do
0I1e l (FRERF 1994 15)
A colonizaccedilatildeo pOl1uguesa abriu caminho na histoacuteria para um novo
tipo de exploraccedilatildeo Deixou de lado a tiacutepica exploraccedilatildeo mineral vegetal ou animal
e dedicou-se a criar a riqueza no proacuteprio local patrocinando o povoamento da
tella (FREYRE 1994 17) Dessa tlt)rIna inaugurou o pOl1uguecircs a (o(il1ia
Quanto a essa posiccedilatildeo questionaacutevel em relaccedilatildeo ao judeu eja-se a passagem que se
segue referindo-se agrave formaccedilatildeo agraacuteria portuguesa Fregt re lembra que esse passado fora penertido pela atiidade comercial dos judeus
I Problemas de ordem natural tambeacutem tiveram que ser vencidos como os rios as formigas
as lagartas e inuacutemeras outras pragas II Haacute que se considerar que mesmo essa criaccedilatildeo de riqueza na colocircnia visava primeiramente
a exportaccedilatildeo
105
------------------------___-shy
de planlaccediltio tendo por base a exploraccedilatildeo agriacutecola fixando o colono a terra
Nesse tipo de colocircnia utilizou-se largamente das riquezas naturais exploradas
com o auxiacutelio de uma matildeo-de-obra nativa substituiacuteda posteriormente pelo
escravo africano l (FREYRE 1994 17)
Jaacute a partir da terceira deacutecada da colonizaccedilatildeo a famiacutelia rural se
impotildee promovendo ela o avanccedilo da colocircnia e marcando presenccedila tatildeo
significante que nem mesmo o Estado portuguecircs conseguiu se lhe impor pois
sobre ela o rei de Portugal quase que reina sem governar (FREYRE 1994
19) Entatildeo os louros da vitoacuteria devem ser creditados mais agrave iniciativa privada do
que ao Estado portuguecircs sempre sumiacutetico (FREYRE 1994 18) No
alargamento das tronteiras por exemplo a accedilagraveo de particulares foi bem mais
cxpressiva que a do govemo Assinados contratos estipulando limites acabaram
sendo ignorados pela iniciativa privada
Nessa marcha para a fixaccedilatildeo em novo telTitoacuterio () catolicismo seniu
ao colonizador como Uumltor de uniatildeo Aos que chegavam ao Brasil muitos dos
quais estrangeiros natildeo se olhavam caracteres tlsieos mas a religiatildeo professada
Como lembra Fre)Te o estrangeiro nagraveo representava perigo agrave unidade mas sim
() herege Ao ti)rasteiro bastava saber rezar o padre-nosso e a ave-maria
dizer Creio-em-Deus-Padrc fazer o pelo-sinal-da-Santa-Cruz para ser bcm
recebido L (FREYRE 1994 29-30)
E lemento importante para o portuguecircs eacute a rei igiatildeo que ampara a
colonizaccedilatildeo Nesse sentido a capela do engenho substitui a estrutura eclesiaacutestica
ausente e que age como fator aglutinador Assim eacute no acircmbito da tamiacutelia que a
religiatildeo se desenvolve essa religiosidade domeacutesticn que acaba por dar a tocircnica
da religiosidade brasileira
C Nesse sentido Freyre afirma que o instrumento de trabalho (a matildeo-de-obra escrava) agiu igualmente como elemento formador da famiacutelia brasileira I Nesse sentido o Catolicismo foi realmente o cimento da nossa unidade
106
Assim o problema vivido pelo colonizador em relaccedilatildeo ao outro
ligava-se mais agrave feacute do que ao fato de ser estrangeiro Era contra o herege que
lutavam os lusitanos natildeo simplesmente contra homens pertencentes a outras
naccedilotildees Situaccedilatildeo semelhante veriticou-se quanto ao indiacutegena hereacutetico que
devia ser combatido por sua falta de feacute natildeo por pertencer a uma raccedila diferente
E nesse universo congregante as caracteriacutesticas fiacutesicas do Brasil
como o c lima e o solo que poderiam ter agido como fator desagregador agiu
num sentido inverso A uniatildeo se deu em grande parte no sentido de vencer as
vicissitudes impostas por uma terra inoacutespita A solidariedade nasceu da
necessidade de se middotencerjuntos a natureza
Fator importante da ohra o latituumlndio monocultor eacute apontado por
Gilhlrto Freyre como uma das causas responsaacuteveis pela maacute alimentaccedilatildeo na
colocircnia e a consequumlente maacute fomlaccedilatildeo do brasileiro A ideacuteia que ) Brasil era um
paraiacuteso gastronoacutemico natildeo condiz com a realidade de privaccedilotildees que se veritica
onde a elite em poucas ocasiotildees -como as testas - conseguia tagravertar-se Uacute mesa
(FREYRE 1994 29-30)
essa carencia alimentar eacute ahel1a uma exceccedilatildeo quando se hlla de
Satildeo Paulo Aqui para os lados do Sul os paulistas nutriam-se melhor em irtudc
principalmente da diersifiacutecaccedilatildeo de atividades - a agriacutecola e a pastoril Essa
melhor (m11a de alimentaccedilatildeo acabou por influenciar na sauacutede dos paulistas
menos propensos a uma seacuterie de enfcnniacutedades
Mas um dos prohlemas de Casa-Grande amp Senzala estaacute
relacionado ao encontro de culturas Gilberto Frevre afirma muito
apropriadamente que a chegada do europeu desestruturou a ham10nia existente
entre o indiacutegena c seu meio Poreacutem eacute justamente aqui que a criacutetica se insere
pois Fre) Te utiliza-se de te11110S bastante questionaacuteveis como atrasado-adiantado
j Freyre credita a deticiecircncia de formaccedilatildeo do brasileiro a fatores como o clima a miscigenaccedilatildeo
e a carecircncia alimentar por que passa a populaccedilatildeo
~) lttlgtsn raccedilawha ~ 11 r ()ji - III JUIl 20l 107
e superh)r-inferior Ao se referir ao contato do europeu com o iacutendio afirma
que desse encontro principia a degradaccedilatildeo da raccedila atrasada ao contato da
adiantada (FREYRE 1994 89)
Portanto o encontro dessas duas culturas a europeacuteia e a indiacutegena
produziu para esta um cenaacuterio de destruiccedilatildeo vivido ainda hoje Como bem lembra
Gilberto Fre-Te embora utilize tennos totalmente questionaacuteveis esse encontro
produziu exlerminio ou degradaccedilcio pois o europeu desconsiderou o outro
enquanto produtor de cultura negando a entrar em contato com o universo
cultural indiacutegena (FREYRE 1994 109) E sem duacutevida a contribuiccedilatildeo de Casashy
Grande amp Senzala nesse sentido estaacute em ter apontado um problema tatildeo seacuterio
que f()i o extermiacutenio dos povos indiacutegenas os verdadeiros donos da terra
Nesse processo de degradaccedilatildeo os jesuiacutetas desempenharam um
imp0l1ante papel Suas missotildees agiram no sentido da imobilizaccedilatildeo tirando do
iacutendio uma de suas caracteriacutesticas mais marcantes ou seja a ida dispersa e
J1(jmade A destruiccedilatildeo de um modo de vida todo peculiar se deu por mecanismos
poderosos atraveacutes da catequese ou do sistema moral pedagoacutegico e de
organizaccedilatildeo e divisatildeo sexual do trabalho imposto pelos jesuiacutetas (FREYRE
1994 110)
o trabalho jesuiacutetico atuou em duas frentes que ao final se
complementaram Por um lado tornou o iacutendio daacutecil e meliacutefluo seminarista
llmndo-o aceitar a religiatildeo e a cultura do invasor Essa primeira dominaccedilatildeo
abriu caminho para interesses econoacutemicos transfoacutern1ando a populaccedilatildeo indiacutegena
em serviccedilais obedientes produtores de riquezas que acabaram sendo
apropriadas pelos jesuiacutetas (FREYRE 1994 146-147)
O brasileiro traz consigo a marca do indiacutegena e do africano quer
seja na alma quer seja no corpo E Freyre chega a colocar novamente numa
comparaccedilatildeo perigosa a cultura africana em patamar superior agrave do indiacutegena e a
do proacuteprio colonizador Assim em mateacuteria de contribuiccedilatildeo ao progresso
108 Asso ltlnsso raccedilatuha ~ n ~p 9R - II I JUI1 2005
--~---- ~------------------------
econocircmico da colocircnia o africano teria desempenhado papel mais importante
que o indiacutegena e o proacuteprio portuguecircs principalmente no litoral agraacuterio
(FREYRE 1994 285)
A adaptabilidade do negro ao clima tropical eacute creditada a fatores
psicoloacutegicos e fisioloacutegicos e tambeacutem devido agrave capacidade do negro de transpirar
por todo o corpo e natildeo apenas pelos sovacos (FREYRE 1994 287)AquL
pelo menos Freyre natildeo acredita na medida e peso do ceacuterebro como indicativos
da inteligecircncia humana Baseando-se em pesquisadores reconhecidos afim1a
que jaacute natildeo eacute mais aceita a superioridade mentaL inata e hereditaacuteria dos hrancos
sobre os negros (FREYRE 1994 294)
Ao se referir aos negros vindos para o Brasil o autor alel1a para a
imp0l1acircncia de se fazer ii diferenccedila entre eles haja vista terem saiacutedo de lugares
diferentes p0l1adores de culturas diferentes lf (FREYRE 1994 298-299) Para
caacute teriam vindo o melhor da cultura negra da Aacutefrica contribuiccedilatildeo importante
na formaccedilatildeo brasileira Nesse sentido ainda segundo Freyre o Brasil foi
privilegiado toma-se em comparaccedilatildeo o sul norte-americano que natildeo pocircde
contar com elementos da elite africana (FREYRE 1994 299-300) Citando
outros autores tenta mostrar a superioridade da cultura negra tanto sohre a
indiacutegena quanto sobre a portuguesa o trahalho de metais a criaccedilatildeo de gado e a
cul inaacuteria contribuiccedilotildees aflicanas que enriqueceram a cultura hrasileira (FREYRE
1994 307-308)
Um erro apontado por Fre)Te eacute julgar o negro pelo comportamento
do escravo Toda imoralidade proacutepria do sistema escravocrata eacute impingida ao
negro como se tais caracteriacutesticas fossem suas por natureza (FREYRE 1994
314-317) E aqui mais uma vez vemos a marca do inovador ao nos mostrar o
I Freyre na tentativa de relativizar a superioridade ou inferioridade de culturas nagraveo daacute conta de redimir o erro que eacute considerar uma cultura uperior agrave outra I Assim importa determinarmos a aacuterea de cultura de procedecircncia dos escra os evitandoshyse o erro de eII11OS no africano lima soacute e indistinta figura de pela da guine ou de pref() da
CosIa
Asso ltIS Araccedilatuha 3 11 3 P 91 - III JlIl1 2005 109
erro em se atribuir ao negro defeitos oriundos da condiccedilatildeo proacutepria do escravo
O grande preconceito que perpassa a historiografia brasileira diz
respeito agrave miscigenaccedilatildeo Gilberto FreyTe rompe com essa tendecircncia ao ver esse
fator atraveacutes de uma oacutetica positiva principalmente ao colocar o negro enquanto
elemento superior
Chegado ao Brasil o negro passou por um processo de
desafricanizaccedilatildeo levado a cabo pela catequese auxi liada nessa cruzada de
conversatildeo pela caIm-grande e principalmente pela senzala ao misturar esta uacuteltima
os receacutem-chegados com os veteranos jaacute abrasileirados Outros fatores
responsaacuteveis por esse abrasileiramento do negro apontados na obra satildeo o
meio fiacutesico a alimentaccedilatildeo e o sistema de trabalho (FREYRE 1994 357-358)
Para techar essa modesta anaacutelise de uma obra tatildeo importante e
marcante da historiografia brasileira c na tentativa de melhor entender autor
muitas vezes mal compreendido dou a palavra a Roberto DaMatta que vecirc a
obra de Gilberto Fre)Te de forma original e misturada como seu autor de um
lado perdida numa vaidade doentia e quase perversamente atraiacuteda pelo elogio e
pelo poder e de outro eternamente fascinada e atraiacuteda pelo pequeno mundo
dos homens comuns dos desejos secretos e dos gestos humildes (DAMATTA
19877)
DA SILVA Marco Antonio 1unes The issue ofcultural hierarchy in Gilberto
Freire Avesso do Avesso Revista Educaccedilatildeo e Cultura Araccedilatuba v3 n3
p 98 - 111 jun 2005
Abstract This article proposes an analysis ofthe masterwork ofGilberto Freire
Casa-Grande amp Senzala from the cultural view highlighting in a brief way the
main novelties approached in the book such as some critics and stereotypes
110 Anss(l ansstl Araccedilatuha 3 113 p ltIRmiddot I I UII 2005
which still remain - manyofwhich boundingthe frontierofprejudice- even in a
innovative vork like this one
Key words Gilberto Freire cultural hierarchy BraziI ieacuteUl nOlthwest ne christians
patriarchal1~lmily African culture Casa Grande amp Senzala
Referecircncias Bibliograacuteficas
ARAtrlO Ricardo Benzaquen de Guerra e Paz Casa-Grande amp Senzala e a
obra de Gilbel10 Freyre nos anos 30 Rio de Janeiro Editora 34 1994
CHACOI Vamireh Gilberto Freyre lJma biografia intelectual Recife
Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Editora Massangana Satildeo Paulo Companhia Editora
Nacional 1993
DAMATTA Roberto A originalidade de Gilberto Freyremiddotmiddot ln Boletim
Inform~ltiYo e Bibliograacutefico de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro n 242
semestre dt 1987 pp 3-10
FRrYRE Gilberto Casa-Grande amp Senzala ttmnaccedilatildeo da famiacutelia brasileira
sob o regime da economia patriarcal 29 cd Rio de Janeiro Editora Record
1994
NOVINSKY Anita Os judeus na obra de Gilberto Fre)Te ln Conferecircncia
apresentada na semana dedicada aos estudos sobre Gilberto Freyre
Recife 1996
RIBEIRO Darcy Gentidades Gilbel10 Frevre Casa-Grande amp Senzala
ln Ensaios Insoacutelitos Porto Alegre L amp PM Editores 1979 pp 63-107
III
o pioneirismo gilbertiano estaacute ainda no fato de ter se dedicado a
estudar os modos de tagravelar dos escravos o espaccedilo nobre e pobre das moradas
de engenho de sua terra as praacuteticas sexuais os juramentos e as expressotildees de
blasfemias e oproacutebrio a cozinha e a comida (DAMATTA 1987 7) Igualmente
segundo Anita Novinsky Gilberto FreTe foi o primeiro estudioso da sociedade
colonial que incluiu os cristatildeos-novos entre os elementos baacutesicos que formaram
o Brasil tanto do ponto de vista econocircmico como do ponto de vista cultural
assunto que em sua eacutepoca para natildeo dizer ainda hoje - era pouco explorado
cientificamente (NOVINSK Y 1996 1-3)
Enl sua comunicaccedilatildeo Anita Novinsky atinna que o anti-semitismo
atribuiacutedo a Gilberto Freyre natildeo condiz com a verdade o anti-semitismo
moderno se alimenta da falsificaccedilatildeo da histoacuteria Freyre nunca o tez ao contraacuterio
valorizou muito mais o cristatildeo-novo do que o criticou ~ (NOVPSKY 1996
II) Se por um lado vaci la em alguns momentos quando por exemplo atribui
aos judeus interesses apenas econocircmicos por outro natildeo deixa de mostrar o
papel relevante desempenhado pelo elemento judaico na constituiccedilatildeo brasileiras
(NOVINSKY 1996 6)
Mas natildeo haacute como negar quc Gilberto Freyre mostra uma certa
dose de preconceito ao imputar aos israelitas vocaccedilotildees natildeo agriacutecolas mas
preponderantemente comerciais Sua anaacutelise caminha mais no sentido de mostrar
que o portuguecircs tinha pouca tradiccedilatildeo em lidar com a agricultura e se foi por
Como aponta a ProtessoraAnita Gilberto Freyre mostrou em 1933 com o lanccedilamento de sua obra que os judeus foram os primeiros colonos soacutel idos mecacircnicos nas faacutebricas de accediluacutecar Gilberto Freyre toi o autor que mais valorizou a imp0l1acircncia do judeu para a colocircnia Citando suas palanas Novinsky nos h1Z ver que Freyre jaacute identiticava que na prosperidade dos judeus baseou-se o imperialismo portuguecircs para expandir-se J A Professora Anita eacute categoacuterica ao afirmar que Gi Iberto Freyre abriu um caminho para os estudos dos cristatildeos-novos no Brasil Num momento especiacutetico de sua obra Gilberto afirma que os judeus sagraveo avessos ao trabalho manual estereoacutetipo muito em voga nos ciacuterculos anti-semitas de seu tempo
100
esse setor que a colocircnia brasileira se desenvolveu explica-se melhor por uma
imposiccedilatildeo desta do que por uma escolha dos colonizadores Quanto a esse
ponto Darcy Ribeiro critica a posiccedilatildeo de Gilberto Freyre afirmando que o
judeu assume um retrato caricaturesco e impiedoso na obra gilbertiana()
(RIBEIRO 1979 84 FREYRE 1994 24)
Como muito propriamente pontua Anita Novinsky 0 que surpreende
entre as muitas contradiccedilotildees que encontramos na obra de Gilberto Fre)Te eacute que
tendo escrito numa eacutepoca impregnada de anti-semitismo e racismo acentua a
superioridade cultural dos judeus sobre os portugueses em geraL (NOVINSKY
1996 8) Da mesma forma daacute um passo agrave frente ao perceber os verdadeiros
motivos da perseguiccedilatildeo imposta pela Inquisiccedilatildeo aos judeus A resposta diz-nos
Freyre natildeo dew ser buscada na religiatildeo pois se esconde atraacutes de interesses
eCOnOI11ICOS
Sabemos ainda atraveacutes dessa grande obra que os cristatildeos-noos
chegados em terras americanas traziam consigo grandes capitais os quais
investiram nas induacutestrias de accediluacutecar (NOVINSK Y 1996 2) Com isso Casashy
Cirande amp Senzala nos faz rever a sempre recorrente acusaccedilatildeo que paira sobre
osjudeus de soacute se interessarem pelo comeacutercio o que a princiacutepio pode contradizer
o que dissemos acima mas natildeo se levannos em conta as muitas contradiccedilotildees
- releridas por Anita Novinsky - que vemos ao longo de sua obra I~ petiCitamente
possiacutevel em detenninada pm1e Gilberto FreTe deixar claro a preponderacircncia
do judeu no comeacutercio e em outra nos falar de sua relaccedilatildeo com o accediluacutecar
Mas o avanccedilo de Freyre natildeo se acha apenas em ter ele se ocupado
primeiramente do elemento judaico mas por ter se dedicado a questotildees ateacute
entatildeo desconhecidas dos historiadores Agrave iacuterente de nomes como Robel1 Mandrou
Segundo o proacuteprio Gilberto Freyre para os portugueses o ideal teria sido nagraveo uma colocircnia
de plantaccedilatildeo mas outra iacutendia com que israelitamente comerciassem em especiarias e pedras preciosas
101
--------------------------_ shy
Phil ippe Aries e Georges Duby preocupou-se igualmente com a vida cotidiana
as mulheres a casa a comida a roupa a visatildeo de mundo do homem colonial e
a sua maneira de sentir a vida o amor a morte1 (NOVINSKY 1996 4
CHACON 1983 247)
Os elementos que compotildeem Casa-Grande amp Senzala satildeo o
Iatifuumlndio monocultor da cana-de-accediluacutecar assentado quase que soacute na matildeo-deshy
obra atricana Faz parte igualmente de sua constituiccedilatildeo um cristianismo povoado
por caracteriacutesticas indiacutegenas e africanas tudo accedilambarcado pela figura do
patriarcalismo representado pelo senhor de engenho habitante da casa-grande
marido e pai poliacutegamo em muitos casos que husca em negras e mesticcedilas
satisfaccedilatildeo para suas necessidades de homem nem sempre encontradas nas hem
comportadas esposas (RIBEIRO 1979 82)
Mas essa importacircncia em demasia dada agrave famiacutelia patriarcal eacute alvo
de criacutetica por parte de Dare) Ribeiro Na visagraveo deste autor Gilherto Freyre
esqueceu-se de anal isar a natildeo- tam iacutel ia esta antitam iacutelia matricecircntrica de ontem e
de hoje que eacute a matildee pohre preta ou hranca parideira que gcrou e criou o
Brasil-massa (RIBEIRO 1979 82)
Na anaacutelise de Fre)Te preocupado em fixar e interpretar a tom1accedilatildeo
da famiacutelia hrasileira a casa-grande natildeo foi meacuterito apenas da cultura accedilucareira
mas tamheacutem do sul cafeicultor regiatildeo igualmente monocultora e escravocrata
Ligada agravecasa-grande estaacute o patriarcalismo escravocrata e poliacutegamo juntamente
com a presenccedila marcante do cristianismo mesclado agraves crendices da senzala
Foi Freyre ainda quem primeiro trabalhou com toacutepicos como t~uniacutelia sexualidade infacircncia
e cultura material antecipando a Nova Histoacuteria dos anos 70 e 80 Falando do impacto que (usa-vrandu amp )middotunua causou fora do Brasil Vamireh Chacon coloca bem sua importagravencia para renomados historiadores Um historiador da Escola dos Al11acs Peter Burke mostrou como foi Gi Iberto Freyre quem intluenciou Fernand Braudel naquelas direccedilotildees nagraveo BraudeJ a Gilberto Freyre
102 Awsso asomiddotraccedilawha 3 11 3 r lSmiddot III JUI1 200
o problema aqui eacute que o engenho descrito em Casa-Grande amp
Senzala natildeo existiu pois eacute fantasioso e exagerado E mesmo descontando-se os
excessos o modelo proposto se restringiria mais a Pernambuco natildeo extensivo
portanto ao restante do Brasil Ainda tratando desse universo dominado pelo
engenho fica patente que Gilberto FreTe propotildee um governo ao Brasil tal qual
se governava um engenho Esse aspecto natildeo de todo expliacutecito mostra um
Gilberto do passado homem que se refugia em suas lemhranccedilas para descrever
uma sociedade que natildeo mais existe
Na formaccedilatildeo da sociedade brasileira Gi lberto FreTe nos diz que
a tagravelta de mulheres na colocircnia obrigou o europeu a confraternizar-se com o iacutendio
e com o escravo fator que contribuiu para diminuir a distacircncia entre senhores e
escravos entre a casa-grande e a mata tropicaL E a mulher indiacutegena entatildeo eacute
considerada como a base da formaccedilatildeo da iacuteagravemiacutelia brasileira acolhendo os
portugueses que aqui chegaram ressentidos pela escassez de mulher europeacuteia
Tamheacutem muito dos costumes que ~judaram na constituiccedilatildeo do povo hrasileiro
foi-lhe transmitido pela iacutendia (FREYRE 1994 94)
Mas se a mulher indiacutegena merece destaque o mesmo natildeo ocorre
com o homem indiacutegena que teria contrihuiacutedo mais com seus conhecimentos
guerreiros quer na defesa da colocircnia contra invasotildees estrangeiras quer no
alargamento das fronteiras rumo ao interior Pouca ou quase nenhuma contrihuiccedilatildeo
deu quanto ao trabalho agriacutecola ausecircncia explicada em parte por sua tradiccedilatildeo
de homem da floresta caccedilador portanto Na cultura indiacutegena o cultivo do solo
era tarefa eminentemente destinada agraves mulheres
Nesse mundo de proximidades a liacutengua portuguesa constituiu-se
em mais uma prova da confraternizaccedilatildeo entre partes distintas O uso riacutegido que
o portuguecircs tagravezia dos pronomes foi pelo escravo abrandado apontando e
reforccedilando a confraternizaccedilatildeo Poreacutem FreTe natildeo deixa de ver como o homem
branco crescia aprendendo a usar o poder sobre o negro Criados juntos senhor
Avesso avesso Araccedilalllha 3 n) p 98 _ III JlIn 2005 103
e escravo logo se diferenciavam levando o primeiro a desenvolver muitas vezes
tendecircncias saacutedicas subjugando e humilhando seu companheiro de brincadeiras
(FREYRE 1994 335-337) Nesse sentido o Brasil paiacutes formado por uma
seacuterie de antagonismos pode ser resumido num mais abrangente aquele que
coloca em lados opostoso senhor e o escravo (FREYRE 1994 53)
Essa predisposiccedilatildeo do portuguecircs agrave miscigenaccedilatildeo estaacute ligada ao seu
passado histoacuterico ao seu contato anterior com a Aacutefrica Para Gilberto FreyTe o
portuguecircs eacute um povo indefinido entre a Europa e a Aacutefrica1 (FREYRE 1994
5-6) Nesse sentido a tagravecilidade com que o portuguecircs se adaptou ao clima tropical
o ajudou em sua escalada colonizadora Obra conseguida por poucos brancos
a adaptabilidade lusitana deve-se agrave proacutepria especificidade de seu territoacuterio pois
que nas condiccedilotildees tisicas de solo e de temperatura Portugal eacute antes Aacutefrica do
que Europa (FREYRE 1994 10)
Mas natildeo deixa de ligar o sucesso da colonizaccedilatildeo portuguesa nos
troacutepicos agrave intluecircncia do elemento semita povo que imprimiu aos lusitanos
caracteres adaptativos que os possibilitaram a melhor sobreviver em habitat
tropical (FREYRE 1994 8) A facilidade para mover-se com desenvoltura
herdada em parte dos semitas explicaria entatildeo o sucesso da empresa
colonizadora juntamente com o gosto do portuguecircs pelo intercurso social e
sexual com raccedilas de cor praacutetica trazida do contato com os norte-africanos
(FREYRE 1994 9) Mal alimentado o portuguecircs eacute visto por Freyre como o
menos cruel dos colonizadores e mais afeito agrave miscigenaccedilatildeo caracteriacutestica
resultante de uma maior plasticidade social (FREYRE 1994 189)
A influecircncia moura chegou ao Brasil trazida pelo portuguecircs
colonizador Os seacuteculos que permaneceram na Peniacutensula Ibeacuterica imprimiram na
cultura lusitana caracteriacutesticas mouriscas visiacuteveis ainda hoje abrangendo todos
xComo afirma o autor Portugal era um paiacutes influenciado pela Aacutefrica condicionado pelo
clima africano solapado pela miacutestica sensual do Islamismo
104 Avesso avesso Araccedilatuba v3 n3 p 98middot III illll 2005
os niacuteveis da vida portuguesa Assim amplamente amalgamados com os mouros
os portugueses acabaram por trazer agrave colocircnia americana traccedilos culturais dos
nOIte-africanos
Se por um lado o mouro ajudou a criar o portuguecircs influenciou
igualmente a presenccedila judaica agindo ambos no sentido de deseuropeizar a
cultura portuguesa Mas volta o autor a imprimir ao judeu caracteriacutesticas
estereotipadas afirmando que suas matildeos foram transformadas em garras
incapazes de semear e de criar (FREYRF 1994 226231 )
Mas podemos perceber que a proposiccedilatildeo da obra caminha no
sentido de mostrar que a modernidade do colonizador portuguecircs nagraveo estuacute no
seu burguesismo mas na miscigenaccedilatildeo racial O avanccedilo desloca-se p0l1anto
do econoacutemico para o cultural
A empresa colonizadora proposta por Portugal eacute ainda mais
valorizada quando se consideram as harreiras naturais a serem vencidas A
comeccedilar peIa mudanccedila da base alimentar trocando-se o trigo pela mandioca
Posteriormente o clima tropical tornou mais penoso o trabalho da terra
problemas nagraveo enfrentados por exemplo pelos povoadores da Ameacuterica do
0I1e l (FRERF 1994 15)
A colonizaccedilatildeo pOl1uguesa abriu caminho na histoacuteria para um novo
tipo de exploraccedilatildeo Deixou de lado a tiacutepica exploraccedilatildeo mineral vegetal ou animal
e dedicou-se a criar a riqueza no proacuteprio local patrocinando o povoamento da
tella (FREYRE 1994 17) Dessa tlt)rIna inaugurou o pOl1uguecircs a (o(il1ia
Quanto a essa posiccedilatildeo questionaacutevel em relaccedilatildeo ao judeu eja-se a passagem que se
segue referindo-se agrave formaccedilatildeo agraacuteria portuguesa Fregt re lembra que esse passado fora penertido pela atiidade comercial dos judeus
I Problemas de ordem natural tambeacutem tiveram que ser vencidos como os rios as formigas
as lagartas e inuacutemeras outras pragas II Haacute que se considerar que mesmo essa criaccedilatildeo de riqueza na colocircnia visava primeiramente
a exportaccedilatildeo
105
------------------------___-shy
de planlaccediltio tendo por base a exploraccedilatildeo agriacutecola fixando o colono a terra
Nesse tipo de colocircnia utilizou-se largamente das riquezas naturais exploradas
com o auxiacutelio de uma matildeo-de-obra nativa substituiacuteda posteriormente pelo
escravo africano l (FREYRE 1994 17)
Jaacute a partir da terceira deacutecada da colonizaccedilatildeo a famiacutelia rural se
impotildee promovendo ela o avanccedilo da colocircnia e marcando presenccedila tatildeo
significante que nem mesmo o Estado portuguecircs conseguiu se lhe impor pois
sobre ela o rei de Portugal quase que reina sem governar (FREYRE 1994
19) Entatildeo os louros da vitoacuteria devem ser creditados mais agrave iniciativa privada do
que ao Estado portuguecircs sempre sumiacutetico (FREYRE 1994 18) No
alargamento das tronteiras por exemplo a accedilagraveo de particulares foi bem mais
cxpressiva que a do govemo Assinados contratos estipulando limites acabaram
sendo ignorados pela iniciativa privada
Nessa marcha para a fixaccedilatildeo em novo telTitoacuterio () catolicismo seniu
ao colonizador como Uumltor de uniatildeo Aos que chegavam ao Brasil muitos dos
quais estrangeiros natildeo se olhavam caracteres tlsieos mas a religiatildeo professada
Como lembra Fre)Te o estrangeiro nagraveo representava perigo agrave unidade mas sim
() herege Ao ti)rasteiro bastava saber rezar o padre-nosso e a ave-maria
dizer Creio-em-Deus-Padrc fazer o pelo-sinal-da-Santa-Cruz para ser bcm
recebido L (FREYRE 1994 29-30)
E lemento importante para o portuguecircs eacute a rei igiatildeo que ampara a
colonizaccedilatildeo Nesse sentido a capela do engenho substitui a estrutura eclesiaacutestica
ausente e que age como fator aglutinador Assim eacute no acircmbito da tamiacutelia que a
religiatildeo se desenvolve essa religiosidade domeacutesticn que acaba por dar a tocircnica
da religiosidade brasileira
C Nesse sentido Freyre afirma que o instrumento de trabalho (a matildeo-de-obra escrava) agiu igualmente como elemento formador da famiacutelia brasileira I Nesse sentido o Catolicismo foi realmente o cimento da nossa unidade
106
Assim o problema vivido pelo colonizador em relaccedilatildeo ao outro
ligava-se mais agrave feacute do que ao fato de ser estrangeiro Era contra o herege que
lutavam os lusitanos natildeo simplesmente contra homens pertencentes a outras
naccedilotildees Situaccedilatildeo semelhante veriticou-se quanto ao indiacutegena hereacutetico que
devia ser combatido por sua falta de feacute natildeo por pertencer a uma raccedila diferente
E nesse universo congregante as caracteriacutesticas fiacutesicas do Brasil
como o c lima e o solo que poderiam ter agido como fator desagregador agiu
num sentido inverso A uniatildeo se deu em grande parte no sentido de vencer as
vicissitudes impostas por uma terra inoacutespita A solidariedade nasceu da
necessidade de se middotencerjuntos a natureza
Fator importante da ohra o latituumlndio monocultor eacute apontado por
Gilhlrto Freyre como uma das causas responsaacuteveis pela maacute alimentaccedilatildeo na
colocircnia e a consequumlente maacute fomlaccedilatildeo do brasileiro A ideacuteia que ) Brasil era um
paraiacuteso gastronoacutemico natildeo condiz com a realidade de privaccedilotildees que se veritica
onde a elite em poucas ocasiotildees -como as testas - conseguia tagravertar-se Uacute mesa
(FREYRE 1994 29-30)
essa carencia alimentar eacute ahel1a uma exceccedilatildeo quando se hlla de
Satildeo Paulo Aqui para os lados do Sul os paulistas nutriam-se melhor em irtudc
principalmente da diersifiacutecaccedilatildeo de atividades - a agriacutecola e a pastoril Essa
melhor (m11a de alimentaccedilatildeo acabou por influenciar na sauacutede dos paulistas
menos propensos a uma seacuterie de enfcnniacutedades
Mas um dos prohlemas de Casa-Grande amp Senzala estaacute
relacionado ao encontro de culturas Gilberto Frevre afirma muito
apropriadamente que a chegada do europeu desestruturou a ham10nia existente
entre o indiacutegena c seu meio Poreacutem eacute justamente aqui que a criacutetica se insere
pois Fre) Te utiliza-se de te11110S bastante questionaacuteveis como atrasado-adiantado
j Freyre credita a deticiecircncia de formaccedilatildeo do brasileiro a fatores como o clima a miscigenaccedilatildeo
e a carecircncia alimentar por que passa a populaccedilatildeo
~) lttlgtsn raccedilawha ~ 11 r ()ji - III JUIl 20l 107
e superh)r-inferior Ao se referir ao contato do europeu com o iacutendio afirma
que desse encontro principia a degradaccedilatildeo da raccedila atrasada ao contato da
adiantada (FREYRE 1994 89)
Portanto o encontro dessas duas culturas a europeacuteia e a indiacutegena
produziu para esta um cenaacuterio de destruiccedilatildeo vivido ainda hoje Como bem lembra
Gilberto Fre-Te embora utilize tennos totalmente questionaacuteveis esse encontro
produziu exlerminio ou degradaccedilcio pois o europeu desconsiderou o outro
enquanto produtor de cultura negando a entrar em contato com o universo
cultural indiacutegena (FREYRE 1994 109) E sem duacutevida a contribuiccedilatildeo de Casashy
Grande amp Senzala nesse sentido estaacute em ter apontado um problema tatildeo seacuterio
que f()i o extermiacutenio dos povos indiacutegenas os verdadeiros donos da terra
Nesse processo de degradaccedilatildeo os jesuiacutetas desempenharam um
imp0l1ante papel Suas missotildees agiram no sentido da imobilizaccedilatildeo tirando do
iacutendio uma de suas caracteriacutesticas mais marcantes ou seja a ida dispersa e
J1(jmade A destruiccedilatildeo de um modo de vida todo peculiar se deu por mecanismos
poderosos atraveacutes da catequese ou do sistema moral pedagoacutegico e de
organizaccedilatildeo e divisatildeo sexual do trabalho imposto pelos jesuiacutetas (FREYRE
1994 110)
o trabalho jesuiacutetico atuou em duas frentes que ao final se
complementaram Por um lado tornou o iacutendio daacutecil e meliacutefluo seminarista
llmndo-o aceitar a religiatildeo e a cultura do invasor Essa primeira dominaccedilatildeo
abriu caminho para interesses econoacutemicos transfoacutern1ando a populaccedilatildeo indiacutegena
em serviccedilais obedientes produtores de riquezas que acabaram sendo
apropriadas pelos jesuiacutetas (FREYRE 1994 146-147)
O brasileiro traz consigo a marca do indiacutegena e do africano quer
seja na alma quer seja no corpo E Freyre chega a colocar novamente numa
comparaccedilatildeo perigosa a cultura africana em patamar superior agrave do indiacutegena e a
do proacuteprio colonizador Assim em mateacuteria de contribuiccedilatildeo ao progresso
108 Asso ltlnsso raccedilatuha ~ n ~p 9R - II I JUI1 2005
--~---- ~------------------------
econocircmico da colocircnia o africano teria desempenhado papel mais importante
que o indiacutegena e o proacuteprio portuguecircs principalmente no litoral agraacuterio
(FREYRE 1994 285)
A adaptabilidade do negro ao clima tropical eacute creditada a fatores
psicoloacutegicos e fisioloacutegicos e tambeacutem devido agrave capacidade do negro de transpirar
por todo o corpo e natildeo apenas pelos sovacos (FREYRE 1994 287)AquL
pelo menos Freyre natildeo acredita na medida e peso do ceacuterebro como indicativos
da inteligecircncia humana Baseando-se em pesquisadores reconhecidos afim1a
que jaacute natildeo eacute mais aceita a superioridade mentaL inata e hereditaacuteria dos hrancos
sobre os negros (FREYRE 1994 294)
Ao se referir aos negros vindos para o Brasil o autor alel1a para a
imp0l1acircncia de se fazer ii diferenccedila entre eles haja vista terem saiacutedo de lugares
diferentes p0l1adores de culturas diferentes lf (FREYRE 1994 298-299) Para
caacute teriam vindo o melhor da cultura negra da Aacutefrica contribuiccedilatildeo importante
na formaccedilatildeo brasileira Nesse sentido ainda segundo Freyre o Brasil foi
privilegiado toma-se em comparaccedilatildeo o sul norte-americano que natildeo pocircde
contar com elementos da elite africana (FREYRE 1994 299-300) Citando
outros autores tenta mostrar a superioridade da cultura negra tanto sohre a
indiacutegena quanto sobre a portuguesa o trahalho de metais a criaccedilatildeo de gado e a
cul inaacuteria contribuiccedilotildees aflicanas que enriqueceram a cultura hrasileira (FREYRE
1994 307-308)
Um erro apontado por Fre)Te eacute julgar o negro pelo comportamento
do escravo Toda imoralidade proacutepria do sistema escravocrata eacute impingida ao
negro como se tais caracteriacutesticas fossem suas por natureza (FREYRE 1994
314-317) E aqui mais uma vez vemos a marca do inovador ao nos mostrar o
I Freyre na tentativa de relativizar a superioridade ou inferioridade de culturas nagraveo daacute conta de redimir o erro que eacute considerar uma cultura uperior agrave outra I Assim importa determinarmos a aacuterea de cultura de procedecircncia dos escra os evitandoshyse o erro de eII11OS no africano lima soacute e indistinta figura de pela da guine ou de pref() da
CosIa
Asso ltIS Araccedilatuha 3 11 3 P 91 - III JlIl1 2005 109
erro em se atribuir ao negro defeitos oriundos da condiccedilatildeo proacutepria do escravo
O grande preconceito que perpassa a historiografia brasileira diz
respeito agrave miscigenaccedilatildeo Gilberto FreyTe rompe com essa tendecircncia ao ver esse
fator atraveacutes de uma oacutetica positiva principalmente ao colocar o negro enquanto
elemento superior
Chegado ao Brasil o negro passou por um processo de
desafricanizaccedilatildeo levado a cabo pela catequese auxi liada nessa cruzada de
conversatildeo pela caIm-grande e principalmente pela senzala ao misturar esta uacuteltima
os receacutem-chegados com os veteranos jaacute abrasileirados Outros fatores
responsaacuteveis por esse abrasileiramento do negro apontados na obra satildeo o
meio fiacutesico a alimentaccedilatildeo e o sistema de trabalho (FREYRE 1994 357-358)
Para techar essa modesta anaacutelise de uma obra tatildeo importante e
marcante da historiografia brasileira c na tentativa de melhor entender autor
muitas vezes mal compreendido dou a palavra a Roberto DaMatta que vecirc a
obra de Gilberto Fre)Te de forma original e misturada como seu autor de um
lado perdida numa vaidade doentia e quase perversamente atraiacuteda pelo elogio e
pelo poder e de outro eternamente fascinada e atraiacuteda pelo pequeno mundo
dos homens comuns dos desejos secretos e dos gestos humildes (DAMATTA
19877)
DA SILVA Marco Antonio 1unes The issue ofcultural hierarchy in Gilberto
Freire Avesso do Avesso Revista Educaccedilatildeo e Cultura Araccedilatuba v3 n3
p 98 - 111 jun 2005
Abstract This article proposes an analysis ofthe masterwork ofGilberto Freire
Casa-Grande amp Senzala from the cultural view highlighting in a brief way the
main novelties approached in the book such as some critics and stereotypes
110 Anss(l ansstl Araccedilatuha 3 113 p ltIRmiddot I I UII 2005
which still remain - manyofwhich boundingthe frontierofprejudice- even in a
innovative vork like this one
Key words Gilberto Freire cultural hierarchy BraziI ieacuteUl nOlthwest ne christians
patriarchal1~lmily African culture Casa Grande amp Senzala
Referecircncias Bibliograacuteficas
ARAtrlO Ricardo Benzaquen de Guerra e Paz Casa-Grande amp Senzala e a
obra de Gilbel10 Freyre nos anos 30 Rio de Janeiro Editora 34 1994
CHACOI Vamireh Gilberto Freyre lJma biografia intelectual Recife
Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Editora Massangana Satildeo Paulo Companhia Editora
Nacional 1993
DAMATTA Roberto A originalidade de Gilberto Freyremiddotmiddot ln Boletim
Inform~ltiYo e Bibliograacutefico de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro n 242
semestre dt 1987 pp 3-10
FRrYRE Gilberto Casa-Grande amp Senzala ttmnaccedilatildeo da famiacutelia brasileira
sob o regime da economia patriarcal 29 cd Rio de Janeiro Editora Record
1994
NOVINSKY Anita Os judeus na obra de Gilberto Fre)Te ln Conferecircncia
apresentada na semana dedicada aos estudos sobre Gilberto Freyre
Recife 1996
RIBEIRO Darcy Gentidades Gilbel10 Frevre Casa-Grande amp Senzala
ln Ensaios Insoacutelitos Porto Alegre L amp PM Editores 1979 pp 63-107
III
esse setor que a colocircnia brasileira se desenvolveu explica-se melhor por uma
imposiccedilatildeo desta do que por uma escolha dos colonizadores Quanto a esse
ponto Darcy Ribeiro critica a posiccedilatildeo de Gilberto Freyre afirmando que o
judeu assume um retrato caricaturesco e impiedoso na obra gilbertiana()
(RIBEIRO 1979 84 FREYRE 1994 24)
Como muito propriamente pontua Anita Novinsky 0 que surpreende
entre as muitas contradiccedilotildees que encontramos na obra de Gilberto Fre)Te eacute que
tendo escrito numa eacutepoca impregnada de anti-semitismo e racismo acentua a
superioridade cultural dos judeus sobre os portugueses em geraL (NOVINSKY
1996 8) Da mesma forma daacute um passo agrave frente ao perceber os verdadeiros
motivos da perseguiccedilatildeo imposta pela Inquisiccedilatildeo aos judeus A resposta diz-nos
Freyre natildeo dew ser buscada na religiatildeo pois se esconde atraacutes de interesses
eCOnOI11ICOS
Sabemos ainda atraveacutes dessa grande obra que os cristatildeos-noos
chegados em terras americanas traziam consigo grandes capitais os quais
investiram nas induacutestrias de accediluacutecar (NOVINSK Y 1996 2) Com isso Casashy
Cirande amp Senzala nos faz rever a sempre recorrente acusaccedilatildeo que paira sobre
osjudeus de soacute se interessarem pelo comeacutercio o que a princiacutepio pode contradizer
o que dissemos acima mas natildeo se levannos em conta as muitas contradiccedilotildees
- releridas por Anita Novinsky - que vemos ao longo de sua obra I~ petiCitamente
possiacutevel em detenninada pm1e Gilberto FreTe deixar claro a preponderacircncia
do judeu no comeacutercio e em outra nos falar de sua relaccedilatildeo com o accediluacutecar
Mas o avanccedilo de Freyre natildeo se acha apenas em ter ele se ocupado
primeiramente do elemento judaico mas por ter se dedicado a questotildees ateacute
entatildeo desconhecidas dos historiadores Agrave iacuterente de nomes como Robel1 Mandrou
Segundo o proacuteprio Gilberto Freyre para os portugueses o ideal teria sido nagraveo uma colocircnia
de plantaccedilatildeo mas outra iacutendia com que israelitamente comerciassem em especiarias e pedras preciosas
101
--------------------------_ shy
Phil ippe Aries e Georges Duby preocupou-se igualmente com a vida cotidiana
as mulheres a casa a comida a roupa a visatildeo de mundo do homem colonial e
a sua maneira de sentir a vida o amor a morte1 (NOVINSKY 1996 4
CHACON 1983 247)
Os elementos que compotildeem Casa-Grande amp Senzala satildeo o
Iatifuumlndio monocultor da cana-de-accediluacutecar assentado quase que soacute na matildeo-deshy
obra atricana Faz parte igualmente de sua constituiccedilatildeo um cristianismo povoado
por caracteriacutesticas indiacutegenas e africanas tudo accedilambarcado pela figura do
patriarcalismo representado pelo senhor de engenho habitante da casa-grande
marido e pai poliacutegamo em muitos casos que husca em negras e mesticcedilas
satisfaccedilatildeo para suas necessidades de homem nem sempre encontradas nas hem
comportadas esposas (RIBEIRO 1979 82)
Mas essa importacircncia em demasia dada agrave famiacutelia patriarcal eacute alvo
de criacutetica por parte de Dare) Ribeiro Na visagraveo deste autor Gilherto Freyre
esqueceu-se de anal isar a natildeo- tam iacutel ia esta antitam iacutelia matricecircntrica de ontem e
de hoje que eacute a matildee pohre preta ou hranca parideira que gcrou e criou o
Brasil-massa (RIBEIRO 1979 82)
Na anaacutelise de Fre)Te preocupado em fixar e interpretar a tom1accedilatildeo
da famiacutelia hrasileira a casa-grande natildeo foi meacuterito apenas da cultura accedilucareira
mas tamheacutem do sul cafeicultor regiatildeo igualmente monocultora e escravocrata
Ligada agravecasa-grande estaacute o patriarcalismo escravocrata e poliacutegamo juntamente
com a presenccedila marcante do cristianismo mesclado agraves crendices da senzala
Foi Freyre ainda quem primeiro trabalhou com toacutepicos como t~uniacutelia sexualidade infacircncia
e cultura material antecipando a Nova Histoacuteria dos anos 70 e 80 Falando do impacto que (usa-vrandu amp )middotunua causou fora do Brasil Vamireh Chacon coloca bem sua importagravencia para renomados historiadores Um historiador da Escola dos Al11acs Peter Burke mostrou como foi Gi Iberto Freyre quem intluenciou Fernand Braudel naquelas direccedilotildees nagraveo BraudeJ a Gilberto Freyre
102 Awsso asomiddotraccedilawha 3 11 3 r lSmiddot III JUI1 200
o problema aqui eacute que o engenho descrito em Casa-Grande amp
Senzala natildeo existiu pois eacute fantasioso e exagerado E mesmo descontando-se os
excessos o modelo proposto se restringiria mais a Pernambuco natildeo extensivo
portanto ao restante do Brasil Ainda tratando desse universo dominado pelo
engenho fica patente que Gilberto FreTe propotildee um governo ao Brasil tal qual
se governava um engenho Esse aspecto natildeo de todo expliacutecito mostra um
Gilberto do passado homem que se refugia em suas lemhranccedilas para descrever
uma sociedade que natildeo mais existe
Na formaccedilatildeo da sociedade brasileira Gi lberto FreTe nos diz que
a tagravelta de mulheres na colocircnia obrigou o europeu a confraternizar-se com o iacutendio
e com o escravo fator que contribuiu para diminuir a distacircncia entre senhores e
escravos entre a casa-grande e a mata tropicaL E a mulher indiacutegena entatildeo eacute
considerada como a base da formaccedilatildeo da iacuteagravemiacutelia brasileira acolhendo os
portugueses que aqui chegaram ressentidos pela escassez de mulher europeacuteia
Tamheacutem muito dos costumes que ~judaram na constituiccedilatildeo do povo hrasileiro
foi-lhe transmitido pela iacutendia (FREYRE 1994 94)
Mas se a mulher indiacutegena merece destaque o mesmo natildeo ocorre
com o homem indiacutegena que teria contrihuiacutedo mais com seus conhecimentos
guerreiros quer na defesa da colocircnia contra invasotildees estrangeiras quer no
alargamento das fronteiras rumo ao interior Pouca ou quase nenhuma contrihuiccedilatildeo
deu quanto ao trabalho agriacutecola ausecircncia explicada em parte por sua tradiccedilatildeo
de homem da floresta caccedilador portanto Na cultura indiacutegena o cultivo do solo
era tarefa eminentemente destinada agraves mulheres
Nesse mundo de proximidades a liacutengua portuguesa constituiu-se
em mais uma prova da confraternizaccedilatildeo entre partes distintas O uso riacutegido que
o portuguecircs tagravezia dos pronomes foi pelo escravo abrandado apontando e
reforccedilando a confraternizaccedilatildeo Poreacutem FreTe natildeo deixa de ver como o homem
branco crescia aprendendo a usar o poder sobre o negro Criados juntos senhor
Avesso avesso Araccedilalllha 3 n) p 98 _ III JlIn 2005 103
e escravo logo se diferenciavam levando o primeiro a desenvolver muitas vezes
tendecircncias saacutedicas subjugando e humilhando seu companheiro de brincadeiras
(FREYRE 1994 335-337) Nesse sentido o Brasil paiacutes formado por uma
seacuterie de antagonismos pode ser resumido num mais abrangente aquele que
coloca em lados opostoso senhor e o escravo (FREYRE 1994 53)
Essa predisposiccedilatildeo do portuguecircs agrave miscigenaccedilatildeo estaacute ligada ao seu
passado histoacuterico ao seu contato anterior com a Aacutefrica Para Gilberto FreyTe o
portuguecircs eacute um povo indefinido entre a Europa e a Aacutefrica1 (FREYRE 1994
5-6) Nesse sentido a tagravecilidade com que o portuguecircs se adaptou ao clima tropical
o ajudou em sua escalada colonizadora Obra conseguida por poucos brancos
a adaptabilidade lusitana deve-se agrave proacutepria especificidade de seu territoacuterio pois
que nas condiccedilotildees tisicas de solo e de temperatura Portugal eacute antes Aacutefrica do
que Europa (FREYRE 1994 10)
Mas natildeo deixa de ligar o sucesso da colonizaccedilatildeo portuguesa nos
troacutepicos agrave intluecircncia do elemento semita povo que imprimiu aos lusitanos
caracteres adaptativos que os possibilitaram a melhor sobreviver em habitat
tropical (FREYRE 1994 8) A facilidade para mover-se com desenvoltura
herdada em parte dos semitas explicaria entatildeo o sucesso da empresa
colonizadora juntamente com o gosto do portuguecircs pelo intercurso social e
sexual com raccedilas de cor praacutetica trazida do contato com os norte-africanos
(FREYRE 1994 9) Mal alimentado o portuguecircs eacute visto por Freyre como o
menos cruel dos colonizadores e mais afeito agrave miscigenaccedilatildeo caracteriacutestica
resultante de uma maior plasticidade social (FREYRE 1994 189)
A influecircncia moura chegou ao Brasil trazida pelo portuguecircs
colonizador Os seacuteculos que permaneceram na Peniacutensula Ibeacuterica imprimiram na
cultura lusitana caracteriacutesticas mouriscas visiacuteveis ainda hoje abrangendo todos
xComo afirma o autor Portugal era um paiacutes influenciado pela Aacutefrica condicionado pelo
clima africano solapado pela miacutestica sensual do Islamismo
104 Avesso avesso Araccedilatuba v3 n3 p 98middot III illll 2005
os niacuteveis da vida portuguesa Assim amplamente amalgamados com os mouros
os portugueses acabaram por trazer agrave colocircnia americana traccedilos culturais dos
nOIte-africanos
Se por um lado o mouro ajudou a criar o portuguecircs influenciou
igualmente a presenccedila judaica agindo ambos no sentido de deseuropeizar a
cultura portuguesa Mas volta o autor a imprimir ao judeu caracteriacutesticas
estereotipadas afirmando que suas matildeos foram transformadas em garras
incapazes de semear e de criar (FREYRF 1994 226231 )
Mas podemos perceber que a proposiccedilatildeo da obra caminha no
sentido de mostrar que a modernidade do colonizador portuguecircs nagraveo estuacute no
seu burguesismo mas na miscigenaccedilatildeo racial O avanccedilo desloca-se p0l1anto
do econoacutemico para o cultural
A empresa colonizadora proposta por Portugal eacute ainda mais
valorizada quando se consideram as harreiras naturais a serem vencidas A
comeccedilar peIa mudanccedila da base alimentar trocando-se o trigo pela mandioca
Posteriormente o clima tropical tornou mais penoso o trabalho da terra
problemas nagraveo enfrentados por exemplo pelos povoadores da Ameacuterica do
0I1e l (FRERF 1994 15)
A colonizaccedilatildeo pOl1uguesa abriu caminho na histoacuteria para um novo
tipo de exploraccedilatildeo Deixou de lado a tiacutepica exploraccedilatildeo mineral vegetal ou animal
e dedicou-se a criar a riqueza no proacuteprio local patrocinando o povoamento da
tella (FREYRE 1994 17) Dessa tlt)rIna inaugurou o pOl1uguecircs a (o(il1ia
Quanto a essa posiccedilatildeo questionaacutevel em relaccedilatildeo ao judeu eja-se a passagem que se
segue referindo-se agrave formaccedilatildeo agraacuteria portuguesa Fregt re lembra que esse passado fora penertido pela atiidade comercial dos judeus
I Problemas de ordem natural tambeacutem tiveram que ser vencidos como os rios as formigas
as lagartas e inuacutemeras outras pragas II Haacute que se considerar que mesmo essa criaccedilatildeo de riqueza na colocircnia visava primeiramente
a exportaccedilatildeo
105
------------------------___-shy
de planlaccediltio tendo por base a exploraccedilatildeo agriacutecola fixando o colono a terra
Nesse tipo de colocircnia utilizou-se largamente das riquezas naturais exploradas
com o auxiacutelio de uma matildeo-de-obra nativa substituiacuteda posteriormente pelo
escravo africano l (FREYRE 1994 17)
Jaacute a partir da terceira deacutecada da colonizaccedilatildeo a famiacutelia rural se
impotildee promovendo ela o avanccedilo da colocircnia e marcando presenccedila tatildeo
significante que nem mesmo o Estado portuguecircs conseguiu se lhe impor pois
sobre ela o rei de Portugal quase que reina sem governar (FREYRE 1994
19) Entatildeo os louros da vitoacuteria devem ser creditados mais agrave iniciativa privada do
que ao Estado portuguecircs sempre sumiacutetico (FREYRE 1994 18) No
alargamento das tronteiras por exemplo a accedilagraveo de particulares foi bem mais
cxpressiva que a do govemo Assinados contratos estipulando limites acabaram
sendo ignorados pela iniciativa privada
Nessa marcha para a fixaccedilatildeo em novo telTitoacuterio () catolicismo seniu
ao colonizador como Uumltor de uniatildeo Aos que chegavam ao Brasil muitos dos
quais estrangeiros natildeo se olhavam caracteres tlsieos mas a religiatildeo professada
Como lembra Fre)Te o estrangeiro nagraveo representava perigo agrave unidade mas sim
() herege Ao ti)rasteiro bastava saber rezar o padre-nosso e a ave-maria
dizer Creio-em-Deus-Padrc fazer o pelo-sinal-da-Santa-Cruz para ser bcm
recebido L (FREYRE 1994 29-30)
E lemento importante para o portuguecircs eacute a rei igiatildeo que ampara a
colonizaccedilatildeo Nesse sentido a capela do engenho substitui a estrutura eclesiaacutestica
ausente e que age como fator aglutinador Assim eacute no acircmbito da tamiacutelia que a
religiatildeo se desenvolve essa religiosidade domeacutesticn que acaba por dar a tocircnica
da religiosidade brasileira
C Nesse sentido Freyre afirma que o instrumento de trabalho (a matildeo-de-obra escrava) agiu igualmente como elemento formador da famiacutelia brasileira I Nesse sentido o Catolicismo foi realmente o cimento da nossa unidade
106
Assim o problema vivido pelo colonizador em relaccedilatildeo ao outro
ligava-se mais agrave feacute do que ao fato de ser estrangeiro Era contra o herege que
lutavam os lusitanos natildeo simplesmente contra homens pertencentes a outras
naccedilotildees Situaccedilatildeo semelhante veriticou-se quanto ao indiacutegena hereacutetico que
devia ser combatido por sua falta de feacute natildeo por pertencer a uma raccedila diferente
E nesse universo congregante as caracteriacutesticas fiacutesicas do Brasil
como o c lima e o solo que poderiam ter agido como fator desagregador agiu
num sentido inverso A uniatildeo se deu em grande parte no sentido de vencer as
vicissitudes impostas por uma terra inoacutespita A solidariedade nasceu da
necessidade de se middotencerjuntos a natureza
Fator importante da ohra o latituumlndio monocultor eacute apontado por
Gilhlrto Freyre como uma das causas responsaacuteveis pela maacute alimentaccedilatildeo na
colocircnia e a consequumlente maacute fomlaccedilatildeo do brasileiro A ideacuteia que ) Brasil era um
paraiacuteso gastronoacutemico natildeo condiz com a realidade de privaccedilotildees que se veritica
onde a elite em poucas ocasiotildees -como as testas - conseguia tagravertar-se Uacute mesa
(FREYRE 1994 29-30)
essa carencia alimentar eacute ahel1a uma exceccedilatildeo quando se hlla de
Satildeo Paulo Aqui para os lados do Sul os paulistas nutriam-se melhor em irtudc
principalmente da diersifiacutecaccedilatildeo de atividades - a agriacutecola e a pastoril Essa
melhor (m11a de alimentaccedilatildeo acabou por influenciar na sauacutede dos paulistas
menos propensos a uma seacuterie de enfcnniacutedades
Mas um dos prohlemas de Casa-Grande amp Senzala estaacute
relacionado ao encontro de culturas Gilberto Frevre afirma muito
apropriadamente que a chegada do europeu desestruturou a ham10nia existente
entre o indiacutegena c seu meio Poreacutem eacute justamente aqui que a criacutetica se insere
pois Fre) Te utiliza-se de te11110S bastante questionaacuteveis como atrasado-adiantado
j Freyre credita a deticiecircncia de formaccedilatildeo do brasileiro a fatores como o clima a miscigenaccedilatildeo
e a carecircncia alimentar por que passa a populaccedilatildeo
~) lttlgtsn raccedilawha ~ 11 r ()ji - III JUIl 20l 107
e superh)r-inferior Ao se referir ao contato do europeu com o iacutendio afirma
que desse encontro principia a degradaccedilatildeo da raccedila atrasada ao contato da
adiantada (FREYRE 1994 89)
Portanto o encontro dessas duas culturas a europeacuteia e a indiacutegena
produziu para esta um cenaacuterio de destruiccedilatildeo vivido ainda hoje Como bem lembra
Gilberto Fre-Te embora utilize tennos totalmente questionaacuteveis esse encontro
produziu exlerminio ou degradaccedilcio pois o europeu desconsiderou o outro
enquanto produtor de cultura negando a entrar em contato com o universo
cultural indiacutegena (FREYRE 1994 109) E sem duacutevida a contribuiccedilatildeo de Casashy
Grande amp Senzala nesse sentido estaacute em ter apontado um problema tatildeo seacuterio
que f()i o extermiacutenio dos povos indiacutegenas os verdadeiros donos da terra
Nesse processo de degradaccedilatildeo os jesuiacutetas desempenharam um
imp0l1ante papel Suas missotildees agiram no sentido da imobilizaccedilatildeo tirando do
iacutendio uma de suas caracteriacutesticas mais marcantes ou seja a ida dispersa e
J1(jmade A destruiccedilatildeo de um modo de vida todo peculiar se deu por mecanismos
poderosos atraveacutes da catequese ou do sistema moral pedagoacutegico e de
organizaccedilatildeo e divisatildeo sexual do trabalho imposto pelos jesuiacutetas (FREYRE
1994 110)
o trabalho jesuiacutetico atuou em duas frentes que ao final se
complementaram Por um lado tornou o iacutendio daacutecil e meliacutefluo seminarista
llmndo-o aceitar a religiatildeo e a cultura do invasor Essa primeira dominaccedilatildeo
abriu caminho para interesses econoacutemicos transfoacutern1ando a populaccedilatildeo indiacutegena
em serviccedilais obedientes produtores de riquezas que acabaram sendo
apropriadas pelos jesuiacutetas (FREYRE 1994 146-147)
O brasileiro traz consigo a marca do indiacutegena e do africano quer
seja na alma quer seja no corpo E Freyre chega a colocar novamente numa
comparaccedilatildeo perigosa a cultura africana em patamar superior agrave do indiacutegena e a
do proacuteprio colonizador Assim em mateacuteria de contribuiccedilatildeo ao progresso
108 Asso ltlnsso raccedilatuha ~ n ~p 9R - II I JUI1 2005
--~---- ~------------------------
econocircmico da colocircnia o africano teria desempenhado papel mais importante
que o indiacutegena e o proacuteprio portuguecircs principalmente no litoral agraacuterio
(FREYRE 1994 285)
A adaptabilidade do negro ao clima tropical eacute creditada a fatores
psicoloacutegicos e fisioloacutegicos e tambeacutem devido agrave capacidade do negro de transpirar
por todo o corpo e natildeo apenas pelos sovacos (FREYRE 1994 287)AquL
pelo menos Freyre natildeo acredita na medida e peso do ceacuterebro como indicativos
da inteligecircncia humana Baseando-se em pesquisadores reconhecidos afim1a
que jaacute natildeo eacute mais aceita a superioridade mentaL inata e hereditaacuteria dos hrancos
sobre os negros (FREYRE 1994 294)
Ao se referir aos negros vindos para o Brasil o autor alel1a para a
imp0l1acircncia de se fazer ii diferenccedila entre eles haja vista terem saiacutedo de lugares
diferentes p0l1adores de culturas diferentes lf (FREYRE 1994 298-299) Para
caacute teriam vindo o melhor da cultura negra da Aacutefrica contribuiccedilatildeo importante
na formaccedilatildeo brasileira Nesse sentido ainda segundo Freyre o Brasil foi
privilegiado toma-se em comparaccedilatildeo o sul norte-americano que natildeo pocircde
contar com elementos da elite africana (FREYRE 1994 299-300) Citando
outros autores tenta mostrar a superioridade da cultura negra tanto sohre a
indiacutegena quanto sobre a portuguesa o trahalho de metais a criaccedilatildeo de gado e a
cul inaacuteria contribuiccedilotildees aflicanas que enriqueceram a cultura hrasileira (FREYRE
1994 307-308)
Um erro apontado por Fre)Te eacute julgar o negro pelo comportamento
do escravo Toda imoralidade proacutepria do sistema escravocrata eacute impingida ao
negro como se tais caracteriacutesticas fossem suas por natureza (FREYRE 1994
314-317) E aqui mais uma vez vemos a marca do inovador ao nos mostrar o
I Freyre na tentativa de relativizar a superioridade ou inferioridade de culturas nagraveo daacute conta de redimir o erro que eacute considerar uma cultura uperior agrave outra I Assim importa determinarmos a aacuterea de cultura de procedecircncia dos escra os evitandoshyse o erro de eII11OS no africano lima soacute e indistinta figura de pela da guine ou de pref() da
CosIa
Asso ltIS Araccedilatuha 3 11 3 P 91 - III JlIl1 2005 109
erro em se atribuir ao negro defeitos oriundos da condiccedilatildeo proacutepria do escravo
O grande preconceito que perpassa a historiografia brasileira diz
respeito agrave miscigenaccedilatildeo Gilberto FreyTe rompe com essa tendecircncia ao ver esse
fator atraveacutes de uma oacutetica positiva principalmente ao colocar o negro enquanto
elemento superior
Chegado ao Brasil o negro passou por um processo de
desafricanizaccedilatildeo levado a cabo pela catequese auxi liada nessa cruzada de
conversatildeo pela caIm-grande e principalmente pela senzala ao misturar esta uacuteltima
os receacutem-chegados com os veteranos jaacute abrasileirados Outros fatores
responsaacuteveis por esse abrasileiramento do negro apontados na obra satildeo o
meio fiacutesico a alimentaccedilatildeo e o sistema de trabalho (FREYRE 1994 357-358)
Para techar essa modesta anaacutelise de uma obra tatildeo importante e
marcante da historiografia brasileira c na tentativa de melhor entender autor
muitas vezes mal compreendido dou a palavra a Roberto DaMatta que vecirc a
obra de Gilberto Fre)Te de forma original e misturada como seu autor de um
lado perdida numa vaidade doentia e quase perversamente atraiacuteda pelo elogio e
pelo poder e de outro eternamente fascinada e atraiacuteda pelo pequeno mundo
dos homens comuns dos desejos secretos e dos gestos humildes (DAMATTA
19877)
DA SILVA Marco Antonio 1unes The issue ofcultural hierarchy in Gilberto
Freire Avesso do Avesso Revista Educaccedilatildeo e Cultura Araccedilatuba v3 n3
p 98 - 111 jun 2005
Abstract This article proposes an analysis ofthe masterwork ofGilberto Freire
Casa-Grande amp Senzala from the cultural view highlighting in a brief way the
main novelties approached in the book such as some critics and stereotypes
110 Anss(l ansstl Araccedilatuha 3 113 p ltIRmiddot I I UII 2005
which still remain - manyofwhich boundingthe frontierofprejudice- even in a
innovative vork like this one
Key words Gilberto Freire cultural hierarchy BraziI ieacuteUl nOlthwest ne christians
patriarchal1~lmily African culture Casa Grande amp Senzala
Referecircncias Bibliograacuteficas
ARAtrlO Ricardo Benzaquen de Guerra e Paz Casa-Grande amp Senzala e a
obra de Gilbel10 Freyre nos anos 30 Rio de Janeiro Editora 34 1994
CHACOI Vamireh Gilberto Freyre lJma biografia intelectual Recife
Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Editora Massangana Satildeo Paulo Companhia Editora
Nacional 1993
DAMATTA Roberto A originalidade de Gilberto Freyremiddotmiddot ln Boletim
Inform~ltiYo e Bibliograacutefico de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro n 242
semestre dt 1987 pp 3-10
FRrYRE Gilberto Casa-Grande amp Senzala ttmnaccedilatildeo da famiacutelia brasileira
sob o regime da economia patriarcal 29 cd Rio de Janeiro Editora Record
1994
NOVINSKY Anita Os judeus na obra de Gilberto Fre)Te ln Conferecircncia
apresentada na semana dedicada aos estudos sobre Gilberto Freyre
Recife 1996
RIBEIRO Darcy Gentidades Gilbel10 Frevre Casa-Grande amp Senzala
ln Ensaios Insoacutelitos Porto Alegre L amp PM Editores 1979 pp 63-107
III
Phil ippe Aries e Georges Duby preocupou-se igualmente com a vida cotidiana
as mulheres a casa a comida a roupa a visatildeo de mundo do homem colonial e
a sua maneira de sentir a vida o amor a morte1 (NOVINSKY 1996 4
CHACON 1983 247)
Os elementos que compotildeem Casa-Grande amp Senzala satildeo o
Iatifuumlndio monocultor da cana-de-accediluacutecar assentado quase que soacute na matildeo-deshy
obra atricana Faz parte igualmente de sua constituiccedilatildeo um cristianismo povoado
por caracteriacutesticas indiacutegenas e africanas tudo accedilambarcado pela figura do
patriarcalismo representado pelo senhor de engenho habitante da casa-grande
marido e pai poliacutegamo em muitos casos que husca em negras e mesticcedilas
satisfaccedilatildeo para suas necessidades de homem nem sempre encontradas nas hem
comportadas esposas (RIBEIRO 1979 82)
Mas essa importacircncia em demasia dada agrave famiacutelia patriarcal eacute alvo
de criacutetica por parte de Dare) Ribeiro Na visagraveo deste autor Gilherto Freyre
esqueceu-se de anal isar a natildeo- tam iacutel ia esta antitam iacutelia matricecircntrica de ontem e
de hoje que eacute a matildee pohre preta ou hranca parideira que gcrou e criou o
Brasil-massa (RIBEIRO 1979 82)
Na anaacutelise de Fre)Te preocupado em fixar e interpretar a tom1accedilatildeo
da famiacutelia hrasileira a casa-grande natildeo foi meacuterito apenas da cultura accedilucareira
mas tamheacutem do sul cafeicultor regiatildeo igualmente monocultora e escravocrata
Ligada agravecasa-grande estaacute o patriarcalismo escravocrata e poliacutegamo juntamente
com a presenccedila marcante do cristianismo mesclado agraves crendices da senzala
Foi Freyre ainda quem primeiro trabalhou com toacutepicos como t~uniacutelia sexualidade infacircncia
e cultura material antecipando a Nova Histoacuteria dos anos 70 e 80 Falando do impacto que (usa-vrandu amp )middotunua causou fora do Brasil Vamireh Chacon coloca bem sua importagravencia para renomados historiadores Um historiador da Escola dos Al11acs Peter Burke mostrou como foi Gi Iberto Freyre quem intluenciou Fernand Braudel naquelas direccedilotildees nagraveo BraudeJ a Gilberto Freyre
102 Awsso asomiddotraccedilawha 3 11 3 r lSmiddot III JUI1 200
o problema aqui eacute que o engenho descrito em Casa-Grande amp
Senzala natildeo existiu pois eacute fantasioso e exagerado E mesmo descontando-se os
excessos o modelo proposto se restringiria mais a Pernambuco natildeo extensivo
portanto ao restante do Brasil Ainda tratando desse universo dominado pelo
engenho fica patente que Gilberto FreTe propotildee um governo ao Brasil tal qual
se governava um engenho Esse aspecto natildeo de todo expliacutecito mostra um
Gilberto do passado homem que se refugia em suas lemhranccedilas para descrever
uma sociedade que natildeo mais existe
Na formaccedilatildeo da sociedade brasileira Gi lberto FreTe nos diz que
a tagravelta de mulheres na colocircnia obrigou o europeu a confraternizar-se com o iacutendio
e com o escravo fator que contribuiu para diminuir a distacircncia entre senhores e
escravos entre a casa-grande e a mata tropicaL E a mulher indiacutegena entatildeo eacute
considerada como a base da formaccedilatildeo da iacuteagravemiacutelia brasileira acolhendo os
portugueses que aqui chegaram ressentidos pela escassez de mulher europeacuteia
Tamheacutem muito dos costumes que ~judaram na constituiccedilatildeo do povo hrasileiro
foi-lhe transmitido pela iacutendia (FREYRE 1994 94)
Mas se a mulher indiacutegena merece destaque o mesmo natildeo ocorre
com o homem indiacutegena que teria contrihuiacutedo mais com seus conhecimentos
guerreiros quer na defesa da colocircnia contra invasotildees estrangeiras quer no
alargamento das fronteiras rumo ao interior Pouca ou quase nenhuma contrihuiccedilatildeo
deu quanto ao trabalho agriacutecola ausecircncia explicada em parte por sua tradiccedilatildeo
de homem da floresta caccedilador portanto Na cultura indiacutegena o cultivo do solo
era tarefa eminentemente destinada agraves mulheres
Nesse mundo de proximidades a liacutengua portuguesa constituiu-se
em mais uma prova da confraternizaccedilatildeo entre partes distintas O uso riacutegido que
o portuguecircs tagravezia dos pronomes foi pelo escravo abrandado apontando e
reforccedilando a confraternizaccedilatildeo Poreacutem FreTe natildeo deixa de ver como o homem
branco crescia aprendendo a usar o poder sobre o negro Criados juntos senhor
Avesso avesso Araccedilalllha 3 n) p 98 _ III JlIn 2005 103
e escravo logo se diferenciavam levando o primeiro a desenvolver muitas vezes
tendecircncias saacutedicas subjugando e humilhando seu companheiro de brincadeiras
(FREYRE 1994 335-337) Nesse sentido o Brasil paiacutes formado por uma
seacuterie de antagonismos pode ser resumido num mais abrangente aquele que
coloca em lados opostoso senhor e o escravo (FREYRE 1994 53)
Essa predisposiccedilatildeo do portuguecircs agrave miscigenaccedilatildeo estaacute ligada ao seu
passado histoacuterico ao seu contato anterior com a Aacutefrica Para Gilberto FreyTe o
portuguecircs eacute um povo indefinido entre a Europa e a Aacutefrica1 (FREYRE 1994
5-6) Nesse sentido a tagravecilidade com que o portuguecircs se adaptou ao clima tropical
o ajudou em sua escalada colonizadora Obra conseguida por poucos brancos
a adaptabilidade lusitana deve-se agrave proacutepria especificidade de seu territoacuterio pois
que nas condiccedilotildees tisicas de solo e de temperatura Portugal eacute antes Aacutefrica do
que Europa (FREYRE 1994 10)
Mas natildeo deixa de ligar o sucesso da colonizaccedilatildeo portuguesa nos
troacutepicos agrave intluecircncia do elemento semita povo que imprimiu aos lusitanos
caracteres adaptativos que os possibilitaram a melhor sobreviver em habitat
tropical (FREYRE 1994 8) A facilidade para mover-se com desenvoltura
herdada em parte dos semitas explicaria entatildeo o sucesso da empresa
colonizadora juntamente com o gosto do portuguecircs pelo intercurso social e
sexual com raccedilas de cor praacutetica trazida do contato com os norte-africanos
(FREYRE 1994 9) Mal alimentado o portuguecircs eacute visto por Freyre como o
menos cruel dos colonizadores e mais afeito agrave miscigenaccedilatildeo caracteriacutestica
resultante de uma maior plasticidade social (FREYRE 1994 189)
A influecircncia moura chegou ao Brasil trazida pelo portuguecircs
colonizador Os seacuteculos que permaneceram na Peniacutensula Ibeacuterica imprimiram na
cultura lusitana caracteriacutesticas mouriscas visiacuteveis ainda hoje abrangendo todos
xComo afirma o autor Portugal era um paiacutes influenciado pela Aacutefrica condicionado pelo
clima africano solapado pela miacutestica sensual do Islamismo
104 Avesso avesso Araccedilatuba v3 n3 p 98middot III illll 2005
os niacuteveis da vida portuguesa Assim amplamente amalgamados com os mouros
os portugueses acabaram por trazer agrave colocircnia americana traccedilos culturais dos
nOIte-africanos
Se por um lado o mouro ajudou a criar o portuguecircs influenciou
igualmente a presenccedila judaica agindo ambos no sentido de deseuropeizar a
cultura portuguesa Mas volta o autor a imprimir ao judeu caracteriacutesticas
estereotipadas afirmando que suas matildeos foram transformadas em garras
incapazes de semear e de criar (FREYRF 1994 226231 )
Mas podemos perceber que a proposiccedilatildeo da obra caminha no
sentido de mostrar que a modernidade do colonizador portuguecircs nagraveo estuacute no
seu burguesismo mas na miscigenaccedilatildeo racial O avanccedilo desloca-se p0l1anto
do econoacutemico para o cultural
A empresa colonizadora proposta por Portugal eacute ainda mais
valorizada quando se consideram as harreiras naturais a serem vencidas A
comeccedilar peIa mudanccedila da base alimentar trocando-se o trigo pela mandioca
Posteriormente o clima tropical tornou mais penoso o trabalho da terra
problemas nagraveo enfrentados por exemplo pelos povoadores da Ameacuterica do
0I1e l (FRERF 1994 15)
A colonizaccedilatildeo pOl1uguesa abriu caminho na histoacuteria para um novo
tipo de exploraccedilatildeo Deixou de lado a tiacutepica exploraccedilatildeo mineral vegetal ou animal
e dedicou-se a criar a riqueza no proacuteprio local patrocinando o povoamento da
tella (FREYRE 1994 17) Dessa tlt)rIna inaugurou o pOl1uguecircs a (o(il1ia
Quanto a essa posiccedilatildeo questionaacutevel em relaccedilatildeo ao judeu eja-se a passagem que se
segue referindo-se agrave formaccedilatildeo agraacuteria portuguesa Fregt re lembra que esse passado fora penertido pela atiidade comercial dos judeus
I Problemas de ordem natural tambeacutem tiveram que ser vencidos como os rios as formigas
as lagartas e inuacutemeras outras pragas II Haacute que se considerar que mesmo essa criaccedilatildeo de riqueza na colocircnia visava primeiramente
a exportaccedilatildeo
105
------------------------___-shy
de planlaccediltio tendo por base a exploraccedilatildeo agriacutecola fixando o colono a terra
Nesse tipo de colocircnia utilizou-se largamente das riquezas naturais exploradas
com o auxiacutelio de uma matildeo-de-obra nativa substituiacuteda posteriormente pelo
escravo africano l (FREYRE 1994 17)
Jaacute a partir da terceira deacutecada da colonizaccedilatildeo a famiacutelia rural se
impotildee promovendo ela o avanccedilo da colocircnia e marcando presenccedila tatildeo
significante que nem mesmo o Estado portuguecircs conseguiu se lhe impor pois
sobre ela o rei de Portugal quase que reina sem governar (FREYRE 1994
19) Entatildeo os louros da vitoacuteria devem ser creditados mais agrave iniciativa privada do
que ao Estado portuguecircs sempre sumiacutetico (FREYRE 1994 18) No
alargamento das tronteiras por exemplo a accedilagraveo de particulares foi bem mais
cxpressiva que a do govemo Assinados contratos estipulando limites acabaram
sendo ignorados pela iniciativa privada
Nessa marcha para a fixaccedilatildeo em novo telTitoacuterio () catolicismo seniu
ao colonizador como Uumltor de uniatildeo Aos que chegavam ao Brasil muitos dos
quais estrangeiros natildeo se olhavam caracteres tlsieos mas a religiatildeo professada
Como lembra Fre)Te o estrangeiro nagraveo representava perigo agrave unidade mas sim
() herege Ao ti)rasteiro bastava saber rezar o padre-nosso e a ave-maria
dizer Creio-em-Deus-Padrc fazer o pelo-sinal-da-Santa-Cruz para ser bcm
recebido L (FREYRE 1994 29-30)
E lemento importante para o portuguecircs eacute a rei igiatildeo que ampara a
colonizaccedilatildeo Nesse sentido a capela do engenho substitui a estrutura eclesiaacutestica
ausente e que age como fator aglutinador Assim eacute no acircmbito da tamiacutelia que a
religiatildeo se desenvolve essa religiosidade domeacutesticn que acaba por dar a tocircnica
da religiosidade brasileira
C Nesse sentido Freyre afirma que o instrumento de trabalho (a matildeo-de-obra escrava) agiu igualmente como elemento formador da famiacutelia brasileira I Nesse sentido o Catolicismo foi realmente o cimento da nossa unidade
106
Assim o problema vivido pelo colonizador em relaccedilatildeo ao outro
ligava-se mais agrave feacute do que ao fato de ser estrangeiro Era contra o herege que
lutavam os lusitanos natildeo simplesmente contra homens pertencentes a outras
naccedilotildees Situaccedilatildeo semelhante veriticou-se quanto ao indiacutegena hereacutetico que
devia ser combatido por sua falta de feacute natildeo por pertencer a uma raccedila diferente
E nesse universo congregante as caracteriacutesticas fiacutesicas do Brasil
como o c lima e o solo que poderiam ter agido como fator desagregador agiu
num sentido inverso A uniatildeo se deu em grande parte no sentido de vencer as
vicissitudes impostas por uma terra inoacutespita A solidariedade nasceu da
necessidade de se middotencerjuntos a natureza
Fator importante da ohra o latituumlndio monocultor eacute apontado por
Gilhlrto Freyre como uma das causas responsaacuteveis pela maacute alimentaccedilatildeo na
colocircnia e a consequumlente maacute fomlaccedilatildeo do brasileiro A ideacuteia que ) Brasil era um
paraiacuteso gastronoacutemico natildeo condiz com a realidade de privaccedilotildees que se veritica
onde a elite em poucas ocasiotildees -como as testas - conseguia tagravertar-se Uacute mesa
(FREYRE 1994 29-30)
essa carencia alimentar eacute ahel1a uma exceccedilatildeo quando se hlla de
Satildeo Paulo Aqui para os lados do Sul os paulistas nutriam-se melhor em irtudc
principalmente da diersifiacutecaccedilatildeo de atividades - a agriacutecola e a pastoril Essa
melhor (m11a de alimentaccedilatildeo acabou por influenciar na sauacutede dos paulistas
menos propensos a uma seacuterie de enfcnniacutedades
Mas um dos prohlemas de Casa-Grande amp Senzala estaacute
relacionado ao encontro de culturas Gilberto Frevre afirma muito
apropriadamente que a chegada do europeu desestruturou a ham10nia existente
entre o indiacutegena c seu meio Poreacutem eacute justamente aqui que a criacutetica se insere
pois Fre) Te utiliza-se de te11110S bastante questionaacuteveis como atrasado-adiantado
j Freyre credita a deticiecircncia de formaccedilatildeo do brasileiro a fatores como o clima a miscigenaccedilatildeo
e a carecircncia alimentar por que passa a populaccedilatildeo
~) lttlgtsn raccedilawha ~ 11 r ()ji - III JUIl 20l 107
e superh)r-inferior Ao se referir ao contato do europeu com o iacutendio afirma
que desse encontro principia a degradaccedilatildeo da raccedila atrasada ao contato da
adiantada (FREYRE 1994 89)
Portanto o encontro dessas duas culturas a europeacuteia e a indiacutegena
produziu para esta um cenaacuterio de destruiccedilatildeo vivido ainda hoje Como bem lembra
Gilberto Fre-Te embora utilize tennos totalmente questionaacuteveis esse encontro
produziu exlerminio ou degradaccedilcio pois o europeu desconsiderou o outro
enquanto produtor de cultura negando a entrar em contato com o universo
cultural indiacutegena (FREYRE 1994 109) E sem duacutevida a contribuiccedilatildeo de Casashy
Grande amp Senzala nesse sentido estaacute em ter apontado um problema tatildeo seacuterio
que f()i o extermiacutenio dos povos indiacutegenas os verdadeiros donos da terra
Nesse processo de degradaccedilatildeo os jesuiacutetas desempenharam um
imp0l1ante papel Suas missotildees agiram no sentido da imobilizaccedilatildeo tirando do
iacutendio uma de suas caracteriacutesticas mais marcantes ou seja a ida dispersa e
J1(jmade A destruiccedilatildeo de um modo de vida todo peculiar se deu por mecanismos
poderosos atraveacutes da catequese ou do sistema moral pedagoacutegico e de
organizaccedilatildeo e divisatildeo sexual do trabalho imposto pelos jesuiacutetas (FREYRE
1994 110)
o trabalho jesuiacutetico atuou em duas frentes que ao final se
complementaram Por um lado tornou o iacutendio daacutecil e meliacutefluo seminarista
llmndo-o aceitar a religiatildeo e a cultura do invasor Essa primeira dominaccedilatildeo
abriu caminho para interesses econoacutemicos transfoacutern1ando a populaccedilatildeo indiacutegena
em serviccedilais obedientes produtores de riquezas que acabaram sendo
apropriadas pelos jesuiacutetas (FREYRE 1994 146-147)
O brasileiro traz consigo a marca do indiacutegena e do africano quer
seja na alma quer seja no corpo E Freyre chega a colocar novamente numa
comparaccedilatildeo perigosa a cultura africana em patamar superior agrave do indiacutegena e a
do proacuteprio colonizador Assim em mateacuteria de contribuiccedilatildeo ao progresso
108 Asso ltlnsso raccedilatuha ~ n ~p 9R - II I JUI1 2005
--~---- ~------------------------
econocircmico da colocircnia o africano teria desempenhado papel mais importante
que o indiacutegena e o proacuteprio portuguecircs principalmente no litoral agraacuterio
(FREYRE 1994 285)
A adaptabilidade do negro ao clima tropical eacute creditada a fatores
psicoloacutegicos e fisioloacutegicos e tambeacutem devido agrave capacidade do negro de transpirar
por todo o corpo e natildeo apenas pelos sovacos (FREYRE 1994 287)AquL
pelo menos Freyre natildeo acredita na medida e peso do ceacuterebro como indicativos
da inteligecircncia humana Baseando-se em pesquisadores reconhecidos afim1a
que jaacute natildeo eacute mais aceita a superioridade mentaL inata e hereditaacuteria dos hrancos
sobre os negros (FREYRE 1994 294)
Ao se referir aos negros vindos para o Brasil o autor alel1a para a
imp0l1acircncia de se fazer ii diferenccedila entre eles haja vista terem saiacutedo de lugares
diferentes p0l1adores de culturas diferentes lf (FREYRE 1994 298-299) Para
caacute teriam vindo o melhor da cultura negra da Aacutefrica contribuiccedilatildeo importante
na formaccedilatildeo brasileira Nesse sentido ainda segundo Freyre o Brasil foi
privilegiado toma-se em comparaccedilatildeo o sul norte-americano que natildeo pocircde
contar com elementos da elite africana (FREYRE 1994 299-300) Citando
outros autores tenta mostrar a superioridade da cultura negra tanto sohre a
indiacutegena quanto sobre a portuguesa o trahalho de metais a criaccedilatildeo de gado e a
cul inaacuteria contribuiccedilotildees aflicanas que enriqueceram a cultura hrasileira (FREYRE
1994 307-308)
Um erro apontado por Fre)Te eacute julgar o negro pelo comportamento
do escravo Toda imoralidade proacutepria do sistema escravocrata eacute impingida ao
negro como se tais caracteriacutesticas fossem suas por natureza (FREYRE 1994
314-317) E aqui mais uma vez vemos a marca do inovador ao nos mostrar o
I Freyre na tentativa de relativizar a superioridade ou inferioridade de culturas nagraveo daacute conta de redimir o erro que eacute considerar uma cultura uperior agrave outra I Assim importa determinarmos a aacuterea de cultura de procedecircncia dos escra os evitandoshyse o erro de eII11OS no africano lima soacute e indistinta figura de pela da guine ou de pref() da
CosIa
Asso ltIS Araccedilatuha 3 11 3 P 91 - III JlIl1 2005 109
erro em se atribuir ao negro defeitos oriundos da condiccedilatildeo proacutepria do escravo
O grande preconceito que perpassa a historiografia brasileira diz
respeito agrave miscigenaccedilatildeo Gilberto FreyTe rompe com essa tendecircncia ao ver esse
fator atraveacutes de uma oacutetica positiva principalmente ao colocar o negro enquanto
elemento superior
Chegado ao Brasil o negro passou por um processo de
desafricanizaccedilatildeo levado a cabo pela catequese auxi liada nessa cruzada de
conversatildeo pela caIm-grande e principalmente pela senzala ao misturar esta uacuteltima
os receacutem-chegados com os veteranos jaacute abrasileirados Outros fatores
responsaacuteveis por esse abrasileiramento do negro apontados na obra satildeo o
meio fiacutesico a alimentaccedilatildeo e o sistema de trabalho (FREYRE 1994 357-358)
Para techar essa modesta anaacutelise de uma obra tatildeo importante e
marcante da historiografia brasileira c na tentativa de melhor entender autor
muitas vezes mal compreendido dou a palavra a Roberto DaMatta que vecirc a
obra de Gilberto Fre)Te de forma original e misturada como seu autor de um
lado perdida numa vaidade doentia e quase perversamente atraiacuteda pelo elogio e
pelo poder e de outro eternamente fascinada e atraiacuteda pelo pequeno mundo
dos homens comuns dos desejos secretos e dos gestos humildes (DAMATTA
19877)
DA SILVA Marco Antonio 1unes The issue ofcultural hierarchy in Gilberto
Freire Avesso do Avesso Revista Educaccedilatildeo e Cultura Araccedilatuba v3 n3
p 98 - 111 jun 2005
Abstract This article proposes an analysis ofthe masterwork ofGilberto Freire
Casa-Grande amp Senzala from the cultural view highlighting in a brief way the
main novelties approached in the book such as some critics and stereotypes
110 Anss(l ansstl Araccedilatuha 3 113 p ltIRmiddot I I UII 2005
which still remain - manyofwhich boundingthe frontierofprejudice- even in a
innovative vork like this one
Key words Gilberto Freire cultural hierarchy BraziI ieacuteUl nOlthwest ne christians
patriarchal1~lmily African culture Casa Grande amp Senzala
Referecircncias Bibliograacuteficas
ARAtrlO Ricardo Benzaquen de Guerra e Paz Casa-Grande amp Senzala e a
obra de Gilbel10 Freyre nos anos 30 Rio de Janeiro Editora 34 1994
CHACOI Vamireh Gilberto Freyre lJma biografia intelectual Recife
Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Editora Massangana Satildeo Paulo Companhia Editora
Nacional 1993
DAMATTA Roberto A originalidade de Gilberto Freyremiddotmiddot ln Boletim
Inform~ltiYo e Bibliograacutefico de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro n 242
semestre dt 1987 pp 3-10
FRrYRE Gilberto Casa-Grande amp Senzala ttmnaccedilatildeo da famiacutelia brasileira
sob o regime da economia patriarcal 29 cd Rio de Janeiro Editora Record
1994
NOVINSKY Anita Os judeus na obra de Gilberto Fre)Te ln Conferecircncia
apresentada na semana dedicada aos estudos sobre Gilberto Freyre
Recife 1996
RIBEIRO Darcy Gentidades Gilbel10 Frevre Casa-Grande amp Senzala
ln Ensaios Insoacutelitos Porto Alegre L amp PM Editores 1979 pp 63-107
III
o problema aqui eacute que o engenho descrito em Casa-Grande amp
Senzala natildeo existiu pois eacute fantasioso e exagerado E mesmo descontando-se os
excessos o modelo proposto se restringiria mais a Pernambuco natildeo extensivo
portanto ao restante do Brasil Ainda tratando desse universo dominado pelo
engenho fica patente que Gilberto FreTe propotildee um governo ao Brasil tal qual
se governava um engenho Esse aspecto natildeo de todo expliacutecito mostra um
Gilberto do passado homem que se refugia em suas lemhranccedilas para descrever
uma sociedade que natildeo mais existe
Na formaccedilatildeo da sociedade brasileira Gi lberto FreTe nos diz que
a tagravelta de mulheres na colocircnia obrigou o europeu a confraternizar-se com o iacutendio
e com o escravo fator que contribuiu para diminuir a distacircncia entre senhores e
escravos entre a casa-grande e a mata tropicaL E a mulher indiacutegena entatildeo eacute
considerada como a base da formaccedilatildeo da iacuteagravemiacutelia brasileira acolhendo os
portugueses que aqui chegaram ressentidos pela escassez de mulher europeacuteia
Tamheacutem muito dos costumes que ~judaram na constituiccedilatildeo do povo hrasileiro
foi-lhe transmitido pela iacutendia (FREYRE 1994 94)
Mas se a mulher indiacutegena merece destaque o mesmo natildeo ocorre
com o homem indiacutegena que teria contrihuiacutedo mais com seus conhecimentos
guerreiros quer na defesa da colocircnia contra invasotildees estrangeiras quer no
alargamento das fronteiras rumo ao interior Pouca ou quase nenhuma contrihuiccedilatildeo
deu quanto ao trabalho agriacutecola ausecircncia explicada em parte por sua tradiccedilatildeo
de homem da floresta caccedilador portanto Na cultura indiacutegena o cultivo do solo
era tarefa eminentemente destinada agraves mulheres
Nesse mundo de proximidades a liacutengua portuguesa constituiu-se
em mais uma prova da confraternizaccedilatildeo entre partes distintas O uso riacutegido que
o portuguecircs tagravezia dos pronomes foi pelo escravo abrandado apontando e
reforccedilando a confraternizaccedilatildeo Poreacutem FreTe natildeo deixa de ver como o homem
branco crescia aprendendo a usar o poder sobre o negro Criados juntos senhor
Avesso avesso Araccedilalllha 3 n) p 98 _ III JlIn 2005 103
e escravo logo se diferenciavam levando o primeiro a desenvolver muitas vezes
tendecircncias saacutedicas subjugando e humilhando seu companheiro de brincadeiras
(FREYRE 1994 335-337) Nesse sentido o Brasil paiacutes formado por uma
seacuterie de antagonismos pode ser resumido num mais abrangente aquele que
coloca em lados opostoso senhor e o escravo (FREYRE 1994 53)
Essa predisposiccedilatildeo do portuguecircs agrave miscigenaccedilatildeo estaacute ligada ao seu
passado histoacuterico ao seu contato anterior com a Aacutefrica Para Gilberto FreyTe o
portuguecircs eacute um povo indefinido entre a Europa e a Aacutefrica1 (FREYRE 1994
5-6) Nesse sentido a tagravecilidade com que o portuguecircs se adaptou ao clima tropical
o ajudou em sua escalada colonizadora Obra conseguida por poucos brancos
a adaptabilidade lusitana deve-se agrave proacutepria especificidade de seu territoacuterio pois
que nas condiccedilotildees tisicas de solo e de temperatura Portugal eacute antes Aacutefrica do
que Europa (FREYRE 1994 10)
Mas natildeo deixa de ligar o sucesso da colonizaccedilatildeo portuguesa nos
troacutepicos agrave intluecircncia do elemento semita povo que imprimiu aos lusitanos
caracteres adaptativos que os possibilitaram a melhor sobreviver em habitat
tropical (FREYRE 1994 8) A facilidade para mover-se com desenvoltura
herdada em parte dos semitas explicaria entatildeo o sucesso da empresa
colonizadora juntamente com o gosto do portuguecircs pelo intercurso social e
sexual com raccedilas de cor praacutetica trazida do contato com os norte-africanos
(FREYRE 1994 9) Mal alimentado o portuguecircs eacute visto por Freyre como o
menos cruel dos colonizadores e mais afeito agrave miscigenaccedilatildeo caracteriacutestica
resultante de uma maior plasticidade social (FREYRE 1994 189)
A influecircncia moura chegou ao Brasil trazida pelo portuguecircs
colonizador Os seacuteculos que permaneceram na Peniacutensula Ibeacuterica imprimiram na
cultura lusitana caracteriacutesticas mouriscas visiacuteveis ainda hoje abrangendo todos
xComo afirma o autor Portugal era um paiacutes influenciado pela Aacutefrica condicionado pelo
clima africano solapado pela miacutestica sensual do Islamismo
104 Avesso avesso Araccedilatuba v3 n3 p 98middot III illll 2005
os niacuteveis da vida portuguesa Assim amplamente amalgamados com os mouros
os portugueses acabaram por trazer agrave colocircnia americana traccedilos culturais dos
nOIte-africanos
Se por um lado o mouro ajudou a criar o portuguecircs influenciou
igualmente a presenccedila judaica agindo ambos no sentido de deseuropeizar a
cultura portuguesa Mas volta o autor a imprimir ao judeu caracteriacutesticas
estereotipadas afirmando que suas matildeos foram transformadas em garras
incapazes de semear e de criar (FREYRF 1994 226231 )
Mas podemos perceber que a proposiccedilatildeo da obra caminha no
sentido de mostrar que a modernidade do colonizador portuguecircs nagraveo estuacute no
seu burguesismo mas na miscigenaccedilatildeo racial O avanccedilo desloca-se p0l1anto
do econoacutemico para o cultural
A empresa colonizadora proposta por Portugal eacute ainda mais
valorizada quando se consideram as harreiras naturais a serem vencidas A
comeccedilar peIa mudanccedila da base alimentar trocando-se o trigo pela mandioca
Posteriormente o clima tropical tornou mais penoso o trabalho da terra
problemas nagraveo enfrentados por exemplo pelos povoadores da Ameacuterica do
0I1e l (FRERF 1994 15)
A colonizaccedilatildeo pOl1uguesa abriu caminho na histoacuteria para um novo
tipo de exploraccedilatildeo Deixou de lado a tiacutepica exploraccedilatildeo mineral vegetal ou animal
e dedicou-se a criar a riqueza no proacuteprio local patrocinando o povoamento da
tella (FREYRE 1994 17) Dessa tlt)rIna inaugurou o pOl1uguecircs a (o(il1ia
Quanto a essa posiccedilatildeo questionaacutevel em relaccedilatildeo ao judeu eja-se a passagem que se
segue referindo-se agrave formaccedilatildeo agraacuteria portuguesa Fregt re lembra que esse passado fora penertido pela atiidade comercial dos judeus
I Problemas de ordem natural tambeacutem tiveram que ser vencidos como os rios as formigas
as lagartas e inuacutemeras outras pragas II Haacute que se considerar que mesmo essa criaccedilatildeo de riqueza na colocircnia visava primeiramente
a exportaccedilatildeo
105
------------------------___-shy
de planlaccediltio tendo por base a exploraccedilatildeo agriacutecola fixando o colono a terra
Nesse tipo de colocircnia utilizou-se largamente das riquezas naturais exploradas
com o auxiacutelio de uma matildeo-de-obra nativa substituiacuteda posteriormente pelo
escravo africano l (FREYRE 1994 17)
Jaacute a partir da terceira deacutecada da colonizaccedilatildeo a famiacutelia rural se
impotildee promovendo ela o avanccedilo da colocircnia e marcando presenccedila tatildeo
significante que nem mesmo o Estado portuguecircs conseguiu se lhe impor pois
sobre ela o rei de Portugal quase que reina sem governar (FREYRE 1994
19) Entatildeo os louros da vitoacuteria devem ser creditados mais agrave iniciativa privada do
que ao Estado portuguecircs sempre sumiacutetico (FREYRE 1994 18) No
alargamento das tronteiras por exemplo a accedilagraveo de particulares foi bem mais
cxpressiva que a do govemo Assinados contratos estipulando limites acabaram
sendo ignorados pela iniciativa privada
Nessa marcha para a fixaccedilatildeo em novo telTitoacuterio () catolicismo seniu
ao colonizador como Uumltor de uniatildeo Aos que chegavam ao Brasil muitos dos
quais estrangeiros natildeo se olhavam caracteres tlsieos mas a religiatildeo professada
Como lembra Fre)Te o estrangeiro nagraveo representava perigo agrave unidade mas sim
() herege Ao ti)rasteiro bastava saber rezar o padre-nosso e a ave-maria
dizer Creio-em-Deus-Padrc fazer o pelo-sinal-da-Santa-Cruz para ser bcm
recebido L (FREYRE 1994 29-30)
E lemento importante para o portuguecircs eacute a rei igiatildeo que ampara a
colonizaccedilatildeo Nesse sentido a capela do engenho substitui a estrutura eclesiaacutestica
ausente e que age como fator aglutinador Assim eacute no acircmbito da tamiacutelia que a
religiatildeo se desenvolve essa religiosidade domeacutesticn que acaba por dar a tocircnica
da religiosidade brasileira
C Nesse sentido Freyre afirma que o instrumento de trabalho (a matildeo-de-obra escrava) agiu igualmente como elemento formador da famiacutelia brasileira I Nesse sentido o Catolicismo foi realmente o cimento da nossa unidade
106
Assim o problema vivido pelo colonizador em relaccedilatildeo ao outro
ligava-se mais agrave feacute do que ao fato de ser estrangeiro Era contra o herege que
lutavam os lusitanos natildeo simplesmente contra homens pertencentes a outras
naccedilotildees Situaccedilatildeo semelhante veriticou-se quanto ao indiacutegena hereacutetico que
devia ser combatido por sua falta de feacute natildeo por pertencer a uma raccedila diferente
E nesse universo congregante as caracteriacutesticas fiacutesicas do Brasil
como o c lima e o solo que poderiam ter agido como fator desagregador agiu
num sentido inverso A uniatildeo se deu em grande parte no sentido de vencer as
vicissitudes impostas por uma terra inoacutespita A solidariedade nasceu da
necessidade de se middotencerjuntos a natureza
Fator importante da ohra o latituumlndio monocultor eacute apontado por
Gilhlrto Freyre como uma das causas responsaacuteveis pela maacute alimentaccedilatildeo na
colocircnia e a consequumlente maacute fomlaccedilatildeo do brasileiro A ideacuteia que ) Brasil era um
paraiacuteso gastronoacutemico natildeo condiz com a realidade de privaccedilotildees que se veritica
onde a elite em poucas ocasiotildees -como as testas - conseguia tagravertar-se Uacute mesa
(FREYRE 1994 29-30)
essa carencia alimentar eacute ahel1a uma exceccedilatildeo quando se hlla de
Satildeo Paulo Aqui para os lados do Sul os paulistas nutriam-se melhor em irtudc
principalmente da diersifiacutecaccedilatildeo de atividades - a agriacutecola e a pastoril Essa
melhor (m11a de alimentaccedilatildeo acabou por influenciar na sauacutede dos paulistas
menos propensos a uma seacuterie de enfcnniacutedades
Mas um dos prohlemas de Casa-Grande amp Senzala estaacute
relacionado ao encontro de culturas Gilberto Frevre afirma muito
apropriadamente que a chegada do europeu desestruturou a ham10nia existente
entre o indiacutegena c seu meio Poreacutem eacute justamente aqui que a criacutetica se insere
pois Fre) Te utiliza-se de te11110S bastante questionaacuteveis como atrasado-adiantado
j Freyre credita a deticiecircncia de formaccedilatildeo do brasileiro a fatores como o clima a miscigenaccedilatildeo
e a carecircncia alimentar por que passa a populaccedilatildeo
~) lttlgtsn raccedilawha ~ 11 r ()ji - III JUIl 20l 107
e superh)r-inferior Ao se referir ao contato do europeu com o iacutendio afirma
que desse encontro principia a degradaccedilatildeo da raccedila atrasada ao contato da
adiantada (FREYRE 1994 89)
Portanto o encontro dessas duas culturas a europeacuteia e a indiacutegena
produziu para esta um cenaacuterio de destruiccedilatildeo vivido ainda hoje Como bem lembra
Gilberto Fre-Te embora utilize tennos totalmente questionaacuteveis esse encontro
produziu exlerminio ou degradaccedilcio pois o europeu desconsiderou o outro
enquanto produtor de cultura negando a entrar em contato com o universo
cultural indiacutegena (FREYRE 1994 109) E sem duacutevida a contribuiccedilatildeo de Casashy
Grande amp Senzala nesse sentido estaacute em ter apontado um problema tatildeo seacuterio
que f()i o extermiacutenio dos povos indiacutegenas os verdadeiros donos da terra
Nesse processo de degradaccedilatildeo os jesuiacutetas desempenharam um
imp0l1ante papel Suas missotildees agiram no sentido da imobilizaccedilatildeo tirando do
iacutendio uma de suas caracteriacutesticas mais marcantes ou seja a ida dispersa e
J1(jmade A destruiccedilatildeo de um modo de vida todo peculiar se deu por mecanismos
poderosos atraveacutes da catequese ou do sistema moral pedagoacutegico e de
organizaccedilatildeo e divisatildeo sexual do trabalho imposto pelos jesuiacutetas (FREYRE
1994 110)
o trabalho jesuiacutetico atuou em duas frentes que ao final se
complementaram Por um lado tornou o iacutendio daacutecil e meliacutefluo seminarista
llmndo-o aceitar a religiatildeo e a cultura do invasor Essa primeira dominaccedilatildeo
abriu caminho para interesses econoacutemicos transfoacutern1ando a populaccedilatildeo indiacutegena
em serviccedilais obedientes produtores de riquezas que acabaram sendo
apropriadas pelos jesuiacutetas (FREYRE 1994 146-147)
O brasileiro traz consigo a marca do indiacutegena e do africano quer
seja na alma quer seja no corpo E Freyre chega a colocar novamente numa
comparaccedilatildeo perigosa a cultura africana em patamar superior agrave do indiacutegena e a
do proacuteprio colonizador Assim em mateacuteria de contribuiccedilatildeo ao progresso
108 Asso ltlnsso raccedilatuha ~ n ~p 9R - II I JUI1 2005
--~---- ~------------------------
econocircmico da colocircnia o africano teria desempenhado papel mais importante
que o indiacutegena e o proacuteprio portuguecircs principalmente no litoral agraacuterio
(FREYRE 1994 285)
A adaptabilidade do negro ao clima tropical eacute creditada a fatores
psicoloacutegicos e fisioloacutegicos e tambeacutem devido agrave capacidade do negro de transpirar
por todo o corpo e natildeo apenas pelos sovacos (FREYRE 1994 287)AquL
pelo menos Freyre natildeo acredita na medida e peso do ceacuterebro como indicativos
da inteligecircncia humana Baseando-se em pesquisadores reconhecidos afim1a
que jaacute natildeo eacute mais aceita a superioridade mentaL inata e hereditaacuteria dos hrancos
sobre os negros (FREYRE 1994 294)
Ao se referir aos negros vindos para o Brasil o autor alel1a para a
imp0l1acircncia de se fazer ii diferenccedila entre eles haja vista terem saiacutedo de lugares
diferentes p0l1adores de culturas diferentes lf (FREYRE 1994 298-299) Para
caacute teriam vindo o melhor da cultura negra da Aacutefrica contribuiccedilatildeo importante
na formaccedilatildeo brasileira Nesse sentido ainda segundo Freyre o Brasil foi
privilegiado toma-se em comparaccedilatildeo o sul norte-americano que natildeo pocircde
contar com elementos da elite africana (FREYRE 1994 299-300) Citando
outros autores tenta mostrar a superioridade da cultura negra tanto sohre a
indiacutegena quanto sobre a portuguesa o trahalho de metais a criaccedilatildeo de gado e a
cul inaacuteria contribuiccedilotildees aflicanas que enriqueceram a cultura hrasileira (FREYRE
1994 307-308)
Um erro apontado por Fre)Te eacute julgar o negro pelo comportamento
do escravo Toda imoralidade proacutepria do sistema escravocrata eacute impingida ao
negro como se tais caracteriacutesticas fossem suas por natureza (FREYRE 1994
314-317) E aqui mais uma vez vemos a marca do inovador ao nos mostrar o
I Freyre na tentativa de relativizar a superioridade ou inferioridade de culturas nagraveo daacute conta de redimir o erro que eacute considerar uma cultura uperior agrave outra I Assim importa determinarmos a aacuterea de cultura de procedecircncia dos escra os evitandoshyse o erro de eII11OS no africano lima soacute e indistinta figura de pela da guine ou de pref() da
CosIa
Asso ltIS Araccedilatuha 3 11 3 P 91 - III JlIl1 2005 109
erro em se atribuir ao negro defeitos oriundos da condiccedilatildeo proacutepria do escravo
O grande preconceito que perpassa a historiografia brasileira diz
respeito agrave miscigenaccedilatildeo Gilberto FreyTe rompe com essa tendecircncia ao ver esse
fator atraveacutes de uma oacutetica positiva principalmente ao colocar o negro enquanto
elemento superior
Chegado ao Brasil o negro passou por um processo de
desafricanizaccedilatildeo levado a cabo pela catequese auxi liada nessa cruzada de
conversatildeo pela caIm-grande e principalmente pela senzala ao misturar esta uacuteltima
os receacutem-chegados com os veteranos jaacute abrasileirados Outros fatores
responsaacuteveis por esse abrasileiramento do negro apontados na obra satildeo o
meio fiacutesico a alimentaccedilatildeo e o sistema de trabalho (FREYRE 1994 357-358)
Para techar essa modesta anaacutelise de uma obra tatildeo importante e
marcante da historiografia brasileira c na tentativa de melhor entender autor
muitas vezes mal compreendido dou a palavra a Roberto DaMatta que vecirc a
obra de Gilberto Fre)Te de forma original e misturada como seu autor de um
lado perdida numa vaidade doentia e quase perversamente atraiacuteda pelo elogio e
pelo poder e de outro eternamente fascinada e atraiacuteda pelo pequeno mundo
dos homens comuns dos desejos secretos e dos gestos humildes (DAMATTA
19877)
DA SILVA Marco Antonio 1unes The issue ofcultural hierarchy in Gilberto
Freire Avesso do Avesso Revista Educaccedilatildeo e Cultura Araccedilatuba v3 n3
p 98 - 111 jun 2005
Abstract This article proposes an analysis ofthe masterwork ofGilberto Freire
Casa-Grande amp Senzala from the cultural view highlighting in a brief way the
main novelties approached in the book such as some critics and stereotypes
110 Anss(l ansstl Araccedilatuha 3 113 p ltIRmiddot I I UII 2005
which still remain - manyofwhich boundingthe frontierofprejudice- even in a
innovative vork like this one
Key words Gilberto Freire cultural hierarchy BraziI ieacuteUl nOlthwest ne christians
patriarchal1~lmily African culture Casa Grande amp Senzala
Referecircncias Bibliograacuteficas
ARAtrlO Ricardo Benzaquen de Guerra e Paz Casa-Grande amp Senzala e a
obra de Gilbel10 Freyre nos anos 30 Rio de Janeiro Editora 34 1994
CHACOI Vamireh Gilberto Freyre lJma biografia intelectual Recife
Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Editora Massangana Satildeo Paulo Companhia Editora
Nacional 1993
DAMATTA Roberto A originalidade de Gilberto Freyremiddotmiddot ln Boletim
Inform~ltiYo e Bibliograacutefico de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro n 242
semestre dt 1987 pp 3-10
FRrYRE Gilberto Casa-Grande amp Senzala ttmnaccedilatildeo da famiacutelia brasileira
sob o regime da economia patriarcal 29 cd Rio de Janeiro Editora Record
1994
NOVINSKY Anita Os judeus na obra de Gilberto Fre)Te ln Conferecircncia
apresentada na semana dedicada aos estudos sobre Gilberto Freyre
Recife 1996
RIBEIRO Darcy Gentidades Gilbel10 Frevre Casa-Grande amp Senzala
ln Ensaios Insoacutelitos Porto Alegre L amp PM Editores 1979 pp 63-107
III
e escravo logo se diferenciavam levando o primeiro a desenvolver muitas vezes
tendecircncias saacutedicas subjugando e humilhando seu companheiro de brincadeiras
(FREYRE 1994 335-337) Nesse sentido o Brasil paiacutes formado por uma
seacuterie de antagonismos pode ser resumido num mais abrangente aquele que
coloca em lados opostoso senhor e o escravo (FREYRE 1994 53)
Essa predisposiccedilatildeo do portuguecircs agrave miscigenaccedilatildeo estaacute ligada ao seu
passado histoacuterico ao seu contato anterior com a Aacutefrica Para Gilberto FreyTe o
portuguecircs eacute um povo indefinido entre a Europa e a Aacutefrica1 (FREYRE 1994
5-6) Nesse sentido a tagravecilidade com que o portuguecircs se adaptou ao clima tropical
o ajudou em sua escalada colonizadora Obra conseguida por poucos brancos
a adaptabilidade lusitana deve-se agrave proacutepria especificidade de seu territoacuterio pois
que nas condiccedilotildees tisicas de solo e de temperatura Portugal eacute antes Aacutefrica do
que Europa (FREYRE 1994 10)
Mas natildeo deixa de ligar o sucesso da colonizaccedilatildeo portuguesa nos
troacutepicos agrave intluecircncia do elemento semita povo que imprimiu aos lusitanos
caracteres adaptativos que os possibilitaram a melhor sobreviver em habitat
tropical (FREYRE 1994 8) A facilidade para mover-se com desenvoltura
herdada em parte dos semitas explicaria entatildeo o sucesso da empresa
colonizadora juntamente com o gosto do portuguecircs pelo intercurso social e
sexual com raccedilas de cor praacutetica trazida do contato com os norte-africanos
(FREYRE 1994 9) Mal alimentado o portuguecircs eacute visto por Freyre como o
menos cruel dos colonizadores e mais afeito agrave miscigenaccedilatildeo caracteriacutestica
resultante de uma maior plasticidade social (FREYRE 1994 189)
A influecircncia moura chegou ao Brasil trazida pelo portuguecircs
colonizador Os seacuteculos que permaneceram na Peniacutensula Ibeacuterica imprimiram na
cultura lusitana caracteriacutesticas mouriscas visiacuteveis ainda hoje abrangendo todos
xComo afirma o autor Portugal era um paiacutes influenciado pela Aacutefrica condicionado pelo
clima africano solapado pela miacutestica sensual do Islamismo
104 Avesso avesso Araccedilatuba v3 n3 p 98middot III illll 2005
os niacuteveis da vida portuguesa Assim amplamente amalgamados com os mouros
os portugueses acabaram por trazer agrave colocircnia americana traccedilos culturais dos
nOIte-africanos
Se por um lado o mouro ajudou a criar o portuguecircs influenciou
igualmente a presenccedila judaica agindo ambos no sentido de deseuropeizar a
cultura portuguesa Mas volta o autor a imprimir ao judeu caracteriacutesticas
estereotipadas afirmando que suas matildeos foram transformadas em garras
incapazes de semear e de criar (FREYRF 1994 226231 )
Mas podemos perceber que a proposiccedilatildeo da obra caminha no
sentido de mostrar que a modernidade do colonizador portuguecircs nagraveo estuacute no
seu burguesismo mas na miscigenaccedilatildeo racial O avanccedilo desloca-se p0l1anto
do econoacutemico para o cultural
A empresa colonizadora proposta por Portugal eacute ainda mais
valorizada quando se consideram as harreiras naturais a serem vencidas A
comeccedilar peIa mudanccedila da base alimentar trocando-se o trigo pela mandioca
Posteriormente o clima tropical tornou mais penoso o trabalho da terra
problemas nagraveo enfrentados por exemplo pelos povoadores da Ameacuterica do
0I1e l (FRERF 1994 15)
A colonizaccedilatildeo pOl1uguesa abriu caminho na histoacuteria para um novo
tipo de exploraccedilatildeo Deixou de lado a tiacutepica exploraccedilatildeo mineral vegetal ou animal
e dedicou-se a criar a riqueza no proacuteprio local patrocinando o povoamento da
tella (FREYRE 1994 17) Dessa tlt)rIna inaugurou o pOl1uguecircs a (o(il1ia
Quanto a essa posiccedilatildeo questionaacutevel em relaccedilatildeo ao judeu eja-se a passagem que se
segue referindo-se agrave formaccedilatildeo agraacuteria portuguesa Fregt re lembra que esse passado fora penertido pela atiidade comercial dos judeus
I Problemas de ordem natural tambeacutem tiveram que ser vencidos como os rios as formigas
as lagartas e inuacutemeras outras pragas II Haacute que se considerar que mesmo essa criaccedilatildeo de riqueza na colocircnia visava primeiramente
a exportaccedilatildeo
105
------------------------___-shy
de planlaccediltio tendo por base a exploraccedilatildeo agriacutecola fixando o colono a terra
Nesse tipo de colocircnia utilizou-se largamente das riquezas naturais exploradas
com o auxiacutelio de uma matildeo-de-obra nativa substituiacuteda posteriormente pelo
escravo africano l (FREYRE 1994 17)
Jaacute a partir da terceira deacutecada da colonizaccedilatildeo a famiacutelia rural se
impotildee promovendo ela o avanccedilo da colocircnia e marcando presenccedila tatildeo
significante que nem mesmo o Estado portuguecircs conseguiu se lhe impor pois
sobre ela o rei de Portugal quase que reina sem governar (FREYRE 1994
19) Entatildeo os louros da vitoacuteria devem ser creditados mais agrave iniciativa privada do
que ao Estado portuguecircs sempre sumiacutetico (FREYRE 1994 18) No
alargamento das tronteiras por exemplo a accedilagraveo de particulares foi bem mais
cxpressiva que a do govemo Assinados contratos estipulando limites acabaram
sendo ignorados pela iniciativa privada
Nessa marcha para a fixaccedilatildeo em novo telTitoacuterio () catolicismo seniu
ao colonizador como Uumltor de uniatildeo Aos que chegavam ao Brasil muitos dos
quais estrangeiros natildeo se olhavam caracteres tlsieos mas a religiatildeo professada
Como lembra Fre)Te o estrangeiro nagraveo representava perigo agrave unidade mas sim
() herege Ao ti)rasteiro bastava saber rezar o padre-nosso e a ave-maria
dizer Creio-em-Deus-Padrc fazer o pelo-sinal-da-Santa-Cruz para ser bcm
recebido L (FREYRE 1994 29-30)
E lemento importante para o portuguecircs eacute a rei igiatildeo que ampara a
colonizaccedilatildeo Nesse sentido a capela do engenho substitui a estrutura eclesiaacutestica
ausente e que age como fator aglutinador Assim eacute no acircmbito da tamiacutelia que a
religiatildeo se desenvolve essa religiosidade domeacutesticn que acaba por dar a tocircnica
da religiosidade brasileira
C Nesse sentido Freyre afirma que o instrumento de trabalho (a matildeo-de-obra escrava) agiu igualmente como elemento formador da famiacutelia brasileira I Nesse sentido o Catolicismo foi realmente o cimento da nossa unidade
106
Assim o problema vivido pelo colonizador em relaccedilatildeo ao outro
ligava-se mais agrave feacute do que ao fato de ser estrangeiro Era contra o herege que
lutavam os lusitanos natildeo simplesmente contra homens pertencentes a outras
naccedilotildees Situaccedilatildeo semelhante veriticou-se quanto ao indiacutegena hereacutetico que
devia ser combatido por sua falta de feacute natildeo por pertencer a uma raccedila diferente
E nesse universo congregante as caracteriacutesticas fiacutesicas do Brasil
como o c lima e o solo que poderiam ter agido como fator desagregador agiu
num sentido inverso A uniatildeo se deu em grande parte no sentido de vencer as
vicissitudes impostas por uma terra inoacutespita A solidariedade nasceu da
necessidade de se middotencerjuntos a natureza
Fator importante da ohra o latituumlndio monocultor eacute apontado por
Gilhlrto Freyre como uma das causas responsaacuteveis pela maacute alimentaccedilatildeo na
colocircnia e a consequumlente maacute fomlaccedilatildeo do brasileiro A ideacuteia que ) Brasil era um
paraiacuteso gastronoacutemico natildeo condiz com a realidade de privaccedilotildees que se veritica
onde a elite em poucas ocasiotildees -como as testas - conseguia tagravertar-se Uacute mesa
(FREYRE 1994 29-30)
essa carencia alimentar eacute ahel1a uma exceccedilatildeo quando se hlla de
Satildeo Paulo Aqui para os lados do Sul os paulistas nutriam-se melhor em irtudc
principalmente da diersifiacutecaccedilatildeo de atividades - a agriacutecola e a pastoril Essa
melhor (m11a de alimentaccedilatildeo acabou por influenciar na sauacutede dos paulistas
menos propensos a uma seacuterie de enfcnniacutedades
Mas um dos prohlemas de Casa-Grande amp Senzala estaacute
relacionado ao encontro de culturas Gilberto Frevre afirma muito
apropriadamente que a chegada do europeu desestruturou a ham10nia existente
entre o indiacutegena c seu meio Poreacutem eacute justamente aqui que a criacutetica se insere
pois Fre) Te utiliza-se de te11110S bastante questionaacuteveis como atrasado-adiantado
j Freyre credita a deticiecircncia de formaccedilatildeo do brasileiro a fatores como o clima a miscigenaccedilatildeo
e a carecircncia alimentar por que passa a populaccedilatildeo
~) lttlgtsn raccedilawha ~ 11 r ()ji - III JUIl 20l 107
e superh)r-inferior Ao se referir ao contato do europeu com o iacutendio afirma
que desse encontro principia a degradaccedilatildeo da raccedila atrasada ao contato da
adiantada (FREYRE 1994 89)
Portanto o encontro dessas duas culturas a europeacuteia e a indiacutegena
produziu para esta um cenaacuterio de destruiccedilatildeo vivido ainda hoje Como bem lembra
Gilberto Fre-Te embora utilize tennos totalmente questionaacuteveis esse encontro
produziu exlerminio ou degradaccedilcio pois o europeu desconsiderou o outro
enquanto produtor de cultura negando a entrar em contato com o universo
cultural indiacutegena (FREYRE 1994 109) E sem duacutevida a contribuiccedilatildeo de Casashy
Grande amp Senzala nesse sentido estaacute em ter apontado um problema tatildeo seacuterio
que f()i o extermiacutenio dos povos indiacutegenas os verdadeiros donos da terra
Nesse processo de degradaccedilatildeo os jesuiacutetas desempenharam um
imp0l1ante papel Suas missotildees agiram no sentido da imobilizaccedilatildeo tirando do
iacutendio uma de suas caracteriacutesticas mais marcantes ou seja a ida dispersa e
J1(jmade A destruiccedilatildeo de um modo de vida todo peculiar se deu por mecanismos
poderosos atraveacutes da catequese ou do sistema moral pedagoacutegico e de
organizaccedilatildeo e divisatildeo sexual do trabalho imposto pelos jesuiacutetas (FREYRE
1994 110)
o trabalho jesuiacutetico atuou em duas frentes que ao final se
complementaram Por um lado tornou o iacutendio daacutecil e meliacutefluo seminarista
llmndo-o aceitar a religiatildeo e a cultura do invasor Essa primeira dominaccedilatildeo
abriu caminho para interesses econoacutemicos transfoacutern1ando a populaccedilatildeo indiacutegena
em serviccedilais obedientes produtores de riquezas que acabaram sendo
apropriadas pelos jesuiacutetas (FREYRE 1994 146-147)
O brasileiro traz consigo a marca do indiacutegena e do africano quer
seja na alma quer seja no corpo E Freyre chega a colocar novamente numa
comparaccedilatildeo perigosa a cultura africana em patamar superior agrave do indiacutegena e a
do proacuteprio colonizador Assim em mateacuteria de contribuiccedilatildeo ao progresso
108 Asso ltlnsso raccedilatuha ~ n ~p 9R - II I JUI1 2005
--~---- ~------------------------
econocircmico da colocircnia o africano teria desempenhado papel mais importante
que o indiacutegena e o proacuteprio portuguecircs principalmente no litoral agraacuterio
(FREYRE 1994 285)
A adaptabilidade do negro ao clima tropical eacute creditada a fatores
psicoloacutegicos e fisioloacutegicos e tambeacutem devido agrave capacidade do negro de transpirar
por todo o corpo e natildeo apenas pelos sovacos (FREYRE 1994 287)AquL
pelo menos Freyre natildeo acredita na medida e peso do ceacuterebro como indicativos
da inteligecircncia humana Baseando-se em pesquisadores reconhecidos afim1a
que jaacute natildeo eacute mais aceita a superioridade mentaL inata e hereditaacuteria dos hrancos
sobre os negros (FREYRE 1994 294)
Ao se referir aos negros vindos para o Brasil o autor alel1a para a
imp0l1acircncia de se fazer ii diferenccedila entre eles haja vista terem saiacutedo de lugares
diferentes p0l1adores de culturas diferentes lf (FREYRE 1994 298-299) Para
caacute teriam vindo o melhor da cultura negra da Aacutefrica contribuiccedilatildeo importante
na formaccedilatildeo brasileira Nesse sentido ainda segundo Freyre o Brasil foi
privilegiado toma-se em comparaccedilatildeo o sul norte-americano que natildeo pocircde
contar com elementos da elite africana (FREYRE 1994 299-300) Citando
outros autores tenta mostrar a superioridade da cultura negra tanto sohre a
indiacutegena quanto sobre a portuguesa o trahalho de metais a criaccedilatildeo de gado e a
cul inaacuteria contribuiccedilotildees aflicanas que enriqueceram a cultura hrasileira (FREYRE
1994 307-308)
Um erro apontado por Fre)Te eacute julgar o negro pelo comportamento
do escravo Toda imoralidade proacutepria do sistema escravocrata eacute impingida ao
negro como se tais caracteriacutesticas fossem suas por natureza (FREYRE 1994
314-317) E aqui mais uma vez vemos a marca do inovador ao nos mostrar o
I Freyre na tentativa de relativizar a superioridade ou inferioridade de culturas nagraveo daacute conta de redimir o erro que eacute considerar uma cultura uperior agrave outra I Assim importa determinarmos a aacuterea de cultura de procedecircncia dos escra os evitandoshyse o erro de eII11OS no africano lima soacute e indistinta figura de pela da guine ou de pref() da
CosIa
Asso ltIS Araccedilatuha 3 11 3 P 91 - III JlIl1 2005 109
erro em se atribuir ao negro defeitos oriundos da condiccedilatildeo proacutepria do escravo
O grande preconceito que perpassa a historiografia brasileira diz
respeito agrave miscigenaccedilatildeo Gilberto FreyTe rompe com essa tendecircncia ao ver esse
fator atraveacutes de uma oacutetica positiva principalmente ao colocar o negro enquanto
elemento superior
Chegado ao Brasil o negro passou por um processo de
desafricanizaccedilatildeo levado a cabo pela catequese auxi liada nessa cruzada de
conversatildeo pela caIm-grande e principalmente pela senzala ao misturar esta uacuteltima
os receacutem-chegados com os veteranos jaacute abrasileirados Outros fatores
responsaacuteveis por esse abrasileiramento do negro apontados na obra satildeo o
meio fiacutesico a alimentaccedilatildeo e o sistema de trabalho (FREYRE 1994 357-358)
Para techar essa modesta anaacutelise de uma obra tatildeo importante e
marcante da historiografia brasileira c na tentativa de melhor entender autor
muitas vezes mal compreendido dou a palavra a Roberto DaMatta que vecirc a
obra de Gilberto Fre)Te de forma original e misturada como seu autor de um
lado perdida numa vaidade doentia e quase perversamente atraiacuteda pelo elogio e
pelo poder e de outro eternamente fascinada e atraiacuteda pelo pequeno mundo
dos homens comuns dos desejos secretos e dos gestos humildes (DAMATTA
19877)
DA SILVA Marco Antonio 1unes The issue ofcultural hierarchy in Gilberto
Freire Avesso do Avesso Revista Educaccedilatildeo e Cultura Araccedilatuba v3 n3
p 98 - 111 jun 2005
Abstract This article proposes an analysis ofthe masterwork ofGilberto Freire
Casa-Grande amp Senzala from the cultural view highlighting in a brief way the
main novelties approached in the book such as some critics and stereotypes
110 Anss(l ansstl Araccedilatuha 3 113 p ltIRmiddot I I UII 2005
which still remain - manyofwhich boundingthe frontierofprejudice- even in a
innovative vork like this one
Key words Gilberto Freire cultural hierarchy BraziI ieacuteUl nOlthwest ne christians
patriarchal1~lmily African culture Casa Grande amp Senzala
Referecircncias Bibliograacuteficas
ARAtrlO Ricardo Benzaquen de Guerra e Paz Casa-Grande amp Senzala e a
obra de Gilbel10 Freyre nos anos 30 Rio de Janeiro Editora 34 1994
CHACOI Vamireh Gilberto Freyre lJma biografia intelectual Recife
Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Editora Massangana Satildeo Paulo Companhia Editora
Nacional 1993
DAMATTA Roberto A originalidade de Gilberto Freyremiddotmiddot ln Boletim
Inform~ltiYo e Bibliograacutefico de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro n 242
semestre dt 1987 pp 3-10
FRrYRE Gilberto Casa-Grande amp Senzala ttmnaccedilatildeo da famiacutelia brasileira
sob o regime da economia patriarcal 29 cd Rio de Janeiro Editora Record
1994
NOVINSKY Anita Os judeus na obra de Gilberto Fre)Te ln Conferecircncia
apresentada na semana dedicada aos estudos sobre Gilberto Freyre
Recife 1996
RIBEIRO Darcy Gentidades Gilbel10 Frevre Casa-Grande amp Senzala
ln Ensaios Insoacutelitos Porto Alegre L amp PM Editores 1979 pp 63-107
III
os niacuteveis da vida portuguesa Assim amplamente amalgamados com os mouros
os portugueses acabaram por trazer agrave colocircnia americana traccedilos culturais dos
nOIte-africanos
Se por um lado o mouro ajudou a criar o portuguecircs influenciou
igualmente a presenccedila judaica agindo ambos no sentido de deseuropeizar a
cultura portuguesa Mas volta o autor a imprimir ao judeu caracteriacutesticas
estereotipadas afirmando que suas matildeos foram transformadas em garras
incapazes de semear e de criar (FREYRF 1994 226231 )
Mas podemos perceber que a proposiccedilatildeo da obra caminha no
sentido de mostrar que a modernidade do colonizador portuguecircs nagraveo estuacute no
seu burguesismo mas na miscigenaccedilatildeo racial O avanccedilo desloca-se p0l1anto
do econoacutemico para o cultural
A empresa colonizadora proposta por Portugal eacute ainda mais
valorizada quando se consideram as harreiras naturais a serem vencidas A
comeccedilar peIa mudanccedila da base alimentar trocando-se o trigo pela mandioca
Posteriormente o clima tropical tornou mais penoso o trabalho da terra
problemas nagraveo enfrentados por exemplo pelos povoadores da Ameacuterica do
0I1e l (FRERF 1994 15)
A colonizaccedilatildeo pOl1uguesa abriu caminho na histoacuteria para um novo
tipo de exploraccedilatildeo Deixou de lado a tiacutepica exploraccedilatildeo mineral vegetal ou animal
e dedicou-se a criar a riqueza no proacuteprio local patrocinando o povoamento da
tella (FREYRE 1994 17) Dessa tlt)rIna inaugurou o pOl1uguecircs a (o(il1ia
Quanto a essa posiccedilatildeo questionaacutevel em relaccedilatildeo ao judeu eja-se a passagem que se
segue referindo-se agrave formaccedilatildeo agraacuteria portuguesa Fregt re lembra que esse passado fora penertido pela atiidade comercial dos judeus
I Problemas de ordem natural tambeacutem tiveram que ser vencidos como os rios as formigas
as lagartas e inuacutemeras outras pragas II Haacute que se considerar que mesmo essa criaccedilatildeo de riqueza na colocircnia visava primeiramente
a exportaccedilatildeo
105
------------------------___-shy
de planlaccediltio tendo por base a exploraccedilatildeo agriacutecola fixando o colono a terra
Nesse tipo de colocircnia utilizou-se largamente das riquezas naturais exploradas
com o auxiacutelio de uma matildeo-de-obra nativa substituiacuteda posteriormente pelo
escravo africano l (FREYRE 1994 17)
Jaacute a partir da terceira deacutecada da colonizaccedilatildeo a famiacutelia rural se
impotildee promovendo ela o avanccedilo da colocircnia e marcando presenccedila tatildeo
significante que nem mesmo o Estado portuguecircs conseguiu se lhe impor pois
sobre ela o rei de Portugal quase que reina sem governar (FREYRE 1994
19) Entatildeo os louros da vitoacuteria devem ser creditados mais agrave iniciativa privada do
que ao Estado portuguecircs sempre sumiacutetico (FREYRE 1994 18) No
alargamento das tronteiras por exemplo a accedilagraveo de particulares foi bem mais
cxpressiva que a do govemo Assinados contratos estipulando limites acabaram
sendo ignorados pela iniciativa privada
Nessa marcha para a fixaccedilatildeo em novo telTitoacuterio () catolicismo seniu
ao colonizador como Uumltor de uniatildeo Aos que chegavam ao Brasil muitos dos
quais estrangeiros natildeo se olhavam caracteres tlsieos mas a religiatildeo professada
Como lembra Fre)Te o estrangeiro nagraveo representava perigo agrave unidade mas sim
() herege Ao ti)rasteiro bastava saber rezar o padre-nosso e a ave-maria
dizer Creio-em-Deus-Padrc fazer o pelo-sinal-da-Santa-Cruz para ser bcm
recebido L (FREYRE 1994 29-30)
E lemento importante para o portuguecircs eacute a rei igiatildeo que ampara a
colonizaccedilatildeo Nesse sentido a capela do engenho substitui a estrutura eclesiaacutestica
ausente e que age como fator aglutinador Assim eacute no acircmbito da tamiacutelia que a
religiatildeo se desenvolve essa religiosidade domeacutesticn que acaba por dar a tocircnica
da religiosidade brasileira
C Nesse sentido Freyre afirma que o instrumento de trabalho (a matildeo-de-obra escrava) agiu igualmente como elemento formador da famiacutelia brasileira I Nesse sentido o Catolicismo foi realmente o cimento da nossa unidade
106
Assim o problema vivido pelo colonizador em relaccedilatildeo ao outro
ligava-se mais agrave feacute do que ao fato de ser estrangeiro Era contra o herege que
lutavam os lusitanos natildeo simplesmente contra homens pertencentes a outras
naccedilotildees Situaccedilatildeo semelhante veriticou-se quanto ao indiacutegena hereacutetico que
devia ser combatido por sua falta de feacute natildeo por pertencer a uma raccedila diferente
E nesse universo congregante as caracteriacutesticas fiacutesicas do Brasil
como o c lima e o solo que poderiam ter agido como fator desagregador agiu
num sentido inverso A uniatildeo se deu em grande parte no sentido de vencer as
vicissitudes impostas por uma terra inoacutespita A solidariedade nasceu da
necessidade de se middotencerjuntos a natureza
Fator importante da ohra o latituumlndio monocultor eacute apontado por
Gilhlrto Freyre como uma das causas responsaacuteveis pela maacute alimentaccedilatildeo na
colocircnia e a consequumlente maacute fomlaccedilatildeo do brasileiro A ideacuteia que ) Brasil era um
paraiacuteso gastronoacutemico natildeo condiz com a realidade de privaccedilotildees que se veritica
onde a elite em poucas ocasiotildees -como as testas - conseguia tagravertar-se Uacute mesa
(FREYRE 1994 29-30)
essa carencia alimentar eacute ahel1a uma exceccedilatildeo quando se hlla de
Satildeo Paulo Aqui para os lados do Sul os paulistas nutriam-se melhor em irtudc
principalmente da diersifiacutecaccedilatildeo de atividades - a agriacutecola e a pastoril Essa
melhor (m11a de alimentaccedilatildeo acabou por influenciar na sauacutede dos paulistas
menos propensos a uma seacuterie de enfcnniacutedades
Mas um dos prohlemas de Casa-Grande amp Senzala estaacute
relacionado ao encontro de culturas Gilberto Frevre afirma muito
apropriadamente que a chegada do europeu desestruturou a ham10nia existente
entre o indiacutegena c seu meio Poreacutem eacute justamente aqui que a criacutetica se insere
pois Fre) Te utiliza-se de te11110S bastante questionaacuteveis como atrasado-adiantado
j Freyre credita a deticiecircncia de formaccedilatildeo do brasileiro a fatores como o clima a miscigenaccedilatildeo
e a carecircncia alimentar por que passa a populaccedilatildeo
~) lttlgtsn raccedilawha ~ 11 r ()ji - III JUIl 20l 107
e superh)r-inferior Ao se referir ao contato do europeu com o iacutendio afirma
que desse encontro principia a degradaccedilatildeo da raccedila atrasada ao contato da
adiantada (FREYRE 1994 89)
Portanto o encontro dessas duas culturas a europeacuteia e a indiacutegena
produziu para esta um cenaacuterio de destruiccedilatildeo vivido ainda hoje Como bem lembra
Gilberto Fre-Te embora utilize tennos totalmente questionaacuteveis esse encontro
produziu exlerminio ou degradaccedilcio pois o europeu desconsiderou o outro
enquanto produtor de cultura negando a entrar em contato com o universo
cultural indiacutegena (FREYRE 1994 109) E sem duacutevida a contribuiccedilatildeo de Casashy
Grande amp Senzala nesse sentido estaacute em ter apontado um problema tatildeo seacuterio
que f()i o extermiacutenio dos povos indiacutegenas os verdadeiros donos da terra
Nesse processo de degradaccedilatildeo os jesuiacutetas desempenharam um
imp0l1ante papel Suas missotildees agiram no sentido da imobilizaccedilatildeo tirando do
iacutendio uma de suas caracteriacutesticas mais marcantes ou seja a ida dispersa e
J1(jmade A destruiccedilatildeo de um modo de vida todo peculiar se deu por mecanismos
poderosos atraveacutes da catequese ou do sistema moral pedagoacutegico e de
organizaccedilatildeo e divisatildeo sexual do trabalho imposto pelos jesuiacutetas (FREYRE
1994 110)
o trabalho jesuiacutetico atuou em duas frentes que ao final se
complementaram Por um lado tornou o iacutendio daacutecil e meliacutefluo seminarista
llmndo-o aceitar a religiatildeo e a cultura do invasor Essa primeira dominaccedilatildeo
abriu caminho para interesses econoacutemicos transfoacutern1ando a populaccedilatildeo indiacutegena
em serviccedilais obedientes produtores de riquezas que acabaram sendo
apropriadas pelos jesuiacutetas (FREYRE 1994 146-147)
O brasileiro traz consigo a marca do indiacutegena e do africano quer
seja na alma quer seja no corpo E Freyre chega a colocar novamente numa
comparaccedilatildeo perigosa a cultura africana em patamar superior agrave do indiacutegena e a
do proacuteprio colonizador Assim em mateacuteria de contribuiccedilatildeo ao progresso
108 Asso ltlnsso raccedilatuha ~ n ~p 9R - II I JUI1 2005
--~---- ~------------------------
econocircmico da colocircnia o africano teria desempenhado papel mais importante
que o indiacutegena e o proacuteprio portuguecircs principalmente no litoral agraacuterio
(FREYRE 1994 285)
A adaptabilidade do negro ao clima tropical eacute creditada a fatores
psicoloacutegicos e fisioloacutegicos e tambeacutem devido agrave capacidade do negro de transpirar
por todo o corpo e natildeo apenas pelos sovacos (FREYRE 1994 287)AquL
pelo menos Freyre natildeo acredita na medida e peso do ceacuterebro como indicativos
da inteligecircncia humana Baseando-se em pesquisadores reconhecidos afim1a
que jaacute natildeo eacute mais aceita a superioridade mentaL inata e hereditaacuteria dos hrancos
sobre os negros (FREYRE 1994 294)
Ao se referir aos negros vindos para o Brasil o autor alel1a para a
imp0l1acircncia de se fazer ii diferenccedila entre eles haja vista terem saiacutedo de lugares
diferentes p0l1adores de culturas diferentes lf (FREYRE 1994 298-299) Para
caacute teriam vindo o melhor da cultura negra da Aacutefrica contribuiccedilatildeo importante
na formaccedilatildeo brasileira Nesse sentido ainda segundo Freyre o Brasil foi
privilegiado toma-se em comparaccedilatildeo o sul norte-americano que natildeo pocircde
contar com elementos da elite africana (FREYRE 1994 299-300) Citando
outros autores tenta mostrar a superioridade da cultura negra tanto sohre a
indiacutegena quanto sobre a portuguesa o trahalho de metais a criaccedilatildeo de gado e a
cul inaacuteria contribuiccedilotildees aflicanas que enriqueceram a cultura hrasileira (FREYRE
1994 307-308)
Um erro apontado por Fre)Te eacute julgar o negro pelo comportamento
do escravo Toda imoralidade proacutepria do sistema escravocrata eacute impingida ao
negro como se tais caracteriacutesticas fossem suas por natureza (FREYRE 1994
314-317) E aqui mais uma vez vemos a marca do inovador ao nos mostrar o
I Freyre na tentativa de relativizar a superioridade ou inferioridade de culturas nagraveo daacute conta de redimir o erro que eacute considerar uma cultura uperior agrave outra I Assim importa determinarmos a aacuterea de cultura de procedecircncia dos escra os evitandoshyse o erro de eII11OS no africano lima soacute e indistinta figura de pela da guine ou de pref() da
CosIa
Asso ltIS Araccedilatuha 3 11 3 P 91 - III JlIl1 2005 109
erro em se atribuir ao negro defeitos oriundos da condiccedilatildeo proacutepria do escravo
O grande preconceito que perpassa a historiografia brasileira diz
respeito agrave miscigenaccedilatildeo Gilberto FreyTe rompe com essa tendecircncia ao ver esse
fator atraveacutes de uma oacutetica positiva principalmente ao colocar o negro enquanto
elemento superior
Chegado ao Brasil o negro passou por um processo de
desafricanizaccedilatildeo levado a cabo pela catequese auxi liada nessa cruzada de
conversatildeo pela caIm-grande e principalmente pela senzala ao misturar esta uacuteltima
os receacutem-chegados com os veteranos jaacute abrasileirados Outros fatores
responsaacuteveis por esse abrasileiramento do negro apontados na obra satildeo o
meio fiacutesico a alimentaccedilatildeo e o sistema de trabalho (FREYRE 1994 357-358)
Para techar essa modesta anaacutelise de uma obra tatildeo importante e
marcante da historiografia brasileira c na tentativa de melhor entender autor
muitas vezes mal compreendido dou a palavra a Roberto DaMatta que vecirc a
obra de Gilberto Fre)Te de forma original e misturada como seu autor de um
lado perdida numa vaidade doentia e quase perversamente atraiacuteda pelo elogio e
pelo poder e de outro eternamente fascinada e atraiacuteda pelo pequeno mundo
dos homens comuns dos desejos secretos e dos gestos humildes (DAMATTA
19877)
DA SILVA Marco Antonio 1unes The issue ofcultural hierarchy in Gilberto
Freire Avesso do Avesso Revista Educaccedilatildeo e Cultura Araccedilatuba v3 n3
p 98 - 111 jun 2005
Abstract This article proposes an analysis ofthe masterwork ofGilberto Freire
Casa-Grande amp Senzala from the cultural view highlighting in a brief way the
main novelties approached in the book such as some critics and stereotypes
110 Anss(l ansstl Araccedilatuha 3 113 p ltIRmiddot I I UII 2005
which still remain - manyofwhich boundingthe frontierofprejudice- even in a
innovative vork like this one
Key words Gilberto Freire cultural hierarchy BraziI ieacuteUl nOlthwest ne christians
patriarchal1~lmily African culture Casa Grande amp Senzala
Referecircncias Bibliograacuteficas
ARAtrlO Ricardo Benzaquen de Guerra e Paz Casa-Grande amp Senzala e a
obra de Gilbel10 Freyre nos anos 30 Rio de Janeiro Editora 34 1994
CHACOI Vamireh Gilberto Freyre lJma biografia intelectual Recife
Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Editora Massangana Satildeo Paulo Companhia Editora
Nacional 1993
DAMATTA Roberto A originalidade de Gilberto Freyremiddotmiddot ln Boletim
Inform~ltiYo e Bibliograacutefico de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro n 242
semestre dt 1987 pp 3-10
FRrYRE Gilberto Casa-Grande amp Senzala ttmnaccedilatildeo da famiacutelia brasileira
sob o regime da economia patriarcal 29 cd Rio de Janeiro Editora Record
1994
NOVINSKY Anita Os judeus na obra de Gilberto Fre)Te ln Conferecircncia
apresentada na semana dedicada aos estudos sobre Gilberto Freyre
Recife 1996
RIBEIRO Darcy Gentidades Gilbel10 Frevre Casa-Grande amp Senzala
ln Ensaios Insoacutelitos Porto Alegre L amp PM Editores 1979 pp 63-107
III
de planlaccediltio tendo por base a exploraccedilatildeo agriacutecola fixando o colono a terra
Nesse tipo de colocircnia utilizou-se largamente das riquezas naturais exploradas
com o auxiacutelio de uma matildeo-de-obra nativa substituiacuteda posteriormente pelo
escravo africano l (FREYRE 1994 17)
Jaacute a partir da terceira deacutecada da colonizaccedilatildeo a famiacutelia rural se
impotildee promovendo ela o avanccedilo da colocircnia e marcando presenccedila tatildeo
significante que nem mesmo o Estado portuguecircs conseguiu se lhe impor pois
sobre ela o rei de Portugal quase que reina sem governar (FREYRE 1994
19) Entatildeo os louros da vitoacuteria devem ser creditados mais agrave iniciativa privada do
que ao Estado portuguecircs sempre sumiacutetico (FREYRE 1994 18) No
alargamento das tronteiras por exemplo a accedilagraveo de particulares foi bem mais
cxpressiva que a do govemo Assinados contratos estipulando limites acabaram
sendo ignorados pela iniciativa privada
Nessa marcha para a fixaccedilatildeo em novo telTitoacuterio () catolicismo seniu
ao colonizador como Uumltor de uniatildeo Aos que chegavam ao Brasil muitos dos
quais estrangeiros natildeo se olhavam caracteres tlsieos mas a religiatildeo professada
Como lembra Fre)Te o estrangeiro nagraveo representava perigo agrave unidade mas sim
() herege Ao ti)rasteiro bastava saber rezar o padre-nosso e a ave-maria
dizer Creio-em-Deus-Padrc fazer o pelo-sinal-da-Santa-Cruz para ser bcm
recebido L (FREYRE 1994 29-30)
E lemento importante para o portuguecircs eacute a rei igiatildeo que ampara a
colonizaccedilatildeo Nesse sentido a capela do engenho substitui a estrutura eclesiaacutestica
ausente e que age como fator aglutinador Assim eacute no acircmbito da tamiacutelia que a
religiatildeo se desenvolve essa religiosidade domeacutesticn que acaba por dar a tocircnica
da religiosidade brasileira
C Nesse sentido Freyre afirma que o instrumento de trabalho (a matildeo-de-obra escrava) agiu igualmente como elemento formador da famiacutelia brasileira I Nesse sentido o Catolicismo foi realmente o cimento da nossa unidade
106
Assim o problema vivido pelo colonizador em relaccedilatildeo ao outro
ligava-se mais agrave feacute do que ao fato de ser estrangeiro Era contra o herege que
lutavam os lusitanos natildeo simplesmente contra homens pertencentes a outras
naccedilotildees Situaccedilatildeo semelhante veriticou-se quanto ao indiacutegena hereacutetico que
devia ser combatido por sua falta de feacute natildeo por pertencer a uma raccedila diferente
E nesse universo congregante as caracteriacutesticas fiacutesicas do Brasil
como o c lima e o solo que poderiam ter agido como fator desagregador agiu
num sentido inverso A uniatildeo se deu em grande parte no sentido de vencer as
vicissitudes impostas por uma terra inoacutespita A solidariedade nasceu da
necessidade de se middotencerjuntos a natureza
Fator importante da ohra o latituumlndio monocultor eacute apontado por
Gilhlrto Freyre como uma das causas responsaacuteveis pela maacute alimentaccedilatildeo na
colocircnia e a consequumlente maacute fomlaccedilatildeo do brasileiro A ideacuteia que ) Brasil era um
paraiacuteso gastronoacutemico natildeo condiz com a realidade de privaccedilotildees que se veritica
onde a elite em poucas ocasiotildees -como as testas - conseguia tagravertar-se Uacute mesa
(FREYRE 1994 29-30)
essa carencia alimentar eacute ahel1a uma exceccedilatildeo quando se hlla de
Satildeo Paulo Aqui para os lados do Sul os paulistas nutriam-se melhor em irtudc
principalmente da diersifiacutecaccedilatildeo de atividades - a agriacutecola e a pastoril Essa
melhor (m11a de alimentaccedilatildeo acabou por influenciar na sauacutede dos paulistas
menos propensos a uma seacuterie de enfcnniacutedades
Mas um dos prohlemas de Casa-Grande amp Senzala estaacute
relacionado ao encontro de culturas Gilberto Frevre afirma muito
apropriadamente que a chegada do europeu desestruturou a ham10nia existente
entre o indiacutegena c seu meio Poreacutem eacute justamente aqui que a criacutetica se insere
pois Fre) Te utiliza-se de te11110S bastante questionaacuteveis como atrasado-adiantado
j Freyre credita a deticiecircncia de formaccedilatildeo do brasileiro a fatores como o clima a miscigenaccedilatildeo
e a carecircncia alimentar por que passa a populaccedilatildeo
~) lttlgtsn raccedilawha ~ 11 r ()ji - III JUIl 20l 107
e superh)r-inferior Ao se referir ao contato do europeu com o iacutendio afirma
que desse encontro principia a degradaccedilatildeo da raccedila atrasada ao contato da
adiantada (FREYRE 1994 89)
Portanto o encontro dessas duas culturas a europeacuteia e a indiacutegena
produziu para esta um cenaacuterio de destruiccedilatildeo vivido ainda hoje Como bem lembra
Gilberto Fre-Te embora utilize tennos totalmente questionaacuteveis esse encontro
produziu exlerminio ou degradaccedilcio pois o europeu desconsiderou o outro
enquanto produtor de cultura negando a entrar em contato com o universo
cultural indiacutegena (FREYRE 1994 109) E sem duacutevida a contribuiccedilatildeo de Casashy
Grande amp Senzala nesse sentido estaacute em ter apontado um problema tatildeo seacuterio
que f()i o extermiacutenio dos povos indiacutegenas os verdadeiros donos da terra
Nesse processo de degradaccedilatildeo os jesuiacutetas desempenharam um
imp0l1ante papel Suas missotildees agiram no sentido da imobilizaccedilatildeo tirando do
iacutendio uma de suas caracteriacutesticas mais marcantes ou seja a ida dispersa e
J1(jmade A destruiccedilatildeo de um modo de vida todo peculiar se deu por mecanismos
poderosos atraveacutes da catequese ou do sistema moral pedagoacutegico e de
organizaccedilatildeo e divisatildeo sexual do trabalho imposto pelos jesuiacutetas (FREYRE
1994 110)
o trabalho jesuiacutetico atuou em duas frentes que ao final se
complementaram Por um lado tornou o iacutendio daacutecil e meliacutefluo seminarista
llmndo-o aceitar a religiatildeo e a cultura do invasor Essa primeira dominaccedilatildeo
abriu caminho para interesses econoacutemicos transfoacutern1ando a populaccedilatildeo indiacutegena
em serviccedilais obedientes produtores de riquezas que acabaram sendo
apropriadas pelos jesuiacutetas (FREYRE 1994 146-147)
O brasileiro traz consigo a marca do indiacutegena e do africano quer
seja na alma quer seja no corpo E Freyre chega a colocar novamente numa
comparaccedilatildeo perigosa a cultura africana em patamar superior agrave do indiacutegena e a
do proacuteprio colonizador Assim em mateacuteria de contribuiccedilatildeo ao progresso
108 Asso ltlnsso raccedilatuha ~ n ~p 9R - II I JUI1 2005
--~---- ~------------------------
econocircmico da colocircnia o africano teria desempenhado papel mais importante
que o indiacutegena e o proacuteprio portuguecircs principalmente no litoral agraacuterio
(FREYRE 1994 285)
A adaptabilidade do negro ao clima tropical eacute creditada a fatores
psicoloacutegicos e fisioloacutegicos e tambeacutem devido agrave capacidade do negro de transpirar
por todo o corpo e natildeo apenas pelos sovacos (FREYRE 1994 287)AquL
pelo menos Freyre natildeo acredita na medida e peso do ceacuterebro como indicativos
da inteligecircncia humana Baseando-se em pesquisadores reconhecidos afim1a
que jaacute natildeo eacute mais aceita a superioridade mentaL inata e hereditaacuteria dos hrancos
sobre os negros (FREYRE 1994 294)
Ao se referir aos negros vindos para o Brasil o autor alel1a para a
imp0l1acircncia de se fazer ii diferenccedila entre eles haja vista terem saiacutedo de lugares
diferentes p0l1adores de culturas diferentes lf (FREYRE 1994 298-299) Para
caacute teriam vindo o melhor da cultura negra da Aacutefrica contribuiccedilatildeo importante
na formaccedilatildeo brasileira Nesse sentido ainda segundo Freyre o Brasil foi
privilegiado toma-se em comparaccedilatildeo o sul norte-americano que natildeo pocircde
contar com elementos da elite africana (FREYRE 1994 299-300) Citando
outros autores tenta mostrar a superioridade da cultura negra tanto sohre a
indiacutegena quanto sobre a portuguesa o trahalho de metais a criaccedilatildeo de gado e a
cul inaacuteria contribuiccedilotildees aflicanas que enriqueceram a cultura hrasileira (FREYRE
1994 307-308)
Um erro apontado por Fre)Te eacute julgar o negro pelo comportamento
do escravo Toda imoralidade proacutepria do sistema escravocrata eacute impingida ao
negro como se tais caracteriacutesticas fossem suas por natureza (FREYRE 1994
314-317) E aqui mais uma vez vemos a marca do inovador ao nos mostrar o
I Freyre na tentativa de relativizar a superioridade ou inferioridade de culturas nagraveo daacute conta de redimir o erro que eacute considerar uma cultura uperior agrave outra I Assim importa determinarmos a aacuterea de cultura de procedecircncia dos escra os evitandoshyse o erro de eII11OS no africano lima soacute e indistinta figura de pela da guine ou de pref() da
CosIa
Asso ltIS Araccedilatuha 3 11 3 P 91 - III JlIl1 2005 109
erro em se atribuir ao negro defeitos oriundos da condiccedilatildeo proacutepria do escravo
O grande preconceito que perpassa a historiografia brasileira diz
respeito agrave miscigenaccedilatildeo Gilberto FreyTe rompe com essa tendecircncia ao ver esse
fator atraveacutes de uma oacutetica positiva principalmente ao colocar o negro enquanto
elemento superior
Chegado ao Brasil o negro passou por um processo de
desafricanizaccedilatildeo levado a cabo pela catequese auxi liada nessa cruzada de
conversatildeo pela caIm-grande e principalmente pela senzala ao misturar esta uacuteltima
os receacutem-chegados com os veteranos jaacute abrasileirados Outros fatores
responsaacuteveis por esse abrasileiramento do negro apontados na obra satildeo o
meio fiacutesico a alimentaccedilatildeo e o sistema de trabalho (FREYRE 1994 357-358)
Para techar essa modesta anaacutelise de uma obra tatildeo importante e
marcante da historiografia brasileira c na tentativa de melhor entender autor
muitas vezes mal compreendido dou a palavra a Roberto DaMatta que vecirc a
obra de Gilberto Fre)Te de forma original e misturada como seu autor de um
lado perdida numa vaidade doentia e quase perversamente atraiacuteda pelo elogio e
pelo poder e de outro eternamente fascinada e atraiacuteda pelo pequeno mundo
dos homens comuns dos desejos secretos e dos gestos humildes (DAMATTA
19877)
DA SILVA Marco Antonio 1unes The issue ofcultural hierarchy in Gilberto
Freire Avesso do Avesso Revista Educaccedilatildeo e Cultura Araccedilatuba v3 n3
p 98 - 111 jun 2005
Abstract This article proposes an analysis ofthe masterwork ofGilberto Freire
Casa-Grande amp Senzala from the cultural view highlighting in a brief way the
main novelties approached in the book such as some critics and stereotypes
110 Anss(l ansstl Araccedilatuha 3 113 p ltIRmiddot I I UII 2005
which still remain - manyofwhich boundingthe frontierofprejudice- even in a
innovative vork like this one
Key words Gilberto Freire cultural hierarchy BraziI ieacuteUl nOlthwest ne christians
patriarchal1~lmily African culture Casa Grande amp Senzala
Referecircncias Bibliograacuteficas
ARAtrlO Ricardo Benzaquen de Guerra e Paz Casa-Grande amp Senzala e a
obra de Gilbel10 Freyre nos anos 30 Rio de Janeiro Editora 34 1994
CHACOI Vamireh Gilberto Freyre lJma biografia intelectual Recife
Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Editora Massangana Satildeo Paulo Companhia Editora
Nacional 1993
DAMATTA Roberto A originalidade de Gilberto Freyremiddotmiddot ln Boletim
Inform~ltiYo e Bibliograacutefico de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro n 242
semestre dt 1987 pp 3-10
FRrYRE Gilberto Casa-Grande amp Senzala ttmnaccedilatildeo da famiacutelia brasileira
sob o regime da economia patriarcal 29 cd Rio de Janeiro Editora Record
1994
NOVINSKY Anita Os judeus na obra de Gilberto Fre)Te ln Conferecircncia
apresentada na semana dedicada aos estudos sobre Gilberto Freyre
Recife 1996
RIBEIRO Darcy Gentidades Gilbel10 Frevre Casa-Grande amp Senzala
ln Ensaios Insoacutelitos Porto Alegre L amp PM Editores 1979 pp 63-107
III
Assim o problema vivido pelo colonizador em relaccedilatildeo ao outro
ligava-se mais agrave feacute do que ao fato de ser estrangeiro Era contra o herege que
lutavam os lusitanos natildeo simplesmente contra homens pertencentes a outras
naccedilotildees Situaccedilatildeo semelhante veriticou-se quanto ao indiacutegena hereacutetico que
devia ser combatido por sua falta de feacute natildeo por pertencer a uma raccedila diferente
E nesse universo congregante as caracteriacutesticas fiacutesicas do Brasil
como o c lima e o solo que poderiam ter agido como fator desagregador agiu
num sentido inverso A uniatildeo se deu em grande parte no sentido de vencer as
vicissitudes impostas por uma terra inoacutespita A solidariedade nasceu da
necessidade de se middotencerjuntos a natureza
Fator importante da ohra o latituumlndio monocultor eacute apontado por
Gilhlrto Freyre como uma das causas responsaacuteveis pela maacute alimentaccedilatildeo na
colocircnia e a consequumlente maacute fomlaccedilatildeo do brasileiro A ideacuteia que ) Brasil era um
paraiacuteso gastronoacutemico natildeo condiz com a realidade de privaccedilotildees que se veritica
onde a elite em poucas ocasiotildees -como as testas - conseguia tagravertar-se Uacute mesa
(FREYRE 1994 29-30)
essa carencia alimentar eacute ahel1a uma exceccedilatildeo quando se hlla de
Satildeo Paulo Aqui para os lados do Sul os paulistas nutriam-se melhor em irtudc
principalmente da diersifiacutecaccedilatildeo de atividades - a agriacutecola e a pastoril Essa
melhor (m11a de alimentaccedilatildeo acabou por influenciar na sauacutede dos paulistas
menos propensos a uma seacuterie de enfcnniacutedades
Mas um dos prohlemas de Casa-Grande amp Senzala estaacute
relacionado ao encontro de culturas Gilberto Frevre afirma muito
apropriadamente que a chegada do europeu desestruturou a ham10nia existente
entre o indiacutegena c seu meio Poreacutem eacute justamente aqui que a criacutetica se insere
pois Fre) Te utiliza-se de te11110S bastante questionaacuteveis como atrasado-adiantado
j Freyre credita a deticiecircncia de formaccedilatildeo do brasileiro a fatores como o clima a miscigenaccedilatildeo
e a carecircncia alimentar por que passa a populaccedilatildeo
~) lttlgtsn raccedilawha ~ 11 r ()ji - III JUIl 20l 107
e superh)r-inferior Ao se referir ao contato do europeu com o iacutendio afirma
que desse encontro principia a degradaccedilatildeo da raccedila atrasada ao contato da
adiantada (FREYRE 1994 89)
Portanto o encontro dessas duas culturas a europeacuteia e a indiacutegena
produziu para esta um cenaacuterio de destruiccedilatildeo vivido ainda hoje Como bem lembra
Gilberto Fre-Te embora utilize tennos totalmente questionaacuteveis esse encontro
produziu exlerminio ou degradaccedilcio pois o europeu desconsiderou o outro
enquanto produtor de cultura negando a entrar em contato com o universo
cultural indiacutegena (FREYRE 1994 109) E sem duacutevida a contribuiccedilatildeo de Casashy
Grande amp Senzala nesse sentido estaacute em ter apontado um problema tatildeo seacuterio
que f()i o extermiacutenio dos povos indiacutegenas os verdadeiros donos da terra
Nesse processo de degradaccedilatildeo os jesuiacutetas desempenharam um
imp0l1ante papel Suas missotildees agiram no sentido da imobilizaccedilatildeo tirando do
iacutendio uma de suas caracteriacutesticas mais marcantes ou seja a ida dispersa e
J1(jmade A destruiccedilatildeo de um modo de vida todo peculiar se deu por mecanismos
poderosos atraveacutes da catequese ou do sistema moral pedagoacutegico e de
organizaccedilatildeo e divisatildeo sexual do trabalho imposto pelos jesuiacutetas (FREYRE
1994 110)
o trabalho jesuiacutetico atuou em duas frentes que ao final se
complementaram Por um lado tornou o iacutendio daacutecil e meliacutefluo seminarista
llmndo-o aceitar a religiatildeo e a cultura do invasor Essa primeira dominaccedilatildeo
abriu caminho para interesses econoacutemicos transfoacutern1ando a populaccedilatildeo indiacutegena
em serviccedilais obedientes produtores de riquezas que acabaram sendo
apropriadas pelos jesuiacutetas (FREYRE 1994 146-147)
O brasileiro traz consigo a marca do indiacutegena e do africano quer
seja na alma quer seja no corpo E Freyre chega a colocar novamente numa
comparaccedilatildeo perigosa a cultura africana em patamar superior agrave do indiacutegena e a
do proacuteprio colonizador Assim em mateacuteria de contribuiccedilatildeo ao progresso
108 Asso ltlnsso raccedilatuha ~ n ~p 9R - II I JUI1 2005
--~---- ~------------------------
econocircmico da colocircnia o africano teria desempenhado papel mais importante
que o indiacutegena e o proacuteprio portuguecircs principalmente no litoral agraacuterio
(FREYRE 1994 285)
A adaptabilidade do negro ao clima tropical eacute creditada a fatores
psicoloacutegicos e fisioloacutegicos e tambeacutem devido agrave capacidade do negro de transpirar
por todo o corpo e natildeo apenas pelos sovacos (FREYRE 1994 287)AquL
pelo menos Freyre natildeo acredita na medida e peso do ceacuterebro como indicativos
da inteligecircncia humana Baseando-se em pesquisadores reconhecidos afim1a
que jaacute natildeo eacute mais aceita a superioridade mentaL inata e hereditaacuteria dos hrancos
sobre os negros (FREYRE 1994 294)
Ao se referir aos negros vindos para o Brasil o autor alel1a para a
imp0l1acircncia de se fazer ii diferenccedila entre eles haja vista terem saiacutedo de lugares
diferentes p0l1adores de culturas diferentes lf (FREYRE 1994 298-299) Para
caacute teriam vindo o melhor da cultura negra da Aacutefrica contribuiccedilatildeo importante
na formaccedilatildeo brasileira Nesse sentido ainda segundo Freyre o Brasil foi
privilegiado toma-se em comparaccedilatildeo o sul norte-americano que natildeo pocircde
contar com elementos da elite africana (FREYRE 1994 299-300) Citando
outros autores tenta mostrar a superioridade da cultura negra tanto sohre a
indiacutegena quanto sobre a portuguesa o trahalho de metais a criaccedilatildeo de gado e a
cul inaacuteria contribuiccedilotildees aflicanas que enriqueceram a cultura hrasileira (FREYRE
1994 307-308)
Um erro apontado por Fre)Te eacute julgar o negro pelo comportamento
do escravo Toda imoralidade proacutepria do sistema escravocrata eacute impingida ao
negro como se tais caracteriacutesticas fossem suas por natureza (FREYRE 1994
314-317) E aqui mais uma vez vemos a marca do inovador ao nos mostrar o
I Freyre na tentativa de relativizar a superioridade ou inferioridade de culturas nagraveo daacute conta de redimir o erro que eacute considerar uma cultura uperior agrave outra I Assim importa determinarmos a aacuterea de cultura de procedecircncia dos escra os evitandoshyse o erro de eII11OS no africano lima soacute e indistinta figura de pela da guine ou de pref() da
CosIa
Asso ltIS Araccedilatuha 3 11 3 P 91 - III JlIl1 2005 109
erro em se atribuir ao negro defeitos oriundos da condiccedilatildeo proacutepria do escravo
O grande preconceito que perpassa a historiografia brasileira diz
respeito agrave miscigenaccedilatildeo Gilberto FreyTe rompe com essa tendecircncia ao ver esse
fator atraveacutes de uma oacutetica positiva principalmente ao colocar o negro enquanto
elemento superior
Chegado ao Brasil o negro passou por um processo de
desafricanizaccedilatildeo levado a cabo pela catequese auxi liada nessa cruzada de
conversatildeo pela caIm-grande e principalmente pela senzala ao misturar esta uacuteltima
os receacutem-chegados com os veteranos jaacute abrasileirados Outros fatores
responsaacuteveis por esse abrasileiramento do negro apontados na obra satildeo o
meio fiacutesico a alimentaccedilatildeo e o sistema de trabalho (FREYRE 1994 357-358)
Para techar essa modesta anaacutelise de uma obra tatildeo importante e
marcante da historiografia brasileira c na tentativa de melhor entender autor
muitas vezes mal compreendido dou a palavra a Roberto DaMatta que vecirc a
obra de Gilberto Fre)Te de forma original e misturada como seu autor de um
lado perdida numa vaidade doentia e quase perversamente atraiacuteda pelo elogio e
pelo poder e de outro eternamente fascinada e atraiacuteda pelo pequeno mundo
dos homens comuns dos desejos secretos e dos gestos humildes (DAMATTA
19877)
DA SILVA Marco Antonio 1unes The issue ofcultural hierarchy in Gilberto
Freire Avesso do Avesso Revista Educaccedilatildeo e Cultura Araccedilatuba v3 n3
p 98 - 111 jun 2005
Abstract This article proposes an analysis ofthe masterwork ofGilberto Freire
Casa-Grande amp Senzala from the cultural view highlighting in a brief way the
main novelties approached in the book such as some critics and stereotypes
110 Anss(l ansstl Araccedilatuha 3 113 p ltIRmiddot I I UII 2005
which still remain - manyofwhich boundingthe frontierofprejudice- even in a
innovative vork like this one
Key words Gilberto Freire cultural hierarchy BraziI ieacuteUl nOlthwest ne christians
patriarchal1~lmily African culture Casa Grande amp Senzala
Referecircncias Bibliograacuteficas
ARAtrlO Ricardo Benzaquen de Guerra e Paz Casa-Grande amp Senzala e a
obra de Gilbel10 Freyre nos anos 30 Rio de Janeiro Editora 34 1994
CHACOI Vamireh Gilberto Freyre lJma biografia intelectual Recife
Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Editora Massangana Satildeo Paulo Companhia Editora
Nacional 1993
DAMATTA Roberto A originalidade de Gilberto Freyremiddotmiddot ln Boletim
Inform~ltiYo e Bibliograacutefico de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro n 242
semestre dt 1987 pp 3-10
FRrYRE Gilberto Casa-Grande amp Senzala ttmnaccedilatildeo da famiacutelia brasileira
sob o regime da economia patriarcal 29 cd Rio de Janeiro Editora Record
1994
NOVINSKY Anita Os judeus na obra de Gilberto Fre)Te ln Conferecircncia
apresentada na semana dedicada aos estudos sobre Gilberto Freyre
Recife 1996
RIBEIRO Darcy Gentidades Gilbel10 Frevre Casa-Grande amp Senzala
ln Ensaios Insoacutelitos Porto Alegre L amp PM Editores 1979 pp 63-107
III
e superh)r-inferior Ao se referir ao contato do europeu com o iacutendio afirma
que desse encontro principia a degradaccedilatildeo da raccedila atrasada ao contato da
adiantada (FREYRE 1994 89)
Portanto o encontro dessas duas culturas a europeacuteia e a indiacutegena
produziu para esta um cenaacuterio de destruiccedilatildeo vivido ainda hoje Como bem lembra
Gilberto Fre-Te embora utilize tennos totalmente questionaacuteveis esse encontro
produziu exlerminio ou degradaccedilcio pois o europeu desconsiderou o outro
enquanto produtor de cultura negando a entrar em contato com o universo
cultural indiacutegena (FREYRE 1994 109) E sem duacutevida a contribuiccedilatildeo de Casashy
Grande amp Senzala nesse sentido estaacute em ter apontado um problema tatildeo seacuterio
que f()i o extermiacutenio dos povos indiacutegenas os verdadeiros donos da terra
Nesse processo de degradaccedilatildeo os jesuiacutetas desempenharam um
imp0l1ante papel Suas missotildees agiram no sentido da imobilizaccedilatildeo tirando do
iacutendio uma de suas caracteriacutesticas mais marcantes ou seja a ida dispersa e
J1(jmade A destruiccedilatildeo de um modo de vida todo peculiar se deu por mecanismos
poderosos atraveacutes da catequese ou do sistema moral pedagoacutegico e de
organizaccedilatildeo e divisatildeo sexual do trabalho imposto pelos jesuiacutetas (FREYRE
1994 110)
o trabalho jesuiacutetico atuou em duas frentes que ao final se
complementaram Por um lado tornou o iacutendio daacutecil e meliacutefluo seminarista
llmndo-o aceitar a religiatildeo e a cultura do invasor Essa primeira dominaccedilatildeo
abriu caminho para interesses econoacutemicos transfoacutern1ando a populaccedilatildeo indiacutegena
em serviccedilais obedientes produtores de riquezas que acabaram sendo
apropriadas pelos jesuiacutetas (FREYRE 1994 146-147)
O brasileiro traz consigo a marca do indiacutegena e do africano quer
seja na alma quer seja no corpo E Freyre chega a colocar novamente numa
comparaccedilatildeo perigosa a cultura africana em patamar superior agrave do indiacutegena e a
do proacuteprio colonizador Assim em mateacuteria de contribuiccedilatildeo ao progresso
108 Asso ltlnsso raccedilatuha ~ n ~p 9R - II I JUI1 2005
--~---- ~------------------------
econocircmico da colocircnia o africano teria desempenhado papel mais importante
que o indiacutegena e o proacuteprio portuguecircs principalmente no litoral agraacuterio
(FREYRE 1994 285)
A adaptabilidade do negro ao clima tropical eacute creditada a fatores
psicoloacutegicos e fisioloacutegicos e tambeacutem devido agrave capacidade do negro de transpirar
por todo o corpo e natildeo apenas pelos sovacos (FREYRE 1994 287)AquL
pelo menos Freyre natildeo acredita na medida e peso do ceacuterebro como indicativos
da inteligecircncia humana Baseando-se em pesquisadores reconhecidos afim1a
que jaacute natildeo eacute mais aceita a superioridade mentaL inata e hereditaacuteria dos hrancos
sobre os negros (FREYRE 1994 294)
Ao se referir aos negros vindos para o Brasil o autor alel1a para a
imp0l1acircncia de se fazer ii diferenccedila entre eles haja vista terem saiacutedo de lugares
diferentes p0l1adores de culturas diferentes lf (FREYRE 1994 298-299) Para
caacute teriam vindo o melhor da cultura negra da Aacutefrica contribuiccedilatildeo importante
na formaccedilatildeo brasileira Nesse sentido ainda segundo Freyre o Brasil foi
privilegiado toma-se em comparaccedilatildeo o sul norte-americano que natildeo pocircde
contar com elementos da elite africana (FREYRE 1994 299-300) Citando
outros autores tenta mostrar a superioridade da cultura negra tanto sohre a
indiacutegena quanto sobre a portuguesa o trahalho de metais a criaccedilatildeo de gado e a
cul inaacuteria contribuiccedilotildees aflicanas que enriqueceram a cultura hrasileira (FREYRE
1994 307-308)
Um erro apontado por Fre)Te eacute julgar o negro pelo comportamento
do escravo Toda imoralidade proacutepria do sistema escravocrata eacute impingida ao
negro como se tais caracteriacutesticas fossem suas por natureza (FREYRE 1994
314-317) E aqui mais uma vez vemos a marca do inovador ao nos mostrar o
I Freyre na tentativa de relativizar a superioridade ou inferioridade de culturas nagraveo daacute conta de redimir o erro que eacute considerar uma cultura uperior agrave outra I Assim importa determinarmos a aacuterea de cultura de procedecircncia dos escra os evitandoshyse o erro de eII11OS no africano lima soacute e indistinta figura de pela da guine ou de pref() da
CosIa
Asso ltIS Araccedilatuha 3 11 3 P 91 - III JlIl1 2005 109
erro em se atribuir ao negro defeitos oriundos da condiccedilatildeo proacutepria do escravo
O grande preconceito que perpassa a historiografia brasileira diz
respeito agrave miscigenaccedilatildeo Gilberto FreyTe rompe com essa tendecircncia ao ver esse
fator atraveacutes de uma oacutetica positiva principalmente ao colocar o negro enquanto
elemento superior
Chegado ao Brasil o negro passou por um processo de
desafricanizaccedilatildeo levado a cabo pela catequese auxi liada nessa cruzada de
conversatildeo pela caIm-grande e principalmente pela senzala ao misturar esta uacuteltima
os receacutem-chegados com os veteranos jaacute abrasileirados Outros fatores
responsaacuteveis por esse abrasileiramento do negro apontados na obra satildeo o
meio fiacutesico a alimentaccedilatildeo e o sistema de trabalho (FREYRE 1994 357-358)
Para techar essa modesta anaacutelise de uma obra tatildeo importante e
marcante da historiografia brasileira c na tentativa de melhor entender autor
muitas vezes mal compreendido dou a palavra a Roberto DaMatta que vecirc a
obra de Gilberto Fre)Te de forma original e misturada como seu autor de um
lado perdida numa vaidade doentia e quase perversamente atraiacuteda pelo elogio e
pelo poder e de outro eternamente fascinada e atraiacuteda pelo pequeno mundo
dos homens comuns dos desejos secretos e dos gestos humildes (DAMATTA
19877)
DA SILVA Marco Antonio 1unes The issue ofcultural hierarchy in Gilberto
Freire Avesso do Avesso Revista Educaccedilatildeo e Cultura Araccedilatuba v3 n3
p 98 - 111 jun 2005
Abstract This article proposes an analysis ofthe masterwork ofGilberto Freire
Casa-Grande amp Senzala from the cultural view highlighting in a brief way the
main novelties approached in the book such as some critics and stereotypes
110 Anss(l ansstl Araccedilatuha 3 113 p ltIRmiddot I I UII 2005
which still remain - manyofwhich boundingthe frontierofprejudice- even in a
innovative vork like this one
Key words Gilberto Freire cultural hierarchy BraziI ieacuteUl nOlthwest ne christians
patriarchal1~lmily African culture Casa Grande amp Senzala
Referecircncias Bibliograacuteficas
ARAtrlO Ricardo Benzaquen de Guerra e Paz Casa-Grande amp Senzala e a
obra de Gilbel10 Freyre nos anos 30 Rio de Janeiro Editora 34 1994
CHACOI Vamireh Gilberto Freyre lJma biografia intelectual Recife
Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Editora Massangana Satildeo Paulo Companhia Editora
Nacional 1993
DAMATTA Roberto A originalidade de Gilberto Freyremiddotmiddot ln Boletim
Inform~ltiYo e Bibliograacutefico de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro n 242
semestre dt 1987 pp 3-10
FRrYRE Gilberto Casa-Grande amp Senzala ttmnaccedilatildeo da famiacutelia brasileira
sob o regime da economia patriarcal 29 cd Rio de Janeiro Editora Record
1994
NOVINSKY Anita Os judeus na obra de Gilberto Fre)Te ln Conferecircncia
apresentada na semana dedicada aos estudos sobre Gilberto Freyre
Recife 1996
RIBEIRO Darcy Gentidades Gilbel10 Frevre Casa-Grande amp Senzala
ln Ensaios Insoacutelitos Porto Alegre L amp PM Editores 1979 pp 63-107
III
econocircmico da colocircnia o africano teria desempenhado papel mais importante
que o indiacutegena e o proacuteprio portuguecircs principalmente no litoral agraacuterio
(FREYRE 1994 285)
A adaptabilidade do negro ao clima tropical eacute creditada a fatores
psicoloacutegicos e fisioloacutegicos e tambeacutem devido agrave capacidade do negro de transpirar
por todo o corpo e natildeo apenas pelos sovacos (FREYRE 1994 287)AquL
pelo menos Freyre natildeo acredita na medida e peso do ceacuterebro como indicativos
da inteligecircncia humana Baseando-se em pesquisadores reconhecidos afim1a
que jaacute natildeo eacute mais aceita a superioridade mentaL inata e hereditaacuteria dos hrancos
sobre os negros (FREYRE 1994 294)
Ao se referir aos negros vindos para o Brasil o autor alel1a para a
imp0l1acircncia de se fazer ii diferenccedila entre eles haja vista terem saiacutedo de lugares
diferentes p0l1adores de culturas diferentes lf (FREYRE 1994 298-299) Para
caacute teriam vindo o melhor da cultura negra da Aacutefrica contribuiccedilatildeo importante
na formaccedilatildeo brasileira Nesse sentido ainda segundo Freyre o Brasil foi
privilegiado toma-se em comparaccedilatildeo o sul norte-americano que natildeo pocircde
contar com elementos da elite africana (FREYRE 1994 299-300) Citando
outros autores tenta mostrar a superioridade da cultura negra tanto sohre a
indiacutegena quanto sobre a portuguesa o trahalho de metais a criaccedilatildeo de gado e a
cul inaacuteria contribuiccedilotildees aflicanas que enriqueceram a cultura hrasileira (FREYRE
1994 307-308)
Um erro apontado por Fre)Te eacute julgar o negro pelo comportamento
do escravo Toda imoralidade proacutepria do sistema escravocrata eacute impingida ao
negro como se tais caracteriacutesticas fossem suas por natureza (FREYRE 1994
314-317) E aqui mais uma vez vemos a marca do inovador ao nos mostrar o
I Freyre na tentativa de relativizar a superioridade ou inferioridade de culturas nagraveo daacute conta de redimir o erro que eacute considerar uma cultura uperior agrave outra I Assim importa determinarmos a aacuterea de cultura de procedecircncia dos escra os evitandoshyse o erro de eII11OS no africano lima soacute e indistinta figura de pela da guine ou de pref() da
CosIa
Asso ltIS Araccedilatuha 3 11 3 P 91 - III JlIl1 2005 109
erro em se atribuir ao negro defeitos oriundos da condiccedilatildeo proacutepria do escravo
O grande preconceito que perpassa a historiografia brasileira diz
respeito agrave miscigenaccedilatildeo Gilberto FreyTe rompe com essa tendecircncia ao ver esse
fator atraveacutes de uma oacutetica positiva principalmente ao colocar o negro enquanto
elemento superior
Chegado ao Brasil o negro passou por um processo de
desafricanizaccedilatildeo levado a cabo pela catequese auxi liada nessa cruzada de
conversatildeo pela caIm-grande e principalmente pela senzala ao misturar esta uacuteltima
os receacutem-chegados com os veteranos jaacute abrasileirados Outros fatores
responsaacuteveis por esse abrasileiramento do negro apontados na obra satildeo o
meio fiacutesico a alimentaccedilatildeo e o sistema de trabalho (FREYRE 1994 357-358)
Para techar essa modesta anaacutelise de uma obra tatildeo importante e
marcante da historiografia brasileira c na tentativa de melhor entender autor
muitas vezes mal compreendido dou a palavra a Roberto DaMatta que vecirc a
obra de Gilberto Fre)Te de forma original e misturada como seu autor de um
lado perdida numa vaidade doentia e quase perversamente atraiacuteda pelo elogio e
pelo poder e de outro eternamente fascinada e atraiacuteda pelo pequeno mundo
dos homens comuns dos desejos secretos e dos gestos humildes (DAMATTA
19877)
DA SILVA Marco Antonio 1unes The issue ofcultural hierarchy in Gilberto
Freire Avesso do Avesso Revista Educaccedilatildeo e Cultura Araccedilatuba v3 n3
p 98 - 111 jun 2005
Abstract This article proposes an analysis ofthe masterwork ofGilberto Freire
Casa-Grande amp Senzala from the cultural view highlighting in a brief way the
main novelties approached in the book such as some critics and stereotypes
110 Anss(l ansstl Araccedilatuha 3 113 p ltIRmiddot I I UII 2005
which still remain - manyofwhich boundingthe frontierofprejudice- even in a
innovative vork like this one
Key words Gilberto Freire cultural hierarchy BraziI ieacuteUl nOlthwest ne christians
patriarchal1~lmily African culture Casa Grande amp Senzala
Referecircncias Bibliograacuteficas
ARAtrlO Ricardo Benzaquen de Guerra e Paz Casa-Grande amp Senzala e a
obra de Gilbel10 Freyre nos anos 30 Rio de Janeiro Editora 34 1994
CHACOI Vamireh Gilberto Freyre lJma biografia intelectual Recife
Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Editora Massangana Satildeo Paulo Companhia Editora
Nacional 1993
DAMATTA Roberto A originalidade de Gilberto Freyremiddotmiddot ln Boletim
Inform~ltiYo e Bibliograacutefico de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro n 242
semestre dt 1987 pp 3-10
FRrYRE Gilberto Casa-Grande amp Senzala ttmnaccedilatildeo da famiacutelia brasileira
sob o regime da economia patriarcal 29 cd Rio de Janeiro Editora Record
1994
NOVINSKY Anita Os judeus na obra de Gilberto Fre)Te ln Conferecircncia
apresentada na semana dedicada aos estudos sobre Gilberto Freyre
Recife 1996
RIBEIRO Darcy Gentidades Gilbel10 Frevre Casa-Grande amp Senzala
ln Ensaios Insoacutelitos Porto Alegre L amp PM Editores 1979 pp 63-107
III
erro em se atribuir ao negro defeitos oriundos da condiccedilatildeo proacutepria do escravo
O grande preconceito que perpassa a historiografia brasileira diz
respeito agrave miscigenaccedilatildeo Gilberto FreyTe rompe com essa tendecircncia ao ver esse
fator atraveacutes de uma oacutetica positiva principalmente ao colocar o negro enquanto
elemento superior
Chegado ao Brasil o negro passou por um processo de
desafricanizaccedilatildeo levado a cabo pela catequese auxi liada nessa cruzada de
conversatildeo pela caIm-grande e principalmente pela senzala ao misturar esta uacuteltima
os receacutem-chegados com os veteranos jaacute abrasileirados Outros fatores
responsaacuteveis por esse abrasileiramento do negro apontados na obra satildeo o
meio fiacutesico a alimentaccedilatildeo e o sistema de trabalho (FREYRE 1994 357-358)
Para techar essa modesta anaacutelise de uma obra tatildeo importante e
marcante da historiografia brasileira c na tentativa de melhor entender autor
muitas vezes mal compreendido dou a palavra a Roberto DaMatta que vecirc a
obra de Gilberto Fre)Te de forma original e misturada como seu autor de um
lado perdida numa vaidade doentia e quase perversamente atraiacuteda pelo elogio e
pelo poder e de outro eternamente fascinada e atraiacuteda pelo pequeno mundo
dos homens comuns dos desejos secretos e dos gestos humildes (DAMATTA
19877)
DA SILVA Marco Antonio 1unes The issue ofcultural hierarchy in Gilberto
Freire Avesso do Avesso Revista Educaccedilatildeo e Cultura Araccedilatuba v3 n3
p 98 - 111 jun 2005
Abstract This article proposes an analysis ofthe masterwork ofGilberto Freire
Casa-Grande amp Senzala from the cultural view highlighting in a brief way the
main novelties approached in the book such as some critics and stereotypes
110 Anss(l ansstl Araccedilatuha 3 113 p ltIRmiddot I I UII 2005
which still remain - manyofwhich boundingthe frontierofprejudice- even in a
innovative vork like this one
Key words Gilberto Freire cultural hierarchy BraziI ieacuteUl nOlthwest ne christians
patriarchal1~lmily African culture Casa Grande amp Senzala
Referecircncias Bibliograacuteficas
ARAtrlO Ricardo Benzaquen de Guerra e Paz Casa-Grande amp Senzala e a
obra de Gilbel10 Freyre nos anos 30 Rio de Janeiro Editora 34 1994
CHACOI Vamireh Gilberto Freyre lJma biografia intelectual Recife
Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Editora Massangana Satildeo Paulo Companhia Editora
Nacional 1993
DAMATTA Roberto A originalidade de Gilberto Freyremiddotmiddot ln Boletim
Inform~ltiYo e Bibliograacutefico de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro n 242
semestre dt 1987 pp 3-10
FRrYRE Gilberto Casa-Grande amp Senzala ttmnaccedilatildeo da famiacutelia brasileira
sob o regime da economia patriarcal 29 cd Rio de Janeiro Editora Record
1994
NOVINSKY Anita Os judeus na obra de Gilberto Fre)Te ln Conferecircncia
apresentada na semana dedicada aos estudos sobre Gilberto Freyre
Recife 1996
RIBEIRO Darcy Gentidades Gilbel10 Frevre Casa-Grande amp Senzala
ln Ensaios Insoacutelitos Porto Alegre L amp PM Editores 1979 pp 63-107
III
which still remain - manyofwhich boundingthe frontierofprejudice- even in a
innovative vork like this one
Key words Gilberto Freire cultural hierarchy BraziI ieacuteUl nOlthwest ne christians
patriarchal1~lmily African culture Casa Grande amp Senzala
Referecircncias Bibliograacuteficas
ARAtrlO Ricardo Benzaquen de Guerra e Paz Casa-Grande amp Senzala e a
obra de Gilbel10 Freyre nos anos 30 Rio de Janeiro Editora 34 1994
CHACOI Vamireh Gilberto Freyre lJma biografia intelectual Recife
Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Editora Massangana Satildeo Paulo Companhia Editora
Nacional 1993
DAMATTA Roberto A originalidade de Gilberto Freyremiddotmiddot ln Boletim
Inform~ltiYo e Bibliograacutefico de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro n 242
semestre dt 1987 pp 3-10
FRrYRE Gilberto Casa-Grande amp Senzala ttmnaccedilatildeo da famiacutelia brasileira
sob o regime da economia patriarcal 29 cd Rio de Janeiro Editora Record
1994
NOVINSKY Anita Os judeus na obra de Gilberto Fre)Te ln Conferecircncia
apresentada na semana dedicada aos estudos sobre Gilberto Freyre
Recife 1996
RIBEIRO Darcy Gentidades Gilbel10 Frevre Casa-Grande amp Senzala
ln Ensaios Insoacutelitos Porto Alegre L amp PM Editores 1979 pp 63-107
III