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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ DEPARTAMENTO DE LETRAS DO CERES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS A PRODUÇÃO TEXTUAL NO ENSINO FUNDAMENTAL: PROCESSO DE RETEXTUALIZAÇÃO COM O GÊNERO MEMÓRIAS José Aurélio da Câmara CURRAIS NOVOS/RN 2015

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Page 1: A PRODUÇÃO TEXTUAL NO ENSINO FUNDAMENTAL: … · JOSÉ AURÉLIO DA CÂMARA A PRODUÇÃO TEXTUAL NO ENSINO FUNDAMENTAL: PROCESSO DE RETEXTUALIZAÇÃO COM O GÊNERO MEMÓRIAS Dissertação

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ

DEPARTAMENTO DE LETRAS DO CERES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS

A PRODUÇÃO TEXTUAL NO ENSINO FUNDAMENTAL:

PROCESSO DE RETEXTUALIZAÇÃO COM O GÊNERO MEMÓRIAS

José Aurélio da Câmara

CURRAIS NOVOS/RN

2015

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JOSÉ AURÉLIO DA CÂMARA

A PRODUÇÃO TEXTUAL NO ENSINO FUNDAMENTAL:

PROCESSO DE RETEXTUALIZAÇÃO COM O GÊNERO MEMÓRIAS

Dissertação apresentada ao Mestrado

Profissional em Letras em Rede Nacional

(PROFLETRAS), da Universidade Federal do

Rio Grande do Norte (Campus Currais

Novos), como exigência parcial para obtenção

do grau de Mestre em Letras. Área de

concentração - Linguagens e Letramentos.

Linha de pesquisa - Leitura e Produção

Textual: diversidade social e práticas docentes.

Orientadora:

Profa. Dra. Josilete Alves Moreira de Azevedo

CURRAIS NOVOS/RN

2015

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Divisão de Serviços Técnicos

Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial de Currais Novos

Câmara, José Aurélio da. A produção textual no ensino fundamental: processo de

retextualização com o gênero memórias / José Aurélio da Câmara. –

Currais Novos, RN, 2015.

119 f : il.

Orientadora: Profa. Dra. Josilete Alves Moreira de Azevedo.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação em Mestrado Profissional em Letras.

Centro de Ensino Superior do Seridó. Departamento de Ciências Sociais e

Humanas.

1. Retextualização – Dissertação. 2. Oralidade – Escrita –

Dissertação. 3. Gênero Memória – Dissertação. 4. Língua portuguesa –

Ensino – Dissertação. I. Azevedo, Josilete Alves Moreira de. II.

Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

CDU 811.134.3:37

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A PRODUÇÃO TEXTUAL NO ENSINO FUNDAMENTAL:

PROCESSO DE RETEXTUALIZAÇÃO COM O GÊNERO MEMÓRIAS

JOSÉ AURÉLIO DA CÂMARA

Dissertação apresentada ao Mestrado

Profissional em Letras em Rede Nacional

(PROFLETRAS), da Universidade Federal do

Rio Grande do Norte (Campus Currais

Novos), como exigência parcial para obtenção

do grau de Mestre em Letras. Área de

concentração - Linguagens e Letramentos.

Linha de pesquisa - Leitura e Produção

Textual: diversidade social e práticas docentes.

BANCA EXAMINADORA

Profª Drª Josilete Alves Moreira de Azevedo Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Presidente

Profª Drª Valdenides Cabral de Araújo Dias Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Membro Interno

Profª Drª Maria Elisa de Freitas do Nascimento Universidade Estadual do Rio Grande do Norte – UERN

Membro Externo

Prof. Dr. Mário Lourenço de Medeiros Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Suplente Interno

Profª Drª Crígina Cibelle Pereira Universidade Estadual do Rio Grande do Norte – UERN

Suplente Externo

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Aos meus pais, que construíram as perspectivas

para eu estudar e buscar novos horizontes de

vida.

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AGRADECIMENTOS

Ao Senhor, guia de firmeza e de luz nessa minha custosa caminhada.

Aos meus pais, pelo incentivo, pelo amor e pelo zelo a mim dedicados em todas

as épocas de minha vida.

Aos meus irmãos, pela compreensão e pelo apoio em vários momentos da minha

vida, principalmente à Maria Auxiliadora (in memoriam), a qual me inseriu na vida

escolar. Dedicou parte de sua vida a ensinar-me os caminhos da pesquisa e do

conhecimento.

À professora Dra. Josilete Moreira Alves de Azevedo, pelas orientações e a

confiança depositada em mim. Guiou-me com decisivos passos para a obtenção dessa

pós-graduação em nível de mestrado. Muito grato por tudo.

À Kássius Araújo e a Valdenira Barbosa, amigos especiais, que me incentivaram

a investir em pós-graduação (especialização e mestrado), como também pela paciência

em compartilhar comigo algumas leituras e reflexões sobre aspectos relativos à redação

desta dissertação.

À Clécio Paiva e Antônio Cassiano, amigos especiais, que contribuíram para a

organização da minha vida profissional no tocante ao tempo e ao espaço que dediquei a

esta pesquisa. Compartilhamos momentos de alegrias e angustias nesta aguerrida

missão.

Às colegas de Pós-Graduação, Maria Marlene, Maria das Vitória e Gisélia, pelo

companheirismo das longas e cansativas viagens semanais para a UFRN em Currais

Novos/RN. Além dos momentos em que mantivemos trocas de conhecimentos.

À colega Maria Ângela Lima Assunção pelo constante incentivo, preocupação e

pelas trocas de informações e conhecimentos acadêmicos que mantivemos durante esta

longa jornada.

Aos professores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, com os quais

cursei as disciplinas como mestrando no PROFLETRAS (Mestrado Profissional em

Letras), pelos conhecimentos construídos e reconstruídos em cada uma delas.

Aos demais colegas da Pós-Graduação, pelos bons momentos vivenciados

dentro e fora das salas de aula, como também pelas ocasiões nas quais partilhamos

momentos descontraídos, informações, conhecimentos, parcerias, realizações, angústias,

além de outros elos emotivos tão importantes nesse processo.

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À direção da Escola Estadual Senador João Câmara, por ter aceitado que eu

realizasse a intervenção pedagógica nesse estabelecimento de ensino, bem como pela

cordial disponibilidade dos dados fornecidos para compor este trabalho.

Aos alunos do nono ano vespertino do ensino fundamental maior, elementos

singulares para a realização desta pesquisa. Com eles compartilhamos aprendizados e

reflexões quanto ao envolvente e prazeroso estudo da Língua Portuguesa.

Ao Grupo de Idosos do Município de Bento Fernandes/RN que foi solícito e

atencioso em contribuir com as entrevistas orais (memórias) para a construção do

corpus desta pesquisa.

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A PRODUÇÃO TEXTUAL NO ENSINO FUNDAMENTAL:

PROCESSO DE RETEXTUALIZAÇÃO COM O GÊNERO MEMÓRIAS

RESUMO

O ensino de Língua Portuguesa nas escolas públicas no Brasil, na maioria das

vezes, limita-se, ainda, ao estudo de fragmentos textuais descontextualizados, à

memorização de nomenclaturas e ao culto às normas gramaticais. Nessa perspectiva, ao

considerarmos a língua como prática social e cultural, cuja nascente emerge na

interação entre os sujeitos é que buscamos, através deste estudo, propor uma

intervenção pedagógica que priorizasse os processos de retextualização da fala para a

escrita a partir do gênero memórias, visando à melhoria das competências discursivas

do educando. Assim, atentando para essas inquietações e na tentativa de contribuir com

a melhoria do ensino de Língua Portuguesa no ensino fundamental, elegemos como

locus privilegiado uma turma do 9º ano do ensino fundamental de uma escola estadual

em Bento Fernandes/RN, cujo corpus de análise foi formado por textos produzidos e

retextualizados pelos alunos a partir de relatos orais de idosos da comunidade local.

Nesse intento, buscamos compreender o que é memória, sua importância para o registro

da língua falada e da cultura locais, bem como realizar ações didáticas que

favorecessem a aprendizagem dos alunos nas atividades de produção textual. À luz das

perspectivas teóricas das relações linguístico-discursivas e tomando por base o contínuo

da relação entre oralidade e escrita propostas por Marcuschi (1993, 1997, 2001, 2002,

2006, 2008, 2010) e nas discussões propostas por Antunes (2003, 2014), Alves Filho

(2011), Koch (2012), Bakhtin (1992, 2011), procuramos compreender, com base na

análise das memórias retextualizadas, como estas práticas se complementam nesse

processo de oralidade e escrita. No que tange à proposta das sequências didáticas, o

estudo foi norteado pelas orientações de Dolz e Scheneuwly (2004), e acerca das

memórias, nos estudos de Coracine e Ghiraldelo (2011), Le Goff (2010, 2013). Nessa

direção, este trabalho seguiu as orientações da pesquisa-ação, numa abordagem

qualitativa, considerando o professor (o pesquisador) como um agente ativo envolvido

no processo de produção de conhecimento em sua própria prática pedagógica, podendo,

assim, interferir na mediação, na produção do conhecimento e na sua disseminação no

contexto particular da sala de aula, locus privilegiado da construção e transformação do

conhecimento. Muito há de ser pesquisado nesta área de retextualização, embora,

verificamos que esta intervenção pedagógica pautada nos operadores discursivos de

retextualização viabilizou-se como um eficiente caminho para nós professores

trabalharmos as peculiaridades de usos e funções dos gêneros textuais nas modalidades

orais e escritas de uma língua sem pautarmo-nos em dicotomias entre ambas. Isto nos

credenciou a fortalecer o discurso que desfaz vários mitos ainda presentes nessa ordem,

principalmente, aquele que causa maior dano para os aprendizes da Língua Portuguesa:

o de que a escrita é uma representação da fala.

PALAVRAS-CHAVE: Retextualização. Oralidade e escrita. Gênero memória.

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ABSTRACT

TEXTUAL PRODUCTION IN ELEMENTARY SCHOOL:

RETEXTUALIZATION PROCESS WITH MEMOIRS AS A TEXTUAL GENRE

Teaching Portuguese language in Brazilian public schools is still limited mostly to

studying decontextualized text fragments, memorizing classifications and cult of

grammar rules. Considering the language as a social, cultural practice which emerges

from the intersubjective interaction, we sought to propose an educational intervention

that prioritizes the retextualization processes from speech to the writing of memoirs as a

textual genre, so as to contribute for improving learner’s discursive performances.

Therefore, paying attention to these concerns and in attempt to contribute for improving

the teaching of Portuguese language in elementary school, we chose as privileged locus

a 9th grade class from a state school in Bento Fernandes, RN. The corpus is formed by

texts produced and retextualized by students from the elders’ oral reports within local

community. We sought thus to understand what memory is, its importance for

registering local spoken language and culture, as much as to carry out didactic actions

that favor students’ learning in the activities of textual production. In light of the

theoretical overviews about linguistic-discursive relations, based on Marcuschi’s (1993,

1997, 2001, 2002, 2006, 2008, 2010) conception of oralitiy-writing continuum and the

debates proposed by Antunes (2003, 2014), Alves Filho (2011), Koch (2012) and

Bakhtin (1992, 2011), we aimed to understand, by analyzing the retextualized memoirs,

how these practices complement each other within the process of orality and writing. As

for the proposal of didactic sequences, the study has been oriented by Dolz and

Scheneuely (2004); as for the memoirs, by the guidelines of Coracine and Ghiraldelo

(2011) and Le Goff (2010, 2013). In this way, this work followed the action-research

methodology in a qualitative approach, considering the teacher (researcher) as an active

agent involved in the process of knowledge production in his own educational practice,

so as to interfere in the mediation, knowledge production and its dissemination in

classroom context, which is the privileged locus for constructing and transforming

process. There is much to be research within the area of retextualization. Yet we

verified that this educational intervention, based on discursive operators of

retextualization, has been proven viable as an efficient path so that we teachers can

work the peculiarities of usages and functions of textual genres in oral and written

modalities of a language, without grasping both as a dichotomy. This accredited us to

strengthen a discourse that undoes many myths still present in that order, especially the

one that causes more damage for the learners of Portuguese language – that writing is a

representation of speech.

KEYWORDS: Retextualization. Orality and writing. Memoirs.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

MEC Ministério da Educação e Cultura

OD Operações Discursivas

ONLP Olimpíada Nacional de Língua Portuguesa

PCN Parâmetros Curriculares Nacionais

PNLD Programa Nacional do Livro Didático

PISA Programa Internacional de Avaliação de Alunos

RF Retextualização Final

RI Retextualização Inicial

T Transcrição

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LISTA DE QUADROS

Quadro 01 Classificação dos gêneros ................................................................... 24

Quadro 02 Fala e escrita no contínuo dos gêneros................................................ 29

Quadro 03 Modelo das operações textuais-discursivas na passagem do texto

oral para o texto escrito........................................................................

52

Quadro 04: Sequência didática............................................................................... 65

Quadro 05: Transcrição e Produções textuais *Rafael........................................... 73

Quadro 06: Transcrição e produções textuais *Pedro......................................... 75

Quadro 07: Transcrição e produções textuais *Carlos........................................... 76

Quadro 08: Transcrição e produções textuais *Luís............................................... 79

Quadro 09: Transcrição e produções textuais *Luíza............................................. 81

Quadro 10: Transcrição e produções textuais *Joana............................................. 83

Quadro 11: Transcrição e produções textuais *Sinara............................................ 84

Quadro 12: Transcrição e produções textuais *Sofia............................................. 86

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 12

2 GÊNEROS TEXTUAIS NA ORALIDADE E NA ESCRITA:

APONTAMENTOS TEÓRICOS.......................................................................

19

2.1 ESTUDOS SOBRE GÊNEROS DO DISCURSO A PARTIR DE BAKHTIN.... 20

2.2 ORALIDADE X ESCRITA: INTERFACES DE PRÁTICA PEDAGÓGICA .... 28

2.3 O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA ATRAVÉS DOS GÊNEROS

TEXTUAIS ...........................................................................................................

32

2.4 OS PCN E O ENSINO COM GÊNEROS TEXTUAIS......................................... 36

2.5 O GÊNERO TEXTUAL MEMÓRIAS ................................................................. 40

2.5.1 Sobre memórias.................................................................................................... 40

2.6 PROCESSO DE RETEXTUALIZAÇÃO EM ATIVIDADES ESCOLARES .... 47

2.7 SEQUÊNCIA DIDÁTICA..................................................................................... 57

3 ASPECTOS METODOLÓGICOS..................................................................... 61

3.1 ABORDAGEM DA PESQUISA........................................................................... 61

3.2 AMBIENTE DA PESQUISA ............................................................................... 61

3.3 CARACTERIZAÇÃO DOS INFORMANTES .................................................... 63

3.4 INSTRUMENTOS DA PESQUISA ..................................................................... 64

3.5 SEQUÊNCIA DIDÁTICA EM PROJETO DE CLASSE.................................... 65

3.6 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE ..................................................................... 70

4 ANÁLISES DOS RESULTADOS ..................................................................... 72

CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 92

REFERÊNCIAS................................................................................................... 95

ANEXOS

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1 INTRODUÇÃO

[...] compreender não é um ato passivo (um mero

reconhecimento), mas uma réplica ativa, uma

resposta, uma tomada de posição diante do texto.

(Carlos Alberto Faraco)

A dicotomia estrita entre a fala e a escrita, tão expandidas nos manuais didáticos

e nos discursos dos professores do ensino fundamental, surge, em paralelo as

deficiências dos alunos em leitura e escrita como desafios do ensino de Língua

Portuguesa das escolas brasileiras. Para superarmos tal dicotomia entre a fala e a escrita

no ensino de língua se faz necessário entendermos a visão imanentista, que engendrou

grande parte das gramáticas pedagógicas ainda em uso. Esta perspectiva voltada para o

código deu origem ao prescritivismo que determinou a norma culta como única e padrão

para o ensino da língua materna e a dividiu com características opostas em língua escrita

e língua falada.

Por conseguinte, a visão imanentista ignora os aspectos dialógicos e discursivos

da língua e foca a separação entre forma e conteúdo, entre língua e uso, gerando uma

perspectiva divisória em dois extremos. Fato que leva o ensino de Língua Portuguesa,

na maioria das escolas públicas e privadas do Brasil, ao estrito e puro ensino de

nomenclaturas e regras gramaticais. Dessa forma, essa prática engessada, inflexível e

sem vida do estudo da língua, distancia e dificulta a compreensão que os aprendizes

fazem entre a língua ensinada e aprendida na escola, daquela usada no contexto das suas

práticas sociais que ocorrem no trabalho, escola, cotidiano, família, lazer, entre outros.

No campo linguístico, vários pesquisadores da área desenvolveram estudos e

comprovaram que um ensino de língua para ser eficiente, e de fato fazer sentido para o

aprendiz, deve contemplar os mais diversos gêneros textuais nas modalidades escrita e

oral. De forma que essa língua atenda às necessidades de interação comunicativa do

usuário falante nos mais diversos contextos sociais.

Apontando para a melhoria da qualidade de ensino, Geraldi (2006), há várias

décadas, orientava o estudo do texto em sala de aula como o meio mais adequado e fácil

para o ensino de Língua Portuguesa. Nessa perspectiva, diante do fracasso escolar que

se desenhara no Brasil, Ministério da Educação – MEC elaborou e adotou na década de

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90, esta orientação proposta pelo autor, nos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN,

que se configura como o documento oficial do país que passou a orientar o trabalho

pedagógico em sala de aula, tentando quebrar os paradigmas que norteavam, até então, a

prática escolar.

Sob esse novo olhar, os alunos seriam coautores do conhecimento, refletiririam

sobre a língua, seja na modalidade escrita ou oral, objetivando o desenvolvimento de

diversas competências. Ademais, considerar-se-ia a diversidade de textos que poderiam

ser lidos, ouvidos e produzidos nas mais diversas situações de interação.

Diante dessa perspectiva, destacamos a grande atuação de Marcuschi (2010),

linguista e pesquisador, com a obra (Da fala para a escrita: atividades de

retextualização), a qual serviu como âncora e norte para o desenvolvimento da

intervenção pedagógica, uma vez que propiciou aos alunos e ao docente, envolvidos

nesse estudo, fazerem uma reflexão quanto à importância de uso sociointeracional da

fala e da escrita dentro de uma língua. Como também, oportunizaria que essa língua se

concretiza em gêneros textuais que percorrem uma gradação comunicativa em usos

formais, informais, orais e escritos para atender às necessidades de interação e

comunicação nas diversas áreas de atividades humanas.

A linguagem constitui-se e concretiza-se dentro dessas atividades humanas, que

por sua vez evoluem, transformam-se, modernizam-se dentro de contextos sócio-

histórico, econômico e cultural. Isso corrobora o fato de que a língua está para atender

as necessidades comunicativas do falante materializada em textos orais e escritos que

requerem a realização de atividades cognitivo-discursivo.

A obra de Marcuschi (2010), como foi mencionada, trata de nove operações de

retextualização da fala para a escrita e segue nesta linha que sustenta essa intrínseca

relação entre a linguagem e as atividades humanas. Esses operadores ocorrerão em

atividades propostas e desenvolvidas pelos sujeitos envolvidos na pesquisa numa

situação real de comunicação. Tais atividades, favoreceram o estudo de textos orais e

escritos em situações concretas de interação comunicativa numa língua contextualizada,

viva, mutante e inserida na vida social dos falantes.

De fundamental importância para esta pesquisa, ressaltamos a grande

contribuição do Círculo de Bakhtin que foi pioneiro nos estudos dos gêneros discursivos

ao sustentar que a língua é interação. E essa se realiza através de enunciados com e para

o outro. Essa visão embasou e credenciou os PCN, cuja indicação orienta que o

professor precisa realizar ações didáticas que privilegiem a diversidade de gêneros

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textuais para a prática de leitura e produção de textos orais e escritos numa perspectiva

de uso da linguagem como meio de interação social.

Essa contribuição do Círculo bakhtiniano revela a identidade de um gênero

discursivo sobre três aspectos: o conteúdo temático, o que é dito; a estrutura

composicional, a organização do que foi dito e do estilo, no que se refere aos meios

linguísticos que foram operados para a realização da comunicação.

A grande importância dos gêneros textuais é facilitar a comunicação verbal, em

situação real de comunicação com sujeitos participantes do processo social no qual

estão inseridos. Isso se contrapõe ao equívoco de gramáticos tradicionalistas que

estudam a língua como algo imutável e estanque, sem levar em conta a vivência

contextual, social, histórica e política desses sujeitos.

A criação dos PCN, documento curricular oficial, e a sua posterior divulgação

para as escolas brasileiras caracteriza-se como motivação e agregação de novos saberes

e novas práticas pedagógicas para o ensino de Língua Portuguesa. Essas nortearão as

atividades realizadas por especialistas, pesquisadores e professores dessa área com

embasamento teórico focados na interação do conhecimento trabalhado em sala de aula

e nas suas transversalidades com outras áreas do conhecimento.

Dentre os incontáveis gêneros textuais circulantes nas interações humanas onde

se demande a linguagem, selecionamos o gênero memórias para trabalharmos os

processos de retextualização. Pois, entendemos que é, por excelência, um dos mais

adequados para esse intento. Sobretudo, por ser propício ao trabalho com produção

textual nas modalidades escrita e oral da língua com alunos dos anos finais do ensino

fundamental.

Além do mais, a escolha se justifica, também, pelas experiências exitosas da

Olímpiada de Língua Portuguesa (ONLP) – Escrevendo o futuro, evento de cunho

nacional organizado e divulgado pelo Ministério da Educação que mobiliza a maioria

das escolas públicas brasileiras. Abrange todas as faixas etárias dos ensinos

fundamental e médio. Nesse concurso, o gênero textual memórias é o indicado para se

trabalhar atividades de produção textual com os alunos do nono ano.

A memória sempre esteve atrelada à vivência do homem para se guardar

informações, vestígios e reminiscências de acontecimentos e fatos passados, seja no

campo individual, seja no campo coletivo. Para isso, o homem usa de suas funções

psíquicas, o que de fato o diferencia de outras espécies animais, para atualizar, para

rememorar para construir ou desconstruir a sua evolução histórica no campo das

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ciências humanas. A memória se completa não só por lembranças e recordações, mas,

também por esquecimentos.

Conforme Meudlers, Brion e Lieury (1971, p. 785-791) e Florès (1972), o estudo

da memória abarca a psicologia, a psicofisiologia, a neurofisiologia, a biologia e, quanto

às perturbações, das quais a amnésia é a principal, a psiquiatria.

As narrativas humanas que sempre permearam as relações sociais do homem

ocorrem graças à auto-organização da memória. Decorrendo daí uma estreita ligação

dessa memória com a linguagem. Conforme corrobora, Henri Atlan (1927, p. 461)

A utilização de uma linguagem falada, depois escrita, é de fato uma

extensão fundamental das possibilidades de armazenamento da nossa

memória que, graças a isso, pode sair dos limites físico do nosso corpo

para se interpor quer nos outros, quer nas bibliotecas. Isso significa

que, antes de ser falada ou escrita, existe uma certa linguagem sob a

forma de armazenamento de informações na nossa memória.

A memória coletiva humana é composta de vestígios, esses que por sua vez, são

apresentados pelo homem com outras releituras que podem acarretar em silêncios,

esquecimentos, antecipações, retardamento ou distorções quanto aos registros de acordo

com os interesses das classes e ou grupos de indivíduos que detêm o poder, dominaram

e ou dominam as sociedades históricas.

Após justificarmos as várias razões para se trabalhar o gênero textual memórias

em processos de retextualização, da fala para a escrita, nesta pesquisa, apontamos como

um dos problemas do ensino de Língua Portuguesa das escolas públicas e privadas

brasileiras a pouca ênfase que se dar ao estudo de gêneros textuais nas modalidades oral

e escrita. O primeiro, raramente se ensina; o último, quando muitos professores

acreditam que estão realizando, dar-se de forma distorcida e equivocada, pois, na

maioria das vezes, usam o texto como pretexto para se decorar regras e nomenclaturas

gramaticais.

Poucos são os docentes de Língua Portuguesa neste país, seja no ensino

fundamental, seja no ensino médio que, de fato, exploram os mais diversos gêneros

textuais para o ensino de leitura, de escrita e da oralidade considerando os aspectos

linguísticos, interacionais e composicionais presentes no texto. O aluno não encontra

sentido em estudar uma língua quase sem funcionalidade: mecânica, abstrata e

descontextualizada da sua vivência, do seu uso e da sua interação social. Este educando

apresentará pouca competência linguística em leitura e produção de textos em situações

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que lhe requeira localizar tempo, espaço e referenciar pessoas e objetos situados no

texto.

Aprenderá uma língua artificial, estratificada, restrita à escola que nada ou pouco

acrescentará em suas reais situação de comunicação. Exceto, para responder a avaliação

que lhe é cobrado bimestralmente. Pouco importando, se tudo aquilo é esquecido em

pouco tempo.

Como consequência, não é surpresa constatar ainda, um elevado índice de

cidadãos analfabetos e analfabetos funcionais, que embora frequentem ou frequentaram

a escola persistam em compor oficialmente as estatísticas negativas educacionais do

Brasil. Isto, quando se trata de alunos que se submetem a simples testes de

competências que abrangem conhecimentos de leitura, escrita e produção textual.

Mais agravante ainda, são aqueles alunos brasileiros que concluíram o ensino

fundamental (nove anos de estudo), continuarem apresentando sérias deficiências de

conhecimentos científicos e um baixo nível de letramento diante de situações que

exijam o uso da escrita e da oralidade em textos simples. Conforme dados atestados

pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), cujo objetivo é avaliar

alunos de 15 anos, idade média de conclusão da educação básica dos países

participantes, nossos alunos sempre ocuparam as últimas posições do ranking quando

são avaliados em conhecimentos de ciências, matemática e leitura.

O baixo desempenho desses alunos, com raras exceções, acompanhará a sua

vida escolar durante todo o ensino médio, comprometerá a sua possível e futura vida

acadêmica, enfraquecerá a sua qualificação profissional, diminuirá a sua atuação crítica

e cidadã diante da conjuntura política, econômica e social. Enfim, será um ser que quase

sempre precisará de escoras para decisões inerentes ao mundo e a vida.

Os alunos dos ensinos fundamental e médio da Escola Estadual Senador João

Câmara em 2014 não difere da situação exposta. Chegam alfabetizados nas séries finais

do fundamental, mas apresentam um baixo nível de letramento. O ensino desses alunos,

raras vezes, é contemplado com um planejamento ou um projeto político pedagógico da

Escola que na prática associe os conteúdos de aprendizagem à sua linguagem e ao seu

meio de interação cultural e social. Nas poucas oportunidades que esses alunos

trabalham textos, geralmente, os do livro didático, exploram dados contidos na

superfície textual, fazem recortes de frases descontextualizados como pretexto para se

estudar gramática. Pouco é o tempo destinado para se trabalhar o texto quanto à sua

estrutura composicional, função, estilo e situação de comunicação em que ele foi

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produzido, enunciador, destinatário(s), escolha do léxico, as diversas nuances e efeitos

de sentido que as palavras (na sintaxe e na semântica) podem alterar ou provocar.

Diante dessa realidade, nota-se que a vida escolar desse aluno, como leitor e

produtor de textos foi sempre atravessada por obstáculos nas aulas de Língua

Portuguesa, acarretada por desestímulos e apatias ao ensino da língua materna. Como

bem afirmou Antunes (2003) “Tem uma pedra no meio do caminho das aulas de Língua

Portuguesa”, pois a escola desperdiça a oportunidade de instigar e despertar nesses

alunos o prazer envolvente que um verdadeiro e significativo estudo da língua pode

lhes proporcionar.

A partir de 2013 até a atualidade, quando passamos a trabalhar na Escola

Estadual Senador João Câmara, constatamos que essas pedras estavam presentes de

forma cristalizada em cada turma na qual realizávamos atividades que contemplavam

leitura, escrita e oralidade nos mais diversos gêneros textuais. Fator que nos

impulsionou a realizar este trabalho, o qual vem sendo construído e continuará sempre,

visto que ele é um processo inacabado.

Em paralelo a esta pesquisa está o fato dessa escola participar das Olimpíadas de

Língua Portuguesa que abrange os níveis de ensinos fundamental e médio com

produções textuais de poesia; textos predominantemente narrativos (memórias), esses

adequados ao nível de ensino cuja intervenção pedagógica se realiza; e os textos

argumentativos (artigo de opinião) dentro da temática “O lugar onde vivo.”. Nossas

inquietações com este cenário escolar desencadearam algumas questões norteadoras:

1) Como os alunos e o professor envolvidos nesta pesquisa concebem o ensino

da escrita através de textos nas modalidades faladas e escrita?

2) Qual a reflexão dos alunos e do professor envolvidos nesta pesquisa sobre a

importância de textos orais e escritos para o estudo da Língua Portuguesa?

3) O processo de retextualização é possível e útil para o ensino de Língua

Portuguesa?

4) Todos os gêneros textuais podem ser retextualizados?

O objetivo geral desta pesquisa foi analisar a importância do ensino de Língua

Portuguesa a partir dos gêneros textuais com ênfase na retextualização da fala para a

escrita no gênero – memórias.

Para ampliarmos essa discussão, contemplamos como objetivos específicos:

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1) apropriar-se do gênero textual - memórias – nas modalidades escrita e

oral;

2) identificar as peculiaridades que ocorrem nas modalidades escrita e oral

nos gêneros textuais;

3) verificar a concepção de gêneros textuais pelo professor e alunos

envolvidos nesta pesquisa;

4) elevar a competência linguística dos alunos em escrita e oralidade;

5) analisar os processos de retextualização – da fala para a escrita - do

gênero textual (memórias) produzidos pelos alunos;

6) perceber que as modalidades linguísticas (fala e escrita) ocorrem em um

contínuo de maior ou menor formalidade, desde que adequadas aos

propósitos interacionais e comunicativos dos interlocutores;

7) refletir que a modalidade escrita não prevalece sobre a oralidade e vice-

versa.

A dissertação está organizada e estruturada da seguinte forma, no primeiro

capítulo destacamos os aportes teóricos, no segundo, os aspectos metodológicos, no

terceiro capítulo, a análise e, finalmente, as considerações finais.

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2 GÊNEROS TEXTUAIS NA ORALIDADE E NA ESCRITA:

APONTAMENTOS TEÓRICOS

Para falarmos sobre linguista textual e a visão interacionista da língua devemos

considerar, a princípio, a contribuição da escola estruturalista embasada nas propostas

pioneiras de Ferdinand de Saussure. As novas escolas linguísticas pós-estruturalistas,

embora enfatizem a interação como um suporte fundamental para o estudo dos gêneros

textuais de uma língua, reconhecem essa como uma estrutura ou um sistema, sendo

missão do linguista estudar e analisar a organização e o funcionamento dos seus

elementos constituintes.

Para Saussure (1975), a língua é um conjunto de unidades que obedecem certos

princípios de funcionamento, construindo um todo coerente a partir de um sistema de

regras que internalizamos socialmente desde cedo para concretizarmos a comunicação.

Para o estruturalismo a língua é forma (estrutura) independente da substância da

qual ela se manifeste, de forma que a língua deve ser estudada em si mesma e por si

mesma. Desse modo, despreza toda manifestação extralinguística excluindo todas as

relações sociais, culturais, geográficas, artísticas etc com a língua.

A dicotomia entre língua e fala prepondera no estruturalismo, uma vez que este

autor considera a linguagem como o lado social, a língua como sistema depositado

virtualmente no cérebro de cada indivíduo de uma comunidade, enquanto a fala está

para o lado individual que requer do falante vontade e inteligência. Ainda de acordo

com Saussure, a língua é condição da fala, uma vez que, quando falamos, estamos

submetidos ao sistema estabelecido de regras que corresponde à língua.

Muito do que temos no ensino de Língua Portuguesa nas escolas brasileiras

está atrelada a concepção estruturalista, isso, justifica o porquê de se usar tanto os

gêneros escritos em detrimento dos orais.

Considerando as repercussões das pesquisas linguísticas nas práticas

pedagógicas e suas implicações para o ensino de língua materna, direcionamos nosso

estudo para reflexão sobre as atividades de produção textual no contexto de sala de aula

do ensino fundamental.

Nesse sentido, procuramos focalizar a relação fala / escrita, propondo uma

intervenção pedagógica na qual fossem desenvolvidas ações didáticas que

privilegiassem o processo de retextualização a partir do gênero textual memórias.

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Para consecução deste propósito fundamentamo-nos nas orientações contidas na

proposta educacional vigente, que aponta para os textos (orais e escritos), como objeto

de ensino de Língua Portuguesa, como também na diversidade de gêneros que circulam

no âmbito social. Além disso, buscamos aprofundar a discussão teórica sobre gêneros e

mais especificamente sobre a produção textual, e o processo de retextualização que

envolve a oralidade e a escrita.

Nesta seção pretendemos reconstruir o aparato teórico que embasou as reflexões

sobre o ensino da produção textual e dos gêneros, ancorado nas investigações

linguísticas desenvolvidas por pesquisadores tais como Bakhtin (1992), Marcuschi

(2002), dentre outros, que contribuíram para a construção do entendimento que temos,

hoje, sobre a relevância do texto e dos gêneros na sala de aula.

2.1 ESTUDOS SOBRE GÊNEROS DO DISCURSO A PARTIR DE BAKHTIN.

A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque

são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e

porque em cada campo dessa atividade é integral o repertório de

gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à medida que se

desenvolve e se complexifica um determinado campo.

(Mikhail Bakhtin, 2001, p. 262)

Sabemos que toda e qualquer discussão sobre linguagem envolve

necessariamente a interação, não havendo como conceber aquela sem levar em conta as

relações que se constituem entre os sujeitos no momento em que se comunicam em

diferentes esferas humanas. Desse modo, nos alinhamos com Antunes (2014, p. 23),

quando afirma:

[...] se a linguagem, por natureza, é interativa, qualquer língua,

também, se constitui, essencialmente, como atividade de interação, em

que duas ou mais pessoas, reciprocamente, se empenham em cumprir

algum propósito comunicativo numa dada situação social.

Sendo assim, a comunicação através da linguagem abrange todas as relações

sociais contidas em diferentes campos das atividades humanas, por isso podemos

afirmar que o sujeito se constitui e é constituído pela linguagem, pois todo e qualquer

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discurso requer a presença do falante (locutor), de um enunciado e de um ouvinte

(interlocutor, passível de revezamento de turnos), que implica uma resposta.

Partindo do princípio de que o sujeito se constitui por meio da linguagem nas

diversas esferas comunicativas, todo o processo de ensino e aprendizagem da língua

materna deve partir e caminhar numa estreita relação com os espaços para que esse

sujeito possa apropriar-se da língua; com os processos de construção e reconstrução de

conhecimentos, como também com a vida política, social e cultural desse sujeito.

Para Geraldi (1997), a interação encontra-se alicerçada nos seguintes

constituintes: a) a situação histórico-social que é o meio no qual acontecem às

interações entre os sujeitos; b) uma relação entre um eu e um tu; c) a relação

interlocutiva compartilhada pelos sujeitos por meio de operações discursivas; d) os

efeitos de sentidos produzidos são significativos porque requerem a presença de sujeitos

ativos e; e) o trabalho social e histórico de produção de discurso desenvolvido

continuamente por meio da língua enquanto sistema aberto.

Seguimos esse raciocínio, acordados a Bakhtin (2009, p. 177) quando destaca a

importância da orientação da palavra em função do interlocutor, uma vez que, “na

realidade toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que

procede de alguém, como pelo fato que se dirige para alguém. Ela é constitutivamente o

produto da interação do locutor e do ouvinte”. Sendo assim, o estudo do discurso entre

sujeitos nas diversas esferas discursivas ocorre por meio da linguagem, tendo em vista

que essa é constitutiva de uma realidade social de caráter político e ideológico.

Vale salientar que no processo interacional que se realiza entre os interlocutores

“a língua efetua-se em forma de enunciado (orais e escritos) concretos e únicos,

proferidos pelos integrantes” (BAKHTIN, 2011, p. 261), além disso, estes enunciados

se realizam em gêneros que se adequam à multiplicidade de situações comunicativas e

práticas sociais.

Segundo Bakhtin (2011, p. 262), os gêneros discursivos são caracterizados em

seus planos de composição, conteúdo e estilo, conforme especificamos:

a) Plano composicional, com destaque para os elementos de composição

estrutural para determinado texto. Quando pensamos, por exemplo, num gênero

discursivo como um conto de suspense narrativo, logo esperamos um texto que

apresente a seguinte composição: um enredo (como), personagens (quem), tempo

(quando), espaço (onde) e o conflito que determinará as partes do enredo (apresentação,

complicação, clímax e a conclusão)

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b) O conteúdo temático refere-se ao tema esperado no tipo de produção em

destaque. Se tratarmos do gênero textual memórias narrativas, por exemplo, esperamos

um texto com expressões em primeira pessoa usadas pelo narrador ‘eu me lembro’,

verbos que remetem ao passado ‘lembrar’, palavras em desuso usadas na época como

‘esfrego’, participação de outros personagens na narrativa e;

c) O estilo que engloba o tema e o conteúdo sempre atrelado a determinadas

unidades temáticas e, principalmente, a determinadas unidades composicionais.

Exemplo, o estilo de formalidade linguística exigido no gênero textual memorial

acadêmico não é o mesmo que se exige para memórias narrativas. Os três juntos, a

composição, o conteúdo e o estilo é que definem e diferenciam um determinado gênero

discursivo de acordo com as especificidades de um determinado campo da

comunicação.

Sendo assim, o discurso só se constitui enquanto tal nos enunciados dos sujeitos,

que trazem sempre a necessidade de serem respondidos. Nessa direção, Bakhtin (2011,

p. 272) defende que todo enunciado deve ser constituído levando em consideração o

interlocutor a que se endereça; uma resposta desse destinatário imbuída de uma atitude

responsiva e a alternância dos sujeitos do discurso. Tal atitude responsiva implica na

compreensão do significado linguístico do discurso que obrigará o ouvinte a assumir

uma posição de concordância ou não concordância parcial ou total do seu interlocutor.

Desse modo, o falante ao assumir um discurso não espera somente uma resposta tácita

das suas ideias, ele é um respondente tanto quanto o ouvinte.

O autor assevera, ainda, que todo e qualquer enunciado criado pelo sujeito

carrega uma gama, em maior ou menor grau, de outros enunciados já proferidos, logo, o

falante não foi o primeiro a falar, uma vez que o seu discurso é entrelaçado numa

corrente de enunciados alheios. Isso não minimiza o valor do seu enunciado

concretizado por meio da linguagem para atender uma solicitação das práticas sociais

que naquele instante torna-se único e inerente a tal falante numa unidade real de

comunicação.

Nessa perspectiva, seguimos Bakhtin (2011), visto que o discurso só se realiza

na forma de enunciados concretos e singulares proferidos por sujeitos discursivos dentro

de uma esfera das mais variadas atividades humanas em que se requer comunicação.

Em realidade, porém, só há enunciado se houver o destinatário (o outro), uma

vez que tais enunciados se efetivam em contextos concretos de comunicação dos seres

humanos em práticas discursivas. Tais enunciados necessariamente aguardam uma

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futura resposta dos interlocutores reais ou virtuais num constante diálogo que se utiliza

da linguagem. Ou seja, cada situação comunicativa é produzida e constituída por

enunciados. Esses que são permeados de signos valorados e, segundo Bakhtin (2011, p.

271-272),

[...] toda compreensão da fala viva, do enunciado é de natureza

ativamente responsiva (embora o grau desse ativismo seja bastante

diverso); toda compreensão é prenhe de resposta, e nessa ou naquela

forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte se torna falante. [...] toda

compreensão plena real é ativamente responsiva e não é senão uma

inicial preparatória da resposta seja qual for a forma que ela se dê.

Desse modo, partindo do princípio de que todo enunciado é vivo, dinâmico,

heterogêneo, dialógico, necessita de resposta e se encadeia em elos com outros

enunciados proferidos anteriormente, há de se convir que o próprio falante, precisa do

discurso do outro para posicionar-se em diferentes situações comunicativas das

atividades humanas.

Nessa situação, se faz necessário o acabamento (conclusibilidade) do discurso

pelo falante, de forma que o enunciatário acredite que o tema foi esgotado, pelo menos

momentaneamente. Por conseguinte, o interlocutor assumirá uma posição ativamente

responsiva de compreensão em que se requer uma resposta, momentânea ou não, de

forma que se alternem os discursos entre os sujeitos envolvidos, haja vista que “os

limites de cada enunciado como unidade da comunicação discursiva são definidos pela

alternância dos sujeitos do discurso” (Bakhtin, 2011, p. 275). Essa alternância de

interlocutores configura-se como uma das principais características concretas de um

enunciado.

A alternância dos sujeitos, a conclusibilidade e a vontade discursiva (essa que se

efetiva pela escolha de um gênero discursivo nas esferas comunicativas humanas)

constituem as peculiaridades do enunciado, segundo o círculo de Bakhtin.

Bakhtin ainda diz que (2011, p. 262), “os gêneros discursivos são tipos

relativamente estáveis de enunciados”. Seguindo essa linha, concordamos com o autor,

pois se os gêneros discursivos por meio dos enunciados estão atrelados às atividades

humanas e essas são heterogêneas e irregulares por natureza, as formas de linguagem

produzidas em toda e qualquer situação de comunicação não podem ser conduzidas por

sistema fixo de estruturas padronizadas da língua.

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Desse modo, “[...] A diversidade de gêneros é determinada pelo fato de que eles

são diferentes em função da situação, da posição social e das relações pessoais de

reciprocidade entre os participantes da comunicação [...]” (BAKHTIN, 2011, p. 283).

Além disso, os gêneros são instrumentos que possibilitam a organização e a

compreensão dos discursos das pessoas nas mais diversas esferas de comunicação, por

isso tornam-se, relativamente permanentes por razões sócio-históricas, uma vez que

podem sofrer modificações.

Bakhtin (2011, p. 263-264) caracteriza os gêneros discursivos como

heterogêneos, classificando-os em primários e secundários, cujas especificidades

apresentamos a seguir:

Quadro 01: Classificação dos gêneros.

Gêneros Primários Gêneros Secundários

. Situações voluntárias

. Sem Planejamento meticuloso

. Espontâneos

. Marcas da escrita

. Uso de formas padronizadas de organização

. Formalização das práticas sociais

Fonte: Bakhtin (2011, p. 263-264)

Todavia, o autor revela que um gênero discursivo secundário pode comportar

partes de gêneros primários, o que nos faz perceber a existência de gêneros híbridos,

haja vista a evolução e a transformação das práticas sociais.

Ainda de acordo com Bakhtin (2011), os gêneros discursivos são estabelecidos

por coerções entre as atividades humanas e o uso da língua. Os sujeitos em suas

alternâncias linguísticas, orais ou escritas, constroem sentidos e significados em suas

práticas discursivas constituídas por conhecimentos prévios, papéis sociais e a situação

específica de comunicação.

Vale salientar que nos estudos sobre os gêneros, Bakhtin (1992) categoriza-os

como “gêneros discursivos”, enquanto Marcuschi (2002) denomina-os de gêneros

textuais. Nesta pesquisa adotaremos gêneros textuais por acompanharmos a linha de

pensamento de Marcuschi quando trata de processos de retextualização – da fala para a

escrita.

Os gêneros textuais sempre foram fenômenos históricos atrelados à vida social e

cultural, haja vista que estabilizam, com certa flexibilidade, as atividades comunicativas

diárias. De acordo com Bakhtin (1997), “são relativamente estáveis”, portanto, são

eventos maleáveis, dinâmicos e plásticos. Dessa forma, afirma que os gêneros são

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rotinas construídas socialmente por estarem diretamente entrelaçados às atividades

sócio-culturais, podendo em decorrência do tempo, numa determinada língua,

apresentarem redução de uso, serem estabilizados, incorporados a outros, sumirem e ou

evoluírem de acordo com as necessidades mais urgentes e funcionais dos falantes.

Para Bronckart (1999, p.103), “a apropriação dos gêneros é um mecanismo

fundamental de socialização, de inserção prática nas atividades comunicativas

humanas”, dessa forma, afirmamos que os gêneros textuais agem em determinados

contextos, como meio de autenticação do discurso.

Se atentarmos para a evolução histórica dos gêneros, vamos perceber que havia

nas sociedades primitivas a predominância dos gêneros orais1, mas após a expansão da

escrita, das culturas impressa e eletrônica surgiram a multiplicação, a expansão e a

explosão de novos gêneros orais e escritos.

Marcuschi (2002), afirma ser difícil uma definição formal para os gêneros

textuais,2 pois, esses são contemplados por usos pragmáticos e caracterizados como

práticas sobre o mundo. Segundo o autor, utilizamos a expressão gênero textual como

uma ideia intencionalmente instável para apresentar os textos concretizados que

encontramos em nosso cotidiano e que apresentam características sociocomunicativas

estabelecidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição, sendo os

gêneros textuais incontáveis.

Marcuschi (2002, p. 22) defende, ainda, que os gêneros textuais são os reflexos

de estruturas sociais recorrentes e típicas de cada cultura, fundando-se em critérios

externos (sócio comunicativos discursivos), enquanto os tipos textuais baseiam-se em

critérios internos (linguísticos e formais) e são usados para definir uma condição de

construção teórica definida pela essência linguística de sua composição (aspectos

lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas). São compostos por cerca de meia

1 O Conto oral é definido por André Jolles, no livro Formas simples (1976, p. 195), “como uma forma

simples”, cuja linguagem “permanece fluida, aberta, dotada de mobilidade e de capacidade de renovação

constante”. Vale lembrar que o texto de Jolles é de 1930. “O memorável é a forma mais familiar na época

moderna: desde que o universo seja apreendido como uma coleção ou um sistema de realidades efetivas,

o memorável é o meio que permite fragmentar esse universo indiferenciado, estabelecer diferenças, torná-

lo concreto”. (JOLLES, 1976, p.179).

2 O trabalho com a produção e a compreensão textuais nas aulas de Língua Portuguesa ainda é tisnado

pela confusão que se faz entre gêneros e tipologias textuais. Embora ambos se completem na forma e

função da produção final de um texto, poucos docentes distinguem seus limites. Não raro, flagramos

muitas práticas pedagógicas que limitam o ensino com gêneros às tipologias textuais, além dos livros

didáticos que pouco contribui para sanar essa questão. Isto tolhe o vasto campo das práticas discursivas

que o falante poderia exercer por meio da linguagem.

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dúzia de categorias sem perspectivas de alteração: narração, argumentação, exposição,

descrição, injunção e explicativo.

Marcuschi (2008, p.150) mostra-se bastante incisivo ao afirmar que, “todos os

gêneros textuais têm uma forma e uma função, bem como um estilo e um conteúdo, mas

sua determinação se dá basicamente pela função e não pela forma.”, visto que as

características funcionais dos gêneros textuais (comunicativas, cognitivas e

institucionais) se sobrepõem às propriedades linguistas e estruturais. Isso, não implica

em um abandono da forma e da estrutura linguística no ensino de produção textual,

visto que, essas também, em conjunto com o suporte e o ambiente se efetivarão na

composição e determinação comunicativa do texto.

Seguindo o raciocínio de Bakhtin (1997) que tratou da assimilação de um gênero

textual por outro quando usou o termo “transmutação”, Marcuschi (2010) cita os novos

gêneros textuais criados pelas novas tecnologias da comunicação como eventos

comunicativos não inovadores, uma vez que se firmam em gêneros textuais já

existentes. Como exemplo, citamos o email que embora possa ser definido como

suporte ou gênero textual carrega em suas funções e estrutura determinadas

características das cartas e bilhetes.

Esses ‘novos’ gêneros textuais muito presentes no atual contexto sócio-histórico

e cultural da sociedade, principalmente, entre os sujeitos mais jovens, apresentam, cada

vez mais, uma vasta gama de semioses compostos de uma linguagem plástica,

imagética e híbrida, corroborando com a quebra do mito que sempre insistiu em tratar

as modalidades orais e escritas em dois pólos opostos.

Nessa linha, Marcuschi (2003, p.17) defende que “oralidade e escrita são

práticas e usos da língua com características próprias, mas não suficientemente opostas

para caracterizar dois sistemas linguísticos nem uma dicotomia”. Uma das grandes

contribuições da linguística textual é reconhecer e apontar esse hiato existente entre a

oralidade e a escrita ainda presente no ensino de Língua Portuguesa. Contribuição essa

que não se limitando apenas em mostrar o problema, mas sugerir e indicar caminhos

para dirimi-lo.

Para Marcuschi (2002), não se pode conceber um estudo de língua sem levar em

consideração os textos nos seus aspectos discursivos e enunciativos, privilegiando a sua

natureza funcional e interativa em detrimento de aspectos formais e estruturais.

Outro importante fator para o estudo da produção textual são os domínios

discursivos que aparecem como compartimentos não físicos para comportar os gêneros

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textuais, uma vez que são muito abrangentes para serem considerados textos ou

discursos. São esferas de atividades humanas no campo jurídico, jornalístico, cotidiano,

discurso religioso etc. Diferem dos suportes de gêneros, por estarem no campo de

instâncias discursivas.

Marcuschi (2002) aponta ainda, os gêneros textuais como entidades

comunicativas não formais, asseverando que são formas verbais de ação social

relativamente estáveis realizados em textos situados em comunidades de práticas sociais

em domínios discursivos específicos. Não devem ser definidos mediante propriedades

fixas, pois mesmo na ausência de parte dessas, continuam como gênero textual. Para

aclarar tal afirmação citamos o exemplo clássico de uma carta pessoal. Embora o

produtor deixe de assiná-la não perderá a autenticidade como gênero textual.

Pela dinamicidade, a maleabilidade e o hibridismo que sempre norteiam os

gêneros textuais há peculiaridades, por conseguinte, defendidas por Marcuschi (2002)

como a intertextualidade inter-gêneros, um gênero com a função de outro e a

heterogeneidade tipológica, um gênero textual com a presença de vários tipos. O autor

esclarece que no primeiro caso, podemos ter como exemplo o caso de uma sentença

judicial em forma de uma bula de medicamento. No segundo caso, bem mais comum,

podemos ter nessa mesma sentença judicial a presença das seguintes tipologias textuais

(argumentação, descrição, narração e explicação).

A esse respeito, Koch (2012) afirma que,

Construir um gênero textual com a forma de outro é um fenômeno que

passou a chamar a atenção dos estudiosos do texto na esteira das

pesquisas recentemente realizadas sobre gêneros textuais. Na verdade,

é um fenômeno muito comum na produção textual realizada, em

especial, no domínio da publicidade, em que há espaço privilegiado

para a expressão da criatividade do produto. Esse hibridismo costuma

causar um efeito muito maior se comparado ao que causaria o

convencionalmente aceito ou esperado em igual situação, por conter o

traço da inventividade, da criatividade, do ineditismo.

O hibridismo no atual contexto sócio-histórico tem uma forte presença nos

‘novos’ gêneros textuais propiciados pelos aparatos tecnológicos do século XXI que são

ligados às esferas de comunicação. Nesse sentido, a escola deixa de explorar parte das

competências discursivas dos alunos tão latentes em suas práticas sociais. Essas que se

transformam e se revestem numa celeridade pouco acompanhada nas aulas de Língua

Portuguesa do ensino básico e pelos manuais didáticos.

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2.2 ORALIDADE X ESCRITA: INTERFACES DE PRÁTICA PEDAGÓGICA.

Embora na história da humanidade a fala tenha precedido à escrita e seja mais

constante nas relações sócio-culturais comunicativas dos usuários de uma língua, o

ensino de Língua Portuguesa sempre foi pautado, prioritariamente, na escrita.

Mesmo quando os professores levam para as suas aulas alguns exemplares de

textos orais, esses não são explorados para os alunos em sua essência, visto que, tais

produções são cooptadas, muitas vezes, a assumirem características inerentes à escrita.

Isto ocorre mesmo em situações em que se considere o contexto da interação

comunicativa, o ambiente e a situação sócio-histórica de produção textual.

Comumente, detectamos práticas pedagógicas que solicitam aos aprendizes da

língua a transformação de obras e textos orais da cultura popular em textos escritos de

acordo com a norma padrão. Essa modificação, além de não acrescentar autonomia e

autenticidade na competência discursiva do produtor textual, descaracteriza o texto.

Uma vez que esse foi produzido num determinado contexto regionalizado, num

ambiente propício àquela situação comunicativa para um determinado meio de

circulação.

Esse grande equívoco do ensino de língua só ajuda a perpetuar o mito de que a

escrita é mais prestigiada do que a fala, criando uma extremidade entre as duas.

Marcuschi, (2010, p. 28), explica que a perspectiva da dicotomia estrita tem o

inconveniente de considerar a fala como o lugar do erro e do caos gramatical, tomando a

escrita como o lugar da norma e do bom uso da língua. Nesse aspecto, o autor enfatiza

que as diferenças entre fala e escrita se dão dentro do contínuo tipológico das práticas

sociais de produção textual e não na relação dicotômica de dois pólos opostos.

O gráfico seguinte mostra essa continuidade não linear que os gêneros textuais

assumem para atender o usuário da língua em suas diversas práticas sociais de

comunicação, em virtude da língua se constituir por enunciados e esses se materializarem

nas atividades humanas que por sua vez transformam-se, extinguem-se, evoluem-se, não

havendo como conceber uma língua homogênea, inflexível e padronizada.

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Quadro 02: Fala e escrita no contínuo dos gêneros

Fonte: Marcuschi (2010, p. 38)

Pelo gráfico, GF1 assume o padrão de uma produção textual da fala, uma

conversa espontânea. Enquanto GF2, mesmo também, sendo um gênero textual falado

como uma entrevista pessoal desloca-se para o centro do gráfico por possuir um pouco

das características de um gênero textual escrito. E assim por diante, quanto mais se

afunila o gráfico dos gêneros falados, mais estes assumem características em se

aproximarem do gênero escrito. Um dos maiores estreitamentos de fala versus escrita se

dá a exemplo do gênero textual, conferência acadêmica, pois embora seja oral,

apresenta na sua composição um planejamento da forma e do conteúdo similar às

características da escrita. Invertendo a situação, seguimos o mesmo raciocínio para os

gêneros escritos postados acima da linha horizontal do gráfico. Podemos exemplificar

com o gênero textual artigo científico protótipo da escrita e longínquo das

características da fala. Ao afunilarmos o gráfico, o bilhete, gênero textual escrito passa

a possuir afinamentos com as características da fala. Neste ínterim, no centro do gráfico

situam-se aqueles gêneros textuais mistos que apresentam características da fala e da

escrita, a exemplo de noticiários de TV ou anúncios classificados.

Seguimos a linha do autor, ao concordarmos que a língua está atrelada às

atividades humanas de comunicação em toda sua heterogeneidade e variação, visto que

ela se concretiza em gêneros discursivos falados e escritos que permeiam todas as

situações de contextos comunicativos em situações sócio interacionais.

O gráfico seguinte, elaborado por Marcuschi (2010, p. 41), demonstra com riqueza

de detalhes a clara representação do contínuo dos gêneros textuais na fala e na escrita.

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Fonte: Marcuschi (2010, p. 41)

Diante dessa perspectiva, vários linguistas ratificam o discurso de Marcuschi de

forma a descredenciar essa polaridade entre a oralidade e a escrita tão presentes e

arraigados no cotidiano do ensino de Língua Portuguesa. Antunes (2003, p. 99)

fortalece esse discurso quando diz:

Embora cada uma tenha as suas especificidades, não existem

diferenças essenciais entre a oralidade e a escrita, nem muito menos,

grandes oposições. Uma e outra servem à interação verbal, sob a

forma de diferentes gêneros textuais, na diversidade dialetal e de

registro que qualquer uso da linguagem implica.

Por sua vez Koch (2002), diz que há textos escritos que se situam mais próximos

da fala, a exemplo de uma piada, e há aqueles falados que se aproximam da escrita, a

exemplo de uma entrevista profissional para um alto cargo administrativo.

Segundo Bortoni-Ricardo (2004), a estilística permeia toda relação de interação

desde aquelas totalmente espontâneas até às previamente planejadas, o que requer muita

atenção do falante. Nas situações formais em que não temos intimidade com o

interlocutor há um maior monitoramento, enquanto o contrário ocorre se a relação é de

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proximidade com esse interlocutor. Esse monitoramento da fala ocorre sempre em

função do “ambiente, do interlocutor e do tópico da conversa”.

Esta dicotomia tão difundida entre os textos orais e escritos presentes no ensino

de Língua Portuguesa nas escolas brasileira tem, claramente, interesses ideológicos das

classes sociais dominantes que insistem em propagar a supremacia da escrita sobre a

fala. Paradoxalmente, essa escola que deveria ser o palco para apaziguar ou amenizar

tais equívocos em relação ao ensino de língua, colabora para difundi-lo.

Vejamos o exemplo do Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, uma

política educacional de distribuição do livro didático que abrange as escolas públicas

brasileiras. Os manuais didáticos de Língua Portuguesa contemplados no PNLD, com

raras exceções, ainda centram o estudo da língua materna, como se fosse, apenas, um

sistema linguístico fixo com destaque para regras e formas gramaticais. Esse

instrumento, na maioria das vezes, torna-se o único recurso do professor e dos alunos

para o ensino de língua materna.

Os textos escritos apresentados nesses livros são, quase sempre, superficiais em

relação à vivência cultural do aluno. Desse modo, terminam servindo para extração de

dados constantes na superfície textual e servem, sobretudo, como pretexto para se estudar

nomenclaturas e regras gramaticais. Em menor frequência, abordam textos orais, uma

vez que são produzidos com base fundamentada na língua padrão escrita. Ainda

observamos orientações nesses manuais, seguidas por alguns professores, tarefas

escolares que pedem para os alunos transformarem textos orais da cultura popular para

textos escritos na forma padrão da língua, como exemplo, tomamos a canção “Asa

Branca” de Luis Gonzaga.

Para Marcuschi (2010, p. 35), “O que conhecemos não são nem as

características da fala como tal nem as características da escrita; o que conhecemos são

as características de um sistema normativo da língua”. Isso parece levar os professores,

sem uma fundamentação teórica linguística, a acreditarem e a perpetuarem em suas

aulas a polarização entre textos orais e escritos.

De acordo com Sousa (2007), ao adentrar a escola, a criança já traz consigo

saberes da oralidade que proporciona sua interação social. Tais saberes, constituídos no

âmbito social e nos entrelaçamentos interacionais da criança servem de fundamento para a

construção de novos saberes adquiridos na escola, principalmente a língua escrita.

Considerando-se a ocorrência dos textos orais e escritos em práticas sociais

simultâneas de comunicação não há como caracterizá-los como duas propriedades de

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sociedades variadas. Há uma postura ideológica fomentada, sobretudo no espaço

escolar, de elevar como prestígio social o domínio de textos na modalidade escrita em

detrimento de textos da oralidade.

2.3 O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA ATRAVÉS DOS GÊNEROS

TEXTUAIS.

Antes de aprofundarmos a discussão teórica precisamos destacar que o ensino de

Língua Portuguesa é facilitado e mais prazeroso quando feito por meio de gêneros textuais.

O sujeito poderá até se alfabetizar num ensino sem eles, porém, apresentará dificuldades no

uso da linguagem para produzir e compreender textos, orais ou escritos, nas diversas

situações comunicativas de interação que a vida social exigir. Alves Filho (2001, p. 17)

reforça que aprender por meio de gêneros, “significa também aprender a se adequar a

contextos particulares e a oferecer respostas retóricas adequadas a situações bem

particulares”. Contudo, esse sujeito poderá alargar seus anos de estudo na língua, mas se

persistir a concepção de ensino puramente codificada da língua, continuará com sérias

dificuldades em associar a leitura e a produção de textos as suas práticas sociais.

Portanto, antes de qualquer trabalho pedagógico que envolva produção de textos,

o docente deve orientar os seus alunos a seguirem os caminhos apontados por Geraldi

(1991). Segundo o autor, ao produzir um texto, oral ou escrito, o aluno faz uma ‘proposta

de compreensão’ ao seu interlocutor (ouvinte/leitor). Geraldi (1991) assegura ainda que

discutir as atribuições das circunstâncias de produção na formação dessa oferta de

compreensão implica que o locutor deve: ter o que dizer e motivos para dizer o que se tem

a dizer; ter um interlocutor e estabelecer-se como locutor (sujeito que diz o que diz e para

quem diz) e por último, selecionar as estratégias para realizar tal proposta de

compreensão.

Para Schneuwly e Dolz (2004), o gênero é utilizado como meio de articulação

entre as práticas sociais e os objetos escolares, principalmente, no domínio da produção

de textos orais e escritos. Três pontos são discutidos nessa perspectiva: a noção de

gênero será situada em relação à prática de linguagem e de atividade de linguagem; seu

funcionamento no quadro escolar será examinado um caminho; um caminho será

esboçado para melhor conhecer e precisar esse funcionamento.

Alguns professores de Língua Portuguesa dos níveis de ensino fundamental e

médio das escolas brasileiras apresentam uma nebulosidade em definir uma concepção

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teórica de ensino de língua através de gêneros textuais para as suas aulas. Por

conseguinte, com raras exceções, constatamos nessas aulas um ensino tácito ao que está

posto nos livros didáticos, e uma réplica do modelo tal qual aquele docente foi

alfabetizado. Alves Filho (2001, p. 73) é bastante enfático nessa questão: “precisamos

pensar e planejar, buscando apoio teórico relevante, as práticas que urgem tomar parte

do cotidiano escolar a fim de que orientemos os alunos a lidarem com a dinamicidade, a

concretude, a riqueza e a utilidade dos gêneros”. Embora, esses professores não

assumam, há uma concepção de ensino relacionada aos gêneros textuais subjacente que

permeia o seu fazer pedagógico.

Para falarmos da importância do ensino de língua através de gêneros textuais se

faz necessário enfocar os pressupostos enunciativos e discursivos bakhtinianos que

caracterizam tais gêneros a partir das esferas de atividades e de comunicação. Diante

dessa perspectiva, não faz sentido para os aprendizes da Língua Portuguesa, receber um

ensino limitado apenas nos aspectos formais e estruturais do texto. Inegavelmente, esses

têm o seu valor na composição final do texto. Porém, de maior relevância nessa

composição são os aspectos relacionados ao contexto sócio-histórico e cultural que

interferirão diretamente na fundamentação e compreensão das produções textuais.

Alves Filho (2011, p. 78) recomenda que o trabalho com os gêneros no contexto

escolar

[...] precisa, antes de tudo, ser realizado não a partir de e com textos

únicos, isolados e descontextualizados, mas com grupos de textos que

possuem características funcionais e retóricas comuns ou parecidas e

que podem nos ajudar a compreender como os grupos sociais

interagem através da linguagem e satisfazem suas necessidades

comunicativas.

O ensino pautado em gêneros textuais muito facilitará a compreensão e produção

textual dos alunos, caso esses sejam instigados a produzir a partir de critérios claros

como: a forma de dizer, para quem e o que dizer, definição clara do propósito

comunicativo, que gênero textual selecionar para atender tal objetivo comunicativo,

qual o ambiente de produção e de circulação, onde será publicado, se for o caso.

Concordamos com Alves Filho (2001), uma vez que o autor elenca alguns

equívocos que ainda ocasionalmente se fazem presentes em livros didáticos e práticas

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de sala de aula pouco produtivas para o ensino de Língua Portuguesa através de gêneros

textuais. Passaremos aos equívocos:

a) Apenas diversificar os exemplos, não adianta, somente, expor para os alunos

uma grande diversidades de gêneros textuais, sem propor alterações na abordagem, nos

eventos deflagradores (que situação comunicativa social se faz necessário ou se pede o

uso de tal gênero), quais os gêneros textuais antecederam este em uso, nos propósitos

comunicativas e na seleção e reorganização dos textos, haja vista que pouco mudará a

competência genérica dos alunos caso persista o ensino de Língua Portuguesa através de

gêneros pautado somente na forma, no conteúdo (superfície do texto) e nas

classificações (agrupar gêneros por rótulos);

b) Segundo equívoco, Abordar de modo igual gêneros diferentes, a escola ao

trabalhar os gêneros textuais dessa forma acaba ignorando toda diversidade e

heterogeneidade existente neles. Embora, sejam relativamente estáveis como afirmou

Bakhtin (1997), não se orienta concebê-los e estudá-los de forma engessada sem

considerarmos aquilo que o caracteriza no seu propósito comunicativo e o seu

funcionamento. Um determinado tema nem sempre servirá como ponto de partida para a

produção textual de gêneros diferentes. Se há variedades de gêneros, consequentemente

ocorrerá variedade na forma de abordá-los nas atividades de leitura e de produção textual.

c) Terceiro equívoco, Reproduzir acriticamente modelos estruturais. Comumente,

se detecta práticas pedagógicas que se preocupam unicamente em classificar e reproduzir

modelos da composição do gênero, priorizando-o somente como estrutura. Isto nega os

aspectos cognitivos, interativos, sócio-históricos, contextuais e culturais tão necessários

na efetiva autenticidade dos gêneros textuais. Na abordagem de gêneros textuais a função

comunicativa sempre prevalecerá sobre a forma, nunca o contrário.

d) Quarto e último equívoco, Apegar-se excessiva e acriticamente à rotulação,

Embora os professores assumam que trabalham o ensino de Língua Portuguesa através

de gêneros textuais, frequentemente observamos nas práticas pedagógicas um grande

apego em classificar e rotular esses gêneros. Isso, apenas estanca um ensino a partir de

gêneros que muito teria a ser explorado. Dessa forma, deixa-se de analisar a sua

funcionalidade, o seu propósito comunicativo, a sua dinamicidade mutante, a sua

incorporação naqueles que o precederam, o seu evento deflagrador, o seu interlocutor, o

seu hibridismo, a sua plasticidade, etc. Enfim, a classificação e a rotulação de gêneros

são insuficientes para se esgotar o assunto.

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Schneuwly e Dolz (2004, p. 74) afirmam ser “através dos gêneros que as práticas

de linguagem materializam-se nas atividades dos aprendizes”, uma vez que eles se

constituem ponto de comparação que situa tais práticas. Por sua vez Bakhtin (1992), diz

que os gêneros podem ser considerados como instrumentos que fundamentam a

possibilidade de comunicação assumindo formas relativamente estáveis.

Três aspectos fundamentais asseguram a definição do gênero como suporte de

uma atividade de linguagem, quais sejam: a) Os conteúdos e os conhecimentos que se

tornam dizíveis por meio deles; b) Os elementos das estruturas comunicativas e

semióticas; c) As configurações específicas de unidades de linguagem, traços da posição

enunciativa do enunciador e dos conjuntos particulares de sequências textuais e de tipos

discursivos que formam a sua estrutura, isto é, a sua heterogeneidade nas práticas de

linguagem, ou seja, regularidade de uso.

A partir dessa visão, a aprendizagem da língua efetiva-se no espaço situado entre

as práticas e as atividades de linguagem, tomando por base que o gênero se define como

um ‘megainstrumento’ nas situações comunicativas.

Segundo Schneuwly e Dolz (2004), a escola desagrega a função primordial dos

gêneros textuais por não o conceber somente com instrumento da comunicação, mas,

também, como objeto de ensino e aprendizagem. Em muitos casos, a comunicação

desaparece em benefício da objetivação e o gênero passa a ter como objetivo principal

as propriedades puramente da forma linguística. Consequentemente, as relações

sociointerativas dos gêneros textuais com as práticas sociais são prejudicadas por uma

separação, visto que as produções de textos assumem uma forma sequencial repetitiva

voltada para as tipologias de textos (narração, descrição, dissertação, injunção).

A forma como a escola conduz o ensino da apropriação dos gêneros textuais

para os alunos nem sempre apresenta uma situação adequada de comunicação

sociointerativa, visto que, mesmo apresentando a necessidade de criações de objetos

escolares para um processo de ensino e aprendizagem eficaz de gêneros, realiza-o numa

progressão linear, do simples para o complexo, definido por meio do objeto descrito

numa abordagem puramente representacional, não comunicativa. Além disso, foca o

sentido da escrita nas particularidades das situações escolares e sua utilização em

processos de aprendizagem, mas desconsidera e não utiliza os modelos externos não

modelizados das formas de linguagem, evidenciando as contribuições das práticas de

referência, mas negando as particularidades das situações escolares como lugares de

comunicação que transformam tais práticas.

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Para o desenvolvimento da linguagem no tocante aos gêneros escolares devemos

conceber os instrumentos de trabalho, considerando os seguintes aspectos: 1) Toda

introdução de um gênero na escola é o resultado de uma decisão didática que visa

objetivos precisos de aprendizagem, os quais se definem como aprender a dominar o

gênero e melhor compreendê-lo; 2) O gênero sofre transformação por funcionar em

outro lugar social.

Para Schneuwly e Dolz (2004, p. 82), o trabalho didático com gêneros exige três

princípios básicos: o princípio da legitimidade (referência aos saberes teóricos ou aos

saberes elaborados por especialistas); o princípio da pertinência (referência a

capacidade dos alunos, às finalidades e aos objetivos da escola, aos processos de ensino-

aprendizagem e o princípio da solidarização (tornar coerente os saberes em função dos

objetivos visados).

Nesta intervenção pedagógica partimos do princípio de que a escola é o contexto

no qual as diversas situações com a escrita tornam-se necessárias. Dessa forma, as

situações de comunicação devem ser geradas como uma prática na qual o gênero é

aprendido através de circunstâncias próprias à situação e às interações entre os falantes.

2.4 OS PCN E O ENSINO COM GÊNEROS TEXTUAIS 3

Atualmente, nas escolas brasileiras de educação básica, por mais longínqua e

carente que seja não há desculpas para deixar de conceber o ensino sem levar em

consideração as orientações curriculares propostas pelos Parâmetros Curriculares

Nacionais. Primeiro, pelo fato do Ministério de Educação e Cultura - MEC

disponibilizar esse material para todas as escolas; em segundo, porque em todas as

formações e capacitações de professores os PCN estão presentes como referencial

teórico; em terceiro, pela viabilidade prática desse material em unificar o discurso

curricular em todas as áreas do conhecimento. Essas orientações criadas pelo MEC a

partir de meados da década de noventa se estabeleceram como um norte pedagógico em

prol da qualidade do ensino.

3 Embora a concepção de linguagem presente nos PCN evidencie a natureza discursiva do texto pautado nas ideias

difundidas por Bakhtin (1992), o termo que se encontra registrado no texto oficial é equivocadamente, gênero textual.

Esse último, usado por Marcuschi (2003), não para opor-se ao primeiro, uma vez que, segundo o Autor, comunicar-se

por meio de algum gênero do discurso é utilizar obrigatoriamente algum tento, por isso ele passa a utilizar o termo

gêneros textuais como uma necessidade na identificação de fenômenos específicos.

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A meta principal do MEC ao estabelecer os PCN foi fomentar uma política de

qualidade do ensino que ajudem o aluno a enfrentar o mundo atual como cidadão

participativo, reflexivo e autônomo, conhecedor de seus direitos e deveres.

Para atingirmos tais propósitos, um dos caminhos seria proporcionar a esse

aluno um efetivo domínio da língua materna que simultaneamente envolva a forma e a

funcionalidade dos textos em uso. Ou seja, o domínio do código linguístico, o domínio

da leitura e da escrita de textos orais e escritos, o domínio em saber moldar e adequar o

uso da linguagem considerando o contexto de comunicação, o interlocutor, o espaço, o

momento, a situação e o propósito comunicativo daquela produção textual.

O domínio da linguagem e a competência do maior número de letramentos estão

presentes dentre os vários objetivos indicados pelos PCN para o ensino fundamental nas

diversas áreas do conhecimento, porém, destacam-se como eficientes e adequados para

o ensino de Língua Portuguesa.

Segundo os PCN (BRASIL, 1998, p. 7 e 8),

Posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas

diferentes situações sociais, utilizando o diálogo como forma de

mediar conflitos e de tomar decisões coletivas; utilizar as diferentes

linguagens – verbal, matemática, gráfica, plástica e corporal - como

meio para produzir, expressar e comunicar suas ideias, interpretar e

usufruir das produções culturais, em contextos públicos e privados,

atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação.

Ao considerarmos que a linguagem se impregna em todas as atividades humanas

em que se faça necessário o uso da comunicação e que os gêneros textuais se

concretizam em tais atividades, há de se convir que quanto maior for o domínio desses

gêneros nos aspectos formais e funcionais, maior será o domínio de leitura, da escrita e

de letramentos sociais. Para os PCN (BRASIL, 1998, p. 26), “Os gêneros são

determinados historicamente. As intenções comunicativas, como parte das condições de

produção dos discursos, geram usos sociais que determinam os gêneros que darão

formas aos textos.” Isso corrobora em afirmarmos que todo falante de uma língua tem

arraigado em sua linguagem em maior ou menor grau de conhecimentos, uma noção

mesmo inconsciente dos usos, formas e funções dos gêneros textuais.

A orientação dos PCN no tocante ao ensino de Língua Portuguesa através de

gêneros textuais segue a proposta de Bakhtin (1992) desenvolvida por Bronckart e

Schneuwly (1999), ao afirmarem que os textos são organizados no interior de um

determinado gênero e concretizam-se em formas relativamente estáveis de enunciados

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na cultura dos falantes. Embora dividam algumas características comuns, são

heterogêneos e incontáveis. Firmam-se em três pilastras indispensáveis para a sua

concretude: conteúdo temático, estilo e construção composicional.

Os PCN seguem afinados à linha de raciocínio de Marcuschi (2008) ao

defenderem que um autêntico ensino de língua não apresenta dicotomia nem polaridade

nas produções textuais na modalidade escrita e na modalidade falada. Essas se realizam

dentro de um contínuo dos gêneros textuais numa gradação que considera os aspectos

relacionados ao uso formal e informal da língua.

A escola, geralmente, equivoca-se em considerar nas suas aulas de Língua

Portuguesa a perpetuação extrema entre textos falados e textos escritos. Por

conseguinte, consideramos mais agravante, as práticas pedagógicas de ensino da língua

que insistem em considerar a escrita como uma adaptação da fala. Para Marcuschi

(2008, p.208) “Não há equívoco mais inconveniente do que tratar a escrita como mera

transposição da fala para o papel na forma gráfica. A escrita não é a representação

gráfica da fala”.

De igual modo, a proposta educacional orienta que as atividades escolares com a

linguagem não podem ater-se apenas numa visão estreita de ensino de língua materna

que atenta e privilegia a escrita, desvalorizando a fala. Nesse aspecto, os PCN (1998)

aponta que isso só aumenta o mito e o preconceito de que existe uma única forma certa

de falar, de que a fala certa é aquela que se aproxima da escrita, de que o brasileiro fala

mal, de que se deve consertar a fala do aluno para evitar que ele escreva errado.

Nesse sentido, Bagno (1997, p. 57) considera que

O ensino tradicional da língua, no entanto, quer que as pessoas falem

sempre do mesmo modo como os grandes escritores escreveram suas

obras. A gramática tradicional despreza totalmente os fenômenos da

língua oral, e quer impor a ferro e fogo a língua literária como a única

forma legítima de falar e escrever, como a única manifestação

linguística que merece ser estudada.

Por outro lado, Marcuschi (2008), acredita faltar critérios mais claros na

proposta educacional vigente para caracterizar distinções entre textos na modalidade

falada e textos na modalidade escrita.

Partindo dos princípios dos PCN e ao considerarmos toda heterogeneidade dos

gêneros textuais disponíveis na cultura dos falantes, não há como dispensar do ensino

de Língua Portuguesa a imensa diversidade textual que existe fora dos muros da escola

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que deverão ampliar o leque de conhecimento letrado do aluno. A escola jamais poderá

ignorar o conhecimento social, cultural e os muitos letramentos que o aluno traz consigo

ao adentrá-la.

Isso não implica em diminuir a importância da aquisição da escrita alfabética,

uma vez que segundo os PCN (BRASIL, 1998, p. 34) “A capacidade de decifrar o

escrito é não só condição para a leitura independente como – verdadeiro rito de

passagem – um saber de grande valor social”. Por conseguinte, a escola deve propiciar

um fazer pedagógico que alie essa alfabetização simultaneamente aos letramentos

sociais.

Dessa forma, percebemos que a unidade central do ensino será sempre o texto,

seja oral ou escrito, uma vez que precisamos perseguir o objetivo principal do ensino de

Língua Portuguesa que é expandir a competência dos alunos em produzir e interpretar

textos. Com isso desfaz um grande equívoco que ainda perpetua no ensino de Língua

Portuguesa, que é a centralização do estudo de língua partindo de unidades menores

como a letra, a sílaba, a palavra, a frase de modo descontextualizada até chegar ao texto.

Ora, tal prática pedagógica não se sustenta, nem garante que esse aluno seja um

eficiente leitor e produtor de textos em sua língua, visto que o texto não se caracteriza,

apenas, pela sua extensão. Tomemos o exemplo de um cartaz na porta de um hospital

onde ler-se a palavra ‘silêncio’. Se tomarmos o ambiente de circulação, o propósito

comunicativo, o interlocutor, o locutor e o suporte onde foi veiculado esse enunciado

não há como deixar de considerar essa única palavra como um texto. Porém, se o

professor pede como tarefa de casa que os alunos recortem e tragam palavras iniciadas

com a letra ‘s’, e nessa atividade surge a mesma palavra ‘silêncio’. Isso não se

caracteriza texto nem parte dele, pois não se concebe como nenhuma situação

comunicativa de fato.

Outro equívoco apontado pelos PCN no ensino de Língua Portuguesa é a prática

pedagógica de simplificar e diminuir os textos para as crianças, objetivando atraí-las

para o mundo da leitura e da escrita. Empreitada, com pouco êxito. O que de fato

deveria ocorrer é ofertar para os alunos textos ricos, significativos e de qualidade,

independentemente da extensão, pois haveria um maior interesse pela leitura à medida

que o leitor se apropria dos textos.

A partir destas considerações sobre o ensino de língua materna pautada no

objetivo de desenvolver a competência discursiva e comunicativa dos alunos e como

objeto didático o texto em suas manifestações orais e escritas, numa vertente que

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considera a linguagem como prática social, os gêneros textuais discursivos devem tomar

espaço no contexto da sala de aula. Dessa modo, como elegemos esta perspectiva para

o desenvolvimento de uma prática pedagógica, enfocamos o gênero memórias sobre o

qual refletimos a seguir.

2.5 O GÊNERO TEXTUAL MEMÓRIAS

Tudo o que era guardado à chave

permanecia novo por mais tempo. Mas

meu propósito não era conservar o

novo, e sim renovar o velho.

Walter Benjamin

Para a realização da intervenção pedagógica selecionamos o gênero memórias

por apresentar características de produção textual que simultaneamente envolve a língua

nas modalidades escrita e oral. Oportunidade em que transformamos experiências

vividas, lembradas e relatadas em textos narrativos, tendo em vista que se enquadra

entre os gêneros de narrativas que propiciariam aos alunos e ao professor envolvido na

pesquisa desenvolverem os processos de retextualização - da fala para a escrita –

objetivo central deste estudo.

Outra razão para a escolha deste gênero envolve paralelamente os aspectos

metodológicos adotados pela Olimpíada Nacional de Língua Portuguesa (ONLP) com

os desenvolvidos nesta intervenção pedagógica. Considerando que tal concurso mesmo

não sendo de caráter obrigatório, capta uma grande adesão quanto à participação das

escolas públicas, o certame indica o gênero memórias para se trabalhar produção textual

nos anos finais do ensino fundamental.

2.5.1 Sobre memórias

Para melhor compreensão, das ações didáticas empreendidas, definimos alguns

conceitos sobre memória que no geral, está inerente a produções textuais discursivas

orais ou escritas usadas para resgatar vivências, recordar épocas baseados em

lembranças pessoais repletas de relatos inventivos ou reais para contar a própria vida ou

de outrem.

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Relatos vinculados em sociedades que podem ter uma memória de cunho

estritamente oral ou de cunho estritamente escrito. Fator que denota importante

diferença entre ambas, uma vez que ocorrem as fases de transição da oralidade à escrita

que Jack Goody (1977, p. 29-52) nomina de “a domesticação do pensamento

selvagem”, e, por conseguinte, Jacque Le Goff (2013, p. 390) caracteriza tais fases em

cinco graus sucessivos da memória no processo histórico, a saber:

a) Primeira fase - A memória étnica nas sociedades sem escrita, ditas selvagens:

memória coletiva com ênfase na existência das etnias ou das famílias – mitos de origem;

Interesse pelos conhecimentos práticos, técnicos, de saber profissional; Transmissão de

conhecimentos secretos; Existência de especialistas da memória, homens-memória; Não

necessidade de uma rememorização exata, palavra por palavra; Com exceção para o

canto, há mais liberdade e mais possibilidades criativas.

b) Segunda fase - O desenvolvimento da memória: da oralidade à escrita, da Pré-

História à Antiguidade: Profunda transformação da memória coletiva; Surgimento de

figuras ‘mitogramas’ paralelo à mitologia que se desenvolve na ordem verbal;

Desenvolvimento de duas formas de memória: A comemoração, a celebração através de

um monumento comemorativo de um acontecimento memorável e o documento escrito

num suporte especialmente destinado à escrita.

c) Terceira fase - A memória medieval no Ocidente: Cristianização da memória

e da mnemotécnica; Repartição da memória coletiva entre uma memória litúrgica

(Antigo e Novo Testamentos) girando em torno de si mesma e uma memória laica de

fraca penetração cronológica; Desenvolvimento da memória dos mortos; Papel da

memória no ensino que articula o oral e o escrito e o surgimento de tratados de

memória.

d) Quarta fase - Os progressos da memória escrita e figurada da Renascença aos

nossos dias: Revolução pela imprensa, Memória social da Antiguidadade embutida nos

livros; Rápida dilatação da memória coletiva; Destaque para a memória técnica,

científica e intelectual e o Romantismo literário.

e) Quinta e última fase - Os desenvolvimentos contemporâneos da memória,

Surgimento da máquina de calcular durante a segunda guerra; Surgimento da memória

eletrônica e a substituição da memória arquivista pelo banco de dados.

Mesmo com o surgimento das novas tecnologias na sociedade contemporânea, a

memória, paralelamente, não perdeu o seu espaço nessa sociedade seja no campo da

oralidade, seja no campo da escrita.

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Destacamos que nem sempre a veracidade de datas e acontecimentos narrados é

prejudicial para darmos vida e voz aos relatos que constituirão as memórias. Nesse

sentido, Bosi (1994, p. 419) reforça que “Às vezes, há deslizes na localização temporal

de um acontecimento...Falhas de cronologia se dão também com acontecimentos

extraordinários da infância e da juventude...uns e outros sofrem um processo de

desfiguração, pois a memória grupal é feita de memórias individuais”.

Outro fator que enriquece a vivacidade dos relatos na formação das memórias é

a imparcialidade do entrevistador quanto às ideologias e posicionamento político do

idoso entrevistado.

Para Bosi (1994, p. 458-459)

Não me cabe aqui interpretar as contradições ideológicas dos sujeitos

que participaram da cena pública. Já se disse que ‘paradoxo’ é o nome

que damos à ignorância das causas mais profundas das atitudes

humanas… Explicar essas múltiplas combinações (paulistismo de

tradição mais ademarismo; ou tenentismo mais paulistismo mais

comunismo; ou integralismo mais getulismo mais socialismo) é tarefa

reservada a nossos cientistas políticos, que já devem ter-se adestrado a

estes malabarismos. O que me chama a atenção é o modo pelo qual o

sujeito vai misturando na sua narrativa memorialista a marcação

pessoal dos fatos com a estilização de pessoas e situações e, aqui e ali,

a crítica da própria ideologia.

Dessa forma, há de se conceber que a imparcialidade política e ideológica do

entrevistador, em relação ao pensamento do entrevistado, é fator preponderante para que

os relatos possam fluir.

Para Smolka, Laplane & Braga (2008),

[...] as lembranças emergem dinamicamente, permeadas e constituídas

pelos sentimentos, conhecimentos, emoções. Em certas circunstâncias,

fragmentos ou traços significativos para o sujeito podem ser

lembrados ou esquecidos. As recordações têm, em geral, uma

qualidade nebulosa, confundindo e condensando imagens, lugares,

espaço, tempo [...]

As memórias sempre despertaram muitas curiosidades em todos os tempos e

sociedades pelo alto grau de exposição de fatos pessoais, principalmente, quando se

trata de relatos envolvendo celebridades ou pessoas de destaque social. Ainda para o

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senso comum, a memória também pode ser associada à mente de sujeitos inteligentes,

conforme destacamos no conceito dicionarizado,

Memória (Do lat. Memoria) S.f 1. Faculdade de reter as ideias,

impressões e conhecimentos adquiridos anteriormente [...] 2.

Lembrança, reminiscência, recordação [...] 3. Celebridade, fama,

nome. 4. Monumento comemorativo. 5. Relação, relato, narração [...]

(Dicionário da Língua Portuguesa, Novo Aurélio, séc. XXI, 1986,

p. 1117)

Por outro lado, no campo científico a memória é constantemente objeto de

estudos, tanto na área das ciências humanas quanto na área das ciências médicas.

Especificamente, abrange pesquisas nos setores da história, da educação, da filosofia, da

psicologia e da linguística etc., havendo uma constante preocupação da comunidade

acadêmica e científica em fomentar esses estudos relacionados à preservação da

memória, visto que, seguindo em direção contrária, os novos aparatos tecnológicos

disponíveis em massa no século XXI parecem distanciar e diminuir o valor atribuído à

memória pela sociedade usuária de tais tecnologias. Coracine e Ghiraldelo (2011)

ampliam tal discussão ao afirmarem que,

[...] o mito do novo do jovem, do moderno, do presente parece apontar

para a desvalorização da História, do passado, da memória, do povo,

marcada nas ruas, na arquitetura, nas artes em geral, na culinária, nos

costumes, nas falas, nas (auto) biografias, o que parece apontar para a

cisão do sujeito e de sua natureza própria dos tempos denominados

(pós) modernos.

Esse apego desmedido da sociedade pelas novas tecnologias fez surgir um ser

cada vez mais individualista dominado pelo exibicionismo e pelo deslumbramento de

consumo capitalista. Há, neste século XXI, claramente, um isolamento dos indivíduos

no tocante ao diálogo face a face, seja no meio profissional, familiar, conversas

cotidianas de bares, de restaurantes e de reuniões familiar. Esse novo e isolado sujeito

que dispõe de todas as facilidades tecnológicas de comunicação busca, paradoxalmente,

o outro como forma de autoconhecimento e identificação através de autobiografias.

Essas se realizam, não só na concepção histórica do gênero textual, mas também, em

perfis, relatos e imagens expostos nas redes sociais.

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Isso retoma, mesmo que inconscientemente, o caminho de volta para a própria

história, haja vista que esse sujeito busca falar de si para não cair no anonimato de uma

sociedade que ostenta o consumo impulsionado pela globalização e nega o singular de

um indivíduo que acima de tudo tem a sua história e o seu diferencial. Esse clamor

individual do sujeito reflete uma forma de eternizar na memória os seus traços pessoais

como forma de deixar a sua herança.

Coracine e Ghiraldelo (2011) fazem abordagens histórica, psicológica,

discursiva, psicanalítica e desconstrutivista da memória, visto que, tais abordagens são

inerentes à linguagem, ao sujeito e à história.

As autoras enfatizam que a abordagem histórica concebe a memória fazendo

uma relação ao povo, às nações e à coletividade. Isso reflete fazer uma retrospectiva à

memória histórica da Grécia antiga que, ainda hoje, influencia nos costumes e vivências

do homem moderno. Sociedade marcada pela mitologia e pela memória através da

oralidade, de tal maneira que os grandes atributos para selecionar mestres ou filósofos

naquela sociedade eram o excelente raciocínio e o conhecimento da verdade transmitido

por interlocutores face a face. A posteriori, essas verdades expandiam-se para a

memória da coletividade.

Com a passagem desses relatos para a escrita passou-se a duvidar dessas

verdades uma vez que não havia interlocutores para argumentar ou debater possíveis

dúvidas e equívocos postos na escrita. Isso se constituía como uma permanência das

ideias daqueles que proferiam tais verdades e discursos.

Depreendemos nessa situação uma semelhança com grupos pertencentes às

sociedades atuais que usam o discurso ideológico como forma de perpetuarem-se no

poder. Temos observado que este discurso ideológico e conservador nas aulas de

Língua Portuguesa das escolas brasileiras que insistem em manter um ensino restrito à

gramática da norma padrão.

Admitimos que essa evolução da escrita, muito contribuiu para poupar a memória

humana, como também para facilitar os agendamentos, os registros, os documentos, a

produção de trabalhos científicos, a narração de fatos, notícias e reportagens, seja em

tempo real ou posteriormente, tendo, por conseguinte, a opção de arquivá-los ou apagá-

los. Ações que no século XXI se expandem com maior facilidade pelos novos recursos

tecnológicos da comunicação. Para Coracine e Ghiraldelo (2011, p. 27),

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[...] a escrita permitiu que muito do passado, inacessível por outras

vias, chegasse até nós, transformado, sem dúvida alguma, mas

portando a ilusão do mesmo, do acesso a um tempo que não vivemos,

mas que nos precede e, como tal, nos anuncia e deixa o seu legado. É

o que denominamos memória histórica [...] os textos escritos garantem

a permanência dos autores e de suas supostas intenções na memória

dos vivos.

A escrita que constitui a memória na íntegra passa por acréscimos, subtrações,

correções e transformações, e isso faz com que seja permitida a abertura de

questionamentos sobre a sua veracidade.

Quanto à abordagem psicológica cognitiva, as autoras asseveram que este tipo

relaciona a memória com o comportamento individual e social, e com o desempenho

cognitivo, ou com o conhecimento, que é inferido de objetos da percepção passada ou

de emoções passadas, sentimentos e estado de consciência, pressupondo, portanto, um

sujeito do conhecimento.

A cognição gera no sujeito uma memória consciente conquistada no contexto

social permitindo ser efetuada por meio de ações que se repetem. Tomamos o exemplo

das ações e procedimentos que um habitual passageiro com bagagens deve seguir em

um aeroporto: Chegar com uma hora de antecedência do voo, imprimir o bilhete,

despachar as bagagens, embarcar e seguir as normas de procedimentos de voo da

companhia aérea. Essa última não precisa ser exaustivamente explicada, pois o

passageiro já tem na mente esse conjunto de conhecimentos necessários para a

compreensão daquela situação. Na memória desse passageiro basta acionar uma palavra

desse campo semântico para ele descortinar o conhecimento neste conjunto de ações.

A abordagem discursiva desloca a ideia de memória como lembrança ou

recordação de algo supostamente ocorrido como forma do sujeito se dizer e dizer ao

mundo. Vale destacar a distinção entre a memória institucional (jurídica, familiar,

religiosa, militar etc) e a memória discursiva. Enquanto a primeira centra o foco no

resgate de valores e eventos priorizando serem lembrados; a memória discursiva é

constituída por esquecimentos.

Isso não implica dizer que a memória institucional mantenha-se inalterada,

podemos citar o exemplo das constantes transformações na composição da atual

constituição da família do século XXI comparada àquela de séculos passados. Já para a

memória discursiva caracterizada por interpretações e centrada no esquecimento diz

respeito à existência histórica de enunciados em práticas discursivas que marcam a

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relação do homem com a linguagem. Dessa forma, a memória discursiva estaria

materializada pela e na linguagem sendo remetida à história e a historicidade do sujeito.

Para adentrarmos na abordagem psicanalística da memória se faz necessário

evidenciarmos a diferença com a abordagem psicológica da memória. Enquanto essa

última toma a memória como um ato consciente, de gestos associativos a partir de

estímulos ou de um desejo consciente; a primeira defende que a memória não é

rememoração nem dela necessita porque ela já se acha registrada no corpo que organiza

a relação deste com o real. Sendo assim, a ideia da memória como lembrança é

deslocado para centrá-la na constituição dos sujeitos e dos discursos, postulando a

memória e a percepção como acontecimentos inconscientes.

Por último, a abordagem desconstrutivista da memória que é construída por

esquecimentos. Afinal, lembramos porque esquecemos. Esse movimento sempre

retroage em busca de fragmentos que formam o inconsciente, verdadeiro arquivo de si.

Nele são depositados acontecimentos traumáticos ou não, cruzados com recalques ou

traços significantes responsáveis pela construção da subjetividade e que respondem pela

singularidade de cada um.

Nesse sentido, a memória desconstrutivista está pautada em transformações,

invenções e acréscimos realizados nas histórias que acreditávamos estarem esquecidas

ou apagadas.

Partindo do princípio de que as abordagens discursivas, desconstrutivista e

psicanalítica sobre a memória guardam suas peculiaridades, há nelas um ponto de

equilíbrio em comum que convergem para afirmar que a memória se faz ou se dá

também pelo esquecimento; a memória se faz no e pelo outro, no outro de si,

caracterizando-se concomitantemente como social e singular.

Acreditamos ser dificultoso credenciarmos a memória como gênero textual, uma

vez que é um tema bastante abrangente envolvendo estudos das ciências humanas e

médicas. Smolka, Laplane e Braga (2008, p. 30), argumentam “que a linguagem não é

apenas instrumental na (re)construção das lembranças; ela é constitutiva da memória,

em suas possibilidades e seus limites, em seus múltiplos sentidos, e é fundamental na

construção da história.”

Por outro lado, partindo dos princípios bakhtinianos sobre gêneros, podemos

considerar memórias como uma atividade humana que requer o uso da linguagem

interacional do sujeito cumprindo um propósito comunicativo numa dada situação

social. Nessas memórias há presença de uma composição, de um conteúdo e de um

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estilo que torna o seu enunciado relativamente estável. Isso nos credencia a

defendermos memórias como um gênero textual.

Diante de todas as abordagens expostas, a psicológica é a que mais se afina com o

nosso propósito de nominarmos memórias de narrativas de vidas como gênero textual.

Isso se sustenta a partir do evento social comunicativo que se deu pelo encontro entre os

adolescentes e os idosos de uma mesma comunidade com o objetivo de resgatarmos

lembranças, histórias, vestígios e reminiscências da localidade e da vida daqueles idosos.

Esse resgate foi ativado através de objetos como fotografias e pertences pessoais

entre outros, previamente solicitados, que de alguma forma despertavam a memória

cognitiva desses idosos para impulsionar os relatos dos acontecimentos passados.

Além do trabalho de coleta dos relatos produzidos pelos idosos, em nossa

intervenção pedagógica dentro desta pesquisa, privilegiamos as atividades de

retextualização, propondo a transformação do texto oral para o escrito.

2.6 PROCESSO DE RETEXTUALIZAÇÃO EM ATIVIDADES ESCOLARES

Neste trabalho, seguimos a orientação teórica de Marcuschi (2010) pautados na

obra Da fala para a escrita: atividades de retextualização, uma vez que nosso objetivo

maior era que os alunos do ensino fundamental compreendessem, praticassem e

refletissem como se deu os processos de transformação de textos (gênero memórias) da

modalidade oral para a modalidade escrita dentro da mesma língua.

Antes de nominarmos este processo de retextualização tal como denominado por

Marcuschi (2010), destacaremos algumas concepções propostas por vários autores. Desse

modo, percebemos que o próprio autor afirma que o termo foi citado pela primeira vez na

tese de doutorado de Neusa Travaglia (1993) com uma abordagem diferente, haja vista

que a autora usou a palavra retextualização para fazer referência à tradução de uma língua

para outra. Além disso, o termo retextualização poderia ser substituído por expressões

como refacção e reescrita usados por Raquel S. Fiad e Maria Laura Mayrink-Sabison

(1991) e Maria Bernadete Abaurre et al (1995), as quais trataram de reescrita (escrita para

escrita) no interior de um mesmo texto. Porém, essa reescrita tratada pelas autoras não

envolveram as operações de retextualização – da fala para a escrita – propostas por

Marcuschi (2010), visto que quando se trata de reescrita age-se no mesmo texto, enquanto

a retextualização dar-se de uma modalidade oral para a escrita.

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Depreendemos, portanto, que a retextualização é mais abrangente do que a

reescrita, enquanto essa última ocorre dentro da mesma modalidade, a primeira pode

alterar-se de uma modalidade para outra. Caso típico de nossa intervenção, objeto desta

pesquisa a qual analisamos a passagem de uma entrevista oral para um texto narrativo

escrito do gênero memórias. A partir dessa perspectiva, compactuamos com Andrea e

Ribeiro (2006, p. 66) ao afirmarem que “toda retextualização é reescrita, mas nem toda

reescrita gera uma retextualização”.

Seguindo essa linha os PCN (1997) asseguram que o processo de refacção

textual caracteriza-se como uma revisão feita pelos competentes escritores em suas

próprias produções textuais com o objetivo de modificá-los para desfazer-se de

possíveis confusões, ambiguidades, redundâncias e incompletudes.

Como tratamos nessa intervenção pedagógica de analisar os processos de

retextualização - da fala para a escrita - em produções textuais, consideramos

pertinentes abordar alguns estudos já realizados nesta área que sempre permearam a

progressão teórica desse trabalho.

Primeiro, não há como separar em polos opostos a fala da escrita dentro de uma

língua, pois, mesmo havendo peculiaridades entre ambas, as semelhanças preponderam

tanto nos aspectos linguísticos quanto nos aspectos sociocomunicativos. Consideramos

ser bem mais producente, concebermos a funcionalidade concreta dessas modalidades

da língua dentro de um contínuo nos gêneros textuais. Através desse contínuo

atestamos a ocorrência de similaridade, de aproximação ou de distanciamento de

gêneros textuais das duas modalidades nas práticas sociais dos falantes.

Ressaltamos que as diferenças entre a língua falada e a língua escrita estão mais

presentes nas propriedades da língua como a contextualização/descontextualização entre

outros. Todas as diferenças linguísticas da fala e da escrita estão caracterizadas dentro

do contínuo, uma vez que tais características não são categóricas nem exclusivas.

Faz-se oportuno salientar que a fala e a escrita seguem em maior ou menor grau a

normatização da língua. Não é pelo fato da fala apresentar enunciados incompletos ou possuir

excesso de repetições e hesitações que deverá ser considerada como o lugar da desordem da

língua. Ambas as produções textuais falados e escritos são constituídos de múltiplos sistemas

expressivos da comunicação. Enquanto a prosódia, a gestualidade, a mímica etc, servem a

fala; a cor, o tamanho, a forma das letras e dos símbolos servem a escrita.

A maior característica da escrita em relação à fala em uma língua dar-se na

ordem ideológica sócio-política. O domínio da escrita caracteriza-se nas sociedades

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como uma forma de perduração do poder das classes dominantes. As duas mesmo

apresentando diferenças estão no mesmo patamar a serviço do usuário da língua nas

relações sócio-interativas cotidianas.

Para esta intervenção pedagógica, adotamos a passagem ou transformação do

texto falado para o texto escrito utilizando alguns operadores discursivos de forma que

os sujeitos envolvidos reflitam sobre a não existência de superioridade linguística e

funcional entre ambas, mas que as duas atendem aos propósitos comunicativos do

usuário como ordens diferentes que se complementam para respeitar as necessidades de

interação do usuário da língua.

Ao referir à retextualização, Marcuschi (2010, p. 46) afirma que

[...] não é um processo mecânico, já que a passagem da fala para a

escrita não se dá naturalmente no plano dos processos de

textualização. Trata-se de um processo que envolve operações

complexas que interferem tanto no código como no sentido e

evidenciam uma série de aspectos nem sempre bem compreendidos da

relação oralidade-escrita.

Um dos fatores de maior importância para que haja um proveitoso processo de

retextualização é a compreensão do texto original que será transformado. Isso independe

do posicionamento das ordens (fala - escrita, fala – fala, escrita – fala, escrita – escrita).

No geral, fazemos retextualização em nossa vida diária quase sem atentarmos para os

complexos processos linguísticos que empregamos nessa comunicação. Como

exemplo, citamos o simples cotidiano de vários eventos comunicativos da língua em

que somos imbuídos de repassarmos um acontecido, uma informação, um documento a

outro, etc, seja usando a língua independente da posição das ordens da fala e da escrita.

A escrita, mesmo sendo descoberta pela humanidade numa fase posterior à fala,

impregnou-se em quase todas as práticas sociais nas sociedades onde adentrou. Nessas

sociedades, mesmo aqueles indivíduos considerados analfabetos fazem, de alguma

forma, leituras por estarem envolvidos em eventos e práticas sociais de letramentos.

Podemos citar o exemplo de indivíduos sem o domínio da escrita, mas que conseguem

manusear perfeitamente a moeda local ou identificam transportes coletivos locais.

Tratando-se de letramentos, isto, pode ser o mínimo, mas, geralmente, essas práticas

sociais são marginalizadas pelo ensino escolar que prioriza unicamente o letramento da

escrita normativa.

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A escola desperdiça uma grande chance de alfabetizar nossas crianças

concomitantemente ao letramento, deixando de oferecer a esse aprendiz o domínio dos

mais diversos letramentos orais e escritos em práticas sociais nas quais ele está

culturalmente inserido. Seja em contextos sociais do cotidiano, da familiar, da religião,

da escola, do trabalho entre outros.

Consequentemente, não é difícil vermos alunos afirmarem que a sua língua

usada no cotidiano não serve para a escola, tampouco ele tem noção da serventia e

utilidade daquela que ele aprende na escola.

Marcuschi (2010) argumenta que embora não haja uma dimensão do valor que

damos à escrita e à oralidade na vida cotidiana, devemos admitir que, as duas estão

alicerçadas a partir de dois pressupostos: primeiro o de que as duas são atividades

comunicativas e práticas sociais situadas; segundo, de que em ambos os casos temos um

uso real da língua.

Diante dessa perspectiva, vale destacar a importância dos usos da oralidade e da

escrita em nossa sociedade atentando para os seus valores funcionais dentro da língua,

discernindo os seus papéis, contextos de uso sem preconceito contra aqueles que falam

diferente da variedade prestigiada.

Embora reconheçamos a importância da alfabetização, jamais devemos

fortalecer o discurso do mito que equipara a alfabetização com o desenvolvimento e

com o raciocínio lógico e abstrato. Isto, não pode ser visto como uma questão simplória,

uma vez que a escrita no seu percurso histórico não segue uma linearidade junto ao

desenvolvimento da humanidade. Na maioria das vezes, ela está subjacente aos

propósitos, às ideologias e aos objetivos dos grupos dominantes. Ou seja, há interesses

escusos dessa valorização exacerbada da escrita sobre a oralidade nas aulas de Língua

Portuguesa. Há de se lamentar, que parte dos professores, profissionais diretamente

responsáveis para desmitificar tais equívocos, perpetua ingenuamente esse mito. Seja

por concordância a ideologia dominante, seja por faltar aquisição de uma concepção

teórica e consistente de ensino da língua.

Nesse aspecto, Antunes (2003, p. 20) afirma que essa prática pedagógica que

privilegia a escrita ainda persiste nos fazeres dos docentes que se reflete no desprazer de

estudar a própria língua. Assim,

[...] o quadro nada animador (e quase desesperador) do insucesso

escolar, que se manifesta de diversas maneiras. Logo de saída,

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manifesta-se na súbita descoberta, por parte do aluno, de que ele ‘não

sabe português’. De que ‘o português é uma língua muito difícil’.

Posteriormente, manifesta-se na confessada (ou velada) aversão às

aulas de português e, para alguns alunos, na dolorosa experiência da

repetência e da evasão escolar.

Não são poucos os casos onde a escola rejeita o falar comunitário e familiar que

o aluno traz consigo ao adentrá-la. Consideramos que esse falar deve ser levado em

conta, para que a partir ou em paralelo a ele, ensine-lhe outros usos orais de variedades

da língua que se adequem a outras instâncias públicas de comunicação. De forma que

leve esse aluno a refletir que a sua linguagem provincial seria insuficiente para abranger

outras práticas sociais mais complexas de comunicação. Isto inclui contextos de

comunicação conforme o grau de formalidade, o assunto tratado, a relação de

aproximação entre os interlocutores e dos propósitos comunicativos daquela interação.

O fato de a escola persistir em um ensino de língua que polariza a

funcionalidade entre textos escritos e textos orais pouco ou nada acrescenta ao aprendiz

em tornar-se um eficiente produtor de textos, visto que essa polarização só fomenta

mitos que atrapalham o desenvolvimento da competência comunicativa do aluno.

Para Tanner (1982) as estratégias marcantes da oralidade podem ser encontradas

em um texto escrito em prosa, como também, podem ser encontradas estratégias

comumente utilizadas na escrita em texto oral formal. Para a autora, as diferenças

formais ocorrem em função do gênero e do registro linguístico, e não em função da

modalidade oral e escrita.

Já para Koch (2002), há textos escritos que se situam mais próximos da fala, a

exemplo de inscrições em paredes; ao mesmo tempo há textos falados que se

aproximam da escrita formal, a exemplo de conferências acadêmicas. A autora cita

ainda que podem ocorrer os gêneros mistos, quando os textos se concretizam entre a

grafia e a oralidade, a exemplo de um noticiário de TV.

Para Rojo (1998, p. 122) “Os pesquisadores de aquisição de linguagem oral

tendem hoje a reconhecer que o processo de letramento encontra-se em estreita relação

com a construção social do discurso oral (sobretudo narrativo).”

As condições de produção desiguais que sugerem o grau de intensidade e de

dependência do contexto, a intensidade do grau de planejamento e uma maior ou menor

submissão às regras gramaticais são fatores determinantes das diferenças entre as

modalidades oral e escrita da língua.

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Para Marcuschi (2010), o contínuo dos gêneros é que diferencia ou

correlaciona os textos nas modalidades escrita e oral de uso da língua. Nesse contínuo

de variação, devem ser levados em consideração, aspectos como as estratégias de

formulação, a seleção lexical, o estilo, o grau de formalidade etc. Dessa forma, seja oral

ou escrito as semelhanças e distinções entre eles irão surgir.

Por sua vez Scarpa (1987) afirma que, embora haja um ininterrupto processo

entre a aquisição e o desenvolvimento de linguagem oral e a aprendizagem da escrita,

esse não ocorre de forma linear. Sobretudo, por ser um processo que envolve

necessariamente a presença do sujeito, do outro, do mundo e a própria linguagem, em

interação e inter-relação.

Tendo como panorama fazer uma reflexão do contínuo em interseção entre a

língua falada e a língua escrita, o presente trabalho constitui-se como uma proposta de

intervenção pedagógica, organizada a partir de sequências didáticas, que contemplem os

processos de retextualização, no qual os alunos desenvolvam atividades de produção

textual seguindo os operadores discursivos propostos por Marcuschi (2010), percebendo

como se dá a passagem da oralidade para escrita.

Para aclarar nosso entendimento, expomos o modelo das operações textuais-

discursivas na passagem do texto oral para o escrito proposto por Marcuschi (2010)

Quadro 03: Modelo das operações textuais-discursivas na passagem do texto oral para o texto escrito

Fonte: Marcuschi (2010, p. 75)

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Tais operadores podem ser divididos em dois grandes grupos: o primeiro,

comporta da primeira a quarta operação que remetem as regras de regularização e

idealização, substanciam-se nas estratégias de eliminação e inserção, mas não há de fato

uma transformação por completo; o segundo grupo, comporta da quinta a nona operação

e as operações especiais, caracterizam-se como ponto fundamental nas regras de

transformação envolvendo mudanças no texto original. Grupo com maior poder nos

processos que se concretizam a retextualização.

Para o autor, as atividades de retextualização são corriqueiras e automatizadas

no nosso cotidiano, mas não são mecânicas. Elas se dão nas sucessivas reformulações

do mesmo texto numa emaranhada variação de registros, gêneros textuais, níveis

linguísticos e estilos.

A retextualização se faz presente em várias práticas sociais de uso da língua a

exemplo de uma redação de uma ata por uma secretária ao final de uma reunião, alguém

contar ao outro uma notícia que acabou de ler num jornal, alguém relatar para outro o que

acabou de ouvir no noticiário da TV, alguém resumir para outro o que se viu em um

filme, numa peça teatral ou num acontecido cotidiano da comunidade, anotações por parte

dos alunos de uma aula expositiva, uma sentença jurídica ditada por um juiz para um

escrevente, a escrita de uma súmula pelo árbitro ao final de uma partida de futebol, etc.

Os processos de retextualização podem ocorrer nos seguintes casos: a) Da fala

para a escrita (entrevista oral para a entrevista impressa); b) Da fala para a fala

(conferência para tradução simultânea); c) Da escrita para a fala (texto escrito para

exposição oral) e d) Da escrita para a escrita (texto escrito para um resumo escrito).

Neste estudo, detemo-nos na retextualização da fala para a escrita, a partir dos relatos

orais dos idosos, gravados e transcritos para uma produção textual escrita do gênero

textual memórias.

Vale ressaltar que, diante das nove operações textuais discursivas citadas na obra

de Marcuschi (2010), analisamos aquelas mais recorrentes nos textos. Serão dispensadas

das análises as duas últimas operações, quais sejam “a reordenação tópica do texto e

reorganização da sequência argumentativa, de estruturação argumentativa,” bem como “o

agrupamento de argumentos condensados as ideias, estratégia de condensação,” por tratar-

se de operadores adequados para sequências textuais argumentativas de pouca incidência

na forma e no conteúdo no gênero memórias analisado neste trabalho, haja vista que

possui sequência tipológica predominantemente narrativa.

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As operações especiais apesar de constarem no modelo das operações textuais-

discursivas na passagem do texto oral para o texto escrito proposto pelo autor, também

foram dispensadas das análises pelo fato de optarmos, nesta intervenção pedagógica,

por uma produção textual narrativa do gênero memórias com pouca ênfase na presença

de turnos dialogados.

Embora, reconheçamos que os objetos, fotografias, pertences de estimação e a

própria memória dos idosos foram fios condutores para o desencadeamento das

entrevistas, os alunos participantes foram orientados para que durante a retextualização

condensassem o texto final do gênero memórias sem a topicalização de perguntas.

Elencamos as operações textuais-discursivas propostas por Marcuschi (2010)

escolhidas para o fim a que se propõe este trabalho, a saber:

a) A primeira operação - Eliminação de marcas estritamente interacionais,

hesitações e partes de palavras (estratégias de eliminação baseada na idealização

linguística). Nessa estratégia, buscamos eliminar os elementos linguísticos

tipicamente de marcas da oralidade ausentes em textos escritos.

b) A segunda operação - Introdução da pontuação com base na intuição fornecida

pela entoação das falas (estratégias de inserção em que a primeira tentativa

segue a sugestão da prosódia). Nessa operação, se fez necessário analisar o uso

da pontuação para um claro entendimento do texto escrito. Assim sendo, na

pontuação nas produções textuais dos alunos levamos em conta a entoação da

fala, uma vez que o objeto de aplicação do processo de retextualização são

relatos orais.

c) A terceira operação – Refere-se à retirada de repetições, reduplicações,

redundâncias, paráfrases e pronomes egóticos (estratégia de eliminação para

uma condensação linguística), conforme Marcuschi (2001), considerando-se que

a oralidade se caracteriza por uma sucessiva repetição. Isso ocorre tanto no

campo lexical quanto no sintagmático, concorrendo para um exagero de

construções paralelas.

d) A quarta operação - Introdução da paragrafação e pontuação detalhada sem

modificação da ordem dos tópicos discursivos (estratégia de inserção). Nessa

operação, buscamos depurar dois constituintes desse processo, a pontuação e o

parágrafo, cuja natureza remete à idealização linguística.

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e) A quinta operação - Introdução de marcas metalinguísticas para referenciação de

ações e verbalização de contextos expressos por déitico (estratégia de

reformulação objetivando explicitude). Para essa operação, elegemos uma das

características principais da oralidade que é utilizar-se sistematicamente do

contexto físico, notadamente para uma operação espacial. Nesse aspecto,

buscamos eliminar esse contexto físico em detrimento de informação que possa

recuperar aquilo que foi verbalizado.

f) A sexta operação - Reconstrução de estruturas truncadas, reordenação sintática,

encadeamentos (estratégia de reconstrução em função da norma escrita). Essa

etapa constitui-se como uma das mais importantes do ponto de vista da

normatização da escrita e irá envolver diversos aspectos linguísticos textuais,

como, por exemplo, acréscimos informacionais, substituições lexicais, entre

outras.

g) A sétima operação – Tratamento estilístico com seleção de novas estruturas

sintáticas e novas opções léxicas (estratégia de substituição visando uma maior

formalidade). Essa operação revela aspecto de fundamental importância na

retextualização, compreendendo o fenômeno cognitivo da interpretação referente

à compreensão textual. É fato que, esse é um aspecto delicado, uma vez que para

transformar é necessário compreender o texto, a fim de evitar uma

retextualização falseada.

Destacamos que os processos de retextualização que tratamos nas análises das

produções textuais não implica a transformação de um texto falado com problemas de

compreensão, caótico e desordenado para um texto escrito formal, organizado e

ordenado. Mas, tratamos de retextualização da ordem falada para a ordem escrita. Faz-

se necessário ressaltar que os textos orais, utilizados como corpus para este trabalho,

apresentam uma ordem, uma organização e uma compreensão linguística em seu

contexto funcional de interação comunicativa.

Nesse sentido, é imprescindível que o aluno perceba e reflita que a fala e a

escrita são duas modalidades necessárias e complementares dentro de uma língua.

Comumente, ainda encontramos no contexto das salas de aula o desenvolvimento de

práticas pedagógicas pouco relevantes para o ensino da oralidade da Língua Portuguesa.

O educando, por conseguinte, pouco ou quase não estabelece relação da língua que ele,

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de fato, faz uso em seu meio social com aquela vista na escola de forma, muitas vezes,

descontextualizada, concebida por imposição e distante das suas práticas sociais.

Nesse contexto de uso real da língua materna, pretendemos que os alunos

percebam, enquanto sujeitos sócio-históricos numa situação de comunicação e interação

social, que a modalidade escrita não prevalece sobre a oralidade e a recíproca se faz

verdade.

Desse modo, não há sentido em privilegiar uma posição extrema em considerar

a fala como concreta, contextual, de estrutura simples, lugar do caos e do erro. De igual

forma considerar a escrita como abstrata, elaborada, complexa, formal, uso da boa

forma e do bom uso da língua, quando, de fato, são duas ordens que se complementam

em uma gradação contínua de usos formais e informais atendendo aos propósitos

comunicativos dos interlocutores. E assim, faz-se necessário que os alunos admitam que

as duas modalidades (fala e escrita) estão a serviço dos usuários da língua no mesmo

patamar valorativo quanto aos usos e funções. Contudo é preciso entender que “Há

práticas sociais mediadas preferencialmente pela escrita e outras pela tradição oral”.

(MARCUSCHI, 2010, p. 36-37).

Destacamos que a supremacia da cultura escrita sobre a cultura oral se deve,

entre outros fatores, ao difundido prestígio na literatura erudita pela primeira, enquanto

a segunda ficou centrada na ideia popular.

Equivocadamente, a escola ainda persiste em conceber o ensino de Língua

Portuguesa numa visão dicotômica entre a fala e a escrita, fundada em concepções

tradicionais que nada contemplam a proposta educacional vigente no país.

Vale salientar que este tipo de ensino centrado na escrita e engessado no código

formal, assume uma visão preconceituosa em relação à oralidade, que tem sido relegada

nas atividades escolares. Isto, torna-se evidente em práticas pedagógicas, ainda,

adotadas pela escola como o não reconhecimento da verdadeira diversidade do

português falado no Brasil, da tentativa em obrigar o aluno a falar da forma que se

escreve ou associar o domínio da gramática para a perfeição do falar e da escrita.

Partindo do princípio de que devemos erradicar tais mitos, chega-se ao postulado

de que o uso da língua é heterogêneo e variável, distanciando-se da visão de sistema

único e abstrato, reforçando, assim, que o uso entre a modalidade oral e a modalidade

escrita, mesmo apontando diferenças, dá-se de forma gradual e escalar.

É preciso destacar que um dos pressupostos básicos para um eficiente processo

de retextualização é a boa compreensão do entrevistador daquilo que foi dito pelo

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entrevistado. Compreensão que envolve não somente os aspectos linguísticos, mas a

situação contextual de interação a partir dos interlocutores, do propósito comunicativo e

do contexto de produção.

Esperamos que essa escrita se dê de forma interativa e significativa dentro de

uma prática social que tenha a oralidade, os relatos dos idosos, transformados em textos

escritos, atendendo ao formato e à função do gênero memórias. Nesse evento de

produção textual em que a cena enunciativa propiciou o encontro de gerações, os alunos

relacionaram o seu tempo e o seu ambiente com o das pessoas mais velhas, num

constante ir e vir, pois conforme corrobora Antunes (2003, p. 41) que “as línguas

funcionam como interação, e só uma concepção interacionista da linguagem, funcional

e contextualizada pode fundamentar um ensino de língua individual e socialmente,

produtivo e relevante”.

Tradicionalmente, a fala sempre foi vista pela escola como concreta, contextual

e de estrutura simples, enquanto a escrita sempre foi vista como abstrata, elaborada,

complexa e formal. Isso só aumentou o mito de que apenas a escrita deve ser aprendida

na escola, uma vez que a fala já nasce com o ser. Esta visão recebeu apoio de correntes

conservadoras que sempre pautaram o estudo a norma culta padrão distante de uma

língua centrada no uso. Para muitas instituições, pensadores e elaboradores dos livros

didáticos, a comunicação e o estudo da língua materna pauta-se, quase com

exclusividade, no domínio do código escrito.

Estudos linguísticos, claramente, derrubaram esse mito, pois, comprovaram que

há gêneros textuais na modalidade escrita, muito próximos da oralidade como, por

exemplo, o bilhete que é totalmente composto numa estrutura simples, contextual e

informal. Contudo, sabemos que há gêneros textuais da oralidade, tal como um discurso

oficial de posse de um executivo, por exemplo, que é altamente elaborado em uma

estrutura complexa e formal de uso da língua.

2.7 SEQUÊNCIA DIDÁTICA

Partindo do princípio de que o gênero textual memórias é de esfera social

literária de sequência tipológica predominantemente narrativa, buscamos, através desta

sequência didática, proporcionar meios que ajudassem aos alunos participantes a

adquirir habilidades da escrita e da fala para melhorar o desenvolvimento de sua

competência discursiva.

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Nesse sentido, organizamos uma sequência didática com o gênero textual

memórias que proporcionou novas práticas de linguagem ainda não dominadas pelos

alunos quanto a esse gênero.

Dessa forma, elaboramos o planejamento da referida sequência,

fundamentando-nos na concepção de Schneuwly (1994) na qual esclarece que os

saberes escolares precisam de uma didatização, tendo em vista que, a essência do

processo de ensino e aprendizagem que é o saber, necessita de uma transposição

didática para que este objeto de ensino passe por planejamento e reformulação até

atingir os objetivos propostos.

Desse modo, entendemos que a aplicação desse procedimento didático, no

âmbito do ensino de Língua Portuguesa, corresponde à organização das aulas a partir de

um conjunto de atividades, tais como leitura, escrita, oralidade e análise linguística.

Assim sendo, apresentamos na próxima seção uma sequência didática que propiciou

aos alunos participantes desse estudo meios para um ensino e aprendizagem de

produção textual nas modalidades faladas e escritas da Língua Portuguesa com o

propósito de desenvolver as competências e habilidades dos alunos para que possam

alcançar a formação do perfil de aluno sugerido na proposta vigente de educação.

Nessa direção, resolvemos criar uma sequência didática para poder realizar

numa intervenção pedagógica na qual fosse possível acompanhar progressivamente o

aprendizado dos saberes adquiridos pelos alunos.

Sendo assim, elaboramos a sequência didática, seguindo as orientações de

Schneuwly e Dolz (2004), conforme especificamos a seguir.

Primeiro momento (apresentação da proposta):

Paralela às aulas de Língua

Portuguesa, o professor sempre detectava conversas dos alunos de forma intuitiva

que tentavam reproduzir falares de cotidianos passados dos pais ou avós, vizinhos

idosos da comunidade a qual pertencem.

O professor propõe aos alunos à necessidade de se construir uma coleta de

relatos de idosos;

Sugerir o gênero textual memórias para a turma como forma de atender essa

necessidade comunicativa;

Discussão e envolvimento da turma sobre o que são memórias e quais as

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situações práticas da vida recorre-se ao uso desse gênero, o que ele nos remete;

Segundo momento (contato da turma com o gênero escrito)

Proporcionar aos alunos leitura do gênero, extraídas do manual das ONLP;

Propor aos alunos que, em uma conversa em casa com pessoas de maior

faixa etária (pais, avós, tios ou vizinhos), coletem informações referentes a um

fato marcante da infância ou juventude daquele parente. De posse desses dados

produzam intuitivamente, por escrito aqueles relatos.

Propor a turma outra produção textual escrita do gênero memórias a partir

de relatos orais de idosos da comunidade com a finalidade da confecção de uma

coletânea que será exposta para a comunidade escolar;

Explicar para a turma que a

produção escrita será feita após a coleta dos relatos orais (gravados) dos idosos.

Terceiro momento (levantamento de dados mediados pelo professor):

Encontro entre a turma e o

grupo de idosos da cidade;

Os alunos entrevistaram oralmente os idosos. Esses, de posse de fotos e

objetos de estimação, reativaram a memória da infância e da juventude;

As entrevistas foram gravadas em celular e posteriormente foram

transcritas na íntegra pelos alunos.

Quarto momento (Diferenças entre textos falados e textos escritos)

Mostrar as características que diferenciam um texto falado de um texto

escrito;

Mostrar e exercitar com a turma as situações de comunicação em que o

texto falado se aproxima ou se distancia do texto escrito;

Em que situações comunicativas devemos usar a retextualização de textos

falados para textos escritos ou vice-versa.

Quinto momento (primeira produção)

Primeira produção textual dos alunos a partir das transcrições – retextualizar da

fala para a escrita;

Os alunos devem seguir a seguinte tarefa: Após a entrevista e a gravação da fala

do idoso sobre as memórias da infância e da juventude, transcreva essa fala na

íntegra (ouça a gravação, repita se necessária).

Coloque o texto da transcrição na forma como ele poderia ter sido escrito

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(transformação da fala para a escrita).

Identificação pelo professor das dificuldades reais de produção textual dos

alunos em relação à retextualização.

Sexto momento (apontar instrumentos para superar problemas na primeira

produção)

Selecionar um dos textos

produzidos pelos alunos para trabalhar os operadores discursivos propostos por

Marcuschi (2010);

Trabalhar as operações discursivas propostas por Marcuschi (2010) de

forma sistematizada em módulos de acordo com as deficiências mais recorrentes

nas produções textuais escritas dos alunos;

Produção final (individual) – os textos orais transcritos foram

retextualizados para a escrita no gênero textual memórias, após o trabalho com

os operadores discursivos;

Divulgação das produções

textuais numa coletânea ao público local.

A partir dos fundamentos teóricos elencados nesta seção, analisamos os

resultados obtidos na produção textual escrita dos alunos participantes desse estudo.

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3 ASPECTOS METODOLÓGICOS

Nesse capítulo reconstruímos o aparato referente à metodologia utilizada para o

desenvolvimento dos objetivos propostos. Para tanto, selecionamos os textos

produzidos e retextualizados a partir dos relatos orais de memórias dos idosos.

Os referidos textos pertencentes ao corpus dessa pesquisa, foram analisados a

fim de contemplar a proposta de intervenção que leva em conta o projeto de sala de

aula, numa sequência didática que considere algumas operações centrais do processo de

retextualização.

Além disso, apresentamos a abordagem e o ambiente da pesquisa, a

caracterização dos participantes e a sequência didática aplicada na intervenção

pedagógica.

3.1 ABORDAGEM DA PESQUISA

O presente estudo insere-se no contexto de Linguística Aplicada, haja vista que

seu objetivo de investigação situa-se em contextos relacionados ao processo de ensino e

aprendizagem de língua materna em sala de aula do ensino fundamental.

Conforme esclareceu Kleiman (1990), Santos (2002), estudar espaços onde

ocorrem práticas sociais cotidianas torna-se relevante porque neles são realizadas ações

docentes que se revelam como fator importante para o conhecimento de práticas

pedagógicas que trazem resultados eficazes do processo de ensino. E assim, partindo da

especificidade do objeto de pesquisa de Linguística Aplicada, centrado no estudo de

práticas de usos da linguagem em contextos escolares (SIGNORIN, 1998), focamos

nossa análise nas atividades de retextualização de textos orais para a escrita, a partir do

gênero textual memórias.

Nesse sentido, esse estudo caracteriza-se como uma pesquisa-ação, visto que foi

pautado na realização de uma intervenção pedagógica na própria sala de aula do autor

desta pesquisa e teve como culminância eficientes resultados no processo de ensino.

3.2 AMBIENTE DA PESQUISA

Um dos maiores desafios das escolas brasileiras de ensino fundamental é tornar

os alunos proficientes em leitura, produção textual e oralidade em Língua Portuguesa.

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Vários trabalhos baseados na linha de pesquisa de Linguística Aplicada surgem como

aportes teóricos e grandes aliados dos professores e das instituições de ensinos para

amenizar ou superar tais obstáculos.

As Instituições formadoras de professores de Língua Portuguesa aderem e

orientam para um ensino de língua em que as produções textuais sejam focadas na

interação. Isto envolve um produtor textual que se preocupa com a sua escrita e o seu

possível leitor. Nesse processo envolve uma leitura daquilo que foi escrito e uma

reescrita num ininterrupto fluxo interacional entre escritor, texto, leitor. Assim,

Marcuschi (2011, p. 121) esclarece que a língua “é fundamentalmente um fenômeno

sociocultural que se determina na relação interativa e contribui de maneira decisiva para

a criação de novos mundos e para nos tornar definitivamente humanos”.

Para tanto, os gêneros discursivos surgem como elementos mais adequados

possíveis para fortalecer um estudo de língua materna que propicie aos aprendizes

fortalecer sua autonomia prática quanto ao processo de leitura e produção textual.

Desde que haja um planejamento que contemple na sua composição os seus propósitos

comunicativos e a sua função social.

Os dados construídos nesta pesquisa foram realizados na Escola Estadual

Senador João Câmara, da rede pública de ensino do Rio Grande do Norte, localizada na

Rua Tiradentes S/N, Centro do Município de Bento Fernandes.

Nesse ano de 2014 existiam aproximadamente quinhentos alunos matriculados

neste estabelecimento de ensino, que funciona em três turnos: matutino (anos iniciais do

Ensino Fundamental – do 1º ao 8º ano); vespertino (9º ano e o Ensino Médio) e noturno

(Ensino Médio diferenciado).

As turmas são divididas em sete do ensino fundamental e oito do ensino médio.

O quadro docente é composto de vinte e quatro professores efetivos e dois temporários

que atendem cento e oitenta alunos do ensino fundamental e duzentos e oitenta e nove

do ensino médio.

Em relação à estrutura física, esse estabelecimento de ensino dispõe de nove

salas de aula, uma biblioteca, um laboratório de informática, os espaços da direção, sala

dos professores e secretaria, uma cozinha, três banheiros, entre outros. Além disso, há

uma variedade considerável de recursos materiais que contribuem para a realização de

atividades variadas no processo de ensino-aprendizagem.

A direção da escola é escolhida por meio de eleição direta da qual participam

educandos, educadores, funcionários e pais a cada dois anos. Os professores efetivos

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são preferencialmente os candidatos aptos a concorrer ao cargo. Uma vez eleitos e

assumindo a função, podem concorrer ao pleito, apenas, por mais um mandato seguido.

Segundo o que consta no regulamento estabelecido pela Secretaria Estadual de

Educação.

Essa escola é a única que oferece ensino médio para a população local e para os

estudantes pertencentes aos assentamentos rurais. Comunidades, bastante comum na

região. A maioria dos estudantes depende de transporte escolar.

3.3 CARACTERIZAÇÃO DOS INFORMANTES

Os sujeitos da pesquisa são alunos matriculados em uma turma do nono ano do

turno vespertino, composta de 24 alunos divididos em 12 do sexo masculino e 12 do

sexo feminino, numa faixa etária que varia dos 13 aos 17 anos dos quais um terço são

moradores da zona rural do Município de Bento Fernandes/RN. São alfabetizados,

contudo apresentam um baixo nível de letramento quando se trata de domínio dos

gêneros discursivos mais complexos. Dados constatados in loco pelo próprio professor

que além de ser o autor dessa pesquisa e sujeito participante, configura-se, também,

como aquele que desenvolveu a intervenção pedagógica em sua turma.

Constituem-se, ainda, como sujeitos da pesquisa um grupo de aproximadamente

30 idosos que se reúnem semanalmente em sede própria para desfrutarem de momentos

de interação social e lazer. Esses são moradores da mesma comunidade onde fica a

escola da turma participante (alunos entrevistadores do 9º ano). O ponto de partida dos

relatos baseia-se na seguinte temática “O lugar onde vivo”.

Desse modo, o uso dessa temática não contemplou apenas uma produção textual,

mas, ao contrário, criou uma situação sócio-comunicativa em que não ocorreu uma

simples apropriação de um gênero textual, mas o resgate de uma identidade cultural de

uma comunidade, aproximando passado e presente, unindo, portanto, as duas pontas da

vida: aqueles que contam e aqueles que ouvem.

Nesse aspecto, tomamos a afirmação de Antunes (2003, p. 36-37), na qual a

autora demonstra entender o papel do processo educacional e do professor que precisa

desenvolver uma prática pedagógica condizente com o perfil do aluno e com os

objetivos de ensino de Língua Portuguesa, contidos nos PCN (1998).

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Sabemos que a educação escolar é um processo social, com nítida e

incontestável função política, com desdobramentos sérios e decisivos

para o desenvolvimento global das pessoas e da sociedade. [...] É, pois

um ato de cidadania, de civilidade da maior pertinência, que

aceitemos, ativamente e com determinação, o desafio de rever e de

reorientar a nossa prática de ensino de língua.

Para isso, os alunos participantes tiveram encontros com o grupo de idosos da

cidade de Bento Fernandes, Município da região do Mato Grande, distante 90

quilômetros de Natal. Nesse encontro, os relatos orais foram coletados na forma de

entrevistas, as quais foram instigadas por objetos e fotografias, previamente solicitados,

que remetiam ao passado e às memórias do idoso que foram gravadas em áudio.

Posteriormente, os relatos orais foram transcritos na íntegra pelos alunos, de

forma que observassem as características próprias da fala e escrita, mas, sobretudo,

percebessem que tais peculiaridades não são polares e sim graduais e contínuas.

Finalmente, executaram a retextualização da modalidade oral para a modalidade escrita

dessas lembranças como se fosse o próprio entrevistado.

3.4 INSTRUMENTOS DA PESQUISA

A viabilidade dos dados dessa pesquisa foi efetivada por meio da coleta de

relatos orais de idosos, gravados, transcritos e retextualizados por vinte e quatro alunos

da turma do nono ano do ensino fundamental. Para tanto foram realizadas entrevistas,

sem grande rigidez no tocante ao tema e ao número de perguntas, partindo sempre da

espontaneidade oral dos entrevistados.

O gênero textual entrevista foi o mais adequado para essa pesquisa pelo fato de

permitir a passagem de um texto oral para um escrito retomando a intenção, a situação

comunicativa, os interlocutores a que se destina o texto memórias, gênero textual

trabalhado nessa pesquisa. Além do mais, propiciamos através desse gênero a

transformação do discurso oral, toda dinâmica própria da conversa informal, dos

depoimentos coletados, em discurso escrito. Isso permite que na oralidade, de acordo

com a reação do interlocutor, repetimos a informação, mudamos o tom, reformulamos a

explicação, enquanto na escrita, eliminamos as marcas interacionais, incluímos a

pontuação, apagamos as repetições e redundâncias num percurso do menos para o mais

formal.

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Assim, os alunos se sentiram livres para criar suas próprias perguntas a partir das

curiosidades que surgiram no curso da escuta dos relatos e das fotografias ou objetos

pessoais de estimação, previamente solicitados, de posse de alguns idosos.

Tais relatos constituíram uma atmosfera de lembranças e sentimentos que

envolviam, a cada instante, entrevistador e entrevistado, criando um momento de interação

e de encontro único de gerações. Isso emergiu através de elementos recheados de estórias

que evocavam as memórias dos entrevistados, como velhas e desbotadas fotografias,

objetos pessoais, cujos cheiros e texturas faziam surgir momentos de grande emoção.

Dessa forma, os entrevistados relembravam diversos acontecimentos que teriam

marcado a sua infância ou a sua mocidade, como uma festa, uma travessura, um passeio,

uma viagem, uma grande enchente ou uma seca, por exemplo. Por outro lado, os alunos

norteavam o andamento dos relatos, questionando os entrevistados quanto aos modos de

viver do passado (namorar, casar, frequentar a escola, relação com os pais, brincadeiras,

trabalhos e crenças).

A opção pelos relatos orais como instrumento construtor de dados teve a

finalidade de desenvolver, através de uma sequência didática, atividades que levassem

os alunos a usar o modelo das operações textuais discursivas na passagem do texto oral

para o texto escrito, fluxo dos processos de retextualização, conforme sugere Marcuschi

(2010). Todo esse processo de retextualização do oral para o escrito será a partir do

gênero textual memórias.

3.5 SEQUÊNCIA DIDÁTICA EM PROJETOS DE CLASSE

A sequência didática aplicada em sala de aula apresenta a seguinte organização:

um título, os objetivos geral e específicos, a metodologia e seis módulos, sendo o

primeiro, observações, leituras e produções textuais (intuitivas), o segundo, primeiras

intervenções – produções textuais mediadas, o terceiro, reflexão – ação – reflexão, o

quarto, novas intervenções, o quinto, primeiras produções, o sexto e último, oficinas

para retextualização. Do 1º ao 4º módulo a divisão ocorre em três momentos, no 5º e 6º

módulos a divisão ocorre em quatro momentos que foram realizados em sala de aula,

biblioteca da escola, casa dos alunos e sala de reuniões do grupo de idosos.

Quadro 04: Sequência didática

Título A produção textual no ensino fundamental: processo de retextualização com o

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66

gênero memórias

Objetivo

geral

Desenvolver uma produção textual utilizando os processos de retextualização

– da fala para a escrita - com o gênero textual memórias.

Objetivos

específicos

Analisar e refletir sobre a importância do ensino de Língua Portuguesa

a partir dos gêneros textuais;

Identificar as peculiaridades que ocorrem nas modalidades escrita e

oral no gênero textual memórias;

Elevar a competência genérica dos alunos em escrita e oralidade;

Analisar os processos de retextualização – da fala para a escrita - do

gênero textual (memórias) produzidos pelos alunos;

Instigar os alunos a perceberem que as modalidades linguísticas (fala e

escrita) ocorrem em um contínuo de maior ou menor formalidade se

adequando aos propósitos interacionais e comunicativos dos interlocutores;

Levar os alunos a refletirem que a modalidade escrita não prevalece

sobre a oralidade e vice-versa. Ambas estão no mesmo grau valorativo das

práticas sociais;

Levar os alunos a refletirem que há gêneros textuais escritos que

apresentam características da oralidade, como há gêneros textuais orais que

apresentam características da escrita.

Metodologia

Apresentação da situação inicial - Encontro com a turma para apresentar a

proposta de intervenção e prestar esclarecimentos sobre a pesquisa a ser

desenvolvida na turma, combinar os dias dos encontros, horários e locais de

reunião.

Módulo 1

Esta etapa será

realizada em

três momentos

Observações, leituras e produções textuais (intuitivas)

1º momento: Sala de aula

Iniciar uma discussão com a turma sobre memórias. Aplicabilidade e

contexto social de uso desse gênero. Fazer uma coleta por escrito no

quadro-negro das respostas de todos os alunos a fim de planejar as

etapas seguintes de acordo com as necessidades da turma,

introduzindo o gênero textual memórias nesse espaço de interação de

forma significativa.

2º momento: Biblioteca da escola

Aula na biblioteca da escola para leitura por parte dos alunos de textos

de vários exemplares do gênero textual memórias extraídos da

coletânea da Olimpíada Nacional de Língua Portuguesa. Conversa

com os alunos sobre as características marcantes (propósito e função

comunicativa, contexto de uso, formato do texto, léxico) presentes

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67

nesse gênero textual.

3º momento: Casa e sala de aula

Propor aos alunos que, em uma conversa em casa com pessoas de maior faixa

etária (pais, avós, tios ou vizinhos), coletem informações referentes a um fato

marcante da infância ou juventude daquele parente. De posse desses dados

produzam, intuitivamente, por escrito aqueles relatos.

Módulo 2

Primeiras intervenções – produções textuais mediadas

1º momento: Sala de aula

.

Dentre as primeiras produções textuais dos alunos solicitadas no

módulo 1, pedir para que eles pontuem por escrito as dificuldades que

encontraram em transformar a fala para a escrita.

2º momento: Sala de aula

Relacionar por escrito junto com a turma outras situações de práticas

sociais do uso da língua em que se faz necessário à transformação da

fala para a escrita, da fala para a fala, da escrita para a fala e da escrita

para a escrita.

3º momento:

Após a discussão sobre as primeiras produções textuais dos alunos,

selecionar um dos textos produzidos por eles que possua uma maior

incidência de marcas da fala na escrita. Esse texto servirá para

trabalhar os operadores de retextualização que serão apresentados

trabalhados com a turma numa segunda produção textual.

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Módulo 3 Reflexão – ação – reflexão

1º momento: Sala de aula.

A partir do texto selecionado na primeira produção textual, realizar

um trabalho com os operadores discursivos de retextualização, da fala

para a escrita, propostos por Marcuschi.

2º momento: Sala de aula

Após trabalhar os operadores discursivos de retextualização – da fala para

a escrita – pedir aos alunos para identificarem dentre os operadores

trabalhados aqueles mais recorrentes em suas produções.

3º momento: Sala de aula

A avaliação dessa atividade consiste em pedir aos alunos para

realizarem uma produção textual final (retextualização) a partir de

uma reflexão do estudo com os operadores discursivos trabalhados.

Módulo 4 Novas intervenções

1º momento: Sala de aula.

Certifica-se junto aos alunos de que todos eles possuem aparelho

celular.

2º momento: Sala de aula.

Informá-los sobre o encontro que eles terão com o grupo de idosos da

comunidade para a realização de entrevistas orais.

3º momento: Sala de reuniões do grupo de idosos.

o Realização de entrevistas com os idosos da comunidade gravadas em

celular a partir de fotografias e objetos de estimação que lembrassem

algum fato ou ocorrido da infância ou juventude daquele idoso.

Módulo 5 Primeiras produções

1º momento: Sala de aula.

Primeira produção textual dos alunos a partir das transcrições –

retextualizar da fala para a escrita;

2º momento: Sala de aula.

Os alunos devem seguir a seguinte tarefa: Após a entrevista e a

gravação da fala do idoso sobre as memórias da infância e da

juventude, transcreva essa fala na íntegra (ouça a gravação, repita se

necessária).

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69

3º momento: Sala de aula.

Coloque o texto da transcrição na forma como ele poderia ter sido

escrito (transformação da fala para a escrita).

4º momento: Sala de aula.

Identificação pelo professor das dificuldades reais de produção textual

dos alunos em relação à retextualização.

Módulo 6 Oficinas de revisão para retextualizações

1º momento: Sala de aula.

Selecionar um dos textos produzidos pelos alunos para revisar o

trabalho com os operadores discursivos propostos por Marcuschi

(2010);

2º momento: Sala de aula.

Trabalhar as operações discursivas propostas por Marcuschi (2010) de

forma sistematizada em módulos de acordo com as deficiências mais

recorrentes nas produções textuais escritas dos alunos;

3º momento: Sala de aula.

Produção final (individual) – os textos orais transcritos foram

retextualizados para a escrita no gênero textual memórias, após o

trabalho com os operadores discursivos;

4º momento: Espaço coletivo da escola.

No futuro, Divulgação das produções textuais numa coletânea ao

público local.

Fonte: Dados da pesquisa

Os três momentos do módulo 1 fluíram sem maiores obstáculos dentro do que se

esperava na prática pedagógica. No módulo 2 durante a transformação do texto falado

para o texto escrito pelos alunos participantes não ocorreu empecilhos, visto que esse

processo se deu de forma intuitiva, ou seja, sem o trabalho de retextualização com os

OD propostos por Marcuschi (2010). No módulo 3, o trabalho pedagógico com os OD

mostrou-se novidade para os alunos, levando-os a refletirem sobre a importância desse

trabalho como facilitador para o processo de retextualização. Na sequência, o módulo 4

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70

fluiu sem transtornos, visto se tratar de ações para a prática da entrevista com os idosos

participantes.

O módulo 5 apresentou uma maior dificuldade para os alunos participantes pelo

fato da transcrição demandar um trabalho lento, meticuloso e repetitivo que muitas

vezes sobrecarregava o tempo e o humor dos participantes. A transformação do texto

falado para o texto escrito ocorreu no 3º momento do módulo 5, situação em que os

alunos participantes saíram do trabalho empírico para o trabalho científico, pois

aplicavam os OD em suas produções. No módulo 6, o trabalho com os OD foi revisado

de acordo com as dificuldades mais recorrentes apresentadas pelos participantes quanto

à retextualização. Após a revisão, os alunos participantes concluíram as suas produções

textuais do gênero memórias que culminará numa coletânea a ser divulgada na escola

para o público local.

3.6 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE

Com a finalidade de entendermos e refletirmos como se concretiza a

retextualização de textos da modalidade oral para a modalidade escrita, e como tem se

constituído o posicionamento dos alunos envolvidos nesta intervenção pedagógica, que

passamos a analisar as primeiras e últimas versões das produções textuais dos alunos de

acordo com os sete operadores discursivas de retextualização da fala para a escrita,

trabalhadas em sala. Para melhor entendermos, os textos coletados que foram transcritos

e retextualizados serão comentados conforme apresentem um maior índice de

recorrência dos operadores discursivos trabalhados. Para tanto, procuramos compor um

quadro composto da transcrição, da primeira e da última versão da produção escrita

retextualizada.

As seguintes tarefas foram propostas aos alunos participantes: a) Entreviste um

idoso sobre as memórias da infância e da juventude dele; b) Grave essa entrevista em

seu aparelho celular; c) Ouça a gravação, repita se necessário, com a fala original e

transcreva a entrevista (falada) na íntegra; d) Coloque o texto da transcrição na forma

como ele poderia ter sido escrito (transformação da fala para a escrita).

Os operadores discursivos serão identificados por OD1 (Eliminação de marcas

estritamente interacionais, hesitações e partes de palavras (estratégia de eliminação

baseada da idealização linguística), OD2 (Introdução da pontuação com base na

intuição fornecida pela entoação das falas), OD3 (Retirada de repetições, reduplicações,

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redundâncias, paráfrases e pronomes egóticos. Estratégia de eliminação para uma

condensação linguística) OD4 (Introdução da paragrafação e pontuação detalhada sem

modificação da ordem dos tópicos discursivos (estratégia de inserção), OD5 (Introdução

de marcas metalinguísticas para referenciação de ações e verbalização de contextos

expressos por dêiticos. Estratégia de reformulação objetivando explicitude), OD6

(Reconstrução de estruturas truncadas, concordâncias, reordenação sintática,

encadeamentos. Estratégia de reconstrução em função da norma escrita), OD7

(Tratamento estilístico com seleção de novas estruturas sintáticas e novas opções

lexicais. Estratégia de substituição visando a uma maior formalidade).

Os alunos terão *nomes fictícios e os seus textos serão identificados por T

(transcrição) e RI (retextualização inicial) e RF ( retextualização final).

Ressaltamos que as produções textuais finais do gênero memórias (anexos)

envolveram quase todas as operações discursivas de retextualização da fala para a

escrita, pertinentes à tipologia textual narrativa. Embora todos os alunos inseridos nesta

intervenção pedagógica tenham evoluídos em suas produções textuais de acordo com os

processos de retextualização da fala para a escrita trabalhados em sala, apresentaremos,

para efeito de análise, uma estratificação de oito dessas produções com o intuito de

apontarmos os maiores avanços na escrita desses participantes.

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4 ANÁLISES DOS RESULTADOS

Como nosso objetivo maior foi desenvolver uma produção textual utilizando os

processos de retextualização – da fala para a escrita - com o gênero textual memórias,

selecionamos e analisamos oito produções textuais dos alunos participantes do estudo.

Com isso, verificamos o quanto os alunos avançaram na transformação de um texto

falado para um texto escrito através do trabalho didático com os operadores discursivos,

doravante (OD), propostos por Marcuschi (2010).

Para chegarmos a esses avanços na escrita dos alunos participantes se fez

necessário o envolvimento desses com o gênero textual memórias. Inicialmente,

disponibilizamos cópias do gênero para leituras coletiva e individual. Após a leitura,

apontamos no quadro-negro de forma reflexiva as características textuais mais latentes

do gênero memórias.

Em seguida, após as entrevistas dos alunos com os idosos, selecionamos um

texto entre os 24 produzidos para trabalharmos coletivamente os operadores discursivos

que levariam à retextualização do texto oral para o texto escrito. Nesse texto,

apontamos coletivamente na lousa as marcas interacionais presentes no texto falado

como (ah, sabe, aí, tava, tou, entre outros) que deveriam ser eliminadas ou substituídos

sem prejuízo de comunicação para o texto escrito. Nessa operação, os alunos

participantes assimilaram os apontamentos e readequaram as eliminações para os seus

textos sempre monitorados pelo professor.

De igual forma, no mesmo texto selecionado, introduzimos a pontuação com

base na intuição fornecida pela entoação da fala reforçando que a pontuação é fator

preponderante para o entendimento do texto escrito. Por isso, enfatizando sempre que

não podemos escrever sem pontuar. Nessa operação os alunos participantes pontuaram

seus textos seguindo a intuição (prosódia), mas foi necessário o trabalho coletivo sobre

o uso e as diferenças do emprego dos sinais de pontuação.

Na sequência trabalhamos no mesmo texto a retirada das repetições,

redundâncias e pronomes egóticos (eu, nós) muito presentes em texto orais, mas

desnecessários em produção escrita. Escrevemos na lousa trechos de textos orais em

que numa pequena sentença, uma palavra se repetia até três vezes e condensamos para

uma sem perder o sentido do texto, pois a informação maior é recuperada no contexto

do texto. Exemplo, como apresentamos uma transcrição da fala:

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“ [...]Quando eu era pequeno, agente morava em uma tapera encima

de uma ladeira sab...,ai um certo dia estava carregando lenha na

bicicleta mais ai na ladeira tem um bocado de pedras quando descir a

ladeira levei uma queda da mulesta...”

E assim aplicadas às operações de retextualização temos o novo texto:

“[...] quando pequeno morávamos numa tapera no topo de uma ladeira

que era cheia de pedras. Certo dia, quando transportava lenha numa

bicicleta sofri uma terrível queda que fiquei chorando no chão todo

machucado.”

Baseados, nesses exemplos as transformações textuais ocorreram com o auxílio

pessoal do professor, autor da pesquisa.

Na quarta operação, em oficinas orientadas pelo professor, sugerimos aos

participantes que a paragrafação não necessariamente deve estar associada à pontuação,

mas ao agrupamento de conteúdos. Embora os participantes tivessem conhecimento que

se tratava de único conteúdo, memórias de idosos, tiveram a preocupação de dividir em

parágrafos distintos, como por exemplo, as brincadeiras de crianças ficaram separadas

de uma aventura lembrada.

Em seguida, trabalhamos a quinta operação que consiste em marcas

metalinguísticas para referenciação de ações e verbalização de contextos expressos por

dêiticos. Aproveitando trechos das próprias produções dos alunos, o professor

identificou e listou na lousa os dêiticos pronominais, dêiticos de tempo e de espaço bem

presentes no gênero textual memórias. Reforçando para os participantes da pesquisa que

expressões como “eu, aqui, ontem” presentes nos textos dos alunos são dêiticas por que

há referentes que podem ser identificados no contexto e na situação enunciativa através

do acompanhamento atento do leitor. Após uma reflexão, os participantes foram levados

a identificar os referentes dessas expressões em outros textos.

Na sequência, trabalhamos a sexta operação discursiva, apontamos os

truncamentos e as ocorrências da falta de concordâncias e de encadeamentos presentes

nos textos orais, mas sem problemas textuais de comunicação, porém comprometedores

para a escrita. O reforço no trabalho de concordância verbal e nominal, além dos

encadeamentos necessários para um adequado texto escrito. Entre vários exemplos

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citamos que a expressão “a gente brincava” é adequada para a fala ou textos escritos

numa situação de comunicação informal. Porém, essa mesma expressão deve ser

substituída por “brincávamos” para textos que requeiram uma comunicação formal.

Dessa forma, e através de outros exemplos, os participantes adequaram os seus textos

para a escrita.

Na última operação trabalhada, o professor solicitou aos participantes que

identificassem qualquer expressão que comprometesse a compreensão geral do texto.

Tarefa auxiliada por pesquisa no dicionário. Por outro lado, identificaram no léxico do

texto, expressões que poderiam ser substituídas por outras mais formais adequadas para

o texto escrito. Citamos o exemplo da substituição de “carregando lenha,” expressão

presente na transcrição, por “transportava lenha,” expressão presente na retextualização

final. Esse trabalho foi minucioso, pois trabalhamos, individualmente, as produções dos

alunos participantes.

No geral, a grande importância de se trabalhar o ensino de Língua Portuguesa

através dos gêneros textuais é a singularidade em oportunizar um melhor aprendizado

da língua em seus diferentes aspectos.

Os quadros que compõem as análises foram compostos da transcrição (T) da fala

dos idosos, da retextualização inicial (RI) e da retextualização final (RF) produzidas

pelos participantes.

Quadro 05: Transcrição e Produções textuais *Rafael

Transcrição Retextualizações

*Rafael

T Como era as brincadeiras de

antigamente? Ah, minha infância não foi

muito de divertimento, não brincava muito.

Como era mais velho dos meus irmãos tinha

que trabalhar ajudando meu pai para

sustenta a família, sabe ...,ai as poucas

brincadeiras que brincava era caçar com

meus amigos, pique esconde, pega – pega,

tila – tila , cai no poço, mais a brincadeira

que mais gostava era jogar bola, mais só de

noite ...,porque como de dia trabalhava eu

só tinha tempo pra brincar de noite. E uma

*Rafael

RI Como era as brincadeiras de antigamente?

Minha vida não foi muito de divertimento, não

brincava muito. Como era o mais velho dos

meus irmãos tinha que trabalhar ajudando meu

pai para sustentar a família. As poucas

brincadeiras que brincávamos era: caçar

passarinho, pique-esconde, pega-pega, tila-tila,

cai no poço. Mais a brincadeira que mais

gostava era jogar bola, mas como só podia

jogar a noite, por que de dia trabalhava eu só

tinha tempo pra brincar de noite.

E uma aventura que o senhor teve?

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aventura que o senhor teve? Quando eu era

pequeno, agente morava em uma tapera

encima de uma ladeira sab...,ai um certo dia

estava carregando lenha na bicicleta mais ai

na ladeira tem um bocado de pedras quando

descir a ladeira levei uma queda da mulesta

que descir de cabeça a baixo que fiqui

chorando no chão todo relado.ai pra

completar quando chegue em casa levei um

piza.

Quando eu era pequeno, agente morava em uma

tapera em cima de uma ladeira, um certo dia

estava carregando lenha na bicicleta, mais na

ladeira tem um bocado de pedras, quando desci

levei uma queda da mulesta que fiquei

chorando no chão todo relado, pra completar

quando cheguei em casa levei uma piza.

RF Como eram as brincadeiras de antigamente?

Na minha infância não houve muito

divertimento, pouco brincava. Como era o mais

velho dos irmãos, tinha que trabalhar ajudando

o meu pai no sustento da família. As poucas

brincadeiras eram caçar com meus amigos,

pique esconde, pega-pega, tila-tila, cai no poço,

mas, a que mais gostava era jogar bola a noite,

pois durante o dia trabalhava.

E uma aventura? Quando pequeno

morávamos numa tapera no topo de uma ladeira

que era cheia de pedras. Certo dia, quando

transportava lenha numa bicicleta sofri uma

terrível queda que fiquei chorando no chão todo

machucado. Para completar, ainda apanhei em

casa.

No quadro cinco registramos as seguintes operações presentes no texto de

*Rafael:

OD1: os marcadores típicos da conversação “ah(1x), aí (4x) e sabe (1x)”

presentes na fala são eliminados em sua RF;

OD2: a pontuação segue a entoação da fala, em alguns casos indicados por (...).

No trecho da T: “Como era mais velho dos meus irmãos tinha que trabalhar ajudando

meu pai para sustenta a família, sabe ...,ai as poucas brincadeiras que brincava era.” Na

RF: “Como era o mais velho dos irmãos, tinha que trabalhar ajudando o meu pai no

sustento da família. As poucas brincadeiras eram;”

OD3: As repetições são eliminadas. No trecho da T: “Quando eu era pequeno,

agente morava em uma tapera encima de uma ladeira sab...,ai um certo dia estava

carregando lenha na bicicleta mais ai na ladeira tem um bocado de pedras quando

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descir a ladeira levei uma queda.” Em sua RF o aluno reduz a incidência da expressão

ladeira de (3X, T) para (1X, RF) usando conectivos, sem prejuízos da compreensão

textual: “Quando pequeno morávamos numa tapera no topo de uma ladeira que era

cheia de pedras. Certo dia, quando transportava lenha numa bicicleta sofri uma terrível

queda.”

OD4: Em sua RF a definição dos parágrafos se realiza pela separação dos

conteúdos: as brincadeiras da época ficam no primeiro parágrafo; e a narrativa de uma

aventura no segundo parágrafo. Os textos apesar de serem prioritariamente

monologados, os parágrafos, neste caso, são definidos a partir do turno do aluno

entrevistador.

OD5 a OD7: Em sua RF o pronome “eu” e a expressão “a gente” são retirados,

embora o verbo continue em primeira pessoa do singular. Noutros casos é substituído

por verbos na primeira pessoa do plural do pretérito imperfeito do indicativo.

Construções típicas de narrativas que demonstram ações que se repetiam no passado.

Exemplo, T: “Quando eu era pequeno, agente morava em uma tapera. RF: Quando

pequeno morávamos numa tapera.” Quanto ao estilo lexical as seguintes expressões da

fala presentes na T: “relado, em cima, levei uma queda da mulesta” foram substituídas

respectivamente na RF por “machucado, no topo, sofri uma terrível queda.”

Para Hilgert (1990, p. 9) em relação a textos falados “atividades de formulação

são aqueles procedimentos a que recorrem os interlocutores para resolver, contornar,

ultrapassar ou afastar dificuldades, obstáculos ou barreiras de compreensão”.

Na RF de *Rafael é possível observar uma grande condensação do texto. Isso

ocorreu em virtude do texto apresentar na T um grande volume de marcas interacionais,

repetições e truncamentos que desapareceram na escrita.

Quadro 06: Transcrição e produções textuais *Pedro

Transcrição Retextualizações

*Pedro

T Eu me chamo Sandoval tenho 81 anos

nasci em Assu me criei em Assu mas conheci

49 cidades do Brasil já me casei duas vezes.

Eu sou agricultor desde pequeno tenho

2 filhos uma mora em São Paulo e o outro

mora aqui em Bento Fernandes, eu quando

*Pedro

RI Sou Sandoval tenho oitenta e uma anos.

Nasci e me criei em Assu.RN.

Conheço quarenta e nove cidades do

Brasil; casei-me duas vezes; sou agricultor

desde criança; tenho dois filhos, uma mora em

São Paulo e o outro em Bento Fernandes.

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criança nós brincava de cobra-sega, talo de

jerimum e também de boi de osso, os namoro

do meu tempo era assim ela no sofá e o rapaz

na porta da sala e os pais dela só olhando.

Quando criança brincávamos de cobra-

cega, boi de osso e talo de jerimum.

Os namoros do meu tempo ocorriam

da seguinte forma: a moça sentava-se no sofé

e o rapaz na outra ponta na porta da sala,

enquanto os pais dela só olhavam.

RF Sou Sandoval, 81 anos, agricultor desde

pequeno. Nasci e me criei em Assu/RN, mas

conheço 49 cidades do Brasil. Casei-me duas

vezes e tenho dois filhos: uma mora em São

Paulo e o outro aqui em Bento Fernandes.

Quando criança, brincávamos de cobra-

cega, talo de jerimum e boi de osso.

Os namoros naquela época eram assim:

a moça sentava-se no sofá, o rapaz na outra

ponta junto à porta da sala enquanto os pais

dela olhavam.

No quadro seis registramos as seguintes operações presentes no texto de *Pedro:

OD2 na T não há qualquer pontuação, porém em sua RF a pontuação é

fundamentada na prosódia.

OD3 em sua RF retira o “eu (pronome egótico)” deixando apenas os verbos no

presente.

OD4 Na RF divide a sua produção em três parágrafos agrupados por conteúdos:

No primeiro, apresentação da personagem; no segundo, enumera as brincadeiras da

época de criança ditas pela personagem e por último, relata, como eram os namoros na

época, segundo a personagem. Entende-se que para a compreensão da escrita

naturalmente se faz necessária à pontuação.

OD5 a OD7 em sua T “os namoro do meu tempo era assim ela no sofá e o rapaz

na porta da sala e os pais dela só olhando.” Na RF “Os namoros naquela época eram

assim: a moça sentava-se no sofá, o rapaz na outra ponta junto à porta da sala enquanto

os pais dela olhavam.” Não há um referente para os dêiticos “ela e dela,” situação em

que o produtor substituiu o pronome “ela” pelo substantivo “moça” que passa a ser o

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referente da última expressão. A expressão na T “só olhando” é substituída na RF por

“olhavam.” Opção por nova estrutura sintática adequada à escrita.

Para Antunes (2003, p. 101) o professor de português deve intervir diante das

modalidades oral e escrita para que “O confronto entre uma e outra – desde que se

considere os mesmos níveis de registro (fala formal e escrita formal, por exemplo) –

pode ser bastante produtivo para a compreensão daquelas similaridades e diferenças

para o entendimento das mútuas influências de uma sobre a outra.”

Na RF de *Pedro, os parágrafos ocorreram exaustivamente sem a preocupação

quanto ao pequeno número de linhas. Porém, o participante atendeu aos objetivos dos

OD ao separá-los por assuntos.

Quadro 07: Transcrição e produções textuais *Carlos

Transcrição Retextualizações

*Carlos

T Eu lembro muito na época que eu com 6 a 7

anos íamos pegar leite lá no Riacho Fechado

I, eu e a minha irmã aí sempre sempre eu fazia

umas travessuras era quebrar litros e chegava

em casa colocava culpa na irmã sem ela ter

culpa de nada ai quem levava os enfrego todo

era ela eu ficava por fora porque acreditavam

em mim que era o mais novo e ela era mais

velha ai pronto ela que levava os enfrego

E tem mais tem outra que foi no tempo

que eu com meus 12 anos a travessura que fiz

foi disparar uma espingarda dentro de casa

mas era só pras paredes, mas nunca mostrei

espingarda pra ninguém era só pras paredes,

era uma brincadeira que eu passei medo, a

espingarda disparou dentro de um quarto uma

20 pra tanger uma galinha de cima da cama

uma galinha choca, pegei a espingarda de

papai ai nem botei aqui no peito sabia lá que

danado ia disparar. Papai tinha esquecido de

tirar o cartucho ai ele mandou eu guardar a

*Carlos

RI Na época , lembro muito que entre seis e

sete anos íamos pegar leite no Riacho

Fechado I. Ia junto com a minha irmã. Sempre

fiz travessuras como quebrar litros e colocava

a culpa nela, pois meus pais acreditavam em

mim que era o mais novo Ela que levava os

esfregos e eu ficava de fora.

A maior travessura que fiz foi aso doze

anos; disparei uma espingarda dentro da

minha casa, o alvo foi as paredes mas passei

por um grande medo. Tudo issoo foi pra

tanger uma galinha choca que estava em cima

da cama. Não sabia que ia disparar, papai

pediu para eu guardar e esqueceu de tirar os

cartuchos. Isso foi no sábado e a tragédia no

domingo.

RF Lembro muito que entre 6 e 7 anos ia

junto com a minha irmã pegar leite no Riacho

Fechado I. Sempre fiz travessuras como

quebrar litros e colocava a culpa nela. Meus

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espingarda no sábado ai no domingo foi essa

tragédia.

pais acreditavam em mim por ser o mais

novo. Sempre fiquei por fora e ela que levava

todas as broncas.

Lembro-me de uma grande travessura

quando estava com os meus 12 anos. Sempre

disparava uma espingarda nas paredes de

casa, mas nunca apontei para ninguém.

Nessas brincadeiras passei por um grande

susto: No quarto, disparei por acidente uma

espingarda 20 apenas para assustar uma

galinha que estava em cima da cama. Era uma

arma de papai que ele pediu-me para guardar,

só que ele se esqueceu de remover os

cartuchos. Guardei no sábado e a tragédia foi

no domingo.

Carlos:

No quadro sete registramos as seguintes operações presentes no texto de *

OD1: os marcadores típicos da conversação como: “aí (5x), sempre, sempre e aí

pronto” são eliminados.

OD2: T: “Eu lembro muito na época que eu com 6 a 7 anos íamos pegar leite lá

no Riacho Fechado I, eu e a minha irmã aí sempre sempre eu fazia umas travessuras era

quebrar litros e chegava em casa colocava culpa na irmã sem ela ter culpa de nada ai

quem levava os enfrego todo era ela eu ficava por fora porque acreditavam em mim que

era o mais novo e ela era mais velha ai pronto ela que levava os enfrego.” Trecho da T

com muitas orações sem a presença de pontuação. Em sua RF a pontuação segue a

entoação que geralmente é marcada por pausas com a expressão aí: “Lembro muito que

entre 6 e 7 anos ia junto com a minha irmã pegar leite no Riacho Fechado I. Sempre fiz

travessuras como quebrar litros e colocava a culpa nela. Meus pais acreditavam em mim

por ser o mais novo. Sempre fiquei por fora e ela que levava todas as broncas.”

OD3: Na RF elimina as repetições “sempre sempre,” reduz a ocorrência do

pronome “ela” de quatro para uma.

OD4: Na RF as duas travessuras narradas pelo falante foram divididas em dois

parágrafos. Divisão feita de acordo com os conteúdos.

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OD5 a OD7 Na RF os verbos em primeira pessoa dispensaram o pronome “eu”

presentes na T. O pronome ela (5X) na T foi sistematicamente substituído ou

transformado noutras construções sintáticas mais condensadas como: T: “chegava em

casa colocava culpa na irmã sem ela ter culpa de nada,” RF: “colocava a culpa nela.”

Ou, T: “acreditavam em mim que era o mais novo e ela era mais velha”. RF: “Meus

pais acreditavam em mim por ser o mais novo.” Em relação ao léxico na T: “ela que

levava os enfrego”. RF: “ela que levava todas as broncas. Enfrego (variação do verbo

esfregar usada no Nordeste do Brasil. Significa flexão de esfregar: ato de fazer pressão,

um corpo sobre o outro, friccionando no mesmo lugar várias vezes).” Nesta região do

país, assume, entre outros, o sentido de castigo físico ou moral que os pais aplicam aos

filhos. Eliminou a expressão “lá” pelo fato da escrita já constar o local de referência

(Riacho Fechado). T: “a espingarda disparou dentro de um quarto uma 20 pra tanger

uma galinha de cima da cama uma galinha choca, pegei a espingarda de papai ai nem

botei aqui no peito sabia lá que danado ia disparar.” Na RF há uma condensação do

período, pois na primeira afirmação da T o falante não deixou claro quem disparou a

espingarda, na segunda afirmação, utiliza-se do contexto físico para orientação espacial

(ai nem botei aqui no peito sabia lá que danado ia disparar.). Na RF condensa numa só

afirmação: “No quarto, disparei por acidente uma espingarda 20 apenas para assustar

uma galinha”.

Koch (2012) afirma que o texto falado possui sua estrutura própria de acordo

com as circunstâncias sociocognitivas de sua produção devendo ser descrito e avaliado a

partir dessa concepção.

Na RF de *Carlos ocorreu, entre os operadores discursivos trabalhados, uma

maior ênfase na retirada dos truncamentos e um maior emprego das concordâncias e um

encadeamento das ideias.

Quadro 08: Transcrição e produções textuais de *Luiz

Transcrição Retextualizações

*Luiz T Sou um rapaz que trabalhou pelo mundo

sem irmão, com isso, eu aprendi a passar, a

lavar e a cozinhar na viagem do tempo da

foto. Trabalhei na agricultura colhendo café,

limpando café, plantando lavoura. Fui lá para

o sul, trabalhei quatro anos só na agricultura.

Quando fui para Paranaguá não tinha trabalho

*Luiz RI Sou um rapaz que sempre trabalhou

pelo mundo, com isso, aprendi a passar, a

lavar e a cozinha. Trabalhei na agricultura,

colhendo, limpando e plantado café.

Esta foto, foi quando fui para o sul,

trabalhei quatro anos somente na agricultura.

Quando fui para Paranaguá não havia trabalho

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81

na agricultura trabalhava em um armazém de

exportação de café para o exterior. Quando

cheguei a cidade tinha muita gente, não

encontrei uma penção que trabalhasse,

passamos três dias dormindo nos bancos do

jardim então fui embora porque não estava

dando serto.

na agricultura. Trabalhei em um armazém de

exportação de café para o exterior. Quando

cheguei a cidade tinha muita gente, não

encontrei uma pensão para trabalhar.

Passamos três dias dormindo nos bancos do

jardim. Então, fui embora por que não estava

dando certo.

RF Sou um rapaz que trabalhou pelo mundo

sem irmãos. Com isso, aprendi a passar, a

lavar e a cozinhar.

Esta foto foi numa época em que

viajei para o sul e trabalhei quatro anos na

agricultura. Colhia, limpava café e plantava

lavouras.

Depois, fui para Paranaguá, porém não

havia trabalho nisso. Cidade com muita gente,

mas não encontrei pensão para trabalhar.

Passamos três dias dormindo nos bancos dos

jardins. Depois, trabalhei em um armazém de

exportação de café e finalmente voltei, pois

não deu certo.

No quaro oito registramos as seguintes operações presentes no texto de *Luiz:

OD1 na RF desaparecem os marcadores conversacionais presentes na T como:

“eu, então”.

OD2 na RF a pontuação segue parcialmente a entoação da fala. Uma vez que na

T a expressão “na viagem do tempo da foto” se refere ao tempo que o falante aprendeu

a “passar, a lavar e a cozinhar”, mas na RF tal expressão se refere a “Esta foto foi numa

época em que viajei para o sul.” Embora, pode-se admitir que as duas ações verbais

refiram-se à foto, na RF são separadas em parágrafos para reforçar o entendimento do

produtor textual. T: “Sou um rapaz que trabalhou pelo mundo sem irmão, com isso, eu

aprendi a passar, a lavar e a cozinhar na viagem do tempo da foto. Trabalhei na

agricultura colhendo café, limpando café, plantando lavoura. Fui lá para o sul, trabalhei

quatro anos só na agricultura.” RF: “Sou um rapaz que trabalhou pelo mundo sem

irmãos. Com isso, aprendi a passar, a lavar e a cozinhar”.

“Esta foto foi numa época em que viajei para o sul e trabalhei quatro anos na

agricultura. Colhia, limpava café e plantava lavouras”.

Nessa operação, buscamos depurar dois constituintes desse processo, a

pontuação e o parágrafo, cuja natureza remete à idealização linguística. Para Marcuschi

(2010, p. 80) apud Arabyan (1994) “a questão do parágrafo não se acha necessariamente

unida à pontuação, pois ela diz respeito a uma decisão de agrupamento do conteúdo por

outros critérios”.

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OD3 Há eliminação de redundância no seguinte trecho, T: “trabalhava em um

armazém de exportação de café para o exterior”. Na RF: “trabalhei em um armazém de

exportação de café”. Eliminação de repetições, T: “colhendo café, limpando café”. Na

RF: “Colhia, limpava café”.

OD4 Na RF a paragrafação segue a divisão por conteúdos sem prejuízos dos

tópicos discursivos: no primeiro parágrafo, afazeres que o falante foi obrigado a

aprender sozinho no mundo; no segundo, trabalho na agricultura do sul do país; no

terceiro, relato do falante de uma aventura na cidade de Paranaguá.

OD5 a OD7 Na RF há dêiticos de marcas metalinguísticas para referenciação de

ações. Na T: (...) “trabalhei quatro anos só na agricultura. Quando fui para Paranaguá

não tinha trabalho na agricultura”. Na RF: (...) “fui para Paranaguá, porém não havia

trabalho nisso”.

Reconstrução de estruturas truncadas, T: “Quando fui para Paranaguá não tinha

trabalho na agricultura trabalhava em um armazém de exportação de café para o

exterior. Quando cheguei a cidade tinha muita gente, não encontrei uma penção que

trabalhasse, passamos três dias dormindo nos bancos do jardim então fui embora porque

não estava dando serto”. Na RF as estruturas truncadas foram eliminadas: “Depois, fui

para Paranaguá, porém não havia trabalho nisso. Cidade com muita gente, mas não

encontrei pensão para trabalhar. Passamos três dias dormindo nos bancos dos jardins.

Depois, trabalhei em um armazém de exportação de café e finalmente voltei, pois não

deu certo”. Novas opções lexicais, T: “fui embora porque não estava dando serto”. Na

RF: “finalmente voltei, pois não deu certo”.

Para Dolz e Schneuwly (2004, p. 163) “a escrita, vista como sistema de notação

da língua oral, adquire um caráter incompleto e inexato”. Na RF de *Luiz, tal como no

texto final de *Carlos há uma maior ênfase na reconstrução de estruturas truncadas

bastante presente em textos orais, mas que não foram descaracterizados em suas funções

comunicativa.

Quadro 9: Transcrição e produções textuais *Luíza

Transcrição Retextualizações

*Luíza T Antigamente era um tal de pastoril mais

hoje em dia não existe mais não essa

brincadeira. Mim lembro demais das

brincadeiras dos anos passados, mais hoje

estou com mais de 70 anos. Eu nunca fui a

escola não trabalhava no pezado num sei nem

*Luíza RI Antigamente era um tal de pastorio, mais

hoje em dia não existe mais não essa

brincadeira. Me lembro demais das

brincadeiras dos anos passados, mais hoje

estou com mais de 70 anos de idade. Nunca

fui a escola, trabalhava no pezado, num sei

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fazer o nome direito. Mas me casei com uma

moça e ela me ensinou a faze meu nome.

O namoro de antigamente é diferente

demais dos de hoje. Eu tenho 27 netos e 4

bisnetos eu morro em BF, mais tenho filhos

na Pousa de Ladeira Grande. Os namoros era

diferente pra pegar na mão das moças era

meio difícil antes si namorase tinha que casar.

As relações com meus pais era meia cruel,

pois nois não chamava-mos nomes feios,

porque si não apanhava com um cinturão ou

com um cipor de jukar que vivia guardado,

hoje ninguém tenhe mais respeito pelos os

pais, a casa é muito diferente de antigamente.

nem fazer o nome direiro. Mas mim casei com

uma mulher, e ela mim ensinou a fazer o meu

nome.

O namoro de antigamente era diferente

demais dos de hoje. Tenho 27 netos e 4

bisnetos. Morro em Bento Fernandes, tenho

filhos na Pousa de Ladeira Grande. Os

namoros eram diferentes pra pegar na mão das

moças era meio difícil.

Antes si namorase tinha que casar. As

relações com meus pais era meio cruel, pois

não chamava-mos nomes feios, porque

apanhava-mos com um cinturão ou com um

cipó de jukar que vivia guardado.

Hoje ninguém tenhe mais respeito pelos os

pais, a coisa é muito diferente de antigamente.

RF Lembro-me das brincadeiras do passado.

Tinha o pastoril, dança que não mais existe.

Tenho mais de 70 anos, trabalhava no

pesado e nunca fui à escola, mal sei assinar o

nome. Porém, casei-me com uma moça que

me ensinou a fazê-lo.

Os namoros de antigamente eram

diferentes dos de hoje, até para pegar na mão

da moça era meio difícil. Se houvesse namoro

era obrigado a casar.

Tenho 27 netos e 4 bisnetos, moro em

Bento Fernandes, mas tenho filhos na Pousa

da Ladeira Grande. A relação com os meus

pais foi meio cruel. Caso chamássemos

palavrões feios apanhávamos com um

cinturão ou um cipó de jucá que era guardado.

Hoje, ninguém mais respeita os pais. As

coisas são muito diferentes.

No quadro nove registramos as seguintes operações presentes no texto de

*Luíza:

OD1 Na RF desaparecem os marcadores típicos da conversação como “um tal”.

OD2 Na T quase não surge pontuação, porém na RF ela é feita com base na

prosódia. Opção por orações curtas com poucos elementos coesivos.

OD3 Na RF ocorre retirada do pronome egótico eu. Na T “eu nunca fui a escola

não” é substituído na RF por “nunca fui á escola”. Caso comum aparecer em orações

negativas da oralidade duas expressões de negação. Na T a expressão de negação “não”

(5x) é reduzida para 2(x) na RF. Vejamos, na T “hoje em dia não existe mais não”

substituído na RF por “hoje, não mais existe”.

OD4 Na RF, divide o texto em quatro parágrafos de acordo com os conteúdos.

Ocorrem pequenos deslocamentos de posições nos tópicos discursivos visando um

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melhor ordenamento dos conteúdos: No primeiro, situa as brincadeiras lembradas pelo

falante; no segundo, dados pessoais do falante com destaque para a condição de

analfabeto; no terceiro, como eram os namoros e os casamentos do passado, segundo o

falante; e no último, relata a atual composição da família do falante e como esse se

relacionava com os pais.

OD5 a OD7 No trecho da T “num sei nem fazer o nome direito” é substituído na

RF por “mal sei assinar o meu nome”. Opção por um novo tratamento lexical mais

formal. Na T “ela mim ensinou a fazer o meu nome” é substituído na RF por “que me

ensinou a fazê-lo”. Substituição do “mim por me” e uso do dêitico “lo” após o verbo

“fazer” para retomar o referente nome.

Cardoso (2008, p. 117) afirma, “temos duas funções para as unidades de

pontuação: colocar em evidência quem fala no texto [...] e organizar o conjunto do texto

no nível global (partes do texto) e naquele da unidade de base do texto: a frase”.

Para essa operação, elegemos uma das características principais da oralidade que

é utilizar-se sistematicamente do contexto físico, notadamente para uma operação

espacial. Nesse aspecto, buscamos eliminar esse contexto físico em detrimento de

informação que possa recuperar aquilo que foi verbalizado. Para Cavalcante (2014,

p.90) “Os dêiticos espaciais marcam as noções de proximidade/distância do locutor em

relação a um dado referente. Eles apontam para um lugar situado e referido com relação

a quem fala.” Por seu turno Koch (2010, p.19) “Na oralidade é comum serem os

referentes recuperáveis na própria situação discursiva: basta assim, apontar para eles,

dirigir o olhar ou fazer um gesto qualquer em sua direção.”

Na RF de *Luíza, tanto quanto os dêiticos para referenciação, há um destaque

maior para a pontuação com base na prosódia. O uso da pontuação feita por ela permite

ao leitor um melhor entendimento quanto ao sentido do texto escrito.

Quadro 10: Transcrição e produções textuais *Joana

Transcrição Retextualizações

*Joana

T Eu namorei com minha pri primeira

namorada e hoje, foi minha primeira

namorada e hoje tô lá tô casado a primeira

namorada que eu namorei eu casei...O namoro

*Joana

RI Namorei com minha primeira namorada

e hoje estou casado com ela. O namoro,

naquela epoca era sentado, ninguém podia se

encostar perto. Eu namorei durante um ano

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era sentado assim ninguém podia se encostar

perto não agente ficava distante sabe? Rapaz

eu namorei com essa que eu casei passe qase

qase um ano pa casar com ela sabe? Ai me

casei hoje to com ela ainda. A gente brincava

de anel sabe? Quando eu me casei eu tava

com 20 ano, hoje to com 60 é com 64 tá bom

44anos e tenho 8 fi.

com essa menina para poder casar. Quando

me casei estava com 20 anos, esse casamento

já dura a 44 anos, e temos 8 filhos. Nos

brincamos de anel.

RF Namorei à minha primeira namorada

durante quase um ano e hoje estou casado

com ela. Os namoros eram sentados, distantes

um do outro. Casei-me aos 20 anos, hoje,

tenho 64 anos de idade e 44 de casamento.

Tenho 8 filhos.

Brincávamos de anel.

No quadro dez registramos as seguintes operações presentes no texto de *Joana:

OD1 em sua RF eliminação ou redução de marcadores conversacionais, as

hesitações e complemento de partes de palavras presentes na T como: “hoje 4X para

2X, sabe 2X, tô (estou) 2X, lá, rapaz, qase (quase) 2X, pa (para)”. T: “Eu namorei com

minha pri primeira namorada e hoje, foi minha primeira namorada e hoje tô lá tô casado

a primeira namorada que eu namorei eu casei..”. RF: “Namorei à minha primeira

namorada durante quase um ano e hoje estou casado com ela”.

OD2 na RF a pontuação segue a entoação da fala geralmente marcada por (...) ou

o marcador interacional sabe seguido de interrogação presentes na T.

OD3 em sua RF retira o pronome egótico “eu” 7X presente na T. Reduz as

repetições da T: “hoje 4X para 2X, tô (estou) 2X, qase (quase) 2X”. Retira as

reduplicações e as redundâncias da T: “Rapaz eu namorei com essa que eu casei passe

qase qase um ano pa casar com ela sabe? Ai me casei hoje to com ela ainda”. RF:

“Namorei à minha primeira namorada durante quase um ano e hoje estou casado com

ela”.

OD4 em sua RF divide o texto em dois parágrafos de acordo com os conteúdos,

no primeiro, namoros, casamento e família; no segundo, as brincadeira, tópico

discursivo que foi deslocado para o último parágrafo.

OD5 a OD7 em sua RF o dêitico ela é usado para se referir à namorada.

“Namorei à minha primeira namorada durante quase um ano e hoje estou casado com

ela”. Na T a seguinte estrutura truncada: “Quando eu me casei eu tava com 20 ano, hoje

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to com 60 é com 64 tá bom 44anos e tenho 8 fi”. Foi transformada na RF em: “Casei-

me aos 20 anos, hoje, tenho 64 anos de idade e 44 de casamento. Tenho 8 filhos”. Na T:

“O namoro era sentado assim ninguém podia se encostar perto não agente ficava

distante sabe?” Em sua RF transformação da estrutura sintática e opção por novo léxico:

“Os namoros eram sentados, distantes um do outro”.

Para JUBRAN (2006, p. 32) o aparecimento da descontinuidade no texto falado

deve-se a situação de comunicação face a face “O tratamento desses fatos (...) afasta

avaliações negativas sobre descontinuidades presentes na língua falada, dissociando-as

das ideias de ‘defeitos’, “disfluências”, ou perdas do fio condutor.” Por sua vez,

Cavalcanti (2010, p.154) “ O texto (sua produção), longe de ser visto como o resultado

de um momento de inspiração, é concebido como um processo, um trabalho que

demanda planejamento, escolhas, (re)elaboração.”

Na RF de *Joana ocorreu em maior destaque a reconstrução de estruturas

truncadas, concordâncias e o encadeamento das ideias, reconstrução em função da

norma escrita.

Quadro 11: Transcrição e Produções textuais de *Sinara

Transcrição Retextualizações

*Sinara

T Como foi a sua infância? Ave Maria

naquele tempo minha filha nós tínhamos

dificuldade para arranjar o que comer, mas

mesmo assim era até divertido; agente

trabalhava nos rossados e pastorava o gado e

as ovelhas pois naquela época não existia

cerca; Agente inventava de brincar de casinha

com as boneca ficava tão entertida que, os

bichos acabava comendo a lavoura do

vizinho; quando chegava em casa podia

esperar que a pisa estava certa. No fim de

semana tinha balhe de sanfanas, boi de reis,

João redondo e quando não tinha nada os

amigo batia numa lata agente dançava.

Hoje me casei tive meus filhos já sou bisavo

*Sinara

RI Como foi sua infância? Naquele tempo

tínhamos dificuldades para arranjar o que

comer, mas mesmo assim era até divertido;

agente trabalhava nos roçados e pastorava o

gado e as ovelhas, pois naquela época não

existia cerca.

Agente inventava de brincar de casinha

com as bonecas ficava tão entretida que, os

bichos acabavam comendo a lavoura do

vizinho. Quando chegava em casa podia

esperar que a pisa estava certa.

No fim de semana, tinha baile de sanfona,

boi de reis, joão redondo. E quando não tinha

nada os amigos batiam numa lata e a gente

dançava.

Page 88: A PRODUÇÃO TEXTUAL NO ENSINO FUNDAMENTAL: … · JOSÉ AURÉLIO DA CÂMARA A PRODUÇÃO TEXTUAL NO ENSINO FUNDAMENTAL: PROCESSO DE RETEXTUALIZAÇÃO COM O GÊNERO MEMÓRIAS Dissertação

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já tenho 74 anos e sou feliz, peso a Deus que

nos guarde e nos livre da maldade do mundo .

Hoje me casei, tive meus filhos, já sou

bisavó, já tenho 74 anos e sou feliz. Peço a

Deus que nos livre e nos guarde da maldade

do mundo.

RF Como foi a sua infância? Naquele tempo

tínhamos dificuldades para arranjar o que

comer, mas, era até divertido. Trabalhávamos

nos roçados e pastorávamos o gado e as

ovelhas, pois naquela época não existia cerca.

Durante esse trabalho, inventávamos de

brincar de casinhas com as bonecas. Nisso,

ficávamos tão entretidas que os animais

acabavam comendo a lavoura do vizinho. Ao

voltarmos para casa era pisa na certa.

Nos finais de semana havia bailes de

sanfona, boi-de-reis, joão redondo. Quando

não havia nada, os amigos batiam em latas e

dançávamos.

Casei-me, tive filhos e sou bisavó.

Tenho 74 anos e sou feliz. Peço a Deus que

nos guarde e nos livre da maldade do mundo.

No quadro onze registramos as seguintes operações presentes no texto de

*Sinara:

OD1 Eliminação de “ave maria (1x) e minha filha (1x)” que são caracterizadas

como elementos típicos produzidos na fala.

OD2 “Hoje me casei tive meus filhos já sou bisavo já tenho 74 anos e sou feliz,

peso a Deus que nos guarde e nos livre da maldade do mundo”. Em sua RF “Casei-me,

tive filhos e sou bisavó. Tenho 74 anos e sou feliz. Peço a Deus que nos guarde e nos

livre da maldade do mundo”. Pontuação com base na prosódia. Como se trata de um

período curto separa as orações em simples e compostas.

OD3 Eliminação do advérbio de tempo presente na T: “já” (2X). Na RF os

verbos no presente dispensam esse reforço do advérbio.

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OD4 Em sua RF ocorreu paragrafação com base na divisão dos conteúdos, em

bora a ordem geral tenha permanecido: no primeiro parágrafo relata as dificuldades, as

brincadeiras e os trabalhos de criança; no segundo parágrafo, a fase da juventude da

entrevistada, pois relata como eram os bailes e as danças; e no último parágrafo, a

entrevistada faz um relato da sua vida atual (idosa).

OD5 a OD7 Inicia o período da RF com o verbo “casei-me” (ênclise, típico de

textos escritos) em substituição a T “me casei” (próclise, típica de textos falados).

Substitui o “eu” (pronome egótico) por “nós” fazendo a conjugação dos verbos na

primeira pessoa do pretérito imperfeito. A palavra “bichos” presente na T é substituída

na RF por “animais” visando uma maior formalidade na escrita.

Para Koch (2012, p. 17) “Como é a interação (imediata) que importa, ocorrem

pressões de ordem pragmática que se sobrepõem, muitas vezes, às exigências da

sintaxe.” Na RF *Sinara substitui o “eu e o a gente por nós” (1ª pessoa do plural). A

participante fez muitas substituições elaboradas visando uma maior formalidade no

texto escrito. Promoveu uma adequação da linguagem oral para a escrita com maior

ênfase no OD 7.

Quadro 12: Transcrição e Produções textuais *Sofia

Transcrição Retextualizações

*Sofia

T Namorava o namoro era assim... ficava com

um rapaz aqui, ai acabava ai renovava de

novo e assim eu nunca me casei ai ficava só

de amizade com um, amizade com outro. Eu

toda vida fui medonha né ai minha mãe dizia

assim, minha filha eu não quero voce

namorando com fulano. ai eu dizia mamãe eu

não to namorando não, voce ta namorando

que fulano me disse voce ta namorando sim

que fulano viu e voce ta namorado, não tava

namorando não! tava , tava que fulano viu

voce lá com o namorado, ai acabe esse

namoro com ele, ai eu acabava ai depois

renovava o namoro de novo ai eu ia pras

festas escondida da minha mae minha mãe e

*Sofia

RI Os namoros daquela época eram assim:

ficava com um rapaz aqui, acabava, renovava

de novo, e assim nunca me casei. Ficava de

amizade com um, amizade com outro. Eu

toda vida fui medonha, minha mãe dizia

assim: minha filha, eu não quero você

namorando com fulano. Eu dizia: mamãe eu

não estou namorando com ele. Mas ela

insistia, pois sempre ela dizia que alguém me

viu com tal namorado. Era obrigada a acabar

o namoro, mas depois renovava. Saía

escondida para as festas, pois papai e mãe não

deixavam. Quando perguntavam por mim já

estava longe Ao voltar perguntavam com que

estava, sempre dizia que estava com as

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meu pai não queria não ai eu ia escondida, ai

quando pensava... cadê Marluce foi pra festa,

eu mandei ela ir... quando ela chegar vou

bater nela que eu não mandei ela ir, ai quando

chegava : Eu mandei voce ir para festa ? não ,

e por que voce foi? e voce foi mais quem? fui

mais minhas amigas, que amiga eu sei mas

quem voce foi, voce foi com o seu namorado

viu ai ela me chamava logo de sem vergonha,

ai toda vida eu fui medonha eu respondia meu

pai né, respondia meu pai minha mãe, ei

cuidado se não doule , eu bato em você. Meu

pai era medonho comigo, mais eu chegava de

vagazinho, o minha filha eu podia bater em

voce, mais mamãe não bata não, mais voce

não vai pra festa mais não. Não mamãe vou

mais não mamãe vou mais não. Ai eu não ia

mais pra festa não.

amigas, mas eles não acreditavam e diziam

que estava com namorado por que fulano viu,

e logo minha mãe me chamava de sem

vergonha. Sempre respondia aos meus pais,

eles eram bravos comigo, e me ameaçavam de

surras, mas sempre chegava das festas

devagarinho para eles não verem, depois

prometia que não iria mais para as festas.

RF Sempre namorei, os namoros acabavam e

renovavam, mas nunca me casei. Ficavam

somente as amizades. Eu sempre fui muito

medonha. Minha mãe sempre impediu os

meus namoros com alguns rapazes.

Namorava, mas sempre negava e escondia até

que ela descobria através de conversas de

fulanos. Era obrigada a acabar, mas depois

renovava. Sempre fui para as festas escondida

dos meus pais, pois eles não deixavam.

Quando voltava dizia que estava

acompanhada das amigas, mas eles não

acreditavam. Insistiam que estava com

namorado e minha mãe logo me chamava de

sem vergonha. Sempre respondia aos meus

pais e, por isto, era sempre ameaçada de

apanhar. Sempre fui arteira, chegava das

festas bem devagarinho e prometia que não

iria mais.

No quadro doze registramos as seguintes operações presentes no texto de *Sofia:

OD1 eliminação na RF das hesitações e dos marcadores conversacionais

presentes na T: “aí (15X), né (2X), viu”;

OD2 Na RF a pontuação segue baseada na entoação da fala do entrevistado. T:

“Namorava o namoro era assim... ficava com um rapaz aqui, ai acabava ai renovava de

novo e assim eu nunca me casei ai ficava só de amizade com um, amizade com outro”.

Na RF: “Sempre namorei, os namoros acabavam e renovavam, mas nunca me casei.

Ficavam somente as amizades”.

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OD3 Retirada das redundâncias, T: “acabe esse namoro com ele, eu acabava ai depois

renovava o namoro de novo”, na RF: “Era obrigada a acabar, mas depois renovava”.

Retirada das repetições, T: “ficava só de amizade com um, amizade com outro”, na RF:

“Ficavam somente as amizades”. T: “não tava namorando não! tava , tava que fulano

viu voce lá com o namorado”, na RF: “Namorava, mas sempre negava e escondia até

que ela descobria através de conversas de fulanos”. T: “eu ia pras festas escondida da

minha mae minha mãe e meu pai não queria não ai eu ia escondida”, RF: “Sempre fui

para as festas escondida dos meus pais, pois eles não deixavam”. Retirada de

reduplicações, T: “eu chegava de vagazinho, o minha filha eu podia bater em voce, mais

mamãe não bata não, mais voce não vai pra festa mais não. Não mamãe vou mais não

mamãe vou mais não. Ai eu não ia mais pra festa não”, na RF: “Sempre respondia aos

meus pais e, por isto, era sempre ameaçada de apanhar. Sempre fui arteira, chegava das

festas bem devagarinho e prometia que não iria mais”.

OD4 Na RF não houve paragrafação e a ordem permaneceu inalterada por tratar-se de

um mesmo conteúdo.

OD5 a OD7 Na RF há contextos expressos por dêiticos: “Sempre fui para as festas

escondida dos meus pais, pois eles não deixavam”. Reconstrução de estruturas

truncadas, T: “Meu pai era medonho comigo, mais eu chegava de vagazinho, o minha

filha eu podia bater em voce, mais mamãe não bata não, mais voce não vai pra festa

mais não”, na RF: “Sempre respondia aos meus pais e, por isto, era sempre ameaçada de

apanhar. Sempre fui arteira, chegava das festas bem devagarinho e prometia que não

iria mais”. Novas estruturas sintáticas e opções lexicais, T: “Eu mandei voce ir para

festa ? não , e por que voce foi? e voce foi mais quem? fui mais minhas amigas, que

amiga eu sei mas quem voce foi, voce foi com o seu namorado viu”. Na RF: “dizia que

estava acompanhada das amigas, mas eles não acreditavam. Insistiam que estava com

namorado”.

Segundo Antunes (2003), dependendo dos contextos de uso, a fala e a escrita

variam em níveis de planejamento, incidências em relação à norma padrão, graus de (in)

formalidade.

Na RF de *Sofia o OD 3 surgiu com mais ênfase, pois ela retira as redundâncias,

as repetições de palavras e das ideias, as reduplicações fazendo um condensação em sua

produção escrita. Enquanto na sua T apresentou 33 linhas, a RF foi condensada para 19

linhas sem prejuízos de informações.

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91

Esse trabalho não só favoreceu as atividades de retextualização no tocante ao

trabalho com os operadores discursivos para a transformação de um texto oral para um

texto escrito numa sequência didática com o gênero textual memórias, como também

promoveu uma aproximação cultural entre o modo de vida dos alunos com o dos idosos,

uma vez que nos relatos de vida surgiram aspectos culturais e identitários que não são

os mesmos vividos pelos alunos.

Para os alunos participantes da pesquisa ficou de relevante a percepção das

experiências linguísticas entre o texto oral e o texto escrito. Uma vez que refletiram

quanto à importância de ambos nos diversos contextos interacionais em que se faça

necessária as práticas sociais de comunicação pelo uso da língua. Essa que se utiliza da

fala e da escrita para se concretizar através dos gêneros textuais produzindo variações

das estruturas textuais-discursivas, seleções léxicas, estilo, grau de formalidade etc.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao elegermos os processos de retextualização da fala para a escrita no gênero

textual memórias procuramos compreender que o ensino da língua se concretiza através

dos gêneros textuais nas modalidades escrita e oral.

Muito há de ser pesquisado nesta área de retextualização, embora, verificamos

que esta intervenção pedagógica pautada nos operadores discursivos de retextualização

configurou-se como um eficiente caminho para nós professores trabalharmos as

peculiaridades de usos e funções dos gêneros textuais nas modalidades orais e escritas

de uma língua, em um trabalho didático que considere o contínuo tipológico permeado

por todas as práticas sociais de comunicação.

Se tais práticas sociais, inerentes ao homem, mudam, transformam-se, evoluem

ou regridem de acordo com as atividades humanas não há como concebermos uma

língua como um conjunto de normas inflexíveis e estanques, limitadas, fora do contexto

de uso. Para Marcuschi (2010, p.125) “a língua não é um simples sistema de regras, mas

uma atividade sociointerativa que exorbita o próprio código como tal.” A

língua é viva e sócio-histórica situada. Um texto produzido no século passado,

principalmente os literários, pouco surtirá efeito de compreensão para um aluno do

século XXI se não levarmos em conta a situação e o contexto de produção (quem

produziu, para quem, o grau de intimidade entre os enunciadores, qual o propósito

comunicativo etc).

Reiteramos que há como trabalhar um ensino de língua sem pautar-se pela

dicotomia entre a fala e a escrita. Ambas são diferentes pelas suas peculiaridades de

contexto de uso em práticas sociais de comunicação, porém tais diferenças jamais

podem resultar em preconceitos, uma vez que do ponto de vista da perspectiva

sociointeracionista, a qual contribuiu para fundamentar esta pesquisa, fala e escrita

apresentam dialogicidade, usos estratégicos, funções interacionais, envolvimento,

negociação, situacionalidade, coerência e dinamicidade. As dicotomias tão presentes

entre a fala e a escrita no ensino de língua só faz aumentar os mitos constantes nessa

ordem, principalmente, aquele que causa maior dano para os aprendizes da Língua

Portuguesa: o de que a escrita é uma representação da fala.

É possível verificarmos que as diferenças entre a oralidade e a escrita não são

tão marcantes no tocante aos conteúdos e a organização básica das informações uma vez

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que os textos orais apresentam também nos gêneros textuais uma sequência na conexão

lógica entre as ideias. A qualidade cognitiva entre textos orais e escritos está no mesmo

patamar naquilo que concerne em romper conceitos com ideias novas. Não se observou

um maior grau de abstração de pensamento nas produções escritas retextualizadas em

relação aos textos originais orais transcritos.

Constatamos ainda, que o trabalho com transcrição realizou-se de modo bastante

meticuloso, principalmente quando se trata de desenvolvê-lo numa turma do ensino

fundamental que ainda apresenta deficiências linguísticas no tocante à sintaxe e à

ortografia da língua. Essa última foi verificada em demasia na escrita dos alunos durante

a transcrição das entrevistas.

Porém, tais deficiências serviram como advertências, foram trabalhadas e não

apresentaram ameaças ao objetivo final da intervenção, visto que os alunos refletiram e

compreenderam que os textos falados e os textos escritos se complementam e são

usados para designar formas e atividades comunicativas que se dão em eventos e

processos de práticas sociais do usuário da língua, enquanto as diferenças entre eles são

marcadas nos aspectos formais, estruturais e semiológicos (plano do código).

Na retextualização inicial (RI) dos alunos é possível verificarmos uma grande

presença de marcas da oralidade, textos que mesmo escritos guardavam resquícios da

entrevista (no contínuo do gráfico, situa-se como escrito com fortes características da

fala). Tais marcas foram reduzidas nos textos após o trabalho coletivo com os

operadores discursivos – da fala para a escrita – que desencadeou em outras

retextualizações até a culminância na retextualização final RF (memórias narrativas que

no contínuo do gráfico está mais centralizada, situada também como escrita, mas com

menos presença de marcas da fala).

Além da redução das marcas da fala (hesitações, marcadores conversacionais,

palavras iniciadas e não concluídas) presentes na transcrição, constatamos também, na

retextualização final dos alunos, um considerável número de textos que apresentou a

introdução da pontuação, retirada de truncamentos e de repetições de palavras não

necessárias na escrita. Outro fenômeno recorrente nas RF dos alunos foi à paragrafação

dos textos divididos em assuntos. As marcas de referenciação por dêiticos e as novas

opções lexicais ocorreram em menor incidência, visto tratar-se de uma turma que

apresentava um limitado conhecimento enciclopédico.

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As retextualizações finais analisadas apresentaram em sua maioria uma redução

do número de palavras e linhas, sem prejuízos de conteúdo e informação, em relação às

transcrições.

Durante a intervenção, um dos aspectos que fez redobrar a atenção do docente e

dos alunos foi à compreensão da fala do entrevistado, pois, em alguns casos houve

necessidade de repetição do áudio para desfazer-se de confusões que possivelmente

atrapalhariam a veracidade do conteúdo do discurso. A compreensão daquilo que foi

falado é fator fundamental para uma eficiente retextualização.

Corroboramos com os linguistas no tocante ao constante uso de texto nas aulas

de ensino da Língua Portuguesa. Fato que parece demasiadamente repetido em diversos

estudos linguísticos, mas, não raro detectamos práticas pedagógicas inversas nas salas

de aulas. Os próprios alunos, por estarem numa situação passiva, não podem contribuir

para uma mudança significativa nessa ordem.

Muitos professores, parecem acomodados, seja pelo medo da ruptura do

tradicional com o novo que se descortina a sua frente. O fato é que, independente desses

medos, o educador arraigado ao ensino de língua distante das práticas sociais do

educando não tem mais lugar no século XXI, haja vista que as mudanças vieram e, com

elas, a necessidade de um profissional engajado, motivado, preparado e, muito mais que

isso, fundamentado teoricamente em concepções de linguagem e ensino que o orientem

a trabalhar com textos nas modalidades orais e escritos.

Além disso, os docentes precisam perseguir o objetivo de desenvolver a

competência discursiva dos alunos, tendo em vista que os mesmos precisam interagir

nos múltiplos contextos interacionais dos quais participam, constituindo-se, assim,

como sujeitos no outro, com o outro e pelo outro, conforme aponta Bakhtin (2010).

Espera-se com o resultado alcançado nesta pesquisa que os horizontes apontados

para a compreensão de que oralidade e escrita, embora guardem peculiaridades,

ocorrem dentro de um contínuo dos gêneros textuais para atender as necessidades

comunicativas dos falantes de uma língua. Aponta ainda, para as possibilidades de nós

professores aderirmos a um ensino de Língua Portuguesa através dos gêneros textuais.

Sobretudo, um ensino significativo que contemple os usos e funções dos gêneros nas

modalidades orais e escrita de forma interacional. Um ensino, prioritariamente, a favor

do aluno que contemple a fala, a escrita e a leitura em práticas e usos sociais de

comunicação.

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ANEXOS

*Rafael

T 1. Como era as brincadeiras de antigamente? Ah, minha infância não foi muito de

divertimento, não brincava muito.

Como era mais velho dos meus irmãos tinha que trabalhar ajudando meu pai para sustenta a

família, sabe ...,ai as poucas brincadeiras que brincava era caçar com meus amigos, pique

esconde, pega – pega, tila – tila , cai no poço, mais a brincadeira que mais gostava era jogar

bola, mais só de noite ...,porque como de dia trabalhava eu só tinha tempo pra brincar de noite.

2. E uma aventura que o senhor teve? Quando eu era pequeno, agente morava em uma tapera

encima de uma ladeira sab...,ai um certo dia estava carregando lenha na bicicleta mais ai na

ladeira tem um bocado de pedras quando descir a ladeira levei uma queda da mulesta que descir

de cabeça a baixo que fiqui chorando no chão todo relado.ai pra completar quando chegue em

casa levei um piza.

3. O senhor acha os jovens de hoje estão diferente de antigamente? Tão sim antigamente não o

que tem hoje, antes quando não tinha energia elétrica nos fazia um bocado de coisa brincava,

jogava bola, fazia tudo, hoje não eles só quer ficar direto no celular, no computador falando

besteira sabe né...eu mesmo nem gosto desse negócio de ficar toda hora no celular, gostava de

caçar passarinho e brincar.

RI Como era as brincadeiras de antigamente? Minha vida não foi muito de divertimento,

não brincava muito. Como era o mais velho dos meus irmãos tinha que trabalhar ajudando meu

pai para sustentar a família. As poucas brincadeiras que brincávamos era: caçar passarinho,

pique-esconde, pega-pega, tila-tila, cai no poço. Mais a brincadeira que mais gostava era jogar

bola, mas como só podia jogar a noite, por que de dia trabalhava eu só tinha tempo pra brincar

de noite.

E uma aventura que o senhor teve? Quando eu era pequeno, agente morava em uma

tapera em cima de uma ladeira, um certo dia estava carregando lenha na bicicleta, mais na

ladeira tem um bocado de pedras, quando desci levei uma queda da mulesta que fiquei chorando

no chão todo relado, pra completar quando cheguei em casa levei uma piza.

Como eram os jovens de antigamente? Eram diferentes dos de hoje, não havia energia

elétrica, porém, fazíamos muitas brincadeiras. Os jovens de hoje gastam a maior parte de seu

tempo com o celular e o computador, falam coisas sem importância. Nunca gostei de celular,

meu negócio era caçar e brincar.

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RF Como eram as brincadeiras de antigamente? Na minha infância não houve muito

divertimento, pouco brincava. Como era o mais velho dos irmãos, tinha que trabalhar ajudando

o meu pai no sustento da família. As poucas brincadeiras eram caçar com meus amigos, pique

esconde, pega-pega, tila-tila, cai no poço, mas, a que mais gostava era jogar bola a noite, pois

durante o dia trabalhava.

E uma aventura? Quando pequeno morávamos numa tapera no topo de uma ladeira

que era cheia de pedras. Certo dia, quando transportava lenha numa bicicleta sofri uma terrível

queda que fiquei chorando no chão todo machucado. Para completar, ainda apanhei em casa.

Como eram os jovens? Embora não houvesse energia elétrica, brincávamos e fazíamos

muitas coisas. Hoje, os jovens passam a maior parte do tempo em celular e computador.

Conversam coisas sem importância. Não gosto de celular, mas de caçar e brincar.

*Pedro

T Eu me chamo Sandoval tenho 81 anos nasci em Assu me criei em Assu mas conheci 49

cidades do Brasil já me casei duas vezes.

Eu sou agricultor desde pequeno tenho 2 filhos uma mora em São Paulo e o outro mora

aqui em Bento Fernandes, eu quando criança nós brincava de cobra-sega, talo de jerimum e

também de boi de osso, os namoro do meu tempo era assim ela no sofá e o rapaz na porta da

sala e os pais dela só olhando.

RI Sou Sandoval tenho oitenta e uma anos. Nasci e me criei em Assu.RN.

Conheço quarenta e nove cidades do Brasil; casei-me duas vezes; sou agricultor desde

criança; tenho dois filhos, uma mora em São Paulo e o outro em Bento Fernandes.

Quando criança brincávamos de cobra-cega, boi de osso e talo de jerimum.

Os namoros do meu tempo ocorriam da seguinte forma: a moça sentava-se no sofé e o

rapaz na outra ponta na porta da sala, enquanto os pais dela só olhavam.

RF Sou Sandoval, 81 anos, agricultor desde pequeno. Nasci e me criei em Assu/RN, mas

conheço 49 cidades do Brasil. Casei-me duas vezes e tenho dois filhos: uma mora em São Paulo

e o outro aqui em Bento Fernandes.

Quando criança, brincávamos de cobra-cega, talo de jerimum e boi de osso.

Os namoros naquela época eram assim: a moça sentava-se no sofá, o rapaz na outra ponta

junto à porta da sala enquanto os pais dela olhavam.

*Carlos

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T Eu lembro muito na época que eu com 6 a 7 anos íamos pegar leite lá no Riacho Fechado

I, eu e a minha irmã aí sempre sempre eu fazia umas travessuras era quebrar litros e chegava em

casa colocava culpa na irmã sem ela ter culpa de nada ai quem levava os enfrego todo era ela eu

ficava por fora porque acreditavam em mim que era o mais novo e ela era mais velha ai pronto

ela que levava os enfrego

E tem mais tem outra que foi no tempo que eu com meus 12 anos a travessura que fiz foi

disparar uma espingarda dentro de casa mas era só pras paredes, mas nunca mostrei espingarda

pra ninguém era só pras paredes, era uma brincadeira que eu passei medo, a espingarda disparou

dentro de um quarto uma 20 pra tanger uma galinha de cima da cama uma galinha choca, pegei

a espingarda de papai ai nem botei aqui no peito sabia lá que danado ia disparar. Papai tinha

esquecido de tirar o cartucho ai ele mandou eu guardar a espingarda no sábado ai no domingo

foi essa tragédia.

RI Na época , lembro muito que entre seis e sete anos íamos pegar leite no Riacho Fechado I.

Ia junto com a minha irmã. Sempre fiz travessuras como quebrar litros e colocava a culpa nela,

pois meus pais acreditavam em mim que era o mais novo Ela que levava os esfregos e eu ficava

de fora.

A maior travessura que fiz foi aso doze anos; disparei uma espingarda dentro da minha

casa, o alvo foi as paredes mas passei por um grande medo. Tudo issoo foi pra tanger uma

galinha choca que estava em cima da cama. Não sabia que ia disparar, papai pediu para eu

guardar e esqueceu de tirar os cartuchos. Isso foi no sábado e a tragédia no domingo.

RF Lembro muito que entre 6 e 7 anos ia junto com a minha irmã pegar leite no Riacho

Fechado I. Sempre fiz travessuras como quebrar litros e colocava a culpa nela. Meus pais

acreditavam em mim por ser o mais novo. Sempre fiquei por fora e ela que levava todas as

broncas.

Lembro-me de uma grande travessura quando estava com os meus 12 anos. Sempre

disparava uma espingarda nas paredes de casa, mas nunca apontei para ninguém. Nessas

brincadeiras passei por um grande susto: No quarto, disparei por acidente uma espingarda 20

apenas para assustar uma galinha que estava em cima da cama. Era uma arma de papai que ele

pediu-me para guardar, só que ele se esqueceu de remover os cartuchos. Guardei no sábado e a

tragédia foi no domingo.

*Luiz

T Sou um rapaz que trabalhou pelo mundo sem irmão, com isso, eu aprendi a passar, a lavar e

a cozinhar na viagem do tempo da foto. Trabalhei na agricultura colhendo café, limpando café,

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plantando lavoura. Fui lá para o sul, trabalhei quatro anos só na agricultura. Quando fui para

Paranaguá não tinha trabalho na agricultura trabalhava em um armazém de exportação de café

para o exterior. Quando cheguei a cidade tinha muita gente, não encontrei uma penção que

trabalhasse, passamos três dias dormindo nos bancos do jardim então fui embora porque não

estava dando serto.

RI Sou um rapaz que sempre trabalhou pelo mundo, com isso, aprendi a passar, a lavar e a

cozinha. Trabalhei na agricultura, colhendo, limpando e plantado café.

Esta foto, foi quando fui para o sul, trabalhei quatro anos somente na agricultura.

Quando fui para Paranaguá não havia trabalho na agricultura. Trabalhei em um armazém de

exportação de café para o exterior. Quando cheguei a cidade tinha muita gente, não encontrei

uma pensão para trabalhar. Passamos três dias dormindo nos bancos do jardim. Então, fui

embora por que não estava dando certo.

RF Sou um rapaz que trabalhou pelo mundo sem irmãos. Com isso, aprendi a passar, a lavar

e a cozinhar.

Esta foto foi numa época em que viajei para o sul e trabalhei quatro anos na agricultura.

Colhia, limpava café e plantava lavouras.

Depois, fui para Paranaguá, porém não havia trabalho nisso. Cidade com muita gente,

mas não encontrei pensão para trabalhar. Passamos três dias dormindo nos bancos dos jardins.

Depois, trabalhei em um armazém de exportação de café e finalmente voltei, pois não deu certo.

*Luíza

T Antigamente era um tal de pastoril mais hoje em dia não existe mais não essa brincadeira.

Mim lembro demais das brincadeiras dos anos passados, mais hoje estou com mais de 70 anos.

Eu nunca fui a escola não trabalhava no pezado num sei nem fazer o nome direito. Mas me casei

com uma moça e ela me ensinou a faze meu nome.

O namoro de antigamente é diferente demais dos de hoje. Eu tenho 27 netos e 4 bisnetos

eu morro em BF, mais tenho filhos na Pousa de Ladeira Grande. Os namoros era diferente pra

pegar na mão das moças era meio difícil antes si namorase tinha que casar. As relações com

meus pais era meia cruel, pois nois não chamava-mos nomes feios, porque si não apanhava com

um cinturão ou com um cipor de jukar que vivia guardado, hoje ninguém tenhe mais respeito

pelos os pais, a coisa é muito diferente de antigamente. Sei de tanto aproveito que nem sei

contar tudo!

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RI Antigamente era um tal de pastorio, mais hoje em dia não existe mais não essa brincadeira.

Me lembro demais das brincadeiras dos anos passados, mais hoje estou com mais de 70 anos de

idade. Nunca fui a escola, trabalhava no pezado, num sei nem fazer o nome direiro. Mas mim

casei com uma mulher, e ela mim ensinou a fazer o meu nome.

O namoro de antigamente era diferente demais dos de hoje. Tenho 27 netos e 4 bisnetos.

Morro em Bento Fernandes, tenho filhos na Pousa de Ladeira Grande. Os namoros eram

diferentes pra pegar na mão das moças era meio difícil.

Antes si namorase tinha que casar. As relações com meus pais era meio cruel, pois não

chamava-mos nomes feios, porque apanhava-mos com um cinturão ou com um cipó de jukar

que vivia guardado.

Hoje ninguém tenhe mais respeito pelos os pais, a coisa é muito diferente de antigamente.

RF Lembro-me das brincadeiras do passado. Tinha o pastoril, dança que não mais existe.

Tenho mais de 70 anos, trabalhava no pesado e nunca fui à escola, mal sei assinar o

nome. Porém, casei-me com uma moça que me ensinou a fazê-lo.

Os namoros de antigamente eram diferentes dos de hoje, até para pegar na mão da moça

era meio difícil. Se houvesse namoro era obrigado a casar.

Tenho 27 netos e 4 bisnetos, moro em Bento Fernandes, mas tenho filhos na Pousa da

Ladeira Grande. A relação com os meus pais foi meio cruel. Caso chamássemos palavrões feios

apanhávamos com um cinturão ou um cipó de jucá que era guardado. Hoje, ninguém mais

respeita os pais. As coisas são muito diferentes.

*Joana

T Eu namorei com minha pri primeira namorada e hoje, foi minha primeira namorada e hoje tô

lá tô casado a primeira namorada que eu namorei eu casei...O namoro era sentado assim

ninguém podia se encostar perto não agente ficava distante sabe? Rapaz eu namorei com essa

que eu casei passe qase qase um ano pa casar com ela sabe? Ai me casei hoje to com ela ainda.

A gente brincava de anel sabe? Quando eu me casei eu tava com 20 ano, hoje to com 60 é com

64 tá bom 44anos e tenho 8 fi.

RI Namorei com minha primeira namorada e hoje estou casado com ela. O namoro, naquela

epoca era sentado, ninguém podia se encostar perto. Eu namorei durante um ano com essa

menina para poder casar. Quando me casei estava com 20 anos, esse casamento já dura a 44

anos, e temos 8 filhos. Nos brincamos de anel.

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RF Namorei à minha primeira namorada durante quase um ano e hoje estou casado com ela.

Os namoros eram sentados, distantes um do outro. Casei-me aos 20 anos, hoje, tenho 64 anos de

idade e 44 de casamento. Tenho 8 filhos.

Brincávamos de anel.

*Sinara

T Como foi a sua infância? Ave Maria naquele tempo minha filha nós tínhamos dificuldade

para arranjar o que comer, mas mesmo assim era até divertido; agente trabalhava nos rossados e

pastorava o gado e as ovelhas pois naquela época não existia cerca; Agente inventava de brincar

de casinha com as boneca ficava tão entertida que, os bichos acabava comendo a lavoura do

vizinho; quando chegava em casa podia esperar que a pisa estava certa. No fim de semana tinha

balhe de sanfanas, boi de reis, João redondo e quando não tinha nada os amigo batia numa lata

agente dançava. Hoje me casei tive meus filhos já sou bisavo já tenho 74 anos e sou feliz, peso

a Deus que nos guarde e nos livre da maldade do mundo .

RI Como foi sua infância? Naquele tempo tínhamos dificuldades para arranjar o que comer,

mas mesmo assim era até divertido; agente trabalhava nos roçados e pastorava o gado e as

ovelhas, pois naquela época não existia cerca.

Agente inventava de brincar de casinha com as bonecas ficava tão entretida que, os bichos

acabavam comendo a lavoura do vizinho. Quando chegava em casa podia esperar que a pisa

estava certa.

No fim de semana, tinha baile de sanfona, boi de reis, joão redondo. E quando não tinha

nada os amigos batiam numa lata e a gente dançava.

Hoje me casei, tive meus filhos, já sou bisavó, já tenho 74 anos e sou feliz. Peço a Deus

que nos livre e nos guarde da maldade do mundo.

RF Como foi a sua infância? Naquele tempo tínhamos dificuldades para arranjar o que comer,

mas, era até divertido. Trabalhávamos nos roçados e pastorávamos o gado e as ovelhas, pois

naquela época não existia cerca. Durante esse trabalho, inventávamos de brincar de casinhas

com as bonecas. Nisso, ficávamos tão entretidas que os animais acabavam comendo a lavoura

do vizinho. Ao voltarmos para casa era pisa na certa.

Nos finais de semana havia bailes de sanfona, boi-de-reis, joão redondo. Quando não

havia nada, os amigos batiam em latas e dançávamos.

Casei-me, tive filhos e sou bisavó. Tenho 74 anos e sou feliz. Peço a Deus que nos guarde

e nos livre da maldade do mundo.

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*Sofia

T Namorava o namoro era assim... ficava com um rapaz aqui, ai acabava ai renovava de novo e

assim eu nunca me casei ai ficava só de amizade com um, amizade com outro. Eu toda vida fui

medonha né ai minha mãe dizia assim, minha filha eu não quero voce namorando com fulano. ai

eu dizia mamãe eu não to namorando não, voce ta namorando que fulano me disse voce ta

namorando sim que fulano viu e voce ta namorado, não tava namorando não! tava , tava que

fulano viu voce lá com o namorado, ai acabe esse namoro com ele, ai eu acabava ai depois

renovava o namoro de novo ai eu ia pras festas escondida da minha mae minha mãe e meu pai

não queria não ai eu ia escondida, ai quando pensava... cadê Marluce foi pra festa, eu mandei ela

ir... quando ela chegar vou bater nela que eu não mandei ela ir, ai quando chegava : Eu mandei

voce ir para festa ? não , e por que voce foi? e voce foi mais quem? fui mais minhas amigas, que

amiga eu sei mas quem voce foi, voce foi com o seu namorado viu ai ela me chamava logo de

sem vergonha, ai toda vida eu fui medonha eu respondia meu pai né, respondia meu pai minha

mãe, ei cuidado se não doule , eu bato em você. Meu pai era medonho comigo, mais eu chegava

de vagazinho, o minha filha eu podia bater em voce, mais mamãe não bata não, mais voce não

vai pra festa mais não. Não mamãe vou mais não mamãe vou mais não. Ai eu não ia mais pra

festa não.

RI Os namoros daquela época eram assim: ficava com um rapaz aqui, acabava, renovava de

novo, e assim nunca me casei. Ficava de amizade com um, amizade com outro. Eu toda vida fui

medonha, minha mãe dizia assim: minha filha, eu não quero você namorando com fulano. Eu

dizia: mamãe eu não estou namorando com ele. Mas ela insistia, pois sempre ela dizia que

alguém me viu com tal namorado. Era obrigada a acabar o namoro, mas depois renovava. Saía

escondida para as festas, pois papai e mãe não deixavam. Quando perguntavam por mim já

estava longe Ao voltar perguntavam com que estava, sempre dizia que estava com as amigas,

mas eles não acreditavam e diziam que estava com namorado por que fulano viu, e logo minha

mãe me chamava de sem vergonha. Sempre respondia aos meus pais, eles eram bravos comigo,

e me ameaçavam de surras, mas sempre chegava das festas devagarinho para eles não verem,

depois prometia que não iria mais para as festas.

RF Sempre namorei, os namoros acabavam e renovavam, mas nunca me casei. Ficavam

somente as amizades. Eu sempre fui muito medonha. Minha mãe sempre impediu os meus

namoros com alguns rapazes. Namorava, mas sempre negava e escondia até que ela descobria

através de conversas de fulanos. Era obrigada a acabar, mas depois renovava. Sempre fui para as

festas escondida dos meus pais, pois eles não deixavam. Quando voltava dizia que estava

acompanhada das amigas, mas eles não acreditavam. Insistiam que estava com namorado e

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minha mãe logo me chamava de sem vergonha. Sempre respondia aos meus pais e, por isto, era

sempre ameaçada de apanhar. Sempre fui arteira, chegava das festas bem devagarinho e

prometia que não iria mais.

*Kaline

T Meu nome e joana Varela Romão da silva, tenho 81 anos, morro em Bento Fernandes,

eu nasci em Pitombeira no dia 26.11.1932.

Eu entrei na escola já moça, por que no meu tempo não tinha professora onde eu

morava mais um homem chamado Mané Bento, trouxe uma professora para ensina agente, mas

agente tinha que paga todo fim de mês 1 real que antigamente era um gruzeiro , cada aluno. As

provas da gente antigamente era assim a professora mandava agente decora um texto e depois

ela mandava agente dizer o que decorou para a turma toda.

No meu tempo as nossa brincadeira era pila corda, brincadeira de roda, as nossa boneca

era feito de sabugo de milho.

Os namoro na minha época era muito diferente dos de hoje em dia como os meus 15

anos foi que eu arranjei o meu primeiro namorado, no meu tempo os namorados respeitava as

moça, quando eles ir ver agente o meu pai ficava no meio de nós e agente só dava um beijo

quando ele já irá embora.

As festa que eu ia na minha época era as festa de santo, exemplo: São Sebastião ou festa

de padroeira.

Como os meus 18 anos eu fui mora em Boa Vista município de Ilma Rinho e nessa

época Ilma Rinho era município de São Paulo do Potengir quando eu mi mudei eu já era casada.

O meu casamento foi um fato marcante na minha vida na época.

RI Sou Joana Varela Romão da Silva, 81 anos, nasci em Pitombeira no dia vinte e seis de

Novembro de mil novecentos e trinta e dois. Hoje moro na sede do Município de Bento

Fernandes.

Entrei na escola já uma moça, pois naquele tempo não havia professor onde morava,

mas um senhor por nome de Mané Bento trouxe uma professora para estudar tínhamos que

pagar um cruzeiro na época.

As provas eram da seguinte forma: A professora mandávamos decorar um texto e

depois, repetíamos para toda a turma.

Os namoros da minha época eram muito diferentes dos de hoje. Aos quinze anos,

arranjei meu primeiro namorado. Os rapazes respeitavam os moças. Quando eles iam nos ver, o

pai ficava sentado sentado entre nós; o beijo so na despedida.

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As festas que íamos eram as novenas de santos e padroeira.

Aos dezoito anos fui mora em Boa Vista, município de São Paulo do Potengi. periodo

que ja estava casada.

RF Sou Joana Varela Romão da Silva, nasci em Pitombeira no dia vinte e seis de novembro

de mil novecentos e trinta e dois. Hoje moro em Bento Fernandes.

Entrei na escola já uma moça, pois naquele tempo não havia professor onde morava,

mas um Senhor por nome de Mané Bento trouxe uma professora. Para estudar tínhamos que

pagar um cruzeiro na época. Nas aulas, decorávamos os textos e repetíamos para toda turma.

Brincávamos de pular corda, brincadeiras de roda e de bonecas feitas de sabugo de

milho.

Os namoros eram muito diferentes dos de hoje. Aos quinze anos, arranjei o meu

primeiro namorado. Os rapazes respeitavam as moças. Quando nos víamos, pai ficava sentado

entre nós. O beijo era só na despedida.

As festas eram as novenas de santos ou padroeiros.

Aos dezoito anos fui morar em Boa Vista, município de São Paulo do Potengi. Nesse

período já estava casada.

*Rosa

T Meu nome é Vilma tenho 63 anos morro no assentamento Ispinheiro II sou aposentada, no

meu tempo quando eu estudava eu nunca sai da casa do ABC porque quando começou as aulas

era casa do ABC eu nunca, nunca não era por causa do meu não, acho que era de mim mesmo

que não dava pra estudar, lá em casa só quem aprendeu foi meu irmão Zeca, Batista e eu foi os

que apreendeu, só quem aprendeu foi Zeca e Lucia, eu nunca apendi meu pai pagou aula pra

mim e Batista nunca ligou pra apreender acho que era a cabeça que não dava, as vezes fico a

sim pensando si tivesse aprendido coo meus irmão porque eu tinha arrachado um trabalho

melhor mas como nunca aprendi, mas graças a Deus eu arrumei um trabalho como merendeira e

hoje ja tou aposentada graças a Deus, quando agente era pequena brincava de escondi – escondi

si atrepava nos pés de figo pra brincar lá em cima colocava umas redinhas e brincava de boneca

e as festas fui muitas em lagoa nova agente ia a pé os forró, casamento era festa que agente ia

nós dançava pouco quando agente era criança na quele tempo era lux de lamparina logo cedo

quando o sol tava si pondo ja tava deitada não era a sim, hoje em dia as meninas são soutas ate a

meia noite, no meu tempo não era a sim não ai depois a energia era de motor mais so era ligado

ate dez horas, mais agente nunca morrou em rua, eu já vim morra aqui na rua depois, de casada

morava a sim no alto do rondom na quele tempo era tudo mato casas uma longe das outras, os

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namorados o pai era no meio da gente na sala hoje em dia os namoros e libertos no meu tempo

não era a sem não, uma vez eu tava em Natal ai na sexta feira eu vim pra casa, eu tinha uma tia

que nós ja fugia porque os pais não deixava ir pras festas um dia quando vinha fugindo pra rua

pro clube nesse clube tinha um grupo de pessoas que dava aula fazia forró, uma noite fugia de

casa eu com papeiro, meu tinha ido pra rua quando eu e minha tia ia chegando no canto da casa

que agente vinha por traz papai vinha chegando, eu pulei a serca pra traz isso era porque tava

com papeira pulei a serca traz eu so andava com minha tia só que essa tia era casada ai si

separou do marido, nos saia pra os forró, as vezes eu fugia com minha tia mas nos voltava cedo

para casa não ficava até de manhã não que ném hoje em dia as meninas sai so chega de manhã,

no nosso tempo não era a sim não, o primeiro namorado que arrumei papai só porque viu meu

namorado pegado na minha mão eu quase levava uma piza.

RI Os namoros o pai era no meio da sala, hoje os namoros são liberados, no meu tempo não

era assim, uma vez minha tia ia fugir de casa pra ir pra rua, tinha o clube que tinha um grupo de

pessoas que dava aula e fazia forró, uma noite fugi de casa com minha tia, meu pai tinha ido pra

rua, quando eu e minha tia chegava no canto da casa, que agente vinha por traz papai vinha

chegando, pulei a serca pra traz, eu só saia com minha tia. Nos saia pra os forro, as vezes fugia

com minha tia mas voltava cedo pra casa.

O primeiro namorado que arrumei, papai só porque viu meu namorado pegado na minha

mão, eu quase levava uma pisa.

RF Sou Vilma, tenho 63 anos, moro no assentamento espinheiro II em Bento Fernandes. Sou

aposentada, nunca aprendi a ler nem escrever, não por causa do meu pai, mas acho que sou rude

mesmo. O único que aprendeu algo foi meu irmão Zeca, mesmo meu pai pagando aulas

particular os outros nunca aprenderam.

As vezes penso que poderia ter aranjado um trabalho melhor se tivesse aprendido. Graças

a Deus arranjei um trabalho como merendeira.

Quando criança, brincávamos de esconde-esconde em cima das árvores com umas

redinhas de bonecas.

Fui para muitas festas em Lagoa Nova, íamos a pé para os forrós e casamentos, mas

dançávamos pouco.

Quando criança, deitávamos logo cedo, pois a luz era de lamparina. Hoje, as crianças

ficam nas ruas até meia noite.

Os namoros não eram assim liberados. O pai ficava na sala entre nós.

Certa vez, numa sexta-feira, vim de Natal para casa. Aqui, junto com uma tia fugíamos

para as festas, pois nossos pais não deixavam. Na rua havia um clube onde um grupo de

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pessoas participava de aulas e faziam forró. Certa noite, fugíamos para este local. Na saída de

casa encontramos papai que voltava da rua, pulei a cerca de volta mesmo doente de papeira.

Quase apanhei do meu pai quando ele viu o meu namorado pegar na minha mão.

*Ana

T Eu saia pro forró vei de sofona papai ai quando agente chegava em casa ele não queria abrir

a porta pra mim entrar eu entrava pela porta da cuzinha mamãe que abria, mais quando eu tava

deitada na rede antes deu mim levantar papai se alevantava puxava minha ureia sabe? as

minhas lágrimas dessia uma por uma mais assim ( ) eu não respondia nenhuma palavra sabe? ia

pua festa quando chegava começava a festa ai agente vinha pra casa e ele dizia vamo pra casa

também agente não dizia nenhuma nem duas, pronto é casa né ele chamava agente vinha ficava

com disgosto mais tinha que vim se chegase um namorado lá em casa meu agente é não podia

nem conversar com ele papai conversava com ele tem hora que ele ia simbora pra casa e nem

conversava comigo, na infancia quando é piquiinim? Eu ia na infancia minha eu brincava muito

de roda com meus irmãos ainda tem musica que eu mim lembro ainda foi ali agente asubiava

brincava de história e que eu gostava mais era brincadeira de roda é ainda mi lembro dúa ainda

acredita? E ate engraçada vô´ lembrar cantar até ela dá fruta faz até melão do melão faz

melancia é doce é doce quem quiser aprender a dançar lá na casa de seu Zezinho ele pula ele

roda ele faz requebrar o meu primeiro namorado tá ai acredita? Peraí o nome dele é Raimundo

o primeiro não o segundo ele tá aí quando era namorado meu ele queria noivar comigo eu não

gostava dele ai não quiz namorar não quiz ficar com ele ai foi de muito tempo namorar comigo

sabe? Ele disse eu vou trazer á aliança pra noivar com você pra pedir a seu pai eu disse nem

inventa nunca isso não que eu não gostava dele ai foi prua festa aqui em Bento Fernandes que

eu morava em Serra da Cruz pra cá ai fui lá comesei a conversar com outro rapaz atraz de gostar

dele ele era de Riacho dos paus.ai ele disse que se eu foçe conversar com ele ia dá um pau

grande aqui ai eu saie mais o olto pra casa ele ficou tá ai ele a mulher dele ele já foi vixi a

esposa dele de brinquedo mim lembro que brincava de boneca, boneca de pano sabe? Ai meu

irmão mandava agente fazer as coisas agente queria brincar de boneca de pano ai pegou as

bonecas e queimou por que mandava agente fazer as coisas e não queria fazer só queria brincar

de boneca não tenho nada de boneca hoje por que queimou eu mi lembro que meu pai era muito

engrato com agente não deixava agente sair pra canto nenhum um irmão muito rim que só vivia

dando em mim eu fugia de casa pra casa dos meus tios por causa dele até mim matar ele quiz mi

matar de faca era ele dava em mim. Ele mora longe daqui.

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RI Eu saia para o forró vei de sofona, papai, quando agente chegava em casa, ele não queria

abrir a porta pra me entrar, eu entrava pela porta da cozinha mamãe que abria, mais quando eu

estava deitada na rede antes que me levantase. Papai se levantava, puxava minha orelha, as

minhas lágrimas dessia uma por uma, mais mesmo assim, não respondia nenhuma palavra.

Eu ia para festas quando chegava, comesava a festa, agente vinha para casa, ele falava,

vamos para casa, também agente não falava nenhuma nem duas, chamava, agente vinha, ficava

com disgosto mais tinha que vim, se chegase um namorado na minha casa, agente não podia

nem conversar, ele ia embora para casa e nem conversava comigo.

As minhas brincadeiras eram de rodas. Eu brincava com meus irmãos. Ainda tem

música que me lembro, agente asubiava, brincava de histórias. Eu gostava mais de brincadeiras

de rodas, lembro de uma música, é até engrada. Vo cantar!

Dá fruta faz até melão do melão faz melancia é doce é doce quem quizer aprender a

dançar lá na casa de seu Zezinho ele pula ele roda ele faz requebrar.

O meu primeiro namorado ele tá ai, o nome dele é Raimundo, o primeiro não, o

segundo.

RF Quando íamos para os forrós, papai não queria abrir a porta de casa. Para entrarmos,

mamãe é que abria a porta da cozinha. Já deitada, o meu pai puxava as minhas orelhas. As

lágrimas desciam, mas não respondia nenhuma palavra.

Íamos para as festas, mal elas começavam voltávamos para casa, a pedido do meu pai.

Ficávamos com desgosto, mas não podíamos dizer nada, obedecíamos.

Caso um namorado fosse me visitar, papai é que conversava com ele. Havia dias que ele

voltava para casa sem conversar comigo As brincadeiras eram de rodas com os meus irmãos.

Ainda lembro das músicas, assobiávamos, brincávamos de histórias.

.

*Lucas

T No ano de 70, que eu pegui-me em minha vida um ano mal, que eu não fiz nada de

agricultura de rosado que naquele tempo eu trabalhava com rosado, mais só que eu deixei o

rosado a agricultura e fui queimar xixique e macambira para o gado para escapar o gado passei

o ano começei no mes de maio trabalhei até mes de fevereiro do outro ano fazendo esse serviço

pra mim foi um ano mal pra mim não pra mim e para os outros que morava lá na minha região

né.. eh ... Serviço de dificuldade tive muitas em minha vida né...depois eu passei a sair dessa

fazenda...fazenda paraguai, em Jardim de Angicos e depois eu passei sai dessa fazenda, vim

para fazenda da primavera tomar conta de uma fazenda passei doi meses nessa fazenda fazendo

o mesmo serviço queimando xixique e macambiraira. Chegou um tio meu foi me apanhar pra

mim ir pra região de taipu pronto eu fui-me embora pra taipu lá foi, la foi uma vida melhor pra

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mim e minha família, na regiáo de taipu tomei conta de uma fazenda passei dez anos nessa

fazenda pra mim uma fazenda muito boa levei minha vida dez anos nessa fazenda muito boa

pra mim, sai dessa fazenda fui para outra fazenda no beiço do rio potengir passei onze meses

não tava boa pra mim fui-me embora para Santo Antonio do Salto da onça tomar conta de outra

fazenda passei cinco anos tudo muito bem mais o patrão era muito afobado e minha família

tinha muito cuidado comígo porque eu sou né... ai tinha muito cuidado comígo eu vim me

embora pra santa maria passei quatro anos em santa maria e outra fazenda. Fazenda muito boa

patrão bom e eu trabalhando de vaqueiro passei esses quatro anos muito bem ai eu me enjoei

não me aposentei e digo não vou trabalhar mais pra ninguem e deixei até hoje. Em Santa maria

eu tomei conta até mil e setecentos reis com os invernos bom com ano bom de colheita de

forragem pro gado quatro ano bom que eu peguei trabalhei de vaqueiro o patrão muito bom

pramim né... ai me aposentei e disse vou-me embora.

RI No ano de 70 que eu pegui-me em minha vida um ano mal que eu não fiz nada de

agricultura que naquele tempo eu trabalhava com rosado, só que eu deixei a agricultura fui

queimar xique-xique e mancambira para escapar o gado.

Comecei no mês de maio trabalhei até o mês de fevereiro do outro ano fazendo o

mesmo serviço, para mim foi um ano mal não só pra mim e sim para as outras que moravam em

minha região.

Serviço com dificuldades tive muitas em minha, logo após sair dessa fazenda que se

chamava Paraguai que se localizava-se em Jardim de Angicos, saindo dessa fazenda fui

trabalhar na fazenda prima vera passei dois meses lá fazendo o mesmo serviço, lá nessa fazenda

um tio meu foi buscar-me para ir pra região de Taipu, fui-me embora para Taipu lá foi uma vida

melhor tanto para mim e minha família, trabalhei dez anos sai dela para trabalhar em outra

fazenda só que nas margens do Rio potengir passei onze meses fui-me embora pois não estava

bom para trabalhar lá fui embora para outra em Santo Antonio do Salto da onça passei por lá

cinco anos mas o patrão era muito afobado e minha família tinha muito cuidado comigo porque

eu era tambem afobado.

Vim embora para Santa Maria trabalha em outra fazenda passei quatro anos, fazenda

boa, patrão muito bom. Com o passar dos anos me aposentei e disse para mim mesmo: “Não

vou trabalhar mais para ninguém” e deixei até hoje. Em Santa Maria cuidei até mil e setecentas

cabeça de gado com os invernos bons muito chuvozos, bons para colheita e forragem para o

gado me aposentei e disse: “ vou-me embora.”

RF Em 1970 foi um ano mau em minha vida, naquele tempo trabalhava em roçado e não fiz

nada de agricultura. Deixei de trabalhar no roçado pra queimar xique-xique e macambira para

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escapar o gado. Trabalhei nisso do mês de Maio até o mês de Fevereiro do ano seguinte. O ano

foi mau para todos aqueles que moravam na região.

Trabalhei nas fazendas Paraguai e Prima Vera localizadas no Município de Jardim de

Angicos. Depois a convite de um tio fui trabalhar na região de Taipu. Lá, foi melhor, tanto que

trabalhei 10 anos junto com a minha família.

Depois trabalhei por 11 meses noutra fazenda nas margens do Rio Potengi. Em seguida,

fui para outra em Santo Antonio do Salto da Onça, trabalhei 5 anos, mas não suportei o patrão,

pois ele era muito afobado.

Depois, trabalhei mais 4 anos noutra fazenda em Santa Maria, nessa o patrão era muito

bom.

Depois me aposentei e fiz uma promessa de nunca mais trabalhar para ninguém.

*Alana

T Tinha um lugar que eu gostava de ir, mais não tinha condição mas uma amiga, onde

conhecia mais já agora depois de velha fui para Recife eu gostei muito faz quinze dias que eu

cheguei, fui pra praia eu nuca tinha ido fui a primeira vez. esse ano fiquei muito feliz quando

conheci o mar 56 anos e nunca tinha ido numa praia.

As festas que eu ia era aqui em Bento Fernandes mesmo na padroeira eu gostava muito

de ir.

Toda vida eu gostei de dança eu ia para as festas e eu dançava muito namorei poco.

Fui noiva com 12 anos namorei 9 anos ai vim prá ca, fui para festa com uma amiga ai

arrumei um namorado e com esse hoje to casada a 35 anos

O modo de antigamente num era que nem o de hoje voces ve né, a criação da gente era

diferente da de vocês, vocês hoje vocês são vaidoso agente não tinha vaidade nós não tinha

infância a infância da gente era só trabalhar e agente estudava muito pouco terminei de estudar

no 5 ano.

RI Tinha um lugar que gostava de ir, mais não tinha condição. Mais já agora depois de

velha fui para Recife, gostei muito, faz quinze dias que cheguei.

Fui para praia, nunca tinha ido fui a primeira vez. Esse ano fiquei muito feliz quando

conheci o mar, 56 anos e nunca tinha ido numa praia.

As festas que ia, era aqui em Bento Fernandes, gostava mais de ir na festa da padroeira

gostava muito de ir.

Toda vida eu goste de dançar ia para as festas e dançava muito, namorei poupo.

Fui noiva com 12 anos.

Namorei 5 anos, vim prá cá para Bento Fernandes.

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35 nos.

Fui para a festa com uma amiga, ai arrumei um namorado, e com ele hoje estou casada a

O modo de antigamente, num era que nem o de hoje, vocês vê, a criação da gente era

diferente da de vocês, , hoje é assim, são vaidosos, a gente não tinha vaidade, não tínhamos

infância agente só trabalhava e, não estudava muito pouco, terminei de estudar no 5 ano.

Brincava de roda, de anel, de corda era só o que agente brincava.

RF Sempre tive vontade de viajar para Recife, mais não tinha condições financeiras.

Conheci agora depois de velha. Fiquei muito feliz quando vi a praia e o mar.

Sempre fui para as festas da padroeira em Bento Fernandes. Gostava de dançar, mas

namorava pouco. Fiquei noiva aos 12 anos durante 5 anos. Depois fui para uma festa em Bento

Fernandes e arranjei outro namorado com quem estou casada à 35 anos.

Antigamente, o modo de viver não era como o de hoje. Fomos criados diferentes de

vocês. Não tínhamos vaidades nem infância. Nessa fase, era só trabalho e pouco estudo. Parei

de estudar no 5º ano.

*Marta

T Entrevistadora: A senhora se lembra de um grande Acontecimento que marcou a sua

vida na época da sua infancia ou mocidade?

Entrevistada: Nesse tempo só tinha mais Negocio de sofona né? Não tinha outro

instrumento não, so era safona, e não tinha esse negocio de energia, era só lampaina. Ai eu e

minhas irmãs saimos escondidas de casa, ai mamãe tinha cuidado na gente, ai a gente saia Pra

casa do vizinho, ai lá tinha um sofoneiro, né? ai se juntava os Amigos, cinco, seis moça e

Rapaz, ai a gente chegava lá e começava a dançar, quando dava dez hora ai a gente dizia vamo

embora, que é Pra mamãe não sentir falta da gente, ai a gente ia, quanto a gente chegava,

mamãe Perguntava, aonde a gente tava, ai nos dizia, ah, nós tava ali na casa do vizinho

Brincando, Brincando de que? Ah, de fruta pão e de Anel, ai ficava... Mais nesses dias era

noite de lua, ai a gente saia Para brincar. Ai depois, eu fui ficando mais velha, ai fui casando, ai

chegou energia, depois que a gente casou foi só ter filho e tomando conta das coisas, eu nunca

estudei nesse tempo os estudo era dificil de mais, estudar eu não estudei, meus Pais não tinha

condição, eu não sabia nem Assinar meu nome, mais de repente o tempo passa, graças a Deus

meus filhos hoje sabem ler, são professores.

Entrevistadora: Muito obrigado, pela Atenção!

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RI Entrevistadora: A senhora se lembra de um grande acontecimento que marcou a sua

vida na época da sua infância ou mocidade?

Entrevistada: Nesse tempo só tinha negócio de safona, não tinha energia era só

lamparina. Juntas saímos escondidas de casa mamãe tinha cuidado na gente, certo dia saímos

pra casa do vizinho lá tinha um safoneiro, se juntava os Amigos, cinco, seis moços e Rapazes.

Chegávamos lá e começávamos a dancar, quando dava dez horas dizíamos; vamos Embora que

é pra mamãe não sentir nossa falta, a gente ia, quando chegávamos, mamãe perguntava onde

estávamos, dizíamos que estávamos na casa do vizinho brincando de fruta pão e Anel.; nesses

dias era noite de lua, aí saímos para brincar.

Nunca estudei, nesse tempo os estudos eram muito difíceis, meus pais não tinham

condições, não sabia nem assinar meu Nome.

Depois fiquei mais velha casei chegou energia depois que casei, fui só ter filhos e

tomando conta das coisas, de repente o tempo passou, graças a DEUS, meus filhos hoje sabem

ler, são Professores.

Entrevistadora: Muito obrigado Pela Atenção!

RF Quando criança, não havia energia elétrica na minha casa, tudo era base de lamparina. As

festas eram animadas por sanfoneiros. Saíamos escondidas, mas mamãe tinha cuidado.

Reuníamos na casa do vizinho para dançar. Isto era até às dez horas da noite, pois

tínhamos que voltar para mamãe não sentir a nossa falta. Ao chegarmos dizíamos que

estávamos brincando de fruta pão e anel.

Nunca estudei, pois eram muito difíceis e meus pais não tinham condições.

Com o tempo, casei-me e chegou energia. Passei a ter filhos e a trabalhar nos serviços

de casa. Meus filhos estudaram e hoje são professores.

*Taíze

T...Eu nasci em São Paulo do Potengi, que era papai morava antes de vim pra cá ... as casas

eram bem simplesinhas e eram bem poucas...a minha era simples também mas não importava

muito não ...e... quando era menina, eu gostava de brincar de boneca aquelas de pano mesmo até

hoje (rsrs) eu não brinco não mas gosto de guardar...tinha umas brincadeiras, de passar anel

...é... fazia as coisas em casa cedo nós tinha que aprender logo de menina parece que eu tinha

meus 6 ou 7 anos... sempre ajudava mamãe. Eu comecei a namorar era uns namoricos...tinha

17pra 18 anos era bem diferente de hoje...papai tinha vista grossa...e as festas ? eram bailes de

forró e enchia de gente ...e.. .me casei tive meus filhos ...mesmo com as tribulações conseguir

criar eles e hoje tenho muito orgulho ...(áh) depois meus pais morreram...sofri muito primeiro

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foi meu pai, depois mamãe e assim eu vivo sou separada de meu marido e ajudo a cuidar dos

meus netos...

RI Nasci em São Paulo do Potingi, uma cidade onde papai morava antes de vir para Bento

Fernandes.

As casas eram poucas e simples. A minha também era modesta, mas eu não me

importava.

Quando menina, gostava de brincar com bonecas de pano. Hoje não brinco mais gosto

de guardá-las. Havia outras brincadeiras como passar o anel .

Ainda criança, comecei a ajudar minha mãe nos afazeres domésticos.

Quando comecei a namorar, eram alguns namoricos, tinha entre 17 e 18 anos. Os

namoros eram bem diferentes dos de hoje.

As festas eram verdadeiros bailes de forrós; enchia de gente.

Casei-me, tive meus filhos, consegui criá-los, mesmo com dificuldades. Hoje tenho

muito orgulho deles.

Meus pais morreram, sofri muito. Primeiro foi meu pai, depois mamãe.

Sou separada e ajudo a cuidar dos meus netos.

RF Nasci em São Paulo do Potengi, uma cidade onde papai morava antes de vir para Bento

Fernandes. Ao chegarmos, as casas eram poucas e simples. A minha era simples também, mas

não me importava.

Quando menina gostava de brincar com bonecas de pano. Hoje, já não brinco com elas,

mas gosto de guardá-las.

Quando criança ajudava a minha mãe nos afazeres domésticos.

Comecei alguns namoricos entre 17 e 18 anos. Eles eram bem diferentes dos de hoje.

As festas eram bailes de forró com muita gente.

Com a morte dos meus pais sofri muito, primeiro foi pai, depois perdi minha mãe.

Casei-me, tive filhos, consegui criá-los com muita dificuldade. Hoje, tenho muito

orgulho deles. Separei-me do meu marido e ajudo a cuidar dos meus netos.

*Vitor

T Ah, Nunca fui de gostar de ir para as festas, pois papai e mãe não deixava, pois se fosse

levava uma surra de papai. Gostava muito de brincar. Quais as brincadeiras a senhora mais

gostava? Eu gostava muito de brincar de bonecas com minha irmã, pular corda, tica-tica ah

essas era as brincadeiras que eu gostava mais. Logo quando fiquei adulta mim casei. O meu

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marido gostava muito de farriar, era muito raparigueiro....mais com o passar dos anos ele foi

deixando de ir para festas. Tive uma vida muito sofrida depois que descobri que estava com

câncer. Veio os tratamentos. Tive que tirar uma mama, mais fui curada e isso que mim tornou

uma mulher guerreira, sabe né? Minha vida não foi fácil mais tive quatro filhos que mim fazem

muito feliz.

RI A senhora gosta de ir para as festas ?

Nunca fui de gostar de ir para festas, pois papai e mamãe não deixava. Pois se fosse

levava uma surra de papai. Gostava muito de brincar. Quais as brincadeiras que a senhora mais

gostava? Eu gosto muito de brincar de bonecas com minha irmã, pula corda, tica – tica essas era

as brincadeiras que eu gostava mais. Logo quando fiquei adulta mim casei o meu marido

gostava muito de farriar, era muito raparigueiro. Mas, com o passar dos anos ele foi deixando de

ir para festas. Tive uma vida muito sofrida depois que descobri que estava com câncer, veio os

tratamentos, tive que tirar uma mama, mais fui curada, e isso que mim tornou uma mulher

guerreira. Minha vida não foi fácil, mas, tive quatro filhos que mim fazem muito feliz.

RF Nunca gostei de ir para festas, pois meus pais não deixavam. Se fosse escondida levaria

uma surra.

Quais as brincadeiras que a senhora mais gostava?

Gostava muito de brincar de bonecas com minha irmã, pulávamos corda, tica-tica.

Logo quando fiquei adulta casei-me. O meu marido gostava muito de farras; era muito

raparigueiro, mas com o passar dos anos, foi deixando de ir para as festas.

Minha vida foi muito sofrida; descobri que estava com câncer; veio o tratamento; tive

que retirar uma mama, mas fui curada. Isso me faz uma mulher guerreira.

Tive quatro filhos que me fazem muito feliz.

*Levi

T Conter uma historia do senhor?

Vou contar uma historia, de quando eu era menino que corria atrás dos Bodes, eu tava no

chiqueiro. Papai fazia umas sandalhias de borrachar, ai eu ia ajuntar os bodes la na serra ai a

sandalhar torava o carbreto, eu soltava a outra e fazia carreira atrás dos bodes. Ai eu ispiavar

assim no chão pra ver se tinha muito chik – chik. E pegavar os bodes.

RI Quando era menino, corria atrás dos bodes que estavam no chiqueiro.

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Papai fazia umas sandalhas de borracha para eu ir juntar os bodes na serra. Elas toravam

o cabresto. De repente, soltava a outra e fazia carreira atrás deles. Olhava para o chão para ver

se tinha muito chique-chique e pegava os bodes.

RF Quando criança sempre juntava os bodes para o chiqueiro. O meu pai fazia uns calçados

de borracha para eu ir juntá-los na serra. Elas se arrebentavam, soltava a outra e não parava de

correr atrás deles. Olhava para o chão para ver se tinha muito chique-chique e pegava-os.

*Vando

T Um acidente não agora uma ceca já passei, uma seca em 60...64.65,passei por uma seca

dificiu, dificuldade na vida da gente né, criá família meu pai trabalhava em Taipu e vinha com

saco na cabeça da taipu chegava em casa quase amanhecendo e ia fazer cumida pra gente,

lembro da minha mucidade meu pai dizia meu fii meu fii va comprar um Kg de açucar, era uma

carreira pra ir e outra pra votar tudo isso eu me lembro da minha mucidade sofri muito com os

meus irmãos as coisas eram difici e hoje a criança tem estudo tem tudo.

Minha vó matava um poiquim destamanho assim pra comer de tanta fome.

No meu tempo não tinha escola tinha o mobral tanto que eu so sei assinar o meu nome

meu pai não queria que eu estudace quiria que eu ajudace na roça plantar, colher. Pra viver era

dificil minha mãe relava mandioca e meu pai ia arrancar batata e fazia umas tapioquinha. Você

sabe porque hoje quando agente toma conselho dos pai, a mãe diz meu filho não faça isso ai o

filho ta certo você não faz. No tempo que eu casei eu comprava um Kg de feijão pra passar a

semana a mulher botava uma chicrinha de arroz e era assim difícil.

RI Um acidente não, mas já passei por uma seca nos anos sessenta, sessenta e quatro e

sessenta e cinco. Passei por uma dificuldade.

Meu pai trabalhava em Taipu. Vinha de lá com um saco na cabeça; chegava em casa

quase amanhecendo o dia, e ainda fazia comida para gente.

Lembro da minha mocidade quando o meu pai dizia: meu filho, meu filho! Vá comprar

um kilo de açúcar. Era uma carreira para ir e outra para voltar.

Sofri muito com os meus irmãos, pois as coisas eram difíceis. Hoje, as crianças tem

estudo, tem tudo. No meu tempo, não tinha escola, havia só mobral. Tanto que só sei assinar o

meu nome, pois o meu pai não queria que eu estudasse, somente que eu ajudasse na roça.

A vida era difícil, minha mãe ralava mandioca e fazia umas tapioquinhas enquanto o

meu pai arrancava batatas.

Minha vó, de tanta fome, matava um pequeno porquinho.

RF Passamos por secas nos anos 60, 64 e 65. Passamos por grandes dificuldades.

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Meu pai trabalhava em Taipu, cidade a 38 km de Bento Fernandes onde morávamos.

Caminhava com saco de feira na cabeça. Chegava em casa quase amanhecendo o dia e ainda

fazia comida para a gente.

Quando criança e jovem atendia a todas as ordens do meu pai.

Sofri muito com os meus irmãos, pois a vida era difícil. Hoje as crianças tem estudo e

não falta nada. No meu tempo, o mobral era a escola que existia, tanto que só sei assinar o meu

nome, pois o meu pai me obrigava a trabalhar na roça e não sobrava tempo para estudar.

A vida era difícil, minha mãe ralava mandioca e fazia umas tapioquinhas enquanto o

meu pai arrancava batatas.

A minha avó de tanta fome, matava um leitão.

*Manuel

T Eu nasci em 19 de dezembro de 1944, tive uma infancia, puxada, porque comecei a

trabalhar com 10 anos de idade, na quela epoca as pessoas começavam a trabalhar para sustentar

a família. na minha infancia, trabalhei de sapateiro, cabelereiro, e no campo. Minha familia era

muito festeira quase todas as festa, eu e meus irmão ia, mas as nossas irmans tinha que ficar, em

casa varendo a casa, lavando roupa e lousa. Meu pai na quela epoca ele era carpinteiro, ele

jeralmente so saia de casa para as festa que meus amigos me convidavam para beber. Eu me

orgulho muito do meu pai, e me ensinou tudo que eu sei hoje. Hoje ele tem 103 anos e lembra

de tudo que fes e desfes na vida e ele ainda me encina as coisas ate hoje , mas ele esta muito

doente e eu e meus irmãos cuidamos dele muito bem.

RI Nasci em 19 de dezembro de 1944; tive uma infância muito puxada porque comecei a

trabalhar cedo para sustentar a família. Na infância trabalhei como engraxador, barbeiro e na

roça.

Minha família era muito festeira. Nós íamos para algumas festas que tinha na cidade,

mas as nossas irmãs tinham que ficar em casa fazendo serviços domésticos.

Naquela época, o meu pai era carpinteiro. Ele geralmente, só saia de casa para as festas

que os seus amigos o convidavam. Tenho muito orgulho do meu pai, pois me ensinou tudo que

eu sei hoje.

Atualmente, ele tem cento e três anos, lembra de tudo que fez e desfez na vida. Mesmo

doente, ele ainda me encina as coisas. Junto com meus irmãos cuidamos dele muito bem.

RF Nasci em 19 de dezembro de 1944; tive uma infância muito puxada, pois comecei a

trabalhar aos 10 anos. Naquela época as pessoas começavam a trabalhar cedo para sustentar a

família. Na infância trabalhei como engraxador, barbeiro e na roça.

Minha família era muito festeira. Eu e meus irmãos íamos a quase todas as festas que

havia na cidade, mas as nossas irmãs tinham que ficar em casa fazendo os serviços domésticos.

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Naquela época, o meu pai era carpinteiro. Ele geralmente, só saia de casa para as festas

que os seus amigos o convidavam. Tenho muito orgulho do meu pai, pois me ensinou tudo que

eu sei hoje.

Atualmente, ele tem cento e três anos, se lembra de tudo que fez e desfez na vida.

Mesmo doente, ele ainda me ensina as coisas. Junto com meus irmãos cuidamos dele muito

bem.

*Mateus

T Eu nasci em 1954 no antigo Barreto, com o passar do tempo veio a se chamar Bento

Fernandes, aos meus 6 anos de idade comecei a trabalhar na roça com meu pai, nessa época só

existia um professor que ensinava todas as pessoas da comunidade, eu não tive oportunidade de

estudar porque era muito dificio meus pais nunca me colocaram na escola que também era

muito dificio estudar nessa época ao passar do tempo aos 13 anos foi que comecei a estudar a

carta do ABA e a primeira cartilha tendo aula particular a noite depois passei a fazer

escolarização através da rádio rural, apartir dos 24 anos foi que eu vim fazer a 5ª e 6ª serie na

escola Estadual Senador João Câmara também a noite e deixei os estudos para trabalhar fora

para ajudar minha família. Aconteceram muitas coisas boas e ruins mas a que nunca esquecerei

que eu fui trabalhar na usina Estivas na Cidade de Goianinha RN trabalhava de 11 horas do dia

a 11 da noite. Quando um dia a noite a usina deu um defeito e parou, eu que estava muito

cansado me deitei debaixo da esteira onde puxava a cana de açuca para ser muída, adormeci

enquanto estava dormindo veio uma pessoa e amarou a minha perna na esteira com uma corda

quando a usina começou a funcionar e foi me puxando para dentro das caldeiras e eu tentando

desatar a corda mas não conseguia pedi socorro ma ninguém podia ouvir por causa do som da

usina que era muito auto já perto de cair nas caldeiras aconteceu um milagre, consegui torar a

corda sem antes que podese cair dali eu pedi a minhas contas e vim embora e hoje tenho muita

alegria na minha vida e agradeço a deus por ter uma linda família com meus treis filhos e

minha esposa.

RI Eu nasci em 1954 no antigo Barreto, com o passar do tempo se tornou Bento Fernandes.

Com apenas 6 anos de idade comecei a trabalhar na roça com meu pai. Nessa época so existia

um professor que ensinava todas as pessoas da comunidade. Não tive oportunidade de estudar

porque era muito dificil. Meus pais nunca me colocaram na escola. aos 13 anos comecei a

estudar a carta do ABC e a primeira cartilha. Tive aula particular a noite. Depois passei a fazer

escolarização através da radio rural. A partir dos 24 anos foi que vim fazer a 5º e a 6º seri na

Escola Estadual Senador João Câmara a noite. Deixei os estudos para trabalhar fora e ajudar

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minha família. Aconteceram muitas coisas boas e ruins, aquela que nunca esqueserei foi quando

fui trabalhar na Usina Estivas na cidade de Goianinha /RN trabalhava de 11 horas do dia as 11

horas da noite. Numa certa noite a usina deu um defeito e parou, como eu estava muito cansado

me deitei debaixo da esteira, lugar onde puxava a cana de açuca para ser muída, adormeci.

Enquanto dormia uma pessoa me amarrou nela com uma corda. Quando a usina retormou o

funcionamento, fui, aos poucos sendo puxado para dentro das caudeiras. Tentei dasatar a corda,

mas não consegui. Pedi socorro, mas ninguém me ouvia por causa do som da usina que era

muito alto. Estava próximo de cair na caudeira, aconteceu um milagre, cosegui torar antes do

pior. Depois disso, pedi as contas e voltei para casa.

Hoje tenho muita alegria na minha vida e agradeço a deus por ter uma linda família com

meus tres filhos e minha esposa.

RF Nasci em 1954 no antigo Barreto que hoje se tornou Bento Fernandes. Nessa época,

havia apenas um professor na comunidade. Aos 6 anos de idade já trabalhava na roça com o

meu pai, não tive oportunidade de estudar, pois era muito difícil. Meus pais nunca me

colocaram na escola. Somente aos 13 anos, por esforço próprio, comecei a estudar a carta do

ABC e a primeira cartilha em aulas particular à noite. Depois, fiz escolarização através da rádio

rural.

Somente aos 24 que passei a cursar a 5ª e a 6ª séries na Escola Estadual Senador João

Câmara, mas fui obrigado a deixar os estudos para trabalhar fora e ajudar a minha família.

Na minha vida aconteceram fatos bons e ruins: um que jamais esquecerei foi quando

trabalhei na Usina Estivas em Goianinha/RN. Trabalhava 12 horas por dia, das 11 h. do dia às

11 h. da noite. Numa certa noite, a usina parou por um defeito técnico. O cansaço era tanto que

me deitei e adormeci debaixo de uma esteira, lugar onde puxa a cana para ser moída. Enquanto

dormia, alguém amarrou a minha perna com uma corda nessa esteira. Quando a usina voltou a

funcionar aos poucos a esteira me puxava para as caldeiras. Tentei desatar a corda, mas não

consegui. Fiquei desesperado e pedi socorro, mas ninguém me ouvia por causa do som da usina.

Quando estava próximo de cair nas caldeiras, aconteceu um milagre, consegui arrebentar a

corda. Depois disso, pedi as contas e voltei para casa.

Hoje, tenho muita alegria na vida e agradeço a Deus por ter uma linda família com meus

três filhos e minha esposa.