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DAS ATIVIDADES DE ORALIDADE PARA RETEXTUALIZAÇÃO ESCRITA DO

GÊNERO MEMÓRIAS LITERÁRIAS: O aluno com voz e com vez

RosileneAparecida Bender Ferreira Corrêa1

Orientadora: Neiva Maria Jung2

RESUMO

O fato de a oralidade ser inicialmente formada no grupo primário das relações sociais da criança faz com que muitos ainda acreditem que o aluno fala “errado” e que a escola ensina a forma escrita considerada “correta”. Os documentos oficiais de Língua Portuguesa recomendam, todavia, trabalhar com a oralidade e a escrita, de forma que o aluno perceba o que constitui cada uma dessas práticas. Diante desse cenário, optou-se por observar a aplicação de um conjunto de atividades ligadas entre si, por meio de um trabalho com gêneros da oralidade – entrevista e relato de experiência, e gêneros da escrita – entrevista e memórias, bem como quais são as adequações necessárias para reescrever um gênero oral em um gênero escrito, além disso, apresentar propostas sobre a maneira como os professores de Língua materna podem abordar esses dois eixos, visando contribuir com práticas linguageiras voltadas para o ensino da oralidade por meio da retextualização (MARCUSCHI, 2010). Pesquisas sobre este assunto não são totalmente inéditas, entretanto, buscou-se observar a aplicação dessas questões na Educação Básica. Estes estudos foram empreendidos em grupo de alunos de 1º Ano do Ensino Médio de uma escola pública do interior do Estado do Paraná. Devido à amplitude dessa temática e a limitação de espaço para análise, optou-se por analisar neste artigo: a transcrição da entrevista oral gravada; a primeira retextualização (da entrevista e do relato de experiência com mudança de modalidade); o texto final (retextualização com mudança de gênero); e por fim, a observação da aplicação de questionários. Essa pesquisa obteve vários resultados positivos, sendo o mais evidente o amadurecimento linguístico do grupo ao terem sido capazes de transformar o texto falado com suas características orais em um texto escrito, respeitando as convenções da escrita. Ficou dessa forma comprovado que como consta nas DCEs (2007), “O trabalho com os gêneros orais deve ser consciente”. Diante das ações dos participantes e dos resultados observados propomos, então, uma reflexão de conceitos relacionados ao ensino da oralidade e da escrita na escola pública em nível Fundamental e Médio.

Palavras chave: Oralidade; Entrevista; Retextualização escrita; Memórias.

1Professora PDE 2010-2012, UEM, atuante no Colégio Estadual de Iporã, na cidade de Iporã,

graduada em Letras anglo portuguesa pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Jandaia do Sul, pós-graduada em Língua Portuguesa e Literatura pela Faculdade Estadual de Paranavaí e Ensino de Língua Inglesa pelo ESAP (Capanema). 2Neiva Maria Jung, professora da Universidade Estadual de Maringá. Doutora em Letras pela

Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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ABSTRACT

The fact the orality be initially formed in the primary group of social relations of the

child many still believe that the learner speaks "wrong" and that the school teaches

written form which is the "correct", but the official documents of the Portuguese

language recommend working with orality and writing, so that the student know what

constitutes each of these practices. Given this scenario, it was decided to observe

the application of a set of interconnected activities, through a job with genres of

orality-interview and experience reports, and genres of writing – interview and

memories, as well as what are the adaptations necessary to rewrite an oral genre in

a writing genre, addition, presenting proposals on the way the mother-tongue

teachers can address these two axes order to contribute with linguageiras practices

geared to the teaching of orality through retextualização (Marcuschi, 2010).

Research on this subject are not entirely previously unreleased, however, sought to

observe the implementation of these issues in basic education. These studies were

undertaken in a group of students 1. Year of high school, a public school in the State

of Paraná. Due to the breadth of this theme and the space limitations to analysis, is

that it was decided to check in this article: the transcript of oral interview recorded;

the first retextualização (interview and reporting experience with mode change); the

final text (retextualização with change of genre); and finally, the observation of the

application of questionnaires. This research earned several positive results, among

them the more obvious linguistic group matured they were able to turn the spoken

text with your oral features in a written text, with the conventions of writing. It was

thus established that as stated in DCEs (2007), "working with oral genres should be

conscious." On the actions of the participants and the results observed propose so

reflection of concepts related to the teaching of speaking and writing in public school

elementary and middle level.

keywords: Orality. Interview.Retextualização writing.Memories.

1Introdução

Historicamente, a oralidade não é vista como uma prática a ser desenvolvida

com estudos – “tinha-se, ou não, o dom da oratória”. Hoje, sabemos muito mais

sobre as relações existentes entre oralidade e escrita do que há algumas décadas.

Estudos mostram que, quando a criança chega à escola, ela já possui um repertório

lexical e uma estrutura linguística formados na fala, e, talvez, por essa ser uma

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atitude vista como natural, não tenha sido, por muito tempo, situada nas pesquisas

acadêmicas e no ambiente escolar. Mas, desde a publicação dos PCNs, no final da

década de 1990, vêm sendo publicados diversos estudos debatendo o ensino da

modalidade oral. De acordo com as DCEs (2007), “O trabalho com os gêneros orais

deve ser consciente”, ou seja, não basta deixar, ou fazer com que o aluno fale, é

necessário todo um planejamento e encaminhamento, com objetivos claros e

práticas linguísticas voltadas para o desenvolvimento de habilidades orais.

Diantedesse cenário, este artigo tem como objetivo contribuir com práticas

linguageiras voltadas para o ensino da oralidade e escrita por meio da

retextualização, procurando buscar caminhos para reduzir esse distanciamento entre

essas duas modalidades da língua, conduzindo à observação de que as duas

práticas são igualmente complexas e estruturadas.

As atividades destapesquisa foram planejadas para seremdesenvolvidas

com alunos do primeiro ano do Ensino Médio, do Colégio Estadual Ana Neri, no

município de Perobal – Paraná, dispondo de um total de 32 horas-aulas para a

realização da proposta partindo da oralidade para a retextualização escrita. Os

alunos foram convidados a participarem de um grupo de estudos em período contra-

turno (os alunos da manhã que apresentaram interesse em desenvolverem os

estudos do material deveriamcomparecer no período da tarde), sendo assim, a

Implementação voluntária sem emissão de notas ou qualquer outro ganho se não o

de conhecimentos.

O método de pesquisa do artigo em questão toma por base as práticas de

retextualização propostas por Marcuschi (2010).Cabe ressaltar que não há nada de

novo nessas práticas, pois elas são ações que ocorrem diariamente, sem nos

darmos conta do uso dessas ações linguisticamente complexas. Torna-se mais fácil

entendermos quando observamos alguns eventos dessas aplicações:

(1) secretária que anota informações orais do(a) chefe e com elas redige

uma carta; (...); (3) uma pessoa contando à outra o que acabou de ler no

jornal ou na revista; (4) uma pessoa contando à outra o que acabou de ouvir

na TV ou no rádio; (5) uma pessoa contando à outra o filme que viu no dia

anterior ou último capítulo da novela ou as fofocas da vizinhança; (...); (7)

o(a) aluno que faz anotações escritas da exposição do(a) professor(a); (8) o

juiz ou o delegado que dita para o escrevente a forma final do depoimento e

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assim por diante. Na realidade, nossa produção lingüística diária, se

analisada com cuidado, pode ser tida como um encadeamento de

reformulações, tal o imbricamento dos jogos linguísticos praticados nessa

interdiscursividade e intertextualidade. (MARCUSCHI, 2010, p.49)

Devemos manter claro que os modelos de retextualização apresentados por

Marcuschi, foram desenvolvidos e aplicados com alunos de graduação, ou ainda,

com professores de Língua Portuguesa em curso de especialização, assim, não se

espera atingir os mesmos níveis de resultados com alunos do ensino médio, da

escola pública paranaense,e sim, apenas efetuar a prática de adaptações dos

modelos propostos pelo teórico.

Torna-se importante esclarecer que a retextualização é a transformação de

um texto em um novo texto, no caso, ela “obriga” mais do que simplesmente

escrever um texto falado, ela necessita da interpretação do oral para que possa ser

registrado o grafado, por vezes, com mudança de gênero e até modalidade.

Os estudos a serem desenvolvidos precisam apresentar uma sequência

sistematizada das atividades, para que isso ocorra é necessário relacionar as

modalidades (oral e escrita), a temática (minha escola) e os gêneros propostos

(entrevista e memórias literárias). Para tanto, torna-se necessária aorganização de

uma sequência de atividades com uma proposição clara de cada uma das etapas a

serem seguidas.

O trabalho que ora se apresenta descreve atividades de: fala, escrita,

gravação, transcrição, retextualização e reescrita, como também a aplicação de

questionário que serviram de material para análise de investigação e verificação de

dados dos resultados positivos e negativos vivenciados na aplicação dessas

práticas. Dessa forma, o “ponto de partida” é a fala no meio social do aluno (no

gênero entrevista) e a “chegada” é um texto escrito de memórias, conduzido pelo

ensino escolar, mas construído por todos os envolvidos nesse processo da fala para

a escrita.

Sendo assim, este artigo não visa dar à língua uma perspectiva cheia de

normas e regras, mas sim observar o trabalho e a relação existente entre a oralidade

e a escrita. Não se pretende comprovar a supremacia da oralidade sobre a escrita,

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ou vice-versa, espera-se apenas propor práticas didáticas que valorizem as duas

modalidades como necessárias à ampliação da língua enquanto discurso.

2. Questão geradora da investigação: fundamentação teórica

É natural que diante de um cenário tão jovem, como os estudos da

Linguística Aplicada a respeito das práticas escolares que envolvam oralidade e

atividades discursivas, os professores ainda sintam imensas dúvidas de como

conduzir esses saberes no ambiente escolar. O que propõe a teoria e o que de fato

ocorre na prática? Qual a relação existente entre as duas?

O que se percebe ao comparar os PCNs, as DCEs e algumas pesquisas

relativamente recentes publicadas sobre o ensino de português nas escolas

públicas, é que esses estudos estão voltados para o texto, fundamentandopropostas

para um ensino da língua baseado nas concepções interacionistas ou discursivas,

propondo uma reflexão acerca dos usos da linguagem oral e escrita. Assim, com

base nessa verificação, cumpre salientar o que nos dizem os PCNs para o Ensino

Médio,

O caráter sócio-interacionista da linguagem verbal aponta para uma opção

metodológica de verificação do saber linguístico do aluno, como ponto de

partida para decisão daquilo que será desenvolvido, tendo como referência

o valor da linguagem nas diferentes esferas sociais. (PCNs, 2000)

Diante do apresentado nas DCEs percebemos a necessidade de verificar o

conhecimento prévio do aluno, pois é sabido também que todo sujeito que vive em

uma sociedade onde existe escrita, já possui algum grau de letramento.

Kleiman (2004) conceitua o termo letramento da seguinte maneira: “Podemos

definir hoje o letramento como um conjunto de práticas sociais que usam a escrita,

enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para

objetivos específicos.” (KLEIMAN, 2004, p.19)

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Observando a definição de letramento apresentada por Kleiman, podemos

notar que o aluno não chega à escola sem conhecimento. E quando os educandos

chegam ao primeiro ano do Ensino Médio, já são detentores de um repertório

linguístico que deve ser considerado, por isso o princípio das ações deve ser o

diagnóstico daquilo que o aluno sabe e não sabe, tendo sempre a capacidade

discursiva como base.

Assumindo a posição de que lidamos com práticas de letramento e oralidade,

afirmaMarcuschi (2010:16) que, “será fundamental considerar que as línguas se

fundem em usos e não o contrário”. E ainda que,

A fala (enquanto manifestação da prática oral) é adquirida naturalmente em

contextos informais do dia a dia e nas relações sociais e dialógicas que se

instauram desde o momento em que a mãe dá seu primeiro sorriso ao bebê.

Mais do que a decorrência de uma disposição biogenética, o aprendizado e

o uso de uma língua natural é uma forma de inserção cultural e de

socialização. Por outro lado, a escrita (enquanto manifestação formal do

letramento) em sua faceta institucional, é adquirida em contextos formais:

na escola. Daí também seu caráter mais prestigioso como bem cultural

desejável. (MARCUSCHI, 2010, p.18)

Muitas vezes, o que o aluno fala não está errado, mas inadequado para a

ocasião; é preciso ensiná-lo a “escolher” o discurso apropriado ao interlocutor e ao

contexto das mais diversas esferas sociais.

No caso da prática escolar, no geral, o ensino da língua é fundamentado

basicamente na escrita, quando

o objetivo geral do ensino de português para todas as séries da escola é

mostrar como funciona a linguagem humana e, de modo particular, o

português [...] nas suas modalidades escrita e oral, em diferentes situações

de vida. ( PERES, apud Cagliari, 2005, p.12)

É bom ainda aqui defendermos a importância de conduzir o aluno a

reconhecer o seu conhecimento como importante, para que ele se sinta parte na

construção do conhecimento escolar. É preciso perceber que nenhuma língua é

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falada do mesmo jeito em todos os lugares, mas todas servem como comunicação e

manifestação do conhecimento. Dessa forma, reconhecendo sua participação nesse

processo, o aluno poderá desfazer o mito da supervalorização da língua escrita em

detrimento da língua falada.

É claro que é preciso ensinar a escrever de acordo com a ortografia oficial,

mas não se pode fazer isso tentando criar uma língua falada “artificial” e

reprovando como “erradas” as pronúncias que são resultado da história

social e cultural das pessoas que falam a língua em cada canto do Brasil.

Seria mais justo e democrático explicar ao aluno que ele pode dizer

“bulacha” ou “bolacha”, mas que só pode escrever BOLACHA, porque é

necessária uma ortografia única para toda a língua, para que todos possam

ler e compreender o que está escrito – mas é preciso lembrar que ela

funciona como a partitura de uma música: cada instrumentista vai interpretá-

la de um modo todo seu, particular! (BAGNO,2009,p.69)

Vale aqui também lembrar que o professor é o mediador das atividades,

então, cabe a ele estar seguro e certo de que o que se está ensinando está correto e

que o aluno está aprendendo. Em algumas situações, o professor (mais

especificamente o de Português) não conhece teorias de linguagem e por isso

comete alguns equívocos como: - Falta de clareza nas atividades escolares que

envolvem oralidade e práticas discursivas; - Deixa de considerar a fala tão

importante quanto a escrita; - Sente dificuldades na sala de aula em conduzir

atividades de oralidade e retextualização.

Mediante estudos de Marcuschi (2010), observou-se o relato de experiências

feitas com alunos de Letras, por meio das quais sugere atividades de retextualização

de um texto oral, passando-o a outro num processo contínuo de reescrita, tentando

sempre manter as informações básicas, mas modificando o original passo a passo.

O autor destaca, entretanto, que às vezes as transformações acabam por alterar

também as informações iniciais, o que pode ser discutido com a turma. Dessa forma

descobrimos no transcorrer de formulações discursivas que, o distanciamento entre

textos não é gerado pela modalidade (fala e escrita) utilizada, mas por todas as

condições e características envolvidas no ato de cada produção.

O contínuo dos gêneros textuais distingue e correlaciona os textos de cada

modalidade (fala e escrita) quanto às estratégias de formulação que

determinam o contínuo das características que produzem as variações das

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estruturas textuais-discursivas, seleções lexicais, estilo, grau de formalidade

etc., que se dão num contínuo de variações, SURGINDO daí semelhanças

e diferenças ao longo de contínuossobrepostos. (Marcuschi, 2010. p. 42)

Observamos assim como a distribuição de modalidades é muito mais

complexa do que se poderia imaginar. Percebemos que, um texto com estrutura

textual-discursiva oral pode em muito se assemelhar a outro escrito com

características parecidas.

Sendo assim, um bate-papo entre amigos poderá ter menos diferenças com

um diálogo ocorrido em um conto escrito em contexto informal do que uma conversa

entre o diretor de uma empresa e seu subordinado num espaço de trabalho. Neste

caso as diferenças não serão acentuadas pelo gênero ou estilo, mas especialmente

pela seleção lexical e pelograu de formalidade envolvidos no ato da produção

discursiva. E ainda, há casos em que uma modalidade pode se mesclar a outra,

como quando no ato da leitura de um texto escrito, falas, comentários, anedotas, ou

até mesmo narrativas, permeiam as lembranças e o discurso do orador.

Com base nos contextos de uso da língua,

(...) fica de antemão eliminada uma série de distinções geralmente feitas

entre fala e escrita, tais como a contextualização (na fala) versos

descontextualização(na escrita), implicitude(na fala) versus explicitude(na

escrita) e assim por diante, (...) (MARCUSCHI, 2010, p. 43)

Com isso, constatamos que definições são perigosas, quando percebemos

as complexidades envolvidas no emaranhado de cada ato e momento de produção.

Não podemos esquecer que nossa proposta é partirmos da entrevista, e

esse é um gênero da modalidade oralmarcado com turnos da fala (entrevistador e

entrevistado). Sendo assim, o retextualizador não poderá simplesmente passar as

falas para a escrita, ele terá que transcrever a gravação, para depois então ir

adequando-o e transformando-o em um novo texto, que será a entrevista na

modalidade escrita. E só depois, então, transformá-lo no texto final que atenda as

características próprias do gênero memórias literárias.

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O escritor, por exemplo, deve assumir a voz da pessoa entrevistada, ou seja, o texto deve ser em primeira pessoa. Não se trata de um simples reconto do que ouviu na entrevista, e sim de uma reinterpretação, que deve resultar em um texto de natureza literária, narrativo em sua maior parte. (...)Alguns elementos normalmente presentes nos textos de memórias literárias são as comparações entre passado e presente, a presença de palavras que transportam o leitor para uma certa época do passado (“antigamente”, “naquele tempo” etc.), referência a objetos, lugares e modos de vida do passado, descrições de lugares ou pessoas e explicação do sentido de certas expressões antigas ou de palavras em desuso. (LIMA, 2009, p.23, in:Olimpíada de Língua Portuguesa: Escrevendo o Futuro. Caderno: Na Ponta do Lápis – Memórias Literárias)

Em consonância com Lima (Caderno do Professor: Olimpíada de Líng.Port.-

Memórias Literárias), “Toda memória tem uma história”, mas o que faz com que essa

história faça algum sentido é o valor e direcionamento que damos a ela. Ou seja,

caso não valorizemos as lembranças daqueles com que convivemos, elas

permanecerão apenas nas memórias dos antepassados, mas quando

demonstramos interesse, elas se transformam em palavras e são contadas e

recontadas oralmente. Dessa forma, o passado ganha vida para apresentar-se de

forma criativa ao momento presente. E assim pode ser recontada por um ouvinte

atentamente interessado.

Para tanto, recorrem a figuras de linguagem, escolhem cuidadosamente as

palavras que vão utilizar, orientados por critérios estéticos que atribuem ao

texto ritmo e conduzem o leitor por cenários e situações reais ou

imaginários. (Caderno do Professor : Memórias, 2009, p. 09)

Se por um lado, temos um escritor atento que procura adjetivar o texto

escrito de forma reestruturada com características literárias, por outro, temos o

reconhecimento de que os saberes, resgatados pela memória e os sentimentos,

foram os que transmitidos oralmente permitiram a retextualização da modalidade

oral para a escrita.

Invocação do pretérito está intimamente ligada à angústia ancestral da

humanidade frente à irreversibilidade do que passou, à transitoriedade do

tempo, frente, em última instância, à fugacidade da vida, à morte. (...)

Floresce, assim, abundantemente, a recriação artística de um passado -

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notadamente a infância - em que é possível viver em estado de graça, com

o qual é possível manter uma relação de fusão (YOKOZAWA, 1998, p. 63-

64, In: Camargo - Marcel Proust e o triunfo da memória)

Nessa busca pelo acontecimento passado, vivendo no momento presente,

que se desperta o homem para a relação dos atos vividos para construção do que a

sociedade é hoje. Não é uma história com compromisso real, que consta nos

registros históricos, mas uma história recriada pela arte literária, onde o passado

(muitas vezes a infância) reaparece de forma com que a memória e os sentimentos

das ações vividos surjam relacionados, recriados na fala de uma história idealizada

pelo contador e, depois, compreendida e retextualizada pelo redator.

Quanto à relação entre o produtor do texto original e o transformador, um

texto pode ser refeito pela mesma pessoa que produziu o original ou por

outra. No caso de ser o próprio autor quem retextualiza, as mudanças são

muito mais drásticas e, frequentemente, o autor despreza a transcrição (ou

gravação) da fala e redige um novo texto. Mas mesmo assim o autor não

elimina todas as marcas da oralidade no seu texto. É difícil disfarçar de

modo completo a origem oral de um texto. Já uma outra pessoa que não o

próprio autor do texto em processo de retextualização terá mais “respeito”

pelo original e fará menor número de mudanças no conteúdo, embora possa

fazer muitas intervenções na forma. (MARCUSCHI, 2010, p.54 – Grifo no

original)

E é no momento da relação de integração entre o saber científico e a prática

pedagógica que formaremos sujeitos atuantes, poisé através da apropriação do

saber cognitivo e letrado que a escola será capaz de colaborar para que seus

espaços sejam campo inicial do desenvolvimento e inserção social.

3. A metodologia da aplicação e investigação

Muitas vezes a oralidade não é trabalhada, embora os documentos oficiais

reconheçam-na como uma prática, ou ainda, é solicitado ao aluno participações em

atividades de oralidade sem que anteriormente lhe sejam apontados mecanismos

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para que ele perceba o funcionamento da língua como prática em uso. Afinal, o que

é mais importante a oralidade ou a escrita?; Que tipo de valorização dá-se à

oralidade e à escrita na vida diária?; É importante aprender sobre a “fala” na

escola?; Que uso da oralidade e da escrita é feito em casa? E na escola?

Assumindo a posição de que os alunos falam bem, lembramos que isso é

ignorado pela escola que não trabalha a retextualização como meio para identificar

as características de gêneros orais e escritos. Sendo assim, a grande questão é: -

Como conduzir atividades de oralidade e retextualização para promover um

reconhecimento dessas duas modalidades?

O que esta pesquisa propôs foi a aplicação de um conjunto

sistematizado de atividades de linguagem ligadas entre si e voltadas à

compreensão e realização por parte dos alunos, mas minuciosamente cerceada

por concepções teóricas, desenvolvidas para um projeto de intervenção, que

objetivava contribuir com práticas linguageiras voltadas para o ensino da

oralidade por meio da retextualização.

A metodologia e as atividades desenvolvidas, no transcorrer do processo

(da oralidade para retextualização), tomaram como base o modelo e as propostas

sugeridas por Marcuschi na obra “Da fala para a escrita: atividades de

retextualização”. –De acordo com Marcuschi (2010), para a realização do processo

de retextualização, pode-se empregar o “Modelo das operações textuais-

discursivas na passagem do texto oral para o texto escrito”. (Aproposta original

segue como anexo deste artigo e de forma ilustrada e detalhada na obra do autor).

Nesse percurso partiu-se de um texto (monologado ou dialogado) falado base –

entrevistaou relato de experiências, para a retextualização de um texto escrito final:

texto-alvo –memórias literárias.

No caso deste estudo, em obediência aos direitos e às diretrizes

internacionais e brasileiras, foi solicitado aos participantes do grupo da

intervenção o consentimento livre e esclarecido de divulgação dos resultados das

aplicações. Os nomes que constam nas apresentações dos dados são

pseudônimos, para que assim possamos preservar no anonimato os participantes

do projeto.

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A primeira ação desenvolvida foi a apresentação do Projeto e a proposta de

Intervenção para a direção, equipe pedagógica e demais funcionários do Colégio

Ana Neri.

No primeiro encontro com os alunos foi apresentado o percurso dos

estudos, ou seja, o plano de ação proposto na sequência didática. Nesse mesmo

dia os alunos também foram instigados para que expressassem o que conheciam

acerca do gênero memórias literárias e em seguida os alunos produziram um texto

para verificação diagnóstica, que objetivou verificar o que eles já sabiam sobre o

gênero proposto e observar o nível linguístico-discursivodos seus textos.

Foi com a intenção de levar os alunos a refletirem, construírem e a

expressarem opiniões direcionadas sobre a construção e os usos da oralidade

e da escrita que propiciei ao grupo de estudo uma prática oral, propondo os

seguintes questionamentos a esse respeito, no segundo encontro.“O que é mais

importante falar ou escrever?; O que o ser humano aprendeu a utilizar primeiro: a oralidade ou a

escrita? Posso dizer que a mais antiga é também a mais importante, ou vice-versa? ; Qual das duas

modalidades é mais difícil de formular: falar ou escrever?; O que utilizamos mais no nosso cotidiano:

a fala ou a escrita?; Nós usamos a oralidade e a escrita para as mesmas finalidades?; Na escola,

qual das duas é mais usada? E em casa?; Cite um lugar fora da sua casa e da escola onde a fala

seja muito usada.; Agora, cite um lugar fora de casa e da escola onde a escrita seja muito usada.;

Toda as pessoas falam da mesma forma?; Você fala sempre da mesma forma?; Quase todos

aprendem a falar, e por que muitos não aprendem a escrever?; Onde as pessoas aprendem a falar?

Como aprendem e com a ajuda de quem?; E a escrever, onde aprendem? Como aprendem e com a

ajuda de quem?; Comente um pouco sobre como foram as suas experiências de aprendizagem da

fala e da escrita.; Em sua opinião, ensinar a escrever é tarefa de qual professor? E como você

acredita que isso deveria ser ensinado?; Você pensa que a escola deveria ensinar a falar? Caso sim,

como seria?; Existe a expressão “falar difícil”, o quê seria “falar difícil”?; Saber falar bem é o mesmo

que “falar difícil”?; E a expressão “escrever difícil” existe? Justifique sua resposta.; Posso afirmar que

escrever bem só pode ser dito para grandes autores, estudiosos, aqueles que escrevem “sem erros

de português”?; Você, sendo uma pessoa que vive em uma sociedade, “abriria mão” de saber falar ou

escrever?” As questões foram lidas pelo professor, em seguida discutidas com o grupo

e finalmente confrontadas no grande círculo.

Na sequência dos trabalhos, foram realizadas diversas e diversificadas

atividades com o gênero oral entrevista: atividades de leitura interpretativa,

estrutura e características do gênero, a linguagem empregada, leituras comparativas

e apreciação e comparação de entrevistas impressas e gravadas. Nesta etapa da

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pesquisa foram realizados vários encontros, nos quais os alunos foram se

familiarizando com o gênero oral entrevista. O professor explanou sobre as

principais características, os alunos realizaram variadas atividades de

reconhecimento e aprofundamento. E finalmente, o professor comentou sobre a

importância desse gênero para a coleta de informações para o texto final. Foi

fundamental essa aproximação da turma com o gênero em estudo.

Ainda referente ao trabalho com a entrevista, os alunos foram orientados de

como deveriam coletar as informações, por meio de gravações do gênero, que

serviriam como base oral para retextualização escrita dessa entrevista. Nesse

encontro a entrevista foi vista em todos os aspectos: discursivo, linguístico e da

produção textual. Tivemos que estabelecer então um roteiro a ser seguido, ou seja,

o que deveriam perguntar, a quem e como perguntar. E assim, ficou: Definição do

tema: “Uma experiência escolar”; Escolha do entrevistado: “Alguém da família,

preferencialmente alguém mais velho, que tivesse frequentado a escola por

pelo menos um ano, como avô, avó, pai, mãe ou tios”; Elaboração das perguntas:

“O roteiro foi sendo sugerido e registrado no quadro-negro”; O tempo máximo de

gravação: “12 minutos” e, finalmente, como comportar-se e agir no momento da

entrevista.

Com as entrevistas gravadas, pudemos então iniciar o processo de

transcrição. Ou seja, a passagem do texto de uma modalidade a outra (do oral para

o escrito) sem que ocorressem grandes transformações de conteúdo, ou seja, foi

proposta a reprodução gráfica dos sons da língua gravada. Foram assim,

iniciadas as explicações da “passagem” da modalidade oral para escrita. A

professora havia feito sua gravação, o que possibilitou transcrever coletivamente

um trecho no quadro-negro, para que os alunos acompanhassem a construção do

processo. Na sequência foram dados os comandos e itens a serem observados na

transcrição individual que deveriam ser realizadas nos domicílios. “Ouça a gravação

com calma e atenção. Observe como se assemelha a uma conversa, em que um pergunta e o outro

responde, ou seja, um fala e depois o outro fala (na entrevista chamamos isso de turnos da

fala);Procure ouvir novamente, só que agora vá passando para o papel o que escutar, da mesma

forma que ouvir. Vá pausando a gravação para dar tempo de escrever e ouça poucas palavras e já

registre, para não correr o risco de mudar palavras ou a ordem do que foi dito;Quando mudar a voz

(entrevistador) mude de linha para separar a outra voz (entrevistado);Lembre: Nessa atividade

procure ser o mais fiel possível ao registro oral, ou seja, não use pontuação, não se preocupe em

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usar letras maiúsculas e não mude a pronúncia das palavras ( Ex: se o entrevistado disser: nóis era –

você deverá registrar dessa forma);Quando o entrevistado fizer pausas na fala, na escrita marque

assim (...);Procure manter no escrito todas as palavras do oral: “daí”, “né”, “bem”, “hã”, “sim”, “sabe”, e

outras; Registre as observações das ações do entrevistado. Por exemplo: (tossindo), (rindo), (alguém

bate na porta).” Nos encontros seguintes os alunos trouxeram seus textos para

serem observados coletivamente.

Considerando não obstante as produções realizadas pelos alunos para

verificações desta pesquisa, tomou-se a iniciativa de elaboração e aplicação de um

questionário com seis questões nesta etapa, com opropósito de levar os alunos a

refletirem e expressarem o que estavam entendendo e aprendendo, para assim

observar como eles estavam percebendo as práticas de linguagem nas

modalidades oral e escrita e, também, suas opiniões a respeito do trabalho que

pode ser desenvolvido nesse sentido em aulas de português. O questionário

intitulado “Verificando o conhecimento” não será descrito aqui para evitarmos

repetições, porque o roteiro das questões segue como anexo deste artigo.

Em conformidade com a proposição da presente pesquisa, demos início ao

processo de retextualização. Sendo assim, nesta etapa, trabalhamos com a

retextualização sem mudança de gênero, ou seja, a entrevista oral foi

transformada em entrevista escrita, foram mantidas as falas (as “vozes” do

entrevistador e do entrevistado) em perguntas e respostas. Foi chamada a atenção

dos alunos para observarem que o processo da retextualização é diferente da

transcrição, pois na transcrição eles só registraram os turnos da fala sem

interferências na escrita; também não é o mesmo que reestruturação do texto, pois o

texto não foi simplesmente adequado às normas da língua; na retextualização

houve uma transformação do texto em outro, no caso, um texto com

característica da entrevista oral em um texto com características da entrevista

escrita. Houve o seguinte encaminhamento desta proposta: “Vamos brincar de

jornalista? De acordo com as formulações de Luiz Antônio Marcuschi, está apresentada abaixo a

releitura adaptada de alguns passos que você poderá seguir para modificar seu texto. Mas lembre:

não se trata de uma receita a ser seguida passo a passo, são apenas operações que você deverá

observar no seu texto.1.Eliminação das marcas próprias da oralidade e da transcrição: a) hesitações

(por exemplo: ah..., eh..., e...e, o...o, de..., do..., da..., dos...; b)elementos típicos da fala (por exemplo:

“sim”, “claro”, “certo”, “viu”, “entendeu”, “né”, “sabe”, “que acha?”, “bem”, “hã”, principalmente quando

aparecem no interior das falas); c) partes de palavras iniciadas e não concluídas, que muitas vezes

são transcritas como hesitações; d)repetições desnecessárias seguidas de palavras e partes

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duvidosas são aqui eliminadas.2.Permanência ou acréscimo das expressões que ocorreram no ato

da entrevista oral para clareza do leitor dos aspectos constituídos face a face (por exemplo: ((falando

em voz alta)), ((balançando as pernas)), ((batendo com a mão na mesa)), ((fechando os olhos)), e

assim por diante).3.Introdução da pontuação com base na entoação das falas na gravação.(Tente

colocar vírgulas e os pontos que julgar importantes para compreensão do texto pelo leitor).4.

Retirada de repetições desnecessariamente reduplicadas, pois na fala muitas vezes repetimos

palavras para retomar ou dar continuidade a um assunto (por exemplo: Naquele tempoeu pensava

que a história era assim, eu pensava que todos eram felizes, eu pensava como criança).5.Introdução

da paragrafação e pontuação detalhada sem modificação da ordem do texto.6.Introdução de

palavras de preenchimentos das falas, ou seja, na fala pode aparecer um “ele” ou um “lá” que na

escrita deve ser substituído por um nome e um local, para assim evitar duplo sentido na leitura ou má

compreensão do que foi dito.7. Reconstrução do texto com normas da língua culta escrita. Esta

operação envolve ações bastante diversificadas, pois aqui deverá aproximar o texto das normas da

escrita, como: concordâncias, reordenação das frases e sequência das falas.8.Seleção de novas

palavras. Como tomamos por base um texto oral, as palavras poderão agora ser substituídas

visando a uma maior formalidade. Ou seja, na escrita podemos “escolher” as palavras que melhor

expressem as ideias da entrevista, deixando-a mais formal.Agora, em casa, procure, a partir da

sua entrevista oral, chegar a um texto escrito que possa ser publicado em um jornal escolar.”

Lembremos que houve um desvio do percurso, foi necessária a

complementação e adaptação da pesquisa por meioda filmagem de outro

gênero oral, o relato de experiência presencial e gravado.

Antes de apresentarmos os registros dos resultados observados, torna-se

impreterível relatar a mudança de abordagem do percurso proposto inicialmente.

Até o momento do estudo de como procederem na gravação da entrevista

oral, os alunos participaram ativamente dos encontros, mas para realização dessa

proposta eles demonstraram dificuldades em encontrar alguém para ser o

entrevistado ou ainda para gravarem as entrevistas. Mesmodepois de várias

conversas, disponibilização de aparelho para gravação e busca de solução de

problemas individuais, pouquíssimos realizaram e gravaram suas entrevistas. Dessa

forma, alguns já haviam feito a retextualização da entrevista, enquanto outros

estavam na etapa da transcrição, e outros ainda nem ao menos tinham realizado a

entrevista oralmente.Foi na tentativa de tornar o grupo homogêneo, que se optou

então por complementar o projeto com outro gênero oral: o relato de experiências. O

convite foi feito a uma senhora, de 69 anos de idade e funcionária do mesmo colégio

onde estudavam os alunos, para participar de um encontro com o grupo. Na

ocasião, os alunos ouviram atentamente Mariana relatando suas experiências

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escolares, numa sequência semelhante a do roteiro da entrevista. Na ocasião, foi

realizada a filmagem do relato de experiências. Foi assim que, alguns de posse da

entrevista realizada anteriormente e os demais com a gravação do relato, foi

possível aplicar o processo da transcrição. Portanto aqueles que ainda não tinham

realizado a sua entrevista individual puderam transcrever e retextualizar trechos do

relato. Essa atividade necessitou várias orientações e reescritas por parte de alguns

alunos.

Nesta etapa, os alunos foram orientados a modificar a entrevista escrita,

transformando-a em sequência narrativa. Para falarmos em retextualização em

um novo gênero, ainda, era complexo para o aluno, por isso foi recomendada

apenas transformações nos aspectos estruturais: eliminação das falas e organização

do texto em parágrafos; e os aspectos da narração: narrador em primeira pessoa e

verbos no pretérito. Nesta atividade, não foi tão importante a preocupação com

verbos ou pronomes, o principal objetivo era observar a capacidade do aluno em

“misturar” as falas do entrevistador às do entrevistado, ou seja, a retirada dos turnos

da fala, a retextualização da entrevista escrita com mudança para a narração.

Nesse momento trabalhamos com o gênero memórias literárias. A

“descoberta” do novo gênero e atividades de leitura compreensiva. Esse contato

com os gêneros, portanto, tem como ponto de referência a experiência e uso, e não

os conceitos. Finalmente, realizamos a retextualização do gênero entrevista ou

relato de experiência “texto falado base” ao gênero memórias literárias “texto

escrito final”.

Torna-se importante salientar que todas as práticas de escrita e reescrita

foram orientadas e acompanhadas de forma coletiva e individualizada.

Para finalizarmos nossa intervenção, foi reaplicado o mesmo questionário

de investigação citado, para verificarmos assim do que os integrantes do grupo

haviam se apropriado no transcorrer do percurso de retextualização.

4. Análise dos resultados

Torna-se inviável considerarmos de forma individual os resultados obtidos,

pois foram os encontros de estudos que oportunizaram as relações comunicativas,

em que, por meio das trocas de percepções e experiências, foram sendo

construídas as conexões de aprendizagens entre os participantes, relacionando

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suas produções e o contexto, ou seja, cada aluno produziu individualmente, mas em

todas as práticas foram organizados estudos coletivos dos trabalhos, com o

direcionamento das produções e oportunizados encontros de escrita e reescrita,

tantas vezes o aluno considerasse necessário. Nesse processo houve trocas de

palavras, de ideias e de sequências, não só por interferência da mediação do

professor, mas por todo coletivo, pois todos liam, ouviam e opinavam nos trabalhos

uns dos outros. Dessa forma, uma coisa é termos em mãos os textos produzidos e

outra bem distinta é considerá-los como produção singular, assim são as interações

do grupoo foco de análise, ou seja, o objetivo central é mostrar de que forma esse

processo de retextualização foi sendo realizado conjuntamente. Ainda é necessário

destacarmos que a presente proposta de pesquisa levou para a análise apenas os

resultados apresentados por 11 (onze) alunos, pois esse foi o número de

participantes efetivos da maioria das atividades realizadas.

Ao fazermos alusão aos eixos da oralidade e da escrita já é sabido que

essas modalidades nos remetem a duas amplas habilidades. Devido ao fato da

amplitude de ambas e das inúmeras atividades aplicadas ao grupo é que se optou

por limitar essa análise, de forma tímida, a algumas práticas que são as seguintes: a

transcrição da entrevista oral; a primeira retextualização(da entrevista e do

depoimento com mudança de modalidade); o Texto final (retextualização com

mudança de gênero); e por fim, a verificação da aplicação de questionários.

O despertar para a formação e a complexidade da modalidade oral

ocorreram nos estudos das transcrições, pois foi com “a escrita do oral” que o

grupo percebeu que falamos de modo diferente do que escrevemos, mas foi na

atividade de retextualização que ocorreu um amadurecimento linguístico maior,

pois foi nessa atividade que eles tiveram que transformar o texto falado com suas

características orais em um texto escrito. Nessa observação e seleção do que devia

ser mantido, o que deveria ser alterado ou transformado, que eles perceberam que

falar é tão complexo quanto escrever, e a partir dessa “tomada de consciência”

que conseguiram produzir textos com maior aproximação e adequação à

modalidade escrita. Basta observarmos a progressão dos mecanismos

linguísticos utilizados nos registros escritos para percebermos essa evolução.

Os trechos a serem observados a seguir mostram que os alunos foram

capazes de perceber as características próprias da fala em um texto oral e

transformá-las em características próprias da escrita.

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Observando trechos de três produções, representativas da sequência do

percurso de escrita e reescrita, percebemos as semelhanças e diferenças

discursivas decorrentes de cada prática, o que evidencia o comentário seguinte

da aluna Adriana: “Engraçado, o texto era enorme, depois nós diminuímos, depois

aumentamos e agora ele tornou a diminuir”. Depois desse pronunciamento os

demais participantes do grupo concordaram que observaram mudanças na estrutura

e acrescentaram “O texto mudou várias vezes e continua “dizendo” a mesma coisa!”

(falas registradas em diário de anotação no encerramento da intervenção). Diante

dessas constatações do grupo é possível afirmarmos que eles despertaram para o

nível consciente do processo de mudança do oral para o escrito possibilitado

pelo processo de retextualização.

Apresentamos a seguir dois exemplos de trechos na sequência das

transformações ao resultado final, os quais evidenciam a aquisição linguística

decorrente da relação fala e escrita de todo processo.

Na transcrição temos a falsa impressão de que não ocorreu nenhuma

mudança discursiva de linguagem ou conteúdo do oral para o grafado, pois o

comando era a passagem do sonoro para a representação gráfica sem

interferências textuais, no entanto, apesar de não explícita, segundo Marcuschi

(2010), “não existe a transcrição “neutra” ou pura, pois toda a transcrição já é uma

primeira interpretação na perspectiva da escrita.”

Nas retextualizações as mudanças são inevitáveis e evidentes, pois nos

permite observarmos alterações de conteúdo e forma decorrentes das mudanças: de

modalidade (oral para o escrito); de gênero (entrevista oral – entrevista escrita –

memórias literárias ou relato de experiências para memórias literárias); de estilo

(duas vozes para uma “mão”). Com essas diversas variações textuais discursivas

decorrem alterações, das quais se pode destacar: nas estruturas dos gêneros, nas

seleções lexicais, no estilo e no grau de formalidade. As mudanças ocorrem sem

que com isso tenham perdido a mensagem original do discurso.

Trecho da transcrição da entrevista oral da aluna Adriana realizada com o pai L1: Sabemos que na época que você estudou... que você freqüentou a escola não.. É

...exatamente como era... como é hoje... e se você fechasse os olhos.. você poderia imaginar como que era a sua sa... a sua escola na época que você estudava?

L2:Sim ((latidos do meu cachorro)) era uma escola no interior... na cabeceira da fazenda... numa estradinha bem simples/

L1: Aqui em Perobal mesmo? L2:Mandaguari/

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L1: Ah sim! Eu... você pode lembrar mais ou menos o ano que aconteceu isso... ou em que serie vocetava?

L2: Eu tava no primeiro ano... do primário/ L1: E você sabe mais ou menos que ano que era? L2: Era... 70...e 2.

Trecho da 1ª. retextualização com mudança de modo/ da mesma aluna L1: Sabemos que na época em que o senhor estudou, que o senhor frequentou a escola, ela

não era exatamente como é hoje. E se o senhor fechasse os olhos, poderia imaginar como que era a sua escola na época em que estudava?

L2:Sim; era uma escola no interior, numa estradinha simples, na fazenda. L1: Aqui mesmo em Perobal, onde o senhor mora? L2: Não, na cidade de Mandaguari. L1: E o senhor poderia lembrar mais ou menos em que ano ocorreu e em que série o

senhorestava? L2: No ano de 1972, eu estava no primeiro ano do primário

Trecho da retextualização final – com mudança de gênero/ da mesma aluna Um tempo que não volta mais Ainda hoje lembro facilmente como era a época que freqüentei a escola, estudar não era fácil

como hoje, era na cidade de Mandaguari no Paraná, ficava numa estradinha simples de uma fazenda, mais ou menos no ano de 1972, eu estava no primeiro ano do primário.

Nos dados apresentados houve redução do texto na retextualização final,

decorrente das interpretações e “escolhas” da aluna Adriana: mudança da estrutura

textual,eliminações próprias da passagem do oral para o grafado (1.ª operação

proposta por Marcuschi – “Eliminação de marcas estritamente interacionais,

hesitações e partes de palavras” e 3.ª operação – “Retirada de repetições,

reduplicações, paráfrases e pronomes egóticos”) e substituições de palavras e

períodos que a aluna julgou oportunos para atender a proposta do gênero solicitado.

O que evidencia que as mudanças também sãodecorrentes do conteúdo do texto

base e da interpretação e estilo de quem retextualiza bem como da proposta do

texto-alvo (produção final).

Propomos a seguir a análise de algumas partes do processo conforme

seguiram as aplicações do projeto de intervenção.

A gênese das observações foi a verificaçãodiagnóstica de uma produção de

texto escrito de memórias literárias, realizadas pelos alunos para examinar o nível

linguístico-discursivo apresentado, como também, os saberes acerca do gênero

proposto. Com a aplicação dessa atividade foi possível observar que os alunos

apresentavam falta de adequação à escrita e o uso de recursos próprios da

oralidade. As marcas mais frequentes foram interações próprias da fala como

repetições, uso de gírias, falta de acentuação e questões relacionadas à falta de

concordância.

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Interações próprias da fala e repetições

Trecho do texto da aluna Aryela“Mas logo agente aprendeu a fazer alguns passos e a se dar bem, porque antes agente brigava muito porque eu ou ele não acertava os passos.”

Trecho do texto da aluna Flávia “Quando a professora saiu eu logo peguei e voltei a virar pra trás pra conversar com o Carlo, mas o assunto que tanto ele tinha pramim contar não era nada de interessante pra fazer a professora me chamar atenção. Ai logo a outra professora chegou daí eu parei de conversar com ele.”

Uso de gírias, falta de acentuação e questões relacionadas a falta de concordância

Trecho do texto da aluna Daiane “Eu fiquei zuando com a cara deles, por eles não ter passado na Olimpiada de matematica. Passando alguns dias eu fui fazer a segunda prova, as questões era uma mais difícil que a outra, mas como não tinha ninguém para passar os resultado para mim, eu acabei me ferrando“.

Diante dessas observações ficou evidente que os alunos aproximavam a

escrita da forma como falavam, demonstrando que não reconheciam muitos dos

usos das convenções da escrita. Com relação à observação do gênero, as únicas

marcas aceitáveis para a proposta é a narrativa situada no pretérito e com narração

em primeira pessoa, mas somente esses empregos não são suficientes para

caracterizar o gênero.

A transcrição: a descoberta da oralidade

Nem todos os alunos do grupo realizaram a gravação da entrevista, e ainda

assim, 02 (dois) “apagaram” acidentalmente o conteúdo gravado. Mas, como já foi

dito anteriormente, houve a complementação da pesquisa com a filmagem de outro

gênero oral, o relato de experiência, e os encontros e explicações ocorreram todos

em um processo de interação coletiva, o que possibilitou a todos do grupo

acompanharem a construção do processo. Diante do exposto é possível

observamos os resultados produzidos no coletivo.

Nas atividades de ouvir e observar as gravações os alunos pareceram

despertar para o processo da comunicação oral. De acordo com anotações em

diário, os participantes do grupo demonstraram vergonha, depois acharam graça dos

sons e colocações das palavras nas gravações, mas depois de observado o

processo de transcrição coletiva, eles demonstraram maior segurança para

realizarem e exporem suas atividades, pois o processo de transcrição possibilitou

ao aluno a percepção do discurso constituído oralmente (face a face) na

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apresentação escrita e a conscientização a respeito da complexidade da língua

oral.

É possível observarmos nos dados apresentados o esforço do aluno em

manter características do oral no escrito. Em todas as transcrições das entrevistas

os alunos procuraram marcar asmudanças de turnos da fala, em nenhuma houve

mudança de linha para separar as falas do texto. A maioria usou como recurso de

separação a mudança de cor da tinta da caneta. As mudanças de cores nos dados

se justificam pelas cores de canetas usadas originalmente pelos alunos.

Trecho da transcrição da entrevista oral da aluna Adriana realizada com o pai é possível lembrar mais ou menos de qual ano voce esta falando com a gente? olha eu estudava...eu me lembro dessa época... eu estudava na segunda serie no ano de (...) deixa eu ver setenta e tres eu nasci...

entrei com oito...ah oitenta mais ou menos oitenta...oitenta e umporque a senhora i ia pra escola?Ah...porque a gente tinha que aprender as coisas ...e como a gente morava na...no sitio não tinha como meu pai e minha

mãe..eles nunca foram estudados... eles não sabiam ensinar... a gente ia pra escola pra aprender

Somente uma alunamarcou asmudanças de turnos da fala com alteração

de letra inicial.

Trecho da transcrição da entrevista oral da aluna Sofia realizada com a mãe L- i ce se lembra algum acontecimento... alguma prova... que você foi bem ou foi mal? D- há... tinha uns qui ia bem...i otos já ia mal/ L- voce era dos qui si dava bem... ou era meio ruinzinha? D- meio (risos) ...maisomeno... maisomeno/ L- cetava na média então? D- maisomeno

E no gênero relato só há uma voz no texto (a do narrador em primeira

pessoa).

Trecho da transcrição do relato de experiências oral da aluna Adriana cedidas por Mariana

... ai eu via todas minhas irmãs... nois em doze dentro de casa ... a única... a única que não

tinha terceiro ano e nem quarto era eu... ai... ai...ai um tempo casei né ... casei de bem nova...

As transcrições demonstram o esforço dos alunos em manterem a grafia da

fala, pois todos procuraram registrar as palavras de acordo com as pronúncias da

oralidade.

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Trecho da transcrição da entrevista oral da aluna Luiza realizada com a mãe ios aluno era comportado ou era os capetinha?nãoa genti era comportado

Além das marcas de oralidade aparecem observações de ações ou

acontecimentos nos registros.

Trecho da transcrição da entrevista oral da aluna Adriana realizada com o pai Os alunos naquele tempo iam na escola pá estuda? Naquela época (risos)

NAQUELA época (risos) ... você poderia imaginar como que era a sua as... a sua escola na época que você estudava? Sim ((latidos do meu cachorro)) era uma escola no interior... na cabeceira da fazenda ... numa estradinha simples/

Observamos que nos textos não houve pontuação e raras ocorrências do

emprego de maiúscula. Ainda, todos fizeram algumas marcações de pausas, mas

em quantidade bem menor do que as recorrentes nas gravações.

Em síntese, os dados mostraram que o processo de transcrição possibilitou

ao grupo perceber que a oralidade e a escrita possuem características próprias e

distintas.

A primeira retextualização: a mudança de modalidade

Nesta etapa da investigação, todos possuíam algum tipo de material

originalmente oral, mas com características distintas (entrevista e depoimento).

Dessa forma, foi explanado e exemplificado coletivamente o processo de

retextualização da modalidade oral para a grafada e depois, numa sequência

investigativa, solicitado que cada um realizasse a mudança de apresentação do

texto, falado para escrito, sem alteração de gênero.

Os resultados dos estudos revelam que as atividades de retextualização

permitiram aos alunos não somente perceber a “versão gráfica” da língua, como

também um amadurecimento linguístico nosusos dessa língua no oral e no

escrito. Com certeza são as observações dasretextualizações que evidenciam

essa maturidade. Percebemos que essa apropriação ocorreu ao longo do processo

dessas aplicações de atividades, pois nessas práticas o aluno teve que interpretar a

mensagem do texto-base oral, identificar os elementos exclusivos da fala e

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finalmente eliminar ou substituir (conforme o caso) por elementos próprios da

escrita. Portanto, os alunos realizaram as mudanças necessárias para transformar

um texto de origem e características orais, em um outro texto com características da

escrita.

Nas produções que iremos observar as alterações de cor de tinta de caneta

das transcrições foram substituídas por letras – F1: falante 1/ entrevistador; e F2:

falante 2/ entrevistado. Essa mudança foi necessária para facilitar a observação das

mudanças ocorridas nos dois trechos de textos.

Ao longo das verificações do que havia sido proposto com base nas

formulações de Marcuschi, foram alcançados os seguintes resultados conforme as

evidências apresentadas a seguir:

Eliminação

Permanência ou acréscimo

Introdução da

pontuação

Trechos da transcrição original feita pela aluna Sofia – para transformação F1: como qui a sinhora si sentia nas aulas? F2: sintia era bem... sintia bem... asveissintia bem nas aula... sóquiera longi.. nois chegava da iscola já cansada... cansada... chegava... é ainda ia trabaia na roça... ainda a merenda (risos)...ah.. a me... num tinha... num tinha merenda... asveis... asveis tinha merenda de leite nino (risos)... leiti nino... amuié do professor fazia aquele CARDEIRÃOZÃO... grande... bem grandão dileiti nino... i... i tinha ora qui tinha recrei... antigamente só tinha recrei... tinharecrei né... mais era poco tempo... aí só dava conta de bebe aquele leiti nino... i só tinha aquele leiti nino só...só... aí tomava o leiti nino i ia istuda/ F1: ah... intão num tinha cumida... nada... era só leiti? F2: só leiti só..só... num tinha merenda... num tinha bolacha.. era só leiti puro... acabavaditoma o leiti i já ia istuda/ Retextualização do mesmo trecho – feita pela mesma aluna da transcrição F1: A senhora se sentia bem nas aulas? F2: Sim, mas era muito cansativo. Eu também me lembro que não tinha merenda todos os dias, quando havia merenda era só leite Ninho que a mulher do professor fazia, e bebíamos rapidamente no pequeno intervalo que havia. F1: A senhora conseguia ficar só com leite no estômago? F2: Éramos obrigado, pois não tínhamos o que comer, íamos almoçar em casa depois das aulas.

É visível como o texto reduziu depois das eliminações das marcas da

oralidade e da transcrição, mas manteve a estrutura e sequência básicas da

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entrevista oral, com as “vozes” do entrevistador e do entrevistado numa sequência

de perguntas e respostas.

Observemos agora as mudanças ocorridas na transcrição da aluna Luiza:

Retirada de repetições

Introdução da paragrafação e pontuação detalhada

Introdução de palavras de preenchimentos

Trechos da transcrição original feita pela aluna Luiza – para transformação F1- diqui ano mais ou menos você lembra dessi quadro grandidiqui era a primeira sala do corredor diqui ano qui era? F2- 1986/ F1- qui série você estudava? F2- 86 eu era 7 série/ F1- porque você ia pra escola... era.. você gostava ou era meio que obrigado? F2- não gosto assim de estuda... estuda eu nunca gostei muito não... mais eu ia porque era gostoso... tinha meus amigos.. eu sempre fui bem nunca reprovei di ano/ Retextualização do texto feito pela mesma aluna da transcrição F1- É possível recordar de que ano e série escolar estamos falando? F2- Era o ano de 1986, eu estava na 7ª série. F1- Por que a senhora ia para a escola? A senhora gostava ou era uma obrigação? F2- Na verdade eu nunca gostei muito de estudar. No entanto, eu nunca reprovei de ano e eu gostava de rever meus amigos.

É notório como, apesar da idade escolar, em grupo, eles conseguiram fazer

tantas transformações significativas nos textos. Nos trechos acima percebemos

como a aluna adequou o texto conforme os comandos da proposta da atividade.

Inclusive, percebemos que houve supressão de duas falas sem alteração da

mensagem ou ordem do texto. O trecho: “F1- diqui ano mais ou menos você lembra dessi

quadro grandidiqui era a primeira sala do corredor diqui ano qui era?F2- 1986/F1- qui série você

estudava? F2- 86 eu era 7 série/” . Foi substituído por: “F1- É possível recordar de que ano e

série escolar estamos falando?F2- Era o ano de 1986, eu estava na 7ª série.”

Para observação do terceiro e último exemplo, atentemos para a:

Reconstrução do texto com normas da língua culta escrita

Seleção de novas palavras

Trechos da transcrição original feita pela aluna Adriana – para transformação F1- E o que mudou nas escolas...se a gente comparando antigamente... na época que você estudou e hoje? F2- Hoje num sei se é a mudança das... da lei... ou se é a.. o... o mudança dos... dos tempos... o que que é... seique as pessoas vai na aula mais pra cupri tabela do que pa aprende/ F1- E na sua memória tem algum... algum acontecimento... uma festa na escola.. qualquer coisa

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assim que você queria... que você qu... que marco... que você gostaria de falar? F2- Sim... foi num... numdi... numa festinha dia dos professores que a gente fez uma festinha pra professora... e eu comi muito bolo com aquele.. com aquele... cobertura de bolo ... como é que chama? gra... glace que fala?... e tomei bastante fanta e me senti mal queu num dormi a noite toda... passei mal.. mas mal mesmo...nunca mais esqueci daquilo. (risos) Retextualização do texto feito pela mesma aluna da transcrição F1- O que mudou nas escolas se compararmos a época em que o senhor estudou e hoje? F2- Não sei ao certo onde pode ter ocorrido essa mudança, se foi devido aalteração nas leis ou a nova mentalidade dos jovens de hoje. O que sabemos com certeza é que as pessoas vão para a escola somente por obrigação e não para aprender de fato. F1- Na sua memória tem algum acontecimento na escola, que foi marcante em sua vida que o senhor queira falar? F2- Sim. Foi em uma confraternização que fizemos para a professora. Então comi muito bolo com glacê e refrigerante e por isso me senti muito mal, não dormi a noite toda, acho que nunca esquecerei daquilo. (risos)

Diante dos dados expostos é possível observamos claramente as

transformações ocorridas. Verificamos que as alunas dos três conjuntos de dados

dos trechos de textosconseguiram manter as informações fundamentais das

transcrições transformando-os de acordo com as operações textuais formuladas por

Marcuschi. Ou seja, a sequência das operações possibilitou a passagem do texto

oral entrevista para o texto escrito entrevista.

Retextualização do relato de experiências oral para o relato escrito

O gênero (relato de experiências) foi mantido, mas a modalidade da língua

(oral para a escrita) foi modificada.

Como os alunos desse grupo já haviam acompanhado as transcrições e

retextualizações em conjunto com o grupo, devido à escassez de tempodisponível,

optamos para que esses alunos assistissem ao vídeo individualmente e orientados

pela professora tantas vezes fosse necessário, e assim fizessem diretamente a

retextualização de uma das partes do relato de experiências sem realizar a

transcrição. Dessa forma, iremos utilizar os dados do relato de experiências somente

a seguir na retextualização de gênero.

Sem dúvidas, a dificuldade de alguns em gravarem a entrevista frustrou e

dificultou um pouco a sequência das aplicações, mas a união, a participação coletiva

e a gravação do depoimento superaram as dificuldades.

Texto final : a retextualização com mudança de gênero

Nesta etapa da proposta, os alunos já haviam passado por todo processo

proposto no projeto de intervenção. Dessa forma, quando chegamos nesse último

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texto já haviam sido realizadas diversas mudanças, inclusive a transformação de

turnos da fala em prosa (organização em parágrafos); e eliminação total das

perguntas e respostas (transformação da “conversa em história”). Portanto, o que

apresentaremos a seguir, como resultado dessa última retextextualização, será

somente a mudança de gênero, ou seja, a adequação dos textos às características

próprias do gênero memórias literárias.

Vamos agora observar algumas mudanças ocorridas a partir de algumas

características básicas do gênero proposto.

Ao escreverem memórias literárias, os escritores devem assumir a voz do

depoimento, ou seja, anarraçãodo texto deve ser em primeira pessoa. No trecho a

seguir percebemos claramente o uso dos pronomes na primeira pessoa do

singular e do plural(eu ou nós),que deixa a história como se esta tivesse

acontecido com quem escreveu.

Trechos da retextualizaçãofinal da aluna Renata baseada no relato de experiências (sem título)

(...) Quando chegavam em casa as comadres de minha mãe perguntando a ela se já havia nos matriculado, ela respondia que só iria me matricular junto com minha irmã Edite, porque ela já completaria nove anos e seríamos companheiras na escola. Não tenho certeza se a idade escolar de ingresso foi sete ou oito anos, só sei que fui matriculada e me senti muito feliz em meu primeiro dia de aula. (...)

Nos trechos abaixo é possível percebermos a presença de elementos

literários que enriqueceram a narrativa, ou seja, a aluna foi capaz de expressar em

palavras as sensações e os sentimentos que interpretou do que ouviu na

entrevista.

Trechos da retextualização final da entrevista oral da aluna Sofia realizada com a mãe Grandes dificuldades

(...) os sábios professores passavam tarefas nos cheios cadernos dos pequenos alunos e em seguida faziam a chamada (...)

Meus professores foram três, dois homens e uma mulher, brava como um leão (...) Na escola não tínhamos diferenças de séries, ficávamos todos misturados como em uma

grande família.

Nos trechos abaixo é possível observarmos, além dos verbos no

pretérito(perfeito e imperfeito), termos que situam a narrativa no tempo passado.

Trechos da retextualizaçãofinal da aluna Renata baseada no relato de experiências Dona Maria

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(... )O estudo daquela época eramuito severo. Tinha três sinais, no primeiro podíamos estar onde fosse, tínhamos que correr direto pra porta formando uma fila de meninos e uma de meninas, no segundo sinal colocávamos a mão no ombro do outro e no terceiro sinal subíamos pela escada.

(...) Quando a professora entrava na sala muitos morriam de medo, pois todos deviam ficar em silêncio, quietos, pois se houvesse uma conversa a professora já dava castigo. Me lembro de Joaninho, uma vez ele conversou e a professora deu uma sinetada na cabeça dele, nossa, eu morria de medo!

Como as históriasforam escritas a partir do depoimento de alguém, após

concluídosos textos, foram levados para o seu entrevistado ou relator para este reler

aquilo que falou e conferir se o texto manteve os seus dados.

O questionário: confirmando resultados

Dentre as inúmeras visões possíveis dos usos da modalidade oral e escrita,

buscou-se saber as apresentadas por onze alunos participantes da pesquisa. Diante

dos resultados foi constatado que as atividades de retextualizaçãoforam

fundamentais para que os alunos se apropriassemdas mudanças de um texto na

modalidade oral para a escrita, mas as atividadesde conversação, debate e

análises de entrevistas orais (gravações do YOUTUBE) e escritas (selecionadas

de revistas) já haviam contribuído para a desconstrução da ideia de superioridade

da escrita ou de “erros da fala”. A ordem de escolhas da primeira aplicação

demonstra que os alunos consideraram mais as questões relacionadas à língua na

modalidade oral, já na segunda os alunos atribuíram maior importância às opções

que relacionavam oralidade e escrita - como o processo de retextualização.

A sequência das questões do questionário segue como anexo.

4. Conclusões de uma investigação e pressupostos para futuras reflexões

Toda investigação nos traz um novo olhar e esta pesquisa nos possibilitou a

observação de alguns aspectos concernentes aos conceitos, usos e didáticas do

discurso oral e escrito. Não se pode ignorar o fato de que o professor regente da

turma e aplicador das estratégias metodológicas era o mesmo que observava e

investigava toda a intervenção. Dessa forma temos como positiva a presença

constante do pesquisador no desenvolvimento de todas as atividades, mas por outro

lado, havia a preocupação constante do ensinar e investigar simultaneamente.

Quando olhamos para todo percurso seguido pelo grupo é possível

observarmos que muitos problemas linguísticos relacionados à fala e à escrita

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permanecem, mas é notória a evolução discursiva dos participantes, ou seja,

podemos afirmar que ao estudarem a complexidade da estrutura da língua nas duas

modalidades, os alunos perceberam de forma menos ingênua como se organizam

os mecanismos de expressão do discurso. Esse crescimento e entusiasmo de todos

os participantes no projeto é facilmente observado nas produções escritas, nos

comentários dos participantes, nas respostas dos questionários, e além de tudo isso

nos registros em diário. Nas duas aplicações do questionário a maioria dos alunos

demonstrou ter percebido que a fala e a escrita são modalidades distintas de

comunicação, pois quando questionados se “As pessoas falam da mesma maneira

que escrevem?”; nove dos onze optaram por: “não, porque o falar e o escrever

possuem características próprias”.

Acreditamos que o contexto propiciou o desenvolvimento dos trabalhos, por

tratar-se do envolvimento do aluno com o resgate de experiências vividas

referentesaos estudos escolares. Essa proposta facilitou a busca das lembranças de

alguém mais velho da família (pai, mãe, avó, avô, tios...), possibilitando ao aluno

conhecer um pouco das experiências escolares relevantes para um encontro entre

passado (“antigamente”) e presente (“hoje”), percebendo que essas memórias

pertencem a ambos, porque os acontecimentos de uma época ajudaram na

construção da história de um determinado grupo social, pertencente a um lugar

específico.

Além disso,não restam dúvidas de que mesclar dois gêneros orais –

entrevista e relato de experiências - enriqueceu os trabalhos, pois além das

características próprias de cada um, contamos também com a aproximação da

família e com a capacidade discursiva, o carisma, a fantástica memória e o amor

pelo magistério da nossa convidada que nos cedeu sua história na gravação do

relato.

Os alunos gostam de aprender seja com atividades orais, seja com escritas,

desde que se sintam atuantes no processo e não apenas espectadores. Esse tipo de

trabalho é desgastante para o professor, por isso se torna impossível que todas as

aulas do ano sejam tão dinâmicas, mas também por conta das dificuldades não

podemos simplesmente ignorar as necessidades do aprender do aluno, e deixarmos

de propor eventualmente um trabalho diferenciado como a prática da retextualização

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que possibilita: o envolvimento e desenvolvimento linguístico do aluno. No

questionário os alunos tiveram um espaço no qual puderam expor livremente suas

opiniões em relação aos encontros e conteúdos e elespraticamente “pedem” para

que esse tipo de atividade seja desenvolvido na escola:“Bom seria se todos

fizessem a entrevista. Adorei o curso foi muito bom!”; “Agora podemos ver que tanto

a fala como a escrita são importantes, mas cada uma tem suas características

próprias”; “É interessante saber como e de que jeito devemos ou não, escrever e

interpretar uma fala e o modo que vamos escrever”; “Nunca havia observado a

grande diferença entre a fala e a escrita (norma culta)”; “Este “projeto de Português”

foi muito bom, pois ensinou a todos os diferentes tipos de fala e escrita.”

Sabe-se que alguns pessimistas afirmarão que esta prática é válida para

pesquisas, mas inviável para a realidade das salas de aula das escolas públicas,

entretanto afirmamos que toda a proposição da pesquisa, desde o projeto à

conclusão da intervenção, foi estudada e discutida em rede no curso GTR da

Secretaria de Estado da Educação do Paraná, e todos os participantes não só

afirmaram considerar a proposta interessante, como também apresentaram

interesse em saber mais sobre o assunto. Como observamos nas palavras do

cursista Jeferson,

Professora Rosilene, infelizmente, em se tratando do ensino de língua portuguesa, ainda estamos muito focados em conceitos gramáticas e no ensino de uma norma padrão, que também é importante, mas tem-se dado muita importância (por séculos!)a cultura gramatical. Como a senhora mesma diz em seu texto em que não se trata de comprovar a supremacia, neste caso,da oralidade sobre a escrita, mas, sim de compreender como se dá essa transição de uma modalidade para outra. Por isso, o título de seu trabalho, principalmente os termos "memórias literárias" e"o aluno com voz e com vez" relacionam dois fatores fundamentais: a leitura de textos literários e, por consequência, a autonomia do aluno. Dai pode se fazer um paralelo com a "literamundo" em que falava Paulo Freire " ler o mundo para poder transformá-lo. Voltando a questão do seu projeto, ele diz respeito a realidade de muitas escolas que conheço por aqui, na região metropolitana de Curitiba. A oralidade é a realidade primeira da língua. A escrita surgiu milhares de anos depois. Principalmente o nosso aluno, da escola pública, que vem geralmente de uma família de pouca tradição cultural, de pais com baixa ou nenhuma escolaridade, sem livros em casa mas, ricos em "memórias" ,causos e de uma tradição oral; o aluno, naturalmente, vai absorver e levar essa variedade para sala de aula onde entrará em choque com as impostas pela variedade padrão. (Cursista do GTR, março, 2012)

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Reafirmamos a viabilidade das aplicações ao relatarmos que no decorrer do

depoimento das memórias de Mariana que a investigadora refletiu – “Os alunos

estão tão envolvidos; seria viável a aplicação dessas práticas em uma turma do

Ensino Fundamental?” E assim ocorreu. O material foi condensado, realizadas

adaptações e, então, partiu-se do estudo de leituras compreensivas de textos no

gênero entrevista. Na sequência, as características do gênero. Depois os alunos

coletivamente, com o auxílio da professora, elaboraram um roteiro de perguntas

para a realização de uma entrevista oral coletiva em sala. Na data combinada,

Mariana (a mesma do depoimento com os alunos do Ensino Médio) se deixou

entrevistar. Para surpresa, a turma “rotulada de indisciplinada” participou de forma

interessada dos questionamentos e registros das respostas. Na aula seguinte, a

professora solicitou que, em grupos de cinco componentes, transformassem as

perguntas e respostas da entrevista em uma sequência narrativa. Todos

participaram ativamente das retextualizações da entrevista em memórias. Após o

encerramento dos trabalhos de retextualização, um representante de cada grupo

realizou a leitura do texto para a sala. Eles puderam, assim, comparar os textos

finais e observarem que as diferenças foram de acordo com as anotações realizadas

pelos grupos e a forma de interpretarem o que ouviram. Exatamente todos os alunos

relataram terem gostado de realizar a sequência proposta, sendo que houve até

mesmo colocações como: “Foi a aula mais legal do ano!” (O dia da entrevista oral).

Diante dos resultados evidenciados é que propomos a investigação do

processo de retextualização nas modalidades oral e escrita, como meio para

compreensão textual, ou seja, para que os alunos consigam compreender o que é

constituinte dos gêneros orais e o que os diferencia dos gêneros escritos no Ensino

Fundamental, pois não buscarmos novas formas de conhecermos e trabalharmos as

relações linguísticas discursivas, mas colocar em prática o que já foi pesquisado.

REFERÊNCIAS

BIBLIOGRÁFICAS

BAGNO, Marcos. Preconceito lingüístico: o que é, como se faz. 52.ed. São Paulo: Edições Loyola, 2009.

BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

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KLEIMAN, Ângela. Oficina de leitura: teoria e prática. 10. ed. Campinas: Pontes,

2004.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização.

São Paulo: Cortez, 2010.

_________.Produção Textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola, 2008.

NA PONTA DO LÁPIS: edição especial da revista da Olimpíada de Língua Portuguesa -Escrevendo o futuro. São Paulo: AGWM. Iniciativa: MEC, Fundação Itaú Social e CENPEC, ano V – n.11, agosto de 2009. p.22-39.

Parâmetros Curriculares Nacionais – Primeiro e Segundo Ciclos do Ensino Fundamental: Língua Portuguesa. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental, MEC/SEF,1997.

Parâmetros Curriculares Nacionais – Terceiro e Quarto Ciclos do Ensino Fundamental: Língua Portuguesa. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental,

MEC/SEF,1998.

PERES, Aparecida de Fátima. Conceitos introdutórios em Linguística. In: Formação de Professores EAD n.18: Concepções de Linguagem e o Ensino de Língua

Portuguesa. Maringá, Pr: UEM, 2005,p.11-24.

SE BEM ME LEMBRO...: Memórias – caderno do Kit Itaú de Criação de Textos. São Paulo: Peirópolis, 2004.

SE BEM ME LEMBRO...:Memórias – caderno do professor da Olimpíada de Língua Portuguesa – Escrevendo o futuro. São Paulo: AGWM. Iniciativa: MEC, Fundação Itaú Social e CENPEC, 2008.

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO – SEED – PARANÁ. Diretrizes Curriculares da Rede Pública de Educação Básica do Estado do Paraná – Língua

Portuguesa para o Ensino Médio. – versão preliminar. Curitiba, 2006, p.07-20.

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO – SEED – PARANÁ. Diretrizes Curriculares da Rede Pública de Educação Básica do Estado do Paraná – Língua

Portuguesa .Paraná, 2008, p.60-62. p.77-80.

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Revista Educação, número 146. Disponível em < www.redacaocriativa.com.br/entrevista-oralidade-incentiva-a-escrita-e-redacao.html>Acesso em 06 de julho 2011.

CAMARGO, Flávio Pereira. Marcel Proust e o triunfo da memória, 2009 (Doutorando Estudos Literários- UFG e professor Teoria Literária Brasileira – UEG). Disponível em <WWW.ucm.es/info/especulo/numero42/mproustm.html>Acesso em 08 de abril2011.

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SE BEM ME LEMBRO...: memórias – caderno do professor da Olimpíada de Língua

Portuguesa: Escrevendo o futuro, 2010. Disponível em <http://escrevendo.cenpec.org.br/ecf/index.php?option=com_content&task=view&id=16818> , acesso em 04 de abril 2011.

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ANEXO I

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ANEXO II

Nome: ...................................................................................................................

Verificando o conhecimento

1. As pessoas falam da mesma maneira que escrevem?

( ) sim totalmente

( ) não totalmente, mas aproximam bem as duas maneiras

( ) não, porque falar é mais difícil e elaborado

( ) não, porque o falar e o escrever possuem características próprias

2. Ao falar as pessoas se distanciam da considerada norma culta da escrita?

( ) sim, totalmente

( ) não para pessoas cultas, pois essas sabem falar de forma culta sempre

( ) não totalmente, pois cada um escreve como fala

( ) isso depende do contexto e da situação da fala

3. Quando sua falaé gravada você:

( ) se sente a vontade para falar

( ) cuida com o que vai falar, porque tem medo de errar

( ) fica constrangido, pois sente vergonha do seu jeito de falar

( ) procura cuidar para falar pouco, pois acha sua voz estranha em gravações

( ) fala naturalmente, porque todo mundo fala “diferente”

( ) fala naturalmente, porque a voz de todos fica modificada em gravações

( ) fica mais calado (a) porque tem vergonha de saber que todos poderão ouvir “

os erros” da sua fala

( ) outras reações: ..............................................................................................

...............................................................................................................................

4. É possível afirmarmos que:

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( ) falar e escrever são igualmente importantes

( ) todas as pessoas acham mais fácil falar do que escrever

( ) as pessoas não falam errado, apenas se distanciam da norma culta

( ) as pessoas optam pela fala ou pela escrita dependendo da necessidade

de comunicação do momento

( ) a fala e a escrita são modalidades comunicativas igualmente elaboradas e

complexas

( ) as pessoas falam errado e escrevem certo

( ) até mesmo profissionais que dependem da comunicação para o trabalho,

quando não estão lendo, às vezes se distanciam das normas da língua

( ) praticando atividades de retextualização é possível percebermos

claramente as diferenças entre as características da fala e da escrita

5. A escola deve:

( ) ensinar a escrever de acordo com as normas oficiais da língua, para que

todos possam ler e compreender o que está escrito

( ) respeitar o jeito de falar de cada um, mas mostrar que se deve “escolher”a

fala apropriada ao interlocutor, a necessidade e contexto de produção

( ) deixar cada um escrever e falar como quiser

( ) oferecer muitas atividades de linguagem, pois só se melhora os

conhecimentos praticando

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