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Área: Desenvolvimento e Meio Ambiente A PRODUÇÃO DO ESPAÇO NO TERRITÓRIO DA BACIA HIDROGRÁFICA DO ITAJAÍ E A ANÁLISE DE INDICADORES SOCIOECONÔMICOS E AMBIENTAIS Rogério Goulart Júnior (IE/Unicamp) [email protected] Resumo Neste artigo, primeiro é feita uma breve revisão da divisão do trabalho na rede urbana, destacando a problemática ambiental urbana brasileira e os conflitos do capital e do trabalho para apropriação dos recursos e riquezas naturais e o impacto ambiental da acumulação capitalista gerado pelas frações de capital na urbanização. Por fim, são analisados alguns aspectos sobre a produção do espaço na Bacia Hidrográfica do Itajaí, com uma breve descrição sobre a formação espacial e socioeconômica do território e ainda com um estudo estatístico de indicadores socioeconômicos e ambientais municipais como forma de observar a configuração territorial e heterogeneidade espacial, em determinado período, por meio da análise dos componentes principais. Palavras chave: Desenvolvimento Urbano Indicadores Socioeconômicos Ambientais Bacia Hidrográfica do Itajaí 1. Introdução As mudanças socioespaciais na cidade são reguladas pela lógica da acumulação de capital, e o resultado desse processo numa sociedade capitalista é o desenvolvimento desigual e injustiças sociais que são distribuídas tanto espacialmente quanto demograficamente. O espaço é uma construção social em todas as suas dimensões. Essa descoberta significa que o que se considera como acidental na produção do meio ambiente construído ou espaços de assentamento deve tornar-se um objeto dirigido do pensamento social. Assim, a transformação da sociedade deve ser feita através de uma criação consciente de novas relações socioespaciais que vinculem a transformação da obra à transformação da vida da comunidade (GOTTDIENER, 2010). A distribuição de atividades, isto é, a distribuição da totalidade de recursos, resulta da divisão do trabalho. Esta é o valor que permite à totalidade dos recursos (mundial ou nacional) funcionalizarem-se e objetivar-se. Isso se dá em lugares. O espaço como um todo reúne todas essas formas locais de funcionalização e objetivação da totalidade (SANTOS, 2009a). Em cada qual dos seus momentos, o processo social envolve uma redistribuição dos seus fatores. E essa redistribuição não é indiferente às condições preexistentes, isto é, às formas herdadas, provenientes de momentos anteriores. As formas naturais e o meio ambiente construído incluem-se entre essas formas herdadas (SANTOS, 2009a).

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Área: Desenvolvimento e Meio Ambiente

A PRODUÇÃO DO ESPAÇO NO TERRITÓRIO DA BACIA HIDROGRÁFICA DO ITAJAÍ

E A ANÁLISE DE INDICADORES SOCIOECONÔMICOS E AMBIENTAIS

Rogério Goulart Júnior

(IE/Unicamp) – [email protected]

Resumo

Neste artigo, primeiro é feita uma breve revisão da divisão do trabalho na rede urbana, destacando a problemática

ambiental urbana brasileira e os conflitos do capital e do trabalho para apropriação dos recursos e riquezas naturais e o

impacto ambiental da acumulação capitalista gerado pelas frações de capital na urbanização. Por fim, são analisados

alguns aspectos sobre a produção do espaço na Bacia Hidrográfica do Itajaí, com uma breve descrição sobre a formação

espacial e socioeconômica do território e ainda com um estudo estatístico de indicadores socioeconômicos e ambientais

municipais como forma de observar a configuração territorial e heterogeneidade espacial, em determinado período, por

meio da análise dos componentes principais.

Palavras chave: Desenvolvimento Urbano – Indicadores Socioeconômicos Ambientais – Bacia Hidrográfica do Itajaí

1. Introdução

As mudanças socioespaciais na cidade são reguladas pela lógica da acumulação de capital, e

o resultado desse processo numa sociedade capitalista é o desenvolvimento desigual e injustiças

sociais que são distribuídas tanto espacialmente quanto demograficamente.

O espaço é uma construção social em todas as suas dimensões. Essa descoberta significa que

o que se considera como acidental na produção do meio ambiente construído ou espaços de

assentamento deve tornar-se um objeto dirigido do pensamento social. Assim, a transformação da

sociedade deve ser feita através de uma criação consciente de novas relações socioespaciais que

vinculem a transformação da obra à transformação da vida da comunidade (GOTTDIENER, 2010).

A distribuição de atividades, isto é, a distribuição da totalidade de recursos, resulta da

divisão do trabalho. Esta é o valor que permite à totalidade dos recursos (mundial ou nacional)

funcionalizarem-se e objetivar-se. Isso se dá em lugares. O espaço como um todo reúne todas essas

formas locais de funcionalização e objetivação da totalidade (SANTOS, 2009a).

Em cada qual dos seus momentos, o processo social envolve uma redistribuição dos seus

fatores. E essa redistribuição não é indiferente às condições preexistentes, isto é, às formas herdadas,

provenientes de momentos anteriores. As formas naturais e o meio ambiente construído incluem-se

entre essas formas herdadas (SANTOS, 2009a).

2. Divisão do Trabalho na Rede Urbana

Segundo Corrêa (2006), no esforço para identificar a natureza e o significado da rede urbana

pode-se sugerir quatro pontos pertinentes, que não se excluem mutuamente: a divisão territorial do

trabalho; a relação entre rede urbana e os ciclos de exploração; relações entre rede urbana e

forma espacial; e o caráter mutável da rede urbana.

A rede urbana é o conjunto de centros urbanos que participam da criação, apropriação e

circulação do valor excedente (juros, renda e lucros). A partir do trabalho de Harvey (2005), afirma-

se que a rede urbana é a forma espacial através da qual, no capitalismo, se dão a criação, apropriação

e circulação do excedente (CORRÊA, 2006).

A divisão territorial do trabalho cria uma hierarquia ente lugares e, segundo a sua

distribuição espacial, redefine a capacidade de agir de pessoas, firmas e instituições. A divisão do

trabalho supõe a existência de conflitos (SANTOS, 2009a).

A divisão social do trabalho é frequentemente considerada como a repartição do trabalho

vivo. Essa distribuição, é vista através da localização dos seus diversos elementos, é chamada de

divisão territorial do trabalho. Essas duas formas de considerar a divisão do trabalho são

complementares e interdependentes.

Esse enfoque, todavia, não é suficiente, se não levarmos em conta que, além da divisão do

trabalho vivo, há uma divisão territorial do trabalho morto. A ação humana tanto depende do

trabalho vivo como do trabalho morto. O trabalho morto, na forma de meio ambiente construído tem

um papel fundamental na repartição do trabalho vivo (SANTOS, 2009a).

O meio ambiente construído constitui um patrimônio que não se pode deixar de levar em

conta, já que tem um papel na localização dos eventos atuais. Desse modo, o meio ambiente

construído se contrapõe aos dados puramente sociais da divisão do trabalho. Esses conjuntos de

formas ali estão à espera, prontos para eventualmente exercer funções, ainda que limitadas por sua

própria estrutura.

O trabalho já feito se impõe sobre o trabalho a fazer. A atual repartição territorial do trabalho

repousa sobre as divisões territoriais do trabalho anteriores. E a divisão social do trabalho não pode

ser explicada sem a explicação da divisão territorial do trabalho, que depende, ela própria, das

formas geográficas herdadas (SANTOS, 2009a).

A rede urbana dos países subdesenvolvidos constitui-se, em grande parte, na extensão de

uma ampla rede com sede externa localizada nos países centrais. Neste sentido, a própria rede urbana

é através da função de intermediação, parte da divisão internacional do trabalho (CORRÊA, 2006).

Assim, ideologia do desenvolvimento que tanto foi apreciada nos anos 50 e, sobretudo a

ideologia do crescimento reinante desde fins dos anos 60 ajudam a criar a chamada metrópole

corporativa, que direciona suas ações para deseconomias urbanas deixando de atender a produção de

serviços sociais e de bem-estar coletivo (SANTOS, 2009b).

Desse modo, o processo de urbanização corporativa se impõe à vida urbana como um todo,

como processo contraditório que se opõe as parcelas da cidade, frações da população, formas

concretas de produção, modos de vida, comportamentos.

2.1. Problemática Ambiental Urbana

No Brasil, assim como em muitos países da América Latina, estima-se que apenas 30% da

população tenham acesso à moradia no mercado privado. Nem mesmo aquilo que poderia ser

classificado como classe média tem acesso à moradia por meio do mercado privado (MARICATO,

2007).

(...) a aplicação da função social da cidade e da propriedade não se confunde com a luta pelo direito à

cidade ou para se ter a cidade como direito. A cidade como direito implica transformações na produção da

cidade e não apenas o acesso ao padrão de vida urbano (RODRIGUES, 2011, p.222).

As alternativas de habitação, que incluem infraestrutura e serviços urbanos, demandadas pela

maior parte da população, não são encontráveis nem no mercado e nem nas políticas públicas.

As áreas ambientalmente frágeis – beira de córregos, rios e reservatórios, encostas íngremes,

mangues, áreas alagáveis, fundo de vale -, que, por essa condição, merecem legislação específica e

não interessam ao mercado legal, são as que “sobram” para a moradia de grande parte da população.

As consequências dessas gigantescas invasões são muitas: poluição dos recursos hídricos e dos

mananciais, banalização de mortes por desmoronamentos, enchentes, epidemias etc. (MARICATO,

2007).

O planejamento urbano modernista funcionalista, importante instrumento de dominação

ideológica, contribui para a consolidação de sociedades desiguais ao ocultar a cidade real e preservar

condições para a formação de um mercado imobiliário especulativo e restrito e uma minoria.

Abundante aparato regulatório (leis de zoneamento, código de obras, código visual, leis de

parcelamento do solo inspirado em modelos estrangeiros) convive com a radical flexibilidade da

cidade ilegal, fornecendo o caráter da institucionalização fraturada, mas dissimulada (MARICATO,

2007).

Uma permanente tensão se estabelece entre a condição legal e a condição ilegal e o que elas

representam para as instituições encarregadas do controle da ocupação do solo, financiamento

habitacional, preservação ambiental, entre outras (MARICATO, 2007).

O “desenvolvimento sustentável” e o “meio ambiente” passam a constar em todos os

documentos oficiais e oficiosos. A propriedade da terra, dos meios de produção, das riquezas

“naturais” ou produzidas, do mundo do trabalho, bem como a concentração de terras e de riqueza, a

pobreza, a necessidade de moradia adequada, de saneamento ambiental, de limpeza e iluminação

pública parecem desaparecer e deixam de ser analisadas no espaço geográfico (RODRIGUES, 2011).

O planejamento urbano acrescenta um elemento de organização ao mecanismo de mercado.

O marketing urbano (das construções e dos terrenos) gera expectativas que influem nos preços.

Assim, um primeiro momento do processo especulativo vem com a extensão da cidade e a

implantação diferencial dos serviços coletivos. O capitalismo monopolista agrava a diferenciação

quanto à dotação de recursos, uma vez que parcelas cada vez maiores da receita pública se dirigem à

cidade econômica, em detrimento da cidade social.

Os conjuntos residenciais levantados com dinheiro público (mas por empresas privadas) para

as classes médias baixas e os pobres se situam quase invariavelmente nas periferias urbanas, a

pretexto dos preços mais acessíveis dos terrenos, levando a extensão de serviços públicos, como luz,

água, às vezes esgotos, pavimentação e transporte custeados, também com os mesmos recursos.

Assim, se produzem novos vazios urbanos, ao passo que a população necessitada de

habitação, mas sem poder pagar pelo seu preço nas áreas mais equipadas, deve deslocar-se para mais

longe, ampliando o processo de periferização.

Todo melhoramento numa área pobre faz dela o teatro de um conflito de interesses com as

classes médias em expansão, para não falar das classes altas. A rapidez com que se instala o processo

de verticalização tem como paralelo um processo de suburbanização.

2.2. Urbanização e o Impacto Ambiental

Lefebvre (1999) critica o capitalismo porque este se baseia em sua suposição de que seu

espaço produzido destrói a vida cotidiana e o nível de civilização associado anteriormente à cidade.

Além do mais, a destruição da natureza que tal sistema engendra através da industrialização ameaça

romper os processos ecologicamente regeneradores, responsáveis pela sustentação da vida na terra.

Em lugar de um mundo onde os recursos naturais relativamente abundantes sejam utilizados

para produzir mercadorias em condições de escassez, temos agora uma abundância potencial de todo

gênero de mercadorias, mas uma crescente escassez de recursos naturais – a própria natureza está,

atualmente, ameaçada de exaustão.

As rupturas de causas diversas desencadeiam, portanto, processos de mudanças ecológicas e

sociais combinadas, ou seja, impactos ambientais de natureza estrutural, produtores de novas

mudanças que afetam de forma diferenciada e não planejada as estruturas de classes sociais

(COELHO, 2004).

A urbanização e a emergência dos problemas ambientais urbanos obrigam os estudiosos dos

impactos ambientais a considerar os pesos variados da localização, distância, topografia,

características geológicas, morfológicas, distribuição da terra, crescimento populacional, estruturação

social do espaço urbano e processo de seletividade suburbana ou segregação espacial (COELHO,

2004).

Para distinguir diferenciações no processo de transformação espacial, “Corrêa (1997) ressalta (...) sobre

meio ambiente e metrópole: (...) o meio ambiente é mutável sem que as formas espaciais existentes tenham

mudado substancialmente. E por tratar de uma espacialidade situada no bojo de uma sociedade de classes,

desigual, a espacialidade implica desigualdades, refletindo e condicionando a sociedade de classes e

tendendo à reprodução das desigualdades.” (COELHO, 2004, p.37)

Políticas públicas, entre as quais a erradicação da pobreza ou a proteção do ambiente, por

exemplo, são consideradas como resultado de uma luta entre interesses de classe, negociados pelo e

com o Estado. A maior equidade na alocação de recursos e de investimentos depende, quase sempre,

da ampliação da representatividade dos grupos sociais (COELHO, 2004)

Mas, associar a noção de “sustentabilidade” à ideia de que existe uma forma social durável

de apropriação e de uso do meio ambiente dada pela própria natureza das formações biofísicas, por

exemplo, significa ignorar a diversidade de formas sociais de duração dos elementos da base material

do desenvolvimento (ACSELRAD, 2001).

Como convém a um país onde as leis são aplicadas de acordo com as circunstâncias, o chamado Plano

Diretor está desvinculado da gestão urbana. Discurso pleno de boas intenções, mas distante da prática. (...)

A habitação social, o transporte público, o saneamento e a drenagem não tem o status de temas importantes

(ou centrais, como deveria ser) para tal urbanismo (MARICATO, 2007, p.64).

O que poderia ser uma oportunidade de desenvolvimento de propostas endógenas mais

sensíveis à práxis urbana da cidade periférica – o fim do planejamento funcionalista modernista – dá

lugar a outro movimento de dominação técnica, cultural, ideológica e política da periferia do

capitalismo: o Plano Estratégico (MARICATO, 2007).

Em nível local, o Planejamento Estratégico, cumpre um mesmo papel de desregular,

privatizar, fragmentar, e dar ao mercado um espaço absoluto. Ele reforça a ideia de cidade autônoma,

a qual necessita instrumentar-se para competir com as demais na disputa por investimentos,

tornando-se uma “máquina urbana de produzir renda” (ARANTES, 2000 apud MARICATO, 2007,

p.66).

A cidade como “ator político” (...) trata-se da “cidade corporativa” ou da “cidade pátria” que cobra o

esforço e o “consenso” de todos em torno dessa visão abrangente de futuro. Para tanto ela deve preparar-se,

e apresentar alguns serviços e equipamentos exigidos de todas as cidades globais (...). Trata-se agora da

“cidade mercadoria” (deve vender-se) e da “cidade-empresa” (que deve ser gerenciada como uma empresa

privada competente) (VAINER, 2000 apud MARICATO, 2007, p.66).

No entanto, a planificação urbana é voltada para os aspectos da cidade cujo tratamento

agrava os problemas, em vez de resolvê-los. Esta é a planificação preocupada com aspectos

singulares e não com a problemática global, planificação mais voltada para o chamado crescimento

econômico quando o que se necessita é de uma planificação sociopolítica que esteja de um lado

preocupada com a distribuição dos recursos sociais e, de outro, consagre os instrumentos políticos de

controle social, capazes de assegurar a cidadania plena (SANTOS, 2009b).

Com isso, é necessário entender que a crise ambiental decorre do sucesso do modo de

produção que provoca, contraditoriamente, problemas sociais e ambientais. Por isso, compreender o

processo de produção de mercadorias e desvendar causas e agentes da poluição do ar, do solo, das

águas, bem como dos desmatamentos e da perda da das diversidades biológicas e sociais determina

que a crise não seja do modo de produção, mas sim, provocada por ele.

A manutenção do paradigma ambiental implica atribuir a origem dos problemas ao consumo

e aos consumidores, sem apontar o sucesso do modo de produção, que continua a produzir mais e

mais mercadorias e a obsolescência programada (RODRIGUES, 2011).

“É um equívoco pensar que problemas urbanos podem ser resolvidos sem solução da

problemática social. É esta que comanda e não o contrário”. (SANTOS, 2009b, P.125)

3. Aspectos da Produção do Espaço no Território da Bacia do Itajaí

A Bacia do Rio Itajaí é a maior bacia da vertente atlântica do Estado de Santa Catarina, com

uma área de 15.500 km2, correspondendo a 16,15% do território catarinense. A área da bacia abarca

47 municípios e possui em torno de um milhão de habitantes, dos quais 76% concentram-se nos

centros urbanos.

As primeiras áreas de ocupação no processo de colonização foram na foz do rio Itajaí,

seguindo da região do médio vale por volta de 1850. A colonização do alto vale do rio Itajaí ocorreu

em torno de trinta anos depois, pela constituição de pequenas propriedades, algumas vezes

incentivadas por projetos de colonização (JOHNSSON & LOPES, 2003).

3.1 A Produção do Espaço no Território

A ocupação e formação territorial da Bacia do Itajaí teve início a partir de Itajaí, no Baixo

Vale, mas foi estruturada a partir da Colônia Blumenau, no Médio Vale. A ocupação do Alto Vale é

mais recente e deu-se a partir do Médio Vale. Blumenau e Brusque são os pontos a partir dos quais

os Rios Itajaí-açu e Itajaí Mirim, descendo o Planalto, tornam-se navegáveis, escoando o comércio

da sua hinterland para o Porto de Itajaí (FAAVI, 2010).

Os pequenos núcleos, que se desenvolveram a montante desses dois centros, atenderam aos

habitantes de seus vales, mas convergiram para a realização de suas trocas vitais em Blumenau e em

Brusque, as quais concentraram seus interesses econômicos e, desta forma, desenvolveram-se como

centros regionais.

No final do período regencial, a economia brasileira começara a apresentar sinais de

recuperação, graças ao surgimento de uma nova lavoura de exportação, a cafeeira. O café era

cultivado, a princípio, apenas para consumo doméstico e local. No começo do séc. XIX, o café se

transformou em um produto economicamente importante para o país.

Em 1847, os alemães Hermann Bruno Otto Blumenau, junto com Fernando Hackradt, foram

incentivados a percorrer o sul do Brasil com o objetivo de estabelecerem uma colônia germânica de

povoamento. Em 1848, escolheram o território nas margens do Rio Itajaí-Açu com a extensão que

fosse necessária para estabelecer o maior número possível de famílias (IBGE/Cidades, 2010).

Em 1849, obteve do Presidente da Província a concessão de duas léguas quadradas de terras

e nela construiu um engenho de serrar madeira e alguns ranchos. Nessa época, dissolvia-se em

Hamburgo a Sociedade de Proteção aos Emigrantes Alemães, a qual Herman Blumenau trabalhava.

A ocorrência modificou os planos do pioneiro que, apesar de dispor de recursos insuficientes,

constituiu com Fernando Hackradt a empresa exploradora Blumenau & Hackradt, a fim de

prosseguir em seu intento (IBGE/Cidades, 2010).

Nesta época, vários cafeicultores paulistas forçados pela escassez e encarecimento do

trabalhador escravo, começaram a trazer colonos europeus para suas fazendas. A mão-de-obra

assalariada, porém, só se tornaria importante na economia brasileira depois de 1870, quando o

governo imperial passou a subvencionar e a regularizar a imigração, e os proprietários rurais se

adaptaram ao sistema de contrato de colonos livres. Mais de um milhão de europeus imigraram para

o Brasil em fins do século XIX (Singer, 1977).

Em setembro de 1850 é feita a Fundação da Colônia de Blumenau, as margens do Rio Itajaí-

Açu, mas, os recursos próprios de H. Blumenau não eram suficientes para manter o nível de

investimentos à altura das necessidades do desenvolvimento da colônia. Pois, a busca de imigrantes

para a colônia implicava gastos elevados na Alemanha, pagando agentes recrutadores, publicidade,

financiamento de passagens de parte dos imigrantes, etc.

Mas, em fins de 1858 a situação estava desesperadora, pois a colônia estava longe de

permitir a recuperação do capital investido, exigindo ainda maiores inversões. O fator fundamental a

que se devia esta situação, é que a colônia não tinha se ligado firmemente a uma economia de

mercado, ou seja, não se inseriu numa divisão de trabalho nacional ou internacional (SINGER,

1977).

A colônia só poderia proporcionar lucros em longo prazo a após maciças inversões de

capital, para as quais H. Blumenau não possuía recursos. Então, em 1859, foi proposta compra da

Colônia de Blumenau para o governo Imperial. E assim ocorreu, sendo H. Blumenau escolhido como

diretor da colônia e recebendo salário mensal como funcionário público.

É importante observar que ambos os períodos se deram sob o reinado de D. Pedro II e a Lei

Eusébio de Queiroz e, ainda sem, a subvenção “oficial” do governo imperial à vinda de mão-de-obra

assalariada da Europa. Em 1865, o governo Imperial comissiona H. Blumenau para, na Alemanha,

incentivar a vinda de seus compatriotas ao império brasileiro. Com isso, entre 1856 e 1869 a grande

maioria dos imigrantes chegados ao império se encaminhou à Colônia de Blumenau (SINGER,

1977).

Assim, na década de 1860, a Colônia de Blumenau já começa a se tornar um centro econômico de alguma

importância na região, a ponto de atrair migrantes brasileiros. Em 1868 o governo enviou à colônia uma

comissão de engenheiros e agrônomos para facilitar a instalação dos colonos em seus lotes. (...) O

estabelecimento de linhas comerciais era justificável economicamente a partir de certo volume mínimo de

produtos a serem transacionados. Então, em 1860, intensifica a navegação no Rio Itajaí e o hinterland do

porto, quando a colônia de Blumenau já tinha mais de 5.000 habitantes e ao seu lado surgem outras (como

a de Itajaí e Brusque em 1860) (Singer, 1977, p.107).

Em 1873 o distrito criado com a denominação de Blumenau, pela lei provincial nº 694, de

31¬07-1873, subordinado ao município de Itajaí (IBGE/Cidades, 2010).

Até o final do séc. XIX, se realizava o comércio a varejo pelo escambo de produtos, ou seja,

sem dinheiro nas transações. O colono dirigia-se a um “vendista” e trocava seus produtos

agropecuários por outros, geralmente manufaturados. O “vendista” por sua vez revendia os produtos

aos atacadistas, que eram geralmente exportadores e importadores que negociavam os produtos. O

próprio “vendista” não era um comerciante especializado, e sim um agricultor que dedicava seu

tempo ao comércio por estar mais próximo das vias de acesso ou das vilas (Singer, 1977).

Só com a monetização crescente da produção camponesa, com a expansão da indústria local,

foi possível uma divisão de trabalho entre campo e cidade.

A fundação da Colônia Blumenau, em 1850, e posteriormente da Colônia Brusque, em 1860,

foram os primeiros passos para a formação da Rede Urbana do Vale do Itajaí, pois foi o seu

desenvolvimento que possibilitou a consolidação das povoações de Itajaí e do Baixo Vale, e que

alavancou a ocupação do Alto Vale do Itajaí. Isto mostra que o relevo condicionou fortemente a

ocupação dessa região, o que permitiu uma forte identificação com a Bacia do Itajaí (FAAVI, 2010).

Em 1879, um jovem imigrante, Hermann Hering, adquiriu um tear circular em Joinville e montou uma

tecelagem familiar na colônia de Blumenau. Os produtos encontram mercado e foram adquiridos mais

teares movidos por uma roda de água, e posteriormente pelo vapor. O mercado inicial era a, então,

província de Santa Catarina, com as colônias vizinhas e as cidades do litoral como N.S. do Desterro

(Singer, 1977, p.116)

Em 1880, a colônia é elevada à categoria de vila com a denominação de Blumenau, pela lei

provincial nº 860, de 04-02-1880, desmembrado de Itajaí (IBGE/Cidades, 2010). Antes, porém, que a

passagem da colônia para vila autônoma pudesse ser realizada, ocorreu uma enchente do Rio Itajaí,

que causou grande prejuízo, levando o governo imperial a adiar a instalação do governo municipal de

Blumenau para 1883.

As enchentes no Vale do Rio Itajaí constituem um dos maiores problemas da bacia e

remontam ao processo de assentamento dos primeiros núcleos humanos na região, em meado do

século XIX. Tal sistema resulta das condições naturais da bacia hidrográfica, mas é acentuada por

uma contínua sobrecarga da capacidade assimilativa e regenerativa do ambiente natural exercida pelo

processo de produção do espaço estabelecidos pela colonização estrangeira (THEIS et al., 2000).

Com o início do processo de industrialização, houve a expansão da rede de transporte para

articular os mercados urbano e rural e o sistema comercial (posterior aos “vendistas”), que para

distribuir os produtos industriais adquiriu autonomia deixando de lado a atividade agrícola e se

dedicando ao caráter mais capitalista.

Em 1883, a antiga vila de Blumenau é constituída de três distritos: Blumenau, Indaial e

Gaspar. Instalado em janeiro de 1883 (IBGE/Cidades, 2010). Neste ano, verifica-se o aumento dos

engenhos de açúcar e de mandioca, cujos produtos constituem importantes artigos de “exportação”.

Também, os engenhos de arroz e as serrarias se multiplicavam.

Os produtos agropecuários exportados continuam basicamente os mesmos: tábuas de

madeira, açúcar, cachaça, farinha de mandioca, feijão, fumo em folha, milho, manteiga, banha,

conservas de carne, ovos e aves. Com os principais compradores os novos imigrantes de Brusque e

outras colônias, mas os camponeses blumenauenses não conseguem vender todo o excedente

agropecuário pelo fato de sua economia ser baseada na pequena produção autossuficiente, tendo

como excedente os mesmos tipos de produtos (mesmo valor de uso), como açúcar, farinha de

mandioca, arroz, laticínios, etc. Com isso, tenta introduzir no Rio de Janeiro a manteiga, banha,

presunto, mas fracassam. (Singer p.110-111)

A solução foi estabelecer dentro da área colonial uma divisão de trabalho não mais baseada

na economia de subsistência-artesanato, mas na economia de mercado-indústria. Tão logo as

condições o permitiram esta solução foi aplicada. (Singer p.111)

A ocupação territorial do Vale do Itajaí, seguida pelo desenvolvimento da Colônia Blumenau

e pela industrialização do Vale, levou à formação de uma rede urbana nos moldes tradicionais, com

municípios polos exercendo sua centralidade em relação a uma hinterland de base

predominantemente agrícola.

A fixação de contingentes humanos em atividades primárias de subsistência, inicialmente com modesta

comercialização de excedentes e sob necessidades de minimizar despesas mediante processamento de

matérias-primas, o processo de colonização policultora implicou no gradativo surgimento de indústrias

rurais, absorvedoras de considerável força de trabalho das colônias (LAGO, 1999, p.70).

Conforme Lago (1999), nos espaços rurais e urbanos catarinenses a orientação geral de

ocupação, com fortes motivações de uso da terra como recurso agronômico e extrativista vegetal

segue uma tendência de histórica em que as relações homem/terra se intensificam nos espaços rurais,

mas se refletem de forma contundente em restritos ambientes urbanos, onde se concentram os efeitos

da construção antrópica.

Entre 1883 e 1886, são fundadas várias tecelagens, uma empresa de curtume, a primeira

fundição para fabricação de peças de ferro para máquinas de cortar forragens, moinhos e serrarias, e

ainda, duas tipografias.

No Estado de Santa Catarina, o primeiro governador do estado de Santa Catarina, nomeado

por Deodoro da Fonseca, foi o tenente Lauro Severiano Müller. Mais tarde confirmado pela

constituinte de 1891, foi logo deposto com a saída de Deodoro. Uma vez deflagrada, a revolução

federalista do Rio Grande do Sul teve pronto reflexo em Santa Catarina (IBGE/Cidades, 2010).

Seguiu-se uma época de instabilidade política, com sérios entrechoques provocados por

motivos locais ou mesmo municipais, e agravados pelos acontecimentos no resto do país. Após a

revolta da armada, Santa Catarina foi palco de numerosos episódios da revolução federalista.

Em 1894, a vila é elevada à condição de cidade, pela lei estadual nº 197, de 28-07-1894

(IBGE/Cidades, 2010).

Houve no perío 1889-1900, um aumento nas exportações de Blumenau, porém graças à

severa desvalorização da moeda brasileira com o “encilhamento” (proposto por Rui Barbosa).

Porém, entre 1890-1910, o desenvolvimento industrial foi mais lento que na década anterior, pois

dependia muito do crescimento da população da região do Vale do Itajaí e Litoral Catarinense. Mas,

ocorre também certa concorrência, no mercado regional, com tecelagens fundadas em Brusque no

período (Singer, 1977).

Em 1907, é fundada a Caixa Econômica sob o nome de “Sindicato Agrícola”, mas composta

pelos industriais Bruno Hering e A. Schrader (da Hering e da Têxtil Garcia e Cremmer que produzia

gazes medicianais), este último também era o então prefeito da cidade. A partir desta época pôde a

indústria de Blumenau (assim como a agricultura e comércio) contar com financiamentos de origem

local. (Singer p.119)

Em 1909, é iniciada a indústria de laticínios (não caseira), como outras indústrias de base

agropecuária (de fécula, banha, etc.) que se desenvolveriam durante a Primeira Guerra Mundial.

Assim, entre 1907-1909, concluíram-se vários empreendimentos (estrada de ferro, banco, usina

hidrelétrica) que havia de proporcionar as condições para um novo impulso industrializador. (Singer

p.119)

Em 1911 houve enchente, que contou com ajuda federal e estrangeira, e com as sobras dos

donativos houve a conclusão da Ponte do Salto.

Essas sobrecargas (enchentes) incluem a ausência de matas ciliares ao longo dos rios, dadas

a ocupação indevida nas encostas, a descaracterização da paisagem natural do relevo por aterros e

cortes, a intensificação do desmatamento, as práticas agrícolas inadequadas com o uso intensivo do

solo (JOHNSSON & LOPES, 2003).

Em linhas gerais houve integração da economia de Blumenau numa divisão do trabalho

nacional e internacional referente aos produtos industriais. A indústria de Blumenau aproveita de um

processo de substituição de importações, e ganha o mercado nacional com seus produtos, tendo em

1916 os tecidos como destaque na pauta. (Singer, 1977).

Com a Primeira Guerra Mundial, houve redução nas importações globais de Blumenau, pois a sua maioria

era proveniente do exterior. Durante a Primeira Guerra, fundou-se a primeira fábrica de fécula, e adquriram

características industriais as fábricas de banha, derivados de carne, de conservas, e de beneficiamento de

arroz; expandiram-se ainda a indústria de fiação e tecelagem e de metalurgia (Singer, 1977, p.119).

Em 1925, houve nova enchente. O processo de integração da economia no todo nacional se

manteve estável, nos anos da guerra, indicando que os produtos blumenauenses não substituíram

produtos importados no mercado nacional. “Assim, aprofundava-se a divisão do trabalho entre

campo e cidade, com expansão da indústria e substituição da agricultura de subsistência pela

agricultura comercial” (Singer, 1977, p.124).

O expressivo contingente rural catarinense ainda presente, mesmo a despeito da velocidade

da urbanização, está intimamente relacionado à forte influência da imigração estrangeira, em grande

parte orientada para o uso da terra agrícola em substanciais extensões espaciais estruturadas em

pequenas propriedades familiares (LAGO, 1999).

Durante e após a 1ª. Guerra Mundial já havia numerosos comerciantes locais que se

dedicavam à exportação de banha, manteiga, arroz, madeira e fécula para o Rio de Janeiro e São

Paulo com correspondentes nestas praças.

Neste contexto, o comerciante Feddersen se destaca ao conceder crédito aos lavradores e

estabeleceu filiais em todo o Vale do Itajaí (de modo a superar o sistema antigo de vendas),

promovendo a exportação de fumo e melhorando sua qualidade.

Novas malharias e tecelagens foram criadas e o parque industrial de Blumenau se

diversificaou com fábricas de chocolate (em 1923 e 1928); de chapéus (1923); de papelão (1928), de

móveis (1929), de gaitas (1923); de ferramentas agrícolas (1925).

Nos anos 1930, surgem mais tecelagens e empresas ligadas ao ramo (gazes medicinais,

camisas, linhas para bordados) e uma fábrica de calçados e artefactos de couro. Uma revolução

tecnológica teve lugar na fiação e tecelagem, com substituição da mão-de-obra por máquinas e

intensa concentração do capital. Blumenau e Brusque que, já eram centros têxteis importantes,

conseguem se adaptar bastante bem a este período de reajustamento (FAAVI, 2010).

A partir da década de 30, uma série de desmembramentos é efetuada com base no município

de Blumenau: Rio do Sul (1930), Ibirama (1934), Timbó (1934), Indaial (1934), Gaspar (1934) e

Rodeio (1936).

Em 1938, pelo decreto-lei estadual nº 86, de 31-03-1938, desmembra do município de

Blumenau os distritos de Indaial e Ascurra. Para formar o novo município de Indaial. Sob a mesma

lei acima citado desmembra o distrito de Gaspar. Elevado à categoria de município (IBGE/Cidades,

2010).

Na década de 40 ocorreram apenas dois desmembramentos: de Bom Retiro nasce Ituporanga

(1948) e de Rio do Sul nasce Taió (1948). No final da década de 50 e início dos anos 60 foram

retomados os desmembramentos com a criação de 31 novos municípios. Foi a partir daí que o Vale

do Itajaí se dividiu em três regiões: o Alto Vale, ligado à expansão da fronteira agrícola e à

exploração florestal; o Médio Vale, com Blumenau e Brusque atendendo com suas indústrias têxteis

o mercado nacional; e o Baixo Vale, vinculado ao Porto de Itajaí (FAAVI, 2010).

A Rede Urbana do Vale do Itajaí estruturou-se no modelo hierárquico tradicional. No

entanto, uma nova hierarquia urbana está se formando, com base na globalização da economia, que

renova também a economia urbana.

As melhorias nos sistemas de transporte e de comunicação possibilitam a descentralização

industrial, o que altera o esquema hierárquico tradicional das redes urbanas, intensificando as trocas

entre os diversos níveis urbanos e regionais.

Neste modelo, os municípios estão organizados funcional e hierarquicamente em três sub-

redes, articuladas entre si, localizadas no Alto, Médio e Baixo Vale, e polarizadas, respectivamente

por Rio do Sul, Blumenau e Itajaí. O centro regional de toda a rede urbana é Blumenau, sendo Itajaí

o ponto de articulação com o exterior através da BR-101 e do porto (FAAVI, 2010).

Está se materializando, portanto, uma nova divisão interurbana do trabalho, com o

desmantelamento da hierarquia urbana tradicional, na qual determinados bens e serviços só eram

encontrados nos centros de posição hierárquica mais elevada.

Até recentemente, o modelo capitalista de industrialização levava, pelas leis da economia de

escala e da economia de aglomeração, a uma concentração industrial nas cidades-pólo. Foi o que

aconteceu no Vale do Itajaí até meados dos anos 80, especialmente na região do Médio Vale, onde a

centralidade de Blumenau inibiu o surgimento de uma série de funções urbanas nas cidades vizinhas,

como Pomerode, Gaspar e Indaial.

Os desmembramentos mais recentes ocorreram no fim dos anos 80 e início dos anos 90,

resultando num total de 52 municípios na região do Vale do Itajaí, dois quais 47 fazem parte da bacia

do Itajaí. As emancipações geram autonomia política e administrativa, mas nem sempre asseguram

autonomia financeira. Ao longo do tempo, o vínculo socioeconômico entre os municípios

emancipados e os municípios-mãe tende a permanecer, reforçando as interações funcionais da rede

urbana, como é o exemplo dos municípios de Pomerode e Indaial com Blumenau (IBGE/Cidades,

2010).

Na década de noventa esta situação começa a ser gradativamente alterada, com a

desconcentração espacial das atividades econômicas, expressa no deslocamento de capitais e mão-

de-obra qualificada para centros intermediários. As enchentes de 83 e 84 marcam esta mudança, que

já se fazia sentir no elevado custo da terra, na falta de áreas planas propícias à urbanização, na

elevação do custo da mão-de-obra.

A análise das taxas de crescimento dos municípios do Vale do Itajaí indica um crescimento

mais acelerado no Baixo Vale do Itajaí. O Alto Vale apresenta a menor taxa média de crescimento.

Já no Médio Vale, os municípios Indaial, Brusque e Gaspar cresceram mais aceleradamente do que

Blumenau.

No Baixo Vale as cidades que cresceram também são periféricas ao centro regional (Itajaí):

Balneário Camboriú, Camboriú, Itapema e Navegantes. No Alto Vale o fenômeno ainda não ocorre.

A incidência de municípios com taxa de crescimento total negativa é pequena, em geral, e levemente

superior no Alto Vale. No entanto, com as taxas de crescimento rural a situação é diferente, pois 69%

dos municípios estão perdendo população rural.

Por último, em relação à emancipação político-administrativa no Vale do Itajaí, pode-se

dizer que na medida em que as comunidades instaladas no Vale do Itajaí se desenvolveram, as

antigas colônias se transformaram em cidades e distritos.

A seguir foi elaborado um estudo de indicadores socioeconômicos e ambientais dos 47

municípios da bacia do Itajaí. O exercício obteve resultados da análise dos componentes principais

de variáveis municipais que pode ser utilizada como monitoramento e estudos sobre as atividades

econômicas predominantes e indicadores sociais, econômicos e ambientais.

3.2. Metodologia de Análise da Bacia do Itajaí

Com base em estudos executados, utilizando os softwares de versão free do SPSS 16.0 (ver

referências), sobre Análise dos Componentes Principais utilizando o Método de Ward (Kageyama,

2010) foram elaboradas as análises referentes aos dados de 47 municípios pertencentes à Bacia

Hidrográfica do Itajaí.

Os dados foram obtidos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE / Sidra e

IBGE / Perfil dos Municípios) e do cadastro de usuários de água da Secretaria de Estado de

Desenvolvimento Econômico e Sustentável de Santa Catarina (SDS / Sirhesc), e construídas algumas

das variáveis ou indicadores municipais que refletissem características relacionadas ao uso da água

na Bacia do Itajaí.

O índice de gestão dos recursos hídricos (Igrh), que mede a qualidade na adequação das

instituições municipais, condições do meio ambiente e ações de gestão dos recursos hídricos, foi

construído a partir dos Suplementos Especiais sobre Meio Ambiente no canal Perfil dos Municípios

Brasileiros do site do IBGE (ver Referências). Os dados dos Suplementos Especiais sobre Meio

Ambiente continham quatro tópicos principais, dos quais foram considerados apenas os itens

referentes aos 47 municípios da Bacia do Itajaí sobre: articulação institucional de meio ambiente;

recursos financeiros para o meio ambiente; legislação ambiental; meio ambiente e condições de vida

humana; recursos naturais (ar, água e solo) afetados; e ações de gestão dos recursos hídricos.

As variáveis consideradas foram referentes aos usos de água no meio rural da Bacia do Itajaí:

IRD (relação da demanda hídrica do usuário irrigação com a total); CRD (relação da demanda

hídrica do usuário pecuária com a total); CABSEST (cabeças de suínos por estabelecimento de

criação); RPOP (população rural dos municípios da bacia do Itajaí); GINI (índice de concentração de

renda municipal); YPC (renda per capta municipal); AREEST (área de estabelecimentos agrícolas do

total municipal, que variam entre o ponto mínimo e máximo de 2,39 e 122, 16 hectares); e IGRH

(índice de gestão dos recursos hídricos).

Análise dos Componentes Principais

Nesta análise a avaliação das diversas variáveis é feita considerando-se o padrão de

agrupamento realizado a partir da distância euclidiana média. A importância relativa dos caracteres é

avaliada pelo método dos componentes principais, em que as variáveis são identificadas a partir dos

elementos dos autovetores associados aos menores autovalores da matriz de correlação entre os

dados originais.

Tabela 1 – Percentual de variância explicada entre as variáveis

Fonte: Autor (SPSS 16.0)

Utilizando o Método de Rotação Varimax (SPSS ) obtiveram-se três componentes com

mais de 65% de variância explicada. No Componente 1 as variáveis com maior explicação são:

RPOP com +0,859; e YPC com -0,865. No Componente 2 as variáveis explicativas são: AREEST

com +0,754; CABSEST com +0,762; e IGRH com -0,794. No Componente 3 as variáveis

explicativas são: IRD com -0,755; CRD com +0,729; e GINI com +0,561.

Tabela 2 – Método de Rotação Varimax (SPSS)

Fonte: Autor (SPSS 16.0).

A interpretação dos resultados dos componentes principais seria que no Componente 1 as

variáveis com maior correlação (RPOP com +0,859 e YPC com -0,865) estão influenciando este

fator 1 com a determinação de que “municípios com grande população rural apresentam baixa

renda”, ou seja, municípios rurais com baixa renda.

No Componente 2 as variáveis com maior correlação (AREEST com +0,754; CABSEST

com +0,762; e IGRH com -0,794) estão influenciando este fator 2 com a determinação de que

“municípios com grande agropecuária apresentam pior gestão dos recursos hídricos”, ou seja,

municípios agropecuários com baixo IGRH.

Já, no Componente 3 as variáveis com maior correlação (IRD com -0,755; CRD com +0,729;

e GINI com +0,561) estão influenciando este fator 3 com a determinação de que “municípios com

alta demanda hídrica para pecuária e com concentração de renda têm baixa demanda hídrica para

agricultura”, ou seja, municípios com pecuária e concentração de renda.

Método de Ward

Neste método, consideram-se, para formação inicial do grupo, aqueles dados que

proporcionam a menor soma de quadrados do desvio. Admite-se que, em qualquer estágio, há perda

de informações, em virtude do agrupamento realizado, o qual pode ser quantificado pela razão entre

a soma de quadrados dos desvios e a soma de quadrados total dos desvios.

Então, a soma de quadrados dos desvios dentro é calculada considerando-se apenas os

acessos dentro do grupo, e a soma de quadrados dos desvios total é calculada levando-se em conta

todos os indivíduos disponíveis para a análise de agrupamento. A análise é feita a partir das somas de

quadrados dos desvios entre acessos ou, alternativamente, a partir do quadrado da distância

euclidiana.

Assim, a partir das variáveis dos 47 municípios da Bacia do Itajaí foram considerados, após

análise do “dendograma”, quatro “clusters” com fatores extraídos, e então foram construídos os

Gráficos dos Scores (municipais) confrontando os três componentes principais, ou seja, C1 com C2,

e C2 com C3.

Gráfico 1 – Scores entre Componente 1 e Componente 2

Fonte: Autor (SPSS 16.0)

Onde, o Cluster 1 (verde claro) – a maior parte dos é composta por municípios rurais de

baixa renda per capta que apresentam baixa participação agropecuária e equilibrado IGRH. Mas, há

municípios que apresentam grande participação agropecuária e pior IGRH.

O Cluster 2 (amerelo) – a maior parte é composta, também, por municípios rurais de baixa

renda per capta que apresentam baixa participação agropecuária e equilibrado IGRH. Com exceção

de ITU, AGR, PRN, PRG e LAU com maior participação agropecuária e pior IGRH.

O Cluster 3 (verde escuro) – a maior parte é composta por municípios não rurais (urbanos)

de alta renda per capta que apresentam baixa participação agropecuária e melhor IGRH. Com

exceção de RIS, GUA, ITA, ILH e IND com grande participação agropecuária e pior IGRH.

O Cluster 4 (vermelho) – é composto pelo município rural de TRO de baixa renda per capta

que apresenta grande participação agropecuária e o pior IGRH.

Gráfico 2 – Scores entre Componente 2 e Componente 3

Fonte: Autor (SPSS 16.0)

Onde, O Cluster 1 (verde claro) – a maior parte dos é composta por municípios com alta

demanda hídrica agrícola e renda menos desigual que apresentam equilibrado IGRH. Mas, há

municípios que apresentam grande participação agropecuária e pior IGRH, como BEN, ITU, POU,

MIR e GUA.

O Cluster 2 – a maior parte é composta por municípios com alta demanda hídrica pecuária e

renda mais desigual que apresentam baixa participação agropecuária e melhor IGRH. Com exceção

de SAL, AGL, LAU, PRN e DON com maior participação agropecuária e pior IGRH que os outros

municípios do grupo.

O Cluster 3 - a maior parte é composta por municípios com pouca demanda hídrica agrícola

e pecuária (urbanos) e renda com pouca desigualdade que apresentam baixa participação

agropecuária e melhor IGRH. Com exceção de RIS, GUA, ITA e ILH com grande participação

agropecuária e pior IGRH que os outros municípios do grupo.

O Cluster 4 – é composto pelo município de TRO com alta demanda hídrica pecuária e renda

muito desigual que apresenta grande participação agropecuária e o pior IGRH.

Com isso, pode-se estudar, mesmo que parcialmente, a formação socioespacial, a

configuração territorial e a heterogeneidade espacial, encontradas no território da Bacia Hidrográfica

do Itajaí, na região do Vale do Itajaí. Os municípios com predomínio das atividades pecuárias

apresentaram o IGRH mais alto, indicando, talvez, a necessidade de melhor controle e participação

municipal nas questões ambientais e ações ligadas aos recursos hídricos.

Nota-se o crescimento da pecuária nas últimas décadas, sendo representada na análise pela

criação de suínos com presença marcante no Alto e Médio Vale, ocorrendo criação de bovinos

principalmente no Baixo Vale junto à atividade agrícola da rizicultura.

4. Considerações Finais

No Brasil, a planificação está preocupada com aspectos singulares e não com a problemática

global, é a planificação para o crescimento econômico, mas o que se necessita é de uma planificação

sociopolítica que minimize a problemática ambiental urbana.

Por isso, a crise ambiental decorre do sucesso do modo de produção que provoca,

contraditoriamente, problemas sociais e ambientais. E compreender o processo de produção de

mercadorias e desvendar causas e agentes da poluição, desmatamentos e perda ecológicas e sociais.

Com isso, o estudo da produção do espaço, em determinado território como o da bacia do

Itajaí, serve para identificar o processo da configuração territorial e da heterogeneidade espacial

acrescentando características socioambientais do recorte hidrográfico por meio de análise estatística

de indicadores municipais sociais, econômicos e ambientais.

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