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Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ambientais e a justiça espacial em Natal-Brasil Rubenilson Teixeira, Ruth Ataíde I. Introdução A cidade do Natal, capital do estado do Rio Grande do Norte (Brasil), é um campo privilegiado para o estudo dos conflitos socioespaciais e ambientais na busca da justiça espacial. Situada num sítio urbano frágil, caracterizado e delimitado por dunas, mangues, rio e mar, Natal tem sido palco de conflitos permanentes entre a necessidade de conciliação do crescimento urbano, por um lado, e de proteção ambiental, por outro. O presente trabalho, que se propõe a analisar essa questão, está estruturado em quatro seções, além da introdução e conclusão. Na primeira, e a título de contextualização, apresentamos um breve resgate do processo histórico de crescimento ou de expansão físico-territorial da cidade. Na segunda seção, discutimos a natureza conceitual dos conflitos que fundamentam a presente discussão, assim como a sua materialização no espaço. Nesse contexto, destacamos os conflitos socioambientais que decorrem dessa expansão ao longo das três últimas décadas, começando por volta de 1980, por razões que serão explicitadas no momento oportuno. Nessa seção, também analisamos o papel mediador e os limites da gestão urbana para conciliar os conflitos existentes entre a necessidade de crescimento urbano e a proteção ambiental, tomando como referência os instrumentos reguladores, especialmente os Planos Diretores, e os atores governamentais envolvidos na perspectiva da justiça espacial. Na terceira seção, dedicamos atenção a duas situações emblemáticas para o objeto da discussão aqui apresentada, presentes no município de Natal, uma vez que ambas representam o esforço da sociedade para consolidação das estratégias de gestão urbana dirigidas à efetivação do direito à cidade. Trata-se dos processos de regulamentação e consolidação das Áreas Especiais de Interesse Social de Mãe Luiza e de Ponta Negra, exemplos, por excelência, de que os conflitos socioambientais ali existentes são inerentes à própria constituição do lugar. Na quarta seção tecemos algumas considerações finais,

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Page 1: Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ... · Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ambientais e a justiça espacial em Natal-Brasil Rubenilson Teixeira,

Uma cidade em conflito questotildees socioespaciais e ambientais e a justiccedila

espacial em Natal-Brasil

Rubenilson Teixeira Ruth Ataiacutede

I Introduccedilatildeo

A cidade do Natal capital do estado do Rio Grande do Norte (Brasil) eacute

um campo privilegiado para o estudo dos conflitos socioespaciais e ambientais

na busca da justiccedila espacial Situada num siacutetio urbano fraacutegil caracterizado e

delimitado por dunas mangues rio e mar Natal tem sido palco de conflitos

permanentes entre a necessidade de conciliaccedilatildeo do crescimento urbano por

um lado e de proteccedilatildeo ambiental por outro

O presente trabalho que se propotildee a analisar essa questatildeo estaacute

estruturado em quatro seccedilotildees aleacutem da introduccedilatildeo e conclusatildeo Na primeira e

a tiacutetulo de contextualizaccedilatildeo apresentamos um breve resgate do processo

histoacuterico de crescimento ou de expansatildeo fiacutesico-territorial da cidade Na

segunda seccedilatildeo discutimos a natureza conceitual dos conflitos que

fundamentam a presente discussatildeo assim como a sua materializaccedilatildeo no

espaccedilo Nesse contexto destacamos os conflitos socioambientais que

decorrem dessa expansatildeo ao longo das trecircs uacuteltimas deacutecadas comeccedilando por

volta de 1980 por razotildees que seratildeo explicitadas no momento oportuno Nessa

seccedilatildeo tambeacutem analisamos o papel mediador e os limites da gestatildeo urbana

para conciliar os conflitos existentes entre a necessidade de crescimento

urbano e a proteccedilatildeo ambiental tomando como referecircncia os instrumentos

reguladores especialmente os Planos Diretores e os atores governamentais

envolvidos na perspectiva da justiccedila espacial Na terceira seccedilatildeo dedicamos

atenccedilatildeo a duas situaccedilotildees emblemaacuteticas para o objeto da discussatildeo aqui

apresentada presentes no municiacutepio de Natal uma vez que ambas

representam o esforccedilo da sociedade para consolidaccedilatildeo das estrateacutegias de

gestatildeo urbana dirigidas agrave efetivaccedilatildeo do direito agrave cidade Trata-se dos

processos de regulamentaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo das Aacutereas Especiais de

Interesse Social de Matildee Luiza e de Ponta Negra exemplos por excelecircncia de

que os conflitos socioambientais ali existentes satildeo inerentes agrave proacutepria

constituiccedilatildeo do lugar Na quarta seccedilatildeo tecemos algumas consideraccedilotildees finais

sobre as perspectivas de efetivaccedilatildeo das accedilotildees tendo em vista a adoccedilatildeo de

estrateacutegias voltadas para a conciliaccedilatildeo dos conflitos analisados

II Da ldquoNatal natildeo haacute talrdquo para a Natal com pretensotildees metropolitanas

Natal fundada em 1599 eacute uma das mais antigas cidades do Brasil No

entanto ainda que a sua expansatildeo fiacutesica e populacional tenha sido uma

constante o seu crescimento foi extremamente lento ateacute o iniacutecio do seacuteculo XX

Em meados do seacuteculo XVIII por exemplo sua populaccedilatildeo natildeo atingia mil

habitantes Era entatildeo uma cidade pequena e precaacuteria de modo que segundo

um ditado popular de entatildeo se dizia que ldquoNatal natildeo haacute talrdquo um trocadilho ou

jogo de palavras para expressar em tom jocoso a tacanhez da cidade

O crescimento de Natal se revela de modo mais evidente a partir do iniacutecio

do seacuteculo XX periacuteodo que eacute acompanhado por um processo relativamente

importante de modernizaccedilatildeo urbana1 que tambeacutem se expressa na segregaccedilatildeo

socioespacial que apenas se exacerbaraacute nas deacutecadas seguintes Durante a

Segunda Guerra Mundial esse processo se acelera efetivamente pois a

capital do Rio Grande do Norte serviu de base militar brasileira e

principalmente americana durante o conflito O municiacutepio de Natal que contava

55119 habitantes em 1940 totalizava 103215 pessoas dez anos depois em 7

de janeiro de 19502 representando um aumento espetacular de 8725 da

populaccedilatildeo em apenas uma deacutecada

Em termos fiacutesico-espaciais o crescimento da cidade daacute-se por um lado

pela consolidaccedilatildeo de bairros mais antigos e por outro pela expansatildeo de sua

malha urbana em praticamente todas as direccedilotildees No poacutes-guerra o seu

crescimento eacute marcado pelo surgimento de novas aacutereas de pobreza que

surgem inicialmente como assentamentos informais Eacute o caso de Brasiacutelia

Teimosa e Matildee Luiza entre as deacutecadas de 1950 e 1960 aacutereas perifeacutericas que

1 Infelizmente nos limites deste item cujo interesse maior se volta para o crescimento fiacutesico da

cidade natildeo eacute possiacutevel discorrer sobre as transformaccedilotildees em termos da dotaccedilatildeo de novos equipamentos urbanos e de infraestrutura visiacuteveis desde a primeira deacutecada do seacuteculo XX como expressatildeo da modernizaccedilatildeo Esses dados apenas reforccedilariam a constataccedilatildeo desse crescimento urbano mas natildeo cabem nos limites deste artigo 2 CLEMENTINO Maria do Livramento Miranda 1995 Economia e urbanizaccedilatildeo o Rio Grande

do Norte nos Anos 70 UFRN CCHLA Natal p 162

aos poucos elevam o seu padratildeo habitacional3 Nas deacutecadas de 1950 e 1960

contudo a imigraccedilatildeo para Natal continua importante Por um lado a estrutura

agraacuteria concentradora expulsa as populaccedilotildees rurais do campo e por outro o

esforccedilo de industrializaccedilatildeo do Nordeste que ocorre na deacutecada de 1960

provocando investimentos especialmente nas capitais via projetos da

Superintentecircncia de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) atrai grandes

contingentes populacionais Natal foi a terceira capital estadual do Nordeste a

receber em termos relativos o maior fluxo migratoacuterio na deacutecada de 19604

Outra caracteriacutestica desse crescimento se verifica pela formaccedilatildeo dos

loteamentos os primeiros dos quais surgem ainda durante a Segunda Guerra

Mundial Eles estatildeo na origem dos conjuntos habitacionais tatildeo presentes na

paisagem urbana de Natal Entre 1967 e 1978 o Banco Nacional da Habitaccedilatildeo

(BNH) financiou 25 conjuntos habitacionais na cidade totalizando 19 207

unidades Considerando uma estimativa de 5 pessoas por unidade esses

conjuntos abrigavam cerca de um quinto da populaccedilatildeo da capital potiguar

Mesmo assim em 1977 havia 10 000 casebres correspondendo 50 000

pessoas5 A cidade que tinha 160 253 habitantes em 1960 passa a ter 416

898 habitantes em 1980 segundo dados do IBGE6 um crescimento de 260

em apenas duas deacutecadas

No periacuteodo que se estende de 1941 ateacute o final da deacutecada de 1970 os

loteamentos e os conjuntos habitacionais que se lhes seguem se concentram

na regiatildeo sul da cidade do Natal confirmando o seu crescimento nessa

direccedilatildeo Neoacutepolis Cidade Sateacutelite Candelaacuteria Mirassol Ponta Negra e muitos

outros surgem ao longo desse periacuteodo Satildeo em geral destinados a estratos de

renda meacutedia da populaccedilatildeo Seja com for o crescimento da cidade em direccedilatildeo

ao sul do nuacutecleo inicial era inevitaacutevel uma vez que o Rio Potengi o Oceano

Atlacircntico e os cordotildees dunares a leste esbarravam a expansatildeo urbana nessas

direccedilotildees Desses limites o uacutenico que podia ser realmente transposto e mesmo

assim com dificuldade foi o Rio Potengi Visto no seacuteculo XIX como obstaacuteculo

3 A migraccedilatildeo rural-urbana que estaacute na origem desse processo foi consideraacutevel durante a

Segunda Guerra Mundial motivada principalmente pela busca de trabalho na capital potiguar 4 SOUZA Itamar de 1980 Migraccedilotildees Internas no Brasil Vozes Rio de Janeiro p 83-96 5 SOUZA ibid p 94-95 6 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE 1988 Anuaacuterio Estatiacutestico do

Brasil1987-1988 Vol48 IBGE Rio de Janeiro

ao crescimento e ao desenvolvimento econocircmico da cidade pois a isolava do

interior do mesmo modo que as dunas no seacuteculo XX Natal cresceu a ponto

de finalmente ldquoatravessarrdquo o Rio Potengi e se expandir pela sua margem

esquerda formando o que eacute hoje a sua Regiatildeo Administrativa Norte (RAN)

Isso terminou por incorporar em seu espaccedilo urbano o estuaacuterio do rio que antes

apenas delimitava a cidade fisicamente7 Esta Regiatildeo cresceu principalmente

atraveacutes dos chamados conjuntos habitacionais a partir do final da deacutecada de

1970 poreacutem se tornou uma aacuterea urbana perifeacuterica separada fiacutesica e

simbolicamente do restante da cidade pelo Rio Potengi8

A partir da deacutecada de 1970 e especialmente da deacutecada seguinte o

processo de ocupaccedilatildeo do solo se intensificou impulsionado tambeacutem pela

construccedilatildeo massiva dos conjuntos habitacionais horizontais promovidos pelo

Estado nas aacutereas entatildeo denominadas de expansatildeo urbana (Quadro 1 e Figura

1|) Posteriormente o processo se ampliou com a consolidaccedilatildeo da participaccedilatildeo

do capital imobiliaacuterio no processo de constituiccedilatildeo desse urbano a partir da

produccedilatildeo de moradias de padratildeo vertical e da infraestrutura de serviccedilos de

apoio turiacutestico especialmente nas franjas litoracircneas

Quadro 1 Evoluccedilatildeo do crescimento demograacutefico de Natal ndash 1960-2010

Ano Populaccedilatildeo Crescimento demograacutefico

1960-1970 1970-1980 1980-1991 1991-2000 2000-2010

1960 160 253 513 1970 264 379 466 1980 416 898 347 1991 606887 149 2000 712 317 121 2010 803739

Fonte Ataiacutede (2013) a partir de Ataiacutede (1997) IBGE (2000 2010) y SEMURB (2006 2010

2011)

Nesse contexto cabe destacar natildeo apenas o processo de produccedilatildeo

formal mas tambeacutem a produccedilatildeo informal de moradias que embora existente

7 Eacute verdade que ldquodo lado de laacuterdquo do rio havia dois nuacutecleos habitacionais Igapoacute e Redinha hoje

bairros que se relacionavam com a cidade De origem muito antiga ambos se confundem com o iniacutecio da histoacuteria de Natal Enquanto o primeiro era uma aldeia indiacutegena que foi contemporacircnea da fundaccedilatildeo da cidade a Redinha se encontra no mesmo local onde os primeiros moradores da cidade exploravam a pesca TEIXEIRA Rubenilson Brazatildeo 2015 O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23 8 SILVA Alexsandro Ferreira Cardoso da 2003 Depois das fronteiras a formaccedilatildeo dos

espaccedilos de pobreza na periferia Norte de Natal ndash RN Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Arquitetura e Urbanismo da UFRN Natal

pelo menos desde o iniacutecio do seacuteculo XX tambeacutem se ampliou e se espraiou em

todas as direccedilotildees do territoacuterio municipal a partir da deacutecada de 1980 (Figura 1)

Figura 1 ndash Evoluccedilatildeo da expansatildeo territorial com destaque para a participaccedilatildeo da produccedilatildeo formal de moradias promovida pelo estado ateacute a deacutecada de 1990

Antes de 1970 Depois da deacutecada de 1970

Fonte Ataiacutede (2013) a partir de Ataiacutede (1997) SEMTHAS UEM (2001) Morais (2004)SEMURB (2010) e UFRNFUNPECSEMTAS V 3 2004

Outro aspecto a considerar eacute que diferentemente de outros municiacutepios do

Rio Grande do Norte inclusive dos que compotildeem a sua Regiatildeo Metropolitana

Natal natildeo dispotildee mais de uma zona rural ou de expansatildeo Isso explica em

grande parte trecircs fenocircmenos recentes na dinacircmica urbana da cidade 1) o seu

crescimento por transbordamento isto eacute seus moradores estatildeo se fixando nos

municiacutepios limiacutetrofes da RMN onde o preccedilo da terra urbana eacute mais acessiacutevel

2) a consolidaccedilatildeo do processo de verticalizaccedilatildeo que vem ocorrendo desde a

deacutecada de 1980 3) o aumento da pressatildeo crescente para a ocupaccedilatildeo das

aacutereas ambientalmente fraacutegeis remanescentes como mangues dunas e aacutereas

ribeirinhas especialmente pelos estratos de renda sociais mais baixos que natildeo

podem se inserir no mercado formal de terras

A etapa mais recente do processo histoacuterico de expansatildeo urbana de Natal

se manifesta por intermeacutedio de duas caracteriacutesticas essenciais o processo de

verticalizaccedilatildeo da cidade notadamente a partir da deacutecada de 1980 por um lado

e por outro a crescente ameaccedila de ocupaccedilatildeo de aacutereas ambientalmente

fraacutegeis tatildeo presentes na cidade e que satildeo legalmente protegidas pela

legislaccedilatildeo urbana e ambiental Os dois processos mantecircm aliaacutes relaccedilatildeo entre

si enquanto que a verticalizaccedilatildeo atende aos estratos meacutedios e altos da

sociedade natalense que ocupam em geral aacutereas privilegiadas da cidade as

populaccedilotildees de baixa renda tendem a ocupar as aacutereas inadequadas do ponto

de vista ambiental como mangues dunas e as margens de rios A

mercantilizaccedilatildeo do solo urbano a especulaccedilatildeo imobiliaacuteria e a ineficaacutecia da

gestatildeo urbana satildeo alguns dos fatores que explicam essa situaccedilatildeo

Nesse processo de crescimento e expansatildeo urbana de Natal percebe-se

que o antigo nuacutecleo urbano adormecido durante pelo menos dois seacuteculos

comeccedila a se expandir consideravelmente ainda no seacuteculo XIX e iniacutecio do XX e

de maneira acelerada a partir da Segunda Guerra Mundial A cidade abrigava

em 2010 uma populaccedilatildeo de 803 739 habitantes segundo dados do IBGE9 e

forma com municiacutepios vizinhos a Regiatildeo Metropolitana de Natal (RMNatal)

Com efeito o antigo nuacutecleo urbano insignificante a ldquoNatal natildeo haacute talrdquo torna-se

progressivamente uma capital moderna com pretensotildees metropolitanas

III Uma situaccedilatildeo de impasse o crescimento urbano e os conflitos

socioambientais

O crescimento e a consolidaccedilatildeo da ocupaccedilatildeo da cidade do Natal foram

miacutenimos durante seacuteculos tendo em vista o pequeno nuacutemero de habitantes

Vivendo principalmente da pesca no Rio Potengi e no mar da exploraccedilatildeo

vegetal nos arredores da cidade e da agropecuaacuteria essas atividades ainda

que causassem algum impacto ambiental - desmatamento para o plantio e a

exploraccedilatildeo madeireira - natildeo atingiam uma escala significativa Aleacutem disso

desconhecemos a existecircncia de uma consciecircncia ambiental de seus habitantes

antes das preocupaccedilotildees higienistas que marcaram a cidade do Natal e outras

cidades do Brasil entre fins do seacuteculo XIX e primeiras deacutecadas do seacuteculo XX10

Essa preocupaccedilatildeo eacute relativamente recente na histoacuteria da humanidade e no

9httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=240810ampsearch=rio-grande-

do-norte|natal Acesso em 02 de abril de 2015 10

Preocupaccedilotildees que estavam circunscritas a uma elite e que eram principalmente de natureza

meacutedica isto eacute dos seus efeitos sobre a sauacutede dos habitantes do que no sentido atual de preocupaccedilatildeo com a salvaguarda e proteccedilatildeo dos recursos naturais Ver a respeito FERREIRA Angela Luacutecia A et al 2008 Uma Cidade Satilde e Bela a trajetoacuteria do Saneamento de Natal entre 1850 e 1969 IAB RN CREA RN Natal

Brasil parece se evidenciar somente a partir das trecircs uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo

XX

Em Natal as referecircncias agrave proteccedilatildeo do meio ambiente com alguma

efetividade seja por meio de iniciativas do movimento social seja por meio de

estrateacutegias de gestatildeo tambeacutem datam de finais da deacutecada de 1970 quando os

debates sobre a proteccedilatildeo dos recursos naturais ganham relevo e passam a

integrar as agendas dos movimentos sociais e de algumas accedilotildees

governamentais Desde entatildeo especialmente desde a deacutecada de 1980

algumas accedilotildees com motivaccedilotildees sociais e ambientais tecircm demonstrado o

crescimento de uma consciecircncia ambiental e produzido alteraccedilotildees nas

estrateacutegias de planejamento e gestatildeo urbana do municiacutepio Respeito isso

destaca-se pelos movimentos sociais as reaccedilotildees contraacuterias ao projeto de

construccedilatildeo da Via Costeira (1978-1980) agraves primeiras iniciativas de

verticalizaccedilatildeo da orla mariacutetima e a defesa da paisagem costeira e da

permanecircncia das populaccedilotildees tradicionais ali residentes (1980-1984) e pelas

accedilotildees governamentais as estrateacutegias de proteccedilatildeo da paisagem (Zonas

Especiais de Interesse Turiacutestico) inseridas no Plano Diretor de 1984

(PDN1984-Lei 317584) e a aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de 1994 (PDN1994-

Lei 0794) e da Lei 466395 que regulamenta a AEIS de Matildee Luiza

O marco temporal da presente discussatildeo eacute portanto definido a partir dos

conflitos socioambientais que emergiram com o avanccedilo do processo de

ocupaccedilatildeo do solo (formal ou informal) sobre os espaccedilos naturais e que foram

reconhecidos como objeto de proteccedilatildeo especial pelo atual marco normativo

urbaniacutestico e ambiental fundamentado no reconhecimento dos direitos de

todos os cidadatildeos agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado No caso de Natal

que reproduz uma situaccedilatildeo visiacutevel em todo o urbano brasileiro tal cenaacuterio de

conflitos revela-se como uma das caracteriacutesticas da sua paisagem Do ponto

de vista urbano e ambiental a maioria desses espaccedilos foi historicamente

produzida de forma ilegal e marginal tendo origem em sua maioria a partir

das demandas das populaccedilotildees mais pobres que geralmente natildeo possuem

renda para participar do mercado formal de terras

Para a compreensatildeo da natureza dos conflitos que estamos analisando eacute

importante lembrar que a relevacircncia das questotildees socioambientais como um

problema nas disputas territoriais soacute ganhou algum destaque quando ambas as

dimensotildees (social e ambiental) incorporaram a natureza do interesse puacuteblico

Com base nesta abordagem os conflitos inicialmente tratados como conflitos

de terra e considerados principalmente pela luta ao acesso agrave moradia

adicionaram novas configuraccedilotildees novos atores e novas dimensotildees para o

problema Nessa configuraccedilatildeo os problemas relacionados com a posse de

terra urbana e o acesso agrave moradia na esfera puacuteblica tambeacutem passaram a ser

definidos como problemas ambientais

Segundo Ataiacutede (2013) um dos desafios do enfrentamento dos conflitos

socioambientais tem sido identificar como os diferentes atores sociais tecircm

efetivado suas accedilotildees relacionadas com o processo de ocupaccedilatildeo do solo dos

espaccedilos naturais tendo como referecircncia a manutenccedilatildeo do fortalecimento da

relaccedilatildeo entre o direito agrave moradia e os preceitos da proteccedilatildeo ambiental Tal

reflexatildeo se apoia no fato de que grande parte das situaccedilotildees de conflito se

manifesta em aacutereas caracterizadas por dualidades e ambiguidades e

evidenciam interesses de diversas naturezas seja em decorrecircncia da

inadequaccedilatildeo urbaniacutestica (parcelamento e tipologias ediliacutecias diferentes dos

padrotildees gerais da cidade) seja pelos aspectos ambientais (localizaccedilatildeo em

aacutereas ambientalmente fraacutegeis protegidas ou natildeo)11

Essa caracterizaccedilatildeo dual faz parte da complexidade da mateacuteria e a sua

compreensatildeo exige a consideraccedilatildeo da sua dimensatildeo histoacuterica na perspectiva

de reconstituir os conflitos e as accedilotildees de resistecircncia contra ameaccedilas de

supressatildeo de direitos Nesse sentido eacute que Andreacutea Zhouri (2007) chama a

atenccedilatildeo para o fato de que a proteccedilatildeo dos recursos naturais deve sempre ser

considerada de forma associada aos processos socioculturais especiacuteficos do

lugar e os conflitos socioambientais considerados como resultado das praacuteticas

e disputas de interesses na apropriaccedilatildeo desses recursos pelos distintos atores

Nesses processos o Estado tem legitimado as suas praacuteticas atraveacutes do

discurso da proteccedilatildeo ambiental que se tornou argumento de consenso dos

interesses dos diferentes setores sociais Por outro lado a compreensatildeo da

natureza desses conflitos tambeacutem depende do funcionamento do modelo de

poliacutetica urbana e ambiental a que estatildeo sujeitos A identificaccedilatildeo de

11

Traduccedilatildeo livre de Ruth Ataiacutede (2013 p 60) na sua Tese de doutorado Entre os autores que

orientam essa discussatildeo a autora destaca Andrea Zhouri (2007 y 2005) referidas Simone Polli (2010) y Silvana Mameri (2011)

convergecircncias e diferenccedilas entre essas duas dimensotildees da poliacutetica permite-

nos discutir estrateacutegias de planejamento urbano- ambiental aplicadas a estas

aacutereas A partir dessa identificaccedilatildeo e tomando como referecircncia estrutura de

Ataiacutede (2013) os conflitos satildeo analisados segundo duas dimensotildees a

institucional que se expressa nas estrateacutegias de gestatildeo e regulaccedilatildeo e a fiacutesico-

territorial que se expressa nas relaccedilotildees espaciais (sociais e ambientais)

No acircmbito institucional expresso nas estrateacutegias de regulaccedilatildeo e gestatildeo a

autora identifica pelo menos dois grupos de conflitos no primeiro grupo objeto

de reflexatildeo no trabalho incluem-se os que satildeo gerados no campo da proacutepria

formulaccedilatildeo da poliacutetica a partir das mudanccedilas na concepccedilatildeo do planejamento

(como previsatildeo ou desejo de uma situaccedilatildeo ideal) que foi substituiacuteda pela

concepccedilatildeo de gestatildeo que se baseia em uma accedilatildeo sobre os espaccedilos de uma

compreensatildeo das condiccedilotildees (sociais culturais poliacuteticas e econoacutemicas) reais

de sua produccedilatildeo e consumo Ou seja uma concepccedilatildeo da poliacutetica estruturada

no princiacutepio do reconhecimento da cidade existente e do planejamento como

um processo dinacircmico que reconhece as accedilotildees do homem sobre a produccedilatildeo

do espaccedilo (urbano ou rural) como expressatildeo legitima do vivido e este como

uma das suas partes inseparaacuteveis

O segundo grupo de conflitos que tambeacutem eacute dependente do primeiro eacute

resultado dos limites da accedilatildeo das esferas puacuteblicas e privadas Nesse sentido

a sua resoluccedilatildeo depende da criaccedilatildeo de novas articulaccedilotildees entre essas esferas

para alavancar o adequado funcionamento desses espaccedilos de mediaccedilatildeo

exigidos pela nova concepccedilatildeo da poliacutetica No estado atual de gestatildeo urbana e

ambiental os limites da accedilatildeo sobre os conflitos tecircm ganhado relevo quando

confrontados com a natureza do regime de propriedade das aacutereas protegidas

na maioria dos casos privada A natureza de uma suposta irregularidade

urbaniacutestica ou ambiental nesses espaccedilos se evidencia no cruzamento de

interesses e accedilotildees opostas sobre os mesmos No caso de Natal e do ponto de

vista da regulaccedilatildeo alguns desses espaccedilos como veremos adiante satildeo

definidos como zonas de proteccedilatildeo especial com base em duas perspectivas a

ambiental por meio de delimitaccedilotildees como Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental

(ZPAs) para as aacutereas ambientalmente fraacutegeis e a social por meio da

classificaccedilatildeo como Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) para os

assentamentos irregulares ou fraccedilotildees urbanas ocupadas pelas populaccedilotildees

mais pobres ou merecedoras de atenccedilatildeo especial em virtude das condiccedilotildees de

precariedade socioambiental

Neste debate destacamos o aspecto crucial do conflito e que estaacute na base

da matriz de sustentabilidade democraacutetica ou da justiccedila ambiental12 que

fundamentam o atual modelo de Poliacutetica Urbana brasileira Isto eacute realccedila a

necessidade de afinarmos a compreensatildeo sobre a noccedilatildeo de justiccedila espacial

na qual se insere a discussatildeo ora proposta sobre Natal a partir de duas das

suas fraccedilotildees territoriais consideradas simboacutelicas nos estudos sobre os conflitos

socioambientais o bairro (ou AEIS) de Matildee Luiza e a AEIS da Vila de Ponta

Negra Para entendermos o aparecimento desses conflitos conveacutem

retomarmos a breve anaacutelise sobre a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do solo do

municiacutepio Nesse sentido sublinhamos que esta ocupaccedilatildeo se desenvolveu

sobre um sitio geograacutefico com alta fragilidade ambiental caracterizado pela

presenccedila de ecossistemas primitivos como as dunas a vegetaccedilatildeo de

mangues as matas e as restingas aleacutem de uma diversidade de corpos drsquoaacutegua

que inclui lagoas e rios no seu interior e o Oceano Atlacircntico na sua feiccedilatildeo leste

com suas praias A maior parte das aacutereas caracterizadas por esses

componentes ambientais se manteve pouco alterada ateacute meados dos anos

1970 quando a ocupaccedilatildeo estava concentrada nos bairros centrais A partir de

entatildeo com o impulso do processo de urbanizaccedilatildeo e o avanccedilo dos debates da

consciecircncia mundial sobre a necessidade de conciliar o desenvolvimento

urbano com a preservaccedilatildeo dos recursos naturais evidenciaram-se o que hoje

denominamos ldquoconflitos espaciaisrdquo ou ldquoconflitos socioambientaisrdquo

Eacute fato que no caso do municiacutepio de Natal a caracterizaccedilatildeo fiacutesica referida

se aplica a todo o seu territoacuterio Entretanto ateacute a deacutecada de 1970 aleacutem da

ocupaccedilatildeo do solo ser de baixa intensidade demograacutefica e construtiva havia

pouca preocupaccedilatildeo quanto aos impactos da intensidade do processo de

urbanizaccedilatildeo no equiliacutebrio do ecossistema inclusive no acircmbito institucional

considerando que o municiacutepio a exemplo de outras realidades brasileiras

tambeacutem natildeo dispunha de instrumentos de controle urbaniacutestico e ambiental fato

12

Conceitos desenvolvidos por Henri Acselrad e outros autores que discutem as matrizes da

sustentabilidade nas poliacuteticas Ver a respeito ACSELRAD H (org) 2001 A duraccedilatildeo das cidades sustentabilidade e risco nas poliacuteticas urbanas DPampA Rio de Janeiro ACSELRALD Henri e LEROY J P 1999 Novas premissas da sustentabilidade democraacutetica FASE Rio de Janeiro

que contribuiu para o avanccedilo da ocupaccedilatildeo de forma dispersa em todas as

direccedilotildees do territoacuterio Estudos recentes sobre esse processo denotam o avanccedilo

dos impactos ambientais sobre territoacuterio municipal e as suas franjas

metropolitanas conforme consta no Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento

Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natalrdquo13 Nesse documento foram

demonstrados os efeitos do processo de urbanizaccedilatildeo com destaque para as

elevadas taxas de impermeabilizaccedilatildeo do solo a contaminaccedilatildeo das aguas

subterracircneas que abastecem a cidade e toda a regiatildeo e de outros corpos

drsquoagua incluindo o rio Potengi assim como para os problemas de alagamentos

e assoreamentos nas aacutereas vulneraacuteveis de erosatildeo costeira entre outros

A contribuiccedilatildeo dos assentamentos precaacuterios sobre o avanccedilo dessa forma

de ocupaccedilatildeo nas aacutereas ambientalmente fraacutegeis consiste no interesse principal

deste trabalho objeto de aprofundamento na quarta seccedilatildeo do trabalho a partir

da anaacutelise de duas fraccedilotildees Para tanto recuperamos os estudos recentes de

Ataiacutede (2013)14 sobre o tema quando realccedila a classificaccedilatildeo das condiccedilotildees de

risco e vulnerabilidade ambiental das 74 favelas existentes no municiacutepio

distribuiacutedos nas quatro regiotildees administrativas Entre essas algumas

localizados em Matildee Luiza e Ponta Negra apresentam condiccedilotildees de risco pela

relaccedilatildeo com os espaccedilos ambientalmente fraacutegeis como as dunas e as Aacutereas de

Preservaccedilatildeo Permanente(APPs)

IV Instrumentos e as dificuldades da sua efetivaccedilatildeo

Como referido anteriormente o municiacutepio de Natal tem feito esforccedilos para

efetivar o seu novo modelo de planejamento e gestatildeo urbana expresso no

Plano Diretor do municiacutepio que foi alccedilado agrave condiccedilatildeo de principal instrumento

13

O Plano (e o seu respectivo diagnostico) foi elaborado para fundamentar as estrateacutegias de

gestatildeo da RMNatal mas nunca se concretizou Ambos foram produzidos por uma equipe multidisciplinar e publicado em 2006 Plano tem como horizonte o ano de 2020 e contou na sua elaboraccedilatildeo com a Secretaria de Planejamento e Financcedilas do Governo Estadual a FADEUFPE e a FUNPECUFRN Ver FADEUFPE FUNPECUFRN SEPLANRN 2007 Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natal Natal Metroacutepole 2020 Diagnoacutestico para o Plano Estrateacutegico Relatoacuterio Temaacutetico da Dimensatildeo Fiacutesico-Territorial Produto 02 Natal Disponiacutevel em httpwwwnatalmetropolerngovbrdowloadsp2v3pdf acceso en 06 de Agosto de 2011 14

Nesses estudos a autora tomou como referecircncia o Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco

(PMRR) elaborado em 2008 que estabeleceu cinco criteacuterios para definir os graus de risco (0 a 5) dos assentamentos e que foram ser passiacutevel de deslizamento e erosatildeoassoreamento estar localizada sobre Dunas Aacuterea de Preservaccedilatildeo Permanente (APPs) ou faixas de domiacutenio Ver a respeito SEMURBAQUATOLCONSULTORIA 2008 Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal

de desenvolvimento urbano desde a Constituiccedilatildeo Federal de 1998 e em

especial a partir da vigecircncia da Lei Nacional de Desenvolvimento Urbano

denominada Estatuto da Cidade (Lei Federal nordm 102572001) em 2001 As

aacutereas de conflitos socioambientais objeto de anaacutelise ganharam evidecircncia a

partir desse marco normativo que orientando-se pelos princiacutepios da garantia

do direito agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado introduziu um conceito de

zoneamento territorial que realccedila as especificidades do municiacutepio a partir seu

tecido social e das suas caracteriacutesticas ambientais Nesse sentido estrutura-se

em duas escalas a macro que fundamenta a divisatildeo do territoacuterio em trecircs

grandes zonas Zona Adensaacutevel Zona de Adensamento Baacutesico e Zona de

Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA)15 a micro ou especiacutefica que possibilita a delimitaccedilatildeo

de fraccedilotildees do territoacuterio como merecedoras de tratamento urbaniacutestico e

ambiental diferenciado de forma correspondente aacutes suas condiccedilotildees de

precariedade urbaniacutestica e vulnerabilidade social e ou ambiental Essas aacutereas

denominadas de Aacutereas Especiais satildeo entendidas como ldquoporccedilotildees da Zona

Urbana situadas em zonas adensaacuteveis ou natildeo com destinaccedilatildeo especiacutefica ou

normas proacuteprias de uso e ocupaccedilatildeo do solordquo e classificadas em quatro

categorias Aacutereas de Controle de Gabarito (ACG) Aacutereas Especiais de Interesse

Social (AEIS) Aacutereas de Operaccedilatildeo Urbana (AOUR) Aacutereas Non Aedificand16

(Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20) As fraccedilotildees urbanas analisadas se

inserem na categoria Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) e alguns

conflitos se evidenciam nas relaccedilotildees com as Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental

localizadas no seu interior ou entorno

As duas categorias ZPAs foram instituiacutedas no Plano Diretor de 1994

como estrateacutegia de gestatildeo para assegurar as populaccedilotildees agrave garantia do direito

agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado nos termos definidos pela

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entretanto essas categorias ainda natildeo foram

regulamentadas na sua totalidade Objetivamente apenas as ZPAs tecircm sido

objeto de accedilotildees mais efetivas nessa direccedilatildeo considerando que entre as dez

15 Definida como a que se destina a ldquoproteccedilatildeo manutenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo dos aspectos

ambientais ecoloacutegicos paisagiacutesticos histoacutericos arqueoloacutegicos turiacutesticos culturais arquitetocircnicos e cientiacuteficos do municiacutepiordquo (Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 17) 16

NATAL Prefeitura Municipal Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20 Em NATAL

Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal

aacutereas assim classificadas 50 (cinco) jaacute tiveram seus processos de

regulamentaccedilatildeo concluiacutedos e outras cinco encontram-se em fase de debate

puacuteblico As ZPAs 06 e 10 que correspondem aos maciccedilos dunares de Ponta

Negra e Matildee Luiza respectivamente incluem-se neste segundo grupo Quanto

as AEIS embora tambeacutem instituiacutedas no mesmo marco normativo (1994) os

seus processos de regulamentaccedilatildeo natildeo avanccedilaram no mesmo ritmo que os

das ZPAs fato que ratifica ainda que por meio de tiacutemidas accedilotildees a primazia do

ambiental sobre o social no processo de gestatildeo urbana do municiacutepio (Figura 2)

Figura 2 ndash AEIS (1) e ZPAs (2) no PDN2007

Fonte Ataiacutede (2013 adaptado pelos autores)

Ressalte-se ainda que o instrumento AEIS foi ratificado e ampliado no

PDN2007 com o acreacutescimo de novas categorias e aacutereas Agraves favelas Vilas e

Loteamentos clandestinos foram acrescidas outras quatro categorias de AEIS

uma das quais aplicada agraves fraccedilotildees urbanas definidas como aacutereas que estatildeo

sob influecircncia de empreendimento de impacto socioeconocircmico cultural e

paisagiacutestico entre elas a da Vila de Ponta Negra17 Contudo passados 21

anos da vigecircncia do PDN 1994 e oito do PDN 2007 considera-se que apenas

17

NATAL Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o

Plano Diretor de Natal DOM Natal Mapa 04 Anexo II

1 2

a AEIS de Matildee Luiza foi objeto de um processo de regulamentaccedilatildeo integral

Outras quatro foram apenas delimitadas e para as demais natildeo existe nenhuma

discussatildeo em andamento18 Para restringir accedilotildees urbaniacutesticas que afetem os

objetivos de proteccedilatildeo socioambiental previstos no PDN2007 em especial o

avanccedilo da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria este Plano estabeleceu restriccedilotildees

urbaniacutesticas incidentes sobre o parcelamento (proibiccedilatildeo de remembramentos)

e a construccedilatildeo de edificaccedilotildees nelas situadas (limite de gabarito em ateacute 75m ou

dois pavimentos) ateacute que as regulamentaccedilatildeo fossem concluiacutedas A relaccedilatildeo

entre as AEIS de Mae Luiza e da Vila de Ponta e as ZPAs do seu entorno eacute

objeto de discussatildeo na seccedilatildeo seguinte do trabalho

V Duas situaccedilotildees emblemaacuteticas as AEIS de Matildee Luiza e Ponta Negra

1 A AEIS de Matildee Luiza

A AEIS de Matildee Luiza foi a primeira fraccedilatildeo urbana de Natal demarcada e

regulamentada como tal no acircmbito do seu marco urbaniacutestico atraveacutes da Lei

46631195 aprovada nove meses depois da aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de

1994 (PDN1994) Nesse processo dois aspectos merecem destaque a

discussatildeo delimitaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Lei que regulamenta a AEIS

(19921995) ocorreu em paralelo agraves discussotildees sobre o Plano Diretor

(19921994) a sua delimitaccedilatildeo se aplicou a todo o bairro de Matildee Luiza A

fraccedilatildeo urbana delimitada para a AEIS incluiu as favelas ali entatildeo existentes

(favelas do Sopapo Barro Duro Aparecida Alto da Colina) que foram

incluiacutedas nas trecircs categorias de AEIS estabelecidas pelo referido Plano

(Favelas Vilas e Loteamentos clandestinos)19 No processo de revisatildeo do

PDN1994 que foi concluido em 2007 com aprovaccedilatildeo da Lei 0822007

(PDN2007) e conforme referido na seccedilatildeo anterior o instrumento da AEIS foi

reafirmado com a manutenccedilatildeo dessas categorias e a adiccedilatildeo de outras

18

As AEIS do Complexo Favelas Passo da Paacutetria de Jardim Progreso da Aacutefrica e de Nova

Descoberta foram delimitadas mediante leis especificas (Ataiacutede 2013) 19

Um estudo publicado em 1994 que fundamentou a classificaccedilatildeo Plano Diretor identificou a

existecircncia de 69 favelas no municiacutepio de Natal naquele momento Ver IPLANAT1994

Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de

uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal IPLANAT Natal (mimeo)

incluindo a que se aplica a AEIS de Ponta Negra cujas especificidades

apresentamos na sequencia desta seccedilatildeo

Para entendermos melhor a jutifcativa dessa delimitaccedilatildeo cabe mencionar

alguns aspectos da constituiccedilatildeo e configuraccedilatildeo socioespacial do bairro de Matildee

Luiza cujo processo de ocupaccedilo tomou impulso a partir da deacutecada de 1950 e

reuacutene caracteriacutesticas morfoloacutegicas que natildeo se diferenciam das encontradas

nas favelas referidas Estas se expressam nas elevadas densidades

(construtiva e populacional) com destacada presenccedila da produccedilatildeo informal

que remontam agraves origens da sua formaccedilatildeo20 Nesse padratildeo morfoloacutegico

ressaltamos o traccedilado orgacircnico de ruas estreitas e um conjunto edificado com

predomiacutenio de edificaccedilotildees geminadas sem recuos laterais e ou frontais e com

alturas que alcanccedilam os dois pavimentos e com precariedade urbaniacutestica e

social acentuada na medida em que todo o bairro ainda carece de

infraestrutura baacutesica e o perfil socioeconocircmico dos moradores natildeo supera a

meacutedia de trecircs salaacuterios miacutenimos Eacute importante registrar que algumas fraccedilotildees do

bairro jaacute apresentam sinais do aumento dessa densidade com a presenccedila

destacada de edificaccedilotildees com trecircs pavimentos (ou mais)

Na perspectiva ambiental todo o bairro apresenta elevado grau de

fragilidade seja pelas suas caracteriacutesticas geomorfoloacutegicas (relevo acidentado

e aacuterea de dunas ambos sujeitos a deslizamentos) seja pela sua inserccedilatildeo nas

delimitaccedilotildees normativas aplicadas agrave proteccedilatildeo ambiental tanto em acircmbito

municipal como em acircmbitos federal e estadual Esse cenaacuterio se ratifica quando

se constata que grande parte do seu territoacuterio estaacute classificada como aacuterea de

risco pelo PMRR em parte devido a sua relaccedilatildeo com duas Aacutereas de

Preservaccedilatildeo Permanente (APPs de campos dunares) denominados no

PDN2007 como ZPA 2 e ZPA 1021 Segundo Ataiacutede a formaccedilatildeo das aacutereas de

risco assim como dos conflitos socioambientais satildeo resultado do avanccedilo da

ocupaccedilatildeo sobre esses espaccedilos Eacute importante ressaltar que ateacute meados da

deacutecada de 1980 o municiacutepio de Natal natildeo dispunha de regras efetivas de

20

Esses registros remetem agrave uma ocupaccedilatildeo rarefeita da primeira metade do mesmo seacuteculo

com alguma ocupaccedilatildeo no platocirc e nas encostas das dunas da atual Rua Guanabara pelos pescadores 21

A ZPA 2 corresponde ao Parque Estadual das Dunas espaccedilo natural integrante do Sistema

de Unidades de Conservaccedilatildeo do estado do Rio Grande Norte A ZPA 2 corresponde agraves encostas dunares adjacentes agrave Via Costeira que abriga o Farol de Matildee Luiza e margeia parte da Avenida Joatildeo XXIII e Rua Guanabara

controle urbaniacutestico e ambiental que pudessem frear tal forma de ocupaccedilatildeo em

seu territoacuterio Entretanto no caso de Matildee Luiza existem algumas referecircncias

em documentos institucionais e iniciativas normativas que jaacute demonstravam

alguma preocupaccedilatildeo sobre esse processo tais como o Plano Serete e o

PDN198422 Estas contribuiacuteram para reforccedilar os argumentos na defesa da

criaccedilatildeo das AEIS no ambiente de implantaccedilatildeo do marco normativo do

municiacutepio realccedilando o entendimento sobre a necessidade do reconhecimento

das praacuteticas soacutecio espaciais existentes nas diferentes fraccedilotildees territoriais Aleacutem

disso devido a sua localizaccedilatildeo na zona costeira central do municiacutepio desde os

anos 1980 o bairro de Matildee Luiza tambeacutem vem sofrendo uma forte pressatildeo

imobiliaacuteria

Sobre o processo de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo da AEIS cabe destacar

que aleacutem do seu desenvolvimento em paralelo ao do PDN1994 este tambeacutem

adiantou vaacuterios procedimentos de gestatildeo que soacute foram incorporados ao

sistema de planejamento do municiacutepio posteriormente tais como a iniciativa

popular e a motivaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo incluindo o processo participativo e

os objetivos socioambientais23 Segundo Ataiacutede ldquouma das motivaccedilotildees para a

elaboraccedilatildeo de um regramento urbanistico especiacutefico para a aacuterea teve origem

no movimento de resistecircncia da populaccedilatildeo agrave construccedilatildeo de um

empreendimento imobiliaacuterio para fins turisticos numa aacuterea de dunas ainda natildeo

ocupada fronteira a Via Costeira localizado ao lado do Farol de Matildee Luizardquo na

aacuterea atualmente delimitada como ZPA1024 O movimento envolveu diversos

22

O Plano de Desenvolvimento Urbaniacutestico (Plano Serete1968) nunca foi convertido em Lei

mas estabeleceu os fundamentos do Plano Diretor de 1984 (Lei 317584) Ele jaacute identificava a ocupaccedilatildeo nas dunas de Matildee Luiza como uma das grandes favelas de Natal Essa indicaccedilatildeo fundamentou a inclusatildeo do bairro no grupo das Zonas Especiais de Recuperaccedilatildeo Urbana (ZERU) no PDN1984 Em certa medida essas referecircncias denotam uma preocupaccedilatildeo com a precariedade urbaniacutestica e a vulnerabilidade social do lugar anterior ao contexto normativo da deacutecada de 1990 mesmo sem a efetivaccedilatildeo das accedilotildees sobre os assentamentos precaacuterios 23 Sobre esse processo ver especialmente os trabalhos de BENTES Dulce e TRINDADE

Maria Aparecida da S Fernandes 2008 Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159 disponiacutevel em

httpwwwrevistaunirninfbrrevistaunirnindexphprevistaunirnarticleviewFile154183 acesso em 15 de janeiro de 2015 As referecircncias tambeacutem foram discutidas por Ruth Ataiacutede em trabalho jaacute citado no presente artigo (Ataiacutede 2013) 24

O projeto de construccedilatildeo do Paradiso Mare Resort refletia o interesse do mercado

mobiliario num contexto do crescimento da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria da zona costeira Traduccedilatildeo direta de Ataiacutede 2013 jaacute referida

atores sociais com destaque para a participaccedilatildeo dos moradores da Igreja

Catoacutelica e do Departamento de Arquitetura da UFRN por meio das atividades

de extensatildeo de alguns dos seus alunos e professores25 Durante o processo de

discussatildeo se evidenciaram interesses conflitantes relativamente aos objetivos

da proteccedilatildeo socioambiental da aacuterea com destaque para o confronto entre os

moradores o movimento ambientalista e o setor imobiliaacuterio No que diz respeito

ao conteuacutedo da lei deve-se ressaltar que aleacutem de evidenciar a relaccedilatildeo entre

os paracircmetros urbaniacutesticos e as praacuteticas soacutecio espaciais ela adiciona os

princiacutepios socioambientais pois antecipa a discussatildeo sobre a proteccedilatildeo do

campo dunar do Farol de Mae Luiza o qual embora identificado como espaccedilo

protegido pelo PDN1994 ainda natildeo tinha sido delimitado No zoneamento da

AEIS essa aacuterea foi delimitada como Aacuterea de Conservaccedilatildeo (Figura 3)26

Figura 3 Zoneamento da AEIS de Matildee Luiza (destaque para a Aacuterea de Conservaccedilatildeo) e sua relaccedilatildeo com a ZPAs 2 e a ZPA10

Fonte Natal (1995) com base no DOM de 02081995 e FUNPECUFRNMPRN (2012)

adaptado pelos autores

25

ldquoA participaccedilatildeo da UFRN se deu por meio de estudos (1992) que fundamentaram a proposta

de regulamentaccedilatildeo sendo esta apropriada pela populaccedilatildeo do bairro resultando no texto final da Lei da AEISrdquo aprovada em 1995 (Ataide 2013) 26

Baseado nas caracteriacutesticas da ocupaccedilatildeo do lugar foi estabelecido um zoneamento que

dividiu o territoacuterio em trecircs subzonas duas menos restritivas (diferentes graus) e aplicada aos espaccedilos construiacutedos (AO1 - Aacuterea de Ocupaccedilatildeo e AOR2 Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restritiva) e uma aplicada agrave aacuterea de Dunas (AC - aacuterea de conservaccedilatildeo) que foi orientado para garantir a proteccedilatildeo da aacuterea

O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo

da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de

gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-

territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo

juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na

alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da

normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam

entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que

revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de

Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do

estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do

Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com

as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que

reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com

o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como

Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo

tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia

sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas

ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de

tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia

expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam

dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de

governo

Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com

a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade

da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave

resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do

municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo

das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da

ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o

conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno

com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque

Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e

proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade

Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se

apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo

sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das

situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da

favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das

dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo

PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem

contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo

gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas

ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e

com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo

ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias

institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do

movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus

interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza

Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da

favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no

processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam

pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas

remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco

tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na

proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os

objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos

estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de

Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto

conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos

territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees

nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)

Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

27

Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538

2 A AEIS da Vila de Ponta Negra

A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007

Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-

guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a

partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de

grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo

que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo

e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e

internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)

Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628

Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta

Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento

de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja

aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante

emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam

segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que

estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora

O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico

municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos

atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra

ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais

envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor

imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes

28

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento

urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123

das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo

cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007

no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses

representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os

princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso

desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A

ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -

batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e

que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29

Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do

resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos

A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser

encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do

direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute

uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas

precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do

Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar

da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea

Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8

(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda

natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de

gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade

Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao

papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local

da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam

numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de

pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens

culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao

conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com

uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e

29

Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30

De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no

mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo

apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria

pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees

acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos

adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos

com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como

AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas

principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se

opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua

regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de

fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou

negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo

de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida

natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com

moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser

submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios

fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores

da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com

ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo

Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta

Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa

numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta

Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06

que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei

municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem

estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do

Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea

ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e

estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do

31

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade

Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32

A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal

do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33

Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN

Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008

bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a

ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal

como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi

contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas

proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca

Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno

Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores

Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando

abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como

fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de

determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e

da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo

Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a

necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para

o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados

nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a

verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio

ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras

formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como

AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca

Praia de Ponta Negra

ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA

que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os

empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio

e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas

do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse

importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da

densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta

desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes

comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em

duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de

Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos

diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a

uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por

ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que

ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os

interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo

social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial

Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra

ZPA 06 - MORRO DO CARECA

ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)

BAIRRO PONTA NEGRA

ZONA DE AMORTECIMENTO

(ZA)

Praia de Ponta Negra

0m 50m 100m 200m

N

Morro do

Careca

01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca

03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento

06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca

05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca

04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo

Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth

VI Consideraccedilotildees Finais

Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves

relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos

protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto

devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm

estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994

tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas

estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees

especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo

apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)

No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor

imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo

de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de

acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades

especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia

de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de

expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se

realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal

por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao

novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse

novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o

desenvolvimento do trabalho

Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os

mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental

de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do

acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado

deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos

classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas

garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se

reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica

encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada

lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as

necessidades de morar na cidade

Referecircncias bibliograacuteficas

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TEIXEIRA R (2015) O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23

Page 2: Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ... · Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ambientais e a justiça espacial em Natal-Brasil Rubenilson Teixeira,

sobre as perspectivas de efetivaccedilatildeo das accedilotildees tendo em vista a adoccedilatildeo de

estrateacutegias voltadas para a conciliaccedilatildeo dos conflitos analisados

II Da ldquoNatal natildeo haacute talrdquo para a Natal com pretensotildees metropolitanas

Natal fundada em 1599 eacute uma das mais antigas cidades do Brasil No

entanto ainda que a sua expansatildeo fiacutesica e populacional tenha sido uma

constante o seu crescimento foi extremamente lento ateacute o iniacutecio do seacuteculo XX

Em meados do seacuteculo XVIII por exemplo sua populaccedilatildeo natildeo atingia mil

habitantes Era entatildeo uma cidade pequena e precaacuteria de modo que segundo

um ditado popular de entatildeo se dizia que ldquoNatal natildeo haacute talrdquo um trocadilho ou

jogo de palavras para expressar em tom jocoso a tacanhez da cidade

O crescimento de Natal se revela de modo mais evidente a partir do iniacutecio

do seacuteculo XX periacuteodo que eacute acompanhado por um processo relativamente

importante de modernizaccedilatildeo urbana1 que tambeacutem se expressa na segregaccedilatildeo

socioespacial que apenas se exacerbaraacute nas deacutecadas seguintes Durante a

Segunda Guerra Mundial esse processo se acelera efetivamente pois a

capital do Rio Grande do Norte serviu de base militar brasileira e

principalmente americana durante o conflito O municiacutepio de Natal que contava

55119 habitantes em 1940 totalizava 103215 pessoas dez anos depois em 7

de janeiro de 19502 representando um aumento espetacular de 8725 da

populaccedilatildeo em apenas uma deacutecada

Em termos fiacutesico-espaciais o crescimento da cidade daacute-se por um lado

pela consolidaccedilatildeo de bairros mais antigos e por outro pela expansatildeo de sua

malha urbana em praticamente todas as direccedilotildees No poacutes-guerra o seu

crescimento eacute marcado pelo surgimento de novas aacutereas de pobreza que

surgem inicialmente como assentamentos informais Eacute o caso de Brasiacutelia

Teimosa e Matildee Luiza entre as deacutecadas de 1950 e 1960 aacutereas perifeacutericas que

1 Infelizmente nos limites deste item cujo interesse maior se volta para o crescimento fiacutesico da

cidade natildeo eacute possiacutevel discorrer sobre as transformaccedilotildees em termos da dotaccedilatildeo de novos equipamentos urbanos e de infraestrutura visiacuteveis desde a primeira deacutecada do seacuteculo XX como expressatildeo da modernizaccedilatildeo Esses dados apenas reforccedilariam a constataccedilatildeo desse crescimento urbano mas natildeo cabem nos limites deste artigo 2 CLEMENTINO Maria do Livramento Miranda 1995 Economia e urbanizaccedilatildeo o Rio Grande

do Norte nos Anos 70 UFRN CCHLA Natal p 162

aos poucos elevam o seu padratildeo habitacional3 Nas deacutecadas de 1950 e 1960

contudo a imigraccedilatildeo para Natal continua importante Por um lado a estrutura

agraacuteria concentradora expulsa as populaccedilotildees rurais do campo e por outro o

esforccedilo de industrializaccedilatildeo do Nordeste que ocorre na deacutecada de 1960

provocando investimentos especialmente nas capitais via projetos da

Superintentecircncia de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) atrai grandes

contingentes populacionais Natal foi a terceira capital estadual do Nordeste a

receber em termos relativos o maior fluxo migratoacuterio na deacutecada de 19604

Outra caracteriacutestica desse crescimento se verifica pela formaccedilatildeo dos

loteamentos os primeiros dos quais surgem ainda durante a Segunda Guerra

Mundial Eles estatildeo na origem dos conjuntos habitacionais tatildeo presentes na

paisagem urbana de Natal Entre 1967 e 1978 o Banco Nacional da Habitaccedilatildeo

(BNH) financiou 25 conjuntos habitacionais na cidade totalizando 19 207

unidades Considerando uma estimativa de 5 pessoas por unidade esses

conjuntos abrigavam cerca de um quinto da populaccedilatildeo da capital potiguar

Mesmo assim em 1977 havia 10 000 casebres correspondendo 50 000

pessoas5 A cidade que tinha 160 253 habitantes em 1960 passa a ter 416

898 habitantes em 1980 segundo dados do IBGE6 um crescimento de 260

em apenas duas deacutecadas

No periacuteodo que se estende de 1941 ateacute o final da deacutecada de 1970 os

loteamentos e os conjuntos habitacionais que se lhes seguem se concentram

na regiatildeo sul da cidade do Natal confirmando o seu crescimento nessa

direccedilatildeo Neoacutepolis Cidade Sateacutelite Candelaacuteria Mirassol Ponta Negra e muitos

outros surgem ao longo desse periacuteodo Satildeo em geral destinados a estratos de

renda meacutedia da populaccedilatildeo Seja com for o crescimento da cidade em direccedilatildeo

ao sul do nuacutecleo inicial era inevitaacutevel uma vez que o Rio Potengi o Oceano

Atlacircntico e os cordotildees dunares a leste esbarravam a expansatildeo urbana nessas

direccedilotildees Desses limites o uacutenico que podia ser realmente transposto e mesmo

assim com dificuldade foi o Rio Potengi Visto no seacuteculo XIX como obstaacuteculo

3 A migraccedilatildeo rural-urbana que estaacute na origem desse processo foi consideraacutevel durante a

Segunda Guerra Mundial motivada principalmente pela busca de trabalho na capital potiguar 4 SOUZA Itamar de 1980 Migraccedilotildees Internas no Brasil Vozes Rio de Janeiro p 83-96 5 SOUZA ibid p 94-95 6 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE 1988 Anuaacuterio Estatiacutestico do

Brasil1987-1988 Vol48 IBGE Rio de Janeiro

ao crescimento e ao desenvolvimento econocircmico da cidade pois a isolava do

interior do mesmo modo que as dunas no seacuteculo XX Natal cresceu a ponto

de finalmente ldquoatravessarrdquo o Rio Potengi e se expandir pela sua margem

esquerda formando o que eacute hoje a sua Regiatildeo Administrativa Norte (RAN)

Isso terminou por incorporar em seu espaccedilo urbano o estuaacuterio do rio que antes

apenas delimitava a cidade fisicamente7 Esta Regiatildeo cresceu principalmente

atraveacutes dos chamados conjuntos habitacionais a partir do final da deacutecada de

1970 poreacutem se tornou uma aacuterea urbana perifeacuterica separada fiacutesica e

simbolicamente do restante da cidade pelo Rio Potengi8

A partir da deacutecada de 1970 e especialmente da deacutecada seguinte o

processo de ocupaccedilatildeo do solo se intensificou impulsionado tambeacutem pela

construccedilatildeo massiva dos conjuntos habitacionais horizontais promovidos pelo

Estado nas aacutereas entatildeo denominadas de expansatildeo urbana (Quadro 1 e Figura

1|) Posteriormente o processo se ampliou com a consolidaccedilatildeo da participaccedilatildeo

do capital imobiliaacuterio no processo de constituiccedilatildeo desse urbano a partir da

produccedilatildeo de moradias de padratildeo vertical e da infraestrutura de serviccedilos de

apoio turiacutestico especialmente nas franjas litoracircneas

Quadro 1 Evoluccedilatildeo do crescimento demograacutefico de Natal ndash 1960-2010

Ano Populaccedilatildeo Crescimento demograacutefico

1960-1970 1970-1980 1980-1991 1991-2000 2000-2010

1960 160 253 513 1970 264 379 466 1980 416 898 347 1991 606887 149 2000 712 317 121 2010 803739

Fonte Ataiacutede (2013) a partir de Ataiacutede (1997) IBGE (2000 2010) y SEMURB (2006 2010

2011)

Nesse contexto cabe destacar natildeo apenas o processo de produccedilatildeo

formal mas tambeacutem a produccedilatildeo informal de moradias que embora existente

7 Eacute verdade que ldquodo lado de laacuterdquo do rio havia dois nuacutecleos habitacionais Igapoacute e Redinha hoje

bairros que se relacionavam com a cidade De origem muito antiga ambos se confundem com o iniacutecio da histoacuteria de Natal Enquanto o primeiro era uma aldeia indiacutegena que foi contemporacircnea da fundaccedilatildeo da cidade a Redinha se encontra no mesmo local onde os primeiros moradores da cidade exploravam a pesca TEIXEIRA Rubenilson Brazatildeo 2015 O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23 8 SILVA Alexsandro Ferreira Cardoso da 2003 Depois das fronteiras a formaccedilatildeo dos

espaccedilos de pobreza na periferia Norte de Natal ndash RN Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Arquitetura e Urbanismo da UFRN Natal

pelo menos desde o iniacutecio do seacuteculo XX tambeacutem se ampliou e se espraiou em

todas as direccedilotildees do territoacuterio municipal a partir da deacutecada de 1980 (Figura 1)

Figura 1 ndash Evoluccedilatildeo da expansatildeo territorial com destaque para a participaccedilatildeo da produccedilatildeo formal de moradias promovida pelo estado ateacute a deacutecada de 1990

Antes de 1970 Depois da deacutecada de 1970

Fonte Ataiacutede (2013) a partir de Ataiacutede (1997) SEMTHAS UEM (2001) Morais (2004)SEMURB (2010) e UFRNFUNPECSEMTAS V 3 2004

Outro aspecto a considerar eacute que diferentemente de outros municiacutepios do

Rio Grande do Norte inclusive dos que compotildeem a sua Regiatildeo Metropolitana

Natal natildeo dispotildee mais de uma zona rural ou de expansatildeo Isso explica em

grande parte trecircs fenocircmenos recentes na dinacircmica urbana da cidade 1) o seu

crescimento por transbordamento isto eacute seus moradores estatildeo se fixando nos

municiacutepios limiacutetrofes da RMN onde o preccedilo da terra urbana eacute mais acessiacutevel

2) a consolidaccedilatildeo do processo de verticalizaccedilatildeo que vem ocorrendo desde a

deacutecada de 1980 3) o aumento da pressatildeo crescente para a ocupaccedilatildeo das

aacutereas ambientalmente fraacutegeis remanescentes como mangues dunas e aacutereas

ribeirinhas especialmente pelos estratos de renda sociais mais baixos que natildeo

podem se inserir no mercado formal de terras

A etapa mais recente do processo histoacuterico de expansatildeo urbana de Natal

se manifesta por intermeacutedio de duas caracteriacutesticas essenciais o processo de

verticalizaccedilatildeo da cidade notadamente a partir da deacutecada de 1980 por um lado

e por outro a crescente ameaccedila de ocupaccedilatildeo de aacutereas ambientalmente

fraacutegeis tatildeo presentes na cidade e que satildeo legalmente protegidas pela

legislaccedilatildeo urbana e ambiental Os dois processos mantecircm aliaacutes relaccedilatildeo entre

si enquanto que a verticalizaccedilatildeo atende aos estratos meacutedios e altos da

sociedade natalense que ocupam em geral aacutereas privilegiadas da cidade as

populaccedilotildees de baixa renda tendem a ocupar as aacutereas inadequadas do ponto

de vista ambiental como mangues dunas e as margens de rios A

mercantilizaccedilatildeo do solo urbano a especulaccedilatildeo imobiliaacuteria e a ineficaacutecia da

gestatildeo urbana satildeo alguns dos fatores que explicam essa situaccedilatildeo

Nesse processo de crescimento e expansatildeo urbana de Natal percebe-se

que o antigo nuacutecleo urbano adormecido durante pelo menos dois seacuteculos

comeccedila a se expandir consideravelmente ainda no seacuteculo XIX e iniacutecio do XX e

de maneira acelerada a partir da Segunda Guerra Mundial A cidade abrigava

em 2010 uma populaccedilatildeo de 803 739 habitantes segundo dados do IBGE9 e

forma com municiacutepios vizinhos a Regiatildeo Metropolitana de Natal (RMNatal)

Com efeito o antigo nuacutecleo urbano insignificante a ldquoNatal natildeo haacute talrdquo torna-se

progressivamente uma capital moderna com pretensotildees metropolitanas

III Uma situaccedilatildeo de impasse o crescimento urbano e os conflitos

socioambientais

O crescimento e a consolidaccedilatildeo da ocupaccedilatildeo da cidade do Natal foram

miacutenimos durante seacuteculos tendo em vista o pequeno nuacutemero de habitantes

Vivendo principalmente da pesca no Rio Potengi e no mar da exploraccedilatildeo

vegetal nos arredores da cidade e da agropecuaacuteria essas atividades ainda

que causassem algum impacto ambiental - desmatamento para o plantio e a

exploraccedilatildeo madeireira - natildeo atingiam uma escala significativa Aleacutem disso

desconhecemos a existecircncia de uma consciecircncia ambiental de seus habitantes

antes das preocupaccedilotildees higienistas que marcaram a cidade do Natal e outras

cidades do Brasil entre fins do seacuteculo XIX e primeiras deacutecadas do seacuteculo XX10

Essa preocupaccedilatildeo eacute relativamente recente na histoacuteria da humanidade e no

9httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=240810ampsearch=rio-grande-

do-norte|natal Acesso em 02 de abril de 2015 10

Preocupaccedilotildees que estavam circunscritas a uma elite e que eram principalmente de natureza

meacutedica isto eacute dos seus efeitos sobre a sauacutede dos habitantes do que no sentido atual de preocupaccedilatildeo com a salvaguarda e proteccedilatildeo dos recursos naturais Ver a respeito FERREIRA Angela Luacutecia A et al 2008 Uma Cidade Satilde e Bela a trajetoacuteria do Saneamento de Natal entre 1850 e 1969 IAB RN CREA RN Natal

Brasil parece se evidenciar somente a partir das trecircs uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo

XX

Em Natal as referecircncias agrave proteccedilatildeo do meio ambiente com alguma

efetividade seja por meio de iniciativas do movimento social seja por meio de

estrateacutegias de gestatildeo tambeacutem datam de finais da deacutecada de 1970 quando os

debates sobre a proteccedilatildeo dos recursos naturais ganham relevo e passam a

integrar as agendas dos movimentos sociais e de algumas accedilotildees

governamentais Desde entatildeo especialmente desde a deacutecada de 1980

algumas accedilotildees com motivaccedilotildees sociais e ambientais tecircm demonstrado o

crescimento de uma consciecircncia ambiental e produzido alteraccedilotildees nas

estrateacutegias de planejamento e gestatildeo urbana do municiacutepio Respeito isso

destaca-se pelos movimentos sociais as reaccedilotildees contraacuterias ao projeto de

construccedilatildeo da Via Costeira (1978-1980) agraves primeiras iniciativas de

verticalizaccedilatildeo da orla mariacutetima e a defesa da paisagem costeira e da

permanecircncia das populaccedilotildees tradicionais ali residentes (1980-1984) e pelas

accedilotildees governamentais as estrateacutegias de proteccedilatildeo da paisagem (Zonas

Especiais de Interesse Turiacutestico) inseridas no Plano Diretor de 1984

(PDN1984-Lei 317584) e a aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de 1994 (PDN1994-

Lei 0794) e da Lei 466395 que regulamenta a AEIS de Matildee Luiza

O marco temporal da presente discussatildeo eacute portanto definido a partir dos

conflitos socioambientais que emergiram com o avanccedilo do processo de

ocupaccedilatildeo do solo (formal ou informal) sobre os espaccedilos naturais e que foram

reconhecidos como objeto de proteccedilatildeo especial pelo atual marco normativo

urbaniacutestico e ambiental fundamentado no reconhecimento dos direitos de

todos os cidadatildeos agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado No caso de Natal

que reproduz uma situaccedilatildeo visiacutevel em todo o urbano brasileiro tal cenaacuterio de

conflitos revela-se como uma das caracteriacutesticas da sua paisagem Do ponto

de vista urbano e ambiental a maioria desses espaccedilos foi historicamente

produzida de forma ilegal e marginal tendo origem em sua maioria a partir

das demandas das populaccedilotildees mais pobres que geralmente natildeo possuem

renda para participar do mercado formal de terras

Para a compreensatildeo da natureza dos conflitos que estamos analisando eacute

importante lembrar que a relevacircncia das questotildees socioambientais como um

problema nas disputas territoriais soacute ganhou algum destaque quando ambas as

dimensotildees (social e ambiental) incorporaram a natureza do interesse puacuteblico

Com base nesta abordagem os conflitos inicialmente tratados como conflitos

de terra e considerados principalmente pela luta ao acesso agrave moradia

adicionaram novas configuraccedilotildees novos atores e novas dimensotildees para o

problema Nessa configuraccedilatildeo os problemas relacionados com a posse de

terra urbana e o acesso agrave moradia na esfera puacuteblica tambeacutem passaram a ser

definidos como problemas ambientais

Segundo Ataiacutede (2013) um dos desafios do enfrentamento dos conflitos

socioambientais tem sido identificar como os diferentes atores sociais tecircm

efetivado suas accedilotildees relacionadas com o processo de ocupaccedilatildeo do solo dos

espaccedilos naturais tendo como referecircncia a manutenccedilatildeo do fortalecimento da

relaccedilatildeo entre o direito agrave moradia e os preceitos da proteccedilatildeo ambiental Tal

reflexatildeo se apoia no fato de que grande parte das situaccedilotildees de conflito se

manifesta em aacutereas caracterizadas por dualidades e ambiguidades e

evidenciam interesses de diversas naturezas seja em decorrecircncia da

inadequaccedilatildeo urbaniacutestica (parcelamento e tipologias ediliacutecias diferentes dos

padrotildees gerais da cidade) seja pelos aspectos ambientais (localizaccedilatildeo em

aacutereas ambientalmente fraacutegeis protegidas ou natildeo)11

Essa caracterizaccedilatildeo dual faz parte da complexidade da mateacuteria e a sua

compreensatildeo exige a consideraccedilatildeo da sua dimensatildeo histoacuterica na perspectiva

de reconstituir os conflitos e as accedilotildees de resistecircncia contra ameaccedilas de

supressatildeo de direitos Nesse sentido eacute que Andreacutea Zhouri (2007) chama a

atenccedilatildeo para o fato de que a proteccedilatildeo dos recursos naturais deve sempre ser

considerada de forma associada aos processos socioculturais especiacuteficos do

lugar e os conflitos socioambientais considerados como resultado das praacuteticas

e disputas de interesses na apropriaccedilatildeo desses recursos pelos distintos atores

Nesses processos o Estado tem legitimado as suas praacuteticas atraveacutes do

discurso da proteccedilatildeo ambiental que se tornou argumento de consenso dos

interesses dos diferentes setores sociais Por outro lado a compreensatildeo da

natureza desses conflitos tambeacutem depende do funcionamento do modelo de

poliacutetica urbana e ambiental a que estatildeo sujeitos A identificaccedilatildeo de

11

Traduccedilatildeo livre de Ruth Ataiacutede (2013 p 60) na sua Tese de doutorado Entre os autores que

orientam essa discussatildeo a autora destaca Andrea Zhouri (2007 y 2005) referidas Simone Polli (2010) y Silvana Mameri (2011)

convergecircncias e diferenccedilas entre essas duas dimensotildees da poliacutetica permite-

nos discutir estrateacutegias de planejamento urbano- ambiental aplicadas a estas

aacutereas A partir dessa identificaccedilatildeo e tomando como referecircncia estrutura de

Ataiacutede (2013) os conflitos satildeo analisados segundo duas dimensotildees a

institucional que se expressa nas estrateacutegias de gestatildeo e regulaccedilatildeo e a fiacutesico-

territorial que se expressa nas relaccedilotildees espaciais (sociais e ambientais)

No acircmbito institucional expresso nas estrateacutegias de regulaccedilatildeo e gestatildeo a

autora identifica pelo menos dois grupos de conflitos no primeiro grupo objeto

de reflexatildeo no trabalho incluem-se os que satildeo gerados no campo da proacutepria

formulaccedilatildeo da poliacutetica a partir das mudanccedilas na concepccedilatildeo do planejamento

(como previsatildeo ou desejo de uma situaccedilatildeo ideal) que foi substituiacuteda pela

concepccedilatildeo de gestatildeo que se baseia em uma accedilatildeo sobre os espaccedilos de uma

compreensatildeo das condiccedilotildees (sociais culturais poliacuteticas e econoacutemicas) reais

de sua produccedilatildeo e consumo Ou seja uma concepccedilatildeo da poliacutetica estruturada

no princiacutepio do reconhecimento da cidade existente e do planejamento como

um processo dinacircmico que reconhece as accedilotildees do homem sobre a produccedilatildeo

do espaccedilo (urbano ou rural) como expressatildeo legitima do vivido e este como

uma das suas partes inseparaacuteveis

O segundo grupo de conflitos que tambeacutem eacute dependente do primeiro eacute

resultado dos limites da accedilatildeo das esferas puacuteblicas e privadas Nesse sentido

a sua resoluccedilatildeo depende da criaccedilatildeo de novas articulaccedilotildees entre essas esferas

para alavancar o adequado funcionamento desses espaccedilos de mediaccedilatildeo

exigidos pela nova concepccedilatildeo da poliacutetica No estado atual de gestatildeo urbana e

ambiental os limites da accedilatildeo sobre os conflitos tecircm ganhado relevo quando

confrontados com a natureza do regime de propriedade das aacutereas protegidas

na maioria dos casos privada A natureza de uma suposta irregularidade

urbaniacutestica ou ambiental nesses espaccedilos se evidencia no cruzamento de

interesses e accedilotildees opostas sobre os mesmos No caso de Natal e do ponto de

vista da regulaccedilatildeo alguns desses espaccedilos como veremos adiante satildeo

definidos como zonas de proteccedilatildeo especial com base em duas perspectivas a

ambiental por meio de delimitaccedilotildees como Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental

(ZPAs) para as aacutereas ambientalmente fraacutegeis e a social por meio da

classificaccedilatildeo como Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) para os

assentamentos irregulares ou fraccedilotildees urbanas ocupadas pelas populaccedilotildees

mais pobres ou merecedoras de atenccedilatildeo especial em virtude das condiccedilotildees de

precariedade socioambiental

Neste debate destacamos o aspecto crucial do conflito e que estaacute na base

da matriz de sustentabilidade democraacutetica ou da justiccedila ambiental12 que

fundamentam o atual modelo de Poliacutetica Urbana brasileira Isto eacute realccedila a

necessidade de afinarmos a compreensatildeo sobre a noccedilatildeo de justiccedila espacial

na qual se insere a discussatildeo ora proposta sobre Natal a partir de duas das

suas fraccedilotildees territoriais consideradas simboacutelicas nos estudos sobre os conflitos

socioambientais o bairro (ou AEIS) de Matildee Luiza e a AEIS da Vila de Ponta

Negra Para entendermos o aparecimento desses conflitos conveacutem

retomarmos a breve anaacutelise sobre a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do solo do

municiacutepio Nesse sentido sublinhamos que esta ocupaccedilatildeo se desenvolveu

sobre um sitio geograacutefico com alta fragilidade ambiental caracterizado pela

presenccedila de ecossistemas primitivos como as dunas a vegetaccedilatildeo de

mangues as matas e as restingas aleacutem de uma diversidade de corpos drsquoaacutegua

que inclui lagoas e rios no seu interior e o Oceano Atlacircntico na sua feiccedilatildeo leste

com suas praias A maior parte das aacutereas caracterizadas por esses

componentes ambientais se manteve pouco alterada ateacute meados dos anos

1970 quando a ocupaccedilatildeo estava concentrada nos bairros centrais A partir de

entatildeo com o impulso do processo de urbanizaccedilatildeo e o avanccedilo dos debates da

consciecircncia mundial sobre a necessidade de conciliar o desenvolvimento

urbano com a preservaccedilatildeo dos recursos naturais evidenciaram-se o que hoje

denominamos ldquoconflitos espaciaisrdquo ou ldquoconflitos socioambientaisrdquo

Eacute fato que no caso do municiacutepio de Natal a caracterizaccedilatildeo fiacutesica referida

se aplica a todo o seu territoacuterio Entretanto ateacute a deacutecada de 1970 aleacutem da

ocupaccedilatildeo do solo ser de baixa intensidade demograacutefica e construtiva havia

pouca preocupaccedilatildeo quanto aos impactos da intensidade do processo de

urbanizaccedilatildeo no equiliacutebrio do ecossistema inclusive no acircmbito institucional

considerando que o municiacutepio a exemplo de outras realidades brasileiras

tambeacutem natildeo dispunha de instrumentos de controle urbaniacutestico e ambiental fato

12

Conceitos desenvolvidos por Henri Acselrad e outros autores que discutem as matrizes da

sustentabilidade nas poliacuteticas Ver a respeito ACSELRAD H (org) 2001 A duraccedilatildeo das cidades sustentabilidade e risco nas poliacuteticas urbanas DPampA Rio de Janeiro ACSELRALD Henri e LEROY J P 1999 Novas premissas da sustentabilidade democraacutetica FASE Rio de Janeiro

que contribuiu para o avanccedilo da ocupaccedilatildeo de forma dispersa em todas as

direccedilotildees do territoacuterio Estudos recentes sobre esse processo denotam o avanccedilo

dos impactos ambientais sobre territoacuterio municipal e as suas franjas

metropolitanas conforme consta no Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento

Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natalrdquo13 Nesse documento foram

demonstrados os efeitos do processo de urbanizaccedilatildeo com destaque para as

elevadas taxas de impermeabilizaccedilatildeo do solo a contaminaccedilatildeo das aguas

subterracircneas que abastecem a cidade e toda a regiatildeo e de outros corpos

drsquoagua incluindo o rio Potengi assim como para os problemas de alagamentos

e assoreamentos nas aacutereas vulneraacuteveis de erosatildeo costeira entre outros

A contribuiccedilatildeo dos assentamentos precaacuterios sobre o avanccedilo dessa forma

de ocupaccedilatildeo nas aacutereas ambientalmente fraacutegeis consiste no interesse principal

deste trabalho objeto de aprofundamento na quarta seccedilatildeo do trabalho a partir

da anaacutelise de duas fraccedilotildees Para tanto recuperamos os estudos recentes de

Ataiacutede (2013)14 sobre o tema quando realccedila a classificaccedilatildeo das condiccedilotildees de

risco e vulnerabilidade ambiental das 74 favelas existentes no municiacutepio

distribuiacutedos nas quatro regiotildees administrativas Entre essas algumas

localizados em Matildee Luiza e Ponta Negra apresentam condiccedilotildees de risco pela

relaccedilatildeo com os espaccedilos ambientalmente fraacutegeis como as dunas e as Aacutereas de

Preservaccedilatildeo Permanente(APPs)

IV Instrumentos e as dificuldades da sua efetivaccedilatildeo

Como referido anteriormente o municiacutepio de Natal tem feito esforccedilos para

efetivar o seu novo modelo de planejamento e gestatildeo urbana expresso no

Plano Diretor do municiacutepio que foi alccedilado agrave condiccedilatildeo de principal instrumento

13

O Plano (e o seu respectivo diagnostico) foi elaborado para fundamentar as estrateacutegias de

gestatildeo da RMNatal mas nunca se concretizou Ambos foram produzidos por uma equipe multidisciplinar e publicado em 2006 Plano tem como horizonte o ano de 2020 e contou na sua elaboraccedilatildeo com a Secretaria de Planejamento e Financcedilas do Governo Estadual a FADEUFPE e a FUNPECUFRN Ver FADEUFPE FUNPECUFRN SEPLANRN 2007 Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natal Natal Metroacutepole 2020 Diagnoacutestico para o Plano Estrateacutegico Relatoacuterio Temaacutetico da Dimensatildeo Fiacutesico-Territorial Produto 02 Natal Disponiacutevel em httpwwwnatalmetropolerngovbrdowloadsp2v3pdf acceso en 06 de Agosto de 2011 14

Nesses estudos a autora tomou como referecircncia o Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco

(PMRR) elaborado em 2008 que estabeleceu cinco criteacuterios para definir os graus de risco (0 a 5) dos assentamentos e que foram ser passiacutevel de deslizamento e erosatildeoassoreamento estar localizada sobre Dunas Aacuterea de Preservaccedilatildeo Permanente (APPs) ou faixas de domiacutenio Ver a respeito SEMURBAQUATOLCONSULTORIA 2008 Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal

de desenvolvimento urbano desde a Constituiccedilatildeo Federal de 1998 e em

especial a partir da vigecircncia da Lei Nacional de Desenvolvimento Urbano

denominada Estatuto da Cidade (Lei Federal nordm 102572001) em 2001 As

aacutereas de conflitos socioambientais objeto de anaacutelise ganharam evidecircncia a

partir desse marco normativo que orientando-se pelos princiacutepios da garantia

do direito agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado introduziu um conceito de

zoneamento territorial que realccedila as especificidades do municiacutepio a partir seu

tecido social e das suas caracteriacutesticas ambientais Nesse sentido estrutura-se

em duas escalas a macro que fundamenta a divisatildeo do territoacuterio em trecircs

grandes zonas Zona Adensaacutevel Zona de Adensamento Baacutesico e Zona de

Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA)15 a micro ou especiacutefica que possibilita a delimitaccedilatildeo

de fraccedilotildees do territoacuterio como merecedoras de tratamento urbaniacutestico e

ambiental diferenciado de forma correspondente aacutes suas condiccedilotildees de

precariedade urbaniacutestica e vulnerabilidade social e ou ambiental Essas aacutereas

denominadas de Aacutereas Especiais satildeo entendidas como ldquoporccedilotildees da Zona

Urbana situadas em zonas adensaacuteveis ou natildeo com destinaccedilatildeo especiacutefica ou

normas proacuteprias de uso e ocupaccedilatildeo do solordquo e classificadas em quatro

categorias Aacutereas de Controle de Gabarito (ACG) Aacutereas Especiais de Interesse

Social (AEIS) Aacutereas de Operaccedilatildeo Urbana (AOUR) Aacutereas Non Aedificand16

(Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20) As fraccedilotildees urbanas analisadas se

inserem na categoria Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) e alguns

conflitos se evidenciam nas relaccedilotildees com as Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental

localizadas no seu interior ou entorno

As duas categorias ZPAs foram instituiacutedas no Plano Diretor de 1994

como estrateacutegia de gestatildeo para assegurar as populaccedilotildees agrave garantia do direito

agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado nos termos definidos pela

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entretanto essas categorias ainda natildeo foram

regulamentadas na sua totalidade Objetivamente apenas as ZPAs tecircm sido

objeto de accedilotildees mais efetivas nessa direccedilatildeo considerando que entre as dez

15 Definida como a que se destina a ldquoproteccedilatildeo manutenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo dos aspectos

ambientais ecoloacutegicos paisagiacutesticos histoacutericos arqueoloacutegicos turiacutesticos culturais arquitetocircnicos e cientiacuteficos do municiacutepiordquo (Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 17) 16

NATAL Prefeitura Municipal Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20 Em NATAL

Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal

aacutereas assim classificadas 50 (cinco) jaacute tiveram seus processos de

regulamentaccedilatildeo concluiacutedos e outras cinco encontram-se em fase de debate

puacuteblico As ZPAs 06 e 10 que correspondem aos maciccedilos dunares de Ponta

Negra e Matildee Luiza respectivamente incluem-se neste segundo grupo Quanto

as AEIS embora tambeacutem instituiacutedas no mesmo marco normativo (1994) os

seus processos de regulamentaccedilatildeo natildeo avanccedilaram no mesmo ritmo que os

das ZPAs fato que ratifica ainda que por meio de tiacutemidas accedilotildees a primazia do

ambiental sobre o social no processo de gestatildeo urbana do municiacutepio (Figura 2)

Figura 2 ndash AEIS (1) e ZPAs (2) no PDN2007

Fonte Ataiacutede (2013 adaptado pelos autores)

Ressalte-se ainda que o instrumento AEIS foi ratificado e ampliado no

PDN2007 com o acreacutescimo de novas categorias e aacutereas Agraves favelas Vilas e

Loteamentos clandestinos foram acrescidas outras quatro categorias de AEIS

uma das quais aplicada agraves fraccedilotildees urbanas definidas como aacutereas que estatildeo

sob influecircncia de empreendimento de impacto socioeconocircmico cultural e

paisagiacutestico entre elas a da Vila de Ponta Negra17 Contudo passados 21

anos da vigecircncia do PDN 1994 e oito do PDN 2007 considera-se que apenas

17

NATAL Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o

Plano Diretor de Natal DOM Natal Mapa 04 Anexo II

1 2

a AEIS de Matildee Luiza foi objeto de um processo de regulamentaccedilatildeo integral

Outras quatro foram apenas delimitadas e para as demais natildeo existe nenhuma

discussatildeo em andamento18 Para restringir accedilotildees urbaniacutesticas que afetem os

objetivos de proteccedilatildeo socioambiental previstos no PDN2007 em especial o

avanccedilo da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria este Plano estabeleceu restriccedilotildees

urbaniacutesticas incidentes sobre o parcelamento (proibiccedilatildeo de remembramentos)

e a construccedilatildeo de edificaccedilotildees nelas situadas (limite de gabarito em ateacute 75m ou

dois pavimentos) ateacute que as regulamentaccedilatildeo fossem concluiacutedas A relaccedilatildeo

entre as AEIS de Mae Luiza e da Vila de Ponta e as ZPAs do seu entorno eacute

objeto de discussatildeo na seccedilatildeo seguinte do trabalho

V Duas situaccedilotildees emblemaacuteticas as AEIS de Matildee Luiza e Ponta Negra

1 A AEIS de Matildee Luiza

A AEIS de Matildee Luiza foi a primeira fraccedilatildeo urbana de Natal demarcada e

regulamentada como tal no acircmbito do seu marco urbaniacutestico atraveacutes da Lei

46631195 aprovada nove meses depois da aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de

1994 (PDN1994) Nesse processo dois aspectos merecem destaque a

discussatildeo delimitaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Lei que regulamenta a AEIS

(19921995) ocorreu em paralelo agraves discussotildees sobre o Plano Diretor

(19921994) a sua delimitaccedilatildeo se aplicou a todo o bairro de Matildee Luiza A

fraccedilatildeo urbana delimitada para a AEIS incluiu as favelas ali entatildeo existentes

(favelas do Sopapo Barro Duro Aparecida Alto da Colina) que foram

incluiacutedas nas trecircs categorias de AEIS estabelecidas pelo referido Plano

(Favelas Vilas e Loteamentos clandestinos)19 No processo de revisatildeo do

PDN1994 que foi concluido em 2007 com aprovaccedilatildeo da Lei 0822007

(PDN2007) e conforme referido na seccedilatildeo anterior o instrumento da AEIS foi

reafirmado com a manutenccedilatildeo dessas categorias e a adiccedilatildeo de outras

18

As AEIS do Complexo Favelas Passo da Paacutetria de Jardim Progreso da Aacutefrica e de Nova

Descoberta foram delimitadas mediante leis especificas (Ataiacutede 2013) 19

Um estudo publicado em 1994 que fundamentou a classificaccedilatildeo Plano Diretor identificou a

existecircncia de 69 favelas no municiacutepio de Natal naquele momento Ver IPLANAT1994

Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de

uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal IPLANAT Natal (mimeo)

incluindo a que se aplica a AEIS de Ponta Negra cujas especificidades

apresentamos na sequencia desta seccedilatildeo

Para entendermos melhor a jutifcativa dessa delimitaccedilatildeo cabe mencionar

alguns aspectos da constituiccedilatildeo e configuraccedilatildeo socioespacial do bairro de Matildee

Luiza cujo processo de ocupaccedilo tomou impulso a partir da deacutecada de 1950 e

reuacutene caracteriacutesticas morfoloacutegicas que natildeo se diferenciam das encontradas

nas favelas referidas Estas se expressam nas elevadas densidades

(construtiva e populacional) com destacada presenccedila da produccedilatildeo informal

que remontam agraves origens da sua formaccedilatildeo20 Nesse padratildeo morfoloacutegico

ressaltamos o traccedilado orgacircnico de ruas estreitas e um conjunto edificado com

predomiacutenio de edificaccedilotildees geminadas sem recuos laterais e ou frontais e com

alturas que alcanccedilam os dois pavimentos e com precariedade urbaniacutestica e

social acentuada na medida em que todo o bairro ainda carece de

infraestrutura baacutesica e o perfil socioeconocircmico dos moradores natildeo supera a

meacutedia de trecircs salaacuterios miacutenimos Eacute importante registrar que algumas fraccedilotildees do

bairro jaacute apresentam sinais do aumento dessa densidade com a presenccedila

destacada de edificaccedilotildees com trecircs pavimentos (ou mais)

Na perspectiva ambiental todo o bairro apresenta elevado grau de

fragilidade seja pelas suas caracteriacutesticas geomorfoloacutegicas (relevo acidentado

e aacuterea de dunas ambos sujeitos a deslizamentos) seja pela sua inserccedilatildeo nas

delimitaccedilotildees normativas aplicadas agrave proteccedilatildeo ambiental tanto em acircmbito

municipal como em acircmbitos federal e estadual Esse cenaacuterio se ratifica quando

se constata que grande parte do seu territoacuterio estaacute classificada como aacuterea de

risco pelo PMRR em parte devido a sua relaccedilatildeo com duas Aacutereas de

Preservaccedilatildeo Permanente (APPs de campos dunares) denominados no

PDN2007 como ZPA 2 e ZPA 1021 Segundo Ataiacutede a formaccedilatildeo das aacutereas de

risco assim como dos conflitos socioambientais satildeo resultado do avanccedilo da

ocupaccedilatildeo sobre esses espaccedilos Eacute importante ressaltar que ateacute meados da

deacutecada de 1980 o municiacutepio de Natal natildeo dispunha de regras efetivas de

20

Esses registros remetem agrave uma ocupaccedilatildeo rarefeita da primeira metade do mesmo seacuteculo

com alguma ocupaccedilatildeo no platocirc e nas encostas das dunas da atual Rua Guanabara pelos pescadores 21

A ZPA 2 corresponde ao Parque Estadual das Dunas espaccedilo natural integrante do Sistema

de Unidades de Conservaccedilatildeo do estado do Rio Grande Norte A ZPA 2 corresponde agraves encostas dunares adjacentes agrave Via Costeira que abriga o Farol de Matildee Luiza e margeia parte da Avenida Joatildeo XXIII e Rua Guanabara

controle urbaniacutestico e ambiental que pudessem frear tal forma de ocupaccedilatildeo em

seu territoacuterio Entretanto no caso de Matildee Luiza existem algumas referecircncias

em documentos institucionais e iniciativas normativas que jaacute demonstravam

alguma preocupaccedilatildeo sobre esse processo tais como o Plano Serete e o

PDN198422 Estas contribuiacuteram para reforccedilar os argumentos na defesa da

criaccedilatildeo das AEIS no ambiente de implantaccedilatildeo do marco normativo do

municiacutepio realccedilando o entendimento sobre a necessidade do reconhecimento

das praacuteticas soacutecio espaciais existentes nas diferentes fraccedilotildees territoriais Aleacutem

disso devido a sua localizaccedilatildeo na zona costeira central do municiacutepio desde os

anos 1980 o bairro de Matildee Luiza tambeacutem vem sofrendo uma forte pressatildeo

imobiliaacuteria

Sobre o processo de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo da AEIS cabe destacar

que aleacutem do seu desenvolvimento em paralelo ao do PDN1994 este tambeacutem

adiantou vaacuterios procedimentos de gestatildeo que soacute foram incorporados ao

sistema de planejamento do municiacutepio posteriormente tais como a iniciativa

popular e a motivaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo incluindo o processo participativo e

os objetivos socioambientais23 Segundo Ataiacutede ldquouma das motivaccedilotildees para a

elaboraccedilatildeo de um regramento urbanistico especiacutefico para a aacuterea teve origem

no movimento de resistecircncia da populaccedilatildeo agrave construccedilatildeo de um

empreendimento imobiliaacuterio para fins turisticos numa aacuterea de dunas ainda natildeo

ocupada fronteira a Via Costeira localizado ao lado do Farol de Matildee Luizardquo na

aacuterea atualmente delimitada como ZPA1024 O movimento envolveu diversos

22

O Plano de Desenvolvimento Urbaniacutestico (Plano Serete1968) nunca foi convertido em Lei

mas estabeleceu os fundamentos do Plano Diretor de 1984 (Lei 317584) Ele jaacute identificava a ocupaccedilatildeo nas dunas de Matildee Luiza como uma das grandes favelas de Natal Essa indicaccedilatildeo fundamentou a inclusatildeo do bairro no grupo das Zonas Especiais de Recuperaccedilatildeo Urbana (ZERU) no PDN1984 Em certa medida essas referecircncias denotam uma preocupaccedilatildeo com a precariedade urbaniacutestica e a vulnerabilidade social do lugar anterior ao contexto normativo da deacutecada de 1990 mesmo sem a efetivaccedilatildeo das accedilotildees sobre os assentamentos precaacuterios 23 Sobre esse processo ver especialmente os trabalhos de BENTES Dulce e TRINDADE

Maria Aparecida da S Fernandes 2008 Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159 disponiacutevel em

httpwwwrevistaunirninfbrrevistaunirnindexphprevistaunirnarticleviewFile154183 acesso em 15 de janeiro de 2015 As referecircncias tambeacutem foram discutidas por Ruth Ataiacutede em trabalho jaacute citado no presente artigo (Ataiacutede 2013) 24

O projeto de construccedilatildeo do Paradiso Mare Resort refletia o interesse do mercado

mobiliario num contexto do crescimento da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria da zona costeira Traduccedilatildeo direta de Ataiacutede 2013 jaacute referida

atores sociais com destaque para a participaccedilatildeo dos moradores da Igreja

Catoacutelica e do Departamento de Arquitetura da UFRN por meio das atividades

de extensatildeo de alguns dos seus alunos e professores25 Durante o processo de

discussatildeo se evidenciaram interesses conflitantes relativamente aos objetivos

da proteccedilatildeo socioambiental da aacuterea com destaque para o confronto entre os

moradores o movimento ambientalista e o setor imobiliaacuterio No que diz respeito

ao conteuacutedo da lei deve-se ressaltar que aleacutem de evidenciar a relaccedilatildeo entre

os paracircmetros urbaniacutesticos e as praacuteticas soacutecio espaciais ela adiciona os

princiacutepios socioambientais pois antecipa a discussatildeo sobre a proteccedilatildeo do

campo dunar do Farol de Mae Luiza o qual embora identificado como espaccedilo

protegido pelo PDN1994 ainda natildeo tinha sido delimitado No zoneamento da

AEIS essa aacuterea foi delimitada como Aacuterea de Conservaccedilatildeo (Figura 3)26

Figura 3 Zoneamento da AEIS de Matildee Luiza (destaque para a Aacuterea de Conservaccedilatildeo) e sua relaccedilatildeo com a ZPAs 2 e a ZPA10

Fonte Natal (1995) com base no DOM de 02081995 e FUNPECUFRNMPRN (2012)

adaptado pelos autores

25

ldquoA participaccedilatildeo da UFRN se deu por meio de estudos (1992) que fundamentaram a proposta

de regulamentaccedilatildeo sendo esta apropriada pela populaccedilatildeo do bairro resultando no texto final da Lei da AEISrdquo aprovada em 1995 (Ataide 2013) 26

Baseado nas caracteriacutesticas da ocupaccedilatildeo do lugar foi estabelecido um zoneamento que

dividiu o territoacuterio em trecircs subzonas duas menos restritivas (diferentes graus) e aplicada aos espaccedilos construiacutedos (AO1 - Aacuterea de Ocupaccedilatildeo e AOR2 Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restritiva) e uma aplicada agrave aacuterea de Dunas (AC - aacuterea de conservaccedilatildeo) que foi orientado para garantir a proteccedilatildeo da aacuterea

O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo

da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de

gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-

territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo

juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na

alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da

normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam

entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que

revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de

Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do

estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do

Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com

as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que

reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com

o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como

Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo

tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia

sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas

ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de

tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia

expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam

dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de

governo

Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com

a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade

da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave

resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do

municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo

das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da

ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o

conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno

com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque

Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e

proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade

Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se

apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo

sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das

situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da

favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das

dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo

PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem

contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo

gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas

ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e

com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo

ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias

institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do

movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus

interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza

Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da

favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no

processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam

pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas

remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco

tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na

proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os

objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos

estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de

Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto

conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos

territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees

nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)

Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

27

Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538

2 A AEIS da Vila de Ponta Negra

A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007

Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-

guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a

partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de

grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo

que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo

e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e

internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)

Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628

Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta

Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento

de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja

aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante

emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam

segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que

estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora

O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico

municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos

atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra

ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais

envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor

imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes

28

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento

urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123

das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo

cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007

no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses

representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os

princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso

desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A

ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -

batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e

que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29

Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do

resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos

A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser

encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do

direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute

uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas

precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do

Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar

da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea

Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8

(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda

natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de

gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade

Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao

papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local

da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam

numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de

pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens

culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao

conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com

uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e

29

Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30

De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no

mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo

apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria

pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees

acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos

adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos

com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como

AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas

principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se

opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua

regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de

fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou

negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo

de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida

natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com

moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser

submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios

fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores

da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com

ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo

Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta

Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa

numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta

Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06

que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei

municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem

estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do

Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea

ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e

estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do

31

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade

Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32

A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal

do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33

Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN

Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008

bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a

ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal

como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi

contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas

proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca

Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno

Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores

Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando

abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como

fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de

determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e

da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo

Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a

necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para

o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados

nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a

verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio

ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras

formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como

AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca

Praia de Ponta Negra

ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA

que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os

empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio

e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas

do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse

importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da

densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta

desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes

comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em

duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de

Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos

diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a

uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por

ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que

ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os

interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo

social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial

Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra

ZPA 06 - MORRO DO CARECA

ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)

BAIRRO PONTA NEGRA

ZONA DE AMORTECIMENTO

(ZA)

Praia de Ponta Negra

0m 50m 100m 200m

N

Morro do

Careca

01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca

03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento

06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca

05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca

04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo

Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth

VI Consideraccedilotildees Finais

Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves

relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos

protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto

devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm

estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994

tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas

estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees

especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo

apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)

No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor

imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo

de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de

acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades

especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia

de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de

expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se

realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal

por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao

novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse

novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o

desenvolvimento do trabalho

Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os

mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental

de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do

acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado

deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos

classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas

garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se

reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica

encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada

lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as

necessidades de morar na cidade

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TEIXEIRA R (2015) O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23

Page 3: Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ... · Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ambientais e a justiça espacial em Natal-Brasil Rubenilson Teixeira,

aos poucos elevam o seu padratildeo habitacional3 Nas deacutecadas de 1950 e 1960

contudo a imigraccedilatildeo para Natal continua importante Por um lado a estrutura

agraacuteria concentradora expulsa as populaccedilotildees rurais do campo e por outro o

esforccedilo de industrializaccedilatildeo do Nordeste que ocorre na deacutecada de 1960

provocando investimentos especialmente nas capitais via projetos da

Superintentecircncia de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) atrai grandes

contingentes populacionais Natal foi a terceira capital estadual do Nordeste a

receber em termos relativos o maior fluxo migratoacuterio na deacutecada de 19604

Outra caracteriacutestica desse crescimento se verifica pela formaccedilatildeo dos

loteamentos os primeiros dos quais surgem ainda durante a Segunda Guerra

Mundial Eles estatildeo na origem dos conjuntos habitacionais tatildeo presentes na

paisagem urbana de Natal Entre 1967 e 1978 o Banco Nacional da Habitaccedilatildeo

(BNH) financiou 25 conjuntos habitacionais na cidade totalizando 19 207

unidades Considerando uma estimativa de 5 pessoas por unidade esses

conjuntos abrigavam cerca de um quinto da populaccedilatildeo da capital potiguar

Mesmo assim em 1977 havia 10 000 casebres correspondendo 50 000

pessoas5 A cidade que tinha 160 253 habitantes em 1960 passa a ter 416

898 habitantes em 1980 segundo dados do IBGE6 um crescimento de 260

em apenas duas deacutecadas

No periacuteodo que se estende de 1941 ateacute o final da deacutecada de 1970 os

loteamentos e os conjuntos habitacionais que se lhes seguem se concentram

na regiatildeo sul da cidade do Natal confirmando o seu crescimento nessa

direccedilatildeo Neoacutepolis Cidade Sateacutelite Candelaacuteria Mirassol Ponta Negra e muitos

outros surgem ao longo desse periacuteodo Satildeo em geral destinados a estratos de

renda meacutedia da populaccedilatildeo Seja com for o crescimento da cidade em direccedilatildeo

ao sul do nuacutecleo inicial era inevitaacutevel uma vez que o Rio Potengi o Oceano

Atlacircntico e os cordotildees dunares a leste esbarravam a expansatildeo urbana nessas

direccedilotildees Desses limites o uacutenico que podia ser realmente transposto e mesmo

assim com dificuldade foi o Rio Potengi Visto no seacuteculo XIX como obstaacuteculo

3 A migraccedilatildeo rural-urbana que estaacute na origem desse processo foi consideraacutevel durante a

Segunda Guerra Mundial motivada principalmente pela busca de trabalho na capital potiguar 4 SOUZA Itamar de 1980 Migraccedilotildees Internas no Brasil Vozes Rio de Janeiro p 83-96 5 SOUZA ibid p 94-95 6 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE 1988 Anuaacuterio Estatiacutestico do

Brasil1987-1988 Vol48 IBGE Rio de Janeiro

ao crescimento e ao desenvolvimento econocircmico da cidade pois a isolava do

interior do mesmo modo que as dunas no seacuteculo XX Natal cresceu a ponto

de finalmente ldquoatravessarrdquo o Rio Potengi e se expandir pela sua margem

esquerda formando o que eacute hoje a sua Regiatildeo Administrativa Norte (RAN)

Isso terminou por incorporar em seu espaccedilo urbano o estuaacuterio do rio que antes

apenas delimitava a cidade fisicamente7 Esta Regiatildeo cresceu principalmente

atraveacutes dos chamados conjuntos habitacionais a partir do final da deacutecada de

1970 poreacutem se tornou uma aacuterea urbana perifeacuterica separada fiacutesica e

simbolicamente do restante da cidade pelo Rio Potengi8

A partir da deacutecada de 1970 e especialmente da deacutecada seguinte o

processo de ocupaccedilatildeo do solo se intensificou impulsionado tambeacutem pela

construccedilatildeo massiva dos conjuntos habitacionais horizontais promovidos pelo

Estado nas aacutereas entatildeo denominadas de expansatildeo urbana (Quadro 1 e Figura

1|) Posteriormente o processo se ampliou com a consolidaccedilatildeo da participaccedilatildeo

do capital imobiliaacuterio no processo de constituiccedilatildeo desse urbano a partir da

produccedilatildeo de moradias de padratildeo vertical e da infraestrutura de serviccedilos de

apoio turiacutestico especialmente nas franjas litoracircneas

Quadro 1 Evoluccedilatildeo do crescimento demograacutefico de Natal ndash 1960-2010

Ano Populaccedilatildeo Crescimento demograacutefico

1960-1970 1970-1980 1980-1991 1991-2000 2000-2010

1960 160 253 513 1970 264 379 466 1980 416 898 347 1991 606887 149 2000 712 317 121 2010 803739

Fonte Ataiacutede (2013) a partir de Ataiacutede (1997) IBGE (2000 2010) y SEMURB (2006 2010

2011)

Nesse contexto cabe destacar natildeo apenas o processo de produccedilatildeo

formal mas tambeacutem a produccedilatildeo informal de moradias que embora existente

7 Eacute verdade que ldquodo lado de laacuterdquo do rio havia dois nuacutecleos habitacionais Igapoacute e Redinha hoje

bairros que se relacionavam com a cidade De origem muito antiga ambos se confundem com o iniacutecio da histoacuteria de Natal Enquanto o primeiro era uma aldeia indiacutegena que foi contemporacircnea da fundaccedilatildeo da cidade a Redinha se encontra no mesmo local onde os primeiros moradores da cidade exploravam a pesca TEIXEIRA Rubenilson Brazatildeo 2015 O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23 8 SILVA Alexsandro Ferreira Cardoso da 2003 Depois das fronteiras a formaccedilatildeo dos

espaccedilos de pobreza na periferia Norte de Natal ndash RN Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Arquitetura e Urbanismo da UFRN Natal

pelo menos desde o iniacutecio do seacuteculo XX tambeacutem se ampliou e se espraiou em

todas as direccedilotildees do territoacuterio municipal a partir da deacutecada de 1980 (Figura 1)

Figura 1 ndash Evoluccedilatildeo da expansatildeo territorial com destaque para a participaccedilatildeo da produccedilatildeo formal de moradias promovida pelo estado ateacute a deacutecada de 1990

Antes de 1970 Depois da deacutecada de 1970

Fonte Ataiacutede (2013) a partir de Ataiacutede (1997) SEMTHAS UEM (2001) Morais (2004)SEMURB (2010) e UFRNFUNPECSEMTAS V 3 2004

Outro aspecto a considerar eacute que diferentemente de outros municiacutepios do

Rio Grande do Norte inclusive dos que compotildeem a sua Regiatildeo Metropolitana

Natal natildeo dispotildee mais de uma zona rural ou de expansatildeo Isso explica em

grande parte trecircs fenocircmenos recentes na dinacircmica urbana da cidade 1) o seu

crescimento por transbordamento isto eacute seus moradores estatildeo se fixando nos

municiacutepios limiacutetrofes da RMN onde o preccedilo da terra urbana eacute mais acessiacutevel

2) a consolidaccedilatildeo do processo de verticalizaccedilatildeo que vem ocorrendo desde a

deacutecada de 1980 3) o aumento da pressatildeo crescente para a ocupaccedilatildeo das

aacutereas ambientalmente fraacutegeis remanescentes como mangues dunas e aacutereas

ribeirinhas especialmente pelos estratos de renda sociais mais baixos que natildeo

podem se inserir no mercado formal de terras

A etapa mais recente do processo histoacuterico de expansatildeo urbana de Natal

se manifesta por intermeacutedio de duas caracteriacutesticas essenciais o processo de

verticalizaccedilatildeo da cidade notadamente a partir da deacutecada de 1980 por um lado

e por outro a crescente ameaccedila de ocupaccedilatildeo de aacutereas ambientalmente

fraacutegeis tatildeo presentes na cidade e que satildeo legalmente protegidas pela

legislaccedilatildeo urbana e ambiental Os dois processos mantecircm aliaacutes relaccedilatildeo entre

si enquanto que a verticalizaccedilatildeo atende aos estratos meacutedios e altos da

sociedade natalense que ocupam em geral aacutereas privilegiadas da cidade as

populaccedilotildees de baixa renda tendem a ocupar as aacutereas inadequadas do ponto

de vista ambiental como mangues dunas e as margens de rios A

mercantilizaccedilatildeo do solo urbano a especulaccedilatildeo imobiliaacuteria e a ineficaacutecia da

gestatildeo urbana satildeo alguns dos fatores que explicam essa situaccedilatildeo

Nesse processo de crescimento e expansatildeo urbana de Natal percebe-se

que o antigo nuacutecleo urbano adormecido durante pelo menos dois seacuteculos

comeccedila a se expandir consideravelmente ainda no seacuteculo XIX e iniacutecio do XX e

de maneira acelerada a partir da Segunda Guerra Mundial A cidade abrigava

em 2010 uma populaccedilatildeo de 803 739 habitantes segundo dados do IBGE9 e

forma com municiacutepios vizinhos a Regiatildeo Metropolitana de Natal (RMNatal)

Com efeito o antigo nuacutecleo urbano insignificante a ldquoNatal natildeo haacute talrdquo torna-se

progressivamente uma capital moderna com pretensotildees metropolitanas

III Uma situaccedilatildeo de impasse o crescimento urbano e os conflitos

socioambientais

O crescimento e a consolidaccedilatildeo da ocupaccedilatildeo da cidade do Natal foram

miacutenimos durante seacuteculos tendo em vista o pequeno nuacutemero de habitantes

Vivendo principalmente da pesca no Rio Potengi e no mar da exploraccedilatildeo

vegetal nos arredores da cidade e da agropecuaacuteria essas atividades ainda

que causassem algum impacto ambiental - desmatamento para o plantio e a

exploraccedilatildeo madeireira - natildeo atingiam uma escala significativa Aleacutem disso

desconhecemos a existecircncia de uma consciecircncia ambiental de seus habitantes

antes das preocupaccedilotildees higienistas que marcaram a cidade do Natal e outras

cidades do Brasil entre fins do seacuteculo XIX e primeiras deacutecadas do seacuteculo XX10

Essa preocupaccedilatildeo eacute relativamente recente na histoacuteria da humanidade e no

9httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=240810ampsearch=rio-grande-

do-norte|natal Acesso em 02 de abril de 2015 10

Preocupaccedilotildees que estavam circunscritas a uma elite e que eram principalmente de natureza

meacutedica isto eacute dos seus efeitos sobre a sauacutede dos habitantes do que no sentido atual de preocupaccedilatildeo com a salvaguarda e proteccedilatildeo dos recursos naturais Ver a respeito FERREIRA Angela Luacutecia A et al 2008 Uma Cidade Satilde e Bela a trajetoacuteria do Saneamento de Natal entre 1850 e 1969 IAB RN CREA RN Natal

Brasil parece se evidenciar somente a partir das trecircs uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo

XX

Em Natal as referecircncias agrave proteccedilatildeo do meio ambiente com alguma

efetividade seja por meio de iniciativas do movimento social seja por meio de

estrateacutegias de gestatildeo tambeacutem datam de finais da deacutecada de 1970 quando os

debates sobre a proteccedilatildeo dos recursos naturais ganham relevo e passam a

integrar as agendas dos movimentos sociais e de algumas accedilotildees

governamentais Desde entatildeo especialmente desde a deacutecada de 1980

algumas accedilotildees com motivaccedilotildees sociais e ambientais tecircm demonstrado o

crescimento de uma consciecircncia ambiental e produzido alteraccedilotildees nas

estrateacutegias de planejamento e gestatildeo urbana do municiacutepio Respeito isso

destaca-se pelos movimentos sociais as reaccedilotildees contraacuterias ao projeto de

construccedilatildeo da Via Costeira (1978-1980) agraves primeiras iniciativas de

verticalizaccedilatildeo da orla mariacutetima e a defesa da paisagem costeira e da

permanecircncia das populaccedilotildees tradicionais ali residentes (1980-1984) e pelas

accedilotildees governamentais as estrateacutegias de proteccedilatildeo da paisagem (Zonas

Especiais de Interesse Turiacutestico) inseridas no Plano Diretor de 1984

(PDN1984-Lei 317584) e a aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de 1994 (PDN1994-

Lei 0794) e da Lei 466395 que regulamenta a AEIS de Matildee Luiza

O marco temporal da presente discussatildeo eacute portanto definido a partir dos

conflitos socioambientais que emergiram com o avanccedilo do processo de

ocupaccedilatildeo do solo (formal ou informal) sobre os espaccedilos naturais e que foram

reconhecidos como objeto de proteccedilatildeo especial pelo atual marco normativo

urbaniacutestico e ambiental fundamentado no reconhecimento dos direitos de

todos os cidadatildeos agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado No caso de Natal

que reproduz uma situaccedilatildeo visiacutevel em todo o urbano brasileiro tal cenaacuterio de

conflitos revela-se como uma das caracteriacutesticas da sua paisagem Do ponto

de vista urbano e ambiental a maioria desses espaccedilos foi historicamente

produzida de forma ilegal e marginal tendo origem em sua maioria a partir

das demandas das populaccedilotildees mais pobres que geralmente natildeo possuem

renda para participar do mercado formal de terras

Para a compreensatildeo da natureza dos conflitos que estamos analisando eacute

importante lembrar que a relevacircncia das questotildees socioambientais como um

problema nas disputas territoriais soacute ganhou algum destaque quando ambas as

dimensotildees (social e ambiental) incorporaram a natureza do interesse puacuteblico

Com base nesta abordagem os conflitos inicialmente tratados como conflitos

de terra e considerados principalmente pela luta ao acesso agrave moradia

adicionaram novas configuraccedilotildees novos atores e novas dimensotildees para o

problema Nessa configuraccedilatildeo os problemas relacionados com a posse de

terra urbana e o acesso agrave moradia na esfera puacuteblica tambeacutem passaram a ser

definidos como problemas ambientais

Segundo Ataiacutede (2013) um dos desafios do enfrentamento dos conflitos

socioambientais tem sido identificar como os diferentes atores sociais tecircm

efetivado suas accedilotildees relacionadas com o processo de ocupaccedilatildeo do solo dos

espaccedilos naturais tendo como referecircncia a manutenccedilatildeo do fortalecimento da

relaccedilatildeo entre o direito agrave moradia e os preceitos da proteccedilatildeo ambiental Tal

reflexatildeo se apoia no fato de que grande parte das situaccedilotildees de conflito se

manifesta em aacutereas caracterizadas por dualidades e ambiguidades e

evidenciam interesses de diversas naturezas seja em decorrecircncia da

inadequaccedilatildeo urbaniacutestica (parcelamento e tipologias ediliacutecias diferentes dos

padrotildees gerais da cidade) seja pelos aspectos ambientais (localizaccedilatildeo em

aacutereas ambientalmente fraacutegeis protegidas ou natildeo)11

Essa caracterizaccedilatildeo dual faz parte da complexidade da mateacuteria e a sua

compreensatildeo exige a consideraccedilatildeo da sua dimensatildeo histoacuterica na perspectiva

de reconstituir os conflitos e as accedilotildees de resistecircncia contra ameaccedilas de

supressatildeo de direitos Nesse sentido eacute que Andreacutea Zhouri (2007) chama a

atenccedilatildeo para o fato de que a proteccedilatildeo dos recursos naturais deve sempre ser

considerada de forma associada aos processos socioculturais especiacuteficos do

lugar e os conflitos socioambientais considerados como resultado das praacuteticas

e disputas de interesses na apropriaccedilatildeo desses recursos pelos distintos atores

Nesses processos o Estado tem legitimado as suas praacuteticas atraveacutes do

discurso da proteccedilatildeo ambiental que se tornou argumento de consenso dos

interesses dos diferentes setores sociais Por outro lado a compreensatildeo da

natureza desses conflitos tambeacutem depende do funcionamento do modelo de

poliacutetica urbana e ambiental a que estatildeo sujeitos A identificaccedilatildeo de

11

Traduccedilatildeo livre de Ruth Ataiacutede (2013 p 60) na sua Tese de doutorado Entre os autores que

orientam essa discussatildeo a autora destaca Andrea Zhouri (2007 y 2005) referidas Simone Polli (2010) y Silvana Mameri (2011)

convergecircncias e diferenccedilas entre essas duas dimensotildees da poliacutetica permite-

nos discutir estrateacutegias de planejamento urbano- ambiental aplicadas a estas

aacutereas A partir dessa identificaccedilatildeo e tomando como referecircncia estrutura de

Ataiacutede (2013) os conflitos satildeo analisados segundo duas dimensotildees a

institucional que se expressa nas estrateacutegias de gestatildeo e regulaccedilatildeo e a fiacutesico-

territorial que se expressa nas relaccedilotildees espaciais (sociais e ambientais)

No acircmbito institucional expresso nas estrateacutegias de regulaccedilatildeo e gestatildeo a

autora identifica pelo menos dois grupos de conflitos no primeiro grupo objeto

de reflexatildeo no trabalho incluem-se os que satildeo gerados no campo da proacutepria

formulaccedilatildeo da poliacutetica a partir das mudanccedilas na concepccedilatildeo do planejamento

(como previsatildeo ou desejo de uma situaccedilatildeo ideal) que foi substituiacuteda pela

concepccedilatildeo de gestatildeo que se baseia em uma accedilatildeo sobre os espaccedilos de uma

compreensatildeo das condiccedilotildees (sociais culturais poliacuteticas e econoacutemicas) reais

de sua produccedilatildeo e consumo Ou seja uma concepccedilatildeo da poliacutetica estruturada

no princiacutepio do reconhecimento da cidade existente e do planejamento como

um processo dinacircmico que reconhece as accedilotildees do homem sobre a produccedilatildeo

do espaccedilo (urbano ou rural) como expressatildeo legitima do vivido e este como

uma das suas partes inseparaacuteveis

O segundo grupo de conflitos que tambeacutem eacute dependente do primeiro eacute

resultado dos limites da accedilatildeo das esferas puacuteblicas e privadas Nesse sentido

a sua resoluccedilatildeo depende da criaccedilatildeo de novas articulaccedilotildees entre essas esferas

para alavancar o adequado funcionamento desses espaccedilos de mediaccedilatildeo

exigidos pela nova concepccedilatildeo da poliacutetica No estado atual de gestatildeo urbana e

ambiental os limites da accedilatildeo sobre os conflitos tecircm ganhado relevo quando

confrontados com a natureza do regime de propriedade das aacutereas protegidas

na maioria dos casos privada A natureza de uma suposta irregularidade

urbaniacutestica ou ambiental nesses espaccedilos se evidencia no cruzamento de

interesses e accedilotildees opostas sobre os mesmos No caso de Natal e do ponto de

vista da regulaccedilatildeo alguns desses espaccedilos como veremos adiante satildeo

definidos como zonas de proteccedilatildeo especial com base em duas perspectivas a

ambiental por meio de delimitaccedilotildees como Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental

(ZPAs) para as aacutereas ambientalmente fraacutegeis e a social por meio da

classificaccedilatildeo como Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) para os

assentamentos irregulares ou fraccedilotildees urbanas ocupadas pelas populaccedilotildees

mais pobres ou merecedoras de atenccedilatildeo especial em virtude das condiccedilotildees de

precariedade socioambiental

Neste debate destacamos o aspecto crucial do conflito e que estaacute na base

da matriz de sustentabilidade democraacutetica ou da justiccedila ambiental12 que

fundamentam o atual modelo de Poliacutetica Urbana brasileira Isto eacute realccedila a

necessidade de afinarmos a compreensatildeo sobre a noccedilatildeo de justiccedila espacial

na qual se insere a discussatildeo ora proposta sobre Natal a partir de duas das

suas fraccedilotildees territoriais consideradas simboacutelicas nos estudos sobre os conflitos

socioambientais o bairro (ou AEIS) de Matildee Luiza e a AEIS da Vila de Ponta

Negra Para entendermos o aparecimento desses conflitos conveacutem

retomarmos a breve anaacutelise sobre a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do solo do

municiacutepio Nesse sentido sublinhamos que esta ocupaccedilatildeo se desenvolveu

sobre um sitio geograacutefico com alta fragilidade ambiental caracterizado pela

presenccedila de ecossistemas primitivos como as dunas a vegetaccedilatildeo de

mangues as matas e as restingas aleacutem de uma diversidade de corpos drsquoaacutegua

que inclui lagoas e rios no seu interior e o Oceano Atlacircntico na sua feiccedilatildeo leste

com suas praias A maior parte das aacutereas caracterizadas por esses

componentes ambientais se manteve pouco alterada ateacute meados dos anos

1970 quando a ocupaccedilatildeo estava concentrada nos bairros centrais A partir de

entatildeo com o impulso do processo de urbanizaccedilatildeo e o avanccedilo dos debates da

consciecircncia mundial sobre a necessidade de conciliar o desenvolvimento

urbano com a preservaccedilatildeo dos recursos naturais evidenciaram-se o que hoje

denominamos ldquoconflitos espaciaisrdquo ou ldquoconflitos socioambientaisrdquo

Eacute fato que no caso do municiacutepio de Natal a caracterizaccedilatildeo fiacutesica referida

se aplica a todo o seu territoacuterio Entretanto ateacute a deacutecada de 1970 aleacutem da

ocupaccedilatildeo do solo ser de baixa intensidade demograacutefica e construtiva havia

pouca preocupaccedilatildeo quanto aos impactos da intensidade do processo de

urbanizaccedilatildeo no equiliacutebrio do ecossistema inclusive no acircmbito institucional

considerando que o municiacutepio a exemplo de outras realidades brasileiras

tambeacutem natildeo dispunha de instrumentos de controle urbaniacutestico e ambiental fato

12

Conceitos desenvolvidos por Henri Acselrad e outros autores que discutem as matrizes da

sustentabilidade nas poliacuteticas Ver a respeito ACSELRAD H (org) 2001 A duraccedilatildeo das cidades sustentabilidade e risco nas poliacuteticas urbanas DPampA Rio de Janeiro ACSELRALD Henri e LEROY J P 1999 Novas premissas da sustentabilidade democraacutetica FASE Rio de Janeiro

que contribuiu para o avanccedilo da ocupaccedilatildeo de forma dispersa em todas as

direccedilotildees do territoacuterio Estudos recentes sobre esse processo denotam o avanccedilo

dos impactos ambientais sobre territoacuterio municipal e as suas franjas

metropolitanas conforme consta no Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento

Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natalrdquo13 Nesse documento foram

demonstrados os efeitos do processo de urbanizaccedilatildeo com destaque para as

elevadas taxas de impermeabilizaccedilatildeo do solo a contaminaccedilatildeo das aguas

subterracircneas que abastecem a cidade e toda a regiatildeo e de outros corpos

drsquoagua incluindo o rio Potengi assim como para os problemas de alagamentos

e assoreamentos nas aacutereas vulneraacuteveis de erosatildeo costeira entre outros

A contribuiccedilatildeo dos assentamentos precaacuterios sobre o avanccedilo dessa forma

de ocupaccedilatildeo nas aacutereas ambientalmente fraacutegeis consiste no interesse principal

deste trabalho objeto de aprofundamento na quarta seccedilatildeo do trabalho a partir

da anaacutelise de duas fraccedilotildees Para tanto recuperamos os estudos recentes de

Ataiacutede (2013)14 sobre o tema quando realccedila a classificaccedilatildeo das condiccedilotildees de

risco e vulnerabilidade ambiental das 74 favelas existentes no municiacutepio

distribuiacutedos nas quatro regiotildees administrativas Entre essas algumas

localizados em Matildee Luiza e Ponta Negra apresentam condiccedilotildees de risco pela

relaccedilatildeo com os espaccedilos ambientalmente fraacutegeis como as dunas e as Aacutereas de

Preservaccedilatildeo Permanente(APPs)

IV Instrumentos e as dificuldades da sua efetivaccedilatildeo

Como referido anteriormente o municiacutepio de Natal tem feito esforccedilos para

efetivar o seu novo modelo de planejamento e gestatildeo urbana expresso no

Plano Diretor do municiacutepio que foi alccedilado agrave condiccedilatildeo de principal instrumento

13

O Plano (e o seu respectivo diagnostico) foi elaborado para fundamentar as estrateacutegias de

gestatildeo da RMNatal mas nunca se concretizou Ambos foram produzidos por uma equipe multidisciplinar e publicado em 2006 Plano tem como horizonte o ano de 2020 e contou na sua elaboraccedilatildeo com a Secretaria de Planejamento e Financcedilas do Governo Estadual a FADEUFPE e a FUNPECUFRN Ver FADEUFPE FUNPECUFRN SEPLANRN 2007 Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natal Natal Metroacutepole 2020 Diagnoacutestico para o Plano Estrateacutegico Relatoacuterio Temaacutetico da Dimensatildeo Fiacutesico-Territorial Produto 02 Natal Disponiacutevel em httpwwwnatalmetropolerngovbrdowloadsp2v3pdf acceso en 06 de Agosto de 2011 14

Nesses estudos a autora tomou como referecircncia o Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco

(PMRR) elaborado em 2008 que estabeleceu cinco criteacuterios para definir os graus de risco (0 a 5) dos assentamentos e que foram ser passiacutevel de deslizamento e erosatildeoassoreamento estar localizada sobre Dunas Aacuterea de Preservaccedilatildeo Permanente (APPs) ou faixas de domiacutenio Ver a respeito SEMURBAQUATOLCONSULTORIA 2008 Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal

de desenvolvimento urbano desde a Constituiccedilatildeo Federal de 1998 e em

especial a partir da vigecircncia da Lei Nacional de Desenvolvimento Urbano

denominada Estatuto da Cidade (Lei Federal nordm 102572001) em 2001 As

aacutereas de conflitos socioambientais objeto de anaacutelise ganharam evidecircncia a

partir desse marco normativo que orientando-se pelos princiacutepios da garantia

do direito agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado introduziu um conceito de

zoneamento territorial que realccedila as especificidades do municiacutepio a partir seu

tecido social e das suas caracteriacutesticas ambientais Nesse sentido estrutura-se

em duas escalas a macro que fundamenta a divisatildeo do territoacuterio em trecircs

grandes zonas Zona Adensaacutevel Zona de Adensamento Baacutesico e Zona de

Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA)15 a micro ou especiacutefica que possibilita a delimitaccedilatildeo

de fraccedilotildees do territoacuterio como merecedoras de tratamento urbaniacutestico e

ambiental diferenciado de forma correspondente aacutes suas condiccedilotildees de

precariedade urbaniacutestica e vulnerabilidade social e ou ambiental Essas aacutereas

denominadas de Aacutereas Especiais satildeo entendidas como ldquoporccedilotildees da Zona

Urbana situadas em zonas adensaacuteveis ou natildeo com destinaccedilatildeo especiacutefica ou

normas proacuteprias de uso e ocupaccedilatildeo do solordquo e classificadas em quatro

categorias Aacutereas de Controle de Gabarito (ACG) Aacutereas Especiais de Interesse

Social (AEIS) Aacutereas de Operaccedilatildeo Urbana (AOUR) Aacutereas Non Aedificand16

(Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20) As fraccedilotildees urbanas analisadas se

inserem na categoria Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) e alguns

conflitos se evidenciam nas relaccedilotildees com as Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental

localizadas no seu interior ou entorno

As duas categorias ZPAs foram instituiacutedas no Plano Diretor de 1994

como estrateacutegia de gestatildeo para assegurar as populaccedilotildees agrave garantia do direito

agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado nos termos definidos pela

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entretanto essas categorias ainda natildeo foram

regulamentadas na sua totalidade Objetivamente apenas as ZPAs tecircm sido

objeto de accedilotildees mais efetivas nessa direccedilatildeo considerando que entre as dez

15 Definida como a que se destina a ldquoproteccedilatildeo manutenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo dos aspectos

ambientais ecoloacutegicos paisagiacutesticos histoacutericos arqueoloacutegicos turiacutesticos culturais arquitetocircnicos e cientiacuteficos do municiacutepiordquo (Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 17) 16

NATAL Prefeitura Municipal Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20 Em NATAL

Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal

aacutereas assim classificadas 50 (cinco) jaacute tiveram seus processos de

regulamentaccedilatildeo concluiacutedos e outras cinco encontram-se em fase de debate

puacuteblico As ZPAs 06 e 10 que correspondem aos maciccedilos dunares de Ponta

Negra e Matildee Luiza respectivamente incluem-se neste segundo grupo Quanto

as AEIS embora tambeacutem instituiacutedas no mesmo marco normativo (1994) os

seus processos de regulamentaccedilatildeo natildeo avanccedilaram no mesmo ritmo que os

das ZPAs fato que ratifica ainda que por meio de tiacutemidas accedilotildees a primazia do

ambiental sobre o social no processo de gestatildeo urbana do municiacutepio (Figura 2)

Figura 2 ndash AEIS (1) e ZPAs (2) no PDN2007

Fonte Ataiacutede (2013 adaptado pelos autores)

Ressalte-se ainda que o instrumento AEIS foi ratificado e ampliado no

PDN2007 com o acreacutescimo de novas categorias e aacutereas Agraves favelas Vilas e

Loteamentos clandestinos foram acrescidas outras quatro categorias de AEIS

uma das quais aplicada agraves fraccedilotildees urbanas definidas como aacutereas que estatildeo

sob influecircncia de empreendimento de impacto socioeconocircmico cultural e

paisagiacutestico entre elas a da Vila de Ponta Negra17 Contudo passados 21

anos da vigecircncia do PDN 1994 e oito do PDN 2007 considera-se que apenas

17

NATAL Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o

Plano Diretor de Natal DOM Natal Mapa 04 Anexo II

1 2

a AEIS de Matildee Luiza foi objeto de um processo de regulamentaccedilatildeo integral

Outras quatro foram apenas delimitadas e para as demais natildeo existe nenhuma

discussatildeo em andamento18 Para restringir accedilotildees urbaniacutesticas que afetem os

objetivos de proteccedilatildeo socioambiental previstos no PDN2007 em especial o

avanccedilo da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria este Plano estabeleceu restriccedilotildees

urbaniacutesticas incidentes sobre o parcelamento (proibiccedilatildeo de remembramentos)

e a construccedilatildeo de edificaccedilotildees nelas situadas (limite de gabarito em ateacute 75m ou

dois pavimentos) ateacute que as regulamentaccedilatildeo fossem concluiacutedas A relaccedilatildeo

entre as AEIS de Mae Luiza e da Vila de Ponta e as ZPAs do seu entorno eacute

objeto de discussatildeo na seccedilatildeo seguinte do trabalho

V Duas situaccedilotildees emblemaacuteticas as AEIS de Matildee Luiza e Ponta Negra

1 A AEIS de Matildee Luiza

A AEIS de Matildee Luiza foi a primeira fraccedilatildeo urbana de Natal demarcada e

regulamentada como tal no acircmbito do seu marco urbaniacutestico atraveacutes da Lei

46631195 aprovada nove meses depois da aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de

1994 (PDN1994) Nesse processo dois aspectos merecem destaque a

discussatildeo delimitaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Lei que regulamenta a AEIS

(19921995) ocorreu em paralelo agraves discussotildees sobre o Plano Diretor

(19921994) a sua delimitaccedilatildeo se aplicou a todo o bairro de Matildee Luiza A

fraccedilatildeo urbana delimitada para a AEIS incluiu as favelas ali entatildeo existentes

(favelas do Sopapo Barro Duro Aparecida Alto da Colina) que foram

incluiacutedas nas trecircs categorias de AEIS estabelecidas pelo referido Plano

(Favelas Vilas e Loteamentos clandestinos)19 No processo de revisatildeo do

PDN1994 que foi concluido em 2007 com aprovaccedilatildeo da Lei 0822007

(PDN2007) e conforme referido na seccedilatildeo anterior o instrumento da AEIS foi

reafirmado com a manutenccedilatildeo dessas categorias e a adiccedilatildeo de outras

18

As AEIS do Complexo Favelas Passo da Paacutetria de Jardim Progreso da Aacutefrica e de Nova

Descoberta foram delimitadas mediante leis especificas (Ataiacutede 2013) 19

Um estudo publicado em 1994 que fundamentou a classificaccedilatildeo Plano Diretor identificou a

existecircncia de 69 favelas no municiacutepio de Natal naquele momento Ver IPLANAT1994

Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de

uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal IPLANAT Natal (mimeo)

incluindo a que se aplica a AEIS de Ponta Negra cujas especificidades

apresentamos na sequencia desta seccedilatildeo

Para entendermos melhor a jutifcativa dessa delimitaccedilatildeo cabe mencionar

alguns aspectos da constituiccedilatildeo e configuraccedilatildeo socioespacial do bairro de Matildee

Luiza cujo processo de ocupaccedilo tomou impulso a partir da deacutecada de 1950 e

reuacutene caracteriacutesticas morfoloacutegicas que natildeo se diferenciam das encontradas

nas favelas referidas Estas se expressam nas elevadas densidades

(construtiva e populacional) com destacada presenccedila da produccedilatildeo informal

que remontam agraves origens da sua formaccedilatildeo20 Nesse padratildeo morfoloacutegico

ressaltamos o traccedilado orgacircnico de ruas estreitas e um conjunto edificado com

predomiacutenio de edificaccedilotildees geminadas sem recuos laterais e ou frontais e com

alturas que alcanccedilam os dois pavimentos e com precariedade urbaniacutestica e

social acentuada na medida em que todo o bairro ainda carece de

infraestrutura baacutesica e o perfil socioeconocircmico dos moradores natildeo supera a

meacutedia de trecircs salaacuterios miacutenimos Eacute importante registrar que algumas fraccedilotildees do

bairro jaacute apresentam sinais do aumento dessa densidade com a presenccedila

destacada de edificaccedilotildees com trecircs pavimentos (ou mais)

Na perspectiva ambiental todo o bairro apresenta elevado grau de

fragilidade seja pelas suas caracteriacutesticas geomorfoloacutegicas (relevo acidentado

e aacuterea de dunas ambos sujeitos a deslizamentos) seja pela sua inserccedilatildeo nas

delimitaccedilotildees normativas aplicadas agrave proteccedilatildeo ambiental tanto em acircmbito

municipal como em acircmbitos federal e estadual Esse cenaacuterio se ratifica quando

se constata que grande parte do seu territoacuterio estaacute classificada como aacuterea de

risco pelo PMRR em parte devido a sua relaccedilatildeo com duas Aacutereas de

Preservaccedilatildeo Permanente (APPs de campos dunares) denominados no

PDN2007 como ZPA 2 e ZPA 1021 Segundo Ataiacutede a formaccedilatildeo das aacutereas de

risco assim como dos conflitos socioambientais satildeo resultado do avanccedilo da

ocupaccedilatildeo sobre esses espaccedilos Eacute importante ressaltar que ateacute meados da

deacutecada de 1980 o municiacutepio de Natal natildeo dispunha de regras efetivas de

20

Esses registros remetem agrave uma ocupaccedilatildeo rarefeita da primeira metade do mesmo seacuteculo

com alguma ocupaccedilatildeo no platocirc e nas encostas das dunas da atual Rua Guanabara pelos pescadores 21

A ZPA 2 corresponde ao Parque Estadual das Dunas espaccedilo natural integrante do Sistema

de Unidades de Conservaccedilatildeo do estado do Rio Grande Norte A ZPA 2 corresponde agraves encostas dunares adjacentes agrave Via Costeira que abriga o Farol de Matildee Luiza e margeia parte da Avenida Joatildeo XXIII e Rua Guanabara

controle urbaniacutestico e ambiental que pudessem frear tal forma de ocupaccedilatildeo em

seu territoacuterio Entretanto no caso de Matildee Luiza existem algumas referecircncias

em documentos institucionais e iniciativas normativas que jaacute demonstravam

alguma preocupaccedilatildeo sobre esse processo tais como o Plano Serete e o

PDN198422 Estas contribuiacuteram para reforccedilar os argumentos na defesa da

criaccedilatildeo das AEIS no ambiente de implantaccedilatildeo do marco normativo do

municiacutepio realccedilando o entendimento sobre a necessidade do reconhecimento

das praacuteticas soacutecio espaciais existentes nas diferentes fraccedilotildees territoriais Aleacutem

disso devido a sua localizaccedilatildeo na zona costeira central do municiacutepio desde os

anos 1980 o bairro de Matildee Luiza tambeacutem vem sofrendo uma forte pressatildeo

imobiliaacuteria

Sobre o processo de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo da AEIS cabe destacar

que aleacutem do seu desenvolvimento em paralelo ao do PDN1994 este tambeacutem

adiantou vaacuterios procedimentos de gestatildeo que soacute foram incorporados ao

sistema de planejamento do municiacutepio posteriormente tais como a iniciativa

popular e a motivaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo incluindo o processo participativo e

os objetivos socioambientais23 Segundo Ataiacutede ldquouma das motivaccedilotildees para a

elaboraccedilatildeo de um regramento urbanistico especiacutefico para a aacuterea teve origem

no movimento de resistecircncia da populaccedilatildeo agrave construccedilatildeo de um

empreendimento imobiliaacuterio para fins turisticos numa aacuterea de dunas ainda natildeo

ocupada fronteira a Via Costeira localizado ao lado do Farol de Matildee Luizardquo na

aacuterea atualmente delimitada como ZPA1024 O movimento envolveu diversos

22

O Plano de Desenvolvimento Urbaniacutestico (Plano Serete1968) nunca foi convertido em Lei

mas estabeleceu os fundamentos do Plano Diretor de 1984 (Lei 317584) Ele jaacute identificava a ocupaccedilatildeo nas dunas de Matildee Luiza como uma das grandes favelas de Natal Essa indicaccedilatildeo fundamentou a inclusatildeo do bairro no grupo das Zonas Especiais de Recuperaccedilatildeo Urbana (ZERU) no PDN1984 Em certa medida essas referecircncias denotam uma preocupaccedilatildeo com a precariedade urbaniacutestica e a vulnerabilidade social do lugar anterior ao contexto normativo da deacutecada de 1990 mesmo sem a efetivaccedilatildeo das accedilotildees sobre os assentamentos precaacuterios 23 Sobre esse processo ver especialmente os trabalhos de BENTES Dulce e TRINDADE

Maria Aparecida da S Fernandes 2008 Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159 disponiacutevel em

httpwwwrevistaunirninfbrrevistaunirnindexphprevistaunirnarticleviewFile154183 acesso em 15 de janeiro de 2015 As referecircncias tambeacutem foram discutidas por Ruth Ataiacutede em trabalho jaacute citado no presente artigo (Ataiacutede 2013) 24

O projeto de construccedilatildeo do Paradiso Mare Resort refletia o interesse do mercado

mobiliario num contexto do crescimento da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria da zona costeira Traduccedilatildeo direta de Ataiacutede 2013 jaacute referida

atores sociais com destaque para a participaccedilatildeo dos moradores da Igreja

Catoacutelica e do Departamento de Arquitetura da UFRN por meio das atividades

de extensatildeo de alguns dos seus alunos e professores25 Durante o processo de

discussatildeo se evidenciaram interesses conflitantes relativamente aos objetivos

da proteccedilatildeo socioambiental da aacuterea com destaque para o confronto entre os

moradores o movimento ambientalista e o setor imobiliaacuterio No que diz respeito

ao conteuacutedo da lei deve-se ressaltar que aleacutem de evidenciar a relaccedilatildeo entre

os paracircmetros urbaniacutesticos e as praacuteticas soacutecio espaciais ela adiciona os

princiacutepios socioambientais pois antecipa a discussatildeo sobre a proteccedilatildeo do

campo dunar do Farol de Mae Luiza o qual embora identificado como espaccedilo

protegido pelo PDN1994 ainda natildeo tinha sido delimitado No zoneamento da

AEIS essa aacuterea foi delimitada como Aacuterea de Conservaccedilatildeo (Figura 3)26

Figura 3 Zoneamento da AEIS de Matildee Luiza (destaque para a Aacuterea de Conservaccedilatildeo) e sua relaccedilatildeo com a ZPAs 2 e a ZPA10

Fonte Natal (1995) com base no DOM de 02081995 e FUNPECUFRNMPRN (2012)

adaptado pelos autores

25

ldquoA participaccedilatildeo da UFRN se deu por meio de estudos (1992) que fundamentaram a proposta

de regulamentaccedilatildeo sendo esta apropriada pela populaccedilatildeo do bairro resultando no texto final da Lei da AEISrdquo aprovada em 1995 (Ataide 2013) 26

Baseado nas caracteriacutesticas da ocupaccedilatildeo do lugar foi estabelecido um zoneamento que

dividiu o territoacuterio em trecircs subzonas duas menos restritivas (diferentes graus) e aplicada aos espaccedilos construiacutedos (AO1 - Aacuterea de Ocupaccedilatildeo e AOR2 Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restritiva) e uma aplicada agrave aacuterea de Dunas (AC - aacuterea de conservaccedilatildeo) que foi orientado para garantir a proteccedilatildeo da aacuterea

O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo

da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de

gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-

territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo

juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na

alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da

normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam

entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que

revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de

Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do

estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do

Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com

as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que

reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com

o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como

Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo

tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia

sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas

ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de

tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia

expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam

dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de

governo

Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com

a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade

da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave

resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do

municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo

das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da

ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o

conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno

com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque

Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e

proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade

Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se

apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo

sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das

situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da

favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das

dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo

PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem

contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo

gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas

ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e

com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo

ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias

institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do

movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus

interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza

Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da

favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no

processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam

pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas

remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco

tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na

proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os

objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos

estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de

Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto

conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos

territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees

nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)

Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

27

Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538

2 A AEIS da Vila de Ponta Negra

A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007

Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-

guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a

partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de

grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo

que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo

e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e

internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)

Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628

Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta

Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento

de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja

aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante

emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam

segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que

estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora

O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico

municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos

atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra

ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais

envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor

imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes

28

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento

urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123

das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo

cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007

no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses

representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os

princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso

desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A

ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -

batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e

que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29

Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do

resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos

A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser

encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do

direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute

uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas

precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do

Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar

da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea

Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8

(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda

natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de

gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade

Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao

papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local

da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam

numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de

pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens

culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao

conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com

uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e

29

Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30

De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no

mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo

apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria

pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees

acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos

adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos

com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como

AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas

principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se

opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua

regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de

fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou

negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo

de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida

natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com

moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser

submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios

fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores

da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com

ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo

Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta

Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa

numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta

Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06

que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei

municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem

estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do

Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea

ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e

estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do

31

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade

Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32

A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal

do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33

Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN

Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008

bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a

ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal

como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi

contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas

proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca

Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno

Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores

Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando

abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como

fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de

determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e

da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo

Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a

necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para

o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados

nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a

verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio

ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras

formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como

AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca

Praia de Ponta Negra

ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA

que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os

empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio

e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas

do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse

importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da

densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta

desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes

comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em

duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de

Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos

diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a

uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por

ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que

ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os

interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo

social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial

Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra

ZPA 06 - MORRO DO CARECA

ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)

BAIRRO PONTA NEGRA

ZONA DE AMORTECIMENTO

(ZA)

Praia de Ponta Negra

0m 50m 100m 200m

N

Morro do

Careca

01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca

03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento

06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca

05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca

04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo

Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth

VI Consideraccedilotildees Finais

Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves

relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos

protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto

devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm

estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994

tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas

estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees

especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo

apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)

No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor

imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo

de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de

acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades

especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia

de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de

expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se

realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal

por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao

novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse

novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o

desenvolvimento do trabalho

Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os

mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental

de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do

acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado

deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos

classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas

garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se

reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica

encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada

lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as

necessidades de morar na cidade

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Page 4: Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ... · Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ambientais e a justiça espacial em Natal-Brasil Rubenilson Teixeira,

ao crescimento e ao desenvolvimento econocircmico da cidade pois a isolava do

interior do mesmo modo que as dunas no seacuteculo XX Natal cresceu a ponto

de finalmente ldquoatravessarrdquo o Rio Potengi e se expandir pela sua margem

esquerda formando o que eacute hoje a sua Regiatildeo Administrativa Norte (RAN)

Isso terminou por incorporar em seu espaccedilo urbano o estuaacuterio do rio que antes

apenas delimitava a cidade fisicamente7 Esta Regiatildeo cresceu principalmente

atraveacutes dos chamados conjuntos habitacionais a partir do final da deacutecada de

1970 poreacutem se tornou uma aacuterea urbana perifeacuterica separada fiacutesica e

simbolicamente do restante da cidade pelo Rio Potengi8

A partir da deacutecada de 1970 e especialmente da deacutecada seguinte o

processo de ocupaccedilatildeo do solo se intensificou impulsionado tambeacutem pela

construccedilatildeo massiva dos conjuntos habitacionais horizontais promovidos pelo

Estado nas aacutereas entatildeo denominadas de expansatildeo urbana (Quadro 1 e Figura

1|) Posteriormente o processo se ampliou com a consolidaccedilatildeo da participaccedilatildeo

do capital imobiliaacuterio no processo de constituiccedilatildeo desse urbano a partir da

produccedilatildeo de moradias de padratildeo vertical e da infraestrutura de serviccedilos de

apoio turiacutestico especialmente nas franjas litoracircneas

Quadro 1 Evoluccedilatildeo do crescimento demograacutefico de Natal ndash 1960-2010

Ano Populaccedilatildeo Crescimento demograacutefico

1960-1970 1970-1980 1980-1991 1991-2000 2000-2010

1960 160 253 513 1970 264 379 466 1980 416 898 347 1991 606887 149 2000 712 317 121 2010 803739

Fonte Ataiacutede (2013) a partir de Ataiacutede (1997) IBGE (2000 2010) y SEMURB (2006 2010

2011)

Nesse contexto cabe destacar natildeo apenas o processo de produccedilatildeo

formal mas tambeacutem a produccedilatildeo informal de moradias que embora existente

7 Eacute verdade que ldquodo lado de laacuterdquo do rio havia dois nuacutecleos habitacionais Igapoacute e Redinha hoje

bairros que se relacionavam com a cidade De origem muito antiga ambos se confundem com o iniacutecio da histoacuteria de Natal Enquanto o primeiro era uma aldeia indiacutegena que foi contemporacircnea da fundaccedilatildeo da cidade a Redinha se encontra no mesmo local onde os primeiros moradores da cidade exploravam a pesca TEIXEIRA Rubenilson Brazatildeo 2015 O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23 8 SILVA Alexsandro Ferreira Cardoso da 2003 Depois das fronteiras a formaccedilatildeo dos

espaccedilos de pobreza na periferia Norte de Natal ndash RN Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Arquitetura e Urbanismo da UFRN Natal

pelo menos desde o iniacutecio do seacuteculo XX tambeacutem se ampliou e se espraiou em

todas as direccedilotildees do territoacuterio municipal a partir da deacutecada de 1980 (Figura 1)

Figura 1 ndash Evoluccedilatildeo da expansatildeo territorial com destaque para a participaccedilatildeo da produccedilatildeo formal de moradias promovida pelo estado ateacute a deacutecada de 1990

Antes de 1970 Depois da deacutecada de 1970

Fonte Ataiacutede (2013) a partir de Ataiacutede (1997) SEMTHAS UEM (2001) Morais (2004)SEMURB (2010) e UFRNFUNPECSEMTAS V 3 2004

Outro aspecto a considerar eacute que diferentemente de outros municiacutepios do

Rio Grande do Norte inclusive dos que compotildeem a sua Regiatildeo Metropolitana

Natal natildeo dispotildee mais de uma zona rural ou de expansatildeo Isso explica em

grande parte trecircs fenocircmenos recentes na dinacircmica urbana da cidade 1) o seu

crescimento por transbordamento isto eacute seus moradores estatildeo se fixando nos

municiacutepios limiacutetrofes da RMN onde o preccedilo da terra urbana eacute mais acessiacutevel

2) a consolidaccedilatildeo do processo de verticalizaccedilatildeo que vem ocorrendo desde a

deacutecada de 1980 3) o aumento da pressatildeo crescente para a ocupaccedilatildeo das

aacutereas ambientalmente fraacutegeis remanescentes como mangues dunas e aacutereas

ribeirinhas especialmente pelos estratos de renda sociais mais baixos que natildeo

podem se inserir no mercado formal de terras

A etapa mais recente do processo histoacuterico de expansatildeo urbana de Natal

se manifesta por intermeacutedio de duas caracteriacutesticas essenciais o processo de

verticalizaccedilatildeo da cidade notadamente a partir da deacutecada de 1980 por um lado

e por outro a crescente ameaccedila de ocupaccedilatildeo de aacutereas ambientalmente

fraacutegeis tatildeo presentes na cidade e que satildeo legalmente protegidas pela

legislaccedilatildeo urbana e ambiental Os dois processos mantecircm aliaacutes relaccedilatildeo entre

si enquanto que a verticalizaccedilatildeo atende aos estratos meacutedios e altos da

sociedade natalense que ocupam em geral aacutereas privilegiadas da cidade as

populaccedilotildees de baixa renda tendem a ocupar as aacutereas inadequadas do ponto

de vista ambiental como mangues dunas e as margens de rios A

mercantilizaccedilatildeo do solo urbano a especulaccedilatildeo imobiliaacuteria e a ineficaacutecia da

gestatildeo urbana satildeo alguns dos fatores que explicam essa situaccedilatildeo

Nesse processo de crescimento e expansatildeo urbana de Natal percebe-se

que o antigo nuacutecleo urbano adormecido durante pelo menos dois seacuteculos

comeccedila a se expandir consideravelmente ainda no seacuteculo XIX e iniacutecio do XX e

de maneira acelerada a partir da Segunda Guerra Mundial A cidade abrigava

em 2010 uma populaccedilatildeo de 803 739 habitantes segundo dados do IBGE9 e

forma com municiacutepios vizinhos a Regiatildeo Metropolitana de Natal (RMNatal)

Com efeito o antigo nuacutecleo urbano insignificante a ldquoNatal natildeo haacute talrdquo torna-se

progressivamente uma capital moderna com pretensotildees metropolitanas

III Uma situaccedilatildeo de impasse o crescimento urbano e os conflitos

socioambientais

O crescimento e a consolidaccedilatildeo da ocupaccedilatildeo da cidade do Natal foram

miacutenimos durante seacuteculos tendo em vista o pequeno nuacutemero de habitantes

Vivendo principalmente da pesca no Rio Potengi e no mar da exploraccedilatildeo

vegetal nos arredores da cidade e da agropecuaacuteria essas atividades ainda

que causassem algum impacto ambiental - desmatamento para o plantio e a

exploraccedilatildeo madeireira - natildeo atingiam uma escala significativa Aleacutem disso

desconhecemos a existecircncia de uma consciecircncia ambiental de seus habitantes

antes das preocupaccedilotildees higienistas que marcaram a cidade do Natal e outras

cidades do Brasil entre fins do seacuteculo XIX e primeiras deacutecadas do seacuteculo XX10

Essa preocupaccedilatildeo eacute relativamente recente na histoacuteria da humanidade e no

9httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=240810ampsearch=rio-grande-

do-norte|natal Acesso em 02 de abril de 2015 10

Preocupaccedilotildees que estavam circunscritas a uma elite e que eram principalmente de natureza

meacutedica isto eacute dos seus efeitos sobre a sauacutede dos habitantes do que no sentido atual de preocupaccedilatildeo com a salvaguarda e proteccedilatildeo dos recursos naturais Ver a respeito FERREIRA Angela Luacutecia A et al 2008 Uma Cidade Satilde e Bela a trajetoacuteria do Saneamento de Natal entre 1850 e 1969 IAB RN CREA RN Natal

Brasil parece se evidenciar somente a partir das trecircs uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo

XX

Em Natal as referecircncias agrave proteccedilatildeo do meio ambiente com alguma

efetividade seja por meio de iniciativas do movimento social seja por meio de

estrateacutegias de gestatildeo tambeacutem datam de finais da deacutecada de 1970 quando os

debates sobre a proteccedilatildeo dos recursos naturais ganham relevo e passam a

integrar as agendas dos movimentos sociais e de algumas accedilotildees

governamentais Desde entatildeo especialmente desde a deacutecada de 1980

algumas accedilotildees com motivaccedilotildees sociais e ambientais tecircm demonstrado o

crescimento de uma consciecircncia ambiental e produzido alteraccedilotildees nas

estrateacutegias de planejamento e gestatildeo urbana do municiacutepio Respeito isso

destaca-se pelos movimentos sociais as reaccedilotildees contraacuterias ao projeto de

construccedilatildeo da Via Costeira (1978-1980) agraves primeiras iniciativas de

verticalizaccedilatildeo da orla mariacutetima e a defesa da paisagem costeira e da

permanecircncia das populaccedilotildees tradicionais ali residentes (1980-1984) e pelas

accedilotildees governamentais as estrateacutegias de proteccedilatildeo da paisagem (Zonas

Especiais de Interesse Turiacutestico) inseridas no Plano Diretor de 1984

(PDN1984-Lei 317584) e a aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de 1994 (PDN1994-

Lei 0794) e da Lei 466395 que regulamenta a AEIS de Matildee Luiza

O marco temporal da presente discussatildeo eacute portanto definido a partir dos

conflitos socioambientais que emergiram com o avanccedilo do processo de

ocupaccedilatildeo do solo (formal ou informal) sobre os espaccedilos naturais e que foram

reconhecidos como objeto de proteccedilatildeo especial pelo atual marco normativo

urbaniacutestico e ambiental fundamentado no reconhecimento dos direitos de

todos os cidadatildeos agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado No caso de Natal

que reproduz uma situaccedilatildeo visiacutevel em todo o urbano brasileiro tal cenaacuterio de

conflitos revela-se como uma das caracteriacutesticas da sua paisagem Do ponto

de vista urbano e ambiental a maioria desses espaccedilos foi historicamente

produzida de forma ilegal e marginal tendo origem em sua maioria a partir

das demandas das populaccedilotildees mais pobres que geralmente natildeo possuem

renda para participar do mercado formal de terras

Para a compreensatildeo da natureza dos conflitos que estamos analisando eacute

importante lembrar que a relevacircncia das questotildees socioambientais como um

problema nas disputas territoriais soacute ganhou algum destaque quando ambas as

dimensotildees (social e ambiental) incorporaram a natureza do interesse puacuteblico

Com base nesta abordagem os conflitos inicialmente tratados como conflitos

de terra e considerados principalmente pela luta ao acesso agrave moradia

adicionaram novas configuraccedilotildees novos atores e novas dimensotildees para o

problema Nessa configuraccedilatildeo os problemas relacionados com a posse de

terra urbana e o acesso agrave moradia na esfera puacuteblica tambeacutem passaram a ser

definidos como problemas ambientais

Segundo Ataiacutede (2013) um dos desafios do enfrentamento dos conflitos

socioambientais tem sido identificar como os diferentes atores sociais tecircm

efetivado suas accedilotildees relacionadas com o processo de ocupaccedilatildeo do solo dos

espaccedilos naturais tendo como referecircncia a manutenccedilatildeo do fortalecimento da

relaccedilatildeo entre o direito agrave moradia e os preceitos da proteccedilatildeo ambiental Tal

reflexatildeo se apoia no fato de que grande parte das situaccedilotildees de conflito se

manifesta em aacutereas caracterizadas por dualidades e ambiguidades e

evidenciam interesses de diversas naturezas seja em decorrecircncia da

inadequaccedilatildeo urbaniacutestica (parcelamento e tipologias ediliacutecias diferentes dos

padrotildees gerais da cidade) seja pelos aspectos ambientais (localizaccedilatildeo em

aacutereas ambientalmente fraacutegeis protegidas ou natildeo)11

Essa caracterizaccedilatildeo dual faz parte da complexidade da mateacuteria e a sua

compreensatildeo exige a consideraccedilatildeo da sua dimensatildeo histoacuterica na perspectiva

de reconstituir os conflitos e as accedilotildees de resistecircncia contra ameaccedilas de

supressatildeo de direitos Nesse sentido eacute que Andreacutea Zhouri (2007) chama a

atenccedilatildeo para o fato de que a proteccedilatildeo dos recursos naturais deve sempre ser

considerada de forma associada aos processos socioculturais especiacuteficos do

lugar e os conflitos socioambientais considerados como resultado das praacuteticas

e disputas de interesses na apropriaccedilatildeo desses recursos pelos distintos atores

Nesses processos o Estado tem legitimado as suas praacuteticas atraveacutes do

discurso da proteccedilatildeo ambiental que se tornou argumento de consenso dos

interesses dos diferentes setores sociais Por outro lado a compreensatildeo da

natureza desses conflitos tambeacutem depende do funcionamento do modelo de

poliacutetica urbana e ambiental a que estatildeo sujeitos A identificaccedilatildeo de

11

Traduccedilatildeo livre de Ruth Ataiacutede (2013 p 60) na sua Tese de doutorado Entre os autores que

orientam essa discussatildeo a autora destaca Andrea Zhouri (2007 y 2005) referidas Simone Polli (2010) y Silvana Mameri (2011)

convergecircncias e diferenccedilas entre essas duas dimensotildees da poliacutetica permite-

nos discutir estrateacutegias de planejamento urbano- ambiental aplicadas a estas

aacutereas A partir dessa identificaccedilatildeo e tomando como referecircncia estrutura de

Ataiacutede (2013) os conflitos satildeo analisados segundo duas dimensotildees a

institucional que se expressa nas estrateacutegias de gestatildeo e regulaccedilatildeo e a fiacutesico-

territorial que se expressa nas relaccedilotildees espaciais (sociais e ambientais)

No acircmbito institucional expresso nas estrateacutegias de regulaccedilatildeo e gestatildeo a

autora identifica pelo menos dois grupos de conflitos no primeiro grupo objeto

de reflexatildeo no trabalho incluem-se os que satildeo gerados no campo da proacutepria

formulaccedilatildeo da poliacutetica a partir das mudanccedilas na concepccedilatildeo do planejamento

(como previsatildeo ou desejo de uma situaccedilatildeo ideal) que foi substituiacuteda pela

concepccedilatildeo de gestatildeo que se baseia em uma accedilatildeo sobre os espaccedilos de uma

compreensatildeo das condiccedilotildees (sociais culturais poliacuteticas e econoacutemicas) reais

de sua produccedilatildeo e consumo Ou seja uma concepccedilatildeo da poliacutetica estruturada

no princiacutepio do reconhecimento da cidade existente e do planejamento como

um processo dinacircmico que reconhece as accedilotildees do homem sobre a produccedilatildeo

do espaccedilo (urbano ou rural) como expressatildeo legitima do vivido e este como

uma das suas partes inseparaacuteveis

O segundo grupo de conflitos que tambeacutem eacute dependente do primeiro eacute

resultado dos limites da accedilatildeo das esferas puacuteblicas e privadas Nesse sentido

a sua resoluccedilatildeo depende da criaccedilatildeo de novas articulaccedilotildees entre essas esferas

para alavancar o adequado funcionamento desses espaccedilos de mediaccedilatildeo

exigidos pela nova concepccedilatildeo da poliacutetica No estado atual de gestatildeo urbana e

ambiental os limites da accedilatildeo sobre os conflitos tecircm ganhado relevo quando

confrontados com a natureza do regime de propriedade das aacutereas protegidas

na maioria dos casos privada A natureza de uma suposta irregularidade

urbaniacutestica ou ambiental nesses espaccedilos se evidencia no cruzamento de

interesses e accedilotildees opostas sobre os mesmos No caso de Natal e do ponto de

vista da regulaccedilatildeo alguns desses espaccedilos como veremos adiante satildeo

definidos como zonas de proteccedilatildeo especial com base em duas perspectivas a

ambiental por meio de delimitaccedilotildees como Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental

(ZPAs) para as aacutereas ambientalmente fraacutegeis e a social por meio da

classificaccedilatildeo como Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) para os

assentamentos irregulares ou fraccedilotildees urbanas ocupadas pelas populaccedilotildees

mais pobres ou merecedoras de atenccedilatildeo especial em virtude das condiccedilotildees de

precariedade socioambiental

Neste debate destacamos o aspecto crucial do conflito e que estaacute na base

da matriz de sustentabilidade democraacutetica ou da justiccedila ambiental12 que

fundamentam o atual modelo de Poliacutetica Urbana brasileira Isto eacute realccedila a

necessidade de afinarmos a compreensatildeo sobre a noccedilatildeo de justiccedila espacial

na qual se insere a discussatildeo ora proposta sobre Natal a partir de duas das

suas fraccedilotildees territoriais consideradas simboacutelicas nos estudos sobre os conflitos

socioambientais o bairro (ou AEIS) de Matildee Luiza e a AEIS da Vila de Ponta

Negra Para entendermos o aparecimento desses conflitos conveacutem

retomarmos a breve anaacutelise sobre a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do solo do

municiacutepio Nesse sentido sublinhamos que esta ocupaccedilatildeo se desenvolveu

sobre um sitio geograacutefico com alta fragilidade ambiental caracterizado pela

presenccedila de ecossistemas primitivos como as dunas a vegetaccedilatildeo de

mangues as matas e as restingas aleacutem de uma diversidade de corpos drsquoaacutegua

que inclui lagoas e rios no seu interior e o Oceano Atlacircntico na sua feiccedilatildeo leste

com suas praias A maior parte das aacutereas caracterizadas por esses

componentes ambientais se manteve pouco alterada ateacute meados dos anos

1970 quando a ocupaccedilatildeo estava concentrada nos bairros centrais A partir de

entatildeo com o impulso do processo de urbanizaccedilatildeo e o avanccedilo dos debates da

consciecircncia mundial sobre a necessidade de conciliar o desenvolvimento

urbano com a preservaccedilatildeo dos recursos naturais evidenciaram-se o que hoje

denominamos ldquoconflitos espaciaisrdquo ou ldquoconflitos socioambientaisrdquo

Eacute fato que no caso do municiacutepio de Natal a caracterizaccedilatildeo fiacutesica referida

se aplica a todo o seu territoacuterio Entretanto ateacute a deacutecada de 1970 aleacutem da

ocupaccedilatildeo do solo ser de baixa intensidade demograacutefica e construtiva havia

pouca preocupaccedilatildeo quanto aos impactos da intensidade do processo de

urbanizaccedilatildeo no equiliacutebrio do ecossistema inclusive no acircmbito institucional

considerando que o municiacutepio a exemplo de outras realidades brasileiras

tambeacutem natildeo dispunha de instrumentos de controle urbaniacutestico e ambiental fato

12

Conceitos desenvolvidos por Henri Acselrad e outros autores que discutem as matrizes da

sustentabilidade nas poliacuteticas Ver a respeito ACSELRAD H (org) 2001 A duraccedilatildeo das cidades sustentabilidade e risco nas poliacuteticas urbanas DPampA Rio de Janeiro ACSELRALD Henri e LEROY J P 1999 Novas premissas da sustentabilidade democraacutetica FASE Rio de Janeiro

que contribuiu para o avanccedilo da ocupaccedilatildeo de forma dispersa em todas as

direccedilotildees do territoacuterio Estudos recentes sobre esse processo denotam o avanccedilo

dos impactos ambientais sobre territoacuterio municipal e as suas franjas

metropolitanas conforme consta no Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento

Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natalrdquo13 Nesse documento foram

demonstrados os efeitos do processo de urbanizaccedilatildeo com destaque para as

elevadas taxas de impermeabilizaccedilatildeo do solo a contaminaccedilatildeo das aguas

subterracircneas que abastecem a cidade e toda a regiatildeo e de outros corpos

drsquoagua incluindo o rio Potengi assim como para os problemas de alagamentos

e assoreamentos nas aacutereas vulneraacuteveis de erosatildeo costeira entre outros

A contribuiccedilatildeo dos assentamentos precaacuterios sobre o avanccedilo dessa forma

de ocupaccedilatildeo nas aacutereas ambientalmente fraacutegeis consiste no interesse principal

deste trabalho objeto de aprofundamento na quarta seccedilatildeo do trabalho a partir

da anaacutelise de duas fraccedilotildees Para tanto recuperamos os estudos recentes de

Ataiacutede (2013)14 sobre o tema quando realccedila a classificaccedilatildeo das condiccedilotildees de

risco e vulnerabilidade ambiental das 74 favelas existentes no municiacutepio

distribuiacutedos nas quatro regiotildees administrativas Entre essas algumas

localizados em Matildee Luiza e Ponta Negra apresentam condiccedilotildees de risco pela

relaccedilatildeo com os espaccedilos ambientalmente fraacutegeis como as dunas e as Aacutereas de

Preservaccedilatildeo Permanente(APPs)

IV Instrumentos e as dificuldades da sua efetivaccedilatildeo

Como referido anteriormente o municiacutepio de Natal tem feito esforccedilos para

efetivar o seu novo modelo de planejamento e gestatildeo urbana expresso no

Plano Diretor do municiacutepio que foi alccedilado agrave condiccedilatildeo de principal instrumento

13

O Plano (e o seu respectivo diagnostico) foi elaborado para fundamentar as estrateacutegias de

gestatildeo da RMNatal mas nunca se concretizou Ambos foram produzidos por uma equipe multidisciplinar e publicado em 2006 Plano tem como horizonte o ano de 2020 e contou na sua elaboraccedilatildeo com a Secretaria de Planejamento e Financcedilas do Governo Estadual a FADEUFPE e a FUNPECUFRN Ver FADEUFPE FUNPECUFRN SEPLANRN 2007 Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natal Natal Metroacutepole 2020 Diagnoacutestico para o Plano Estrateacutegico Relatoacuterio Temaacutetico da Dimensatildeo Fiacutesico-Territorial Produto 02 Natal Disponiacutevel em httpwwwnatalmetropolerngovbrdowloadsp2v3pdf acceso en 06 de Agosto de 2011 14

Nesses estudos a autora tomou como referecircncia o Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco

(PMRR) elaborado em 2008 que estabeleceu cinco criteacuterios para definir os graus de risco (0 a 5) dos assentamentos e que foram ser passiacutevel de deslizamento e erosatildeoassoreamento estar localizada sobre Dunas Aacuterea de Preservaccedilatildeo Permanente (APPs) ou faixas de domiacutenio Ver a respeito SEMURBAQUATOLCONSULTORIA 2008 Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal

de desenvolvimento urbano desde a Constituiccedilatildeo Federal de 1998 e em

especial a partir da vigecircncia da Lei Nacional de Desenvolvimento Urbano

denominada Estatuto da Cidade (Lei Federal nordm 102572001) em 2001 As

aacutereas de conflitos socioambientais objeto de anaacutelise ganharam evidecircncia a

partir desse marco normativo que orientando-se pelos princiacutepios da garantia

do direito agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado introduziu um conceito de

zoneamento territorial que realccedila as especificidades do municiacutepio a partir seu

tecido social e das suas caracteriacutesticas ambientais Nesse sentido estrutura-se

em duas escalas a macro que fundamenta a divisatildeo do territoacuterio em trecircs

grandes zonas Zona Adensaacutevel Zona de Adensamento Baacutesico e Zona de

Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA)15 a micro ou especiacutefica que possibilita a delimitaccedilatildeo

de fraccedilotildees do territoacuterio como merecedoras de tratamento urbaniacutestico e

ambiental diferenciado de forma correspondente aacutes suas condiccedilotildees de

precariedade urbaniacutestica e vulnerabilidade social e ou ambiental Essas aacutereas

denominadas de Aacutereas Especiais satildeo entendidas como ldquoporccedilotildees da Zona

Urbana situadas em zonas adensaacuteveis ou natildeo com destinaccedilatildeo especiacutefica ou

normas proacuteprias de uso e ocupaccedilatildeo do solordquo e classificadas em quatro

categorias Aacutereas de Controle de Gabarito (ACG) Aacutereas Especiais de Interesse

Social (AEIS) Aacutereas de Operaccedilatildeo Urbana (AOUR) Aacutereas Non Aedificand16

(Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20) As fraccedilotildees urbanas analisadas se

inserem na categoria Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) e alguns

conflitos se evidenciam nas relaccedilotildees com as Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental

localizadas no seu interior ou entorno

As duas categorias ZPAs foram instituiacutedas no Plano Diretor de 1994

como estrateacutegia de gestatildeo para assegurar as populaccedilotildees agrave garantia do direito

agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado nos termos definidos pela

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entretanto essas categorias ainda natildeo foram

regulamentadas na sua totalidade Objetivamente apenas as ZPAs tecircm sido

objeto de accedilotildees mais efetivas nessa direccedilatildeo considerando que entre as dez

15 Definida como a que se destina a ldquoproteccedilatildeo manutenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo dos aspectos

ambientais ecoloacutegicos paisagiacutesticos histoacutericos arqueoloacutegicos turiacutesticos culturais arquitetocircnicos e cientiacuteficos do municiacutepiordquo (Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 17) 16

NATAL Prefeitura Municipal Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20 Em NATAL

Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal

aacutereas assim classificadas 50 (cinco) jaacute tiveram seus processos de

regulamentaccedilatildeo concluiacutedos e outras cinco encontram-se em fase de debate

puacuteblico As ZPAs 06 e 10 que correspondem aos maciccedilos dunares de Ponta

Negra e Matildee Luiza respectivamente incluem-se neste segundo grupo Quanto

as AEIS embora tambeacutem instituiacutedas no mesmo marco normativo (1994) os

seus processos de regulamentaccedilatildeo natildeo avanccedilaram no mesmo ritmo que os

das ZPAs fato que ratifica ainda que por meio de tiacutemidas accedilotildees a primazia do

ambiental sobre o social no processo de gestatildeo urbana do municiacutepio (Figura 2)

Figura 2 ndash AEIS (1) e ZPAs (2) no PDN2007

Fonte Ataiacutede (2013 adaptado pelos autores)

Ressalte-se ainda que o instrumento AEIS foi ratificado e ampliado no

PDN2007 com o acreacutescimo de novas categorias e aacutereas Agraves favelas Vilas e

Loteamentos clandestinos foram acrescidas outras quatro categorias de AEIS

uma das quais aplicada agraves fraccedilotildees urbanas definidas como aacutereas que estatildeo

sob influecircncia de empreendimento de impacto socioeconocircmico cultural e

paisagiacutestico entre elas a da Vila de Ponta Negra17 Contudo passados 21

anos da vigecircncia do PDN 1994 e oito do PDN 2007 considera-se que apenas

17

NATAL Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o

Plano Diretor de Natal DOM Natal Mapa 04 Anexo II

1 2

a AEIS de Matildee Luiza foi objeto de um processo de regulamentaccedilatildeo integral

Outras quatro foram apenas delimitadas e para as demais natildeo existe nenhuma

discussatildeo em andamento18 Para restringir accedilotildees urbaniacutesticas que afetem os

objetivos de proteccedilatildeo socioambiental previstos no PDN2007 em especial o

avanccedilo da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria este Plano estabeleceu restriccedilotildees

urbaniacutesticas incidentes sobre o parcelamento (proibiccedilatildeo de remembramentos)

e a construccedilatildeo de edificaccedilotildees nelas situadas (limite de gabarito em ateacute 75m ou

dois pavimentos) ateacute que as regulamentaccedilatildeo fossem concluiacutedas A relaccedilatildeo

entre as AEIS de Mae Luiza e da Vila de Ponta e as ZPAs do seu entorno eacute

objeto de discussatildeo na seccedilatildeo seguinte do trabalho

V Duas situaccedilotildees emblemaacuteticas as AEIS de Matildee Luiza e Ponta Negra

1 A AEIS de Matildee Luiza

A AEIS de Matildee Luiza foi a primeira fraccedilatildeo urbana de Natal demarcada e

regulamentada como tal no acircmbito do seu marco urbaniacutestico atraveacutes da Lei

46631195 aprovada nove meses depois da aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de

1994 (PDN1994) Nesse processo dois aspectos merecem destaque a

discussatildeo delimitaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Lei que regulamenta a AEIS

(19921995) ocorreu em paralelo agraves discussotildees sobre o Plano Diretor

(19921994) a sua delimitaccedilatildeo se aplicou a todo o bairro de Matildee Luiza A

fraccedilatildeo urbana delimitada para a AEIS incluiu as favelas ali entatildeo existentes

(favelas do Sopapo Barro Duro Aparecida Alto da Colina) que foram

incluiacutedas nas trecircs categorias de AEIS estabelecidas pelo referido Plano

(Favelas Vilas e Loteamentos clandestinos)19 No processo de revisatildeo do

PDN1994 que foi concluido em 2007 com aprovaccedilatildeo da Lei 0822007

(PDN2007) e conforme referido na seccedilatildeo anterior o instrumento da AEIS foi

reafirmado com a manutenccedilatildeo dessas categorias e a adiccedilatildeo de outras

18

As AEIS do Complexo Favelas Passo da Paacutetria de Jardim Progreso da Aacutefrica e de Nova

Descoberta foram delimitadas mediante leis especificas (Ataiacutede 2013) 19

Um estudo publicado em 1994 que fundamentou a classificaccedilatildeo Plano Diretor identificou a

existecircncia de 69 favelas no municiacutepio de Natal naquele momento Ver IPLANAT1994

Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de

uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal IPLANAT Natal (mimeo)

incluindo a que se aplica a AEIS de Ponta Negra cujas especificidades

apresentamos na sequencia desta seccedilatildeo

Para entendermos melhor a jutifcativa dessa delimitaccedilatildeo cabe mencionar

alguns aspectos da constituiccedilatildeo e configuraccedilatildeo socioespacial do bairro de Matildee

Luiza cujo processo de ocupaccedilo tomou impulso a partir da deacutecada de 1950 e

reuacutene caracteriacutesticas morfoloacutegicas que natildeo se diferenciam das encontradas

nas favelas referidas Estas se expressam nas elevadas densidades

(construtiva e populacional) com destacada presenccedila da produccedilatildeo informal

que remontam agraves origens da sua formaccedilatildeo20 Nesse padratildeo morfoloacutegico

ressaltamos o traccedilado orgacircnico de ruas estreitas e um conjunto edificado com

predomiacutenio de edificaccedilotildees geminadas sem recuos laterais e ou frontais e com

alturas que alcanccedilam os dois pavimentos e com precariedade urbaniacutestica e

social acentuada na medida em que todo o bairro ainda carece de

infraestrutura baacutesica e o perfil socioeconocircmico dos moradores natildeo supera a

meacutedia de trecircs salaacuterios miacutenimos Eacute importante registrar que algumas fraccedilotildees do

bairro jaacute apresentam sinais do aumento dessa densidade com a presenccedila

destacada de edificaccedilotildees com trecircs pavimentos (ou mais)

Na perspectiva ambiental todo o bairro apresenta elevado grau de

fragilidade seja pelas suas caracteriacutesticas geomorfoloacutegicas (relevo acidentado

e aacuterea de dunas ambos sujeitos a deslizamentos) seja pela sua inserccedilatildeo nas

delimitaccedilotildees normativas aplicadas agrave proteccedilatildeo ambiental tanto em acircmbito

municipal como em acircmbitos federal e estadual Esse cenaacuterio se ratifica quando

se constata que grande parte do seu territoacuterio estaacute classificada como aacuterea de

risco pelo PMRR em parte devido a sua relaccedilatildeo com duas Aacutereas de

Preservaccedilatildeo Permanente (APPs de campos dunares) denominados no

PDN2007 como ZPA 2 e ZPA 1021 Segundo Ataiacutede a formaccedilatildeo das aacutereas de

risco assim como dos conflitos socioambientais satildeo resultado do avanccedilo da

ocupaccedilatildeo sobre esses espaccedilos Eacute importante ressaltar que ateacute meados da

deacutecada de 1980 o municiacutepio de Natal natildeo dispunha de regras efetivas de

20

Esses registros remetem agrave uma ocupaccedilatildeo rarefeita da primeira metade do mesmo seacuteculo

com alguma ocupaccedilatildeo no platocirc e nas encostas das dunas da atual Rua Guanabara pelos pescadores 21

A ZPA 2 corresponde ao Parque Estadual das Dunas espaccedilo natural integrante do Sistema

de Unidades de Conservaccedilatildeo do estado do Rio Grande Norte A ZPA 2 corresponde agraves encostas dunares adjacentes agrave Via Costeira que abriga o Farol de Matildee Luiza e margeia parte da Avenida Joatildeo XXIII e Rua Guanabara

controle urbaniacutestico e ambiental que pudessem frear tal forma de ocupaccedilatildeo em

seu territoacuterio Entretanto no caso de Matildee Luiza existem algumas referecircncias

em documentos institucionais e iniciativas normativas que jaacute demonstravam

alguma preocupaccedilatildeo sobre esse processo tais como o Plano Serete e o

PDN198422 Estas contribuiacuteram para reforccedilar os argumentos na defesa da

criaccedilatildeo das AEIS no ambiente de implantaccedilatildeo do marco normativo do

municiacutepio realccedilando o entendimento sobre a necessidade do reconhecimento

das praacuteticas soacutecio espaciais existentes nas diferentes fraccedilotildees territoriais Aleacutem

disso devido a sua localizaccedilatildeo na zona costeira central do municiacutepio desde os

anos 1980 o bairro de Matildee Luiza tambeacutem vem sofrendo uma forte pressatildeo

imobiliaacuteria

Sobre o processo de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo da AEIS cabe destacar

que aleacutem do seu desenvolvimento em paralelo ao do PDN1994 este tambeacutem

adiantou vaacuterios procedimentos de gestatildeo que soacute foram incorporados ao

sistema de planejamento do municiacutepio posteriormente tais como a iniciativa

popular e a motivaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo incluindo o processo participativo e

os objetivos socioambientais23 Segundo Ataiacutede ldquouma das motivaccedilotildees para a

elaboraccedilatildeo de um regramento urbanistico especiacutefico para a aacuterea teve origem

no movimento de resistecircncia da populaccedilatildeo agrave construccedilatildeo de um

empreendimento imobiliaacuterio para fins turisticos numa aacuterea de dunas ainda natildeo

ocupada fronteira a Via Costeira localizado ao lado do Farol de Matildee Luizardquo na

aacuterea atualmente delimitada como ZPA1024 O movimento envolveu diversos

22

O Plano de Desenvolvimento Urbaniacutestico (Plano Serete1968) nunca foi convertido em Lei

mas estabeleceu os fundamentos do Plano Diretor de 1984 (Lei 317584) Ele jaacute identificava a ocupaccedilatildeo nas dunas de Matildee Luiza como uma das grandes favelas de Natal Essa indicaccedilatildeo fundamentou a inclusatildeo do bairro no grupo das Zonas Especiais de Recuperaccedilatildeo Urbana (ZERU) no PDN1984 Em certa medida essas referecircncias denotam uma preocupaccedilatildeo com a precariedade urbaniacutestica e a vulnerabilidade social do lugar anterior ao contexto normativo da deacutecada de 1990 mesmo sem a efetivaccedilatildeo das accedilotildees sobre os assentamentos precaacuterios 23 Sobre esse processo ver especialmente os trabalhos de BENTES Dulce e TRINDADE

Maria Aparecida da S Fernandes 2008 Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159 disponiacutevel em

httpwwwrevistaunirninfbrrevistaunirnindexphprevistaunirnarticleviewFile154183 acesso em 15 de janeiro de 2015 As referecircncias tambeacutem foram discutidas por Ruth Ataiacutede em trabalho jaacute citado no presente artigo (Ataiacutede 2013) 24

O projeto de construccedilatildeo do Paradiso Mare Resort refletia o interesse do mercado

mobiliario num contexto do crescimento da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria da zona costeira Traduccedilatildeo direta de Ataiacutede 2013 jaacute referida

atores sociais com destaque para a participaccedilatildeo dos moradores da Igreja

Catoacutelica e do Departamento de Arquitetura da UFRN por meio das atividades

de extensatildeo de alguns dos seus alunos e professores25 Durante o processo de

discussatildeo se evidenciaram interesses conflitantes relativamente aos objetivos

da proteccedilatildeo socioambiental da aacuterea com destaque para o confronto entre os

moradores o movimento ambientalista e o setor imobiliaacuterio No que diz respeito

ao conteuacutedo da lei deve-se ressaltar que aleacutem de evidenciar a relaccedilatildeo entre

os paracircmetros urbaniacutesticos e as praacuteticas soacutecio espaciais ela adiciona os

princiacutepios socioambientais pois antecipa a discussatildeo sobre a proteccedilatildeo do

campo dunar do Farol de Mae Luiza o qual embora identificado como espaccedilo

protegido pelo PDN1994 ainda natildeo tinha sido delimitado No zoneamento da

AEIS essa aacuterea foi delimitada como Aacuterea de Conservaccedilatildeo (Figura 3)26

Figura 3 Zoneamento da AEIS de Matildee Luiza (destaque para a Aacuterea de Conservaccedilatildeo) e sua relaccedilatildeo com a ZPAs 2 e a ZPA10

Fonte Natal (1995) com base no DOM de 02081995 e FUNPECUFRNMPRN (2012)

adaptado pelos autores

25

ldquoA participaccedilatildeo da UFRN se deu por meio de estudos (1992) que fundamentaram a proposta

de regulamentaccedilatildeo sendo esta apropriada pela populaccedilatildeo do bairro resultando no texto final da Lei da AEISrdquo aprovada em 1995 (Ataide 2013) 26

Baseado nas caracteriacutesticas da ocupaccedilatildeo do lugar foi estabelecido um zoneamento que

dividiu o territoacuterio em trecircs subzonas duas menos restritivas (diferentes graus) e aplicada aos espaccedilos construiacutedos (AO1 - Aacuterea de Ocupaccedilatildeo e AOR2 Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restritiva) e uma aplicada agrave aacuterea de Dunas (AC - aacuterea de conservaccedilatildeo) que foi orientado para garantir a proteccedilatildeo da aacuterea

O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo

da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de

gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-

territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo

juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na

alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da

normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam

entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que

revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de

Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do

estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do

Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com

as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que

reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com

o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como

Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo

tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia

sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas

ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de

tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia

expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam

dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de

governo

Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com

a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade

da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave

resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do

municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo

das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da

ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o

conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno

com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque

Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e

proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade

Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se

apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo

sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das

situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da

favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das

dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo

PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem

contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo

gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas

ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e

com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo

ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias

institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do

movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus

interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza

Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da

favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no

processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam

pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas

remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco

tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na

proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os

objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos

estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de

Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto

conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos

territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees

nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)

Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

27

Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538

2 A AEIS da Vila de Ponta Negra

A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007

Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-

guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a

partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de

grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo

que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo

e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e

internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)

Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628

Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta

Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento

de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja

aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante

emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam

segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que

estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora

O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico

municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos

atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra

ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais

envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor

imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes

28

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento

urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123

das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo

cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007

no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses

representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os

princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso

desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A

ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -

batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e

que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29

Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do

resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos

A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser

encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do

direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute

uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas

precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do

Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar

da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea

Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8

(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda

natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de

gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade

Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao

papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local

da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam

numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de

pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens

culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao

conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com

uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e

29

Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30

De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no

mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo

apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria

pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees

acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos

adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos

com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como

AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas

principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se

opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua

regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de

fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou

negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo

de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida

natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com

moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser

submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios

fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores

da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com

ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo

Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta

Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa

numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta

Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06

que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei

municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem

estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do

Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea

ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e

estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do

31

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade

Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32

A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal

do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33

Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN

Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008

bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a

ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal

como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi

contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas

proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca

Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno

Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores

Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando

abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como

fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de

determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e

da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo

Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a

necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para

o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados

nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a

verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio

ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras

formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como

AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca

Praia de Ponta Negra

ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA

que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os

empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio

e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas

do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse

importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da

densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta

desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes

comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em

duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de

Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos

diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a

uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por

ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que

ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os

interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo

social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial

Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra

ZPA 06 - MORRO DO CARECA

ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)

BAIRRO PONTA NEGRA

ZONA DE AMORTECIMENTO

(ZA)

Praia de Ponta Negra

0m 50m 100m 200m

N

Morro do

Careca

01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca

03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento

06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca

05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca

04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo

Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth

VI Consideraccedilotildees Finais

Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves

relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos

protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto

devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm

estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994

tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas

estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees

especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo

apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)

No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor

imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo

de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de

acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades

especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia

de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de

expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se

realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal

por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao

novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse

novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o

desenvolvimento do trabalho

Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os

mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental

de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do

acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado

deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos

classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas

garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se

reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica

encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada

lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as

necessidades de morar na cidade

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NATAL Prefeitura Municipal (2007) Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal

SEMURBAQUATOLCONSULTORIA (2008) Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal

SILVA A F C da (2003) Depois das fronteiras a formaccedilatildeo dos espaccedilos de pobreza na periferia Norte de Natal ndash RN Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Arquitetura e Urbanismo da UFRN Natal

SOUZA I de (1980) Migraccedilotildees Internas no Brasil Vozes Rio de Janeiro

TEIXEIRA R B et al (2012) A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo (mimeo) Natal

TEIXEIRA R B MORAIS M C ANDRADE H de A (2009) Planejamento urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123

TEIXEIRA R (2015) O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23

Page 5: Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ... · Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ambientais e a justiça espacial em Natal-Brasil Rubenilson Teixeira,

pelo menos desde o iniacutecio do seacuteculo XX tambeacutem se ampliou e se espraiou em

todas as direccedilotildees do territoacuterio municipal a partir da deacutecada de 1980 (Figura 1)

Figura 1 ndash Evoluccedilatildeo da expansatildeo territorial com destaque para a participaccedilatildeo da produccedilatildeo formal de moradias promovida pelo estado ateacute a deacutecada de 1990

Antes de 1970 Depois da deacutecada de 1970

Fonte Ataiacutede (2013) a partir de Ataiacutede (1997) SEMTHAS UEM (2001) Morais (2004)SEMURB (2010) e UFRNFUNPECSEMTAS V 3 2004

Outro aspecto a considerar eacute que diferentemente de outros municiacutepios do

Rio Grande do Norte inclusive dos que compotildeem a sua Regiatildeo Metropolitana

Natal natildeo dispotildee mais de uma zona rural ou de expansatildeo Isso explica em

grande parte trecircs fenocircmenos recentes na dinacircmica urbana da cidade 1) o seu

crescimento por transbordamento isto eacute seus moradores estatildeo se fixando nos

municiacutepios limiacutetrofes da RMN onde o preccedilo da terra urbana eacute mais acessiacutevel

2) a consolidaccedilatildeo do processo de verticalizaccedilatildeo que vem ocorrendo desde a

deacutecada de 1980 3) o aumento da pressatildeo crescente para a ocupaccedilatildeo das

aacutereas ambientalmente fraacutegeis remanescentes como mangues dunas e aacutereas

ribeirinhas especialmente pelos estratos de renda sociais mais baixos que natildeo

podem se inserir no mercado formal de terras

A etapa mais recente do processo histoacuterico de expansatildeo urbana de Natal

se manifesta por intermeacutedio de duas caracteriacutesticas essenciais o processo de

verticalizaccedilatildeo da cidade notadamente a partir da deacutecada de 1980 por um lado

e por outro a crescente ameaccedila de ocupaccedilatildeo de aacutereas ambientalmente

fraacutegeis tatildeo presentes na cidade e que satildeo legalmente protegidas pela

legislaccedilatildeo urbana e ambiental Os dois processos mantecircm aliaacutes relaccedilatildeo entre

si enquanto que a verticalizaccedilatildeo atende aos estratos meacutedios e altos da

sociedade natalense que ocupam em geral aacutereas privilegiadas da cidade as

populaccedilotildees de baixa renda tendem a ocupar as aacutereas inadequadas do ponto

de vista ambiental como mangues dunas e as margens de rios A

mercantilizaccedilatildeo do solo urbano a especulaccedilatildeo imobiliaacuteria e a ineficaacutecia da

gestatildeo urbana satildeo alguns dos fatores que explicam essa situaccedilatildeo

Nesse processo de crescimento e expansatildeo urbana de Natal percebe-se

que o antigo nuacutecleo urbano adormecido durante pelo menos dois seacuteculos

comeccedila a se expandir consideravelmente ainda no seacuteculo XIX e iniacutecio do XX e

de maneira acelerada a partir da Segunda Guerra Mundial A cidade abrigava

em 2010 uma populaccedilatildeo de 803 739 habitantes segundo dados do IBGE9 e

forma com municiacutepios vizinhos a Regiatildeo Metropolitana de Natal (RMNatal)

Com efeito o antigo nuacutecleo urbano insignificante a ldquoNatal natildeo haacute talrdquo torna-se

progressivamente uma capital moderna com pretensotildees metropolitanas

III Uma situaccedilatildeo de impasse o crescimento urbano e os conflitos

socioambientais

O crescimento e a consolidaccedilatildeo da ocupaccedilatildeo da cidade do Natal foram

miacutenimos durante seacuteculos tendo em vista o pequeno nuacutemero de habitantes

Vivendo principalmente da pesca no Rio Potengi e no mar da exploraccedilatildeo

vegetal nos arredores da cidade e da agropecuaacuteria essas atividades ainda

que causassem algum impacto ambiental - desmatamento para o plantio e a

exploraccedilatildeo madeireira - natildeo atingiam uma escala significativa Aleacutem disso

desconhecemos a existecircncia de uma consciecircncia ambiental de seus habitantes

antes das preocupaccedilotildees higienistas que marcaram a cidade do Natal e outras

cidades do Brasil entre fins do seacuteculo XIX e primeiras deacutecadas do seacuteculo XX10

Essa preocupaccedilatildeo eacute relativamente recente na histoacuteria da humanidade e no

9httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=240810ampsearch=rio-grande-

do-norte|natal Acesso em 02 de abril de 2015 10

Preocupaccedilotildees que estavam circunscritas a uma elite e que eram principalmente de natureza

meacutedica isto eacute dos seus efeitos sobre a sauacutede dos habitantes do que no sentido atual de preocupaccedilatildeo com a salvaguarda e proteccedilatildeo dos recursos naturais Ver a respeito FERREIRA Angela Luacutecia A et al 2008 Uma Cidade Satilde e Bela a trajetoacuteria do Saneamento de Natal entre 1850 e 1969 IAB RN CREA RN Natal

Brasil parece se evidenciar somente a partir das trecircs uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo

XX

Em Natal as referecircncias agrave proteccedilatildeo do meio ambiente com alguma

efetividade seja por meio de iniciativas do movimento social seja por meio de

estrateacutegias de gestatildeo tambeacutem datam de finais da deacutecada de 1970 quando os

debates sobre a proteccedilatildeo dos recursos naturais ganham relevo e passam a

integrar as agendas dos movimentos sociais e de algumas accedilotildees

governamentais Desde entatildeo especialmente desde a deacutecada de 1980

algumas accedilotildees com motivaccedilotildees sociais e ambientais tecircm demonstrado o

crescimento de uma consciecircncia ambiental e produzido alteraccedilotildees nas

estrateacutegias de planejamento e gestatildeo urbana do municiacutepio Respeito isso

destaca-se pelos movimentos sociais as reaccedilotildees contraacuterias ao projeto de

construccedilatildeo da Via Costeira (1978-1980) agraves primeiras iniciativas de

verticalizaccedilatildeo da orla mariacutetima e a defesa da paisagem costeira e da

permanecircncia das populaccedilotildees tradicionais ali residentes (1980-1984) e pelas

accedilotildees governamentais as estrateacutegias de proteccedilatildeo da paisagem (Zonas

Especiais de Interesse Turiacutestico) inseridas no Plano Diretor de 1984

(PDN1984-Lei 317584) e a aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de 1994 (PDN1994-

Lei 0794) e da Lei 466395 que regulamenta a AEIS de Matildee Luiza

O marco temporal da presente discussatildeo eacute portanto definido a partir dos

conflitos socioambientais que emergiram com o avanccedilo do processo de

ocupaccedilatildeo do solo (formal ou informal) sobre os espaccedilos naturais e que foram

reconhecidos como objeto de proteccedilatildeo especial pelo atual marco normativo

urbaniacutestico e ambiental fundamentado no reconhecimento dos direitos de

todos os cidadatildeos agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado No caso de Natal

que reproduz uma situaccedilatildeo visiacutevel em todo o urbano brasileiro tal cenaacuterio de

conflitos revela-se como uma das caracteriacutesticas da sua paisagem Do ponto

de vista urbano e ambiental a maioria desses espaccedilos foi historicamente

produzida de forma ilegal e marginal tendo origem em sua maioria a partir

das demandas das populaccedilotildees mais pobres que geralmente natildeo possuem

renda para participar do mercado formal de terras

Para a compreensatildeo da natureza dos conflitos que estamos analisando eacute

importante lembrar que a relevacircncia das questotildees socioambientais como um

problema nas disputas territoriais soacute ganhou algum destaque quando ambas as

dimensotildees (social e ambiental) incorporaram a natureza do interesse puacuteblico

Com base nesta abordagem os conflitos inicialmente tratados como conflitos

de terra e considerados principalmente pela luta ao acesso agrave moradia

adicionaram novas configuraccedilotildees novos atores e novas dimensotildees para o

problema Nessa configuraccedilatildeo os problemas relacionados com a posse de

terra urbana e o acesso agrave moradia na esfera puacuteblica tambeacutem passaram a ser

definidos como problemas ambientais

Segundo Ataiacutede (2013) um dos desafios do enfrentamento dos conflitos

socioambientais tem sido identificar como os diferentes atores sociais tecircm

efetivado suas accedilotildees relacionadas com o processo de ocupaccedilatildeo do solo dos

espaccedilos naturais tendo como referecircncia a manutenccedilatildeo do fortalecimento da

relaccedilatildeo entre o direito agrave moradia e os preceitos da proteccedilatildeo ambiental Tal

reflexatildeo se apoia no fato de que grande parte das situaccedilotildees de conflito se

manifesta em aacutereas caracterizadas por dualidades e ambiguidades e

evidenciam interesses de diversas naturezas seja em decorrecircncia da

inadequaccedilatildeo urbaniacutestica (parcelamento e tipologias ediliacutecias diferentes dos

padrotildees gerais da cidade) seja pelos aspectos ambientais (localizaccedilatildeo em

aacutereas ambientalmente fraacutegeis protegidas ou natildeo)11

Essa caracterizaccedilatildeo dual faz parte da complexidade da mateacuteria e a sua

compreensatildeo exige a consideraccedilatildeo da sua dimensatildeo histoacuterica na perspectiva

de reconstituir os conflitos e as accedilotildees de resistecircncia contra ameaccedilas de

supressatildeo de direitos Nesse sentido eacute que Andreacutea Zhouri (2007) chama a

atenccedilatildeo para o fato de que a proteccedilatildeo dos recursos naturais deve sempre ser

considerada de forma associada aos processos socioculturais especiacuteficos do

lugar e os conflitos socioambientais considerados como resultado das praacuteticas

e disputas de interesses na apropriaccedilatildeo desses recursos pelos distintos atores

Nesses processos o Estado tem legitimado as suas praacuteticas atraveacutes do

discurso da proteccedilatildeo ambiental que se tornou argumento de consenso dos

interesses dos diferentes setores sociais Por outro lado a compreensatildeo da

natureza desses conflitos tambeacutem depende do funcionamento do modelo de

poliacutetica urbana e ambiental a que estatildeo sujeitos A identificaccedilatildeo de

11

Traduccedilatildeo livre de Ruth Ataiacutede (2013 p 60) na sua Tese de doutorado Entre os autores que

orientam essa discussatildeo a autora destaca Andrea Zhouri (2007 y 2005) referidas Simone Polli (2010) y Silvana Mameri (2011)

convergecircncias e diferenccedilas entre essas duas dimensotildees da poliacutetica permite-

nos discutir estrateacutegias de planejamento urbano- ambiental aplicadas a estas

aacutereas A partir dessa identificaccedilatildeo e tomando como referecircncia estrutura de

Ataiacutede (2013) os conflitos satildeo analisados segundo duas dimensotildees a

institucional que se expressa nas estrateacutegias de gestatildeo e regulaccedilatildeo e a fiacutesico-

territorial que se expressa nas relaccedilotildees espaciais (sociais e ambientais)

No acircmbito institucional expresso nas estrateacutegias de regulaccedilatildeo e gestatildeo a

autora identifica pelo menos dois grupos de conflitos no primeiro grupo objeto

de reflexatildeo no trabalho incluem-se os que satildeo gerados no campo da proacutepria

formulaccedilatildeo da poliacutetica a partir das mudanccedilas na concepccedilatildeo do planejamento

(como previsatildeo ou desejo de uma situaccedilatildeo ideal) que foi substituiacuteda pela

concepccedilatildeo de gestatildeo que se baseia em uma accedilatildeo sobre os espaccedilos de uma

compreensatildeo das condiccedilotildees (sociais culturais poliacuteticas e econoacutemicas) reais

de sua produccedilatildeo e consumo Ou seja uma concepccedilatildeo da poliacutetica estruturada

no princiacutepio do reconhecimento da cidade existente e do planejamento como

um processo dinacircmico que reconhece as accedilotildees do homem sobre a produccedilatildeo

do espaccedilo (urbano ou rural) como expressatildeo legitima do vivido e este como

uma das suas partes inseparaacuteveis

O segundo grupo de conflitos que tambeacutem eacute dependente do primeiro eacute

resultado dos limites da accedilatildeo das esferas puacuteblicas e privadas Nesse sentido

a sua resoluccedilatildeo depende da criaccedilatildeo de novas articulaccedilotildees entre essas esferas

para alavancar o adequado funcionamento desses espaccedilos de mediaccedilatildeo

exigidos pela nova concepccedilatildeo da poliacutetica No estado atual de gestatildeo urbana e

ambiental os limites da accedilatildeo sobre os conflitos tecircm ganhado relevo quando

confrontados com a natureza do regime de propriedade das aacutereas protegidas

na maioria dos casos privada A natureza de uma suposta irregularidade

urbaniacutestica ou ambiental nesses espaccedilos se evidencia no cruzamento de

interesses e accedilotildees opostas sobre os mesmos No caso de Natal e do ponto de

vista da regulaccedilatildeo alguns desses espaccedilos como veremos adiante satildeo

definidos como zonas de proteccedilatildeo especial com base em duas perspectivas a

ambiental por meio de delimitaccedilotildees como Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental

(ZPAs) para as aacutereas ambientalmente fraacutegeis e a social por meio da

classificaccedilatildeo como Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) para os

assentamentos irregulares ou fraccedilotildees urbanas ocupadas pelas populaccedilotildees

mais pobres ou merecedoras de atenccedilatildeo especial em virtude das condiccedilotildees de

precariedade socioambiental

Neste debate destacamos o aspecto crucial do conflito e que estaacute na base

da matriz de sustentabilidade democraacutetica ou da justiccedila ambiental12 que

fundamentam o atual modelo de Poliacutetica Urbana brasileira Isto eacute realccedila a

necessidade de afinarmos a compreensatildeo sobre a noccedilatildeo de justiccedila espacial

na qual se insere a discussatildeo ora proposta sobre Natal a partir de duas das

suas fraccedilotildees territoriais consideradas simboacutelicas nos estudos sobre os conflitos

socioambientais o bairro (ou AEIS) de Matildee Luiza e a AEIS da Vila de Ponta

Negra Para entendermos o aparecimento desses conflitos conveacutem

retomarmos a breve anaacutelise sobre a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do solo do

municiacutepio Nesse sentido sublinhamos que esta ocupaccedilatildeo se desenvolveu

sobre um sitio geograacutefico com alta fragilidade ambiental caracterizado pela

presenccedila de ecossistemas primitivos como as dunas a vegetaccedilatildeo de

mangues as matas e as restingas aleacutem de uma diversidade de corpos drsquoaacutegua

que inclui lagoas e rios no seu interior e o Oceano Atlacircntico na sua feiccedilatildeo leste

com suas praias A maior parte das aacutereas caracterizadas por esses

componentes ambientais se manteve pouco alterada ateacute meados dos anos

1970 quando a ocupaccedilatildeo estava concentrada nos bairros centrais A partir de

entatildeo com o impulso do processo de urbanizaccedilatildeo e o avanccedilo dos debates da

consciecircncia mundial sobre a necessidade de conciliar o desenvolvimento

urbano com a preservaccedilatildeo dos recursos naturais evidenciaram-se o que hoje

denominamos ldquoconflitos espaciaisrdquo ou ldquoconflitos socioambientaisrdquo

Eacute fato que no caso do municiacutepio de Natal a caracterizaccedilatildeo fiacutesica referida

se aplica a todo o seu territoacuterio Entretanto ateacute a deacutecada de 1970 aleacutem da

ocupaccedilatildeo do solo ser de baixa intensidade demograacutefica e construtiva havia

pouca preocupaccedilatildeo quanto aos impactos da intensidade do processo de

urbanizaccedilatildeo no equiliacutebrio do ecossistema inclusive no acircmbito institucional

considerando que o municiacutepio a exemplo de outras realidades brasileiras

tambeacutem natildeo dispunha de instrumentos de controle urbaniacutestico e ambiental fato

12

Conceitos desenvolvidos por Henri Acselrad e outros autores que discutem as matrizes da

sustentabilidade nas poliacuteticas Ver a respeito ACSELRAD H (org) 2001 A duraccedilatildeo das cidades sustentabilidade e risco nas poliacuteticas urbanas DPampA Rio de Janeiro ACSELRALD Henri e LEROY J P 1999 Novas premissas da sustentabilidade democraacutetica FASE Rio de Janeiro

que contribuiu para o avanccedilo da ocupaccedilatildeo de forma dispersa em todas as

direccedilotildees do territoacuterio Estudos recentes sobre esse processo denotam o avanccedilo

dos impactos ambientais sobre territoacuterio municipal e as suas franjas

metropolitanas conforme consta no Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento

Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natalrdquo13 Nesse documento foram

demonstrados os efeitos do processo de urbanizaccedilatildeo com destaque para as

elevadas taxas de impermeabilizaccedilatildeo do solo a contaminaccedilatildeo das aguas

subterracircneas que abastecem a cidade e toda a regiatildeo e de outros corpos

drsquoagua incluindo o rio Potengi assim como para os problemas de alagamentos

e assoreamentos nas aacutereas vulneraacuteveis de erosatildeo costeira entre outros

A contribuiccedilatildeo dos assentamentos precaacuterios sobre o avanccedilo dessa forma

de ocupaccedilatildeo nas aacutereas ambientalmente fraacutegeis consiste no interesse principal

deste trabalho objeto de aprofundamento na quarta seccedilatildeo do trabalho a partir

da anaacutelise de duas fraccedilotildees Para tanto recuperamos os estudos recentes de

Ataiacutede (2013)14 sobre o tema quando realccedila a classificaccedilatildeo das condiccedilotildees de

risco e vulnerabilidade ambiental das 74 favelas existentes no municiacutepio

distribuiacutedos nas quatro regiotildees administrativas Entre essas algumas

localizados em Matildee Luiza e Ponta Negra apresentam condiccedilotildees de risco pela

relaccedilatildeo com os espaccedilos ambientalmente fraacutegeis como as dunas e as Aacutereas de

Preservaccedilatildeo Permanente(APPs)

IV Instrumentos e as dificuldades da sua efetivaccedilatildeo

Como referido anteriormente o municiacutepio de Natal tem feito esforccedilos para

efetivar o seu novo modelo de planejamento e gestatildeo urbana expresso no

Plano Diretor do municiacutepio que foi alccedilado agrave condiccedilatildeo de principal instrumento

13

O Plano (e o seu respectivo diagnostico) foi elaborado para fundamentar as estrateacutegias de

gestatildeo da RMNatal mas nunca se concretizou Ambos foram produzidos por uma equipe multidisciplinar e publicado em 2006 Plano tem como horizonte o ano de 2020 e contou na sua elaboraccedilatildeo com a Secretaria de Planejamento e Financcedilas do Governo Estadual a FADEUFPE e a FUNPECUFRN Ver FADEUFPE FUNPECUFRN SEPLANRN 2007 Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natal Natal Metroacutepole 2020 Diagnoacutestico para o Plano Estrateacutegico Relatoacuterio Temaacutetico da Dimensatildeo Fiacutesico-Territorial Produto 02 Natal Disponiacutevel em httpwwwnatalmetropolerngovbrdowloadsp2v3pdf acceso en 06 de Agosto de 2011 14

Nesses estudos a autora tomou como referecircncia o Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco

(PMRR) elaborado em 2008 que estabeleceu cinco criteacuterios para definir os graus de risco (0 a 5) dos assentamentos e que foram ser passiacutevel de deslizamento e erosatildeoassoreamento estar localizada sobre Dunas Aacuterea de Preservaccedilatildeo Permanente (APPs) ou faixas de domiacutenio Ver a respeito SEMURBAQUATOLCONSULTORIA 2008 Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal

de desenvolvimento urbano desde a Constituiccedilatildeo Federal de 1998 e em

especial a partir da vigecircncia da Lei Nacional de Desenvolvimento Urbano

denominada Estatuto da Cidade (Lei Federal nordm 102572001) em 2001 As

aacutereas de conflitos socioambientais objeto de anaacutelise ganharam evidecircncia a

partir desse marco normativo que orientando-se pelos princiacutepios da garantia

do direito agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado introduziu um conceito de

zoneamento territorial que realccedila as especificidades do municiacutepio a partir seu

tecido social e das suas caracteriacutesticas ambientais Nesse sentido estrutura-se

em duas escalas a macro que fundamenta a divisatildeo do territoacuterio em trecircs

grandes zonas Zona Adensaacutevel Zona de Adensamento Baacutesico e Zona de

Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA)15 a micro ou especiacutefica que possibilita a delimitaccedilatildeo

de fraccedilotildees do territoacuterio como merecedoras de tratamento urbaniacutestico e

ambiental diferenciado de forma correspondente aacutes suas condiccedilotildees de

precariedade urbaniacutestica e vulnerabilidade social e ou ambiental Essas aacutereas

denominadas de Aacutereas Especiais satildeo entendidas como ldquoporccedilotildees da Zona

Urbana situadas em zonas adensaacuteveis ou natildeo com destinaccedilatildeo especiacutefica ou

normas proacuteprias de uso e ocupaccedilatildeo do solordquo e classificadas em quatro

categorias Aacutereas de Controle de Gabarito (ACG) Aacutereas Especiais de Interesse

Social (AEIS) Aacutereas de Operaccedilatildeo Urbana (AOUR) Aacutereas Non Aedificand16

(Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20) As fraccedilotildees urbanas analisadas se

inserem na categoria Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) e alguns

conflitos se evidenciam nas relaccedilotildees com as Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental

localizadas no seu interior ou entorno

As duas categorias ZPAs foram instituiacutedas no Plano Diretor de 1994

como estrateacutegia de gestatildeo para assegurar as populaccedilotildees agrave garantia do direito

agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado nos termos definidos pela

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entretanto essas categorias ainda natildeo foram

regulamentadas na sua totalidade Objetivamente apenas as ZPAs tecircm sido

objeto de accedilotildees mais efetivas nessa direccedilatildeo considerando que entre as dez

15 Definida como a que se destina a ldquoproteccedilatildeo manutenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo dos aspectos

ambientais ecoloacutegicos paisagiacutesticos histoacutericos arqueoloacutegicos turiacutesticos culturais arquitetocircnicos e cientiacuteficos do municiacutepiordquo (Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 17) 16

NATAL Prefeitura Municipal Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20 Em NATAL

Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal

aacutereas assim classificadas 50 (cinco) jaacute tiveram seus processos de

regulamentaccedilatildeo concluiacutedos e outras cinco encontram-se em fase de debate

puacuteblico As ZPAs 06 e 10 que correspondem aos maciccedilos dunares de Ponta

Negra e Matildee Luiza respectivamente incluem-se neste segundo grupo Quanto

as AEIS embora tambeacutem instituiacutedas no mesmo marco normativo (1994) os

seus processos de regulamentaccedilatildeo natildeo avanccedilaram no mesmo ritmo que os

das ZPAs fato que ratifica ainda que por meio de tiacutemidas accedilotildees a primazia do

ambiental sobre o social no processo de gestatildeo urbana do municiacutepio (Figura 2)

Figura 2 ndash AEIS (1) e ZPAs (2) no PDN2007

Fonte Ataiacutede (2013 adaptado pelos autores)

Ressalte-se ainda que o instrumento AEIS foi ratificado e ampliado no

PDN2007 com o acreacutescimo de novas categorias e aacutereas Agraves favelas Vilas e

Loteamentos clandestinos foram acrescidas outras quatro categorias de AEIS

uma das quais aplicada agraves fraccedilotildees urbanas definidas como aacutereas que estatildeo

sob influecircncia de empreendimento de impacto socioeconocircmico cultural e

paisagiacutestico entre elas a da Vila de Ponta Negra17 Contudo passados 21

anos da vigecircncia do PDN 1994 e oito do PDN 2007 considera-se que apenas

17

NATAL Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o

Plano Diretor de Natal DOM Natal Mapa 04 Anexo II

1 2

a AEIS de Matildee Luiza foi objeto de um processo de regulamentaccedilatildeo integral

Outras quatro foram apenas delimitadas e para as demais natildeo existe nenhuma

discussatildeo em andamento18 Para restringir accedilotildees urbaniacutesticas que afetem os

objetivos de proteccedilatildeo socioambiental previstos no PDN2007 em especial o

avanccedilo da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria este Plano estabeleceu restriccedilotildees

urbaniacutesticas incidentes sobre o parcelamento (proibiccedilatildeo de remembramentos)

e a construccedilatildeo de edificaccedilotildees nelas situadas (limite de gabarito em ateacute 75m ou

dois pavimentos) ateacute que as regulamentaccedilatildeo fossem concluiacutedas A relaccedilatildeo

entre as AEIS de Mae Luiza e da Vila de Ponta e as ZPAs do seu entorno eacute

objeto de discussatildeo na seccedilatildeo seguinte do trabalho

V Duas situaccedilotildees emblemaacuteticas as AEIS de Matildee Luiza e Ponta Negra

1 A AEIS de Matildee Luiza

A AEIS de Matildee Luiza foi a primeira fraccedilatildeo urbana de Natal demarcada e

regulamentada como tal no acircmbito do seu marco urbaniacutestico atraveacutes da Lei

46631195 aprovada nove meses depois da aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de

1994 (PDN1994) Nesse processo dois aspectos merecem destaque a

discussatildeo delimitaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Lei que regulamenta a AEIS

(19921995) ocorreu em paralelo agraves discussotildees sobre o Plano Diretor

(19921994) a sua delimitaccedilatildeo se aplicou a todo o bairro de Matildee Luiza A

fraccedilatildeo urbana delimitada para a AEIS incluiu as favelas ali entatildeo existentes

(favelas do Sopapo Barro Duro Aparecida Alto da Colina) que foram

incluiacutedas nas trecircs categorias de AEIS estabelecidas pelo referido Plano

(Favelas Vilas e Loteamentos clandestinos)19 No processo de revisatildeo do

PDN1994 que foi concluido em 2007 com aprovaccedilatildeo da Lei 0822007

(PDN2007) e conforme referido na seccedilatildeo anterior o instrumento da AEIS foi

reafirmado com a manutenccedilatildeo dessas categorias e a adiccedilatildeo de outras

18

As AEIS do Complexo Favelas Passo da Paacutetria de Jardim Progreso da Aacutefrica e de Nova

Descoberta foram delimitadas mediante leis especificas (Ataiacutede 2013) 19

Um estudo publicado em 1994 que fundamentou a classificaccedilatildeo Plano Diretor identificou a

existecircncia de 69 favelas no municiacutepio de Natal naquele momento Ver IPLANAT1994

Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de

uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal IPLANAT Natal (mimeo)

incluindo a que se aplica a AEIS de Ponta Negra cujas especificidades

apresentamos na sequencia desta seccedilatildeo

Para entendermos melhor a jutifcativa dessa delimitaccedilatildeo cabe mencionar

alguns aspectos da constituiccedilatildeo e configuraccedilatildeo socioespacial do bairro de Matildee

Luiza cujo processo de ocupaccedilo tomou impulso a partir da deacutecada de 1950 e

reuacutene caracteriacutesticas morfoloacutegicas que natildeo se diferenciam das encontradas

nas favelas referidas Estas se expressam nas elevadas densidades

(construtiva e populacional) com destacada presenccedila da produccedilatildeo informal

que remontam agraves origens da sua formaccedilatildeo20 Nesse padratildeo morfoloacutegico

ressaltamos o traccedilado orgacircnico de ruas estreitas e um conjunto edificado com

predomiacutenio de edificaccedilotildees geminadas sem recuos laterais e ou frontais e com

alturas que alcanccedilam os dois pavimentos e com precariedade urbaniacutestica e

social acentuada na medida em que todo o bairro ainda carece de

infraestrutura baacutesica e o perfil socioeconocircmico dos moradores natildeo supera a

meacutedia de trecircs salaacuterios miacutenimos Eacute importante registrar que algumas fraccedilotildees do

bairro jaacute apresentam sinais do aumento dessa densidade com a presenccedila

destacada de edificaccedilotildees com trecircs pavimentos (ou mais)

Na perspectiva ambiental todo o bairro apresenta elevado grau de

fragilidade seja pelas suas caracteriacutesticas geomorfoloacutegicas (relevo acidentado

e aacuterea de dunas ambos sujeitos a deslizamentos) seja pela sua inserccedilatildeo nas

delimitaccedilotildees normativas aplicadas agrave proteccedilatildeo ambiental tanto em acircmbito

municipal como em acircmbitos federal e estadual Esse cenaacuterio se ratifica quando

se constata que grande parte do seu territoacuterio estaacute classificada como aacuterea de

risco pelo PMRR em parte devido a sua relaccedilatildeo com duas Aacutereas de

Preservaccedilatildeo Permanente (APPs de campos dunares) denominados no

PDN2007 como ZPA 2 e ZPA 1021 Segundo Ataiacutede a formaccedilatildeo das aacutereas de

risco assim como dos conflitos socioambientais satildeo resultado do avanccedilo da

ocupaccedilatildeo sobre esses espaccedilos Eacute importante ressaltar que ateacute meados da

deacutecada de 1980 o municiacutepio de Natal natildeo dispunha de regras efetivas de

20

Esses registros remetem agrave uma ocupaccedilatildeo rarefeita da primeira metade do mesmo seacuteculo

com alguma ocupaccedilatildeo no platocirc e nas encostas das dunas da atual Rua Guanabara pelos pescadores 21

A ZPA 2 corresponde ao Parque Estadual das Dunas espaccedilo natural integrante do Sistema

de Unidades de Conservaccedilatildeo do estado do Rio Grande Norte A ZPA 2 corresponde agraves encostas dunares adjacentes agrave Via Costeira que abriga o Farol de Matildee Luiza e margeia parte da Avenida Joatildeo XXIII e Rua Guanabara

controle urbaniacutestico e ambiental que pudessem frear tal forma de ocupaccedilatildeo em

seu territoacuterio Entretanto no caso de Matildee Luiza existem algumas referecircncias

em documentos institucionais e iniciativas normativas que jaacute demonstravam

alguma preocupaccedilatildeo sobre esse processo tais como o Plano Serete e o

PDN198422 Estas contribuiacuteram para reforccedilar os argumentos na defesa da

criaccedilatildeo das AEIS no ambiente de implantaccedilatildeo do marco normativo do

municiacutepio realccedilando o entendimento sobre a necessidade do reconhecimento

das praacuteticas soacutecio espaciais existentes nas diferentes fraccedilotildees territoriais Aleacutem

disso devido a sua localizaccedilatildeo na zona costeira central do municiacutepio desde os

anos 1980 o bairro de Matildee Luiza tambeacutem vem sofrendo uma forte pressatildeo

imobiliaacuteria

Sobre o processo de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo da AEIS cabe destacar

que aleacutem do seu desenvolvimento em paralelo ao do PDN1994 este tambeacutem

adiantou vaacuterios procedimentos de gestatildeo que soacute foram incorporados ao

sistema de planejamento do municiacutepio posteriormente tais como a iniciativa

popular e a motivaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo incluindo o processo participativo e

os objetivos socioambientais23 Segundo Ataiacutede ldquouma das motivaccedilotildees para a

elaboraccedilatildeo de um regramento urbanistico especiacutefico para a aacuterea teve origem

no movimento de resistecircncia da populaccedilatildeo agrave construccedilatildeo de um

empreendimento imobiliaacuterio para fins turisticos numa aacuterea de dunas ainda natildeo

ocupada fronteira a Via Costeira localizado ao lado do Farol de Matildee Luizardquo na

aacuterea atualmente delimitada como ZPA1024 O movimento envolveu diversos

22

O Plano de Desenvolvimento Urbaniacutestico (Plano Serete1968) nunca foi convertido em Lei

mas estabeleceu os fundamentos do Plano Diretor de 1984 (Lei 317584) Ele jaacute identificava a ocupaccedilatildeo nas dunas de Matildee Luiza como uma das grandes favelas de Natal Essa indicaccedilatildeo fundamentou a inclusatildeo do bairro no grupo das Zonas Especiais de Recuperaccedilatildeo Urbana (ZERU) no PDN1984 Em certa medida essas referecircncias denotam uma preocupaccedilatildeo com a precariedade urbaniacutestica e a vulnerabilidade social do lugar anterior ao contexto normativo da deacutecada de 1990 mesmo sem a efetivaccedilatildeo das accedilotildees sobre os assentamentos precaacuterios 23 Sobre esse processo ver especialmente os trabalhos de BENTES Dulce e TRINDADE

Maria Aparecida da S Fernandes 2008 Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159 disponiacutevel em

httpwwwrevistaunirninfbrrevistaunirnindexphprevistaunirnarticleviewFile154183 acesso em 15 de janeiro de 2015 As referecircncias tambeacutem foram discutidas por Ruth Ataiacutede em trabalho jaacute citado no presente artigo (Ataiacutede 2013) 24

O projeto de construccedilatildeo do Paradiso Mare Resort refletia o interesse do mercado

mobiliario num contexto do crescimento da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria da zona costeira Traduccedilatildeo direta de Ataiacutede 2013 jaacute referida

atores sociais com destaque para a participaccedilatildeo dos moradores da Igreja

Catoacutelica e do Departamento de Arquitetura da UFRN por meio das atividades

de extensatildeo de alguns dos seus alunos e professores25 Durante o processo de

discussatildeo se evidenciaram interesses conflitantes relativamente aos objetivos

da proteccedilatildeo socioambiental da aacuterea com destaque para o confronto entre os

moradores o movimento ambientalista e o setor imobiliaacuterio No que diz respeito

ao conteuacutedo da lei deve-se ressaltar que aleacutem de evidenciar a relaccedilatildeo entre

os paracircmetros urbaniacutesticos e as praacuteticas soacutecio espaciais ela adiciona os

princiacutepios socioambientais pois antecipa a discussatildeo sobre a proteccedilatildeo do

campo dunar do Farol de Mae Luiza o qual embora identificado como espaccedilo

protegido pelo PDN1994 ainda natildeo tinha sido delimitado No zoneamento da

AEIS essa aacuterea foi delimitada como Aacuterea de Conservaccedilatildeo (Figura 3)26

Figura 3 Zoneamento da AEIS de Matildee Luiza (destaque para a Aacuterea de Conservaccedilatildeo) e sua relaccedilatildeo com a ZPAs 2 e a ZPA10

Fonte Natal (1995) com base no DOM de 02081995 e FUNPECUFRNMPRN (2012)

adaptado pelos autores

25

ldquoA participaccedilatildeo da UFRN se deu por meio de estudos (1992) que fundamentaram a proposta

de regulamentaccedilatildeo sendo esta apropriada pela populaccedilatildeo do bairro resultando no texto final da Lei da AEISrdquo aprovada em 1995 (Ataide 2013) 26

Baseado nas caracteriacutesticas da ocupaccedilatildeo do lugar foi estabelecido um zoneamento que

dividiu o territoacuterio em trecircs subzonas duas menos restritivas (diferentes graus) e aplicada aos espaccedilos construiacutedos (AO1 - Aacuterea de Ocupaccedilatildeo e AOR2 Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restritiva) e uma aplicada agrave aacuterea de Dunas (AC - aacuterea de conservaccedilatildeo) que foi orientado para garantir a proteccedilatildeo da aacuterea

O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo

da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de

gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-

territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo

juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na

alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da

normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam

entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que

revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de

Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do

estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do

Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com

as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que

reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com

o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como

Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo

tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia

sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas

ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de

tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia

expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam

dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de

governo

Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com

a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade

da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave

resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do

municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo

das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da

ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o

conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno

com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque

Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e

proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade

Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se

apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo

sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das

situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da

favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das

dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo

PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem

contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo

gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas

ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e

com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo

ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias

institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do

movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus

interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza

Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da

favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no

processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam

pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas

remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco

tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na

proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os

objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos

estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de

Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto

conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos

territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees

nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)

Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

27

Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538

2 A AEIS da Vila de Ponta Negra

A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007

Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-

guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a

partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de

grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo

que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo

e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e

internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)

Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628

Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta

Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento

de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja

aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante

emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam

segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que

estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora

O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico

municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos

atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra

ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais

envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor

imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes

28

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento

urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123

das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo

cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007

no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses

representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os

princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso

desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A

ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -

batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e

que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29

Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do

resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos

A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser

encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do

direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute

uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas

precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do

Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar

da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea

Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8

(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda

natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de

gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade

Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao

papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local

da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam

numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de

pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens

culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao

conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com

uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e

29

Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30

De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no

mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo

apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria

pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees

acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos

adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos

com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como

AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas

principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se

opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua

regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de

fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou

negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo

de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida

natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com

moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser

submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios

fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores

da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com

ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo

Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta

Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa

numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta

Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06

que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei

municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem

estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do

Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea

ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e

estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do

31

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade

Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32

A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal

do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33

Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN

Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008

bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a

ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal

como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi

contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas

proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca

Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno

Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores

Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando

abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como

fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de

determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e

da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo

Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a

necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para

o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados

nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a

verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio

ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras

formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como

AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca

Praia de Ponta Negra

ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA

que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os

empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio

e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas

do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse

importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da

densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta

desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes

comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em

duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de

Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos

diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a

uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por

ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que

ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os

interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo

social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial

Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra

ZPA 06 - MORRO DO CARECA

ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)

BAIRRO PONTA NEGRA

ZONA DE AMORTECIMENTO

(ZA)

Praia de Ponta Negra

0m 50m 100m 200m

N

Morro do

Careca

01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca

03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento

06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca

05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca

04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo

Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth

VI Consideraccedilotildees Finais

Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves

relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos

protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto

devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm

estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994

tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas

estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees

especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo

apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)

No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor

imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo

de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de

acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades

especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia

de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de

expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se

realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal

por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao

novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse

novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o

desenvolvimento do trabalho

Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os

mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental

de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do

acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado

deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos

classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas

garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se

reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica

encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada

lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as

necessidades de morar na cidade

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Page 6: Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ... · Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ambientais e a justiça espacial em Natal-Brasil Rubenilson Teixeira,

fraacutegeis tatildeo presentes na cidade e que satildeo legalmente protegidas pela

legislaccedilatildeo urbana e ambiental Os dois processos mantecircm aliaacutes relaccedilatildeo entre

si enquanto que a verticalizaccedilatildeo atende aos estratos meacutedios e altos da

sociedade natalense que ocupam em geral aacutereas privilegiadas da cidade as

populaccedilotildees de baixa renda tendem a ocupar as aacutereas inadequadas do ponto

de vista ambiental como mangues dunas e as margens de rios A

mercantilizaccedilatildeo do solo urbano a especulaccedilatildeo imobiliaacuteria e a ineficaacutecia da

gestatildeo urbana satildeo alguns dos fatores que explicam essa situaccedilatildeo

Nesse processo de crescimento e expansatildeo urbana de Natal percebe-se

que o antigo nuacutecleo urbano adormecido durante pelo menos dois seacuteculos

comeccedila a se expandir consideravelmente ainda no seacuteculo XIX e iniacutecio do XX e

de maneira acelerada a partir da Segunda Guerra Mundial A cidade abrigava

em 2010 uma populaccedilatildeo de 803 739 habitantes segundo dados do IBGE9 e

forma com municiacutepios vizinhos a Regiatildeo Metropolitana de Natal (RMNatal)

Com efeito o antigo nuacutecleo urbano insignificante a ldquoNatal natildeo haacute talrdquo torna-se

progressivamente uma capital moderna com pretensotildees metropolitanas

III Uma situaccedilatildeo de impasse o crescimento urbano e os conflitos

socioambientais

O crescimento e a consolidaccedilatildeo da ocupaccedilatildeo da cidade do Natal foram

miacutenimos durante seacuteculos tendo em vista o pequeno nuacutemero de habitantes

Vivendo principalmente da pesca no Rio Potengi e no mar da exploraccedilatildeo

vegetal nos arredores da cidade e da agropecuaacuteria essas atividades ainda

que causassem algum impacto ambiental - desmatamento para o plantio e a

exploraccedilatildeo madeireira - natildeo atingiam uma escala significativa Aleacutem disso

desconhecemos a existecircncia de uma consciecircncia ambiental de seus habitantes

antes das preocupaccedilotildees higienistas que marcaram a cidade do Natal e outras

cidades do Brasil entre fins do seacuteculo XIX e primeiras deacutecadas do seacuteculo XX10

Essa preocupaccedilatildeo eacute relativamente recente na histoacuteria da humanidade e no

9httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=240810ampsearch=rio-grande-

do-norte|natal Acesso em 02 de abril de 2015 10

Preocupaccedilotildees que estavam circunscritas a uma elite e que eram principalmente de natureza

meacutedica isto eacute dos seus efeitos sobre a sauacutede dos habitantes do que no sentido atual de preocupaccedilatildeo com a salvaguarda e proteccedilatildeo dos recursos naturais Ver a respeito FERREIRA Angela Luacutecia A et al 2008 Uma Cidade Satilde e Bela a trajetoacuteria do Saneamento de Natal entre 1850 e 1969 IAB RN CREA RN Natal

Brasil parece se evidenciar somente a partir das trecircs uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo

XX

Em Natal as referecircncias agrave proteccedilatildeo do meio ambiente com alguma

efetividade seja por meio de iniciativas do movimento social seja por meio de

estrateacutegias de gestatildeo tambeacutem datam de finais da deacutecada de 1970 quando os

debates sobre a proteccedilatildeo dos recursos naturais ganham relevo e passam a

integrar as agendas dos movimentos sociais e de algumas accedilotildees

governamentais Desde entatildeo especialmente desde a deacutecada de 1980

algumas accedilotildees com motivaccedilotildees sociais e ambientais tecircm demonstrado o

crescimento de uma consciecircncia ambiental e produzido alteraccedilotildees nas

estrateacutegias de planejamento e gestatildeo urbana do municiacutepio Respeito isso

destaca-se pelos movimentos sociais as reaccedilotildees contraacuterias ao projeto de

construccedilatildeo da Via Costeira (1978-1980) agraves primeiras iniciativas de

verticalizaccedilatildeo da orla mariacutetima e a defesa da paisagem costeira e da

permanecircncia das populaccedilotildees tradicionais ali residentes (1980-1984) e pelas

accedilotildees governamentais as estrateacutegias de proteccedilatildeo da paisagem (Zonas

Especiais de Interesse Turiacutestico) inseridas no Plano Diretor de 1984

(PDN1984-Lei 317584) e a aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de 1994 (PDN1994-

Lei 0794) e da Lei 466395 que regulamenta a AEIS de Matildee Luiza

O marco temporal da presente discussatildeo eacute portanto definido a partir dos

conflitos socioambientais que emergiram com o avanccedilo do processo de

ocupaccedilatildeo do solo (formal ou informal) sobre os espaccedilos naturais e que foram

reconhecidos como objeto de proteccedilatildeo especial pelo atual marco normativo

urbaniacutestico e ambiental fundamentado no reconhecimento dos direitos de

todos os cidadatildeos agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado No caso de Natal

que reproduz uma situaccedilatildeo visiacutevel em todo o urbano brasileiro tal cenaacuterio de

conflitos revela-se como uma das caracteriacutesticas da sua paisagem Do ponto

de vista urbano e ambiental a maioria desses espaccedilos foi historicamente

produzida de forma ilegal e marginal tendo origem em sua maioria a partir

das demandas das populaccedilotildees mais pobres que geralmente natildeo possuem

renda para participar do mercado formal de terras

Para a compreensatildeo da natureza dos conflitos que estamos analisando eacute

importante lembrar que a relevacircncia das questotildees socioambientais como um

problema nas disputas territoriais soacute ganhou algum destaque quando ambas as

dimensotildees (social e ambiental) incorporaram a natureza do interesse puacuteblico

Com base nesta abordagem os conflitos inicialmente tratados como conflitos

de terra e considerados principalmente pela luta ao acesso agrave moradia

adicionaram novas configuraccedilotildees novos atores e novas dimensotildees para o

problema Nessa configuraccedilatildeo os problemas relacionados com a posse de

terra urbana e o acesso agrave moradia na esfera puacuteblica tambeacutem passaram a ser

definidos como problemas ambientais

Segundo Ataiacutede (2013) um dos desafios do enfrentamento dos conflitos

socioambientais tem sido identificar como os diferentes atores sociais tecircm

efetivado suas accedilotildees relacionadas com o processo de ocupaccedilatildeo do solo dos

espaccedilos naturais tendo como referecircncia a manutenccedilatildeo do fortalecimento da

relaccedilatildeo entre o direito agrave moradia e os preceitos da proteccedilatildeo ambiental Tal

reflexatildeo se apoia no fato de que grande parte das situaccedilotildees de conflito se

manifesta em aacutereas caracterizadas por dualidades e ambiguidades e

evidenciam interesses de diversas naturezas seja em decorrecircncia da

inadequaccedilatildeo urbaniacutestica (parcelamento e tipologias ediliacutecias diferentes dos

padrotildees gerais da cidade) seja pelos aspectos ambientais (localizaccedilatildeo em

aacutereas ambientalmente fraacutegeis protegidas ou natildeo)11

Essa caracterizaccedilatildeo dual faz parte da complexidade da mateacuteria e a sua

compreensatildeo exige a consideraccedilatildeo da sua dimensatildeo histoacuterica na perspectiva

de reconstituir os conflitos e as accedilotildees de resistecircncia contra ameaccedilas de

supressatildeo de direitos Nesse sentido eacute que Andreacutea Zhouri (2007) chama a

atenccedilatildeo para o fato de que a proteccedilatildeo dos recursos naturais deve sempre ser

considerada de forma associada aos processos socioculturais especiacuteficos do

lugar e os conflitos socioambientais considerados como resultado das praacuteticas

e disputas de interesses na apropriaccedilatildeo desses recursos pelos distintos atores

Nesses processos o Estado tem legitimado as suas praacuteticas atraveacutes do

discurso da proteccedilatildeo ambiental que se tornou argumento de consenso dos

interesses dos diferentes setores sociais Por outro lado a compreensatildeo da

natureza desses conflitos tambeacutem depende do funcionamento do modelo de

poliacutetica urbana e ambiental a que estatildeo sujeitos A identificaccedilatildeo de

11

Traduccedilatildeo livre de Ruth Ataiacutede (2013 p 60) na sua Tese de doutorado Entre os autores que

orientam essa discussatildeo a autora destaca Andrea Zhouri (2007 y 2005) referidas Simone Polli (2010) y Silvana Mameri (2011)

convergecircncias e diferenccedilas entre essas duas dimensotildees da poliacutetica permite-

nos discutir estrateacutegias de planejamento urbano- ambiental aplicadas a estas

aacutereas A partir dessa identificaccedilatildeo e tomando como referecircncia estrutura de

Ataiacutede (2013) os conflitos satildeo analisados segundo duas dimensotildees a

institucional que se expressa nas estrateacutegias de gestatildeo e regulaccedilatildeo e a fiacutesico-

territorial que se expressa nas relaccedilotildees espaciais (sociais e ambientais)

No acircmbito institucional expresso nas estrateacutegias de regulaccedilatildeo e gestatildeo a

autora identifica pelo menos dois grupos de conflitos no primeiro grupo objeto

de reflexatildeo no trabalho incluem-se os que satildeo gerados no campo da proacutepria

formulaccedilatildeo da poliacutetica a partir das mudanccedilas na concepccedilatildeo do planejamento

(como previsatildeo ou desejo de uma situaccedilatildeo ideal) que foi substituiacuteda pela

concepccedilatildeo de gestatildeo que se baseia em uma accedilatildeo sobre os espaccedilos de uma

compreensatildeo das condiccedilotildees (sociais culturais poliacuteticas e econoacutemicas) reais

de sua produccedilatildeo e consumo Ou seja uma concepccedilatildeo da poliacutetica estruturada

no princiacutepio do reconhecimento da cidade existente e do planejamento como

um processo dinacircmico que reconhece as accedilotildees do homem sobre a produccedilatildeo

do espaccedilo (urbano ou rural) como expressatildeo legitima do vivido e este como

uma das suas partes inseparaacuteveis

O segundo grupo de conflitos que tambeacutem eacute dependente do primeiro eacute

resultado dos limites da accedilatildeo das esferas puacuteblicas e privadas Nesse sentido

a sua resoluccedilatildeo depende da criaccedilatildeo de novas articulaccedilotildees entre essas esferas

para alavancar o adequado funcionamento desses espaccedilos de mediaccedilatildeo

exigidos pela nova concepccedilatildeo da poliacutetica No estado atual de gestatildeo urbana e

ambiental os limites da accedilatildeo sobre os conflitos tecircm ganhado relevo quando

confrontados com a natureza do regime de propriedade das aacutereas protegidas

na maioria dos casos privada A natureza de uma suposta irregularidade

urbaniacutestica ou ambiental nesses espaccedilos se evidencia no cruzamento de

interesses e accedilotildees opostas sobre os mesmos No caso de Natal e do ponto de

vista da regulaccedilatildeo alguns desses espaccedilos como veremos adiante satildeo

definidos como zonas de proteccedilatildeo especial com base em duas perspectivas a

ambiental por meio de delimitaccedilotildees como Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental

(ZPAs) para as aacutereas ambientalmente fraacutegeis e a social por meio da

classificaccedilatildeo como Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) para os

assentamentos irregulares ou fraccedilotildees urbanas ocupadas pelas populaccedilotildees

mais pobres ou merecedoras de atenccedilatildeo especial em virtude das condiccedilotildees de

precariedade socioambiental

Neste debate destacamos o aspecto crucial do conflito e que estaacute na base

da matriz de sustentabilidade democraacutetica ou da justiccedila ambiental12 que

fundamentam o atual modelo de Poliacutetica Urbana brasileira Isto eacute realccedila a

necessidade de afinarmos a compreensatildeo sobre a noccedilatildeo de justiccedila espacial

na qual se insere a discussatildeo ora proposta sobre Natal a partir de duas das

suas fraccedilotildees territoriais consideradas simboacutelicas nos estudos sobre os conflitos

socioambientais o bairro (ou AEIS) de Matildee Luiza e a AEIS da Vila de Ponta

Negra Para entendermos o aparecimento desses conflitos conveacutem

retomarmos a breve anaacutelise sobre a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do solo do

municiacutepio Nesse sentido sublinhamos que esta ocupaccedilatildeo se desenvolveu

sobre um sitio geograacutefico com alta fragilidade ambiental caracterizado pela

presenccedila de ecossistemas primitivos como as dunas a vegetaccedilatildeo de

mangues as matas e as restingas aleacutem de uma diversidade de corpos drsquoaacutegua

que inclui lagoas e rios no seu interior e o Oceano Atlacircntico na sua feiccedilatildeo leste

com suas praias A maior parte das aacutereas caracterizadas por esses

componentes ambientais se manteve pouco alterada ateacute meados dos anos

1970 quando a ocupaccedilatildeo estava concentrada nos bairros centrais A partir de

entatildeo com o impulso do processo de urbanizaccedilatildeo e o avanccedilo dos debates da

consciecircncia mundial sobre a necessidade de conciliar o desenvolvimento

urbano com a preservaccedilatildeo dos recursos naturais evidenciaram-se o que hoje

denominamos ldquoconflitos espaciaisrdquo ou ldquoconflitos socioambientaisrdquo

Eacute fato que no caso do municiacutepio de Natal a caracterizaccedilatildeo fiacutesica referida

se aplica a todo o seu territoacuterio Entretanto ateacute a deacutecada de 1970 aleacutem da

ocupaccedilatildeo do solo ser de baixa intensidade demograacutefica e construtiva havia

pouca preocupaccedilatildeo quanto aos impactos da intensidade do processo de

urbanizaccedilatildeo no equiliacutebrio do ecossistema inclusive no acircmbito institucional

considerando que o municiacutepio a exemplo de outras realidades brasileiras

tambeacutem natildeo dispunha de instrumentos de controle urbaniacutestico e ambiental fato

12

Conceitos desenvolvidos por Henri Acselrad e outros autores que discutem as matrizes da

sustentabilidade nas poliacuteticas Ver a respeito ACSELRAD H (org) 2001 A duraccedilatildeo das cidades sustentabilidade e risco nas poliacuteticas urbanas DPampA Rio de Janeiro ACSELRALD Henri e LEROY J P 1999 Novas premissas da sustentabilidade democraacutetica FASE Rio de Janeiro

que contribuiu para o avanccedilo da ocupaccedilatildeo de forma dispersa em todas as

direccedilotildees do territoacuterio Estudos recentes sobre esse processo denotam o avanccedilo

dos impactos ambientais sobre territoacuterio municipal e as suas franjas

metropolitanas conforme consta no Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento

Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natalrdquo13 Nesse documento foram

demonstrados os efeitos do processo de urbanizaccedilatildeo com destaque para as

elevadas taxas de impermeabilizaccedilatildeo do solo a contaminaccedilatildeo das aguas

subterracircneas que abastecem a cidade e toda a regiatildeo e de outros corpos

drsquoagua incluindo o rio Potengi assim como para os problemas de alagamentos

e assoreamentos nas aacutereas vulneraacuteveis de erosatildeo costeira entre outros

A contribuiccedilatildeo dos assentamentos precaacuterios sobre o avanccedilo dessa forma

de ocupaccedilatildeo nas aacutereas ambientalmente fraacutegeis consiste no interesse principal

deste trabalho objeto de aprofundamento na quarta seccedilatildeo do trabalho a partir

da anaacutelise de duas fraccedilotildees Para tanto recuperamos os estudos recentes de

Ataiacutede (2013)14 sobre o tema quando realccedila a classificaccedilatildeo das condiccedilotildees de

risco e vulnerabilidade ambiental das 74 favelas existentes no municiacutepio

distribuiacutedos nas quatro regiotildees administrativas Entre essas algumas

localizados em Matildee Luiza e Ponta Negra apresentam condiccedilotildees de risco pela

relaccedilatildeo com os espaccedilos ambientalmente fraacutegeis como as dunas e as Aacutereas de

Preservaccedilatildeo Permanente(APPs)

IV Instrumentos e as dificuldades da sua efetivaccedilatildeo

Como referido anteriormente o municiacutepio de Natal tem feito esforccedilos para

efetivar o seu novo modelo de planejamento e gestatildeo urbana expresso no

Plano Diretor do municiacutepio que foi alccedilado agrave condiccedilatildeo de principal instrumento

13

O Plano (e o seu respectivo diagnostico) foi elaborado para fundamentar as estrateacutegias de

gestatildeo da RMNatal mas nunca se concretizou Ambos foram produzidos por uma equipe multidisciplinar e publicado em 2006 Plano tem como horizonte o ano de 2020 e contou na sua elaboraccedilatildeo com a Secretaria de Planejamento e Financcedilas do Governo Estadual a FADEUFPE e a FUNPECUFRN Ver FADEUFPE FUNPECUFRN SEPLANRN 2007 Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natal Natal Metroacutepole 2020 Diagnoacutestico para o Plano Estrateacutegico Relatoacuterio Temaacutetico da Dimensatildeo Fiacutesico-Territorial Produto 02 Natal Disponiacutevel em httpwwwnatalmetropolerngovbrdowloadsp2v3pdf acceso en 06 de Agosto de 2011 14

Nesses estudos a autora tomou como referecircncia o Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco

(PMRR) elaborado em 2008 que estabeleceu cinco criteacuterios para definir os graus de risco (0 a 5) dos assentamentos e que foram ser passiacutevel de deslizamento e erosatildeoassoreamento estar localizada sobre Dunas Aacuterea de Preservaccedilatildeo Permanente (APPs) ou faixas de domiacutenio Ver a respeito SEMURBAQUATOLCONSULTORIA 2008 Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal

de desenvolvimento urbano desde a Constituiccedilatildeo Federal de 1998 e em

especial a partir da vigecircncia da Lei Nacional de Desenvolvimento Urbano

denominada Estatuto da Cidade (Lei Federal nordm 102572001) em 2001 As

aacutereas de conflitos socioambientais objeto de anaacutelise ganharam evidecircncia a

partir desse marco normativo que orientando-se pelos princiacutepios da garantia

do direito agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado introduziu um conceito de

zoneamento territorial que realccedila as especificidades do municiacutepio a partir seu

tecido social e das suas caracteriacutesticas ambientais Nesse sentido estrutura-se

em duas escalas a macro que fundamenta a divisatildeo do territoacuterio em trecircs

grandes zonas Zona Adensaacutevel Zona de Adensamento Baacutesico e Zona de

Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA)15 a micro ou especiacutefica que possibilita a delimitaccedilatildeo

de fraccedilotildees do territoacuterio como merecedoras de tratamento urbaniacutestico e

ambiental diferenciado de forma correspondente aacutes suas condiccedilotildees de

precariedade urbaniacutestica e vulnerabilidade social e ou ambiental Essas aacutereas

denominadas de Aacutereas Especiais satildeo entendidas como ldquoporccedilotildees da Zona

Urbana situadas em zonas adensaacuteveis ou natildeo com destinaccedilatildeo especiacutefica ou

normas proacuteprias de uso e ocupaccedilatildeo do solordquo e classificadas em quatro

categorias Aacutereas de Controle de Gabarito (ACG) Aacutereas Especiais de Interesse

Social (AEIS) Aacutereas de Operaccedilatildeo Urbana (AOUR) Aacutereas Non Aedificand16

(Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20) As fraccedilotildees urbanas analisadas se

inserem na categoria Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) e alguns

conflitos se evidenciam nas relaccedilotildees com as Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental

localizadas no seu interior ou entorno

As duas categorias ZPAs foram instituiacutedas no Plano Diretor de 1994

como estrateacutegia de gestatildeo para assegurar as populaccedilotildees agrave garantia do direito

agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado nos termos definidos pela

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entretanto essas categorias ainda natildeo foram

regulamentadas na sua totalidade Objetivamente apenas as ZPAs tecircm sido

objeto de accedilotildees mais efetivas nessa direccedilatildeo considerando que entre as dez

15 Definida como a que se destina a ldquoproteccedilatildeo manutenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo dos aspectos

ambientais ecoloacutegicos paisagiacutesticos histoacutericos arqueoloacutegicos turiacutesticos culturais arquitetocircnicos e cientiacuteficos do municiacutepiordquo (Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 17) 16

NATAL Prefeitura Municipal Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20 Em NATAL

Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal

aacutereas assim classificadas 50 (cinco) jaacute tiveram seus processos de

regulamentaccedilatildeo concluiacutedos e outras cinco encontram-se em fase de debate

puacuteblico As ZPAs 06 e 10 que correspondem aos maciccedilos dunares de Ponta

Negra e Matildee Luiza respectivamente incluem-se neste segundo grupo Quanto

as AEIS embora tambeacutem instituiacutedas no mesmo marco normativo (1994) os

seus processos de regulamentaccedilatildeo natildeo avanccedilaram no mesmo ritmo que os

das ZPAs fato que ratifica ainda que por meio de tiacutemidas accedilotildees a primazia do

ambiental sobre o social no processo de gestatildeo urbana do municiacutepio (Figura 2)

Figura 2 ndash AEIS (1) e ZPAs (2) no PDN2007

Fonte Ataiacutede (2013 adaptado pelos autores)

Ressalte-se ainda que o instrumento AEIS foi ratificado e ampliado no

PDN2007 com o acreacutescimo de novas categorias e aacutereas Agraves favelas Vilas e

Loteamentos clandestinos foram acrescidas outras quatro categorias de AEIS

uma das quais aplicada agraves fraccedilotildees urbanas definidas como aacutereas que estatildeo

sob influecircncia de empreendimento de impacto socioeconocircmico cultural e

paisagiacutestico entre elas a da Vila de Ponta Negra17 Contudo passados 21

anos da vigecircncia do PDN 1994 e oito do PDN 2007 considera-se que apenas

17

NATAL Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o

Plano Diretor de Natal DOM Natal Mapa 04 Anexo II

1 2

a AEIS de Matildee Luiza foi objeto de um processo de regulamentaccedilatildeo integral

Outras quatro foram apenas delimitadas e para as demais natildeo existe nenhuma

discussatildeo em andamento18 Para restringir accedilotildees urbaniacutesticas que afetem os

objetivos de proteccedilatildeo socioambiental previstos no PDN2007 em especial o

avanccedilo da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria este Plano estabeleceu restriccedilotildees

urbaniacutesticas incidentes sobre o parcelamento (proibiccedilatildeo de remembramentos)

e a construccedilatildeo de edificaccedilotildees nelas situadas (limite de gabarito em ateacute 75m ou

dois pavimentos) ateacute que as regulamentaccedilatildeo fossem concluiacutedas A relaccedilatildeo

entre as AEIS de Mae Luiza e da Vila de Ponta e as ZPAs do seu entorno eacute

objeto de discussatildeo na seccedilatildeo seguinte do trabalho

V Duas situaccedilotildees emblemaacuteticas as AEIS de Matildee Luiza e Ponta Negra

1 A AEIS de Matildee Luiza

A AEIS de Matildee Luiza foi a primeira fraccedilatildeo urbana de Natal demarcada e

regulamentada como tal no acircmbito do seu marco urbaniacutestico atraveacutes da Lei

46631195 aprovada nove meses depois da aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de

1994 (PDN1994) Nesse processo dois aspectos merecem destaque a

discussatildeo delimitaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Lei que regulamenta a AEIS

(19921995) ocorreu em paralelo agraves discussotildees sobre o Plano Diretor

(19921994) a sua delimitaccedilatildeo se aplicou a todo o bairro de Matildee Luiza A

fraccedilatildeo urbana delimitada para a AEIS incluiu as favelas ali entatildeo existentes

(favelas do Sopapo Barro Duro Aparecida Alto da Colina) que foram

incluiacutedas nas trecircs categorias de AEIS estabelecidas pelo referido Plano

(Favelas Vilas e Loteamentos clandestinos)19 No processo de revisatildeo do

PDN1994 que foi concluido em 2007 com aprovaccedilatildeo da Lei 0822007

(PDN2007) e conforme referido na seccedilatildeo anterior o instrumento da AEIS foi

reafirmado com a manutenccedilatildeo dessas categorias e a adiccedilatildeo de outras

18

As AEIS do Complexo Favelas Passo da Paacutetria de Jardim Progreso da Aacutefrica e de Nova

Descoberta foram delimitadas mediante leis especificas (Ataiacutede 2013) 19

Um estudo publicado em 1994 que fundamentou a classificaccedilatildeo Plano Diretor identificou a

existecircncia de 69 favelas no municiacutepio de Natal naquele momento Ver IPLANAT1994

Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de

uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal IPLANAT Natal (mimeo)

incluindo a que se aplica a AEIS de Ponta Negra cujas especificidades

apresentamos na sequencia desta seccedilatildeo

Para entendermos melhor a jutifcativa dessa delimitaccedilatildeo cabe mencionar

alguns aspectos da constituiccedilatildeo e configuraccedilatildeo socioespacial do bairro de Matildee

Luiza cujo processo de ocupaccedilo tomou impulso a partir da deacutecada de 1950 e

reuacutene caracteriacutesticas morfoloacutegicas que natildeo se diferenciam das encontradas

nas favelas referidas Estas se expressam nas elevadas densidades

(construtiva e populacional) com destacada presenccedila da produccedilatildeo informal

que remontam agraves origens da sua formaccedilatildeo20 Nesse padratildeo morfoloacutegico

ressaltamos o traccedilado orgacircnico de ruas estreitas e um conjunto edificado com

predomiacutenio de edificaccedilotildees geminadas sem recuos laterais e ou frontais e com

alturas que alcanccedilam os dois pavimentos e com precariedade urbaniacutestica e

social acentuada na medida em que todo o bairro ainda carece de

infraestrutura baacutesica e o perfil socioeconocircmico dos moradores natildeo supera a

meacutedia de trecircs salaacuterios miacutenimos Eacute importante registrar que algumas fraccedilotildees do

bairro jaacute apresentam sinais do aumento dessa densidade com a presenccedila

destacada de edificaccedilotildees com trecircs pavimentos (ou mais)

Na perspectiva ambiental todo o bairro apresenta elevado grau de

fragilidade seja pelas suas caracteriacutesticas geomorfoloacutegicas (relevo acidentado

e aacuterea de dunas ambos sujeitos a deslizamentos) seja pela sua inserccedilatildeo nas

delimitaccedilotildees normativas aplicadas agrave proteccedilatildeo ambiental tanto em acircmbito

municipal como em acircmbitos federal e estadual Esse cenaacuterio se ratifica quando

se constata que grande parte do seu territoacuterio estaacute classificada como aacuterea de

risco pelo PMRR em parte devido a sua relaccedilatildeo com duas Aacutereas de

Preservaccedilatildeo Permanente (APPs de campos dunares) denominados no

PDN2007 como ZPA 2 e ZPA 1021 Segundo Ataiacutede a formaccedilatildeo das aacutereas de

risco assim como dos conflitos socioambientais satildeo resultado do avanccedilo da

ocupaccedilatildeo sobre esses espaccedilos Eacute importante ressaltar que ateacute meados da

deacutecada de 1980 o municiacutepio de Natal natildeo dispunha de regras efetivas de

20

Esses registros remetem agrave uma ocupaccedilatildeo rarefeita da primeira metade do mesmo seacuteculo

com alguma ocupaccedilatildeo no platocirc e nas encostas das dunas da atual Rua Guanabara pelos pescadores 21

A ZPA 2 corresponde ao Parque Estadual das Dunas espaccedilo natural integrante do Sistema

de Unidades de Conservaccedilatildeo do estado do Rio Grande Norte A ZPA 2 corresponde agraves encostas dunares adjacentes agrave Via Costeira que abriga o Farol de Matildee Luiza e margeia parte da Avenida Joatildeo XXIII e Rua Guanabara

controle urbaniacutestico e ambiental que pudessem frear tal forma de ocupaccedilatildeo em

seu territoacuterio Entretanto no caso de Matildee Luiza existem algumas referecircncias

em documentos institucionais e iniciativas normativas que jaacute demonstravam

alguma preocupaccedilatildeo sobre esse processo tais como o Plano Serete e o

PDN198422 Estas contribuiacuteram para reforccedilar os argumentos na defesa da

criaccedilatildeo das AEIS no ambiente de implantaccedilatildeo do marco normativo do

municiacutepio realccedilando o entendimento sobre a necessidade do reconhecimento

das praacuteticas soacutecio espaciais existentes nas diferentes fraccedilotildees territoriais Aleacutem

disso devido a sua localizaccedilatildeo na zona costeira central do municiacutepio desde os

anos 1980 o bairro de Matildee Luiza tambeacutem vem sofrendo uma forte pressatildeo

imobiliaacuteria

Sobre o processo de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo da AEIS cabe destacar

que aleacutem do seu desenvolvimento em paralelo ao do PDN1994 este tambeacutem

adiantou vaacuterios procedimentos de gestatildeo que soacute foram incorporados ao

sistema de planejamento do municiacutepio posteriormente tais como a iniciativa

popular e a motivaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo incluindo o processo participativo e

os objetivos socioambientais23 Segundo Ataiacutede ldquouma das motivaccedilotildees para a

elaboraccedilatildeo de um regramento urbanistico especiacutefico para a aacuterea teve origem

no movimento de resistecircncia da populaccedilatildeo agrave construccedilatildeo de um

empreendimento imobiliaacuterio para fins turisticos numa aacuterea de dunas ainda natildeo

ocupada fronteira a Via Costeira localizado ao lado do Farol de Matildee Luizardquo na

aacuterea atualmente delimitada como ZPA1024 O movimento envolveu diversos

22

O Plano de Desenvolvimento Urbaniacutestico (Plano Serete1968) nunca foi convertido em Lei

mas estabeleceu os fundamentos do Plano Diretor de 1984 (Lei 317584) Ele jaacute identificava a ocupaccedilatildeo nas dunas de Matildee Luiza como uma das grandes favelas de Natal Essa indicaccedilatildeo fundamentou a inclusatildeo do bairro no grupo das Zonas Especiais de Recuperaccedilatildeo Urbana (ZERU) no PDN1984 Em certa medida essas referecircncias denotam uma preocupaccedilatildeo com a precariedade urbaniacutestica e a vulnerabilidade social do lugar anterior ao contexto normativo da deacutecada de 1990 mesmo sem a efetivaccedilatildeo das accedilotildees sobre os assentamentos precaacuterios 23 Sobre esse processo ver especialmente os trabalhos de BENTES Dulce e TRINDADE

Maria Aparecida da S Fernandes 2008 Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159 disponiacutevel em

httpwwwrevistaunirninfbrrevistaunirnindexphprevistaunirnarticleviewFile154183 acesso em 15 de janeiro de 2015 As referecircncias tambeacutem foram discutidas por Ruth Ataiacutede em trabalho jaacute citado no presente artigo (Ataiacutede 2013) 24

O projeto de construccedilatildeo do Paradiso Mare Resort refletia o interesse do mercado

mobiliario num contexto do crescimento da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria da zona costeira Traduccedilatildeo direta de Ataiacutede 2013 jaacute referida

atores sociais com destaque para a participaccedilatildeo dos moradores da Igreja

Catoacutelica e do Departamento de Arquitetura da UFRN por meio das atividades

de extensatildeo de alguns dos seus alunos e professores25 Durante o processo de

discussatildeo se evidenciaram interesses conflitantes relativamente aos objetivos

da proteccedilatildeo socioambiental da aacuterea com destaque para o confronto entre os

moradores o movimento ambientalista e o setor imobiliaacuterio No que diz respeito

ao conteuacutedo da lei deve-se ressaltar que aleacutem de evidenciar a relaccedilatildeo entre

os paracircmetros urbaniacutesticos e as praacuteticas soacutecio espaciais ela adiciona os

princiacutepios socioambientais pois antecipa a discussatildeo sobre a proteccedilatildeo do

campo dunar do Farol de Mae Luiza o qual embora identificado como espaccedilo

protegido pelo PDN1994 ainda natildeo tinha sido delimitado No zoneamento da

AEIS essa aacuterea foi delimitada como Aacuterea de Conservaccedilatildeo (Figura 3)26

Figura 3 Zoneamento da AEIS de Matildee Luiza (destaque para a Aacuterea de Conservaccedilatildeo) e sua relaccedilatildeo com a ZPAs 2 e a ZPA10

Fonte Natal (1995) com base no DOM de 02081995 e FUNPECUFRNMPRN (2012)

adaptado pelos autores

25

ldquoA participaccedilatildeo da UFRN se deu por meio de estudos (1992) que fundamentaram a proposta

de regulamentaccedilatildeo sendo esta apropriada pela populaccedilatildeo do bairro resultando no texto final da Lei da AEISrdquo aprovada em 1995 (Ataide 2013) 26

Baseado nas caracteriacutesticas da ocupaccedilatildeo do lugar foi estabelecido um zoneamento que

dividiu o territoacuterio em trecircs subzonas duas menos restritivas (diferentes graus) e aplicada aos espaccedilos construiacutedos (AO1 - Aacuterea de Ocupaccedilatildeo e AOR2 Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restritiva) e uma aplicada agrave aacuterea de Dunas (AC - aacuterea de conservaccedilatildeo) que foi orientado para garantir a proteccedilatildeo da aacuterea

O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo

da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de

gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-

territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo

juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na

alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da

normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam

entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que

revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de

Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do

estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do

Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com

as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que

reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com

o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como

Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo

tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia

sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas

ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de

tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia

expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam

dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de

governo

Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com

a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade

da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave

resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do

municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo

das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da

ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o

conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno

com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque

Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e

proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade

Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se

apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo

sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das

situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da

favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das

dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo

PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem

contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo

gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas

ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e

com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo

ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias

institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do

movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus

interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza

Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da

favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no

processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam

pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas

remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco

tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na

proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os

objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos

estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de

Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto

conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos

territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees

nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)

Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

27

Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538

2 A AEIS da Vila de Ponta Negra

A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007

Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-

guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a

partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de

grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo

que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo

e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e

internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)

Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628

Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta

Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento

de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja

aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante

emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam

segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que

estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora

O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico

municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos

atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra

ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais

envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor

imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes

28

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento

urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123

das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo

cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007

no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses

representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os

princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso

desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A

ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -

batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e

que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29

Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do

resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos

A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser

encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do

direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute

uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas

precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do

Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar

da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea

Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8

(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda

natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de

gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade

Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao

papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local

da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam

numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de

pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens

culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao

conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com

uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e

29

Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30

De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no

mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo

apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria

pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees

acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos

adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos

com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como

AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas

principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se

opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua

regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de

fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou

negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo

de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida

natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com

moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser

submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios

fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores

da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com

ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo

Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta

Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa

numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta

Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06

que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei

municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem

estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do

Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea

ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e

estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do

31

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade

Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32

A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal

do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33

Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN

Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008

bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a

ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal

como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi

contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas

proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca

Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno

Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores

Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando

abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como

fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de

determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e

da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo

Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a

necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para

o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados

nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a

verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio

ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras

formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como

AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca

Praia de Ponta Negra

ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA

que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os

empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio

e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas

do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse

importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da

densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta

desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes

comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em

duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de

Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos

diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a

uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por

ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que

ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os

interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo

social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial

Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra

ZPA 06 - MORRO DO CARECA

ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)

BAIRRO PONTA NEGRA

ZONA DE AMORTECIMENTO

(ZA)

Praia de Ponta Negra

0m 50m 100m 200m

N

Morro do

Careca

01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca

03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento

06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca

05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca

04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo

Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth

VI Consideraccedilotildees Finais

Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves

relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos

protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto

devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm

estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994

tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas

estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees

especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo

apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)

No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor

imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo

de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de

acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades

especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia

de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de

expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se

realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal

por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao

novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse

novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o

desenvolvimento do trabalho

Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os

mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental

de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do

acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado

deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos

classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas

garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se

reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica

encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada

lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as

necessidades de morar na cidade

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Page 7: Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ... · Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ambientais e a justiça espacial em Natal-Brasil Rubenilson Teixeira,

Brasil parece se evidenciar somente a partir das trecircs uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo

XX

Em Natal as referecircncias agrave proteccedilatildeo do meio ambiente com alguma

efetividade seja por meio de iniciativas do movimento social seja por meio de

estrateacutegias de gestatildeo tambeacutem datam de finais da deacutecada de 1970 quando os

debates sobre a proteccedilatildeo dos recursos naturais ganham relevo e passam a

integrar as agendas dos movimentos sociais e de algumas accedilotildees

governamentais Desde entatildeo especialmente desde a deacutecada de 1980

algumas accedilotildees com motivaccedilotildees sociais e ambientais tecircm demonstrado o

crescimento de uma consciecircncia ambiental e produzido alteraccedilotildees nas

estrateacutegias de planejamento e gestatildeo urbana do municiacutepio Respeito isso

destaca-se pelos movimentos sociais as reaccedilotildees contraacuterias ao projeto de

construccedilatildeo da Via Costeira (1978-1980) agraves primeiras iniciativas de

verticalizaccedilatildeo da orla mariacutetima e a defesa da paisagem costeira e da

permanecircncia das populaccedilotildees tradicionais ali residentes (1980-1984) e pelas

accedilotildees governamentais as estrateacutegias de proteccedilatildeo da paisagem (Zonas

Especiais de Interesse Turiacutestico) inseridas no Plano Diretor de 1984

(PDN1984-Lei 317584) e a aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de 1994 (PDN1994-

Lei 0794) e da Lei 466395 que regulamenta a AEIS de Matildee Luiza

O marco temporal da presente discussatildeo eacute portanto definido a partir dos

conflitos socioambientais que emergiram com o avanccedilo do processo de

ocupaccedilatildeo do solo (formal ou informal) sobre os espaccedilos naturais e que foram

reconhecidos como objeto de proteccedilatildeo especial pelo atual marco normativo

urbaniacutestico e ambiental fundamentado no reconhecimento dos direitos de

todos os cidadatildeos agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado No caso de Natal

que reproduz uma situaccedilatildeo visiacutevel em todo o urbano brasileiro tal cenaacuterio de

conflitos revela-se como uma das caracteriacutesticas da sua paisagem Do ponto

de vista urbano e ambiental a maioria desses espaccedilos foi historicamente

produzida de forma ilegal e marginal tendo origem em sua maioria a partir

das demandas das populaccedilotildees mais pobres que geralmente natildeo possuem

renda para participar do mercado formal de terras

Para a compreensatildeo da natureza dos conflitos que estamos analisando eacute

importante lembrar que a relevacircncia das questotildees socioambientais como um

problema nas disputas territoriais soacute ganhou algum destaque quando ambas as

dimensotildees (social e ambiental) incorporaram a natureza do interesse puacuteblico

Com base nesta abordagem os conflitos inicialmente tratados como conflitos

de terra e considerados principalmente pela luta ao acesso agrave moradia

adicionaram novas configuraccedilotildees novos atores e novas dimensotildees para o

problema Nessa configuraccedilatildeo os problemas relacionados com a posse de

terra urbana e o acesso agrave moradia na esfera puacuteblica tambeacutem passaram a ser

definidos como problemas ambientais

Segundo Ataiacutede (2013) um dos desafios do enfrentamento dos conflitos

socioambientais tem sido identificar como os diferentes atores sociais tecircm

efetivado suas accedilotildees relacionadas com o processo de ocupaccedilatildeo do solo dos

espaccedilos naturais tendo como referecircncia a manutenccedilatildeo do fortalecimento da

relaccedilatildeo entre o direito agrave moradia e os preceitos da proteccedilatildeo ambiental Tal

reflexatildeo se apoia no fato de que grande parte das situaccedilotildees de conflito se

manifesta em aacutereas caracterizadas por dualidades e ambiguidades e

evidenciam interesses de diversas naturezas seja em decorrecircncia da

inadequaccedilatildeo urbaniacutestica (parcelamento e tipologias ediliacutecias diferentes dos

padrotildees gerais da cidade) seja pelos aspectos ambientais (localizaccedilatildeo em

aacutereas ambientalmente fraacutegeis protegidas ou natildeo)11

Essa caracterizaccedilatildeo dual faz parte da complexidade da mateacuteria e a sua

compreensatildeo exige a consideraccedilatildeo da sua dimensatildeo histoacuterica na perspectiva

de reconstituir os conflitos e as accedilotildees de resistecircncia contra ameaccedilas de

supressatildeo de direitos Nesse sentido eacute que Andreacutea Zhouri (2007) chama a

atenccedilatildeo para o fato de que a proteccedilatildeo dos recursos naturais deve sempre ser

considerada de forma associada aos processos socioculturais especiacuteficos do

lugar e os conflitos socioambientais considerados como resultado das praacuteticas

e disputas de interesses na apropriaccedilatildeo desses recursos pelos distintos atores

Nesses processos o Estado tem legitimado as suas praacuteticas atraveacutes do

discurso da proteccedilatildeo ambiental que se tornou argumento de consenso dos

interesses dos diferentes setores sociais Por outro lado a compreensatildeo da

natureza desses conflitos tambeacutem depende do funcionamento do modelo de

poliacutetica urbana e ambiental a que estatildeo sujeitos A identificaccedilatildeo de

11

Traduccedilatildeo livre de Ruth Ataiacutede (2013 p 60) na sua Tese de doutorado Entre os autores que

orientam essa discussatildeo a autora destaca Andrea Zhouri (2007 y 2005) referidas Simone Polli (2010) y Silvana Mameri (2011)

convergecircncias e diferenccedilas entre essas duas dimensotildees da poliacutetica permite-

nos discutir estrateacutegias de planejamento urbano- ambiental aplicadas a estas

aacutereas A partir dessa identificaccedilatildeo e tomando como referecircncia estrutura de

Ataiacutede (2013) os conflitos satildeo analisados segundo duas dimensotildees a

institucional que se expressa nas estrateacutegias de gestatildeo e regulaccedilatildeo e a fiacutesico-

territorial que se expressa nas relaccedilotildees espaciais (sociais e ambientais)

No acircmbito institucional expresso nas estrateacutegias de regulaccedilatildeo e gestatildeo a

autora identifica pelo menos dois grupos de conflitos no primeiro grupo objeto

de reflexatildeo no trabalho incluem-se os que satildeo gerados no campo da proacutepria

formulaccedilatildeo da poliacutetica a partir das mudanccedilas na concepccedilatildeo do planejamento

(como previsatildeo ou desejo de uma situaccedilatildeo ideal) que foi substituiacuteda pela

concepccedilatildeo de gestatildeo que se baseia em uma accedilatildeo sobre os espaccedilos de uma

compreensatildeo das condiccedilotildees (sociais culturais poliacuteticas e econoacutemicas) reais

de sua produccedilatildeo e consumo Ou seja uma concepccedilatildeo da poliacutetica estruturada

no princiacutepio do reconhecimento da cidade existente e do planejamento como

um processo dinacircmico que reconhece as accedilotildees do homem sobre a produccedilatildeo

do espaccedilo (urbano ou rural) como expressatildeo legitima do vivido e este como

uma das suas partes inseparaacuteveis

O segundo grupo de conflitos que tambeacutem eacute dependente do primeiro eacute

resultado dos limites da accedilatildeo das esferas puacuteblicas e privadas Nesse sentido

a sua resoluccedilatildeo depende da criaccedilatildeo de novas articulaccedilotildees entre essas esferas

para alavancar o adequado funcionamento desses espaccedilos de mediaccedilatildeo

exigidos pela nova concepccedilatildeo da poliacutetica No estado atual de gestatildeo urbana e

ambiental os limites da accedilatildeo sobre os conflitos tecircm ganhado relevo quando

confrontados com a natureza do regime de propriedade das aacutereas protegidas

na maioria dos casos privada A natureza de uma suposta irregularidade

urbaniacutestica ou ambiental nesses espaccedilos se evidencia no cruzamento de

interesses e accedilotildees opostas sobre os mesmos No caso de Natal e do ponto de

vista da regulaccedilatildeo alguns desses espaccedilos como veremos adiante satildeo

definidos como zonas de proteccedilatildeo especial com base em duas perspectivas a

ambiental por meio de delimitaccedilotildees como Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental

(ZPAs) para as aacutereas ambientalmente fraacutegeis e a social por meio da

classificaccedilatildeo como Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) para os

assentamentos irregulares ou fraccedilotildees urbanas ocupadas pelas populaccedilotildees

mais pobres ou merecedoras de atenccedilatildeo especial em virtude das condiccedilotildees de

precariedade socioambiental

Neste debate destacamos o aspecto crucial do conflito e que estaacute na base

da matriz de sustentabilidade democraacutetica ou da justiccedila ambiental12 que

fundamentam o atual modelo de Poliacutetica Urbana brasileira Isto eacute realccedila a

necessidade de afinarmos a compreensatildeo sobre a noccedilatildeo de justiccedila espacial

na qual se insere a discussatildeo ora proposta sobre Natal a partir de duas das

suas fraccedilotildees territoriais consideradas simboacutelicas nos estudos sobre os conflitos

socioambientais o bairro (ou AEIS) de Matildee Luiza e a AEIS da Vila de Ponta

Negra Para entendermos o aparecimento desses conflitos conveacutem

retomarmos a breve anaacutelise sobre a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do solo do

municiacutepio Nesse sentido sublinhamos que esta ocupaccedilatildeo se desenvolveu

sobre um sitio geograacutefico com alta fragilidade ambiental caracterizado pela

presenccedila de ecossistemas primitivos como as dunas a vegetaccedilatildeo de

mangues as matas e as restingas aleacutem de uma diversidade de corpos drsquoaacutegua

que inclui lagoas e rios no seu interior e o Oceano Atlacircntico na sua feiccedilatildeo leste

com suas praias A maior parte das aacutereas caracterizadas por esses

componentes ambientais se manteve pouco alterada ateacute meados dos anos

1970 quando a ocupaccedilatildeo estava concentrada nos bairros centrais A partir de

entatildeo com o impulso do processo de urbanizaccedilatildeo e o avanccedilo dos debates da

consciecircncia mundial sobre a necessidade de conciliar o desenvolvimento

urbano com a preservaccedilatildeo dos recursos naturais evidenciaram-se o que hoje

denominamos ldquoconflitos espaciaisrdquo ou ldquoconflitos socioambientaisrdquo

Eacute fato que no caso do municiacutepio de Natal a caracterizaccedilatildeo fiacutesica referida

se aplica a todo o seu territoacuterio Entretanto ateacute a deacutecada de 1970 aleacutem da

ocupaccedilatildeo do solo ser de baixa intensidade demograacutefica e construtiva havia

pouca preocupaccedilatildeo quanto aos impactos da intensidade do processo de

urbanizaccedilatildeo no equiliacutebrio do ecossistema inclusive no acircmbito institucional

considerando que o municiacutepio a exemplo de outras realidades brasileiras

tambeacutem natildeo dispunha de instrumentos de controle urbaniacutestico e ambiental fato

12

Conceitos desenvolvidos por Henri Acselrad e outros autores que discutem as matrizes da

sustentabilidade nas poliacuteticas Ver a respeito ACSELRAD H (org) 2001 A duraccedilatildeo das cidades sustentabilidade e risco nas poliacuteticas urbanas DPampA Rio de Janeiro ACSELRALD Henri e LEROY J P 1999 Novas premissas da sustentabilidade democraacutetica FASE Rio de Janeiro

que contribuiu para o avanccedilo da ocupaccedilatildeo de forma dispersa em todas as

direccedilotildees do territoacuterio Estudos recentes sobre esse processo denotam o avanccedilo

dos impactos ambientais sobre territoacuterio municipal e as suas franjas

metropolitanas conforme consta no Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento

Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natalrdquo13 Nesse documento foram

demonstrados os efeitos do processo de urbanizaccedilatildeo com destaque para as

elevadas taxas de impermeabilizaccedilatildeo do solo a contaminaccedilatildeo das aguas

subterracircneas que abastecem a cidade e toda a regiatildeo e de outros corpos

drsquoagua incluindo o rio Potengi assim como para os problemas de alagamentos

e assoreamentos nas aacutereas vulneraacuteveis de erosatildeo costeira entre outros

A contribuiccedilatildeo dos assentamentos precaacuterios sobre o avanccedilo dessa forma

de ocupaccedilatildeo nas aacutereas ambientalmente fraacutegeis consiste no interesse principal

deste trabalho objeto de aprofundamento na quarta seccedilatildeo do trabalho a partir

da anaacutelise de duas fraccedilotildees Para tanto recuperamos os estudos recentes de

Ataiacutede (2013)14 sobre o tema quando realccedila a classificaccedilatildeo das condiccedilotildees de

risco e vulnerabilidade ambiental das 74 favelas existentes no municiacutepio

distribuiacutedos nas quatro regiotildees administrativas Entre essas algumas

localizados em Matildee Luiza e Ponta Negra apresentam condiccedilotildees de risco pela

relaccedilatildeo com os espaccedilos ambientalmente fraacutegeis como as dunas e as Aacutereas de

Preservaccedilatildeo Permanente(APPs)

IV Instrumentos e as dificuldades da sua efetivaccedilatildeo

Como referido anteriormente o municiacutepio de Natal tem feito esforccedilos para

efetivar o seu novo modelo de planejamento e gestatildeo urbana expresso no

Plano Diretor do municiacutepio que foi alccedilado agrave condiccedilatildeo de principal instrumento

13

O Plano (e o seu respectivo diagnostico) foi elaborado para fundamentar as estrateacutegias de

gestatildeo da RMNatal mas nunca se concretizou Ambos foram produzidos por uma equipe multidisciplinar e publicado em 2006 Plano tem como horizonte o ano de 2020 e contou na sua elaboraccedilatildeo com a Secretaria de Planejamento e Financcedilas do Governo Estadual a FADEUFPE e a FUNPECUFRN Ver FADEUFPE FUNPECUFRN SEPLANRN 2007 Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natal Natal Metroacutepole 2020 Diagnoacutestico para o Plano Estrateacutegico Relatoacuterio Temaacutetico da Dimensatildeo Fiacutesico-Territorial Produto 02 Natal Disponiacutevel em httpwwwnatalmetropolerngovbrdowloadsp2v3pdf acceso en 06 de Agosto de 2011 14

Nesses estudos a autora tomou como referecircncia o Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco

(PMRR) elaborado em 2008 que estabeleceu cinco criteacuterios para definir os graus de risco (0 a 5) dos assentamentos e que foram ser passiacutevel de deslizamento e erosatildeoassoreamento estar localizada sobre Dunas Aacuterea de Preservaccedilatildeo Permanente (APPs) ou faixas de domiacutenio Ver a respeito SEMURBAQUATOLCONSULTORIA 2008 Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal

de desenvolvimento urbano desde a Constituiccedilatildeo Federal de 1998 e em

especial a partir da vigecircncia da Lei Nacional de Desenvolvimento Urbano

denominada Estatuto da Cidade (Lei Federal nordm 102572001) em 2001 As

aacutereas de conflitos socioambientais objeto de anaacutelise ganharam evidecircncia a

partir desse marco normativo que orientando-se pelos princiacutepios da garantia

do direito agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado introduziu um conceito de

zoneamento territorial que realccedila as especificidades do municiacutepio a partir seu

tecido social e das suas caracteriacutesticas ambientais Nesse sentido estrutura-se

em duas escalas a macro que fundamenta a divisatildeo do territoacuterio em trecircs

grandes zonas Zona Adensaacutevel Zona de Adensamento Baacutesico e Zona de

Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA)15 a micro ou especiacutefica que possibilita a delimitaccedilatildeo

de fraccedilotildees do territoacuterio como merecedoras de tratamento urbaniacutestico e

ambiental diferenciado de forma correspondente aacutes suas condiccedilotildees de

precariedade urbaniacutestica e vulnerabilidade social e ou ambiental Essas aacutereas

denominadas de Aacutereas Especiais satildeo entendidas como ldquoporccedilotildees da Zona

Urbana situadas em zonas adensaacuteveis ou natildeo com destinaccedilatildeo especiacutefica ou

normas proacuteprias de uso e ocupaccedilatildeo do solordquo e classificadas em quatro

categorias Aacutereas de Controle de Gabarito (ACG) Aacutereas Especiais de Interesse

Social (AEIS) Aacutereas de Operaccedilatildeo Urbana (AOUR) Aacutereas Non Aedificand16

(Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20) As fraccedilotildees urbanas analisadas se

inserem na categoria Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) e alguns

conflitos se evidenciam nas relaccedilotildees com as Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental

localizadas no seu interior ou entorno

As duas categorias ZPAs foram instituiacutedas no Plano Diretor de 1994

como estrateacutegia de gestatildeo para assegurar as populaccedilotildees agrave garantia do direito

agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado nos termos definidos pela

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entretanto essas categorias ainda natildeo foram

regulamentadas na sua totalidade Objetivamente apenas as ZPAs tecircm sido

objeto de accedilotildees mais efetivas nessa direccedilatildeo considerando que entre as dez

15 Definida como a que se destina a ldquoproteccedilatildeo manutenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo dos aspectos

ambientais ecoloacutegicos paisagiacutesticos histoacutericos arqueoloacutegicos turiacutesticos culturais arquitetocircnicos e cientiacuteficos do municiacutepiordquo (Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 17) 16

NATAL Prefeitura Municipal Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20 Em NATAL

Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal

aacutereas assim classificadas 50 (cinco) jaacute tiveram seus processos de

regulamentaccedilatildeo concluiacutedos e outras cinco encontram-se em fase de debate

puacuteblico As ZPAs 06 e 10 que correspondem aos maciccedilos dunares de Ponta

Negra e Matildee Luiza respectivamente incluem-se neste segundo grupo Quanto

as AEIS embora tambeacutem instituiacutedas no mesmo marco normativo (1994) os

seus processos de regulamentaccedilatildeo natildeo avanccedilaram no mesmo ritmo que os

das ZPAs fato que ratifica ainda que por meio de tiacutemidas accedilotildees a primazia do

ambiental sobre o social no processo de gestatildeo urbana do municiacutepio (Figura 2)

Figura 2 ndash AEIS (1) e ZPAs (2) no PDN2007

Fonte Ataiacutede (2013 adaptado pelos autores)

Ressalte-se ainda que o instrumento AEIS foi ratificado e ampliado no

PDN2007 com o acreacutescimo de novas categorias e aacutereas Agraves favelas Vilas e

Loteamentos clandestinos foram acrescidas outras quatro categorias de AEIS

uma das quais aplicada agraves fraccedilotildees urbanas definidas como aacutereas que estatildeo

sob influecircncia de empreendimento de impacto socioeconocircmico cultural e

paisagiacutestico entre elas a da Vila de Ponta Negra17 Contudo passados 21

anos da vigecircncia do PDN 1994 e oito do PDN 2007 considera-se que apenas

17

NATAL Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o

Plano Diretor de Natal DOM Natal Mapa 04 Anexo II

1 2

a AEIS de Matildee Luiza foi objeto de um processo de regulamentaccedilatildeo integral

Outras quatro foram apenas delimitadas e para as demais natildeo existe nenhuma

discussatildeo em andamento18 Para restringir accedilotildees urbaniacutesticas que afetem os

objetivos de proteccedilatildeo socioambiental previstos no PDN2007 em especial o

avanccedilo da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria este Plano estabeleceu restriccedilotildees

urbaniacutesticas incidentes sobre o parcelamento (proibiccedilatildeo de remembramentos)

e a construccedilatildeo de edificaccedilotildees nelas situadas (limite de gabarito em ateacute 75m ou

dois pavimentos) ateacute que as regulamentaccedilatildeo fossem concluiacutedas A relaccedilatildeo

entre as AEIS de Mae Luiza e da Vila de Ponta e as ZPAs do seu entorno eacute

objeto de discussatildeo na seccedilatildeo seguinte do trabalho

V Duas situaccedilotildees emblemaacuteticas as AEIS de Matildee Luiza e Ponta Negra

1 A AEIS de Matildee Luiza

A AEIS de Matildee Luiza foi a primeira fraccedilatildeo urbana de Natal demarcada e

regulamentada como tal no acircmbito do seu marco urbaniacutestico atraveacutes da Lei

46631195 aprovada nove meses depois da aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de

1994 (PDN1994) Nesse processo dois aspectos merecem destaque a

discussatildeo delimitaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Lei que regulamenta a AEIS

(19921995) ocorreu em paralelo agraves discussotildees sobre o Plano Diretor

(19921994) a sua delimitaccedilatildeo se aplicou a todo o bairro de Matildee Luiza A

fraccedilatildeo urbana delimitada para a AEIS incluiu as favelas ali entatildeo existentes

(favelas do Sopapo Barro Duro Aparecida Alto da Colina) que foram

incluiacutedas nas trecircs categorias de AEIS estabelecidas pelo referido Plano

(Favelas Vilas e Loteamentos clandestinos)19 No processo de revisatildeo do

PDN1994 que foi concluido em 2007 com aprovaccedilatildeo da Lei 0822007

(PDN2007) e conforme referido na seccedilatildeo anterior o instrumento da AEIS foi

reafirmado com a manutenccedilatildeo dessas categorias e a adiccedilatildeo de outras

18

As AEIS do Complexo Favelas Passo da Paacutetria de Jardim Progreso da Aacutefrica e de Nova

Descoberta foram delimitadas mediante leis especificas (Ataiacutede 2013) 19

Um estudo publicado em 1994 que fundamentou a classificaccedilatildeo Plano Diretor identificou a

existecircncia de 69 favelas no municiacutepio de Natal naquele momento Ver IPLANAT1994

Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de

uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal IPLANAT Natal (mimeo)

incluindo a que se aplica a AEIS de Ponta Negra cujas especificidades

apresentamos na sequencia desta seccedilatildeo

Para entendermos melhor a jutifcativa dessa delimitaccedilatildeo cabe mencionar

alguns aspectos da constituiccedilatildeo e configuraccedilatildeo socioespacial do bairro de Matildee

Luiza cujo processo de ocupaccedilo tomou impulso a partir da deacutecada de 1950 e

reuacutene caracteriacutesticas morfoloacutegicas que natildeo se diferenciam das encontradas

nas favelas referidas Estas se expressam nas elevadas densidades

(construtiva e populacional) com destacada presenccedila da produccedilatildeo informal

que remontam agraves origens da sua formaccedilatildeo20 Nesse padratildeo morfoloacutegico

ressaltamos o traccedilado orgacircnico de ruas estreitas e um conjunto edificado com

predomiacutenio de edificaccedilotildees geminadas sem recuos laterais e ou frontais e com

alturas que alcanccedilam os dois pavimentos e com precariedade urbaniacutestica e

social acentuada na medida em que todo o bairro ainda carece de

infraestrutura baacutesica e o perfil socioeconocircmico dos moradores natildeo supera a

meacutedia de trecircs salaacuterios miacutenimos Eacute importante registrar que algumas fraccedilotildees do

bairro jaacute apresentam sinais do aumento dessa densidade com a presenccedila

destacada de edificaccedilotildees com trecircs pavimentos (ou mais)

Na perspectiva ambiental todo o bairro apresenta elevado grau de

fragilidade seja pelas suas caracteriacutesticas geomorfoloacutegicas (relevo acidentado

e aacuterea de dunas ambos sujeitos a deslizamentos) seja pela sua inserccedilatildeo nas

delimitaccedilotildees normativas aplicadas agrave proteccedilatildeo ambiental tanto em acircmbito

municipal como em acircmbitos federal e estadual Esse cenaacuterio se ratifica quando

se constata que grande parte do seu territoacuterio estaacute classificada como aacuterea de

risco pelo PMRR em parte devido a sua relaccedilatildeo com duas Aacutereas de

Preservaccedilatildeo Permanente (APPs de campos dunares) denominados no

PDN2007 como ZPA 2 e ZPA 1021 Segundo Ataiacutede a formaccedilatildeo das aacutereas de

risco assim como dos conflitos socioambientais satildeo resultado do avanccedilo da

ocupaccedilatildeo sobre esses espaccedilos Eacute importante ressaltar que ateacute meados da

deacutecada de 1980 o municiacutepio de Natal natildeo dispunha de regras efetivas de

20

Esses registros remetem agrave uma ocupaccedilatildeo rarefeita da primeira metade do mesmo seacuteculo

com alguma ocupaccedilatildeo no platocirc e nas encostas das dunas da atual Rua Guanabara pelos pescadores 21

A ZPA 2 corresponde ao Parque Estadual das Dunas espaccedilo natural integrante do Sistema

de Unidades de Conservaccedilatildeo do estado do Rio Grande Norte A ZPA 2 corresponde agraves encostas dunares adjacentes agrave Via Costeira que abriga o Farol de Matildee Luiza e margeia parte da Avenida Joatildeo XXIII e Rua Guanabara

controle urbaniacutestico e ambiental que pudessem frear tal forma de ocupaccedilatildeo em

seu territoacuterio Entretanto no caso de Matildee Luiza existem algumas referecircncias

em documentos institucionais e iniciativas normativas que jaacute demonstravam

alguma preocupaccedilatildeo sobre esse processo tais como o Plano Serete e o

PDN198422 Estas contribuiacuteram para reforccedilar os argumentos na defesa da

criaccedilatildeo das AEIS no ambiente de implantaccedilatildeo do marco normativo do

municiacutepio realccedilando o entendimento sobre a necessidade do reconhecimento

das praacuteticas soacutecio espaciais existentes nas diferentes fraccedilotildees territoriais Aleacutem

disso devido a sua localizaccedilatildeo na zona costeira central do municiacutepio desde os

anos 1980 o bairro de Matildee Luiza tambeacutem vem sofrendo uma forte pressatildeo

imobiliaacuteria

Sobre o processo de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo da AEIS cabe destacar

que aleacutem do seu desenvolvimento em paralelo ao do PDN1994 este tambeacutem

adiantou vaacuterios procedimentos de gestatildeo que soacute foram incorporados ao

sistema de planejamento do municiacutepio posteriormente tais como a iniciativa

popular e a motivaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo incluindo o processo participativo e

os objetivos socioambientais23 Segundo Ataiacutede ldquouma das motivaccedilotildees para a

elaboraccedilatildeo de um regramento urbanistico especiacutefico para a aacuterea teve origem

no movimento de resistecircncia da populaccedilatildeo agrave construccedilatildeo de um

empreendimento imobiliaacuterio para fins turisticos numa aacuterea de dunas ainda natildeo

ocupada fronteira a Via Costeira localizado ao lado do Farol de Matildee Luizardquo na

aacuterea atualmente delimitada como ZPA1024 O movimento envolveu diversos

22

O Plano de Desenvolvimento Urbaniacutestico (Plano Serete1968) nunca foi convertido em Lei

mas estabeleceu os fundamentos do Plano Diretor de 1984 (Lei 317584) Ele jaacute identificava a ocupaccedilatildeo nas dunas de Matildee Luiza como uma das grandes favelas de Natal Essa indicaccedilatildeo fundamentou a inclusatildeo do bairro no grupo das Zonas Especiais de Recuperaccedilatildeo Urbana (ZERU) no PDN1984 Em certa medida essas referecircncias denotam uma preocupaccedilatildeo com a precariedade urbaniacutestica e a vulnerabilidade social do lugar anterior ao contexto normativo da deacutecada de 1990 mesmo sem a efetivaccedilatildeo das accedilotildees sobre os assentamentos precaacuterios 23 Sobre esse processo ver especialmente os trabalhos de BENTES Dulce e TRINDADE

Maria Aparecida da S Fernandes 2008 Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159 disponiacutevel em

httpwwwrevistaunirninfbrrevistaunirnindexphprevistaunirnarticleviewFile154183 acesso em 15 de janeiro de 2015 As referecircncias tambeacutem foram discutidas por Ruth Ataiacutede em trabalho jaacute citado no presente artigo (Ataiacutede 2013) 24

O projeto de construccedilatildeo do Paradiso Mare Resort refletia o interesse do mercado

mobiliario num contexto do crescimento da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria da zona costeira Traduccedilatildeo direta de Ataiacutede 2013 jaacute referida

atores sociais com destaque para a participaccedilatildeo dos moradores da Igreja

Catoacutelica e do Departamento de Arquitetura da UFRN por meio das atividades

de extensatildeo de alguns dos seus alunos e professores25 Durante o processo de

discussatildeo se evidenciaram interesses conflitantes relativamente aos objetivos

da proteccedilatildeo socioambiental da aacuterea com destaque para o confronto entre os

moradores o movimento ambientalista e o setor imobiliaacuterio No que diz respeito

ao conteuacutedo da lei deve-se ressaltar que aleacutem de evidenciar a relaccedilatildeo entre

os paracircmetros urbaniacutesticos e as praacuteticas soacutecio espaciais ela adiciona os

princiacutepios socioambientais pois antecipa a discussatildeo sobre a proteccedilatildeo do

campo dunar do Farol de Mae Luiza o qual embora identificado como espaccedilo

protegido pelo PDN1994 ainda natildeo tinha sido delimitado No zoneamento da

AEIS essa aacuterea foi delimitada como Aacuterea de Conservaccedilatildeo (Figura 3)26

Figura 3 Zoneamento da AEIS de Matildee Luiza (destaque para a Aacuterea de Conservaccedilatildeo) e sua relaccedilatildeo com a ZPAs 2 e a ZPA10

Fonte Natal (1995) com base no DOM de 02081995 e FUNPECUFRNMPRN (2012)

adaptado pelos autores

25

ldquoA participaccedilatildeo da UFRN se deu por meio de estudos (1992) que fundamentaram a proposta

de regulamentaccedilatildeo sendo esta apropriada pela populaccedilatildeo do bairro resultando no texto final da Lei da AEISrdquo aprovada em 1995 (Ataide 2013) 26

Baseado nas caracteriacutesticas da ocupaccedilatildeo do lugar foi estabelecido um zoneamento que

dividiu o territoacuterio em trecircs subzonas duas menos restritivas (diferentes graus) e aplicada aos espaccedilos construiacutedos (AO1 - Aacuterea de Ocupaccedilatildeo e AOR2 Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restritiva) e uma aplicada agrave aacuterea de Dunas (AC - aacuterea de conservaccedilatildeo) que foi orientado para garantir a proteccedilatildeo da aacuterea

O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo

da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de

gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-

territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo

juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na

alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da

normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam

entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que

revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de

Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do

estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do

Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com

as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que

reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com

o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como

Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo

tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia

sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas

ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de

tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia

expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam

dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de

governo

Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com

a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade

da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave

resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do

municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo

das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da

ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o

conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno

com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque

Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e

proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade

Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se

apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo

sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das

situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da

favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das

dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo

PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem

contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo

gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas

ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e

com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo

ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias

institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do

movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus

interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza

Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da

favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no

processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam

pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas

remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco

tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na

proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os

objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos

estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de

Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto

conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos

territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees

nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)

Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

27

Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538

2 A AEIS da Vila de Ponta Negra

A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007

Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-

guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a

partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de

grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo

que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo

e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e

internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)

Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628

Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta

Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento

de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja

aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante

emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam

segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que

estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora

O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico

municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos

atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra

ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais

envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor

imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes

28

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento

urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123

das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo

cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007

no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses

representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os

princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso

desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A

ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -

batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e

que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29

Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do

resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos

A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser

encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do

direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute

uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas

precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do

Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar

da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea

Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8

(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda

natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de

gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade

Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao

papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local

da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam

numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de

pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens

culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao

conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com

uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e

29

Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30

De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no

mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo

apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria

pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees

acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos

adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos

com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como

AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas

principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se

opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua

regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de

fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou

negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo

de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida

natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com

moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser

submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios

fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores

da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com

ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo

Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta

Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa

numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta

Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06

que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei

municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem

estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do

Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea

ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e

estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do

31

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade

Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32

A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal

do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33

Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN

Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008

bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a

ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal

como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi

contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas

proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca

Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno

Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores

Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando

abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como

fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de

determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e

da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo

Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a

necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para

o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados

nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a

verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio

ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras

formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como

AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca

Praia de Ponta Negra

ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA

que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os

empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio

e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas

do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse

importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da

densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta

desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes

comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em

duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de

Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos

diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a

uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por

ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que

ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os

interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo

social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial

Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra

ZPA 06 - MORRO DO CARECA

ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)

BAIRRO PONTA NEGRA

ZONA DE AMORTECIMENTO

(ZA)

Praia de Ponta Negra

0m 50m 100m 200m

N

Morro do

Careca

01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca

03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento

06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca

05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca

04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo

Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth

VI Consideraccedilotildees Finais

Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves

relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos

protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto

devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm

estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994

tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas

estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees

especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo

apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)

No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor

imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo

de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de

acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades

especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia

de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de

expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se

realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal

por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao

novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse

novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o

desenvolvimento do trabalho

Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os

mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental

de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do

acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado

deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos

classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas

garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se

reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica

encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada

lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as

necessidades de morar na cidade

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TEIXEIRA R (2015) O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23

Page 8: Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ... · Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ambientais e a justiça espacial em Natal-Brasil Rubenilson Teixeira,

dimensotildees (social e ambiental) incorporaram a natureza do interesse puacuteblico

Com base nesta abordagem os conflitos inicialmente tratados como conflitos

de terra e considerados principalmente pela luta ao acesso agrave moradia

adicionaram novas configuraccedilotildees novos atores e novas dimensotildees para o

problema Nessa configuraccedilatildeo os problemas relacionados com a posse de

terra urbana e o acesso agrave moradia na esfera puacuteblica tambeacutem passaram a ser

definidos como problemas ambientais

Segundo Ataiacutede (2013) um dos desafios do enfrentamento dos conflitos

socioambientais tem sido identificar como os diferentes atores sociais tecircm

efetivado suas accedilotildees relacionadas com o processo de ocupaccedilatildeo do solo dos

espaccedilos naturais tendo como referecircncia a manutenccedilatildeo do fortalecimento da

relaccedilatildeo entre o direito agrave moradia e os preceitos da proteccedilatildeo ambiental Tal

reflexatildeo se apoia no fato de que grande parte das situaccedilotildees de conflito se

manifesta em aacutereas caracterizadas por dualidades e ambiguidades e

evidenciam interesses de diversas naturezas seja em decorrecircncia da

inadequaccedilatildeo urbaniacutestica (parcelamento e tipologias ediliacutecias diferentes dos

padrotildees gerais da cidade) seja pelos aspectos ambientais (localizaccedilatildeo em

aacutereas ambientalmente fraacutegeis protegidas ou natildeo)11

Essa caracterizaccedilatildeo dual faz parte da complexidade da mateacuteria e a sua

compreensatildeo exige a consideraccedilatildeo da sua dimensatildeo histoacuterica na perspectiva

de reconstituir os conflitos e as accedilotildees de resistecircncia contra ameaccedilas de

supressatildeo de direitos Nesse sentido eacute que Andreacutea Zhouri (2007) chama a

atenccedilatildeo para o fato de que a proteccedilatildeo dos recursos naturais deve sempre ser

considerada de forma associada aos processos socioculturais especiacuteficos do

lugar e os conflitos socioambientais considerados como resultado das praacuteticas

e disputas de interesses na apropriaccedilatildeo desses recursos pelos distintos atores

Nesses processos o Estado tem legitimado as suas praacuteticas atraveacutes do

discurso da proteccedilatildeo ambiental que se tornou argumento de consenso dos

interesses dos diferentes setores sociais Por outro lado a compreensatildeo da

natureza desses conflitos tambeacutem depende do funcionamento do modelo de

poliacutetica urbana e ambiental a que estatildeo sujeitos A identificaccedilatildeo de

11

Traduccedilatildeo livre de Ruth Ataiacutede (2013 p 60) na sua Tese de doutorado Entre os autores que

orientam essa discussatildeo a autora destaca Andrea Zhouri (2007 y 2005) referidas Simone Polli (2010) y Silvana Mameri (2011)

convergecircncias e diferenccedilas entre essas duas dimensotildees da poliacutetica permite-

nos discutir estrateacutegias de planejamento urbano- ambiental aplicadas a estas

aacutereas A partir dessa identificaccedilatildeo e tomando como referecircncia estrutura de

Ataiacutede (2013) os conflitos satildeo analisados segundo duas dimensotildees a

institucional que se expressa nas estrateacutegias de gestatildeo e regulaccedilatildeo e a fiacutesico-

territorial que se expressa nas relaccedilotildees espaciais (sociais e ambientais)

No acircmbito institucional expresso nas estrateacutegias de regulaccedilatildeo e gestatildeo a

autora identifica pelo menos dois grupos de conflitos no primeiro grupo objeto

de reflexatildeo no trabalho incluem-se os que satildeo gerados no campo da proacutepria

formulaccedilatildeo da poliacutetica a partir das mudanccedilas na concepccedilatildeo do planejamento

(como previsatildeo ou desejo de uma situaccedilatildeo ideal) que foi substituiacuteda pela

concepccedilatildeo de gestatildeo que se baseia em uma accedilatildeo sobre os espaccedilos de uma

compreensatildeo das condiccedilotildees (sociais culturais poliacuteticas e econoacutemicas) reais

de sua produccedilatildeo e consumo Ou seja uma concepccedilatildeo da poliacutetica estruturada

no princiacutepio do reconhecimento da cidade existente e do planejamento como

um processo dinacircmico que reconhece as accedilotildees do homem sobre a produccedilatildeo

do espaccedilo (urbano ou rural) como expressatildeo legitima do vivido e este como

uma das suas partes inseparaacuteveis

O segundo grupo de conflitos que tambeacutem eacute dependente do primeiro eacute

resultado dos limites da accedilatildeo das esferas puacuteblicas e privadas Nesse sentido

a sua resoluccedilatildeo depende da criaccedilatildeo de novas articulaccedilotildees entre essas esferas

para alavancar o adequado funcionamento desses espaccedilos de mediaccedilatildeo

exigidos pela nova concepccedilatildeo da poliacutetica No estado atual de gestatildeo urbana e

ambiental os limites da accedilatildeo sobre os conflitos tecircm ganhado relevo quando

confrontados com a natureza do regime de propriedade das aacutereas protegidas

na maioria dos casos privada A natureza de uma suposta irregularidade

urbaniacutestica ou ambiental nesses espaccedilos se evidencia no cruzamento de

interesses e accedilotildees opostas sobre os mesmos No caso de Natal e do ponto de

vista da regulaccedilatildeo alguns desses espaccedilos como veremos adiante satildeo

definidos como zonas de proteccedilatildeo especial com base em duas perspectivas a

ambiental por meio de delimitaccedilotildees como Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental

(ZPAs) para as aacutereas ambientalmente fraacutegeis e a social por meio da

classificaccedilatildeo como Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) para os

assentamentos irregulares ou fraccedilotildees urbanas ocupadas pelas populaccedilotildees

mais pobres ou merecedoras de atenccedilatildeo especial em virtude das condiccedilotildees de

precariedade socioambiental

Neste debate destacamos o aspecto crucial do conflito e que estaacute na base

da matriz de sustentabilidade democraacutetica ou da justiccedila ambiental12 que

fundamentam o atual modelo de Poliacutetica Urbana brasileira Isto eacute realccedila a

necessidade de afinarmos a compreensatildeo sobre a noccedilatildeo de justiccedila espacial

na qual se insere a discussatildeo ora proposta sobre Natal a partir de duas das

suas fraccedilotildees territoriais consideradas simboacutelicas nos estudos sobre os conflitos

socioambientais o bairro (ou AEIS) de Matildee Luiza e a AEIS da Vila de Ponta

Negra Para entendermos o aparecimento desses conflitos conveacutem

retomarmos a breve anaacutelise sobre a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do solo do

municiacutepio Nesse sentido sublinhamos que esta ocupaccedilatildeo se desenvolveu

sobre um sitio geograacutefico com alta fragilidade ambiental caracterizado pela

presenccedila de ecossistemas primitivos como as dunas a vegetaccedilatildeo de

mangues as matas e as restingas aleacutem de uma diversidade de corpos drsquoaacutegua

que inclui lagoas e rios no seu interior e o Oceano Atlacircntico na sua feiccedilatildeo leste

com suas praias A maior parte das aacutereas caracterizadas por esses

componentes ambientais se manteve pouco alterada ateacute meados dos anos

1970 quando a ocupaccedilatildeo estava concentrada nos bairros centrais A partir de

entatildeo com o impulso do processo de urbanizaccedilatildeo e o avanccedilo dos debates da

consciecircncia mundial sobre a necessidade de conciliar o desenvolvimento

urbano com a preservaccedilatildeo dos recursos naturais evidenciaram-se o que hoje

denominamos ldquoconflitos espaciaisrdquo ou ldquoconflitos socioambientaisrdquo

Eacute fato que no caso do municiacutepio de Natal a caracterizaccedilatildeo fiacutesica referida

se aplica a todo o seu territoacuterio Entretanto ateacute a deacutecada de 1970 aleacutem da

ocupaccedilatildeo do solo ser de baixa intensidade demograacutefica e construtiva havia

pouca preocupaccedilatildeo quanto aos impactos da intensidade do processo de

urbanizaccedilatildeo no equiliacutebrio do ecossistema inclusive no acircmbito institucional

considerando que o municiacutepio a exemplo de outras realidades brasileiras

tambeacutem natildeo dispunha de instrumentos de controle urbaniacutestico e ambiental fato

12

Conceitos desenvolvidos por Henri Acselrad e outros autores que discutem as matrizes da

sustentabilidade nas poliacuteticas Ver a respeito ACSELRAD H (org) 2001 A duraccedilatildeo das cidades sustentabilidade e risco nas poliacuteticas urbanas DPampA Rio de Janeiro ACSELRALD Henri e LEROY J P 1999 Novas premissas da sustentabilidade democraacutetica FASE Rio de Janeiro

que contribuiu para o avanccedilo da ocupaccedilatildeo de forma dispersa em todas as

direccedilotildees do territoacuterio Estudos recentes sobre esse processo denotam o avanccedilo

dos impactos ambientais sobre territoacuterio municipal e as suas franjas

metropolitanas conforme consta no Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento

Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natalrdquo13 Nesse documento foram

demonstrados os efeitos do processo de urbanizaccedilatildeo com destaque para as

elevadas taxas de impermeabilizaccedilatildeo do solo a contaminaccedilatildeo das aguas

subterracircneas que abastecem a cidade e toda a regiatildeo e de outros corpos

drsquoagua incluindo o rio Potengi assim como para os problemas de alagamentos

e assoreamentos nas aacutereas vulneraacuteveis de erosatildeo costeira entre outros

A contribuiccedilatildeo dos assentamentos precaacuterios sobre o avanccedilo dessa forma

de ocupaccedilatildeo nas aacutereas ambientalmente fraacutegeis consiste no interesse principal

deste trabalho objeto de aprofundamento na quarta seccedilatildeo do trabalho a partir

da anaacutelise de duas fraccedilotildees Para tanto recuperamos os estudos recentes de

Ataiacutede (2013)14 sobre o tema quando realccedila a classificaccedilatildeo das condiccedilotildees de

risco e vulnerabilidade ambiental das 74 favelas existentes no municiacutepio

distribuiacutedos nas quatro regiotildees administrativas Entre essas algumas

localizados em Matildee Luiza e Ponta Negra apresentam condiccedilotildees de risco pela

relaccedilatildeo com os espaccedilos ambientalmente fraacutegeis como as dunas e as Aacutereas de

Preservaccedilatildeo Permanente(APPs)

IV Instrumentos e as dificuldades da sua efetivaccedilatildeo

Como referido anteriormente o municiacutepio de Natal tem feito esforccedilos para

efetivar o seu novo modelo de planejamento e gestatildeo urbana expresso no

Plano Diretor do municiacutepio que foi alccedilado agrave condiccedilatildeo de principal instrumento

13

O Plano (e o seu respectivo diagnostico) foi elaborado para fundamentar as estrateacutegias de

gestatildeo da RMNatal mas nunca se concretizou Ambos foram produzidos por uma equipe multidisciplinar e publicado em 2006 Plano tem como horizonte o ano de 2020 e contou na sua elaboraccedilatildeo com a Secretaria de Planejamento e Financcedilas do Governo Estadual a FADEUFPE e a FUNPECUFRN Ver FADEUFPE FUNPECUFRN SEPLANRN 2007 Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natal Natal Metroacutepole 2020 Diagnoacutestico para o Plano Estrateacutegico Relatoacuterio Temaacutetico da Dimensatildeo Fiacutesico-Territorial Produto 02 Natal Disponiacutevel em httpwwwnatalmetropolerngovbrdowloadsp2v3pdf acceso en 06 de Agosto de 2011 14

Nesses estudos a autora tomou como referecircncia o Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco

(PMRR) elaborado em 2008 que estabeleceu cinco criteacuterios para definir os graus de risco (0 a 5) dos assentamentos e que foram ser passiacutevel de deslizamento e erosatildeoassoreamento estar localizada sobre Dunas Aacuterea de Preservaccedilatildeo Permanente (APPs) ou faixas de domiacutenio Ver a respeito SEMURBAQUATOLCONSULTORIA 2008 Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal

de desenvolvimento urbano desde a Constituiccedilatildeo Federal de 1998 e em

especial a partir da vigecircncia da Lei Nacional de Desenvolvimento Urbano

denominada Estatuto da Cidade (Lei Federal nordm 102572001) em 2001 As

aacutereas de conflitos socioambientais objeto de anaacutelise ganharam evidecircncia a

partir desse marco normativo que orientando-se pelos princiacutepios da garantia

do direito agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado introduziu um conceito de

zoneamento territorial que realccedila as especificidades do municiacutepio a partir seu

tecido social e das suas caracteriacutesticas ambientais Nesse sentido estrutura-se

em duas escalas a macro que fundamenta a divisatildeo do territoacuterio em trecircs

grandes zonas Zona Adensaacutevel Zona de Adensamento Baacutesico e Zona de

Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA)15 a micro ou especiacutefica que possibilita a delimitaccedilatildeo

de fraccedilotildees do territoacuterio como merecedoras de tratamento urbaniacutestico e

ambiental diferenciado de forma correspondente aacutes suas condiccedilotildees de

precariedade urbaniacutestica e vulnerabilidade social e ou ambiental Essas aacutereas

denominadas de Aacutereas Especiais satildeo entendidas como ldquoporccedilotildees da Zona

Urbana situadas em zonas adensaacuteveis ou natildeo com destinaccedilatildeo especiacutefica ou

normas proacuteprias de uso e ocupaccedilatildeo do solordquo e classificadas em quatro

categorias Aacutereas de Controle de Gabarito (ACG) Aacutereas Especiais de Interesse

Social (AEIS) Aacutereas de Operaccedilatildeo Urbana (AOUR) Aacutereas Non Aedificand16

(Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20) As fraccedilotildees urbanas analisadas se

inserem na categoria Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) e alguns

conflitos se evidenciam nas relaccedilotildees com as Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental

localizadas no seu interior ou entorno

As duas categorias ZPAs foram instituiacutedas no Plano Diretor de 1994

como estrateacutegia de gestatildeo para assegurar as populaccedilotildees agrave garantia do direito

agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado nos termos definidos pela

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entretanto essas categorias ainda natildeo foram

regulamentadas na sua totalidade Objetivamente apenas as ZPAs tecircm sido

objeto de accedilotildees mais efetivas nessa direccedilatildeo considerando que entre as dez

15 Definida como a que se destina a ldquoproteccedilatildeo manutenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo dos aspectos

ambientais ecoloacutegicos paisagiacutesticos histoacutericos arqueoloacutegicos turiacutesticos culturais arquitetocircnicos e cientiacuteficos do municiacutepiordquo (Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 17) 16

NATAL Prefeitura Municipal Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20 Em NATAL

Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal

aacutereas assim classificadas 50 (cinco) jaacute tiveram seus processos de

regulamentaccedilatildeo concluiacutedos e outras cinco encontram-se em fase de debate

puacuteblico As ZPAs 06 e 10 que correspondem aos maciccedilos dunares de Ponta

Negra e Matildee Luiza respectivamente incluem-se neste segundo grupo Quanto

as AEIS embora tambeacutem instituiacutedas no mesmo marco normativo (1994) os

seus processos de regulamentaccedilatildeo natildeo avanccedilaram no mesmo ritmo que os

das ZPAs fato que ratifica ainda que por meio de tiacutemidas accedilotildees a primazia do

ambiental sobre o social no processo de gestatildeo urbana do municiacutepio (Figura 2)

Figura 2 ndash AEIS (1) e ZPAs (2) no PDN2007

Fonte Ataiacutede (2013 adaptado pelos autores)

Ressalte-se ainda que o instrumento AEIS foi ratificado e ampliado no

PDN2007 com o acreacutescimo de novas categorias e aacutereas Agraves favelas Vilas e

Loteamentos clandestinos foram acrescidas outras quatro categorias de AEIS

uma das quais aplicada agraves fraccedilotildees urbanas definidas como aacutereas que estatildeo

sob influecircncia de empreendimento de impacto socioeconocircmico cultural e

paisagiacutestico entre elas a da Vila de Ponta Negra17 Contudo passados 21

anos da vigecircncia do PDN 1994 e oito do PDN 2007 considera-se que apenas

17

NATAL Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o

Plano Diretor de Natal DOM Natal Mapa 04 Anexo II

1 2

a AEIS de Matildee Luiza foi objeto de um processo de regulamentaccedilatildeo integral

Outras quatro foram apenas delimitadas e para as demais natildeo existe nenhuma

discussatildeo em andamento18 Para restringir accedilotildees urbaniacutesticas que afetem os

objetivos de proteccedilatildeo socioambiental previstos no PDN2007 em especial o

avanccedilo da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria este Plano estabeleceu restriccedilotildees

urbaniacutesticas incidentes sobre o parcelamento (proibiccedilatildeo de remembramentos)

e a construccedilatildeo de edificaccedilotildees nelas situadas (limite de gabarito em ateacute 75m ou

dois pavimentos) ateacute que as regulamentaccedilatildeo fossem concluiacutedas A relaccedilatildeo

entre as AEIS de Mae Luiza e da Vila de Ponta e as ZPAs do seu entorno eacute

objeto de discussatildeo na seccedilatildeo seguinte do trabalho

V Duas situaccedilotildees emblemaacuteticas as AEIS de Matildee Luiza e Ponta Negra

1 A AEIS de Matildee Luiza

A AEIS de Matildee Luiza foi a primeira fraccedilatildeo urbana de Natal demarcada e

regulamentada como tal no acircmbito do seu marco urbaniacutestico atraveacutes da Lei

46631195 aprovada nove meses depois da aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de

1994 (PDN1994) Nesse processo dois aspectos merecem destaque a

discussatildeo delimitaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Lei que regulamenta a AEIS

(19921995) ocorreu em paralelo agraves discussotildees sobre o Plano Diretor

(19921994) a sua delimitaccedilatildeo se aplicou a todo o bairro de Matildee Luiza A

fraccedilatildeo urbana delimitada para a AEIS incluiu as favelas ali entatildeo existentes

(favelas do Sopapo Barro Duro Aparecida Alto da Colina) que foram

incluiacutedas nas trecircs categorias de AEIS estabelecidas pelo referido Plano

(Favelas Vilas e Loteamentos clandestinos)19 No processo de revisatildeo do

PDN1994 que foi concluido em 2007 com aprovaccedilatildeo da Lei 0822007

(PDN2007) e conforme referido na seccedilatildeo anterior o instrumento da AEIS foi

reafirmado com a manutenccedilatildeo dessas categorias e a adiccedilatildeo de outras

18

As AEIS do Complexo Favelas Passo da Paacutetria de Jardim Progreso da Aacutefrica e de Nova

Descoberta foram delimitadas mediante leis especificas (Ataiacutede 2013) 19

Um estudo publicado em 1994 que fundamentou a classificaccedilatildeo Plano Diretor identificou a

existecircncia de 69 favelas no municiacutepio de Natal naquele momento Ver IPLANAT1994

Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de

uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal IPLANAT Natal (mimeo)

incluindo a que se aplica a AEIS de Ponta Negra cujas especificidades

apresentamos na sequencia desta seccedilatildeo

Para entendermos melhor a jutifcativa dessa delimitaccedilatildeo cabe mencionar

alguns aspectos da constituiccedilatildeo e configuraccedilatildeo socioespacial do bairro de Matildee

Luiza cujo processo de ocupaccedilo tomou impulso a partir da deacutecada de 1950 e

reuacutene caracteriacutesticas morfoloacutegicas que natildeo se diferenciam das encontradas

nas favelas referidas Estas se expressam nas elevadas densidades

(construtiva e populacional) com destacada presenccedila da produccedilatildeo informal

que remontam agraves origens da sua formaccedilatildeo20 Nesse padratildeo morfoloacutegico

ressaltamos o traccedilado orgacircnico de ruas estreitas e um conjunto edificado com

predomiacutenio de edificaccedilotildees geminadas sem recuos laterais e ou frontais e com

alturas que alcanccedilam os dois pavimentos e com precariedade urbaniacutestica e

social acentuada na medida em que todo o bairro ainda carece de

infraestrutura baacutesica e o perfil socioeconocircmico dos moradores natildeo supera a

meacutedia de trecircs salaacuterios miacutenimos Eacute importante registrar que algumas fraccedilotildees do

bairro jaacute apresentam sinais do aumento dessa densidade com a presenccedila

destacada de edificaccedilotildees com trecircs pavimentos (ou mais)

Na perspectiva ambiental todo o bairro apresenta elevado grau de

fragilidade seja pelas suas caracteriacutesticas geomorfoloacutegicas (relevo acidentado

e aacuterea de dunas ambos sujeitos a deslizamentos) seja pela sua inserccedilatildeo nas

delimitaccedilotildees normativas aplicadas agrave proteccedilatildeo ambiental tanto em acircmbito

municipal como em acircmbitos federal e estadual Esse cenaacuterio se ratifica quando

se constata que grande parte do seu territoacuterio estaacute classificada como aacuterea de

risco pelo PMRR em parte devido a sua relaccedilatildeo com duas Aacutereas de

Preservaccedilatildeo Permanente (APPs de campos dunares) denominados no

PDN2007 como ZPA 2 e ZPA 1021 Segundo Ataiacutede a formaccedilatildeo das aacutereas de

risco assim como dos conflitos socioambientais satildeo resultado do avanccedilo da

ocupaccedilatildeo sobre esses espaccedilos Eacute importante ressaltar que ateacute meados da

deacutecada de 1980 o municiacutepio de Natal natildeo dispunha de regras efetivas de

20

Esses registros remetem agrave uma ocupaccedilatildeo rarefeita da primeira metade do mesmo seacuteculo

com alguma ocupaccedilatildeo no platocirc e nas encostas das dunas da atual Rua Guanabara pelos pescadores 21

A ZPA 2 corresponde ao Parque Estadual das Dunas espaccedilo natural integrante do Sistema

de Unidades de Conservaccedilatildeo do estado do Rio Grande Norte A ZPA 2 corresponde agraves encostas dunares adjacentes agrave Via Costeira que abriga o Farol de Matildee Luiza e margeia parte da Avenida Joatildeo XXIII e Rua Guanabara

controle urbaniacutestico e ambiental que pudessem frear tal forma de ocupaccedilatildeo em

seu territoacuterio Entretanto no caso de Matildee Luiza existem algumas referecircncias

em documentos institucionais e iniciativas normativas que jaacute demonstravam

alguma preocupaccedilatildeo sobre esse processo tais como o Plano Serete e o

PDN198422 Estas contribuiacuteram para reforccedilar os argumentos na defesa da

criaccedilatildeo das AEIS no ambiente de implantaccedilatildeo do marco normativo do

municiacutepio realccedilando o entendimento sobre a necessidade do reconhecimento

das praacuteticas soacutecio espaciais existentes nas diferentes fraccedilotildees territoriais Aleacutem

disso devido a sua localizaccedilatildeo na zona costeira central do municiacutepio desde os

anos 1980 o bairro de Matildee Luiza tambeacutem vem sofrendo uma forte pressatildeo

imobiliaacuteria

Sobre o processo de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo da AEIS cabe destacar

que aleacutem do seu desenvolvimento em paralelo ao do PDN1994 este tambeacutem

adiantou vaacuterios procedimentos de gestatildeo que soacute foram incorporados ao

sistema de planejamento do municiacutepio posteriormente tais como a iniciativa

popular e a motivaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo incluindo o processo participativo e

os objetivos socioambientais23 Segundo Ataiacutede ldquouma das motivaccedilotildees para a

elaboraccedilatildeo de um regramento urbanistico especiacutefico para a aacuterea teve origem

no movimento de resistecircncia da populaccedilatildeo agrave construccedilatildeo de um

empreendimento imobiliaacuterio para fins turisticos numa aacuterea de dunas ainda natildeo

ocupada fronteira a Via Costeira localizado ao lado do Farol de Matildee Luizardquo na

aacuterea atualmente delimitada como ZPA1024 O movimento envolveu diversos

22

O Plano de Desenvolvimento Urbaniacutestico (Plano Serete1968) nunca foi convertido em Lei

mas estabeleceu os fundamentos do Plano Diretor de 1984 (Lei 317584) Ele jaacute identificava a ocupaccedilatildeo nas dunas de Matildee Luiza como uma das grandes favelas de Natal Essa indicaccedilatildeo fundamentou a inclusatildeo do bairro no grupo das Zonas Especiais de Recuperaccedilatildeo Urbana (ZERU) no PDN1984 Em certa medida essas referecircncias denotam uma preocupaccedilatildeo com a precariedade urbaniacutestica e a vulnerabilidade social do lugar anterior ao contexto normativo da deacutecada de 1990 mesmo sem a efetivaccedilatildeo das accedilotildees sobre os assentamentos precaacuterios 23 Sobre esse processo ver especialmente os trabalhos de BENTES Dulce e TRINDADE

Maria Aparecida da S Fernandes 2008 Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159 disponiacutevel em

httpwwwrevistaunirninfbrrevistaunirnindexphprevistaunirnarticleviewFile154183 acesso em 15 de janeiro de 2015 As referecircncias tambeacutem foram discutidas por Ruth Ataiacutede em trabalho jaacute citado no presente artigo (Ataiacutede 2013) 24

O projeto de construccedilatildeo do Paradiso Mare Resort refletia o interesse do mercado

mobiliario num contexto do crescimento da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria da zona costeira Traduccedilatildeo direta de Ataiacutede 2013 jaacute referida

atores sociais com destaque para a participaccedilatildeo dos moradores da Igreja

Catoacutelica e do Departamento de Arquitetura da UFRN por meio das atividades

de extensatildeo de alguns dos seus alunos e professores25 Durante o processo de

discussatildeo se evidenciaram interesses conflitantes relativamente aos objetivos

da proteccedilatildeo socioambiental da aacuterea com destaque para o confronto entre os

moradores o movimento ambientalista e o setor imobiliaacuterio No que diz respeito

ao conteuacutedo da lei deve-se ressaltar que aleacutem de evidenciar a relaccedilatildeo entre

os paracircmetros urbaniacutesticos e as praacuteticas soacutecio espaciais ela adiciona os

princiacutepios socioambientais pois antecipa a discussatildeo sobre a proteccedilatildeo do

campo dunar do Farol de Mae Luiza o qual embora identificado como espaccedilo

protegido pelo PDN1994 ainda natildeo tinha sido delimitado No zoneamento da

AEIS essa aacuterea foi delimitada como Aacuterea de Conservaccedilatildeo (Figura 3)26

Figura 3 Zoneamento da AEIS de Matildee Luiza (destaque para a Aacuterea de Conservaccedilatildeo) e sua relaccedilatildeo com a ZPAs 2 e a ZPA10

Fonte Natal (1995) com base no DOM de 02081995 e FUNPECUFRNMPRN (2012)

adaptado pelos autores

25

ldquoA participaccedilatildeo da UFRN se deu por meio de estudos (1992) que fundamentaram a proposta

de regulamentaccedilatildeo sendo esta apropriada pela populaccedilatildeo do bairro resultando no texto final da Lei da AEISrdquo aprovada em 1995 (Ataide 2013) 26

Baseado nas caracteriacutesticas da ocupaccedilatildeo do lugar foi estabelecido um zoneamento que

dividiu o territoacuterio em trecircs subzonas duas menos restritivas (diferentes graus) e aplicada aos espaccedilos construiacutedos (AO1 - Aacuterea de Ocupaccedilatildeo e AOR2 Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restritiva) e uma aplicada agrave aacuterea de Dunas (AC - aacuterea de conservaccedilatildeo) que foi orientado para garantir a proteccedilatildeo da aacuterea

O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo

da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de

gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-

territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo

juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na

alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da

normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam

entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que

revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de

Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do

estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do

Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com

as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que

reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com

o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como

Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo

tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia

sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas

ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de

tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia

expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam

dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de

governo

Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com

a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade

da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave

resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do

municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo

das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da

ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o

conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno

com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque

Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e

proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade

Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se

apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo

sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das

situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da

favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das

dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo

PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem

contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo

gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas

ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e

com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo

ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias

institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do

movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus

interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza

Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da

favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no

processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam

pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas

remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco

tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na

proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os

objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos

estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de

Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto

conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos

territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees

nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)

Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

27

Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538

2 A AEIS da Vila de Ponta Negra

A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007

Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-

guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a

partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de

grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo

que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo

e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e

internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)

Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628

Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta

Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento

de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja

aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante

emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam

segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que

estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora

O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico

municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos

atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra

ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais

envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor

imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes

28

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento

urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123

das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo

cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007

no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses

representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os

princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso

desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A

ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -

batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e

que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29

Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do

resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos

A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser

encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do

direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute

uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas

precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do

Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar

da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea

Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8

(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda

natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de

gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade

Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao

papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local

da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam

numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de

pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens

culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao

conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com

uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e

29

Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30

De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no

mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo

apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria

pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees

acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos

adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos

com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como

AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas

principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se

opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua

regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de

fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou

negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo

de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida

natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com

moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser

submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios

fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores

da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com

ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo

Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta

Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa

numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta

Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06

que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei

municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem

estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do

Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea

ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e

estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do

31

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade

Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32

A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal

do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33

Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN

Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008

bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a

ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal

como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi

contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas

proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca

Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno

Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores

Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando

abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como

fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de

determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e

da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo

Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a

necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para

o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados

nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a

verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio

ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras

formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como

AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca

Praia de Ponta Negra

ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA

que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os

empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio

e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas

do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse

importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da

densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta

desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes

comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em

duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de

Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos

diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a

uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por

ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que

ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os

interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo

social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial

Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra

ZPA 06 - MORRO DO CARECA

ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)

BAIRRO PONTA NEGRA

ZONA DE AMORTECIMENTO

(ZA)

Praia de Ponta Negra

0m 50m 100m 200m

N

Morro do

Careca

01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca

03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento

06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca

05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca

04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo

Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth

VI Consideraccedilotildees Finais

Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves

relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos

protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto

devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm

estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994

tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas

estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees

especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo

apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)

No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor

imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo

de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de

acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades

especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia

de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de

expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se

realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal

por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao

novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse

novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o

desenvolvimento do trabalho

Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os

mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental

de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do

acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado

deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos

classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas

garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se

reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica

encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada

lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as

necessidades de morar na cidade

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TEIXEIRA R (2015) O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23

Page 9: Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ... · Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ambientais e a justiça espacial em Natal-Brasil Rubenilson Teixeira,

convergecircncias e diferenccedilas entre essas duas dimensotildees da poliacutetica permite-

nos discutir estrateacutegias de planejamento urbano- ambiental aplicadas a estas

aacutereas A partir dessa identificaccedilatildeo e tomando como referecircncia estrutura de

Ataiacutede (2013) os conflitos satildeo analisados segundo duas dimensotildees a

institucional que se expressa nas estrateacutegias de gestatildeo e regulaccedilatildeo e a fiacutesico-

territorial que se expressa nas relaccedilotildees espaciais (sociais e ambientais)

No acircmbito institucional expresso nas estrateacutegias de regulaccedilatildeo e gestatildeo a

autora identifica pelo menos dois grupos de conflitos no primeiro grupo objeto

de reflexatildeo no trabalho incluem-se os que satildeo gerados no campo da proacutepria

formulaccedilatildeo da poliacutetica a partir das mudanccedilas na concepccedilatildeo do planejamento

(como previsatildeo ou desejo de uma situaccedilatildeo ideal) que foi substituiacuteda pela

concepccedilatildeo de gestatildeo que se baseia em uma accedilatildeo sobre os espaccedilos de uma

compreensatildeo das condiccedilotildees (sociais culturais poliacuteticas e econoacutemicas) reais

de sua produccedilatildeo e consumo Ou seja uma concepccedilatildeo da poliacutetica estruturada

no princiacutepio do reconhecimento da cidade existente e do planejamento como

um processo dinacircmico que reconhece as accedilotildees do homem sobre a produccedilatildeo

do espaccedilo (urbano ou rural) como expressatildeo legitima do vivido e este como

uma das suas partes inseparaacuteveis

O segundo grupo de conflitos que tambeacutem eacute dependente do primeiro eacute

resultado dos limites da accedilatildeo das esferas puacuteblicas e privadas Nesse sentido

a sua resoluccedilatildeo depende da criaccedilatildeo de novas articulaccedilotildees entre essas esferas

para alavancar o adequado funcionamento desses espaccedilos de mediaccedilatildeo

exigidos pela nova concepccedilatildeo da poliacutetica No estado atual de gestatildeo urbana e

ambiental os limites da accedilatildeo sobre os conflitos tecircm ganhado relevo quando

confrontados com a natureza do regime de propriedade das aacutereas protegidas

na maioria dos casos privada A natureza de uma suposta irregularidade

urbaniacutestica ou ambiental nesses espaccedilos se evidencia no cruzamento de

interesses e accedilotildees opostas sobre os mesmos No caso de Natal e do ponto de

vista da regulaccedilatildeo alguns desses espaccedilos como veremos adiante satildeo

definidos como zonas de proteccedilatildeo especial com base em duas perspectivas a

ambiental por meio de delimitaccedilotildees como Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental

(ZPAs) para as aacutereas ambientalmente fraacutegeis e a social por meio da

classificaccedilatildeo como Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) para os

assentamentos irregulares ou fraccedilotildees urbanas ocupadas pelas populaccedilotildees

mais pobres ou merecedoras de atenccedilatildeo especial em virtude das condiccedilotildees de

precariedade socioambiental

Neste debate destacamos o aspecto crucial do conflito e que estaacute na base

da matriz de sustentabilidade democraacutetica ou da justiccedila ambiental12 que

fundamentam o atual modelo de Poliacutetica Urbana brasileira Isto eacute realccedila a

necessidade de afinarmos a compreensatildeo sobre a noccedilatildeo de justiccedila espacial

na qual se insere a discussatildeo ora proposta sobre Natal a partir de duas das

suas fraccedilotildees territoriais consideradas simboacutelicas nos estudos sobre os conflitos

socioambientais o bairro (ou AEIS) de Matildee Luiza e a AEIS da Vila de Ponta

Negra Para entendermos o aparecimento desses conflitos conveacutem

retomarmos a breve anaacutelise sobre a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do solo do

municiacutepio Nesse sentido sublinhamos que esta ocupaccedilatildeo se desenvolveu

sobre um sitio geograacutefico com alta fragilidade ambiental caracterizado pela

presenccedila de ecossistemas primitivos como as dunas a vegetaccedilatildeo de

mangues as matas e as restingas aleacutem de uma diversidade de corpos drsquoaacutegua

que inclui lagoas e rios no seu interior e o Oceano Atlacircntico na sua feiccedilatildeo leste

com suas praias A maior parte das aacutereas caracterizadas por esses

componentes ambientais se manteve pouco alterada ateacute meados dos anos

1970 quando a ocupaccedilatildeo estava concentrada nos bairros centrais A partir de

entatildeo com o impulso do processo de urbanizaccedilatildeo e o avanccedilo dos debates da

consciecircncia mundial sobre a necessidade de conciliar o desenvolvimento

urbano com a preservaccedilatildeo dos recursos naturais evidenciaram-se o que hoje

denominamos ldquoconflitos espaciaisrdquo ou ldquoconflitos socioambientaisrdquo

Eacute fato que no caso do municiacutepio de Natal a caracterizaccedilatildeo fiacutesica referida

se aplica a todo o seu territoacuterio Entretanto ateacute a deacutecada de 1970 aleacutem da

ocupaccedilatildeo do solo ser de baixa intensidade demograacutefica e construtiva havia

pouca preocupaccedilatildeo quanto aos impactos da intensidade do processo de

urbanizaccedilatildeo no equiliacutebrio do ecossistema inclusive no acircmbito institucional

considerando que o municiacutepio a exemplo de outras realidades brasileiras

tambeacutem natildeo dispunha de instrumentos de controle urbaniacutestico e ambiental fato

12

Conceitos desenvolvidos por Henri Acselrad e outros autores que discutem as matrizes da

sustentabilidade nas poliacuteticas Ver a respeito ACSELRAD H (org) 2001 A duraccedilatildeo das cidades sustentabilidade e risco nas poliacuteticas urbanas DPampA Rio de Janeiro ACSELRALD Henri e LEROY J P 1999 Novas premissas da sustentabilidade democraacutetica FASE Rio de Janeiro

que contribuiu para o avanccedilo da ocupaccedilatildeo de forma dispersa em todas as

direccedilotildees do territoacuterio Estudos recentes sobre esse processo denotam o avanccedilo

dos impactos ambientais sobre territoacuterio municipal e as suas franjas

metropolitanas conforme consta no Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento

Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natalrdquo13 Nesse documento foram

demonstrados os efeitos do processo de urbanizaccedilatildeo com destaque para as

elevadas taxas de impermeabilizaccedilatildeo do solo a contaminaccedilatildeo das aguas

subterracircneas que abastecem a cidade e toda a regiatildeo e de outros corpos

drsquoagua incluindo o rio Potengi assim como para os problemas de alagamentos

e assoreamentos nas aacutereas vulneraacuteveis de erosatildeo costeira entre outros

A contribuiccedilatildeo dos assentamentos precaacuterios sobre o avanccedilo dessa forma

de ocupaccedilatildeo nas aacutereas ambientalmente fraacutegeis consiste no interesse principal

deste trabalho objeto de aprofundamento na quarta seccedilatildeo do trabalho a partir

da anaacutelise de duas fraccedilotildees Para tanto recuperamos os estudos recentes de

Ataiacutede (2013)14 sobre o tema quando realccedila a classificaccedilatildeo das condiccedilotildees de

risco e vulnerabilidade ambiental das 74 favelas existentes no municiacutepio

distribuiacutedos nas quatro regiotildees administrativas Entre essas algumas

localizados em Matildee Luiza e Ponta Negra apresentam condiccedilotildees de risco pela

relaccedilatildeo com os espaccedilos ambientalmente fraacutegeis como as dunas e as Aacutereas de

Preservaccedilatildeo Permanente(APPs)

IV Instrumentos e as dificuldades da sua efetivaccedilatildeo

Como referido anteriormente o municiacutepio de Natal tem feito esforccedilos para

efetivar o seu novo modelo de planejamento e gestatildeo urbana expresso no

Plano Diretor do municiacutepio que foi alccedilado agrave condiccedilatildeo de principal instrumento

13

O Plano (e o seu respectivo diagnostico) foi elaborado para fundamentar as estrateacutegias de

gestatildeo da RMNatal mas nunca se concretizou Ambos foram produzidos por uma equipe multidisciplinar e publicado em 2006 Plano tem como horizonte o ano de 2020 e contou na sua elaboraccedilatildeo com a Secretaria de Planejamento e Financcedilas do Governo Estadual a FADEUFPE e a FUNPECUFRN Ver FADEUFPE FUNPECUFRN SEPLANRN 2007 Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natal Natal Metroacutepole 2020 Diagnoacutestico para o Plano Estrateacutegico Relatoacuterio Temaacutetico da Dimensatildeo Fiacutesico-Territorial Produto 02 Natal Disponiacutevel em httpwwwnatalmetropolerngovbrdowloadsp2v3pdf acceso en 06 de Agosto de 2011 14

Nesses estudos a autora tomou como referecircncia o Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco

(PMRR) elaborado em 2008 que estabeleceu cinco criteacuterios para definir os graus de risco (0 a 5) dos assentamentos e que foram ser passiacutevel de deslizamento e erosatildeoassoreamento estar localizada sobre Dunas Aacuterea de Preservaccedilatildeo Permanente (APPs) ou faixas de domiacutenio Ver a respeito SEMURBAQUATOLCONSULTORIA 2008 Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal

de desenvolvimento urbano desde a Constituiccedilatildeo Federal de 1998 e em

especial a partir da vigecircncia da Lei Nacional de Desenvolvimento Urbano

denominada Estatuto da Cidade (Lei Federal nordm 102572001) em 2001 As

aacutereas de conflitos socioambientais objeto de anaacutelise ganharam evidecircncia a

partir desse marco normativo que orientando-se pelos princiacutepios da garantia

do direito agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado introduziu um conceito de

zoneamento territorial que realccedila as especificidades do municiacutepio a partir seu

tecido social e das suas caracteriacutesticas ambientais Nesse sentido estrutura-se

em duas escalas a macro que fundamenta a divisatildeo do territoacuterio em trecircs

grandes zonas Zona Adensaacutevel Zona de Adensamento Baacutesico e Zona de

Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA)15 a micro ou especiacutefica que possibilita a delimitaccedilatildeo

de fraccedilotildees do territoacuterio como merecedoras de tratamento urbaniacutestico e

ambiental diferenciado de forma correspondente aacutes suas condiccedilotildees de

precariedade urbaniacutestica e vulnerabilidade social e ou ambiental Essas aacutereas

denominadas de Aacutereas Especiais satildeo entendidas como ldquoporccedilotildees da Zona

Urbana situadas em zonas adensaacuteveis ou natildeo com destinaccedilatildeo especiacutefica ou

normas proacuteprias de uso e ocupaccedilatildeo do solordquo e classificadas em quatro

categorias Aacutereas de Controle de Gabarito (ACG) Aacutereas Especiais de Interesse

Social (AEIS) Aacutereas de Operaccedilatildeo Urbana (AOUR) Aacutereas Non Aedificand16

(Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20) As fraccedilotildees urbanas analisadas se

inserem na categoria Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) e alguns

conflitos se evidenciam nas relaccedilotildees com as Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental

localizadas no seu interior ou entorno

As duas categorias ZPAs foram instituiacutedas no Plano Diretor de 1994

como estrateacutegia de gestatildeo para assegurar as populaccedilotildees agrave garantia do direito

agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado nos termos definidos pela

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entretanto essas categorias ainda natildeo foram

regulamentadas na sua totalidade Objetivamente apenas as ZPAs tecircm sido

objeto de accedilotildees mais efetivas nessa direccedilatildeo considerando que entre as dez

15 Definida como a que se destina a ldquoproteccedilatildeo manutenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo dos aspectos

ambientais ecoloacutegicos paisagiacutesticos histoacutericos arqueoloacutegicos turiacutesticos culturais arquitetocircnicos e cientiacuteficos do municiacutepiordquo (Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 17) 16

NATAL Prefeitura Municipal Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20 Em NATAL

Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal

aacutereas assim classificadas 50 (cinco) jaacute tiveram seus processos de

regulamentaccedilatildeo concluiacutedos e outras cinco encontram-se em fase de debate

puacuteblico As ZPAs 06 e 10 que correspondem aos maciccedilos dunares de Ponta

Negra e Matildee Luiza respectivamente incluem-se neste segundo grupo Quanto

as AEIS embora tambeacutem instituiacutedas no mesmo marco normativo (1994) os

seus processos de regulamentaccedilatildeo natildeo avanccedilaram no mesmo ritmo que os

das ZPAs fato que ratifica ainda que por meio de tiacutemidas accedilotildees a primazia do

ambiental sobre o social no processo de gestatildeo urbana do municiacutepio (Figura 2)

Figura 2 ndash AEIS (1) e ZPAs (2) no PDN2007

Fonte Ataiacutede (2013 adaptado pelos autores)

Ressalte-se ainda que o instrumento AEIS foi ratificado e ampliado no

PDN2007 com o acreacutescimo de novas categorias e aacutereas Agraves favelas Vilas e

Loteamentos clandestinos foram acrescidas outras quatro categorias de AEIS

uma das quais aplicada agraves fraccedilotildees urbanas definidas como aacutereas que estatildeo

sob influecircncia de empreendimento de impacto socioeconocircmico cultural e

paisagiacutestico entre elas a da Vila de Ponta Negra17 Contudo passados 21

anos da vigecircncia do PDN 1994 e oito do PDN 2007 considera-se que apenas

17

NATAL Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o

Plano Diretor de Natal DOM Natal Mapa 04 Anexo II

1 2

a AEIS de Matildee Luiza foi objeto de um processo de regulamentaccedilatildeo integral

Outras quatro foram apenas delimitadas e para as demais natildeo existe nenhuma

discussatildeo em andamento18 Para restringir accedilotildees urbaniacutesticas que afetem os

objetivos de proteccedilatildeo socioambiental previstos no PDN2007 em especial o

avanccedilo da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria este Plano estabeleceu restriccedilotildees

urbaniacutesticas incidentes sobre o parcelamento (proibiccedilatildeo de remembramentos)

e a construccedilatildeo de edificaccedilotildees nelas situadas (limite de gabarito em ateacute 75m ou

dois pavimentos) ateacute que as regulamentaccedilatildeo fossem concluiacutedas A relaccedilatildeo

entre as AEIS de Mae Luiza e da Vila de Ponta e as ZPAs do seu entorno eacute

objeto de discussatildeo na seccedilatildeo seguinte do trabalho

V Duas situaccedilotildees emblemaacuteticas as AEIS de Matildee Luiza e Ponta Negra

1 A AEIS de Matildee Luiza

A AEIS de Matildee Luiza foi a primeira fraccedilatildeo urbana de Natal demarcada e

regulamentada como tal no acircmbito do seu marco urbaniacutestico atraveacutes da Lei

46631195 aprovada nove meses depois da aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de

1994 (PDN1994) Nesse processo dois aspectos merecem destaque a

discussatildeo delimitaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Lei que regulamenta a AEIS

(19921995) ocorreu em paralelo agraves discussotildees sobre o Plano Diretor

(19921994) a sua delimitaccedilatildeo se aplicou a todo o bairro de Matildee Luiza A

fraccedilatildeo urbana delimitada para a AEIS incluiu as favelas ali entatildeo existentes

(favelas do Sopapo Barro Duro Aparecida Alto da Colina) que foram

incluiacutedas nas trecircs categorias de AEIS estabelecidas pelo referido Plano

(Favelas Vilas e Loteamentos clandestinos)19 No processo de revisatildeo do

PDN1994 que foi concluido em 2007 com aprovaccedilatildeo da Lei 0822007

(PDN2007) e conforme referido na seccedilatildeo anterior o instrumento da AEIS foi

reafirmado com a manutenccedilatildeo dessas categorias e a adiccedilatildeo de outras

18

As AEIS do Complexo Favelas Passo da Paacutetria de Jardim Progreso da Aacutefrica e de Nova

Descoberta foram delimitadas mediante leis especificas (Ataiacutede 2013) 19

Um estudo publicado em 1994 que fundamentou a classificaccedilatildeo Plano Diretor identificou a

existecircncia de 69 favelas no municiacutepio de Natal naquele momento Ver IPLANAT1994

Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de

uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal IPLANAT Natal (mimeo)

incluindo a que se aplica a AEIS de Ponta Negra cujas especificidades

apresentamos na sequencia desta seccedilatildeo

Para entendermos melhor a jutifcativa dessa delimitaccedilatildeo cabe mencionar

alguns aspectos da constituiccedilatildeo e configuraccedilatildeo socioespacial do bairro de Matildee

Luiza cujo processo de ocupaccedilo tomou impulso a partir da deacutecada de 1950 e

reuacutene caracteriacutesticas morfoloacutegicas que natildeo se diferenciam das encontradas

nas favelas referidas Estas se expressam nas elevadas densidades

(construtiva e populacional) com destacada presenccedila da produccedilatildeo informal

que remontam agraves origens da sua formaccedilatildeo20 Nesse padratildeo morfoloacutegico

ressaltamos o traccedilado orgacircnico de ruas estreitas e um conjunto edificado com

predomiacutenio de edificaccedilotildees geminadas sem recuos laterais e ou frontais e com

alturas que alcanccedilam os dois pavimentos e com precariedade urbaniacutestica e

social acentuada na medida em que todo o bairro ainda carece de

infraestrutura baacutesica e o perfil socioeconocircmico dos moradores natildeo supera a

meacutedia de trecircs salaacuterios miacutenimos Eacute importante registrar que algumas fraccedilotildees do

bairro jaacute apresentam sinais do aumento dessa densidade com a presenccedila

destacada de edificaccedilotildees com trecircs pavimentos (ou mais)

Na perspectiva ambiental todo o bairro apresenta elevado grau de

fragilidade seja pelas suas caracteriacutesticas geomorfoloacutegicas (relevo acidentado

e aacuterea de dunas ambos sujeitos a deslizamentos) seja pela sua inserccedilatildeo nas

delimitaccedilotildees normativas aplicadas agrave proteccedilatildeo ambiental tanto em acircmbito

municipal como em acircmbitos federal e estadual Esse cenaacuterio se ratifica quando

se constata que grande parte do seu territoacuterio estaacute classificada como aacuterea de

risco pelo PMRR em parte devido a sua relaccedilatildeo com duas Aacutereas de

Preservaccedilatildeo Permanente (APPs de campos dunares) denominados no

PDN2007 como ZPA 2 e ZPA 1021 Segundo Ataiacutede a formaccedilatildeo das aacutereas de

risco assim como dos conflitos socioambientais satildeo resultado do avanccedilo da

ocupaccedilatildeo sobre esses espaccedilos Eacute importante ressaltar que ateacute meados da

deacutecada de 1980 o municiacutepio de Natal natildeo dispunha de regras efetivas de

20

Esses registros remetem agrave uma ocupaccedilatildeo rarefeita da primeira metade do mesmo seacuteculo

com alguma ocupaccedilatildeo no platocirc e nas encostas das dunas da atual Rua Guanabara pelos pescadores 21

A ZPA 2 corresponde ao Parque Estadual das Dunas espaccedilo natural integrante do Sistema

de Unidades de Conservaccedilatildeo do estado do Rio Grande Norte A ZPA 2 corresponde agraves encostas dunares adjacentes agrave Via Costeira que abriga o Farol de Matildee Luiza e margeia parte da Avenida Joatildeo XXIII e Rua Guanabara

controle urbaniacutestico e ambiental que pudessem frear tal forma de ocupaccedilatildeo em

seu territoacuterio Entretanto no caso de Matildee Luiza existem algumas referecircncias

em documentos institucionais e iniciativas normativas que jaacute demonstravam

alguma preocupaccedilatildeo sobre esse processo tais como o Plano Serete e o

PDN198422 Estas contribuiacuteram para reforccedilar os argumentos na defesa da

criaccedilatildeo das AEIS no ambiente de implantaccedilatildeo do marco normativo do

municiacutepio realccedilando o entendimento sobre a necessidade do reconhecimento

das praacuteticas soacutecio espaciais existentes nas diferentes fraccedilotildees territoriais Aleacutem

disso devido a sua localizaccedilatildeo na zona costeira central do municiacutepio desde os

anos 1980 o bairro de Matildee Luiza tambeacutem vem sofrendo uma forte pressatildeo

imobiliaacuteria

Sobre o processo de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo da AEIS cabe destacar

que aleacutem do seu desenvolvimento em paralelo ao do PDN1994 este tambeacutem

adiantou vaacuterios procedimentos de gestatildeo que soacute foram incorporados ao

sistema de planejamento do municiacutepio posteriormente tais como a iniciativa

popular e a motivaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo incluindo o processo participativo e

os objetivos socioambientais23 Segundo Ataiacutede ldquouma das motivaccedilotildees para a

elaboraccedilatildeo de um regramento urbanistico especiacutefico para a aacuterea teve origem

no movimento de resistecircncia da populaccedilatildeo agrave construccedilatildeo de um

empreendimento imobiliaacuterio para fins turisticos numa aacuterea de dunas ainda natildeo

ocupada fronteira a Via Costeira localizado ao lado do Farol de Matildee Luizardquo na

aacuterea atualmente delimitada como ZPA1024 O movimento envolveu diversos

22

O Plano de Desenvolvimento Urbaniacutestico (Plano Serete1968) nunca foi convertido em Lei

mas estabeleceu os fundamentos do Plano Diretor de 1984 (Lei 317584) Ele jaacute identificava a ocupaccedilatildeo nas dunas de Matildee Luiza como uma das grandes favelas de Natal Essa indicaccedilatildeo fundamentou a inclusatildeo do bairro no grupo das Zonas Especiais de Recuperaccedilatildeo Urbana (ZERU) no PDN1984 Em certa medida essas referecircncias denotam uma preocupaccedilatildeo com a precariedade urbaniacutestica e a vulnerabilidade social do lugar anterior ao contexto normativo da deacutecada de 1990 mesmo sem a efetivaccedilatildeo das accedilotildees sobre os assentamentos precaacuterios 23 Sobre esse processo ver especialmente os trabalhos de BENTES Dulce e TRINDADE

Maria Aparecida da S Fernandes 2008 Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159 disponiacutevel em

httpwwwrevistaunirninfbrrevistaunirnindexphprevistaunirnarticleviewFile154183 acesso em 15 de janeiro de 2015 As referecircncias tambeacutem foram discutidas por Ruth Ataiacutede em trabalho jaacute citado no presente artigo (Ataiacutede 2013) 24

O projeto de construccedilatildeo do Paradiso Mare Resort refletia o interesse do mercado

mobiliario num contexto do crescimento da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria da zona costeira Traduccedilatildeo direta de Ataiacutede 2013 jaacute referida

atores sociais com destaque para a participaccedilatildeo dos moradores da Igreja

Catoacutelica e do Departamento de Arquitetura da UFRN por meio das atividades

de extensatildeo de alguns dos seus alunos e professores25 Durante o processo de

discussatildeo se evidenciaram interesses conflitantes relativamente aos objetivos

da proteccedilatildeo socioambiental da aacuterea com destaque para o confronto entre os

moradores o movimento ambientalista e o setor imobiliaacuterio No que diz respeito

ao conteuacutedo da lei deve-se ressaltar que aleacutem de evidenciar a relaccedilatildeo entre

os paracircmetros urbaniacutesticos e as praacuteticas soacutecio espaciais ela adiciona os

princiacutepios socioambientais pois antecipa a discussatildeo sobre a proteccedilatildeo do

campo dunar do Farol de Mae Luiza o qual embora identificado como espaccedilo

protegido pelo PDN1994 ainda natildeo tinha sido delimitado No zoneamento da

AEIS essa aacuterea foi delimitada como Aacuterea de Conservaccedilatildeo (Figura 3)26

Figura 3 Zoneamento da AEIS de Matildee Luiza (destaque para a Aacuterea de Conservaccedilatildeo) e sua relaccedilatildeo com a ZPAs 2 e a ZPA10

Fonte Natal (1995) com base no DOM de 02081995 e FUNPECUFRNMPRN (2012)

adaptado pelos autores

25

ldquoA participaccedilatildeo da UFRN se deu por meio de estudos (1992) que fundamentaram a proposta

de regulamentaccedilatildeo sendo esta apropriada pela populaccedilatildeo do bairro resultando no texto final da Lei da AEISrdquo aprovada em 1995 (Ataide 2013) 26

Baseado nas caracteriacutesticas da ocupaccedilatildeo do lugar foi estabelecido um zoneamento que

dividiu o territoacuterio em trecircs subzonas duas menos restritivas (diferentes graus) e aplicada aos espaccedilos construiacutedos (AO1 - Aacuterea de Ocupaccedilatildeo e AOR2 Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restritiva) e uma aplicada agrave aacuterea de Dunas (AC - aacuterea de conservaccedilatildeo) que foi orientado para garantir a proteccedilatildeo da aacuterea

O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo

da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de

gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-

territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo

juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na

alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da

normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam

entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que

revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de

Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do

estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do

Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com

as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que

reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com

o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como

Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo

tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia

sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas

ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de

tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia

expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam

dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de

governo

Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com

a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade

da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave

resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do

municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo

das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da

ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o

conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno

com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque

Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e

proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade

Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se

apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo

sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das

situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da

favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das

dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo

PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem

contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo

gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas

ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e

com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo

ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias

institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do

movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus

interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza

Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da

favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no

processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam

pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas

remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco

tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na

proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os

objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos

estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de

Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto

conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos

territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees

nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)

Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

27

Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538

2 A AEIS da Vila de Ponta Negra

A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007

Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-

guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a

partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de

grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo

que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo

e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e

internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)

Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628

Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta

Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento

de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja

aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante

emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam

segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que

estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora

O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico

municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos

atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra

ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais

envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor

imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes

28

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento

urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123

das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo

cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007

no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses

representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os

princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso

desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A

ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -

batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e

que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29

Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do

resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos

A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser

encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do

direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute

uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas

precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do

Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar

da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea

Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8

(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda

natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de

gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade

Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao

papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local

da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam

numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de

pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens

culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao

conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com

uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e

29

Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30

De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no

mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo

apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria

pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees

acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos

adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos

com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como

AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas

principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se

opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua

regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de

fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou

negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo

de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida

natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com

moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser

submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios

fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores

da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com

ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo

Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta

Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa

numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta

Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06

que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei

municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem

estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do

Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea

ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e

estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do

31

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade

Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32

A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal

do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33

Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN

Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008

bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a

ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal

como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi

contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas

proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca

Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno

Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores

Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando

abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como

fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de

determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e

da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo

Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a

necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para

o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados

nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a

verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio

ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras

formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como

AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca

Praia de Ponta Negra

ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA

que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os

empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio

e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas

do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse

importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da

densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta

desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes

comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em

duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de

Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos

diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a

uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por

ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que

ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os

interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo

social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial

Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra

ZPA 06 - MORRO DO CARECA

ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)

BAIRRO PONTA NEGRA

ZONA DE AMORTECIMENTO

(ZA)

Praia de Ponta Negra

0m 50m 100m 200m

N

Morro do

Careca

01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca

03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento

06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca

05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca

04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo

Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth

VI Consideraccedilotildees Finais

Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves

relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos

protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto

devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm

estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994

tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas

estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees

especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo

apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)

No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor

imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo

de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de

acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades

especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia

de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de

expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se

realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal

por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao

novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse

novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o

desenvolvimento do trabalho

Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os

mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental

de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do

acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado

deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos

classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas

garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se

reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica

encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada

lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as

necessidades de morar na cidade

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Page 10: Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ... · Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ambientais e a justiça espacial em Natal-Brasil Rubenilson Teixeira,

mais pobres ou merecedoras de atenccedilatildeo especial em virtude das condiccedilotildees de

precariedade socioambiental

Neste debate destacamos o aspecto crucial do conflito e que estaacute na base

da matriz de sustentabilidade democraacutetica ou da justiccedila ambiental12 que

fundamentam o atual modelo de Poliacutetica Urbana brasileira Isto eacute realccedila a

necessidade de afinarmos a compreensatildeo sobre a noccedilatildeo de justiccedila espacial

na qual se insere a discussatildeo ora proposta sobre Natal a partir de duas das

suas fraccedilotildees territoriais consideradas simboacutelicas nos estudos sobre os conflitos

socioambientais o bairro (ou AEIS) de Matildee Luiza e a AEIS da Vila de Ponta

Negra Para entendermos o aparecimento desses conflitos conveacutem

retomarmos a breve anaacutelise sobre a evoluccedilatildeo da ocupaccedilatildeo do solo do

municiacutepio Nesse sentido sublinhamos que esta ocupaccedilatildeo se desenvolveu

sobre um sitio geograacutefico com alta fragilidade ambiental caracterizado pela

presenccedila de ecossistemas primitivos como as dunas a vegetaccedilatildeo de

mangues as matas e as restingas aleacutem de uma diversidade de corpos drsquoaacutegua

que inclui lagoas e rios no seu interior e o Oceano Atlacircntico na sua feiccedilatildeo leste

com suas praias A maior parte das aacutereas caracterizadas por esses

componentes ambientais se manteve pouco alterada ateacute meados dos anos

1970 quando a ocupaccedilatildeo estava concentrada nos bairros centrais A partir de

entatildeo com o impulso do processo de urbanizaccedilatildeo e o avanccedilo dos debates da

consciecircncia mundial sobre a necessidade de conciliar o desenvolvimento

urbano com a preservaccedilatildeo dos recursos naturais evidenciaram-se o que hoje

denominamos ldquoconflitos espaciaisrdquo ou ldquoconflitos socioambientaisrdquo

Eacute fato que no caso do municiacutepio de Natal a caracterizaccedilatildeo fiacutesica referida

se aplica a todo o seu territoacuterio Entretanto ateacute a deacutecada de 1970 aleacutem da

ocupaccedilatildeo do solo ser de baixa intensidade demograacutefica e construtiva havia

pouca preocupaccedilatildeo quanto aos impactos da intensidade do processo de

urbanizaccedilatildeo no equiliacutebrio do ecossistema inclusive no acircmbito institucional

considerando que o municiacutepio a exemplo de outras realidades brasileiras

tambeacutem natildeo dispunha de instrumentos de controle urbaniacutestico e ambiental fato

12

Conceitos desenvolvidos por Henri Acselrad e outros autores que discutem as matrizes da

sustentabilidade nas poliacuteticas Ver a respeito ACSELRAD H (org) 2001 A duraccedilatildeo das cidades sustentabilidade e risco nas poliacuteticas urbanas DPampA Rio de Janeiro ACSELRALD Henri e LEROY J P 1999 Novas premissas da sustentabilidade democraacutetica FASE Rio de Janeiro

que contribuiu para o avanccedilo da ocupaccedilatildeo de forma dispersa em todas as

direccedilotildees do territoacuterio Estudos recentes sobre esse processo denotam o avanccedilo

dos impactos ambientais sobre territoacuterio municipal e as suas franjas

metropolitanas conforme consta no Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento

Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natalrdquo13 Nesse documento foram

demonstrados os efeitos do processo de urbanizaccedilatildeo com destaque para as

elevadas taxas de impermeabilizaccedilatildeo do solo a contaminaccedilatildeo das aguas

subterracircneas que abastecem a cidade e toda a regiatildeo e de outros corpos

drsquoagua incluindo o rio Potengi assim como para os problemas de alagamentos

e assoreamentos nas aacutereas vulneraacuteveis de erosatildeo costeira entre outros

A contribuiccedilatildeo dos assentamentos precaacuterios sobre o avanccedilo dessa forma

de ocupaccedilatildeo nas aacutereas ambientalmente fraacutegeis consiste no interesse principal

deste trabalho objeto de aprofundamento na quarta seccedilatildeo do trabalho a partir

da anaacutelise de duas fraccedilotildees Para tanto recuperamos os estudos recentes de

Ataiacutede (2013)14 sobre o tema quando realccedila a classificaccedilatildeo das condiccedilotildees de

risco e vulnerabilidade ambiental das 74 favelas existentes no municiacutepio

distribuiacutedos nas quatro regiotildees administrativas Entre essas algumas

localizados em Matildee Luiza e Ponta Negra apresentam condiccedilotildees de risco pela

relaccedilatildeo com os espaccedilos ambientalmente fraacutegeis como as dunas e as Aacutereas de

Preservaccedilatildeo Permanente(APPs)

IV Instrumentos e as dificuldades da sua efetivaccedilatildeo

Como referido anteriormente o municiacutepio de Natal tem feito esforccedilos para

efetivar o seu novo modelo de planejamento e gestatildeo urbana expresso no

Plano Diretor do municiacutepio que foi alccedilado agrave condiccedilatildeo de principal instrumento

13

O Plano (e o seu respectivo diagnostico) foi elaborado para fundamentar as estrateacutegias de

gestatildeo da RMNatal mas nunca se concretizou Ambos foram produzidos por uma equipe multidisciplinar e publicado em 2006 Plano tem como horizonte o ano de 2020 e contou na sua elaboraccedilatildeo com a Secretaria de Planejamento e Financcedilas do Governo Estadual a FADEUFPE e a FUNPECUFRN Ver FADEUFPE FUNPECUFRN SEPLANRN 2007 Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natal Natal Metroacutepole 2020 Diagnoacutestico para o Plano Estrateacutegico Relatoacuterio Temaacutetico da Dimensatildeo Fiacutesico-Territorial Produto 02 Natal Disponiacutevel em httpwwwnatalmetropolerngovbrdowloadsp2v3pdf acceso en 06 de Agosto de 2011 14

Nesses estudos a autora tomou como referecircncia o Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco

(PMRR) elaborado em 2008 que estabeleceu cinco criteacuterios para definir os graus de risco (0 a 5) dos assentamentos e que foram ser passiacutevel de deslizamento e erosatildeoassoreamento estar localizada sobre Dunas Aacuterea de Preservaccedilatildeo Permanente (APPs) ou faixas de domiacutenio Ver a respeito SEMURBAQUATOLCONSULTORIA 2008 Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal

de desenvolvimento urbano desde a Constituiccedilatildeo Federal de 1998 e em

especial a partir da vigecircncia da Lei Nacional de Desenvolvimento Urbano

denominada Estatuto da Cidade (Lei Federal nordm 102572001) em 2001 As

aacutereas de conflitos socioambientais objeto de anaacutelise ganharam evidecircncia a

partir desse marco normativo que orientando-se pelos princiacutepios da garantia

do direito agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado introduziu um conceito de

zoneamento territorial que realccedila as especificidades do municiacutepio a partir seu

tecido social e das suas caracteriacutesticas ambientais Nesse sentido estrutura-se

em duas escalas a macro que fundamenta a divisatildeo do territoacuterio em trecircs

grandes zonas Zona Adensaacutevel Zona de Adensamento Baacutesico e Zona de

Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA)15 a micro ou especiacutefica que possibilita a delimitaccedilatildeo

de fraccedilotildees do territoacuterio como merecedoras de tratamento urbaniacutestico e

ambiental diferenciado de forma correspondente aacutes suas condiccedilotildees de

precariedade urbaniacutestica e vulnerabilidade social e ou ambiental Essas aacutereas

denominadas de Aacutereas Especiais satildeo entendidas como ldquoporccedilotildees da Zona

Urbana situadas em zonas adensaacuteveis ou natildeo com destinaccedilatildeo especiacutefica ou

normas proacuteprias de uso e ocupaccedilatildeo do solordquo e classificadas em quatro

categorias Aacutereas de Controle de Gabarito (ACG) Aacutereas Especiais de Interesse

Social (AEIS) Aacutereas de Operaccedilatildeo Urbana (AOUR) Aacutereas Non Aedificand16

(Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20) As fraccedilotildees urbanas analisadas se

inserem na categoria Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) e alguns

conflitos se evidenciam nas relaccedilotildees com as Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental

localizadas no seu interior ou entorno

As duas categorias ZPAs foram instituiacutedas no Plano Diretor de 1994

como estrateacutegia de gestatildeo para assegurar as populaccedilotildees agrave garantia do direito

agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado nos termos definidos pela

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entretanto essas categorias ainda natildeo foram

regulamentadas na sua totalidade Objetivamente apenas as ZPAs tecircm sido

objeto de accedilotildees mais efetivas nessa direccedilatildeo considerando que entre as dez

15 Definida como a que se destina a ldquoproteccedilatildeo manutenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo dos aspectos

ambientais ecoloacutegicos paisagiacutesticos histoacutericos arqueoloacutegicos turiacutesticos culturais arquitetocircnicos e cientiacuteficos do municiacutepiordquo (Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 17) 16

NATAL Prefeitura Municipal Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20 Em NATAL

Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal

aacutereas assim classificadas 50 (cinco) jaacute tiveram seus processos de

regulamentaccedilatildeo concluiacutedos e outras cinco encontram-se em fase de debate

puacuteblico As ZPAs 06 e 10 que correspondem aos maciccedilos dunares de Ponta

Negra e Matildee Luiza respectivamente incluem-se neste segundo grupo Quanto

as AEIS embora tambeacutem instituiacutedas no mesmo marco normativo (1994) os

seus processos de regulamentaccedilatildeo natildeo avanccedilaram no mesmo ritmo que os

das ZPAs fato que ratifica ainda que por meio de tiacutemidas accedilotildees a primazia do

ambiental sobre o social no processo de gestatildeo urbana do municiacutepio (Figura 2)

Figura 2 ndash AEIS (1) e ZPAs (2) no PDN2007

Fonte Ataiacutede (2013 adaptado pelos autores)

Ressalte-se ainda que o instrumento AEIS foi ratificado e ampliado no

PDN2007 com o acreacutescimo de novas categorias e aacutereas Agraves favelas Vilas e

Loteamentos clandestinos foram acrescidas outras quatro categorias de AEIS

uma das quais aplicada agraves fraccedilotildees urbanas definidas como aacutereas que estatildeo

sob influecircncia de empreendimento de impacto socioeconocircmico cultural e

paisagiacutestico entre elas a da Vila de Ponta Negra17 Contudo passados 21

anos da vigecircncia do PDN 1994 e oito do PDN 2007 considera-se que apenas

17

NATAL Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o

Plano Diretor de Natal DOM Natal Mapa 04 Anexo II

1 2

a AEIS de Matildee Luiza foi objeto de um processo de regulamentaccedilatildeo integral

Outras quatro foram apenas delimitadas e para as demais natildeo existe nenhuma

discussatildeo em andamento18 Para restringir accedilotildees urbaniacutesticas que afetem os

objetivos de proteccedilatildeo socioambiental previstos no PDN2007 em especial o

avanccedilo da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria este Plano estabeleceu restriccedilotildees

urbaniacutesticas incidentes sobre o parcelamento (proibiccedilatildeo de remembramentos)

e a construccedilatildeo de edificaccedilotildees nelas situadas (limite de gabarito em ateacute 75m ou

dois pavimentos) ateacute que as regulamentaccedilatildeo fossem concluiacutedas A relaccedilatildeo

entre as AEIS de Mae Luiza e da Vila de Ponta e as ZPAs do seu entorno eacute

objeto de discussatildeo na seccedilatildeo seguinte do trabalho

V Duas situaccedilotildees emblemaacuteticas as AEIS de Matildee Luiza e Ponta Negra

1 A AEIS de Matildee Luiza

A AEIS de Matildee Luiza foi a primeira fraccedilatildeo urbana de Natal demarcada e

regulamentada como tal no acircmbito do seu marco urbaniacutestico atraveacutes da Lei

46631195 aprovada nove meses depois da aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de

1994 (PDN1994) Nesse processo dois aspectos merecem destaque a

discussatildeo delimitaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Lei que regulamenta a AEIS

(19921995) ocorreu em paralelo agraves discussotildees sobre o Plano Diretor

(19921994) a sua delimitaccedilatildeo se aplicou a todo o bairro de Matildee Luiza A

fraccedilatildeo urbana delimitada para a AEIS incluiu as favelas ali entatildeo existentes

(favelas do Sopapo Barro Duro Aparecida Alto da Colina) que foram

incluiacutedas nas trecircs categorias de AEIS estabelecidas pelo referido Plano

(Favelas Vilas e Loteamentos clandestinos)19 No processo de revisatildeo do

PDN1994 que foi concluido em 2007 com aprovaccedilatildeo da Lei 0822007

(PDN2007) e conforme referido na seccedilatildeo anterior o instrumento da AEIS foi

reafirmado com a manutenccedilatildeo dessas categorias e a adiccedilatildeo de outras

18

As AEIS do Complexo Favelas Passo da Paacutetria de Jardim Progreso da Aacutefrica e de Nova

Descoberta foram delimitadas mediante leis especificas (Ataiacutede 2013) 19

Um estudo publicado em 1994 que fundamentou a classificaccedilatildeo Plano Diretor identificou a

existecircncia de 69 favelas no municiacutepio de Natal naquele momento Ver IPLANAT1994

Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de

uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal IPLANAT Natal (mimeo)

incluindo a que se aplica a AEIS de Ponta Negra cujas especificidades

apresentamos na sequencia desta seccedilatildeo

Para entendermos melhor a jutifcativa dessa delimitaccedilatildeo cabe mencionar

alguns aspectos da constituiccedilatildeo e configuraccedilatildeo socioespacial do bairro de Matildee

Luiza cujo processo de ocupaccedilo tomou impulso a partir da deacutecada de 1950 e

reuacutene caracteriacutesticas morfoloacutegicas que natildeo se diferenciam das encontradas

nas favelas referidas Estas se expressam nas elevadas densidades

(construtiva e populacional) com destacada presenccedila da produccedilatildeo informal

que remontam agraves origens da sua formaccedilatildeo20 Nesse padratildeo morfoloacutegico

ressaltamos o traccedilado orgacircnico de ruas estreitas e um conjunto edificado com

predomiacutenio de edificaccedilotildees geminadas sem recuos laterais e ou frontais e com

alturas que alcanccedilam os dois pavimentos e com precariedade urbaniacutestica e

social acentuada na medida em que todo o bairro ainda carece de

infraestrutura baacutesica e o perfil socioeconocircmico dos moradores natildeo supera a

meacutedia de trecircs salaacuterios miacutenimos Eacute importante registrar que algumas fraccedilotildees do

bairro jaacute apresentam sinais do aumento dessa densidade com a presenccedila

destacada de edificaccedilotildees com trecircs pavimentos (ou mais)

Na perspectiva ambiental todo o bairro apresenta elevado grau de

fragilidade seja pelas suas caracteriacutesticas geomorfoloacutegicas (relevo acidentado

e aacuterea de dunas ambos sujeitos a deslizamentos) seja pela sua inserccedilatildeo nas

delimitaccedilotildees normativas aplicadas agrave proteccedilatildeo ambiental tanto em acircmbito

municipal como em acircmbitos federal e estadual Esse cenaacuterio se ratifica quando

se constata que grande parte do seu territoacuterio estaacute classificada como aacuterea de

risco pelo PMRR em parte devido a sua relaccedilatildeo com duas Aacutereas de

Preservaccedilatildeo Permanente (APPs de campos dunares) denominados no

PDN2007 como ZPA 2 e ZPA 1021 Segundo Ataiacutede a formaccedilatildeo das aacutereas de

risco assim como dos conflitos socioambientais satildeo resultado do avanccedilo da

ocupaccedilatildeo sobre esses espaccedilos Eacute importante ressaltar que ateacute meados da

deacutecada de 1980 o municiacutepio de Natal natildeo dispunha de regras efetivas de

20

Esses registros remetem agrave uma ocupaccedilatildeo rarefeita da primeira metade do mesmo seacuteculo

com alguma ocupaccedilatildeo no platocirc e nas encostas das dunas da atual Rua Guanabara pelos pescadores 21

A ZPA 2 corresponde ao Parque Estadual das Dunas espaccedilo natural integrante do Sistema

de Unidades de Conservaccedilatildeo do estado do Rio Grande Norte A ZPA 2 corresponde agraves encostas dunares adjacentes agrave Via Costeira que abriga o Farol de Matildee Luiza e margeia parte da Avenida Joatildeo XXIII e Rua Guanabara

controle urbaniacutestico e ambiental que pudessem frear tal forma de ocupaccedilatildeo em

seu territoacuterio Entretanto no caso de Matildee Luiza existem algumas referecircncias

em documentos institucionais e iniciativas normativas que jaacute demonstravam

alguma preocupaccedilatildeo sobre esse processo tais como o Plano Serete e o

PDN198422 Estas contribuiacuteram para reforccedilar os argumentos na defesa da

criaccedilatildeo das AEIS no ambiente de implantaccedilatildeo do marco normativo do

municiacutepio realccedilando o entendimento sobre a necessidade do reconhecimento

das praacuteticas soacutecio espaciais existentes nas diferentes fraccedilotildees territoriais Aleacutem

disso devido a sua localizaccedilatildeo na zona costeira central do municiacutepio desde os

anos 1980 o bairro de Matildee Luiza tambeacutem vem sofrendo uma forte pressatildeo

imobiliaacuteria

Sobre o processo de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo da AEIS cabe destacar

que aleacutem do seu desenvolvimento em paralelo ao do PDN1994 este tambeacutem

adiantou vaacuterios procedimentos de gestatildeo que soacute foram incorporados ao

sistema de planejamento do municiacutepio posteriormente tais como a iniciativa

popular e a motivaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo incluindo o processo participativo e

os objetivos socioambientais23 Segundo Ataiacutede ldquouma das motivaccedilotildees para a

elaboraccedilatildeo de um regramento urbanistico especiacutefico para a aacuterea teve origem

no movimento de resistecircncia da populaccedilatildeo agrave construccedilatildeo de um

empreendimento imobiliaacuterio para fins turisticos numa aacuterea de dunas ainda natildeo

ocupada fronteira a Via Costeira localizado ao lado do Farol de Matildee Luizardquo na

aacuterea atualmente delimitada como ZPA1024 O movimento envolveu diversos

22

O Plano de Desenvolvimento Urbaniacutestico (Plano Serete1968) nunca foi convertido em Lei

mas estabeleceu os fundamentos do Plano Diretor de 1984 (Lei 317584) Ele jaacute identificava a ocupaccedilatildeo nas dunas de Matildee Luiza como uma das grandes favelas de Natal Essa indicaccedilatildeo fundamentou a inclusatildeo do bairro no grupo das Zonas Especiais de Recuperaccedilatildeo Urbana (ZERU) no PDN1984 Em certa medida essas referecircncias denotam uma preocupaccedilatildeo com a precariedade urbaniacutestica e a vulnerabilidade social do lugar anterior ao contexto normativo da deacutecada de 1990 mesmo sem a efetivaccedilatildeo das accedilotildees sobre os assentamentos precaacuterios 23 Sobre esse processo ver especialmente os trabalhos de BENTES Dulce e TRINDADE

Maria Aparecida da S Fernandes 2008 Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159 disponiacutevel em

httpwwwrevistaunirninfbrrevistaunirnindexphprevistaunirnarticleviewFile154183 acesso em 15 de janeiro de 2015 As referecircncias tambeacutem foram discutidas por Ruth Ataiacutede em trabalho jaacute citado no presente artigo (Ataiacutede 2013) 24

O projeto de construccedilatildeo do Paradiso Mare Resort refletia o interesse do mercado

mobiliario num contexto do crescimento da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria da zona costeira Traduccedilatildeo direta de Ataiacutede 2013 jaacute referida

atores sociais com destaque para a participaccedilatildeo dos moradores da Igreja

Catoacutelica e do Departamento de Arquitetura da UFRN por meio das atividades

de extensatildeo de alguns dos seus alunos e professores25 Durante o processo de

discussatildeo se evidenciaram interesses conflitantes relativamente aos objetivos

da proteccedilatildeo socioambiental da aacuterea com destaque para o confronto entre os

moradores o movimento ambientalista e o setor imobiliaacuterio No que diz respeito

ao conteuacutedo da lei deve-se ressaltar que aleacutem de evidenciar a relaccedilatildeo entre

os paracircmetros urbaniacutesticos e as praacuteticas soacutecio espaciais ela adiciona os

princiacutepios socioambientais pois antecipa a discussatildeo sobre a proteccedilatildeo do

campo dunar do Farol de Mae Luiza o qual embora identificado como espaccedilo

protegido pelo PDN1994 ainda natildeo tinha sido delimitado No zoneamento da

AEIS essa aacuterea foi delimitada como Aacuterea de Conservaccedilatildeo (Figura 3)26

Figura 3 Zoneamento da AEIS de Matildee Luiza (destaque para a Aacuterea de Conservaccedilatildeo) e sua relaccedilatildeo com a ZPAs 2 e a ZPA10

Fonte Natal (1995) com base no DOM de 02081995 e FUNPECUFRNMPRN (2012)

adaptado pelos autores

25

ldquoA participaccedilatildeo da UFRN se deu por meio de estudos (1992) que fundamentaram a proposta

de regulamentaccedilatildeo sendo esta apropriada pela populaccedilatildeo do bairro resultando no texto final da Lei da AEISrdquo aprovada em 1995 (Ataide 2013) 26

Baseado nas caracteriacutesticas da ocupaccedilatildeo do lugar foi estabelecido um zoneamento que

dividiu o territoacuterio em trecircs subzonas duas menos restritivas (diferentes graus) e aplicada aos espaccedilos construiacutedos (AO1 - Aacuterea de Ocupaccedilatildeo e AOR2 Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restritiva) e uma aplicada agrave aacuterea de Dunas (AC - aacuterea de conservaccedilatildeo) que foi orientado para garantir a proteccedilatildeo da aacuterea

O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo

da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de

gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-

territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo

juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na

alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da

normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam

entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que

revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de

Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do

estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do

Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com

as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que

reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com

o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como

Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo

tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia

sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas

ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de

tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia

expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam

dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de

governo

Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com

a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade

da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave

resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do

municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo

das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da

ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o

conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno

com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque

Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e

proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade

Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se

apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo

sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das

situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da

favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das

dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo

PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem

contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo

gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas

ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e

com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo

ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias

institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do

movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus

interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza

Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da

favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no

processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam

pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas

remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco

tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na

proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os

objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos

estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de

Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto

conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos

territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees

nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)

Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

27

Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538

2 A AEIS da Vila de Ponta Negra

A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007

Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-

guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a

partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de

grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo

que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo

e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e

internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)

Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628

Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta

Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento

de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja

aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante

emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam

segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que

estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora

O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico

municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos

atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra

ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais

envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor

imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes

28

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento

urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123

das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo

cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007

no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses

representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os

princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso

desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A

ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -

batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e

que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29

Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do

resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos

A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser

encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do

direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute

uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas

precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do

Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar

da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea

Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8

(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda

natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de

gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade

Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao

papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local

da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam

numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de

pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens

culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao

conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com

uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e

29

Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30

De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no

mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo

apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria

pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees

acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos

adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos

com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como

AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas

principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se

opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua

regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de

fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou

negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo

de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida

natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com

moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser

submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios

fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores

da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com

ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo

Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta

Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa

numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta

Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06

que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei

municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem

estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do

Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea

ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e

estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do

31

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade

Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32

A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal

do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33

Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN

Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008

bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a

ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal

como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi

contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas

proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca

Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno

Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores

Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando

abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como

fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de

determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e

da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo

Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a

necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para

o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados

nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a

verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio

ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras

formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como

AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca

Praia de Ponta Negra

ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA

que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os

empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio

e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas

do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse

importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da

densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta

desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes

comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em

duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de

Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos

diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a

uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por

ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que

ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os

interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo

social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial

Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra

ZPA 06 - MORRO DO CARECA

ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)

BAIRRO PONTA NEGRA

ZONA DE AMORTECIMENTO

(ZA)

Praia de Ponta Negra

0m 50m 100m 200m

N

Morro do

Careca

01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca

03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento

06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca

05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca

04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo

Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth

VI Consideraccedilotildees Finais

Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves

relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos

protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto

devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm

estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994

tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas

estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees

especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo

apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)

No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor

imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo

de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de

acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades

especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia

de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de

expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se

realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal

por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao

novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse

novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o

desenvolvimento do trabalho

Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os

mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental

de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do

acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado

deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos

classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas

garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se

reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica

encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada

lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as

necessidades de morar na cidade

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TEIXEIRA R (2015) O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23

Page 11: Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ... · Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ambientais e a justiça espacial em Natal-Brasil Rubenilson Teixeira,

que contribuiu para o avanccedilo da ocupaccedilatildeo de forma dispersa em todas as

direccedilotildees do territoacuterio Estudos recentes sobre esse processo denotam o avanccedilo

dos impactos ambientais sobre territoacuterio municipal e as suas franjas

metropolitanas conforme consta no Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento

Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natalrdquo13 Nesse documento foram

demonstrados os efeitos do processo de urbanizaccedilatildeo com destaque para as

elevadas taxas de impermeabilizaccedilatildeo do solo a contaminaccedilatildeo das aguas

subterracircneas que abastecem a cidade e toda a regiatildeo e de outros corpos

drsquoagua incluindo o rio Potengi assim como para os problemas de alagamentos

e assoreamentos nas aacutereas vulneraacuteveis de erosatildeo costeira entre outros

A contribuiccedilatildeo dos assentamentos precaacuterios sobre o avanccedilo dessa forma

de ocupaccedilatildeo nas aacutereas ambientalmente fraacutegeis consiste no interesse principal

deste trabalho objeto de aprofundamento na quarta seccedilatildeo do trabalho a partir

da anaacutelise de duas fraccedilotildees Para tanto recuperamos os estudos recentes de

Ataiacutede (2013)14 sobre o tema quando realccedila a classificaccedilatildeo das condiccedilotildees de

risco e vulnerabilidade ambiental das 74 favelas existentes no municiacutepio

distribuiacutedos nas quatro regiotildees administrativas Entre essas algumas

localizados em Matildee Luiza e Ponta Negra apresentam condiccedilotildees de risco pela

relaccedilatildeo com os espaccedilos ambientalmente fraacutegeis como as dunas e as Aacutereas de

Preservaccedilatildeo Permanente(APPs)

IV Instrumentos e as dificuldades da sua efetivaccedilatildeo

Como referido anteriormente o municiacutepio de Natal tem feito esforccedilos para

efetivar o seu novo modelo de planejamento e gestatildeo urbana expresso no

Plano Diretor do municiacutepio que foi alccedilado agrave condiccedilatildeo de principal instrumento

13

O Plano (e o seu respectivo diagnostico) foi elaborado para fundamentar as estrateacutegias de

gestatildeo da RMNatal mas nunca se concretizou Ambos foram produzidos por uma equipe multidisciplinar e publicado em 2006 Plano tem como horizonte o ano de 2020 e contou na sua elaboraccedilatildeo com a Secretaria de Planejamento e Financcedilas do Governo Estadual a FADEUFPE e a FUNPECUFRN Ver FADEUFPE FUNPECUFRN SEPLANRN 2007 Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natal Natal Metroacutepole 2020 Diagnoacutestico para o Plano Estrateacutegico Relatoacuterio Temaacutetico da Dimensatildeo Fiacutesico-Territorial Produto 02 Natal Disponiacutevel em httpwwwnatalmetropolerngovbrdowloadsp2v3pdf acceso en 06 de Agosto de 2011 14

Nesses estudos a autora tomou como referecircncia o Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco

(PMRR) elaborado em 2008 que estabeleceu cinco criteacuterios para definir os graus de risco (0 a 5) dos assentamentos e que foram ser passiacutevel de deslizamento e erosatildeoassoreamento estar localizada sobre Dunas Aacuterea de Preservaccedilatildeo Permanente (APPs) ou faixas de domiacutenio Ver a respeito SEMURBAQUATOLCONSULTORIA 2008 Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal

de desenvolvimento urbano desde a Constituiccedilatildeo Federal de 1998 e em

especial a partir da vigecircncia da Lei Nacional de Desenvolvimento Urbano

denominada Estatuto da Cidade (Lei Federal nordm 102572001) em 2001 As

aacutereas de conflitos socioambientais objeto de anaacutelise ganharam evidecircncia a

partir desse marco normativo que orientando-se pelos princiacutepios da garantia

do direito agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado introduziu um conceito de

zoneamento territorial que realccedila as especificidades do municiacutepio a partir seu

tecido social e das suas caracteriacutesticas ambientais Nesse sentido estrutura-se

em duas escalas a macro que fundamenta a divisatildeo do territoacuterio em trecircs

grandes zonas Zona Adensaacutevel Zona de Adensamento Baacutesico e Zona de

Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA)15 a micro ou especiacutefica que possibilita a delimitaccedilatildeo

de fraccedilotildees do territoacuterio como merecedoras de tratamento urbaniacutestico e

ambiental diferenciado de forma correspondente aacutes suas condiccedilotildees de

precariedade urbaniacutestica e vulnerabilidade social e ou ambiental Essas aacutereas

denominadas de Aacutereas Especiais satildeo entendidas como ldquoporccedilotildees da Zona

Urbana situadas em zonas adensaacuteveis ou natildeo com destinaccedilatildeo especiacutefica ou

normas proacuteprias de uso e ocupaccedilatildeo do solordquo e classificadas em quatro

categorias Aacutereas de Controle de Gabarito (ACG) Aacutereas Especiais de Interesse

Social (AEIS) Aacutereas de Operaccedilatildeo Urbana (AOUR) Aacutereas Non Aedificand16

(Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20) As fraccedilotildees urbanas analisadas se

inserem na categoria Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) e alguns

conflitos se evidenciam nas relaccedilotildees com as Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental

localizadas no seu interior ou entorno

As duas categorias ZPAs foram instituiacutedas no Plano Diretor de 1994

como estrateacutegia de gestatildeo para assegurar as populaccedilotildees agrave garantia do direito

agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado nos termos definidos pela

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entretanto essas categorias ainda natildeo foram

regulamentadas na sua totalidade Objetivamente apenas as ZPAs tecircm sido

objeto de accedilotildees mais efetivas nessa direccedilatildeo considerando que entre as dez

15 Definida como a que se destina a ldquoproteccedilatildeo manutenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo dos aspectos

ambientais ecoloacutegicos paisagiacutesticos histoacutericos arqueoloacutegicos turiacutesticos culturais arquitetocircnicos e cientiacuteficos do municiacutepiordquo (Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 17) 16

NATAL Prefeitura Municipal Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20 Em NATAL

Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal

aacutereas assim classificadas 50 (cinco) jaacute tiveram seus processos de

regulamentaccedilatildeo concluiacutedos e outras cinco encontram-se em fase de debate

puacuteblico As ZPAs 06 e 10 que correspondem aos maciccedilos dunares de Ponta

Negra e Matildee Luiza respectivamente incluem-se neste segundo grupo Quanto

as AEIS embora tambeacutem instituiacutedas no mesmo marco normativo (1994) os

seus processos de regulamentaccedilatildeo natildeo avanccedilaram no mesmo ritmo que os

das ZPAs fato que ratifica ainda que por meio de tiacutemidas accedilotildees a primazia do

ambiental sobre o social no processo de gestatildeo urbana do municiacutepio (Figura 2)

Figura 2 ndash AEIS (1) e ZPAs (2) no PDN2007

Fonte Ataiacutede (2013 adaptado pelos autores)

Ressalte-se ainda que o instrumento AEIS foi ratificado e ampliado no

PDN2007 com o acreacutescimo de novas categorias e aacutereas Agraves favelas Vilas e

Loteamentos clandestinos foram acrescidas outras quatro categorias de AEIS

uma das quais aplicada agraves fraccedilotildees urbanas definidas como aacutereas que estatildeo

sob influecircncia de empreendimento de impacto socioeconocircmico cultural e

paisagiacutestico entre elas a da Vila de Ponta Negra17 Contudo passados 21

anos da vigecircncia do PDN 1994 e oito do PDN 2007 considera-se que apenas

17

NATAL Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o

Plano Diretor de Natal DOM Natal Mapa 04 Anexo II

1 2

a AEIS de Matildee Luiza foi objeto de um processo de regulamentaccedilatildeo integral

Outras quatro foram apenas delimitadas e para as demais natildeo existe nenhuma

discussatildeo em andamento18 Para restringir accedilotildees urbaniacutesticas que afetem os

objetivos de proteccedilatildeo socioambiental previstos no PDN2007 em especial o

avanccedilo da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria este Plano estabeleceu restriccedilotildees

urbaniacutesticas incidentes sobre o parcelamento (proibiccedilatildeo de remembramentos)

e a construccedilatildeo de edificaccedilotildees nelas situadas (limite de gabarito em ateacute 75m ou

dois pavimentos) ateacute que as regulamentaccedilatildeo fossem concluiacutedas A relaccedilatildeo

entre as AEIS de Mae Luiza e da Vila de Ponta e as ZPAs do seu entorno eacute

objeto de discussatildeo na seccedilatildeo seguinte do trabalho

V Duas situaccedilotildees emblemaacuteticas as AEIS de Matildee Luiza e Ponta Negra

1 A AEIS de Matildee Luiza

A AEIS de Matildee Luiza foi a primeira fraccedilatildeo urbana de Natal demarcada e

regulamentada como tal no acircmbito do seu marco urbaniacutestico atraveacutes da Lei

46631195 aprovada nove meses depois da aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de

1994 (PDN1994) Nesse processo dois aspectos merecem destaque a

discussatildeo delimitaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Lei que regulamenta a AEIS

(19921995) ocorreu em paralelo agraves discussotildees sobre o Plano Diretor

(19921994) a sua delimitaccedilatildeo se aplicou a todo o bairro de Matildee Luiza A

fraccedilatildeo urbana delimitada para a AEIS incluiu as favelas ali entatildeo existentes

(favelas do Sopapo Barro Duro Aparecida Alto da Colina) que foram

incluiacutedas nas trecircs categorias de AEIS estabelecidas pelo referido Plano

(Favelas Vilas e Loteamentos clandestinos)19 No processo de revisatildeo do

PDN1994 que foi concluido em 2007 com aprovaccedilatildeo da Lei 0822007

(PDN2007) e conforme referido na seccedilatildeo anterior o instrumento da AEIS foi

reafirmado com a manutenccedilatildeo dessas categorias e a adiccedilatildeo de outras

18

As AEIS do Complexo Favelas Passo da Paacutetria de Jardim Progreso da Aacutefrica e de Nova

Descoberta foram delimitadas mediante leis especificas (Ataiacutede 2013) 19

Um estudo publicado em 1994 que fundamentou a classificaccedilatildeo Plano Diretor identificou a

existecircncia de 69 favelas no municiacutepio de Natal naquele momento Ver IPLANAT1994

Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de

uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal IPLANAT Natal (mimeo)

incluindo a que se aplica a AEIS de Ponta Negra cujas especificidades

apresentamos na sequencia desta seccedilatildeo

Para entendermos melhor a jutifcativa dessa delimitaccedilatildeo cabe mencionar

alguns aspectos da constituiccedilatildeo e configuraccedilatildeo socioespacial do bairro de Matildee

Luiza cujo processo de ocupaccedilo tomou impulso a partir da deacutecada de 1950 e

reuacutene caracteriacutesticas morfoloacutegicas que natildeo se diferenciam das encontradas

nas favelas referidas Estas se expressam nas elevadas densidades

(construtiva e populacional) com destacada presenccedila da produccedilatildeo informal

que remontam agraves origens da sua formaccedilatildeo20 Nesse padratildeo morfoloacutegico

ressaltamos o traccedilado orgacircnico de ruas estreitas e um conjunto edificado com

predomiacutenio de edificaccedilotildees geminadas sem recuos laterais e ou frontais e com

alturas que alcanccedilam os dois pavimentos e com precariedade urbaniacutestica e

social acentuada na medida em que todo o bairro ainda carece de

infraestrutura baacutesica e o perfil socioeconocircmico dos moradores natildeo supera a

meacutedia de trecircs salaacuterios miacutenimos Eacute importante registrar que algumas fraccedilotildees do

bairro jaacute apresentam sinais do aumento dessa densidade com a presenccedila

destacada de edificaccedilotildees com trecircs pavimentos (ou mais)

Na perspectiva ambiental todo o bairro apresenta elevado grau de

fragilidade seja pelas suas caracteriacutesticas geomorfoloacutegicas (relevo acidentado

e aacuterea de dunas ambos sujeitos a deslizamentos) seja pela sua inserccedilatildeo nas

delimitaccedilotildees normativas aplicadas agrave proteccedilatildeo ambiental tanto em acircmbito

municipal como em acircmbitos federal e estadual Esse cenaacuterio se ratifica quando

se constata que grande parte do seu territoacuterio estaacute classificada como aacuterea de

risco pelo PMRR em parte devido a sua relaccedilatildeo com duas Aacutereas de

Preservaccedilatildeo Permanente (APPs de campos dunares) denominados no

PDN2007 como ZPA 2 e ZPA 1021 Segundo Ataiacutede a formaccedilatildeo das aacutereas de

risco assim como dos conflitos socioambientais satildeo resultado do avanccedilo da

ocupaccedilatildeo sobre esses espaccedilos Eacute importante ressaltar que ateacute meados da

deacutecada de 1980 o municiacutepio de Natal natildeo dispunha de regras efetivas de

20

Esses registros remetem agrave uma ocupaccedilatildeo rarefeita da primeira metade do mesmo seacuteculo

com alguma ocupaccedilatildeo no platocirc e nas encostas das dunas da atual Rua Guanabara pelos pescadores 21

A ZPA 2 corresponde ao Parque Estadual das Dunas espaccedilo natural integrante do Sistema

de Unidades de Conservaccedilatildeo do estado do Rio Grande Norte A ZPA 2 corresponde agraves encostas dunares adjacentes agrave Via Costeira que abriga o Farol de Matildee Luiza e margeia parte da Avenida Joatildeo XXIII e Rua Guanabara

controle urbaniacutestico e ambiental que pudessem frear tal forma de ocupaccedilatildeo em

seu territoacuterio Entretanto no caso de Matildee Luiza existem algumas referecircncias

em documentos institucionais e iniciativas normativas que jaacute demonstravam

alguma preocupaccedilatildeo sobre esse processo tais como o Plano Serete e o

PDN198422 Estas contribuiacuteram para reforccedilar os argumentos na defesa da

criaccedilatildeo das AEIS no ambiente de implantaccedilatildeo do marco normativo do

municiacutepio realccedilando o entendimento sobre a necessidade do reconhecimento

das praacuteticas soacutecio espaciais existentes nas diferentes fraccedilotildees territoriais Aleacutem

disso devido a sua localizaccedilatildeo na zona costeira central do municiacutepio desde os

anos 1980 o bairro de Matildee Luiza tambeacutem vem sofrendo uma forte pressatildeo

imobiliaacuteria

Sobre o processo de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo da AEIS cabe destacar

que aleacutem do seu desenvolvimento em paralelo ao do PDN1994 este tambeacutem

adiantou vaacuterios procedimentos de gestatildeo que soacute foram incorporados ao

sistema de planejamento do municiacutepio posteriormente tais como a iniciativa

popular e a motivaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo incluindo o processo participativo e

os objetivos socioambientais23 Segundo Ataiacutede ldquouma das motivaccedilotildees para a

elaboraccedilatildeo de um regramento urbanistico especiacutefico para a aacuterea teve origem

no movimento de resistecircncia da populaccedilatildeo agrave construccedilatildeo de um

empreendimento imobiliaacuterio para fins turisticos numa aacuterea de dunas ainda natildeo

ocupada fronteira a Via Costeira localizado ao lado do Farol de Matildee Luizardquo na

aacuterea atualmente delimitada como ZPA1024 O movimento envolveu diversos

22

O Plano de Desenvolvimento Urbaniacutestico (Plano Serete1968) nunca foi convertido em Lei

mas estabeleceu os fundamentos do Plano Diretor de 1984 (Lei 317584) Ele jaacute identificava a ocupaccedilatildeo nas dunas de Matildee Luiza como uma das grandes favelas de Natal Essa indicaccedilatildeo fundamentou a inclusatildeo do bairro no grupo das Zonas Especiais de Recuperaccedilatildeo Urbana (ZERU) no PDN1984 Em certa medida essas referecircncias denotam uma preocupaccedilatildeo com a precariedade urbaniacutestica e a vulnerabilidade social do lugar anterior ao contexto normativo da deacutecada de 1990 mesmo sem a efetivaccedilatildeo das accedilotildees sobre os assentamentos precaacuterios 23 Sobre esse processo ver especialmente os trabalhos de BENTES Dulce e TRINDADE

Maria Aparecida da S Fernandes 2008 Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159 disponiacutevel em

httpwwwrevistaunirninfbrrevistaunirnindexphprevistaunirnarticleviewFile154183 acesso em 15 de janeiro de 2015 As referecircncias tambeacutem foram discutidas por Ruth Ataiacutede em trabalho jaacute citado no presente artigo (Ataiacutede 2013) 24

O projeto de construccedilatildeo do Paradiso Mare Resort refletia o interesse do mercado

mobiliario num contexto do crescimento da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria da zona costeira Traduccedilatildeo direta de Ataiacutede 2013 jaacute referida

atores sociais com destaque para a participaccedilatildeo dos moradores da Igreja

Catoacutelica e do Departamento de Arquitetura da UFRN por meio das atividades

de extensatildeo de alguns dos seus alunos e professores25 Durante o processo de

discussatildeo se evidenciaram interesses conflitantes relativamente aos objetivos

da proteccedilatildeo socioambiental da aacuterea com destaque para o confronto entre os

moradores o movimento ambientalista e o setor imobiliaacuterio No que diz respeito

ao conteuacutedo da lei deve-se ressaltar que aleacutem de evidenciar a relaccedilatildeo entre

os paracircmetros urbaniacutesticos e as praacuteticas soacutecio espaciais ela adiciona os

princiacutepios socioambientais pois antecipa a discussatildeo sobre a proteccedilatildeo do

campo dunar do Farol de Mae Luiza o qual embora identificado como espaccedilo

protegido pelo PDN1994 ainda natildeo tinha sido delimitado No zoneamento da

AEIS essa aacuterea foi delimitada como Aacuterea de Conservaccedilatildeo (Figura 3)26

Figura 3 Zoneamento da AEIS de Matildee Luiza (destaque para a Aacuterea de Conservaccedilatildeo) e sua relaccedilatildeo com a ZPAs 2 e a ZPA10

Fonte Natal (1995) com base no DOM de 02081995 e FUNPECUFRNMPRN (2012)

adaptado pelos autores

25

ldquoA participaccedilatildeo da UFRN se deu por meio de estudos (1992) que fundamentaram a proposta

de regulamentaccedilatildeo sendo esta apropriada pela populaccedilatildeo do bairro resultando no texto final da Lei da AEISrdquo aprovada em 1995 (Ataide 2013) 26

Baseado nas caracteriacutesticas da ocupaccedilatildeo do lugar foi estabelecido um zoneamento que

dividiu o territoacuterio em trecircs subzonas duas menos restritivas (diferentes graus) e aplicada aos espaccedilos construiacutedos (AO1 - Aacuterea de Ocupaccedilatildeo e AOR2 Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restritiva) e uma aplicada agrave aacuterea de Dunas (AC - aacuterea de conservaccedilatildeo) que foi orientado para garantir a proteccedilatildeo da aacuterea

O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo

da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de

gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-

territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo

juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na

alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da

normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam

entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que

revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de

Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do

estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do

Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com

as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que

reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com

o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como

Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo

tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia

sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas

ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de

tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia

expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam

dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de

governo

Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com

a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade

da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave

resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do

municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo

das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da

ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o

conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno

com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque

Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e

proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade

Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se

apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo

sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das

situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da

favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das

dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo

PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem

contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo

gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas

ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e

com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo

ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias

institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do

movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus

interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza

Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da

favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no

processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam

pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas

remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco

tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na

proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os

objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos

estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de

Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto

conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos

territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees

nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)

Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

27

Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538

2 A AEIS da Vila de Ponta Negra

A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007

Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-

guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a

partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de

grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo

que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo

e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e

internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)

Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628

Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta

Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento

de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja

aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante

emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam

segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que

estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora

O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico

municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos

atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra

ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais

envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor

imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes

28

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento

urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123

das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo

cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007

no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses

representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os

princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso

desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A

ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -

batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e

que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29

Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do

resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos

A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser

encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do

direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute

uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas

precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do

Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar

da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea

Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8

(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda

natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de

gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade

Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao

papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local

da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam

numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de

pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens

culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao

conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com

uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e

29

Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30

De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no

mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo

apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria

pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees

acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos

adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos

com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como

AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas

principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se

opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua

regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de

fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou

negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo

de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida

natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com

moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser

submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios

fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores

da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com

ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo

Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta

Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa

numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta

Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06

que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei

municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem

estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do

Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea

ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e

estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do

31

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade

Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32

A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal

do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33

Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN

Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008

bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a

ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal

como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi

contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas

proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca

Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno

Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores

Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando

abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como

fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de

determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e

da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo

Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a

necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para

o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados

nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a

verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio

ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras

formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como

AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca

Praia de Ponta Negra

ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA

que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os

empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio

e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas

do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse

importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da

densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta

desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes

comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em

duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de

Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos

diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a

uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por

ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que

ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os

interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo

social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial

Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra

ZPA 06 - MORRO DO CARECA

ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)

BAIRRO PONTA NEGRA

ZONA DE AMORTECIMENTO

(ZA)

Praia de Ponta Negra

0m 50m 100m 200m

N

Morro do

Careca

01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca

03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento

06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca

05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca

04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo

Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth

VI Consideraccedilotildees Finais

Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves

relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos

protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto

devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm

estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994

tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas

estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees

especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo

apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)

No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor

imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo

de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de

acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades

especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia

de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de

expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se

realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal

por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao

novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse

novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o

desenvolvimento do trabalho

Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os

mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental

de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do

acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado

deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos

classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas

garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se

reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica

encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada

lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as

necessidades de morar na cidade

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Page 12: Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ... · Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ambientais e a justiça espacial em Natal-Brasil Rubenilson Teixeira,

de desenvolvimento urbano desde a Constituiccedilatildeo Federal de 1998 e em

especial a partir da vigecircncia da Lei Nacional de Desenvolvimento Urbano

denominada Estatuto da Cidade (Lei Federal nordm 102572001) em 2001 As

aacutereas de conflitos socioambientais objeto de anaacutelise ganharam evidecircncia a

partir desse marco normativo que orientando-se pelos princiacutepios da garantia

do direito agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado introduziu um conceito de

zoneamento territorial que realccedila as especificidades do municiacutepio a partir seu

tecido social e das suas caracteriacutesticas ambientais Nesse sentido estrutura-se

em duas escalas a macro que fundamenta a divisatildeo do territoacuterio em trecircs

grandes zonas Zona Adensaacutevel Zona de Adensamento Baacutesico e Zona de

Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA)15 a micro ou especiacutefica que possibilita a delimitaccedilatildeo

de fraccedilotildees do territoacuterio como merecedoras de tratamento urbaniacutestico e

ambiental diferenciado de forma correspondente aacutes suas condiccedilotildees de

precariedade urbaniacutestica e vulnerabilidade social e ou ambiental Essas aacutereas

denominadas de Aacutereas Especiais satildeo entendidas como ldquoporccedilotildees da Zona

Urbana situadas em zonas adensaacuteveis ou natildeo com destinaccedilatildeo especiacutefica ou

normas proacuteprias de uso e ocupaccedilatildeo do solordquo e classificadas em quatro

categorias Aacutereas de Controle de Gabarito (ACG) Aacutereas Especiais de Interesse

Social (AEIS) Aacutereas de Operaccedilatildeo Urbana (AOUR) Aacutereas Non Aedificand16

(Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20) As fraccedilotildees urbanas analisadas se

inserem na categoria Aacutereas Especiais de Interesse Social (AEIS) e alguns

conflitos se evidenciam nas relaccedilotildees com as Zonas de Proteccedilatildeo Ambiental

localizadas no seu interior ou entorno

As duas categorias ZPAs foram instituiacutedas no Plano Diretor de 1994

como estrateacutegia de gestatildeo para assegurar as populaccedilotildees agrave garantia do direito

agrave cidade e ao meio ambiente equilibrado nos termos definidos pela

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Entretanto essas categorias ainda natildeo foram

regulamentadas na sua totalidade Objetivamente apenas as ZPAs tecircm sido

objeto de accedilotildees mais efetivas nessa direccedilatildeo considerando que entre as dez

15 Definida como a que se destina a ldquoproteccedilatildeo manutenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo dos aspectos

ambientais ecoloacutegicos paisagiacutesticos histoacutericos arqueoloacutegicos turiacutesticos culturais arquitetocircnicos e cientiacuteficos do municiacutepiordquo (Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 17) 16

NATAL Prefeitura Municipal Lei Complementar nordm 082 2007 artigo 20 Em NATAL

Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal

aacutereas assim classificadas 50 (cinco) jaacute tiveram seus processos de

regulamentaccedilatildeo concluiacutedos e outras cinco encontram-se em fase de debate

puacuteblico As ZPAs 06 e 10 que correspondem aos maciccedilos dunares de Ponta

Negra e Matildee Luiza respectivamente incluem-se neste segundo grupo Quanto

as AEIS embora tambeacutem instituiacutedas no mesmo marco normativo (1994) os

seus processos de regulamentaccedilatildeo natildeo avanccedilaram no mesmo ritmo que os

das ZPAs fato que ratifica ainda que por meio de tiacutemidas accedilotildees a primazia do

ambiental sobre o social no processo de gestatildeo urbana do municiacutepio (Figura 2)

Figura 2 ndash AEIS (1) e ZPAs (2) no PDN2007

Fonte Ataiacutede (2013 adaptado pelos autores)

Ressalte-se ainda que o instrumento AEIS foi ratificado e ampliado no

PDN2007 com o acreacutescimo de novas categorias e aacutereas Agraves favelas Vilas e

Loteamentos clandestinos foram acrescidas outras quatro categorias de AEIS

uma das quais aplicada agraves fraccedilotildees urbanas definidas como aacutereas que estatildeo

sob influecircncia de empreendimento de impacto socioeconocircmico cultural e

paisagiacutestico entre elas a da Vila de Ponta Negra17 Contudo passados 21

anos da vigecircncia do PDN 1994 e oito do PDN 2007 considera-se que apenas

17

NATAL Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o

Plano Diretor de Natal DOM Natal Mapa 04 Anexo II

1 2

a AEIS de Matildee Luiza foi objeto de um processo de regulamentaccedilatildeo integral

Outras quatro foram apenas delimitadas e para as demais natildeo existe nenhuma

discussatildeo em andamento18 Para restringir accedilotildees urbaniacutesticas que afetem os

objetivos de proteccedilatildeo socioambiental previstos no PDN2007 em especial o

avanccedilo da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria este Plano estabeleceu restriccedilotildees

urbaniacutesticas incidentes sobre o parcelamento (proibiccedilatildeo de remembramentos)

e a construccedilatildeo de edificaccedilotildees nelas situadas (limite de gabarito em ateacute 75m ou

dois pavimentos) ateacute que as regulamentaccedilatildeo fossem concluiacutedas A relaccedilatildeo

entre as AEIS de Mae Luiza e da Vila de Ponta e as ZPAs do seu entorno eacute

objeto de discussatildeo na seccedilatildeo seguinte do trabalho

V Duas situaccedilotildees emblemaacuteticas as AEIS de Matildee Luiza e Ponta Negra

1 A AEIS de Matildee Luiza

A AEIS de Matildee Luiza foi a primeira fraccedilatildeo urbana de Natal demarcada e

regulamentada como tal no acircmbito do seu marco urbaniacutestico atraveacutes da Lei

46631195 aprovada nove meses depois da aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de

1994 (PDN1994) Nesse processo dois aspectos merecem destaque a

discussatildeo delimitaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Lei que regulamenta a AEIS

(19921995) ocorreu em paralelo agraves discussotildees sobre o Plano Diretor

(19921994) a sua delimitaccedilatildeo se aplicou a todo o bairro de Matildee Luiza A

fraccedilatildeo urbana delimitada para a AEIS incluiu as favelas ali entatildeo existentes

(favelas do Sopapo Barro Duro Aparecida Alto da Colina) que foram

incluiacutedas nas trecircs categorias de AEIS estabelecidas pelo referido Plano

(Favelas Vilas e Loteamentos clandestinos)19 No processo de revisatildeo do

PDN1994 que foi concluido em 2007 com aprovaccedilatildeo da Lei 0822007

(PDN2007) e conforme referido na seccedilatildeo anterior o instrumento da AEIS foi

reafirmado com a manutenccedilatildeo dessas categorias e a adiccedilatildeo de outras

18

As AEIS do Complexo Favelas Passo da Paacutetria de Jardim Progreso da Aacutefrica e de Nova

Descoberta foram delimitadas mediante leis especificas (Ataiacutede 2013) 19

Um estudo publicado em 1994 que fundamentou a classificaccedilatildeo Plano Diretor identificou a

existecircncia de 69 favelas no municiacutepio de Natal naquele momento Ver IPLANAT1994

Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de

uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal IPLANAT Natal (mimeo)

incluindo a que se aplica a AEIS de Ponta Negra cujas especificidades

apresentamos na sequencia desta seccedilatildeo

Para entendermos melhor a jutifcativa dessa delimitaccedilatildeo cabe mencionar

alguns aspectos da constituiccedilatildeo e configuraccedilatildeo socioespacial do bairro de Matildee

Luiza cujo processo de ocupaccedilo tomou impulso a partir da deacutecada de 1950 e

reuacutene caracteriacutesticas morfoloacutegicas que natildeo se diferenciam das encontradas

nas favelas referidas Estas se expressam nas elevadas densidades

(construtiva e populacional) com destacada presenccedila da produccedilatildeo informal

que remontam agraves origens da sua formaccedilatildeo20 Nesse padratildeo morfoloacutegico

ressaltamos o traccedilado orgacircnico de ruas estreitas e um conjunto edificado com

predomiacutenio de edificaccedilotildees geminadas sem recuos laterais e ou frontais e com

alturas que alcanccedilam os dois pavimentos e com precariedade urbaniacutestica e

social acentuada na medida em que todo o bairro ainda carece de

infraestrutura baacutesica e o perfil socioeconocircmico dos moradores natildeo supera a

meacutedia de trecircs salaacuterios miacutenimos Eacute importante registrar que algumas fraccedilotildees do

bairro jaacute apresentam sinais do aumento dessa densidade com a presenccedila

destacada de edificaccedilotildees com trecircs pavimentos (ou mais)

Na perspectiva ambiental todo o bairro apresenta elevado grau de

fragilidade seja pelas suas caracteriacutesticas geomorfoloacutegicas (relevo acidentado

e aacuterea de dunas ambos sujeitos a deslizamentos) seja pela sua inserccedilatildeo nas

delimitaccedilotildees normativas aplicadas agrave proteccedilatildeo ambiental tanto em acircmbito

municipal como em acircmbitos federal e estadual Esse cenaacuterio se ratifica quando

se constata que grande parte do seu territoacuterio estaacute classificada como aacuterea de

risco pelo PMRR em parte devido a sua relaccedilatildeo com duas Aacutereas de

Preservaccedilatildeo Permanente (APPs de campos dunares) denominados no

PDN2007 como ZPA 2 e ZPA 1021 Segundo Ataiacutede a formaccedilatildeo das aacutereas de

risco assim como dos conflitos socioambientais satildeo resultado do avanccedilo da

ocupaccedilatildeo sobre esses espaccedilos Eacute importante ressaltar que ateacute meados da

deacutecada de 1980 o municiacutepio de Natal natildeo dispunha de regras efetivas de

20

Esses registros remetem agrave uma ocupaccedilatildeo rarefeita da primeira metade do mesmo seacuteculo

com alguma ocupaccedilatildeo no platocirc e nas encostas das dunas da atual Rua Guanabara pelos pescadores 21

A ZPA 2 corresponde ao Parque Estadual das Dunas espaccedilo natural integrante do Sistema

de Unidades de Conservaccedilatildeo do estado do Rio Grande Norte A ZPA 2 corresponde agraves encostas dunares adjacentes agrave Via Costeira que abriga o Farol de Matildee Luiza e margeia parte da Avenida Joatildeo XXIII e Rua Guanabara

controle urbaniacutestico e ambiental que pudessem frear tal forma de ocupaccedilatildeo em

seu territoacuterio Entretanto no caso de Matildee Luiza existem algumas referecircncias

em documentos institucionais e iniciativas normativas que jaacute demonstravam

alguma preocupaccedilatildeo sobre esse processo tais como o Plano Serete e o

PDN198422 Estas contribuiacuteram para reforccedilar os argumentos na defesa da

criaccedilatildeo das AEIS no ambiente de implantaccedilatildeo do marco normativo do

municiacutepio realccedilando o entendimento sobre a necessidade do reconhecimento

das praacuteticas soacutecio espaciais existentes nas diferentes fraccedilotildees territoriais Aleacutem

disso devido a sua localizaccedilatildeo na zona costeira central do municiacutepio desde os

anos 1980 o bairro de Matildee Luiza tambeacutem vem sofrendo uma forte pressatildeo

imobiliaacuteria

Sobre o processo de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo da AEIS cabe destacar

que aleacutem do seu desenvolvimento em paralelo ao do PDN1994 este tambeacutem

adiantou vaacuterios procedimentos de gestatildeo que soacute foram incorporados ao

sistema de planejamento do municiacutepio posteriormente tais como a iniciativa

popular e a motivaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo incluindo o processo participativo e

os objetivos socioambientais23 Segundo Ataiacutede ldquouma das motivaccedilotildees para a

elaboraccedilatildeo de um regramento urbanistico especiacutefico para a aacuterea teve origem

no movimento de resistecircncia da populaccedilatildeo agrave construccedilatildeo de um

empreendimento imobiliaacuterio para fins turisticos numa aacuterea de dunas ainda natildeo

ocupada fronteira a Via Costeira localizado ao lado do Farol de Matildee Luizardquo na

aacuterea atualmente delimitada como ZPA1024 O movimento envolveu diversos

22

O Plano de Desenvolvimento Urbaniacutestico (Plano Serete1968) nunca foi convertido em Lei

mas estabeleceu os fundamentos do Plano Diretor de 1984 (Lei 317584) Ele jaacute identificava a ocupaccedilatildeo nas dunas de Matildee Luiza como uma das grandes favelas de Natal Essa indicaccedilatildeo fundamentou a inclusatildeo do bairro no grupo das Zonas Especiais de Recuperaccedilatildeo Urbana (ZERU) no PDN1984 Em certa medida essas referecircncias denotam uma preocupaccedilatildeo com a precariedade urbaniacutestica e a vulnerabilidade social do lugar anterior ao contexto normativo da deacutecada de 1990 mesmo sem a efetivaccedilatildeo das accedilotildees sobre os assentamentos precaacuterios 23 Sobre esse processo ver especialmente os trabalhos de BENTES Dulce e TRINDADE

Maria Aparecida da S Fernandes 2008 Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159 disponiacutevel em

httpwwwrevistaunirninfbrrevistaunirnindexphprevistaunirnarticleviewFile154183 acesso em 15 de janeiro de 2015 As referecircncias tambeacutem foram discutidas por Ruth Ataiacutede em trabalho jaacute citado no presente artigo (Ataiacutede 2013) 24

O projeto de construccedilatildeo do Paradiso Mare Resort refletia o interesse do mercado

mobiliario num contexto do crescimento da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria da zona costeira Traduccedilatildeo direta de Ataiacutede 2013 jaacute referida

atores sociais com destaque para a participaccedilatildeo dos moradores da Igreja

Catoacutelica e do Departamento de Arquitetura da UFRN por meio das atividades

de extensatildeo de alguns dos seus alunos e professores25 Durante o processo de

discussatildeo se evidenciaram interesses conflitantes relativamente aos objetivos

da proteccedilatildeo socioambiental da aacuterea com destaque para o confronto entre os

moradores o movimento ambientalista e o setor imobiliaacuterio No que diz respeito

ao conteuacutedo da lei deve-se ressaltar que aleacutem de evidenciar a relaccedilatildeo entre

os paracircmetros urbaniacutesticos e as praacuteticas soacutecio espaciais ela adiciona os

princiacutepios socioambientais pois antecipa a discussatildeo sobre a proteccedilatildeo do

campo dunar do Farol de Mae Luiza o qual embora identificado como espaccedilo

protegido pelo PDN1994 ainda natildeo tinha sido delimitado No zoneamento da

AEIS essa aacuterea foi delimitada como Aacuterea de Conservaccedilatildeo (Figura 3)26

Figura 3 Zoneamento da AEIS de Matildee Luiza (destaque para a Aacuterea de Conservaccedilatildeo) e sua relaccedilatildeo com a ZPAs 2 e a ZPA10

Fonte Natal (1995) com base no DOM de 02081995 e FUNPECUFRNMPRN (2012)

adaptado pelos autores

25

ldquoA participaccedilatildeo da UFRN se deu por meio de estudos (1992) que fundamentaram a proposta

de regulamentaccedilatildeo sendo esta apropriada pela populaccedilatildeo do bairro resultando no texto final da Lei da AEISrdquo aprovada em 1995 (Ataide 2013) 26

Baseado nas caracteriacutesticas da ocupaccedilatildeo do lugar foi estabelecido um zoneamento que

dividiu o territoacuterio em trecircs subzonas duas menos restritivas (diferentes graus) e aplicada aos espaccedilos construiacutedos (AO1 - Aacuterea de Ocupaccedilatildeo e AOR2 Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restritiva) e uma aplicada agrave aacuterea de Dunas (AC - aacuterea de conservaccedilatildeo) que foi orientado para garantir a proteccedilatildeo da aacuterea

O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo

da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de

gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-

territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo

juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na

alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da

normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam

entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que

revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de

Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do

estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do

Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com

as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que

reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com

o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como

Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo

tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia

sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas

ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de

tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia

expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam

dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de

governo

Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com

a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade

da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave

resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do

municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo

das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da

ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o

conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno

com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque

Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e

proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade

Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se

apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo

sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das

situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da

favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das

dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo

PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem

contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo

gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas

ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e

com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo

ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias

institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do

movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus

interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza

Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da

favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no

processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam

pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas

remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco

tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na

proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os

objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos

estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de

Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto

conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos

territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees

nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)

Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

27

Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538

2 A AEIS da Vila de Ponta Negra

A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007

Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-

guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a

partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de

grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo

que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo

e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e

internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)

Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628

Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta

Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento

de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja

aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante

emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam

segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que

estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora

O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico

municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos

atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra

ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais

envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor

imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes

28

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento

urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123

das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo

cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007

no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses

representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os

princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso

desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A

ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -

batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e

que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29

Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do

resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos

A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser

encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do

direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute

uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas

precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do

Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar

da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea

Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8

(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda

natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de

gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade

Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao

papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local

da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam

numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de

pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens

culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao

conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com

uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e

29

Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30

De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no

mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo

apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria

pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees

acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos

adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos

com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como

AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas

principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se

opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua

regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de

fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou

negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo

de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida

natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com

moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser

submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios

fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores

da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com

ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo

Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta

Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa

numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta

Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06

que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei

municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem

estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do

Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea

ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e

estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do

31

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade

Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32

A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal

do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33

Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN

Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008

bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a

ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal

como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi

contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas

proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca

Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno

Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores

Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando

abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como

fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de

determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e

da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo

Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a

necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para

o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados

nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a

verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio

ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras

formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como

AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca

Praia de Ponta Negra

ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA

que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os

empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio

e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas

do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse

importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da

densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta

desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes

comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em

duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de

Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos

diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a

uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por

ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que

ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os

interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo

social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial

Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra

ZPA 06 - MORRO DO CARECA

ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)

BAIRRO PONTA NEGRA

ZONA DE AMORTECIMENTO

(ZA)

Praia de Ponta Negra

0m 50m 100m 200m

N

Morro do

Careca

01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca

03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento

06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca

05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca

04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo

Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth

VI Consideraccedilotildees Finais

Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves

relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos

protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto

devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm

estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994

tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas

estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees

especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo

apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)

No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor

imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo

de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de

acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades

especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia

de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de

expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se

realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal

por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao

novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse

novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o

desenvolvimento do trabalho

Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os

mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental

de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do

acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado

deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos

classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas

garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se

reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica

encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada

lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as

necessidades de morar na cidade

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TEIXEIRA R (2015) O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23

Page 13: Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ... · Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ambientais e a justiça espacial em Natal-Brasil Rubenilson Teixeira,

aacutereas assim classificadas 50 (cinco) jaacute tiveram seus processos de

regulamentaccedilatildeo concluiacutedos e outras cinco encontram-se em fase de debate

puacuteblico As ZPAs 06 e 10 que correspondem aos maciccedilos dunares de Ponta

Negra e Matildee Luiza respectivamente incluem-se neste segundo grupo Quanto

as AEIS embora tambeacutem instituiacutedas no mesmo marco normativo (1994) os

seus processos de regulamentaccedilatildeo natildeo avanccedilaram no mesmo ritmo que os

das ZPAs fato que ratifica ainda que por meio de tiacutemidas accedilotildees a primazia do

ambiental sobre o social no processo de gestatildeo urbana do municiacutepio (Figura 2)

Figura 2 ndash AEIS (1) e ZPAs (2) no PDN2007

Fonte Ataiacutede (2013 adaptado pelos autores)

Ressalte-se ainda que o instrumento AEIS foi ratificado e ampliado no

PDN2007 com o acreacutescimo de novas categorias e aacutereas Agraves favelas Vilas e

Loteamentos clandestinos foram acrescidas outras quatro categorias de AEIS

uma das quais aplicada agraves fraccedilotildees urbanas definidas como aacutereas que estatildeo

sob influecircncia de empreendimento de impacto socioeconocircmico cultural e

paisagiacutestico entre elas a da Vila de Ponta Negra17 Contudo passados 21

anos da vigecircncia do PDN 1994 e oito do PDN 2007 considera-se que apenas

17

NATAL Prefeitura Municipal 2007 Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o

Plano Diretor de Natal DOM Natal Mapa 04 Anexo II

1 2

a AEIS de Matildee Luiza foi objeto de um processo de regulamentaccedilatildeo integral

Outras quatro foram apenas delimitadas e para as demais natildeo existe nenhuma

discussatildeo em andamento18 Para restringir accedilotildees urbaniacutesticas que afetem os

objetivos de proteccedilatildeo socioambiental previstos no PDN2007 em especial o

avanccedilo da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria este Plano estabeleceu restriccedilotildees

urbaniacutesticas incidentes sobre o parcelamento (proibiccedilatildeo de remembramentos)

e a construccedilatildeo de edificaccedilotildees nelas situadas (limite de gabarito em ateacute 75m ou

dois pavimentos) ateacute que as regulamentaccedilatildeo fossem concluiacutedas A relaccedilatildeo

entre as AEIS de Mae Luiza e da Vila de Ponta e as ZPAs do seu entorno eacute

objeto de discussatildeo na seccedilatildeo seguinte do trabalho

V Duas situaccedilotildees emblemaacuteticas as AEIS de Matildee Luiza e Ponta Negra

1 A AEIS de Matildee Luiza

A AEIS de Matildee Luiza foi a primeira fraccedilatildeo urbana de Natal demarcada e

regulamentada como tal no acircmbito do seu marco urbaniacutestico atraveacutes da Lei

46631195 aprovada nove meses depois da aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de

1994 (PDN1994) Nesse processo dois aspectos merecem destaque a

discussatildeo delimitaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Lei que regulamenta a AEIS

(19921995) ocorreu em paralelo agraves discussotildees sobre o Plano Diretor

(19921994) a sua delimitaccedilatildeo se aplicou a todo o bairro de Matildee Luiza A

fraccedilatildeo urbana delimitada para a AEIS incluiu as favelas ali entatildeo existentes

(favelas do Sopapo Barro Duro Aparecida Alto da Colina) que foram

incluiacutedas nas trecircs categorias de AEIS estabelecidas pelo referido Plano

(Favelas Vilas e Loteamentos clandestinos)19 No processo de revisatildeo do

PDN1994 que foi concluido em 2007 com aprovaccedilatildeo da Lei 0822007

(PDN2007) e conforme referido na seccedilatildeo anterior o instrumento da AEIS foi

reafirmado com a manutenccedilatildeo dessas categorias e a adiccedilatildeo de outras

18

As AEIS do Complexo Favelas Passo da Paacutetria de Jardim Progreso da Aacutefrica e de Nova

Descoberta foram delimitadas mediante leis especificas (Ataiacutede 2013) 19

Um estudo publicado em 1994 que fundamentou a classificaccedilatildeo Plano Diretor identificou a

existecircncia de 69 favelas no municiacutepio de Natal naquele momento Ver IPLANAT1994

Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de

uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal IPLANAT Natal (mimeo)

incluindo a que se aplica a AEIS de Ponta Negra cujas especificidades

apresentamos na sequencia desta seccedilatildeo

Para entendermos melhor a jutifcativa dessa delimitaccedilatildeo cabe mencionar

alguns aspectos da constituiccedilatildeo e configuraccedilatildeo socioespacial do bairro de Matildee

Luiza cujo processo de ocupaccedilo tomou impulso a partir da deacutecada de 1950 e

reuacutene caracteriacutesticas morfoloacutegicas que natildeo se diferenciam das encontradas

nas favelas referidas Estas se expressam nas elevadas densidades

(construtiva e populacional) com destacada presenccedila da produccedilatildeo informal

que remontam agraves origens da sua formaccedilatildeo20 Nesse padratildeo morfoloacutegico

ressaltamos o traccedilado orgacircnico de ruas estreitas e um conjunto edificado com

predomiacutenio de edificaccedilotildees geminadas sem recuos laterais e ou frontais e com

alturas que alcanccedilam os dois pavimentos e com precariedade urbaniacutestica e

social acentuada na medida em que todo o bairro ainda carece de

infraestrutura baacutesica e o perfil socioeconocircmico dos moradores natildeo supera a

meacutedia de trecircs salaacuterios miacutenimos Eacute importante registrar que algumas fraccedilotildees do

bairro jaacute apresentam sinais do aumento dessa densidade com a presenccedila

destacada de edificaccedilotildees com trecircs pavimentos (ou mais)

Na perspectiva ambiental todo o bairro apresenta elevado grau de

fragilidade seja pelas suas caracteriacutesticas geomorfoloacutegicas (relevo acidentado

e aacuterea de dunas ambos sujeitos a deslizamentos) seja pela sua inserccedilatildeo nas

delimitaccedilotildees normativas aplicadas agrave proteccedilatildeo ambiental tanto em acircmbito

municipal como em acircmbitos federal e estadual Esse cenaacuterio se ratifica quando

se constata que grande parte do seu territoacuterio estaacute classificada como aacuterea de

risco pelo PMRR em parte devido a sua relaccedilatildeo com duas Aacutereas de

Preservaccedilatildeo Permanente (APPs de campos dunares) denominados no

PDN2007 como ZPA 2 e ZPA 1021 Segundo Ataiacutede a formaccedilatildeo das aacutereas de

risco assim como dos conflitos socioambientais satildeo resultado do avanccedilo da

ocupaccedilatildeo sobre esses espaccedilos Eacute importante ressaltar que ateacute meados da

deacutecada de 1980 o municiacutepio de Natal natildeo dispunha de regras efetivas de

20

Esses registros remetem agrave uma ocupaccedilatildeo rarefeita da primeira metade do mesmo seacuteculo

com alguma ocupaccedilatildeo no platocirc e nas encostas das dunas da atual Rua Guanabara pelos pescadores 21

A ZPA 2 corresponde ao Parque Estadual das Dunas espaccedilo natural integrante do Sistema

de Unidades de Conservaccedilatildeo do estado do Rio Grande Norte A ZPA 2 corresponde agraves encostas dunares adjacentes agrave Via Costeira que abriga o Farol de Matildee Luiza e margeia parte da Avenida Joatildeo XXIII e Rua Guanabara

controle urbaniacutestico e ambiental que pudessem frear tal forma de ocupaccedilatildeo em

seu territoacuterio Entretanto no caso de Matildee Luiza existem algumas referecircncias

em documentos institucionais e iniciativas normativas que jaacute demonstravam

alguma preocupaccedilatildeo sobre esse processo tais como o Plano Serete e o

PDN198422 Estas contribuiacuteram para reforccedilar os argumentos na defesa da

criaccedilatildeo das AEIS no ambiente de implantaccedilatildeo do marco normativo do

municiacutepio realccedilando o entendimento sobre a necessidade do reconhecimento

das praacuteticas soacutecio espaciais existentes nas diferentes fraccedilotildees territoriais Aleacutem

disso devido a sua localizaccedilatildeo na zona costeira central do municiacutepio desde os

anos 1980 o bairro de Matildee Luiza tambeacutem vem sofrendo uma forte pressatildeo

imobiliaacuteria

Sobre o processo de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo da AEIS cabe destacar

que aleacutem do seu desenvolvimento em paralelo ao do PDN1994 este tambeacutem

adiantou vaacuterios procedimentos de gestatildeo que soacute foram incorporados ao

sistema de planejamento do municiacutepio posteriormente tais como a iniciativa

popular e a motivaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo incluindo o processo participativo e

os objetivos socioambientais23 Segundo Ataiacutede ldquouma das motivaccedilotildees para a

elaboraccedilatildeo de um regramento urbanistico especiacutefico para a aacuterea teve origem

no movimento de resistecircncia da populaccedilatildeo agrave construccedilatildeo de um

empreendimento imobiliaacuterio para fins turisticos numa aacuterea de dunas ainda natildeo

ocupada fronteira a Via Costeira localizado ao lado do Farol de Matildee Luizardquo na

aacuterea atualmente delimitada como ZPA1024 O movimento envolveu diversos

22

O Plano de Desenvolvimento Urbaniacutestico (Plano Serete1968) nunca foi convertido em Lei

mas estabeleceu os fundamentos do Plano Diretor de 1984 (Lei 317584) Ele jaacute identificava a ocupaccedilatildeo nas dunas de Matildee Luiza como uma das grandes favelas de Natal Essa indicaccedilatildeo fundamentou a inclusatildeo do bairro no grupo das Zonas Especiais de Recuperaccedilatildeo Urbana (ZERU) no PDN1984 Em certa medida essas referecircncias denotam uma preocupaccedilatildeo com a precariedade urbaniacutestica e a vulnerabilidade social do lugar anterior ao contexto normativo da deacutecada de 1990 mesmo sem a efetivaccedilatildeo das accedilotildees sobre os assentamentos precaacuterios 23 Sobre esse processo ver especialmente os trabalhos de BENTES Dulce e TRINDADE

Maria Aparecida da S Fernandes 2008 Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159 disponiacutevel em

httpwwwrevistaunirninfbrrevistaunirnindexphprevistaunirnarticleviewFile154183 acesso em 15 de janeiro de 2015 As referecircncias tambeacutem foram discutidas por Ruth Ataiacutede em trabalho jaacute citado no presente artigo (Ataiacutede 2013) 24

O projeto de construccedilatildeo do Paradiso Mare Resort refletia o interesse do mercado

mobiliario num contexto do crescimento da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria da zona costeira Traduccedilatildeo direta de Ataiacutede 2013 jaacute referida

atores sociais com destaque para a participaccedilatildeo dos moradores da Igreja

Catoacutelica e do Departamento de Arquitetura da UFRN por meio das atividades

de extensatildeo de alguns dos seus alunos e professores25 Durante o processo de

discussatildeo se evidenciaram interesses conflitantes relativamente aos objetivos

da proteccedilatildeo socioambiental da aacuterea com destaque para o confronto entre os

moradores o movimento ambientalista e o setor imobiliaacuterio No que diz respeito

ao conteuacutedo da lei deve-se ressaltar que aleacutem de evidenciar a relaccedilatildeo entre

os paracircmetros urbaniacutesticos e as praacuteticas soacutecio espaciais ela adiciona os

princiacutepios socioambientais pois antecipa a discussatildeo sobre a proteccedilatildeo do

campo dunar do Farol de Mae Luiza o qual embora identificado como espaccedilo

protegido pelo PDN1994 ainda natildeo tinha sido delimitado No zoneamento da

AEIS essa aacuterea foi delimitada como Aacuterea de Conservaccedilatildeo (Figura 3)26

Figura 3 Zoneamento da AEIS de Matildee Luiza (destaque para a Aacuterea de Conservaccedilatildeo) e sua relaccedilatildeo com a ZPAs 2 e a ZPA10

Fonte Natal (1995) com base no DOM de 02081995 e FUNPECUFRNMPRN (2012)

adaptado pelos autores

25

ldquoA participaccedilatildeo da UFRN se deu por meio de estudos (1992) que fundamentaram a proposta

de regulamentaccedilatildeo sendo esta apropriada pela populaccedilatildeo do bairro resultando no texto final da Lei da AEISrdquo aprovada em 1995 (Ataide 2013) 26

Baseado nas caracteriacutesticas da ocupaccedilatildeo do lugar foi estabelecido um zoneamento que

dividiu o territoacuterio em trecircs subzonas duas menos restritivas (diferentes graus) e aplicada aos espaccedilos construiacutedos (AO1 - Aacuterea de Ocupaccedilatildeo e AOR2 Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restritiva) e uma aplicada agrave aacuterea de Dunas (AC - aacuterea de conservaccedilatildeo) que foi orientado para garantir a proteccedilatildeo da aacuterea

O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo

da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de

gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-

territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo

juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na

alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da

normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam

entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que

revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de

Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do

estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do

Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com

as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que

reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com

o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como

Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo

tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia

sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas

ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de

tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia

expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam

dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de

governo

Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com

a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade

da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave

resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do

municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo

das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da

ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o

conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno

com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque

Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e

proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade

Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se

apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo

sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das

situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da

favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das

dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo

PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem

contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo

gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas

ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e

com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo

ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias

institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do

movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus

interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza

Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da

favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no

processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam

pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas

remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco

tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na

proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os

objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos

estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de

Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto

conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos

territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees

nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)

Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

27

Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538

2 A AEIS da Vila de Ponta Negra

A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007

Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-

guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a

partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de

grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo

que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo

e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e

internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)

Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628

Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta

Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento

de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja

aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante

emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam

segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que

estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora

O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico

municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos

atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra

ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais

envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor

imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes

28

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento

urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123

das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo

cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007

no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses

representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os

princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso

desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A

ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -

batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e

que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29

Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do

resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos

A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser

encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do

direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute

uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas

precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do

Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar

da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea

Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8

(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda

natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de

gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade

Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao

papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local

da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam

numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de

pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens

culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao

conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com

uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e

29

Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30

De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no

mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo

apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria

pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees

acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos

adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos

com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como

AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas

principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se

opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua

regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de

fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou

negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo

de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida

natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com

moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser

submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios

fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores

da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com

ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo

Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta

Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa

numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta

Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06

que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei

municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem

estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do

Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea

ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e

estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do

31

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade

Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32

A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal

do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33

Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN

Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008

bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a

ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal

como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi

contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas

proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca

Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno

Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores

Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando

abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como

fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de

determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e

da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo

Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a

necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para

o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados

nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a

verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio

ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras

formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como

AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca

Praia de Ponta Negra

ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA

que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os

empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio

e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas

do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse

importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da

densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta

desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes

comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em

duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de

Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos

diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a

uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por

ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que

ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os

interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo

social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial

Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra

ZPA 06 - MORRO DO CARECA

ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)

BAIRRO PONTA NEGRA

ZONA DE AMORTECIMENTO

(ZA)

Praia de Ponta Negra

0m 50m 100m 200m

N

Morro do

Careca

01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca

03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento

06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca

05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca

04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo

Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth

VI Consideraccedilotildees Finais

Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves

relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos

protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto

devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm

estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994

tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas

estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees

especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo

apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)

No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor

imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo

de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de

acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades

especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia

de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de

expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se

realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal

por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao

novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse

novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o

desenvolvimento do trabalho

Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os

mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental

de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do

acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado

deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos

classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas

garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se

reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica

encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada

lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as

necessidades de morar na cidade

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TEIXEIRA R (2015) O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23

Page 14: Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ... · Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ambientais e a justiça espacial em Natal-Brasil Rubenilson Teixeira,

a AEIS de Matildee Luiza foi objeto de um processo de regulamentaccedilatildeo integral

Outras quatro foram apenas delimitadas e para as demais natildeo existe nenhuma

discussatildeo em andamento18 Para restringir accedilotildees urbaniacutesticas que afetem os

objetivos de proteccedilatildeo socioambiental previstos no PDN2007 em especial o

avanccedilo da especulaccedilatildeo imobiliaacuteria este Plano estabeleceu restriccedilotildees

urbaniacutesticas incidentes sobre o parcelamento (proibiccedilatildeo de remembramentos)

e a construccedilatildeo de edificaccedilotildees nelas situadas (limite de gabarito em ateacute 75m ou

dois pavimentos) ateacute que as regulamentaccedilatildeo fossem concluiacutedas A relaccedilatildeo

entre as AEIS de Mae Luiza e da Vila de Ponta e as ZPAs do seu entorno eacute

objeto de discussatildeo na seccedilatildeo seguinte do trabalho

V Duas situaccedilotildees emblemaacuteticas as AEIS de Matildee Luiza e Ponta Negra

1 A AEIS de Matildee Luiza

A AEIS de Matildee Luiza foi a primeira fraccedilatildeo urbana de Natal demarcada e

regulamentada como tal no acircmbito do seu marco urbaniacutestico atraveacutes da Lei

46631195 aprovada nove meses depois da aprovaccedilatildeo do Plano Diretor de

1994 (PDN1994) Nesse processo dois aspectos merecem destaque a

discussatildeo delimitaccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Lei que regulamenta a AEIS

(19921995) ocorreu em paralelo agraves discussotildees sobre o Plano Diretor

(19921994) a sua delimitaccedilatildeo se aplicou a todo o bairro de Matildee Luiza A

fraccedilatildeo urbana delimitada para a AEIS incluiu as favelas ali entatildeo existentes

(favelas do Sopapo Barro Duro Aparecida Alto da Colina) que foram

incluiacutedas nas trecircs categorias de AEIS estabelecidas pelo referido Plano

(Favelas Vilas e Loteamentos clandestinos)19 No processo de revisatildeo do

PDN1994 que foi concluido em 2007 com aprovaccedilatildeo da Lei 0822007

(PDN2007) e conforme referido na seccedilatildeo anterior o instrumento da AEIS foi

reafirmado com a manutenccedilatildeo dessas categorias e a adiccedilatildeo de outras

18

As AEIS do Complexo Favelas Passo da Paacutetria de Jardim Progreso da Aacutefrica e de Nova

Descoberta foram delimitadas mediante leis especificas (Ataiacutede 2013) 19

Um estudo publicado em 1994 que fundamentou a classificaccedilatildeo Plano Diretor identificou a

existecircncia de 69 favelas no municiacutepio de Natal naquele momento Ver IPLANAT1994

Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de

uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal IPLANAT Natal (mimeo)

incluindo a que se aplica a AEIS de Ponta Negra cujas especificidades

apresentamos na sequencia desta seccedilatildeo

Para entendermos melhor a jutifcativa dessa delimitaccedilatildeo cabe mencionar

alguns aspectos da constituiccedilatildeo e configuraccedilatildeo socioespacial do bairro de Matildee

Luiza cujo processo de ocupaccedilo tomou impulso a partir da deacutecada de 1950 e

reuacutene caracteriacutesticas morfoloacutegicas que natildeo se diferenciam das encontradas

nas favelas referidas Estas se expressam nas elevadas densidades

(construtiva e populacional) com destacada presenccedila da produccedilatildeo informal

que remontam agraves origens da sua formaccedilatildeo20 Nesse padratildeo morfoloacutegico

ressaltamos o traccedilado orgacircnico de ruas estreitas e um conjunto edificado com

predomiacutenio de edificaccedilotildees geminadas sem recuos laterais e ou frontais e com

alturas que alcanccedilam os dois pavimentos e com precariedade urbaniacutestica e

social acentuada na medida em que todo o bairro ainda carece de

infraestrutura baacutesica e o perfil socioeconocircmico dos moradores natildeo supera a

meacutedia de trecircs salaacuterios miacutenimos Eacute importante registrar que algumas fraccedilotildees do

bairro jaacute apresentam sinais do aumento dessa densidade com a presenccedila

destacada de edificaccedilotildees com trecircs pavimentos (ou mais)

Na perspectiva ambiental todo o bairro apresenta elevado grau de

fragilidade seja pelas suas caracteriacutesticas geomorfoloacutegicas (relevo acidentado

e aacuterea de dunas ambos sujeitos a deslizamentos) seja pela sua inserccedilatildeo nas

delimitaccedilotildees normativas aplicadas agrave proteccedilatildeo ambiental tanto em acircmbito

municipal como em acircmbitos federal e estadual Esse cenaacuterio se ratifica quando

se constata que grande parte do seu territoacuterio estaacute classificada como aacuterea de

risco pelo PMRR em parte devido a sua relaccedilatildeo com duas Aacutereas de

Preservaccedilatildeo Permanente (APPs de campos dunares) denominados no

PDN2007 como ZPA 2 e ZPA 1021 Segundo Ataiacutede a formaccedilatildeo das aacutereas de

risco assim como dos conflitos socioambientais satildeo resultado do avanccedilo da

ocupaccedilatildeo sobre esses espaccedilos Eacute importante ressaltar que ateacute meados da

deacutecada de 1980 o municiacutepio de Natal natildeo dispunha de regras efetivas de

20

Esses registros remetem agrave uma ocupaccedilatildeo rarefeita da primeira metade do mesmo seacuteculo

com alguma ocupaccedilatildeo no platocirc e nas encostas das dunas da atual Rua Guanabara pelos pescadores 21

A ZPA 2 corresponde ao Parque Estadual das Dunas espaccedilo natural integrante do Sistema

de Unidades de Conservaccedilatildeo do estado do Rio Grande Norte A ZPA 2 corresponde agraves encostas dunares adjacentes agrave Via Costeira que abriga o Farol de Matildee Luiza e margeia parte da Avenida Joatildeo XXIII e Rua Guanabara

controle urbaniacutestico e ambiental que pudessem frear tal forma de ocupaccedilatildeo em

seu territoacuterio Entretanto no caso de Matildee Luiza existem algumas referecircncias

em documentos institucionais e iniciativas normativas que jaacute demonstravam

alguma preocupaccedilatildeo sobre esse processo tais como o Plano Serete e o

PDN198422 Estas contribuiacuteram para reforccedilar os argumentos na defesa da

criaccedilatildeo das AEIS no ambiente de implantaccedilatildeo do marco normativo do

municiacutepio realccedilando o entendimento sobre a necessidade do reconhecimento

das praacuteticas soacutecio espaciais existentes nas diferentes fraccedilotildees territoriais Aleacutem

disso devido a sua localizaccedilatildeo na zona costeira central do municiacutepio desde os

anos 1980 o bairro de Matildee Luiza tambeacutem vem sofrendo uma forte pressatildeo

imobiliaacuteria

Sobre o processo de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo da AEIS cabe destacar

que aleacutem do seu desenvolvimento em paralelo ao do PDN1994 este tambeacutem

adiantou vaacuterios procedimentos de gestatildeo que soacute foram incorporados ao

sistema de planejamento do municiacutepio posteriormente tais como a iniciativa

popular e a motivaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo incluindo o processo participativo e

os objetivos socioambientais23 Segundo Ataiacutede ldquouma das motivaccedilotildees para a

elaboraccedilatildeo de um regramento urbanistico especiacutefico para a aacuterea teve origem

no movimento de resistecircncia da populaccedilatildeo agrave construccedilatildeo de um

empreendimento imobiliaacuterio para fins turisticos numa aacuterea de dunas ainda natildeo

ocupada fronteira a Via Costeira localizado ao lado do Farol de Matildee Luizardquo na

aacuterea atualmente delimitada como ZPA1024 O movimento envolveu diversos

22

O Plano de Desenvolvimento Urbaniacutestico (Plano Serete1968) nunca foi convertido em Lei

mas estabeleceu os fundamentos do Plano Diretor de 1984 (Lei 317584) Ele jaacute identificava a ocupaccedilatildeo nas dunas de Matildee Luiza como uma das grandes favelas de Natal Essa indicaccedilatildeo fundamentou a inclusatildeo do bairro no grupo das Zonas Especiais de Recuperaccedilatildeo Urbana (ZERU) no PDN1984 Em certa medida essas referecircncias denotam uma preocupaccedilatildeo com a precariedade urbaniacutestica e a vulnerabilidade social do lugar anterior ao contexto normativo da deacutecada de 1990 mesmo sem a efetivaccedilatildeo das accedilotildees sobre os assentamentos precaacuterios 23 Sobre esse processo ver especialmente os trabalhos de BENTES Dulce e TRINDADE

Maria Aparecida da S Fernandes 2008 Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159 disponiacutevel em

httpwwwrevistaunirninfbrrevistaunirnindexphprevistaunirnarticleviewFile154183 acesso em 15 de janeiro de 2015 As referecircncias tambeacutem foram discutidas por Ruth Ataiacutede em trabalho jaacute citado no presente artigo (Ataiacutede 2013) 24

O projeto de construccedilatildeo do Paradiso Mare Resort refletia o interesse do mercado

mobiliario num contexto do crescimento da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria da zona costeira Traduccedilatildeo direta de Ataiacutede 2013 jaacute referida

atores sociais com destaque para a participaccedilatildeo dos moradores da Igreja

Catoacutelica e do Departamento de Arquitetura da UFRN por meio das atividades

de extensatildeo de alguns dos seus alunos e professores25 Durante o processo de

discussatildeo se evidenciaram interesses conflitantes relativamente aos objetivos

da proteccedilatildeo socioambiental da aacuterea com destaque para o confronto entre os

moradores o movimento ambientalista e o setor imobiliaacuterio No que diz respeito

ao conteuacutedo da lei deve-se ressaltar que aleacutem de evidenciar a relaccedilatildeo entre

os paracircmetros urbaniacutesticos e as praacuteticas soacutecio espaciais ela adiciona os

princiacutepios socioambientais pois antecipa a discussatildeo sobre a proteccedilatildeo do

campo dunar do Farol de Mae Luiza o qual embora identificado como espaccedilo

protegido pelo PDN1994 ainda natildeo tinha sido delimitado No zoneamento da

AEIS essa aacuterea foi delimitada como Aacuterea de Conservaccedilatildeo (Figura 3)26

Figura 3 Zoneamento da AEIS de Matildee Luiza (destaque para a Aacuterea de Conservaccedilatildeo) e sua relaccedilatildeo com a ZPAs 2 e a ZPA10

Fonte Natal (1995) com base no DOM de 02081995 e FUNPECUFRNMPRN (2012)

adaptado pelos autores

25

ldquoA participaccedilatildeo da UFRN se deu por meio de estudos (1992) que fundamentaram a proposta

de regulamentaccedilatildeo sendo esta apropriada pela populaccedilatildeo do bairro resultando no texto final da Lei da AEISrdquo aprovada em 1995 (Ataide 2013) 26

Baseado nas caracteriacutesticas da ocupaccedilatildeo do lugar foi estabelecido um zoneamento que

dividiu o territoacuterio em trecircs subzonas duas menos restritivas (diferentes graus) e aplicada aos espaccedilos construiacutedos (AO1 - Aacuterea de Ocupaccedilatildeo e AOR2 Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restritiva) e uma aplicada agrave aacuterea de Dunas (AC - aacuterea de conservaccedilatildeo) que foi orientado para garantir a proteccedilatildeo da aacuterea

O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo

da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de

gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-

territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo

juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na

alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da

normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam

entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que

revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de

Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do

estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do

Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com

as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que

reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com

o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como

Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo

tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia

sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas

ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de

tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia

expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam

dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de

governo

Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com

a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade

da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave

resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do

municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo

das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da

ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o

conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno

com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque

Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e

proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade

Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se

apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo

sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das

situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da

favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das

dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo

PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem

contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo

gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas

ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e

com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo

ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias

institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do

movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus

interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza

Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da

favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no

processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam

pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas

remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco

tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na

proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os

objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos

estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de

Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto

conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos

territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees

nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)

Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

27

Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538

2 A AEIS da Vila de Ponta Negra

A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007

Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-

guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a

partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de

grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo

que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo

e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e

internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)

Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628

Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta

Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento

de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja

aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante

emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam

segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que

estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora

O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico

municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos

atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra

ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais

envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor

imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes

28

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento

urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123

das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo

cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007

no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses

representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os

princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso

desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A

ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -

batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e

que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29

Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do

resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos

A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser

encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do

direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute

uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas

precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do

Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar

da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea

Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8

(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda

natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de

gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade

Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao

papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local

da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam

numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de

pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens

culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao

conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com

uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e

29

Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30

De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no

mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo

apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria

pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees

acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos

adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos

com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como

AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas

principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se

opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua

regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de

fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou

negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo

de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida

natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com

moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser

submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios

fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores

da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com

ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo

Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta

Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa

numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta

Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06

que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei

municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem

estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do

Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea

ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e

estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do

31

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade

Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32

A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal

do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33

Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN

Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008

bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a

ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal

como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi

contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas

proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca

Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno

Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores

Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando

abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como

fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de

determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e

da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo

Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a

necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para

o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados

nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a

verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio

ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras

formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como

AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca

Praia de Ponta Negra

ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA

que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os

empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio

e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas

do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse

importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da

densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta

desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes

comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em

duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de

Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos

diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a

uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por

ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que

ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os

interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo

social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial

Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra

ZPA 06 - MORRO DO CARECA

ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)

BAIRRO PONTA NEGRA

ZONA DE AMORTECIMENTO

(ZA)

Praia de Ponta Negra

0m 50m 100m 200m

N

Morro do

Careca

01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca

03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento

06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca

05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca

04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo

Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth

VI Consideraccedilotildees Finais

Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves

relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos

protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto

devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm

estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994

tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas

estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees

especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo

apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)

No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor

imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo

de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de

acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades

especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia

de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de

expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se

realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal

por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao

novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse

novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o

desenvolvimento do trabalho

Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os

mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental

de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do

acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado

deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos

classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas

garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se

reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica

encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada

lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as

necessidades de morar na cidade

Referecircncias bibliograacuteficas

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Page 15: Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ... · Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ambientais e a justiça espacial em Natal-Brasil Rubenilson Teixeira,

incluindo a que se aplica a AEIS de Ponta Negra cujas especificidades

apresentamos na sequencia desta seccedilatildeo

Para entendermos melhor a jutifcativa dessa delimitaccedilatildeo cabe mencionar

alguns aspectos da constituiccedilatildeo e configuraccedilatildeo socioespacial do bairro de Matildee

Luiza cujo processo de ocupaccedilo tomou impulso a partir da deacutecada de 1950 e

reuacutene caracteriacutesticas morfoloacutegicas que natildeo se diferenciam das encontradas

nas favelas referidas Estas se expressam nas elevadas densidades

(construtiva e populacional) com destacada presenccedila da produccedilatildeo informal

que remontam agraves origens da sua formaccedilatildeo20 Nesse padratildeo morfoloacutegico

ressaltamos o traccedilado orgacircnico de ruas estreitas e um conjunto edificado com

predomiacutenio de edificaccedilotildees geminadas sem recuos laterais e ou frontais e com

alturas que alcanccedilam os dois pavimentos e com precariedade urbaniacutestica e

social acentuada na medida em que todo o bairro ainda carece de

infraestrutura baacutesica e o perfil socioeconocircmico dos moradores natildeo supera a

meacutedia de trecircs salaacuterios miacutenimos Eacute importante registrar que algumas fraccedilotildees do

bairro jaacute apresentam sinais do aumento dessa densidade com a presenccedila

destacada de edificaccedilotildees com trecircs pavimentos (ou mais)

Na perspectiva ambiental todo o bairro apresenta elevado grau de

fragilidade seja pelas suas caracteriacutesticas geomorfoloacutegicas (relevo acidentado

e aacuterea de dunas ambos sujeitos a deslizamentos) seja pela sua inserccedilatildeo nas

delimitaccedilotildees normativas aplicadas agrave proteccedilatildeo ambiental tanto em acircmbito

municipal como em acircmbitos federal e estadual Esse cenaacuterio se ratifica quando

se constata que grande parte do seu territoacuterio estaacute classificada como aacuterea de

risco pelo PMRR em parte devido a sua relaccedilatildeo com duas Aacutereas de

Preservaccedilatildeo Permanente (APPs de campos dunares) denominados no

PDN2007 como ZPA 2 e ZPA 1021 Segundo Ataiacutede a formaccedilatildeo das aacutereas de

risco assim como dos conflitos socioambientais satildeo resultado do avanccedilo da

ocupaccedilatildeo sobre esses espaccedilos Eacute importante ressaltar que ateacute meados da

deacutecada de 1980 o municiacutepio de Natal natildeo dispunha de regras efetivas de

20

Esses registros remetem agrave uma ocupaccedilatildeo rarefeita da primeira metade do mesmo seacuteculo

com alguma ocupaccedilatildeo no platocirc e nas encostas das dunas da atual Rua Guanabara pelos pescadores 21

A ZPA 2 corresponde ao Parque Estadual das Dunas espaccedilo natural integrante do Sistema

de Unidades de Conservaccedilatildeo do estado do Rio Grande Norte A ZPA 2 corresponde agraves encostas dunares adjacentes agrave Via Costeira que abriga o Farol de Matildee Luiza e margeia parte da Avenida Joatildeo XXIII e Rua Guanabara

controle urbaniacutestico e ambiental que pudessem frear tal forma de ocupaccedilatildeo em

seu territoacuterio Entretanto no caso de Matildee Luiza existem algumas referecircncias

em documentos institucionais e iniciativas normativas que jaacute demonstravam

alguma preocupaccedilatildeo sobre esse processo tais como o Plano Serete e o

PDN198422 Estas contribuiacuteram para reforccedilar os argumentos na defesa da

criaccedilatildeo das AEIS no ambiente de implantaccedilatildeo do marco normativo do

municiacutepio realccedilando o entendimento sobre a necessidade do reconhecimento

das praacuteticas soacutecio espaciais existentes nas diferentes fraccedilotildees territoriais Aleacutem

disso devido a sua localizaccedilatildeo na zona costeira central do municiacutepio desde os

anos 1980 o bairro de Matildee Luiza tambeacutem vem sofrendo uma forte pressatildeo

imobiliaacuteria

Sobre o processo de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo da AEIS cabe destacar

que aleacutem do seu desenvolvimento em paralelo ao do PDN1994 este tambeacutem

adiantou vaacuterios procedimentos de gestatildeo que soacute foram incorporados ao

sistema de planejamento do municiacutepio posteriormente tais como a iniciativa

popular e a motivaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo incluindo o processo participativo e

os objetivos socioambientais23 Segundo Ataiacutede ldquouma das motivaccedilotildees para a

elaboraccedilatildeo de um regramento urbanistico especiacutefico para a aacuterea teve origem

no movimento de resistecircncia da populaccedilatildeo agrave construccedilatildeo de um

empreendimento imobiliaacuterio para fins turisticos numa aacuterea de dunas ainda natildeo

ocupada fronteira a Via Costeira localizado ao lado do Farol de Matildee Luizardquo na

aacuterea atualmente delimitada como ZPA1024 O movimento envolveu diversos

22

O Plano de Desenvolvimento Urbaniacutestico (Plano Serete1968) nunca foi convertido em Lei

mas estabeleceu os fundamentos do Plano Diretor de 1984 (Lei 317584) Ele jaacute identificava a ocupaccedilatildeo nas dunas de Matildee Luiza como uma das grandes favelas de Natal Essa indicaccedilatildeo fundamentou a inclusatildeo do bairro no grupo das Zonas Especiais de Recuperaccedilatildeo Urbana (ZERU) no PDN1984 Em certa medida essas referecircncias denotam uma preocupaccedilatildeo com a precariedade urbaniacutestica e a vulnerabilidade social do lugar anterior ao contexto normativo da deacutecada de 1990 mesmo sem a efetivaccedilatildeo das accedilotildees sobre os assentamentos precaacuterios 23 Sobre esse processo ver especialmente os trabalhos de BENTES Dulce e TRINDADE

Maria Aparecida da S Fernandes 2008 Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159 disponiacutevel em

httpwwwrevistaunirninfbrrevistaunirnindexphprevistaunirnarticleviewFile154183 acesso em 15 de janeiro de 2015 As referecircncias tambeacutem foram discutidas por Ruth Ataiacutede em trabalho jaacute citado no presente artigo (Ataiacutede 2013) 24

O projeto de construccedilatildeo do Paradiso Mare Resort refletia o interesse do mercado

mobiliario num contexto do crescimento da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria da zona costeira Traduccedilatildeo direta de Ataiacutede 2013 jaacute referida

atores sociais com destaque para a participaccedilatildeo dos moradores da Igreja

Catoacutelica e do Departamento de Arquitetura da UFRN por meio das atividades

de extensatildeo de alguns dos seus alunos e professores25 Durante o processo de

discussatildeo se evidenciaram interesses conflitantes relativamente aos objetivos

da proteccedilatildeo socioambiental da aacuterea com destaque para o confronto entre os

moradores o movimento ambientalista e o setor imobiliaacuterio No que diz respeito

ao conteuacutedo da lei deve-se ressaltar que aleacutem de evidenciar a relaccedilatildeo entre

os paracircmetros urbaniacutesticos e as praacuteticas soacutecio espaciais ela adiciona os

princiacutepios socioambientais pois antecipa a discussatildeo sobre a proteccedilatildeo do

campo dunar do Farol de Mae Luiza o qual embora identificado como espaccedilo

protegido pelo PDN1994 ainda natildeo tinha sido delimitado No zoneamento da

AEIS essa aacuterea foi delimitada como Aacuterea de Conservaccedilatildeo (Figura 3)26

Figura 3 Zoneamento da AEIS de Matildee Luiza (destaque para a Aacuterea de Conservaccedilatildeo) e sua relaccedilatildeo com a ZPAs 2 e a ZPA10

Fonte Natal (1995) com base no DOM de 02081995 e FUNPECUFRNMPRN (2012)

adaptado pelos autores

25

ldquoA participaccedilatildeo da UFRN se deu por meio de estudos (1992) que fundamentaram a proposta

de regulamentaccedilatildeo sendo esta apropriada pela populaccedilatildeo do bairro resultando no texto final da Lei da AEISrdquo aprovada em 1995 (Ataide 2013) 26

Baseado nas caracteriacutesticas da ocupaccedilatildeo do lugar foi estabelecido um zoneamento que

dividiu o territoacuterio em trecircs subzonas duas menos restritivas (diferentes graus) e aplicada aos espaccedilos construiacutedos (AO1 - Aacuterea de Ocupaccedilatildeo e AOR2 Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restritiva) e uma aplicada agrave aacuterea de Dunas (AC - aacuterea de conservaccedilatildeo) que foi orientado para garantir a proteccedilatildeo da aacuterea

O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo

da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de

gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-

territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo

juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na

alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da

normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam

entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que

revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de

Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do

estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do

Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com

as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que

reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com

o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como

Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo

tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia

sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas

ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de

tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia

expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam

dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de

governo

Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com

a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade

da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave

resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do

municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo

das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da

ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o

conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno

com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque

Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e

proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade

Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se

apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo

sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das

situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da

favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das

dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo

PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem

contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo

gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas

ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e

com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo

ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias

institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do

movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus

interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza

Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da

favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no

processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam

pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas

remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco

tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na

proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os

objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos

estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de

Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto

conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos

territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees

nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)

Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

27

Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538

2 A AEIS da Vila de Ponta Negra

A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007

Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-

guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a

partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de

grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo

que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo

e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e

internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)

Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628

Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta

Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento

de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja

aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante

emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam

segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que

estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora

O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico

municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos

atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra

ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais

envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor

imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes

28

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento

urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123

das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo

cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007

no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses

representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os

princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso

desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A

ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -

batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e

que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29

Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do

resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos

A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser

encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do

direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute

uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas

precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do

Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar

da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea

Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8

(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda

natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de

gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade

Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao

papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local

da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam

numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de

pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens

culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao

conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com

uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e

29

Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30

De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no

mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo

apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria

pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees

acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos

adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos

com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como

AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas

principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se

opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua

regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de

fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou

negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo

de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida

natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com

moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser

submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios

fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores

da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com

ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo

Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta

Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa

numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta

Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06

que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei

municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem

estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do

Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea

ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e

estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do

31

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade

Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32

A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal

do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33

Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN

Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008

bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a

ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal

como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi

contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas

proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca

Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno

Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores

Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando

abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como

fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de

determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e

da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo

Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a

necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para

o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados

nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a

verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio

ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras

formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como

AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca

Praia de Ponta Negra

ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA

que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os

empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio

e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas

do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse

importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da

densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta

desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes

comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em

duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de

Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos

diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a

uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por

ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que

ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os

interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo

social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial

Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra

ZPA 06 - MORRO DO CARECA

ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)

BAIRRO PONTA NEGRA

ZONA DE AMORTECIMENTO

(ZA)

Praia de Ponta Negra

0m 50m 100m 200m

N

Morro do

Careca

01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca

03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento

06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca

05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca

04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo

Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth

VI Consideraccedilotildees Finais

Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves

relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos

protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto

devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm

estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994

tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas

estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees

especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo

apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)

No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor

imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo

de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de

acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades

especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia

de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de

expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se

realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal

por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao

novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse

novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o

desenvolvimento do trabalho

Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os

mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental

de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do

acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado

deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos

classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas

garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se

reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica

encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada

lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as

necessidades de morar na cidade

Referecircncias bibliograacuteficas

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TEIXEIRA R (2015) O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23

Page 16: Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ... · Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ambientais e a justiça espacial em Natal-Brasil Rubenilson Teixeira,

controle urbaniacutestico e ambiental que pudessem frear tal forma de ocupaccedilatildeo em

seu territoacuterio Entretanto no caso de Matildee Luiza existem algumas referecircncias

em documentos institucionais e iniciativas normativas que jaacute demonstravam

alguma preocupaccedilatildeo sobre esse processo tais como o Plano Serete e o

PDN198422 Estas contribuiacuteram para reforccedilar os argumentos na defesa da

criaccedilatildeo das AEIS no ambiente de implantaccedilatildeo do marco normativo do

municiacutepio realccedilando o entendimento sobre a necessidade do reconhecimento

das praacuteticas soacutecio espaciais existentes nas diferentes fraccedilotildees territoriais Aleacutem

disso devido a sua localizaccedilatildeo na zona costeira central do municiacutepio desde os

anos 1980 o bairro de Matildee Luiza tambeacutem vem sofrendo uma forte pressatildeo

imobiliaacuteria

Sobre o processo de criaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo da AEIS cabe destacar

que aleacutem do seu desenvolvimento em paralelo ao do PDN1994 este tambeacutem

adiantou vaacuterios procedimentos de gestatildeo que soacute foram incorporados ao

sistema de planejamento do municiacutepio posteriormente tais como a iniciativa

popular e a motivaccedilatildeo da regulamentaccedilatildeo incluindo o processo participativo e

os objetivos socioambientais23 Segundo Ataiacutede ldquouma das motivaccedilotildees para a

elaboraccedilatildeo de um regramento urbanistico especiacutefico para a aacuterea teve origem

no movimento de resistecircncia da populaccedilatildeo agrave construccedilatildeo de um

empreendimento imobiliaacuterio para fins turisticos numa aacuterea de dunas ainda natildeo

ocupada fronteira a Via Costeira localizado ao lado do Farol de Matildee Luizardquo na

aacuterea atualmente delimitada como ZPA1024 O movimento envolveu diversos

22

O Plano de Desenvolvimento Urbaniacutestico (Plano Serete1968) nunca foi convertido em Lei

mas estabeleceu os fundamentos do Plano Diretor de 1984 (Lei 317584) Ele jaacute identificava a ocupaccedilatildeo nas dunas de Matildee Luiza como uma das grandes favelas de Natal Essa indicaccedilatildeo fundamentou a inclusatildeo do bairro no grupo das Zonas Especiais de Recuperaccedilatildeo Urbana (ZERU) no PDN1984 Em certa medida essas referecircncias denotam uma preocupaccedilatildeo com a precariedade urbaniacutestica e a vulnerabilidade social do lugar anterior ao contexto normativo da deacutecada de 1990 mesmo sem a efetivaccedilatildeo das accedilotildees sobre os assentamentos precaacuterios 23 Sobre esse processo ver especialmente os trabalhos de BENTES Dulce e TRINDADE

Maria Aparecida da S Fernandes 2008 Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159 disponiacutevel em

httpwwwrevistaunirninfbrrevistaunirnindexphprevistaunirnarticleviewFile154183 acesso em 15 de janeiro de 2015 As referecircncias tambeacutem foram discutidas por Ruth Ataiacutede em trabalho jaacute citado no presente artigo (Ataiacutede 2013) 24

O projeto de construccedilatildeo do Paradiso Mare Resort refletia o interesse do mercado

mobiliario num contexto do crescimento da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria da zona costeira Traduccedilatildeo direta de Ataiacutede 2013 jaacute referida

atores sociais com destaque para a participaccedilatildeo dos moradores da Igreja

Catoacutelica e do Departamento de Arquitetura da UFRN por meio das atividades

de extensatildeo de alguns dos seus alunos e professores25 Durante o processo de

discussatildeo se evidenciaram interesses conflitantes relativamente aos objetivos

da proteccedilatildeo socioambiental da aacuterea com destaque para o confronto entre os

moradores o movimento ambientalista e o setor imobiliaacuterio No que diz respeito

ao conteuacutedo da lei deve-se ressaltar que aleacutem de evidenciar a relaccedilatildeo entre

os paracircmetros urbaniacutesticos e as praacuteticas soacutecio espaciais ela adiciona os

princiacutepios socioambientais pois antecipa a discussatildeo sobre a proteccedilatildeo do

campo dunar do Farol de Mae Luiza o qual embora identificado como espaccedilo

protegido pelo PDN1994 ainda natildeo tinha sido delimitado No zoneamento da

AEIS essa aacuterea foi delimitada como Aacuterea de Conservaccedilatildeo (Figura 3)26

Figura 3 Zoneamento da AEIS de Matildee Luiza (destaque para a Aacuterea de Conservaccedilatildeo) e sua relaccedilatildeo com a ZPAs 2 e a ZPA10

Fonte Natal (1995) com base no DOM de 02081995 e FUNPECUFRNMPRN (2012)

adaptado pelos autores

25

ldquoA participaccedilatildeo da UFRN se deu por meio de estudos (1992) que fundamentaram a proposta

de regulamentaccedilatildeo sendo esta apropriada pela populaccedilatildeo do bairro resultando no texto final da Lei da AEISrdquo aprovada em 1995 (Ataide 2013) 26

Baseado nas caracteriacutesticas da ocupaccedilatildeo do lugar foi estabelecido um zoneamento que

dividiu o territoacuterio em trecircs subzonas duas menos restritivas (diferentes graus) e aplicada aos espaccedilos construiacutedos (AO1 - Aacuterea de Ocupaccedilatildeo e AOR2 Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restritiva) e uma aplicada agrave aacuterea de Dunas (AC - aacuterea de conservaccedilatildeo) que foi orientado para garantir a proteccedilatildeo da aacuterea

O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo

da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de

gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-

territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo

juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na

alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da

normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam

entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que

revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de

Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do

estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do

Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com

as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que

reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com

o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como

Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo

tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia

sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas

ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de

tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia

expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam

dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de

governo

Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com

a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade

da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave

resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do

municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo

das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da

ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o

conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno

com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque

Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e

proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade

Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se

apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo

sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das

situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da

favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das

dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo

PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem

contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo

gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas

ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e

com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo

ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias

institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do

movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus

interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza

Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da

favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no

processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam

pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas

remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco

tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na

proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os

objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos

estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de

Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto

conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos

territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees

nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)

Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

27

Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538

2 A AEIS da Vila de Ponta Negra

A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007

Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-

guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a

partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de

grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo

que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo

e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e

internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)

Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628

Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta

Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento

de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja

aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante

emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam

segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que

estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora

O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico

municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos

atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra

ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais

envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor

imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes

28

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento

urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123

das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo

cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007

no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses

representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os

princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso

desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A

ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -

batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e

que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29

Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do

resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos

A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser

encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do

direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute

uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas

precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do

Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar

da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea

Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8

(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda

natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de

gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade

Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao

papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local

da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam

numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de

pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens

culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao

conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com

uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e

29

Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30

De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no

mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo

apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria

pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees

acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos

adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos

com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como

AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas

principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se

opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua

regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de

fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou

negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo

de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida

natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com

moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser

submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios

fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores

da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com

ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo

Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta

Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa

numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta

Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06

que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei

municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem

estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do

Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea

ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e

estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do

31

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade

Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32

A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal

do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33

Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN

Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008

bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a

ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal

como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi

contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas

proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca

Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno

Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores

Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando

abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como

fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de

determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e

da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo

Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a

necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para

o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados

nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a

verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio

ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras

formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como

AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca

Praia de Ponta Negra

ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA

que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os

empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio

e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas

do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse

importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da

densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta

desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes

comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em

duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de

Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos

diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a

uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por

ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que

ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os

interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo

social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial

Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra

ZPA 06 - MORRO DO CARECA

ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)

BAIRRO PONTA NEGRA

ZONA DE AMORTECIMENTO

(ZA)

Praia de Ponta Negra

0m 50m 100m 200m

N

Morro do

Careca

01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca

03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento

06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca

05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca

04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo

Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth

VI Consideraccedilotildees Finais

Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves

relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos

protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto

devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm

estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994

tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas

estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees

especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo

apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)

No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor

imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo

de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de

acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades

especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia

de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de

expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se

realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal

por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao

novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse

novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o

desenvolvimento do trabalho

Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os

mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental

de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do

acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado

deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos

classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas

garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se

reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica

encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada

lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as

necessidades de morar na cidade

Referecircncias bibliograacuteficas

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TEIXEIRA R (2015) O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23

Page 17: Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ... · Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ambientais e a justiça espacial em Natal-Brasil Rubenilson Teixeira,

atores sociais com destaque para a participaccedilatildeo dos moradores da Igreja

Catoacutelica e do Departamento de Arquitetura da UFRN por meio das atividades

de extensatildeo de alguns dos seus alunos e professores25 Durante o processo de

discussatildeo se evidenciaram interesses conflitantes relativamente aos objetivos

da proteccedilatildeo socioambiental da aacuterea com destaque para o confronto entre os

moradores o movimento ambientalista e o setor imobiliaacuterio No que diz respeito

ao conteuacutedo da lei deve-se ressaltar que aleacutem de evidenciar a relaccedilatildeo entre

os paracircmetros urbaniacutesticos e as praacuteticas soacutecio espaciais ela adiciona os

princiacutepios socioambientais pois antecipa a discussatildeo sobre a proteccedilatildeo do

campo dunar do Farol de Mae Luiza o qual embora identificado como espaccedilo

protegido pelo PDN1994 ainda natildeo tinha sido delimitado No zoneamento da

AEIS essa aacuterea foi delimitada como Aacuterea de Conservaccedilatildeo (Figura 3)26

Figura 3 Zoneamento da AEIS de Matildee Luiza (destaque para a Aacuterea de Conservaccedilatildeo) e sua relaccedilatildeo com a ZPAs 2 e a ZPA10

Fonte Natal (1995) com base no DOM de 02081995 e FUNPECUFRNMPRN (2012)

adaptado pelos autores

25

ldquoA participaccedilatildeo da UFRN se deu por meio de estudos (1992) que fundamentaram a proposta

de regulamentaccedilatildeo sendo esta apropriada pela populaccedilatildeo do bairro resultando no texto final da Lei da AEISrdquo aprovada em 1995 (Ataide 2013) 26

Baseado nas caracteriacutesticas da ocupaccedilatildeo do lugar foi estabelecido um zoneamento que

dividiu o territoacuterio em trecircs subzonas duas menos restritivas (diferentes graus) e aplicada aos espaccedilos construiacutedos (AO1 - Aacuterea de Ocupaccedilatildeo e AOR2 Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restritiva) e uma aplicada agrave aacuterea de Dunas (AC - aacuterea de conservaccedilatildeo) que foi orientado para garantir a proteccedilatildeo da aacuterea

O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo

da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de

gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-

territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo

juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na

alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da

normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam

entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que

revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de

Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do

estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do

Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com

as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que

reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com

o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como

Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo

tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia

sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas

ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de

tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia

expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam

dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de

governo

Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com

a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade

da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave

resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do

municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo

das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da

ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o

conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno

com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque

Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e

proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade

Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se

apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo

sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das

situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da

favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das

dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo

PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem

contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo

gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas

ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e

com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo

ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias

institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do

movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus

interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza

Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da

favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no

processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam

pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas

remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco

tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na

proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os

objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos

estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de

Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto

conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos

territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees

nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)

Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

27

Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538

2 A AEIS da Vila de Ponta Negra

A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007

Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-

guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a

partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de

grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo

que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo

e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e

internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)

Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628

Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta

Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento

de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja

aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante

emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam

segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que

estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora

O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico

municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos

atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra

ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais

envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor

imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes

28

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento

urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123

das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo

cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007

no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses

representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os

princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso

desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A

ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -

batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e

que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29

Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do

resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos

A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser

encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do

direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute

uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas

precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do

Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar

da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea

Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8

(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda

natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de

gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade

Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao

papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local

da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam

numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de

pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens

culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao

conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com

uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e

29

Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30

De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no

mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo

apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria

pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees

acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos

adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos

com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como

AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas

principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se

opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua

regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de

fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou

negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo

de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida

natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com

moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser

submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios

fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores

da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com

ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo

Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta

Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa

numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta

Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06

que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei

municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem

estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do

Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea

ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e

estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do

31

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade

Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32

A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal

do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33

Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN

Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008

bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a

ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal

como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi

contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas

proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca

Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno

Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores

Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando

abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como

fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de

determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e

da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo

Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a

necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para

o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados

nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a

verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio

ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras

formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como

AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca

Praia de Ponta Negra

ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA

que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os

empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio

e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas

do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse

importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da

densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta

desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes

comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em

duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de

Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos

diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a

uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por

ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que

ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os

interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo

social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial

Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra

ZPA 06 - MORRO DO CARECA

ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)

BAIRRO PONTA NEGRA

ZONA DE AMORTECIMENTO

(ZA)

Praia de Ponta Negra

0m 50m 100m 200m

N

Morro do

Careca

01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca

03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento

06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca

05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca

04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo

Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth

VI Consideraccedilotildees Finais

Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves

relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos

protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto

devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm

estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994

tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas

estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees

especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo

apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)

No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor

imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo

de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de

acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades

especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia

de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de

expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se

realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal

por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao

novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse

novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o

desenvolvimento do trabalho

Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os

mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental

de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do

acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado

deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos

classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas

garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se

reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica

encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada

lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as

necessidades de morar na cidade

Referecircncias bibliograacuteficas

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TEIXEIRA R (2015) O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23

Page 18: Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ... · Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ambientais e a justiça espacial em Natal-Brasil Rubenilson Teixeira,

O ambiente de conflitos que emergiu com o processo de regulamentaccedilatildeo

da AEIS se mantem ateacute os dias atuais fato que se reflete nas dificuldades de

gestatildeo da aacuterea seja no acircmbito institucional seja no das relaccedilotildees fiacutesico-

territoriais e socioambientais No primeiro cabe salientar a ecircnfase na dimensatildeo

juriacutedica em grande parte das situaccedilotildees de conflitos que se expressa na

alegaccedilatildeo da irregularidade dos assentamentos informais no contexto da

normativa urbaniacutestica e ambiental Nesse sentido os conflitos se evidenciam

entre as esferas de governo nos limites e nas disputas de competecircncias que

revelam interesses distintos no processo de gestatildeo da cidade No bairro de

Matildee Luiza essas disputas satildes mais visiacuteveis entre o municiacutepio e o governo do

estado quando se trata das proposiccedilotildees para a Via Costeira e a gestatildeo do

Parque das Dunas cujas estrateacutegias de proteccedilatildeo nem sempre coincidem com

as do municiacutepio que se apoiam numa nova concepccedilatildeo de planejamento que

reconhece direitos e os interesses dos moradores Tratando-se da relaccedilatildeo com

o Parque das Dunas (limites sul e Oeste - Figura 4) a sua classificaccedilatildeo como

Unidade de Conservaccedilatildeo estadual que amplia as possibilidades de proteccedilatildeo

tambeacutem tem dificultado a accedilatildeo do municiacutepio quando retira a sua autonomia

sobre o controle da ocupaccedilatildeo do solo no seu interior ou nas suas franjas

ficando este sob a responsabilidade do oacutergatildeo gestor estadual apesar de

tambeacutem ser delimitada como ZPA2 Nesse contexto as demandas por moradia

expressas inclusive nas aacutereas de risco da favela Alto da Colina enfrentam

dificuldades adicionais que incluem a falta de diaacutelogo entre as duas esferas de

governo

Outra situaccedilatildeo de conflito tambeacutem se evidecircncia na relaccedilatildeo do bairro com

a fraccedilatildeo delimitada como ZPA10 principalmente pelas relaccedilotildees de titularidade

da propriedade Neste caso as situaccedilotildees de conflito dizem respeito agrave

resistecircncia da corporaccedilatildeo militar da Marinha do Brasil em aceitar o direito do

municiacutepio de atuar por meio da regulaccedilatildeo no controle da ocupaccedilatildeo do solo

das aacutereas que ocupa Tal oposiccedilatildeo se aplica principalmente agrave regulaccedilatildeo da

ZPA 10 em fase de discussatildeo puacuteblica e diz respeito agraves discordacircncias sobre o

conteuacutedo da proposta de regulamentaccedilatildeo que inclui o uso do farol e entorno

com atividades de lazer e cultura e a possibilidade de criaccedilatildeo de um Parque

Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e

proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade

Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se

apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo

sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das

situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da

favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das

dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo

PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem

contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo

gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas

ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e

com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo

ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias

institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do

movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus

interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza

Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da

favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no

processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam

pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas

remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco

tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na

proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os

objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos

estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de

Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto

conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos

territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees

nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)

Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

27

Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538

2 A AEIS da Vila de Ponta Negra

A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007

Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-

guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a

partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de

grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo

que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo

e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e

internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)

Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628

Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta

Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento

de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja

aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante

emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam

segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que

estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora

O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico

municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos

atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra

ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais

envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor

imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes

28

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento

urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123

das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo

cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007

no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses

representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os

princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso

desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A

ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -

batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e

que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29

Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do

resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos

A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser

encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do

direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute

uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas

precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do

Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar

da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea

Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8

(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda

natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de

gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade

Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao

papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local

da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam

numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de

pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens

culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao

conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com

uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e

29

Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30

De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no

mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo

apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria

pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees

acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos

adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos

com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como

AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas

principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se

opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua

regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de

fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou

negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo

de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida

natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com

moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser

submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios

fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores

da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com

ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo

Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta

Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa

numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta

Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06

que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei

municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem

estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do

Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea

ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e

estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do

31

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade

Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32

A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal

do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33

Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN

Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008

bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a

ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal

como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi

contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas

proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca

Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno

Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores

Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando

abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como

fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de

determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e

da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo

Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a

necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para

o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados

nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a

verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio

ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras

formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como

AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca

Praia de Ponta Negra

ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA

que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os

empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio

e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas

do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse

importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da

densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta

desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes

comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em

duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de

Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos

diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a

uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por

ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que

ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os

interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo

social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial

Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra

ZPA 06 - MORRO DO CARECA

ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)

BAIRRO PONTA NEGRA

ZONA DE AMORTECIMENTO

(ZA)

Praia de Ponta Negra

0m 50m 100m 200m

N

Morro do

Careca

01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca

03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento

06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca

05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca

04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo

Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth

VI Consideraccedilotildees Finais

Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves

relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos

protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto

devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm

estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994

tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas

estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees

especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo

apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)

No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor

imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo

de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de

acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades

especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia

de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de

expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se

realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal

por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao

novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse

novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o

desenvolvimento do trabalho

Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os

mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental

de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do

acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado

deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos

classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas

garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se

reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica

encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada

lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as

necessidades de morar na cidade

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SILVA A F C da (2003) Depois das fronteiras a formaccedilatildeo dos espaccedilos de pobreza na periferia Norte de Natal ndash RN Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Arquitetura e Urbanismo da UFRN Natal

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Page 19: Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ... · Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ambientais e a justiça espacial em Natal-Brasil Rubenilson Teixeira,

Natural como forma de melhor aproveitar o potencial cecircnico-paisagiacutestico e

proporcionar uma apropriaccedilatildeo da aacuterea pela populaccedilatildeo do bairro e da cidade

Com respeito agrave dimensatildeo territorial os conflitos em Matildee Luiza se

apresentam principalmente nas relaccedilotildees entre o avanccedilo da ocupaccedilatildeo do solo

sobre as aacutereas ambientalmente fraacutegeis ainda natildeo ocupadas De fato uma das

situaccedilotildees em destaque eacute a que se manifesta com o avanccedilo da ocupaccedilatildeo da

favela Alto Colina sobre o Parque da Dunas (Figura 4) Neste caso aleacutem das

dificuldades de gestatildeo e apesar das situaccedilotildees de risco identificadas pelo

PMRR a ausecircncia do controle do municiacutepio sobre essa ocupaccedilatildeo tambeacutem tem

contribuiacutedo para a ampliaccedilatildeo do conflito Por outro lado a atitude do oacutergatildeo

gestor do parque de natildeo reconhecer os direitos dos moradores sobre as aacutereas

ocupadas sugerindo a remoccedilatildeo sem diaacutelogos sistemaacuteticos com o municiacutepio e

com as populaccedilotildees atingidas realccedila a primazia do argumento da proteccedilatildeo

ambiental sobre as necessidades de moradia Apesar das resistecircncias

institucionais os moradores permanecem no local em razatildeo da forccedila do

movimento popular que tambeacutem tem se mantido vigilante na defesa dos seus

interesses e direitos desde a criaccedilatildeo da AEIS de Matildee Luiza

Figura 4 Conflitos nas franjas da ZPA 2 (Parque das Dunas) - Expansatildeo da

favela Alto da Colina em direccedilatildeo ao parque

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no

processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam

pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas

remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco

tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na

proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os

objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos

estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de

Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto

conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos

territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees

nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)

Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

27

Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538

2 A AEIS da Vila de Ponta Negra

A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007

Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-

guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a

partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de

grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo

que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo

e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e

internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)

Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628

Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta

Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento

de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja

aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante

emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam

segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que

estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora

O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico

municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos

atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra

ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais

envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor

imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes

28

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento

urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123

das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo

cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007

no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses

representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os

princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso

desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A

ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -

batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e

que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29

Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do

resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos

A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser

encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do

direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute

uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas

precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do

Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar

da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea

Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8

(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda

natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de

gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade

Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao

papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local

da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam

numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de

pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens

culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao

conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com

uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e

29

Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30

De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no

mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo

apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria

pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees

acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos

adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos

com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como

AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas

principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se

opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua

regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de

fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou

negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo

de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida

natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com

moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser

submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios

fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores

da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com

ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo

Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta

Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa

numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta

Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06

que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei

municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem

estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do

Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea

ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e

estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do

31

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade

Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32

A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal

do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33

Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN

Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008

bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a

ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal

como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi

contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas

proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca

Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno

Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores

Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando

abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como

fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de

determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e

da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo

Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a

necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para

o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados

nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a

verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio

ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras

formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como

AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca

Praia de Ponta Negra

ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA

que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os

empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio

e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas

do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse

importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da

densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta

desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes

comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em

duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de

Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos

diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a

uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por

ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que

ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os

interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo

social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial

Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra

ZPA 06 - MORRO DO CARECA

ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)

BAIRRO PONTA NEGRA

ZONA DE AMORTECIMENTO

(ZA)

Praia de Ponta Negra

0m 50m 100m 200m

N

Morro do

Careca

01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca

03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento

06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca

05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca

04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo

Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth

VI Consideraccedilotildees Finais

Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves

relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos

protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto

devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm

estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994

tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas

estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees

especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo

apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)

No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor

imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo

de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de

acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades

especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia

de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de

expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se

realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal

por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao

novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse

novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o

desenvolvimento do trabalho

Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os

mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental

de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do

acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado

deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos

classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas

garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se

reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica

encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada

lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as

necessidades de morar na cidade

Referecircncias bibliograacuteficas

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SOUZA I de (1980) Migraccedilotildees Internas no Brasil Vozes Rio de Janeiro

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TEIXEIRA R (2015) O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23

Page 20: Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ... · Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ambientais e a justiça espacial em Natal-Brasil Rubenilson Teixeira,

Outro conflito territorial que merece destaque eacute o que se revelou no

processo de discussatildeo da regulamentaccedilatildeo da ZPA10 Estes se caracterizam

pelos avanccedilos pontuais da favela do Barro Duro sobre as Dunas

remanescentes delimitadas como de preservaccedilatildeo e como aacuterea de risco

tambeacutem devido aos riscos de desmoronamento (Figura 5) Por outro lado na

proposta de regulamentaccedilatildeo desta ZPA o interesse social que fundamenta os

objetivos da AEIS foi reconhecido mantendo-se os paracircmetros urbaniacutesticos

estabelecidos para a Aacuterea de Ocupaccedilatildeo Restrita (AO) assim para a Aacuterea de

Conservaccedilatildeo (AC) ambos totalmente inseridos na ZPA Nesse contexto

conforme observa Ataiacutede27 observa-se um esforccedilo de superaccedilatildeo dos conflitos

territoriais atraveacutes da accedilatildeo normativa que dependeraacute da efetivaccedilatildeo de accedilotildees

nos dois campos o ambiental (ZPA) e o social (AEIS)

Figura 5 Conflitos nas franjas da ZPA 10 (Farol de Matildee Luiza) - Expansatildeo da favela Alto da Colina em direccedilatildeo agraves dunas

Fonte Ataiacutede 2013 adaptado pelos autores

27

Em obra jaacute citada Ataiacutede 2013 p 538

2 A AEIS da Vila de Ponta Negra

A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007

Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-

guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a

partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de

grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo

que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo

e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e

internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)

Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628

Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta

Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento

de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja

aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante

emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam

segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que

estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora

O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico

municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos

atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra

ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais

envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor

imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes

28

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento

urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123

das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo

cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007

no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses

representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os

princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso

desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A

ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -

batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e

que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29

Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do

resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos

A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser

encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do

direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute

uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas

precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do

Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar

da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea

Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8

(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda

natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de

gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade

Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao

papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local

da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam

numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de

pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens

culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao

conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com

uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e

29

Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30

De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no

mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo

apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria

pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees

acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos

adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos

com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como

AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas

principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se

opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua

regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de

fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou

negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo

de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida

natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com

moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser

submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios

fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores

da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com

ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo

Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta

Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa

numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta

Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06

que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei

municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem

estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do

Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea

ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e

estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do

31

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade

Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32

A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal

do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33

Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN

Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008

bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a

ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal

como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi

contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas

proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca

Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno

Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores

Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando

abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como

fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de

determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e

da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo

Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a

necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para

o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados

nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a

verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio

ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras

formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como

AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca

Praia de Ponta Negra

ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA

que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os

empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio

e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas

do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse

importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da

densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta

desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes

comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em

duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de

Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos

diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a

uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por

ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que

ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os

interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo

social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial

Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra

ZPA 06 - MORRO DO CARECA

ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)

BAIRRO PONTA NEGRA

ZONA DE AMORTECIMENTO

(ZA)

Praia de Ponta Negra

0m 50m 100m 200m

N

Morro do

Careca

01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca

03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento

06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca

05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca

04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo

Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth

VI Consideraccedilotildees Finais

Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves

relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos

protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto

devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm

estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994

tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas

estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees

especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo

apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)

No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor

imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo

de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de

acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades

especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia

de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de

expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se

realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal

por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao

novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse

novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o

desenvolvimento do trabalho

Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os

mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental

de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do

acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado

deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos

classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas

garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se

reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica

encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada

lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as

necessidades de morar na cidade

Referecircncias bibliograacuteficas

ACSELRAD H (org) (2001) A duraccedilatildeo das cidades sustentabilidade e risco nas poliacuteticas urbanas DPampA Rio de Janeiro ACSELRALD H e LEROY J P 1999 Novas premissas da sustentabilidade democraacutetica FASE Rio de Janeiro

ATAIacuteDE R (2013) Intereacutes ambiental frente a intereacutes social La gestioacuten de los conflictos socio-espaciales en los espacios naturales protegidos los retos de la regularizacioacuten urbaniacutestica de los asentamientos informales en Natal RN Brasil Tese de doutorado defendida na Universidade de Barcelona Espanha

BENTES D e TRINDADE Maria Aparecida da S F (2008) Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159

CLEMENTINO Maria do L M (1995) Economia e urbanizaccedilatildeo o Rio Grande do Norte nos Anos 70 UFRN CCHLA Natal p 162

FADEUFPE FUNPECUFRN SEPLANRN (2007) Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natal Natal Metroacutepole 2020 Diagnoacutestico para o Plano Estrateacutegico Relatoacuterio Temaacutetico da Dimensatildeo Fiacutesico-Territorial Produto 02 Natal

FERREIRA A L de A et al (2008) Uma Cidade Satilde e Bela a trajetoacuteria do Saneamento de Natal entre 1850 e 1969 IAB RN CREA RN Natal

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IPLANAT(1994) Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal Natal IPLANAT (mimeo)

NATAL Prefeitura Municipal (2007) Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal

SEMURBAQUATOLCONSULTORIA (2008) Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal

SILVA A F C da (2003) Depois das fronteiras a formaccedilatildeo dos espaccedilos de pobreza na periferia Norte de Natal ndash RN Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Arquitetura e Urbanismo da UFRN Natal

SOUZA I de (1980) Migraccedilotildees Internas no Brasil Vozes Rio de Janeiro

TEIXEIRA R B et al (2012) A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo (mimeo) Natal

TEIXEIRA R B MORAIS M C ANDRADE H de A (2009) Planejamento urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123

TEIXEIRA R (2015) O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23

Page 21: Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ... · Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ambientais e a justiça espacial em Natal-Brasil Rubenilson Teixeira,

2 A AEIS da Vila de Ponta Negra

A Vila de Ponta Negra eacute uma das novas AEIS instituiacutedas no PDN2007

Antiga comunidade pesqueira a vila sofreu paulatinamente desde o poacutes-

guerra o impacto da atividade de veraneio e posteriormente principalmente a

partir da deacutecada de 1980 da atividade turiacutestica tornando-se uma aacuterea de

grande interesse para o setor imobiliaacuterio As consequecircncias desse processo

que implicou na valorizaccedilatildeo e especulaccedilatildeo imobiliaacuteria no bairro como um todo

e especialmente na vila em razatildeo principalmente do turismo nacional e

internacional foram assim resumidas por Teixeira et al (2009)

Se as consequecircncias desse processo satildeo visiacuteveis em todo bairro inclusive nos estratos meacutedios e altos da populaccedilatildeo local ele eacute particularmente danoso para a populaccedilatildeo de baixo poder aquisitivo formada a partir da antiga vila de pescadores Embora seja necessaacuterio reconhecer alguns efeitos positivos dessas transformaccedilotildees para esse segmento da populaccedilatildeo o fato eacute que no geral ele eacute o mais vulneraacutevel agraves consequecircncias negativas desse processo valorizaccedilatildeo do solo urbano e consequente expulsatildeo da populaccedilatildeo de menor renda formaccedilatildeo de um novo padratildeo de ocupaccedilatildeo com tipologias de meacutedio e alto padratildeo () e finalmente o agravamento do impacto ambiental e paisagiacutestico numa aacuterea que natildeo somente tem valor cecircnico-paisagiacutestico e se constitui num importante cartatildeo postal da cidade mas tambeacutem estaacute localizada nos limites da Zona de Preservaccedilatildeo Ambiental 06 ndash ZPA 0628

Natildeo eacute agrave toa portanto que o PDN2007 que instituiu AEIS de Ponta

Negra a classifica na categoria das que sofrem a influecircncia de empreendimento

de impacto socioeconocircmico cultural e paisagiacutestico A AEIS em apreccedilo cuja

aacuterea abarca grosso modo a Vila de Ponta Negra se torna assim bastante

emblemaacutetica dos conflitos socioambientais na cidade do Natal que se revelam

segundo alguns aspectos importantes dentre os quais destacamos trecircs que

estatildeo correlacionados e que passamos a explorar a partir de agora

O primeiro diz respeito agrave dimensatildeo institucional isto eacute do poder puacuteblico

municipal na elaboraccedilatildeo das leis bem como na participaccedilatildeo dos diversos

atores sociais nesse processo A inserccedilatildeo da AEIS da Vila de Ponta Negra

ocorreu em meio a profundos conflitos mediados pelo poder puacuteblico os quais

envolveram interesses sociais frequentemente contraditoacuterios entre o setor

imobiliaacuterio e setores sociais os mais diversos dentre os quais representantes

28

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina SILVA Heitor de A 2009 Planejamento

urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123

das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo

cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007

no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses

representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os

princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso

desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A

ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -

batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e

que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29

Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do

resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos

A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser

encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do

direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute

uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas

precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do

Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar

da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea

Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8

(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda

natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de

gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade

Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao

papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local

da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam

numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de

pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens

culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao

conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com

uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e

29

Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30

De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no

mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo

apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria

pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees

acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos

adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos

com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como

AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas

principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se

opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua

regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de

fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou

negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo

de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida

natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com

moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser

submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios

fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores

da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com

ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo

Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta

Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa

numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta

Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06

que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei

municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem

estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do

Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea

ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e

estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do

31

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade

Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32

A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal

do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33

Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN

Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008

bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a

ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal

como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi

contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas

proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca

Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno

Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores

Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando

abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como

fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de

determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e

da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo

Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a

necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para

o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados

nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a

verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio

ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras

formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como

AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca

Praia de Ponta Negra

ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA

que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os

empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio

e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas

do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse

importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da

densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta

desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes

comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em

duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de

Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos

diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a

uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por

ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que

ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os

interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo

social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial

Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra

ZPA 06 - MORRO DO CARECA

ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)

BAIRRO PONTA NEGRA

ZONA DE AMORTECIMENTO

(ZA)

Praia de Ponta Negra

0m 50m 100m 200m

N

Morro do

Careca

01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca

03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento

06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca

05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca

04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo

Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth

VI Consideraccedilotildees Finais

Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves

relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos

protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto

devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm

estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994

tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas

estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees

especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo

apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)

No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor

imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo

de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de

acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades

especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia

de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de

expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se

realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal

por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao

novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse

novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o

desenvolvimento do trabalho

Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os

mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental

de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do

acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado

deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos

classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas

garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se

reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica

encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada

lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as

necessidades de morar na cidade

Referecircncias bibliograacuteficas

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IPLANAT(1994) Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal Natal IPLANAT (mimeo)

NATAL Prefeitura Municipal (2007) Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal

SEMURBAQUATOLCONSULTORIA (2008) Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal

SILVA A F C da (2003) Depois das fronteiras a formaccedilatildeo dos espaccedilos de pobreza na periferia Norte de Natal ndash RN Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Arquitetura e Urbanismo da UFRN Natal

SOUZA I de (1980) Migraccedilotildees Internas no Brasil Vozes Rio de Janeiro

TEIXEIRA R B et al (2012) A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo (mimeo) Natal

TEIXEIRA R B MORAIS M C ANDRADE H de A (2009) Planejamento urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123

TEIXEIRA R (2015) O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23

Page 22: Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ... · Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ambientais e a justiça espacial em Natal-Brasil Rubenilson Teixeira,

das camadas populares O conflito de interesses se evidenciou de modo

cristalino na fase final do processo de revisatildeo durante a votaccedilatildeo do PDN2007

no Legislativo Municipal Na defesa dos seus proacuteprios interesses

representantes do setor imobiliaacuterio atuaram no sentido de desfigurar os

princiacutepios estabelecidos no processo de participaccedilatildeo que estava em curso

desde 2004 quando se iniciaram as discussotildees com vistas a essa revisatildeo A

ingerecircncia foi tal que foi instaurado posteriormente um inqueacuterito policial -

batizado de ldquoOperaccedilatildeo Impactordquo - contra integrantes da Cacircmara Municipal e

que confirmaria a existecircncia de fraude na votaccedilatildeo do Plano Diretor29

Aprovado em 2007 o PDN pode ser visto portanto como a expressatildeo do

resultado do conflito de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos

A delimitaccedilatildeo de novas aacutereas da cidade como AEIS por exemplo pode ser

encarada na perspectiva dos setores populares como um avanccedilo na busca do

direito agrave cidade e da justiccedila espacial Contudo se a definiccedilatildeo de novas AEIS eacute

uma condiccedilatildeo necessaacuteria nessa direccedilatildeo ela natildeo eacute suficiente pois essas aacutereas

precisam de regulamentaccedilatildeo para que possam ser efetivadas Ora o sect3deg do

Art 111 do PDN2007 estabeleceu que no prazo de 6 (seis) meses ldquoa contar

da data da publicaccedilatildeo desta Lei deveraacute o Poder Puacuteblico regulamentar a Aacuterea

Especial de Interesse Social ndash AEIS da Vila de Ponta Negrardquo Decorridos 8

(oito) anos desde que o PDN2007 foi aprovado essa regulamentaccedilatildeo ainda

natildeo ocorreu o que evidencia os limites institucionais e de seus instrumentos de

gestatildeo no enfrentamento das questotildees socioambientais da cidade

Um segundo aspecto do problema estaacute presente no anterior referente ao

papel do gestor mas ganha novos contornos por se manifestar no niacutevel local

da proacutepria vila As transformaccedilotildees pelas quais a AEIS vem passando resultam

numa maior heterogeneidade socioeconocircmica da aacuterea com a chegada de

pessoas com niacuteveis socioeconocircmicos diferenciados de diversas origens

culturais inclusive de outros paiacuteses e com maior grau de exigecircncia quanto ao

conforto e agrave qualidade de vida Ao lado das inuacutemeras vilas30 ali situadas com

uma configuraccedilatildeo tipoloacutegica de habitaccedilotildees precaacuterias encontram-se casas e

29

Operaccedilatildeo desencadeada pelo Ministeacuterio Puacuteblico ainda em fase de julgamento 30

De acordo com o Art 6deg XLV do PDN2007 vila eacute o ldquoconjunto de casas contiacuteguas no

mesmo lote destinadas predominantemente a habitaccedilotildees de aluguel com algum niacutevel de precariedades urbaniacutesticas e ambientais caracterizadas pela implantaccedilatildeo encravada no interior dos quarteirotildees ou no fundo de quintaisrdquo

apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria

pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees

acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos

adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos

com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como

AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas

principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se

opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua

regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de

fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou

negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo

de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida

natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com

moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser

submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios

fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores

da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com

ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo

Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta

Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa

numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta

Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06

que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei

municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem

estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do

Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea

ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e

estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do

31

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade

Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32

A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal

do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33

Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN

Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008

bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a

ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal

como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi

contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas

proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca

Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno

Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores

Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando

abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como

fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de

determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e

da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo

Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a

necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para

o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados

nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a

verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio

ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras

formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como

AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca

Praia de Ponta Negra

ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA

que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os

empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio

e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas

do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse

importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da

densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta

desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes

comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em

duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de

Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos

diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a

uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por

ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que

ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os

interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo

social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial

Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra

ZPA 06 - MORRO DO CARECA

ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)

BAIRRO PONTA NEGRA

ZONA DE AMORTECIMENTO

(ZA)

Praia de Ponta Negra

0m 50m 100m 200m

N

Morro do

Careca

01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca

03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento

06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca

05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca

04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo

Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth

VI Consideraccedilotildees Finais

Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves

relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos

protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto

devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm

estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994

tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas

estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees

especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo

apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)

No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor

imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo

de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de

acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades

especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia

de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de

expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se

realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal

por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao

novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse

novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o

desenvolvimento do trabalho

Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os

mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental

de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do

acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado

deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos

classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas

garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se

reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica

encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada

lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as

necessidades de morar na cidade

Referecircncias bibliograacuteficas

ACSELRAD H (org) (2001) A duraccedilatildeo das cidades sustentabilidade e risco nas poliacuteticas urbanas DPampA Rio de Janeiro ACSELRALD H e LEROY J P 1999 Novas premissas da sustentabilidade democraacutetica FASE Rio de Janeiro

ATAIacuteDE R (2013) Intereacutes ambiental frente a intereacutes social La gestioacuten de los conflictos socio-espaciales en los espacios naturales protegidos los retos de la regularizacioacuten urbaniacutestica de los asentamientos informales en Natal RN Brasil Tese de doutorado defendida na Universidade de Barcelona Espanha

BENTES D e TRINDADE Maria Aparecida da S F (2008) Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159

CLEMENTINO Maria do L M (1995) Economia e urbanizaccedilatildeo o Rio Grande do Norte nos Anos 70 UFRN CCHLA Natal p 162

FADEUFPE FUNPECUFRN SEPLANRN (2007) Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natal Natal Metroacutepole 2020 Diagnoacutestico para o Plano Estrateacutegico Relatoacuterio Temaacutetico da Dimensatildeo Fiacutesico-Territorial Produto 02 Natal

FERREIRA A L de A et al (2008) Uma Cidade Satilde e Bela a trajetoacuteria do Saneamento de Natal entre 1850 e 1969 IAB RN CREA RN Natal

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE (1988) Anuaacuterio Estatiacutestico do Brasil1987-1988 Vol48 IBGE Rio de Janeiro

IPLANAT(1994) Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal Natal IPLANAT (mimeo)

NATAL Prefeitura Municipal (2007) Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal

SEMURBAQUATOLCONSULTORIA (2008) Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal

SILVA A F C da (2003) Depois das fronteiras a formaccedilatildeo dos espaccedilos de pobreza na periferia Norte de Natal ndash RN Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Arquitetura e Urbanismo da UFRN Natal

SOUZA I de (1980) Migraccedilotildees Internas no Brasil Vozes Rio de Janeiro

TEIXEIRA R B et al (2012) A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo (mimeo) Natal

TEIXEIRA R B MORAIS M C ANDRADE H de A (2009) Planejamento urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123

TEIXEIRA R (2015) O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23

Page 23: Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ... · Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ambientais e a justiça espacial em Natal-Brasil Rubenilson Teixeira,

apartamentos de meacutedio e alto padratildeo ao lado de terrenos em sua maioria

pequenos em meacutedia de 200 msup2 encontram-se terrenos de grandes dimensotildees

acima de 1000 msup2 e ateacute de 5000 msup2 verdadeiros latifuacutendios urbanos

adquiridos muito antes de aacuterea se tornar AEIS e provavelmente adquiridos

com vistas agrave especulaccedilatildeo Nesse sentido a regulamentaccedilatildeo dessa aacuterea como

AEIS se torna muito mais complexa natildeo soacute pela transformaccedilatildeo em curso mas

principalmente em razatildeo dos proprietaacuterios de grandes lotes ali situados que se

opotildeem ferozmente natildeo somente agrave existecircncia da AEIS mas tambeacutem a sua

regulamentaccedilatildeo pois veem nesse instrumento legal um obstaacuteculo como de

fato eacute a uma maior margem de lucro que eles poderiam auferir com a venda ou

negociaccedilatildeo desses terrenos para o mercado imobiliaacuterio Durante a elaboraccedilatildeo

de uma proposta de regulamentaccedilatildeo da AEIS de Ponta Negra empreendida

natildeo pelo poder puacuteblico mas por professores da UFRN em discussatildeo com

moradores e militantes sociais e que resultou numa minuta de lei ainda a ser

submetida ao Legislativo Municipal de Natal31 os proprietaacuterios fundiaacuterios

fizeram campanhas locais tentando desqualificar a AEIS junto aos moradores

da vila aleacutem de se manifestar agraves vezes com veemecircncia e ateacute mesmo com

ameaccedilas contra os que elaboravam a proposta de regulamentaccedilatildeo

Um terceiro aspecto natildeo menos importante envolvendo a AEIS de Ponta

Negra diz respeito agrave dimensatildeo ambiental Como mencionado ela se situa

numa aacuterea de grande valor cecircnico-paisagiacutestico que inclui a praia de Ponta

Negra - a mais famosa de Natal ndash e a Zona de Proteccedilatildeo Ambiental (ZPA) 06

que engloba o Morro do Careca cartatildeo postal da cidade tombado por lei

municipal32 (Figura 6 e 7) Em acircmbito estadual o Morro do Careca tambeacutem

estaacute inserido na proposta de criaccedilatildeo da Unidade de Conservaccedilatildeo Morro do

Careca elaborada pelo IDEMA33 Trata-se portanto de uma aacuterea

ambientalmente fraacutegil reconhecida pelo poder puacuteblico em acircmbito municipal e

estadual Mais importante ainda o valor ambiental e cecircnico-paisagiacutestico do

31

TEIXEIRA Rubenilson B MORAIS Maria Cristina de Morais SILVA Heitor de Andrade

Silva COELHO Ana Juacutelia Oliveira Santos Freire 2012 A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo [mimeo] Natal 32

A proposta de tombamento do Morro do Careca feita inicialmente pela Secretaria Municipal

do Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) foi encaminhada agrave FUNCARTE ndash Fundaccedilatildeo Capitania das Artes que apoacutes apreciaccedilatildeo favoraacutevel submeteu o assunto ao Conselho Municipal de Cultura que tornou finalmente a proposta em lei em marccedilo de 2008 33

Rio Grande do Norte IDEMA Unidade de Conservaccedilatildeo Estadual Morro do Careca ndash RN

Relatoacuterio teacutecnico Programa Estadual de Unidades de Conservaccedilatildeo Natal setembro de 2008

bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a

ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal

como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi

contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas

proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca

Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno

Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores

Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando

abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como

fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de

determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e

da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo

Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a

necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para

o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados

nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a

verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio

ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras

formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como

AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca

Praia de Ponta Negra

ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA

que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os

empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio

e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas

do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse

importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da

densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta

desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes

comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em

duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de

Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos

diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a

uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por

ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que

ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os

interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo

social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial

Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra

ZPA 06 - MORRO DO CARECA

ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)

BAIRRO PONTA NEGRA

ZONA DE AMORTECIMENTO

(ZA)

Praia de Ponta Negra

0m 50m 100m 200m

N

Morro do

Careca

01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca

03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento

06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca

05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca

04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo

Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth

VI Consideraccedilotildees Finais

Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves

relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos

protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto

devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm

estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994

tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas

estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees

especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo

apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)

No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor

imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo

de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de

acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades

especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia

de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de

expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se

realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal

por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao

novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse

novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o

desenvolvimento do trabalho

Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os

mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental

de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do

acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado

deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos

classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas

garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se

reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica

encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada

lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as

necessidades de morar na cidade

Referecircncias bibliograacuteficas

ACSELRAD H (org) (2001) A duraccedilatildeo das cidades sustentabilidade e risco nas poliacuteticas urbanas DPampA Rio de Janeiro ACSELRALD H e LEROY J P 1999 Novas premissas da sustentabilidade democraacutetica FASE Rio de Janeiro

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SEMURBAQUATOLCONSULTORIA (2008) Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal

SILVA A F C da (2003) Depois das fronteiras a formaccedilatildeo dos espaccedilos de pobreza na periferia Norte de Natal ndash RN Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Arquitetura e Urbanismo da UFRN Natal

SOUZA I de (1980) Migraccedilotildees Internas no Brasil Vozes Rio de Janeiro

TEIXEIRA R B et al (2012) A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo (mimeo) Natal

TEIXEIRA R B MORAIS M C ANDRADE H de A (2009) Planejamento urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123

TEIXEIRA R (2015) O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23

Page 24: Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ... · Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ambientais e a justiça espacial em Natal-Brasil Rubenilson Teixeira,

bairro de Ponta Negra e indiretamente da vila de Ponta Negra limiacutetrofe com a

ZPA 06 eacute reconhecido sobretudo por grande parte da populaccedilatildeo de Natal

como demonstrou o movimento SOS Ponta Negra ndash ocorrido em 2010 e que foi

contraacuterio agrave construccedilatildeo de edifiacutecios verticais no entorno da vila e nas

proximidades da ZPA 06 ndash Morro do Careca

Figura 6 A AEIS da Vila de Ponta Negra e seu entorno

Fonte Ronaldo Diniz sd adaptada pelos autores

Numa visatildeo profundamente tecnocrata a preservaccedilatildeo ambiental quando

abordada de maneira dissociada do social eacute frequentemente citada como

fundamento que justifica a retirada de populaccedilotildees de baixa renda de

determinadas aacutereas em razatildeo da importacircncia ou fragilidade ambiental destas e

da percepccedilatildeo de que essas comunidades satildeo uma ameaccedila agrave sua preservaccedilatildeo

Na AEIS de Ponta Negra contudo ocorre precisamente o inverso Aqui a

necessidade de preservaccedilatildeo ambiental e do direito agrave paisagem concorrem para

o reforccedilo da AEIS pois os paracircmetros urbaniacutesticos normalmente adotados

nessas aacutereas tendem a inibir o aumento da densidade construtiva freiando a

verticalizaccedilatildeo dessas aacutereas com suas diversas consequecircncias para o meio

ambiente Aleacutem do mais ocupaccedilotildees informais ou irregulares (vilas e outras

formas de ocupaccedilatildeo) situadas na Vila de Ponta Negra natildeo representam como

AEIS da Vila de Ponta Negra ZPA 06 ndash Morro do Careca

Praia de Ponta Negra

ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA

que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os

empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio

e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas

do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse

importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da

densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta

desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes

comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em

duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de

Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos

diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a

uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por

ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que

ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os

interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo

social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial

Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra

ZPA 06 - MORRO DO CARECA

ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)

BAIRRO PONTA NEGRA

ZONA DE AMORTECIMENTO

(ZA)

Praia de Ponta Negra

0m 50m 100m 200m

N

Morro do

Careca

01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca

03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento

06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca

05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca

04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo

Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth

VI Consideraccedilotildees Finais

Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves

relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos

protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto

devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm

estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994

tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas

estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees

especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo

apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)

No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor

imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo

de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de

acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades

especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia

de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de

expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se

realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal

por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao

novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse

novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o

desenvolvimento do trabalho

Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os

mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental

de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do

acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado

deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos

classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas

garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se

reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica

encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada

lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as

necessidades de morar na cidade

Referecircncias bibliograacuteficas

ACSELRAD H (org) (2001) A duraccedilatildeo das cidades sustentabilidade e risco nas poliacuteticas urbanas DPampA Rio de Janeiro ACSELRALD H e LEROY J P 1999 Novas premissas da sustentabilidade democraacutetica FASE Rio de Janeiro

ATAIacuteDE R (2013) Intereacutes ambiental frente a intereacutes social La gestioacuten de los conflictos socio-espaciales en los espacios naturales protegidos los retos de la regularizacioacuten urbaniacutestica de los asentamientos informales en Natal RN Brasil Tese de doutorado defendida na Universidade de Barcelona Espanha

BENTES D e TRINDADE Maria Aparecida da S F (2008) Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159

CLEMENTINO Maria do L M (1995) Economia e urbanizaccedilatildeo o Rio Grande do Norte nos Anos 70 UFRN CCHLA Natal p 162

FADEUFPE FUNPECUFRN SEPLANRN (2007) Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natal Natal Metroacutepole 2020 Diagnoacutestico para o Plano Estrateacutegico Relatoacuterio Temaacutetico da Dimensatildeo Fiacutesico-Territorial Produto 02 Natal

FERREIRA A L de A et al (2008) Uma Cidade Satilde e Bela a trajetoacuteria do Saneamento de Natal entre 1850 e 1969 IAB RN CREA RN Natal

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE (1988) Anuaacuterio Estatiacutestico do Brasil1987-1988 Vol48 IBGE Rio de Janeiro

IPLANAT(1994) Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal Natal IPLANAT (mimeo)

NATAL Prefeitura Municipal (2007) Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal

SEMURBAQUATOLCONSULTORIA (2008) Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal

SILVA A F C da (2003) Depois das fronteiras a formaccedilatildeo dos espaccedilos de pobreza na periferia Norte de Natal ndash RN Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Arquitetura e Urbanismo da UFRN Natal

SOUZA I de (1980) Migraccedilotildees Internas no Brasil Vozes Rio de Janeiro

TEIXEIRA R B et al (2012) A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo (mimeo) Natal

TEIXEIRA R B MORAIS M C ANDRADE H de A (2009) Planejamento urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123

TEIXEIRA R (2015) O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23

Page 25: Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ... · Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ambientais e a justiça espacial em Natal-Brasil Rubenilson Teixeira,

ocorreu e ocorre por exemplo em Matildee Luiza uma ameaccedila real para a ZPA

que lhe eacute limiacutetrofe no caso de Ponta Negra a ZPA 06 Pelo contraacuterio satildeo os

empreendimentos privados ndash pousadas hoteacuteis e casas de moradores de meacutedio

e alto poder aquisitivo ndash que se aproximam de forma ameaccediladora das franjas

do Morro do Careca comprometendo a paisagem e a preservaccedilatildeo desse

importante cartatildeo postal de Natal Foi aliaacutes no intuito inibir o aumento da

densidade construtiva no entorno do Morro do Careca que a proposta

desenvolvida por professores da UFRN em discussatildeo com representantes

comunitaacuterios do bairro e da qual fizemos menccedilatildeo anteriormente dividiu em

duas Zonas a aacuterea delimitada pelo PDN2004 para a AEIS Satildeo elas a de

Ocupaccedilatildeo e a de Amortecimento (Figura 7) Para ambas foram propostos

diversos paracircmetros urbaniacutesticos de uso e ocupaccedilatildeo do solo sendo que para a

uacuteltima como o proacuteprio nome indica esses paracircmetros satildeo mais restritivos por

ela se situar nos limites da ZPA 06 ndash Morro do Careca Enfim os conflitos que

ocorrem na Vila de Ponta Negra revelam os limites da gestatildeo puacuteblica os

interesses contraditoacuterios dos atores envolvidos e a relaccedilatildeo que a questatildeo

social manteacutem com a ambiental na busca pela justiccedila espacial

Figura 7 Proposta de zoneamento da AEIS da Vila de Ponta Negra

ZPA 06 - MORRO DO CARECA

ZONA DE OCUPACcedilAtildeO (ZO)

BAIRRO PONTA NEGRA

ZONA DE AMORTECIMENTO

(ZA)

Praia de Ponta Negra

0m 50m 100m 200m

N

Morro do

Careca

01 A verticalizaccedilatildeo no entorno da AEIS02 Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca

03 Limites da AEIS e proposta de zoneamento

06 Casas e empreendimentos de meacutedio e alto padratildeo proacuteximo ao Morro do Careca

05 Casas de baixo padratildeo proacuteximo a condomiacutenio de alto padratildeo no entorno da AEISMorro do Careca

04 Ruas estreitas e casas de baixo padratildeo

Fontes Mapa Teixeira et al 2012 modificada pelos autores Fotografias Foto 01 dos autores Foto 02 (acessado em 07052012) httpwwwdrchinaterapiascomuploads524052403391760465jpg Fotos 04-06 Google Earth

VI Consideraccedilotildees Finais

Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves

relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos

protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto

devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm

estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994

tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas

estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees

especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo

apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)

No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor

imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo

de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de

acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades

especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia

de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de

expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se

realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal

por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao

novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse

novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o

desenvolvimento do trabalho

Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os

mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental

de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do

acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado

deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos

classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas

garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se

reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica

encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada

lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as

necessidades de morar na cidade

Referecircncias bibliograacuteficas

ACSELRAD H (org) (2001) A duraccedilatildeo das cidades sustentabilidade e risco nas poliacuteticas urbanas DPampA Rio de Janeiro ACSELRALD H e LEROY J P 1999 Novas premissas da sustentabilidade democraacutetica FASE Rio de Janeiro

ATAIacuteDE R (2013) Intereacutes ambiental frente a intereacutes social La gestioacuten de los conflictos socio-espaciales en los espacios naturales protegidos los retos de la regularizacioacuten urbaniacutestica de los asentamientos informales en Natal RN Brasil Tese de doutorado defendida na Universidade de Barcelona Espanha

BENTES D e TRINDADE Maria Aparecida da S F (2008) Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159

CLEMENTINO Maria do L M (1995) Economia e urbanizaccedilatildeo o Rio Grande do Norte nos Anos 70 UFRN CCHLA Natal p 162

FADEUFPE FUNPECUFRN SEPLANRN (2007) Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natal Natal Metroacutepole 2020 Diagnoacutestico para o Plano Estrateacutegico Relatoacuterio Temaacutetico da Dimensatildeo Fiacutesico-Territorial Produto 02 Natal

FERREIRA A L de A et al (2008) Uma Cidade Satilde e Bela a trajetoacuteria do Saneamento de Natal entre 1850 e 1969 IAB RN CREA RN Natal

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE (1988) Anuaacuterio Estatiacutestico do Brasil1987-1988 Vol48 IBGE Rio de Janeiro

IPLANAT(1994) Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal Natal IPLANAT (mimeo)

NATAL Prefeitura Municipal (2007) Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal

SEMURBAQUATOLCONSULTORIA (2008) Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal

SILVA A F C da (2003) Depois das fronteiras a formaccedilatildeo dos espaccedilos de pobreza na periferia Norte de Natal ndash RN Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Arquitetura e Urbanismo da UFRN Natal

SOUZA I de (1980) Migraccedilotildees Internas no Brasil Vozes Rio de Janeiro

TEIXEIRA R B et al (2012) A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo (mimeo) Natal

TEIXEIRA R B MORAIS M C ANDRADE H de A (2009) Planejamento urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123

TEIXEIRA R (2015) O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23

Page 26: Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ... · Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ambientais e a justiça espacial em Natal-Brasil Rubenilson Teixeira,

VI Consideraccedilotildees Finais

Cabe destacar que os conflitos aqui evidenciados natildeo se limitam agraves

relaccedilotildees entre os assentamentos informais ou precaacuterios e os espaccedilos

protegidos delimitados como ZPAs presentes nas aacutereas estudadas Entretanto

devido agrave localizaccedilatildeo destas no litoral proacuteximas agrave franja mariacutetima elas tecircm

estado submetidas a permanente pressatildeo imobiliaacuteria que desde o PDN1994

tem se recusado a aceitar o instrumento AEIS devido agraves restriccedilotildees urbaniacutesticas

estabelecidas para regular agrave ocupaccedilatildeo do solo seja pelas prescriccedilotildees

especiacuteficas das que estatildeo regulamentadas (Matildee Luiza) e das que estatildeo

apenas indicadas eou delimitadas (Vila de Ponta Negra)

No caso da ZPAs as reaccedilotildees estatildeo associadas agrave persistecircncia do setor

imobiliaacuterio em natildeo reconhecer as fragilidades do sitio fiacutesico (dunas e vegetaccedilatildeo

de mata atlacircntica) dessas aacutereas que de acordo com a legislaccedilatildeo inclusive de

acircmbito federal natildeo podem abrigar a instalaccedilatildeo de determinadas atividades

especialmente residencial e turiacutestica assim como a necessidade da estrateacutegia

de proteccedilatildeo das fraccedilotildees que natildeo foram ocupadas pelo processo histoacuterico de

expansatildeo territorial do municiacutepio Por outro lado tal processo tambeacutem se

realizou por meio de uma ocupaccedilatildeo do solo dessas aacutereas formal ou informal

por populaccedilotildees que muitas vezes por necessidade social tambeacutem resistem ao

novo contexto Essa forma de ocupaccedilatildeo tambeacutem carece de regulaccedilatildeo nesse

novo desenho de gestatildeo da cidade conforme explicitamos durante o

desenvolvimento do trabalho

Isso posto resta a reflexatildeo sobre o que fazer para consolidar os

mecanismos de mediaccedilatildeo previstos no desenho da poliacutetica urbana e ambiental

de modo a assegurar a realizaccedilatildeo da justiccedila espacial e a democratizaccedilatildeo do

acesso agrave terra urbana fundamentada na noccedilatildeo socioambiental O Estado

deveria no miacutenimo promover os processos de regulamentaccedilatildeo dos espaccedilos

classificados como ldquoAacutereas Especiaisrdquo nas categorias aqui discutidas

garantindo agraves populaccedilotildees e aos setores produtivos a oportunidade de se

reconhecerem e com isso consolidando o princiacutepio da gestatildeo democraacutetica

encontrarem as soluccedilotildees para os conflitos que seratildeo especificas em cada

lugar observadas as caracteriacutesticas dos processos de ocupaccedilatildeo e as

necessidades de morar na cidade

Referecircncias bibliograacuteficas

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BENTES D e TRINDADE Maria Aparecida da S F (2008) Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159

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FERREIRA A L de A et al (2008) Uma Cidade Satilde e Bela a trajetoacuteria do Saneamento de Natal entre 1850 e 1969 IAB RN CREA RN Natal

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE (1988) Anuaacuterio Estatiacutestico do Brasil1987-1988 Vol48 IBGE Rio de Janeiro

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NATAL Prefeitura Municipal (2007) Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal

SEMURBAQUATOLCONSULTORIA (2008) Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal

SILVA A F C da (2003) Depois das fronteiras a formaccedilatildeo dos espaccedilos de pobreza na periferia Norte de Natal ndash RN Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Arquitetura e Urbanismo da UFRN Natal

SOUZA I de (1980) Migraccedilotildees Internas no Brasil Vozes Rio de Janeiro

TEIXEIRA R B et al (2012) A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo (mimeo) Natal

TEIXEIRA R B MORAIS M C ANDRADE H de A (2009) Planejamento urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123

TEIXEIRA R (2015) O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23

Page 27: Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ... · Uma cidade em conflito: questões socioespaciais e ambientais e a justiça espacial em Natal-Brasil Rubenilson Teixeira,

Referecircncias bibliograacuteficas

ACSELRAD H (org) (2001) A duraccedilatildeo das cidades sustentabilidade e risco nas poliacuteticas urbanas DPampA Rio de Janeiro ACSELRALD H e LEROY J P 1999 Novas premissas da sustentabilidade democraacutetica FASE Rio de Janeiro

ATAIacuteDE R (2013) Intereacutes ambiental frente a intereacutes social La gestioacuten de los conflictos socio-espaciales en los espacios naturales protegidos los retos de la regularizacioacuten urbaniacutestica de los asentamientos informales en Natal RN Brasil Tese de doutorado defendida na Universidade de Barcelona Espanha

BENTES D e TRINDADE Maria Aparecida da S F (2008) Zonas Especiais de Interesse Social ndash ZEIS ndash e grandes empreendimentos resistecircncia de territoacuterios populares e elementos para inclusatildeo soacutecio-territorial no litoral potiguar In Revista da FARN Natal v7 n 2 p 143-159

CLEMENTINO Maria do L M (1995) Economia e urbanizaccedilatildeo o Rio Grande do Norte nos Anos 70 UFRN CCHLA Natal p 162

FADEUFPE FUNPECUFRN SEPLANRN (2007) Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento Sustentaacutevel para Regiatildeo Metropolitana de Natal Natal Metroacutepole 2020 Diagnoacutestico para o Plano Estrateacutegico Relatoacuterio Temaacutetico da Dimensatildeo Fiacutesico-Territorial Produto 02 Natal

FERREIRA A L de A et al (2008) Uma Cidade Satilde e Bela a trajetoacuteria do Saneamento de Natal entre 1850 e 1969 IAB RN CREA RN Natal

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE (1988) Anuaacuterio Estatiacutestico do Brasil1987-1988 Vol48 IBGE Rio de Janeiro

IPLANAT(1994) Habitaccedilatildeo Popular em Natal Plano de Accedilatildeo 1993-1996 referecircncias para a implantaccedilatildeo de uma poliacutetica habitacional de interesse social em Natal Natal IPLANAT (mimeo)

NATAL Prefeitura Municipal (2007) Lei Complementar nordm 082 2007 que dispotildee sobre o Plano Diretor de Natal DOM Natal

SEMURBAQUATOLCONSULTORIA (2008) Plano Municipal de Reduccedilatildeo de Risco SEMURB Natal

SILVA A F C da (2003) Depois das fronteiras a formaccedilatildeo dos espaccedilos de pobreza na periferia Norte de Natal ndash RN Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Arquitetura e Urbanismo da UFRN Natal

SOUZA I de (1980) Migraccedilotildees Internas no Brasil Vozes Rio de Janeiro

TEIXEIRA R B et al (2012) A AEIS Vila de Ponta Negra Natal ndash RN Uma proposta de Regulamentaccedilatildeo (mimeo) Natal

TEIXEIRA R B MORAIS M C ANDRADE H de A (2009) Planejamento urbano e participaccedilatildeo popular uma experiecircncia de ensino e extensatildeo no Bairro Ponta Negra NatalRN Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo (on line) v 9 p 110-123

TEIXEIRA R (2015) O Rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos histoacutericos Aproximaccedilotildees e distanciamentos Confins (online) ndeg 23