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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE TECNOLOGIA DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA & URBANISMO CURSO DE ARQUITETURA & URBANISMO _____________________________ CONDOMÍNIOS FECHADOS E A REDEFINIÇÃO DAS RELAÇÕES SOCIOESPACIAIS NO ESPAÇO URBANO Um estudo de caso na cidade de Natal/RN. Volume 01 _____________________________ Gabriela Fernandes Neves Luciano de Azevedo NATAL, DEZEMBRO DE 2014.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE TECNOLOGIA

DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA & URBANISMO CURSO DE ARQUITETURA & URBANISMO

_____________________________

CONDOMÍNIOS FECHADOS E A REDEFINIÇÃO DAS RELAÇÕES

SOCIOESPACIAIS NO ESPAÇO URBANO

Um estudo de caso na cidade de Natal/RN.

Volume 01

_____________________________

Gabriela Fernandes Neves Luciano de Azevedo

NATAL, DEZEMBRO DE 2014.

2

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE TECNOLOGIA

DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA & URBANISMO CURSO DE ARQUITETURA & URBANISMO

_____________________________

CONDOMÍNIOS FECHADOS E A REDEFINIÇÃO DAS RELAÇÕES

SOCIOESPACIAIS NO ESPAÇO URBANO

Um estudo de caso na cidade de Natal/RN.

Volume 01

_____________________________

Gabriela Fernandes Neves Luciano de Azevedo

Monografia apresentada ao Curso de Arquitetura &

Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte como requisito parcial para obtenção do grau de

Bacharelado. Orientadora: Ruth Maria da Costa Ataíde.

NATAL, DEZEMBRO DE 2014.

3

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE TECNOLOGIA

DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA & URBANISMO CURSO DE ARQUITETURA & URBANISMO

FOLHA DE APROVAÇÃO

A monografia de graduação: “Condomínios Fechados e a Redefinição e a

redefinição das relações socioespaciais no Espaço Urbano: Um estudo de caso

na cidade de Natal/RN”, apresentada por Gabriela Fernandes Neves Luciano de

Azevedo, foi aprovada e aceita como requisito parcial para a obtenção do título

de graduação no curso de Arquitetura & Urbanismo, do Departamento de

Arquitetura & Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pela

seguinte banca examinadora:

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________

RUTH MARIA DA COSTA ATAIDE - UFRN Orientador

_____________________________________________________

MARIA DULCE PICANCO BENTES SOBRINHA - UFRN Examinador Interno

_____________________________________________________

TAMMS MARIA DA CONCEIÇÃO MORAIS - UFRN Examinador Externo

NATAL, 28/11/2014.

Catalogação da Publicação na Fonte. Universidade Federal do Rio Grande do

Norte / Biblioteca Setorial de Arquitetura.

Azevedo, Gabriela Fernandes Neves Luciano de.

Condomínios fechados e a redefinição das relações socioespaciais no

espaço urbano: um estudo de caso na cidade de Natal-RN/ Gabriela Fernandes Neves Luciano de Azevedo. – Natal, RN, 2014.

150f. : il.

Orientador: Ruth Maria da Costa Ataide.

Monografia (Graduação) – Universidade Federal do Rio Grande do

Norte. Centro de Tecnologia. Departamento de Arquitetura.

1. Habitação – Arquitetura – Monografia. 2. Condomínios Fechados –

Natal-RN – Monografia. 3. Condomínios horizontais – Monografia.

4. Segregação Socioespacial – Monografia. 5. Morfologia – Desempenho

urbano – Monografia. I. Ataide, Ruth Maria da Costa. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/UF/BSE15 CDU 728.1

5

AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar ao meu pai, Luís Fernando, por ser meu maior incentivador

e por acreditar e participar de todos os meus maiores desafios.

A minha família que durante toda a minha graduação me apoiou e foi essencial nesta

conquista. Meu sincero obrigada ao meu querido irmão Igor Azevedo, a minha mãe,

Jacqueline Pessanha, minha vó Julieta Fernandes e minha irmã Júlia Schiavon.

A minha orientadora Ruth Ataíde, por ter sido minha referência durante todo o curso

enquanto urbanista e educadora. É imensurável sua contribuição, tendo em conta que

com ela descobri os caminhos da pesquisa acadêmica e do amor ao urbanismo.

Ao meu namorado Rílliam Costa, por ter sido meu companheiro durante o

desenvolvimento desta monografia e ter me ensinado tanto em tão pouco tempo.

A professora Dulce Bentes que orientou meus primeiros esforços para entender o tema

“Condomínhos Fechados, Segregação Urbana e Sociabilidade”, participou com valiosas

colocações na Pré-Banca e sempre me incentivou e acreditou em mim.

A doutoranda Tamms Morais pelo cuidado e empenho com que se debruçou sobre este

TFG enquanto avaliadora externa, contribuindo para a qualidade final desta monografia.

Ao professor Petrus Nóbrega, pelas conversas sobre os futuros acadêmicos e

profissionais a seguir, papel importante que me ajudou a entender um pouco mais sobre

os caminhos da vida e me deu forças para seguir.

A UFRN pela educação pública de qualidade, que contribuiu imensamente com meus

conhecimentos e crescimento enquanto estudante.

Ao CNPq pela bolsa do Ciência sem Fronteiras, quando morei e estudei Arquitectura por

um ano acadêmico em Madrid-ES na Universidad Politécnica de Madrid. Este foi o

período mais rico da minha vida em aprendizado, tanto acadêmico quanto pessoal.

A amiga Fernanda Bernava, por ter compartilhado este ano de intercâmbio comigo, e

por todos os momentos que compartilhamos na Europa.

A amiga Jeniffer Chung, por ser tão importante em todas as etapas da minha vida.

A Lanah Han, Debora Cornetta e Stefanny Lyra pela amizade sincera e companheirismo.

6

RESUMO

Produto de um processo de urbanização complexo e cheio de contradições, o espaço urbano sofre constantes transformações. Fruto de tensões sociais e jogo de interesses entre classes, a ocupação desigual é uma das características intrínsecas a cidade, que reflete espacialmente uma segmentação social na urbe. A segregação existe desde os primórdios porém vem se modificando ao longo dos anos, e atualmente apresenta novas configurações, com a crescente implementação de novas tipologias chamadas “enclaves fortificados”. Dentre estes empreendimentos destaca-se os condomínios fechados, tema desta monografia atrelados à segregação intrínseca à sua reprodução e consequente influência na urbanidade da área. Desenvolvido sob a perspectiva teórico-conceitual, este trabalho aborda temas como: condomínios fechados e suas origens, segregação socioespacial, e sociabilidade. Todo o referencial Teórico-metodológico é voltado para atender ao objetivo de caracterizar o padrão de sociabilidade existente na área, relacionando-o com a forma, analisa-se portanto o desempenho urbano na região, atrelado às características Morfológicas do universo de estudo repleto de condomínios fechados. Palavras-chave: Segregação Socioespacial, Condomínio Fechado, Urbanidade, Vitalidade Urbana, Configurações Socioespaciais, Morfologia.

7

LISTA DE FIGURAS Figura 01: Localização da área de estudo ..................................................................... 14 Figura 02: Tabela de Condomínios da Área de Estudo ................................................... 15 Figura 03: Localização dos condomínios fechados em relação aos principais eixos .... 19 Figura 04: Ciclos de realimentação do desurbanismo .................................................. 57 Figura 05: Fatores influenciadores da sociabilidade Urbanas e suas correlações ........ 58 Figura 06: Morfologia e desempenho urbano .............................................................. 60 Figura 07: Mapa de localização dos condomínios ........................................................ 76 Figura 08: Rendimento nominal médio por área geográfica ........................................ 78 Figura 09: Mapa de vilas e favelas ................................................................................ 79 Figura 10: Sistema Viário de Natal, 1984 ...................................................................... 80 Figura 11: Informações referentes as favelas da região ............................................... 80 Figura 12: Mapa Aéreo Favela da Palha ....................................................................... 81 Figura 13: Favela da Palha ............................................................................................ 82 Figura 14: Campo de Futebol na Favela da Palha ........................................................... 82 Figura 15: Comunidade da Baixa do Cão, Cidade Nova ................................................ 82 Figura 16: Vista Aérea da Comunidade da Baixa do Cão, Cidade Nova ........................ 83 Figura 17: Fotografia da Comunidade Baixa do Cão ..................................................... 83 Figura 18: Agua servida na Baixa do Cão ...................................................................... 83 Figura 19: Mapa de lagoas urbanizadas e não urbanizadas ......................................... 84 Figura 20: Mapa da ZPA – 01 e Condomínios ............................................................... 85 Figura 21: Mapa de Macrozoneamento/Operação Urbana ......................................... 86 Figura 22: Mapa de centralidades de Natal .................................................................. 87 Figura 23: Folder de comercialização do Green Village ............................................... 88 Figura 24: Folder de Comercialização do West Park Boulevard ................................... 89 Figura 25: Folder de comercialização do West Side Boulevard .................................... 90 Figura 26: Cruzamento da Avenida dos Potiguares com a Avenida Mor Gouveia ....... 92 Figura 27: Calçada obstruindo a Rua dos Potiguares ................................................... 92 Figura 28: Perímetro Rua Potiguares sem pavimentação ............................................ 92 Figura 29: Material de propagando do Condomínio Smile .......................................... 93 Figura 30: Obstrução s Potiguares ................................................................................ 94 Figura 31: Rua dos Potiguares ...................................................................................... 94 Figura 32: Rua dos Potiguares após o Condomínio West Park Boulevard .................... 94 Figura 33: Entroncamento da Rua dos Potiguares com a Rua Manoel de Castro ........ 94 Figura 34: Mapa de hierarquia viária de Natal ............................................................. 96 Figura 35: Vista da Rua Jaguarari .................................................................................. 97 Figura 36: Vista da Avenida da Integração ................................................................... 97 Figura 37: Vista da Avenida Prudente de Moraes ........................................................ 97 Figura 38: Vista da Avenida Capitão Mor Gouveia ....................................................... 97 Figura 39: Vista da Av. Interventor Mário Câmara ....................................................... 98 Figura 40: Vista da Avenida Coronel Estevão ............................................................... 98 Figura 41: Mapa de Eixos e Acessos dos Condomínios ................................................. 99 Figura 42: Mapa Viário do Plano Diretor de 1984 ...................................................... 102 Figura 43: Detalhe do Mapa Viário do Plano Diretor de 1984 .................................... 104 Figura 44: Mapa do Sistema Viário do Plano Diretor de 1994 .................................... 106 Figura 45: Detalhe do Mapa Viário do Plano Diretor de 1994 .................................... 108

8

Figura 46: Obstrução da Avenida da Integração – Lixo e entulhos ............................. 109 Figura 47: Obstrução da Avenida da Integração – Bloco de Concreto ....................... 109 Figura 48: Barricada na Avenida da Integração .......................................................... 109 Figura 49: Avenida da Integração obstruída ............................................................... 109 Figura 50: Obstrução da Avenida da Integração ......................................................... 110 Figura 51: Detalhe da proximidade com a ZPA-01 ..................................................... 110 Figura 52: Mapa de Pavimentação ............................................................................. 110 Figura 53: Mapa axial – RMN sem as vias internas aos condomínios – Integração HH RN ..................................................................................................................................... 113 Figura 54: Mapa axial – RMN com as vias internas aos condomínios – Integração HH RN ..................................................................................................................................... 114 Figura 55: Mapa axial – RMN com simulação de loteamento na área de estudo – Integração HH RN ....................................................................................................... 116 Figura 56: Mapa axial – RMN com simulação de loteamento na área de estudo – Integração HH R3 ........................................................................................................ 116 Figura 57: Mapa axial – Área sem as vias internas aos condomínios – Integração HH RN ..................................................................................................................................... 117 Figura 58: Mapa axial – Área sem as vias internas aos condomínios – Integração HH R3 ..................................................................................................................................... 117 Figura 59: Avenida Manoel de Castro ......................................................................... 118 Figura 60: Avenida Nelson Geraldo Freire .................................................................. 118 Figura 61: Mapa de parcelamento ............................................................................. 119 Figura 62: Mapa de dimensões das quadras comparado à legislação ........................ 122 Figura 63: Green Village ............................................................................................. 130 Figura 64: Green Woods ............................................................................................. 130 Figura 65: West Park Boulevard ................................................................................. 131 Figura 66: West Side Boulevard .................................................................................. 132 Figura 67: Rua comercial Manuel de Castro ............................................................... 133 Figura 68: Mercearia em frente ao WPB .................................................................. 133 Figura 69: Muro cego do SESI ..................................................................................... 133 Figura 70: Grande Gleba do CAIC ............................................................................... 133 Figura 71: CEASA-RN ................................................................................................... 133 Figura 72: Ginásio do DED .......................................................................................... 133 Figura 73: Entrada Principal Petrobrás ....................................................................... 134 Figura 74: Muro permeável ....................................................................................... 134 Figura 75: Entrada/Saída Secundária Petrobrás ......................................................... 134 Figura 76: Abertura da Raimundo Chaves .................................................................. 134 Figura 77: Edifício Vertical Golden Green ................................................................... 136 Figura 78: Edifício Maria Galante em construção ....................................................... 136 Figura 79: Condomínio Smile ...................................................................................... 136 Figura 80: Espaço Residual no West Side ................................................................... 137 Figura 81: Perceba a área sem uso no WSB ............................................................... 137 Figura 82: Campinho no terreno baldio em frente ao West Park Boulevard ............. 137 Figura 83: Campo de futebol improvisado nas dunas próximas à Avenida da Integração ..................................................................................................................................... 137 Figura 84: Cadeiras na Raimundo Chaves, os moradores da região usam muito o canteiro ....................................................................................................................... 137

9

Figura 85: Improvisação de Mobiliário Urbano, na Rua Nelson Freire por trás do GW ..................................................................................................................................... 137 Figura 86: Rua dos Potiguares, pessoas nas mesas na rua no final de semana .......... 138 Figura 87: Crianças brincando na Rua Nelson Geraldo Freire por trás do Green Woods ..................................................................................................................................... 138 Figura 88: Fechamento de Área verde ....................................................................... 138 Figura 89: Parte de trás da área verde fechada .......................................................... 138 Figura 90: Folder do Edifício Golden Tower, com área verde pública incluída ........... 139 Figura 91: Ministério Público ...................................................................................... 139 Figura 92: Anexo do prédio do MPE ........................................................................... 139 Figura 93: Edifício do TRT, Av. Mor Gouveia .............................................................. 140 Figura 94: Justiça Federal de primeiro Grau ............................................................... 140 Figura 95: Edifício salas jurídicas ................................................................................ 140 Figura 96: Escritório advocatício nas proximidades do cond. West Park Boulevard .. 140 Figura 97: Edifício comercial ....................................................................................... 140 Figura 98: Rua Nelson Geraldo Freire, calçada do West Side Boulevard .................... 141 Figura 99: Rua Nelson Geraldo Freire, calçada do Green Village (parte posterior do condo) ......................................................................................................................... 141

10

SUMÁRIO

VOLUME I

INTRODUÇÃO .............................................................................................. ........... 12

CAPÍTULO II - PARA COMPREENSÃO DO PROCESSO SEGREGATÓRIO ........................ 22

CAPÍTULO III - REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO .......................................... 23

3.1. CONDOMÍNIOS FECHADOS E SUAS ORIGENS .......................................................... 23

3.1.1. Política Habitacional no Brasil ............................................................................. 24

3.1.2. Condomínios horizontais no Brasil e no mundo ................................................. 30

3.2. A SEGREGAÇÃO ....................................................................................................... 33

3.2.1. A segregação e a formação da cidade dual .......................................................... 33

3.2.2. Segregação Socioespacial .................................................................................... 36

3.3. SOCIABILIDADE E SUA RELAÇÃO COM A FORMA URBANA ...................................... 46

3.3.1. Urbanidade e Desurbanidade ............................................................................. 46

3.3.2. Morfologia e Desempenho Urbano .................................................................... 58

3.4. ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO URBANÍSTICA .................................................................. 69

3.4.1. Condomínios Horizontais Fechados e conflito entre fato e direito

....................................................................................................................................... 69

CAPÍTULO IV - Análise Morfológica ......................................................................... 75

4.1. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA ................................................................................... 75

4.1.1. Caracterização Sócio ambiental da Área de Estudo ............................................ 76

4.1.1.1. Caracterização Social da Área de Estudo ......................................................... 77

4.1.1.2. Caracterização Ambiental da Área de Estudo .................................................. 84

4.1.2. Legislação Urbanística Incidente ......................................................................... 86

4.2. ELEMENTOS ESTRUTURADORES DO TECIDO URBANO .......................................... 87

4.2.1. Vias e espaços públicos ....................................................................................... 87

4.2.2. Recortes Fundiários e Parcelas ......................................................................... 118

4.2.3. Tipologia ........................................................................................................... 128

CONCLUSÃO ......................................................................................................... 142

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 146

11

VOLUME II

Prancha 1/14 – Mapa de Localização dos Condomínios .............................................. 75

Prancha 2/14 – Mapa de Loteamentos, Conjuntos Habitacionais e Condomínios

Fechados ....................................................................................................................... 77

Prancha 3/14 – Mapa Figura-Fundo de Vias ................................................................ 91

Prancha 4/14 – Mapa Figura-Fundo do Espaço Privado ............................................... 91

Prancha 5/14 – Mapa de Obstruções no Entorno Imediato e de Pavimentação ......... 91

Prancha 6/14 – Mapa Hierarquia Viária ....................................................................... 97

Prancha 7/14 – Mapa de Traços com Ruas Públicas/Privativas ................................. 111

Prancha 8/14 – Mapa de Favelas, Loteamentos, Conjuntos Habitacionais e

Condomínios Fechados ............................................................................................... 120

Prancha 9/14 – Mapa de Parcelamento do Solo com Detalhe de Glebas dos

Condomínios ............................................................................................................... 123

Prancha 10/14 – Mapa de Gabarito ........................................................................... 126

Prancha 11/14 – Mapa de Lotes Edificados ............................................................... 126

Prancha 12/14 – Mapa de Usos e Ocupação do Solo ................................................. 132

Prancha 13/14 – Mapa de Passeios Públicos ............................................................. 140

Prancha 14/14 – Mapa de Permeabilidade Visual das Fachadas ............................... 141

12

I. INTRODUÇÃO

Esta monografia introduz, justifica e sistematizar o tema condomínios fechados

e segregação urbana, estudo voltado para a compreensão da relação entre o espaço

urbano e a sociedade a partir de abordagem teórico-conceitual. Para tanto desenvolve-

se um estudo morfológico atrelado a reflexões sobre urbanidade, e seu antônimo,

desurbanidade.

Se insere a motivação do presente TFG, que visa compreender a fragmentação

recorrente entre as áreas do entorno destes “enclaves fortificados”1 e os condomínios

fechados. Especificamente no caso dos condomínios Residenciais de Classe média Alta

Green Woods, Green Village, West Park Boulevard e West Side Boulevard, a ruptura

socioespacial com o entorno, bairros populares de Cidade da Esperança, Cidade Nova e

parte de Candelária em Natal.

Justifica-se este estudo devido ao acelerado processo de reprodução dos

condomínios fechados nas cidades médias e grandes brasileiras (ANDRADE, 2010; IVO,

2012; MOURA, 2008, SOUZA E SILVA, 2004). Estudos acerca dessa tipologia são

recorrentes, porém a abordagem se detém quase que exclusivamente ao entendimento

dos empreendimentos internamente. Faz-se relevante portanto um estudo para

investigar os impactos destes condomínios entorno imediato, espacial e socialmente

falando, para que discussões fundamentadas acerca do assunto sejam travadas, a fim

de conhecer melhor e refletir sobre as transformações sociais e espaciais relacionadas

a estes empreendimentos.

Nesse contexto, o estudo foi desenvolvido sob a perspectiva teórico-conceitual

e orientado pelo esforço de compreensão das relações entre: segregação socioespacial,

condomínio fechado, urbanidade, vitalidade, sociabilidade, e configurações

socioespaciais.

Analisa-se portanto neste TFG os impactos sociais, econômicos, morfológicos e

estéticos provocados no entorno deste empreendimento a fim de verificar se existe ou

não influência da sua implantação e comercialização para a transformação da paisagem

do entorno destes redutos fortificados.

1 CALDEIRA, 2000.

13

O interesse nesse exercício acadêmico surgiu da observação empírica da ruptura

recorrente entre tipologias de bairros populares e condomínios fechados vivida durante

dois momentos de inserção na pesquisa acadêmica enquanto discente das disciplinas

Pesquisa Aplicada a Arquitetura e Urbanismo 01 e 02, em 2011.2 e 2012.1,

respectivamente. Nesta oportunidade participei e contribuí com o Projeto de Pesquisa

(O imobiliário turístico e os instrumentos de regulação: controle urbanístico ou

afirmação de uma ilusão? e Metropolização Turística: dinâmica e reestruturação dos

territórios em Salvador, Recife, Fortaleza e Natal – estudos comparativos para o

Nordeste (Núcleo RMNatal) voltado para a expansão dos equipamentos Imobiliários-

Turísticos em Natal e Parnamirim, analisando empreendimentos de grande porte

implantados na Zona de Expansão e na Área Litorânea de ambas as cidades, realidade

em que a tipologia de condomínios residenciais é recorrente, nesta oportunidade

adotou-se o enfoque legal, no sentido de verificar o cumprimento ou não da legislação

vigente, para cada empreendimento.

A verificação desses processos junto aos Condomínios Residenciais Green

Woods, Green Village, West Park Boulevard e West Side Boulevard, é feita analisando

suas imponentes barreiras físicas e se dá a partir do enfoque urbanístico socioespacial,

a fim de entender as relações estabelecidas e influências mútuas entre condomínios,

edificações em ruas no seu entorno e seus moradores, refletindo sobre a urbanidade da

área.

Como estudo de caso elegeu-se uma região na cidade do Natal/RN, Brasil, entre

os bairros de Cidade da Esperança, Cidade Nova, Candelária, Nossa Senhora de Nazaré

e Lagoa Nova, região onde se localizam quatro condomínios fechados encravados numa

realidade de bairros populares. A justificativa da escolha da área de estudo é a

localização de diversos condomínios em uma área residencial consolidada, onde existe

uma população anterior à implantação dos empreendimentos, com perfil

socioeconômico diferente dos condôminos. Ainda destaca-se a fragilidade

socioambiental do entorno imediato destes condomínios, questão fundamental para

decisão de estudar a área, pois assim existem reflexões interessantes a serem discutidos

tanto socialmente quanto ambientalmente falando.

14

Figura 01: Localização da área de estudo

Fonte: SEMURB, 2007.

Condomínios da Área de Estudo

15

Os condomínios que serão universo de estudo desta monografia são o Green

Village (1995), Green Woods (1996/7), West Park Boulevard (1999), e West Side

Boulevard (2009), todos estão localizados na Região Administrativa Sul da cidade de

Natal/RN, mais especificamente no bairro de Candelária, apenas o condomínio West

Park Boulevard se entende também ao bairro Cidade da Esperança, na Região

Administrativa Oeste da cidade de Natal.

Figura 02: Tabela de Condomínios da Área de Estudo

Fonte: Informações de AVELINO, 2007.

O objeto de estudo delimitado para esta pesquisa são os padrões de

sociabilidade relacionados aos padrões morfológicos da área de estudo. A análise foi

orientada pelas seguintes perguntas: Quais as relações socioespaciais estabelecidas

entre os Condomínios Fechados Green Village, Green Woods, West Park Boulevard e

West Side Boulevard, e os bairros de Cidade da Esperança, Cidade Nova, Nossa Senhora

de Nazaré, Candelária e Lagoa Nova? Quais as implicações da mudança na evolução de

ocupação da área estudada e seus reflexos na urbanidade?

Como hipótese de pesquisa acredita-se que a tipologia dos condomínios e suas

estratégias projetuais se constituem como barreiras físicas e imateriais para o

estabelecimento de relações socioespaciais com seu entorno imediato, os bairros de

Cidade da Esperança, Cidade Nova, Nossa Senhora de Nazaré Candelária e Lagoa Nova,

desta maneira existe uma ruptura do empreendimento com o entorno e das dinâmicas

de sociabilidade entre as diferentes tipologias.

O objetivo geral destes estudos é caracterizar o padrão de sociabilidade assim

como as relações morfológicas que se estabelecem entre os condomínios fechados e

frações urbanas do seu entorno, visando identificar processos de ruptura e segregação

nesta relação.

EMPREENDIMENTO ANO LOTES ÁREA ÁREA TOTAL EMPREENDEDORA

Green Village 1995 95 800,00 145.416,00 FBF Emp. LTDA

Green Woods 1996/7 146 450,00 91.689,00 FBF Emp. LTDA

West Park Boulevard 1999 232 450,00 197.237,42 Ecocil

West Side Boulevard 2009 46 500,00 40.633,00 Ecocil

16

Para tanto se fará necessário atingir objetivos específicos que darão suporte ao

objetivo geral da pesquisa, são eles: (1) identificar vivências do cotidiano estabelecidas

na área; (2) refletir sobre os efeitos no fluxo da população de ambas as áreas em virtude

das diferentes tipologias; (3) identificar elementos arquitetônicos e urbanísticos que

contribuam para a fragmentação entre o bairro popular e o condomínio fechado;

(4) identificar de que maneira as mudanças de ocupação influenciaram a ocupação e o

padrão de sociabilidade na área; e (5) compreender os efeitos e influencias das

estratégias projetuais dos condomínios fechados e suas características físicas para a

urbanidade da área;

Tendo em vista os objetivos da pesquisa é essencial explorar o vínculo entre

espaço construído e vida social na cidade contemporânea, se faz necessário portanto

refletir sobre a proliferação destes empreendimentos cerrados, assim como o “novo

estilo de vida” relacionados a eles, assim como os impactos provenientes deste

processo, para melhor compreensão das relações sociais e de produção estabelecidas

dos mesmos com o entorno direto, assim como para a cidade como um todo. Nesse

sentido, IVO comenta que:

Esses “mundos cerrados” se articulam e se relacionam, mesmo que indiretamente. Independentemente da forma segmentada de apropriação física, esses “muros e mundos cerrados” se articulam em vários âmbitos: nas vivências do cotidiano, nos mecanismos de distinção simbólica, nas formas de subsunção implícitas às relações de trabalho, nas relações sociais de convívio, no usufruto das áreas públicas da cidade, na circulação e no fluxo das mercadorias dos quais a moradia e os bens de consumo são parte. Assim, ao invés da imagem de harmonia, que pode estar implícita nos novos padrões de sociabilidade cotidiana analisados, o conflito é uma condição intrínseca entre os “muros”. (IVO, 2012)

A segregação urbana, restrição da interação entre os socialmente diferentes

(FREEMAN,1978), objeto de análise é um processo complexo e fruto das interações

entre seres humanos e fatores ambientais, sociais, culturais, econômicos e históricos. O

ato de segregar uma determinada população priva certo grupo de pessoas de vivenciar

uma gama de lugares que compõe a paisagem urbana, configurando sítios sociais

particulares setorizando socioespacialmente camadas da população de acordo com suas

17

características socioeconômicas, com a formação de micro territorialidades, que

somadas compõem a urbe como um todo. (SANTOS, 2013.)

Este processo, a fragmentação socioespacial observada nas cidades de forma

geral está intrinsecamente relacionada ao processo de urbanização e metropolização,

suas desigualdades e conflitos.

A urbanização das cidades brasileiras, processo que engendrado de forma mais

intensa na segunda metade do século XX, aconteceu de forma a atender a demanda

populacional urbana crescente na época; porém a infraestrutura necessária para

satisfazer as necessidades básicas dessa população pouco foi provida. Como resultado,

aliado ao rápido crescimento das aglomerações urbanas cresciam também os problemas

das cidades.

No decorrer do processo muitas cidades foram criadas, enquanto outras já

existentes se expandiam para atender as demandas emergentes da

urbanização/industrialização, tendo em vista o complexo jogo de interesses que

influencia a dinâmica espacial de uma cidade em pleno desenvolvimento, é sabido que

a distribuição de recursos e benefícios nas diversas áreas da cidade é desigual e injusta,

sendo resultante da atuação privilegiada de agentes produtores do espaço urbano.

Produto deste processo resultou cidades marcadas pela disparidade de oferta de

infraestrutura urbana, como saneamento básico, água, espaços públicos, transportes e

serviços, consolidando a segregação, que sempre esteve presente nas cidades, e,

segundo CALDEIRA (2000), pode ser classificada em três momentos diferentes: (1) o

primeiro inicia-se no século XIX quando a segregação se dava pela variação das

tipologias arquitetônicas, uma vez que as cidades ainda eram reduzidas fisicamente; (2)

a partir dos anos 1940 passa a predominar a segunda fase, com a configuração da

dicotomia centro-periferia, esta forma ainda pode ser percebida até hoje; (3) desde os

anos 1980 sobrepõe-se uma terceira fase, marcada pela inserção de “enclaves

fortificados” nas periferias, quando grupos sociais diferentes se aproximam na mesma

medida em que se isolam através de barreiras físicas e tecnológicas.

Este terceiro momento é marcado pela construção de espaços urbanos

privatizados, os chamados “enclaves fortificados”, que justificados pelo medo do crime

e pela busca de status, vêm sendo reproduzidos em larga escala nas cidades brasileiras,

18

tipologia que introduz uma segregação socioespacial complexa que será abordada neste

estudo.

O conceito de Condomínios horizontais fechados para esta monografia é o de

empreendimentos imobiliários caracterizados pelo espaço privatizado, que se

materializa nas comunidades artificiais com aspirações de serem totalitárias, em que

reúne-se um conjunto de residências cercados por muros, grades ou cercas vivas,

geralmente localizados em área de baixa densidade populacional e preferencialmente

nas áreas periféricas mais distantes próximas a importantes eixos viários. São

empreendimentos que seguem a lógica do capital e seguem o marketing que recria um

“novo estilo de vida” travando uma relação superficial com a cidade.

Em Natal, esses condomínios surgiram em 1995 com o lançamento do

empreendimento de luxo Green Village, iniciativa da FBF Empreendimentos LTDA,

empreendimento com objetivo de atingir classes mais abastadas em franjas de bairros

consolidados de alto padrão construtivo e social, como Candelária.

Segundo TAVARES, 2009, desde sua apresentação como alternativa de moradia

em Natal, os condomínios fechados são um fenômeno consolidado na cidade, estes

empreendimentos estão divididos em duas áreas da cidade, parte se localiza próximo

ao Subcentro Lagoa Nova, região em que foram construídos os primeiros condomínios

da cidade, com empreendimentos como o Green Village, Green Woods, Green Fields,

West Park, Barra Green, e West Park Boulevard, e ainda na divisa com o município de

Parnamirim próximo aos eixos Av. Prudente de Morais, BR-101, e Rota do Sol (RN-063)

com os empreendimentos Ponta Negra Boulevard, Canto dos Pássaros, Parco

Dellaveritá, Porto Boulevard, Flora Boulevard e Vila dos Lagos.

19

Figura 03: Localização dos condomínios fechados em relação aos principais eixos

Fonte: TAVARES, 2009.

Essas regiões caracterizavam-se por serem duplamente desvalorizadas. Devido a

sua fragilidade ambiental e ainda pela proximidade com áreas habitadas por pessoas de

poder aquisitivo mais baixo, sendo então utilizadas pelo capital imobiliário,

transformadas em produtos para classes mais elitizadas, como reflete SOUZA E SILVA

em sua colocação a seguir:

A pouca disponibilidade de grandes glebas disponíveis na área urbana [de Natal] e consequente encarecimento do solo levam cada vez mais empreendimentos habitacionais de luxo, na forma de condomínios fechados – verticais e/ou horizontais – a buscarem áreas mais baratas, inicialmente nas periferias urbanas, passando posteriormente a ocupar também os interstícios de bairros populares. Há, portanto, uma dinâmica combinada, mobilidade tanto de fora para dentro, quanto de dentro para fora, na criação e expansão das moradias para pobres e ricos. O resultado se traduz em bolsões valorizados dentro de áreas de pobreza, seja internamente, na área consolida da cidade, seja nas periferias urbanas, dado que a reprodução da classe menos favorecida sobrepuja o crescimento da mais abastada. (SOUZA E SILVA, 2004. p. 97)

20

Em face a tão complexo processo sociosegregatório e fenômeno de reprodução

de condomínios fechados, adotou-se para este trabalho uma metodologia de análise

proposta por Moura (2008), em que desenvolve parâmetros de análise dos condomínios

horizontais/loteamentos fechados baseada na Dimensão Subjetiva e Objetiva desses

empreendimentos e de seu entorno. Aliada a uma análise Morfológica com estudo da

evolução de ocupação com pesquisa documentária e produção e análise de mapas e

figuras.

Considerando a perspectiva de trabalho mencionada, esta monografia está

estruturada em 6 (seis) capítulos, sendo eles: (1) Introdução, (2) Referencial teórico-

metodológico, (3) Para compreensão do processo segregatório, (4) Estudo Morfológico,

(5) Reflexões finais e diretrizes.

Após introduzido o trabalho, no Capítulo 2, faz-se uma breve explanação sobre

Condomínios fechados e suas origens, relacionando o surgimento deste tipo de

empreendimento com o contexto econômico, político e social entre os anos de 1980 e

1990, em que tomou força o fenômeno no Brasil e no mundo, este capítulo está

portanto subdividido em partes para que sejam melhores compreendidas as questões

relacionadas à política habitacional no Brasil no período mencionado, assim como a

gênese da produção imobiliária de condomínios fechados no mundo e sua influência na

proliferação deles na América Latina, mais especificamente no Brasil.

No Capítulo 3, denominado “Para compreensão do processo segregatório é

sintetizada a metodologia da monografia, onde será desenvolvida uma síntese de como

foi realizada a pesquisa.

O Capítulo 4, em seguida trata-se do Estudo Morfológico da área de estudo,

oportunidade em que é feito um estudo da forma e relacionado com os padrões

socioespaciais engendrados a partir dele, através de esquemas, figuras e mapas. Nesta

oportunidade serão utilizados conceitos trazidos por PANEREI, 2006 para melhor leitura

da forma urbana. Os sub itens deste tópico são: Caracterização da Área, Histórico da

Ocupação do Solo Urbano na área, Estudo do Tecido Urbano.

Em seguida desenvolve uma “Análise crítica sobre mudança na evolução da

ocupação da área e suas implicações (Urbanidade e vitalidade) ”, retomando os

conceitos de Urbanidade de acordo com AGUIAR, Douglas; et al 2012 e Vitalidade da

21

autora JACOBS, 2000 e contrapondo-os com a realidade percebida no universo de

estudo após o estudo Morfológico, refletindo sobre as reais influências da tipologia

condomínios fechados sobre aspectos relativos à sociabilidade presente na área de

estudo.

Por fim, apresentam-se as Reflexões finais, oportunidade em que retoma-se os

objetivos do trabalho, trazendo reflexões e descobertas que foram feitas ao longo do

mesmo, assim como diretrizes que podem vir a ser úteis para tornar empreendimentos

do cunho dos condomínios fechados em menos prejudicais para suas áreas adjacentes.

De uma forma geral, neste tópico apresentar-se-á sinteticamente descobertas, dúvidas,

dificuldades e questões em aberto, talvez propostas para novas pesquisas.

22

II. PARA COMPREENSÃO DO PROCESSO SEGREGATÓRIO

Uma vez introduzidos os principais conceitos relativos ao tema deste trabalho

final de graduação, é importante abordar os procedimentos metodológicos a serem

seguidos neste estudo, abordando as variáveis e caminhos de análise da pesquisa.

Este trabalho será desenvolvido a partir da pesquisa bibliográfica, fazendo

revisão dos temas mais relevantes para o entendimento para o processo socioespacial

segregatório e sua relação com os condomínios fechados e sociabilidade. Em seguida

será feita uma pesquisa documental a fim de compreender os condicionantes da

mudança de ocupação na área de estudo.

Neste trabalho será feita uma análise Morfológica segundo os conceitos de

Panerai (2006), com estudo da evolução de ocupação com pesquisa documentária e

produção e análise de mapas e figuras referentes a área e os conceitos importantes para

o entendimento do fenômeno segregatório. A análise será dividida em estudo do

sistema viário, do parcelamento e edificações relacionados à sociabilidade.

Os critérios morfológicos a serem pesquisados com mais afinco são relacionados

à tipologia, densidade, configurações locais e globais, espaços urbanos, e diversidade do

uso do solo, sempre rebatidos aos conceitos de urbanidade, vitalidade e sociabilidade e

comparados a realidade do entorno.

A partir da dimensão objetiva pode-se elencar algumas variáveis para construir

parâmetros de análise para este exercício acadêmico, a localização do empreendimento

em relação a cidade e ao bairro, a escala deste, características relativas ao mercado e

agentes imobiliários, questões de áreas verdes e impactos ambientais, análise

cronológica quanto a ampliação ou não da infraestrutura e equipamentos urbanos assim

como a qualidade construtiva e padrões de moradia.

23

III. REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO

3.1. Condomínios Fechados e suas origens

Segundo Ueda (2006) os condomínios fechados e sua acelerada reprodução são

resultado de profundas transformações mundiais relacionadas ao plano neoliberal e

projetos capitalistas, com consequências para a organização socioeconômica vigente.

Tal processo teve ainda consequências nas políticas públicas, promovendo a

privatização dos serviços públicos e aumentando com isso a desigualdade de acesso a

eles. As consequências da difusão dos ideais liberais segundo Maria Camila Loffredo

D'Ottaviano, 2006 estão ainda relacionadas a liberalização do mercado imobiliário.

Enquanto agente atuante na reprodução do espaço urbano, o mercado imobiliário

atende aos interesses do lucro e aumenta a disparidade na organização e no acesso ao

espaço público e infraestrutura urbana. Todo este processo é retroalimentado pela

crescente dualidade social, a medida em que novas relações de trabalho e de produção

aumentam as desigualdades socioeconômicas no mundo atual.

A produção do mercado sofre diversas influências, em escalas globais e locais. A

globalização introduzia o processo de liberalização e internacionalização da economia,

dando força a iniciativa privada e a investidores do mercado imobiliário enquanto

empreendedores. Existe a escala regional e local, que influencia a produção imobiliária

a medida que políticas públicas, habitacionais e econômicas são estabelecidas na região.

Todos esses fatores e ainda a atuação do mercado imobiliário possibilitaram a

consolidação dos condomínios fechados no país. (SOUZA E SILVA, 2004)

A produção imobiliária precisa de financiamento, e, por causa disso está

intrinsecamente relacionada estabilização da economia de uma forma geral. Outro fator

com importante influência na produção imobiliária são as políticas públicas

habitacionais, que por sua vez elaboram programas habitacionais e criam linhas de

financiamento.

Portanto, como resultado dos transtornos ocasionados pela rápida urbanização

nas últimas décadas, das mudanças nas políticas nacionais de financiamento de

moradias, do avanço da política neoliberal e da estabilidade econômica alcançada desde

o Plano Real, formou-se o cenário para o aparecimento dos condomínios fechados no

Brasil. Esse contexto gerou insatisfação com a realidade dos serviços urbanos oferecidos

24

e em adição permitiu que o mercado imobiliário passasse a investir em

empreendimentos com público alvo antes tidos como não solváveis. (SILVA, 2001)

3.1.1. Política Habitacional no Brasil

A política habitacional em vigência desde meados da década de 80 até 1986 era

regida pelo Banco Nacional de Habitação (BNH), e do sistema Financeiro Habitacional

(SFH), foram criados para reajustar os financiamentos após a instituição de uma nova

moeda, oferecendo à população duas linhas de crédito: (1) “poupança compulsória”

para a população de baixa renda, com os recursos do Fundo de Garantias do Tempo de

Serviço – FGTS e (2) caderneta de poupança e poupança voluntária, para população com

renda média e alta.

Em relação à importância do BNH na produção habitacional brasileira, Nabil

Bonduki (2010) diz:

O Banco Nacional de Habitação, criado após o golpe em 1964, foi uma resposta do governo militar à forte crise de moradia presente num país que se urbanizava aceleradamente, buscando, (...) criar uma política permanente de financiamento capaz de estruturar em moldes capitalistas o setor da construção civil habitacional, objetivo que acabou por prevalecer. (BONDUKI, 2010)

Nesse contexto, Marcio Valença (1992) Lembra que o sistema de créditos era

baseado na capacidade de poupar da população, da atração de poupadores por parte

do sistema e da capacidade dos mutuários de pagarem seus débitos. Todas estas formas

de capitalização são baseadas na capacidade de poupar da população, da atração de

poupadores por parte do sistema e da capacidade dos mutuários de pagarem seus

débitos.

O país passava por um período de recessão econômica, porém os programas

foram criados para economia em crescimento, desta forma, seu desempenho foi aquém

do esperado. Os maiores problemas do sistema foi o fato de atingir apenas públicos com

maior poder aquisitivo, além da grande inadimplência, que contribuía para a baixa

liquidez do sistema e fechava o ciclo da incapacidade de bom desempenho na área

social. Esta realidade gerou uma forte reação nacional por parte dos mutuários

contrárias aos reajustes das prestações, que estavam acima dos reajustes salarias.

25

Consequência disso foi que o SFH financiou de forma subsidiada

majoritariamente, priorizando financiamentos para prédios novos dirigidos aos

trabalhadores formais com renda média e alta. Devido a estes critérios, o SFH prejudicou

a acessibilidade dos trabalhadores informais e com renda abaixo de 3,5 salários mínimos

aos financiamentos habitacionais. Esta parcela da população se beneficiou com apenas

6,4% dos recursos utilizados pelo SFH entre 1965 e 1985, segundo estudo Souza e Silva

(2004). Nota-se que pouco auxilio por parte do governo é dado para população mais

carente em relação aos problemas habitacionais, em um contexto de intensa

urbanização e consequente agudização da já existente crise do setor habitacional.

Como resposta a repercussão e fortalecimento destes movimentos sociais,

segundo SOUZA E SILVA, 2004: resultou em um considerável melhoramento da

infraestrutura urbana e na chegada de novos equipamentos e serviços às áreas mais

carentes, quanto através de governos locais e estaduais foram tomadas medidas para

melhorar a qualidade de vida nas periferias, devido às reivindicações da população.

Neste período houveram transformações no aspecto formal das habitações, ao

mesmo tempo em que a SFH beneficiou a construção civil. A medida em que a habitação

pôde contar com uma fonte de financiamento estável para a produção de unidades

prontas, passou-se a reproduzir tipologias habitacionais majoritariamente de

empreendimentos verticalizados. Estas, por sua vez eram em sua maioria voltado para

a classe média e alta, enquanto que a população mais carente construía casas por conta

própria na periferia ou adensava as favelas. Isso acontecida pois a população mais pobre

não preenchia os requisitos do SFH para obtenção dos empréstimos.

Do ponto de vista arquitetônico e urbanístico, Bonduki (2010) destaca que nesta

época foram construídos um grande número de conjuntos bastante de grande dimensão

na periferia das cidades. Esta realidade gerou verdadeiros bairros dormitórios,

desarticulação entre os projetos habitacionais e a política urbana. Além disso, a

reprodução acelerada de conjuntos habitacionais gerou a uniformização e padronização

de projetos, que não tinham preocupação com a qualidade da moradia, com a inserção

urbana nem com o respeito ao meio físico.

Uma análise crítica deste autor reflete sobre a construção informal de casa pela

população mais pobre, devido ao descaso do poder público para com o setor e sua

26

necessidade habitacional, uma vez que voltou todos os recurso para a produção da casa

própria construída pelo sistema formal da construção civil:

Um dos grandes equívocos foi (...) [não] ter estruturado qualquer ação significativa para apoiar, do ponto de vista técnico, financeiro, urbano e administrativo, a produção de moradia ou urbanização por processos alternativos, que incorporasse o esforço próprio e capacidade organizativa das comunidades. Em consequência, ocorreu um intenso processo de urbanização informal e selvagem, onde a grande maioria da população, sem qualquer apoio governamental, não teve alternativa senão auto empreender, em etapas, a casa própria em assentamentos urbanos precários, como loteamentos clandestinos e irregulares, vilas, favelas, alagados etc., em geral distantes das áreas urbanizadas e mal servidos de infraestrutura e equipamentos sociais. (BONDUKI, 2010)

Diante de um contexto de caos do sistema BNH-SFH, em Novembro de 1986,

anunciou-se o pacote de medidas econômicas do Plano Cruzado II e também o

fechamento do BNH. Nesta oportunidade o mesmo foi incorporado à Caixa Econômica

Federal, hoje CAIXA, justificando como medida de corte de gastos.

Destaca-se que outros interesses ainda estavam dentre as razões desta medida,

conforme apontado por Valença (2012), como o desejo por parte do poder executivo de

influenciar na política habitacional, que devido a se pautar em normas e leis

estabelecidas no período militar não havia espaço para inferências da presidência da

república no sistema BNH-SFH. Isso somado aos mutuários que organizados socialmente

deixaram de pagar as prestações entrando com processos judiciais alegando aumento

abusivo das prestações dos financiamentos, e ao interesse dos agentes financeiros

privados, principalmente os ligados aos conglomerados que com o fim do BNH teriam

maior flexibilidade para “desviar” os investimentos da área habitacional para outras

áreas de investimento como maior retorno econômico (mais lucrativas e líquidas), como

crédito ao consumidor, depósitos voluntários no banco central, dívida pública, entre

outros.

Com a transferência das competências do BNH para a então CEF, intensificou-se

a estagnação, com redução drástica dos financiamentos estatais. Isso aconteceu pois

mantiveram-se os problemas antigos, que foram ainda somados transtornos relativos a

falta de experiência do órgão. Lentidão dos processos e falta de coordenação das ações

27

relativas aos programas habitacionais foram consequências da decisão de extinguir o

BNH.

Ocorreu um esvaziamento e pode-se dizer que deixou propriamente de existir uma política nacional de habitação. Entre a extinção do BNH (1986) e a criação do Ministério das Cidades (2003), o setor do governo federal responsável pela gestão da política habitacional esteve subordinado a sete ministérios ou estruturas administrativas diferentes, caracterizando descontinuidade e ausência de estratégia para enfrentar o problema. (BONDUKI, 2010)

Como resposta a este cenário surgem tipos e modo de produção habitacional

alternativos, como os financiamentos diretos aos empreendedores, cooperativas

habitacionais autofinanciadas e os condomínios fechados. O mercado imobiliário

buscava mercado estável e com capacidade de investimento frente ao cenário de

recessão. Para tanto, passou a buscar empreendimentos que atingissem um público

mais elitizado.

Os produtos para atingir este público eram os condomínios luxuosos residências

e não residenciais além de enclaves fortificados verticais ou horizontais. Para

empreender este tipo de produto imobiliário, os empreendedores passaram a buscar

áreas fora dos grandes centros. Nestas áreas além da disponibilidade e preço de terras

mais baixo, geralmente encontrava-se ainda legislações mais permissivas. Segundo

Caldeira (2000), apesar de cidades periféricas apresentarem benefícios e facilidades

para a implementação deste tipo de empreendimento, enclaves fortificados em áreas

antes pouco povoadas, via de regra não promove melhorias no entorno.

No governo de Collor (1990-1992) houve o confisco das cadernetas de poupança.

Vivia-se um período de estagnação na poupança e no FGTS, realidade que repercutia em

graves consequências para a política habitacional do Brasil que ficou severamente

comprometida. Neste contexto, a participação do Estado no mercado de terras era

reduzida, sendo regulada portanto tão somente as leis de mercado. Esta realidade

deixou a população de menor renda ainda mais distante da possibilidade de obter a casa

própria. “A atuação desse governo na área da habitação foi caracterizada por processos

em que os mecanismos de alocação de recursos que passaram a obedecer

preferencialmente a critérios clientelistas, característica do referido plano. “(RIBEIRO,

2007)

28

Com o esvaziamento de uma estratégia nacional para a questão habitacional,

estados e municípios passaram a desenvolver programas habitacionais alternativos.

Para tanto prefeituras passaram a utilizar-se de recursos orçamentários, com projetos

de um víeis mais social, segundo Bonduki, 2010. Nesta época, ocorre uma progressiva

transferência de atribuições para os estados e Municípios. Esta mudança teve como

marco a Constituição de 1988, que tornou a habitação uma atribuição concorrente dos

três níveis de governo. Ainda na fase pós-BNH acentuou-se a tendência de

descentralização dos programas habitacionais.

O governo de Itamar Franco redesenha as políticas habitacionais em vigência,

passando a direcioná-las para a classe baixa, que sob o controle do Ministério do Bem-

Estar Social, aumentando significativamente o controle social e a transparência da

gestão dos programas em questão (SILVEIRA, 2005). Destaca-se o lançamento do

Programa Habitar Brasil voltado para os municípios de mais de 50 mil habitantes, e o

Morar Município, destinado aos municípios de menor porte, ambos dependentes de

verbas orçamentárias ou de recursos advindos do Imposto Provisório sobre

Movimentação Financeira (IPMF). (RIBEIRO, 2007) Em sua reflexão, Azevedo (1996), diz

que apesar de importantes do ponto de vista político por avançar em relação à gestão

da política habitacional do ponto de vista operacional, de redução do déficit

habitacional, houve pouca efetividade.

O governo de Fernando Henrique Cardoso introduz uma nova política nacional,

com uma ampla reorganização institucional e a criação da Secretaria de Política Urbana

(SEPURB), que seria então responsável pelas políticas da habitação popular articuladas

com outras políticas públicas, como fundiárias, saneamento e obras de infraestrutura

urbana em geral, neste contexto. Dentre os programas criados no governo FHC, incluiu-

se, programas de financiamento voltados ao beneficiário final, carta de crédito,

individual e associativa e o Pró-Moradia e o Habitar-Brasil, programas focado na

urbanização de áreas precárias, juntos segundo SEPURB, 1988, investiram apenas 2

bilhões de dólares, entre 1995 – 1998 o que ilustra a pouca escala dos programas em

questão, essenciais na execução das políticas de habitação, sobretudo no que se refere

à urbanização de áreas precárias.

Os programas de financiamento voltados ao beneficiário final passaram a

absorver a maior parte dos recursos do FGTS através de financiamento de material de

29

construção e a aquisição de imóveis usados, além da Carta de Crédito Associativa, este

se tornou uma espécie de válvula de escape para o setor privado captar recursos do

FGTS para a produção de moradias prontas. O financiamento para aquisição de imóvel

usado se destacou devido a reter sozinho 42% do total de recursos destinados à

habitação, tal fato é segundo Bonduki (2010) devido à preocupação de evitar déficits nos

fundos destinados à habitação tendo em vista que esta modalidade dá maior garantia e

é de mais fácil acompanhamento, porém é um programa com escasso impacto, não

gerando empregos e atividade econômica.

Em reflexão sobre o conjunto de medidas habitacionais estabelecidas Souza

(2005) destaca o SFI:

A marca mais importante do financiamento habitacional no período tratado, entretanto não foi o conjunto de pequenas medidas que flexibilizaram o SFH mas a aprovação de uma proposta de autoria da ABECIP – Associação Brasileira de Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança, que contou com o entusiasmado apoio do Ministro do Planejamento A. Kandir, Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), que estendeu a alienação fiduciária aos imóveis urbanos. Ao contrário dos demais projetos de lei que têm uma diretriz mais social, e tramitam longamente no Congresso Nacional, o SFI teve uma tramitação relativamente rápida. Até mesmo seus proponentes reconhecem que dificilmente ele beneficiará as faixas de renda situadas abaixo de 12 S.M. pois trata de mecanismos do mercado privado. (SOUZA, 2005)

A importância do SFI está na diminuição dos riscos do empreendimento, com

maiores garantias ao órgãos financiadores e ainda menor regulação do estado, em um

contexto de Plano de Estabilização Fiscal (Plano Real) que a partir de 1993 permitiu o

controle da inflação e a retomada do crescimento econômico, com a economia em

ascensão permite-se a volta do crescimento da produção imobiliária privada através da

incorporação e financiamento direto em médio prazo, segundo Estudo de LACERDA,

apontado por Souza e Silva (2004), período é caracterizado pelo incremento da

produção imobiliária voltado para setores médios e altos, com previsão inclusive de

entender essa possibilidade para empreendimentos voltados a baixa classe média.

30

3.1.2. Condomínios horizontais no Brasil e no mundo

A partir do contexto analisado, os condomínios horizontais surgiram como uma

alternativa de solução habitacional para uma classe de maior renda. Esta tipologia pode

ser considerada como resultado das transformações por que passou a economia nas

décadas de 80 e 90 do século XX, especialmente com a reestruturação produtiva, o

neoliberalismo e a globalização. Este foi o cenário propício para a criação e reprodução

em larga escala dos condomínios fechados. Estes, por sua vez encontraram nas grandes

e médias cidades brasileiras dois aspectos importantes: um Estado que começa a perder

o seu poder de planejador e de agente de políticas públicas. Ao longo dos anos,

consolida-se a reprodução dos enclaves fortificados, assim como a ampliação da

influência mercado imobiliário a partir da ausência do estado. Em sintonia com este

contexto, Arantes (2010) argumenta:

Uma das consequências das transformações ocorridas nas grandes metrópoles mundiais é a proliferação do que Tereza Caldeira chamou de “enclaves fortificados”, “espaços privatizados, fechados e monitorados para residência, consumo, lazer e trabalho”. Ainda que cada cidade tenha seu específico contexto econômico, social, político, cultural e institucional, é possível dizer que nos últimos trinta anos tem havido uma proliferação desses empreendimentos em escala mundial (ARANTES, 2010)

Nesse contexto, destaca-se o fato de Andrade (2001) apud Souza e Silva (2004)

apontar para registros de loteamentos com ocupação semelhantes aos atuais

condomínios fechados no Brasil, com habitações não permanentes e voltadas para o

lazer, partindo da década de 1970, quando os condomínios fechados começam a fazer

parte no cenário das grandes cidades brasileiras, inicialmente incipientes e voltados

para classes de alta renda, sendo influenciada pelo modelo de modificações na

estrutura física e social dos subúrbios nos Estados Unidos, com a criação das gatted

comunnities, como resposta aos problemas gerados após a democratização das terras

nestas áreas distantes dos centros:

Os subúrbios se tornaram urbanizados e passaram a concentrar problemas semelhantes aos das grandes cidades. Alguns deles

31

passaram a atrair os pobres e grupos de minorias raciais, não apenas negros, mas imigrantes de todos os tipos, latinos, chineses, entre outros. Para BLAKELY; SNYDER (1997), esse foi o estopim para o surgimento dos enclaves fortificados residenciais, que recriaram o padrão suburbano alterando as formas de acesso, restringindo os outsiders, através de cercas, muros e grades, de modo a manter o seu espaço seguro contra os pobres, garantindo a riqueza e a proteção do valor das

propriedades. (ARANTES, 2011. p. 35)

A partir da consolidação deste tipo de empreendimento nos EUA, os enclaves

fortificados de residências se alastraram para as principais cidades mundiais.

Estruturados a partir do interesse do capital, os condomínios nascem a partir da intensa

ação do mercado imobiliário. Trata-se de um fenômeno cada vez mais atuante e

poderoso na conformação das grandes cidades, especialmente na América Latina, e

especificamente no Brasil. Segundo Arantes, apud Blad (2003) este tipo de

empreendimento está sendo implantado em diversas partes do mundo:

Um rápido crescimento da incorporação desses empreendimentos vem se dando na África do Sul, no Oriente Médio, em partes da Ásia e na América do Sul, embora em outras regiões, como a Europa, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, a sua difusão venha se dando em ritmos mais lentos.

Falando especificamente da reprodução acelerada deste tipo de

empreendimento na América Latina, Andrade (2001) e Tavares (2009) apontam sua

aparição para a década de 1980, sendo consolidada na década seguinte, elencando

cidades como Santiago (Chile), Buenos Aires (Argentina) e São Paulo (Brasil). A estudiosa

D’ottaviano (2008) apud Tavares at all (2010, p. 5), destaca que “apesar da importação

do modelo de moradia pautado nos princípios das lifestyle communities, o discurso do

medo e insegurança nas principais capitais latino americanas, sem dúvida, tiveram e

têm, ainda hoje, um papel importante na expansão da tipologia”.

Neste sentido, a partir dos anos 80, se intensificou e consolidou no mercado

imobiliário nacional os condomínios. Fomentados pelo contexto econômico de

crescimento da economia e ascensão da produção imobiliária, setores médios e altos

optaram cada vez mais, entre outras alternativas, pela utilização de condomínios

fechados, em geral afastados dos grandes centros, muitas vezes em cidades vizinhas

com legislações mais permissivas, porém com acesso rápido aos mesmos, tendo em

32

vista que são bem conectados a grandes eixos. Ribeiro e Azevedo, citado por Azevedo

(2001), mencionam ainda, outra solução adotada por estas classes, que é a recuperação

de bairros populares bem localizados, que são reestruturados a medida que se criam

externalidades exclusivas e diferenciadoras em relação ao entorno, assim como uma

nova significação simbólica.

As novas tipologias habitacionais começaram a surgir, principalmente, nas

grandes cidades e principais capitais, propostas pelo mercado imobiliário para as

camadas mais abastadas da população: os flats, os condomínios fechados verticais de

edifícios de apartamentos e condomínios fechados horizontais de casas, além dos

loteamentos fechados, implantados nas cercanias dos perímetros urbanos e em

municípios vizinhos, áreas das chamadas regiões metropolitanas.

Entretanto, a produção dessa tipologia no Brasil encontra referência alguns anos

antes, com início da reprodução de tipologias semelhantes aos condomínios fechados

no Brasil destaca-se o ano de 1973, no qual a Construtora Albuquerque Takaoka lança,

na Grande São Paulo, o conceito Alphaville. Segundo site da empresa, o grupo tinha

inicialmente o objetivo de criar distritos para a instalação de empresas não-poluentes

porém, com o sucesso, teria surgido a demanda por uma área residencial e com isso o

conceito dos núcleos urbanos e empreendimentos horizontais Alphaville:

“desenvolvimento urbano planejado de setores residencial, comercial, lazer e, em

alguns casos, educacional, regidos pelo sistema de autogestão. ”

Inicia-se a fase de reprodução de condomínios formados a partir de loteamentos

fechados, como Alphaville e outros conjuntos residenciais, pioneiros, que lançaram as

bases para que outros conjuntos com as mesmas características fossem implantados

dentro da malha urbana de São Paulo e de outras cidades brasileiras, de acordo com o

estudo de Môncaco dos Santos (2003).

Os condomínios horizontais fechados propriamente ditos vão aparecer na cidade

de São Paulo apenas uma década depois dos loteamentos periféricos, por volta de

meados da década de 1980. Pode-se definir condomínio horizontal fechado como um

agrupamento de unidades habitacionais unifamiliares, com acessos independentes,

construído por um empreendedor, de acordo com projeto que abarca o conjunto

edificado e as residências.

33

Segundo Santos (2003), os condomínios fechados, verticais e horizontais, assim

como os loteamentos fechados, já fazem parte das opções de moradias para a

população de parte significativa das grandes e médias cidades brasileiras, se

reproduzindo de forma acelerada com grandes consequências para as cidades, tendo

em vista que apesar da sua reprodução acentuada a maioria das cidades brasileiras, não

possui ainda legislação específica que viabilize a implantação desses empreendimentos

em seus perímetros urbanos. Mesmo assim, tais conjuntos estão sendo construídos

cada vez mais, muitas vezes embasados em soluções legais controversas.

3.2. A Segregação

3.2.1. A segregação e a formação da cidade dual

O processo de urbanização é complexo e cheio de contradições, marcado desde

seu início pelas tensões sociais e pelo jogo de interesses entre as diversas classes sociais.

Nesse sentido, a ocupação desigual da cidade reflete espacialmente uma segmentação

social, o que permanentemente esteve presente nas cidades. Andrade (2010. P. 2)

menciona que a segregação se materializou de maneiras diferentes durante a história

da humanidade, de acordo com a realidade social de cada época. Lefrebvre (2004)

menciona que “social e politicamente, as estratégias de classe (inconscientes ou

conscientes) visam à segregação” (LEFEBVRE, 1969, p.90). Em relação a esta

característica social, o autor alerta sobre seus perigos:

A separação e a segregação rompem a relação. Constituem, por si sós, uma ordem totalitária, que tem por objetivo estratégico quebrar a totalidade concreta, espedaçar o urbano. A segregação complica e destrói a complexidade (LEFEBVRE, 2004, p. 124).

Contemporaneamente, novas formas de habitat urbano se propõem a configurar

áreas de homogeneidade socioeconômica, os “enclaves fortificados”, ou “condomínios

fechados”. Estes possibilitam o antigo sonho da “convivência entre iguais”, através de

mecanismos de segurança e distinção simbólica espacial.

34

Na cidade contemporânea, ela [a segregação socioespacial] vem (re)assumindo características cada vez mais rígidas. A conjunção dos problemas urbanos atuais – desigualdades sociais abissais, informalidade e irregularidade fundiária, precariedade e déficit habitacional, dificuldades de acessibilidade e mobilidade urbana, prevalência do automóvel particular como meio de transporte, crescimento desordenado e espraiamento das cidades, grandes distâncias e vazios urbanos, degradação e abandono de regiões centrais - levam a uma fragmentação da urbe, construindo uma atmosfera de insegurança e violência que se reflete em disposições espaciais que promovem isolamento, controle e privatização dos hábitos cotidianos. (ANDRADE, 2010. p. 3)

Inseridos em um contexto de crescimento desordenado da cidade, em que a

cidade dual e sua concentração de renda e demais problemas sociais se refletem na

violência e decadência de espaços públicos, os condomínios expresso do tipo “enclave

fortificado” são justificados pelo medo da criminalidade urbana, que é utilizada pelos

agentes (re)produtores do espaço para tornar estes empreendimentos cada vez mais

objetos de consumo, gerando lucros e se tornando um fenômeno urbano condensador

de transformações sociais e espaciais que se fazem presentes em diversas cidades

brasileiras (ANDRADE, 2010), inclusive em Natal (ASSIS, 2011), como menciona Tavares

(2008) a seguir:

Os condomínios fechados horizontais já fazem parte da realidade da cidade de Natal, se constituindo em um novo tipo de prática socioespacial que tende a proporcionar significativas transformações no tecido urbano da cidade. Estas transformações estão relacionadas não só ao plano da configuração espacial, mas também no que diz respeito ao desenvolvimento das interações e relações entre os diversos grupos sociais. (TAVARES, 2008. p. 16)

Nesse contexto, de rápido crescimento urbano e emergência de novas formas de

produção do espaço, faz-se necessário refletir sobre as práticas socioespaciais que

surgem a partir da disseminação desse tipo de moradia, e quais seriam as consequências

para as cidades reais, uma vez que este tipo de simulacro nega a cidade habitada e traz

atividades antes realizadas em espaços públicos para esses espaços privatizados,

desafiando assim a noção de bens públicos e de domínio público.

35

A segregação – tanto social quanto espacial - é uma característica importante das cidades. As regras que organizam o espaço urbano são basicamente padrões de diferenciação social e de separação. Essas regras variam cultural e historicamente, revelam os princípios que estruturam a vida pública e indicam como os grupos sociais se inter-relacionam no espaço da cidade. (CALDEIRA, 2000. p. 211)

Para melhor entendimento das práticas sociais engendradas é necessário

conhecer as estratégias utilizados pelos incorporadores imobiliários, na medida em que

impõem uma espacialização que ignora o entorno e rompe com a continuidade da

paisagem (MOURA, 2008. P.132) e ainda as formas imateriais que se estabelecem nesse

contexto, que corroboram para a ruptura estabelecida entre a cidade e os condomínios

fechados, seria mesmo possível negar de forma decisiva a cidade como a imagem

vendida pela publicidade desenvolvida para este tipo de empreendimento:

A versão residencial (...) deles [enclaves fortificados] estão mudando consideravelmente a maneira como as pessoas das classes média e alta vivem, consomem, trabalham e gastam seu tempo de lazer. Eles estão mudando o panorama da cidade, seu padrão de segregação espacial e o caráter do espaço público e das interações públicas entre as classes. (CALDEIRA, 2000, p. 258)

A leitura espacial e as práticas sociais estabelecidas entre o entorno e o

condomínio fechado são fortemente impactadas pela sua configuração, trazendo

influências relevantes para a própria cidade. A sociabilidade de uma maneira geral

também é prejudicada, uma vez que se desvincula as relações sociais interiores das

exteriores nesse tipo de empreendimento, que se constituem como bolhas. Estas bolhas

artificiais rompem o intercâmbio entre os diferentes grupos sociais e provocando assim

a fragmentação social do tecido urbano. Sobre as consequências da implantação dos

condomínios fechados, Lefebvre (2004) alerta:

Esta segregação implica em uma série de consequências, desde as de cunho sócio-cultural-econômico, isto é, relacionada com a sociabilidade e questões de estratos sociais, até a naturalização dos espaços fechados como parte da paisagem natural e, ainda, aspectos infraestruturais (a forma como se constitui a cidade: periferia versus bairro nobre). Nesse sentido, os condomínios

36

horizontais fechados interferem na vida dos residentes, bem como na constituição da cidade. (ASSIS, 2011. p1.)

Diante dos conceitos trazidos neste tópico este exercício acadêmico será

desenvolvido a fim de analisar como se dá a articulação entre as tipologias de bairro

popular (nesta oportunidade Cidade da Esperança, Cidade Nova, N. S. de Nazaré) e

condomínios fechados (no caso os Condomínio de Classe Alta Residencial West Park

Boulevard, West Side Boulevard, Green Woods e Green Village), do ponto de vista

espacial e social, procurando entender a sociabilidade na região, refletindo sobre os

efeitos das estratégias projetuais desses condomínios nas relações sociais e espaciais

estabelecidas na área.

3.2.2. Segregação Socioespacial

Segregação é, segundo Lefebvre (1969) o rompimento do intercâmbio entre os

grupos sociais, ou a fragmentação social do tecido urbano. Nesse sentido, converte-se

em um conceito fundamental para o entendimento das relações engendradas em áreas

que aproximam e, ao mesmo tempo, afastam grupos socioeconomicamente diferentes,

como os condôminos dos empreendimentos estudados e os moradores do seu entorno

imediato.

Relacionar-se menos com os desiguais, é segregá-lo do seu convívio, um conceito

ainda mais profundo é gerado uma vez que esta distância social se materializa,

adquirindo uma expressão espacial, através da estruturação do espaço urbano, sendo

assim acontece a segregação socioespacial, segundo Negri (2008). Nesse sentido

Andrade (2010) refere-se a este conceito, identificando que ambos – segregação e

distância social – têm pelo menos duas dimensões: a espacial e a social e é neste

momento em que os Estudos Urbanos passam a relacionar-se com o tema.

O interesse pelos padrões de sociabilidade presentes na área de estudo, onde a

tipologia condomínios fechados é bastante recorrente, contrastando com ocupações

residenciais tradicionais e consolidadas, parte da inquietude com relação à restrição da

interação entre os socialmente diferentes, que segundo Freeman, (1978) produz para

segregação.

37

Para melhor compreensão desse processo faz-se necessário um estudo

cronológico dos modelos de segregação. Destaca-se portanto Oscar Yujnovsky e a

sistematização que ele traz acerca da construção da segregação socioespacial na

américa-latina, através de três períodos distintos e subsequentes. Para isso, ele

identifica a presença de diferentes padrões de segregação produzidos no processo de

urbanização avançados, destacando que no continente sul americano, este teria

ocorrido de forma semelhante, porém com defasagens temporais.

A primeira fase é compreendida pelo século XVI e meados do século XIX (1850)

e corresponde a quase todo o período colonial. Este período, que é caracterizado pela

centralidade das moradias da classe de maior renda, nesta fase o planejamento das

cidades seguia as regras estabelecida pela Lei das Índias, considerada o primeiro código

de urbanismo da cidade moderna, utilizada nas cidades coloniais espanholas por Felipe

II de Espanha, em 1537.

O modelo de segregação é semelhante ao de Kohl, definido por Elizabeth

Cardoso (2010), como:

O modelo de Kohl foi formulado em 1841 e tomou como base uma generalização da distribuição dos grupos sociais nas cidades da Europa continental. Neste modelo, a elite se segregava localizando-se junto ao centro, enquanto que na periferia viviam os pobres. A localização das elites junto ao centro se justificava pela pouca mobilidade da população devido às deficiências dos meios de transporte e à necessidade das elites de se localizaram próximas aos prédios que abrigavam as mais importantes instituições: palácios de governo, Igrejas, instituições financeiras e comércio. (CARDOSO, 2010, p. 76)

A segunda fase está compreendida pelos anos de 1850 a 1930, e é

caracterizada pela mudança do padrão de habitação da sociedade, quando a classe de

maior renda passa a morar mais distante do centro. Eles passam a viver longe dos

centros pois a periferia atinge um ao satisfatório nível de desenvolvimento e existem

possibilidades eficientes de locomoção, os centros passam a ser ocupados por pessoas

de menores ou nenhuma renda, com a formação de cortiços próximos aos locais de

trabalho da classe operária.

Esta realidade é bem representada segundo (o) modelo de segregação de E.

W. Burguess, descrito por Elizabeth Cardoso (2010) como:

38

Na década de 1920, E. W. Burguess, tomando como base as grandes cidades norte-americanas, desenvolveu outro modelo, oposto ao anterior, onde os pobres localizavam suas residências junto ao centro degradado pelo excesso de funções comerciais, industriais e de serviços que abrigava, enquanto as elites demandavam os subúrbios. Ou seja, os prazíveis arredores das cidades. Estes fatos sugerem uma sequência destes modelos ou padrões na organização espacial da cidade, fato que tem surtido várias discussões. (CARDOSO, 2010, p3)

A terceira fase da sistematização de Yujnovsky é conhecida como centro-

periferia e acontece aproximadamente a partir dos anos 1930. Diante disto acentua-se

a preferências da classe de maior renda por determinadas áreas dotadas de

amenidades, a medida em que, paralelamente, se direciona à periferia das cidades um

grande fluxo migratório, composto principalmente de trabalhadores rurais, que acabam

residindo em loteamentos populares, favelas ou conjuntos habitacionais financiados

pelo Estado.

Esta realidade é bem representada segundo modelo de segregação de Hyot,

descrito por Corrêa (1989) apud Cardoso (2010), como:

Por fim, tem-se o modelo de Hoyt, formulado em 1939, que, ao contrário dos anteriores, não demonstrou um padrão de segregação espacial em círculos concêntricos a partir da área central e sim se concretizou em forma de setores de círculo a partir do centro. Este modelo permite verificar que os setores residenciais de alto status localizam-se nas áreas de maiores amenidades, que são cercadas pelas camadas de médio status da população em outros setores, enquanto que no sentido oposto se encontrariam os setores ocupados por populações de baixo status social. (CORRÊA, 1989 apud CARDOSO, 2010. p.76)

Esse padrão centro-periferia de segregação marcou a constituição das

metrópoles brasileiras a partir das décadas de 1960 a 1980, segundo Santos (2013) e

ainda predomina em todas as áreas urbanas, especialmente as metrópoles.

A fase atual do processo de segregação, segundo Negri (2008), Santos (2013) e

Cardoso (2010), teve início a partir da década de 1980, e segundo uma nova forma de

segregar sócio espacialmente. Denominado modelo fractal, é caracterizado pelaauto

39

segregação das camadas de alta renda e marcado pela proximidade física e

distanciamento social entre os grupos. Esta fase ganha força a partir da década de 1990,

reproduzindo-se com ainda mais intensidade na década de 2000. Um dos principais

elementos desse novo padrão de segregação são os condomínios fechados, tema

desenvolvido no presente trabalho desta monografia. Segundo santos a escala gráfica

da segregação sofre mudanças com esse novo paradigma:

O modelo fractal de segregação relaciona-se com o processo de redução da escala geográfica da segregação, proposto por estudiosos da evolução do padrão de segregação nas cidades latino-americanas (SABATINI; SIERRALTA, 2006; VIGNOLI, 2001). Segundo esses autores, há uma mudança no padrão de segregação da escala metropolitana para a microescala (intraurbana), embora a segregação em grande escala (metropolitana) não deixe de existir. (SANTOS, 2013 , 58)

Este processo é diferenciado em relação aos demais modelos de segregação,

tendo em vista que as classes sociais diferentes apresentam uma aproximação física,

ainda que, mantendo um grande distanciamento psicológico e social, como afirma

Caldeira (2000):

Sobrepostas ao padrão centro-periferia, as transformações recentes estão gerando espaços nos quais os diferentes grupos sociais estão muitas vezes próximos, mas estão separados por muros e tecnologias de segurança, e tendem a não circular ou interagir em áreas comuns. O principal instrumento desse novo padrão de segregação espacial é o que chamo de ‘enclaves fortificados’, Trata-se de espaços privatizados, fechados e monitorados para residência, consumo, lazer e trabalho. A sua principal justificação é o medo do crime violento. Esses novos espaços atraem aqueles que estão abandonando a esfera pública tradicional das ruas para os pobres, os ‘ marginalizados’ e os sem-teto. (CALDEIRA, 2000, 45)

Nesse sentido, é preciso refletir sobre as consequências da redução da escala da

segregação, que pode acirrar conflitos socioterritoriais, uma vez que, apesar de

justapor-se às áreas mais pobres, substitui as distâncias físicas do modelo centro-

periferia pelos aparatos de segurança que garantem o distanciamento sociocultural,

através da decisão de manter-se isolado, ou seja, auto segregando-se das camadas mais

pobres e do ambiente do entorno.

40

Na implantação de um condomínio fechado separa-se condôminos de não

condôminos, através de muros, grades, muros verdes, e segrega-se, a medida em que

barreiras físicas e simbólicas são impostas com vistas a negar as possíveis relações ou

interações entre os que compõe o grupo de moradores do condomínio e os que estão

fora de seu perímetro. Nesse padrão identifica-se premissas básicas da segregação,

como podemos ver na definição de Lefebvre citado por Tavares, 2009: “a separação e a

segregação rompem a relação. Constituem, por si sós, uma ordem totalitária que tem

por objetivo estratégico quebrar a totalidade concreta, espedaçar o urbano. A

segregação complica e destrói a complexidade ”. (LEFEBVRE, 2004. P. 124.)

Sendo assim, a complexidade da sociedade atual em questões habitacionais leva-

nos a tentar entender a separação entre as classes sociais nas cidades, que configura-se

não apenas espacialmente, como também, socialmente segundo Negri (2008).

Intrinsicamente atrelado à urbanização e suas dualidades e contradições, a segregação

está relacionada ao jogo de interesses que desenha o espaço urbano, como as políticas

públicas urbanas, a influência das classes de maior renda, e a atuação do mercado

imobiliário. Nas palavras de Negri (2008): “Considera-se, ainda, como um fenômeno

essencialmente espacial, e não como um mero reflexo das diferenças sociais, mas um

espaço que é produzido e organizado de acordo com os interesses das diferentes

classes. (NEGRI, 2008. P. 148)

A realização dos interesses da classe dominante no tocante a garantir-lhes

vantagens na estruturação do espaço é a própria segregação. Nesse sentido os estudos

de Flávio Villaça, 1997 destacam três esferas de controle na produção e consumo do

espaço urbano por parte do Estado. Ainda em relação as esferas, Negri (2008) elenca:

(1) Esfera Econômica: através do controle do mercado imobiliário, que atende os desejos de localização espacial da classe dominante. (2) Esfera Política: ocorre pelo controle do estado, que se manifesta de três maneiras: Controle sobre a localização da infraestrutura urbana, Controle da localização dos aparelhos do Estado, Controle da legislação de uso e ocupação do solo urbano (3) Esfera ideológica: através do desenvolvimento de ideias dominantes que visam auxiliar, em determinados momentos, a dominação da sociedade e aceitação por parte de seus ideais. (NEGRI, 2008, p. 150)

41

A segregação, ainda segundo o mesmo autor, se intensificou diante da política

econômica recessiva dos anos 1980 e 1990 no Brasil, e a sua consequente falta de

investimento em políticas habitacionais e de infraestrutura urbana, ao longo do

processo de urbanização, que diante da realidade política e econômica da época

baseou-se na autoconstrução, em favelas e loteamentos sem infraestruturas

adequadas, alicerçadas na prevalência da especulação imobiliária sobre o direito à

cidade.

A falta de proatividade do Estado está em sintonia com o projeto neoliberal do

modo de produção capitalista, que se fundamenta na liberalização do mercado

imobiliário, com sua forte participação na reprodução do espaço urbano com vistas ao

lucro. Essa realidade perversa tem aumentado as disparidades na organização e no

acesso ao espaço público e na infraestrutura urbana como foi discutido no capítulo 2.

Em sintonia com o que foi dito, está o conceito de segregação de Tavares, “O processo

de segregação socioespacial é produto da ação dos agentes modeladores que produzem

o espaço social de acordo com seus interesses de classe” (TAVARES, 2009, 46),

controlando o mercado de terras, a incorporação mobiliária e a construção, de forma a

direcionar seletivamente a localização dos demais grupos sociais no espaço urbano

(Correia, 1989, 46).

A pesar de existirem diversas formas de segregação no Brasil, a maioria das

pesquisas demonstra que o principal tipo de segregação encontrada é socioeconômica,

por meio da qual as classes sociais distribuem-se de forma desigual no espaço urbano

das grandes e médias cidades. Desta forma, surge uma estrutura urbana dualizada entre

ricos e pobres, uma organização espacial corporativa e fragmentada, onde as elites

podem controlar a produção e o consumo da cidade, através de instrumentos da ação

do Estado e do mercado imobiliário, excluindo e abandonando a população de menor

renda à própria sorte (NEGRI, 2008, p. 150)

O fenômeno da segregação urbana faz-se ainda mais perverso por sua

característica de retroalimentação. Nas palavras de Negri (2008), o segregado tem

chances desiguais de ascender socialmente. Segundo Roitman (2003), isto acontece pois

além de aumentar as diferenças e divisões sociais, a segregação ainda reduz as

oportunidades de trabalho e aumenta a vulnerabilidade social dos que sofrem com ela.

Sendo assim é preciso compreender que a segregação não apenas diferencia e separa

42

grupos sociais, mas, também age diretamente nas possibilidades de exercício da

cidadania, influenciando na maneira díspare nas forma de acesso desses grupos aos

recursos e serviços coletivos (empregos, serviços sociais, infraestrutura etc) e, neste

sentido, a segregação espacial contribui para a produção da exclusão social. Como

podemos perceber no trecho de Negri (2008) sobre as consequências da segregação

espacial:

Ser segregado espacialmente, significa ter oportunidades desiguais em nível social, econômico, educacional, renda, cultural o que lhe confere condições mínimas de melhorar socialmente ou economicamente. Implica, na maioria dos casos, em apenas reproduzir a força de trabalho disponível para o capital. Maioria dos investimentos em bairros de mais alta renda Investimentos públicos não chegam ou chegam de maneira precária, o que reflete nos índices de instrução, saúde, entre outros (pobreza miséria e violência). (NEGRI, 2008, p. 136)

Além dos prejuízos mencionados anteriormente este autor, menciona os riscos

do prejuízo cultural, relativo ao modo como o segregado enxerga o mundo e qual a sua

consciência objetiva de seu estado de segregado social e espacial, considerando a sua

atitude em relação à sua condição de excluído.

Em relação a segregação sócio econômica, Negri (2008) afirma em reflexão sobre

a influência da condição econômica para a localização da habitação, assim como um

instrumento de controle de classes, que:

O que se pode afirmar é que essas relações nos dias atuais se dão muito mais em função de fatores econômicos. As maneiras como as classes se distribuem no espaço urbano dependem do acúmulo de capital individual que cada um consegue ter (...). A segregação não é simplesmente e somente um fator de divisão de classes no espaço urbano, mas também um instrumento de controle desse espaço. (NEGRI, 2008, p. 135)

Ainda em relação a este tipo de segregação, como consequência desta

distribuição díspare surge uma estrutura urbana desigual, em que o espaço se consolida

como condicionador das condições sociais a medida em que configura-se uma

distribuição espacial desigual dos segmentos sociais. Esta realidade tem por

consequência o aumento das diferenças sociais, pois a segregação acaba por garantir

43

feição espacial às desigualdades sociais. A estruturação da cidade segue então as

seguintes características, mencionadas por Silvio Negri (2008):

Uma cidade dualizada entre ricos e pobres, uma organização espacial corporativa e fragmentada, onde as elites podem controlar a produção e o consumo da cidade, através de instrumentos como o Estado e o mercado imobiliário, excluindo e abandonando a população de baixa renda à própria sorte (NEGRI, 2008, p. 250)

De uma forma geral a formação de espaços homogêneos são prejudiciais à

interação entre diferentes e a desejável complexidade das cidades. Em relação a isso

LEFEBVRE, 2004, entende a segregação como resultado de um processo social que

conforma a formação de espaços homogêneos que, por sua vez, não só diferenciam,

mas também segregam, a medida em que separam, ou seja, inibem a comunicação entre

os diferentes grupos sociais.

Para Manuel Castells, a segregação residencial é “a tendência à organização

do espaço em zonas de forte homogeneidade social interna e com intensa disparidade

social entre elas, sendo esta disparidade compreendida não só em termos de diferença,

como também de hierarquia”(Castells, 2001, p. 210). Segundo Sílvio Negri (2008), a

divisão por diferença no Status Hierárquico reflete e reproduz as relações de poder na

cidade. Essa categoria é representada, por exemplo, por um enclave (condomínio

fechado) ou pela distribuição dos serviços públicos pelo Estado.

Remetendo o conceito de segregação para o objeto de estudo desta monografia,

os condomínios fechados, Andrade(S/D) refere-se ao fato de que “condomínios

fechados, guetos e certas áreas periféricas destinadas aos estratos sociais mais pobres

são espaços altamente segregados na medida em que concentram pessoas

semelhantes”(Andrade, S/D. p. 35), lembrando que comunidades homogêneas são

segregadas e segregantes, a medida em que segregação “é um processo dialético, em

que a segregação de uns provoca, ao mesmo tempo e pelo mesmo processo, a

segregação dos outros (VILLAÇA, 1998, p. 148 apud TAVARES, 2009)

A diferença entre essas realidades é, segundo Andrade (S/D) que no condomínio

fechado os grupos sociais mais abastados têm o poder de optar pelo convívio entre

iguais, ou seja, a segregação ou a vontade de manter o outro distante é imposta e

materializada em barreiras físicas, como muros altos, cercas, muros verdes, além dos

44

elementos simbólicos como os pórticos de entrada (dimensão e localização). De

maneira intencional, essas estratégias projetuais, lançam mão de artifícios para

diferenciar-se e dar sensação de status. Para tanto, usa de influências junto ao Estado.

Este, por sua vez, em detrimento dos interesses coletivos, cede, permitindo esse tipo de

produção de moradia muitas vezes em desacordo com a legislação vigente. Isto faz com

que os condomínios sejam construídos e vendidos em muitas cidades brasileiras,

grandes e médias. Sobre o fato Negri (2008) assinala:

O Estado adquire um papel crucial, porque acentua a segregação através de legalizações para instalação de condomínios fechados, cercamento de bairros, suburbanização da classe alta, facilitação de transporte, entre outros mecanismos que facilitam a segregação. (NEGRI, 2008, p. 149)

Soma-se a esta realidade o controle do acesso por parte da segurança privada e

tecnologia empregada, que garantem, entre outros aspectos, o distanciamento dos que

vivem no entorno imediato do condomínio fechado, impedindo-os, também, de

adentrar em suas dependências. Devido as particularidades dessa nova forma de morar

que engendra uma relação diferente entre o espaço e as pessoas a sua volta, introduz-

se uma nova realidade social, mencionada por Silva, Costa, 2011:

Assim, ao nos remetermos a esta nova realidade social, podemos, segundo Caldeira, afirmar que “os enclaves fortificados - prédios de apartamentos, condomínios fechados, conjunto de escritórios ou shopping centers - constituem o cerne de uma nova forma de organizar a segregação, a discriminação social e a reestruturação econômica” (2000, p. 255). (SILVA, COSTA, 2011, 24.)

Nesse sentido, Tavares (2009) menciona que os condomínios são enclaves

excludentes, uma vez que é evidente a capacidade dos grupos que o compõe ou

idealizam isolar-se ou manter distância dos demais grupos sociais, os são considerados

“indesejáveis” pelos condôminos. MARCUSE (2004, p. 25), menciona essa forma de

segregação como segregação de status ou “enclave excludente”, tendo em vista que:

“Um enclave excludente (exclusionary enclave) é uma área de concentração espacial na qual os membros de um determinado

45

grupo populacional, definido por sua posição de superioridade em termo de poder, riqueza ou status em relação a seus vizinhos, aglomeram-se de modo a proteger essa posição.” (MARCUSE apud TAVARES, 2009, 36)

Em relação aos enclaves fortificados, ANDRADE menciona sua capacidade de

modificar a paisagem urbana, conferindo ao espaço urbano novas funções,

configurando verdadeiros enclaves sociais, com ativa contribuição para a fragmentação

das relações humanas, com intensificação do individualismo, e do desrespeito e

desatenção aos interesses coletivos que acabam deturpados a medida em que existe

forte indefinição dos interesses públicos e privados na sua implementação e

consolidação.

Segundo Andrade (S/D) os condomínios são prejudiciais a sociabilidade tanto

externa, em relação ao entorno, quanto interna, como podemos perceber:

Morar em um condomínio é uma forma de marcar claramente as distâncias espaciais, sociais e também simbólicas em relação aos outros, ou seja, aos que estão do lado de fora. No entanto, o mundo de iguais não é necessariamente um mundo coeso e solidário, ou um mundo de fortes laços de sociabilidade. A vida em condomínios é vista também como a possibilidade de uma vida mais individualizada e com maior privacidade até mesmo em relação ao próprio grupo de moradores; (...) Nos condomínios a distância dos mais próximos é possibilitada pelas moradias unifamilares em lotes de grandes extensões. (ANDRADE, S/D. p. 6)

Diante de uma realidade de prejuízo para as relações sociais na urbe, a expansão

acentuada dos condomínios horizontais na malha urbana das cidades deve ser foco de

debate na sociedade, pois antes de aceitar tacitamente sua expansão e reprodução é

necessário saber suas consequências para a cidade e suas relações desejáveis de

complexidade e urbanidade. Nesse sentido Andrade (2001), Sogame (2001), Moura

(2003) e Le guirriec e Marques (2007), definem os condomínios fechados como espaços

de exclusão sendo opostos ao uso democrático da cidade uma vez que, criam barreiras

físicas que se contrapõem a sociabilidade entre os grupos sociais, além de cerrar espaços

que deveriam ser públicos.

Entende-se, portanto, condomínios horizontais como empreendimentos que

engendram uma relação de segregação bastante complexa com o entorno, à medida

46

que se inserem em regiões periféricas, negando suas adjacências, privatizando serviços

coletivos, necessários não apenas aos condôminos, mas também aos moradores do

entorno. Essas características se afirmam cada vez mais perversas, constituindo-se em

barreiras, que separa grupos sociais de uma forma tão explícita, transformando a

qualidade do espaço público e a relação de urbanidade e vitalidade da área, como será

visto no desenvolver deste trabalho.

3.3. Sociabilidade e sua relação com a forma urbana

3.3.1. Urbanidade e Desurbanidade

Urbanidade é um tema relativamente recente e bastante complexo, que segue sendo

debatido e delineado pelos estudiosos de diversos campos de conhecimento, em particular da

Arquitetura e Urbanismo. As primeiras discussões foram desenvolvidas ao longo da segunda

metade do século XX, num contexto em que passou-se a reconhecer o fracasso urbanístico do

movimento moderno. Em reflexão sobre os motivos que teriam levado as cidades projetadas na

época ao fracasso, chegou-se à conclusão que faltava-lhes uma característica fundamental,

urbanidade, a partir de então passou-se a pesquisar o tema.

Desde então, alguns autores contribuíram para a formulação dos elementos da

urbanidade, dentre eles destacam-se Jane Jacobs, Kevin Lynch, Bill Hillier e Julienne Hanson e

Frederico de Holanda. Dentre estes autores, abordara-se nesta revisão conceitual os trabalhos

de Jacobs (1961), desenvolvido ainda na década de 1960, que tornou-se um emblema nesta

linha, além de estudos atuais desenvolvidos pelo grupo Urbanidades de Douglas Aguiar (2012),

que serão base para as reflexões feitas acerca das qualidades do urbano na análise morfológica

a ser feita no desenrolar desta monografia.

Levando em consideração a discussão desenvolvida nesta monografia, não há conceito

que expresse melhor os condicionantes das relações e interações sociais mediadas pela cidade

do que o de urbanidade, entendido como um conjunto de qualidades boas ou más que

constituem a cidade, segundo Vinicius M. Netto et all (2012)2. Capaz de traduzir o espírito

urbano, o conceito em questão seria, segundo o autor, um dos aspectos mais abrangentes da

vida urbana.

O espaço urbano é produzido pela sociedade a partir de relações sociais de produção

marcadas pela atuação dos atores sociais e ao mesmo tempo influenciando-as, tendo em vista

2Netto, 2012.

47

que não é inerte. Para melhor compreender de que forma esta relação se estabelece é

importante perceber que a “Sociedade é um sistema de encontros e esquivanças.” (HOLANDA,

2007, p. 1) no qual a forma estabelece que: “Barreiras e permeabilidades ao movimento somam-

se a outras, referentes à opacidades e transparências à visão.” (HOLANDA, 2007, p. 2).

Dessa forma, o espaço urbano é atuante na sua construção e reconstrução, à medida

que afeta a experiência cotidiana das pessoas. Esta realidade se dá, devido a estrutura material

que nos antecede que, por sua vez, media nossa experiência de mundo, que é material, como

podemos perceber no texto de Netto:

Espacialmente, nossas posições e movimentos não são inteiramente livres, irrestritos, mas modelados por uma estrutura material que nos antecede e nos cerca. Nossa experiência é construída por sentidos que capturam informação sensorial do ambiente (veja Merleau-Ponty, 1962), um ambiente largamente moldado por sob forma de cidades. Cidades passam a ser formas de mediação da nossa experiência física, material do mundo. (NETTO, 2012, p. 38)

As características e as relações estabelecidas do espaço urbano influenciam na

urbanidade a medida em que são atuantes na geração de encontros, sobretudo entre

habitantes e estranhos através de qualidades essencialmente materiais que repercutem

diretamente no comportamento e no bem estar das pessoas no espaço público.

Nessa perspectiva, a importância desse conceito ganha destaque na análise dos

espaços urbanos, à medida em que se debruça sobre os arranjos materiais da vida

coletiva, permitindo espacializar as relações espaço/corpo. Que por sua vez está

atrelada a algumas características do espaço que teriam influência nessas interações.

Para Netto (2012), “Urbanidade é uma propriedade robusta, chave; uma propriedade

que parece endereçar o coração da vida urbana e suas condições. (NETTO, 2012, p. 13)

Segundo Aguiar (2012), a urbanidade enquanto qualidade do espaço urbano se

dá, ainda, a medida em se sobrepõe características que estimulem pessoas a buscar

estes lugares, tal feito pode dar-se pela atratividade do próprio lugar, ou pela sua

configuração espacial, sendo aquela área conectada com outros polos, tornando-se

portanto passagem para eles. (AGUIAR, 2012, p. 77)

O conceito de configuração espacial, segundo Edja Trigueiro (2005) é o de “todo

resultante de partes que se relacionam entre si e cuja relação não pode ser alterada sem

que se altere o todo, uma vez que é esse sistema de relações que determina a natureza

48

do todo.” (TRIGUEIRO, 2005, p. 5), sendo determinante para a relação entre forma e

espaço, e portanto essencial para compreensão de fenômenos socioespaciais.

Hillier (1996) demonstra que a configuração espacial condiciona a funcionalidade urbana, a distribuição de usos do solo residencial e comercial, segurança pública, variação de densidades e qualifica as cidades como “economias do movimento”. Argumenta que o movimento natural desencadeia efeitos multiplicadores, com a presença de atividades de atração de população e geradoras de oportunidades. (TRIGUEIRO, 2005, p. 5)

Faz-se necessário portanto, relacionar as configurações espaciais aos sistemas

de interação entre pessoas, suas formas de encontros, como trocam informações, ou

seja, as maneiras de organização de grupos em sociedade. Desta forma sobrepondo

informações relativas aos espaços e a sociedade: enquanto o primeiro é tido como

sistema de barreiras e permeabilidades ao movimento das pessoas, o segundo é visto

como um sistema de encontros interpessoais. Nesse sentido, características físicas do

espaço público influenciam na menor ou maior promoção de encontros, esta dimensão

é a copresença, esta é tão importante para o conceito de urbanidade, que para Netto,

ela pode ser conceituada como: “Copresença dos diferentes modos de ser”3. Referindo-

se a esta dimensão do espaço urbano, Netto menciona atividades que contribuem para

a integração do mundo social:

Enquanto cenário da integração do mundo social, a cidade deve em sua materialidade reconhecer a centralidade da coexistência e da comunicação e sua condição ética, a medida em que seus espaços fomentam a civilidade no convívio, através de características espaciais que estimulem a copresença dos diferentes modos de ser, a comunicação livre de coerção (Habermas), a orientação para o outro (Heidgger), assim como o bem-vir às diferenças (Derida).4

Os atributos influenciadores da urbanidade mencionados por Netto são: espaço

público bem definido, forte contiguidade entre edifícios, frágeis fronteiras entre espaço

interno e externo, continuidade e alta densidade do tecido urbano, entre outros. No

entanto, Netto também afirma que a relação entre arquitetura e urbanidade é de

3 (NETTO, 2012. P. 19) 4(NETTO, 2012. P. 20)

49

estabelecimento, pela primeira em relação a segunda, de possibilidades e de restrições

que têm sua repercussão segundo as circunstancias, não sendo portanto uma relação

de determinação.5

Os mesmos aspectos são mencionados por Holanda, em suas palavras:

densidade de edificações, constituição do espaço de maneira a favorecer a boa conexão

entre espaço público e privado, e a boa condição de integração espacial, como podemos

perceber no fragmento de texto abaixo, escrito por Aguiar.

Holanda (2003:16) conceitua urbanidade como uma condição “simultânea ao espaço físico e aos comportamentos humanos” e que se caracterizam pela minimização dos espaços abertos em prol de ocupados”, ou seja, na densidade de edificações; na existência do maior número de portas para lugares públicos, jamais paredes cegas, ou seja, na constituição do espaço; na minimização dos espaços segregados, guetizados, becos sem saída[...] ou seja, na busca da condição de integração espacial decorrente do posicionamento do espaço no todo maior, ou a condição de rede. (AGUIAR, 2012, p. 70)

Suporte e resultado de práticas interpessoais reproduzidas no meio urbano, a

urbanidade tem natureza cumulativa, e é composta de forma temporal, ciclo em que atos de

urbanidade são amalgamados, impressos no espaço, configurações da cidade que seguem

“pulsando urbanidade”, em um processo em que o presente da cidade projeta urbanidades ao

futuro (NETTO, 2012, p. 56), como pode ser observado no parágrafo desenvolvido por Neto (2012)

a seguir:

O meio urbano participaria da urbanidade de duas formas: como suporte das práticas interpessoais e como resultado das práticas virtuosas na sua própria produção. Na primeira situação o meio urbano teria potencial para despertar, facilitar, ou, ao contrário, dificultar, inibir práticas interpessoais virtuosas. Na segunda, o meio urbano seria o testemunho de práticas virtuosas (em menor ou maior grau) do passado, como que congeladas e expostas no presente (“mesmo distantes no tempo, indivíduos estarão dialogando através dos objetos que inserem na manufatura urbana)”. Considerando a natureza cumulativa da produção do meio urbano, uma espécie de trabalho colaborativo através do tempo, virtualmente todo lugar urbano seria resultado da acumulação de diferentes urbanidades do passado, todas amalgamadas e ainda operando no presente como suporte a práticas interpessoais: “A interação entre agentes urbanos leva à produção de uma estrutura (a cidade) que, uma vez produzida, é incorporada como limitadora de futuras interações por muito tempo”. A inteireza desse

5(NETTO, 2012. P. 27)

50

circuito se completa com a adição, no presente de novas urbanidades. (NETTO, 2012, p. 24)

Estas projeções materiais de urbanidades mencionadas são materializadas na

diversidade de espaços urbanos e em um impulso à associação e à comunicação,

característica que nos mantém enquanto sociedade a despeito de toda tensão de

diferenciação. O conceito de urbanidade se faz ainda mais importante uma vez que

demonstra sua capacidade de influenciar-se por urbanidades amalgamadas no passado

e projetar urbanidades no futuro, logo configura-se a responsabilidade nos atos de

urbanização e nas escolhas que fazemos enquanto sociedade.

Enquanto a vida urbana envolve a ambiguidade fundamental de amparar

diferentes experiências individuais e relacioná-las em modos de experiências em

comum. (NETTO, 2012. p. 38), sob forma de convívio, ela relaciona-se à integração

social, como menciona Neto:

Minha aproximação do problema da “urbanidade” ao da “integração social” evoca a ideia de urbanidade como resultado e como condição da integração social, simultaneamente como sua construção, expressão e experiência. Refere-se ao papel das dinâmicas da urbe ao estabelecer condições de relação (mesmo espontâneas) entre pessoas e entre campos sociais – o efeito da urbe sobre o teer das nossas associações. (NETTO, 2012. p. 45)

Relacionada a continuidade do mundo social e a sua integração, e portanto, ao

seu oposto, as tendências de distanciação e segregação social, a urbanidade dialoga com

esses aspectos de maneira que Netto afirma: “Ela é dependente dessas características.

Reconhecer as forças de segregação que põe em risco a sua reprodução e que afetam a

urbanidade como experiência da diversidade e da complexidade social. ” (WEIGERT,

2010; BORDIEU, 1989; FREEMAN, 1978 apud NETTO, 2012. p. 45).

Essa relação de dependência mencionada pelo autor ocorre, pois, a cidade deve

garantir as condições para as interações entre campos sociais, e, portanto, ser palco

delas. Ora, se em seu âmbito há uma redução substancial nesta integração, sobretudo,

se não compensadas por dinâmicas de interação entre campos sociais. Isto pode

implicar em restrição de interações de uma forma geral, o que é a própria definição de

segregação, segundo Linton Freeman (1978).

51

Sociedades enfrentam constantemente riscos para sua própria integração trazidos por tendências de diferenciação, em parte relacionadas a processos de formação de identidades socialmente reconhecidas e potencialmente exageradas em contextos de maior desigualdade. Sociedades poderiam “quebrar” em nichos de comunicação só relacionados funcionalmente em casos extremos, em lugares desconectados, impermeáveis, segregados (vivemos em nossas cidades e sociedades essas duas condições). Certamente a redução de interações externas na formação mútua de identidades e grupos sociais frequentemente termina produzindo suas próprias espacialidades em nossas cidades. Dado que sua eliminação tampouco é possível, essas tendências de restrição de encontro devem ser contrabalanceadas, de modo que sistemas sociais não quebrem em nichos completamente desconectados ou conectados apenas funcionalmente. (NETTO, 2012. p. 44)

Vivemos uma fase em que as tendências de diferenciação potencializadas pela

desigualdade podem materializar-se no espaço urbano enquanto tipologias que

reproduzem novos estilos de vida baseados na separação e restrição de encontros dos

desiguais, reiterando e consolidando fisicamente uma disparidade social que repercute

na urbe e nas suas relações sociais.

Nesse processo, é possível identificar uma oposição a noção de urbanidade,

introduzindo portanto, conforme identifica Lucas Figueiredo (2012), o Desurbanismo,

presente nas cidades brasileiras nas últimas décadas.

Segundo o autor este segue uma lógica de “produção de tipologias

arquitetônicas, espaços e sistemas de transporte que dão suporte a um determinado

modo de vida, que prioriza o automóvel particular, a separação de pessoas e ideias e, o

enclausuramento e a negação do espaço público.”. (NETTO, 2012. p. 209)

Para Figueiredo, o desurbanismo destrói as relações entre o público e o privado,

ao negar os espaços públicos, contribui com o crescente uso de automóvel, causa o

enclausuramento de pessoas, além de outras consequências que contribuem para

separar pessoas e ideias. Sobre esse processo, segundo Netto (2012), “Se cidades são

estruturas de aglomeração que facilitam encontros e copresença e, potencialmente

interação e cooperação entre pessoas, o desurbanismo pode ser definido, então, como

uma estratégia de destruição das cidades.” (NETTO, 2012. p. 30)

52

Em seu manual de destruição das cidades Figueiredo6 elenca uma série de

estratégias de intervenção e gestão urbanística que tem resultado no desurbanismo,

como: (1) incentivar o uso do automóvel particular; (2) transporte público de baixa

qualidade; (3) Construir muros altos, torres e condomínios fechados; (4) reduzir a

diversidade de usos e a adaptabilidade das edificações; e (5) segregar pessoas e ideias.

O uso do automóvel particular é prejudicial à urbanidade a medida em que é

oposto a ruas vibrantes e a presença de muitos pedestres, pois a copresença gerada pelo

pedestre gera encontros e possíveis interações, como, por exemplo, a entrada numa

padaria ou o olhar sobre uma vitrine durante o percurso. Enquanto que o usuário do

automóvel restringe sua copresença apenas aos ocupantes do veículo, além de restringir

de maneira drástica a relação entre movimento e interação, mesmo quando há fachadas

ativas, pois parar para fazer compras ou dialogar com alguém demanda muito mais

trabalho, diminuindo sua frequência.

Além de serem opostos em suas formas de relacionar com o meio urbano, o

pedestre e o condutor do automóvel geram diferentes demandas com relação à

mobilidade, a medida em que “Via de regra, qualquer adaptação do ambiente

construído em favor do automóvel ou da circulação de veículos cria restrições para os

pedestres.” (NETTO, 2012, p. 219) Segundo Figueiredo, essa estratégia vem sendo

utilizada com maestria no Brasil, como resultado de investimentos para aumentar as

vendas de automóveis no país, o ambiente para os pedestres é cada vez mais hostil e o

transporte público cada vez de pior qualidade. Esta realidade penaliza e restringe modos

de vida que dependem da utilização dos espaços urbanos, segundo o estudioso.

A construção de muros altos, torres e condomínios fechados é negativa para a

urbanidade uma vez que estas formas e tipologias que se apresentam como novas

formas de morar, são impulsionadas pelo medo do crime e da hostilidade do espaço

urbano. Em resposta a essas características, os usuários reformam sus muros ou aderem

à novas tipologias. Essa resposta geralmente ocorre com características físicas

prejudiciais à mesma, com pouca ou nenhuma fachada ativa, grande área de fachada

impermeável (fachadas cegas), diminuição (muitas vezes reduzida à apenas uma, a

portaria) de interfaces diretas entre o público e o privado, grandes recuos e afastamento

6 FIGUEIREDO, 2012.

53

topológico da rua, falta de visibilidade para a rua (note que para considerar conexão

visual para urbanidade contabiliza-se apenas até o 4º andar).

As torres são prejudiciais à urbanidade pois trazem características desurbanas já

citadas anteriormente, como por exemplo fachada cega nos primeiros andares devido à

construção de vagas de estacionamento nos subsolos e térreo e diminuição de

interfaces diretas entre público privado, com a preocupação da segurança privada e

controle de entrada e saída.

Essa realidade está aliada ao fato de que estas torres geralmente são compostas

por áreas de lazer interna, com adensamento que seria favorável à urbanidade passando

a não contribuir com o mesmo, uma vez que seus moradores passam a não ser

potenciais usuários do espaço urbano, pois não necessitam utilizar o espaço público se

restringindo à utilização dos equipamentos privados aos moradores das torres.

Condomínios fechados horizontais produzem impactos ainda maiores, uma vez

que ocupam grandes áreas, criam longas extensões de fachadas cegas, criam falhas na

malha urbana e se constituem como barreiras, aumentando distâncias não só para

pedestres assim como para veículos. É necessário frisar que muitas vezes são

implementados em áreas periféricas, se faz necessário refletir sobre o futuro, e se estes

não serão amalgamadas pelo crescimento da cidade.

Em conjunto, muros altos, torres e condomínios fechados continuem

para a configuração de um espaço urbano cada vez mais inóspito, e potencialmente

perigoso, em que os espaços abertos legitimamente públicos estão sendo

gradativamente abandonados a medida em que as pessoas se enclausuram, como em

um ciclo, ruas vazias e cercadas por fachadas cegas parecem ser outra restrição para os

modos ou estilos de vida que dependem de fachadas ativas e permeáveis para viver o

urbano.

A mistura de usos depende da viabilidade econômica de cada atividade em

relação ao valor do solo e é facilitada pela adaptabilidade das edificações ou pela

diversidade de tipologias arquitetônicas.7 Segundo Figueiredo (2012), “isso significa que

o processo de remodelamento através da substituição de edificações leva a um

7 JACOBS, 2000 apud FIGUEDIREDO, 2012

54

inevitável congelamento e homogeneização de áreas urbanas, quando a maioria das

edificações alcança seu maior valor viável no mercado.”8

Relacionada a esta viabilidade econômica, a possibilidade de adensamento

provoca uma homogeneização nas áreas urbanas, uma vez que multiplica o valor do solo

e permite verticalizar em determinadas áreas de coeficientes construtivos altos.

Outra realidade que fere a diversidade do solo é a implantação de condomínios

fechados, por diversos motivos, entre eles o fato de ocupar grandes áreas apenas

residenciais. Somado à isto, devido a sua natureza jurídica, um condomínio nunca

deixará de ser condomínio, pois compõe-se de frações ideais. Além dessa

impossibilidade, tampouco é permitido adaptar suas edificações, uma vez que têm

regulamento interno bem definido que impossibilita outros usos, permitindo apenas

usos pré-estabelecidos no projeto do mesmo.

Sendo um requisito da urbanidade o uso misto, a diminuição da diversidade dos

usos torna a área menos atrativa e a esvazia em determinadas horas, de acordo com os

usos que são feitos nela. O esvaziamento do espaço público por sua vez também tem

por consequência a diminuição da diversidade dos usos, completando um ciclo.

Nessa realidade apenas grandes empreendimentos são capazes de reunir

diversidades de usos e estacionamentos para atender a este público, que recriam

artificialmente os antigos centros urbanos. Em relação a isto Figueiredo (2012) diz: “O

porte de grandes empreendimentos como shoppings centers contribui para outro ciclo

vicioso: a atração do público que antes priorizava áreas e centros tradicionais. Com um

público reduzido, há uma diminuição da variedade de usos nessas áreas, contribuindo

para a decadência delas e incentivando a migração de novos usuários para tais

empreendimentos.” (FIGUEIREDO, 2012. P. 73)

É necessário, porém lembrar que “embora encontros e a copresença existam em

espaços segregados como shoppings, áreas de lazer de torres ou condomínios fechados

entre outros, esses espaços não teriam urbanidade por não serem legitimamente

públicos e, por conseguinte, de uma maneira ou de outra excluir partes da população.”

(FIGUEIREDO 2012, p. 227)

8 FIGUEIREDO, 2012. p. 227.

55

Em relação a segregação de pessoas e ideias, talvez esta seja uma das estratégias

mais cruéis do desurbanismo. Ora, o espaço urbano legítimo, deveria garantir a

copresença de diferentes classes e estilos de vida, tendo em vista a dimensão

democrática da urbanidade. Segundo Jacobs (2000) e Holanda (2010), essa mistura de

classes e de estilos de vida demandariam uma variedade de tipologias arquitetônicas

dentro de uma área urbana, realidade oposta ao processo pelo qual passa as cidades

brasileiras, que homogeneíza cada vez mais áreas, seja encerrando-as em condomínios

fechados horizontais, verticais, favelas (congeladas por áreas de interesse social),

programas de subsídio ao financiamento de imóveis que acabam beneficiando apenas

uma faixa de renda específica da população, ou mesmo a distribuição de casas para

famílias de baixa renda em conjuntos habitacionais.

De forma geral, a ausência de políticas habitacionais consistentes, realidade em

que há uma completa desvinculação entre as iniciativas de habitação e qualquer forma

de planejamento, configurando portanto modelos de construção desordenadas de

moradias. Isso significa que “A expansão de unidades habitacionais não leva em conta a

necessidade de infraestrutura, equipamentos públicos, de praças ou parques, dentre

outras. ” Como o poder público não toma as rédeas de uma política de planejamento

urbano que atenda às demandas da população e do crescimento urbano, vê-se uma

privatização de serviços urbanos que deveriam ser públicos, e consequente exclusão

daqueles que não podem pagar por eles.

Como vimos em cada uma das estratégias do desurbanismo, há uma perigosa

retroalimentação que faz com que este seja uma estratégia eficiente de destruição das

cidades tradicionais, à medida que esta realimentação materializa estruturas físicas que

restringem ou impossibilitam modos de vida urbana alternativos. Isto acontece ao

mesmo tempo em que suas estratégias resultam em ‘vantagens cumulativas’ para

modos que conseguem perpetuar seus interesses, numa espiral que produz

continuamente novas tendências desurbanas. (NETTO, 2012, p. 30). Isto acontece pois

a urbanidade se mostra tanto como resultado, quanto como meio de integração social,

e sua ausência, por sua vez, leva à desurbanidade.

O insuficiente planejamento identificado na realidade das cidades brasileiras

também é uma decisão de planejamento, há uma decisão consciente por parte de

governos e sociedade de não investir em políticas públicas, que gera a falta de

56

investimento em segurança pública, e por sua vez, a criminalidade. Somado a estes

mecanismos globais está a legislação permissiva, que traz novas possibilidades aos

empreendedores. Repercute neste ciclo o abandono do espaço público através da falta

de investimento e da regulação ineficiente na urbe, que como produto de todo o ciclo

gera cidades mais díspares e segregadas socioespacialmente. A síntese desse ciclo de

realimentação descrito por Figueiredo se expressa na figura 3.

A segregação socioespacial realimentada pelo ciclo do desurbanismo é produto

e matéria prima dele, tendo em vista que estes estão coerentes com a estrutura social,

processos como este estão coerentes com a estrutura social em que ocorrem. Se

analisarmos a realidade brasileira, a remodelação da cidade está coerente, tendo em

vista que no Brasil temos uma das piores distribuições de renda do mundo. Em relação

às políticas públicas e redistribuição de renda Filgueira reflete:

Se a redemocratização e os governos federais de Itamar Franco, FHC, Lula e Dilma promoveram a inclusão social, as políticas públicas para as cidades (ou a ausência delas) nesses mesmos governos, em especial os incentivos à especulação imobiliária e ao automóvel particular, consolidaram a cidade brasileira como um instrumento de segregação social.9

Uma vez analisado o modelo é possível perceber que fortes mudanças estão

sendo feitas nas cidades brasileiras com consequências bastante sérias. Diante desta

realidade, de acentuado grau de desurbanismo, faz-se necessária uma mudança

estrutural no sistema como um todo para reconstituir o modelo anterior de cidade

tradicional e suas urbanidades. Ou seja, cada vez torna-se mais difícil voltar a caminhar

no sentido oposto, que seria não o desurbanismo, mas sim o urbanismo.

9FIGUEIREDO, 2012. P. 231.

57

Figura 04: Ciclos de realimentação do desurbanismo

Fonte: FIGUEIREDO, 2012, p. 230

58

3.3.2. Morfologia e Desempenho Urbano

Tendo em vista a influência mútua entre forma e sociabilidade10 urbana, é sabido

que características morfológicas influenciam e são influenciadas por padrões de

vitalidade11 e urbanidade12. Segundo Renato Saboya, 2012, diversos autores trazem esta

relação, como Jacobs, (2000) e Holanda, (2002). Segundo Renato Saboya há interação

entre padrões de vitalidade e outros padrões urbanos:

Entende-se que esses padrões de vitalidade estão associados (influenciam e são influenciados) a outros padrões urbanos, tais como a configuração do sistema viário, a tipologia edilícia, as densidades populacionais e construtivas, o perfil socioeconômico e cultural, a infraestrutura de circulação e mobilidade, assim como muitos outros. Tais padrões interagem dentro do que poderia ser chamado de "temporalidades” da produção da cidade, em um processo permanente de convergência e divergência, de forma que estados específicos em um padrão podem desencadear ou influenciar, ainda que de forma complexa e sujeita a descontinuidades e assíncronas, certos estados específicos em outros padrões.13

Estas caraterísticas estariam relacionadas à quantidade de usuários em potencial

para o espaço público, aos facilitadores de atração dos mesmos a saírem de suas

atividades para a rua e aos atrativos/motivações que trariam estes usuários a vivenciar

o espaço urbano e relacionar-se com os demais.

A sistematização desses elementos pode ser observada na figura 04.

Figura 05: Fatores influenciadores da sociabilidade Urbanas e suas correlações

Fonte: Confecção própria

10 Socialidade é a copresença nos espaços públicos, movimento de pedestres e interação em grupos. 11 Vitalidade urbana é frequentemente tomada como sinônimo de urbanidade, já que envolvem noções que se sobrepõem. Conceito desenvolvido por Jacobs, na década de 1960, introduz de modo tentativo e assistemático, os principais ingredientes da urbanidade, tanto em sua escala local arquitetônica quanto na escala mais global da articulação com o entorno. Netto et al (2012, p. 65) 12 Civilidade do convívio urbano. (NETTO, 2012.) 13 SABOYA, 2012. Pág. 05.

Usuários em Potencial

Densidade útil

Facilitadores de Atração

Configuração Espacial(Global e Local)

Cognição/

Permeabilidade

Atrativos/

Motivação

Diversidade de Usos

Espaços Públicos

Estilo de Vida Urbano

59

O aumento do número de usuários em potencial, fomentados pela densidade

útil, ocorre através da construção de novos edifícios e traz maior número de residentes

e/ou trabalhadores de forma geral. Diante disto existe maior possibilidade de que as

ruas sejam utilizadas para chegar em casa ou sair do trabalho.

Esses usuários em potencial poderão ser novos usuários do espaço urbano,

transformando-se em pedestres e exercendo atividades desde que morfologicamente

configurem-se facilitadores de atração. Os facilitadores de atração agem gerando

possibilidade de cognição sobre oportunidades de interação, diminuindo distâncias a

serem percorridas, ou fazendo com que espaços urbanos estejam no caminho de outros

destinos, características relacionadas à configuração espacial (global e local), assim

como tipologia edilícia favorável à maximização da superfície de contato entre

público/privado.

Além dos aspectos citados acima faz-se, necessário garantir a atratividade do

espaço público, através da diversidade de usos, com a variedade e adensamento dos

atrativos, que devem conter obrigatoriamente uso residencial, mas também comércio,

serviços entre outros. A diversidade de horários de funcionamento também é

importante para manter a vitalidade e segurança dos espaços urbanos continuamente.

O último aspecto importante para manter a atratividade dos espaços públicos é a

infraestrutura do próprio espaço adequada, através de vias, praças, e calçadas com

tratamento e equipamentos adequados para dar apoio às atividades urbanas, e garantir

conforto aos usuários.

A seguir é possível observar um esquema com as principais características

morfológicas ligadas ao desempenho das cidades, os quais serão melhor detalhados na

sequência do capítulo.

60

Figura 06: Morfologia e desempenho urbano

Fonte: Confecção própria a partir de conceitos de Saboya (2012), Jacobs, (2000), Holanda (2004). Densidade útil

A densidade de pessoas e atividades é favorável à vitalidade urbana, uma vez que

contribui para o aumento de fluxo, e ainda de usuários em potencial para os espaços urbanos.

Devido a isto um incremento de área construída e da população residente nesses espaços, são

geralmente fatores impulsionadores da sociabilidade na área, como explica Saboya (2012):

Maiores quantidades de pessoas, usos e área construída estão direta e naturalmente relacionadas a uma maior quantidade de pessoas utilizando e interagindo nas ruas, desde que os outros fatores mantenham-se similares. Em outras palavras, todo o resto sendo igual, áreas com maior quantidade de moradores e/ou de economias e/ou de área construída tendem a possuir maior vitalidade em seus espaços físicos.14

14 Saboya, 2012, p. 11.

VITALIDADE URBANA

Densidade Útil

Aspectos de ConfiguraçãoLocal e Global

propícios

TipologiaEdilícia

Favorável

Diversidadede Usos do

Solo

Infraestruturado Espaço

Urbanoadequado

FAC

ILIT

AD

OR

ES D

E A

TRA

ÇÃ

O

61

Pessoas nas ruas e no espaço urbano em geral são o cerne da sociabilidade, a

copresença. Jane Jacobs (2000) destaca a importância dos contatos nas ruas pois,

aparentemente despretensiosos, despropositados e aleatórios, estes constituem a

pequena mudança a partir da qual pode florescer a vida pública exuberante da cidade.

Isto acontece devido ao fato de que a soma desses contatos públicos casuais no âmbito

local resultam na compreensão da identidade pública das pessoas, formando uma rede

de respeito e confiança mútuos, que por sua vez está relacionada ao comprometimento

pessoal dos usuários.

Sendo assim, Jacobs (2000) acredita que a densidade contribui para determinar

o número de pessoas circulando em determinada área. Porém, em se tratando de

sociabilidade, é importante relembrar que as interações devem ocorrer no espaço

público democrático, assim como envolver pessoas com diferentes classes

socioeconômicas, estabelecendo, portanto, o convívio entre os diferentes na

complexidade da cidade.

Diante disto, é importante estabelecer que a densidade em questão deve ser útil

para trazer usuários em potencial, que sejam de diferentes classes e estabeleçam

relações no espaço público. Ou seja, a heterogeneidade dos usuários das novas

edificações é favorável a sociabilidade, assim como a não massificação de tipos únicos

que favorece a heterogeneidade de usuários na área. A ocupação diluída ao longo dos

anos também tem influência na heterogeneidade dos que utilizam os espaços. Todos

estes critérios trariam um caráter mais diversificado aos usos e usuários, e se fazem

essenciais à medida em que permitem a interação e o convívio entre os diferentes.

A adensabilidade também contribui para que a massa edificada em determinada

área seja maior proporcionalmente, diminuindo as distâncias, fator positivo para a

sociabilidade, como será visto a diante. Neste sentido, ressalta-se que, ainda por

motivos de diminuição de distâncias e manutenção de distâncias percorríveis a pé a

rarefação é prejudicial à vitalidade urbana, portanto glebas pequenas e construções

compactas são preferíveis para questões de sociabilidade, reduzindo ainda espaços

imprecisos ou residuais.

62

Densidade não útil

Entre as tipologias que não contribuem para a densidade útil, no sentido de

usuários em potencial, estão aquelas que são caracterizadas pela homogeneidade,

pseudoautonomia e isolamento. Por remeter à exclusão e segregação, são também

conhecidos como enclaves fortificados.

Estes empreendimentos se voltam para si e negam seu entorno imediato, com

prejuízos para a sociabilidade do entorno e a vida urbana de uma forma geral. Devido à

sua própria concepção atrelada a um “novo estilo de vida”, as decisões projetuais

materializam uma percepção esdrúxula de urbanidade, autossuficiência em relação a

serviços urbanos, privatização da copresença, isolamento e motorização além de gerar

comumente espaços imprecisos ou residuais.

Alguns dos impactos negativos mencionados por Saboya (S/D) são: a)

desestímulos ao deslocamento de pedestres e à apropriação dos espaços públicos

adjacentes às edificações; b) maiores taxas de motorização, com especial destaque para

veículo individuais; c) diminuição das densidades urbanas acompanhada do aumento

das distâncias internas e dos custos de deslocamento e infraestrutura; d) a diluição da

vida microeconômica local; e e) aumento da violência urbana. Diante de todas as

consequências nocivas ao convívio na cidade, Ana Carolina Galhardo (2012) relaciona

estas tipologias as anticidade, como podemos perceber no trecho a seguir:

Podemos dizer que se estimula não a construção da cidade como local de convívio, com urbanidade, mas sim da anticidade. Como definido por Sánchez (2009, p. 11): “Entende-se que a cidade é o lugar do encontro, da diversidade de atividades e classes sociais. Anticidade vem a ser um modelo que se contrapõe a essa diversidade, que busca a homogeneidade, o isolamento”. 15

Portanto, o aumento da densidade ocasionado por tipologias análogas aos

enclaves fortificados - como shoppings, condomínios fechados, condomínios verticais

espraiados e com lazer interno - não são contabilizadas para a densidade útil relacionada

à urbanidade, tendo em vista que trazem muitos dos elementos que corroem a mesma.

15 Galhardo, 2012. p. 6.

63

Diversidade de usos do solo

Outra característica relacionada à vitalidade urbana é a diversidade e densidade

de atrativos. Diversos usos promoveriam, segundo Jacobs (2000), fluxos de pedestres e

automóveis que, por si só, já são favoráveis à sociabilidade da área.

O uso residencial é necessário, garante usuários durante toda a semana e em

horários dos mais diversos, além de relacionar-se de uma maneira diferenciada com o

entorno. Destacamos ainda a importância de outros usos, como serviços e comércios,

que podem consolidar-se como locais que o indivíduo pode buscar naturalmente e usar

de motivação e indução para sair de casa, segundo J. Gehl (2011).

Estes usos contribuem com a sociabilidade à medida que fazem com que uma

variedade de pessoas se desloquem àquela área ao longo de diferentes horários, por

diferentes motivos, usuários estes que podem vir a utilizar-se da infraestrutura urbana

de diversas outras formas, que não apenas deslocar-se.

Segundo Hillier et al (1993) e Penn et al (1998), usos comerciais atuam como multiplicadores dos fluxos “naturais” induzidos pela configuração do sistema viário. Esta determina, em grande parte, a quantidade inicial de movimento em cada rua da cidade, proporcionando ruas em que o movimento é maior e, portanto, oferecendo condições mais adequadas para os usos comerciais, que dependem desse fluxo de pessoas. Esses usos, por sua vez, tornam-se eles mesmos motivos e destinos para os deslocamentos, ampliando os fluxos já existentes.16

A diversidade de usos - variedade de usos principais combinados - pode ser

seguida pela diversidade combinada, que se dá através do surgimento de

empreendimentos que nascem a partir da presença de usos combinados. Caso ambos

existam em determinadas área, a diversidade será exuberante, segundo Jacobs.

Além das características mencionadas, faz-se necessária a oferta de espaços

públicos para fazer com que usuários, atraídos por diversos outros usos, além de apenas

transitar relacionem-se de forma mais profunda com a urbe, utilizando espaços

democraticamente públicos e convivam com demais usuários de diferentes classes

econômicas e sociais.

16 Saboya, 2012. p.12.

64

Espaços imprecisos, residuais ou sem uso específico são prejudiciais à diversidade,

uma vez que introduzem áreas sem uso algum, que além de não configurar-se com

atrativos, são obstáculos para a configuração de alta densidade de atrativos diversos.

Para que haja diversidade e continuidade dela, em sintonia com as mudanças da

sociedade e de suas demandas, a adaptabilidade se faz essencial. Jacobs (2000)

relaciona adaptabilidade à necessidade de uma combinação de edifícios com idades e

estados de conservação variados, isto se deve à variedade de preços e oportunidade de

implantação dos mais diversos usos e negócios, além da possibilidade de diversas classes

sociais terem acesso à residência nesta região.

Tipologia edilícia

Características tipológicas têm influências na sociabilidade de uma área à medida

em podem incentivar a vitalidade microeconômica local, a apropriação de espaços

públicos e até mesmo uma maior interação social, através da compactabilidade e a

maximização da superfície de contato e a permeabilidade público/privado. Jane Jacobs

(1961), já relacionava tipologias compactas à vitalidade urbana, segundo a autora, a

partir da construção de tipologias compactas e contínuas, permeáveis e mais próximas

da rua, incentiva-se a vitalidade microeconômica local, a apropriação dos espaços

públicos, a disposição de trocar o automóvel por meios de locomoção não motorizados

e até mesmo uma maior interação social.

As relações formais entre a tipologia e a vitalidade são as dimensões da forma

edificada e a interface edificado x aberto, no tocante a sua permeabilidade física e visual.

As dimensões da forma edificada são importantes à medida em que podem intensificar

as possibilidades de interação com a rua cognição do que acontece ali, além diminuir as

distâncias a serem percorridas pelos pedestres segundo GEHL (2011). Isto se dá a partir

de divisão da área em pequenas glebas, que devem ser utilizadas de maneira a

maximizar a superfície de contato entre edificação/espaço urbano.

Uma vez adotada esta tipologia, edifícios com glebas pequenas e a maior parte

da fachada frontal ativa faz com que ao caminhar o pedestre seja exposto a uma

densidade de atrativos que podem tornar o espaço urbano mais interessante e menos

monótono ao pedestre. Esta configuração maximiza o potencial que a interface entre os

65

lotes privados e a rua possui em termos de estímulo ao movimento de pessoas, ao

mesmo tempo em que diminui as distâncias a serem percorridas e aumenta a densidade

de atrativos.

Em relação à interface do edificado x aberto, a permeabilidade física e visual é

benéfica a vitalidade urbana a medida em que portas e janelas dão oportunidade de

apropriação do espaço público por parte da edificação. Estudiosos como Holanda

(2002), Bentley (1985) e Saboya (2012) apontam um maior número de portas e janelas

ao enriquecimento da vida pública, a medida em que aumenta a proximidade entre o

interior da casa e a rua.

Sendo assim, a relação edificação/lote é importante a medida em que aloca a

edificação no espaço do lote o mais próximo possível da rua, diminuindo as

proximidades, e a relação edificação/rua, a medida em que abre portas e possibilidades

de interação ainda maiores com o espaço urbano. Sendo assim, edificações não isoladas

no lote, compactas, com alta permeabilidade de acessos diretos à rua, pequenos

afastamentos laterais e frontais são favoráveis ao desempenho urbano na região.

As distâncias e fricções para entrar e sair das edificações são de grande influência

para o uso ou não do espaço público, a medida em que proximidade e facilidade

estimulam o uso de ruas, praças e parques, e grandes distâncias, e dificuldades (fricção)

são desestimulantes. Esta característica será retomada no tópico referente à

configuração local, em seguida.

A permeabilidade visual é uma das características mencionadas pelo estudo de

Jacobs (2000), como favorável à vitalidade urbana e está relacionada ao conceito de

“olhos voltados para a rua”17, “e de donos naturais da rua”. Estes elementos referem-se

aos aspectos de percepção espacial e relacionam-se à cognição da rua, com efeitos para

segurança, possibilidades de interação a distância ou não, e ainda à cognição sobre

oportunidades de interação, especialmente através de conexões visuais, mas também

auditivas.

Saboya (2012) afirma que Newman (1996), em seu conceito de espaços

defensáveis, argumenta nesse mesmo sentido. Segundo ele, é necessário que os

17 O conceito de “olhos da rua” (JACOBS, 2000) descreve a combinação de fachadas visualmente

permeáveis, próximas à rua e com moradores que se preocupam com o que acontece na sua vizinhança, e funciona no sentido de promover uma maior sensação de segurança para quem caminha ou desenvolve outro tipo de atividade nas ruas.

66

residentes sintam-se responsáveis pelos espaços públicos adjacentes às suas

habitações, o que só é possível se houver proximidade e conexão visual. Saboya (2012)

destaca que a visibilidade está, portanto, relacionada à segurança à medida em que têm

efeito sobre a capacidade de sentir-se responsável pela rua, quando a permeabilidade e

diversas experiências e estímulos mútuos ocorrem fazendo com que residentes passem

ser “donos naturais da rua”. Este comprometimento pessoal dos usuários já foi

comentado neste estudo e é essencial para a segurança nas ruas, contudo só acontece

se existe movimento fazendo com que haja interesse por parte das pessoas em olhar

para a rua, pois não há interesse em vigiar uma rua sem vida.

Ainda de acordo com o autor cognição sobre possibilidade de interação no

espaço público exerce influência no estímulo ao seu uso. Uma vez mantida a visibilidade

e audibilidade do espaço público, o usuário em potencial recebe frequentemente

estímulos visuais e auditivos emitidos pelo espaço público. Esta realidade faz com que o

espaço público e as oportunidades de interação se mantenham em seu consciente,

lembrando-o frequentemente de possibilidades de interação. Esta realidade afeta

profundamente os julgamentos e inferências que usuários potenciais fazem ao decidir a

frequência de utilização do espaço público.

Configuração global

O conceito de configuração espacial é o de “todo resultante de partes que se

relacionam entre si e cuja relação não pode ser alterada sem que se altere o todo, uma

vez que é esse sistema de relações que determina a natureza do todo”. (TRIGUEIRO,

1995. pág. 12), sendo determinante para a relação entre forma e espaço, e portanto

essencial para compreensão de fenômenos socioespaciais.

A configuração espacial é importante, pois está relacionado as escolhas feitas

pelos usuários no sentido de em que caminho seguir, com influência para o movimento

de passagem. O movimento de passagem é a maior parte do movimento de pedestre

urbano, e é definido de acordo com a posição e a distância de um espaço em relação a

todos os outros espaços da malha urbana. É a partir destes critérios que os pedestres

escolhem que caminho seguir. A importância deste movimento de passagem é explicada

por Penn (1998), a seguir:

67

A maioria do movimento em áreas urbanas é movimento de passagem. A maioria das pessoas que você vê andando em uma rua tende a estar vindo e indo para outras ruas. Entretanto, sua presença é um dos maiores recursos das cidades. A presença de pessoas faz os espaços serem percebidos como vivos e seguros, e são o principal pré-requisito para a vida econômica da cidade. 18

Características morfológicas da configuração global como alto grau de integração

são positivas para o aumento do fluxo e, consequente, sociabilidade na área, estudos

sintáticos mencionados por Saboya (S/D) mencionam esta correlação:

Especificamente no que diz respeito à relação dessas variáveis com a vitalidade urbana, estudos sintáticos (HILLIER et al, 1993; PENN et al, 1998; HILLIER; IIDA, 2005) têm recorrentemente encontrado altas correlações entre movimento de pedestres e medidas configuracionais, como integração e escolha, com diversos tamanhos de raios de análise. Isso significa que a posição e a distância de um espaço em relação a todos os outros espaços da malha urbana são um dos principais determinantes da quantidade de pedestres que passam por ele.19

Características como centralidade, continuidade da malha viária (ausência de

barreiras) e boa conexão com áreas de muitos atrativos (polos) são favoráveis à

integração e ao aumento do movimento de passagem na região, fazendo com que

determinada área seja bastante frequentada mesmo que não seja destino final de

usuários, acaba angariando benefícios com pedestres que trazem vitalidade à área.

Configuração local

Menores distância, múltiplas possibilidades de caminhos e elevado número de

interseções são características favoráveis a sociabilidade no espaço público segundo

Jacobs (2000), pois aumentam a proximidade e, por sua vez, a oportunidade de

interação. Devido a estas características a estudiosa defende a necessidade de quadras

curtas, ou seja, a intensificação métrica da grelha. Segundo C. N. Santos (1988), estas

características estimulam o movimento, são favoráveis à implantação de comércio e

ainda mais seguras.

18 PENN et al, 1998. P. 82. 19 SABOYA, S/D. P. 4.

68

Jacobs (2000) defende, como um dos elementos geradores de diversidade urbana, as quadras curtas. Segundo ela, isso gera alternativas de percursos e possibilita que os fluxos se distribuam por ruas que, de outra maneira, permaneceriam desertas. Quadras curtas adequam-se à escala do pedestre, por permitir acesso a todas as direções dentro de limites razoáveis de distância. Quadras longas em uma direção dificultam ou até mesmo inviabilizam os deslocamentos na direção ortogonal.20

Além da malha viária, Saboya (2012) enfatiza a permeabilidade física dos edifícios

e sua relação com a rua é importante a medida que pode estimular ou desestimular o

usuário a usar o espaço público. Segundo Chistopher Alexander et al (1977), estes

desestimulam significativamente o desenvolvimento de atividades nos espaços abertos.

Isto acontece pois isso possibilita que um espaço esteja metricamente mais próximo dos

espaços públicos e, ainda, de um maior número de habitações e comércio.

Por sua vez, a proximidade e facilidade em chegar ao espaço público tornariam

seu uso uma decisão mais natural, enquanto que, grandes distâncias e dificuldades para

chegar tornariam esta decisão mais custosa e menos espontânea. A permeabilidade

física entre edifícios e a rua é comporta por distâncias e fricção, a primeira é referente

às relações estabelecidas ente edifício/espaço público, edifício/lote enquanto que a

fricção é mais relacionada à esfera edifício/edifício, sua acessibilidade e barreiras de

segurança.

Infraestrutura do espaço urbano

A última característica morfológica relacionada ao desempenho urbano é a

disponibilidade de infraestrutura para dar apoio à interação e permanência nos espaços

públicos.

Esses aspectos infraestruturais exercem papel importante na medida em que

possibilitam e incentivam a permanência nesses espaços por períodos de tempo mais

extensos, através da oferta de melhores condições de conforto. Além do número de

usuários de determinado espaço público, o número de eventos individuais e a sua

duração são importantes indicadores para esta sociabilidade urbana, segundo Gehl,

2011 e V. Mehta, 2009.

20 SABOYA, 2012. P. 12.

69

Esta característica é tão importante para a vitalidade urbana, que segundo

Saboya ( 2012), a perda da qualidade do espaço público coletivo pode ser entendida

como uma regressão de urbanidade. Portando, cabe ao espaço público estar adequado

de maneira dar apoio à urbanidade, propiciando qualidade e a integração à vida urbana.

Um espaço público adequado ao apoio às atividades de vitalidade deve ter nítida

separação espaço público/privado, ser democrático e permitir livre acesso ao público,

estar localizado em áreas bem integradas e visíveis, ser proporcional ao número e

dimensão de espaços públicos/densidade populacional, além de conferir condições

confortáveis de permanência aos seus usuários (calçadas adequadas, mobiliário urbano,

sombras/arborização e boa iluminação), e ofertar atividades ao público em geral, como

equipamentos e eventos.

3.4. Análise da Legislação Urbanística 3.4.1. Condomínios Horizontais Fechados e conflito entre fato e direito

Com padrão urbanístico estabelecido e reincidente, empreendimentos do tipo

condomínios fechados horizontais, são objeto de impasse jurídico, com graves

implicações urbanísticas. A medida em que (in)definições jurídicas acabam contribuindo

para o proliferamento de condomínios irregulares, que se constituem como formas

injustas e ilegais de segregação, diminuindo a desejável e democrática “complexidade

da cidade”.

O condomínio irregular é um exemplo do conflito que se estabelece entre o fato e o direito. Primeiro a sociedade se vê privada de bens e serviços essenciais que deveriam ser prestados pelo poder público e não o são, em contrapartida, cria mecanismos para absorver esta omissão objetivando o seu bem-estar. Ocorre que da forma como ela procura suprir a ausência do Poder Público em muitas hipóteses é incompatível ao esquema legal. Cria-se então um impasse: como analisar então essa nova manifestação social? (SOARES, 1999, p.6. apud SOUZA E SILVA, 2004, p. 37.)

Para melhor compreender o fenômeno dos condomínios fechados e sua situação

jurídica é preciso fazer uma revisão da legislação vigente aplicada ao tema, atencipa-se

que não existe previsão legal para empreendimentos da tipologia estudada, porém

diante do interesse de incorporadores e agentes imobiliários e da consolidação desta

70

tipologia nas cidades brasileiras, são feitas diversas interpretações no esforço que

possam ser regulamentadas.

Os condomínios fechados de casas, ou condomínios residenciais horizontais, na forma como estão sendo implantados, reiteram valores que priorizam interesses privados. Na opinião de muitos juristas (por exemplo: ARAGÃO, 1997; SOARES, 1999; SILVA, 2000;) não são práticas legais. A polêmica advém consequentemente de muitos destes se constituírem, de fato, em loteamentos fechados, ou resultarem do fechamento da via pública de acesso a determinadas residências, ou ainda por basearem-se em interpretação inapropriada das bases legais disponíveis. (SOUZA E SILVA, 2004, p. 29.)

O condomínio fechado é juridicamente controverso, desde a definição de sua

natureza, tendo em vista que as formas de parcelamento previstas na legislação

brasileira são os loteamentos e os condomínios, analisa-se ambas as possibilidades à luz

das leis referentes as mesmas.

Inicialmente abordando os loteamentos, segue a Lei 3.175/84, que caracteriza

esta forma de parcelamento:

Art. 134º. O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes. § 1º - Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes. § 4o Considera-se lote o terreno servido de infraestrutura básica cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos definidos pelo plano diretor ou lei municipal para a zona em que se situe. § 5o A infraestrutura básica dos parcelamentos é constituída pelos equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais, iluminação pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, energia elétrica pública e domiciliar e vias de circulação. § 6o A infraestrutura básica dos parcelamentos situados nas zonas habitacionais declaradas por lei como de interesse social (ZHIS) consistirá, no mínimo, de: I - vias de circulação; II - escoamento das águas pluviais; III - rede para o abastecimento de água potável; e IV - soluções para o esgotamento sanitário e para a energia elétrica domiciliar.

71

Configurado como instrumento jurídico capaz de subdividir uma gleba em lotes

individuais, no loteamento existem áreas destinadas ao uso comum, porém neste tipo

de empreendimento estas não são de propriedade de seus moradores, mas sim de

propriedade pública. Portanto não se deve limitar o acesso à qualquer área no

loteamento que são seja privada. Segundo Moura, 2008: “Diante disto, a figura jurídica

do loteamento fechado não existe, pois as áreas de uso comum não podem se tornar

objetos particulares. O fechamento das vias internas, segundo a Lei 9.785/99, não

poderia ser admitido.”

Art. 4º. Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos: I - as áreas destinadas a sistemas de circulação, a implantação de equipamento urbano e comunitário, bem como a espaços livres de uso público, serão proporcionais à densidade de ocupação prevista pelo plano diretor ou aprovada por lei municipal para a zona em que se situem. IV - as vias de loteamento deverão articular-se com as vias adjacentes oficiais, existentes ou projetadas, e harmonizar-se com a topografia local.

Portanto, fica notória a impossibilidade jurídica de loteamento fechado, o que

seria uma incongruência, tendo em vista que isto seria uma afronta aos bens públicos,

que não podem ter seu acesso restrito, o que violaria o direito de ir e vir, além de

contribuir com o acirramento do processo de fragmentação do território urbano.

Para solucionar o problema dos loteamentos fechados Souza e Silva (2004)

aponta uma possibilidade, que seria o uso da ferramenta concessão de direito real de

uso, permissão de uso e concessão de uso (concessão de uso prevista no Decreto-Lei

271/67):

Através destes instrumentos, o poder municipal estaria capacitado para realizar, por ato administrativo, a transferência do uso destes bens aos proprietários dos terrenos do loteamento fechado. Ressalta-se que nesses casos, a relevância de se elegerem contrapartidas a serem impostas à iniciativa privada que busquem um equilíbrio e a promoção da justiça social. (SOUZA E SILVA, 2004, p. 36.)

É notório, contudo, que isto se trata de uma manipulação de artifícios jurídicos,

pois se analisarmos estes empreendimentos não estariam de acordo com a legislação

vigente. Apesar disso, utilização destes instrumentos tornariam-os legais, porém é

72

preciso ter muito cuidado com este tipo de artifícios. Deve-se priorizar o bem comum

aos interesses privados ou de grupos minoritários ao tomar decisões com impacto sobre

a realidade da cidade e sua sociabilidade.

Existe ainda a previsão dos condomínios fechados (verticais) pela Lei 4.591/64,

este é definido por lei como um espaço de uso restrito e privativo de seus condôminos,

sendo outra forma de parcelamento do solo possível.

Este parcelamento é diferenciado do anterior, pois não acontece o parcelamento

formal da gleba única, mas sim a configuração de unidades isoladas entre si, que são

alienadas de forma autônoma. Como pode ser entendido no trecho de Oliveira, a seguir:

O condomínio não se constitui como um tipo de parcelamento urbanístico do solo, do ponto de vista jurídico. Condomínios são conjuntos construídos dentro de um mesmo terreno, o qual é propriedade de todos. Pequenos ou grandes conjuntos construídos são praças, infraestrutura, e equipamentos implantados, é propriedade e responsabilidade do conjunto de moradores, os condôminos. A gleba, assim utilizada não é de sua individualidade, diferentemente do loteamento, onde uma parte do terreno transforma-se em lotes privados e outra parte se integra ao espaço público da cidade. (OLIVEIRA 2000, p.2. apud MOURA, 2008, p. 32.)

Para este instituto jurídico não é permitida a criação de ruas, apenas a área de

circulação e áreas comuns, para as quais são estabelecidos serviços e equipamentos de

uso exclusivo dos condôminos, considerados propriedade privada dos comunheiros.

(MOURA, 2008)

Art. 1º As edificações ou conjuntos de edificações, de um ou mais pavimentos, construídos sob a forma de unidades isoladas entre si, destinadas a fins residenciais ou não-residenciais, poderão ser alienados, no todo ou em parte, objetivamente considerados, e constituirá, cada unidade, propriedade autônoma sujeita às limitações desta Lei. § 1º Cada unidade será assinalada por designação especial, numérica ou alfabética, para efeitos de identificação e discriminação. § 2º A cada unidade caberá, como parte inseparável, uma fração ideal do terreno e coisas comuns, expressa sob forma decimal ou ordinária

Cabe ressaltar que o instituto do condomínio é previsto apenas para situações

em que se comercializa algo já edificado (ou construção ainda que futura), como

apartamentos, salas comerciais, e casas. Neste caso é possível enquadrar “condomínio

73

horizontal fechado”, aqueles em que as casas já estão prontas ou pelo menos têm o seu

projeto arquivado em cartório competente devidamente aprovado.

Art. 68. Os proprietários ou titulares de direito aquisitivo, sobre as terras rurais ou os terrenos onde pretendam constituir ou mandar construir habitações isoladas para aliená-las antes de concluídas, mediante pagamento do preço a prazo, deverão, previamente, satisfazer às exigências constantes no art. 32, ficando sujeitos ao regime instituído nesta Lei para os incorporadores, no que lhes for aplicável.

Art. 32. O incorporador somente poderá negociar sobre unidades autônomas após ter arquivado, no cartório competente de Registro de Imóveis, os seguintes documentos: a) título de propriedade de terreno, ou de promessa, irrevogável e irretratável, de compra e venda ou de cessão de direitos ou de permuta do qual conste cláusula de imissão na posse do imóvel, não haja estipulações impeditivas de sua alienação em frações ideais e inclua consentimento para demolição e construção, devidamente registrado; b) certidões negativas de impostos federais, estaduais e municipais, de protesto de títulos de ações cíveis e criminais e de ônus reais relativamente ao imóvel, aos alienantes do terreno e ao incorporador; c) histórico dos títulos de propriedade do imóvel, abrangendo os últimos 20 anos, acompanhado de certidão dos respectivos registros; d) projeto de construção devidamente aprovado pelas autoridades competentes; e) cálculo das áreas das edificações, discriminando, além da global, a das partes comuns, e indicando, para cada tipo de unidade a respectiva metragem de área construída; f) certidão negativa de débito para com a Previdência Social, quando o titular de direitos sobre o terreno for responsável pela arrecadação das respectivas contribuições; g) memorial descritivo das especificações da obra projetada, segundo modelo a que se refere o inciso IV, do art. 53, desta Lei; h) avaliação do custo global da obra, atualizada à data do arquivamento, calculada de acordo com a norma do inciso III, do art. 53 com base nos custos unitários referidos no art. 54, discriminando-se, também, o custo de construção de cada unidade, devidamente autenticada pelo profissional responsável pela obra; i) discriminação das frações ideais de terreno com as unidades autônomas que a elas corresponderão;

Examinando o texto da Lei acima transcrito é possível verificar que os

condomínios objeto de estudo deste trabalho não se enquadrariam no instituto jurídico

a que se refere o texto da lei, pois trata-se de terrenos vendidos para que o comprador

74

construa de acordo com projeto próprio (que deve seguir diretrizes estabelecidas pelo

condomínio), ou seja, a construção não está estabelecida anteriormente à compra.

Segundo Marini, “Há necessidade de se vincular a venda da propriedade à construção

ainda que futura. Não se pode afirmar a existência de condomínio especial desprovido

de construção” (MARINI, 2000, p. 6. apud SOUZA E SILVA, 2000 p. 33.).

A fim de solucionar legalmente os condomínios horizontais os juristas fazem

adaptações questionáveis no texto legal, como por exemplo, o uso do artigo 8º da Lei

4.591/64 analisado junto ao 3º artigo do Decreto-lei 271/69:

Quando, em terreno onde não houver edificação, o proprietário, o promitente comprador, o cessionário deste ou o promitente cessionário sobre ele desejar erigir mais de uma edificação, observar-se-á também o seguinte: a) em relação às unidades autônomas que se constituírem em casas térreas ou assobradadas, será discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação e também aquele eventualmente reservada como de utilização exclusiva dessas casas, como jardim e quintal, bem assim a fração ideal do todo do terreno e de partes comuns, que corresponderá às unidades. c) serão discriminadas as parte do terreno que poderão ser utilizadas em comum pelos titulares de direito sobre os vários tipos de unidades autônomas d) serão discriminadas as áreas que se constituírem em passagem comum para as vias públicas ou para as unidades entre si (BRASIL, 1999). Art. 3º - aplica-se aos loteamentos a Lei nº 4591, de 16 de dezembro de 1964, equiparando-se o loteador ao incorporador, os compradores do lote aos condôminos e as obras de infraestrutura à construção da edificação. (BRASIL, 1967).

Sendo assim de acordo com o disposto neste Decreto-lei é possível enquadrar os

condomínios fechados horizontais de lotes no instituto jurídico dos condomínios, posto

que as obras de infraestrutura são consideradas construção de edificação, ou seja, as

obras básicas do empreendimento cumprem por si só a exigência da construção prévia

da casa. Como explica Moura:

Portanto, deve-se deixar que os condomínios horizontais, podem ser de dois tipos: de casas e de lotes. Ambos têm um padrão urbanístico de uso residencial resultante da divisão de uma gleba em unidades residenciais, áreas de circulação, áreas verdes e de lazer privativas aos

75

moradores do empreendimento. As áreas comuns internas são consideradas privativas e de responsabilidade dos condôminos, que têm de pagar uma taxa condominial para a manutenção dessas áreas. Cada unidade residencial é considerada uma fração ideal do terreno, ou seja, todos os proprietários também são donos de parte das áreas comuns (proporcional ao tamanho da área do terreno), o que justifica a denominação de ‘condomínio’ para o empreendimento. (MOURA, 2008, p.46.)

Diante da inexistência de legislação que preveja empreendimentos nos moldes

dos condomínios fechados, uma vez que no Brasil as formas jurídicas reconhecidas de

parcelamento do solo são o loteamento, desmembramento além do instituto do

condomínio, a jurisprudência tem suprido o branco normativo, amparados por

legislação não específica e nada exaustiva segundo Tepedino (apud SOARES, 1999,

prefácio apud SOUZA E SILVA, 2004).

IV. ANÁLISE MORFOLÓGICA

4.1. Caracterização da Área

O universo de estudo é a que envolve os condomínios Green Woods, Green

Village, West Park Boulevard e West Side Boulevard, que se encontram entre as Zonas

administrativas Sul e Oeste da Cidade de Natal/RN, entre os bairros de Cidade da

Esperança e Candelária, como podemos ver na figura 09.

Para desenvolver uma análise de sociabilidade determinou-se como área de estudo,

região compreendida entre os bairros de Nossa Senhora de Nazaré, Lagoa Nova, Cidade da

Esperança, Candelária, e Cidade Nova. Essa área foi delimitada, envolvendo um perímetro

urbano suficiente para compreensão das características sociais e ambientais contíguas aos

condomínios, assim como o processo de ocupação de seu entorno, estendendo-se até os

grandes eixos urbanos mais próximos, importantes para a compreensão do fenômeno dos

enclaves fortificados em questão.

Ainda para dar suporte à discussão desenvolvida, determinou-se uma área de entorno

imediato (ver Mapa 01/14 em anexo), que compreende apenas espaços edificados com testada

voltada para os condomínios e proximidades importantes em discussões de cunho mais local. A

área de entorno imediato está localizada dentro da área de estudo, porém só compreende

regiões entre os bairros de Cidade da Esperança e Nossa Senhora de Nazaré.

76

Figura 07: Mapa de localização dos condomínios

Fonte: Desenvolvido pela autora a partir de CAERN (2006), 2014.

O Mapa de Localização dos condomínios ilustra o universo de estudo (condomínios), a

área de estudo e a área de entorno, para que seja possível compreender melhor sua localização

e relação entre elas.

4.1.1. Caracterização Sócio ambiental da Área de Estudo

Grandes glebas disponíveis nas áreas mais centrais, com ampla oferta de

infraestrutura e serviços são escassas e caras em demasia. Os empreendedores

imobiliários, focando em áreas bem conectadas e de grande porte, muitas vezes

condomínios fechados, se utilizam de grandes áreas que estão desocupadas devido a

fragilidades ambientais. Com vistas na ampliação dos lucros, os empreendedores

vendem um “novo estilo de vida” e tiram proveito relacionando empreendimentos tipo

enclave fortificado com a vivência da natureza e a sustentabilidade.

77

No caso dos empreendimentos em questão, a área encontrada pela FBF

Empreendimentos para lançar o empreendimento Green Village e dar a largada na

reprodução da tipologia “condomínio fechado” em Natal foi em uma região de franjas

dos bairros elitizados de Natal. Candelária, proximidades de Cidade da Esperança.

Segundo Souza e Silva (2004), uma região duplamente frágil, por questões ambientais e

sociais. A questão social está ligada à natureza da região e sua sensibilidade e

importância para a cidade. A questão social ligada ao perfil socioeconômico dos

moradores dos bairros das proximidades, de classe social mais baixa em relação ao

público em potencial do empreendimento.

4.1.1.1. Caracterização Social da Área de Estudo

Localizada em uma área de muitas disparidades sociais, a área de estudo se

insere em meio à transição da zona oeste e sul da cidade. À Oeste encontramos bairros

populares, com condomínios residenciais populares e um grande número de imigrantes

vindos do interior do estado.21 Ao sul a ocupação foi iniciada pela, chegada de imigrantes

à caminho da Base de Parnamirim Fields em Lagoa Nova. E conjuntos habitacionais (ver

Mapa 02/14 em anexo) voltados para a classe média em Candelária. Com o passar do

tempo os bairros da Região Oeste mantiveram suas características populares, enquanto

a leste houve intensa valorização, que elitizou ainda mais os bairros de Lagoa Nova e

Candelária.

Podemos notar essa desigualdade socioespacial analisando o mapa abaixo

(figura 10) que traz dados de rendimento nominal médio por área geográfica. Enquanto

Lagoa Nova e Candelária tem média de rendimento dos moradores entre 11 e 15 SM,

Cidade da Esperança e Cidade Nova de 2 a 4 SM. Trata-se de uma renda de 3 a 5 vezes

maior do que os moradores do bairro contíguo aos bairros elitizados.

21 SEMURB. Cidade da Esperança: Conheça melhor seu bairro – 2007. Natal: SEMURB, 2007.

SEMURB. Anuário Natal 2005. Natal (RN): Departamento de Informação, Pesquisa e

Estatística, 2005.

78

Figura 08: Rendimento nominal médio por área geográfica

Fonte: Desenvolvido pela autora a partir de CAERN (2006) e dados do IBGE, 2014.

Entre as Zonas Administrativas Oeste e Sul, a área de estudos está compreendida

em uma área socialmente frágil, com favelas consolidadas e grande número de vilas. Na

região, existem duas favelas consolidadas, compreendidas ao sul da área, a favela da

Baixa do Cão – Cidade Nova, e a favela da Palha. Nestas regiões, segundo o Plano

Municipal de Redução de Riscos, há altos riscos de deslizamento de solo “Dunas” além

de outros riscos com índices mais baixos, como ocupação irregular de “faixa de domínio”

e carreamento de lixo.

79

Figura 09: Mapa de vilas e favelas

Fonte: Desenvolvido pela autora a partir de CAERN (2006), 2014.

Neste sentido vale destacar que as áreas de interesse social se implantaram

historicamente na região. Este mapa de Áreas Especiais, do Plano Diretor de 1994 ilustra

que mancha de vila e ocupações em forma de favela já existiam pelo menos um ano

antes da construção do condomínio Green Village.

80

Figura 10: Sistema Viário de Natal, 1984.

Fonte: PLANO DIRETOR DE NATAL, 2008.

Outros estudos mais recentes apontam a existência de duas áreas de favela na

área de estudo, são elas a Favela da Palha, e a Favela da Baixa do Cão.

Figura 11: Tabela de Informações referentes as favelas da região

Fonte: Acervo próprio com base no PMRR e SEMURB 2005.

Favela Ano/

Fonte

Do

mic

ílio

s

Ocu

pad

os

Po

pu

laçã

o

Re

sid

en

te

dia

de

Mo

rad

ore

s

Processos Presentes e

índices

Processos

Predominantes

Palha PMRR

2008 124 496 4

Carreamento de Lixo (2)

e Ocupação Irregular de

“Faixa de Domínio” (2)

Assentamento

ocupando

irregularmente via

pública

SEMURB

2005 114 456 4 - -

Baixa

do Cão

PMRR

2008 270 1080 4

Deslizamento de Solo

“Dunas” (5) e

Carreamento de Lixo (2)

Invasão de dunas,

sujeito a remoção

parcial.

81

Fazendo uma reflexão sobre as questões sociais e sua espacialização no meio

urbano, nota-se que o condomínio instala exatamente na fronteira da mancha de vilas.

Bairro popular à oeste, bairro elitizado à leste. Condomínio ao centro, voltado para leste,

claro suas barreiras físicas o mantém isolado, não é necessário relacionar-se com o

entono. Este desejo de segregar é o desejo daqueles que decidem morar em um

empreendimento desta natureza. Reconhecido pelo convívio entre iguais, as decisões

projetuais materializam o desejo de manter o diferente fora. O que é interessante neste

contexto é a quase a sobreposição dos diferentes, e a manutenção da desigualdade.

Aprendeu-se com o fenômeno da segregação socioespacial que se uma área é

desvalorizada por não ter infraestrutura urbana, pode-se privatizá-la e buscar os lucros

ao vendê-la como um produto elitizado. O mais perverso é que a infraestrutura

construída não é mais para todos, mas apenas para quem pode pagar por ela.

Favela da Palha

Com uma área de assentamento correspondendo a 9,590 m2, a Favela da Palha

ocupa irregularmente a via pública “Rua Francisco Varela”, e está localizada ao sudeste

dos condomínios, em Cidade Nova, Zona Administrativa Oeste. (Figura 13)

Figura 12: Mapa Aéreo Favela da Palha

Fonte: AcervoPMRR, 2008

82

Figura 13: Favela da Palha

Fonte: Acervo PMRR, 2008.

Figura 14: Campo de Futebol na Favela da Palha

Apontada como um assentamento precário desde o anuário de 2005,

desenvolvido pela SEMURB, a favela da palha nesta época era composta, segundo o

estudo, por 114 domicílios particulares ocupados, e 456 moradores.

O Plano Municipal de Redução de Riscos, de 2008 faz menção aos riscos da

região, que segundo o levantamento teria 124 domicílios particulares, com 496. A área

apresenta riscos médios, sendo eles: Carreamento de Lixo (2) e Ocupação Irregular de

“Faixa de Domínio” (2). Ambos atingindo índice 2 em uma escala de 2 a 5.

Favela da Baixa do Cão – Cidade Nova

A Favela da Baixa do Cão – Cidade Nova, com uma área de assentamento de

208,786 m2, invade as dunas no bairro de Cidade Nova, ocupando parte da Zona de

Proteção Ambiental 01 – Zona de Preservação ambiental do campo dunar dos bairros

de Pitimbu, Candelária e Cidade Nova. Também localizada à sul/sudeste dos

condomínios, esta favela se estende desde a parte mais ao sul do condomínio West Park

Boulevard e West Side Boulevard até o outro lado da duna, transpondo o alto da duna

até chegar a outra área residencial do bairro de Cidade Nova.

Figura 15: Comunidade da Baixa do Cão, Cidade Nova.

Fonte: Jaeci, 2001.

83

Apontada como área de risco pelo Plano Municipal de Redução de Riscos, de

2008, os riscos mencionados para a região são: alto risco de deslizamento de Solo

“Dunas” (índice 5 de 5) e carreamento de lixo (índice 2 de 5). Ainda segundo o

levantamento, a favela teria 270 domicílios particulares, com 1080 moradores.

Figura 16: Vista Aérea da Comunidade da Baixa do Cão, Cidade Nova.

Fonte: Acervo PMRR, 2008.

Figura 17: Fotografia da Baixa do Cão

Fonte: Acervo PMRR, 2008

Figura 18: Agua servida na Baixa do Cão

Fonte: Acervo PMRR, 2008

84

4.1.1.2. Caracterização Ambiental da Área de Estudo

Devido a sua formação geomorfológica, a área de estudo é uma zona bastante

frágil em termos ambientais. Como podemos perceber na figura existem duas

formações geológicas: a formação Potengi e Dunas Fixas. A parte mais frágil

ambientalmente falando são as dunas fixas, que demandam uma série de cuidados para

sua manutenção e equilíbrio.

Figura 19: Mapa de lagoas urbanizadas e não urbanizadas

Fonte: Desenvolvido pela autora a partir de CAERN (2006), 2014.

Devido a estas características foi instituída na região a primeira Zona de Proteção

Ambiental da Cidade (ZPA). A ZPA-01 compreende a maior parte da região formada de

dunas fixas na área de estudo. Além da ZPA – 01, existe uma duna fixa, chamada Duna

85

08, que está sem amparo legal e numa realidade de contínua ocupação por parte da

população.

Souza e Silva (2004) menciona em seus estudos os problemas de drenagem

vividos na área de estudos antes da construção das lagoas de capitação da região. Os

problemas eram tão sérios que os empreendedores do Condomínio Green Village,

(1995) primeiro condomínio fechado da região, tiveram que construir uma lagoa

urbanizada de grandes dimensões na área.

A ZPA – 01, ou Zona de Proteção Ambiental dos bairros de Pitimbu, Candelária e

Cidade Nova, foi regulamentada pela Lei Municipal número 4.664, em 31 de julho de

1995. A região ocupa uma área de aproximadamente 8 km2 e está compreendida entre

as Zonas Sul e Oeste da Cidade. A ZPA 01 é a principal área de recarga do aquífero

subterrâneo de Natal, sendo responsável pela manutenção do reservatório de água

potável da cidade, além da proteção da flora e fauna das dunas.

Esta ZPA é contígua a um dos condomínios universo de estudo desta monografia,

Condomínio Green Woods, e muito próxima de todos os outros, como podemos ver no

mapa a seguir:

Figura 20: Mapa da ZPA – 01 e Condomínios

Fonte: SEMURB, 2007

86

A importância desta Zona de proteção ambiental para este trabalho é sua

configuração enquanto barreira física, e área de ocupação. Duas discussões que trazem

à tona os conceitos de urbanidade e morfologia urbana e reforçam os graus de

segregação e disparidades social da área de estudo.

4.1.2. Legislação Urbanística Incidente

A área de estudo é constituída por fragmentos de bairros diferentes do

Município de Natal. No que diz respeito à legislação incidente, na área, não existe muita

disparidade, a área compõe-se basicamente de área não adensável, portanto com o

coeficiente de aproveitamento básico 1,2. Em Lagoa Nova é possível adensar mais, o

coeficiente máximo é 3,0 segundo o Plano Diretor de Natal (2007).

Em relação às áreas especiais, destaca-se a Zona de Proteção ambiental 01 que

faz disposições com vistas a preservar a área de dunas fixas uma vez que ela é

importante fonte para o aquífero da cidade do Natal. Existe ainda a previsão de possível

Operação Urbana, em Candelária.

Figura 21: Mapa de Macrozoneamento/Operação Urbana

Fonte: Desenvolvido pela autora a partir de CAERN (2006), 2014.

87

Em relação à legislação incidente, questões como adensabilidade podem ser influentes

para a urbanidade de qualquer região, tendo em vista que coeficientes de ocupação maiores

permitem maior densidade de construção. Esta realidade pode fazer com que haja verticalização

na área, aumentando assim o número de pessoas proporcional à área de solo ocupada pelo

edifício. Isso contribui para o número de usuários em potencial para o espaço público.

4.2. Elementos estruturadores do Tecido Urbano

4.2.1. Sistema viário

Os Condomínios fechados da área de estudo e sua relação com o sistema viário

Condomínios fechados são tipologias fortemente relacionados ao sistema viário, mesmo

que, por vezes, implantados distante dos centros urbanos - o que não é o caso dos condomínios

universo de estudo aqui estudados, que se localizam próximos a grandes eixos viários. Isto se

deve ao importante papel exercido pelo sistema viário em um enclave fortificado, que reproduz

um “novo estilo de vida”, em que a motorização é acentuada, e as distâncias relativizadas.

Figura 22: Mapa de centralidades de Natal

Fonte: SEMURB 2007

88

Analisando a localização dos condomínios em questão em termos de sistema viário,

percebemos que se encontra perto do polo “Lagoa Nova”, que segundo o mapa de centralidades

do Plano Setorial seria uma centralidade projetada também se configuraria como um Subcentro

– Porção Sul. Os condomínios ainda se encontram nas proximidades do grande eixo Prudente

de Morais.

Para comprovar a importância da conexão com grandes eixos no estilo de vida e

na comercialização destes empreendimentos, seguem mapas de folders dos

condomínios. Nestas imagens é possível perceber o destaque para os grandes eixos e a

omissão ou diminuição da importância das vias locais.

O folder do Green Village destaca as Avenidas Mor Gouveia, Jaguarari, Avenida

Senador Salgado Filho, Avenida da Integração. Roberto Freire e BR-101, além de alguns

empreendimentos de grande porte, como o Natal Shopping, por exemplo. Como

podemos perceber todos são grandes eixos, e na representação nota-se que o

empreendimento está voltado para os eixos, reforçando a ideia de facilidade de

deslocamento.

Figura 23: Folder de comercialização do Green Village

Fonte: FBF Empreendimentos, 1995.

89

O folder do empreendimento West Park Boulevard (figura 23), destaca a conexão

da Av. Libânia Galvão Pereira com a Jaguarari. Apesar de estar parte em Candelária e

parte em Cidade da Esperança, na representação aparece apenas o bairro de Candelária

e Lagoa Nova. Apesar de ser uma área residencial bastante ocupada e consolidada, o

entorno do empreendimento é representado como se não houvesse nada construído,

além da manipulação da escala. O enfoque é voltado para grandes empreendimentos e

vias.

Figura 24: Folder de Comercialização do West Park Boulevard

Fonte: SOUZA E SILVA (2004) e Avelino (2007).

Para a comercialização do Condomínio West Side Boulevard a deturpação do

sistema viário é ainda mais intensa. Além de constar no mapa vias que não existem,

ainda aparecem vias que estão interditadas com barricadas e intransitáveis. Todo esse

mascaramento da verdade para passar uma imagem de boa conexão com grandes eixos

(figura 25).

90

Figura 25: Folder de comercialização do West Side Boulevard

Fonte: SOUZA E SILVA (2004) e Avelino (2007).

Uma vez comprovada a forte relação entre os condomínios e os grandes eixos

viários, é importante lembrar que a motorização é desfavorável à sociabilidade urbana.

Segundo o conceito de desurbanismo, a motorização é um dos preceitos para destruição

das cidades, elemento com capacidade de retroalimentar o ciclo de aspectos

desfavoráveis ao deslocamento em transportes públicos e a pé, e fortalecer cada vez

mais os estilos de vida que se deslocam apenas em automóvel.

O sistema viário não é importante apenas para aqueles que se locomovem de

carro, os pedestres também fazem uso das vias e este uso é fomentador da

sociabilidade. Segundo Phillippe Panerai (2006), “o espaço público compreende a

totalidade das vias, ruas e vielas, bulevares e avenidas, largos e praças, passeios e

esplanadas, cais e pontes, mas também rios e canais, margens e praias. Esse conjunto

organiza-se em rede a fim de permitir a distribuição e a circulação.” (PANERAI, 2006. P.

81). Com a função de conectar, as vias exercem um papel importante na sociabilidade

uma vez que é a ponte pela qual o usuário em potencial chega aos demais espaços

91

públicos, além disso, uma vez em uma via pública o usuário já vivencia o espaço urbano,

pode ser interagir e sentir a copresença dos demais usuários de determinada via.

As vias e seu aspecto democrático na área de estudo

É nas ruas que a sociabilidade acontece, e, como já foi visto, a urbanidade

depende de espaços democráticos, onde diferentes estilos de vida e classes

socioeconômicas possam coexistir e relacionar-se. Devido a importância do livre acesso

às vias, o primeiro critério a ser analisado será a privatização de ruas, fenômeno em que

espaços que deveriam ser públicos e com acesso à todos são enclausurados em grandes

empreendimentos, cerceando a mobilidade dos demais que não têm acesso à estas

áreas privadas.

Em uma região com grandes glebas fragmentando o sistema viário, nota-se um

grande número de vias internas às parcelas (ver Mapa 03/14 em anexo). Ora, áreas tão

grandes precisam de conexões entre as vias públicas que as servem e seus diversos

fragmentos. Este papel seria feito por vias locais, caso houvesse parcelamento

convencional em loteamento. Porém como a área apresenta diversos condomínios

fechados e grandes empreendimentos, as vias privatizadas acabam se reproduzindo em

larga escala (ver Mapa 04/14 em anexo).

Além das ruas que já foram concebidas em áreas privadas, chama-se atenção

para vias que deveriam ser públicas, porém foram interrompidas por empreendimentos

(ver Mapa 05/14 em anexo), e ainda ruas interrompidas propositadamente por moradores

da região através do uso de barricadas, para acabar com o fluxo em determinadas

regiões.

A Rua dos Potiguares foi interrompida por uma ocupação residencial contígua ao

terreno da Petrobrás, e pelos empreendimentos Condomínio West Park Boulevard, e

também pelo Condomínio Smile. Via de importante papel para a cidade, a Rua dos

Potiguares sofreu um processo contínuo de esmaecimento. Quando da implantação do

condomínio West Park Boulevard, em 1999, a implementação da rua planejada pelo

Plano Diretor de 1984 e de 94 não foi respeitada, o projeto simplesmente desconsiderou

a via que deveria existir construiu um sistema viário interno desconexo ao sistema viário

do entorno.

92

Via larga, com vazão para vários carros, e grande extensão, a Rua dos Potiguares

foi interrompida em seu cruzamento com a Avenida Mor Gouveia. A figura 26 mostra a

altura do cruzamento.

Figura 26: Cruzamento da Avenida dos Potiguares com a Avenida Mor Gouveia

Fonte: Acervo próprio, 2014.

O empreendimento Condomínio Smile, construído em 2012, extermina

simbolicamente a Rua dos Potiguares, à medida que pavimenta apenas a entrada

necessária para os carros acessarem a portaria do condomínio residencial. Após a

entrada do condomínio além não haver mais pavimentação, o empreendimento

construiu uma calçada no meio da rua interrompendo a passagem de veículos. Destaca-

se portanto a incoerência com o folder do empreendimento, que destacava a Rua dos

Potiguares como se fosse acessível (Figura 29)

Figura 27: Calçada obstruindo a Rua dos Potiguares

Fonte: Acervo próprio, 2014.

Figura 28: Perímetro Rua Potiguares sem pavimentação

Fonte: Acervo próprio, 2014.

93

Em 2011, quando começaram as pesquisas para esta monografia, a área do

empreendimento estava cercada com tapumes. Estes tapumes se estendiam isolando

também a área da rua dos Potiguares. Porém após o término da construção do

empreendimento, o condomínio já não se configura como obstáculo ao acesso à rua dos

Potiguares. Apesar dos aspectos mencionados em termos simbólicos, fisicamente, o

empreendimento respeitou a área da rua, não invadindo ou privatizando seu perímetro.

Figura 29: Material de propagando do Condomínio Smile

Fonte: Empreendedora Patrimônio, 2012.

O próximo trecho em que a Rua dos Potiguares encontra-se obstruída está em

uma área contígua ao terreno da Petrobrás, na Av. Libânia Galvão pereira. As casas

foram construídas no espaço destinado à Rua dos Potiguares, restando pouca largura

para a rua, que permite a passagem de pedestres, porém não veículos. Além da largura

impedir a passagem de carros, outros osbstáculos foram construídos no sentido de

impedir a passagem de carros na área. Apesar de não ter dados precisos relativos ao

início desta ocupação, acredita-se que ela é anterior à construção do condomínio West

Park Boulevard.

94

Figura 30: Obstrução s Potiguares

Fonte: Acervo próprio, 2014.

Figura 31: Rua dos Potiguares

Fonte: Acervo próprio, 2014.

A próxima barreira encontrada pela Rua dos Potiguares é o Condomínio West

Park Boulevard. De maior dimensão que qualquer outro obstáculo, devido a sua

natureza, o impacto do empreendimento em relação ao fechamento da via é muito

maior. Isso se deve à grande área cerrada, sem outras alternativas para o fluxo que não

percorrer todo o perímetro do condomínio para chegar ao outro lado do

empreendimento, onde a Rua dos Potiguares continua.

Temos, portanto, o cerramento de uma via e a conformação de uma grande

barreira para o deslocamento de pedestres e automóveis, diferente dos outros dois

gargalos mencionados. Na foto a seguir (figura 33) vê-se a continuação da Rua dos

Potiguares e o encontro entre a rua e o condomínio, onde a mesma deveria continuar,

porém foi interrompida.

Figura 32: Rua dos Potiguares após o Condomínio West Park Boulevard

Fonte: Acervo próprio, 2014.

Figura 33: Entroncamento da Rua dos Potiguares com a Rua Manoel de Castro

Fonte: Acervo próprio, 2014.

95

O cerne da questão levantada neste tópico de sistemas viários e sua relação com

os condomínios fechados é a falta de conexão com a malha viária do entorno, e

constituição de barreira ao deslocamento, com grandes áreas fechadas à passagem dos

demais moradores da cidade, que não condôminos.

Toda esta discussão tem relevância para a sociabilidade, pois está ligada à

configuração local, que versa que menores distâncias e maiores proximidades são

favoráveis ao uso do espaço público. Neste contexto, o fechamento da rua aumentou as

distâncias, além de diminuir a intensidade métrica da grelha, ofertando menores

possibilidades de caminho para os transeuntes, com consequências também negativas

para o movimento nas vias principais e principalmente locais segundo o argumento de

“quadras curtas” de Jane Jacobs (2000).

Hierarquia Viária

Fazendo referência a ruas, de acordo com sua importância em relação às escalas

locais ou globais, verificamos que vias são utilizadas para longos ou curtos

deslocamentos de acordo com suas características hierárquicas. Nesse sentido, Panerai

(2006) destaca que a rede viária é contínua e hierarquizada, à medida em que vias

hierarquicamente superiores organizam uma porção de território urbano maior do que

vias locais.

Fazendo referência à hierarquia viária, o Plano Diretor de Natal (2007), adota

também um Sistema Viário Hierarquizado, classificando as vias em arteriais, coletoras e

locais.

Art. 43. – Para efeito dos programas e projetos que dizem respeito ao Sistema de Circulação e Transporte, bem como para a definição dos critérios de localização dos usos expressos no art. 34 desta Lei, são consideradas as seguintes categorias e hierarquização do Sistema Viário: I – Via Arterial – Forma a principal estrutura viária da cidade, compreendendo grandes volumes de tráfego e desenvolvimento de velocidades mais altas. a) Via Arterial – I (Penetração) – constitui os principais acessos a outros municípios/rodovias; b) Via Arterial – II (Articulação) – permite articulação e deslocamentos entre regiões extremas; II – Via Coletora – a via de importância intermediária na articulação da malha urbana, estabelecendo ligação entre as demais vias e alimentadora das arteriais:

96

a) Via Coletora – I (Distribuição) – distribui os fluxos dos veículos entre as vias arteriais e locais; b) Via Coletora – II (Apoio) – apoia a circulação da via arterial; III – Via Local – Caracteriza-se por baixo volume de veículos e desenvolvimento de baixas velocidades: a) Via Local – I – usada como itinerário de transporte coletivo; b) Via Local – II – usada para acesso direto a áreas residenciais, comerciais ou industriais. (SEMURB, 2007)

Introduzindo o tema de sistema viário hierarquizado, segue o mapa de vias de

Natal (Figura 34), com a classificação hierárquica viária.

Figura 34: Mapa de hierarquia viária de Natal

Fonte: SEMURB, 2008.

97

Nesse mapa é possível perceber certa proximidade por parte dos

empreendimentos com vias importantes hierarquicamente, desde vias coletoras à

arteriais. Estas vias serão elencadas a seguir, no estudo do mapa da área de estudo.

Analisando o mapa em nível municipal, é possível perceber a rarefação de vias

importantes hierarquicamente no entorno imediato dos empreendimentos. Ora, isto

acontece pois eles mesmo se configuram como barreira à continuidade de algumas

delas (a Rua dos Potiguares, por exemplo), que naturalmente continuariam até a

barreira natural da ZPA-01, porém foi interrompida.

Uma vez compreendido o sistema hierárquico das vias da cidade, analisaremos

o mapa de hierarquia viária da área de estudo (ver Mapa 06/14 em anexo). Faz-se

necessário analisar a relação do sistema viário com os condomínios fechados, universo

de estudo deste trabalho acadêmico.

O sistema viário na área de estudo é composto por vias arteriais, coletoras e

locais. As vias arteriais, são as principais do ponto de vista hierárquico, e são

responsáveis por grandes volumes de tráfego. As vias arteriais na área são: Avenida

Jaguarari, Avenida da Integração, Avenida Prudente de Morais, Avenida Capitão Mor

Gouveia e Avenida Interventor Mário Câmara e Avenida Coronel Estevam.

Figura 35:Vista da Rua Jaguarari

Fonte: Google Maps, 2012.

Figura 36:Vista da Avenida da Integração

Fonte: Google Maps, 2012.

Figura 37: Vista da Avenida Prudente de Moraes

Fonte: Google Maps, 2012.

Figura 38:Vista da Avenida Capitão Mor Gouveia

Fonte: Google Maps, 2012.

98

Figura 39: Vista da Av. Interventor Mário Câmara

Fonte: Google Maps, 2012.

Figura 40:Vista da Avenida Coronel Estevão

Fonte: Google Maps, 2012.

As vias coletoras, tem o papel de conectar-se bem com as demais vias locais e

alimentar as arteriais, distribuindo (coletora I) e apoiando fluxos (coletora II). O papel de

conectar bem as vias locais às vias arteriais é essencial para a boa fluidez do fluxo, para

tanto faz-se necessário que estas vias se estruturem de forma a atrair o fluxo de usuários

que saem de seus comércios ou residências, em vias locais, para utilizar-se de vias

coletoras, que o levarão aos grandes eixos artérias, responsáveis por articular maiores

distâncias. Para assumir este papel é importante certa regularidade e boa conexão de

vias coletoras, se em uma grande área não houverem vias coletoras a via local vai acabar

realizando um papel que não é o seu, prejudicando o sistema hierarquizado de vias. Este

prejuízo causaria problemas de tráfego, pois as vias locais não foram projetadas para

grandes fluxos.

Destacamos na área algumas vias coletoras, sendo elas as vias coletoras I:

Avenida Lima e Silva, Avenida Jerônimo Câmara e Avenida Rio Grande do Norte. Como

Coletora II, a Rua Raimundo Chaves (Avenida Libânia Galvão Pereira), Rua dos

Potiguares, Rua dos Tororós e Rua dos Caicós.

No sistema viário é possível perceber que as vias coletoras sofrem a influência

dos grandes empreendimentos. Esta influência se dá à medida que todas elas, com

exceção da Rua Adolfo Gordo (ou Rua dos Caicós), são cortadas ou acabadas em grandes

empreendimentos. É o caso da Av. dos Potiguares, já mencionada anteriormente, que

foi fragmentada em duas partes, a antes do condomínio West Park Boulevard e a depois.

A avenida Raimundo Chaves também acaba ao encontrar-se com a mesma gleba, na

porção do terreno da Petrobrás. Após este terreno outras vias coletoras desconectadas

entre si foram projetadas para distribuir e apoiar o fluxo das vias arteriais, porém

acredita-se que sua eficiência sofra com tanta fragmentação. A Rua dos Tororós também

99

acaba ao encontrar-se com um grande empreendimento, a CEASA em conjunto com o

CAIC.

Figura 41: Mapa de Eixos e Acessos dos Condomínios

Fonte: Desenvolvido pela autora a partir de CAERN (2006), 2014.

As avenidas Coletoras I, responsáveis pela distribuição do fluxo, ao norte da área

de estudo vinham se repetindo com certa intensidade, porém ao sul da Avenida Mor

Gouveia, com as grandes glebas em sentido mais vertical, há uma descontinuidade da

reprodução das mesmas, nesta porção do território, apesar de existirem algumas vias

arteriais na direção vertical, não existem vias coletoras horizontais para distribuir os

fluxos entre locais e arteriais.

Isto sem mencionar as ruas locais suprimidas pela construção de grandes

condomínios horizontais e verticais, caso fossem feitos loteamentos tradicionais haveria

100

uma série de vias locais necessárias no licenciamento deste tipo de parcelamento, que

passam automaticamente para o patrimônio púbico. A legislação ainda menciona a

obrigatoriedade de sua articulação com o sistema viário existente e características que

devem ser respeitadas de acordo com a classificação hierárquica das mesmas.

O que podemos apreender disso é que o interesse privado se sobrepôs ao

interesse público, com influência para vias locais e até mesmo de escala mais global,

como vias arteriais e coletoras.

Uma vez analisada as características deste sistema viário e hierárquico

fragmentado por grandes glebas, é necessário refletir sobre suas consequências para a

urbanidade na região. Sua consequência está relacionada a fatores de rarefação da

intensidade métrica da malha viária, diminuição de alternativas de caminhos e de

interseções. Todos estes fatores são negativos para a urbanidade. Se na escala do

automóvel distancias tão grandes já são prejudiciais, imagine para os pedestres, grandes

protagonistas da copresença e por consequência da sociabilidade no espaço urbano.

Maiores distâncias desestimulam o usuário em potencial a caminhar, e quadras longas

ocasionadas por esta rarefação direcionam o fluxo para uma só via, fazendo com que as

demais vias locais fiquem desertas, com consequências para a segurança e a

microeconomia.

Após estudo da área acredita-se que aproveitando-se da grande barreira natural

da Zona de Proteção Ambiental 01, os grandes empreendimentos se utilizaram da falta

de influência dos proprietários das edificações na porção ao sul dos condomínios, região

mais pobre e em grande parte de ocupação. Esses moradores são os maiores

prejudicados, tendo em vista que precisam traspassar os condomínios para chegas às

suas residências. Se apropriando desta realidade, os empreendedores se aproveitaram

dela para recortar o sistema viária ao seu bel prazer. Além de voltar estes grandes

empreendimentos para as vias principais, cortam os grandes eixos e ainda viram suas

costas para a comunidade pobre da região, negando o entorno e projetando-se para as

áreas mais cêntricas da cidade, onde certamente não poderiam ter realizado tal feito,

pois interesses se chocariam e haveria maiores discussões acerca de fechamento de ruas

e construção de grandes barreiras.

101

Estudo da evolução do sistema viário ao longo dos últimos 30 anos

Para compreender o processo de formação da malha viária e o encadeamento

de fechamento de ruas faremos o estudo de mapas viários de legislação municipal de

1984 e de 1994.

O Plano Diretor de 1984 continha anexos que sistematizam e planejamento do

sistema viário do município hierarquicamente, dividindo-o em sistema viário principal e

secundário e inclui subclassificações das vias em seis tipos diferentes, desde vias de

contorno, penetração, distribuição até vias coletoras, locais e de pedestres, conforme

pode ser visto no artigo que regula tal classificação e o seguinte que estipula requisitos

para cada tipo.

Art. 17 – O Sistema viário Urbano será planejado de forma atender à seguinte classificação hierarquizada das vias, de conformidade com as funções que devam desempenhar, procurando-se garantir sua adequada conexão com os planos rodoviários federal e estadual. I – Sistema Viário Principal: a) Vias de Contorno – VC b) Vias de Penetração - VP c) Vias de Distribuição – VD II – Sistema Viário Secundário: a) Vias Coletoras – VCO b) Vias Locais – VLO c) Vias de Pedestres Art. 18 – As vias urbanas, de acordo com a classificação contida no artigo anterior, deverão ter as seguintes características funcionais: I – As vias de contorno deverão tangencias as áreas urbana e de expansão urbana, estabelecendo conexões rodoviárias externas do Município de forma a otimizar seu acesso. II – As vias de penetração deverão possibilitar a ligação contínua das vias de contorno aos grandes polos de geração de tráfego das áreas urbana e de expansão urbana. III – As vias de distribuição interligarão as vias de penetração distribuindo seu tráfego para as vias coletoras. IV – As vias locais são as que atendem ao acesso aos lotes, estabelecendo sua ligação com as vias coletoras. VI – As vias de pedestres deverão permitir o livre trânsito de pessoas no interior de unidades funcionais. (SEMURB, 1984.)

Uma vez conhecedores dos tipos de via planejados pelo legislador, seguimos com

o mapa de Sistema Viário confeccionado para regular interferências nas vias públicas e

ordenar a ocupação do território.

102

Figura 42: Mapa Viário do Plano Diretor de 1984

Fonte: SEMURB, Plano Diretor de 1984.

Rua dos Potiguares

103

Nesta imagem nota-se uma grande diferença em relação ao mapa de hierarquias

viárias atual do município de Natal. Isto se dá devido ao fato de que às vias que cortam

toda a cidade, as que se destacam no mapa são vias de contorno, em pontilhado e de

penetração, com o traço mais grosso. Nota-se uma integração mais homogênea, em que

a cidade é cortada por eixos verticais e horizontais. É certo que nesta época projetaram-

se vias sem a preocupação a preservação de áreas de proteção ambiental, como a ZPA-

01 por exemplo, que seria cortada eixos nesta projeção. Mesmo com essa ressalva é

importante analisar a configuração viária do sistema proposto no documento em

questão.

A via de penetração Rua dos Potiguares já estava presente neste mapa. No

projeto ela tinha o papel de ligar o aeroporto como o centro da cidade, ligando portando

polo de geração de tráfego dentro da zona urbana e na zona de expansão. A via dos

Potiguares cortaria a Zona de Proteção Ambiental 01 e também o condomínio West Park

Boulevard, o projeto dela como podemos perceber é muito anterior à implantação do

condomínio. Outra via importante neste contexto é a vida de distribuição planejada para

fazer a ligação entre a BR – 226 e a BR – 101. A via viria do oeste da cidade e cruzaria a

área de estudo do nosso estudo, até encontrar com a BR 101. Esta via está muito

próxima a ZPA – 01 porém adaptações poderiam ter sido feitas para que a via fosse

construída sem maiores prejuízos ambientais. Hoje existe a Avenida da Integração, que

desempenha a função de distribuição, porém só se estende até o condomínio Green

Tower, encontrando barreiras para continuar a partir dali, como será abordado a seguir.

Além das vias mencionadas do Sistema Principal, as ruas do Sistema Viário

Secundário também foram prejudicadas ao longo da história na área de estudo, como

podemos perceber no mapa a seguir (figura 43), vias locais foram suprimidas dentro das

grandes propriedades privadas da área. Neste sentido destaca-se a Rua Raimundo

Chaves, que no mapa é contínua, cortando o terreno da Petrobrás e fazendo a conexão

entre a parte leste e oeste da área de estudo. Na configuração atual a via tem

importância hierárquica, tendo em vista que é coletora II, porém ao se encontrar com o

terreno da Petrobrás é interrompida, não cumprindo portanto, a sua função planejada

de conectar como foi projetada para fazer.

104

Figura 43: Detalhe do Mapa Viário do Plano Diretor de 1984

Fonte: Plano Diretor de 1984.

O outro instrumento de Ordenamento Urbano analisado foi o Plano Diretor de

1994. Este documento contêm aproximadamente a mesma classificação viária do Plano

Diretor Atual, com diferenças nas vias que, atualmente são chamadas arteriais, e na

época eram classificadas como estruturais, porém uma questão apenas de

nomenclatura, uma vez que as funções foram mantidas, como podemos perceber no

trecho abaixo:

Art. 43. – Para efeito dos programas e projetos que dizem respeito ao Sistema de Circulação e Transporte, bem como para a definição dos critérios de localização dos usos expressos no art. 34 desta Lei, são consideradas as seguintes categorias e hierarquização do Sistema Viário: I – Via Estrutural – Forma a principal estrutura viária da cidade, compreendendo grandes volumes de tráfego e desenvolvimento de velocidades mais altas. a) Via Estrutural – I (Penetração) – constitui os principais acessos a outros municípios/rodovias;

Rua dos Potiguares Raimundo Chaves

105

b) Via Estrutural – II (Articulação) – permite articulação e deslocamentos entre regiões extremas; II – Via Coletora – a via de importância intermediária na articulação da malha urbana, estabelecendo ligação entre as demais vias e alimentadora das estruturais: a) Via Coletora – I (Distribuição) – distribui os fluxos dos veículos entre as vias estruturais e locais; b) Via Coletora – II (Apoio) – apoia a circulação da via estrutural; III – Via Local – Caracteriza-se por baixo volume de veículos e desenvolvimento de baixas velocidades: c) Via Local – I – usada como itinerário de transporte coletivo; d) Via Local – II – usada para acesso direto a áreas residenciais, comerciais ou industriais. (Plano Diretor de 1994)

Porém o Mapa do sistema Viário de 1994 (figura 44) traz algumas diferenças em

relação ao anterior, segue o documento para que algumas características do mesmo

sejam analisadas posteriormente.

No Plano Diretor de 1994 segue sendo clara a interferência dos grandes

empreendimentos na continuidade do sistema viário. Neste sentido, abordando o

condomínio Green Village e sua contribuição para a fragmentação da malha viária,

analisaremos as vias coletoras II (responsáveis por apoiar o fluxo das vias estruturais), a

Rua Jaguarari e a Rua Doutor Lauro Pinto/Rua dos Tororós. Como podemos perceber no

mapa, a gleba que hoje dá lugar aos condomínios Green Village e Green Woods era

maior e se constituía como barreira para duas vias coletoras. A Rua Jaguarari no

desmembramento da gleba teve sua extensão prolongada e hoje corta todo o perímetro

até o final da gleba em questão. (figura 44)

O mapa deste plano reforça a nossa compreensão sobre a interferência dos grandes

empreendimentos na continuidade do sistema viário. Neste sentido, abordando o condomínio

Green Village e sua contribuição para a fragmentação da malha viária, analisaremos as vias

coletoras II (responsáveis por apoiar o fluxo das vias estruturais), a Rua Jaguarari e a Rua Doutor

Lauro Pinto/Rua dos Tororós. Como podemos perceber no mapa, a gleba que hoje dá lugar aos

condomínios Green Village e Green Woods era maior e se constituía como barreira para duas

vias coletoras. A Rua Jaguarari no desmembramento da gleba teve sua extensão prolongada e

hoje corta todo o perímetro até o final da gleba em questão.

Figura 44: Mapa do Sistema Viário do Plano Diretor de 1994 (Pág. 101) Fonte: SEMURB, 2004.

VIA ESTRUTURAL I

VIA ESTRUTURAL II

VIA COLETORA I

VIA LOCAL

VIA COLETORA II

d i r e t o rn a t a l

p l a n o

OUT/94

1:65000

DATA

ESCALA

LEGENDA

PREFEITURA MUNICIPAL DE NATAL

IPLANAT - INSTITUTO DE PLANEJAMENTO URBANO DE NATAL

SISTEMA VIARIO

n a t a l

ANEXO 03 MAPA 03

RUA PERCIVAL CALDAS

1720

AV. BERNARDO VIEIRA

RUA LIBANIA GALVAO PEREIRA

PRU

R. ABAETE

LIMITE DE MUNICIPIONATAL-PARNAMIRIM

35

AV.

AYRT

ON

SEN

NA

DAS

AV. ENGENHEIROROBERTO

FREIRE

AV. P

RAIA

DEG

ENIPA

BU

OC

EA

NO

AV.

AYRT

ON

SEN

NA

R. ABAETE

R.AL

TERO

SA

34

32

AV. CO

NTO

RNO

CER

CA

DO

IBD

F

CAMPUS UNIV.DO

AV. DOS IPES

AV. DOS GERMANIOS

BR-1

01

36

AT

LA

NT

I CO

XAVI

ER

SALG

ADO

FILH

O

MILITAR

AREA

26

AV.

25

Av.

DEN

TE

DE

AV. BERNARDO VIEIRA

SILV

EIRA

DA

MILITAR

AREA

RUA

ROM

UALD

OG

ALVA

O

MO

RAIS

DE ALENCAR

R. ALEXANDRINO

RUA

JAG

UARA

RI

21

RUA PROJETADA

29

DUNAS

RIOPIT

IMBU

BR-1

01

AV. ANTOINEDE SAINT EXUPERY

33

30ABREU E

RUA

LIMA

31

DUNAS

VIA

FERR

EA

AV. CAP. MOR GOLVEIA

23

AV. PERIMETRAL SUL

LAUREANO

RUAAV

.

GOUVEIA

R. CAP.

Av.

MOR

R. DA FLORESTA

POTIG

UARE

S

RUA

DOS

28

AV. AMINTAS BARROS

22

24

DO

S

CEL

.ES

TEVA

OC

AIC

OS

PASTO

R

RUA MANUELMIRANDA

TV. Sta. ISABEL

DUNAS

DUNAS

27

NAP

OLE

AO

RUA

R.

BOM

RIOALINHAMENTO

DE EIXODA

RUABEBERIBE

MILITAR

AREA

15

R JUVINO B.AV

. DEO

DO

ROD

AFO

NSE

CA

R. ALBERTO M.

AVHE

RMES

DA

FON

SEC

A

R MIPIBU

14R MOSSORO

13

TINO

CO

19

R.RE

GUL

O

R.O

LINTO

MEI

RA

12

AV. R

IOBR

ANC

O

09

1110

08

FORTE REIS MAGOS

RIODOCE

R. BAYPENDER

AV. T

OC

ANTIN

EA

LIMITE

DOC

ONJ. PO

TENGI

POTENGI

NAVAL

BASE

16

RIO

POTE

NG

I

TRAV

.

RIO

JAGUARIB

E

07

RIO

18

JUND

IAI

RUA TOMAZ LANDIM

RUA IRMA VITORIA

06

AV. GO

VERNADOR

ANTONIO

DEM

ELOE

SOUZA

RUADr. JO

AOMEDEIROS FILH

O

05

RIODOCE

02

03

AV. D

AS

FRO

NTE

IRA

S

RUA

VOTU

PORA

NGA

AVCIDADE

PRAIA

R.PO

NTE

NOVA

RUA TOMAZ LANDIM

04

EST. DE PAJUCARA

EST.

DE

GEN

IPA

BU

01

RIODOCE

RN-

160

RIO DOCE

R DA ARARUNA

R DA CHEGANCA

RDO

PAST

ORI

L

AV. BUMBA MEU BOI

AV GUARARAPES

AV PIRASSUNUNGA

AVD

RJU

LIAN

OM

ORE

IRA AV.

TINOCO

C. LIMA

MO

EMA

AV. ITAPETINGA

AVDR

JOAO

MEDEIROS

RSENHO

RDO

BONFIM

AV FLORIANOPOLIS

AV MARANGUAPE

R SANTO INACIO DE LOYOLA

RUAJOSE LUIS DA

SILVA

RUARIZOMAR CORREIA

DOS SANTOS

RUABOA

SORTE

AV ALMIRANTE A DE ALENCAR

RUA CEARA MIRIM

R APODI

R ACU

AVFL

ORI

ANO

PEIX

OTO

AVG.V

ARGAS

AVEN

IDA

DE

MO

RAIS

PRUD

ENTE

RUAPRESID

ENTE

BAND

EIRA

R.PRESIDENTE

SARMENTO

RUA DOSCANINDES

AVCEL

ESTEV

AO

RUA MARIO

NEGOCIO

CAM

ARA

AV.

INTE

RVEN

TOR

MAR

IO

AV.MIGUEL CASTRO

AV. LIMAE SILVA

AV. GERONIMOCAMARA

AVRI

OG

RAND

EDO

SUL

AVCEN

TRAL

RUARAIN

HAD

OM

AR

RUAIN

DO

MAR

RUA MAR E CEU

R PASTOR

J.

GALVAO

RUAANTO

NIO

CAROLINO

R PROF.

COUTINHO

AV. ANTONIOBASILIO

AV. NASCIMENTOCASTRO

AV. AMINTAS BARROS

AV. MIGUEL CASTRO

AV. LIMAE SILVA

AV. DOS CAIAPOS

AV. DOS XAVANTES

AV. DOS XAVANTES

R.JO

SEF.

SOBR

INHO

R.AL

FRED

OP.

CO

RTEZ

R.LU

IZAN

TON

IOB.

LOPE

S

AV. DA INTEGRACAO

RG

UANA

BARA

AVPR

AIA

DO

FORT

E

R. DECIOFONSECA

R.D

UQUE

DE

CAX

IAS

AVPR

ESC

AFE

FILH

O

RUAM

IRASSOL

RUAPEIXE

BOI

RUA ENG.JOAO

HELIOALVES

ROCHA

RUA SANTAADELIA

RUA JARDIM DO EDEN

ESTR

ADA

DOPIR

ANG

I

AV. P

RAIA

DETIB

AU

AVPR

UDEN

TED

EM

ORA

IS

RER

ICO

MO

NTEIRO

RNEU

ZAFA

RACHE

AV ODILON

GOMESDE LIM

A

AV DAS

ALAGOAS

AFO

NSO

MAG

ALHA

ES

RUA MAJOR

CORINGA

R. VEREADOR

MANO

EL

LIMITE DE BAIRRO

LIMITE DE MUNICIPIO

LINHA FERREA

AV

PRUD

DE

MO

R

ENTE

AIS

DUNAS

PARQUE

PAJUÇARA02

NEÓPOLIS

CANDELÁRIA

CIDADE DA ESPERANÇA

CIDADE NOVA

GUARAPES

CAPIM MACIO

PARQUE DAS DUNAS

PONTA NEGRA

34

36

35

31

32

33

29

28

30

PITIMBU

FELIPE CAMARÃO

N. S. NAZARÉ

BARRO VERMELHO

MÃE LUIZA

PETROPOLIS

N. S. APRESENTACÃO

AREIA PRETA

CIDADE ALTA

PRAIA DO MEIO

DIX-SEPT ROSADO

LAGOA NOVA

BOM PASTOR

LAGOA SECA

NORDESTE

NOVA DESCOBERTA

SANTOS REIS

15

21

25

27

26

23

22

24

18

20

19

16

17

ALECRIM

TIROL

QUINTAS

12

14

13

10

09

11

05

07

06

08

03

04

RIBEIRA

ROCAS

IGAPÓ

SALINAS

REDINHA

POTENGI

LAGOA AZUL01

107

Contudo, outra solução foi dada à Rua dos Tororós/Rua Doutor Lauro Pinto. Com

a mesma classificação hierárquica na época, portanto com a mesma importância

funcional, o eixo já havia sido fragmentado pelo terreno do CAIC ao norte, marco que

dividia –o em Rua dos Tororós ao norte e Rua Doutor Lauro Pinto ao sul. Apesar de voltar

com diferente nome, o eixo, mantinha sua classificação, porém não foi estendido ao

longo da gleba em questão. No Plano Diretor de 2007, o atual, a Rua Doutor Lauro Pinto

deixou de ser superior hierarquicamente e classifica-se como local, já a Rua Jaguarari

ganhou importância e hoje tem o status de Via Arterial II, permitindo articulações e

deslocamentos entre regiões extremas.

Neste contexto, a Rua dos Potiguares segue com o importante papel de ligar a

parte das áreas periféricas das regiões sul e oeste, já sendo classificada como via

coletora II, responsável por apoiar o fluxo das vias estruturais. Chama atenção, porém,

a incoerência entre a projeção da rua coletora e a vias locais desenhadas no mapa. O

conjunto de vias locais parece não estar em sintonia com a Rua dos Potiguares, que

cruzaria todas elas, cortando diversas quadras ao meio, em diagonal. Destaca-se que no

desenho a rua foi representada como construída até a rua Libânia Galvão Pereira, depois

passa a ser projeção, uma via a ser construída.

A conexão antes feita por uma via de distribuição de oeste, até a BR – 101, passa

a ser feita por uma via coletora I, representada pela via Perimetral Sul e Rua da Floresta.

O eixo hierarquicamente superior acaba ao sul do terreno da Petrobrás e encontra com

a Avenida da integração, que segue até a BR -101 sem obstáculos.

108

Figura 45: Detalhe do Mapa Viário do Plano Diretor de 1994

Fonte: Natal, 1994.

Na configuração atual, porém essa possibilidade não existe, tendo em vista que

a Avenida da Integração foi interrompida de forma intencional com a colocação de

grandes volumes de concreto e barricadas para impedir o fluxo entre a parte ao sul do

Condomínio Green Woods e o restante do perímetro da rua, na altura do início da

Avenida Jaguarari.

109

A seguir as fotos da interdição da rua por iniciativa de particulares (Figuras 46 e

47). Na interseção da Av. Integração com a Jaguarari, foram colocados entulhos e lixo,

de modo a impedir a passagem de automóveis.

Figura 46: Obstrução da Avenida da Integração – Lixo e entulhos

Fonte: Acervo Próprio, 2014

Figura 47: Obstrução da Avenida da Integração – Bloco de Concreto

Fonte: Acervo Próprio, 2014.

O mesmo foi feito ao final oficial da Avenida a Integração, aos fundos do Green

Woods, a via, sem pavimentação foi obstruída por lixo e destroços. Neste caso, porém

houve a desobstrução e hoje apesar dos entulhos é possível passar a pé ou de

automóvel.

Figura 48: Barricada na Avenida da Integração

Fonte: Acervo Próprio, 2014.

Figura 49: Avenida da Integração obstruída

Fonte: Acervo Próprio, 2014.

Uma outra via conectada ao trecho foi obstruída da mesma forma e continua

sem uso. A vegetação tomou conta do que seria via pública e já não se usa mais nem

para pedestres, pelo que se pode perceber.

110

Figura 50: Obstrução da Avenida da Integração

Fonte: Acervo Próprio, 2014.

Figura 51: Detalhe da proximidade com a ZPA-01

Fonte: Acervo Próprio, 2014.

Cogita-se que moradores da Favela da Baixa do Cão, que se conecta com a rua,

obstruíram as passagens para manter as autoridades policiais e de fiscalização longe do

local. Entre a barreira física da ZPA – 01 e os condomínios a favela acaba segregada e

isso facilita o avanço da ocupação por sobre as dunas da zona de proteção, que são

importantes para a manutenção do aquífero da cidade. Além disso, a área corre sérios

riscos de deslizamento de terra além de problemas com lixo e higiene.

Figura 52: Mapa de Pavimentação

Fonte: Desenvolvido pela autora a partir de CAERN (2006), 2014.

111

Ainda no contexto destas ruas interrompidas, outro aspecto chama atenção nos

mesmos perímetros. Relacionado à infraestrutura do Sistema Viário, a pavimentação

das vias é importante a medida em que traz conforto e fluidez aos transeuntes e

moradores. De maneira geral, a pavimentação segue a lógica da hierarquia viária, à

medida em que vias coletoras e arteriais são asfaltas, e as vias locais têm pavimentação

em paralelepípedo. As exceções são apenas as relacionadas à interrupção indevida de

ruas, e na região mais pobre da área de estudo, segregada aos fundos dos condomínios

e sem infraestrutura de pavimentação (figura 51).

Tendo em vista todo este contexto de desigualdade de oferta de infraestrutura,

cabe refletir sobre os aspectos segregatórios que se materializam na falta de

infraestrutura, criação de barreiras e no aumento de distâncias. Nesta realidade de

justaposição dos diferentes, a segregação socioespacial se configura a medida em que a

infraestrutura e comodidade da vida urbana chega para o morador do condomínio e não

chega para o morador da favela fundos do terreno. Favelas já são locais de

homogeneidade social de forma geral, com sociabilidade prejudicada, uma vez que

poucas relações são estabelecidas entre diferentes níveis socioculturais.

A falta de integração com o entorno devido às barreiras criadas pelos

condomínios e a barreira natural da ZPA – 01 prejudica ainda mais a possibilidade da

vivência da complexidade da cidade no seu sentido mais democrático. O fechamento

das poucas vias que chegam ao local intensifica ainda mais o processo de isolamento e

segregação socioespacial, realidade em que pessoas de classes socioeconômicas

diferentes vivem uma ao lado da outra, porem separadas por barreiras físicas, como os

muros do condomínio, ou de acessibilidade, como é o caso da Favela da Baixa do Cão.

Configuração espacial global e local do sistema viário

A configuração espacial global do sistema viário tem influência sobre o número

de pedestres que passarão por ela, segundo estudos relativos ao movimento de

passagem. Tendo em vista que esse movimento seria o de maiores proporções em áreas

urbanas, nos cabe avaliar as medidas de integração da área, para compreender melhor

os efeitos da fragmentação do sistema (ver Mapa 07/14 em anexo) no movimento das ruas

da área de estudo.

112

Para analisar morfologicamente a configuração espacial do sistema viário da área

de estudo e os impactos da implantação do conjunto de condomínios, universo de

estudo desta pesquisa na área, seguiremos com um estudo de integração. Este estudo

abrange as relações das vias do entorno com todas as outras vias da Região

Metropolitana de Natal, refletindo sobre a configuração global do sistema viário e suas

influências sobre a sociabilidade na área do entorno imediato dos condomínios.

Utilizou-se como fonte no estudo, o mapa de linhas axiais, desenvolvidos a partir

do mapa viário da RMN, procurando representar todas as vias em “linhas mais longas e

em menor quantidade possível”. Segundo V. A. S. de Medeiros (2006), este tipo de mapa

é a base para a leitura das medidas sintáticas, e indicam a integração dos eixos em escala

cromática.

Como mencionado no tópico Morfologia e Desempenho Urbano a integração é

uma medida bastante importante para a medição de fenômenos socioespaciais. Neste

trabalho utilizaremos o conceito de integração global e integração espacial, descrito por

Natalie Kim Crovadore e Jussara Maria Silva (2013):

A integração local (HH – R3) é a avaliação entre as linhas axiais até no máximo três passos topológicos de profundidade, esta relação aponta características de acessibilidade na escala local. A integração global (HH - RN) á a principal variável de sintaxe espacial, sua função é relacionar todas as lixas axiais do sistema entre si, indicando quantos passos topológicos são necessários para que uma linha alcance todas as demais, ponderando pela quantidade de linhas do sistema. A medida de integração tem por objetivo demonstrar a relação entre a estrutura configuracional de uma malha urbana e o movimento urbano, revelando os estímulos e desestímulos da malha ao movimento. (CROVADORE, SILVA, 2013. p. 1)

Na análise do mapa axial, evidenciamos a quantificação dos valores, trazendo a

quantificação dos valores de integração HH (RN e R3) do sistema que se quer estudar.

Em seguida as características locais serão enfocadas, oportunidade em que o mapa axial

com raio de 3.000 metros será determinado a partir do centro dos condomínios, esta

decisão foi tomada, para diminuir os efeitos de borda desta discussão.

113

No sistema viário modelado as vias dos condomínios não se fazem presentes,

visto que são privativas aos moradores dos condomínios e não fazem parte das opções

dos transeuntes comuns nem dos motoristas.

O mapa axial a seguir (figura 53) representa o sistema viário da RMN e sua

integração HH raio N (configuração global). Neste contexto é possível verificar que assim

como esperado, o condomínio se encontra próximo a vias de grande integração,

seguindo a lógica dos grandes eixos e do uso de automóveis, são eles a Av. Mor Gouveia,

Av. Prudente de Moraes, Av. da Integração, Av. Jaguarari e Rua Francisco Mignori, todas

em vermelho no mapa, e acessos importantes para os moradores dos condomínios

quando se locomoverem para as demais áreas da cidade.

Sendo assim comprova-se que as vias da proximidade no condomínio são bem

conectadas. Porém e as vias internas ao condomínio? Seriam bem conectas e bastante

utilizadas? E se ao invés de condomínios fechados ali fossem implementados

loteamentos tradicionais, haveria muita influência nas características globais da região?

Figura 53: Mapa axial – RMN sem as vias internas aos condomínios – Integração HH RN

Fonte: Adaptado pela autora, do Mapa Axial fornecido pelo MuSA, 2013

114

Um estudo morfológico de sintaxe espacial realizado pela autora desta

monografia sobre a área levantando estas questões foi desenvolvido. O objetivo era

medir as influências da fragmentação espacial no fluxo de pessoas e veículos. Para tanto

criou-se 4 sistemas, nesse modelo: (1) Sistema viário sem vias privativas ao condomínio;

(2) Sistema viário incorporando as vias dos condomínios como públicas; (3) Abstração

do Sistema viário incorporando as vias como públicas e conectando vias ao sistema

viário existente, quando possível e (4) Loteamentos hipotéticos conectados ao sistema

viário existente em substituição aos condomínios horizontais.

Os resultados apontaram dois pontos interessantes, o primeiro deles é o alto

potencial de integração da área. Caso esta abstração acontecesse, as vias dos

condomínios teriam media a alta integração por estarem conectadas com vias bem

conectadas, mostrando que trata-se de uma área com potencial para grande movimento

de passagem, portanto bastante vitalidade urbana. Veja o mapa abaixo, com um sistema

que trata as vias dos condomínios como públicas, e calcula sua integração relativa a

todas as outras ruas com raio N.

Figura 54: Mapa axial – RMN com as vias internas aos condomínios – Integração HH RN

Fonte: Adaptado pela autora, do Mapa Axial fornecido pelo MuSA, 2013

115

Para esta simulação (HH/RN) os principais eixos mencionados anteriormente

mantêm-se com sua capacidade de movimento ressaltada pela cor vermelha na escala

de cores, e as vias internas aos condomínios que agora aparecem no mapa apresentam

coloração amarelada ou esverdeada, esta característica é notada devido a ligação das

vias internas ao condomínio com vias bem integradas, ou mesmo à sua proximidade de

grandes eixos.

O segundo ponto a ser destacado é que, levando em consideração a integração

HH RN (configuração global), caso o parcelamento da região seguisse a lógica de

parcelamentos tradicionais, a diferença numérica não seria tão relevante. Ou seja,

levando em conta a integração HH RN, a configuração global não sofreria grandes

alterações caso o parcelamento da área fosse feito em loteamento ao invés de em

condomínio urbanístico. Para esta reflexão foi feito um exercício de abstração,

substituindo hipoteticamente o sistema viário fragmentado da atualidade por um

preenchido por malha de loteamento nas áreas em que hoje se localizam condomínios.

Para o sistema mencionado acima, a integração RN, apresentaria vias internas

aos condomínios seriam de integração média para alta. As integrações seriam laranja

para aqueles situados na região do Green Woods e Green Village, devido a sua maior

proximidade com eixos como a Jaguarari e integração. Enquanto que a região onde hoje

estão localizados o West Park Boulevard e o West Side teria coloração amarelada, menor

um pouco que a região anterior.

Para o mesmo sistema, o mapa axial referente a integração HH R3 nota-se uma

pequena diferença em relação ao sistema 02 e 03, pois as vias passam a apresentar-se

com a coloração mais amarelada, ao invés e azulada, configurando, portanto, um

maior potencial de integração, isto levando em consideração o raio 3 para integração,

ou seja, apenas os 3 primeiros passos topológicos possíveis a partir de cada via com

relação a todas as outras vias.

116

Figura 55: Mapa axial – RMN com simulação de

loteamento na área de estudo – Integração HH RN

Figura 56: Mapa axial – RMN com simulação de

loteamento na área de estudo – Integração HH R3

Fonte: Adaptado pela autora, do Mapa Axial fornecido pelo MuSA, 2013

De uma forma geral, a integração se manteria na mesma ordem de grandeza,

pois foi mantida a escala de cores para a região, tendo, portanto, uma influência menor

do que a esperada para este estudo.

Uma vez apresentados os mapas da integração global serão introduzidos a seguir

os mapas para características de integração local, analisando especificamente os

impactos e influências relativas à área em si, o entorno imediato dos condomínios, foco

real do trabalho.

Primeiramente o mapa axial da região como é hoje, sem as vias internas aos

condomínios. Neste mapa podemos notar a importância local dos eixos Av. Jaguarari e

Av. Mor Gouveia, únicos em vermelho nas proximidades dos condomínios.

117

Figura 57: Mapa axial – Área sem as vias internas aos

condomínios – Integração HH RN

Figura 58: Mapa axial – Área sem as vias internas aos condomínios – Integração HH R3

Fonte: Adaptado pela autora, do Mapa Axial fornecido pelo MuSA, 2013

Neste mapa do sistema 1 integração HH R3 nota-se uma semelhança bastante

grande em relação a integração HH RN. As vias que delimitam os terrenos dos

condomínios levam as cores verde e amarela, que são referentes a média integração,

porém próximos a eixos bastante integrados como a Av. Jaguarari e Av. Mor Gouveia.

Neste sentido os condomínios Green Village e Green Woods apresentam saída direta

para a via mais integrada da região, a Av. Jaguarari, enquanto que o West Park Boulevard

está a 3 passos topológicos da Av. Mor Gouveia, sendo sua entrada Principal na Av.

Raimundo Chaves, de coloração amarela. E o West Side Boulevard está ligado a rua

Nelson Geraldo Freire, em verde, a 3 passos topológicos da Av. Mor Gouveia, e a 2 da

Rua Jaguarari.

Quanto mais integrada é uma via, maior é o movimento de passagem por ela,

elemento incentivador da sociabilidade. Segundo os estudos sintáticos desenvolvidos

neste tópico a rua com maior fluxo deveria ser a Rua Jaguarari. Se contarmos o fluxo

automobilístico isto retrata a verdade. Porém, nosso estudo vai mais além. Ressaltamos

que a motorização demasiada é negativa à sociabilidade pois minimiza a relação daquele

que se desloca em relação à via que utiliza, e privatiza a copresença. Usuários de carro

dificilmente irão parar em uma praça, por exemplo para vivenciar o espaço público.

Menos ainda se morar em um enclave fortificado, que conta com sua área de lazer

privativa.

Faz-se necessário lembrar que urbanidade está relacionada a uma série de

fatores e não apenas um. Eixos demasiadamente rápidos, nos quais é proibido

118

estacionar e sem espaços públicos podem se tornar corredores automobilísticos sem

vida urbana que não fluxo de carro e privatização de copresença.

Usando conhecimento empírico da área adquirido ao longo deste estudo, as vias

com maior número de pessoas transitando a pé na área do entorno imediato dos

condomínios são as Ruas Nelson Geraldo Freire, Rua Manoel de Castro e Interventor

Mário Câmara, todas apontadas na escala cromática como integração HH – RN e HH –

R3 média. Nelas há grande fluxo de carro e também de pessoas a pé.

Figura 59: Avenida Manoel de Castro

Fonte: Acervo próprio, 2014

Figura 60: Avenida Nelson Geraldo Freire

Fonte: Acervo próprio, 2014

O estudo do sistema viário puramente pode apontar fluxos, porém para analisar

sociabilidade faz-se necessário refletir sobre outros aspectos. Os aspectos por exemplo

que fazem com que as vias: Rua Nelson Geraldo Freire e Rua Manoel de Castro terem

usos diferentes por seus transeuntes. É certo que as duas têm aproximadamente o

mesmo fluxo, porém enquanto uma transborda vitalidade e interações na rua, a outra

se restringe à passagem com vistas unicamente a deslocar-se. Estes demais aspectos

serão tratados nos tópicos seguintes.

4.2.2. Recortes Fundiários e Parcelas

O tecido urbano é constituído pela superposição de rede de vias, parcelamentos

fundiários e edificações. Segundo Panerai (2006), a análise do mesmo deve ser feita pela

identificação de cada um desses conjuntos, deve-se entender a lógica de cada um deles,

assim como as relações estabelecidas entre os mesmos. Nesse sentido, o sistema viário

organiza as parcelas, que por sua vez estabelecem relação com o edifício. Nesta

119

oportunidade analisa-se a relação rua/parcelas, que segundo o autor é o fundamento

para a existência do tecido urbano.

A rua estrutura o domínio construído, que por sua vez constitui-se como uma

soma de propriedades fundiárias sequenciais que podem ser edificados ou não. As

parcelas representam partes de um todo, esta divisão tem seus limites materializados

por muros e cercas no espaço urbano, que todo segmentado segundo lotes e quadras.

Panerai (2006) menciona estes níveis do espaço urbano e os classifica-os.

Segundo o autor, lote é “o edifício, ou melhor, o lote edificado, quer dizer, o edifício

ancorado no chão incluindo espaços abertos, como pátios, jardins, quintais, etc. e

caracterizado por uma relação específica com os espaços urbanos – ruas, pracinhas ou

canais. (PANERAI, 2006. P. 123). Já a quadra seria, segundo ele:

“O agrupamento de lotes, que revela a organização elementar do tecido e, conforme o período de formação, sua localização na cidade, caracterizado pelo papel estruturante dos espaços públicos, a posição dos monumentos, a lógica do adensamento e do crescimento interno, as possibilidades de associação com outras formas de tecido. (PANERAI, 2006. P. 123)

Diante destes conceitos desenvolveremos uma análise do parcelamento da área

de estudo, iniciando pelas quadras, que podem ser observadas no mapa a seguir:

Figura 61: Mapa de parcelamento

Fonte: Desenvolvido pela autora a partir de CAERN (2006), 2014.

120

É possível observar no mapa a heterogeneidade entre as quadras que compõe a

área de estudo. Existem quadras ortogonais de pequena dimensão organizadas em

família que contrastam com quadras de grande dimensão distribuídas ao longo do

tecido urbano.

Como Souza e Silva faz referência em seu trabalho, tipos de ocupação geram

famílias de quadras semelhantes e geralmente homogêneas entre si, por isso construiu-

se um mapa para análise das quadras relacionado ao tipo de ocupação. O mapa de

Loteamentos, Conjuntos Habitacionais, Favelas e Condomínios Fechados (Ver mapa

08/11) introduz a discussão sobre essas formas de parcelar e suas influências no padrão

de quadras e parcelas resultantes. Panerai (2006) também introduz reflexão sobre o

tema: “A observação do tecido (vias e parcelamento) em grandes extensões, isto é,

incluindo territórios mais vastos que o conjunto formado apenas por algumas ruas, na

maior parte das vezes revela fortes oposições. (PANERAI, 2006 P. 89) Neste caso, a esta

altura da discussão buscamos relações de disparidade entre as quadras, e mais a diante

faremos o mesmo exercício com os lotes.

Os condomínios fechados se destacam por compor as maiores quadras da região,

além da sua dimensão exacerbada, ainda se inserem em uma mesma quadra (West Park

Boulevard e West Side; Green Village e Green Woods), o que torna ainda maiores as

áreas ininterruptas em que se estendem. Souza e Silva (2004) menciona o fenômeno das

grandes áreas ocupadas por condomínios:

Enquanto os condomínios populares têm de 10 a 20 unidades, em média, e se inserem no meio de quadras já existentes, os empreendimentos dirigidos aos ricos disponibilizam no mercado um número médio de unidades em torno de 100 a 350 moradias e se espalham em grandes áreas, com o agravante de muitas vezes serem construídos colados uns aos outros gerando grandes áreas impermeáveis. (SOUZA E SILVA, 2004. P. 130.)

Os loteamentos da região, assim como conjuntos habitacionais geraram quadras

homogêneas, organizadas em família e de acordo com um ritmo próprio, são quadras

de menores dimensões, variando entre 60 a 270 metros lineares.

O padrão morfológico existente no entorno resultou de loteamentos formais públicos e privados, e reparcelamentos,

121

em grande parte, frutos de posses realizadas por pessoas de baixa renda. O resultado averiguado no mapa mais recente mostra que as quadras têm, normalmente, lotes distribuídos para todas as faces, com dimensões que variam de aproximadamente 50 a 230 metros lineares. Os lotes assumem dimensões bem contrastantes, dependendo do trecho onde se localizam. (SOUZA E SILVA, 2004. P. 206)

A Favela da Baixa do cão introduz no tecido urbano outra configuração de malha

que apresenta características ímpares na região. São dois grupos diferentes, nos

diferentes lados da duna. O conjunto de casas mais próximos aos fundos do condomínio

West Park Boulevard apresenta quadras com pequena dimensão, disformes e que foram

surgindo de acordo com o relevo e o avanço da ocupação na duna. O outro conjunto de

casas segue o sistema viário margeando as ruas e a formação dunar, este grupo

apresenta quadras mais longas e com pouca profundidade.

Em relação à dimensão das quadras, o capítulo de Parcelamento do Plano Diretor

de 1984 introduz alguns requisitos no sentido de manter as quadras em um tamanho

adequado à escala do pedestre, como podemos observar nos artigos abaixo:

Art. 144 - O comprimento das quadras, nos novos loteamentos, não poderá ser superior a 250,00 (duzentos e cinquenta metros). § 1º - As quadras com mais de 150,00(cento e cinquenta metros) de comprimento serão divididas ao meio por passagem ou via de circulação de pedestres ou vielas sanitárias com largura não menos de 14%(quatorze por cento) do comprimento de passagem, observando no mínimo de 7,00 m (sete metros). § 2º - Nenhum lote poderá fazer frente para as vielas ou passagens de que trata o parágrafo anterior, tendo obrigatoriamente uma de suas frentes voltadas para urna via de circulação com largura mínima de 12,00 m (doze metros). Art. 145 - Nenhum lote poderá distar mais de 600,00 (seiscentos metros) de eixo de uma via coletora, medida essa distância em linha normal do vértice mais pr6ximo do lote em relação àquele eixo. (SEMURB, 1984)

Diante disto foi feito um levantamento para analisar as quadras da área e se

estão de acordo com a legislação vigente, garantindo assim os padrões de espaço

urbano determinado por lei.

122

Figura 62: Mapa de dimensões das quadras comparado à legislação

Fonte: Desenvolvido pela autora a partir de CAERN (2006), 2014.

Como é possível perceber no mapa, existem algumas quadras maiores do que as

permitidas pela lei de parcelamento. As em coloração rosa apresentam comprimento

maior do que 150 metros, sem rua de servidão, e as em vermelho mais de 300 metros,

proibido pela legislação independente de abrir via de servidão, tamanha inadequação

de sua dimensão.

Destacamos portanto as quadras em vermelho, com maiores dimensões e mais

prejudiciais à continuidade da malha urbana. De todas as quadras destacadas nenhuma

faz parte de loteamentos, apenas uma do conjunto habitacional Cidade da esperança,

anterior à esta lei. A maioria das grandes quadras foram destinadas a grandes

empreendimentos públicos, ou privados, como os condomínios fechados. De fato as

maiores glebas são as compostas pelos condomínios. Elas têm o comprimento de 2 a 3

vezes maior do que o permitido por lei, e são entre 10 a 12 vezes maiores do que as

quadras do entorno. Diante de tamanha disparidade da legislação e da realidade do

entorno, Souza e Silva (2004) reflete:

Outro ponto que estimula o debate da legalidade dos condomínios fechados horizontais trata da dimensão dos mesmos. Na observação da implantação destes

123

empreendimentos, é visível a desproporção entre a área a eles reservada e as quadras o entorno. No caso do Green Village e do Green Woods, o fechamento da área verde [...] e a existência da lagoa de captação contígua ao Green Village perfazem juntos uma dimensão total de aproximadamente 500 por 600 metros quadrados, ou 30 hectares, onde a malha urbana torna-se impermeável. Cada face desta área corresponde a quatro quadras existentes no entorno. Fica clara novamente a não consideração às normas de Parcelamento do Solo Municipal, onde a dimensão máxima de uma quadra não deve ultrapassar 250.00 metros lineares (SOUZA E SILVA, 2004. P. 191)

Neste sentido destaca-se que o Parcelamento do Solo Urbano e também a Lei

9.785/99 são um instrumento de execução da política de desenvolvimento e expansão

urbanos, devendo regular a ocupação do solo, e garantir a tutela do interesse público

coletivo em detrimento de interesses privados e do capital. Ele está regulado por

diretrizes do art. 2º do Estatuto da Cidade e regulado pela Lei n. 6.766, de 19 de

dezembro de 1979, compreendendo normas urbanísticas, sanitárias, civis e penais que

devem ser cumpridas de modo a garantir as funções sociais da cidade e a garantia ao

direito das cidades sustentáveis.

Refletindo sobre a forma e o desempenho urbano, a intensificação métrica da

grelha, evocada por Jacobs (2000), não é favorecida diante da configuração dos

condomínios fechados. Grandes quadras, impermeáveis ao pedestre física e

visualmente. Isso tem como repercussão aumento das distâncias, diminuição de

alternativas de percursos e falta de distribuição de fluxos, com prejuízos para o número

de pedestres e a microeconomia local.

Uma vez analisadas as quadras, seguimos para a sua subdivisão, os lotes.

Segundo o Guia do Parcelamento do Solo (2010): “Entenda-se por lote o terreno servido

de infraestrutura básica, cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos definidos

pelo plano diretor ou lei municipal para a zona em que se situe.” (MPSC, 2010. Pág. 19.).

Analisa-se portanto a configuração das parcelas na área de estudo, a fim de

entender sua relação com o traçado urbano e a ocupação do solo. No mapa de

Parcelamento do Solo com detalhe de glebas dos condomínios (ver Mapa 09/14 em anexo)

destaca-se o parcelamento do solo. Distinguem-se as cores das quadras em que se

localizam os condomínio fechados, para análise mais apurada.

124

Em relação às parcelas do fragmento urbano analisado, é notória sua

organização a partir do sistema viário, grande maioria das parcelas estão

perpendiculares à rua e há grande homogeneidade de parcelas nas localidades em que

foram construídos conjuntos habitacionais ou parcelados segundo loteamentos. Em

relação à influência exercida pela malha viária no parcelamento, Panerai (2006) afirma

que a edificação construída está submissa ao espaço público:

A parcela não é um terreno a ser ocupado de qualquer maneira, mas uma unidade de solo urbano organizada a partir da rua. As edificações podem estar no alinhamento do lote ou recuadas, podem ser geminadas ou isoladas, altas ou baixas, mas têm sempre a rua como referência. Tal submissão do construído ao espaço público tem duas consequências: (1) Ela permite que haja uma solidariedade entre os edifícios, mesmo quando estes pertençam a épocas ou tipos diferentes; (2) Ela cria características diferenciadas no interior da parcela, que ocorrem em todos os lotes edificados. (PANERAI, 2006. P.87 e 88)

A maioria das casas é isolada no lote, isso se repete na área dos conjuntos

habitacionais e também em alguns loteamentos. Porém como os lotes não são

demasiadamente grandes mantém-se uma proximidade com a rua aceitável. Existem

contudo áreas em que as casas são geminadas, e a relação edificação/rua é ainda mais

forte. Segundo os conceitos de Holanda (2002) e Jacobs (2000) isto é favorável a

urbanidade, diminuindo distâncias e fricção e aumentando permeabilidade e

visibilidade.

No mapa de quadras havia-se identificado que as maiores quadras eram de

grandes empreendimentos ou condomínios fechados, nunca de loteamentos ou

conjuntos habitacionais. Neste novo mapa é possível perceber que 100% destas grandes

quadras não são reparceladas. Muitas das parcelas mencionadas são maiores do que as

quadras do entorno, com dimensão exacerbada. Sendo destoante da realidade do

entorno, e inclusive maior do que a dimensão máxima de quadras prevista por legislação

(250,00 m).

Grandes quadras constituídas por parcelas do mesmo tamanho ou metade de

toda a área da própria quadra. Esta realidade está atrelada não apenas aos condomínios

fechados, como também à condomínios verticais e instituições públicas. Para

125

intensificar as consequências de lotes tão grandes, eles estão todos bastante próximos.

A fragmentação da malha urbana é tamanha que é difícil e confuso deslocar-se entre os

eixos Avenida Interventor Mário Câmara e Rua Jaguarari, se não nos grandes eixos. Esta

região é a dos condomínios, onde intensifica-se ainda mais o fenômeno.

Em relação ao limite dos fundos dos lotes, em sua maioria se configura de forma

retilínea ao longo da quadra e divide-a sem dois. Existem algumas exceções na área da

Favela da Baixa do Cão, devido sua ocupação irregular, e os condomínios fechados e

grandes empreendimentos da área. Interessa-nos muito o assunto, à medida que

Panerai (2006) destaca a importância da linha de fundos:

O limite dos fundos do lote também é uma linha muito

particular, por que separa as parcelas servidas por uma rua

daquelas servidas pela rua seguinte. Reta e continua nos

loteamentos, ela é irregular nos tecidos antigos, seja por que no

decorrer dos séculos os traçados perderam seu rigor original,

seja por que o jogo de modificações e ajustes da propriedade

fundiária tirou a sua continuidade. (PANERAI, 2006. p. 90)

As grandes parcelas apresentam a característica peculiar de ser conformada por

duas ruas ou mais, sua relação com a rua poderia ser ampliada, diversas entradas e

saídas por ruas diferentes uma relação mais intensa com o espaço público. Dos grandes

empreendimentos apenas um maximiza o contato com a rua, através de entrada e saída

por duas ruas diferentes, cercas permeáveis visualmente para delimitar o terreno, e

recuo frontal bastante grande com área acessível a todos.

Porém, esta realidade não se repete com os condomínios fechados, que apesar

de ter duas ou mais arestas do terreno voltadas para a rua, não maximizam sua conexão

física nem visual com o espaço público. Esta realidade se dá a medida em que colocam

apenas uma entrada para a via mais conectada, esta é construída em pórtico e conta

com segurança privada. Outra forma de isolar-se do entorno é o cercamento de toda a

propriedade com grandes muros.

Apesar da negação o entorno, os condomínios fechados continuam se

organizando pelo traçado viário público, a medida em que sempre direcionam sua

126

entrada para a rua principal que tem acesso. Ora, a determinação dos acessos do

condomínio e seu sistema viário interno é importante para a definição de todo o projeto.

Isso acontece pois cada parcela deve ser o mais bem conectada possível com o único

acesso do condomínio. As parcelas internas ao condomínio se organizam a partir do

sistema viário interno, que teve sua definição por sua vez baseado no sistema viário

público. Portanto os condomínios fechados e suas parcelas se relacionam de uma forma

particular com o espaço público.

Em relação à permeabilidade com o espaço público os condomínios horizontais

são extremamente atuantes no sentido de distancias e dificultar o acesso ao espaço

público de maneira geral. Em relação à permeabilidade física, esta tipologia é

responsável pelo aumento das distâncias.

Isto acontece pois antes de chegar a qualquer área adjacente ao terreno do

condomínio é preciso atingir a sua saída primeiramente, para depois, fora do

condomínio caminhar em direção ao local em que se deseja chegar. Ou seja, aumenta-

se um passo topológico para chegar a qualquer lugar, pelo menos. Outro ponto negativo

dos condomínios nesse tema é fricção, ou dificuldade para chegar aos espaços públicos.

Isso acontece pois além de sair de sua própria casa, os condôminos ainda precisam fazer

a travessia pelo pórtico de entrada com segurança particular e toda uma burocracia que

dificulta e faz mais demorado e formal o percurso entre sua casa e o espaço público.

Em relação ao tamanho das parcelas, Jacobs (2000) faz referência aos tipos

compactos e contínuos como benéficos à vitalidade urbana. Estes diminuem a

monotonia e trazem mais densidade e diversidade de atrativos ao espaço urbano.

Diminuindo a reprodução de grandes perímetros do mesmo empreendimento, torna-se

mais variada a paisagem urbana, além de reduzir espaços imprecisos ou residuais.

Neste sentido os condomínios são duplamente prejudiciais à sociabilidade do

espaço urbano. Primeiro, pois apropriam de grandes lotes, inclusive com duas fachadas

voltadas para a rua ou mais, sem conexão com a rua, com exceção do pórtico de entrada.

Em segundo lugar, pois em comparação com o entorno, a área dos lotes é maior do que

os da região, e como seus planos diretores internos geralmente condicionam os projetos

ao gabarito de 2 andares, a densidade do complexo é pequena em relação ao tamanho

do lote, como podemos perceber no mapa (ver Mapa 10/14 e 11/14 em anexo).

127

Estendendo-se a discussão para o conceito de barreira, Panerai (2006) classifica

os obstáculos em naturais e “construídos”, os segundos cerceam a expansão da

aglomeração urbana de forma intencional, ou não intencional. No caso dos condomínios

da área, eles se configuravam como obstáculos não naturais e intencionais.

Os terrenos dos condomínios fechados à época devem ser vistos como barreiras,

enquanto limites de propriedade, os mesmos impediram o crescimento da cidade

naquela área por muito anos, até que foram construídos. Esta realidade se deu pois

tratava-se de áreas muito grandes, contíguas, em uma região com infraestrutura e

consolidada em termos de ocupação. Realidade na qual se a glebas não fossem únicas,

ou seja, caso já estivessem parceladas, certamente a região seria ocupada

anteriormente à construção dos condomínios, sendo portanto mais natural o

crescimento urbano na área.

Classifica-se esta barreira como intencional, pois de maneira premeditada o

proprietário dos terrenos não os edificou, devido ao seu interesse em valorizar aquele

imóvel. Realidade que o fez esperar até o momento certo de lançar os

empreendimentos, a ponto de só dar função social ao terreno a partir de 1995, quando

construiu-se na área o primeiro condomínio. O último foi construído em 2007.

Portanto, a medida em que os condomínios foram construídos, as barreiras

foram transpostas, e quando transpostas, barreiras se constituem como marcos,

caracterizando morfologicamente sua antiga realidade de barreira, enquanto

morfologicamente diferente do seu entorno. Nesse sentido Panerai (2006) menciona:

Após ter atuado por muito tempo como impedimento à expansão, o limite, quando ultrapassado, permanece sendo o local de uma mudança no modo de crescimento, que se materializaria na diferença entre o tecido urbano anterior e aquele posterior. (PANERAI, 2006. P. 66)

No caso específico dos condomínios a transposição pode ser caracterizada pela

extensão da aglomeração sem destruição da barreira, à medida que o condomínio é

edificado, porém organiza-se a sua maneira. Segundo Panerai, neste caso (2006):

A extensão da aglomeração efetua-se sem destruição, e a barreira (muros, fossos, canais ou via férrea) subsiste e introduz uma ruptura no tecido urbano. A parte mais recente organiza-

128

se de maneira autônoma a partir de traçados preexistentes ou sob a forma de um novo loteamento que se liga ao centro apenas através de umas poucas vias. Isso pode causar, às vezes, uma degradação do tecido nas vizinhanças da barreira: malha viária insuficiente, quarteirões de difícil acesso, becos sem saída, lotes muito grandes, como se fosse criada uma zona de depressão no reverso do obstáculo, naqueles locais que não estão diretamente conectados com seus pontos de franqueamento. (PANERAI, 2006. P. 70)

Após análise do traçado e parcelamento da área é perceptível a ruptura no tecido

urbano na região dos condomínios. Agora o objetivo é analisar a transposição desta

barreira, que muda parcelamento, adensabilidade e a tipologia em relação ao entorno

à medida em adentra os muros das propriedades e segue sua ocupação segundo uma

lógica própria. O condomínio fechado cria seu traçado de maneira livre apenas

atrelando-o ao existente na entrada do condomínio. Diante disso faz-se possível

identificar com bastante precisão a partir de grandes diferenças morfológicas dentro e

fora do condomínio a transposição de barreira. Apresentando todas as características

identificadas por Panerai (2006), são elas:

Primeiramente, identificação de uma ocupação com diferentes densidades, a

medida em que onde não havia barreiras identifica-se um tecido antigo e saturado, pois

suas possibilidades de crescimento foram exploradas ao longo da história. Na região

onde se encontrava a barreira, por sua vez, há pouco adensamento. Em segundo lugar,

descontinuidade do traçado geométrico de vias e lotes com geralmente apenas grandes

artérias prolongadas. O terceiro aspecto é relativo aos tipos, que são diferentes entre si

por diversas questões. Todas essas modificações afetam a estrutura física das cidades,

e deve refletir-se sobre o assunto.

4.2.3. Edificações

Elemento constituinte do tecido urbano junto à rede de vias e parcelamentos

fundiários, as edificações, segundo Aymnino (1971) apud Panerai (2006) devem ser

entendidas de maneira mais ampla, enquanto tipologia edilícia. Esta tipologia abarcaria

“não só os edifícios, mas os muros, as ruas, os jardins, a massa edificada da cidade, a fim

129

de classificá-los em relação à forma urbana de um dado período histórico.” (AYMNINO

1971 APUD PANERAI 2006 P. 123

Segundo Panerai , (2006) a tipologia edilícia é o conjunto dos tipos que, em uma

cidade ou bairro, permite caracterizar o tecido construído, a forma urbana, a cidade

como um conjunto, como totalidade. O interessante ao utilizar um instrumento capaz

de conduzir os fenômenos urbanos a partir do estudo da: “relação dialética e não causal

entre a tipologia dos edifícios e forma urbana ” ( PANERAI, 2006. P. 124)

Nada mais pertinente que estudar esta relação, busca-se compreender as

relações de influência mútua sofridas entre forma e desempenho urbano neste esforço

acadêmico. Portanto em sintonia sua natureza, tendo em vista que a tipologia edilícia,

ou o “O estudo das relações entre os tipos construídos e a forma urbana é o “meio para

compreender” a estrutura da cidade ao mesmo tempo como continuidade histórica de

um processo e como fenômeno parcial de tal continuidade. (PANERAI, 2006. P. 124.)

O estudo do construído será baseado na análise de mapas e constante

comparação entre a tipologia condomínios fechados, seu entorno e as características da

forma urbana relacionadas ao seu desempenho, analisando cada aspecto morfológico e

fazendo uma ponte com a sociabilidade da região.

Para iniciar o estudo do espaço construído, introduziremos cada um dos

condomínios:

O condomínio Green Village tem entrada principal a leste na Rua Jaguarari, ao

seu leste, encontra-se a Rua Nelson Geraldo Freire, ao norte a Rua Eleuzes Magno Lopes

Cardoso e ao sul a área verde privatizada pelo condomínio Green Woods. Os

incorporadores responsáveis pelo empreendimento foram a FBF Empreendimentos

LTDA, o condomínio inaugurou o ramo de condomínios fechados da cidade, sendo

lançado no ano de 1995.

A área total do empreendimento é de 145.416,00 m2, com 95 unidades

habitacionais, dividida em quadras disformes compostas por lotes de 800,00 m2, o

condomínio é o mais valorizado da cidade. Destaca-se o padrão elevado do condomínio,

com pórtico monumental de aproximadamente 8 metros de altura, segurança particular

feita por sistema interno de televisão, existe ainda cerca elétrica em todo o percurso e

central de segurança. O condomínio conta com um muro de 3 metros que circunda toda

a área.

130

Figura 63: Green Village

Fonte: Acervo próprio, 2014.

O condomínio Green Woods tem entrada principal a leste na Rua Jaguarari, ao

seu leste, encontra-se o condomínio Green Woods, ao norte a área verde privatizada

pelo condomínio Green Tower e ao sul pela avenida da integração. Os incorporadores

responsáveis pelo empreendimento foram a FBF Empreendimentos LTDA, o

condomínio foi lançado no ano de 1995.

A área total do empreendimento é de 91.689,00m2, com 146 unidades

habitacionais, dividida em quadras com desenho moderno e compostas por lotes de

450,00 m2. Destaca-se o padrão elevado do condomínio, com pórtico monumental,

segurança particular feita por sistema interno de televisão e cerca elétrica em todo o

percurso e central de segurança. O condomínio conta com um muro de 3 metros que

circunda toda a área.

Figura 64: Green Woods

Fonte: Acervo próprio, 2014.

131

O condomínio West Park Boulevard tem entrada principal a norte na Rua

Libânia Pereira Galvão, ao sul a Rua Manoel de Castro, e ao leste a Rua Nelson Geraldo

Freire e ao oeste a Petrobrás. Os incorporadores responsáveis pelo empreendimento

foram a Ecocil (execução), Abreu Imóveis (venda) e Talento (solução de segurança), o

condomínio foi o terceiro grande empreendimento da categoria de condomínios

fechados da cidade, e foi lançado no ano de 1999.

A área total do empreendimento é de 197.237,52 m2, com 232 unidades

habitacionais, dividida em 13 quadras compostas por lotes de 450,00 m2, cada um

deles na ocasião de lançamento do condomínio custou 39.000,00 (trinta e nove mil

reais). Destaca-se para esta abordagem a segurança feita por sistema interno de

televisão, o controle de acesso feito pelo pórtico monumental de entrada com quatro

cancelas além da cerca elétrica e a central de segurança, complementado pelo muro

de 3 metros que circunda toda a área.

Figura 65: West Park Boulevard

Fonte: Acervo próprio, 2014.

O condomínio West Side Boulevard tem entrada principal a leste na Rua

Nelson Gonçalves Freire, a oeste o Condomínio West Park Boulevard, a Norte a Rua

Raimundo Chaves, e a Sul a Rua Manoel de Castro. Os incorporadores responsáveis

pelo empreendimento foram a Ecocil (execução), Abreu Imóveis (venda) e Talento

(solução de segurança), o condomínio foi o terceiro grande empreendimento da

categoria de condomínios fechados da cidade, e foi lançado no ano de 1999.

132

A área total do empreendimento é de 40.633,00 m2, com 46 unidades

habitacionais, dividida em 13 quadras compostas por lotes de 500,00 m2, cada um

deles na ocasião de lançamento do condomínio custou 39.000,00 (trinta e nove mil

reais). Destaca-se para esta abordagem a segurança feita por sistema interno de

televisão, o controle de acesso feito pelo pórtico monumental de entrada com quatro

cancelas além da cerca elétrica e a central de segurança, complementado pelo muro

de 3 metros que circunda toda a área.

Figura 66: West Side Boulevard

Fonte: Acervo próprio, 2014.

O mapa de usos (ver Mapa 12/14 em anexo) ilustra a monofuncionalidade dos

condomínios fechados em contraponto com a diversidade do seu entorno. Um dos

aspectos mencionados por Jacobs benéficos para a vitalidade urbana é a diversidade de

usos, ela seria boa para a microeconomia e criaria atrativos diversos para os usuários do

espaço público, além de manter usos ativos em diferentes horários do dia, gerando

fluxos ininterruptamente.

Analisando a área de estudos é notório que apesar de predominantemente

residencial, outros usos são mesclados ao longo da malha urbana, as esquinas passam a

dar lugar à comércios e serviços e as vias mais movimentadas também.

As áreas comerciais que mais se destacam são o eixo da Prudente de Morais,

Avenida Mor Gouveia, Rua Rio Grande do Norte, Rua Adolfo Gordo, Rua Nelson

Gonçalves, Rua Doutor Lauro Pinto e Jaguarari (na parte mais ao norte da área de

estudo). Mesmo diante desta preferência dos comércios pelos eixos principais ainda há

certa diversidade nas ruas locais.

133

Figura 67: Rua comercial Manuel de Castro.

Fonte: Acervo próprio, 2014.

Figura 68: Mercearia em frente ao WPB.

Fonte: Acervo próprio, 2014.

Como área residencial mais heterogênea em termos de usos destaca-se parte do

conjunto habitacional Candelária, que apresenta um pequeno número de comércios e

serviços, com a maioria dos usos comerciais no eixo da Prudente de Morais.

Os condomínios do universo de estudo são por natureza monofuncionais, são

residenciais e desenvolvem instrumentos para manter-se assim ao longo dos tempos. A

função residencial é importante para a urbanidade a medida em que traz olhos para a

rua, fluxos frequentes e os chamados “donos naturais da rua”, porém ela sozinha não é

suficiente para gerar vitalidade nas ruas.

Outro uso que se destaca na região é o uso institucional, com grandes

empreendimentos que tomam áreas enormes próximo a grandes eixos. Destaca-se o

SESI, CAIC, CEASA-RN e DAD.

Figura 69: Muro cego do SESI

Fonte: Acervo próprio, 2014.

Figura 70: Grande Gleba do CAIC.

Fonte: Acervo próprio, 2014.

Figura 71: CEASA-RN

Fonte: Acervo próprio, 2014.

Figura 72: Ginásio do DED.

Fonte: Acervo próprio, 2014.

134

Na Avenida do Exército outra instituição está inserida, a Petrobrás, com um lote

bastante grande foi uma das primeiras edificações das glebas que depois dariam origem

aos condomínios fechados da região.

Figura 73: Entrada Principal Petrobrás

Fonte: Acervo próprio, 2014.

Figura 74: Muro permeável

Fonte: Acervo próprio, 2014.

Figura 75: Entrada/Saída Secundária Petrobrás

Fonte: Acervo próprio, 2014.

Figura 76: Abertura da Raimundo Chaves.

Fonte: Acervo próprio, 2014.

Em relação à não massificação de tipos únicos, realidade que seria reproduzida

por conjuntos habitacionais, por exemplo, também é reproduzida pelos condomínios

fechados. Isso se deve à tipologia reproduzida dentro destes condomínios, com casas

muito similares umas às outras. Também devemos relacionar o conceito ao seu motivo.

Os tipos únicos não são desejáveis devido à homogeneidade socioeconômica e

cronológica. Para termos de cronologia, o condomínio tampouco é favorável, pois de

maneira geral as casas são construídas rapidamente após a entrega dos lotes. Dos

condomínios que compõe o universo de estudo apenas o West Side Boulevard não

apresenta cerca de 100% dos lotes edificados, talvez por ser o condomínio mais novo,

construído em 2009.

135

A adaptabilidade é outro aspecto relativo à massa edificada que devemos levar

em consideração nesta análise. Sendo assim é notório que as partes da região em que

foram construídos conjuntos habitacionais e loteamentos residenciais inicialmente

eram residências, que ao longo do tempo se transformaram em comércio/serviço. Elas

podem voltar a ser residência um dia, de acordo com a necessidade de cada época. Esta

opção não existe nos condomínios, eles não são adaptáveis. Além de serem constituídos

por frações ideais, ou seja, partes inseparáveis de uma propriedade. Sendo assim temos

um empreendimento de grandes dimensões, isolado, monofuncional e não adaptável.

Realidade bastante preocupante, tendo em vista que a tipologia se reproduz

rapidamente e pouco se reflete sobre o tema.

Passando para aspectos de tipologia edilícia, analisaremos as características do

condomínio fechado, a fim de compreender sua real influência para a sociabilidade.

Em relação à densidade, pode-se considerar em duas esferas, enquanto um

bloco, e suas unidades habitacionais isoladamente. Enquanto bloco, a densidade do

condomínio fechado é menor que a do entorno, em comparação às demais áreas do

mapa apresenta menos área construída por metro quadrado. Além disto, levando para

a escala do lote, nota-se edificações isoladas no lote, devido à grande dimensão dos

lotes, e talvez à legislação interna dos condomínios que deve exigir afastamentos

mínimos.

A rarefação e o isolamento no lote, com aumento das distâncias e fricção

desestimulam o usuário do espaço público a sair de casa. Para acabar com essa questão

glebas menores fariam com que edifícios se desempenhassem de melhor forma para

contribuir com a sociabilidade no espaço público.

Ainda em relação à densidade útil, lembramos que o condomínio fechado

caracteriza-se como enclave fortificado devido ao seu isolamento, com a privatização da

copresença e homogeneidade, através da busca pela vida “entre iguais”. Sendo assim

sua construção não seria benéfica para o número de usuários em potencial, tendo em

vista que seus moradores têm acesso aos serviços que deveriam ser públicos,

privatizados, como área de lazer, por exemplo. Além da pseudo autonomia, estes

moradores também em sua maioria têm uma visão esdruxula da urbanidade,

manifestando repúdio ao espaço público, talvez pela política do medo, ou pela própria

realidade de violência crescente.

136

Densidade nem sempre é útil para questões de sociabilidade. Existem vários

edifícios residenciais e comerciais verticais construindo ou recém construídos na área,

grande parte deles a que parece não irá contribuir com usuários em potencial para o

espaço público.

Figura 77: Edifício Vertical Golden Green

Fonte: Acervo próprio, 2014.

Figura 78: Edifício Maria Galante em construção

Fonte: Acervo próprio, 2014.

Figura 79: Condomínio Smile

Fonte: Acervo próprio, 2014.

Outra característica prejudicial presente nos condomínios fechados de forma

geral são os espaços residuais e imprecisos. A construção de grandes pórticos com o

recuo da área privada para dar lugar à passagem de carros gera áreas residuais, sem

função específica, trechos sem acessibilidade e ocupantes de grandes perímetros. Na

frente do condomínio West Side Boulevard por exemplo existe um recuo que tem a

função de estacionamento, porém está sempre vazio e não oferece variedade alguma

ao usuário do espaço público, sendo prejudiciais inclusive para a segurança do local,

quando não houver boa distinção entre espaço público e privado.

137

Figura 80: Espaço Residual no West Side

Fonte: Acervo próprio, 2014.

Figura 81: Perceba a área sem uso no WSB.

Fonte: Acervo próprio, 2014.

Em relação à oferta de espaços públicos, na área do entorno imediato existem sérios

problemas, tendo em vista que são poucos os espaços públicos para contemplação e lazer.

Diante da falta de oferta os moradores criam suas soluções com campos de futebol

improvisados, mobiliário urbano criados com materiais antigos e reciclados, além de mesas nas

calçadas durante o fim de semana. Como dizer que não há demanda de espaço público se os

usuários criam as mais diversas soluções para poder ter acesso ao lazer?

Figura 82: Campinho no terreno baldio em frente ao West Park Boulevard.

Fonte: Acervo próprio, 2014.

Figura 83: Campo de futebol improvisado nas dunas próximas à Avenida da Integração.

Fonte: Acervo próprio, 2014.

Figura 84: Cadeiras na Raimundo Chaves, os moradores da região usam muito o canteiro.

Fonte: Acervo próprio, 2014.

Figura 85: Improvisação de Mobiliário Urbano, na Rua Nelson Freire por trás do GW.

Fonte: Acervo próprio, 2014.

138

Figura 86: Rua dos Potiguares, pessoas nas mesas na rua no final de semana.

Fonte: Acervo próprio, 2014.

Figura 87: Crianças brincando na Rua Nelson Geraldo Freire por trás do Green Woods.

Fonte: Acervo próprio, 2014.

Enquanto não existem espaços urbanos democráticos de livre acesso, muitos são

os espaços internos aos condomínios, privados e públicos. Isto acontece pois além de

ter grandes áreas de lazer internas, os condomínios horizontais ainda engendram

iniciativas para privatizar espaços públicos.

A área verde entre o Green Tower e o Green Village está fechada por muros e foi

privatizada pelo Green Woods. A área verde ao lado do Green Tower não é utilizada por

ninguém porém foi cercada com arame farpado para impedir a passagem para o local,

acredita-se que os moradores do condomínio Green Tower tenham cercado a área, pois

foi construído um estacionamento de carros no local, que deve ser utilizado pelos

moradores do condomínio vertical na área.

Figura 88: Fechamento de Área verde

Fonte: Acervo próprio, 2014.

Figura 89: Parte de trás da área verde fechada

Fonte: Acervo próprio, 2014.

O Condomínio residencial horizontal Barra Green Também cercou a área verde presente

na sua área, com o mesmo estilo do Green Village e Green Woods, construiu um muro com certa

permeabilidade visual para privatizar a área apenas para seus moradores.

139

O condomínio Vertical Golden Green também privatizou área pública entre seus lotes

inclusive vendendo o empreendimento com folder incluindo a área na perspectiva do

condomínio.

Figura 90: Folder do Edifício Golden Tower, com área verde pública incluída

Fonte: Site do Empreendimento, 2014.

As áreas institucionais que tem por obrigação de lei ser cedidas para uso

institucional, no caso da gleba do Green Village e Green Woods, por exemplo, foi cedido

para implantação do Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN),

empreendimento cerrado, ao invés de criar áreas públicas como praças e parques,

isuficientes na região.

Figura 91: Ministério Público

Fonte: Acervo próprio, 2014.

Figura 92: Anexo do prédio do MPE.

Fonte: Acervo próprio, 2014.

A implantação do MPRN na área deu início a implantação de um grande núcleo

jurídico na área, que só gerou mais valorização para os terrenos ainda vazios no entorno.

140

O MPRN comprou mais dois terrenos na área e hoje há diversos condomínios verticais

de prédios comerciais do setor jurídico e também escritórios empreendidos em

edificações nas proximidades desse núcleo jurídico.

Figura 93: Edifício do TRT, Av. Mor Gouveia.

Fonte: Acervo próprio, 2014.

Figura 94: Justiça Federal de primeiro Grau.

Fonte: Acervo próprio, 2014.

Figura 95: Edifício

salas jurídicas

Fonte: A. próprio, 14.

Figura 96: Escritório advocatício nas

proximidades do cond. West Park Boulevard

Fonte: Acervo próprio, 2014

Figura 97: Edifício

comercial

Fonte: A. próprio, 2014

De acordo com Jacobs (2000), Netto (2012) e Saboya (2012) o espaço público é

importante para dar apoio às atividades de vitalidade. Ele deveria apresentar

características como livre acesso (não privatização), boa integração, proporção

adequada número e dimensão de espaços públicos/densidade populacional e separação

bem definida entre espaço público/privado. Infelizmente nenhuma dessas

características se reproduz nos poucos espaços públicos da área.

Outra característica prejudicial à urbanidade identificada na área relacionada aos

espaços públicos (ver Mapa 13/14 em anexo) é a irregularidade e inadequação das

calçadas, que muitas vezes são descontínuas, inacessíveis para usuários com deficiência

física ou mesmo para usuários sem dificuldades motoras, devido à grandes degraus ou

obstáculos no passeio público. Grande parte das calçadas dos condomínios são

141

inadequadas à circulação de transeuntes, contribuindo para o quadro prejudicial à

sociabilidade na área.

Analisando permeabilidade física e visual dos edifícios (ver Mapa 014/14 em

anexo), nos deparamos com a tipologia dos condomínios fechados, que tem por

característica grandes áreas de muros altos, cercando-se de fachadas cegas e

relacionando-se com a rua unicamente através de pórticos pelos quais os moradores

entram e saem. Mesmo a área permeável visualmente, o pórtico transborda aspectos

simbólicos que criam barreiras para aqueles que não fazem parte daquela realidade.

Além disso há segurança privada, para manter artificialmente a segurança que através

da vitalidade urbana do condomínio certamente não existiria.

São perímetros de 500, 600 metros impermeáveis visualmente, muitas vezes

duplamente, tendo em vista que condomínios estão justapostos, criando cenários que

não traduzem a complexidade e a vida urbana. Não há permeabilidade, as distâncias são

longas e a monotonia demasiada. Todos aqueles que passam por ali estão de passagem,

não há nenhuma atividade ou relação para estabelecer ali.

Figura 98: Rua Nelson Geraldo Freire, calçada do

West Side Boulevard.

Fonte: Acervo próprio, 2014.

Figura 99: Rua Nelson Geraldo Freire, calçada do

Green Village (parte posterior do condo).

Fonte: Acervo próprio, 2014.

142

V. CONCLUSÃO

Os processos de constante recriação do espaço urbano das médias e grandes

cidades brasileiras, espelho de um desenvolvimento econômico desigual e incessante

adequação do meio ambiente aos interesses humanos, especialmente dos detentores

do capital, é fomentado por um contexto de globalização e consequente acentuação das

desigualdades sociais e da violência, e tem como resultado a modificação do espaço

urbano tradicional de forma antidemocrática e perversamente desigual, com

transformações que refletem espacialmente a fragmentação socioeconômica vivida nos

dias de hoje.

Este cenário é observado no universo de estudo de uma forma clara, pois a

segregação socioespacial baseada no fenômeno "enclaves fortificados" está fortemente

presente na região, através de diversos condomínios fechados como o Green Village,

Green Woods, West Park Boulevard e West Side, empreendimentos que materializam

em técnicas projetuais o desejo de manter-se isolados dos "não-iguais".

Mesmo sendo uma tipologia específica e com menor estabelecimento de

relações entre o condomínio e o entorno provou-se neste estudo a existência de

relações entre o Condomínio West Park Boulevard, West Side Boulevard, Green Woods

e Green Village e o fragmento urbano que lhe cerca, seja devido a vivências do cotidiano

e mecanismos de distinção presentes entre os moradores de ambas as tipologias,

relações de trabalho, comércio e/ou serviço comuns entre os moradores da região , ou

mesmo a influência do empreendimento no deslocamento, fluxos e acessos das

redondezas, inclusive da sua própria locomoção. Destaca-se ainda forte influência na

infraestrutura da região, trazendo melhorias para os principais acessos, calçamento e

iluminação e ainda indiretamente valorização e outras questões fundiárias.

Em relação aos fluxos e deslocamentos da região, identificou-se que há intrínseca

relação com a forma de ocupação e a configuração de barreiras, sendo elas naturais e

não naturais, respectivamente a Zona de Proteção Ambiental-01 e os condomínios

fechados universo de estudo deste trabalho. A manutenção de grandes quadras e

implantação de empreendimentos com grandes dimensões gerou prejuízo para a

continuidade da malha viária, configurando um tecido urbano fracionado.

143

Diversas características formais contribuem para a segregação conformada entre

os moradores do entorno e dos condomínios, sobretudo aspectos ligados aos

multiplicadores de usuários do espaço urbano em potencial, elementos facilitadores de

atração destes possíveis usuários e atrativos capazes de induzi-los a utilizar as ruas e

praças da cidade. Sistematizados em cinco grupos de características morfológicas

capazes de melhorar o desempenho urbano em determinada região, aumentando a

sociabilidade a partir de configurações da forma. Esses grupos são: densidade útil,

diversidade de usos do solo, tipologia edilícia favorável, configuração local e global

propícios e infraestrutura do espaço urbano adequado.

Refletindo sobre a forma e sua capacidade de atuar na sociabilidade que se

inscreve nela, é comprovado que mudanças de ocupação são determinantes na

urbanidade vivida ali. Tipologias reproduzem heterogeneidade/homogeneidade,

diversas densidades e usos, além de formas diferentes de se relacionar com o espaço

público, que contribuem ou não para facilidade, proximidade e cognição de interações

no meio urbano.

Retomando a tipologia condomínios fechados, é possível fazer uma análise de

suas estratégias projetuais que contribuem para a segregação socioespacial nestes

empreendimentos engendrada. A sociabilidade precisa de pessoas de diferentes classes

sociais, dispostas a relacionar-se entre si e com diversidade e densidade de atrativos

acessíveis e fáceis. Essas características se fazem necessárias pois é preciso tomar a

decisão de sair de casa para o espaço público de maneira natural e não formal ou

burocrática.

Pois bem, características dos condomínios fechados distinguem os seus

moradores de usuários do espaço público. São elas: a percepção esdrúxula de

urbanidade que se reflete em decisões projetuais prejudiciais à sociabilidade, sua

autossuficiência em relação aos serviços urbanos, a privatização da copresença e o

isolamento e motorização. Sendo assim moradores de enclaves fortificados, como os

condomínios não são contabilizados para densidade útil, pois sequer se configuram

enquanto usuários em potencial.

Além de não contribuir com pessoas dispostas a viver o espaço público e

distanciar-se da complexidade da cidade de forma geral, a tipologia ainda se configura

como limitador da sociabilidade em seu entorno, uma vez que impõe obstáculos para a

144

continuidade da malha viária, aumenta distâncias e dificulta caminhos, imprime grandes

espaços monótonos e sem atrativos ao pedestre.

Condomínios fechados então atuam de forma a segregar duplamente, primeiro

pela decisão de auto segregar-se, isolando-se em barreiras físicas e simbólicas, e ainda

dificultando a sociabilidade dos demais com as consequências sociais de suas barreiras.

Contudo faz-se uma ressalva, o padrão de sociabilidade de uma área está

relacionado às características dos moradores de uma região e a forma urbana na qual

se vive. No caso de áreas próximas a condomínios fechados, características desta

tipologia dificultam o convívio e as relações sociais, pois sua forma imprime ao espaço

características desfavoráveis à sociabilidade. Contudo não podemos ser deterministas

de afirmar que não existe sociabilidade em áreas no entorno de condomínios fechado.

A análise deve se estender e compreender as características da área passível de

convívio e verificar in loco se relações são estabelecidas no espaço urbano que

imprimam vitalidade, urbanidade, sociabilidade ao contexto urbano. Caso isto aconteça,

apesar do desestímulo da forma do condomínio fechado, prevalece a potencialidade

que as pessoas têm de conviver e sair às ruas. Além do mais é preciso lembrar que o

condomínio fechado se cerra em si, porém a área do entorno é aberta, e sua

configuração em si pode gerar os atrativos suficientes para que haja certa vida e

complexidade no espaço público.

Sendo assim, o estudo comprovou que a forma da tipologia condomínio fechado

é em sua totalidade prejudicial à sociabilidade em seu entorno, porém reafirma que é

preciso conhecer a área de estudo de maneira integral, avaliando as características

sociais e morfológicas de todo o entorno.

Por fim, estabelece-se uma reflexão sobre a segregação e a não vivência da

cidade. É certo que a dimensão do conflito é um elemento intrínseco à

constituição das cidades, tendo em vista que as diferenças socioculturais de uma

comunidade multicultural demanda um citadino ativo e capaz de lidar com as diferenças

no seu cotidiano para buscar soluções eficazes no enfrentamento dessas tensões sociais,

características do espaço urbano complexo e plural, porém a segregação urbana e os

novos modos de vida implementam estruturas que visam negar a complexidade urbana

e promover a fragmentação baseada na diferenciação entre classes, implementando a

homogeneidade como melhor solução, processo excludente e prejudicial a cidade.

145

Decorrente de processo segregatório pode acontecer a desvitalizarão dos

lugares públicos, além da diminuição das interações sociais, com empobrecimento da

vivência da cidade e desvalorização dos ambientes públicos e ruas de maneira geral.

Estes por sua vez, sofrem um processo de abandono e crescente desertificação, ao passo

em que ambientes privatizados como “enclaves fortificados” se popularizam, como

solução para a violência e a falência da cidade, contudo são espaços excludentes e

segregatórios, sem a intenção nem capacidade para abarcar a todos os grupos sociais.

Saboya (2012) alerta sobre a Desurbanidade e as estratégias para destruição das

cidades, e fala da capacidade brasileira em reproduzir esta política desurbana com

maestria. O fenômeno condomínio fechado se alastra cada dia mais em cidades médias

e grandes brasileiras, e as consequências são fortes e permanentes. Diante desta

realidade é necessário refletir, pois estudos acadêmicos já são capazes de comprovar a

nocividade deste tipo de empreendimento para a cidade democrática e sustentável.

Neste sentido, a contribuição desta monografia é no sentido de confirmar a

relação da tipologia condomínios fechados, pontuando cada característica e em que

cerceia a sociabilidade para que seja revista sua permissão legal. Faz-se necessária a

intervenção do legislador no sentido de regulamentar requisitos para que condomínios

sejam (ou não sejam) licenciados e construídos. Se a decisão for no sentido de permitir

sua reprodução, que sejam estabelecidos critérios que minorem os prejuízos dos

condomínios a socialidade de seu entorno, e da cidade como um todo. Principalmente

pensando no futuro e no desenvolvimento de cidades em que as pessoas se relacionem

e vivam o espaço público, e não encerradas nas suas fortalezas.

146

IV. REFERÊNCIAS

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