a “ameaÇa terrorista” e a redefiniÇÃo da seguranÇa

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Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 375 A “AMEAÇA TERRORISTA” E A REDEFINIÇÃO DA SEGURANÇA DOMÉSTICA DOS EUA NO INÍCIO DO SÉCULO XXI Felipe Mellini Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá E-mail: [email protected] Resumo: Neste trabalho, serão analisados alguns eixos da política doméstica dos Estados Unidos da América relacionadas à questão da segurança interna e das denominadas ameaças externas ao país, no período da chamada “Doutrina Bush”. De maneira particularizada será estudado como os EUA são afetados internamente por suas políticas intervencionistas em diferentes áreas do planeta e como as resistências a essas políticas conformadas sob o rótulo genérico de “terrorismo” estão inseridas na elaboração das suas políticas domésticas de segurança. Isso será efetuado, considerando-se os estudos focados nas transformações do imperialismo estadunidense, nas novas configurações dos conflitos contemporâneos, e nos debates ocorridos nos EUA sobre a questão das estratégias relacionadas à segurança doméstica ao assim denominado terrorismo. Palavras-chave: Terrorismo; Conflitos assimétricos; 11 de Setembro; Guerra ao Terror; EUA; Ataques Preemptivos.

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22 a 26 de Outubro de 2012375

A “AMEAÇA TERRORISTA” E A REDEFINIÇÃO DA SEGURANÇA DOMÉSTICA DOS EUA NO INÍCIO DO

SÉCULO XXI

Felipe Mellini

Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de MaringáE-mail: [email protected]

Resumo: Neste trabalho, serão analisados alguns eixos da política doméstica dos Estados Unidos da América relacionadas à questão da segurança interna e das denominadas ameaças externas ao país, no período da chamada “Doutrina Bush”. De maneira particularizada será estudado como os EUA são afetados internamente por suas políticas intervencionistas em diferentes áreas do planeta e como as resistências a essas políticas conformadas sob o rótulo genérico de “terrorismo” estão inseridas na elaboração das suas políticas domésticas de segurança. Isso será efetuado, considerando-se os estudos focados nas transformações do imperialismo estadunidense, nas novas configurações dos conflitos contemporâneos, e nos debates ocorridos nos EUA sobre a questão das estratégias relacionadas à segurança doméstica ao assim denominado terrorismo.

Palavras-chave: Terrorismo; Conflitos assimétricos; 11 de Setembro; Guerra ao Terror; EUA; Ataques Preemptivos.

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FELIPE MELLINI

INTRODUÇÃO

Os atentados de 11 de setembro de 2001 podem ser compreendidos como um momento de ruptura na política doméstica e também na política externa dos EUA. Diante da gravidade da situação o então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush viu-se na necessidade de dar uma resposta aos ataques supostamente orquestrados por Osama Bin Laden. Segundo Noam Chomsky, essa reposta poderia haver sido realizada em consonância com as leis e o direito internacional. Contudo, o que ocorreu foi a adoção, por parte dos Estados Unidos, de uma enérgica resposta aos atentados, por meio de uma postura internacional ainda mais agressiva e unilateral, que resultou na invasão territorial ao Afeganistão e, pouco depois, ao Iraque e na derrubada dos regimes até então vigentes nestes países (CHOMSKY, 2002).

Para David Harvey, foi esta a forma encontrada por Bush para consolidar algum tipo de solidariedade interna, já que no início do século XXI os EUA se encontravam em situação delicada, em decorrência de uma recessão iniciada no começo de 2001 e agravada pelos atentados. Às vésperas do 11 de setembro a licitude de Bush no comando da maior potência mundial era questionada, ao menos, por metade da população estadunidense. A formação de uma legitimidade forjada internamente possibilitou a Bush conferir vigor às bases republicanas no governo e articular uma ruptura com os hábitos dos anos 1990, conferindo apoio de grande parte sociedade civil estadunidense às enérgicas respostas dadas pelos EUA aos ataques. Em decorrência, os EUA intensificaram outras ações militares, com base na Doutrina Bush, que prega a guerra preemptiva para se defenderem de qualquer suposta ameaça à sua segurança nacional. Ancorado em uma linguagem de cunho bíblico, o governo de George W. Bush prometeu uma luta sem tréguas contra o assim denominado eixo do mal (HARVEY, 2003).

Segundo Chalmers Johnson, os atentados de 11 de setembro serviram como justificativa para manter e expandir todo o aparato militar estadunidense ao redor do mundo. Ademais, também conferiu aos EUA a retórica necessária para impor seus interesses imperais sob outras nações de forma unilateral, seja por meio do emprego da força ou da expansão de suas ilhas de interesse. Entretanto, vale ressaltar aqui a necessidade dos EUA em edificarem uma solidariedade nacional como forma de impor a ordem e a estabilidade à sociedade civil. Do nosso ponto de vista, a partir disso foi possível aos EUA articularem e conferirem legitimidade tanto à sua política de intervenções ao redor do planeta quanto à “guerra contra o terrorismo”. Consideramos mais relevante apontar quais foram, de fato, as reações à ação sofrida pelos EUA do que traçar possíveis conjecturas sobre ocorrido. Uma análise histórica dos fatos se mostra pertinente e necessária, como forma de servir de aporte à compreensão dos desdobramentos da política doméstica estadunidense no início do século XXI (JONHSON, 2004).

Partindo deste pressuposto, esta pesquisa visa relacionar as chamadas ações terroristas à resistência ao intervencionismo dos EUA em diferentes regiões do planeta. Em paralelo,

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pretende-se com base no estudo da bibliografia especializada buscar uma compreensão de como as políticas conservadoras desenvolvidas nos EUA durante os dois governos sucessivos de George W. Bush planejaram uma nova configuração do seu sistema de segurança doméstica e quais foram as principais críticas de especialistas a essas políticas.

OBJETIVOS

Neste trabalho, foram analisados alguns eixos da política doméstica dos Estados Unidos da América relacionadas à questão da segurança interna e das denominadas ameaças externas ao país no período da chamada “doutrina Bush”. De maneira particularizada foi estudado como os EUA são afetados internamente por suas políticas intervencionistas em diferentes áreas do planeta e como inserem as resistências a essas políticas conformadas sob o rótulo genérico de “terrorismo” na elaboração das suas políticas domésticas de segurança.

MATERIAIS E MÉTODOS

O presente trabalho tem como base a pesquisa relativa à literatura sobre os eventos de 11 de setembro de 2001 e as fontes disponíveis na Internet. Para a realização dos objetivos propostos, foi efetuada a leitura, a problematização e a sistematização das informações provenientes das obras relacionadas ao tema e das fontes publicadas na WEB. Com base nesse procedimento, posteriormente, foi efetuada a revisão crítica da literatura estudada. Em seguida foram estudadas as fontes. Por fim, a partir das informações sistematizadas foi escrito o texto do presente relatório.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Esta pesquisa teve como intento realizar o estudo e a análise acerca das principais questões relacionadas á política externa e doméstica dos Estados Unidos da América relacionadas aos eventos de 11 de setembro de 2001 e questões adjacentes do início do século XXI. Para tal, analisamos a literatura pertinente à temática e as fontes disponíveis.

Utilizamos como referencial teórico para pontuar essas questões as ideias de Chalmers Johnson, historiador e ex-consultor da CIA presentes na obra Blowback: The Costs and Consequences of American Empire. Segundo o autor, após o final da Guerra Fria – que teve como marco a queda do muro de Berlim –, a Política Externa dos Estados Unidos passou por transformações. Em decorrência do fim da URSS e da suposta emergência de um mundo unipolar – tendo os EUA como baluarte –, surgiu a possiblidade de uma nova expansão da influência estadunidense em diferentes áreas do planeta, em especial, nas regiões anteriormente vinculadas à esfera de influência soviética.

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Por conseguinte, Johnson procura pontuar que está a ocorrer o adensamento das intervenções dos EUA em outras áreas do planeta, por meio da manutenção e expansão das mais de 800 bases militares daquela nação distribuídas por todo o planeta. Segundo o autor, essa estrutura – parte do complexo militar-industrial dos EUA – representa mais de 53% do aparato militar mundial.

Em seu estudo, publicado um ano antes dos atentados de 11 de setembro de 2001, Johnson ressaltava que a crescente presença dos Estados Unidos ao redor do globo poderia vir a alargar o nível de hostilidade dos países que sofriam da influência – tanto militar quanto simbólica – contra a própria nação. Segundo o autor, os rumos da política estadunidense após a queda do muro de Berlim expressavam um viés imperialista e unilateral, de forma a aumentar e a solidificar a influência daquela nação nas grandes questões mundiais. Em reedição posterior da sua obra1, Jonhson procura demonstrar que, em decorrência do exposto, os atentados de 11 de setembro de 2001 eram, ao menos em parte, a consequência das ações dos Estados Unidos no exterior e, em especial, na região do Oriente Médio.

Outro ponto a ser destacado tange às prerrogativas adotadas pelos EUA para justificar suas ações ao redor do planeta. Segundo o autor, muitas das operações implementadas pelos Estados Unidos tinham como premissa subjugar e reprimir os valores culturais dos países alvo, de forma a disseminar os valores pretensamente universais do modo de vida americano, como a democracia e o livre-mercado. No que tange aos valores citados acima, entendemos que os princípios norteadores dos valores liberais dos EUA, desde os pais fundadores, contemplam a liberdade individual, o republicanismo, a não intervenção do Estado na economia. Nesse tópico observa-se um problema, pois por meio de uma análise histórica dos EUA podemos observar que o expansionismo e o desenvolvimento econômico do país, no século XIX, estiveram intrinsecamente ligados à intervenção estatal na economia. Em adição, observa-se a influência das ideias presentes no destino manifesto, consubstanciadas na noção de que os “americanos” eram o povo escolhido e que por isso tinham a missão divina de levar a palavra de Deus e a “civilização americana” a outras partes do mundo.

Dito isso, é necessário ressaltar que, no tempo presente, existe, por trás desta retórica de expansão desses valores, interesses não declarados, como no caso da exploração de recursos naturais (principalmente o petróleo) e a ampliação das áreas de influência, tanto geopolíticas como comerciais.

Entretanto, a não aceitação da democracia nesses moldes, por parte dos países que sofrem diretamente das ações dos EUA, não resulta considerarmos que estes são contrários a uma forma de governo mais democrático e pluralista; mas que estão à procura de um modelo

1 Devemos ressaltar que, no momento em que o Blowback foi publicado, Jonhson sofreu inúmeras críticas aos conteúdos presentes na obra em questão. Somente após o 11 de setembro o autor recebeu seu devido valor e a obra, reconhecimento.

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democrático que faça frente às suas realidades, sem a intervenção externa de algum outro Estado. No caso específico dos EUA, como ressalta Benjamim Barber (2003), o que acabou ocorrendo foi a imposição dos valores ocidentais por meio da força militar. Sobre esse assunto, Eric Hobsbawm (2007) adverte que a história recente das intervenções armadas em assuntos de outros países, mesmo por parte das superpotências, não é uma história de êxito. Para o autor, isso se deve à errônea premissa subjacente às questões do império estadunidense de que os regimes bárbaros e tiranos são imunes a mudanças internas, de modo que somente através da força haveria a possibilidade de extinguir os regimes tirânicos e difundir os valores ocidentais e as suas instituições políticas e legais. Nesse ponto, estamos nos referindo especificamente aos EUA, embora sem desconsiderar a influência direta e indireta de outras nações, pois suas elites creem que somente por meio da força externa há a possibilidade de extinguir os regimes tirânicos e, como consequência, difundir os valores ocidentais e suas instituições políticas e legais. Ademais, acreditam que os meios de coerção oriundos do uso da força possam produzir de modo instantâneo grandes transformações culturais. Segundo Hobsbawm, essa se trata de uma ideia equivocada, pois:

a difusão de valores e de instituições através de súbita imposição por uma força estranha é tarefa quase impossível, a menos que já estejam presentes no local condições que os tornem adaptáveis e sua introdução, aceitável. A democracia, os valores ocidentais e os direitos humanos não são como produtos tecnológicos de importação, cujos benefícios são óbvios desde o início e que são adotados de uma mesma maneira por todos os que têm condições de usá-los (...). Se fossem, haveria maior similaridade política entre os numerosos Estados da Europa, da Ásia e da África, todos vivendo (teoricamente) sob égide de constituições democráticas

similares. (Idem; 18-19)

Elucidar essas questões faz-se necessário, pois demonstra que não há, de fato, o maniqueísmo presente na retórica estadunidense que caracteriza uma “batalha monumental entre o bem e o mal”2. Ademais, auxilia na desnaturalização do discurso estadunidense de que: “os EUA foram alvo de ataques porque nós somos a mais resplandecente chama da liberdade e das oportunidades no mundo. Ninguém impedirá essa luz de continuar brilhando”3. Contudo, esse discurso não só é disseminado por parte da elite conservadora dos EUA - neste caso pelo ex-presidente George W. Bush - como também por parte da esquerda do próprio país. Para Ronald Steel, um intelectual liberal de esquerda, “Eles nos odeiam porque nós (os EUA) representamos uma nova ordem mundial de capitalismo, individualismo, secularismo e democracia que deveria ser a norma

2 Bush diz que atentado foi ação de guerra contra os EUA, Folha de S.Paulo, 12 de setembro de 2001. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u28712.shtml. Acesso em 10.8.2011.

3 “Responderemos com o que temos de melhor”, Folha de S.Paulo, 12 de setembro de 2001. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1209200108.htm. Acesso em 10.8.2011.

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em toda a parte. É por isso que eles nos odeiam”4. Ademais, creem que “os responsáveis agiram pelo ódio que nutrem contra os valores prezados no Ocidente, tais como liberdade, tolerância, prosperidade, pluralismo religioso e voto universal”5. Sobre esta questão, Noam Chomsky (2002) contribui de forma significativa ao debate demostrando que essas justificativas são convenientes aos interesses tanto dos EUA como de boa parte do mundo ocidental. Segundo ele, a Al-Qaeda não tem preocupações quanto à globalização e a hegemonia cultural imposta pelos Estados Unidos. As causas para a organização ter se voltado contra este país tem a ver com as intervenções por parte dos EUA em alguns lugares considerados sagrados por estes grupos. É a partir presença estadunidense na Arábia Saudita, em 1990, no contexto da I Guerra do Golfo, que grupos extremistas se voltam contra os Estados Unidos, pois não admitem a presença dos denominados infiéis nas áreas sagradas do Islã.

Sobre essa questão, Moniz Bandeira (2009) entende que a retórica utilizada pelos Estados Unidos esconde os reais interesses em jogo. Segundo o autor, os atentados foram convenientes. O que estava em questão era a necessidade dos Estados Unidos de encontrar um novo inimigo, como forma de justificar suas ações militares de caráter ultra-imperial na região. A questão, para o autor, não é a disseminação da democracia e do livre-mercado ao redor do mundo, presente na retórica estadunidense, mas:

implementar a full spectrum dominance do capital financeiro, a ditadura ultra-imperial, foi que levou o governo dos Estados unidos a criar as condições e permitir que os atentados de 11 de setembro se consumassem. Era necessário criar um estado de guerra global, uma guerra infinita e indefinida, contra um inimigo abstrato. Aos atentados contra as torres gêmeas do World Trade Center e o Pentágono seguiu-se dispersão, através de correspondências e outros meios, do Bacillus anthracis, usado como arma bacteriológica, cuja origem nunca se desvendou. Tornava-se necessário fomentar o pânico, chocar a opinião pública mundial, lançá-la contra os árabes, com o objetivo de apresentar o islamismo como o novo inimigo, no sentido do Clash of Civilizations, tal como Samuel P. Huntington conceituara, ao apontar a “bellicosity and violence” dos muçulmanos, anotando que eles sempre mantiveram relações antagônicas com povos de outras civilizações, em todas as partes do mundo. (Idem; 637-638)

A nosso ver, a análise de Bandeira possui um erro temporal. Acreditar que os EUA foram complacentes quanto à iminência de um ataque terrorista em seu território é uma afirmação deveras problemática, embora em certa medida possamos interpretar esse fato como algo plausível. Em todo caso, soa conspiratória a ideia de que os EUA “permitiram” que os atentados se consumassem, pois por mais que houvessem de fato alguns apontamentos alertando

4 Ronald Steel, The Weak at War With the Strong, The New York Times, 14 de setembro de 2001. Disponível em http://www.nytimes.com/2001/09/14/opinion/the-weak-at-war-with-the-strong.html. Acesso em 10.8.2011.

5 Serge Schmemann, War Zone; What Would ‘Victory’ Mean?, The New York Times, 16 de setembro de 2001. Disponível em http://www.nytimes.com/2001/09/16/weekinreview/war-zone-what-would-victory-mean.html. Acesso em 10.08.2011.

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à possibilidade de vir a ocorrer um ataque terrorista em seu território, é improvável que alguma nação faria vista grossa a essa probabilidade, quanto mais a maior potência mundial. Ademais, o número de estadunidenses mortos em consequência dos atentados (2.977)6, somados com o prejuízo financeiro (na casa dos 100 bilhões de dólares)7 e de valor simbólico (pois incidiram contra os maiores símbolos do poder econômico e político dos EUA, além de quebrar o mito da inviolabilidade do país, que não era atacado em seu território desde 1812) refutam essa afirmação. O que procuramos defender é que, a partir (e não por meio) dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 os EUA reelaboraram sua política externa, intensificando as intervenções e a presença cada vez maior desse país no cenário geopolítico mundial, além da adoção de meios coercitivos (a resposta por meio das armas) para lidar com a questão. Em decorrência, houve o adensamento de políticas unilaterais por parte dos EUA em detrimento de um maior diálogo com a comunidade internacional, abdicando das leis e jurisdições internacionais. O motivo disso, e aqui retomamos a ideia de Noam Chomsky (2002), reside em um princípio incrustado à longa data na Política Eterna dos EUA; o direito de agir unilateralmente, acima das leis e dos tratados internacionais.

Outro ponto a ser ressaltado perpassa a estratégia de preemptive attacks adotada pelos EUA como forma de sacramentar e legitimar a guerra permanente do “bem contra o mal”. Esta, declarada contra um inimigo difuso e disperso, organizado de forma autônoma, dividido em células, estruturado de forma hierárquica e atuando com certa autonomia e independência. O fato de lutarem contra um inimigo difuso – ao invés de um Estado Nacional – emerge como um problema, mas ao mesmo tempo como forma de reforçar a estratégia de preemptive attacks adotada a partir de então. Segundo Bandeira (2009), a luta assimétrica na forma como se constitui a Guerra ao Terror surgiu como um novo tipo de combate, pois não foram os mais fortes que apontaram as armas, mas o contrário. A utilização de táticas de guerra não convencionais forçaram os Estados Unidos a repensarem toda sua estratégia de defesa, pois até então os manuais de guerra não traziam referências quanto a este novo tipo de combate que surgia. Segundo o autor, este fato auxiliou na fomentação da “razão propagandística” para Bush se legitimar no poder e declarar a guerra permanente, sendo possível, a partir de então, adotarem os objetivos do Project for the New American Century:

to increase defense spending significantly(...); to challenge regimes hostile to our interests and values; (…) to promote the cause of political and economic freedom abroad; (…) to accept responsibility for America’s unique role in preserving an extending and international order friendly to our security, our prosperity, and our

6 “Lost lives remembered during 9/11 ceremony”, The Online Rocket, 12 de Setembro de 2008. Disponível em http://media.www.theonlinerocket.com/media/storage/paper601/news/2008/09/12/News/Lost-Lives.Remembered.During.911.Ceremony-3427598.shtml. Acesso em: 02.08.2011.

7 “EUA gastaram cerca de US$ 1,4 trilhão na guerra contra o terror”, G1, 07 de agosto de 2011. Disponível em http://g1.globo.com/morte-de-bin-laden/noticia/2011/05/eua-gastou-cerca-de-us-14-trilhao-na-guerra-contra-o-terror.html. Acesso em 26.09.2011.

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Segundo David Harvey, foi esta a forma encontrada por Bush para consolidar algum tipo de solidariedade interna, já que no início do século XXI os EUA se encontravam em situação delicada em decorrência de uma recessão iniciada no começo de 2001 e agravada pelos atentados. Às vésperas do 11 de setembro a licitude de Bush no comando da maior potência mundial era questionada, ao menos, por metade da população estadunidense. A formação de uma legitimidade forjada internamente possibilitou a Bush conferir vigor às bases republicanas no governo e articular uma ruptura com os hábitos dos anos 1990, conferindo apoio de grande parte sociedade civil estadunidense às enérgicas respostas dadas pelos EUA aos ataques. Em decorrência, os EUA intensificaram outras ações militares, com base na Doutrina Bush, que pregava a guerra preemptiva para se defenderem de qualquer suposta ameaça à sua segurança nacional. Ancorado em uma linguagem de cunho bíblico, o governo de George W. Bush prometeu uma luta sem tréguas contra o assim denominado eixo do mal (HARVEY, 2003).

Diante disso, é possível entender melhor os rumos da política externa estadunidense após os atentados terroristas de 11 de setembro. A adoção desta, de cunho intervencionista, armamentista e imperial se constitui na principal medida encontrada pelos EUA como resposta aos ataques. Entretanto, ao analisarmos a retórica de Bush no período, é possível verificar uma série de equívocos quanto à leitura do ocorrido. O primeiro, segundo Eliot Weinberger (2003), foi o de converter “um pequeno grupo de criminosos em um inimigo de grande envergadura” (Idem; 51), buscando com isso legitimar a intervenção militar deste país em qualquer lugar onde possa haver células terroristas. Apesar da gravidade dos ataques, a Al-Qaeda conta com um aparato militar extremamente limitado que, em hipótese alguma, faz frente ao poderio bélico estadunidense. Outro ponto, conforme Francisco Carlos Teixeira da Silva (2009), foi a construção de uma ampla frente diplomática de combate ao terror por meio de uma retórica de alinhamento automático na qual, pelas palavras de Bush: “Cada nação, em cada religião, tem de tomar uma decisão agora. Ou estão conosco ou estão com os terroristas. Nesse dia em diante, qualquer nação que continue a proteger ou sustentar terrorismo vai ser considerada pelos Estados Unidos como um regime hostil.”9 Com isso, segundo Silva, buscou-se restringir o espaço de negociação por uma aceitação incondicional perante os interesses estadunidenses, sob a ameaça de que os países que não concordassem com as medidas adotadas pelos EUA estariam do lado dos terroristas. Para Bush, a guerra não seria vencida na defensiva, mas por meio da intervenção armada. Foi através da adoção de uma política de preemptive attacks que surgiu a possibilidade de um maior controle por parte dos EUA na região do Oriente Médio, como forma de proliferar tanto seus interesses quanto os de seus aliados. Apesar da importância da matéria, os objetivos dos EUA nessa região não estavam voltados apenas às grandes reservas de petróleo.

8 Project for the New American Century. Disponível em http://www.newamericancentury.org/statementofprinciples.htm. Acesso em 10.08.2011.

9 Discurso de George W. Bush ao Congresso dos EUA no dia 20 de setembro de 2001. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u29639.shtml. Acesso em: 10.8. 2011.

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REFLEXOS DA REAÇÃO ESTADUNIDENSE

Conforme anteriormente exposto, foi do intuito deste trabalho realizar uma melhor compreensão da forma como se deu, por parte dos EUA, da adoção da estratégia de preemptive attacks como forma a combater a suposta ameaça terrorista em território estadunidense. Todavia, essa reação teve consequências na política doméstica deste país. Nas linhas a seguir, tentaremos destacar alguns pontos dessa questão.

A priori, devemos ressaltar a forma na qual, segundo Naomi Klein, as autoridades dos Estados Unidos, seja no âmbito local quanto no nacional, se utilizaram da indignação e do medo causados pelos ataques aos principais símbolos da hegemonia estadunidense como forma de tentar assumir um maior controle do Estado na vida cotidiana da população e até mesmo na política daquele país.

Este fato se deu, dentre outros, por meio de um maior cerceamento na vida privada da população, em especial estrangeiros e supostos colaboradores de organizações ditas terroristas, e, de modo mais amplo, dos direitos desses suspeitos. A partir disso, houve o aumento da discriminação contra estrangeiros de origem árabe e muçulmana no país, por serem comumente rotulados como simpatizantes daqueles que praticam e se utilizam do terror como forma de defrontar a maior força militar do planeta (KLEIN, 2008).

De fato, a xenofobia contra membros das etnias supracitadas extrapolaram as fronteiras dos Estados Unidos, e o que pudemos observar a partir do 11 de setembro foi a exacerbação do preconceito contra imigrantes ao redor do mundo. O caso Jean Charles de Menezes, assassinado por engano pela SO19, unidade armada da Scotland Yard, dentro do metrô de Londres, após ser supostamente confundido com Hamdi Adus Isaac, um dos suspeitos de tentar realizar um atentado a bomba no metrô londrino um dia antes de sua morte, demonstra o quanto a repressão policial aumentou após os atentados em Nova Iorque e como os estrangeiros, principalmente árabes e muçulmanos, passaram a ser vistos fora de seu país após o ocorrido10.

Em partes, os Estados Unidos procurou fomentar o estigma11 dessas populações a partir dos atentados, rotulando-os como povos atrasados e solidários ao terrorismo, contrários ao modo de vida americano e ao progresso – este, sob a égide dos valores estadunidenses.

Também devemos ressaltar que muitas das ferramentas e métodos de repressão adotados como forma de cercear a liberdade individual na maior potência do planeta já houvera sido

10 Entenda o caso Jean Charles de Menezes. Disponível em http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL169468-5602,00.html. Acesso em 08.06.2012.

11 Quando falamos de estigma, temos como aporte teórico a ideia de Goffman (1998). Segundo o autor, estigma é uma relação entre atributo e estereótipo, e tem sua origem ligada à construção social dos significados através da interação. A sociedade institui como as pessoas devem ser, e torna esse dever como algo natural e normal. Um estranho em meio a essa naturalidade não passa despercebido, pois lhe são conferidos atributos que o tornam diferente.

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criados desde antes do 11 de setembro e da administração Bush assumir o poder. Algumas dessas ferramentas foram forjadas a partir das leis contra o terror promulgadas durante a administração de Bill Clinton, e também pela antiga legislação de imigração, que em seu bojo já se mostrara potencialmente repressiva, além das leis relativas ao serviço de informações sobre estrangeiros. Em partes, o governo americano procurou aperfeiçoar o potencial repressivo da legislação já existente.

Entretanto, a intromissão do governo em assuntos do cotidiano da população não é fruto desta época, vem desde o final da década de 1960. A invasão de privacidade neste período gerou uma grande onda de protestos por parte da população. Naquela época, quando o governo estadunidense tencionava reivindicar o poder de realizar escutas telefônicas de grupos radicais do país, ocorreu uma forte oposição da Suprema Corte, sustentando que, para a realização de tais medidas, a autoridade pública estava constitucionalmente obrigada a obter uma autorização judicial fundamentada na demonstração da possibilidade de um crime poderia vir a ocorrer12.

Curiosamente, a retórica utilizada pela Suprema Corte estadunidense neste caso é bastante semelhante à premissa que embasa a estratégia de Preemptive Attacks adotada pelos Estados Unidos após os atentados de 11 de setembro de 2001. De fato, a tática de guerra que vimos ser empregada pelo governo Bush no tempo presente destoa daquela supracitada no exemplo no que tange a veemência e poderio bélico a ser empregado em sua ação; todavia, o discurso e o ideário que embasa ambas é o mesmo: a ação irrestrita por parte do governo estadunidense quando exista a possibilidade de que um crime – ou um atentado – possa vir a ocorrer contra a maior potência econômica do planeta.

A partir da década de 1970, foram então criadas algumas restrições à espionagem efetuada pela polícia contra grupos políticos nos EUA. Um caso marcante do período foi um relatório do Senado descrevendo os abusos cometidos por agentes federais que incitavam ao crime, promoviam a dissensão em grupos políticos e disseminavam informações danosas fora desses grupos13. Práticas semelhantes a essa foram encontradas em vários departamentos de polícia, seja no âmbito estadual ou federal, inclusive em Nova York. Entretanto, após vários processos judiciais e muita polêmica, foi firmada uma espécie de trégua negociada, onde ficava reconhecido que, como regra geral, não seria permitida à polícia praticar espionagem somente por razões políticas, mas unicamente com base em informações que apontassem, de fato, para a possibilidade de práticas criminosas virem a ser realizadas em solo americano.

Em nosso tempo presente, podemos perceber que o governo estadunidense se aproveitou do temor público após os atentados de 11 de setembro para permitir um grau maior de invasão na

12 US vs US Disctrict Court, 407 US 297 (1972). Disponível em http://supreme.justia.com/cases/federal/us/407/297/case.html. Acesso em 10.07.2012

13 Final Reporto f the Seleect Committe to Study Governamental Operations with Respect to Intelligence Activies (1976). Disponível em http://www.archive.org/stream/finalreportofsel06unit/finalreportofsel06unit_djvu.txt. Acesso em 12.06.2012.

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privacidade da população, seja por meio eletrônicos, ou recorrendo a informações e infiltração, não apenas na esfera da inteligência internacional, mas, igualmente, em casos criminais e contra vários ativistas políticos nacionais.

Ademais, admite-se que o governo estadunidense utilize de ordens judiciais do United States Foreign Intelligence Court em crimes domésticos. A esse respeito, podemos observar em um dos artigos do USA Patriot Act, sancionado logo após o 11 de setembro, estipulando que esse tribunal tem a autonomia de autorizar escutas telefônicas, seja no âmbito de investigações domésticas quanto fora do território americano14.

Ainda sobre esse assunto, o Foreign Intelligence Court também pode ser utilizado para fins mais gerais de espionagem política. O USA Patriot Act – talvez a principal reação doméstica do governo estadunidense após o 11 de setembro – permitiu ao tribunal americano conceder ordens judiciais para a elaboração de documentos relacionados a uma determinada investigação. A título de exemplo, essa medida conferiu legitimidade ao governo americano para solicitar a uma biblioteca todos os registros de retirada de livros de um determinado leitor, sem poder informa-lo de que esse esteja sob investigação15.

Em suma, todas essas mudanças na proteção da privacidade da população são significativas. Entretanto, o ponto mais importante a ser ressaltado nisso tudo é que as alterações na legislação americana não foram voltadas somente ao terrorismo estrangeiro. Ao contrário, os mandados do Foreign Intelligence Court podem e são empregados em assuntos domésticos. Este fato reforça a tese defendida por Naomi Klein de que o governo estadunidense se utilizou dos atentados terrorista de 11 de setembro e o impacto que este teve no ideário da população para submetê-los a novos choques políticos e econômicos, por meio de desregulamentações, privatizações e cortes nos programas sociais.

RELAÇÕES DE FORÇA QUE DEFINEM O TERROR

Mediante ao exposto durante todo este trabalho, podemos entender melhor como a política estadunidense de combate ao terror estava assentada em pressupostos incongruentes. Dentre esses, é também passível de crítica o próprio conceito de terror e de como essa terminologia é utilizada no tempo presente. De acordo com a definição oficial, tendo como base os manuais do exército e da legislação estadunidense, o “terror é o uso premeditado da violência ou da ameaça da violência para atingir metas ideológicas, políticas ou religiosas mediante intimidação,

14 USA Patriot Act, seção 218. Nancy Chang, “How Democracy Dies: The War on Our Civil Liberties”. In: Cynthia Brown (ed.), Lost Liberties. Nova York: New Press, 2003, p. 43.

15 Eric Lichtblau, US Says It Has Not Used New Library Records Law, The New York Times, 19 de setembro de 2003. Disponível em http://www.nytimes.com/2003/09/19/us/us-says-it-has-not-used-new-library-records-law.html. Acesso em 03.08.2012.

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coerção ou instilação do medo”16. Chomsky ressalta a imprecisão da utilização deste conceito, pois, segundo o linguista e filósofo estadunidense, a aceitação e utilização desses termos podem abrir precedentes para uma série de equívocos. O autor alerta que, se ponderarmos sobre a política oficial dos Estados Unidos de “guerra de baixa intensidade”, veremos que essa política não destoa em grandes proporções do considerado como terrorismo e combatido pela mesma nação. Em suma, Chomsky alerta para o fato de que não podemos utilizar as definições em si, mas que é necessário repensar essa terminologia e todo o arcabouço ideológico por trás da mesma. O que ocorre, portanto, é a utilização indevida por parte dos Estados Unidos deste termo como forma de legitimar o que é ou não considerado terrorismo.

Ainda sobre esse assunto, Robert Fisk (2007) ressalta que a utilização da palavra terrorismo serve hoje para que se deixe de lado qualquer tipo de contextualização histórica sobre os acontecimentos, emergindo como uma espécie de entorpecente da realidade factual, tendo dois objetivos: “o primeiro é eliminar toda a discussão sobre o assunto, e o segundo é assustar as pessoas comuns” (Idem; 1). Desta forma, podemos inferir que é por meio da sensação de medo causada pela ameaça do terror que a maioria da população aceitava que o governo adotasse medidas autoritárias sobre o assunto, passando por cima dos direitos humanos e das leis internacionais. Assim sendo, a utilização deste conceito emergiu como forma de criar um estado de terror permanente em grande parte da população, por meio de um inimigo abstrato, o terror.

Assim sendo, é possível compreender como a incongruência e ineficácia do que convencionamos chamar de terrorismo abre precedentes para generalizações e para a utilização errônea desta terminologia, vide-se, por exemplo, definir o MST e outros movimentos populares como organizações terroristas. Quanto mais confuso e abrangente é um conceito, mais fácil de haver uma apropriação errônea deste. Neste caso, a imprecisão do termo e a fomentação, a partir disso, de um inimigo abstrato que legitima uma política de cunho intervencionista e unilateral é uma das peças chaves para se entender a criação, por parte dos Estados Unidos, de um estado de terror permanente e da “Guerra ao Terror” como eixo da política externa estadunidense no período do pós 11 de setembro. A citação de Marta Fernández y Garcia Moreno (2009) nos ajuda a elucidar a questão:

Foi no contexto da modernidade que o Estado adquiriu o status de único ator com legitimidade para empregar a força com justiça e proteger seus cidadãos. O corolário desse monopólio do uso legítimo da força que passou a ser exercido pelos Estados soberanos foi, por um lado, colocar na ilegalidade e criminalizar o uso da força por parte de atores não-estatais e, por outro lado, a impossibilidade conceitual de atribuir atos terroristas aos Estados visto que o interesse do soberano passou a servir como condição suficiente para garantir a justiça do conflito (Idem; 104).

16 U.S. Army Field Manual No. FM 3-0, Chapter 9, 37, 14 de agosto de 2001. Disponível em http://www.globalsecurity.org/military/library/policy/army/fm/3-0/ch9.htm. Acesso em 10.08.2011

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Mediante ao exposto, visamos demonstrar que o terror não é somente a arma dos fracos, utilizada apenas por quem agride o Estado, mas que há também o terror – ou a expectativa de – criado pelo próprio Estado. Por meio de uma análise histórica é possível verificar que na esmagadora maioria das vezes o terror é utilizado não pelos fracos, mas pelo poder dominante. A diferença, e aqui nos apropriamos do conceito sociológico de Max Weber (1989), é a de que o Estado reivindica para si o monopólio do uso da força; sendo o uso deste pelo Estado, portanto, legítimo. Desta forma, podemos compreender que existem dois tipos de terror: o que agride o Estado e o que agride a partir do Estado. Embora não chegue ao ponto de evidenciar de forma clara essa diferença, Chomsky contribui nesta discussão ao demonstrar que o terrorismo “é considerado a arma dos fracos porque os fortes também controlam os sistemas doutrinários, nos quais seu terror não conta como terror” (CHOMSKY, 2002; 13).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em compêndio, a compreensão acerca dos pontos aqui levantados auxilia na percepção sobre alguns dos principais elementos na política externa dos Estados Unidos que tangem à chamada “Guerra ao Terror”. É, portanto, por intermédio da estratégia de preemptive attacks que os Estados Unidos legitimam a intervenção no local que for necessário, sob a retórica de combate ao terrorismo e da disseminação da democracia e do livre-mercado. O fato de a Al-Qaeda se constituir em um inimigo difuso, organizado em redes e que utiliza técnicas de guerra não convencionais contribuiu para semear esse estado de terror permanente, em parte fomentado pelos próprios EUA. Em decorrência, se desobrigavam a seguir os tratados e as leis internacionais, agindo de forma agressiva e unilateral. Do exposto é ainda possível concluir que os EUA se utilizaram do 11 de setembro e da suposta ameaça externa representada pela figura da Al-Qaeda e do terrorismo internacional para intensificar o cerceamento das liberdades individuais em sua política doméstica, limitando ainda mais a liberdade da população e os submetendo a novos choques políticos e econômicos, por meio de desregulamentações, privatizações e cortes nos programas sociais.

Desta forma, e aqui retomamos a ideia de Chalmers Johnson (2000) presente no início do texto, podemos observar na retórica que embasava a política externa estadunidense a necessidade de uma provocação para que suas ações fossem justificadas. Havia, portanto, a tentativa de uma construção ideológica do terrorismo como sendo o novo inimigo a ser combatido, em sucessão ao comunismo que perdurou durante todo o período da Guerra Fria.

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