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  • 8/17/2019 A PRESENÇA DE POTÊNCIAS EXTRARREGIONAIS COMO AMEAÇA À MANUTENÇÃO DA ZONA DE PAZ E COOPERAÇÃO…

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    UFRGSMUN | UFRGS Model United NationsISSN: 2318 3195 | v.2, 2014| p. 479 529

    A PRESENÇA DE POTÊNCIASEXTRARREGIONAIS COMO

    AMEAÇA À MANUTENÇÃO DA

    ZONA DE PAZ E COOPERAÇÃO Jéssica da Silva Höring 1

    Leonardo Weber 2

    Marília Bernardes Closs3

    RESUMO A Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul, criada em 1986, te

    objetivo de garantir a manutenção da paz e cooperação nesta região. No t A será discutida a presença de potências extrarregionais no Atlântico Sconsequências disso para a Zona de Paz e Cooperação. Mais especicamserá debatida a presença da Inglaterra, da França e dos Estados Unido Atlântico Sul. Em especial, serão discutidas as implicações disso para o exda soberania pelos países costeiros, tendo em vista a importância estradessa região para os interesses de diversos Estados, seja por seus recursogéticos e minerais, pelas rotas marítimas, ou pelos arranjos de cooperaçãvem surgindo nesse espaço sul-atlântico. Frente à nova dimensão estraque o Atlântico Sul tem tido nos últimos anos, cabe ao Encontro MinisterZOPACAS discutir quais medidas devem ser tomadas pelos Estados mempara ortalecer os mecanismos de cooperação regional.

    1 Aluna do oitavo semestre do curso de Relações Internacionais da UFRGS.E-mail: [email protected] Aluno do oitavo semestre do curso de Relações Internacionais da UFRGS.E-mail: [email protected] Aluna do oitavo semestre do curso de Relações Internacionais da UFRGS.E-mail: [email protected]

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    1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS

    1.1 A EXPANSÃO MARÍTIMA EUROPEIA E O TRÁFICO NEGREIROO Atlântico Sul, e os oceanos de modo geral, tiveram sua importância geo-

    política gradualmente potencializada a partir da expansão ultramarina europeiano século XV. A ormação precoce do Estado português, em comparação comos outros países do continente, colocá-lo-ia na dianteira das rotas marítimasmundiais. Inicialmente motivado pelo objetivo de contornar a Á rica e esta-belecer uma comunicação anual entre Lisboa e Goa, na Índia, Portugal criouentrepostos para ns comerciais e de de esa na costa ocidental do continentea ricano. A vitória portuguesa sobre os Otomanos na Batalha de Diu, em 1509assegurou o domínio luso sobre essa rota. Ao longo do século XVI, a projeçãonaval portuguesa oi expandida até o Extremo Oriente, passando pelos estreitode Málaca e chegando a Pequim (Penha 2011, 29).

    As ilhas meso-oceânicas do Atlântico Sul tiveram importante papel logísticona manutenção da chamada “Rota das Índias” controlada por Portugal. Usandoinicialmente os arquipélagos de Madeira e Açores, Portugal avançaria tambémpara as ilhas de ristão da Cunha, Ascensão, Santa Helena, e para o arquipélago dCabo Verde. Esses pontos eram usados como plata ormas dos descobrimentos

    tinham a unção de parada e abastecimento dos navios (Penha 2011, 29). Após a descoberta do Brasil, o controle luso do Atlântico Sul seria sedi-mentado através do tráco de escravos entre os dois lados do oceano. O uso demão de obra a ricana na colonização do Brasil iniciou-se em 1554, seguido pelestabelecimento do exclusivo comercial de 1580, que garantiu o monopólio docomércio colonial a Portugal, principalmente do tráco de escravos. Protestandocontra as leis portuguesas, a Holanda criou a Companhia das Índias Ocidentaise a tese do mare liberum, a qual de endia a livre navegação dos mares (Morae2014, 241). Além disso, os batavos invadiram o Nordeste brasileiro em 1624,

    as ilhas sul atlânticas em 1633 e Angola em 1641. A gradual ascensão naval hoandesa teria orte impacto na supremacia marítima de Portugal, pois lhe tomoutambém suas posições nas bases de Java, Sumatra e Málaca. Após a retomaddo Nordeste e de Angola em 1648 e 1654, respectivamente, Portugal teria derestringir sua presença ao Atlântico Sul (Penha 2011, 30-32).

    Ciente de seu declínio na segunda metade do século XVII, o governoportuguês buscaria evitar sua derrocada completa através da associação comoutra potência, a ascendente Inglaterra. A aliança luso-britânica oi motivadapela necessidade de Portugal assegurar sua independência rente à Espanha, qu

    dominou toda a península durante a União Ibérica (1580-1640). Além disso, épossível relacionar o domínio espanhol com o m da supremacia naval portu-

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    guesa. A Espanha não soube utilizar a engenhosidade da marinha de Podemonstrada desde a Batalha de Diu, e acabou derrotada pela Inglaterr1588, na campanha da Invencível Armada. Separado novamente da EspPortugal ez acordos comerciais com os ingleses e cedeu enclaves na Ín Á rica em troca de proteção. O eixo central dessa aliança girava em tocomércio de escravos a ricanos, por um lado, e das manu aturas ingleoutro (Penha 2011, 34).

    Conquanto a associação com a Inglaterra tenha retardado a decadêportuguesa, trans ormações partindo das colônias ao longo do século XVturbariam a estabilidade do comércio atlântico. Embora a demanda brasileiescravos estivesse normalmente concentrada nas regiões produtoras de aç

    início das atividades mineradoras, seguido por movimentos de contestaçCosta da Mina 4 a ricana, somariam as condições para gerar interesses contrao domínio português nos dois lados do Atlântico. No Brasil, os gruposdos ao tráco negreiro passavam a controlar tal atividade usando seus prnavios, sem a necessidade de recorrer à marinha portuguesa. Apesar de Poter respondido a isso com a criação de companhias destinadas a redirecioos uxos comerciais, o país não obteve sucesso. Assim, ortaleceram-sediretos entre as colônias portuguesas, notadamente entre a Bahia e o GolGuiné, e entre o Rio de Janeiro e Angola (Penha, 2011 37-38).

    O estreitamento econômico e político entre a Á rica e o Brasil oi potizado com a transposição da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro em resultado da invasão napoleônica a Portugal. Se as relações atlânticas já ese tornando autônomas, elas ganharam status político e jurídico quando o

    oi declarado Reino Unido a Portugal e Algarves, tornando-se o centro do império. A breve, mas denidora, experiência do Brasil como metróptodas as colônias portuguesas daria estatuto de realidade ao projeto de D. I de, após a independência, construir um império que unisse as duas marge Atlântico, assentado em uma monarquia escravagista, sediada no Rio de J

    (Penha 2011, 52). Entretanto, como o Brasil independente priorizou o recocimento internacional do governo, teve de abdicar dessa possibilidade. Poobviamente desejava manter suas antigas colônias a ricanas, enquanto a Intrataria de orçar a ruptura dos laços entre Brasil e Á rica ao longo do sécPor isso, o acordo de independência com Portugal, mediado pela Inglaterratinha uma cláusula na qual o Brasil comprometia-se a negar as propostas depolítica vindas das colônias a ricanas, notadamente Angola, onde as elitespro unda identicação com seus pares brasileiros (Penha 2011, 56).

    4 A Costa da Mina corresponde à região do Gol o da Guiné, o qual orneceu grande pescravos destinados ao continente americano. Atualmente, os países que ocupam a regGana, ogo, Benim e Nigéria.

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    Paralelamente às independências latino-americanas, os Estados Unidosiniciavam sua projeção política sobre o hemis ério ocidental, anunciando unilateralmente a Doutrina Monroe, em 1823. Embora contivesse, inicialmente, umconteúdo ético em de esa da autodeterminação dos povos e da não intervençãonos novos Estados, a Doutrina ganharia contorno di erente no m do século.Em adição às intervenções que já vinham sendo eitas pelos Estados Unidos n América Central e no Caribe, o Corolário Roosevelt, de 1904, imprimiu novotom à Política Externa Estadunidense, visando a legitimar a ingerência em taispaíses quando julgasse necessário (Bandeira 2008, 2-4).

    1.2 O IMPERIALISMO NA ÁFRICA E A MARGINALIZAÇÃO DO ATLÂNTICO SU Ao reordenamento das relações internacionais europeias após o m das

    Guerras Napoleônicas seguiu-se a construção e a consolidação do império globabritânico. O desenvolvimento da indústria naval e a invenção da energia a vaporrequereram bases para o abastecimento de carvão da marinha britânica. Paraisso, a Inglaterra empreendeu a tomada das ilhas mesoatlânticas que haviampertencido a Portugal e estavam nas mãos dos holandeses, assim como as ilhaMalvinas, em 1833, embora a Argentina já houvesse declarado soberania sobre

    elas após a independência da Espanha (Penha 2011, 45). A outra orma de estabelecer sua supremacia naval oi através do desmantelamento do trá ego comercial entre os dois lados do Atlântico Sul. Via pressão diplomática e graduaendurecimento das políticas contra o tráco de escravos, a Inglaterra conseguiu

    azer com que o Império Brasileiro extinguisse tal comércio em 1850 com alei Eusébio de Queiroz. Esse ato marcou a ruptura das relações do Brasil coma Á rica, que só seriam retomadas mais de um século depois, com a PolíticExterna Independente de Jânio Quadros, em 1961.

    O avanço europeu sobre o interior do continente a ricano nas últimas

    décadas do século XIX marcaria o domínio das potências imperialistas sobre oterritório, especialmente França e Inglaterra. Até meados do século, a presençaeuropeia havia se limitado a pontos estratégicos do litoral. Além disso, coma construção do Canal de Suez em 1869, e do Panamá em 1914, o AtlânticoSul so reria uma orte marginalização, visto que ambos provocaram um desvvolumoso do uxo de comércio que antes passava pela parte austral do Atlântico(Penha 2011, 63-64).

    Parte deste esvaziamento estratégico seria revertida, quando, durante aSegunda Guerra Mundial, o Atlântico Sul desempenharia papel importante no

    es orço de guerra e na logística dos Aliados. O saliente nordestino do Brasil eormação da ponte aérea Natal-Dacar para o envio de suprimentos aos princi-

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    pais teatros de guerra deram ao governo brasileiro poder de barganha duo conito, devido à sua importância estratégica (Moura 1980, 93). Aindcontexto de guerra, oi criada a IV Frota da Marinha dos Estados Unido1943, para operações especícas na parte sul do oceano. Os aviões da IV

    undeada em Reci e, patrulhavam a região compreendida entre o NoBrasileiro e a Á rica de modo a identicar submarinos inimigos ou naviodores do bloqueio contra o Eixo (Bandeira 2008, 4). Entretanto, essa revzação do Atlântico Sul oi bastante ugaz e esgotou-se junto com a guerrdisso se mostra na desmobilização da IV Frota, em 1950, e sua absorção Frota, que opera no Atlântico Norte. De todo modo, o conito abalaria irrsivelmente os impérios europeus no continente a ricano.

    1.3 A GUERRA FRIA E O SURGIMENTO DE POLÍTICAS DE PODER REG

    A relativa decadência europeia, diante da ascensão de EUA e URSS, anticolonialistas, seria o palco da reordenação das relações sul atlânticascontexto pós-conito é que oi processada a descolonização a ricana, senmaior parte das independências ocorreu entre o m da década de 1950 e o da década de 1960. Enquanto a Inglaterra manteve um perl mais baixo du

    e após a perda de suas possessões coloniais, a França reagiu intervindo nde libertação nacional. Ambas as nações continuariam inuenciando os rumcontinente através de um sistema de dependência neocolonial (Visentini 124-125). A França oi mais bem-sucedida em azer da Á rica uma ontesos, sendo que os laços entre o país e o continente vêm permanecendo inddente do governo, num esquema que pode ser chamado de França rique, sugerido por Verschave (2004). A relativa acilidade com que a França corenovar tais laços decorreu, em parte, do baixo interesse das duas superpono continente a ricano durante a Guerra Fria. Entretanto, especialmente ao

    da década de 1970, haveria espaço para que se desenvolvessem concepçõesgicas autônomas por parte dos países costeiros. A Á rica do Sul, por sua vez, mantinha-se como aliado principal do oc

    na Á rica Austral e no controle da Rota do Cabo, dividindo os oceanos Ate Índico. O Partido Nacional A ricânder, que tomou o poder em 1948, desmaior autonomia para a marinha sul-a ricana e a devolução da base naSimonstown, sob controle inglês. Como a Inglaterra não cedeu livremenintenções da Á rica do Sul, o resultado das negociações oi a expansãoernização da marinha sob orte dependência de equipamentos britânicos

    disso, oi assinado o Acordo de Simonstown, em 1955, que criou um comunicado, o South Atlantic Command, liderado por uma autoridade britân

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    destinado a proteger a Á rica Austral (Fiori 2012, 153). Em busca de capitalizamaior legitimidade para seu governo, a Á rica do Sul passou a de ender a crição de uma organização mais ampla que a de Simonstown e que englobasse osEstados Unidos e os vizinhos sul-americanos na contenção ao comunismo. Foinesse sentido que iniciou visitas aos governos militares da América do Sul em1967, para articulação da proposta da Organização do ratado do Atlântico Sul(O AS). Entretanto, uma ameaça soviética nessa região parecia alarmista nessmomento, mesmo aos olhos ocidentais, e só ganharia orça com as independências das colônias portuguesas.

    Outro país de importância continental, a Nigéria obteve sua independên-cia da Inglaterra em 1960 e en rentou a tentativa de secessão da região de Bia

    em uma guerra civil que durou de 1967 a 1970. Vitoriosa no conito e cercadade ex-colônias rancesas, a Nigéria logrou construir uma política externa bastante ativa e de liderança no mundo negro. Além de capitanear a integraçãode sua região através da criação da Comunidade Econômica dos Estados da Á rica Ocidental (CEDEAO), a Nigéria teve papel importante no isolamentodiplomático da Á rica do Sul do apartheid (Oliveira 2012, 93). Foi também deiniciativa nigeriana a contraposição ao projeto da O AS e a sugestão de umaorganização de caráter regional para o Atlântico Sul, a qual seria absorvida peldiplomacia brasileira. Ao nal da década de 1970, o ativismo externo da Nigéria

    tinha um discurso que minimizava a ameaça soviética, apontando para o rac-ismo sul-a ricano como mal maior do continente. O país também de endia queo único eixo possível de uma organização para o Atlântico Sul era aquele quepassava por Brasil, Nigéria e Angola (Penha 2011, 185).

    Quanto ao Brasil, este construíra, desde a Segunda Guerra Mundial, umpensamento naval subordinado à estratégia global dos Estados Unidos e ao papeque tinha na de esa contra os submarinos soviéticos no Atlântico Sul (Silv2014, 206). Entretanto, o Brasil oi sempre cauteloso quanto à possibilidadede acordos militares ora do ratado Interamericano de Assistência Recíproc

    ( IAR) e, por isso, nunca demonstrou grande interesse pela ideia da O AS. Ademais, o regime militar brasileiro estava gradualmente construindo, desdens da década de 1960, uma política externa voltada para a Á rica, cujo símbolmaior oi o reconhecimento dos regimes marxistas independentes em Angola Moçambique, por parte do presidente Ernesto Geisel em 1975. Por isso, a opçãode integrar uma organização junto à Á rica do Sul do apartheid mostrava-se comum custo estratégico e político muito alto.

    Embora a diplomacia e a estratégia brasileiras não dessem atenção maioràs questões marítimas do país, o Atlântico Sul oi sempre considerado importante, como exemplica a chamada “Guerra da Lagosta”. Esta oi um conitodiplomático entre Brasil e França envolvendo a pesca do crustáceo na costa nor

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    deste do país na primeira metade da década de 1960, especialmente no gode João Goulart. A negativa brasileira em aceitar a presença de navios rna região, seguida de apresamentos eitos pela Marinha de Guerra do levaram ao envio de belonaves rancesas à costa brasileira (Lessa 1999Embora tenha sido resolvida sem conito real, a Guerra da Lagosta demouma antiga prerrogativa brasileira de não aceitar a livre presença estrangesua plata orma continental.

    Como o Brasil manteve uma postura moderada quanto à O AS, er Argentina o principal de ensor sul-americano de uma cooperação militar namoldes propostos pela Á rica do Sul. Após o m do governo de Juan Per1974, houve aumento das preocupações geopolíticas argentinas em sua pa

    política externa. As preocupações estavam centradas na divergência com osobre a construção da hidrelétrica de Itaipu, na disputa com o Chile sobre o de Beagle e na reivindicação rente à Inglaterra pelas ilhas Malvinas. Etemas recolocaram a importância estratégica do Atlântico Sul para a Argeque desejava constituir um triângulo de ação Prata-Malvinas-Beagle, mantecomo potência na bacia platina, assim como controlar a rota do Cabo Horn esolidar sua projeção sobre a Antártida (Penha, 2011, 136). Com a relativa amação entre Brasil e Argentina, decorrente do Acordo ripartite Itaipu-Coem 1979, a O AS passou a ser vista menos como uma iniciativa para neut

    o Brasil, e mais como uma orma de projeção dos interesses argentinos sesquema securitário mais amplo (Penha 2011, 136-137).De todo modo, oi a aproximação União Soviética com as colônias

    tuguesas independentes que reacendeu as preocupações ocidentais so Atlântico Sul, visto que a URSS passou a ter bases permanentes na Guiné BCabo Verde, Angola e Moçambique (Penha 2011, 85-86). Ademais, algunantes, em 1967, o echamento do Canal de Suez pelos países árabes durGuerra dos Seis Dias havia relembrado aos países ocidentais da imporda Rota do Cabo para o comércio de petróleo. Essa sucessão de evento

    credibilidade à ideia de endida pela Á rica do Sul de uso do oceano comde contenção ao comunismo. Além disso, o governo de Ronald Reagan, esado em 1981, rearmaria a importância do Atlântico Sul e de enderia a cda O AS, a modernização das marinhas regionais e venda de armas aos aliados (Penha 2011, 181). A organização seria uma orma de undir ocom o Acordo de Simonstown, dentro do contexto de retomada da rivalidaGuerra Fria. Entretanto, o impulso dado à criação da O AS seria neutralpelo ponto de inexão representado pela Guerra das Malvinas, em 1982.

    1.4 A GUERRA DAS MALVINAS E A CRIAÇÃO DA ZONA DE PAZ ECOOPERAÇÃO DO ATLÂNTICO SUL (ZOPACAS)

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    O curto, mas denidor conito envolvendo a Argentina e a Inglaterra pelaposse das ilhas Malvinas remete a uma longa disputa militar e diplomática demais de um século entre os dois países. O arquipélago das Malvinas é constituídopor duas ilhas principais, Soledad e Gran Malvina, e aproximadamente outras700 ilhas menores e rochedos. Os ranceses oram os primeiros a estabelecer uassentamento no arquipélago, em 1764 mas, por contestação espanhola, repas-saram o direito sobre as ilhas à Espanha em 1767. Em 1765, um ano após achegada dos ranceses, o inglês John Byron chegou às ilhas e, em nome do Reda Inglaterra, declarou soberania sobre esses territórios. Após negociações entrEspanha e Inglaterra, acordou-se que os britânicos poderiam permanecer em

    Port Egmond, ao mesmo tempo em que esta restituição não a etaria o direito desoberania da Espanha sobre o arquipélago. A Espanha repassou o domínio doarquipélago a Buenos Aires, em 1820. Contudo, em decorrência de uma sériede crises entre os EUA e a Argentina, em dezembro de 1831 os Estados Unidosatacaram as ilhas, e, sob esta conjuntura, em 1833 o comandante britânico JamesOnslow chegou a Puerto Soledad, expulsou os poucos colonos argentinos queainda se aziam presentes na região, e iniciou a colonização britânica nas ilhaDesde então, a Argentina reivindica seu direito sobre as ilhas Malvinas, além duma série de outros territórios: a Antártica, as ilhas Geórgia do Sul, Sandwich do

    Sul, Ilhas Orcadas do Sul, e as Ilhas Shetland do Sul (Hope 1983; Coconi 2007). A disputa entre os dois países permaneceu no âmbito diplomático até adécada de 1980. Com a decadência do regime militar argentino, sob o governo dogeneral Galtieri, julgou-se que a retomada das ilhas revitalizaria o apoio populaao governo. Além disso, a Argentina cometeu os erros de supor que a Inglaterranão responderia militarmente à invasão e de que os EUA priorizariam o IARe dariam suporte à Argentina (Penha 2011, 140). Com a posterior derrota naguerra e a desilusão com os EUA e com a Á rica do Sul, a qual disponibilizou base naval de Simonstown à Inglaterra, a Argentina abandonou a ideia da O AS

    O conito expôs as insuciências das capacidades militares dos países da regiãoespecialmente as aeronavais, e impulsionou a aproximação entre Brasil e Argentin(Penha 2011, 140-141). Dessa orma, o Brasil encaminhou à Assembleia Geradas Nações Unidas a proposta de criação de uma Zona de Paz e Cooperação no Atlântico Sul, em 1985, que contou com oposição estadunidense e sul-a ricanaCoube à Nigéria a articulação política em torno da proposta do lado a ricano, eesta teve sucesso em sua aprovação, também pelo apoio dos aliados sul-americanoinclusive da Argentina. A ideia materializou-se na resolução n. 41/11 da ONU,em 1986. Centrada nos objetivos de a astar a con rontação militar, a presença d

    armas nucleares e a construção de bases estrangeiras na região, a resolução tambépedia aos países costeiros o respeito aos princípios de não intervenção, soberania

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    integridade territorial (Penha 2011, 187).Desde sua criação, em 1986, seguiram-se sete Reuniões Ministeria

    ZOPACAS: no Rio de Janeiro (1988), em Abuja (1990), em Brasília (19em Somerset West (1996), em Buenos Aires (1998), em Luanda (2007) Montevidéu (2013). A Reunião de 1990 contou com a entrada da Namíe a de 1994, com a da Á rica do Sul redemocratizada, totalizando 24 bros. Ao longo da década de 1990, embora tenham ocorrido várias reuniZOPACAS assistiu a certo esvaziamento. Parte disso resultou do m da GFria e da amenização do motivo que levara à sua criação, a militarização eO governo de Itamar Franco, no Brasil, buscou relançar a ZOPACAS, tcomo orma de auxiliar a pacicação de Angola, ainda em guerra civil

    para direcionar a cooperação num sentido voltado também ao desenvolvimsocioeconômico (Hirst; Pinheiro 1995, 19).Desde o m da década de 1990, a ZOPACAS cou cerca de dez anos

    Reuniões Ministeriais. A revitalização recente da organização deu-se atrIniciativa de Luanda, uma série de colóquios sobre questões de interesse clançada por Angola no ano de 2007, culminando na VI Reunião, em sua ca Assumindo a presidência, Angola de endeu a conciliação do caráter biogeográco do Atlântico Sul com sua ace geoestratégica, ou seja, Angola dar ao grupo um contorno mais securitário (José 2011, 242).

    2 APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA

    2.1 A IMPORTÂNCIA ESTRATÉGICA DO ATLÂNTICO SUL

    O Atlântico Sul vem ganhando espaço no cenário político internacioem razão de uma série de motivos de ordem política, econômica e estraque serão explicitados ao longo deste artigo. Das diversas ormulações ex

    para a delimitação da Bacia do Atlântico Sul, conjugou-se aqui o conceitcado por Penha (2011, 17), tal seja o de um Atlântico Sul enquanto constrhistórica, e a demarcação geográca proposta por Terezinha de Castro (119). O Atlântico Sul é assim compreendido como um espaço marítimo geoico que abarca três rentes continentais – América, Á rica e Antártida – e redores estratégicos – ao norte, a zona Natal-Dakar, e, ao sul, entre a Ante o continente a ricano, a Rota do Cabo, e entre a Antártida e a América da Passagem de Drake –, onde, historicamente, ocorreram importantes econômicos e culturais e cujos contornos políticos dependem sempre do

    ionamento entre os países que compõem suas margens a ricana e sul-ameNeste sentido, esta bacia é compreendida, em seu limite norte, desde uma

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    que tem início no Amapá, no Brasil, até a Mauritânia, no continente a ricanocontornando o arquipélago de Cabo Verde, e que se estende ao sul até o paralelo60°, de acordo com o ratado da Antártida.No início do século XXI ca claro um processo de alargamento nas relaçõesentre os países que compõem o Atlântico Sul. De acordo com Saraiva (2012, 13)este decurso simboliza o “mediterranismo” Sul-Atlântico, isto é, o encurtamentodas distâncias que lhe é con erido pela dinâmica de solidariedade e cooperação susul. A emergência de novos polos de poder no Sistema Internacional, o processode democratização no continente a ricano, a descoberta de importantes recursominerais e energéticos nas duas margens do Atlântico Sul e a importância poten-cializada das rotas comerciais e estratégicas, em alternativa às passagens oceânic

    convencionais, oram atores que marcaram a reinserção do Atlântico Sul no cáculo estratégico das relações internacionais5. Destarte, esse movimento de orçasno Sistema Internacional requer uma investigação dos aspectos geopolíticos, geoeconômicos e geoestratégicos da Bacia do Atlântico Sul.

    O Atlântico Sul, além de ser o elo entre a Á rica e a América do Sul,também acilita o contato entre estes países e o continente asiático, através doOceano Índico, mediante a passagem do Cabo da Boa Esperança, ou através doOceano Pacíco, via Passagem de Drake. Para além da projeção de interessessul-americanos e a ricanos nesta bacia, há de se considerar também os avanço

    chineses e indianos na região, que se desdobram em novos arranjos estratégicos, estes baseados em estruturas de cooperação alavancadas pela igualdade omento ao desenvolvimento com responsabilidade social (Pereira e Barbos

    2012). A presença chinesa na Á rica se intensicou a partir de 1993, quandoaumenta a demanda de petróleo pela China, a m de alavancar seu crescimento. A partir de então, a China intensica sua relação com a Á rica – que já era vistcomo a “nova ronteira” para investimentos e obtenção de recursos minerais energéticos – principalmente nos seguintes países: Sudão, Angola, RepúblicaDemocrática do Congo e Nigéria 6. Os interesses indianos assemelham-se aos

    5 A criação da ZOPACAS relaciona-se, especialmente, com a última onda de descolonização nocontinente a ricano, principalmente na região da Á rica Austral, envolvendo as antigas colôniportuguesas. Neste sentido, convém destacar o processo de independência de Angola, que sedesdobrou em uma Guerra Civil com contornos regionais, envolvendo a participação de paísescomo a Á rica do Sul do apartheid e o Zaire (atual República Democrática do Congo) e potênciaextrarregionais como a União Soviética, Cuba, Estados Unidos, Inglaterra e França, e diretamentrelacionada com a libertação da Namíbia, que era controlada pela Á rica do Sul (Penha 2011).6 Após a repressão dos Protestos na Praça da Paz Celestial pelo Governo Chinês, em 1989, e oembargo sobre a venda de armas que oi imposto pelos Estados Unidos e pela União Europeiadiante disso, a China passou a investir em novos parceiros, especialmente na Á rica. Ao contrárda relação com os Estados Unidos e com a União Europeia, a China não impõe condicionamentospolíticos, como a proteção aos direitos humanos, para as trocas econômicas, ao mesmo tempo em

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    da China: aquisição de recursos minerais e energéticos por um lado, inmento no setor de serviços, de outro, e uma maior preocupação em obter político, em razão do ganho em importância que a Índia tem tido no ceninternacional (Penha 2011).

    Este novo panorama político tem criado um impasse para a estratnorte-americana e europeia na região, os principais atores extrarregionauma perspectiva histórica. Há décadas os Estados Unidos vêm buscandotes mais seguras para suprir sua demanda energética, em alternativa ao Pérsico. Isso advém das constantes tensões nesta região, particularmentos atentados do 11 de Setembro de 2001. O ornecimento de petróleo a pdo Atlântico Sul, apresenta-se como uma opção viável e, acima de tudo,

    tégica; a proximidade da bacia com os principais centros de consumo, EUnidos e Europa, e de outros centros, especialmente China e Índia – via alação Atlântico-Índico e Atlântico-Pacíco –, acilita o controle dos upetróleo, e permite intervenções mais rápidas e ecazes (Fiori 2012).

    A Bacia do Atlântico Sul apresenta vasta gama de recursos minerais egicos. As reservas dispostas na costa sul-americana totalizam aproximad1,1% das reservas mundiais de petróleo e 0,4% das reservas de gás, para apotencial ainda inexplorado nas plata ormas continentais argentina e bras7. A Á rica dispõe de 8% das reservas mundiais de petróleo e 7% das rese

    gás natural. O Gol o da Guiné detém 3,5% das reservas mundiais de petisto é, a segunda maior concentração de hidrocarbonetos do mundo. AngNigéria são os maiores produtores da região, per azendo cerca de 4 milhbarris diariamente, mais da metade de toda a produção de petróleo do tinente a ricano. Com importância também signicativa temos a RepúDemocrática do Congo, Gabão, Guiné Equatorial, São omé e Príncipe, Cdo Marm, Mauritânia, Mali e Gana. As reservas de gás natural da Á ricavêm so rendo um esgotamento progressivo; contudo, há grandes quantde gás de xisto a serem explorados uturamente, e o país contribui com 4

    reservas mundiais de carvão (Brozoski 2013; Fiori 2012; Penha 2011). Além da atividade pesqueira, o leito oceânico do Atlântico Sul é bém onte de importantes minerais estratégicos, como, por exemplo, as cobaltí eras, os nódulos polimetálicos (contendo níquel, cobalto, cobre eganês), os sul etos polimetálicos (contendo zinco, prata, cobre e ouro), a

    que investe em setores primordiais, particularmente in raestrutura (Penha 2011).7 Nesta dimensão, 0,9% dos recursos petrolí eros estão em território brasileiro – sendo qu95% do petróleo e 85% do gás estão localizados na plata orma continental brasileira – em território argentino; cada um possui 0,2% das reservas globais de gás natural. Se somdemais países sul-americanos, a proporção é de 18% do domínio sobre as reservas de pmundiais e 3,5% sobre as reservas de gás natural (Brozoski 2013).

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    areia monazítica, contendo quantidades signicativas de urânio, e depósitos dediamante, ouro e ós oro (Fiori 2012; Pereira e Barbosa 2012). A exploração desrecursos pelos países costeiros e a produção de componentes de alto valor agregadpelos mesmos estimula o processo de transição tecnológica, importante motorpara o desenvolvimento econômico e social nacional. Do mesmo modo, calcula-sque a Antártida, assim como as Malvinas, contenha importantes reservas mineraie energéticas, especialmente urânio, cobre e chumbo (Brozoski 2013).

    Nas últimas décadas a Á rica tem sido apresentada como a nova ronteirenergética mundial. Os Estados Unidos importam cerca de 60% do petróleoque consomem. O Gol o da Guiné, que já supera o Gol o Pérsico como o maioprovedor de recursos energéticos para os Estados Unidos, representa 15% das

    importações estadunidenses, havendo estimativas de que esse número cresçapara 25% até 2015 (Fiori 2012, 147).

    Em 2011, a Nigéria exportou mais de 2 milhões de barris de petróleo por dia,sendo 33% para os EUA (9% das importações estadunidenses), 28% para aEuropa, 12% para a Índia e 8% para o Brasil. Para a Á rica do Sul as exportações

    oram de 3% do total e para o Sudeste da Ásia (incluindo China) 5% do totalexportado. Angola exporta quase toda sua produção, cerca de 75 mil barrisdiários, sendo 45% de suas exportações para a China, 23% para os EUA e 9%para a Índia. A Guiné Equatorial exporta quase toda sua produção petroleira,

    destinando 30% de suas exportações para os EUA, 41% para a Europa (sendo osprincipais destinos 14% para Espanha e 13% para Itália), 10% para o Canadá e7% para a China (ainda 6% para o Brasil). O Congo (Brazzaville) exporta 90%de sua produção, sendo 49% de suas exportações para os EUA, 31% para aChina e 10% para a França. O Gabão exporta 90% de sua produção e tem comoprincipais destinos EUA e Europa (Fiori 2012, 139-140).

    De acordo com Richardson et al (2012), a região entre o Atlântico e oPacíco oi a que demonstrou o maior crescimento em comércio marítimodepois da Guerra Fria. Essa guinada em direção ao Atlântico Sul gera impor-tantes desdobramentos para os países costeiros. O desenvolvimento portuário éevidente em Luanda e Lobito, em Angola, em Walvis Bay, na Namíbia, e SantosSuape e Açu, no Brasil (Richardson et al 2012; Pereira 2013). O aper eiçoa-mento das estruturas portuárias torna-se ainda mais relevante em uma conjun-tura em que o tamanho dos navios tende a aumentar, em razão do aumentonos custos em combustível e no melhoramento das tecnologias. Ora, em umhorizonte de diminuição da capacidade do Canal de Suez e do Canal do Panamá– embora o acordo entre China e Nicarágua re erente à construção de um canalinteroceânico na Nicarágua possa demonstrar o contrário (Saiki 2013) –, asrotas do Atlântico Sul ganham premência como via de comunicação intero-ceânica (Richardson et al 2012).

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    As rotas marítimas do Atlântico Sul enquadram-se dentro do concde Sea Lines o Communication – SLOC –, isto é, as linhas de comunientre dois oceanos que permitem as relações comerciais, logísticas e mentre di erentes pontos oceânicos. Sua centralidade está assente no atoo Estado que controlar as SLOCs detém, consequentemente, o controle doe pode, portanto, inter erir no resultado de uma guerra (Lindsey 1988). Agra a brasileira Terezinha de Castro apontou quatro rotas no Atlântico Squais seriam indispensáveis ao desenvolvimento e projeção do Brasil (1999 in Neves 2013, 20). Excluindo a rota sul-americana, que perpassa oda Prata até rinidad, e adicionando a Passagem de Drake, as outras trêssão aplicáveis aos contornos geopolíticos de toda a região. A Rota Euro

    compreendida pela conexão entre o continente europeu e a América do Á rica, através do estrangulamento do Atlântico, entre o Nordeste BrasCabo Verde. Este corredor é essencial para todos os Estados localizados ada linha do Equador. No sentido leste-oeste, temos a Rota A ricana, conec Á rica e América do Sul. De acordo com Penha (2011), os eixos desta relaas zonas marítimas do Nordeste ao Sudeste brasileiro (Salvador-Rio de Jan Angola-Nigéria (Luanda-Lagos). A Passagem de Drake, entre a América e a Antártica, é outra importante rota do Atlântico Sul. Sua relevância enqlinha de comunicação marítima comercial não é tão acentuada como a Ro

    Cabo, mas ainda assim importa para a passagem de embarcações maiorecentralidade está na projeção de orças para a América do Sul e Antártica,palmente, além de permitir o controle de uxos nas direções Atlântico-PaPor m, temos a Rota do Cabo da Boa Esperança. Enquadrada na coninteroceânica da Á rica do Sul, a Rota do Cabo congrega três continentesser passagem de recursos do Oriente Médio para a Europa e Estados Un8 (Neves 2013, 20).

    O Atlântico Sul também dispõe de uma diversidade de ilhas queimprimem caráter estratégico para projeções sobre a Á rica, a América do

    Antártica. A existência de porções continentais sobre os oceanos permite o lecimento de bases militares, atribuindo aos países acilidades de apoio aecomo veremos a seguir9. Inserido neste recorte estratégico enquadra-se a tese três triângulos geoestratégicos do Atlântico Sul. De acordo com esta ormda geógra a Terezinha de Castro, existem três triângulos estratégicos na ba

    8 A Rota do Cabo é via de passagem de 66% do petróleo europeu e 26% do petróleo namericano (Fiori 2012, 140).9 Das ilhas que compõem a bacia sul-atlântica, as de maior signicado estratégico são as Ascensão, Santa Helena, ristão da Cunha, Gough, São Pedro, São Paulo, Bouvet, FernanSão omé e Príncipe, Shetlands do Sul, Sandwich do Sul, Geórgias do Sul, Malvinas, rMartim Vaz, e Fernando de Noronha.

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    atlântica, cujos vértices estão dispostos de acordo com as ilhas aí presentes.O primeiro triângulo é ormado pela conjunção das Ilhas Ascensão, Santa

    Helena e ristão da Cunha – todas sob controle britânico – e serve de base paraprojeções sobre a América do Sul, por um lado, e apoio para o controle da Rotado Cabo, por outro. O segundo triângulo tem seus vértices no arquipélago deFernando de Noronha, na ilha de rindade – ambos possessões brasileiras – e noarquipélago das Malvinas. Sob esta localização, é possível projetar orças sobrcosta americana brasileira, argentina e uruguaia, além de permitir o controle dapassagem Atlântico-Pacíco. Importante destacar que, neste triângulo, somenteo arquipélago das Malvinas é controlado por uma potência extrarregional e,ainda assim, não abarca a totalidade do controle interoceânico, visto que o con-

    trole sobre a passagem de Drake é melhor administrado a partir de Punta Arenasno Chile, e Ushuaia, na Argentina. O terceiro triângulo é ormado pelos arqui-pélagos subantárticos de Shetlands do Sul, Orcadas do Sul e Gough, Geórgiasdo Sul e Sanduíches do Sul. Terezinha de Castro aponta que esta ormaçãocostuma não ser bem guarnecida, sendo rota alternativa para projeções sobre a América e a Á rica (Castro 1999 in Neves 2013, 22).

    O Reino Unido apresenta um cinturão de ilhas no Atlântico Sul, muitasdelas conquistadas ainda na época dos descobrimentos, enquanto outras sãocontestadas até os dias de hoje, como é o caso das Malvinas, Geórgia do Sul

    e Sanduíche do Sul. A maior parte destas ilhas tem alto valor estratégico, poisconstituem vértices dos triângulos geoestratégicos de Terezinha de Castro.Outrossim, a soberania sobre estas ilhas implica o direito à exploração de suarespectivas zonas econômicas exclusivas, muitas das quais apresentando reservminerais e energéticas. As possessões britânicas dividem-se em dois grupos: ilhmeso-oceânicas – ristão da Cunha, Ascensão e Santa Helena – e ilhas perian-tárticas – Shetlands, Geórgia do Sul, Gough, Sandwich do Sul, Orcadas do Sule as Malvinas (Fiori 2012). Destas ilhas, algumas merecem apreciação especial

    A ilha de Ascensão é umas das mais importantes no Atlântico Sul. De

    grande dimensão, mas montanhosa, não é muito avorável à instalação de basemilitares, não havendo também nenhuma instalação portuária; entretanto, seuaeroporto apresenta uma pista de 1500 metros, ator premente para projeção de

    orças. Atualmente, esta ilha é compartilhada com os Estados Unidos. Apesade pequenas e com di ícil condição de habitabilidade, o progresso tecnológicpermite que as ilhas de Santa Helena e ristão da Cunha sejam utilizadas comobase de apoio para as aeronaves não tripuladas, cujo relevo está na vigilância segurança do Atlântico Sul. Por m, o arquipélago das Malvinas permite a pro- jeção de orças sobre a Passagem de Drake e o Estreito de Magalhães, além dpermitir reivindicações territoriais sobre a Antártica (Neves 2013; Reis 2011).

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    Imagem 1 - Os Triângulos Geoestratégicos

    A análise dos atributos geoestratégicos, geoeconômicos e geopolíticBacia do Atlântico Sul exige a colocação de conclusões prévias e retomideias centrais. Em primeiro lugar, é evidente o renascimento desta regicontexto político e estratégico internacional e sua centralidade no omearranjos de cooperação sul-sul, com ên ase na cooperação para o desemento socioeconômico dos países. Em segundo lugar, as riquezas dos costeiros, inseridas em um contexto de progressivo esgotamento das onrecursos energéticos internacionais, potencializam a tendência para o rec

    cimento de intervenções extrarregionais.O Sistema Internacional mais uma vez tem se mostrado progressivamente insna medida em que as grandes potências continuam dispostas a de enderinteresses, se necessário, por meio da orça contra os mais racos. A instabpolítica tornou-se crescente no mundo, especialmente em regiões disputentre as grandes potências. (...). ornaram-se ainda mais claras as novas disinternacionais pelo controle de reservas de recursos petrolí eros ou gasí eponto de se estabelecer uma clara disputa estratégica pelo controle das de passagem ou escoamento destes recursos através de oleodutos ou gaso(Kerr de Oliveira 2010).

    Fonte: Neves 2013, 24

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    A debilidade dos países costeiros em prover sua própria segurança, somadaao extenso controle de áreas estratégicas por potências extrarregionais, deve sevir como ponto de partida para o desenvolvimento de suas capacidades militaree criação de estruturas de cooperação regional em segurança e de esa. Nestsentido, é essencial avaliar o equilíbrio de orças no recorte sul-atlântico e, paticularmente, os es orços dos países costeiros em incrementar suas capacidadessua integração regional.

    2.2. A PRESENÇA MILITAR EXTRARREGIONAL

    Como apresentado anteriormente, a quase totalidade do controle sobreo Atlântico Sul é historicamente exercido pela(s) grande potência(s). Assim, opaíses costeiros, sejam da América do Sul ou da Á rica, não logram estabeecer sua presença e etiva, assegurar seus interesses ou possuir autoridade sobreOceano. Como será tratado abaixo, hoje em dia três países conseguem, ao menosparcialmente, assegurar sua presença no Atlântico Sul: os Estados Unidos, aGrã-Bretanha, e em menor medida a França. Os três países o azem, majoritariamente, com base nas suas grandes capacidades militares e inuência política econômica. Consequentemente, a presença das três potências no Atlântico Sul

    ere um dos princípios norteadores da ZOPACAS: o da não-militarização. Umadas maiores consequências disso é a ameaça à soberania dos países costeiro Anal, como será tratado adiante, nenhum dos países do grupo tem capacidadesmilitares à altura destas potências extrarregionais. Assim, além da impossibilidade de os países costeiros exercerem a soberania sobre o mar territorial, na zoncontígua ou na Zona Econômica Exclusiva 10, há constrangimentos decorrentesda grande capacidade dissuasória e da ameaça exercida pelas Forças Armadabritânicas, rancesas e estadunidenses. Entretanto, é preciso di erenciar dois coceitos aqui discutidos: o de não-militarização e o de desmilitarização.

    A questão da não-militarização do Atlântico Sul re ere-se especicamenteàs atividades relacionadas às questões e interesses internacionais alheios àregião, de maneira a não a etar de modo algum o programa de modernizaçãoe desenvolvimento tecnológico das Forças Armadas dos países das áreas.É importante, pois, que que claramente entendido que o conceito de não-militarização da área por países a ela estranhos não pode ser con undido com

    10 Segundo a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS), o país temsoberania no mar territorial, direito de exercer jurisdição na zona contígua e direito de soberaniano que diz respeito à exploração dos recursos naturais na água, no leito do mar e no subsolo naZona Econômica Exclusiva (UNCLOS 1982).

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    o desmilitarização no sentido de redução da capacidade de atuação de milidos países da região (Penha 2011, 187).

    Ainda segundo Penha (2011, 187), a ZOPACAS exerce, inclusive, unção contrária à da desmilitarização, pois promove a cooperação en

    Forças Armadas dos países-membros, especialmente entre as marinhas. OuZOPACAS atua no sentido de buscar a “não-militarização” da região, enteenquanto presença de interesses e capacidades extrarregionais, mas não no de desmilitarização, já que promove a modernização militar dos seus paísestuintes. Por outro lado, a presença de potências extrarregionais tem crescidlatinamente no Atlântico Sul, ato que, na maioria das vezes, en raquece a

    tura institucional buscada pelos países costeiros e, consequentemente, amsoberania destes. Percebe-se, então, que a militarização do Atlântico Sul pode potências extrarregionais pode constituir-se como uma ameaça à Zona de Cooperação no Atlântico Sul. Cabe, portanto, investigar mais especicampresença das três potências extrarregionais no Atlântico Sul.

    2.2.1 APRESENÇA MILITAR EXTRARREGIONAL: OS ESTADOS UNIDOS NO ATLÂNTICO SUL

    Após domínio de Cuba, por parte dos EUA, com a vitória na guerra conEspanha, então potência colonial, em 1898, e o domínio de Porto Rico e dasVirgens, já era clara a intenção dos Estados Unidos em dominar as rotas dodo México e as aspirações de construção do que viria a ser o canal do P(Bandeira 2008). Posteriormente, a extensão das orças estadunidenses às Fos consolidaria como detentores de importante poderio naval, rmando-se uma potência marítima em dois oceanos. A partir de então, os EUA estabram-se como um grande poder no Oceano Atlântico, tanto ao Norte quantSul. Entretanto, é a partir do nal da década de 1990 e início da década de que os Estados Unidos passam a desenvolver para o Atlântico Sul uma estsubstancialmente di erente do que ez durante toda sua história.

    Após a queda da União Soviética e o m da Guerra Fria, houve um dteresse dos Estados Unidos pelo Atlântico Sul e pelos países costeiros em uperda de importância estratégica destes. A aparente alta de ameaças globaihegemonia estadunidense ez com que o país reduzisse seu orçamento e seumilitar em cerca de 30% e se desengajasse de áreas que teriam perdido sua imcia estratégica (Battaglino 2009). A conjuntura internacional, entretanto, msignicativamente a doutrina dos Estados Unidos para todo o globo e, conseemente, sua estratégia para o Atlântico Sul a partir dos atentados terroristasas embaixadas estadunidenses em Nairobi (Quênia) e Dar el Salaam ( anzân

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    1998 e do ataque de 11 de Setembro de 2001 (Ploch 2011). A partir de então, os Estados Unidos passaram a identicar o terrorismo

    como a principal ameaça a sua liderança global, como expressado em docu-mentos como a Estratégia Nacional de Segurança de 2002 e 2006. Sendo oterrorismo uma ameaça transnacional, sem Estado soberano responsável poreste, é consequência disto a denição do mundo como um cenário unicadopara executar operações militares; para tal, há a manutenção e a acentuação daexpansão da in raestrutura militar dos EUA para o globo, a qual já ocorria desda Guerra Fria 11 (Battaglino 2009).

    Concomitantemente à ameaça terrorista, os Estados Unidos também iden-ticam em seus documentos de de esa, como na Revisão Quadrienal de De es(2001), a ascensão de novos polos globais ou regionais de poder e a existêncide Estados alidos como ameaça a sua liderança global. Para Battaglino (2009inicia-se a busca estadunidense pela Integrated Global Presence, a qual é baseada em um crescente número de bases estadunidenses no exterior por meioda expansão dos Comandos Unicados Combatentes12. Frente a tal cenário, amaterialização da mudança de doutrina estadunidense para o Atlântico Sul sedá em três ações: o restabelecimento da IV Frota dos EUA, em julho de 2008,o ortalecimento do United States Southern Command (Southcom) e a criaçãodo A ricom, em outubro de 2008. Pela primeira vez, os EUA possuem uma

    estrutura militar que conta com seis Comandos Unicados Combatentes e seisrotas no globo. De acordo com as ações mencionadas acima, percebe-se que oEUA completaram o estabelecimento de sua capacidade global de projeção de

    orças (Battaglino 2009, 37). A IV Frota é responsável pela segurança do Atlântico Sul, comportando os

    navios, submarinos e aeronaves que azem a de esa da área sob responsabilidado Southcom (Maclay, et al. 2009). Consequentemente, a IV Frota trabalhaconjuntamente com o Southcom e é responsável pela região da América LatinaSegundo Maclay et al (2009), o objetivo ocial declarado da IV Frota é estreita

    a cooperação e a parceria dos países da região por meio de cinco missões: apoia operações de manutenção de paz, assistência humanitária, auxílio a desastresexercícios marítimos tradicionais e apoio a operações antidroga. Entretanto, a

    11 É consequência disso a ampliação dos orçamentos militares estadunidenses a partir do governde George W. Bush, totalizando um aumento de 70% entre 2001 e 2007 (Battaglino 2009).12 Os Comandos Unicados Combatentes são estruturas militares estadunidenses que se respon-sabilizam por regiões especícas do globo. Os seis Comandos Unicados Combatentes mencionados acima são Northcom, responsável pela América do Norte; o Southcom, responsável pela América Latina; o A ricom, responsável pela Á rica; Centcom, responsável pelo Oriente Méde Ásia Central; Eucom, responsável pela Europa e Pacom, responsável pela Ásia-Pacíco (U.SDepartment o De ense 2011).

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    leitura mais detalhada dos documentos ociais dos EUA sobre a Frota minteresses adicionais além dos supracitados: primeiramente, a emergêncinteresses da China no hemis ério ocidental é considerada pelos Estados como uma ameaça à sua hegemonia na região. Adicionalmente, os EUA aem seus documentos que a ascensão social e econômica brasileira nos úanos também pode vir a apresentar um desao aos interesses estadunidFinalmente, a ascensão daquilo que é chamado pelos Estados Unidos de populismo radical”, como a emergência de governos de esquerda na AmérSul, também é considerada uma a ronta à hegemonia estadunidense (Macal. 2009; Department o De ense o United States o America 2008).

    Con orme Battaglino (2009), a reativação da IV Frota insere-se na

    tégia dos EUA de e etuar a ocupação e o controle dos denominados ecomuns. al conceito, desenvolvido por Barry Posen (2003), diz respeáreas que não pertencem, a princípio, a país algum, mas que dão acesso aresto do globo. Battaglino (2009) também destaca que o conceito de Ptrata principalmente das áreas do mar e do espaço aéreo, espaços para os qextensa maioria dos países não tem instrumentos econômicos e, principalmmilitares para controlar de maneira ecaz. Posen (2003) salienta que o comsobre tais espaços é o centro da hegemonia dos EUA; anal, nenhum país conta com a in raestrutura militar necessária para exercer o control

    aqueles e, assim, somente os EUA têm a capacidade de projeção de orçeventuais conitos em praticamente qualquer lugar do globo. Frente à reção da IV Frota, as reações de grande parte dos países latino-americanos contrárias à atitude dos EUA. Ademais, além do restabelecimento da IV os EUA arrendam a ilha de Ascensão – de posse inglesa.

    A lógica da ampliação e ortalecimento do Southcom é semelhanteorma ocial e contemporânea oi lançada em 1963; entretanto, den

    Comandos Unicados Combatentes, sempre tivera menos recursos (Maet al. 2009). Em 1990, o Southcom estabeleceu como objetivo o comba

    ameaças “emergentes” e “não tradicionais”, dentre as quais destacava-se ode drogas. Segundo okatlián (2009), os Estados Unidos alteraram, com da Guerra Fria, seu “inimigo” na América Latina: com a queda da URalvo no tráco de drogas/narcoguerrilha, e a guerra às drogas se tornou uprincipais pilares da política dos EUA para a América Latina, especicEstratégia Nacional de Controle às Drogas (National Drug Control StrategGeorge W. Bush. Foi com base na cunhagem do conceito de “narcoguerrque o Southcom ampliou suas unções na região13. Se, em 1997, expandiu-se

    13 Em 2002 o Congresso dos EUA aprovou a ampliação de seu escopo, à medida que autque as capacidades antes utilizadas para o combate à droga ossem, a partir de então, utilizcombater o terrorismo e a narcoguerrilha (Battaglino 2009). A materialização de tais mu

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    para incluir o Mar do Caribe e o Gol o do México, atualmente o Comando tra-balha conjuntamente com a IV Frota 14. Dentro dos objetivos estabelecidos peloSouthcom, de manter a capacidade de operar nos espaços, águas internacionaisar e ciberespaço comuns mundiais e a partir deles, em outras palavras, mantero comando dos espaços comuns (Bataglino 2009, 37), a cooperação entre oComando e a Frota é undamental.

    Com as operações navais da IV Frota, os Estados Unidos complementam o anelde bases militares, que envolve Comapala, em El Salvador; Guantánamo, emCuba; Comayuga, em Honduras; Aruba, em Curaçao; e Manta, no Equador, deonde deverá ser trans erida para a Colômbia. (Bandeira 2008, 16).

    Destarte, percebe-se que há concomitantemente um es orço progressivopara que a região do Atlântico Sul se unda com a região do Atlântico Nortee em direção a um processo de militarização das relações dos EUA com a costocidental do Atlântico Sul. Na outra margem do Atlântico, os EUA têm atuadode maneira relativamente semelhante. A criação do A ricom, em outubro de2008, representa o es orço pelo controle da costa oriental do Atlântico Sul. Sedurante a Guerra Fria, a Á rica encaixava-se unicamente nos interesses estratgicos dos EUA de contenção do comunismo soviético, com a queda da URSSo continente passou por uma ase de esquecimento por parte da superpotênciaamericana 15. Entretanto, após os atentados terroristas supracitados, a políticaexterna estadunidense para a Á rica alterou-se pro undamente, pois ganhonovas proporções à medida que o país passou a identicar uma série de inter-esses estratégicos no continente. A Á rica passou a constar como região de priridade nas Estratégias de Segurança Nacional de 2002 e 2006. Desta maneira,o A ricom oi criado, segundo o próprio Comando, como erramenta para assgurar os interesses estadunidenses na Á rica (Ploch 2011). Para atingir tais objtivos, o A ricom realiza operações de cooperação com as Forças Armadas dpaíses a ricanos e, quando necessário, empreende ações militares para a de esaseus interesses (Deen 2013). Segundo o Departamento de De esa, os principaitemas que interessam aos EUA na Á rica, e que zeram com que a política dest

    oi a aplicação do Plano Colômbia, representando a presença militar estadunidense na Amazônie a manutenção de grande presença militar no Peru, no Suriname e na Guiana (Bandeira 2008).14 O comando conta atualmente com 17 instalações de radar (principalmente na Colômbia e noPeru), três Espaços de Segurança Cooperativa (CSLs Aruba, e Comalapa) e duas Bases Militare(Guantánamo, em Cuba, e Soto Cano, em Honduras) (Battaglino 2009, 36).15 A sede ocial do Comando ca numa localização próxima à cidade de Stuttgart, na Alemanhatal ato decorre da recusa por parte de todos os países a ricanos em sediar o Comando, temendo consequências para as balanças de poder regionais a ricanas (Nathan 2009).

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    para o continente mudasse, são: petróleo, expansão do terrorismo16, conitosarmados, entre outros (Ploch 2011). Pelos motivos já comentados, os EUAum crescente interesse no petróleo a ricano. Entretanto, é importante deque, anteriormente à criação do A ricom, grande parte do Norte e do a ricanos eram cobertos pelo Eurocom ou pelo Centcom. Contudo, reascensão dos países do Gol o da Guiné como ornecedores de petróleo aoestes prontamente es orçaram-se para institucionalizar a militarização nonente, baseando-se no A ricom: percebe-se que há o interesse vital, por pComando, em assegurar o ornecimento seguro de petróleo à potência.

    Desde o anúncio da undação do Comando, houve uma série de decções por parte dos países e de organizações, como será tratado na seção “

    Internacionais Prévias”. Além disso, muitas críticas têm sido levantadas às reais intenções e consequências do A ricom. Primeiramente, poucospolíticos a ricanos realmente creem que os objetivos do Comando são lizar o continente a ricano, e grande parte dos países o vê como uma de os EUA assegurarem o controle do uturo da Á rica, considerada a

    ronteira de exploração e investimentos” – ou seja, uma orma de neocoismo (Nathan 2009). Destacam-se também as críticas emitidas pelos a rà maneira da criação do Comando – uma declaração unilateral do governEUA, sem qualquer tipo de diálogo ou transparência com os Estados a r

    (Nathan 2009). Ainda, teme-se que a criação do A ricom e a presença mestadunidense no continente esvaziem as instituições decisórias e de diáloEstados a ricanos. Anal, em casos como nos conitos na Líbia, em 2no Mali, em 2012 e 2013, o Comando estadunidense e os EUA ignoraradecisões de organismos como a União A ricana (Nathan 2009). Desta há a possibilidade de o A ricom tornar-se o centro dinâmico-securitário ae, consequentemente, os países a ricanos carem marginalizados nos prdecisórios acerca do próprio continente.

    Nota-se que, dos dois lados do Atlântico Sul, os EUA vem ortalec

    sua presença militar na última década. O crescimento da importância esgica do Oceano para a potência norte-americana ez com que este adotasabordagem que, muitas vezes, choca-se com as perspectivas dos países co

    2.2.2 A PRESENÇA BRITÂNICA NO ATLÂNTICO SUL

    O Atlântico Sul exerceu papel central para o estabelecimento do im

    16 Dentre estes os grupos terroristas mais importantes na Á rica, estão a Al-Qaeda, o Al-Islamic Maghreb (AQIM), o Al-Shabab e o Boko Haram.

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    ultramarino britânico. Para a consecução deste objetivo, os estrategistas daMarinha Inglesa acreditavam que o Reino Unido deveria controlar rotas maríti-mas estratégicas (Penha 2011). Deste modo, ao longo de sua história, o ReinoUnido estabeleceu uma presença territorial destacada na Bacia do Atlântico Sul, oque lhe con ere capacidade estratégica singular atualmente, superior, inclusive, apróprios países costeiros. Em razão disso, mostra-se necessária uma investigaçãdeste cenário estratégico e, à luz de um estudo de caso da Guerra das Malvinas, omapeamento dos constrangimentos con eridos ao concerto sul-atlântico.

    O Reino Unido possui uma das marinhas mais bem equipadas do mundo.De acordo com o IISS (2013, 187-188), a Marinha Britânica dispõe de umativo de 32 mil homens, é dotada de onze submarinos, sendo quatro deles nucle-

    ares, cinco destróieres, treze ragatas, 22 navios de patrulha e de esa costei41 navios an íbios, 16 navios destinados a guerra de minas, e 10 navios paralogística e suporte. Dois porta-aviões estão em ase de construção e devem secomissionados a partir de 2017, o que tende a exacerbar a presença britânica nabacia sul atlântica. O Reino Unido possui também orças atuando no AtlânticoSul, especialmente nas ilhas Malvinas, onde há cerca de 1500 soldados permanentes, um navio patrulha e um navio escolta, e eventualmente um submarinoem Ascensão e Serra Leoa, com aproximadamente 20 soldados em cada. Alémdisso, há também um destróier em estado de patrulha permanente no Atlântico

    Sul (Guimarães 2014; Faria 2011).

    2.2.3 AGUERRA DAS MALVINAS

    Para compreender os atores que desencadearam a Guerra das Malvinas, énecessário investigar as mudanças que se perpetraram dentro do governo argentino. O governo militar que tomou o poder nos anos 1970 deu centralidadeaos assuntos geopolíticos, dentre eles a disputa com a Grã-Bretanha pelas ilha

    Malvinas17

    . As disputas territoriais entre a Argentina e a Inglaterra oram sendoexacerbadas à medida que se agravava a crise nacional nos dois países. A invasdas ilhas Malvinas pela Argentina, em 02 de abril de 1982, teve um ator relevantque oi o descontentamento com o regime militar do então presidente, LeopoldoGaltieri, no sentido que a reconquista de territórios historicamente contestadospossibilitaria a reaproximação do governo com a sociedade. Da mesma orma,

    17 Os geopolíticos argentinos de endiam a ideia da Atlantártida. De acordo com esta ideia, a pro jeção de poder nacional se daria através do triângulo Prata-Malvinas-Beagle, permitindo à mesmmanter inuência sobre a bacia do Prata e controlar a rota do Cabo Horn – a partir das Malvinas edas ilhas periantártidas – e a Antártica. Os objetivos argentinos estavam, entretanto, bloqueados pelGrã-Bretanha, que controlava as ilhas Malvinas, Shetlands e Geórgia do Sul (Penha 2011, 136-137)

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    governo neoliberal de Margaret Tatcher encontrava-se em uma situação de ginalidade internacional – por conta da racassada intervenção militar node Suez e da ida ao Fundo Monetário Internacional (FMI) – e descontentaminterno – em virtude da crise econômica e social que se desenrolava no país 2011; Espósito Neto 2005). Ademais, em um quadro de novo aumento nos pdo petróleo, desembocada a partir da Revolução no Irã, em 1979, e da GIrã-Iraque, em 1980, as perspectivas de exploração petrolí era no arquipélatlântico tornava seu controle ainda mais importante (Kerr de Oliveira 201

    O estopim para o conito armado, que já vinha sendo orquestracomeçou com um escândalo envolvendo a expulsão de um grupo de trabalhargentinos nas ilhas Geórgia do Sul, em 19 de março de 1982. Em virtud

    o ensa britânica, os militares argentinos, juntamente com o Che e de Opdo Estado Maior, Mario Benjamín Menéndez, decidiram executar a “Ope Azul”, que consistia no desembarque de militares nas ilhas Malvinas, a expulsar os militares e ociais britânicos e retomar seu direito sobre o arquisem exercer violência. O desembarque argentino aconteceu ao sul das ilhacinco mil soldados, que, sem diculdade, dominaram a ilha (Coconi 2007)

    No dia seguinte, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovresolução número 502, exigindo a retirada imediata das orças argentinas sar das hostilidades. Em 26 de abril, por sua vez, a Comissão de rabal

    Con erência de Ministros de Relações Exteriores do IAR adotou uma resem que se respaldava a reivindicação de soberania argentina sobre as ilhas, eo m das hostilidades pelo Reino Unido e o m do conito. Essa resoluçã17 votos a avor e 4 abstenções, dentre elas os Estados Unidos (Coconi 20007 de abril, a Grã-Bretanha anunciou o bloqueio naval de 200 milhas em da Argentina, e em 10 de abril a Comunidade Econômica Europeia anunembargo sobre os produtos argentinos, sendo a União Soviética o único paíapoio à Argentina.

    Em 25 de abril, a Grã Bretanha retomou a soberania sobre as ilhas Geórgia

    danicando seriamente o submarino argentino Santa Fé, e, em 29 de abril, atinMalvinas, impondo bloqueio naval total. Em 30 de abril, os EUA abandonaram a ndade e suspenderam a ajuda militar e econômica à Argentina, desestruturando osolidário proposto pelo IAR. A o ensiva britânica sobre as ilhas Malvinas teve inde maio. Neste momento do conito, oi a undado o cruzador argentino General Bevento de desestabilização da rota argentina. Em 29 de maio, teve início a o ensivem direção à capital Port Stanley, que oi retomada em 14 de junho. As orças argrenderam no dia seguinte (Coconi 2007; Nackle Urt 2009).

    A Guerra das Malvinas oi um dos momentos mais importantes na históamericana e atesta a ragilidade dos países do Atlântico Sul em lidar com ingerênnas. Em termos estratégicos, o conito evidenciou a importância da interdependên

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    o poder aéreo e o poder naval e a centralidade do navio aeródromo para a vitória britânica18.Os submarinos nucleares da Marinha Britânica também oram essenciais, pois garantiraa zona de exclusão em torno das ilhas Malvinas. O míssil antinavio AM39 Exocet, utilizapela Argentina, comprovou a ecácia da combinação REVO (arranjo entre aeronaves dpatrulha marítima, de diversão e de ataque) e sua capacidade em causar baixas em veícude super ície. Por m, ao analisarmos os meios de combate dos oponentes, percebe-se quGrã-Bretanha tinha superioridade na comparação dos poderes combatentes navais e aéreoparticularmente porque seu equipamento era mais moderno e ecaz19.

    2.2.4 APRESENÇA MILITAR EXTRARREGIONAL E A MILITARIZAÇÃO:A FRANÇA NO ATLÂNTICO SUL

    Ainda que em menor proporção, quando comparada aos EUA e à Grã-Bretanha, a presença rancesa no Atlântico Sul é bastante signicativa. Comdemonstrado, a potência europeia mostra interesse nos dois lados do Atlântico: nacosta sul-americana, a materialização disto se deu na Guerra da Lagosta, iniciadem 1961, e na posse até hoje de um território ultramarino no Oceano, a GuianaFrancesa. É na costa a ricana, entretanto, que cam claros os interesses ranceses pOceano. Desde que oram concedidas as independências aos Estados a ricanos qtinham a França como metrópole, esta busca assegurar sua inuência por diversomeios e instrumentos sobre os países nascentes. Desde então, houve a ormaçã

    daquilo que Verschave (2004) denominou de França rique, uma “rede através daqual oram estabelecidos diversos sistemas de dominação, com o objetivo de manta dependência dos países a ricanos em relação à antiga metrópole” (Oliveira, Sile Paludo 2013, 164). Ainda segundo Verschave (2004), os principais objetivos daatuação rancesa no continente a ricano eram a obtenção de Estados-clientes eaquisição de matérias-primas. Uma das principais materializações da dependêncidas ex-colônias em relação à França é a criação da Comunidade Financeira A ricanou Zona do Franco, que adota o Franco CFA como moeda.

    Ainda que, segundo o próprio autor do termo, a França rique tenha se

    desmontado de maneira consistente ao nal da Guerra Fria, grande parte dadependência dos países a ricanos em relação à França permanece até hojeConcomitantemente, muitos dos interesses e instrumentos ranceses na região

    18 “Ficou demonstrado que navios de guerra e aviões de ataque têm vantagens e desvantagens nocumprimento de suas missões: navios se deslocam a 500 milhas por dia e aeronaves de ataque a jata 500 milhas por hora, mas enquanto as aeronaves só podiam cumprir suas missões num período dehoras, navios e submarinos permaneceram na área de conito durante semanas” (Poder Naval, 2014)19 Para maiores detalhes a respeito do balanço das orças, consultar: http://www.naval.com.brblog/2010/02/19/malvinas-a-questao-esta-de-volta/.

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    permanecem vivos20. A manutenção de relações comerciais assimétricas e vínculos de dependência econômica são exemplos disto. Além disso, dese a manutenção das intervenções militares. No Livro Branco de DeFrança, de 2008, o chamado Arco das Crises – que comporta as regiõOriente Médio, do norte da Á rica e da Ásia Central - é en atizado como zinteresse rancês, sendo a estabilidade de diversos países sob inuência

    undamental para a manutenção do status da França como grande potêNota-se, assim, que a Á rica continua undamental para a estratégia globcesa. A partir de 2002, o país realizou intervenções na Costa do Marmlevaram, em 2011, à queda do ex-presidente Laurent Gbagbo, no Chade, dsas intervenções na República Centro A ricana, na Líbia (em cooperação

    O AN e com o A ricom) e, mais recentemente, no Mali. Atualmente, a Fmantém suas tropas no último país mencionado, desde a intervenção einício de 2013 por meio da Operação Sérval, bem como na República C A ricana, país no qual ao qual a potência europeia tornou a intervir mmente em 2013. Ainda, a França até hoje atua em missões de paz lideradaONU na Costa do Marm e na República Democrática do Congo. Finalmea França possui uma base militar permanente no Gabão e uma base no Se– as chamadas Les Forces Française du Cap Vert; assim, quase metade das

    rancesas ora do continente europeu encontra-se na Á rica (Borba, et al

    Além dos interesses e da inuência rancesa na Á rica, a França se azno Atlântico Sul em unção da posse da Guiana Francesa. O território oi rancesa até 1946, quando tornou-se um departamento ultramarino ran

    principal e a mais dinâmica atividade no departamento é a presença do CEspacial de Kourou, o centro de lançamentos da Agência Espacial Euro21. Ainda, a importância da Guiana Francesa é destacada em unção da rati

    rancesa da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOque lhe dá o direito dá exploração dos recursos marítimos da região.

    Ademais, segundo Borba et al (2013, 134), enquanto a França tem

    ças terrestres pouco signicativas, a Força Aérea e, principalmente, a Mrancesas azem com que o país seja considerado uma potência relevanúltima passa atualmente por um processo de modernização, no qual a buscdesenvolvimento tecnológico é priorizada. Além disso, o porta-aviões CDe Gaulle, importante instrumento para projeção de orças, é capaz de ca

    20 Dentre estes, destaca-se o interesse rancês em petróleo e em metais, principalmente ndo Níger, o qual tem grande relevância para a segurança energética da França, já que deleum quarto da energia elétrica do país (Melly e Darracq 2013).21 O centro, operacional desde 1968, é de extrema importância para a Agência Espac

    unção da sua latitude – extremamente próxima à linha do Equador –, o que az do manusatélites mais simples e menos custoso.

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    até 40 aviões de combate. Concomitantemente a isso,

    (...) um acordo militar oi rmado entre França e Grã-Bretanha. Conhecidocomo Entente Frugale, visa à coordenação das orças armadas de ambos ospaíses nos seus diversos níveis de atuação [...]. O desenvolvimento de uma sólidabase industrial de de esa, bem como a consolidação de uma doutrina militarconjunta, conguram os eixos norteadores da aproximação ranco-britânica(Borba, et al. 2013, 133).

    Em 2006, o então presidente rancês, Jacques Chirac, ez mudanças signicativas na doutrina rancesa, trazendo a dissuasão e a retaliação nuclear paprimeiro plano na estratégia nacional. Ao mesmo tempo, declarava uma estratégide prevenção e, se necessário, intervenção contra países emergentes, especialmencontra aqueles Estados que, segundo a perspectiva rancesa, pactuam com o terrorismo (Yost 2006).

    2.3. ATUAÇÃO DOS PAÍSES COSTEIROS DO ATLÂNTICO SUL FRENTE ÀPRESENÇA DE POTÊNCIAS EXTRARREGIONAIS

    Desde a criação da ZOPACAS, os países costeiros do Atlântico Sul vêmsomando es orços para a consolidação de uma arquitetura institucional que resultna retirada – ou, ao menos, diminuição – da presença de potências extrarregion-ais no Atlântico Sul. Entretanto, para que as potências extrarregionais de ato sretirem do oceano, é necessária uma capacidade dissuasória dos países costeiro Anal, se as Forças Armadas dos países costeiros não têm capacidades mínimapara evitar ingerências externas, as grandes potências mencionadas acima sentemse capazes de ocupar o “vazio, mesmo que declarações legais de instituições coma ZOPACAS demandem o contrário. Assim, cabe averiguar quais medidas estãosendo tomadas pelos países para que haja a alteração do status quo.

    Nos últimos 15 anos, muitos países costeiros do Atlântico Sul vêm buscandoum processo de modernização de suas Forças Armadas. O Brasil é um dos exemplodesde o início do primeiro governo de Lula da Silva, mas, principalmente, após adescoberta dos recursos naturais na camada do pré-sal, o governo brasileiro vempublicando uma série de legislações que mudaram consideravelmente a políticde de esa brasileira. Busca-se um processo de modernização das Forças Armadconcomitantemente à utilização destas como um instrumento de inclusão social,de desenvolvimento sócioeconômico e de inovação tecnológica. Assim, objetiva-a superação nas Forças Armadas da dependência tecnológica, especialmente do

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    EUA 22, com vistas à criação de uma indústria de de esa autônoma.No que tange ao Atlântico Sul, o Brasil desenvolveu o conceito de Ama

    Azul, área sobre a qual busca manter sob sua soberania. Para tal, a MarinBrasil vem desenvolvendo uma série de projetos, dos quais se destacam os brasileiros pelo aumento da rota de submarinos convencionais e pela crium submarino nuclear. Para isto, sublinha-se o Programa de DesenvolvimeSubmarinos, que objetiva lançar ao mar em 2016 quatro submarinos convenais Scorpène de tecnologia rancesa a ser trans erida ao Brasil, e, em 2submarino nuclear (BRASIL, 2012). Ainda, importa ressaltar a busca brapela duplicação de sua rota naval a partir da criação de uma Segunda Ese de uma Segunda orça de Fuzileiros a ser sediada no Norte/Nordeste d

    Finalmente, destaca-se a nova política da Marinha do Brasil de reaparelhbaseada na construção nacional como prioridade e na busca de compras nacionais com trans erência de tecnologia, evitando as tradicionais commaterial sucateado de potências como Estados Unidos.

    Outro país que tem aumentado paulatinamente sua atenção às For Armadas é Angola. O país saiu de sua guerra civil em 2002, com a vitóMPLA sobre a UNI A. As orças, anteriormente rebeldes, da Unita integraàs Forças Armadas angolanas, aumentando grandemente o número de eespecialmente do exército. À vista disso, Angola tem atualmente o segundo

    exército dentre os países da Á rica subsaariana, perdendo apenas para a ReDemocrática do Congo (RDC)23, além de ter o maior número de orças de segrança por habitante (Silva 2012). Ainda segundo Silva (2012), as Forças Aangolanas atualmente são bastante experientes em unção da longa guerpela qual o país passou. Angola aumentou consideravelmente seus gastoinvestimentos militares24. Contudo, uma das maiores ragilidades das FAA Marinha. Anal, se as FAA oram modeladas para o combate durante a civil, esta não se estendeu a cenários marítimos de guerra. Assim, Angola contar com uma de esa antinavio com patrulha aérea controlada pela Força

    em unção da alta de navios e vetores conáveis na sua Marinha (Silvaais atos zeram com que o país aumentasse recentemente os gastos na desenvolvesse importantes parcerias no setor, como a Namíbia e o Brasil. N

    22 Anal, o Brasil tradicionalmente importa produtos já não mais utilizados pelos EUA preço, porém sem trans erência de tecnologia.23 Segundo Silva (2012), apesar de RDC ter o maior exército dentre os países a ricanos, se dá em unção de uma ampliação recente, iniciada em 2008, do número de e etivos do Apesar disso, segundo o autor, o exército da República Democrática do Congo, segundo é bastante ine etivo para a segurança do país.24 Em 2010, superou a Á rica do Sul no quesito em termos de valores absolutos, e, emproporcionais ao PIB, o país tem o maior gasto da Á rica austral (Silva 2012).

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    Aérea, entretanto, Angola tem capacidades mais avançadas, principalmente emunção da posse de aeronaves de quarta geração, como o Sukhoi Su-27 Flanker.

    Na Á rica, existem outros países que se destacam em termos de Forças Armadas. Dentre eles, o principal é a Á rica do Sul, o qual tem as Forças Armadmais bem equipadas em termos tecnológicos. Di erentemente de Angola, aMarinha sul-a ricana conta com números signicativos, especialmente de ragae submarinos. Entretanto, as capacidades da Marinha sul-a ricana são divididaentre o Oceano Índico e o Oceano Atlântico, o que az com que o país querelativamente mais rágil no Atlântico Sul. Outro ator undamental de se destaccomentar acerca da Á rica austral é o estabelecimento, em 2008, da South A ricDevelopment Community Standby Brigade (SADCBRIG), orça que opera sob

    responsabilidade da SADC e da União A ricana e é composta por 6.000 soldados advindos dos países da instituição (Silva 2012). Importa notar que o estabe-lecimento da SADCBRIG se deu em um momento em que os EUA já discutiaminternamente e planejavam o lançamento do A ricom. Já a Nigéria, por sua veztem atualmente a Marinha mais orte dentre as a ricanas, ainda que muitos doequipamentos requeiram um processo de modernização em unção do estado dedeterioração (IISS 2013). O país é um poder econômico e militar crescente noGol o da Guiné e capitaneia o processo de integração regional, materializado atualmente na ECOWAS25.

    Outro ator que deve ser levado em consideração é a cooperação sul-sul entros países da ZOPACAS. Dentre os casos de cooperação sul-sul, destacam-se acontemporâneas relações entre o Brasil e diversos países a ricanos. Há mais de umdécada, o Brasil ampliou consideravelmente as relações com o continente a ricanpassando a cooperar com a Á rica direcionando seus investimentos para setorede longo prazo, especialmente para as áreas de in raestrutura e para setores daForças Armadas. Além da indução do Estado brasileiro, a partir de suas empresaestatais, o Brasil tem atuado ortemente em ações de cooperação militar, dentre aquais se destacam a venda de aviões Super ucano para Angola, o apoio do Bras

    na estruturação de grande parte da Marinha da Namíbia, os acordos de coopera-ção bilaterais rmados entre Brasil e Angola, Namíbia, Nigéria, Senegal e GuinEquatorial, o desenvolvimento conjunto entre Brasil e Á rica do Sul do míssiar-ar, denominado Projeto A-DAR ER, entre outros (MRE, 2011).

    Outras iniciativas bastante signicativas empreendidas pelos países-membros são os exercícios militares conjuntos ocorridos nos últimos anos.

    radicionalmente, os exercícios navais que têm o Atlântico Sul como palco sãocomandados pelos EUA. Exemplos disso são o exercício Unitas, que atualmentetem ocado em combate a problemas como terrorismo, imigração ilegal e o trác

    25 A região do Gol o da Guiné e, mais especicamente, as capacidades militares da Nigéria, sermelhor trabalhados no tópico B deste guia.

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    de drogas internacional; o exercício Obangame Express, o qual tem expao número de países membros, especialmente europeus (Lopes 2014); e o de Coordenação da De esa do rá ego Marítimo, criado sob escopo do(Penha 2011). Contudo, nos últimos anos, os países costeiros do Atlântictêm empreendido alguns exercícios conjuntos de maneira mais autônoma. Ddestacam-se o Atlasur, desenvolvido por Brasil, Argentina, Uruguai e ÁSul, e o Fraterno, que reúne Brasil e Argentina, com o objetivo de estreitar ações entre as duas marinhas (Penha 2011). Outra iniciativa de importância exercícios Ibsamar, desenvolvidos sobre o escopo do IBAS e, portanto, envoÍndia, Brasil e Á rica do Sul, que destacam-se por comportar, além do exum órum de cooperação marítima.

    Nota-se, assim, que nos dois lados do Atlântico Sul há movimentaçõeprol da modernização de suas Forças Armadas, especialmente capitaneadpaíses chaves como Brasil, Á rica do Sul, Nigéria e Angola. Por outro laevidente que há a tentativa da superação da dependência tecnológica das potradicionais, como os países europeus e os EUA. Um dos principais instrumpara isto é a cooperação sul-sul. Com esta, os países-membros da ZOPACAdesenvolvido relações menos assimétricas e, consequentemente, mais prpara seu desenvolvimento, seja este econômico, social ou tecnológico.

    Por outro lado, ainda que as diversas mani estações e ações em prol d

    cupação do Atlântico Sul por parte de potências extrarregionais e as atitudecionadas acima tenham sido tomadas, os países costeiros ainda se encontrsituação de grande vulnerabilidade rente às grandes potências, principalmque tange a temas militares e econômicos. Além da já mencionada depenàs grandes potências em relação à tecnologia, muitas das economias a ricapaíses membros da ZOPACAS, em unção das gigantes reservas de petróextremamente dependentes do recurso natural, ato que az com que tais sejam muito dependentes das demandas externas pelo hidrocarboneto. Exdisso é a economia angolana, a qual, entre 2005 e 2007, teve um crescim

    do PIB próximo a 20% e, em 2008, com a crise internacional, en rentoudesaceleração que levou a uma queda para o crescimento de aproximada0,1% ao ano (Silva 2012). Além disso, ainda que alguns países, como Brasildo Sul, e Argentina, tenham capacidades militares signicativas, estes repreuma porcentagem pequena rente ao restante dos países-membros da ZOPAgrande parte dos países da instituição ainda tem Estados racos, que não cuem dar condições básicas de saúde, educação, alimentação e in raestrusuas populações. Consequentemente, são países com economias rágeis Forças Armadas são vulneráveis. Anal, após o “triun o” e a propagação nda década de 1990, os poucos Estados a ricanos que tinham, de maneiraconsistente, alguma capacidade estatal, diminuíram-na. As consequência

  • 8/17/2019 A PRESENÇA DE POTÊNCIAS EXTRARREGIONAIS COMO AMEAÇA À MANUTENÇÃO DA ZONA DE PAZ E COOPERAÇÃO…

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    ZONA DE PAZ E COOPERAÇÃO DO ATLÂNTICO SUL

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    são sentidas até hoje, com as ainda presentes e constantes guerras civis e conitoarmados (Kerr de Oliveira 2010).

    3 AÇÕES INTERNACIONAIS PRÉVIAS

    A militarização de origem externa ao Atlântico Sul ainda não produziudeclarações ou resoluções especicamente contrárias à presença estrangeira nregião, exceto quando se trata de zonas disputadas, como as Ilhas Malvinas, oudo caso do A ricom, sobre o qual os países a ricanos so reram maior constranmento e acabaram tendo de se pronunciar. Entretanto, os países que pertencemgeogracamente ao Atlântico Sul tem reiterado o interesse em protagonizar eresolver os problemas da região por si sós, através da cooperação. Ou seja, éesse tipo de ação internacional prévia que tem sido construída no que tange àmilitarização do oceano, uma reação indireta à ingerência extrarregional na áreaou mais direta e especíca como nos casos citados. As ações estão subdivididade acordo com suas respectivas regiões e organizações: a própria ZOPACASe as duas costas do Atlântico Sul: a América do Sul e a Á rica. Como carclaro, cada uma dessas es eras regionais tem tratado da militarização exógena n Atlântico Sul de uma orma distinta, embora estejam unidas pela ZOPACAS.

    3.1 ZONA DE PAZ E COOPERAÇÃO DO ATLÂNTICO SUL

    Como mencionado anteriormente, a criação da ZOPACAS por meio daresolução n. 41/11 da AGNU, em 1986, deu um primeiro passo no sentido dedeclarar oposição à presença de armas nucleares e construção de bases estrangeras na região. Depois de anos de baixa articulação entre os países do grupo, a jcitada Iniciativa de Luanda convergiu na VI Reunião Ministerial da ZOPACAS,

    em 2007, quando oi elaborado o Plano de Ação de Luanda, que deveria servicomo guia até a r eunião seguinte. O Plano oi incorporado pela resolução n.61/294 da Assembleia Geral das Nações Unidas e rearma a cooperação entreEstados, especialmente os pertencentes à região, como a melhor orma de resolução de problemas no Atlântico Sul (UN 2007). Foi igualmente re orçada ainter-relação e inseparabilidade das questões de paz e segurança com as de desenvolvimento. Assim, a ZOPACAS não oi apenas revitalizada em seu sentidopolítico, como também começou a dar um ormato mais securitário aos seusobjetivos. A Reunião Ministerial de 2007 também criou 4 grupos de trabalho da

    ZOPACAS: (i)