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A Política Colonial Portuguesa em Angola

Autor(es): Ferreira, Vicente

Publicado por: Imprensa da Universidade de Coimbra

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PUBLICAÇÕES DO MUSEU MINERALÓGICO E GEOLÓGICODA

UNIVERSIDADE DE COIMBRA

N.° 7

Memóriase Notícias

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE

COIMBRA

1932

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A Política Colonial Portuguesa em Angola

PELO

Coronel VICENTE FERREIRA

I

PREÂMBULO (1)

Ex.m0 Sr. Presidente,

Minhas Senhoras,

Meus Senhores:

i. — Um sintoma de bom augúrio para o futuro das coló­nias portuguesas é este de partir da sua primeira Universidade a iniciativa de um curso de Geografia Colonial. Conjugando este facto com a tão útil, — quási diria arrojada — iniciativa do Ex.mo Sr. Dr. Carrisso, ao promover a sua primeira excursão científica em Angola, e com a missão geológica executada nas Ilhas de S. Tomé e Príncipe pelo Ex.mo Sr. Dr. Ferraz de

(1) As primeiras palavras do Conferente foram de agradecimento ao Ex.m0 Sr. Dr. Anselmo Ferraz de Carvalho pelos termos em que fez a sua apresentação, e ao Ex.mo Reitor e Corpo Docente da Universidade, pela honra que lhe dispensaram, transformando numa conferência na «Sala dos Capelos» o que, inicialmente, não devia passar de uma lição, ou simples palestra, feita perante os alunos do Curso de Geografia Colonial.

Imprime-se o texto da Conferência, tal como o autor pretendia lê-la, embora na exposição oral, êle tivesse resumido a matéria das partes IV e V. Na impressão juntam-se, agora, algumas notas bibliográficas e expli­cativas. (Nota do autor.)

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Carvalho, ambos da Universidade de Coimbra, é lícito con­cluir que os problemas coloniais, até há pouco só debatidos num restrito meio de políticos, funcionários, comerciantes e homens de aventura, começam a interessar vivamente as altas mentalidades científicas de Portugal. Quanto esta evolução importa para o futuro da nação e dos seus domínios do ultramar, escuso encarecê-lo neste lugar e perante este audi­tório. Por mim tenho esperanças de que as novas gerações, educadas por mestres ilustres como os desta Universidade, e imbuídos dos métodos das ciências lógico-experimentais, nos livrem definitivamente do empirismo grosseiro e petulante e das nebulosas concepções metafísicas que têm orientado a po­lítica colonial portuguesa.

Por esta perspectiva me rogozijo, e felicito vivamente os iniciadores do novo movimento colonial universitário.

Pena foi que no actual ano fosse escolhida para colaborar na série de conferências, pessoa de tão escassa ciência e de tão minguadas faculdades de exposição, que se vê obrigada, para não titubear, a ler a enfadonha conferência que ides ouvir.

2. — Multiplicidade dos problemas.—Se, como disse não sei que escritor inglês, toda a questão tem pelo menos seis faces, — é hexaédrica — , o fenómeno social-geográfico que se chama a colonização é mirioédrico (perdoem-me o neologismo); possue dez mil facetas que são outros tantos problemas, com tantas incógnitas quantos os factores que formam o produto complexo, que se chama a civilização. Com efeito, «colo­nizar»,— no sentido moderno, — não é mais do que edificar, desde os fundamentos, e com todos os seus órgãos, uma nação civilizada num território selvagem. Aumenta a complexidade do problema a coexistência e as mútuas reacções de duas raças de mentalidades tão opostas e incompreensíveis uma para a outra, que há o perigo, — não imaginário, mas real — ,

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da raça dominadora eliminar a raça dominada, só por uma espécie de acção catalítica.

E, como se sabe, um fenómeno averiguado, que a simples presença dos homens brancos, na África tropical, provoca a desagregação das sociedades indígenas e o definhamento das populações, e este problema é de capital importância para a solução de todos os outros.

3. — Grande embaraço é, pois, o do conferente chamado para tratar, numa simples palestra, dos problemas relativos a uma colónia, sobretudo quando esta possue a extensão de ter­ritório, e a variedade de climas e de produções de Angola, e quando a boa compreensão de certos problemas, — de actual relevo —, só é possível mediante a exposição prévia, metódica e quiçá enfadonha, de outros problemas conexos.

Limitar-me a uma descrição mais ou menos pitoresca dos aspectos físicos e climáticos de Angola, com anedotas e foto­grafias, parece-me mesquinho em atenção ao lugar e ao audi- ditório; embrenhar-me no estudo científico de geografia econó­mica de Angola, não o posso fazer pela minha incompetência na matéria; abordar os problemas das finanças, da moeda, do crédito, das obras, do fomento..., era intrometer-me em questões de política positiva e actual, e não o devo fazer em atenção a mim próprio. Tudo bem considerado, resolvi tratar, — com aprovação do Ex.mo Sr. Dr. Ferraz de Car­valho —, do problema da Política Colonial Portuguesa, o qual, embora considerado sob o ponto de vista particular da colonização de Angola, pode figurar como uma espécie de complemento, ou extensão do Curso de Geografia Colonial.

Tal é o tema da conferência que ides ouvir, se vos dignardes prestar-me a vossa paciente atenção, que antecipadamente agradeço.

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II

AS IDEIAS MODERNAS SOBRE COLÓNIAS E COLONIZAÇÃO

Meus Senhores:

1. —Pois que pretendo ocupar-me das «Ideias Modernas sobre Colónias e Colonização», é lógico concluir que houve ccideias antigas», Quais eram essas ideias e como se evolu- cionou das antigas para as modernas?

Tanto quanto nos é lícito concluir da leitura dos velhos cronistas e dos historiadores dignos de fé, o objectivo das pri­meiras expedições marítimas portuguesas, no século xv, — a fora a satisfação de uma natural curiosidade —, era alcançar riquezas e ocupar terras. Objectivo materialista e interes­seiro, por essência. As ideias de tutela e de educação das raças, chamadas inferiores, eram estranhas aos objectivos e à moral política da época, em grande parte baseada no direito do mais forte. O apostolado da fé católica entre as popu­lações selvagens da África e da Ásia apenas surgiu, e como propósito secundário, por influência do clero secular e das ordens religiosas.

Ninguém ainda pensou, — creio eu —, em comparar as expedições organizadas pelo infante D. Henrique, com a dos cinco Mártires de Marrocos em 1220, organizada por S. Fran­cisco de Assis. «Senhores da conquista, navegação e comércio» eram os títulos de que se revestia a vã glória dos nossos reis, e correspondiam aos objectivos visados.

2. — Não havia também nos séculos xv e xvi, em Portugal ou em Espanha, um excesso da população em desharmonia com os recursos do território continental, a colocar em terras vagas ou conquistadas. A expansão ultramarina dos povos

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da Península não se assemelhou, portanto, ao enxamear das Colónias gregas da antiguidade, à cleroquia, ou emigração de grupos para fundarem novas cidades e cultivarem novas terras. Se algumas foram povoadas, como as ilhas da Madeira e dos Açores, é porque nessas ilhas desertas, a exploração só era possível fixando nelas a «mão de obra» importada do Reino.

E certo que depois da conquista de Goa, o grande Afonso de Albuquerque pretendeu criar uma população mixta de luso indianos, para assegurar a perenidade do domínio por­tuguês na índia; mas o objectivo do grande capitão era sobre­tudo político, não se podendo classificar a medida como ten­tativa de fundação de uma colónia de povoamento. Seria um contrasenso. Portugal tinha pouca gente e a índia tinha^a de mais.

3. — O descobrimento das ilhas de Cabo-Verde, S. Tomé e Príncipe, nas últimas décadas do século xv, e o descobri­mento do Brasil em 15oo trouxeram uma nova modalidade de colonização: a «fazenda» ou «roça», isto é, a exploração agrí­cola do solo, e mais tarde a exploração mineira. Sabe-se como, pouco a pouco, o Brasil se transformou em colónia de povoamento, sem deixar de ser uma colónia de plantações. O clima impediu idêntica transformação em S. Tomé e Prín­cipe, que ainda hoje se cultivam com mão de obra importada do continente africano.

4. — A ideia da posse ou usufruto exclusivo do comércio e da exploração das terras descobertas e conquistadas foi, como se sabe, a característica dominante da política colonial primi­tiva dos portugueses e espanhóis.

Os outros países, Holanda, Inglaterra e França, que mais tarde disputaram o passo aos dois povos da Península, ado- ptaram a mesma política, única que, aliás, correspondia às ideias da época sobre a riqueza das nações.

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Os direitos de navegação e comércio ultramarinos ficavam reservados, exclusivamente, para as respectivas metrópoles. Os navios das outras nacionalidades apenas eram admitidos nos portos das colónias para fazerem aguada ou repararem avarias. Era considerado delito grave embarcar nesses navios os produtos de cujo trato a metrópole se reservara o mono­pólio, o que deu lugar ao desenvolvimento do comércio de contrabando, — o célebre commerce interloppe dos franceses —, e à pirataria oficial, podemos dizê-lo, porque era favorecida, mais ou menos abertamente pelos estados rivais.

Se a metrópole se arrogava o monopólio das produ­ções coloniais, não era menos ciosa quanto à venda às colónias dos produtos da indústria europeia, nacional e nacio­nalizada.

Este sistema de sujeição absoluta e de exploração exaus­tiva das colónias, constituía — como se sabe —, o famoso pacto colonial, de que ainda há vestígios na legislação e, sobretudo, nas tendências da nossa política ultramarina con­temporânea, e nas ideias expendidas por homens de estado, funcionários, produtores e escritores portugueses, quando apreciam as relações da metrópole com os domínios ultra­marinos.

5. — No decorrer dos tempos, porém, o próprio desenvol­vimento económico das colónias, a difusão dos princípios liberais, e a melhor compreensão dos interesses económicos, criaram nas colónias o espírito de resistência às exigências das metrópoles, e nestas uma concepção diferente dos direitos e deveres das nações colonizadoras. Mas a causa imediata e mais activa da abolição do pacto colonial, pelo menos no seu rigorismo primitivo, foi a pressão exercida pelos países con­correntes, sobretudo pelos que, tendo alcançado um grande desenvolvimento industrial e comercial, cubiçavam os mer­cados coloniais de todo o mundo, para venda dos seus arte­

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factos, e para a aquisição de mate'rias primas, dos metais preciosos e das rendosas especiarias.

ó. — As tradições seculares da colonização portuguesa, foram assim profundamente abaladas. Desde o final do sé­culo xvn que se pronunciara mais activamente o ataque,— nem sempre por meios brandos e leais —, às barreiras que defendiam o monopólio ultramarino.

Foi, porém, no decurso do século xix,— sobretudo na segunda metade —, que toda a política colonial portuguesa teve de sofrer uma transformação completa, sob a pressão, por vezes brutal, de interferências estranhas.

Se a soberania da coroa portuguesa nos vastos territórios africanos, cuja posse reivindicávamos, tinha sido até então muitas vezes atacada e subvertida pelo irrespondível argu­mento da força, os chamados direitos tradicionais à posse dêsses territórios eram, em princípio, reconhecidos por todos os estados civilizados.

7. — Vem aqui a propósito recordar, que até ao meado do século xix, os europeus, portugueses ou estrangeiros, pouco conheciam do interior da África Tropical. Os estabeleci­mentos portugueses em Angola e Moçambique quási se limi­tavam a alguns pontos da orla marítima, onde existiam feitorias, portos de aguada e fortalezas ou presídios, que os seguravam contra os ataques dos indígenas e, sobretudo, contra as em­presas dos corsários franceses e holandeses.

A actividade económica destas colónias, depois que afrou­xara, apagada pelos revezes, a ilusão das minas de prata e de ouro, quási se reduzia ao comércio de escravos, as «pessas», como lhes chamavam, e de alguns produtos naturais do solo. E certo que desde o século xvi, comerciantes, aventureiros e missionários portugueses tinham avançado pelo sertão, per­correndo-o de costa a costa, ou estabelecendo-se entre as

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tríbus negras; mas o que hoje chamaríamos «ocupação efectiva», poucas léguas se estendia para o interior das terras, e só em torno dos presídios do litoral.

Nas relações com os indígenas, a nossa política asseme- lhava-se ao que hoje se chama, na linguagem pomposa das chancelarias, o sistema de protectorados. Fazíamos tratados de amizade e vassalagem com os régulos e deixávamo-los go­vernar as suas tríbus conforme o seu direito consuetudinário; apenas exigíamos que nos dessem liberdade de comércio e de trânsito e, a título de reciprocidade, que nos auxiliassem nas guerras com as tríbus insubmissas.

Os nossos cuidados pelo seu bem-estar e educação moral, limitavam-se ao envio de alguns missionários, franciscanos ou jesuítas, que mais de uma vez pagaram com a vida o zêlo apostólico.

A este tipo de actividade colonial se refere Oliveira Martins no seu livro O Brasil e as Colónias Portuguesas que eu con­sidero uma espécie de elegia da decadência das velhas ideias sobre colónias e colonização.

8. — A primeira lição dos modernos conceitos da política colonial foi-nos dada pela conferência de Berlim (1884-1885).

Como é sabido, saiu dessa célebre conferência o princípio de que as nações soberanas tinham «a obrigação de assegurar nos territórios ocupados por elas nas costas do continente afri­cano, a existência de uma autoridade suficiente para fazer respeitar os direitos adquiridos e, em caso de necessidade, a liberdade de comércio e de trânsito, nas condições em que esta fôr estipulada» (Art.° 35.° da Acta geral da Conferência de Berlim).

E para que não restassem dúvidas no espírito do govêrno português quanto ao valor atribuído aos nossos alegados «di­reitos históricos», fomos informados, em 1887, pelo govêrno britânico, de que a ocupação tinha não só de ser efectiva,

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mas de ser «em força suficiente para manter a ordem, pro­teger os estrangeiros e dominar os indígenas» (1).

Passou a não bastar, portanto, que possuíssemos fortalezas e feitorias no litoral, e celebrássemos tratados de amizade e vassalagem com os sobas e outros potentados africanos, como era da tradicional política, para que nos deixassem explorar tranquilamente o monopólio do comércio de Angola e Mo­çambique.

Impunham-nos de fora, uma nova forma de acção, que se traduzia pela necessidade de avançarmos pelo sertão e de ocuparmos «em força» os territórios cujo domínio supunhamos assegurado por solenes tratados.

A nova política ia-nos custar novos dispêndios de fazenda e vidas, a juntar às que já tínhamos sacrificado para manter o domínio português e propagar a fé católica no interior do Continente Negro.

Contava-se, por-ventura, com a nossa tibieza perante a enormidade do sacrifício exigido, para nos levarem, definiti­vamente, a desistir de empresas coloniais; como se estas não fossem,:— como demonstraremos — , uma condição vital da existência da nacionalidade portuguesa.

9. — A-pesar-de tudo, continuou Portugal a esperar, con-

(1) Nota de lord Salisbury ao ministro inglês, em Lisboa, para ser transmitida ao governo português; «It has now been admitted by all parties to the Act of Berlin, that a claim of sovereignty in Africa can only be maintained by real occupation of the territory claimed. You will make a formal protest against any claims not founded on occupation, and you will say that H. M.’s Governement cannot recognise Portuguese sovereignty in territories not occupied by her in sufficient strength to maintain order, protect fareigners, and control the natives» (Cf. Sir F. L. Lugard, The Dual Mandate in British Tropical Africa, 3.a Ed. — London, 1926, pág. 13). Convém notar que o governo inglês tinha recusado, até àquela data, aceitar a condição da «ocupação efectiva»; mudou, porém, de parecer quando assim conveio aos interêsses da política britânica.

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fiado na justiça e no seu bom direito, que a soberania portu­guesa se poderia manter em todo o território, de costa a costa, de Angola a Moçambique.

Mas da conferência de Berlim derivara, como se sabe, um conceito novo na política colonial: o das esferas de influência, estabelecido por tácito acordo das potências interessadas.

Para assegurar os seus direitos, reconhecidos na conferên­cia de Berlim, e obter o tempo necessário para desenvolver a ocupação «efectiva e em força», celebrou Portugal os tratados de 1886 com a França, de 1887 com a Alemanha e de 1891 com o Estado Independente do Congo, todos com o fim de fazer reconhecer, como esfera de influência portuguesa, os territórios que hoje separam as colónias de Angola e Moçam­bique. É a famosa história do «mapa cor de rosa».

Mas esta nova ilusão também durou pouco. Como um sonho cor de rosa, esvaneceu-se!

O ultimatum, e depois o tratado de n de Junho de 1891, aboliram de vez, pelo direito do mais forte, os apregoados «direitos históricos de Portugal».

Foi a segunda lição!Ficámos sabendo, definitivamente, que, para conservarmos

o pouco que nos deixavam, tínhamos de nos precaver contra as ambições e cobiças dos vizinhos, nem sempre escrupulosos nos meios que empregam para as satisfazer.

Por uma natural reacção, veio substituir-se à doce indolên­cia e à cega confiança nos «tratados» e nos «direitos históri­cos», a inquietação e a desconfiança contra os vizinhos, talvez tão exagerada como o sentimento oposto; mas inteiramente legítima e justificada pelos factos antecedentes, e que outros, dos nossos dias parecem reforçar.

10. — Uma terceira lição pode dizer-se que nos foi dado pelos acordos secretos de 1908 e 1913, celebrados entre a In­glaterra e a Alemanha: — a de que as grandes potências não

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hesitam em ajustar as suas contendas nos lombos dos mais fracos, e que a nossa Fiel Aliada, é tão pronta em ajudar-nos com os seus bons ofícios, nas nossas dificuldades internacio­nais, como a vender-nos, quando por essa forma satisfaz o seu particular interesse.

O que é bom relembrar de quando emquando.Mas algum proveito espero que saberemos tirar desta lição

e da que resultou do tratado de Versailles: a certeza de que, doravante, nos será permitido justificar o nosso direito à posse das colónias, pela acção civilizadora que nelas exercermos, e que por «civilizar» no sentido que a moderna giria internacio­nal, atribui à palavra, se deve entender: —ocupar, apetrechar e explorar economicamente.

A protecção aos indígenas e o aperfeiçoamento moral e social destes, embora figurem sempre no primeiro lugar, nos escritos e discursos dos homens públicos, são apenas, —quando o contrário não convém—, uma simples consequência daquelas obrigações, ou um meio de as satisfazer. Quando o contrário convém, pratica-se a «política de segregação», como na África do Sul; ou aplicam-se aqueles processos mais radicais, que ganharam para os anglo-saxões o merecido epíteto de raça exterminadora.

11. — As ideias modernas sobre colonização, ideias que temos de aceitar, porque elas resultam de circunstâncias polí­ticas, sociais e económicas, superiores à vontade dos indivíduos e das nações, baseiam-se, portanto, no que convencionaremos chamar o princípio do maior benefício, isto é, do maior pro­veito para a civilização em geral.

Êste princípio tende a restringir o direito de soberania, como a noção de utilidade pública, interpretada como de «utilidade do maior número», restringe, em proporções até há pouco inconcebíveis, o direito de propriedade.

Entende-se que as nações colonizadoras, só porque o são,

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assumem perante o mundo civilizado, um certo número de obrigações, cujo cumprimento é «condição necessária» para que o seu domínio sobre os territórios coloniais seja justificado.

Esta condição devia ser também «condição suficiente» se, por detrás de todas as discussões dos juristas e dos ideólogos, não despontasse sempre o único direito incontestado, definitivo e que parece arreigado no inconsciente humano, — porque vem inalterável do homem das cavernas —o direito do mais forte.

12. — Em que consiste o «maior benefício»?— De um território dotado de valor económico, resultará

o maior benefício para a civilização em geral, quando esse valor deixar de permanecer no estado de possibilidade ou de potencial, para se converter em valor efectivo ou actual, utili­zável pelo maior número de homens.

Se o território é capaz de povoamento, quando é povoado; se é susceptível de cultura, quando é cultivado pela forma mais perfeita e para dar o produto mais rico, por ser o mais neces­sário e o mais adequado à natureza do solo e do clima; se contém mine'rios úteis, quando estes são extraídos; se pode facilitar a circulação de pessoas e bens, quando está sulcado de vias de comunicaçãos as mais rápidas, mais seguras e mais económicas, segundo a sua natureza especial. Finalmente, se no território existe uma população indígena, o maior benefício resultará, — dizem —, da capacidade de produção e, portanto, de consumo que ela adquirir, — ou, por outras palavras, do grau de civilização a que fôr elevada.

Todavia, a moral política moderna ainda permite que as metrópoles para si reservem certas vantagens e preferências de ordem económica; mas certos princípios, como o de livre trânsito (sem pagamentos de portagem); o de saída para o mar; de igualdade de tratamento fiscal para nacionais e es­trangeiros, e outros, embora não constituam, por enquanto, um capítulo do direito internacional, são mais ou menos aceites

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pelo consentimento tácito de quasi todas as nações, e encon­tram-se exarados em muitos instrumentos diplomáticos.

13. — Em resumo, o que temos chamado o «princípio do maior benefício» impõe à nação colonizadora certas obrigações: — a de ocupar, administrar e fazer justiça; — a de proteger os europeus e manter a paz entre os indígenas; — a de civili­zar estes pela educação e pelo trabalho, aumentando o seu bem-estar material e moral; — a de facilitar as comunicações pelo território colonial e o acesso dos seus portos, rios e lagos navegáveis; — a de explorar os recursos naturais, quer agrí­colas, quer mineiros do solo; — a de facilitar o comércio e desenvolver as indústrias; — o que, tudo, se pode resumir numa expressão de conteúdo, indefinidamente extensível: — «obrigação de civilizar».

14. — Meus Senhores! — E à luz destes princípios, a cuja rápida e tormentosa elaboração as gerações actuais têm assis­tido, e ensinados pelos factos da história contemporânea, que temos de considerar o Problema da Política Colonial Portu­guesa, especialmente na sua aplicação à colónia de Angola.

Há ainda, no espírito de muitos homens públicos de Por­tugal e de certos dirigentes da opinião, grande número de conceitos erróneos sobre a importância da colonização portu­guesa e sobre as obrigações que incumbem e os direitos que assistem a Portugal, como grande nação colonizadora.

Não podemos abdicar dos nossos direitos e temos obriga­ção de os defender até à última extremidade; mas não pode­mos esquivar-nos ao cumprimento dos deveres correlativos, que assumimos perante o mundo civilizado.

Se a tarefa, que a fatalidade histórica nos impôs, se nos afigura às vezes demasiado pesada para as nossas forças, deve­mos lembrar que ela é também uma tarefa gloriosa e a melhor justificação da nossa existência, como nacionalidade distinta.

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Aos homens de estado, ao pensadores, aos publicistas, e, em especial aos homens de ciência e aos institutos universitá­rios, cumpre extrair da massa confusa das teorias, dos factos e das tendências particularistas de indivíduos e de grupos, os princípios orientadores da política colonial portuguesa. A êles compete também, por uma intervenção constante, fazer aceitar êsses princípios pela nação e impedir que se obliterem ou abastardem. E um dever nacional.

III

SIGNIFICADO E IMPORTÂNCIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA ESPECIALMENTE A DE ANGOLA

1. — Desde os primeiros passos dados, em tempos de D. João I, pelos portugueses fora do território continental, com o objectivo dos descobrimentos e conquistas, entre êles se manifestaram duas tendências, ou duas correntes de opinião: — a dos que aplaudiam e incitavam os promotores das expe­dições ultramarinas, e a dos que entendiam que todas as for­ças da nação deviam ser aplicadas no povoamento e cultura do território continental.

A estas duas tendências ou escolas chamaremos a dos agrários e a dos colonialistas. — Os primeiros defendem com as mais bem argumentadas razões e, — na aparência —, os mais indiscutíveis factos, a necessidade de se prover, acima de tudo e primeiro que tudo, ao povoamento do território metropolitano, à sua valorização pela agricultura, pela criação de indústrias, pela execução de obras públicas, etc.

«Povoemos e cultivemos a terra que temos em casa — dizem êles—, antes de povoar e cultivar terras longínquas, sorvedoiro de gente e de dinheiro».

Os adeptos da segunda escola proclamam, — também com excelentes razões e fortes argumentos—, e parodiando uma

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frase célebre: «o futuro de Portugal está nas nossas Colónias, elas constituem a razão da sua grandeza e independência».

O litígio dura há mais de 5oo anos, e parece tão vivo em 1932 como era em 1416, sem que até hoje se tenha adiantado muito, no conhecimento exacto do que mais conviria a Portu­gal:— se ter vegetado, obscuro e farto, no seu rincão do oci­dente da Península, «a olhar para o mar, por entre os pâm­panos verdejantes e as searas fartas»; — ou se ter ajudado, glorioso e pobre, a criar a civilização moderna.

2. — Não pretendemos dirimir a velha questão, que nos parece, actualmente, de secundária importância; mas afigura- -se-nos que não é para desprezar a vantagem de possuirmos, por secular primaria de ocupação, um vasto império ultrama­rino, enquanto grandes nações batalham pela adquisição de territórios coloniais cada vez mais difíceis de alcançar.

Seja como fôr, a colonização portuguesa é uma fatalidade político-económica, a que não podemos furtar-nos, na época presente. Determinada inicialmente por necessidades políticas e económicas ocasionais, o condicionalismo geográfico favore- ceu-a, sem a determinar, como certos autores pretendem. Idênticas, embora não iguais necessidades político-económicas continuam a impô-la.

Se muitos portugueses não se apercebem da influência e importância da colonização na vida nacional, é porque nunca sofreram a privação dos seus benefícios; e se muito se queixam dos sacrifícios exigidos, é porque êstes são postos em evidência pela ávida solicitude dos financeiros e jornalistas, e aqueles deixados no esquecimento por ignorância ou conve­niência.

3. — A nosso ver, o problema que tem de ser formulado perante a nação é êste:

«o que representam as colónias, — e designadamente An­

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gola—, na vida da nação; sacrifício inútil ou empresa rendosa? São uma necessidade, ou um luxo?».

Não contestamos a existência dos sacrifícios morais e ma­teriais; de vidas e de dinheiro, que a metrópole suporta em benefício das colónias; mas é lícito contrapor-lhe os proveitos, também materiais e morais, que delas nos advêm.

Façamos pois o balanço.

4. —(a) As colónias e a política internacional. — A nação portuguesa, isolada, geograficamente, no extremo ocidental da Península, pouco contaria, — separada das suas colónias —, no grande jogo de interêsses da política internacional. Talvez que às grandes potências não conviesse o engrandecimento da Es­panha à custa de Portugal, nem que o porto de Lisboa passasse para outras mãos, circunstâncias que sempre garantiriam uma relativa independência política da nação portuguesa.

Economicamente, porém, Portugal seria uma dependência da Espanha, ou um feudo de qualquer grande potência marí­tima, obrigado a aceitar delas as condições que lhe quisessem impor para a exportação dos vinhos, cortiças, azeites e outros produtos da sua agricultura, ou mesmo da indústria, se fosse possível criá-la no território português.

O mesmo, ou pior ainda sucederia quanto às importações.Convém não esquecer, com efeito, que a actividade econó­

mica de Portugal está, por natureza, adstrita às produções da terra e da costa marítima. Para a criação de grandes indús­trias faltam as matérias primas essenciais, principalmente as metalúrgicas. — Não falamos da falta de combustíveis, porque não me parece um optimismo exagerado supor que, mais tarde ou mais cedo utilizaremos a energia hidráulica disponível.

Mas ainda que obtivéssemos por importação, as matérias primas necessárias para algumas indústrias importantes, como as de tecidos de algodão, de lã, ou de linho, de sedarias, de construções eléctricas e mecânicas, e até a metalurgia do ferro,

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para onde exportaríamos os produtos dessas criações artifi­ciais ? Em que países poderiamos colocá-las que não estivessem já mais favorecidos, ou pelas condições de produção própria ou pela vizinhança de grandes centros industriais?

5. — Mas, — pode alegar-se — tínhamos o comércio marí­timo, favorecido pelas condições excepcionais da posição geo­gráfica !

Em primeiro lugar, convém ter presente, que na costa por­tuguesa só há um porto capaz de servir um grande comércio internacional — Lisboa, a que alguns já chamaram, por aluci­nação de miragem, o Cais da Europa.

Lisboa está admiravelmente situada para capital de um grande império ultramarino; é um magnífico porto de escala; mas para ser um grande entreposto do comércio internacional, falta-lhe uma condição importante: — a das comunicações fer­roviárias directas com os centros de transformação e consumo. Para atingir o coração da Europa é necessário atravessar a Espanha; e a Espanha, naturalmente, não deseja favorecer os nossos interesses à custa dos seus. Sob este ponto de vista a inferioridade da posição geográfica de Lisboa, em relação aos grandes portos do Havre, Antuérpia, Roterdão e Hamburgo, é bem evidente.

Além disso, — convém recordá-lo também — a marinha de hoje não é a dos séculos xvi, xvii e xviii.

Para construir as náus da Índia e os galeões do Brasil en­contrávamos no território português as madeiras necessárias. O vento, força gratuita, levava os navios a todas as partes do mundo. Para a navegação a vapor, em grandes navios de aço, temos de comprar navios feitos, ou de importar materiais para os construirmos mais caros em Portugal. O combustível que os faz andar tem igualmente de ser importado.

Sem grandes recursos naturais, agrícolas ou mineiros; sem grandes indústrias nem possibilidade de as explorar, em con­

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dições economicamente aceitáveis; não podendo, por carência de marinha, constituir-nos recoveiros e correctores do mundo, l de que se alimentaria o nosso comércio externo, se não fossem as colónias?

6. —Das colónias nos advém, igualmente, o nosso valor internacional; por elas as fronteiras e os interesses de Portu­gal tocam nas fronteiras e nos interesses das grandes potên­cias; das colónias nos advém a nossa grandeza, e também,— contrapartida inevitável—, as maiores causas de conflitos in­ternacionais.

Seria descabida, neste lugar, uma dissertação sobre política internacional; mas é talvez bom lembrar, que sem as colónias pouco nos interessaria a aliança inglesa, e melhor estaríamos agrupados com a Espanha e a França, formando o bloco P. H. F., para empregarmos uma abreviação usada em língua de ferroviários.

Em resumo, podemos dizer que, sem colónias, seríamos, politicamente, menos que as menores potências e, economica­mente, simples dependência da Espanha.

7. — (b) Influência e importância actual das colónias na vida económica portuguesa. — Por um recente apuramento ofi­cial, verificou-se que as colónias deviam à metrópole cêrca de 765.000 contos, importância dos suprimentos e juros acumu­lados. Nesta data, a dívida deve orçar por 85o.000 contos, qualquer coisa como 160 a 200 escudos por habitante da me­trópole.

A grandeza da quantia assombrou o público, pouco versado em matéria de colónias e de finanças, e mais uma vez os agrários proclamaram que a metrópole se arruinava em pro­veito das colónias. — «Damos-lhe a camisa e ficamos de tanga» — é a frase da moda, nos jornais e comícios, e sempre aplau­dida com estrépito.

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Vejamos os factos.Toda, ou quási toda aquela dívida é reembolsável directa-

mente, e paga juros, embora pequenos. Trata-se, portanto, de uma vulgar colocação de capitais, como a pode fazer qual­quer agiota ou modesto capitalista.

Mas o principal lucro da operação é indirecto, como facil­mente verificaremos, por alguns números e considerações.

Permitam-me V. Ex.as que neste lugar lhes refira uma parábola, do género bíblico.

« Possuía certo homem uma quinta, e esta era de boa terra e bem regada, mas achava-se inculta e cheia de mato. Chamou o dono da quinta o seu procurador, o hortelão e os cavadores, e, tendo-lhes dado dinheiro, mandou que plantassem a vinha, o pomar e a horta. Ora sucedeu que no fim do ano, depois de recolher o vinho, as frutas e os legumes, tornou o dono a chamar o procurador, o hortelão e os cavadores, e lhes disse: Olá Amigos! parece-me que vos esquecestes de me restituir o dinheiro que vos entreguei em tal data; pois tratai, quanto antes, de me pagar a dívida com o seu juro».

Não vos parece, deste homem, que o seu egoísmo lhe turvou o entendimento ?

Pois eu julgo que Portugal procede às vezes como o dono da quinta.

8. — Consultemos, porém, as estatísticas !A Estatística Comercial de 1930, fornece-nos os seguintes

resultados (Quadro I):

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QUADRO I

Ano de 1929

COMÉRCIO GERAL E COMÉRCIO ENTRE A METRÓPOLE E AS COLÓNIAS

(Valor cm contos)

Para não tirarmos conclusões apenas dos resultados de um ano, organisámos o Quadro II, que nos dá a percentagem do comércio colonial em relação ao do conjunto dos países nos anos de 1926 a 1930.

QUADRO II

PROPORÇÃO DO COMÉRCIO COLONIAL PARA O COMÉRCIOGERAL

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Como observa o Prof. Girault(1), nao devemos, para tirar o verdadeiro significado dêstes números, contentar-nos apenas com o simples cálculo das percentagens: devemos recorrer ao consumo, por habitante, dos produtos exportados. Isso nos mostrará que a vantagem, sob êste ponto de vista, é sempre a favor do mercado colonial; e que, sendo as colónias países em formação, não podem desde já consumir tanto como os países mais adiantados.

No nosso caso particular, outras constatações, talvez mais elucidativas, se tiram dos Quadros III, IV e V, onde o movi­mento comercial está descriminado por países de procedência e destino, classificados por ordem decrescente de importância até ao 10.° lugar.

Os números referem-se ao ano de 1926, ao qual corres­ponde a menor percentagem, como se vê, no Quadro II.

O Quadro III apresenta, logo, êste resultado significativo: o comércio geral (importação e exportação retinidos) entre a metrópole e o conjunto das colónias portuguesas, incluindo as mais afastadas, é quási metade do que realizamos com a In­glaterra, grande país industrial, com uma população de 47 milhões de habitantes, e muitas vezes superior à do conjunto das colónias portuguêsas, incluindo indígenas.

O conjunto das colónias, como se vê, coloca-se no 3.° lugar no grupo dos 10 primeiros países.

O mesmo quadro mostra também — constatação não menos significativa —, que entre os dez países de maior comércio com Portugal, figuram duas colónias portuguesas consideradas isoladamente: Angola e S. Tomé; a primeira no 7.0 lugar e a segunda no 9.0 lugar.

O Quadro IV assinala o 4.0 lugar ao conjunto das coló­nias portuguêsas, no grupo dos países nossos fornecedores,

(1) A Girault — Principes de Colonisation et de Legislation Coloniale. — Paris, 1921.— Introduction, pag. 44.

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QUADRO III

IMPORTAÇÕES E EXPORTAÇÕES REUNIDAS

1926

QUADRO IV

IMPORTAÇÕES>

1926

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QUADRO V

EXPORTAÇÕES

1926

continuando Angola a ocupar o 7.0 lugar e S. Tomé o 8.°. A primeira fornece-nos matérias primas e géneros alimentí­cios, para consumo e reexportação; a segunda fornece-nos, em grandes quantidades, um género rico, o cacau, em grande parte reexportado.

No Quadro V, o conjunto das colónias portuguesas vem no 3.° lugar entre os nossos clientes compradores, colocan­do se Angola, isoladamente no 5.° lugar, logo depois da França, mas acima do Brasil.

Devemos finalmente registar que, no mesmo ano, se ins­creveu, sob a rubrica Reexportação, baldeação e trânsito internacional de produtos coloniais para o estrangeiro, o valor de 140.517 contos, ou seja um valor igual a 13% da exportação total da metrópole.

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9. — Como se vê, o «cancro das colónias» contribuiu com 410.000 contos para o comércio geral da metrópole, e forne­ceu mercado para 110.000 contos de produtos nacionais ou nacionalizados, que dificilmente seriam colocados noutros países.

Estas são, porém, e apenas, as contribuições aparentes, isto é, visíveis, às quais temos de juntar os valores desconhe­cidos dos fretes e seguros marítimos de duas empresas de navegação colonial, o retorno de capitais, os direitos de alfân­dega e entreposto, agências e alcavalas diversas, os lucros das reexportações e outros (1).

Podemos ainda acrescentar as vantagens morais e políti-

(1) Um pequeno inquérito que mandámos fazer em 1928, sobre o custo de produção e encargos até ao porto de embarque, dos dois pro­dutos típicos, — café e milho—, mostrou que em Angola apenas ficavam 62% do preço de venda por grosso, do café, nos mercados mundiais, e 77 % do preço de venda do milho. Podemos, — errando por excesso—, admitir que 70% de tôda a exportação para a metrópole fica em Angola. Gomo da exportação total de Angola, 151.5oo contos, em média, vêm para a metrópole (Cf. Quadro VII), parece-nos lícito concluir que 3o% pelo menos, daquela soma, ou sejam 45.ooo contos, ficam em Portugal, sob a forma de fretes, seguros, direitos, salários e lucros de vária ordem.

Deve notar-se ainda que uma parte dos lucros e salários dos interme­diários e dos agentes de produção, pagos em Angola, são transferidos para a metrópole sob a forma de pensões e economias a capitalizar.

Quanto à exportação directa para as colónias portuguesas e países estrangeiros, também uma parte importante, mas difícil de calcular, re­gressa a Portugal.

Juntando àqueles 45.000 contos, 15.ooo a 25 .000 contos de transferên­cias feitas por funcionários, ou para pagamentos aos que estão na metró­pole, pode calcular-se em 60.000 a 70.000 contos o produto líquido que a metrópole tira anualmente da sua grande colónia de África ocidental. Com efeito, o deficit da balança de pagamentos, excluindo o movimento de fundos do Estado, regula por 60.000 contos anuais. Como êstes sa­ques não são compensados por aplicações equivalentes de capitais em novas empresas angolenses, é justificado dizer-se que a metrópole faz uma exploração exaustiva da Colónia.

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cas; as facilidades de emprego e de colocação de algumas centenas de milhares de portugueses nas colónias e na metró­pole; a constituição de núcleos de população portuguesa; a difusão da língua, etc.

Parece-nos, em presença dos factos tão simplesmente apon­tados, ser desnecessário acumular novos argumentos para demonstrar que a colonização portuguesa é um benefício e não um encargo, e que os 850.000 contos de «dívidas ao tesouro da metrópole» (aliás reembolsáveis), constituem uma quantidade insignificante, comparada com as vantagens econó­micas auferidas pela nação no seu conjunto.

10. — O valor de Angola na Economia da Metrópole.— Já mostrámos, incidentalmente, como Angola se coloca num lugar proeminente, na escala de valores do comércio externo de Portugal. Esta vastíssima colónia merece, porém, ser considerada à parte e com mais atenção e pormenor.

a) A Colónia e o Comércio da Metrópole.— Os quadros VI, VII, VIII e IX, indicam qual foi a participação de Angola no Comércio Geral, externo, de Portugal nos anos de 1926 a 1930.

QUADRO VI

COMÉRCIO GERAL (IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO)

(Excluindo 0 valor do oiro e prata em barras ou moedas)

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QUADRO VII

COMERCIO GERAL. - IMPORTACAO

COMÉRCIO GERAL.- EXPORTAÇÃO

QUADRO VIII

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QUADRO IX

REEXPORTAÇÃO, BALDEAÇÃO E TRÂNSITO INTERNACIONAIS DE PRODUTOS DE ANGOLA PARA O ESTRANGEIRO

REEXPORTAÇÃO, BALDEAÇÃO E TRANSITO INTERNACIONAIS

DE PRODUTOS ESTRANGEIROS PARA ANGOLA

Média anual de 1926 a 1930................................... 39.778 contos

Reportando-nos às medidas dêstes seis anos, vê-se que Angola deu, para o comércio externo da Metrópole, a seguinte contribuição anual:

Reexportação, baldeação e trânsito internacional: De Angola para o estrangeiro. . 63.000 contosDo estrangeiro para Angola. . . 40.000 «

1 1 . — A Estatística Comercial de 1930, donde extraímos

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muitos destes números contém ainda, para o Comércio espe­cial (1) um quadro das proporções entre os diferentes países, que resumimos no Quadro X:

QUADRO X

COMÉRCIO ESPECIAL

Proporções (%) entre os diferentes países

É bom constatar que a vizinha Espanha, com os seus 21 milhões de habitantes, e o Brasil, com 31 milhões, figuram neste quadro depois de Angola, que possui apenas uns escas­sos 2 milhões, dos quais somente uns 35.ooo são europeus.

(i) Importação para consumo e exportação nacional e nacionalizada.

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É também notável que o conjunto das restantes colónias portuguesas entre apenas com 4,3 % para o comércio espe­cial; isto é, todas as outras reunidas não valem Angola, sob este ponto de vista.

12. — (b) Angola mercado dos produtos da Metrópole. — Os números globais e abstractos não podem, todavia, dar uma idea da influência que exerce na economia da metrópole unja colónia da importância de Angola, mesmo tão mal apro­veitada como ela está. Vejamos, sempre com o auxílio dos números, o que representa, para a agricultura e indústria de Portugal, a posse de Angola.

Como V.as Ex.as muito bem sabem, na exportação de pro­dutos peculiares do solo português, os vinhos de diferentes tipos ocupam o primeiro lugar.

O Quadro XI indica as quantidades exportadas dos dife­rentes tipos de vinho e as percentagens correspondentes a Angola:

QUADRO XI

EXPORTAÇÃO DE VINHOS

Ano de 1929

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Como se vê, Angola consome poucos vinhos da Madeira e do Porto, o que se explica, em parte, pelo clima e pelas leis de protecção aos indígenas. Em compensação, dos chama­dos vinhos comuns, brancos e tintos, só Angola, à sua parte, absorve mais de um quarto (1/4) da exportação total.

A importância de Angola, como mercado dêstes vinhos, ressalta melhor do Quadro XII, onde se vê que ela ocupa o 2.0 lugar para o comércio dos vinhos tintos e o 3.° lugar para o comércio dos vinhos brancos.

QUADRO XII

EXPORTAÇÃO DE VINHOS COMUNS

Ano de 1929

Valor relativo dos mercados

Em 1929, Angola — com os seus escassos 2 milhões de pretos e 35.000 brancos — bebeu 17.600 contos, de vinhos comuns.

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É caso para preguntar: Se não possuíssemos Angola, quem beberia por cá toda esta zurrapa ?

13. — Consideremos agora o Quadro XIII, que se refere à exportação de azeite, outro produto genuinamente portu­guês. O valor total da exportação, em 1929 foi de 12.048 contos. Pois Angola tomou à sua parte 23,8% da exporta­ção, ao passo que o Brasil, que tem uma população 15 vezes maior, recebeu apenas 38,9%. O conjunto das colónias por­tuguesas absorveu mais de metade da exportação.

QUADRO XIII

EXPORTAÇÃO DE AZEITE

Ano de 1929.

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14. — Lancemos, finalmente, os olhos para os Quadros XIV e XV, que se referem a uma das indústrias mais reclamantes de Portugal (o que não é dizer pouco): a dos tecidos de algodão.

QUADRO XIV

ALGODÃO

Fios — Tecidos — Feltros — e respectivas obras

Ano de 1929

A) Importação

Ano de 1929

B) Exportação

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Convém anotar, prèviamente, duas observações de grande interesse para a. interpretação dos números:

1.a que os tecidos de algodão, crus, tintos e estampados (tecidos não especificados das pautas), — o fato como antiga­mente se dizia —, representam ainda, em Angola, moeda cor­rente para o comércio de permuta com o gentio, e constituem uma parte importante dos encargos de «mão de obra» da agricultura e das indústrias europeas, em Angola ;

2.a que a população indígena de Angola continua a an­dar nua, ou de tanga, a qual raras vezes é de tecidos euro­peus.

Um simples relancear de olhos pelo Quadro XV paten- tea-nos um primeiro facto, impressionante pelo seu significado; — importamos sensivelmente a mesma quantidade (peso) de artigos de algodão que exportamos, e a quási totalidade da exportação faz-se para as colónias, muito principalmente para Angola.

Q U A D R O X V

Ano de 1929

A) Importação de fios e tecidos de algodão

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Ano de 1929

B) Exportação geral de fios, tecidos, etc.

Ano de 1929

G) Exportação para Angola

Outro facto, mais grave sob o ponto de vista da política colonial portuguesa, é que cêrca de 2/3 dos tecidos «não espe­cificados» e 1/2 dos tecidos «especificados», que entram em Portugal, tornam a sair a barra de Lisboa, para entrarem

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pelas alfândegas das colónias, especialmente de Angola, à sombra das esmagadoras protecções pautais, que nelas são concedidas às mercadorias «nacionais e nacionalizadas». O diferencial é de 70 a 90 %.

Não se fiem V.as Ex.as nos valores (em contos) da exporta­ção, acusados pelas estatísticas, os quais representam apenas 3o %, ou quando muito 50% do valor médio, como o deixa perceber o Quadro XV. Os tecidos chamados portugueses, a-pesar-de todas as protecções concedidas, chegam sempre ao mercado de Angola com um valor muito superior aos tecidos alemães e belgas, e são, em regra, de inferior qualidade.

Vêem portanto, V.as Ex.as que em vez de «darmos a ca­misa aos negros e ficarmos de tanga», como se diz nos comí­cios, parece que é exactamente o contrário que fazemos: — «tiramos-lhes as tangas e a própria pele» —, no sentido figu­rado já se vê!

Como há pouco disse, o custo dos tecidos de algodão con­diciona todo o desenvolvimento económico de Angola, pois que eles ainda representam, em larga escala, uma mercado­ria-moeda.

E para que V.as Ex.as não fiquem imaginando que exagero a importância do facto, peço-lhes que examinem o Quadro XVI, que dá um resumo das importações em Angola, no mesmo ano de 1929.

Falam as estatísticas:

— Importamos do estrangeiro sobforma de «tecidos não espe­cificados» ............................. 1.272.545 kgs.

— Exportamos para as colónias,de tecidos da mesma cate­goria...................................... 1.266.750 kgs.

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Os tecidos figuram em primeiro lugar, com um valor cor­respondente a 29,5 % do total das importações, decompon­do-se a importação desta forma:

Ano de 1929 1 2

(1) Os tecidos de algodão figuram com 53.751 contos.(2) Os vinhos figuram com 19.547 contos,

Tecidos comuns de algodão............. 53.751 contosSacaria............................................... 8.744 »Outros tecidos................................. 30.378 »

92.873 »

Q U A D R O X V I

IMPORTAÇÕES EM ANGOLA

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(1) Vicente Ferreira, A Situação de Angola. Luanda, 1927.

Incontestavelmente Angola é um bom mercado para os produtos da metrópole.

15. — Meus senhores! Por outros aspectos se pode con­siderar ainda o «Significado e Importância da Colonização de Angola».

É impossível desenvolvê-los nesta conferência. Limito-me por isso, a um simples enunciado.

a) A Colónia é um campo de actividade da metrópole. Dá colocação a capitais e trabalho para umas dezenas de mi­lhares de portugueses, lá e cá.

b) É um território de expansão da população portuguesa.c) É um reservatório de riquezas sobretudo agrícolas, pe­

cuárias e industriais, que hoje só existem no estado potencial, ou de possibilidades mais ou menos averiguadas, como já tive a ocasião de enumerar numa pequena brochura (1). Deixo ainda de parte o «significado e importância moral

da colonização», que não é elemento para desprezar, mesmo nestes tempos de materialismo grosseiro. 1

Observaremos, de passagem, que as bebidas figuram em3.° lugar, constituindo 15% das importações, sendo:

Vinhos (todos portugueses) ................ 19.547 contosÁguas minerais e bebidas diver­

sas ................................................ ..... 13.659 »33.206 »

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IV

A COLONIZAÇÃO MODERNA DE ANGOLA

A) - AS NOVAS BASES

Meus Senhores:

i. — A colonização de Angola, — dando à palavra o seu mais lato significado —, tem sido orientada, nestes últimos 6o anos, com tal volubilidade de critérios, que é difícil prever, por extrapolação, que rumo tomará, mesmo num futuro pró­ximo.

Foi Angola, desde início, e durante séculos, uma colónia de feitorias; e esta forma tradicional de exploração ainda subsiste na organização e na mentalidade do seu comércio. Esta feição terá de subsistir talvez por largos anos, sobretudo no litoral norte, onde as linhas de penetração são ainda escassas, e onde a agricultura europea(1), por diversas causas, tem encontrado dificuldades para se desenvolver.

Os principais centros de trato comercial eram, como se sabe, Cabinda, Ambriz, Luanda, Novo Redondo e Benguela.

Mossâmedes, fundada no comêço do século xix, teve sempre uma feição mixta, de fazenda (ou plantação), de colónia de povoamento e de praça de comércio.

Benguela e Novo Redondo tendem a definhar-se pela con­corrência dos modernos portos vizinhos: Lobito e Pôrto-Am- boim, que são testas de caminhos de ferro de penetração.

Mossâmedes, com a abolição dos moleques ou escravos domésticos, pouco vale actualmente, como plantação; mas é interessante como testa de caminho de ferro e porta marítima de um hinterland onde a raça branca se fixou; é também o

(1) Referimo-nos, como é de uso, à agricultura organizada e dirigida

por europeus, e praticada com mão de obra indígena.

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único ponto do litoral onde se julga possível a aclimatação dos europeus.

Luanda tem, como Mossâmedes, uma feição mixta; mas é pouco favorecida pelo clima. Como testa de um caminho de ferro que serve uma região rica de produção de café, algodão, oleaginosas e milho, tem o seu futuro assegurado como porto comercial; mas o comércio próprio tende a decair; este só vive, actualmente, de fornecimentos ao Estado e aos funcionários.

2. — Todas estas antigas feitorias tendem a transformar-se e a desaparecer. O seu comércio característico, que era o da permuta de mercadorias europeas pelas produções espon­tâneas, já não tem objecto, ou este é tão pequeno que não pode sustentar o grande número de casas concorrentes, nem proporciona os avultados lucros que fizeram a reputação do «negócio de África». Escravos já não há; a borracha espon­tânea desapareceu ou desvalorizou-se; o marfim é raro; a cera é pouca; a aguardente é proibida; e as outras merca­dorias, que formam, hoje, a massa das exportações de Angola, são produtos da agricultura organizada e dirigida pelos euro­peus, ou praticada pelos indígenas, por conta própria, mas sob a tutela das autoridades: algodão, milho, trigo, café, etc. Se alguns destes produtos ainda aparecem à permuta nas tendas dos aviados do mato, ou nas casas-mães do litoral, são em quantidades ínfimas e por preços altos; não deixam grandes lucros. Além disso, a permuta vai sendo substituída, lentamente, e com muita reluctância dos comerciantes, pelo comércio regular, com intervenção da moeda.

As grandes exportações do café, milho, trigo, legumes, algodão, oleaginosas, gados, carnes, pescarias, etc., são feitas, hoje, directamente pelos produtores, ou pelos seus agentes e representantes nos portos de embarque. O puro comerciante das velhas feitorias tende a transformar-se em simples impor­

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tador e retalhista; vende aos europeus e aos indígenas os objectos de consumo.

As antigas preocupações pelo «comércio» que eram, depois das guerras, o pesadelo dos governadores e capitães-mores, já não têm fundamento. O comércio, na economia actual de Angola, tem de ser uma consequência da produção organizada, — em primeiro lugar—, e depois, do aumento da população branca e negra e dos progressos de civilização dos indígenas.

3. — Desde há muito, porém mais acentuadamente desde o final do século passado, criaram-se em Angola algumas plantações ou «fazendas», principalmente para a cultura do café e da cana sacarina. Era, porém, uma forma de activi- dade secundária; a feitoria sobrelevava a roça. Só mais tarde, depois de 1907(1), mas sobretudo depois da guerra de 1914-1918, a agricultura de Angola tomou um grande desenvolvimento. As antigas «fazendas» alargaram as plan­tações e aperfeiçoaram os métodos de trabalho; arrotearam-se novas áreas e ensaiaram-se novas culturas: algodão herbáceo, tabaco, sizal, cereais (milho, trigo, arroz), leguminosas, frutas de espinho, etc., ao mesmo tempo que se tentava, com o melhor êxito, a criação de gados (bovídeos, ovídeos e suinos), e a preparação de carnes para exportação e algumas indústrias derivadas, sendo as principais: o açúcar, os óleos, os sabões e as conservas.

Os colonos de Angola começam — felizmente —, a com­preender, que o método mais seguro, embora lento, de alcançar fortuna, consiste na exploração da terra nas suas três moda­lidades: agrícola, silvícola e pecuária.

Êste «regresso à terra» deu à colónia uma nova e inte­ressante feição, que o estado tem procurado favorecer por várias formas, embora com avanços e recuos, segundo os pro-

(1) Governo do Sr. Paiva Couceiro.

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cessos empíricos e tradicionalmente atrabiliários, da adminis­tração pública, «daquém e dalém-mar em África».

4. — A força das circunstâncias, combinada por vezes com a decisão consciente dos homens, fez desenvolver, também nos últimos 5o anos, outra forma de colonização: — a de po­voamento, ou mais restrictamente ainda, a de fixação de fa­mílias de agricultores europeus.

Embora as primeiras tentativas desta natureza datem do século xvi, e tenham sido repetidas nos séculos imediatos, só no final do século xix a colonização sistemática e persistente, — digamos científica —, foi iniciada e tem prosseguido, com vária sorte, até hoje.

Os estudos feitos a partir de 1907, por inciativa do Sr. Paiva Couceiro, e continuados em várias épocas, de­monstram à evidência a viabilidade da aclimatação dos euro­peus nas regiões planálticas. Angola é também, — portanto —, uma colónia de povoamento, e muito justamente se lhe chama o Brasil d’aquém-Atlântico. 5

5. — Um terceiro ponto, capital para o futuro de Angola, tenho de focar em breves palavras: o da Política Indígena.

Os pobres negros de Angola, nos primeiros séculos da colonização, eram considerados somente como gado de tra­balho, tanto para consumo interno, como para exportação. As «pessas» — escravos — constituíam a principal mercadoria indígena do comércio das feitorias, e tão grande era a impor­tância deste trato, que o governador geral, Barão de Mossâ- medes, escrevendo ao Secretário de Estado da Marinha e 'Ul­tramar, num dos últimos anos do século xviii, procurava encarecer a excelência dos seus serviços, alegando o. «grande número de escravos que tinham embarcado para S. Tomé», e evocava o «testemunho das praças do Brasil». O tema é, porém, demasiado odioso, para que deseje insistir nêle. Basta

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lembrar, para o meu propósito, que, uma vez abolida a escra­vatura, o interesse das nações civilizadas pelos negros de África não mudou muito de carácter; em vez de «mão de obra» para exportação passaram a ser considerados, em todas as colónias, como «mão de obra» para serviço das empresas locais, quando não sucede serem considerados como indese­

jáveis e nocivos; por exemplo na África do Sul.

6. — Certas influências, todavia, tendem a modificar esta atitude. Em primeiro lugar, os sentimentos humanitários e religiosos dos povos cristãos (católicos e protestantes); depois, o próprio interesse económico das nações colonizadoras, que encontram nas populações negras, primeiro um excelente mercado para os produtos da indústria europea, depois uma reserva preciosa de mão-de-obra, que não é fácil substituir pela dos colonos europeus.

Seja dito, contudo, para honra da raça branca e da civili­zação moderna, que as influências humanitárias tendem a sobrelevar as preocupações interesseiras.

Os problemas da educação e do bem estar moral e mate­rial das raças indígenas constituem hoje uma das maiores preocupações e encargos das nações colonizadoras.

7. — Meus Senhores : — Creio ter esboçado, — em largas manchas, sem dúvida — um panorama suficientemente com­preensível da colonização de Angola, no passado, e da evo­lução que se está operando, ou convém operar, para que desta colónia tiremos para nós próprios, e para a humanidade, em geral, «os maiores benefícios».

Julgo, por isso, que é tempo de enunciar as bases em que, a meu ver, deve assentar a colonização futura.

Enunciá-las-ei sob as três rubricas seguintes:I. — Produção, agrícola, pecuária e industrial.

II. — Povoamento, entendendo-se por esta palavra, não só

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a fixação da raça branca, como o acréscimo da população indígena e a sua fixação em boas terras, que, por várias causas (varíola, moléstia do sono e guerras) têm ficado de­sertas.

III. — Civilização dos indígenas, compreendendo a educação, a assistência médica preventiva e curativa, e o aumento do seu bem estar moral e material.

8. — Meus Senhores : — Como vêem, — rompendo com a tradição —, eu excluí destas bases o «comércio», e atribuí o primeiro lugar à «produção», querendo referir-me, evidente­mente, à produção organizada, porque da espontânea já pouco se pode tirar.

Todos os problemas de Angola dependem da produção, incluindo o da ordem social, do equilíbrio financeiro, da ba­lança de pagamentos, do povoamento, do comércio interno e externo, e da segurança exterior. Dêle depende também o pagamento das dívidas à metrópole, o aumento das expor­tações desta, e a solução do seu problema cambial.

Como noutro lugar demonstrei, a solução do problema monetário de Angola,— a famosa «questão das transferên­cias»—, também depende do aumento das exportações e da fixação, no território angolense, de uma numerosa população branca(1).

Organizada a produção, haverá riqueza e trabalho e, por­tanto, paz social, condição primária de novos progressos. A paz e a riqueza criam novos laços entre a metrópole e a sua colónia. Esta prender-se-á melhor à metrópole pela comu­nidade de maiores interêsses, como já lhe está ligada por afinidades morais ; e quanto maiores e mais fortes forem estes ligamentos, mais difícil e tardia será a separação. E quando esta se der, — como é inevitável, no decorrer dos tempos—,

(1) Cf. V. Ferreira, O sistema monetário de Angola. Luanda, 1927.

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já não será fácil que a nova nação inteiramente se afaste da nação-mãe, porque subsistirão os hábitos, a língua, as tra­dições comuns e grandes interêsses mútuos.

Mas, — dir-me-ão, V. Ex.as—, tudo isso é óbvio e co- nhece-o qualquer aprendiz de Sociologia e Económica.

Sem dúvida! Para V. Ex.as êste elogio da «Produção» é inteiramente inútil. Mas se alguém me fizesse a observação, eu replicar-lhe-ia «que o mundo está cheio de verdades obvias que ninguém quere ver», — ou repetir-lhe-ia a também conhe­cida frase do Barão de Roussado, «que nada mais raro que o senso comum»!

Pois vão V. Ex.as para certos meios coloniais influentes com esta teoria da produção, oposta ao preconceito das «fei­torias do comércio», e digam-me o acolhimento que recebem!

9. — Eu queria, porém, chegar a êste outro ponto: — a condição essencial da política da produção — e repetimos, que ela é a única possível, actualmente?—é a aplicação liberal, porém metódica, de capitais à obra de colonização.

I Mas onde encontrar os capitais necessários para uma obra dessa envergadura? Não será o mesmo que recomendar super-alimentação a um mendigo famélico?

Não desejo embrenhar-me na discussão do «problema dos capitais nas colónias»; mas formulo uma proposição que não tentarei demonstrar, neste momento.

«Pois que, por desconfiança ou outros motivos, as inicia­tivas e o dinheiro dos particulares não se aplicam, tanto quanto conviria, às empresas coloniais, é indispensável para o bem da Nação, no presente e no futuro, que o estado tome a iniciativa e o encargo de fazer o que os particulares por timidez não ousarem ».

«Mas — dirão V. Ex.as — isso é uma forma socialista, ou melhor estadista, de colonização!»

A palavra não me assusta, se ela traduz uma conclusão

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lógica de permissas certas, e todo o meu trabalho tem con­sistido, como V. Ex.as porventura terão observado, em esta­belecer essas permissas (1).

A colonização, que não e' mais do que edificar um país novo, prolongamento ou continuação da metrópole, não pode ser uma aventura de negociantes; logo, tem de ser uma em­presa do Estado, porque interessa, sob todos os aspectos, à nação colonizadora, como entidade moral.

Eu repito, portanto, insistindo:— O Estado deve fazer-se povoador, arroteador de ter­

renos, plantador de fazendas, cultivador de cereais, criador de gados, e até industrial, se necessário fôr. O que é indis­pensável é explorar, valorizar e justificar, pelo «maior bene­fício» que proporcionarmos à civilização, o direito à posse da herança colonial.

Mas soceguem V. Ex.as! Não teremos de ficar de tanga para encamisar Angola! Eu conheço a índole dos coloniais portugueses e dos capitalistas seus comanditários (2).

Assim que o Estado tiver demonstrado, pelas suas pri­meiras explorações, que estas são rendosas, não faltarão pre­tendentes, nem capitais, para continuarem as explorações por conta própria e aliviarem o Estado desse trabalho e cuidados...

(1) Não se trata, sequer, de uma novidade, quanto à essência, embora o seja, porventura, quanto à forma e objectivos. Gomo é do domínio público, o Estado, pela Caixa Geral dos Depósitos, tem auxiliado finan­ceiramente algumas empresas agrícolas das Colónias, e nomeia delegados seus para colaborarem na administração.

(2) Em 1927-28 iniciou-se esta política, em Angola, para a limpesa e exploração dos cafèsais espontâneos (?) das regiões de Encoje e Uigi. O Estado demarcou e fêz limpar por conta própria um certo número de plantações, com a intenção de as conceder aos particulares que o re­queressem, mediante o pagamento das despesas feitas. Apareceram, logo, tomadores; mas, com a mudança do Alto Comissário, mudou a orientação administrativa e o empreendimento não foi por diante.

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e dos lucros respectivos! O difícil será moderá-los e incutir-lhes prudência e bom senso, e também sofrear o próprio Estado, adito por natureza a estancar as fontes de rendimento, à força de impostos, alcavalas e vexames.

10. — Meus Senhores: — E também uma verdade banal, — mas que dificilmente penetra em certos meios coloniais —, que a técnica e a organização científica têm de substituir a audácia, a aventura e a esperteza nativa, no exercício de todas as formas dei actividade social, quer se trate de ganhar batalhas, de arrotear terrenos, de praticar culturas ou de exercer o comércio ou a administração pública.

Um par de braços, um espírito arrojado e uma cabeça vazia, podem triunfar por acaso; mas certamente serão vencidos pela ciência, organização e tenacidade dos con­correntes.

Na colonização de Angola a técnica e a organização são elementos fundamentais de êxito, na época presente, mais do que em qualquer outra.

A elaboração e o desenvolvimento sistemático de um plano de colonização de Angola, nas bases apontadas, devem cons­tituir, portanto, uma aplicação particular dêste princípio geral: toda a moderna política colonial deve assentar em bases científicas.

Pois que está efectuada a ocupação, a segurança é perfeita e o acesso a todos os pontos da colónia está assegurado por estradas e caminhos de ferro, o estudo científico da colónia, iniciado no tempo de Andrade Corvo, deve prosseguir com a intensidade e métodos requeridos. A missão dos pioneiros da ocupação está, felizmente, terminada. É mais do que tempo de fazer avançar o homem de ciência, o técnico e o organizador.

Para a execução do plano, a questão do método é tão fun­damental como a dos recursos, e os recursos devem ser pro-

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porcionados à importância do programa que, cientificamente, tiver sido delineado.

Grandiosos projectos e parcos recursos é desvario!Iniciar obras sem pensar na sua utilização é insensatez!

Delinear um programa e só executar uma parte é inutili­zá-lo! Infelizmente, de tudo há exemplos em Angola.

Portos e caminhos de ferro; estradas e pontes; fomento agrícola e pecuário; indústrias e comércio; moeda e crédito; mão de obra, colonização, higiene, ensino, política indí­gena, finanças, administração, formam um conjunto de pro­blemas, que, ou são resolvidos harmònicamente e em bases científicas, ou são mal resolvidos. Por isso — Meus Se­

nhores : — administrar um país novo, onde os problemas do futuro têm igual ou maior importância que os do presente, é muito mais difícil, e exige muito mais capacidade, que dirigir qualquer ramo da administração pública, numa velha me­trópole.

B) - A NACIONALIZAÇÃO

II. — As frases correntes: «Angola é a mais portuguesa de todas as colónias» e «precisamos nacionalizar Angola», traduzem, necessàriamente, um conjunto de sentimentos e aspirações, porventura obscuras, formuladas no espírito pú­blico, mas que os homens de estado, os professores e os publicistas têm obrigação de conhecer e analisar, para lhes darem forma e traduzirem em actos.

Parece-me que a expressão «nacionalizar» pertence ao grupo daquelas, de que fala Vilfredo Pareto, que, por serem de conteúdo impreciso, todos repetem, mas sobre as quais cada um coloca por detrás um significado diferente, mais ou menos nebuloso e cambiante. Vale a pena precisar-lhe o significado, tanto mais que no preâmbulo do recente Acto Colonial ela é repetida com singular insistência, e parece conter a ideia orientadora dêste importante diploma.

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O que devemos entender por «nacionalização» de uma colónia portuguesa(1) ?

Que orientação se deve marcar à política colonial portu­guesa, para «nacionalizar» Angola? Como pode uma colónia portuguesa não estar, ou estar só imperfeitamente nacionali­zada ?

Um pouco de meditação logo mostra a complexidade das questões apresentadas, e a dificuldade de definir o que se deve entender por «nacionalizar Angola».

Nacionalização não consiste, evidentemente, em fechar a porta às pessoas, coisas, ideias, capitais, actividades e inte­resses, em geral, que não sejam portugueses, no sentido res­trito, isto é, oriundos do Portugal continental.

Seria um contrassenso semelhante aspiração, por ser inexe­quível. Há — e tem de haver, em Angola — comércio, nave­gação, colonos, missionários, viajantes, e também capitais, iniciativas e interesses estrangeiros; pelo menos tem de haver os indígenas que não podemos expulsar nem exterminar, antes queremos e precisamos manter no território da Colónia. Não me parece que, por haver em Angola, como há em Portugal, estrangeiros, e empresas, capitais, propriedades e interesses de toda a ordem de indivíduos de outras nacionalidades, se possa apregoar a desnacionalização de Angola.

Serem o governo e a administração pública da colónia exclusivamente portugueses, isto é, exercidos por funcionários portugueses? — mas só portugueses da metrópole, ou também madeirenses, açoreanos, cabo-verdeanos, angolenses, indianos, etc. ?

Ou, então, estará Angola desnacionalizada, porque no qua­dro do seu funcionalismo figuram alguns técnicos estrangeiros? Mas em Portugal também há, — por exemplo professores es-

(1) Excluímos, ab-initio, o significado de «administração pelo Estado dos órgãos de produção e trabalho».

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trangeiros em algumas escolas superiores, e parece que sempre houve estrangeiros na administração pública portuguesa, desde o começo da nacionalidade.

0 próprio «Acto Colonial» de 1930 permite que os estran­geiros residentes na colónia, há mais de 5 anos, possam fazer parte das câmaras municipais, o que definitivamente exclui a hipótese de ser a ingerência dos estrangeiros na administração da colónia, que a desnacionaliza.

Serem as leis feitas por cidadãos portugueses? E uma condição supérflua, porque é a nação soberana que dita a lei, e quando outras a ditarem, Angola terá deixado de ser colónia portuguesa. Ainda assim o princípio não é absoluto, porquanto permitimos — e muito bem—, que os indígenas se rejam pelo seu direito consuetudinário, o qual nos é tão estranho que os funcionários portugueses têm de o aprender com os negros.

Mais ainda: grande parte da legislação da colónia, com inter­venção mais ou menos oficial de representantes dos indígenas, e certas legislações especiais, como as relativas às missões religiosas, ao comércio de armas e de bebidas alcoólicas, e ao trabalho dos indígenas, são de inspiração internacional (1).

A «nacionalização» também não pode consistir no uso ex­clusivo da língua portuguesa, porque, em Angola, não só se falam os vários dialectos indígenas, mas aos próprios funcio­nários portugueses se impõe a obrigação de aprenderem essas línguas.

12. — Esvasiada, assim, a palavra de todos os significados restritos, parece que a «nacionalização» fica reduzida ao seguinte resíduo ou fundo de ideias: assegurar a soberania de Portu­gal e o «predomínio» da língua, tradições, usos, costumes e, sobretudo, dos interesses dos cidadãos portugueses».

(1) Pode acrescentar-se que do modo como se aplicam estas leis se dá conta a certos organismos internacionais.

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A soberania está assegurada, tanto quanto possível, pelo direito internacional, e pelas forças materiais e morais da nação; não temos de a considerar mais largamente.

O predomínio é, porém, uma questão de medida e não de essência; depende do grau de energia que empregarmos em opor a nossa vitalidade, a nossa inteligência e as nossas capa­cidades de adaptação ao meio, de concepção, de organização e realização, às qualidades e capacidades paralelas dos nossos concorrentes, cidadãos ou súbditos de outras nações.

A nacionalização, neste significado, — que supomos o ver­dadeiro—, é uma empresa da Nação, e não apenas dos govêr- nos, e muito menos dêste ou daquele homem, partido ou grupo social. E um acto de concorrência vital, que as leis podem apenas, — e só em fraca medida—, facilitar ou contrariar; porém, nunca determinar.

Se, a-pesar-de todas as facilidades e preferências concedidas aos interêsses portugueses, houver em Angola vinte empresas estrangeiras fortes, ao lado de duas ou três empresas portu­guesas raquíticas; se os capitais estrangeiros subirem a cen­tenas de milhares de contos, e os capitais portugueses apenas a algumas, escassas, dezenas de milhares, é evidente que o predomínio pertencerá aos estrangeiros e não aos portugueses.

Se as empresas estrangeiras forem bem organizadas, bem apetrechadas e bem dirigidas, e as portuguesas não tiverem nem organização moderna, nem apetrechamento adequado, nem direcção inteligente, aquelas serão prósperas e estas mi­seráveis; as primeiras terão predomínio económico e até polí­tico, as segundas serão insignificantes e subalternas. E não há govêrno que tenha força, nem legislação que tenha a virtude de inverter as posições relativas.

13. — Meus Senhores ! — Alongaria, desmesuradamente, esta conferência se me embrenhasse na discussão dos métodos empregados e dos que julgo conveniente empregar, para asse­

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gurar, em Angola, aos cidadãos e aos interêsses portugueses as condições mais favoráveis para alcançarem o predomínio sobre as pessoas e interêsses estrangeiros.

Limito-me a recordar que esses meios, até hoje, têm con­sistido principalmente na concessão de preferências e exclusi­vos: preferências pautais para o comércio e navegação; exclu­sivos para certas formas de actividade (comércio bancário, por exemplo).

Este princípio é legítimo e hoje todas as nações, mais ou menos, o aplicam. Aplica-o a França, tradicionalmente protec- cionista, e aplica-o a Inglaterra, premida pelas circunstâncias económicas da época actual. A França depois da guerra de 1914-1918 resolveu «reservar para seu uso exclusivo as matérias primas provenientes das suas colónias», e a In­glaterra adoptou o princípio da «Imperial Preference», em virtude do qual são reduzidos os direitos para as mercadorias produzidas ou fabricadas em qualquer ponto do Império Bri­tânico.

O Acto Colonial de 1980 consigna êste princípio nos arti­gos 34.o e 36.°, dando-lhe foros de matéria constitucional,— o que é talvez exagêro—, e atribuindo à metrópole, «sem pre­juízo da descentralização requerida», o papel de árbitro para «assegurar pelas suas decisões a conveniente posição dos inte­rêsses que devem ser considerados em conjunto nos regimens económicos das colónias».

14. — O regimen de preferências e exclusivos não poderá, contudo, ir até ao ponto de «fechar a porta» aos interêsses estrangeiros. Opõem-se a semelhantes práticas não só q pró­prio interêsse nacional, como os princípios gerais de colabora­ção internacional e os tratados e convenções com os países estrangeiros. Seria, além disso, contrário ao princípio do maior beneficio, e portanto inadmissível em face dos moder­nos conceitos sobre colonização.

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15. — A colaboração dos estrangeiros, sobretudo dos vizi­nhos de Africa, deve, pelo contrário, ser desejada e procurada.

Para o compreender basta lançar os olhos para a carta de África. Esta nos mostrará que, do Cabo Lopes (A. O. F.) até à cidade do Cabo, os únicos portos susceptíveis de servi­rem um grande tráfego internacional estão em Angola, e são Luanda, Lobito e Mossâmedes, os quais, simultaneamente, são testas de caminho de ferro de penetração, e um destes é, tam­bém, uma grande linha de trânsito internacional.

Dois outros portos podem ainda ser criados, ou, — melhor diremos — aproveitados; um na margem esquerda do Zaire; outro na Baía dos Tigres (ou em Porto Alexandre), e ambos próprios para testas de linhas férreas intercoloniais.

Como se vê, as condições geográficas fazem de Angola a zona natural de saída para o mar de uma grande parte do Congo Belga, da Rodésia e, porventura, também do antigo Sudoeste Alemão.

Temos não só conveniência, mas também obrigação, de dar passagem para aqueles territórios, e podemos dizer que, sob o ponto de vista dos nossos interêsses, é uma grata obrigação. Oxalá a saibamos cumprir voluntáriamente.

16. — O regimen de protecções ou de preferências tem, contudo, êste grave perigo: o de sustar o aperfeiçoamento das indústrias protegidas e o de retardar, — e até de comprometer gravemente —o desenvolvimento da colonização. Êle é, porém, um meio enérgico de nacionalização, e como tal, recomendável, desde que não suprima totalmente o excitante da concorrência estrangeira, nem tenha como resultado transformar a colónia num mercado obrigatório de todos os abortos das fantasias industriais da metrópole.

Como sempre, o princípio é bom ou mau, consoante a aplicação que dele se faz. A dificuldade consiste em encontrar e seguir o justo meio termo.

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A preferência dada aos interesses da Metrópole, em An­gola, é apenas um dos aspectos, — o menos interessante, talvez, — da nacionalização de Angola.

O predomínio dos estrangeiros, e portanto a desnacionali­zação de Angola, pode provir deles serem mais numerosos, mais ricos, mais activos e melhor organizados que os portu­gueses, quer se trate de indivíduos, quer de empresas colecti- vas.

A influência segue o dinheiro e o detentor da bolsa é quem, na verdade, domina.

A política de nacionalização, portanto, deve ter por objec- tivo promover a preponderância dos portugueses como pro­prietários das terras, como possuidores de capitais, como organizadores e administradores de empresas, e, finalmente, como elemento demográfico numeroso, activo e culto. E uma ilusão perigosa supor que a nacionalização consiste em opor sucessivas barreiras, — bem frágeis, aliás—, a tal ou tal intro­missão dos estrangeiros em pequenos recantos da administra­ção colonial.

Deixemos que os estrangeiros, melhor preparados, moral e materialmente, ocupem os primeiros lugares na economia de uma colónia, e veremos o que resultará para o predomínio português: — «Estar de arma — e sem gatilho! — ao ombro, sobre os muros de uma fortaleza arruinada, com uma alfândega e um palácio, onde vegetam maus empregados mal pagos, a assistir de braços cruzados ao comércio que estranhos fazem e nós não podemos fazer; a esperar todos os dias os ataques dos negros, e a ouvir a todas as horas o escárneo e o desdem com que falam de nós todos os que viajam em África, — não vale, sinceramente, a pena».

A transcrição é de Oliveira Martins (1), e, à parte o êrro de considerar o comércio a única forma de exploração colonial, 1

( 1 ) O Brasil e as Colónias Portugueses.

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e não serem esperados ataques do gentio, o quadro pode tor­nar-se verdadeiro, se continuarmos a olhar muito para as dí­vidas à metrópole e pouco para a economia de Angola.

Desde há muito que se reconheceu que os indivíduos da raça branca, — especialmente os portugueses—, podiam viver e reproduzir-se nas terras altas do sul de Angola. O clima assemelha-se ao da Europa; as culturas e os gados europeus dão-se admiràvelmente nos campos do planalto da Huíla, e noutros pontos.

Algumas famílias boers, emigradas da África do Sul esta­beleceram-se no sul de Angola, na segunda metade do século xix e lá se conservaram até há pouco(1). Pensou então o governo

(1) Quando os primeiros grupos de emigrantes boers atravessaram a fronteira sul de Angola para se estabelecerem nas terras férteis do pla­nalto da Huíla, houve grande regozijo em Portugal, por se imaginar que recebíamos uma colónia de agricultores, que vinham fundar, em território português, um segundo Transvaal. Confundiam-se os boers semi-nómadas com os farmers da África do Sul. Na realidade pouco fizeram, durante quási meio século de permanência em Angola. Em vez de cultivadores, eram caçadores e criadores de gado; a sua agricultura resumiu-se ao estrita­mente indispensável para o consumo próprio. Quando a ocupação e o policiamento do território lhes tornou impossível a vida semi-nómada e isolada que levavam, abandonaram o nosso território e voltaram para a África do Sul, Os últimos grupos retiraram-se em 1928.

C) A COLONIZAÇÃO BRANCA

18. — Meus Senhores! — Duas palavras apenas sobre êste problema. Anda êle tão desfigurado pelas colunas dos jornais e salas de conferências, que, a-pesar-das nossas velhas relações, olho às vezes para êle sem o reconhecer.

De que se trata?

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português que conviria instalar, ao lado do elemento estran­geiro, o elemento demográfico nacional, e proporcionou o es­tabelecimento, naquela região, de algumas famílias madeiren­ses. Os elementos demográficos escolhidos não eram dos melhores; mas lá se aclimataram, e lá vivem ainda, cultivando eles próprios a terra, tal como se vivessem no clima natal. Em vez de uma colónia de plantadores, fazendo cultivar a terra com a mão de obra indígena, constituem verdadeiras aldeias de proprietários e trabalhadores rurais, como as que vemos em qualquer recanto de Portugal. Esta distinção é essencial, e por isso a ponho em relevo.

Os primeiros colonos reproduziram-se em terceira e quarta geração, sem que os bisnetos dos primeiros colonos apresen­tem,— dizem os sábios—, qualquer degenerescência. Este facto, de ordem experimental, é também de capital importân­cia.

19. — Este primeiro êxito levou a considerar a conveniência e a possibilidade de se alargar esta verdadeira colonização, e de criar, nas terras altas de Angola, uma verdadeira nação, cons­tituída por populações brancas, de preferência portuguesas; um segundo Brasil, ou melhor, um terceiro Portugal.

Por uma derivação mais sentimental que política, surge então a ideia de desviar para Angola a corrente emigratória que se dirige, todos os anos, para o Brasil.

A meu ver, tal ideia é um êrro político, económico e social. O emigrante que vai para o Brasil, ou melhor que vai ao Brasil, com a ideia de regressar, não é o tipo de colono a encaminhar para África.

20. — Seja como fôr, depois do ensaio empírico, mas bem sucedido, dos colonos madeirenses, pensou-se no estudo cien­tífico da colonização. O sr. Paiva Couceiro, verdadeiro ini­ciador da moderna política colonial de Angola, organizou

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durante o seu governo duas ou três missões de colonização, encarregadas, — digamos assim—, de estudar as condições do habitat e as possibilidades económicas do empreendimento. Os relatórios dessas comissões são trabalhos notáveis, ainda hoje consultados com proveito.

Depois das missões de 1907, outras de carácter oficial ou particular têm estudado o problema, e chegou-se à seguinte conclusão: — há em Angola cêrca de 100.000 quilómetros qua­drados,— área superior à de Portugal continental(1)—, onde é possível aclimatar a raça branca. Com uma densidade de povoação de 20 a 25 habitantes por km1 1 2, (densidade dos dis­tritos do Alemtejo) cabem lá 2 milhões a 2,5 milhões de habi­tantes; com uma densidade de 100 a 200 habitantes por km2 (densidade dos distritos de Braga, Aveiro e Lisboa) seriam 10 a 20 milhões de habitantes. Há portanto possibilidade de fundar em Angola uma poderosa nação de brancos, continua- dora, no hemisfério-sul, do Portugal do ocidente da Europa. Como a superfície de Angola é de 1:255.755 km2, e metade, pelo menos, pode ser povoada pela raça negra e mestiços, podemos juntar, àquela população, outra de 10 a 12 milhões de indígenas, talvez mais(2).

Sendo possíveis, em Angola, quási todas as culturas euro­peias e todas as culturas tropicais e sub-tropicáveis, compreen­de-se a formidável possibilidade de desenvolvimento da colo­nização, e o enorme interêsse actual e futuro de uma política do povoamento, bem concebida e orientada.

Apresenta-se, então, o seguinte problema: 1 Como é possí­vel fazer nestes vastos territórios uma sementeira — digamos assim — de «brancos», de preferência portugueses?

(1) Área de Portugal: 89:625 km2.

(2) A última estimativa permite calcular em 2:000.000 a 2:5oo.ooo a população indígena actual.

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21. — Como disse, desviar para Angola a emigração por­tuguesa para Brasil é um erro político, social, económico e demográfico. Não vale a pena considerar os dois primeiros aspectos; fixemo-nos nos dois últimos.

O emigrante que vai ao Brasil leva, em regra, um propó­sito: trabalhar por conta de outrem, amealhar um pecúlio e regressar à Pátria. Só acossado pela miséria, esgotado pelas «demandas», ou seduzido pelos engajadores, se resolve a levar a mulher e os filhos. Ê só por excesso de infelicidade, ou por excesso de fortuna, se estabelece definitivamente na terra estranha.

Desta exportação de braços advêm, como é sabido, certas vantagens económicas para Portugal, que seria um erro per­der, desviando, — se tal fosse possível — a corrente emigrató- ria actual, para Angola.

Felizmente que não é possível, ou pelo menos não é fácil.Para Angola convém um tipo diferente de colono: o que

emigra para se fixar nas terras que lhe oferecem.Há em Portugal, de norte a sul, uma população rural que

vive apertada e miserável nas aldeias. Uns são minúsculos proprietários (tipo do norte); outros simples trabalhadores rurais e artífices. Muitos sustentam, — sabe Deus com que dificuldades e misérias — uma família numerosa. Factores económicos e históricos, bem conhecidos, mas que é difícil modificar, criaram esta situação.

Pois se fôssemos a êstes pobres ilotas e lhes disséssemos: «querem continuar a viver na miséria, agarrados à terra em que nasceram, ou emigrar para uma terra distante, — mas também portuguesa —, saudável e fértil, onde podem ser pro­prietários, cultivar o solo, viver desafogadamente, e porven­tura enriquecer ?».

Tenho a certeza, — baseada na experiência—, que a um apêlo desta natureza logo acorreriam algumas centenas de

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famílias, e nem todas — notem-no V.s Ex.as — do tipo miserá­vel que descrevi (1).

22. — Mas é evidente que os primeiros núcleos de colo­nos não podem ser atirados, assim de chofre, para o meio das terras bravias de Angola, limitando-nos a dizer-lhes: «isto aqui é saudável; boas águas e bons ares; a terra é boa e está livre; tomem conta dela e cultivem-na».

E indispensável amparar e guiar os expatriados desde a terra de origem, até à do seu futuro habitat, e é de absoluta necessidade preparar em Angola a terra que os há-de rece­ber; o que implica o arroteamento e drainagem do solo, a construção de casas e dependências, o fornecimento de alfaias, utensílios, gados, sementes, e recursos alimentares, de que possam viver até às primeiras colheitas.

E indispensável, também, organizar a assistência médica e religiosa e instruí-los nas práticas da cultura das novas ter­ras, que êles desconhecem.

Poderia dar a V.a E.as, se o tempo não escasseasse, muitos pormenores interessantes, incluindo os financeiros, dêste pro­blema, tão transcendente e tão descurado, da exploração de Angola; mas o que digo basta para focar os seus principais aspectos.

(1) Quando, em 1928, se publicou em Angola o Estatuto orgânico dos serviços de colonização, confundiram em Portugal, segundo uma velha pecha, a publicação da lei com a organização material, efectiva, de todos os serviços, a construção dos edifícios e o arroteamento das terras, e lan­çaram o apelo aos colonos.

Ofereceram-se logo algumas centenas deles, alguns possuidores de certos meios de fortuna, em dinheiro e em propriedades, alfaias, gados, etc. Infelizmente os recursos da Colónia apenas permitiam aplicar à colonização propriamente dita 2 ou 3 milhares de contos, quando eram necessárias algumas dezenas de milhares. O equívoco teve, porém, a vantagem de constituir uma sondagem muito interessante.

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Como V.as Ex.as veem, não se trata, — como muitos têm imaginado —, «nem de criar pequenas empresas agrícolas de carácter capitalista; nem de recrutar mão de obra para «roças» ou «fazendas», como no Estado de S. Paulo, nem de tentar aventureiros ingénuos, com promessas de rápida fortuna. Trata-se da colonização, no sentido literal, — da cleroquia grega, ou se preferem, do povoamento, como fizeram os nossos reis no começo da monarquia.

Se V.as Ex.as quizerem conhecer, com mais pormenores, como o problema pode ser resolvido e como se iniciou a sua resolução metódica, — digamos mesmo científica —, em 1928, atrevo-me a recomendar-lhes a leitura do Estatuto Orgânico dos Serviços de Colonização, aprovado pelo Diploma Legis­lativa n.° 704, de 9 de Março de 1928.

O Alto Comissário, que o encomendou e assinou, colabo­rou, modestamente, na sua redacção; mas posso testemunhar que o estudo completo e profundo do problema, que esse diploma revela, deve-o o País a um antigo aluno desta Uni­versidade, o sr. Dr. Torres Garcia.

V

C O N C L U S Õ E S

Meus Senhores:

1 . — Se me desteis a honra de seguir o desenvolvimento desta palestra, tereis notado como a irresistível pressão dos factos históricos e das circunstâncias internas e externas, mais do que a vontade consciente dos homens, tende a imprimir à política colonial portuguesa, particularmente em Angola, uma

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orientação muito diferente da que ela seguiu no passado, e que muitos, obstinadamente, procuram manter.

Eu posso então resumir e rematar esta conferência.

2. — Se a primeira condição, para um indivíduo ou Estado orientar eficazmente a sua actividade, é definir claramente o objectivo que deseja alcançar, é natural que o primeiro dos problemas que a nação portuguesa tem a resolver, para orien­tar a acção do Estado e dos particulares, em Angola, seja o de definir os objectivos da acção colonial portuguesa nesta parte de África. E o problema da Política colonial portu­guesa em Angola.

3. — Como tive a honra de vos demonstrar, nem «direitos históricos», nem tratados ou acordos internacionais, bastam actualmente para justificar, e ainda menos para garantir, a posse de territórios coloniais.

Um novo conceito de utilidade mundial dos territórios colo­niais está em elaboração activa na consciência dos povos que se chamam, a si próprios, civilizados (i). Procura-se justi­ficar o acto de força, que representa a posse das colónias, com os maiores benefícios que dêle resultam para os indíge­nas, para os colonos e para a humanidade, em geral. E o princípio que denominámos do «maior benefício».

4. — A ocupação e polícia do território e, por conseguinte, a segurança de comércio e de trânsito, a protecção dos euro­peus, e a supressão das guerras entre os gentios, constituem o primeiro acto de civilização a praticar.

5. — O segundo consiste na valorização ou, com mais pro-

(1) Cf. Artigo 22.0 do Pacto da Sociedade das Nações.

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priedade, na organização metódica da exploração dos recur­sos naturais da colónia, directamente pelos colonos, ou indi- rectamente pelos indígenas. Este segundo acto de civilização consiste principalmente na organização dos meios de trans­porte, utilização das fontes naturais de energia e na explora­ção do solo. Tem como acessório a modificação das condi­ções de habitabilidade, nos pontos onde a instalação dos euro­peus é possível e desejável.

6. — O terceiro acto de civilização refere-se ao bem estar físico e ao aperfeiçoamento moral das raças indígenas, cujo desenvolvimento se procura estimular por métodos de educa­ção apropriados, dentro do quadro das suas instituições tra­dicionais.

7. — Podemos designar estes três actos essenciais de civi­lização pelas três fórmulas simples: ocupar, valorizar, educar. São os três objectivos essenciais da política colonial moderna. O seu desenvolvimento metódico e integral só é possível sobre uma base científica; isto é, pela aplicação dos métodos lógico-experimentais ao estudo dos territórios, dos climas, das produções, e dos elementos demográficos que constituem, ou hão-de constituir, o factor humano da civilização.

A carência de bases científicas tem constituído, — e cons­titui ainda—, o mais grave defeito da política colonial por­tuguesa, em Angola.

8. — A ocupação efectiva do território está realizada em grande parte, mas tem de se completar e aperfeiçoar pari passu com o seu desenvolvimento económico. Toda a retro­gradação da primeira pode ter por consequência uma sus­pensão do segundo. Em todos os casos é contrária ao pri­meiro dever da potência colonizadora.

A política colonial de Angola deve, portanto, inscrever

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como primeiro objectivo: desenvolver e aperfeiçoar a ocupa­ção, entendendo-se por tal não só o policiamento, como a administração em todas as suas modalidades.

9 — O segundo objectivo, valorizar, está ainda mal de­finido em Angola, precisamente por falta de conhecimento científico das suas possibilidades e, portanto, de uma ideia orientadora bem marcada.

Por impulsão instintiva tem-se considerado, primeiro, os interesses que a metrópole tira de Angola, e só depois, e subordinados aos primeiros, os interesses próprios da colónia. E o método da exploração exaustiva e ambiciosa.

Vimos quanto esta prática é injusta e contrária aos deve­res essenciais de uma nação que assumiu, voluntàriamente, encargos de civilização.

E evidente o direito da nação colonizadora tirar proveito imediato das suas colónias, nem de outro modo haveria incen­tivo para qualquer potência assumir o oneroso encargo de civilizar terras selvagens; mas os interêsses da metrópole devem ser considerados a par dos interêsses presentes e, sobretudo, futuros da colónia ; porque esta é, principalmente, uma nação de futuro, uma continuadora no tempo e no espaço da civilização, do pensamento, da língua e das tradições por­tuguesas.

Tal é o segundo e importante ponto a inscrever no pro­grama da política colonial em Angola.

10. — Subordinado a êste critério da igualdade e mútua dependência dos interêsses gerais, económicos e políticos, da metrópole e da colónia, tem de se definir o objectivo parti­cular da valorização.

Demonstramos como, pelo desaparecimento ou deprecia­ção dos objectos tradicionais do antigo comércio, o tipo ini­cial de feitoria tende a desaparecer. Nenhum interêsse há

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em mantê-lo. Como demonstrámos também, só uma política de fomento de produção e de povoamento negro e branco, pode dar bases seguras à nova economia de Angola.

11. — O problema do povoamento ou colonização, propria­mente dita, é porventura o mais fácil, porque depende sobre­tudo de organização e persistência. A matéria prima demo­gráfica está disponível; os capitais necessários cabem nas pos­sibilidades do Estado; além de que não têm de ser dispendi- dos em grandes massas, porque a colonização é, por natureza, uma obra lenta.

12. — O problema da produção é o mais grave. Exige organização e capitais avultados.

A organização é uma prática antiga e uma ciência mo­derna. Exige da parte do organizador, além de predisposi­ções naturais, uma cuidada preparação técnica. Os bons organizadores são raros e caros; mas representam elementos indispensáveis, porque dêles depende, em alto grau, o êxito da grande empresa político económica da colonização, em sen­tido lato.

13. — A par dos organizadores temos de considerar os técnicos das diferentes especialidades, e com diferentes graus de preparação: dirigentes e auxiliares. São factores essen­ciais da produção.

O problema da política colonial compreende, portanto, a preparação de técnicos coloniais para a agricultura, para a indústria, para a medicina, para os serviços públicos e outros.

Para África deve ir o escol da mentalidade portuguesa, e não os desperdícios das profissões. A situação proeminente que os técnicos naturalmente assumem, num país em forma­ção, como orientadores e educadores, põe em imediato re-

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lêvo todas as falhas de carácter, e também todas as virtudes; e assim, consoante predominam umas ou outras, a obra de civi­lização que realizam será condenada ou louvada.

14. — A produção exige capitais, em quantidade propor­cionada aos objectivos da empresa; em regra são necessários capitais avultados. Os grandes resultados em exploração co­lonial só podem ser alcançados por força de capitais, actuando em grandes massas. Na colonização, como na guerra, a experiência ensina que nada se obtem pelo sistema de petits paquets, do dinheiro em pitadas.

Não podemos, — mostra-o a experiência—, contar em Angola com um afluxo tão abundante de capitais particulares portugueses, quanto se julga mister para a volorização da colónia. O Estado tem, portanto, de se substituir aos parti­culares para suprir o defeito; aliás a desnacionalização de Angola, por infiltração mansa, ou por ablação violenta, poderá ser um facto, sendo, entretanto, um perigo.

15. — Para tirar da produção angolense os maiores bene­fícios para a economia da nação, é indispensável também o concurso dos industriais portugueses. Este concurso pode efectuar-se por duas formas: 1.a) organizando êle a produção nas respectivas indústrias de modo que, barateando os arte- actos, possam dominar o mercado de Angola, sob a protecção, moderada das preferências pautais, e da que lhes é propor­cionada pela natural tendência do comércio de Angola para se abastecer na metrópole; 2.a) concorrendo para a formação de empresas produtoras de matérias primas: algodão, oliagi- nosas, sizal, tabaco, pelarias, etc.

Direi mais: que êles devem concorrer para a instalação nas colónias, das próprias indústrias transformadoras dessas matérias primas. Aproveitariam, para benefício comum da metrópole e da colónia, 0 menor custo da mão de obra e,

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possivelmente, o menor frete, por só terem de transportar produtos fabricados.

16. — Aumentando a população europea portuguesa, em Angola, aumentando o número e importância das empresas angolenses, organizadas por portugueses com capitais portu­gueses, ficará assegurado o predomínio dos interêsses nacio­nais e realizar-se á, portanto, a verdadeira «nacionalização». Esta pode ser favorecida por leis, mas somente se converterá em realidade, se o capital, o trabalho e a organização econó­mica forem portugueses.

17. — Meus Senhores: Falando perante mestres e alunos da primeira Universidade de Portugal, eu posso dizer: «o fu­turo de Angola está nas vossas mãos». E das universidades, é do ensino dos mestres versados nas múltiplas ciências natu­rais, políticas a económicas, que hão de sair as bases cientí­ficas da nova política colonial portuguesa, designadamente da que tem de ser aplicada em Angola, para assegurar neste domínio ultramarino, o que poderemos chamar, sem grande ênfase, a perpetuidade da nossa civilização.

Ouso repeti-lo. Ou executamos em Angola, com tenaci­dade, método e recursos suficientes, uma obra de civilização que justifique o nosso domínio, ou outros mais fortes ou mais hábeis irão substituir-nos.

Não faltam avisos nem prenúncios desta perigosa pro­pensão.

18. — Meus Senhores! Admito que as palavras de um modesto engenheiro de caminhos de ferro e obscuro adminis­trador colonial não bastem para levar o convencimento destas verdades, tão graves, ao espírito culto das pessoas a quem me dirigo.

Mas escutem V.as Ex,as estas palavras de um homem de

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estado eminente, de uma grande potência europea. O sr. Ma­ginot, ministro das colónias de França e colonial distinto, falando sobre o orçamento das colónias, perante a câmara dos deputados do seu País, em Dezembro de 1928, dizia textual­mente estas palavras: «Nous avons — on le dit parfois avec envie — un admirable, empire colonial. Cette situation ne nous confère pas seulement des droits, elle nous crée ausssi des devoirs. Nous devons, en particulier, utiliser au mieux des intérêts de la métropole, de la colonie et du monde tout entier, nos richesses coloniales. ... Un pays n’a droit, au regard de la collectivité humaine, à des richesses et à des forces, que s’il en retire le maximum de rendement. Nous avons le devoir d’exploiter des richesses dont nous sommes en quelque sort comptables, de façon á justifier la mainmise de notre pays (1)».

Estas palavras encontraram éco no parlamento da pode­rosa França, o qual votou há pouco um crédito de alguns centos de milhões de francos para obras de fomento nas co­lónias.

19. — Mas se V.as Ex.as desejam factos, peço-lhes que repa­rem no que sucede com a Holanda, que não é nem grande potência militar, nem grande potência naval, mas sòmente uma pequena nação bem organizada e exemplar, pelo seu bom senso e trabalho. Vejam V.as Ex.as se, nos conluios interna­cionais, alguém se atreve a impugnar o direito da Holanda conservar o riquíssimo império colonial que ela soube con­quistar e valorizar; ou se as grandes potências conchavam a partilha em esferas de influência da rica presa que seriam as índias Neerlandesas... Éque a Holanda justifica e defende

(1) Sessão de 3 de Dezembro de 1928. (Cf. O jornal Le Temps, de 5 do mesmo mês).

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a posse pelo «maior benefício» que advem para a civilização, em geral, dos seus domínios ultramarinos.

Não é da Holanda, certamente, que alguém poderá dizer, com aparências de verdade, o que um colonialista alemão, o Dr. Krenkel, escreveu em 1917, e que lemos num escritor francês (1): «Le Portugal a abandonné toute administration ; nous sommes en Afrique ses héritiers naturels, et en partie contractuels pour ainsi dire».

Também a países, como a Holanda e a Bélgica ninguém pretende aplicar — supomos nós — aquela famosa doutrina do tratado de Versailles, a que já aludi, e que serviu de base à instituição dos mandatos, e à incorporação de facto do an­tigo Sudoeste alemão, na África do Sul.

(1) Charles Règísmanset , Questions Coloniales, 2 .e série (1912-1919),

vo l. i i , pag. 9 1 . (Paris , 1923).

2o. — M e u s Se n h o r e s ! Tenho as maiores esperanças no futuro de Angola. E o mais vasto e atraente campo de expan­são da actividade, da população e da civilização portuguesa. Antevejo, para além do presente, uma grande nação luso-afri­cana perpetuando o nome, a língua e as tradições de Portu­gal, nas terras do Ocidente africano que primeiro descobri­mos. Mas é indispensável,, para que a visão se converta em realidade, que a política colonial portuguesa seja orientada não só por homens de fé, mas também por homens de ciên­cia. E o grande serviço que Portugal e Angola esperam dos mestres ilustres e dos alunos da Universidade de Coimbra.

Tenho dito!

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PROBLEMAS DE MOÇAMBIQUE

Programa da Conferência do Dr. João Ribeiro Gomes

I

Dados essenciais para o conhecimento do problema moçam­bicano.

II. — Política.

1) Posição de Moçambique em relação:A) aos Domínios e Colónias estrangeiras circunvisinhas.a) União Sul Africana.b) Duas Rhodezias.c) Nyassaland.B) a outras Províncias de Ultramar Português.a) Angola.b) Índia.c) Macau.d) Timor.C) à Metrópole.2) A não existência da unidade moçambicana.a) necessidade da sua criação e rápido fortalecimento. b) meios de acção.3) Moçambique um dos pilares do semi-círculo defensivo

do Sul da África.4) A unidade nacional.à) em que deve consistir. b) como efectivá-la.

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5) Órgãos da Administração de Moçambique capazes de auxiliar a obra da «unidade nacional».

III. — Economia.

A) População.a) indígena.b) europeia.c) não-europeia.B) A população como elemento de trabalho como órgão de

consumo.C) A produção moçambicana.a) Suas características.b) como circula.c) destino.D) Nacionalidade dos capitais que trabalham na Província.E) Crédito.

IV. — Finanças.

A) A vida orçamental moçambicana.

6

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