dis_ndele nzau_a língua portuguesa em angola

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  UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR Departamento de Letras A Língua Portuguesa em Angola Um Contributo para o Estudo da sua Nacionalização Domingos Gabriel Ndele Nzau Tese para obtenção do Grau de Doutor em Letras (3º ciclo de estudos) Orientador: Prof. Doutor José Carlos Venâncio Co-orientador: Prof.ª Doutora Maria da Graça d’Almeida Sardinha Covilhã, Agosto de 2011

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  • UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR Departamento de Letras

    A Lngua Portuguesa em Angola

    Um Contributo para o Estudo da sua Nacionalizao

    Domingos Gabriel Ndele Nzau

    Tese para obteno

    do Grau de Doutor em Letras

    (3 ciclo de estudos)

    Orientador: Prof. Doutor Jos Carlos Venncio Co-orientador: Prof. Doutora Maria da Graa dAlmeida Sardinha

    Covilh, Agosto de 2011

  • ii

    Dedicatria

    Rosa, minha esposa

    (pelo amor)

    Letcia

    (pela alegria)

    e

    Neyma e Luzia

    (pelo carinho)

    Rosita e Palucha

    (pela pacincia)

    Me e s manas

    (por todos os motivos)

  • iii

    Agradecimentos

    A elaborao deste trabalho s foi possvel graas a ajuda de muitas pessoas, umas com

    participao directa e activa, outras, mesmo sem pronunciarem palavra alguma, assumiram-

    se como lenitivo da ansiedade. Nesta ptica, torna-se melindroso citar nomes, temendo o

    risco de cairmos no ridculo de esquecimento. Entretanto, como temos de agradecer,

    queremos, sem classificar nenhuma hierarquia, dirigir o nosso agradecimento:

    Universidade da Beira Interior (UBI), na pessoa do Professor Antnio dos Santos Pereira,

    Presidente do Departamento de Letras, pelo incentivo e compreenso.

    Ao Professor Jos Carlos Venncio e Professora Maria da Graa de Almeida Sardinha, pela

    disponibilidade, ensinamentos e apoio cientfico.

    Ao Yaya Filomo Cubola lembra-se do debate durante a travessia do Tejo? pela amizade,

    sugestes, enfim, o saber inesgotvel.

    Embaixada de Angola em Portugal, na pessoa do seu Embaixador, Dr. Jos Marcos Barrica,

    pela viabilizao da deslocao a Angola para o estudo emprico.

    Ao Governo Provincial de Cabinda, pelo valiosssimo apoio econmico.

    Ao GEPE (Gabinete de Estatstica e Planeamento da Educao), pelo material fornecido sobre

    o ensino da lngua portuguesa no estrangeiro, que muito enriqueceu a investigao.

    Aos amigos que nos ajudaram durante a realizao do estudo emprico, manifestamos

    reconhecimento que sem o vosso valioso apoio ser-nos-ia difcil obter os dados que se

    revestiram de importncia fundamental para a prossecuo dos objectivos desta investigao.

    Por isso, que fique gravado o esforo de todos, de modo particular os sr.s Francisco Nionje e

    Maria Madalena Zau (Cabinda), Mwamba Garcia Neto e Antnio Parclito (Luanda), Malogrado

    Jos Dalama e Almeida Dipinda (Bengo), P.e Graciano Kapingala e Maria Teresa Nalueio

    Custdio (Huambo). Associamos, aqui, o nome da Paula Mesquita, pela disponibilidade e apoio

    na traduo do resumo.

    Por ltimo, mas no menos importante, queremos agradecer famlia em geral e, em

    especial, Rosa, minha esposa, pelo apoio, confiana e pacincia incansavelmente

    demonstrados, enquanto durou a investigao.

    A todos, o nosso profundo BEM-HAJA!

  • iv

    Resumo

    O desenvolvimento de uma investigao sobre um pas como Angola reveste-se de alguns

    aspectos muito particulares no s pela vastido geogrfica, como, de igual modo, pela

    diversidade cultural, lingustica e histrica de que portador, onde lnguas e culturas de

    origem africana e europeia se entrecruzam, tentando, em simultneo, delimitar espaos e

    mentalidades. Pretendendo encontrar solues advindas desta problemtica, vrios trabalhos

    tm vindo a lume, no sentido de proporem caminhos considerados mais adequados em prol de

    uma s harmonia.

    Nesta perspectiva, a abordagem da temtica lingustica angolana sugere alguma prudncia:

    primeiro, por ser uma rea sensvel que envolve questes de identidade individual ou

    colectiva; segundo, por se tratar de uma sociedade de tipo pluralista, onde coabitam povos

    com lnguas e culturas prprias e, consequentemente, indivduos que tentam manter as suas

    identidades. No seio desta osmose cultural e lingustica se vem realizando a lngua

    portuguesa, que, desde a sua introduo no sculo XV, passando pela proclamao como

    lngua oficial em 1975, at actualidade, tem vindo a conhecer um processo de expanso

    territorial, com dinmicas de contornos algo irreversveis. Em consequncia do processo

    expansional, observa-se a acentuao do contacto da mesma lngua com indivduos residentes

    em zonas outrora de exclusividade das denominadas lnguas nacionais de origem africana,

    tendo como efeito um aumento galopante do nmero de falantes maternos e no maternos.

    Perante as evidncias, numa altura em que se perspectiva o futuro da nao angolana

    atravs de distintas iniciativas polticas, sociais, acadmicas e outras, envolvendo entidades

    especficas, problematizar os mitos que ainda pairam sobre o passado e o presente da lngua

    portuguesa, visando perspectivar o seu futuro, no apenas legtimo e imperioso, como ,

    igualmente, desafiador. O percurso para a materializao do desafio gira, assim, em torno de

    quatro questes centrais: nacionalizao da lngua portuguesa, democratizao de ensino

    (bilinguismo), conscincia de assuno e distribuio da frequncia do seu uso.

    Deste modo, antes de partirmos para a anlise baseada em mtodos quantitativos e

    qualitativos, propusemos, como ponto de partida, por um lado a problemtica das etnicidades

    angolanas e a relao estabelecida entre lngua e sociedade, tendo como pano de fundo o

    exame do panorama lingustico angolano e as funes da lngua portuguesa em Angola

    respectivamente, e, por outro a trajectria da lngua portuguesa em busca da nacionalizao.

    Constatamos, ainda que os resultados suscitem prudncia quanto a generalizaes em termos

    nacionais, a existncia de um processo em curso, que pode emergir na nacionalizao da

    lngua portuguesa a curto, mdio ou longo prazo. Tal constatao deriva do facto de os

    resultados fornecidos pela empiria revelarem uma clara tendncia de assuno da lngua

  • v

    portuguesa, a par de uma frequncia cada vez mais generalizada do uso desta, assim como de

    uma conscincia de cooperao recproca entre esta e as suas congneres de origem africana.

    Finalmente, propomos para investigaes futuras a confirmao da tendncia anunciada, com

    recurso investigao emprica mais abrangente, de maior representatividade nacional,

    albergando, em proporcionalidade, no apenas falantes de lngua portuguesa em situao de

    lngua materna ou segunda, mas, de igual modo, as duas principais zonas habitacionais da

    populao angolana: zona rural e urbana.

    Palavras-chave

    Conscincia lingustica, distribuio da frequncia do uso da lngua portuguesa,

    nacionalizao da lngua portuguesa e democratizao de ensino.

  • vi

    Abstract

    Research on a country like Angola implies many specificities, not only regarding geographical

    range, but also its cultural, linguistic, and historical diversity. African- and European-based

    languages and cultural intersect here, and tentatively delineate spaces and mentalities.

    Several works have come to light attempting to offer solutions to these problems, suggesting

    more adequate ways towards sound harmony.

    From this perspective, approaching Angolan linguistics requires caution. In the first place, it

    is a sensitive area involving questions of individual and collective identity; secondly, this is a

    pluralist society, where peoples with different languages and cultures cohabit, trying to

    preserve their identities. Amidst this cultural and linguistic osmosis, the Portuguese language

    has found its way, and since its introduction in the 15th century to becoming an official

    language in 1975, its has expanded throughout the territory until today, with seemingly

    irreversible dynamics. As a consequence of the expansion process, there is accentuated

    contact of inhabitants of formerly Angolan-language speaking areas with Portuguese,

    fostering a great increase in the numbers of first- and second-language speakers.

    In face of the evidence, at a time when the future of the Angolan nation is considered from

    different political, social, and academic perspectives, involving specific entities, to

    problematise the myths still hovering over the past and present of the Portuguese language

    and to estimate its future is not only legitimate and urgent, but also challenging. The

    challenge lies in four central questions: the nationalisation of the Portuguese language, the

    democratisation of education (bilinguism), awareness of appropriation and distribution of the

    frequency of use.

    Before beginning the analysis based on quantitative and qualitative methods, the starting

    point will be issue of Angolan ethnicities and the relation established between language and

    society, having as background the overview of the Angolan linguistic landscape and the

    functions of the Portuguese language in Angola, respectively. Additionally, the trajectory of

    the Portuguese language towards nationalisation will also be discussed. Though results require

    prudence as to generalisations to a national level, the process is ongoing and may emerge at

    short, medium, or long term in the nationalisation of Portuguese. This conclusion derives

    from the empirical data, which reveal a clear tendency to appropriation of the Portuguese

    language, in line with a growingly generalised frequency of its use, as well as an awareness of

    reciprocal cooperation between this language and its African counterparts.

  • vii

    Finally, we propose for future research the confirmation of the identified trend, resorting to

    more wide-reaching and representative research, encompassing not only first- and second-

    language speakers of Portuguese, but equally the two main habitation areas of the Angolan

    population: the rural and urban areas.

    Keywords

    Linguistic awareness, distribution of frequency of the use of Portuguese, nationalisation of

    the Portuguese language, democratisation of education.

  • viii

    ndice

    Pg.

    Introduo ................................................................................................. 16

    1. A problemtica da investigao ..................................................................... 16

    2. Delimitao da investigao ......................................................................... 22

    3. Proposta da investigao ............................................................................. 23

    4. Definio de conceitos-chave ........................................................................ 25

    4.1 Enquadramento sociolingustico .................................................................... 25

    4.2 Acerca do contacto de lnguas ..................................................................... 31

    5. Trajectria analtica da investigao ............................................................... 39

    5.1 Esquema da estrutura da investigao ............................................................ 41

    Captulo 1: Angola: Lnguas e Etnicidades .......................................................... 42

    1.1 Introduo ............................................................................................. 42

    1.2 Comunidades tnicas angolanas .................................................................... 46

    1.2.1 Comunidades tnicas no bantu ................................................................. 47

    1.2.2 Comunidades tnicas bantu ...................................................................... 48

    1.3 Para uma descrio do panorama lingustico angolano ......................................... 49

    1.3.1 Lnguas angolanas de origem africana .......................................................... 50

    1.3.1.1 Lnguas bantu de Angola ........................................................................ 54

    1.3.1.2 A designao de lnguas bantu ................................................................ 56

    1.3.1.3 Classificao e caracterizao das lnguas bantu ........................................... 56

    1.3.2 A lngua de origem europeia de Angola o portugus ........................................ 59

    1.3.2.1 Preliminares ...................................................................................... 59

    1.3.2.2 Circuitos de angolanizao do portugus .................................................... 59

    1.3.2.3 Acerca do contacto de lnguas: implicaes no portugus em Angola .................. 61

    1.3.2.3.1 Interferncias lingusticas ................................................................... 64

    1.3.2.3.2 Consideraes sobre a variao lingustica em Angola .................................. 74

    Captulo 2: Lngua e Sociedade: das Funes da Lngua numa Sociedade s Funes da

    Lngua Portuguesa na Sociedade Angolana .......................................................... 77

    2.1 Introduo ............................................................................................. 77

    2.2 Lngua e linguagem ................................................................................... 77

    2.3 Linguagem e comunicao .......................................................................... 80

    2.4 Carcter vocal da linguagem ....................................................................... 81

    2.5 Linguagem como instituio humana .............................................................. 83

    2.6 Relao lngua vs utente ............................................................................ 84

    2.7 Funes da lngua numa sociedade ................................................................ 85

  • ix

    2.7.1 Funo identificadora da lngua ................................................................. 87

    2.8 Funes e estatutos da lngua portuguesa na sociedade angolana ........................... 88

    2.8.1 Estatutos da lngua portuguesa em Angola ..................................................... 89

    2.8.1.1 Estatuto de prestgio da lngua portuguesa em Angola .................................... 90

    2.8.2 Trs funes da lngua portuguesa em Angola ................................................ 91

    2.8.2.1 Funo comunicativa ............................................................................ 91

    2.8.2.2 Funo democratizadora ....................................................................... 92

    2.8.2.3 Funo identificadora da lngua portuguesa ................................................ 92

    Captulo 3: A Lngua Portuguesa em Busca da Nacionalizao .................................. 94

    3.1 Introduo ............................................................................................. 94

    3.2 Os primeiros momentos de contacto com Angola ............................................... 94

    3.2.1 Da horizontalidade verticalizao das relaes ............................................. 95

    3.3 A incipiente conquista do interior ................................................................. 96

    3.3.1 A particularidade angolana ....................................................................... 98

    3.4 Da transio para a independncia ................................................................ 99

    3.4.1 Aco da poltica lingustica colonial .......................................................... 101

    3.4.2 Aco da poltica lingustica dos dirigentes no ps-independncia ....................... 102

    3.5 Da independncia ao declinar do sculo XX .................................................... 105

    3.5.1 Acerca da angolanidade em lngua portuguesa: uma nova identidade? .................. 108

    3.6 A lngua portuguesa na actualidade: perspectivas para o sculo XXI ....................... 113

    3.6.1 Carcter irreversvel da expanso territorial da lngua portuguesa ...................... 113

    3.6.2 Para a nacionalizao e naturalizao da lngua portuguesa .............................. 116

    3.7. A necessidade de uma alfabetizao bilingue ................................................. 118

    3.7.1 Que bilinguismo para Angola? ................................................................... 120

    3.7.2 Achegas ao ensino em/de portugus em Angola ............................................. 122

    3.7.3 Que professor para o ensino em/de portugus em Angola? ................................ 124

    3.7.4 Que formao para o professor de portugus em Angola? ................................. 125

    Captulo 4: Contribuio da Empiria ................................................................ 128

    4.1 Justificao e descrio das opes metodolgicas ........................................... 128

    4.2 Especificao dos objectivos ...................................................................... 128

    4.3 Formulao de hipteses .......................................................................... 129

    4.4 Recolha de informao ............................................................................. 131

    4.4.1 Pesquisa qualitativa: entrevista ................................................................ 133

    4.4.1.1 Tipo de entrevista .............................................................................. 133

    4.4.1.2 Acerca dos entrevistados ..................................................................... 133

    4.4.1.3 Procedimentos .................................................................................. 134

    4.4.2 Pesquisa quantitativa: inqurito ............................................................... 135

    4.4.2.1 Caracterizao .................................................................................. 136

  • x

    4.4.2.2 Seleco dos inqueridos e aplicao do questionrio .................................... 136

    4.4.2.3 Populao e amostra .......................................................................... 137

    4.5 Apresentao dos resultados ...................................................................... 139

    4.5.1 Perfil dos inquiridos .............................................................................. 139

    4.5.2 Distribuio da frequncia do uso e grau de assuno da lngua portuguesa ........... 143

    4.6 Discusso dos resultados ........................................................................... 152

    Consideraes Finais ................................................................................... 163

    1. Concluses gerais da investigao ................................................................. 163

    2. Limitaes da investigao ......................................................................... 167

    3. Sugestes para futuras investigaes ............................................................. 169

    Bibliografia ............................................................................................... 171

    Anexos .................................................................................................... 182

  • xi

    Lista de Figuras

    Figura 1: Esquema da estrutura da investigao .................................................... 41

    Figura 2: Fases da vitalidade das lnguas ............................................................. 43

    Figura 3: Mapa da zona lingustica H .................................................................. 55

    Figura 4: Sistema voclico da maioria das lnguas bantu ........................................... 57

    Figura 5: Famlia de lnguas Indo-Europeia ........................................................... 59

    Figura 6: Disposio dos registos da linguagem ...................................................... 63

    Figura 7: Elementos que confluem na formao da VAP ........................................... 63

  • xii

    Lista de Tabelas

    Tabela 1: Pases que asseguram o ensino do portugus no estrangeiro .......................... 19

    Tabela 2: Falantes de pases de lngua oficial portuguesa (em milhes) ........................ 20

    Tabela 3: Dimenses de bilinguismo de Harmes ..................................................... 34

    Tabela 4: Top 10 das lnguas mais divulgadas na Internet ......................................... 42

    Tabela 5: As dez lnguas maternas mais faladas no mundo ........................................ 43

    Tabela 6: Formao dos reinos de Angola ............................................................ 49

    Tabela 7: Famlias de lnguas de frica segundo Westermann ................................ 51-52

    Tabela 8: Ramificaes da famlia de lngua congo-cordofaniana segundo Greenberg ........ 53

    Tabela 9: Famlias de lnguas de frica segundo Greenberg ................................... 53-54

    Tabela 10: Realizao das vogais /e/ e /o/ .......................................................... 65

    Tabela 11: Realizao da consoante /r/ .............................................................. 66

    Tabela 12: Variao do nmero dos nomes em kimbundu e no portugus ...................... 67

    Tabela 13: Morfologia do verbo em kimbundu e no Portugus .................................... 68

    Tabela 14: Expresses nominais de uso quotidiano ............................................. 73-74

    Tabela 15: Expresses verbais de uso quotidiano ................................................... 74

    Tabela 16: Algumas expresses de gria e calo angolanos ........................................ 76

    Tabela 17: Estimativa da populao de Angola de 1845 a 1970 ................................. 100

    Tabela 18: Pases e lnguas oficiais vizinhos dos PALOP .......................................... 111

    Tabela 19: Respostas dos inquiridos ................................................................. 137

    Tabela 20: Provncia de residncia dos inquiridos ................................................. 139

    Tabela 21: Gnero dos inquiridos ..................................................................... 140

    Tabela 22: Idade dos inquiridos ....................................................................... 140

    Tabela 23: Escolarizao dos inquiridos ............................................................. 141

    Tabela 24: Residncia habitual dos inquiridos ..................................................... 141

    Tabela 25: Provncia de residncia dos inquiridos ................................................. 142

    Tabela 26: Provncia de nascimento dos inquiridos ................................................ 142

    Tabela 27: Grau de domnio da lngua portuguesa ................................................. 144

    Tabela 28: Lnguas de origem africana dos inquiridos ............................................ 147

    Tabela 29: Razes por que fala a lngua portuguesa .............................................. 156

    Tabela 30: Frequncia do uso do portugus/locais (em %) ....................................... 157

    Tabela 31: Itens constantes da 3 parte do questionrio ......................................... 160

  • xiii

    Lista de Grficos

    Grfico 1: Frequncia do uso da lngua portuguesa no meio familiar ........................... 145

    Grfico 2: Frequncia do uso da lngua portuguesa no meio laboral ............................ 145

    Grfico 3: Frequncia do uso da lngua portuguesa no meio escolar ........................... 146

    Grfico 4: Frequncia do uso da lngua portuguesa com amigos ................................ 146

    Grfico 5: Frequncia do uso da lngua portuguesa com desconhecidos ....................... 146

    Grfico 6: Uso das lnguas nacionais de origem africana ......................................... 147

    Grfico 7: Lngua de melhor transmisso de pensamento e sentimento ....................... 148

    Grfico 8: Preferncia de lngua para o ensino oficial ............................................ 148

    Grfico 9: Faixa etria que mais usa a lngua portuguesa ........................................ 149

    Grfico 10: Portugus a lngua mais falada em Angola ......................................... 150

    Grfico 11: Os angolanos acham tambm sua a lngua portuguesa ............................. 150

    Grfico 12: Os angolanos apresentam resistncia lngua portuguesa ......................... 151

    Grfico 13: Deixar de falar o portugus e falar apenas as lnguas africanas................... 152

    Grfico 14: A lngua portuguesa um perigo vitalidade das lnguas africanas.............. 152

    Grfico 15: Grau do domnio da lngua portuguesa ................................................ 156

  • xiv

    Lista de Siglas e Acrnimos

    a.C.: Antes de Cristo (tempo cronolgico anterior ao nascimento de Jesus Cristo).

    ALALC: Associao/Aliana Latino-Americano de Livre Comrcio.

    CEDEAO: Comunidade Econmica dos Estados da frica Ocidental.

    DGIDC: Direco-Geral de Inovao e de Desenvolvimento Curricular.

    CPLP: Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa.

    d.C.: Depois de Cristo (tempo cronolgico posterior ao nascimento de Jesus Cristo).

    EUA: Estados Unidos da Amrica.

    GEPE: Gabinete de Estatstica e Planeamento da Educao (GEPE).

    ILTEC: Instituto de Lingustica Terica e Computacional.

    IMN: Instituto Mdio Normal.

    INIDE: Instituto Nacional de Investigao e Desenvolvimento da Educao.

    ISCED: Instituto Superior de Cincias da Educao.

    i. : Isto .

    LNOA: Lnguas Nacionais de Origem Africana.

    LNOE: Lnguas Nacionais de Origem Estrangeira.

    LO: Lngua Oficial.

    LOP: Lngua Oficial Portuguesa.

    LP: Lngua Portuguesa.

    L1: Lngua Materna, a 1 em termos de aquisio e que mais se domina.

    L2: Lngua Segunda, aprendida depois da L1.

    MED: Ministrio da Educao.

    MERCOSUL: Mercado Comum do Sul.

    NC: Nasal-Consoante.

    OEA: Organizao dos Estados Americanos.

    OEI: Organizao de Estados Ibero-Americanos.

    ONU: Organizao das Naes Unidas.

    PALOP: Pases Africanos de Lngua Oficial Portuguesa.

    PB: Padro Brasileiro (Portugus do Brasil).

    PE: Padro Europeu (Portugus de Portugal).

    P.e: Padre.

    RDC: Repblica Democrtica de Congo (ex-Zare).

    SADC: Comunidade para o Desenvolvimento da frica Austral.

    Sr.s: Senhores.

    UA: Unio Africana.

    UE: Unio Europeia.

    UNESCO: Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura.

    VAP: Variante Angolana de Portugus (Portugus Angolano).

  • 16

    Introduo

    1. A problemtica da investigao

    A escolha do ttulo A Lngua Portuguesa em Angola: um Contributo para o Estudo da sua

    Nacionalizao para designarmos a nossa investigao no inocente. Com efeito, ela

    resulta do desafio de querermos ser tambm partcipes duma discusso em crescendo desde a

    dcada de 80 do sculo XX, porm mais vincadamente a partir da dcada de 90, sobre a

    questo da nacionalizao da lngua portuguesa. Tal discusso procura problematizar se se

    pode reconhecer lngua portuguesa o estatuto de lngua nacional e no apenas lngua oficial

    e veicular como, de resto, habitual design-la, ou se, pelo contrrio, se deve reservar o

    estatuto nacional apenas s lnguas de origem africana. Estamos, pois, perante uma

    temtica pertinente - tal como so as questes relacionadas com o modelo organizacional que

    melhor se adequa realidade angolana, as questes de interesse econmico e a valorizao

    dos padres de referncia e de unidade nacional apesar do seu carcter sensvel, por

    envolver sentimentos de identidade.

    Em termos de abordagem, a histria ganha um lugar de destaque conferido pelo valor de

    argumento metodolgico, visto que muitos investigadores tm vindo a realar a

    impossibilidade de compreender e explicar as sociedades sem levar em conta a sua histria.

    o caso de Braudel, ao debruar-se em torno da valorizao daquela, em la longue dure, um

    conceito que transferiu da historiografia alem para uma formulao francesa mais gil e

    operatria, em sua opinio (Braudel apud Henriques 2004). Convm, aqui, citar, na senda da

    valorizao da histria, o nome de Jacques le Goff, historiador gauls, que a destaca como

    novidade que emerge de la longue dure e no como ruptura, ao aludir que: plutt quune

    rupture, jaime voir lhistoire comme une nouveaut qui se dgage de la longue dure

    (Henriques, op. cit., p. 7). Com efeito, do ponto de vista do domnio cientfico, consideramos

    que a investigao se enquadra na sociolingustica, pois, ao contrrio de a maior parte dos

    trabalhos de investigao sobre o portugus em Angola parecer privilegiar as descries

    lingusticas, nesta privilegiamos uma abordagem sociolingustica, na esperana de que a

    investigao possa trazer elementos passveis de ajudar os decisores a definir uma poltica

    lingustica assente na real situao de Angola, um pas etnicamente heterogneo.

    Quanto ao domnio sociolingustico, sabe-se que desde a sua autonomizao na segunda

    metade do sculo XX, a sociolingustica no cessa de dar contributos tericos e prticos, nem

    pra de revelar descobertas, muitas ainda por (re)descobrir. Um dos vrios contributos da

    referida cincia na sua relao com a comunidade e que representa, em nossa opinio, um

    progresso enorme no campo das cincias sociais a legitimao do par lngua vs cultura. Esta

  • 17

    dicotomia sociolingustica permite que a lngua seja considerada um veculo de cultura, pois

    ao ser seu principal transporte e catalisador, a lngua incute sempre cultura, podendo ser um

    instrumento que a inocula. Em virtude dos contributos da sociolingustica, ainda possvel

    questionar os limites da ideia de Saussure que declara essencial lngua o papel de

    instrumento de comunicao, um entendimento que os comparativistas, pelo contrrio,

    consideraram uma causa de degenerescncia (Ducrot & Todorov, 1978). De facto, uma lngua,

    mais do que ser utilizada como instrumento ao servio de determinada comunidade humana,

    acaba, ela prpria, por utilizar os membros dessa comunidade. Neste contexto, um

    elemento no apenas passivo, instrumentalizado para veicular ideias, desejos, volies, mas

    tambm, um elemento activo de formatao da prpria razo humana. Ela desencadeia nos

    utilizadores reaces que ainda esto por descobrir; formata e trabalha-os do mesmo modo

    que a geografia, o meio ambiente e todos os inputs digamos naturais trabalham os

    indivduos, adequando-os vida. Os nossos ideogramas, as nossas aspiraes e os nossos

    sonhos no apenas so encaminhados, mas tambm retidos num vai e vem de emoes. Deste

    modo, solcito e tem cabimento admitirmos que, por estas razes, a lngua um elemento

    vivo com princpio activo. Tal princpio, que como de ADN lingustico se tratasse, um

    operador vivo e cativo em cada lngua, que se pode, qui, comparar informao gentica.

    Um dos grandes desafios da cincia em geral, que, por honestidade, reconhecemos no ser o

    nosso nesta investigao, pode passar por descobrir e ir determinando, em vrias etapas, esse

    elemento com princpio activo das lnguas. Poderemos estar, nesta perspectiva, no caminho

    do progresso cientfico, ao permitir, progressivamente, e admitir ou ir admitindo como uma

    determinada lngua pode contribuir para a formatao de determinados tipos de cgito, ou

    seja, determinados tipos de viso do mundo. Qualquer indivduo que no consiga mergulhar

    na conscincia, no ambiente de trabalho psicolgico e sociolingustico do ADN da lngua

    pode ficar alheio da realidade profunda dessa mesma lngua. assim que em traduo, por

    exemplo, podemos dizer que se torna necessrio ao tradutor mergulhar no ambiente

    (socio)lingustico do ADN vigente da lngua para se traduzir, com sucesso, um determinado

    texto. Ao registar, descrever e analisar factos sociais da lngua e os da lngua na sociedade, a

    sociolingustica apresenta-se como o domnio cientfico ideal da nossa abordagem.

    Efectivamente, os temas que compem o objecto desta investigao devem, diremos, se no

    na totalidade, pelo menos muito significativamente s reas cientficas como a lingustica e a

    sociologia, com fortes nuances com a histria, e na combinao desta com aquelas. Trata-se

    de uma operao feita luz da interdisciplinaridade, ou seja, em convivncia pacfica entre

    as cincias, uma vez que estas tm vindo a admitir, cada vez mais, nas suas abordagens,

    relaes dialgicas entre si. Nesta ptica, solcito e tem cabimento que a sociolingustica

    seja o domnio cientfico de excelncia, na medida em que o destaque recai sobre a

    nacionalizao de uma lngua, neste caso, da lngua portuguesa em Angola. Todavia, temos

    conscincia que a reflexo no deve perder de vista o caminho feito no passado, sob pena de

  • 18

    sermos rotulados como defensores de uma viso exclusivamente mercantilista da lngua

    portuguesa, ignorando-a, conforme alerta Trigo (Trigo, 2009), pelo facto de funcionar como

    cimento nacional, ou como lngua da geografia dos afectos.

    De facto, muito se tem falado e feito, ao longo dos tempos, desde a criao de Portugal,

    particularmente desde que este pas se (re)criou expansivamente, nos sculos XV e XVI. Na

    mesma poca, a lngua portuguesa viajou com Portugal, recriando-se semelhana daquele.

    Falada inicialmente por menos de um milho de pessoas (Esperana, 2008), estendeu-se por

    vrios continentes, onde, cronologicamente, Guin-Bissau (1446), descoberta, ao que parece,

    por lvaro Fernandes; Cabo Verde (1460 e 1462), respectivamente, ilhas do grupo Sotavento e

    Barlavento, descobertas por Antnio de Noli e Diogo Afonso; So Tom e Prncipe (1470 e

    1971), respectivamente, por Joo de Santarm e Pro Escobar; Angola (1482), por Diogo Co;

    Moambique (1498), por Vasco da Gama (em frica); Brasil (1500), por Pedro lvares Cabral

    (na Amrica); e Timor-Leste (1512 a 1520) (na sia), no tempo de D. Afonso de Albuquerque,

    ganham particular importncia, no apenas por serem condminos da lngua portuguesa, mas,

    sobretudo, por esta lngua ser a lngua oficial (LO) destas antigas colnias portuguesas

    espalhadas pelo mundo.

    Depois da descolonizao, a mesma lngua no voltou portuguesa Europa, enraizando-se nos

    novos territrios conquistados, tornando-se num bem pblico nacional, internacional e mesmo

    intercontinental. Espalhada pelo mundo, a lngua portuguesa tem vindo a ganhar um nmero

    crescente de falantes, sobretudo como lngua segunda (L2), sendo mesmo ensinada em vrios

    pases de lngua oficial no portuguesa como Andorra, Blgica, Espanha, Frana, Holanda,

    Luxemburgo, Reino Unido, Alemanha e Sua (na Europa), Nambia, frica do Sul e Suazilndia

    (em frica), Canad, Boston e So Francisco (na Amrica) e Austrlia (na Austrlia) (GEPE1,

    2009). Entretanto, para alm dos dados fornecidos por esta entidade educacional, fruto da

    actual dinmica de expanso, a lngua portuguesa ensinada tambm no Zimbabwe, no caso

    da zona SADC (Comunidade para o Desenvolvimento da frica Austral), e no Senegal, em

    relao CEDEAO (Comunidade Econmica dos Estados da frica Ocidental). Merece ser

    referenciada a Guin-Equatorial, pas da frica Ocidental que aspira integrar a CPLP

    (Comunidade de Pases de Lngua Portuguesa). Para tal propsito, adoptou o portugus como

    lngua oficial (LO), ao lado do espanhol e do francs, por ser uma condio prvia para

    integrar a comunidade. Quanto ao espao da comunidade do MERCOSUL (Mercado Comum do

    Sul), h que considerar um crescente ensino da lngua portuguesa na Argentina, no Uruguai e

    no Paraguai, assim como em outros pases da Amrica Latina que no integram o MERCOSUL.

    No Oriente, a presena de Timor Leste, pas da CPLP, pode ser considerada a porta de

    entrada para o ensino da lngua portuguesa em alguns pases da regio e reforar, no caso das

    antigas possesses portuguesas do Oriente (Macau, Malaca, Goa, Damo e Diu) e no caso

    particular da China, o interesse pela lngua portuguesa.

    1 Gabinete de Estatstica e Planeamento da Educao.

  • 19

    Todos estes factores, aliados ao desenvolvimento das relaes econmicas e culturais e

    presena de comunidades portuguesas importantes em vrios cantos do mundo, podem fazer

    dela uma lngua do futuro, cujo sucesso depende de boas polticas para a sua difuso e

    internacionalizao (MED, Portugal, 2005). Da reavaliao dos dados cedidos pelo GEPE,

    referentes a pases onde a lngua portuguesa actualmente ensinada, resulta a tabela mais

    actualizada que se segue.

    Tabela 1: Pases que asseguram o ensino do portugus no estrangeiro

    Europa frica Amrica Austrlia sia

    Alemanha Guin-Equatorial Argentina Austrlia China

    Andorra Nambia Canad Damo

    Blgica R. frica do Sul EUA (Boston) Goa Diu

    Espanha Senegal EUA (S. Francisco) Macau

    Frana Suazilndia Paraguai Malaca

    Holanda Zimbbue Uruguai

    Luxemburgo Venezuela

    Reino Unido

    Sua

    Fonte: Adaptao nossa.

    A lngua portuguesa tem sido, de igual modo, por si s, a pedra angular que alicera

    motivaes e gera instituies e projectos. Citamos, no pela relevncia, mas a ttulo

    informativo, a criao de uma zona PALOP em frica, acrnimo de pases africanos de lngua

    oficial portuguesa, ou a fundao de uma entidade CPLP no mundo, semelhana das suas

    congneres Commonwealth (no caso dos pases de lngua inglesa), La Franconphonie (para os

    pases de lngua francesa), a Liga de Estados rabes (Karim apud Esperana, idem) ou ainda

    La Hispanofonia (no caso da comunidade dos pases de lngua espanhola). Mantm, de igual

    modo, relaes com vrias instituies internacionais como a UA (Unio Africana); a CEDEAO

    e SADC, em frica; a OEA (Organizao dos Estados Americanos), na Amrica (Norte e Sul); o

    MERCOSUL e a ALALC (Associao/Aliana Latino-Americano de Livre Comrcio), na Amrica

    Latina; a OEI (Organizao de Estados Ibero-Americanos), no caso da Europa e Amrica; a UE

    (Unio Europeia), na Europa; a UNESCO (ONU); e a Unio Latina, no caso da frica, Amrica,

    sia e Europa.

    Mediante o exposto, sem sermos redutores, mas procurando, contudo, mitigar dissonncias2,

    tudo o que se disse refere-se unicamente lngua portuguesa. Alis, esta tanto pode ser

    sedimentadora de interstcios e clivagens nas comunidades dos falantes, como, no convvio

    com outras lnguas, principalmente as das antigas colnias, atribuem quase sempre a

    arrogncia, parecendo, deste modo, sobrepor-se mais do que dialogar com elas o quanto

    baste. A mesma lngua culpabilizada pela morte das outras, em muitos casos para absorver

    medocres polticas lingusticas nos novos Estados ps-coloniais. Entretanto, reconhecendo-lhe

    2 Por exemplo, o facto de a lngua portuguesa motivar a consumao de um acordo ortogrfico entre os pases membros da comunidade CPLP, cujas expectativas goradas nos impelem a consider-lo mais motivador de desacordos do que de acordos.

  • 20

    algum entrosamento com aquelas, considera como pea-chave para a solidificao do

    esprito nacional, um dado imprescindvel ao projecto de construo de naes em pases

    lingustica e culturalmente heterogneos como este em apreo. ainda a mesma lngua que,

    no espao lusfono, surge nas siglas de algumas organizaes como elemento fundador de

    partida, isto , -LP (lngua portuguesa) em CPLP; -LOP (lngua oficial portuguesa) em

    PALOP, cambiantes designativos de uma lngua cujo nmero de falantes nativos no mundo,

    em franco crescimento, ronda os cerca de 244 milhes, representando 3,7% da populao

    mundial (Banco Mundial apud Esperana, 2008).

    Tabela 2: Falantes de pases de lngua oficial portuguesa (em milhes)

    Pases de Lngua Oficial Portuguesa

    Populao (em milhes)

    Ranking mundial

    Brasil 191.6 5

    Moambique 21.4 49

    Angola 17.0 56

    Portugal 10.6 74

    Guin-Bissau 1.7 145

    Timor Leste 1.1 151

    Cabo Verde 0.5 161

    So Tom e Prncipe 0.2 182

    Total 244 3.7% Percentagem da populao

    Fonte: Esperana, 2008.

    H, por conseguinte, razes e contedos de vria ordem, quer sejam do foro lingustico e

    sociolingustico, quer poltico, econmico e ideolgico, que a lngua portuguesa tem

    capitalizado e se prestam, em nossa opinio, para um trabalho de carcter cientfico como o

    de uma tese de doutoramento. Para ns, a feitura da histria e da vida, no dia-a-dia, e pelos

    acontecimentos, por um lado, e a feitura do discurso sobre a histria ou sobre a vida, por

    outro, englobam dois nveis distintos. O primeiro, imediato, mais ou menos irreflectido,

    espontneo e pragmtico, e o segundo, mais racional e analtico, capacitando o homem para

    uma gesto mais producente do prprio nvel pragmtico da sua existncia. Mesmo que

    muitos indivduos no mundo dispensem uma reflexo (analtica, terica) sobre as suas vidas

    para, supostamente, melhor fazerem gesto de si mesmos; mesmo que certos decisores

    polticos achem que as suas prticas, ignorando o estado insalubre do ambiente, dispensem

    lies da cincia para melhor escolherem as mesmas prticas e apostarem na reduo de

    vigor cincia, um trabalho como o nosso significa, a nosso ver, um contributo para o

    esclarecimento de fenmenos que envolvem a Humanidade, cujo valor efectivo consistir em

    tornar o Homem mais capacitado, mais competente, portador de performances que o levem a

    cultivar e usufruir da prpria Vida.

    com esta conscincia de utilidade, ainda que relativizada circunstancialmente pelo seu

    carcter pioneiro, que a nossa investigao se prope como um discurso sobre um segmento

  • 21

    da dimenso evolutiva, multirradicular e mesmo pluri-desenvolvimentista da lngua

    portuguesa, com maior incidncia a partir do ps-descolonizao.

    Angola, Estado africano criado em 1975, em resultado da descolonizao portuguesa, hoje,

    sem dvida, um dos grandes condminos da lngua portuguesa. O desafio de elaborao de um

    tal discurso de rigor cientfico sobre a temtica enunciada , praticamente, o de vertermos

    sobre o que e poder vir a ser Angola para a lngua portuguesa e o que a lngua

    portuguesa e poder ir a ser para Angola. Este exerccio, cuja meta a nacionalizao da

    lngua portuguesa, apoia-se na averiguao do grau de assuno e da distribuio da

    frequncia do uso da mesma lngua. um assunto que nos parece central, devido ao perfil de

    Angola, e, igualmente, tendo em conta aquilo que tem acontecido e de que se tem falado

    pragmaticamente, sem, no entanto, se aprofundar sociolinguisticamente o papel da lngua

    portuguesa nesse pas lusfono.

    Numa altura em que insignes e visionrias palavras de Pessoa - A lngua portuguesa a

    minha Ptria tm feito pleno sentido; em que se perspectiva o futuro da nao angolana,

    tendo, a par da etnicidade, a questo lingustica como central, a temtica anunciada orienta-

    nos tambm para encetarmos, ponderarmos e assumirmos com maior conscincia o controle

    dos efeitos do alcance de iniciativas passadas, presentes, emergentes e ulteriores em torno

    da lngua portuguesa. Neste desafio cientfico, o enfoque incide na lngua portuguesa e o

    horizonte aponta para a sua nacionalizao, partindo do pressuposto de que uma lngua no

    apenas um instrumento, um servidor, um elemento prestador de servio ao homem, quando a

    usa como seu falante ou seu utente. Uma lngua , em si, um codex formatador; um

    dispositivo que formata o seu utente. Ao mesmo tempo que o utente dela se serve, ela acaba

    por ir formatando, com o seu codex circunstancial prprio, esse utente. nesta ptica que

    a lngua portuguesa pode ter o efeito de ajudar a desenvolver uma identidade nacional nova,

    nascida do somatrio das identidades tnicas, com o selo do estatuto poltico que lhe

    atribudo pelo Estado, pese embora se considerar a incerteza manifestada por Hodges (2002)

    quanto possibilidade de a sua afirmao poder interferir negativamente na diversidade

    cultural (e sobretudo lingustica)3 angolana.

    De facto, a lngua portuguesa est, hoje, circunstancialmente imbuda, entre outros

    elementos, de um cdex nacional, podendo, com ela, Angola acelerar a sua partida para a

    realizao do projecto ideolgico do Estado angolano: a construo de uma nao angolana.

    3 Parntese nosso.

  • 22

    2. Delimitao da investigao

    Para facilitar a operacionalizao dos parmetros de uma investigao, a delimitao em

    planos variados parece ser um mtodo eficaz, ao permitir estabelecer balizas, quer ao nvel

    do assunto e da extenso, quer ao de outros factores, nomeadamente os meios humanos, os

    recursos econmicos e a exiguidade de prazo. Nesta investigao, a delimitao obedece a

    dois planos definidos, como a seguir apresentamos.

    Enquanto procura de um quadro terico contributivo para o processo da nacionalizao da

    lngua portuguesa em Angola, o plano temtico constitui um debate de autores, na senda da

    interdisciplinaridade. Trata-se de um rodopio cogitacional de orientao (socio)lingustica,

    visando avaliar os nveis de conscincia da assuno e o grau da frequncia do uso da lngua

    portuguesa em Angola, em busca da nacionalizao. Entretanto, no se trata de orientao

    sociolingustica do ponto de vista variacional, mas, sim, em questionar, com recurso

    empiria, se a situao actual da lngua portuguesa permite discutir a sua nacionalizao, uma

    vez que algumas vozes, incluindo certas figuras polticas, perfilam nesse objectivo.

    O plano temtico representa, do mesmo modo, um debate acerca do aproveitamento das

    benesses do elemento sociolingustico lngua, neste caso, lngua portuguesa, no projecto

    angolano de construo de uma nao. Alis, mesmo se houver espao, como natural num

    trabalho desta natureza, para se perspectivar a variao lingustica, a abordagem no se

    cingir perspectiva de mudana lingustica, mas, principalmente, no plano de histria da

    lngua, por este ltimo ser terreno permevel anlise de questes relacionadas, entre

    outras, com a poltica lingustica, a democratizao de ensino, o estatuto poltico e as

    funes sociais da lngua portuguesa em Angola, no quadro de uma sociedade pluralista,

    pluritnica e plurilingue.

    Quanto ao plano cronolgico, os assuntos discutidos nesta investigao situam-se entre o

    perodo de transio para a independncia e o perodo ps-independncia, se bem que rasgos

    de outros momentos - anteriores transio ou posteriores ao sculo XX - se possam

    intrometer para melhor complementaridade. O realce do perodo cronolgico definido pode

    justificar-se assim: i) pelo facto de ser um perodo crucial no processo sobre a

    autodeterminao de Angola e a respectiva criao do Estado angolano que, a partir do feito,

    se responsabiliza pela materializao do projecto nacional4; ii) pelo facto de o ps-

    independncia, na sua relao com o ps-colonialismo, representar um acentuar de

    animosidades entre os Estados emergentes do processo da descolonizao e as potncias

    colonizadoras, por corresponder ao perodo do questionamento da modernidade

    europeia/ocidental como modelo nico de modernizao (Venncio, 2009). Nesta perspectiva,

    4 Entretanto, o projecto de construo da nao fracassou com o eclodir da guerra civil, pondo em causa a unidade aparentemente criada em torno da luta de libertao colonial.

  • 23

    correspondeu ao momento fundamental na definio do futuro da lngua portuguesa em

    Angola, uma vez que a sua natureza pluritnica e plurilingue e/ou multilingue5 dificultava

    uma previso correcta do futuro da lngua em anlise; iii) pelo facto de o mesmo perodo,

    principalmente as ltimas dcadas do sculo XX e a primeira dcada do sculo XXI,

    corresponderem fase de maior revelao da ideia escondida pela expresso lngua

    veicular a maneira artificiosa encontrada pelos decisores polticos de no chamar

    nacional lngua do colonizador.

    3. Proposta de investigao

    Desde a sua introduo no sculo XV, passando pela proclamao como lngua oficial a 11 de

    Novembro de 1975, at actualidade, a lngua portuguesa tem vindo a conhecer uma

    dinmica traduzida num crescente nmero de falantes em situao de lngua segunda.

    Todavia, apesar de nos ltimos anos a procura crescente das produes angolanas e

    brasileiras (Esperana, op. cit.) poder tambm contribuir para o aumento da cifra de falantes

    no maternos, a realidade angolana atpica no contexto africano. Tal particularidade no

    reside no facto anteriormente referido nem to-pouco por assinalar uma expanso territorial

    cuja dinmica assume, cada vez mais, contornos irreversveis. Resulta, sim, daquilo que

    podemos apelidar de processo de assuno da lngua portuguesa que tem marcado o perodo

    ps-independncia angolano, desde a dcada de 80.

    Em termos concretos, o processo de assuno da lngua portuguesa traduz-se num aumento do

    nmero de falantes que a tm como lngua materna e nica, uma situao sem paralelo em

    toda a frica Subsariana (Hodges, 2002; Venncio, 1992/93), permitindo estimar que num

    futuro breve possa colocar-se na posio de uma das lnguas maternas mais importantes de

    Angola em termos quantitativos (Pepetela: 1986:11). O inqurito realizado em 1996 coloca o

    portugus na posio de segunda lngua mais importante de Angola, com cerca de 26% de

    falantes maternos, apenas ultrapassado pelo umbundu (30%), mas posicionando-se muito

    frente de kimbundu e kicongo, com 16% e 8% respectivamente (Hodges, op.cit., pp. 46-47).

    Actualmente, no obstante a precariedade de alguns dados por falta de censos actualizados,

    estes, na ausncia de outros mais fiveis, tm revelado que a LP tem vindo a ultrapassar a

    barreira da urbanidade, ao deixar de ser falada apenas em meios urbanos ou em espaos

    outrora da exclusividade das lnguas nacionais de origem africana. Esta crescente

    popularizao da lngua portuguesa f-la surgir como lngua mais falada no contexto nacional,

    5 Segundo Franois Grin, o plurilinguismo supe uma diversidade calculvel, ou seja, que o nmero de lnguas em presena esteja especificado, ao contrrio de multilinguismo que retoma a noo geral de diversidade das lnguas, sem identificao das lnguas que constituem essa diversidade. Cf.: Franois Grin (2005). O ensino das lnguas estrangeiras como poltica pblica. Paris: Relatrio Encomendado pelo Haut Conseil de Levalution de Lecole.

  • 24

    ultrapassando todas as outras lnguas de Angola6, podendo j ser falada por mais de 90% dos

    angolanos, embora uns se expressem melhor do que outros7. Eis por que parece difcil

    encontrar, sobretudo no seio da camada jovem, algum que, se no fale, pelo menos

    compreenda o portugus. Excepto alguns Estados insulares, nenhum outro pas de frica

    apresenta similitudes com Angola em relao proeminncia ganha pela lngua europeia da

    ex-potncia colonizadora junto das massas populares (Hodges, op. cit.), deitando por terra

    todos os medos e expectativas que lhe auguraram futuro sombrio, ou melhor incerto para

    sermos mais contidos - no ps-independncia8.

    Estamos, nesta ptica, perante um passado que no o seu presente e os ablativos de um

    futuro que certamente se apregoa muito para alm, nem do passado colonial que o gerou,

    nem do presente ruidoso, nem do futuro, apesar de tudo, ainda por esclarecer. Em face do

    quadro descrito e atendendo ao objectivo principal da investigao, que passa pelo processo

    da nacionalizao da lngua portuguesa, levantamos, adiante, trs interrogaes de partida:

    Conforme referimos, desde a adopo como lngua oficial do Estado na dcada de 70,

    passando pelas dcadas de 80 e 90 do sculo XX, at ao dealbar do sculo XXI, a lngua

    portuguesa tem vindo a conhecer um processo de expanso territorial, cuja dinmica aponta

    para um carcter irreversvel. Em consequncia, acentua-se o contacto com indivduos

    residentes em zonas rurais, tendo como efeito um aumento galopante do nmero de falantes

    no maternos. Paralelamente, verifica-se um crescimento do nmero de falantes maternos,

    uma ferramenta imprescindvel tanto para a naturalizao, como para a nacionalizao de

    uma lngua. Ora, perante o fenmeno de expanso territorial da lngua portuguesa e em

    conformidade com o quadro conceptual de lngua nacional, ser pertinente continuar a

    considerar o portugus como lngua estrangeira? Sabendo-se que em Angola a temtica

    lingustica envolve questes de identidade individual e/ou colectiva; que no pas coabitam

    povos com lnguas e culturas diferentes, que, naturalmente as tentam preservar, estaro

    criadas as condies para que a lngua portuguesa possa ser considerada a lngua nacional

    de Angola ou, pelo contrrio, existem sentimentos de resistncia? Para que tal processo de

    nacionalizao seja pacfico, no ser, ento, necessrio o desenvolvimento de uma poltica

    lingustica que proteja a diversidade, nomeadamente a institucionalizao do bilinguismo e

    do ensino bilingue?

    6 Pepetela. In www.diarioliberdade.org. Acedida a 29.04.2010, s 2h00. 7 Pepetela. Idem, ibidem. 8 Em causa est a manifestao de inquietao por Jacinto Prado Coelho, ao questionar o futuro do portugus como lngua literria (subentendendo em frica) (Ferreira, 1988), ou o caso de Guiuseppe Tavani, crtico e sociolinguista italiano, que punha em causa a pertinncia cientfica e ideolgica de uma eventual deciso no sentido de se conferir lngua portuguesa um estatuto privilegiado, em Problemas da expresso lingustico-literria nos pases africanos de independncia recente (Tavani, 1976).

  • 25

    4. Definio de conceitos-chave

    4.1 Enquadramento sociolingustico

    Como j afirmmos, a sociolingustica o domnio privilegiado da presente investigao. A

    sua histria, assim como a relao que os precursores desta cincia lhe atriburam com a

    lingustica sugere-nos, de imediato, a seguinte interrogao: so ou no, lingustica e

    sociolingustica, dois nomes volta do mesmo conceito? Em jeito de resposta, se verdade

    que inicialmente a fronteira entre ambas as cincias carecia de nitidez, fazendo com que as

    discusses em torno de questes do campo de estudo da sociolingustica carecessem de

    (de)limitao, no deixa de ser tambm verdade que cada uma foi construindo o seu objecto

    prprio ao longo do tempo. Tanto numa quanto noutra, tal autonomizao ter ocorrido a

    partir de finais do sculo XIX, mas com maior incidncia ao longo da 1 metade do sculo XX.

    Antes desse perodo, a sociolingustica no se constitua verdadeiramente como disciplina

    autnoma, pese embora os debates que vo marcar o seu futuro j fervilhassem no seio

    acadmico de ento. Basta, para o efeito, recuarmos aos finais do sculo XIX e princpios do

    sculo XX, altura em que Antoine Meillet, opondo-se a Saussure, coloca a tnica no carcter

    social da lngua. A divergncia suscitou duas posies que acabaram por constituir os dois

    mbitos de abordagem sociolingustica de ento: uma posio que no reduz a sociolingustica

    ao estudo do aspecto social da lngua, mas que ela a prpria lingustica; outra que admite a

    complementaridade entre uma lingustica centrada na questo da gramaticalidade e uma

    sociolingustica preocupada com a dimenso social das lnguas (Maingueneau, 1997).

    O facto de a primeira posio implicar a recusa dos pressupostos e mtodos da lingustica

    dominante, que, qui, cometeria o erro de excluir a variao lingustica e, portanto, de

    trabalhar com os dados artificiais, e tambm de situar no sistema lingustico processos

    efectivamente dependentes de factores sociais, despoletou nos anos 60 e 70 do sculo XX, nos

    Estados Unidos da Amrica, uma forte polmica baseada, fundamentalmente, na noo de

    locutor-ouvinte ideal pertencente a uma comunidade lingustica homognea, apoiada na

    lingustica generativa. Assim se abriu o caminho para o surgimento e afirmao da

    sociolingustica como cincia autnoma, envolvendo o ambiente e a dinmica que a seguir se

    descreve.

    Por influncia do estruturalismo9 europeu, John Boas e Edward Sapir, dois professores

    universitrios, fundaram as primeiras escolas de lingustica americana, as primeiras a receber

    influncias exteriores devidas s novas cincias humanas: psicologia social do comportamento

    9 Convm referir que este termo pode ser aplicado, para designar, apenas, uma escola lingustica (por exemplo, a de Saussure), ou ainda para designar a totalidade de escolas lingusticas. Entretanto, todas apresentam concepes e mtodos que implicam a definio de estrutura em lingustica (Dubois, 2007, op.cit., p. 248). A concepo generalizada da linguagem do ponto de vista estruturalista de conceber a lngua como sistema que deve preservar a identidade das suas unidades e cuja funo essencial comunicar informaes da maneira mais econmica possvel. (Maingueneau, op. cit., p.48).

  • 26

    (behaviorismo) no caso das teorias de Boas e sociologia no caso da lingustica de Leonard

    Bloomfield. Entretanto, a lingustica americana era muito marcada pelas investigaes

    antropolgicas, devido necessidade de descrever um grande nmero de lnguas ndias, cuja

    estrutura se afasta muito das lnguas europeias (Maingueneau, op. cit.). Deste modo, com a

    obra Language, de Bloomfield, considerado como especialista das lnguas indo-europeias

    (Ducrot & Todorov, op. cit.), e sobretudo com Methods in Structural Linguistics, de Zellig

    Sebbetai Harris, o estruturalismo transforma-se numa nova teoria designada por

    distribucionalismo, ao procurar definir as unidades pertinentes apenas com base nas suas

    distribuies, isto , no conjunto dos seus contextos (Maingueneau, idem, ibidem).

    de salientar que outros nomes como Weinreich, Fergunson e Fishman figuram na lista de

    investigadores que deram mote ao surgimento da sociolingustica, ao tentarem descortinar

    situaes resultantes do contacto de lnguas, entre as quais o fenmeno da diglossia.

    Entretanto, embora se reconhea mrito a todos os nomes mencionados, contribuindo cada

    um, com maior ou menor impacto, para a afirmao da sociolingustica, merecem realce, por

    vrias razes, os nomes de Edward Sapir e William Labov. O primeiro, Sapir, impulsionador do

    estruturalismo na perspectiva americana10, observou as diferenas de formas gramaticais e

    lexicais entre homens e mulheres na tribo californiana dos yanas, se bem que a crtica da

    altura tivesse atribudo ao seu trabalho um cunho de curiosidades antropolgicas (Favrod,

    1980). Compreende-se, nesta perspectiva, a notoriedade de Sapir no mbito dos estudos

    antropolgicos e lingusticos. O segundo, Labov, para muitos investigadores a estrela maior no

    domnio da afirmao da sociolingustica enquanto cincia autnoma, e, por isso, considerado

    como pai da sociolingustica, fez investigaes que tiveram um impacto revolucionrio,

    acabando por dissipar, ou mesmo resolver, problemas que at ento a lingustica

    (saussuriana) no resolvera, enquadradas na questo da variao lingustica.

    As investigaes de Labov, baseadas no ingls falado em Nova Iorque, causaram grande

    impacto e admirao, ao revelarem que certas variaes fonticas apresentavam uma estreita

    correlao com a origem social. Nesta ptica, este investigador americano defendia que as

    variaes dos fonemas estariam ligadas situao de comunicao, acrescentando que um

    indivduo no pronuncia os sons da mesma maneira nas conversas banais, quando fala em

    pblico ou quando l em voz alta. Mesmo assim, estes desvios variam, afiana Labov,

    conforme o estatuto socioeconmico do locutor (Favrod, op. cit.). Na mesma teia de

    contributos sociolingustica e na linha da perspectiva variacional da linguagem, associamos

    o nome de Karl Buher, ao atribuir uma dupla funo ao cdigo lingustico. Para este psiclogo

    de origem alem, que viveu at morte em Los Angeles (EUA), para alm da funo

    10 importante, todavia, distinguir o Estruturalismo francs do americano: enquanto o primeiro agrupava estudos diversificados como a Semiologia, a Semntica, a Psicanlise e a Etnoantropologia, o segundo, americano, referia-se a uma simples escola de estudos puramente lingusticos, sob o impulso de Edward Sapir. Deste modo, pode-se afirmar, apesar da diferena de trabalhos, que Roland Barthes, Claude Levi-Strauss, Jacques Lacan so mais ou menos estruturalistas.

  • 27

    representativa de transmisso dos sentidos, a linguagem comportaria um aspecto expressivo,

    dado que certas variveis indicam as caractersticas pessoais do locutor: regio de origem,

    profisso, nvel de educao, etc. A linguagem, na ptica de Buher, constituiria, assim, um

    signo de reconhecimento social tanto como um instrumento de comunicao (idem). Estava,

    deste modo, aberto o caminho para a legitimao das variaes lingusticas, matria que se

    tornou cannica e indissocivel de qualquer abordagem de situaes de contacto de lnguas

    como o nosso estudo, e que adiante apresentamos.

    Retomando a questo da evoluo dos estudos sociolingusticos, fundamentalmente no que

    concerne ao surgimento, inferimos que a sociolingustica surge como consequncia da procura

    dos limites, das complementaridades e das hierarquias possveis entre as cincias sociais;

    ergue-se numa poca de constantes buscas capazes de dar respostas a questes que at

    altura a lingustica se mostrou incapaz de fornecer; aparece, enfim, numa fase em que as

    atenes dos linguistas ultrapassavam os limites primitivos estabelecidos lingustica,

    partindo para a anlise das relaes entre sistemas, usos lingusticos e factos sociais, e

    passando a admitir, embora desconfiadamente, as sobrevivncias de uma determinada

    filosofia e sociologia da linguagem, sendo que esta ltima tinha como pretenso servir-se dos

    factos da lngua e do discurso como meios para alcanar um melhor conhecimento dos factos

    sociais, utilizando e discutindo para a sua formao as descries e as concluses da

    lingustica (Gramadi, 1983).

    Assim sendo, sociologia da linguagem e sociolingustica passam a significar, para alguns

    investigadores, a mesma cincia: o formalista russo Roman Jakobson, guisa de exemplo,

    considera que a sociologia da linguagem aqui usada como sinnimo de sociolingustica -

    parte integrante da lingustica; Joshua Fishman e os seus colaboradores corroboram esta ideia

    sinonmica entre sociologia da linguagem e sociolingustica, pese embora Fishman ter tentado

    estabelecer, por vezes, certas diferenas, ao considerar a sociologia da linguagem uma

    sociolingustica integrada nas perspectivas da sociologia. Quanto a ns, consideramos que

    essa discusso no nossa, uma vez que no querermos tomar posio na matria em

    discusso. Entretanto, esclarecemos que a nossa preferncia terminolgica privilegia a

    sociolingustica, opo justificada mais por razes de ordem discursiva do que conteudstica.

    Uma das cincias que lado a lado com a sociolingustica nasce da sequncia de dinmicas em

    torno da paradigmatizao das cincias sociais, no perodo ps-segunda grande guerra, a

    partir dos trabalhos de Osgood, Miller, Carrol, Sebeok e Chomsky, a psicolingustica, cincia

    com a qual a sociolingustica tem afinidades inegveis, do mesmo modo que as duas as tm

    com a lingustica. No foi em vo que se considerou a psicolingustica, nos anos 60 do sculo

    XX, ter sido estimulada consideravelmente pela lingustica generativa, de Chomsky. Um dos

    grandes contributos desta corrente de pensamento lingustico chomskiano a abertura do

    debate em torno do carcter inato das estruturas gramaticais, ao atribuir lingustica a

  • 28

    finalidade de construir um modelo de competncia dos locutores. Por influncia da

    transversalidade da teoria chomskiana, uma vez que estuda processos psicolgicos ligados

    produo da linguagem verbal, a psicolingustica , hoje, na sua relao com a

    sociolingustica, uma rea de estudo multidisciplinar que abarca questes que vo desde os

    processos de produo e interpretao dos enunciados, passando pelos processos de

    memorizao, patologia da linguagem at ao processo de aquisio da linguagem11.

    No primeiro processo, a produo e interpretao dos enunciados constitui um debate

    tripartido em torno da relao linguagem, pensamento e cultura, visto que se trata de um

    processo que questiona como o locutor passa de uma inteno de significao para a emisso

    de uma srie de sons ou de signos escritos; como um locutor controla a sua produo

    enquanto a leva a cabo ou, por outro lado, como se opera, mentalmente, a segmentao da

    cadeia verbal em unidades (palavras a texto); como se identifica uma palavra, tendo em

    conta as variaes de pronncia considerveis, conforme os momentos ou locutores, e qual o

    papel dos conhecimentos propriamente lingusticos e o dos conhecimentos enciclopdicos no

    processo de interpretao.

    O mesmo no se pode dizer acerca da memorizao, segundo processo, pois este funciona

    como uma continuidade do processo anterior, quer dizer: uma vez produzido o enunciado e

    desvendado o obscuro, h que armazenar a informao, impedindo o esquecimento. Nesta

    ptica, a preocupao da memorizao desvendar como as palavras, as frases e os textos

    esto presentes na memria, questionando se so representaes lingusticas ou, por outro

    lado, informaes transformadas em representaes de um tipo diferente.

    Quanto ao processo de patologia da linguagem, o terceiro da nossa sequncia, a sua

    etimologia grega (pathos: sofrimento, doena + logos: tratado, cincia) sugere, como

    objecto, doenas, isto , enfermidades relacionadas com a linguagem e/ou diversas

    perturbaes da linguagem: dislexia (perturbao da capacidade de ler ou dificuldade na

    reproduo ou compreenso da linguagem); afasia de expresso (dificuldade ou incapacidade

    de expresso); afasia sensorial (dificuldade ou incapacidade de compreenso); alexia

    (incapacidade patolgica ou congnita de ler ou cegueira verbal); agrafia (dificuldade ou

    incapacidade de escrita); outras perturbaes devidas a uma patologia mental (autismo,

    esquizofrenia, etc). Segundo Maingueneau (op. cit.), a partir do sculo XIX, graas aos

    trabalhos de Paul Broca (1824-1880), o estudo das afasias ficou ligado ao da localizao, no

    crebro, das diferentes capacidades lingusticas.

    Vejamos, por ltimo, o processo da aquisio da linguagem que, pela importncia de que se

    reveste, lhe dedicamos maior ateno. A aquisio da linguagem um dos problemas centrais

    da prpria lingustica actual, j que apresentam, em simultneo, carcter universal e

    11 Para mais detalhes, pode cf. Dominique Maingueneau, op. cit., pp. 64-66.

  • 29

    caractersticas idiossincrticas. No primeiro caso, as capacidades lingusticas desenvolvem-se

    paulatinamente, semelhana de outras faculdades como a locomoo e a percepo. Este

    paradigma leva a inferir que o recm-nascido capaz de adquirir qualquer lngua, visto

    estarem prontos a funcionar, desde o nascimento, os seus sistemas nervoso e muscular que

    permitiro o aparecimento ulterior da linguagem (Favrod, op. cit.). No segundo caso, apesar

    de o mecanismo de aquisio estar pronto, a especificidade do meio lingustico onde a

    criana cresce pode condicionar a prtica ou a aquisio de outra lngua diferente do falar

    materno (idem).

    Existem trs perspectivas principais que divergem quanto abordagem em torno da aquisio

    da linguagem: o associacionismo, o behaviorismo e o inatismo. A aquisio da linguagem, na

    perspectiva da escola associacionista, baseia-se na imitao dos adultos, tendo esta corrente

    vigorado durante muito tempo. No entendimento da escola associacionista em psicologia, a

    ligao estabelecida entre as significaes e as palavras pela criana semelhante quela

    que criada pelos reflexos condicionados de Pavlov. Os linguistas e psiclogos behavioristas

    remetem para reforo. Por exemplo, enquanto Thorndike refere que a criana opera uma

    seleco entre todos os sons que pronuncia na origem, guiando-se pelas reaces dos que a

    rodeiam, Bloomfield e Skinner, linguista e psiclogo behavioristas, respectivamente, associam

    a linguagem a um simples sistema de hbitos adquiridos (idem).

    No que concerne ao inatismo, Chomsky dispara crticas em vrias direces. Censura a

    lingustica saussuriana porque, em sua ptica, ao ter mais em vista um sistema de elementos

    do que regras, Saussure reduz a linguagem a uma espcie de inventrio, sem poder gerador.

    Para Chomsky, existe um mecanismo de aquisio da linguagem que, no essencial, seria

    transmitido hereditariamente. O facto de as crianas normais assimilarem, em muito pouco

    tempo, gramticas muito complexas leva a pensar que os seres humanos so geneticamente

    predispostos para a linguagem (Favrod, op. cit). Por outras palavras, a criana possui,

    partida, um conjunto de faculdades lingusticas complexas, particularmente a de

    compreender ou de formar enunciados nunca antes ouvidos. A imitao, tese defendida pelos

    behavioristas, no d conta desta fora criadora, remata Chomsky (idem).

    Em termos particulares, ao behaviorista Skinner, Chomsky censura aquilo que considera ser

    anlise de comportamento apenas exterior, ignorando a estrutura interna do organismo e o

    modo como ele recebe e elabora as mensagens. Esta concepo vigorou at dcada de

    sessenta do sculo XX, altura em que os generativistas americanos abandonam a prudncia de

    Chomsky, fazendo da hiptese uma certeza, ao declararem inato, por intermdio de Katz,

    tudo aquilo que se relaciona com a aprendizagem, utilizao e inteligncia da linguagem.

    Katz sustenta que no h mais nada que possa explicar que certas propriedades se encontram

    em todas as lnguas naturais. Lenneberg, na teia de Katz, reala que o desenvolvimento

    lingustico de um indivduo estritamente determinado pelo processo de maturao,

  • 30

    concluindo que as estruturas gramaticais, latentes no organismo, so apenas actualizadas

    (idem).

    Convm referirmos que antes da afirmao da sociolingustica como cincia autnoma, a

    situao da face social da lngua j tinha, de certo modo, despertado a ateno de alguns

    linguistas, incluindo Saussure. Entretanto, tratou-se de um interesse pouco incisivo, que

    consistia em situar processos dependentes de factores sociais no sistema lingustico, visto

    que, de uma maneira geral, os linguistas excluam, quase sempre, do seu campo de estudo, as

    variaes do uso. Ferdinand de Saussure, por exemplo, manifesta no Cours uma preocupao

    ligada prpria lingustica, ou seja, definir o seu objecto e encontrar os seus prprios

    mtodos. Por outras palavras, preocupa-se, primeiramente, com a autonomizao da

    lingustica (j que era uma cincia nova) face as congneres tais como fisiologia, psicologia,

    lgica, filosofia, sociologia e histria, que lhe podiam ensombrar a posio, e das quais

    dependia total ou parcialmente. Nesta perspectiva, lanar bases suficientes para o estudo das

    relaes entre as lnguas e os utentes no constitua prioridade para Saussure (Gramadi, op.

    cit.). Ainda assim, o contributo de Saussure de extrema importncia, visto que com o

    genebrino se evidencia a oposio lingustica histrica dominante em todo o sculo XIX que,

    ao tratar a lngua como objecto fsico submetido a leis de evoluo fontica, parece

    negligenciar a dimenso psicolgica e social da linguagem, definindo-se com rigor o quadro

    epistemolgico da lingustica.

    A ideia que atenua a incidncia de questes relacionadas com a variao, no campo da

    lingustica daquele perodo, realada por Ducrot e Todorov, ao aludirem que nunca se tinha

    negado a relao entre a linguagem, por um lado, e a sociedade ou comportamento, por

    outro, se bem que at altura nenhum acordo estava feito entre os investigadores quanto

    natureza dessa relao. Por isso, concluem: estamos mais empenhados, mais do que numa

    disciplina nica, num conjunto de respostas e de investigaes cuja incoerncia se reflecte

    at na multiplicidade de denominaes: sociologia da linguagem, sociolingustica,

    etnolingustica, antropologia lingustica, lingustica antropolgica, etc. (Ducrot & Todorov,

    1978: 85). Deste modo, a sociolingustica busca inspirao no mtodo sociolgico para

    registar, descrever e analisar, sistematicamente, factos sociais da lngua e os desta na

    sociedade. Esse comportamento torna a variao lingustica, entendida como um princpio

    geral e universal passvel de ser descrita e analisada cientificamente, seu objecto de estudo

    (Mollica & Barros, 2004).

    Como cincia autnoma, a sociolingustica tem-se tornado um campo profcuo de estudos

    cientficos, semelhana do que vem acontecendo com as novas reas cientficas que

    floresceram nas dcadas do seu surgimento. Sendo uma corrente cientfica que se prope a

    descrever diferentes variedades coexistentes no seio de uma comunidade lingustica,

    relacionando-as com as estruturas sociais (Favrod, op. cit.), ou podendo ainda ser

  • 31

    considerada uma das sub-reas da lingustica que estuda a lngua em uso no seio das

    comunidades de fala, voltando a ateno para um tipo de investigao que correlaciona

    aspectos lingusticos e sociais (Mollica & Barros, op. cit.), a sociolingustica ganha fortes

    ligaes lingustica, antropologia (...) sociologia, etnologia e poltica. Compreende-se, pois,

    por que considerada uma rea cientfica abrangente, multidisciplinar e multifacetada.

    Entende-se, de igual modo, por que as vrias reas e sub-reas relacionadas com a

    diversidade lingustica e os problemas de contacto interlingustico, bem como as suas

    implicaes e regulamentao do uso das lnguas constituem matrias que maior interesse

    ganham nesta nossa investigao. Feita esta pequena incurso na sociolingustica, por ser o

    principal domnio cientfico da investigao, funcionando como ponto de partida para

    atingirmos alguns conceitos pertinentes, com fortes ligaes ao fenmeno de contacto de

    lnguas, passamos, de imediato, a destac-los.

    4.2 Acerca do contacto de lnguas

    Uma das principais dimenses humanas a dimenso social. Esta implica que o ser humano

    no viva isoladamente, pois est em constante interaco quer com outros seres humanos,

    quer com seres no homlogos. Os contactos abrem caminhos para uma imensidade de

    atitudes tanto positivas, por exemplo a solidariedade, quanto negativas, como o caso da

    explorao ou a dominao. Do ponto de vista (scio)lingustico, o contacto de lnguas pode

    igualmente ser encarado como fenmeno positivo ou negativos, favorecendo, porm, a

    diversidade lingustica. Esta expresso - diversidade lingustica - usada no contexto da

    coexistncia de indivduos que no falam a mesma lngua quer se trate de uma situao

    passageira, quer de uma situao enraizada, como o caso de Angola. Actualmente, cada

    vez mais recorrente o apelo valorizao da diversidade lingustica, ao permitir o

    reconhecimento da identidade lingustica de cada sujeito, a par do seu desenvolvimento

    cognitivo e emocional. Em sentido contrrio devem apontar as baterias contra a glotofagia,

    tendo em conta a relao semntica que mantm com o fenmeno da morte de lnguas.

    Um dos fenmenos sociolingusticos derivados da diversidade lingustica o multilinguismo,

    fenmeno que ocorre em sociedades tipicamente pluralistas, em situaes nas quais os

    locutores utilizam, concomitantemente, vrias lnguas. De acordo com a perspectiva do

    Instituto de Lingustica Terica e Computacional (ILTEC, 2003-2005), a expresso utilizada

    quando se referem situaes em que coexistem falantes de vrias lnguas, em geral de

    provenincias culturais diferenciadas, havendo necessidade de institucionalizar, como oficial,

    uma ou mais lnguas. O termo aplica-se perfeitamente realidade angolana, uma vez que

    este pas, muito antes da sua proclamao como Estado soberano em 1975, j era um

    territrio marcado por vrias lnguas de origem africana, a que se veio juntar a lngua

    portuguesa, lngua oficial. Nesta ptica, era e continua a ser um territrio multilingue.

  • 32

    Do ponto de vista do contedo da expresso, o multilinguismo no se restringe apenas a

    inventariar lnguas, mas, sobretudo, a questionar como diversas lnguas de uma sociedade

    podem estar armazenadas nas memrias; se estaro dissociadas ou interpenetradas; o modo

    como o sujeito as mobiliza, ao passar de uma para outra. Cremos, pois, que o multilinguismo

    faz parte de uma reflexo lingustica que postula a existncia de uma linguagem para l da

    variedade das lnguas particulares, apelando, por sua vez, vrios conceitos com ligao

    estreita ao fenmeno de contacto lingustico, entre os quais o bilinguismo, a diglossia e

    outros afins.

    Pela importncia de que o bilinguismo se reveste, vejamos tal conceito mais

    pormenorizadamente. De facto, as ltimas dcadas do sculo XX, a par da conjuntura actual,

    marcadas pelo fenmeno da globalizao e por um frequente contacto entre povos, lnguas e

    culturas diferentes, apresentam-se como um quadro propcio para o surgimento de

    populaes que falam mais do que uma lngua, favorecendo os contextos multilingues. A

    abordagem destas situaes foi ignorada durante muito tempo, at altura em que se

    comea a verificar um crescente interesse pelas questes relacionadas com o conhecimento

    das minorias tnicas, fundamentalmente pelas cincias sociais contemporneas. A partir da,

    aumenta, simultaneamente, o interesse pelo comportamento lingustico desses grupos sociais.

    Em consequncia, o fenmeno bilingual no s veio ribalta, como tambm se tornou uma

    das temticas dominantes e mais relevantes no domnio sociolingustico da actualidade. Os

    estudos que se tm realizado nas ltimas dcadas, de que se reconhecem avanos

    significativos, deixam transparecer que no mundo, cerca de metade da populao bilingue

    (Grosjean, 1982), podendo este fenmeno estender-se a quase todos os pases do mundo.

    Em termos conceptuais, o bilinguismo foi considerado, durante muito tempo, como a simples

    aptido de um indivduo para falar uma segunda lngua, to facilmente como o seu idioma

    materno (Favrod, op. cit.), sendo bilingue o indivduo que manifestasse competncia

    comparvel numa outra lngua, para alm da sua primeira lngua, e que tambm revelasse

    capacidade de utilizar uma e outra, em todas as circunstncias, com semelhante eficcia

    (Sigun & Mackey, 1986). Esta aptido foi associada a comunidades de elite, levando o

    bilinguismo a ser percepcionado, num longo espao de tempo, como um facto exclusivo de

    uma elite cultivada. Entretanto, circunstncias familiares ou sociais que favorecem contactos

    interlingusticos, por exemplo a questo da emigrao de trabalhadores das pequenas

    localidades para as grandes metrpoles, acompanhados de suas famlias, conferem a este

    fenmeno, inicialmente visto como elitista, uma ampla abordagem e uma diversidade de

    pontos de vistas. Da que, nos tempos actuais, o bilinguismo seja considerado um conceito

    sociolingustico aplicado para referir a competncia lingustica de alguns falantes que

    possuem capacidade de comunicar e de se expressar em duas lnguas diferentes (ILTEC, op.

    cit.).

  • 33

    Para uma melhor anlise do fenmeno, visto que se trata de um conceito dinmico, a crtica

    tem proposto algumas classificaes, do mesmo modo que lhe tem atribudo dimenses. Nesta

    perspectiva, segundo o modo de aprendizagem da lngua segunda (doravante L2), Ducrot,

    psiclogo americano, distingue bilinguismo composto (compound) do bilinguismo coordenado:

    enquanto o primeiro tipo ocorre quando as estruturas da L2 so apenas acrescentadas s da

    lngua materna (L1), o que acontece no caso da aquisio de uma lngua em contexto escolar,

    em que a lngua aprendida serve de referncia ao cdigo no materno; o segundo o tipo de

    bilinguismo em que o locutor consegue distinguir, de forma radical, os dois cdigos (L1 e L2),

    e pratica cada cdigo segundo a lgica que lhe prpria (Ducrot apud Favrod, op. cit.). H

    tambm a considerar o bilinguismo natural, em oposio ao bilinguismo artificial. O primeiro,

    normalmente empregue como sinnimo de plurilinguismo natural, refere a aprendizagem de

    lnguas durante a infncia, podendo, segundo a opinio de alguns investigadores, conduzir a

    uma melhor prtica de linguagem. Em contrapartida, o bilinguismo artificial do tipo escolar.

    raro, efectivamente, que uma criana bilingue mantenha em p de igualdade duas lnguas.

    Nesta ptica, embora Sigun e Mackey (op.cit.) concebam o bilinguismo a partir da

    semelhana da eficcia do uso de uma e outra lngua, ideia em voga durante muito tempo, h

    tambm a considerar que mesmo nos casos em que o indivduo entre em contacto com duas

    lnguas, desde a infncia, e as empregue facilmente na fase adulta, uma ser sempre mais

    privilegiada do que a outra, mesmo que, em termos de uso, o indivduo no transparea esse

    privilgio. Deste modo, aquela que no seio de duas lnguas, que tentam manter equilbrio,

    sobressai, considerada a lngua materna do indivduo. Outro dado de realce prende-se com

    o carcter depreciativo que alguns investigadores, inclusive nomes ilustres das cincias

    sociais, associaram ao fenmeno do bilinguismo: i) para Durkheim, o bilinguismo seria

    responsvel pela estagnao cultural das regies onde existe, quando se debrua a propsito

    da sua terra natal, a Alscia (Favrod, 1980: 46); ii) muitos outros psiclogos responsabilizam o

    bilinguismo precoce, no plano individual, pelo surgimento de situaes de perturbao

    patolgicas como a dislexia, ou, noutros casos, a diminuio do quociente intelectual das

    crianas (Favrod, idem, ibidem). Em contrapartida, estudos posteriores feitos em indivduos

    bilingues acabaram por destruir tais concepes anteriores, ao considerarem o bilinguismo

    uma forma de resoluo de problemas sociais. Portanto, no oferece, de modo geral, reversos

    negativos (Tavani, 1976) nem prejudica o desenvolvimento intelectual ou psicolgico do

    bilingue, podendo, pelo contrrio, contribuir para o desenvolvimento intelectual ou

    psicolgico dos sujeitos (ILTEC, op. cit.).

    Contudo, a avaliao de situaes de bilinguismo requer muita ateno, em primeiro lugar

    devido ao perigo de enviesamento dos resultados, tendo em conta o tipo de testes utilizados;

    em segundo lugar porque o enviesamento pode levar a confundir a linguagem do bilingue com

    as suas capacidades mentais. Investigadores do fenmeno de bilinguismo defendem que um

    bilingue precoce pode esquecer totalmente a sua prpria primeira lngua. Uma das situaes

  • 34

    em que o esquecimento pode ocorrer a emigrao definitiva. Neste caso, o bilinguismo

    reduz-se a um perodo de transio muito breve nas crianas. Contudo, as suas reaces

    podem estar dependentes de numerosos factores extra-lingusticos, por exemplo: lnguas

    utilizadas pelos pais, pelo meio, carcter mono ou multilingue da sociedade circundante,

    vontade de integrao no pas que acolhe, etc. Para alm das classificaes anteriores, tm

    sido propostos outras tipologias de bilinguismo. Lambert, guisa de exemplo, fala de

    bilinguismo aditivo, para se referir situao em que a aprendizagem de uma lngua segunda

    no impede nem substitui o desenvolvimento e a aprendizagem da lngua materna. Em suma,

    por ser percepcionado em diversas dimenses, muito do que nos apresentam acerca do

    fenmeno de bilinguismo so recortes particulares dessas dimenses. Para uma compreenso

    dessa diversidade de dimenses do bilinguismo, apresentamos o quadro-sntese proposto por

    Harmes e Blanc (Harmes & Blanc, 2000).

    Tabela 3: Dimenses de bilinguismo segundo Harmes

    Dimenso

    Denominao Definio

    Competncia relativa

    Bilinguismo balanceado L1=L2

    Bilinguismo dominante L1>L2 ou L1

  • 35

    elevados, e onde a hierarquia social era mais acentuada. Esta posio foi rejeitada por John

    Bumperz, para quem um fenmeno comparvel diglossia ocorre quando se associa um

    registo de lngua a uma determinada situao (Bumperz citado por Favrod, op. cit.). Uma vez

    que este conceito se confunde largamente com o bilinguismo, convm esclarecermos que

    enquanto o bilinguismo implica necessariamente a coexistncia de lnguas, este factor

    prescindvel pela diglossia, visto que aqui os dois nveis ou as duas variedades (high e low)

    pertencem mesma lngua. Nesta ptica, a diglossia no um fenmeno exclusivo de

    situao de multilinguismo.

    Considerando a realidade angolana, h lugar para referirmos os conceitos de lngua nacional,

    lngua materna, lngua segunda, lngua no materna e lngua estrangeira. Baseando-nos na

    definio proposta no projecto sobre a Diversidade Lingustica na Escola Portuguesa,

    desenvolvido pelo Instituto de Lingustica Terica e Computacional, no binio 2003-2005,

    nota-se uma relao estreita entre lngua nacional e lngua materna. No entendimento dos

    autores do projecto, a lngua nacional a lngua materna de um grupo de indivduos que

    pertencem a um pas, cuja lngua oficial pode ser diferente. Ainda em torno de lngua

    nacional, o Dicionrio Temtico da Lusofonia, sob a direco e coordenao de Fernando

    Cristvo, define-a como uma lngua falada em determinado territrio que, por plasmar

    marcas de uma herana especfica ou cdigo de afirmao de originalidade tico-cultural,

    pode configurar um elemento caracterizador de uma conscincia nacional e, nos casos mais

    evoludos, ser suporte de uma expresso literria autnoma Cristvo (Dir. e Coord),

    Amorim, Marques & Moita, 2007: 606). Situao idntica se vive em muitos pases africanos,

    ex-colnias de potncias europeias.

    Aplicando tal conceito realidade angolana, o portugus a lngua oficial, ou seja, aquela

    que os dirigentes polticos determinaram, apesar da sua origem estrangeira, para ser usada

    nas relaes administrativas, na escolarizao e nas relaes internacionais,