a polifonia no discurso de um caso de desvio … · segundo ducrot (1984), a enunciação é a...

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V ERBA VOLANT Volume 4 – Número 1 – janeiro-junho 2013 – ISSN 2178-4736 http://letras.ufpel.edu.br/verbavolant 141 | Página A POLIFONIA NO DISCURSO DE UM CASO DE DESVIO FONOLÓGICO Gabriele Donicht 1 1. Introdução Neste trabalho serão utilizados pressupostos teóricos apontados por Oswald Ducrot. Serão aplicados os conceitos da Teoria da Argumentação na Língua (TAL) ao estudo do discurso. Atualmente, essa teoria encontra-se em sua terceira forma, sendo utilizado para o presente artigo a Teoria da Polifonia (DUCROT, 1988) que seria relativa à segunda forma da TAL. A partir do conceito de polifonia, objetivou-se analisar a construção da argumentação no discurso, observando os possíveis enunciadores presentes nos enunciados e como esses enunciados orientam o movimento argumentativo. Analisou-se, a partir dessa proposta, a narrativa de uma estória por uma criança com desvio fonológico. A escolha do tema e da teoria partiu do interesse pela fala de crianças, a fim de observar-se a construção de discursos por elas e a utilização de elementos que podem ajudar a construir o sentido. O artigo é composto de três partes. Na primeira parte do texto, serão apresentados conceitos relevantes para o entendimento das teorias. Após, será analisada a narrativa do sujeito com desvio fonológico e, em seguida, serão feitas considerações finais. 1 Fonoaudióloga, Doutora em Letras – Linguística PUCRS. Bolsista PRODOC-CAPES, em estágio pós- doutoral junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade Federal de Pelotas (UFPel).

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V ERBA VOLANT Volume 4 – Número 1 – janeiro-junho 2013 – ISSN 2178-4736 http://letras.ufpel.edu.br/verbavolant

141 | P á g i n a

A POLIFONIA NO DISCURSO DE UM CASO DE DESVIO FONOLÓGICO

Gabriele Donicht1

1. Introdução

Neste trabalho serão utilizados pressupostos teóricos apontados por

Oswald Ducrot. Serão aplicados os conceitos da Teoria da Argumentação na

Língua (TAL) ao estudo do discurso. Atualmente, essa teoria encontra-se em

sua terceira forma, sendo utilizado para o presente artigo a Teoria da Polifonia

(DUCROT, 1988) que seria relativa à segunda forma da TAL.

A partir do conceito de polifonia, objetivou-se analisar a construção da

argumentação no discurso, observando os possíveis enunciadores presentes

nos enunciados e como esses enunciados orientam o movimento

argumentativo.

Analisou-se, a partir dessa proposta, a narrativa de uma estória por uma

criança com desvio fonológico. A escolha do tema e da teoria partiu do

interesse pela fala de crianças, a fim de observar-se a construção de discursos

por elas e a utilização de elementos que podem ajudar a construir o sentido.

O artigo é composto de três partes. Na primeira parte do texto, serão

apresentados conceitos relevantes para o entendimento das teorias. Após, será

analisada a narrativa do sujeito com desvio fonológico e, em seguida, serão

feitas considerações finais.

1 Fonoaudióloga, Doutora em Letras – Linguística PUCRS. Bolsista PRODOC-CAPES, em estágio pós-doutoral junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade Federal de Pelotas (UFPel).

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2. Fundamentação teórica Teoria da Argumentação na Língua (TAL)

Por volta da década de 80, a Teoria da Argumentação na Língua (TAL)

ou Semântica Argumentativa foi criada por Oswald Ducrot e Jean-Claude

Anscombre, tendo como principal pressuposto que a argumentação está

inscrita na própria língua. A TAL teve como pressupostos teóricos as ideias

difundidas pelas concepções saussurianas e pelo estruturalismo. Essa teoria

permite-nos analisar a argumentação produzida pela linguagem, admitindo a

diversidade e o dinamismo linguísticos inerentes ao uso, opondo-se à

concepção tradicional de que a argumentação está nos fatos, na mera

descrição da realidade.

Dois segmentos são necessários para que o discurso seja considerado

argumentativo: o argumento e a conclusão. O argumento seria um fato passível

de ser julgado verdadeiro ou falso, independentemente da conclusão. Porém,

para Ducrot não temos o sentido completo das palavras sem antes tirarmos

conclusões delas. Portanto, para Ducrot, um argumento não pode ser

entendido independentemente de sua conclusão.

A argumentação está marcada na própria língua, e não fora dela. Não

somente as dinâmicas discursivas, mas também o léxico e a própria estrutura

semântica profunda da língua comportam um valor argumentativo. A TAL é

uma teoria semântica que tem por objetivo dar conta da forma como os

enunciados constroem a continuação do discurso. Cada enunciado favorece

alguns encadeamentos discursivos e impede outros, em função de seu

significado linguístico inerente.

Três formas da TAL foram desenvolvidas: a forma Standard; a segunda

forma, composta pela Teoria dos Topoi e pela Teoria da Polifonia; e a atual

forma, conhecida como Teoria dos Blocos Semânticos.

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Alguns conceitos se fazem necessários para melhor entendimento sobre

a teoria em estudo. Seguem os conceitos básicos.

Frase e enunciado, texto e discurso

Segundo Ducrot (1984), a enunciação é a realização linguística da qual

resultam unidades linguísticas de nível elementar – frase e enunciado – e

também de nível complexo – texto e discurso, sendo que a frase e o texto são

unidades abstratas, e o enunciado e o discurso são unidades concretas.

O locutor utiliza a frase e o enunciado como materiais linguísticos para a

produção da linguagem. A frase é uma entidade teórica, abstrata, e tem a

propriedade de fornecer instruções que levam a descobrir aquilo a que o

enunciado se refere, sendo construída pelo linguista para explicar uma

infinidade de enunciados. Já o enunciado é uma realidade empírica,

observável, concreta, sendo uma das muitas realizações possíveis de uma

frase.

O texto e o discurso diferenciam-se de frase e enunciado pelo ato de

enunciação. Sendo o texto e o discurso unidades de nível complexo, eles são

compostos por frases/enunciados sucessivos. A simples sucessão de dois

enunciados não é condição única para formar o discurso, já que se faz

necessária uma relação entre ambos. Da mesma maneira, para que um texto

não seja considerado uma simples sequência de frases e sim um texto, é

preciso que a realização dessa sequência dê lugar à realização de um

discurso.

Ducrot (1984) afirma que todo discurso está constituído por uma

sucessão de enunciados e tendo um discurso D, este pode fragmentar-se nos

enunciados E1, E2, E3, etc, sendo cada enunciado a realização de uma frase

representando diversos pontos de vista, com os quais ele pode discordar,

concordar ou se identificar.

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Significação e sentido

Conforme Ducrot (1984), os valores semânticos atribuídos às unidades

linguísticas são a significação e o sentido. A significação é o valor semântico da

frase e do texto e se constitui em um conjunto de instruções para construir um

sentido a partir da situação enunciativa. Já o sentido é o valor semântico

atribuído ao enunciado e ao discurso e é o resultado da articulação entre os

sentidos dos enunciados e a organização desses enunciados no discurso.

Ducrot, em 1988, reafirma que significado é o valor semântico atribuído

à frase, e é constituído por diretrizes, as quais fornecem instruções para a

interpretação do enunciado. O significado é essencialmente aberto, dizendo o

que se deve fazer para encontrar o sentido. O sentido é o valor semântico

atribuído ao enunciado e tem uma concepção polifônica, já que consiste na

presença de certo número de enunciadores.

Portanto, para Ducrot um texto ou discurso não é apenas a justaposição

de frases ou enunciados. É necessário que os enunciados tenham uma relação

de interdependência, que se apoiem uns aos outros, para que se possa

construir um todo carregado de sentido e um movimento argumentativo

coerente.

Teoria da Polifonia

Neste momento, faz-se importante a apresentação da Teoria da

Polifonia. Ducrot (1988) refere que é através de um certo número de

personagens colocados em cena que o autor de um enunciado se expressa.

Então, o sentido de um enunciado surge do confronto dos diferentes sujeitos

que aparecem no enunciado. Os sujeitos presentes no enunciado possuem

status linguísticos diferentes e remetem a três funções diferentes no discurso.

Na função de sujeito empírico (SE) está o autor do enunciado, nem sempre

fácil de determinar. Na função de locutor (L) está a pessoa a quem se atribui a

responsabilidade da enunciação no próprio enunciado, deixando marcas no

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enunciado, como as de primeira pessoa. O L e o SE podem ser totalmente

diferentes. A função de enunciador (E) é onde estão as origens dos diferentes

pontos de vista apresentados no enunciado, não sendo pessoas, mas pontos

de perspectiva abstratos.

Há três possibilidades de posicionamento do locutor: primeira, se impõe

o ponto de vista do enunciador com o qual se identifica (identificação);

segunda, se concorda com o enunciador, mesmo que o enunciado não tenha o

objetivo de impor o ponto de vista de tal enunciador (concordância); terceira, se

rejeita, opondo-se a um enunciador (rejeição).

Portanto, sempre ocorre o posicionamento do locutor em relação aos

pontos de vista que são apresentados, sendo o sentido de um enunciado

subjetivo ou argumentativo. A linguagem não descreve diretamente a realidade,

mas o faz por meio de aspectos subjetivos e intersubjetivos, chamados por

Ducrot, valores argumentativos dos enunciados. O valor argumentativo de uma

palavra é a orientação que essa palavra dá ao discurso, é o papel que a

palavra pode desempenhar no discurso.

A Teoria da Polifonia, através do locutor e do enunciador, permite a

descrição semântica dos enunciados em suas mais variadas formas como a

interrogação, a refutação, a negação, a causa, a hipótese, a conclusão etc.

Portanto, a teoria auxilia-nos a apreender o argumento da situação.

Desvios fonológicos

Além dos conceitos apresentados anteriormente, julga-se importante a

conceituação de desvio fonológico, já que a análise envolverá a narração de

uma estória por uma menina com desvio fonológico em sua fala.

Ingram (1976), pioneiramente, caracterizou as desordens de fala como

uma dificuldade em estabelecer, de forma adequada, o sistema fonológico

padrão da comunidade linguística da criança, desconsiderando o pressuposto

de ser um “distúrbio articulatório” de ordem puramente motora.

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Para Lamprecht (2004), dentro do conceito de desvio fonológico deve-se

notar que desvio é um afastamento de uma linha e não um distúrbio ou

perturbação, já que há um sistema, embora inadequado. A autora ainda

menciona que o desvio ocorre em um dos componentes da linguagem

(fonológico) e não no nível articulatório, e durante o desenvolvimento da

criança. A etiologia do desvio é desconhecida, embora haja trabalhos

envolvendo possíveis fatores influentes.

O desvio fonológico pode ser caracterizado quanto à gravidade, bem

como quanto às características presentes no sistema fonológico destes

sujeitos.

Pioneiros no estudo da gravidade do desvio fonológico, Shriberg &

Kwiatkowski (1982) propuseram uma análise quantitativa para verificar o grau

de gravidade do desvio fonológico. Esta análise baseia-se no cálculo do

Percentual de Consoantes Corretas (PCC), o qual é obtido através da divisão

do Número de Consoantes Corretas (NCC) pelo Número de Consoantes

Corretas (NCC) adicionado ao Número de Consoantes Incorretas (NCI),

multiplicado por cem. A partir do resultado do PCC, o desvio fonológico pode

ser classificado como grave (PCC < 50%), moderadamente-grave (50% < PCC

< 65%), levemente-moderado (65% < PCC < 85%) e leve (85% < PCC <

100%).

3. Metodologia

O discurso analisado é a narrativa de uma estória contada por uma

menina com desvio fonológico de grau de gravidade leve (96,36%) com idade

de 6 anos e 9 meses. A criança faz parte do banco de dados do projeto de

dissertação de mestrado desta autora, intitulado “Correlação entre a

Inteligibilidade da Fala e o Grau de Severidade do Desvio Fonológico a partir

da Análise de Três Grupos Distintos de Julgadores”, registrado no CEP da

Universidade Federal de Santa Maria sob nº 106/05.

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Além da avaliação fonológica, a qual avaliou a nomeação e a fala

espontâneas, foi aplicada, através de gravuras temáticas, retiradas da “Nova

Dimensão em Produção de Textos” (ALMEIDA, 1993), uma prova narrativa a

fim de se obter uma amostra de fala espontânea para análise dos julgadores

daquela pesquisa. Para a coleta da narrativa foram utilizadas três sequências

lógicas apresentadas cada uma em três quadros de cenas. As figuras foram

apresentadas para a criança, que deveria colocar na sequência correta de

eventos, e, após, foi solicitado que inventasse uma história ou relato sobre as

sequências de figuras. Neste estudo, será utilizada apenas uma das narrativas

produzidas pela criança. A estória analisada neste trabalho gira em torno de

uma família de patos que se envolve em uma briga com um cachorro e acaba

sujando a roupa que havia sido lavada pela dona da casa (Figura 1).

Figura 1 – Figuras temáticas para a produção narrativa pela criança

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Os dados coletados foram gravados, transcritos foneticamente e

analisados, sendo que os dados da fala do sujeito desta pesquisa foram

verificados e julgados por três fonoaudiólogas.

Neste trabalho serão aplicados os conceitos da Teoria da Argumentação

na Língua (TAL) ao estudo do discurso da criança com desvio fonológico.

Durante a análise, serão apontados os enunciadores possíveis para cada

enunciado produzido pelo locutor.

4. Análise

NARRATIVA

A partir da narrativa apresentada acima, em que o sujeito presente no

enunciado remete à função de sujeito empírico (SE), já que é o autor do

enunciado, pode-se perceber que o posicionamento do SE é de identificação,

já que se identifica com os pontos de vista do enunciador. Esse

posicionamento pode ser observado pelos exemplos que seguem abaixo, em

que se apresenta o enunciado produzido pela criança (SE) e os possíveis

enunciadores.

Conforme Ducrot (1980), o enunciado contém instruções em que o

interpretante deve buscar na situação de discurso um tipo de informação com o

intuito de reconstruir o sentido que o locutor quer transmitir, e é isso que foi

feito, como segue abaixo, através do apontamento de enunciadores.

Primeru a tinta tava ela tava passeandu cum us patinhu dela. Depois u

cachorrinhu tava brabu. Depois eli quiri a mulhé tava lavandu a ropa. I depois ela

tava colocandu as ropa pa secá num poti. I depois a tinta tava de pé. I depois u

cachorrinhu brigô cum patinhu otu patinhu fuchiu i a mulher viu u patinhu correnu

i viu u cachorru latindu brigandu cum patinhu i ti daí virô a tinta u cachorrinhu

tava suju i us patim daí sujô toda a ropa de novo. A mulher tinha qui lavá de

novo. I daí a pata ficô furiossa. I daí us patinhu ficaram feliz.

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Enunciado: Ela estava passeando com os patinhos dela. E1 = passeando com os patinhos dela e não os de outra pata. Enunciado: O cachorrinho estava bravo. E2 = o cachorrinho não estava manso. Enunciado: A mulher estava lavando a roupa. E3 = a mulher estava lavando a roupa, portanto ela não estava lavando outra coisa. E4 = a mulher estava lavando, portanto ela não estava exercendo outra ação. Enunciado: E depois ela estava colocando as roupas para secar em um pote. E5 = antes ela não estava colocando as roupas para secar. E6 = ela estava colocando as roupas para secar em um pote e não em outro lugar. Enunciado: E depois a tinta estava em pé. E7 = a tinta não estava caída. Enunciado: E depois o cachorrinho brigou com o patinho, outro patinho fugiu. E8 = o cachorrinho brigou com um dos patinhos, não com todos. E9 = o cachorrinho não brigou com aquele patinho que fugiu. E10 = um patinho conseguiu fugir, mas outro brigou com o cachorrinho. Enunciado: e a mulher viu o patinho correndo. E11 = a mulher viu que havia alguma movimentação dos patinhos. Enunciado: e viu o cachorro latindo brigando com o patinho. E12 = viu que o cachorro não estava calmo. Enunciado: e que daí virou a tinta. E13 = provocou um acidente virando a tinta.

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Enunciado: o cachorrinho e os patinhos estavam sujos. E14 = a tinta sujou os patinhos e o cachorrinho. E15 = a tinta não limpa os patinhos e o cachorrinho, ela suja. Enunciado: daí sujou toda roupa de novo. E16 = a roupa que havia sido lavada sujou novamente. Enunciado: A mulher tinha que lavar de novo. E17 = a roupa que foi suja pela tinta que os animais viraram deve ser limpa. E18 = a roupa já havia sido lavada antes pela mulher. Enunciado: E daí a pata ficou furiosa. E19 = a briga com seus filhotes fez com que a pata ficasse furiosa. E20 = a pata estava calma antes. E21 = não se deve brigar com os patinhos para que a pata não fique furiosa. Enunciado: E daí os patinhos ficaram felizes. E22 = antes os patinhos não estavam felizes agora os patinhos ficaram felizes.

Conforme Ducrot (1971), cada enunciado tem somente de fornecer

pontos de referência, que permitam “localizar” a significação. Na narrativa

produzida pela criança com desvio fonológico desta pesquisa, pode-se

observar que os enunciados possibilitaram a identificação da significação.

Nota-se, a partir das informações contidas na narrativa, a preocupação e a

vontade de informar do sujeito.

Ducrot (op.cit.) afirma que a organização da língua está pressuposta na

determinação de seus elementos, sendo que para Saussure um elemento é

aquilo que os outros não são. Cada enunciador exposto acima, é aquilo que os

outros não são.

Observa-se que a ordem e a disposição dos enunciados imitaram a

organização do pensamento da criança com desvio fonológico, a qual pôde

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contar com a ajuda das figuras para a organização da narração dos eventos.

Para Ducrot (op.cit.), a língua é vista como uma organização própria, regular e

ordenada, a qual estabelece correspondências entre os morfemas, sendo que

o arranjo desses morfemas parece um epifenômeno em cada língua.

Segundo Ducrot (1980), a descrição linguística de uma frase implica que

o sentido de seus enunciados seja diferente de acordo com a situação de

discurso, e que possa haver múltiplas leituras para um dado enunciado.

Através do apontamento dos possíveis enunciadores de cada enunciado

produzido pelo sujeito da pesquisa, pôde-se realizar diferentes leituras de cada

um dos enunciados.

5. Considerações finais

Conforme a concepção da TAL, a argumentação está na língua e a

função dessa é argumentar. O objetivo do artigo foi utilizar os conceitos da

Teoria da Polifonia na tentativa de explicar como a argumentação se constrói

no discurso.

Sabe-se, conforme admite Ducrot, que há uma organização dos termos

em uma língua e que essa organização é própria. A língua, para ele, é utilizada

por nós como instrumento de transmissão de informações uns aos outros.

Através da análise da narrativa de uma criança com desvio fonológico,

observou-se que seu discurso é organizado e transmitiu as informações

necessárias para seu entendimento.

A Teoria da Polifonia ajudou-nos a compreender o sentido do discurso

produzido pela criança, já que puderam ser observados os movimentos

argumentativos presentes em sua narrativa.

Portanto, há possibilidade de análise de outras produções orais, como a

narrativa de estórias produzidas por crianças com graus mais graves de desvio

fonológico, já que se mostrou efetiva a utilização dos conceitos da Teoria da

Polifonia.

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Referências bibliográficas

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