a percepção do profissional de saúde sobre a humanização...

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1 Fundação Oswaldo Cruz Instituto Fernandes Figueira Pós-Graduação em Saúde da Criança e da Mulher A PERCEPÇÃO DO PROFISSIONAL DE SAÚDE SOBRE A HUMANIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA A GESTANTE DE RISCO Carolina Werneck de Oliveira Rio de Janeiro Fevereiro de 2010

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    Fundação Oswaldo Cruz Instituto Fernandes Figueira Pós-Graduação em Saúde da Criança e da Mulher

    A PERCEPÇÃO DO PROFISSIONAL DE SAÚDE SOBRE A HUMANIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA A GESTANTE DE RISCO

    Carolina Werneck de Oliveira

    Rio de Janeiro Fevereiro de 2010

  • 2

    Fundação Oswaldo Cruz Instituto Fernandes Figueira Pós-Graduação em Saúde da Criança e da Mulher

    A PERCEPÇÃO DO PROFISSIONAL DE SAÚDE SOBRE A

    HUMANIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA A GESTANTE DE RISCO

    Carolina Werneck de Oliveira

    Dissertação apresentada à Pós-Graduação em Saúde da Criança e da Mulher do Instituto Fernandes Figueira/ FIOCRUZ como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Saúde da Criança e da Mulher

    Orientador: Marcos Augusto Bastos Dias

    Rio de Janeiro Fevereiro de 2010

  • 3

    Dedico essa dissertação aos meus pais Marlinda Werneck

    de Oliveira e José Felipe de Oliveira Filho que constituem

    meus exemplos de vida e ao meu noivo Igor Lima de

    Farias que sempre me estimulou a dar esse grande

    passo. Essas pessoas com muita sabedoria, amor e

    dedicação estiveram ao meu lado me encorajando nas

    horas difíceis e me aplaudindo nos momentos de glória.

  • 4

    Agradecimentos:

    Ao Prof. Dr. Marcos Augusto Bastos Dias, orientador desta

    dissertação, por todo empenho, sabedoria e ensinamento;

    A Prof. Dra. Rosa Maria de Araújo Mitre e Prof. Dra. Inês Maria

    Menezes dos Santos por aceitarem participar da Banca de

    Defesa dessa Dissertação e pelas contribuições tão

    importantes na fase de sua construção;

    Aos membros do Programa de Pós-Graduação do IFF por

    sempre me incentivarem na busca do conhecimento e por sua

    dedicação e presteza;

    Aos meus familiares e amigos que sempre estiveram presentes

    me aconselhando e incentivando com carinho;

    Aos profissionais de saúde que participaram dessa pesquisa,

    pois sem eles nenhuma dessas páginas estaria escrita;

    E a todos que colaboraram direta ou indiretamente para a

    elaboração dessa Dissertação de Mestrado.

  • 5

    Resumo A humanização da assistência ao parto em gestantes de baixo risco vem sendo foco de importante debate em nossa sociedade há várias décadas, entretanto a assistência humanizada às gestantes de risco tem ficado de fora dessa discussão. Este estudo tem como objetivo conhecer a percepção dos profissionais de saúde sobre a humanização da assistência ao parto de gestante de risco. Trata-se de um estudo descritivo, do tipo estudo de caso, com abordagem qualitativa. Foram entrevistados vinte profissionais de saúde que atuam na maternidade do Hospital do Servidores do Estado do Rio de Janeiro, serviço de referência para o atendimento de gestantes de alto risco materno. A técnica empregada para a obtenção dos dados foi a entrevista semiestruturada. Como método de análise dos dados foi utilizada a análise de conteúdo na modalidade temática. Os principais resultados evidenciaram que muitos são os sentidos atribuídos à humanização da assistência à saúde e à humanização da assistência ao parto pelos profissionais de saúde e que, no cotidiano da assistência a gestante de risco, a equipe de saúde se vê tão absorvida pelas situações de emergência e dinâmica acelerada do serviço, que os preceitos da humanização da assistência não são incorporados como filosofia e diretriz da instituição. Questões como a formação dos profissionais, dificuldade no trabalho em equipe e questões na estrutura física da maternidade atuam como fatores que dificultam esse processo. Conclui-se que há necessidade de estimular mudanças na postura dos profissionais de saúde e nas rotinas do serviço, assim como na organização e na estrutura física da maternidade. O estudo aponta ainda que as maternidades de risco constituem locais onde, pelas características da clientela, os preceitos da humanização da assistência ao parto precisam ser discutidos de forma ainda mais aprofundada. Palavras Chaves: Humanização da assistência; Gravidez de alto risco; Parto.

  • 6

    Abstract The humanization of low risk labor assistance came been discussed trough decades in our society, however the humanized assistance in high risk labor has been put apart of this discussion. This study intends identify the health professionals’ perceptive about the humanization of high risk labor assistance. This is a case study, it uses descriptive with qualitative approach. There were interviewed twenty health professionals’ in a maternity hospital of Rio de Janeiro, specialized of high risk pregnancy. The data collection used an unstructured interview. The data approach was achieved using the thematic analysis technique by the method of contents. From the principal results it was verified that are many means gave to humanized health assistance and humanized labor from health professionals’ and during the daily labor risk assistance, the team involved runs under fast needs and emergencies that humanization philosophy isn’t used as directive. Questions as professional formation, difficulty in teamwork and building structure act as humanization difficulties. Conclude the necessity to promoting changes of health professional posture and daily routine, as well organization and maternity building structure. The study also show that high risk maternities are places where, due characteristic clients, the rules of humanized labor assistance must be deeply discuss. Keywords: Humanization of assistance; Pregnancy, high-risk; Parturition.

  • 7

    “Nenhum homem é uma ilha, completo em si próprio;

    cada ser humano é uma parte do continente, uma parte

    do todo.”

    John Donne

    http://pt.wikipedia.org/wiki/John_Donne

  • 8

    Sumário

    Introdução .......................................................................................................... 9 Justificativa ................................................................................................... 12 Objetivos....................................................................................................... 14

    Referencial teórico ........................................................................................... 15 1. A gestação e a gestação de risco............................................................. 152. A humanização da assistência ................................................................. 213. A humanização da assistência ao parto ................................................... 26

    Materiais e Métodos ......................................................................................... 31 1. Tipo de estudo e abordagem.................................................................... 312. Os sujeitos da pesquisa............................................................................ 323. Campo da pesquisa.................................................................................. 334. Coleta de dados........................................................................................ 375. A análise dos dados ................................................................................. 38

    Questões éticas................................................................................................ 41

    Resultados e Discussão................................................................................... 43 Caracterização dos entrevistados................................................................. 43 1a Categoria – A humanização da assistência na perspectiva dos profissionais.................................................................................................. 45

    1.1. Humanização da assistência: um conceito em formação................... 45 1.2. Humanização da assistência ao parto: direito da cliente ou característica profissional?........................................................................ 51 1.3. Humanização da assistência a gestante de risco: integralidade ou segurança? ............................................................................................... 56

    2a Categoria – A gestação e o parto da mulher de risco e a possibilidade de ser sujeito nestes momentos. ....................................................................... 61 3ª Categoria – A relação da equipe com a gestante de risco e o cotidiano da assistência. ................................................................................................... 83 4ª Categoria – As propostas de mudança para a humanização da assistência .................................................................................................. 100

    Conclusão ...................................................................................................... 108

    Referências Bibliográficas ............................................................................. 111

    Apêndices e anexos ....................................................................................... 116Apêndice 1 – Termo de Consentimento Livre e esclarecido....................... 117 Apêndice 2 – Roteiro de entrevista............................................................. 119 Anexo 1 – Aprovação do Comitê de Ética .................................................. 121

  • 9

    Introdução

    As práticas e os costumes que envolvem o nascimento e o parto têm

    variado ao longo do tempo. Outrora o parto era reconhecido como um evento

    natural e relacionado ao universo feminino, no qual a mulher desempenhava

    papel ativo e central. Com a institucionalização e medicalização do parto e com

    os avanços tecnológicos e biomédicos, ocorreu uma grande mudança no

    modelo de assistência ao parto.

    A prática da assistência obstétrica no mundo ocidental ao longo das

    últimas décadas vem sendo norteada pelo modelo tecnocrático, corrente

    hegemônica de pensamento, que associa o parto a um evento de risco, de

    caráter intervencionista e biologicista (Davis-Floyd, 2001).

    Tem-se, como consequência desse processo, a perda da autonomia da

    mulher, a intervenção médica excessiva na fisiologia do processo de

    parturição, o afastamento da família e o aumento das taxas de cesariana (Dias

    e Deslandes, 2006).

    A partir de questionamentos a esses aspectos do modelo tecnocrático,

    em especial àqueles feitos pelo movimento feminista, surge a proposta de

    adoção de um modelo de assistência à gestação e ao parto capaz de conciliar

    o uso adequado da tecnologia existente com o resgate da autonomia da mulher

    e com a revalorização dos aspectos sociais e culturais que envolvem o

    nascimento (Davis-Floyd, 2001).

    O termo “humanização” vem sendo utilizado com frequência no âmbito

    da assistência à saúde. Devido a uma preocupação, dentre outras coisas, com

    a melhoria da qualidade da assistência obstétrica, muitos projetos de

    humanização da assistência ao parto vêm sendo desenvolvidos e essa

  • 10

    temática ganha visibilidade de alguns segmentos da população, profissionais

    de saúde e formuladores de políticas públicas.

    O conceito de humanização da assistência ao parto é amplo e “envolve

    um conjunto de conhecimentos, práticas e atitudes que visam à promoção do

    parto e do nascimento saudáveis e à prevenção da morbi-mortalidade materna

    e perinatal” (Brasil, 2001:9).

    A humanização do parto pressupõe a sua concepção como evento

    fisiológico no qual, sempre que possível, deve realizar-se o menor número de

    intervenções (Organização Mundial de Saúde, 1996), e onde a mulher deve

    poder atuar com autonomia. Essa assistência deve ser promovida como um

    cuidado baseado nos direitos humanos, sexuais e reprodutivos da mulher

    (Rede Feminista, 2002).

    A humanização da assistência ao parto expressa, portanto, uma

    mudança na forma como o profissional de saúde deve atuar frente a esse

    evento, ao mesmo tempo em que pressupõe uma mudança na maneira como o

    parto é percebido, passando a ser compreendido como experiência natural e

    saudável.

    Essa temática vem sendo amplamente discutida quando se refere à

    assistência a gestante de baixo risco. Há, contudo, uma lacuna a ser

    preenchida quando se fazem as mesmas reflexões para uma gestante de risco.

    Apesar da gravidez ser um fenômeno natural e fisiológico e que, na

    maioria dos casos, transcorre sem intercorrências, algumas gestantes

    apresentam maior probabilidade de uma evolução desfavorável tanto para si

    mesmas quanto para o feto, constituindo um grupo chamado de gestantes de

    alto risco (Brasil, 2000a).

  • 11

    Para este estudo, as discussões sobre a gestação de risco foram

    voltadas para o risco materno, isto é, para gravidez em que a mulher apresenta

    alguma patologia associada. Optamos por essa abordagem, pois o serviço

    estudado tem como clientela gestantes de risco materno. É relevante lembrar

    que as patologias maternas podem repercutir negativamente sobre a saúde

    fetal.

    A importância do estudo das gestações de risco decorre do fato de

    relacionarem-se com uma maior morbi-mortalidade materna e perinatal,

    estando, portanto, associadas à necessidade de uma assistência intensiva,

    diferenciada e especializada (Brasil, 2000a). Todo esse cuidado tem como

    objetivo tratar e minimizar as condições de risco encontradas, identificar

    precocemente complicações e reduzir seu impacto nas taxas de morbidade e

    mortalidade materna e perinatal.

    Nos serviços de alta complexidade ou que atendem uma clientela de

    risco, em geral, o diálogo e a reflexão crítica não encontram espaço devido às

    situações contínuas de emergência, gravidade dos pacientes e dinâmica

    acelerada do serviço, desviando o foco da atenção que deveria estar no ser

    humano (Rolim e Cardoso, 2006).

    Por serem locais que concentram grande número de especialistas e

    fazem uso intensivo de tecnologia, os aspectos subjetivos e relacionais

    envolvidos na assistência não são devidamente valorizados pelos profissionais

    de saúde. A humanização da assistência seria, portanto, uma questão

    importante nesses ambientes onde pode ocorrer uma excessiva valorização

    dos aspectos tecnológicos em detrimento dos aspectos subjetivos e da

    interação humana.

  • 12

    A tradicional formação obstétrica enfatiza as complicações da gestação

    e do parto, favorecendo a visão do parto como situação de risco (Dias, 2001) e

    gerando atitudes mais conservadoras e resistência a mudanças na assistência

    a gestante.

    O interesse pelas percepções dos profissionais de saúde advém do fato

    do conceito de humanização ainda estar se consolidando (Deslandes, 2006),

    estando sujeito a muitas interpretações. Torna-se necessário discutir a forma

    como os profissionais apropriam-se desse conceito e como percebem a

    humanização da assistência ao parto, especialmente quando associado às

    situações de risco.

    Dessa forma, temos como objeto de estudo: a percepção do profissional

    de saúde sobre a humanização da assistência ao parto de gestante de risco.

    Justificativa

    A vivência profissional como enfermeira obstetra que atuou em

    maternidade de baixo risco e que atualmente trabalha em uma maternidade

    federal de alto risco trouxe indagações sobre como a questão do risco materno

    e fetal na gestação poderia interferir na assistência e na sua humanização.

    Os movimentos pela humanização da assistência a gestante presentes

    nessa maternidade de alto risco parecem ser mais tímidos do que em outras

    unidades de baixo risco, não se sabe se por dificuldades da instituição em

    desenvolver projetos humanizadores voltados para a gestante de risco ou por

    falta de envolvimento dos profissionais de saúde nesses projetos.

  • 13

    Apesar de largamente discutida em publicações oficiais e artigos

    científicos, a humanização do parto e nascimento não aborda diretamente

    aspectos relativos à sua implantação em situações de risco materno e fetal.

    Em pesquisa bibliográfica realizada em janeiro de 2010, na base de

    dados da Biblioteca Virtual em Saúde, utilizando-se os descritores

    “humanização + gestação + risco”, “humanização + parto + risco” e

    “humanização + risco”, encontraram-se, respectivamente, vinte e dois, vinte e

    seis e cinquenta e três referências. Muitas dessas referências discutiam a

    presença do risco e a qualidade da assistência, não abordando realmente a

    humanização associada a risco materno ou fetal. Ao selecionarem-se as

    referências de interesse para o estudo, restaram apenas oito artigos.

    Ainda assim, os artigos selecionados, bem como publicações oficiais

    como “Maternidade segura - assistência ao parto normal: um guia prático” da

    Organização Mundial da Saúde e “Gestação de alto risco: manual técnico”,

    “Parto, aborto e puerpério: assistência humanizada à mulher”, “Programa de

    humanização do parto: humanização no pré-natal e nascimento” e

    “HumanizaSus: Política Nacional de Humanização” do Ministério da Saúde não

    abordam diretamente aspectos relativos à humanização da assistência ao parto

    associada à presença de risco materno e fetal.

    Este estudo permite refletir criticamente sobre a humanização da

    assistência ao parto e compreender a multiplicidade de fatores envolvidos na

    assistência a gestante de risco. Favorece também o entendimento de como os

    profissionais de saúde percebem a humanização da assistência ao parto

    quando associada a situações de risco.

  • 14

    Busca-se, assim, colaborar para melhor organização da assistência às

    gestantes de risco para que recebam uma assistência especializada e intensiva

    e para que se valorizem também os aspectos subjetivos e sociais envolvidos

    na gestação e no nascimento, resultando em um cuidado com foco na mulher

    como um todo e não apenas em sua gravidez e patologia associada.

    Objetivos

    Objetivo geral:

    Conhecer a percepção dos profissionais de saúde sobre a humanização da

    assistência ao parto de gestante de risco.

    Objetivos específicos:

    • Investigar a percepção do profissional de saúde sobre a humanização da

    assistência;

    • Conhecer os fatores que favorecem e/ou dificultam a assistência

    humanizada em situações de risco materno e fetal na percepção dos

    profissionais de saúde.

  • 15

    Referencial teórico

    1. A gestação e a gestação de risco

    A gravidez é um fenômeno biológico que repercute no aspecto social,

    econômico, emocional, psicológico e sexual da mulher (Oriá et al., 2004).

    Durante a gravidez, há alterações no trato reprodutivo, na parede

    abdominal, nas mamas, no metabolismo, assim como nos sistemas

    cardiovascular, respiratório, renal, gastrointestinal, endócrino, músculo-

    esquelético e neurológico. A essas alterações associam-se, ainda, adaptações

    como movimento progressivo de aceitação da gravidez, desenvolvimento de

    um padrão de comportamento entre as gestantes com exteriorização de

    comportamentos de mãe e busca por uma adaptação funcional (Nettina, 2003).

    O nascimento de uma criança possui um grande simbolismo para a

    mulher e para a família. Promove a necessidade de definição de papéis e

    reestruturação em várias dimensões da vida da mulher. Representa o

    nascimento de uma “nova” mulher e a transição do status social de “mulher”

    para o de “mãe” (Arruda e Marcon, 2007). É também uma fase vital para o

    núcleo familiar que pode gerar conflitos, expectativa e ansiedade, ao mesmo

    tempo em que favorece o crescimento individual de cada membro e da família

    enquanto grupo.

    As modificações vividas pelas gestantes fazem surgir uma série de

    emoções e sensações que são vivenciadas de forma distinta em cada mulher.

    Essas mudanças são acompanhadas de expectativas, ansiedades, medo e

    apreensões (Maldonado, 1997). Esses sentimentos estão relacionados ao

    novo, ao desconhecido, à responsabilidade por um novo ser e a expectativas

  • 16

    de transformações no modo de viver da mulher em consequência da chegada

    do filho.

    Outra questão associada ao medo e apreensões vividos pela mulher

    durante a gestação diz respeito ao desconhecimento que muitas mulheres têm

    sobre o parto e sobre as alterações físicas decorrentes da gestação. A

    medicalização da gravidez e do parto colabora para esse processo, pois

    desloca o conhecimento sobre esse evento do universo feminino para o

    universo dos profissionais de saúde. Estes podem passar a ter enorme controle

    sobre o corpo da mulher e sobre o parto, gerando uma sensação de

    passividade, insegurança e medo do desconhecido.

    A apreensão frente às mudanças na vida da mulher com o nascimento

    do bebê pode gerar sentimentos muitas vezes contraditórios: a vontade de ter

    logo o bebê e, ao mesmo tempo, querer prolongar a gestação para adiar a

    necessidade de novas adaptações em consequência da chegada do filho

    (Lopes et al., 2005).

    Conforme se aproxima o parto e a chegada do bebê, a ansiedade

    aumenta, pois surgem temores como o medo da morte e da dor no parto

    (Soifer, 1992) e de ter um filho morto, doente ou malformado, isto é, de que a

    gestação não alcance o resultado esperado.

    Todas essas questões devem ser consideradas na assistência à

    gestante e tornam-se ainda mais complexas quando se trata de uma gravidez

    de risco.

    A noção de risco constitui um assunto presente e discutido na vida das

    pessoas que passam a ter comportamentos que incorporam essa ideia ou a

  • 17

    desafiam. Possui referências a questões epidemiológicas e individuais,

    podendo ser entendida como uma construção histórica e social (Castiel, 1999).

    Proveniente do termo latim riscum, o conceito de risco surge na Idade

    Média designando a possibilidade de perigo, compreendido como um ato de

    Deus ou como força da natureza, sendo excluída a responsabilidade do ser

    humano sobre sua ocorrência. Com a modernização da sociedade, houve

    mudanças no significado e na utilização da palavra risco. Durante a década de

    80, o conceito de risco torna-se científico, utilizando teorias probabilísticas. Na

    década de 90, a noção de risco é ampliada, referindo-se não apenas a

    probabilidade de ocorrência de fenômenos da natureza, como também de

    eventos relativos à conduta e ação do ser humano, enquanto sociedade. Nessa

    perspectiva, risco é um conceito neutro que pode estar associado a um efeito

    negativo ou positivo. No final do século 20, a palavra risco passa a ser

    comumente utilizada e denota a probabilidade de ocorrência de um evento

    sempre desfavorável ou negativo (Lupton, 1999).

    Ayres (1997) discorre sobre o desenvolvimento do discurso

    epidemiológico do risco em movimentos classificados como epidemiologia da

    constituição, epidemiologia da exposição e epidemiologia do risco. Na

    epidemiologia da constituição encontram-se as primeiras referências

    conceituais ao risco tido como “condição objetiva de sujeição de grupos

    populacionais a epidemias específicas ou a experiências desfavoráveis à

    saúde no geral” (p.292). Na epidemiologia da exposição, o risco constitui um

    conceito que se refere às “condições de suscetibilidade individual

    determinantes do comportamento epidêmico das doenças infecciosas” (p.293).

    Enquanto na epidemiologia do risco, o conceito passa a designar “chances

  • 18

    probabilísticas de suscetibilidade, atribuíveis a um indivíduo qualquer de grupos

    populacionais particularizados, delimitados em função da exposibilidade a

    agentes de interesse técnico ou científico” (p.294).

    O conceito de risco evolui assumindo lugar de destaque no discurso

    epidemiológico e alcançando a formalização. Deixa de ser uma condição

    populacional passando a indicar uma relação determinada entre fenômenos

    individuais e coletivos. Por fim, torna-se uma expressão formal e probabilística

    de determinados agravos à saúde, assumindo um papel especulativo e

    quantitativo. Torna-se evidente que, apesar de sua evolução, a concepção de

    risco sempre esteve reduzida a aspectos patológicos.

    Existem inúmeras perspectivas pelas quais o fenômeno do risco é

    descrito na literatura científica social. A análise feita anteriormente seguiu a

    perspectiva realista, a qual defende que o risco existe e pode ser mensurado

    independentemente de fatores socioculturais. Uma perspectiva alternativa é a

    da construção social, na qual o risco é um produto histórico, social e político

    que é inevitavelmente mediado por processos socioculturais (Lupton, 1999).

    A palavra risco pode assumir diferentes significados dando margem a

    muitas ambiguidades. Traz consigo a ideia de perigo bem como a possibilidade

    de sua existência, referindo-se à probabilidade de ocorrência de um evento ou

    desfecho desfavorável (Castiel, 1999). O conceito de probabilidade permite

    leituras que vão desde o polo objetivo e mensurável ao intuitivo, trazendo

    embutida a ideia de incerteza.

    A abordagem dos fatores de risco na área da saúde corresponde,

    portanto, à predição de morbi-mortalidade.

  • 19

    A utilização do conceito de risco na área materno-infantil possibilita

    predizer determinados danos à saúde, permitindo identificar, dentro do grupo

    de mulheres, aquelas que apresentam maior probabilidade de adoecimento ou

    morte, sejam para si ou para o feto (Alvarenga, 1984). Isso possibilita

    concentrar nessas mulheres os recursos necessários a uma assistência

    especializada e intensiva para a proteção à saúde desse grupo de alto risco.

    O conceito de risco gravídico surge, portanto, para identificar graus de

    vulnerabilidade durante a gestação e direciona a assistência pré-natal e a

    assistência ao parto de gestantes identificadas como de risco visando à

    redução da morbi-mortalidade materna e perinatal.

    O enfoque de risco estabelece um gradiente de necessidades de

    cuidados diferenciados para indivíduos de baixo risco e de alto risco. As

    necessidades de saúde do grupo de alto risco, de maneira geral, requerem

    cuidados diferenciados com equipe de saúde e técnicas mais especializadas

    (Brasil, 2000a).

    A gravidez de risco impõe, muitas vezes, a necessidade de ajustes na

    rotina de vida da mulher e de seus familiares (Maldonado, 1996). Podem

    ocorrer restrições quanto a hábitos alimentares e realização de atividades

    diárias, bem como restrições do ir e vir e necessidade de hospitalização,

    acarretando mudanças na rotina de vida da mulher e da sua família.

    Com o diagnóstico de gestação de risco, as mulheres sentem-se

    vulneráveis, alteram sua rotina diária e podem sentir-se desamparadas e

    inseguras (Santos, 2003).

    Para a gestante de risco, os receios e ansiedades comuns da gestação

    são intensificados por temores reais relacionados à sua saúde e à do feto.

  • 20

    “Trata-se não apenas de uma remota possibilidade, mas de uma ameaça concreta de perda. Velhos temores de não estar bem por dentro, de não ser capaz de gerar bons bebês ou de não merecer ter um filho perfeito podem ser dolorosamente confirmados pela realidade” (Maldonado, 1996: 74).

    A gestante de risco manifesta vários tipos de emoções. Como as

    expectativas da gestação não incluem as complicações, ela sente-se confusa

    quanto ao que está acontecendo com seu corpo e sente que está perdendo o

    controle sobre a gestação (Knuppel e Drukker, 1996).

    A mulher pode vivenciar sentimentos de perda e de impotência por não

    conseguir conduzir a gestação de forma esperada, afetando a sua autoestima

    por não poder desempenhar o papel de uma maternagem sadia (Arruda e

    Marcon, 2007). Dependendo de como essas experiências são elaboradas pela

    mulher, esta poderá sofrer um impacto negativo com o nascimento do filho.

    A gravidez de risco caracteriza-se, portanto, como um processo

    complexo que envolve uma grande diversidade de sentimentos. Às mudanças

    fisiológicas da gestação somam-se agora alterações decorrentes da condição

    patológica existente. Todas essas alterações influenciam e são influenciadas

    por fenômenos psicológicos relacionados à gestação e à condição patológica.

    Nesse sentido, a dinâmica da gestação de alto risco decorre da

    interação entre a fisiologia da gestação, as características da patologia

    associada, a psicologia da gestação e a psicologia da doença (Ziegel e

    Crennley, 1985). Todas essas interações devem ser consideradas quando se

    deseja prestar uma assistência integral e de qualidade à gestante de risco.

    Muitos sentidos são atribuídos à gravidez de risco, mas, ainda hoje, eles

    refletem questões associadas à patologia, demonstrando que a gestação de

    risco ficou reduzida a fatores fisiopatológicos (Gomes et al., 2001). Tal redução

  • 21

    não facilita a abordagem de questões relativas à mulher enquanto sujeito,

    favorece a medicalização da assistência e reforça a atenção voltada na

    condição orgânica em si.

    Daí a importância de compreender a mulher como um todo, entender

    como ela vivencia a gestação e os vários aspectos envolvidos, a fim de

    promover uma assistência integral e humanizada.

    2. A humanização da assistência

    A humanização da assistência vem sendo amplamente discutida, mas

    carece de uma definição que reduza a polissemia que cerca sua utilização.

    A necessidade de humanizar a assistência advém da constatação de

    que, em algum momento da prática clínica tradicional, a perspectiva da relação

    entre profissional de saúde e paciente foi estruturada pela dimensão patológica

    e os diversos fatores a ela associados (Souza e Moreira, 2008).

    A demanda pela humanização da assistência surge da preocupação

    com a melhoria da qualidade da atenção à saúde e com a crítica ao modelo de

    atenção existente e suas práticas algumas vezes consideradas desumanas.

    São fatores desumanizadores do cuidado: a despersonalização do

    usuário/ paciente visto como objeto de intervenção, sem autonomia e reduzido

    à sua patologia; a tecnologia como substituta/ intermediadora das relações; as

    formas de valoração social manifestas na maneira de tratar determinados

    indivíduos ou grupos como se tivessem valor inferior aos demais; a alienação

    do paciente tratado como um ser externo, sem vínculos e isolado; as interações

    frias e distantes entre profissionais e pacientes em nome da objetividade e

    neutralidade biomédica (Deslandes, 2006).

  • 22

    Ainda hoje a humanização se consolida enquanto conceito e são

    gerados muitos questionamentos sobre sua abrangência. Howard (1975)

    sugere dois pontos de referência para a conceituação de humanização. O

    primeiro é a premissa de que comportamento humanizado é aquele que

    preenche a maior parte das necessidades biológicas e psicológicas dos seres

    humanos. O segundo diz respeito aos parâmetros sociais e culturais que

    definem comportamentos humanizadores ou desumanizadores de acordo com

    os valores do humanismo.

    Não há uma definição de humanização que dê conta de toda essa

    abrangência. Ela pode, contudo, ser entendida como expressão da ética visto

    que implica o resgate da dimensão humana nas relações de trabalho,

    pressupõe práticas que respeitem a condição de sujeito dos seres humanos e

    requer formulação de políticas organizacionais e sociais justas que considerem

    os seres humanos e seus direitos (Backes et al., 2006).

    A humanização da assistência pode ainda ser compreendida como a

    articulação entre a capacidade de oferecer atendimento de qualidade, com o

    bom uso de tecnologias e uma proposta de escuta, diálogo e potencialização

    de afetos (Deslandes, 2004).

    Ao mesmo tempo em que defende o bom uso das tecnologias

    disponíveis, a humanização não deixa de lado os aspectos subjetivos e

    relacionais envolvidos na assistência. Defende ainda a troca de saberes entre

    profissionais e usuários e seu reconhecimento como sujeitos das ações de

    saúde.

    O importante para a humanização é justamente o diálogo entre os

    aspectos técnicos e não técnicos da assistência. “A mútua fecundação entre

  • 23

    essas dimensões interligadas é que torna possível o caminhar para um plano

    de maior efetividade das ações em saúde” (Ayres, 2006: 70).

    Nesse sentido, a humanização pressupõe a compreensão do processo

    saúde-doença e dos indivíduos também em seus aspectos subjetivos, sociais e

    culturais dirigindo-se à produção de saúde que envolverá sempre aspectos

    técnicos interligados a não técnicos.

    Um importante aspecto da humanização da assistência que deve ser

    ressaltado é a integralidade, a qual pode ser definida como a atenção à saúde

    dos níveis mais simples aos mais complexos, bem como a compreensão dos

    indivíduos e coletividades em sua totalidade e singularidades (Brasil, 1993).

    A integralidade também é um termo que aponta para muitos sentidos e

    representações, mas que estarão sempre associados às necessidades dos

    sujeitos. Permanece como objeto de difícil operacionalização devido à

    dificuldade de traduzir o conceito em práticas eficazes.

    Pode-se entender a integralidade como princípio orientador das práticas,

    princípio norteador das políticas e princípio organizador do trabalho (Mattos,

    2001).

    Como princípio organizador do trabalho, a integralidade está associada à

    capacidade e à sensibilidade dos profissionais de saúde em se confrontarem

    com os limites das suas ações e procurarem redefinições de seus processos

    de trabalho. Foi ainda incorporada como princípio norteador da política de

    saúde no Brasil no contexto de criação do Sistema Único de Saúde (SUS).

    Ambos os sentidos aqui apresentados têm em comum uma crítica ao

    reducionismo e à objetivação dos sujeitos e uma proposta de abertura ao

    diálogo.

  • 24

    O conceito de integralidade dirige-se, assim, à produção de saúde, à

    compreensão do processo saúde-doença como fenômeno complexo e não

    restrito a aspectos biológicos, à não padronização e à não fragmentação do

    cuidado condenando a concepção mecanicista da atenção à saúde.

    No campo das políticas públicas, a temática da humanização ganhou

    novo status quando, em maio de 2000, o Ministério de Saúde regulamentou o

    Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH) e

    essa temática é incluída na pauta da 11a Conferência Nacional de Saúde,

    realizada em dezembro do mesmo ano. O objetivo fundamental do PNHAH

    seria o de aprimorar as relações entre profissionais, entre

    usuários/profissionais e entre hospital e comunidade, visando à melhoria da

    qualidade e à eficácia dos serviços prestados por essas instituições (Brasil,

    2000b).

    O Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar foi

    substituído, em 2004, por uma perspectiva transversal, constituindo uma

    política de assistência e gestão, intitulada HumanizaSus: Política Nacional de

    Humanização (PNH), e não mais um programa específico.

    Essa política traz a humanização como eixo norteador das práticas de

    atenção e gestão em todas as instâncias do SUS. Avançando na perspectiva

    da transdisciplinaridade, propõe transformações nas relações sociais e na

    produção e prestação de serviços à população (Brasil, 2004). Coincide com os

    próprios princípios do SUS, enfatizando a necessidade de assegurar atenção

    integral à população e estratégias de ampliar a condição de direitos e de

    cidadania das pessoas.

  • 25

    No que diz respeito à saúde da mulher, o Programa de Assistência

    Integral à Saúde da Mulher (PAISM) constitui a primeira política pública que

    indica a integralidade como preceito básico da assistência à mulher. Propõe um

    conjunto de diretrizes e princípios norteadores dessa assistência, incluindo

    demandas específicas do processo reprodutivo, tornando-se mais tarde

    referência para a humanização da assistência ao parto (Dias e Deslandes,

    2006).

    O Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento (PHPN) foi

    instituído no ano 2000 e tem como objetivo primordial assegurar a melhoria do

    acesso, da cobertura e da qualidade do acompanhamento pré-natal e da

    assistência ao parto e puerpério na perspectiva dos direitos de cidadania. Vai

    ao encontro da necessidade de reduzir as taxas de morbi-mortalidade materna

    e perinatal assegurando a mulher o direito de parir de forma segura e com

    qualidade (Brasil, 2002).

    Esse programa busca consolidar a transformação da assistência à

    saúde das mulheres em um atendimento mais digno e de qualidade e promover

    o respeito pela condição feminina.

    Outra iniciativa política relevante foi o Prêmio Galba Araújo criado em

    1999 pelo Ministério da Saúde como forma de certificação e estímulo aos

    serviços de excelência na atenção ao parto, com vistas à humanização do

    atendimento e incentivo ao parto normal (Dias e Deslandes, 2006).

    Políticas locais de humanização têm avançado no sentido da garantia

    dos direitos à gestante, colaborando para que ocorram graduais mudanças na

    assistência ao parto. Destaca-se, nesse sentido, a lei nº 11.108 de 2005 que

    garante às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o

  • 26

    trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de

    Saúde (SUS).

    3. A humanização da assistência ao parto

    Considerando que a humanização da assistência se insere no campo

    das políticas públicas como aspecto fundamental a ser contemplado e que se

    apresenta como meio de qualificação das práticas em saúde, a humanização

    da assistência ao parto visa, dentre outras coisas, qualificar a assistência

    obstétrica e neonatal.

    A humanização do parto é uma expressão que não constitui

    propriamente um conceito, mas uma ideia orientadora (Dias e Deslandes,

    2006) da assistência à mulher e ao recém-nascido no parto e nascimento.

    Refere-se a uma série de políticas públicas promovidas pelo Ministério

    de Saúde com o apoio da Organização Mundial de Saúde (OMS), da

    Organização Pan-americana de Saúde (OPAS), de Organizações não

    Governamentais (ONGs) e entidades profissionais. Dada a diversidade de

    interesses e atores sociais envolvidos, vários conflitos envolvem o significado

    de humanização do parto e as formas de assistir a ele.

    A humanização da assistência ao parto pode ser compreendida como:

    “um conjunto de práticas que visam à promoção do parto e nascimento saudáveis e à prevenção da mortalidade materna e perinatal. Essas práticas incluem o respeito ao processo fisiológico e a dinâmica de cada nascimento, nos quais as intervenções devem ser cuidadosas, evitando-se os excessos e utilizando-se criteriosamente os recursos tecnológicos disponíveis” (Organização Mundial de Saúde, 1996:2).

    A humanização do parto pressupõe mudanças nas condutas e nos

    procedimentos adotados nos serviços, bem como modificações na atuação dos

  • 27

    diversos atores sociais envolvidos. Implica que o profissional respeite a

    fisiologia do parto, reconheça os aspectos sociais e culturais envolvidos no

    nascimento, não intervenha desnecessariamente, estimule a autonomia da

    mulher, respeite o seu direito ao exercício de escolhas quanto à assistência e

    ofereça apoio emocional à mulher e sua família.

    Envolve ainda a qualificação do profissional de saúde para lidar com

    aspectos técnicos e subjetivos da assistência, a existência de uma estrutura

    física adequada ao atendimento e a garantia de acesso a toda tecnologia

    perinatal para que esta possa ser utilizada quando tiver uma indicação precisa

    (Dias e Deslandes, 2006).

    A atenção humanizada ao parto pressupõe, ainda, a adesão dos

    serviços de saúde e dos profissionais às recomendações da Organização

    Mundial de Saúde, além da promoção de um cuidado baseado nos direitos

    humanos, sexuais e reprodutivos (Rede Feminista, 2002).

    Muitos sentidos são atribuídos à humanização do parto: humanização

    como a legitimidade científica da medicina ou da assistência baseada na

    evidência; humanização como a legitimidade política da reivindicação e defesa

    dos direitos das mulheres na assistência ao nascimento; humanização referida

    ao resultado da tecnologia adequada na saúde da população; humanização

    como legitimidade profissional e corporativa de um redimensionamento dos

    papéis e poderes na cena do parto; humanização referida à legitimidade

    financeira dos modelos de assistência, da racionalidade no uso dos recursos;

    humanização referida à legitimidade da participação da parturiente nas

    decisões sobre sua saúde, à melhora na relação profissional de saúde-

    paciente; humanização como direito ao alívio da dor (Diniz, 2005).

  • 28

    Um dos sentidos atribuídos à humanização é o da reivindicação e defesa

    dos direitos das mulheres que devem ser garantidos pelos profissionais de

    saúde.

    É direito das mulheres, assim como de qualquer usuário do serviço de

    saúde, receber informações claras, objetivas e compreensíveis sobre

    diagnóstico, exames solicitados, procedimentos a serem realizados,

    alternativas terapêuticas, tratamento proposto, bem como seus riscos e

    benefícios (Diniz, 2003).

    A mulher tem direito à sua integridade corporal e a usufruir dos

    progressos da ciência (Diniz, 2003). Perpassando por essas questões estão o

    direito a serviços de qualidade, a garantia do acesso a recursos técnicos e

    medicamentosos, o uso adequado da tecnologia e a não intervenção

    desnecessária.

    Também é direito da mulher o respeito à sua privacidade, individualidade

    e valores culturais, assim como o tratamento digno e não discriminatório (Diniz,

    2003). A mulher não deve ser chamada pelo número do leito, patologia,

    “mãezinha” ou qualquer outro chamamento que possa ser considerado

    desrespeitoso ou que agregue certo teor de impessoalidade à assistência.

    Outro direito da mulher é a presença de um acompanhante de sua

    escolha no pré-natal e no parto. Apesar de comprovados benefícios, essa não

    é uma prática implementada em todos os serviços de saúde.

    Os sentidos atribuídos à humanização do parto explicitam uma

    reivindicação de legitimidade do discurso e uma proposta a novas

    possibilidades de diálogo, de exercício de direitos e de vivência do parto.

  • 29

    Humanizar a assistência ao parto de gestante de risco é reconhecê-la

    como sujeito de sua própria vida e de sua saúde e promover um cuidado

    integral a essa mulher num momento de sua vida a partir do qual emergem

    questões relativas à gestação e à patologia associada. Questões essas que

    envolvem aspectos fisiopatológicos, psicológicos, culturais e sociais e que

    precisam ser compreendidas em suas interfaces e em suas repercussões para

    a vida e a saúde da mulher.

    No cotidiano da maioria das maternidades, os obstáculos à humanização

    da assistência ao parto englobam desde aspectos relativos ao acesso ao leito

    hospitalar, à inadequação do espaço físico para a presença de acompanhante

    no trabalho de parto até a carência de profissionais de saúde sensibilizados

    com a proposta de humanização (Dias e Deslandes, 2006).

    Apesar de amplamente discutida, a humanização do parto ainda

    enfrenta alguns desafios já que pressupõe mudanças no modelo de assistência

    ao parto envolvendo modificações na estrutura física e organizacional dos

    serviços e nas condições de trabalho, bem como transformações nos modos de

    agir da mulher e dos profissionais de saúde.

    A efetiva humanização da assistência ao parto estará sempre atrelada à

    relação entre a mulher e o profissional de saúde, uma relação entre dois seres

    humanos e, portanto, sujeita aos vários aspectos de suas subjetividades (Dias

    e Domingues, 2005).

    Humanizar a assistência envolve mudanças de comportamento, sendo

    um processo dinâmico e complexo, ao qual se oferecem resistências, pois

    desperta insegurança ao confrontarem-se os padrões culturais, institucionais e

    comportamentais conhecidos (Nogueira-Martins, 2002).

  • 30

    A resistência à mudança na assistência ao parto perpassa por questões

    técnicas e relativas ao sistema de saúde, bem como por percepções,

    expectativas, preferências e conveniências de profissionais em relação ao

    parto e sua assistência.

  • 31

    Materiais e Métodos

    1. Tipo de estudo e abordagem

    Trata-se de um estudo descritivo do tipo estudo de caso com abordagem

    qualitativa.

    Optou-se pelo estudo descritivo, pois este permite a descrição dos

    fenômenos relativos à realidade por meio da observação, descrição e

    categorização (Trivinos, 1998).

    Em decorrência do grau de complexidade e subjetividade do objeto de

    estudo, utilizou-se a abordagem qualitativa, considerada por Minayo (1996) a

    mais apropriada ao reconhecimento de situações particulares, grupos

    específicos e universos simbólicos.

    A abordagem qualitativa é adequada, pois contempla o universo de

    significados, crenças e valores, possibilitando a coleta e análise sistemática de

    informações subjetivas e propiciando um campo livre ao rico potencial das

    percepções. Decidiu-se, portanto, por esse tipo de abordagem para entender

    melhor a percepção do profissional de saúde sobre a humanização da

    assistência ao parto de gestante de risco.

    A percepção pode ser considerada como uma experiência dotada de

    significado. O percebido é dotado de sentido e este assume grande importância

    na história de vida de cada pessoa, fazendo parte de sua vivência. A

    percepção é uma maneira dos seres humanos estarem no mundo (Chauí,

    1997).

    O estudo de caso foi utilizado como método de pesquisa, pois, como o

    caso é sempre bem delimitado, devendo ter contornos claramente definidos,

    essa forma de captação dos dados busca retratar a realidade de forma

  • 32

    completa e profunda. Essa técnica permite a representação de interesses

    conflitantes e de diferentes pontos de vista presentes numa mesma situação. O

    estudo de caso pode ser definido como:

    “um conjunto de dados que descrevem uma fase ou uma totalidade do processo social de uma unidade, em suas várias relações internas e nas suas fixações culturais, quer seja essa uma unidade, uma pessoa, uma família, uma comunidade, uma categoria profissional ou até mesmo uma nação” (Gil, 1991: 59).

    2. Os sujeitos da pesquisa

    Os sujeitos da pesquisa foram vinte profissionais de saúde concursados

    que atuam na assistência à gestante no pré-parto e sala de parto da Unidade

    Materno Fetal (UMF) do Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro.

    Essa maternidade possui uma equipe de saúde multidisciplinar para

    realizar o atendimento à gestante e ao recém-nascido, contando com médicos

    obstetras e pediatras, equipe de enfermagem, nutricionista, assistente social e

    psicólogo, sendo que esses três últimos profissionais atuam também em outros

    setores do hospital.

    Não há anestesistas lotados na Unidade Materno Fetal. Esses

    profissionais são lotados no Centro Cirúrgico e deslocam-se até a maternidade

    para realizar anestesia nas cesáreas e outros procedimentos obstétricos como

    curetagem, laqueadura tubária e, raramente, partos vaginais.

    Na época da pesquisa, a equipe médica da UMF era formada por 30

    obstetras e 34 pediatras com especialização em neonatologia, enquanto a

    equipe de enfermagem era composta por 35 enfermeiros e 75 auxiliares de

    enfermagem.

  • 33

    Apesar do concurso para ingresso na unidade exigir apenas a formação

    como auxiliar de enfermagem, a maioria desses profissionais são técnicos de

    enfermagem. Alguns possuem ainda nível superior e até pós-graduação.

    A maternidade em questão constitui-se também como campo de estágio

    e residência de enfermagem e médica-obstétrica. Optou-se por não entrevistar

    esses profissionais, tendo, como sujeitos, apenas funcionários do serviço

    estudado.

    Foi utilizado como critério de inclusão o mínimo de dois anos de

    experiência na UMF, considerando-se, assim, que os profissionais de saúde

    possuem experiência na assistência a gestante de risco dentro da unidade em

    questão.

    Utilizou-se uma amostra de conveniência que tivesse pelo menos um

    membro de cada categoria profissional envolvida na assistência a gestante na

    maternidade.

    De acordo com o critério de inclusão, disponibilidade e aceitação dos

    profissionais em participar do estudo, a amostra foi composta por vinte

    profissionais, sendo eles cinco médicos obstetras e três neonatologistas, uma

    assistente social, duas nutricionistas, uma psicóloga, cinco enfermeiras e três

    auxiliares de enfermagem. Todos concordaram em participar da pesquisa

    assinando o termo de Consentimento Livre e Esclarecido, elaborado de acordo

    com a Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde (Apêndice 1).

    3. Campo da pesquisa

    O campo escolhido foi a Unidade Materno Fetal (UMF) do Hospital dos

    Servidores do Estado do Rio de Janeiro (HSE). Trata-se de uma maternidade

  • 34

    federal que constitui um serviço terciário do SUS, referência ao atendimento de

    gestante de risco, localizado dentro de um hospital geral da cidade do Rio de

    Janeiro.

    Trata-se de um grande complexo hospitalar que possui 450 leitos de

    internação e 20 salas de Centro Cirúrgico. Realiza procedimentos de alta

    complexidade e de tecnologia de ponta, além de cirurgias de grande porte. O

    atendimento compreende mais de 50 serviços especializados, que cobrem

    todas as ocorrências clínicas.

    A UMF é voltada ao atendimento de gestantes de alto risco, priorizando-

    se o alto risco materno. Possui pré-natal especializado com suporte de todas

    as clínicas, UTI neonatal e setor de propedêutica fetal com exames de

    ultrassonografia, cardiotocografia e Dopplerfluxometria.

    Na maioria dos casos, as gestantes apresentam intercorrências como

    hipertensão, diabetes, cardiopatia, anemia hemolítica, leucemia, AIDS, hepatite

    e tuberculose. A UMF, em parceria com o Serviço de Doenças Infecto-

    Parasitárias e a pediatria, possui um programa especializado no atendimento a

    grávidas soropositivas.

    Como se trata de um serviço voltado para gestante de risco materno

    oriundas do pré-natal do próprio hospital, a maternidade tem um pequeno

    número de partos, mas uma elevada taxa de cesárea quando comparada a

    outras maternidades do SUS. Realiza, em média, cerca de vinte e quatro

    partos vaginais e cinquenta e três cesáreas por mês, segundo o serviço de

    estatística do hospital (dados referentes a 2009). Após o parto, são realizadas

    consultas de seguimento tanto para as puérperas quanto para os recém-

  • 35

    nascidos. Na época da pesquisa, aconteciam, em média, 250 consultas de pré-

    natal e follow-up pós-parto por mês.

    Acredita-se que o perfil da clientela atribui à unidade certas

    particularidades. Além da elevada taxa de cesárea, a complexidade do serviço

    e as patologias das gestantes estão relacionadas a maior tempo de internação,

    necessidade de cuidados mais intensivos e especializados e maior número de

    óbitos maternos. Segundo o DATASUS, no ano de 2008, houve cento e dez

    óbitos maternos no Estado do Rio de Janeiro e trinta e três no Município.

    Nesse mesmo ano, segundo o serviço de estatística do Hospital do Servidores

    do Estado, ocorreram quatro óbitos maternos.

    O tempo de permanência da maternidade é bastante elevado e, com

    certa frequência, algumas gestantes chegam a ficar várias semanas internadas

    no serviço. Muitas dessas mulheres não chegam a entrar em trabalho de parto

    ou atingir o termo da gestação, uma vez que, frequentemente, são submetidas

    a cesarianas, seja por indicação materna ou fetal.

    A UMF e a Unidade de Neonatologia formam o Núcleo de Perinatologia

    e atuam integradamente para melhor atender as mulheres e os bebês.

    Atualmente, o Núcleo possui quatorze leitos para gestantes, doze leitos para

    puérpera e recém-nascido, dez de CTI neonatal e vinte de unidade

    intermediária, além de um pré-parto com três leitos e um centro obstétrico

    composto por uma sala de cesárea e uma sala de parto com duas mesas.

    Quando admitidas em trabalho de parto, as mulheres são orientadas a

    retirarem suas roupas e pertences pessoais e a utilizarem a camisola do

    hospital. Não há uma rotina em relação às informações e orientações que são

    dadas à mulher nesse momento. É permitida a presença de um acompanhante

  • 36

    de escolha da gestante. Já na sala de parto ou de cesárea, as mulheres não

    têm a mesma oportunidade. Nas primeiras vinte e quatro horas pós-parto, é

    permitida a presença de um acompanhante do sexo feminino. Para pacientes

    adolescentes, psiquiátricas, deficientes ou mediante a avaliação da equipe

    multiprofissional, a permanência do acompanhante pode ser estendida.

    Por ocasião da internação, as mulheres são atendidas pela equipe de

    plantão, muitas vezes totalmente desconhecida para elas. A jornada de

    trabalho da equipe médica é de vinte horas semanais e da enfermagem, de

    trinta horas semanais. Os profissionais são diaristas ou plantonistas. A equipe

    médica realiza plantões de doze horas em dias fixos da semana com rodízio

    nos finais de semana, enquanto a enfermagem realiza plantões de doze horas

    em escala corrida com sessenta horas de descanso.

    Exercendo atividade assistencial há, na maioria das vezes, dois

    obstetras, alguns residentes de obstetrícia e três enfermeiras e quatro

    auxiliares de enfermagem atuando na sala de admissão, enfermaria de

    gestante e puerpério, pré-parto e centro obstétrico. Também há, em média,

    dois ou três neonatologistas prestando assistência na unidade neonatal,

    alojamento conjunto e centro obstétrico.

    Na época da pesquisa, eram realizadas reuniões semanais com a

    equipe multiprofissional com discussões acerca da rotina e funcionamento da

    unidade. Também aconteciam, de segunda a sexta, discussões sobre casos

    clínicos por toda a equipe médica.

    Na maternidade, nessa mesma ocasião, não eram realizadas

    regularmente atividades educativas com as gestantes como sala de espera,

    grupo de gestante ou oficinas.

  • 37

    Embora essa unidade apresente singularidades, consideramos que ela

    reflete, mesmo que parcialmente, a realidade da assistência das maternidades

    públicas para gestantes de risco, bem como a lógica de ação de seus

    profissionais de saúde.

    4. Coleta de dados

    A técnica empregada para a obtenção dos dados foi a entrevista

    semiestrutura, respeitando-se os princípios do consentimento livre esclarecido

    e da confidencialidade dos dados.

    A entrevista constitui-se do encontro entre duas pessoas, entrevistador e

    entrevistado, face a face, a fim de que o primeiro obtenha informações a

    respeito de um determinado assunto (Lakatos e Marconi, 2001).

    Essa técnica foi utilizada na investigação com o objetivo de coletar

    dados e caracteriza-se por reforçar a importância da linguagem e do significado

    da fala.

    Na análise qualitativa, a entrevista é empregada como instrumento de

    coleta de dados porque, por meio da fala, o entrevistado revela seus valores,

    sua percepção da realidade, explica o seu sistema de referências, transmitindo

    as representações de um grupo em um determinado contexto (Minayo, 1996).

    A entrevista semiestruturada combina perguntas abertas e fechadas,

    possibilitando que o pesquisado discorra sobre o tema com um pequeno grau

    de direção dado pelo entrevistador.

    Como instrumento de coleta de dados, foi utilizado um roteiro de

    entrevista semiestruturado contendo questionamentos acerca da percepção do

    profissional de saúde sobre a humanização da assistência à saúde, a

  • 38

    humanização do parto e nascimento, a humanização da assistência ao parto

    em situações de risco materno e fetal e sobre sua percepção acerca do que

    favorece e dificulta a assistência humanizada em situações de risco (Apêndice

    2).

    Foram incluídos também questionamentos sobre a opinião dos

    profissionais de saúde a respeito de aspectos relativos à humanização da

    assistência como informação, presença de acompanhante, participação da

    parturiente, realização de intervenções e procedimentos e a relação

    profissional-clientela.

    Para observar a adequação do roteiro de entrevista foi realizado um

    teste piloto com dois profissionais de saúde.

    As entrevistas foram gravadas em áudio e posteriormente, para a

    análise, transcritas de maneira literal pela própria pesquisadora.

    5. A análise dos dados

    Como método de análise dos dados, foi utilizada a análise de conteúdo,

    a qual pode ser definida como:

    “um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando obter, por procedimentos sistemáticos objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/ recepção das mensagens” (Bardin, 1979: 42).

    A análise de conteúdo foi utilizada com o objetivo de realizar uma

    descrição objetiva e sistemática do conteúdo da fala, bem como descobrir o

    verdadeiro conteúdo expresso pela mensagem. Esse método de análise foi

    adequado para o objeto de estudo em questão, visto que objetivava captar,

  • 39

    através das falas dos entrevistados, suas percepções, crenças e valores sobre

    determinado assunto.

    Decidiu-se por utilizar a análise de conteúdo na modalidade temática, na

    qual o tema é a unidade de registro utilizada. O tema pode ser compreendido

    como uma unidade de significado que se liberta naturalmente do texto e em

    torno da qual se tira uma conclusão (Bardin, 1979).

    A análise de conteúdo temática consiste em “descobrir os núcleos de

    sentido que compõem uma comunicação cuja presença ou frequência

    signifiquem alguma coisa para o objetivo analítico visado” (Minayo, 1996: 209).

    Essa modalidade de análise de conteúdo permite definir o verdadeiro

    conteúdo expresso na mensagem pela frequência e/ ou presença de

    determinado tema que aponta valores de referência e comportamento

    presentes no discurso.

    A análise temática abrange as seguintes fases: pré-análise, exploração

    do material, tratamento dos resultados obtidos e interpretação.

    Na pré-análise, foi organizado todo material a ser analisado, retomadas

    as hipóteses e os objetivos iniciais e definidos os indicadores que orientaram a

    interpretação. Na exploração do material, os dados foram codificados em

    unidades de registro, quantificados, classificados e agregados em categorias.

    (Minayo, 1996).

    Procedeu-se, assim, à categorização compreendida como classificação

    dos elementos constitutivos do conjunto dos textos, por diferenciação e

    reagrupamento, o que deu origem a quatro categorias: 1) A humanização da

    assistência na perspectiva dos profissionais; 2) A gestação e o parto da mulher

    de risco e a possibilidade de ser sujeito nesses momentos; 3) A relação da

  • 40

    equipe com a gestante de risco e o cotidiano da assistência; 4) As propostas de

    mudança para a humanização da assistência.

    No tratamento dos resultados obtidos e interpretação, os resultados

    foram submetidos a operações estatísticas simples e foi realizada a reflexão da

    relação entre os dados produzidos e o quadro teórico e a formulação de

    hipóteses explicativas para as categorias que emergiram da análise (Minayo,

    1996).

  • 41

    Questões éticas

    A pesquisa foi desenvolvida em consonância com as diretrizes e normas

    regulamentares de pesquisa envolvendo seres humanos da Resolução nº 196,

    de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), respeitando

    os princípios básicos de autonomia, beneficência, não maleficência, justiça e

    equidade.

    A fim de garantir o cumprimento das questões éticas em pesquisa, o

    estudo foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres

    Humanos do Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro, recebendo

    a aceitação do Comitê em 19 de maio de 2009 (protocolo de aprovação

    000.367 – Anexo 1).

    A realização da pesquisa também foi autorizada pelo chefe do serviço

    após exposição dos seus objetivos e esclarecimentos quanto ao cumprimento

    das questões éticas envolvidas em pesquisa com seres humanos.

    Outro princípio ético atendido foi o consentimento livre e esclarecido dos

    sujeitos da pesquisa, entendido como a anuência em participar do estudo

    mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,

    elaborado de acordo com a Resolução 196 do CNS. Nesse documento foram

    explicados os objetivos e natureza do estudo, exposta a autonomia do

    pesquisado para aceitar ou recusar-se a participar e garantido o sigilo,

    confidencialidade do estudo e privacidade do pesquisado.

    O registro dos dados em gravação em áudio foi feito após a

    concordância dos informantes e ciência sobre seus objetivos e empregos.

    Foi assumido também o compromisso de divulgação dos resultados para

    os pesquisados e para a unidade que serviu como cenário do estudo.

  • 42

    Com o objetivo de preservar a confidencialidade e o sigilo dos dados e a

    privacidade dos pesquisados, cada profissional de saúde que participou do

    estudo foi identificado pela palavra “entrevistado (a)” associada ao número da

    entrevista e à categoria profissional.

  • 43

    Resultados e Discussão

    Caracterização dos entrevistados

    A amostra, como dito anteriormente, é composta por vinte profissionais

    de saúde, sendo eles cinco médicos obstetras e três neonatologistas, cinco

    enfermeiras, três auxiliares de enfermagem, duas nutricionistas, uma assistente

    social e uma psicóloga.

    A maioria dos entrevistados (17) é do sexo feminino, exceto três

    médicos obstetras. A predominância do sexo feminino dentre os trabalhadores

    nos hospitais é, principalmente na enfermagem, explicada pelo fato de que, em

    várias culturas, a assistência aos doentes e o cuidado com as pessoas ainda

    são considerados uma extensão do trabalho da mulher (Pinho, 2002).

    Dentre os entrevistados, quatorze (70%) têm mais de cinco anos de

    formado, sendo que nove (45%) têm mais de 10 anos e cinco (25%) têm entre

    seis e dez anos de formado. O tempo de formado pode ser um indicativo do

    tempo de experiência no mercado de trabalho e da maturidade e habilidade do

    profissional.

    A maior parte dos pesquisados (18) possui pós-graduação. Apenas uma

    enfermeira e uma auxiliar de enfermagem não têm especialização. Os demais

    auxiliares possuem nível superior e pós-graduação. Este resultado reflete a

    especificidade do serviço, que exige, por parte da categoria médica, a pós-

    graduação em obstetrícia ou neonatologia. Esse dado também vai ao encontro

    da necessidade do mercado de trabalho que exige cada vez mais capacitação

    e desenvolvimento dos profissionais.

  • 44

    Com relação ao tempo de trabalho na área materno infantil, sete dos

    pesquisados (35%) têm até cinco anos, outros sete (35%) têm entre seis e dez

    anos e seis (30%) têm mais de 10 anos de experiência.

    Já no que tange ao tempo de trabalho na Unidade Materno Fetal,

    apenas dois (10%) dos entrevistados têm mais de cinco anos, demonstrando

    que a amostra é composta por profissionais de saúde relativamente novos no

    serviço, sendo sua maioria frutos do concurso realizado pelo Ministério da

    Saúde em 2005. Cabe ressaltar que, há mais de dez anos, não havia concurso

    público que possibilitasse a aquisição de novos profissionais de saúde para a

    UMF e que os concursados de 2005, convocados a partir de 2006, vieram

    substituir os trabalhadores cooperativados e temporários que atuavam no setor.

    Dentre os pesquisados, dezoito (80%) têm outro emprego, sendo que

    destes, seis (30%) têm mais de dois vínculos empregatícios. A maioria dos

    profissionais não possui dedicação exclusiva, o que pode estar associado à

    menor disponibilidade, empenho e envolvimento com a instituição (Martins et

    al., 2006).

    Dos vinte entrevistados, dezesseis (80%) definem sua função como

    plantonista. Desses dezesseis, treze (65%) são membros da equipe de

    enfermagem e médicos obstetras que atuam no pré-parto e centro obstétrico;

    os outros três (15%) são neonatologistas, cuja atuação abrange o centro

    obstétrico e UTI neonatal. Os demais profissionais (20%) englobam as duas

    nutricionistas, uma psicóloga e uma assistente social. Ambas as profissionais

    apontam a assistência à gestante como uma das suas funções.

  • 45

    1a Categoria – A humanização da assistência na perspectiva dos

    profissionais.

    1.1 - Humanização da assistência: um conceito em formação

    A humanização da assistência à saúde vem sendo amplamente

    discutida em todo o mundo tendo como marco a década de 70, embora

    estudos da década de 50 já revelassem alguma discussão sobre o assunto. No

    Brasil, essa temática ganha maior visibilidade, enquanto política pública, em

    maio de 2000, quando o Ministério de Saúde regulamentou o Programa

    Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH) que, em 2004,

    foi substituído pela Política Nacional de Humanização (PNH). Muitos estudos já

    foram feitos sobre esse tema, mas ainda hoje são gerados muitos

    questionamentos sobre sua abrangência.

    De maneira geral, quando perguntados sobre sua opinião a respeito da

    humanização da assistência, os entrevistados apontaram apenas alguns

    aspectos dela. Vários tiveram dificuldade em defini-la de forma mais

    abrangente, sendo comum que as falas trouxessem apenas exemplos de

    situações ou definições bastante genéricas.

    Como afirma Ayres (2006), é preciso reconhecer a existência de uma

    imprecisão na definição do conceito de humanização da assistência e a

    polissemia que tem cercado a utilização dessa expressão.

    Corrobora essa afirmação o fato da humanização da assistência

    aparecer no imaginário de alguns dos pesquisados como um tema novo e que

    carece de uma definição que diminua a abrangência de sua utilização.

  • 46

    “Eu acho que é um tema novo.” (Entrevistada 08 – auxiliar de enfermagem)

    “Eu acho que o termo humanização ainda tá muito vago. Eu acho que ainda tá sendo aplicado pra coisas distintas e ainda tá muito perdido essa aplicação. Eu acho que bate no que é o conceito de humanização, entende?” (Entrevistada 10 – pediatra)

    Para Deslandes (2006), a humanização da assistência tem sido, muitas

    vezes, interpretada apenas como um novo modismo ou conceito de ocasião.

    Ainda para esta autora, essa temática, na realidade, expressa um debate por

    novas possibilidades de organização do cuidado há muito almejado no campo

    da saúde. Não se configura, portanto, como um tema novo, mas como um

    projeto que surgiu da necessidade de mudar o modelo assistencial vigente.

    Esse processo de mudança da assistência envolve diversos interesses e

    atores sociais e explica os muitos sentidos atribuídos à humanização da

    assistência pelos profissionais de saúde.

    Na concepção de alguns entrevistados, a amplitude do conceito motiva

    grandes questionamentos teóricos, mas dificulta a aplicação prática de seus

    preceitos e, em algumas ocasiões, pode provocar distorções na sua

    interpretação como, por exemplo, uma preocupação excessiva com o ambiente

    em detrimento do cuidado, como cita uma das pesquisadas.

    “Eu acho que o termo humanização ainda tá muito vago. (...) Acham que humanização é botar flor, é liberar todo mundo pra acesso à visita. Ainda tá muito perdido, muito amplo.” (Entrevistada 10 - pediatra)

    Chama a atenção o fato de grande parte dos profissionais referir-se à

    humanização da assistência como um projeto teórico que, na prática, ainda não

  • 47

    acontece. Esse distanciamento entre um grande debate teórico e poucas ações

    concretas realizadas no cotidiano da assistência talvez esteja relacionado com

    a dificuldade dos profissionais de saúde em conseguir traduzir para suas

    práticas assistenciais os conceitos debatidos. Como traduzir em ações

    integralidade, equidade e autonomia se, muitas vezes, os próprios profissionais

    não sabem o que significam na prática?

    “Enfim, a gente é exposto a muitos cursos, na própria graduação a gente ouve muito falar de humanização, mas na prática os profissionais não incorporaram isso.” (Entrevistada 06 - enfermeira)

    Esse distanciamento entre a teoria e a prática da humanização pode

    explicitar uma banalização do conceito e sua não valorização pelos

    profissionais de saúde. Para Souza e Moreira (2008), existe uma tendência à

    utilização do termo humanização como expressão de diversos interesses em

    transformação, o que associado à imprecisão que cerca o conceito, pode

    explicar a banalização com que a humanização vem sendo tratada.

    Essa banalização reflete-se na baixa capacidade de aplicação dos seus

    preceitos no cotidiano da assistência e na fragmentação das práticas, projetos

    e atividades ligados a programas de humanização, representando um problema

    de inscrição teórico-prática (Benevides e Passos, 2005).

    É preciso reconhecer que a humanização carece de uma delimitação

    teórica que diminua a abrangência e a possibilidade de distorções na aplicação

    de seus preceitos. Vale, no entanto, lembrar que constitui um princípio

    orientador das práticas em saúde, visto que as orienta para as necessidades

  • 48

    da população, não podendo ser delimitado sem o risco da humanização da

    assistência ser reduzida a práticas assistenciais isoladas.

    Vários pesquisados apontaram a capacidade de “se colocar no lugar do

    outro” como um atributo da humanização da assistência. Além disso, também

    ressaltaram a necessidade de se olhar o cliente para além da sua patologia,

    tentando compreendê-lo de forma integral, incluindo seu contexto pessoal e

    social.

    “Bom, pra mim é tudo porque você lida com vida humana, então como é que você não vai humanizar o atendimento. A primeira coisa que se tem que ter em mente é se colocar no lugar do outro. Que forma que você gostaria de ser atendido? Mal atendido ou bem atendido nas suas necessidades emocionais, físicas, clínicas e em tudo que você necessita naquele momento.” (Entrevistada 04 – enfermeira)

    O conceito de alteridade aparece nas falas dos entrevistados como uma

    maneira de compreender as necessidades do indivíduo proporcionando uma

    assistência personalizada que contemple os vários aspectos que integram a

    saúde.

    A necessidade de humanizar a atenção da saúde decorre, dentre outras

    coisas, da observação que a relação entre o profissional de saúde e o paciente

    vem sendo orientada pela patologia e não pela visão da pessoa em sua

    totalidade. De acordo com Souza e Moreira (2008) há uma supervalorização do

    corpo biológico em detrimento das experiências sociais e culturais do adoecer

    e uma separação da doença de seu caráter de experiência humana.

    O termo alteridade deriva da palavra latina alteritas que significa “outro”

    e expressa diferença, diversidade. Pressupõe a compreensão do outro e a

  • 49

    existência de uma consciência moral entre sujeitos que se relacionam,

    constituindo um esforço de resgate da cidadania do outro (Boudon e

    Bourricaud, 1993).

    “Colocar-se no lugar do outro”, para Deslandes (2006), remete a ideia

    de tratar o outro como igual, estabelecendo uma relação de empatia e

    reciprocidade. A alteridade possibilita, assim, a redução da assimetria existente

    na relação entre o profissional de saúde e o paciente, estabelecendo relações

    mais igualitárias no ato de cuidar e ser cuidado, com compartilhamento de

    decisões e responsabilidades.

    Contudo, as falas revelam que a ideia de alteridade não vem

    acompanhada de autonomia para a cliente, mas de cuidado atencioso e quase

    paternalista.

    Também surgiram ideias da humanização como um direito do paciente,

    incluindo o acesso ao serviço de saúde, direito a informação e, principalmente,

    direito de ser sujeito de seu próprio cuidado.

    “O termo humanização na assistência à saúde vem em decorrência das práticas que estavam ocorrendo onde o sujeito estava deixando de ser sujeito, estava sendo só paciente, no sentido daquele que só recebe tratamento, não tendo muita participação, muita voz ativa sobre o próprio corpo”. (Entrevistada 19 – assistente social)

    Como apontado por Souza e Moreira (2008), a humanização da

    assistência está relacionada à visão do paciente como sujeito e protagonista do

    processo de produção de saúde devendo ter seus direitos garantidos pelos

    profissionais de saúde.

  • 50

    O paciente não seria mais reconhecido como objeto de intervenção

    destituído de saber e de sentimentos, mas como sujeito de seu corpo e de seu

    cuidado, tendo direito à participação e à informação sobre sua saúde, bem

    como a garantia do acesso ao serviço de saúde.

    A humanização da assistência foi apontada por alguns entrevistados

    apenas como um atributo da qualidade do cuidado prestado quando, na

    verdade, a proposta vai muito além dessa questão como apontam autores

    (Deslandes, 2004; Souza e Moreira, 2008) que têm discutido de forma mais

    profunda esse assunto.

    “Eu acho que qualquer proposta que vise melhorar a qualidade do atendimento é válida independente do nome que a gente dê a isso, se humanizado ou não.” (Entrevistado 13 - obstetra)

    Esses profissionais fazem parte do grupo daqueles que têm dificuldades

    em perceber que, na verdade, reduzir a humanização a um atributo da

    qualidade da assistência seria desconsiderar o seu papel como orientador e

    transformador das práticas em saúde.

    O trabalho e a integração da equipe multiprofissional aparecem nas falas

    de alguns pesquisados como fatores que podem humanizar e qualificar a

    assistência.

    “Eu acho que poderia ser melhor. Melhor... vamos dizer assim: eu acho que deveria haver mais, deveríamos ser um grupo mais unido. (...) Em geral eu acho que tem que melhorar tudo: trabalhar em equipe e mais com a paciente. É isso que eu acho.” (Entrevistada 02 – auxiliar de enfermagem)

  • 51

    O trabalho em equipe possibilita a disponibilidade de diferentes saberes

    no atendimento ao paciente promovendo uma visão mais abrangente das suas

    necessidades. A interdisciplinaridade pode ser considerada como um aspecto

    que contribui para a integralidade do cuidado a qual estará sempre atrelada à

    humanização da assistência.

    O fortalecimento do trabalho em equipe multiprofissional é apontado pelo

    Ministério da Saúde como um princípio norteador da Política Nacional de

    Humanização que fomentaria a tranversalidade e a grupalidade (Brasil, 2004).

    Se por um lado houve dificuldade de alguns em definir o que seria a

    humanização da assistência, por outro muitos foram os sentidos atribuídos à

    humanização por parte dos profissionais de saúde entrevistados. É preciso

    reconhecer nas diferentes interpretações do termo humanização combinações,

    convergências, divergências e mesmo contradições que, com certeza,

    repercutem no cotidiano da assistência.

    1.2 – Humanização da assistência ao parto: direito da cliente ou

    característica profissional?

    No que diz respeito à saúde da mulher, o Programa de Humanização no

    Pré-natal e Nascimento foi instituído em 2000 com objetivo de melhorar a

    qualidade da assistência obstétrica e neonatal. Envolve o uso adequado de

    recursos humanos, materiais e tecnológicos, bem como o respeito e a

    promoção dos direitos da mulher.

    A humanização do parto refere-se a uma série de políticas públicas

    promovidas pelo Ministério de Saúde. Muitos projetos vêm sendo

  • 52

    desenvolvidos dando a essa temática grande visibilidade por parte de alguns

    segmentos da população, gestores e profissionais de saúde.

    Contrapondo o exposto acima, quando se abordou nas entrevistas a

    humanização da assistência ao parto, as falas dos profissionais de saúde

    revelaram que, como aconteceu com a proposta de humanização da

    assistência em geral, apesar de todos terem algum conhecimento sobre esse

    tema, boa parte dos entrevistados apresentou dificuldade em conceituá-lo de

    forma mais abrangente, abordando apenas algumas práticas pontuais.

    Na assistência ao parto, o termo humanização também vem sendo

    utilizado com sentidos diversos. A definição do que seria a humanização da

    assistência ao parto e sua abrangência representam um desafio na perspectiva

    dos profissionais de saúde. Como citado anteriormente, para Dias e Deslandes

    (2006), a humanização do parto nas suas muitas versões não constitui

    propriamente um conceito, mas uma ideia orientadora que abarca vários

    aspectos do atendimento à mulher e ao bebê.

    Alguns profissionais apontaram o respeito à fisiologia de cada

    nascimento e a utilização da menor intervenção possível como atributos da

    humanização da assistência ao parto.

    “E como a gente, enfermeira obstétrica, trabalha com baixo risco, a gente sempre tenta não invadir esse processo.” (Entrevistada 01 – enfermeira)

    Isso vai ao encontro do preconizado pela Organização Mundial de

    Saúde (1996), que defende o resgate do caráter fisiológico do processo de

    nascimento que, na maioria das vezes, deve ocorrer sem nenhuma

    interferência em sua evolução natural.

  • 53

    O corpo da mulher, antes visto como imperfeito e incapaz, agora é

    descrito como apto a dar a luz sem a necessidade de intervenções; enquanto o

    nascimento, antes visto como um perigo à saúde do recém-nascido, é descrito

    como um processo necessário à transição para a vida extra-uterina (Diniz,

    2005).

    Contudo, para uma das profissionais entrevistadas, ao restringir o

    número de intervenções, a humanização pode interferir negativamente na

    qualidade da assistência.

    “Acho importante sem exageros porque às vezes quer humanizar demais e acaba fazendo mal de outras formas como, por exemplo, deixar o acompanhante o tempo inteiro ou não faz episiotomia de maneira nenhuma porque o parto tem que ser natural e às vezes acaba trazendo algum transtorno e o neném acaba nascendo asfíxico por conta desses exageros.” (Entrevistada 14 - pediatra)

    De acordo com Hotimsky e Schraiber (2005), a não realização de

    intervenção é muitas vezes interpretada como precariedade do modelo de

    atenção, enquanto a noção de parto natural é vinculada à ideia de retrocesso.

    Deixar de oferecer, de forma rotineira, para a mulher todo o aparato

    tecnológico que a medicina moderna dispõe é interpretado por alguns

    profissionais como negar a gestante algo que seria um direito seu,

    favorecendo, assim, a desumanização do processo de parturição.

    Denota-se uma visão distorcida do conceito de humanização do parto, o

    qual, embora defenda o respeito à fisiologia de cada nascimento, não se opõe

    ao uso de tecnologias e à realização de intervenções quando necessários.

  • 54

    A humanização da assistência ao parto, na percepção de alguns

    pesquisados, está diretamente relacionada com o acolhimento da mulher e da

    família e com a presença do parceiro no momento do parto.

    “É importante que o pai entre na sala de parto, que a criança fique mais tempo com a mãe logo após o nascimento.” (Entrevistada 15 – psicóloga)

    O acolhimento não corresponde apenas ao pronto-atendimento e à

    recepção da mulher. Diz respeito principalmente ao encontro do profissional

    com a gestante baseado na escuta atenta às suas dúvidas e desejos e no

    direcionamento da assistência, segundo as demandas da gestante.

    Outro aspecto da humanização da assistência seria a inserção da família

    e do parceiro no acompanhamento do processo de parturição. Para Tarnowski

    et al. (2004) a separação da mulher de sua família por ocasião da internação

    na maternidade é comprovadamente prejudicial e a participação paterna é

    relevante para o desenvolvimento do novo ser e para a consolidação da

    família.

    É preciso levar em consideração o significado do nascimento para a

    família e propiciar seu acolhimento no contexto do parto, promovendo uma

    assistência mais humanizada à mulher.

    A humanização novamente foi associada à garantia dos direitos da

    clientela. A assistência humanizada à gestante foi apontada como sinônimo de

    direito à informação sobre sua saúde e a do bebê, direito de escolha informada

    quanto à realização de procedimentos e direito à presença de um

    acompanhante de escolha da mulher durante todo o processo de parturição.

  • 55

    “Mas acho que humanizar é isso, é dar a opção dela [gestante] fazer o pré-natal com um médico ou enfermeira que ela queira, ter o direito de entrar em trabalho de parto, ter o acompanhante com ela, ter acesso a informação das coisas que vão ser feitas com ela.” (Entrevistada 12 – obstetra)

    As falas dos entrevistados revelaram que as ações humanizadoras ainda

    não são uma rotina da instituição, mas principalmente atributo de alguns

    profissionais.

    “A gente vê profissionais que, não interessa se é público ou particular, se tá cansado ou não, que tratam da mesma forma todo mundo. E tem gente que não, que acha que tá ali só pra trabalhar e que não precisa ter uma ótima relação com a paciente.” (Entrevistada 14 – pediatra)

    A humanização da assistência à gestante parece estar relaciona