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1 OS SERTÕES de Euclides da Cunha Teatro Oficina Uzyna Uzona A TERRA PLANO 0 Prólogo. No IníCio era a Cantada. Dionisos marca o ponto Central onde retornará. Sai para a rua em forma de Coro e contagia de dionisismo em silêncio todos que o esperam no espaço de espera. Passeiam pelos Arredores. Olham o Teatro onde vão entrar com as pessoas que vieram , penetram como árvores rezando a oração muda de sub textos da Descoberta do Genesis em si mesmo e em cada presente:) SUB TEXTO O espaço está vazio. Silêncio. A Luz está pálida, esbranquiçada. É a hora branca, quando a noite se vai e o sol ainda não chegou. É exatamente antes da aurora. Está tudo leitoso. A pouco e pouco, lento sustenuto, a luz se levanta, tudo se colora. São cores frescas, e tênues, uma bruma sai da terra. É o primeiro hálito da Terra. Orvalho. Um Som. Um Vibrato. Um Acorda. O vagalume etherno de Semele rutila. (jardim – luzes baixas) Uma água escorre. Uma Brisa sopra. Como de repente, Dionyzos está aqui. Entra. Entrou. (no que entra entrou) No Silêncio. Ele chega com mulheres. Andam, avançam,

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OS SERTÕESde Euclides da CunhaTeatro Oficina Uzyna Uzona

A TERRA

PLANO 0 Prólogo. No IníCio era a Cantada.

Dionisos marca o ponto Central onde retornará.Sai para a rua em forma de Coro e contagia de dionisismo em silênciotodos que o esperam no espaço de espera. Passeiam pelos Arredores.Olham o Teatro onde vão entrar com as pessoas que vieram , penetram como árvores rezando a oração muda de sub textos da Descoberta do Genesis em si mesmo e em cada presente:)

SUB TEXTO O espaço está vazio.Silêncio.A Luz está pálida, esbranquiçada.É a hora branca,quando a noite se vai e o sol ainda não chegou.É exatamente antes da aurora.Está tudo leitoso.A pouco e pouco,lento sustenuto,a luz se levanta,tudo se colora.São cores frescas,e tênues,uma bruma sai da terra.É o primeiro hálito da Terra.Orvalho.Um Som.Um Vibrato.Um Acorda.O vagalume etherno de Semele rutila.(jardim – luzes baixas)Uma água escorre.Uma Brisa sopra.

Como de repente, Dionyzos está aqui.Entra.Entrou.(no que entra entrou)No Silêncio.Ele chega com mulheres.Andam,avançam,

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lenços de bruma nas pernas.Passos.Raízes andantes.A cada passo ouve-se o som da terra.Surdo.Intensos.Presentes.Prontos para aprontar.A quadrilha Divina baixou.Dionyzos consulta bússola e relógio.Olha para o público.Ele está de encontro marcado.Nesse lugar,nessa hora,com a multidão presente.Pontualíssimo.A história está acontecendo.Ele está calmo e ardoroso.Ele e as mênades, durante o prólogo, descobrem rhealmente o público.

Para eles é uma emoção.Eles se regalam mesmo ao descobrirem cada pessoa.Emoção dum novo mundo.O novo mundo de cada momento.São marinheiros mesmo.Com muito prazer.O Olympo das mênades e de Dionyzos é a platéia.Eles vêem e olham rhealmente pro deus de cada pessoa.E daí nasce o encantamento.

(Dionyzos a frente vem abrindo caminho já exercitando-se, despertando-se ,fazendo despertar e exercitar-se,adorando o Sola chuva, respirando as paredes, o céu aberto, o chão, dançando até o Buraco do Beco Com Saída.Passa para a Corifeia da Voz, que traz as vozes corais reconstituidas. Cantando para tí, para o mim, para o cosmos. TERRA ANA deita-se com os mebros voltados para os quatro pontos cardeais Dionysos Euclides Ave traz uma bússola e localiza-se com o Coro.)

CORO (entoando um mantra)Os Sertões

EUCLIDES CORIFEUEscrito nos raros intervalos de folgaDe uma carreira fatiganteEste livroResume a Campanha de CanudosRealizada por nósFilhos do mesmo soloSem tradições nacionaisVivendo parasitariamente à beira do AtlânticoDos princípios civilizadores elaborados na EuropaE armados pela indústria alemã.

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Essa Campanha, Primeiro assalto de uma luta talvez longa,FoiNa significação integral da palavraUm crimeDenunciemo-lo.Me irritam meias verdades que não passam de meias falsidades,autores que não mudam nem uma data, nem uma genealogiamas desnaturam os sentimentos,que mostram o desenho dos acontecimentos,mas mudam sua cor,que copiam os fatos, mas desfiguram a alma

Eu quero ser bárabaro entre os bárbarosAntigo entre os antigos

CORONorte,Sul,Leste,Oeste,Subterrâneo,Céu

CORIFEIA DO CIO ENTRE O MAR E A TERRA No IníCio Era a Cantada.

(Euclides, TERRA Ana no Centro,aproxima-se Dilermando. Triangulo)

COROViagem !Como é ele?Sempre viajando, descendo, subindo no céu do céu. Descobrindo a Terra brasileira de avião,antes de Santos Dumont…Subir, descer, estar, ir e descobrir.Antes de tudo ser coberto,Desbubro SerTão Brasil!Gênesis da Vida.O Instrumental da banda conitinua a musica vibrante da Abertura

(O Coro sobe até o Planalto Central do Brasil com Euclides Vista do ar, do alto do planalto, plano tomado de um voo de passaro ou helicóptero,fazendo o primeiro filme brasileiro. No chão ficam Ana e Dilermando de Assis com o uniforme do Exercito Brasileiro. Coro e Ana da

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Cunha dançam a dança da luta de Amor entre Mar & Terra.O Ciúme de Euclides vai dando lugar a paixão pela vastidão da paisagem. O Coro no Planalto de onde contempla a extenção do corpode Ana de Terra, por todo o chão do espaço, e do Mar Dilermando)

CORODescobrindo a terra brasileira de avião,Antes de Santos DumontDescubro SerTão Brasil!Genesis da Vida. (As palmas das mãos se abrem e xamam, na nota Sol, o Sol.Abrem as mãos aves, para as mãos de Dilermando na pista, abrindo Os Sertões percorrendo em braile o corpo da Terra Brasileira do Planalto Central, no corpo de Ana. Euclides tira a pena de um tinteiro e escreve)

CORO DOS VIAJANTES (no alto) O Planalto Central do Brasil desce, nos litorais do Sul, em escarpas inteiriças,altas e abruptas. Assoberba os mares;(Entra o toque sinuoso de bossa nova,na cantata do Mar e a Terra vêm descendo como o Planalto central do Brasil, encontrando os Mares.)

CORO DA TERRA E DOS MARES (Ana Terra e Dilermando Mar, corifeiam) Aê Aê Ê,Ê ,Aê Aê Ê,Ê…

Entre o Rio de Janeiro e o Espírito Santo, um aparelho litoral revolto, feito da envergadura desarticulada das serras, riçado de cumeadas Ê corroído de angras, Ê escancelando-se em baías, Ê repartindo-se em ilhas, Ê desagregando-se em recifes desnudos, à maneira de escombros(entra tema sinfônico Wagneriano)do conflito secular que aqui se trava entre os mares e a terra; do conflito secular que aqui se trava entre os mares e a terra;(Euclides e Ana se olham) Entre os mares e a Terra.Aê Aê Ê,Ê ,Aê Aê Ê,Ê…(A viagem do encontro do amor continua sem perder a bossa, na cantata do namoro até atigir o 15 paralelo)

CORO DE VIAJANTESEm seguida,

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transposto o 15° paralelo, (transposição de uma linha em que as cabeças decepam-se para reerbrotarem-se erguidas nos ombros, viradas pela paisagem.) atenuação de todos acidentes serranias se arredondam,o horizonte se amplia; até que em plena faixa costeira da Bahia, o olhar, livre dos anteparos de serras, se dilata em cheio para o ocidente,(O Coro está voltado para o Leste e desloca-se para oeste mergulhando o olhar-corpo balançando-se, agulha de bússola na musica paisagem silenciosa sonora do Sertão Ignoto)mergulhando no âmago da terra amplíssima, lentamente emergindo num ondear longínquo de chapadas…

(O Coro mergulha suavemente–rio, estirando-se nas ondas que formam o São Francisco)

COROSão FranciscoCantando eu sou felizSão FranciscoSão FranciscoOh rio do meu país.Terra!

TERRAMe chamam Terra!São Francisco, na tua bacia, Intimamente,Me corto

(Abre o chão alçapão da terra transbordamento de larvas de tiras retangulares do tamanho da pista do Oficina: vermelhos, amarelos e verdes brotando as entranhas camadas vivas do Centro da Terra do Planalto Central três estratos formando mandalas, alongando-se sobre a pista suas cores dançançando suas lutas apaixonadas de ascenção e decadencia, produzindo mudanças na fisionomia da terra sempre em movimento de conflito e misturação)

Três formações geognósticas, díspares,mal determinadas idades, dentro de mim se substituem, se entrelaçam, se discordam… Predomínio exclusivo de umas, combinação de todas, traços da minha fisionomia nas fisionomias todas.

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MASSAS GNÁISSICASPossantes Massas Gnaissegraníticas,alteando do extremo sul abeirando o mar progredindo, em cadeias sucessivas, até as raias do litoral paulista: (controem o Anfiteatro Brasil erguendo o pano vermelho na galeria, descortinio de um Teatro de Estádio, tanto dá para os Mares quanto para o Interior da Terra)dilatado muro de arrimo sustentando as formações do interior:

TODOS OS COROSAmphiteatro Brasil! (marcha-rock – São Francisco Anchieta sobe até as Galerias em Amphiteatro voltado-se para os mares do para Oeste.)A terra sobranceia o oceano, dominante, do fastígio das escarpas; e quem a alcança como quem vinga a rampa de um majestoso palco,(São Francisco chega ao topo do Teatro de Estadio, goza com todos) Ah!justifica todos os exageros descritivos que fazem deste país região privilegiada, onde a natureza armou a sua mais portentosa Oficina !

TERRA(Respira, expira a phala) Nenhuma se afigura tão afeiçoada à Vida.

CORIFEU GRÉS Sob a linha fulgurante do trópico, estiramos para o norteem extensos chapadões,nossas camadas horizontais: Grés argiloso… (enorme Tecido Amarelo envolvendo todo Grés, sucede os Graníticos. Os rios Iguaçu e Tietê, vêm por entre os vales de públicos, com fitas soltas, fluidas, e vão penetrando esses vales entre as pernas das pessoas e as cabeças, molhando margens, atravessando o grés e embarcando viajantes atraídos, dando um frutinho alucinógeno de romã para quem desejar que viaje. Bandeirantes, índios, públicos do dia, e vão penetrando pelos fios dos rios o sexo das massas opulentas das Terras)

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AS TERRAS (Com uma enorme saia de Gres, como um suave plano, onde os rios penetram, fluem para suas matas sexuais)

A Terra atrai irresistivelmente o homem, arrebatando-o na própria correnteza dos rios que, do Iguaçu ao Tietê, correm da costa para os sertões, como se nascessem nos mares e canalizassem as suas energias eternas para os recessos das matas opulentas. (cada ves mais baixa, a saia vai abaixando até abrigar por um tempo os seus viajantes acolhidos) para os recessos das matas opulentas,para os recessos das matas opulentas,para os recessos das matas opulentas…

CORIFEU DAS MASSAS GNAISSICAS(Retomando os bastões e o Pano Vermelho) Para leste,

CORO DAS MASSAS GNAISSICASmassas gnaissicas, sapatas e sapatões.A natureza Masculiniza-se.Afloramentos gnáissicos estereografamos, duros, os píncarosalteamos, pela pica do Itatiaia.

CORO GERAL Pica do Itatiaia

CORO DAS MASSAS GNAISSICASGozamos em rebentos até o âmagodas Minas.

(Minas de Minas recebem as picas e viram rios, caudais)

CAUDAIS (oxum agua doce, suave,para as granítcas)Nós doces caudais,revelamos seu pendor insensível, derivando, vencendo, seu antagonismo permanente, montanhas!

CAUDAL RIO GRANDE (Luta entre Serra da Canastra e Rio Grande, oxuns de ritmos e sons de

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correntes fortes)Rio Grande,rompo rasgando com a força da minha corrente, Serra Canastra.(A Rio Grande salta a Canastra)

CAUDAL RIO DAS VELHAS (Oxum e quase Iansã-Tema das erosões)Velhas do Rio da Velhas Vamos abrindo fundos vales Velhas erosões.

CORIFEUS XISTOS METAMORFICOS (Com imenso pano verde-androgino, para todos)Xistos metamorficos,mudamos o estrutural imponentes mais e mais que a borda do litoral Região ainda mais pícara avassalando alturasgrimpas empilhando placas do itacolomito, avivando acidentes, expandindo para nordeste chapadas desenroladas às cimas da Serra do Espinhaço; (OS Xistos Atacam o Espinhaço e os Graniticos )

SERRA DO ESPINHAÇO Ai!Coluna Vertebral do Brasil, quase escondida!Escoliótica!Sublevemo-nos…Iá!

CORO DAS MASSAS GNAISSICASÚltimas sublevações, ainda alteamos, de Barbacena a Ouro Preto. Aproveitem; Atravessem-nos… (superpõem-se Os Xistos às Graniticas)

XISTOS METAMÓRFICOSMesmo as maiores eminências, jazem sotopostas a nossas complexas séries infiltradas de veeiros fartos.

CAUDAISOuro,Douradas Oxums Nós Caudais,

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descemos, acachoantes, daqui para o levante, tombando em catadupas saltando “travessões”, do Jequitinhonha ao Doce,

procurando terraços inferiores do planalto arrimados à serra dos Aimorés;

COROAimorés…

CAUDAISEncontradas, encontramos voltamos remansadas para o poente,na bacia mãe do S. Francisco, salpintando lagos, solapando sumidouros,penetrando aguadas cavernas do Homem pré-histórico de Lund…

XISTOS Decaímos, Sotopondo-nos outras mais modernas de espessos estratos de grés

CORO GERALGrão Mogol!…

TERRANas lindes da Baia Sulcos de erosão retalham,novos cortes geológicos em mim.

ENCHURRADAS SECULARESCaimos agora, há séculos,fortes enxurradas, derivando linhas divagantes de drenagem, golpeando o terreno permeável,talhando em quebradas que se fazem cañions, e variamconsoante a resistência dos materiais aos nossos trabalhos.

MASSAS GNAISSICAS E CORO“Himalaia brasileiro”…

CORIFEU GNÁISSICO

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Mal relembrado, antiqüíssimo desbarrancado, em desintegração contínua, desvendo-me em fraguedos.

CORIFEU GNÁISSICO IIMenires Pedras Picudas Colossais, grandes blocos superpostos, em rimas,

COROS GNASSICOS de ciclópicos coliseus, em ruínas,

MASSAS GNÁISSICAS IIIRestos da monstruosa abóbada da antiga cordilheira, desabada…

GRÉS Estiram-se então planuras vastas, numa prolongação indefinida, de mares. É a paragem formosíssima dos campos gerais, grandes sertões veredasonde campeia a sociedade rude dos vaqueiros…Na prosa de Guimarães Rosa. Rumo firme do norte Socias do calcário, das cavernas do sudário do Bom Jesus da Lapa;(O Grés sobe seu centro para o alto, Oficina transfoma-se em Bom Jesus da Lapa)

BOM JESUS DA LAPAMeca dos Sertanejos,Nave de pedras sinos escassamente aclaradaVelhos ossuários anti diluvianos.

MASSAS GNAISSICAS Para nordeste, degradações intensas desvendamo-nos! Desenterramo-nos Montanhas.Reponta a região Diamantina, na Bahia, revivendo Minas.

TODOS(unanimidade vitoriosa) Diamantina!

XISTOS METAMORFICOS

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Prolongamos, a mesma formação mineira rasgando afinal os lençóis de grés, alteamos píncaros perturbados, alcantis avultamos para o norte xistos huronianos,

(Este deslocamento provoca pânico nos fraguedos graníticos)

SERRA GERALMeu eixo de serra Geral se fragmenta, indefinido. Desfaz-se em um dédalo de serranias tortuosas, cobrindo o largo dos gerais.

ITIUBA(em Vertigem) Desapoderados Embater dos elementos, que aqui reagem há milênios, e a queda, até então gradativa dos planaltos, começa a derivar em desnivelamentos. Último rebento da serra principal, Itiúba reúno alguns galhos indecisos, alteios por um momento, mas descaio logo para todos os rumos.

SÃO FRANCISCO Aviso a transformação geral da região.Revelo a queda Caio para os terraços inferiores, E desatona corredeira de quatrocentos quilômetros à jusante de Sobradinho; para o norte,(São Francisco é lançado como um enorme tubo azul enrolado que vai revelando seu movimento de queda até Paulo Afonso) até me desvendar no salto prodigioso de Paulo Afonso,(saltos mortais violentos )viro mar…

PLANO 02GENESISO SURGIMENTO DA TERRA

(Musica do Gêneses, o tema do rio vira mar, percussão e sons primais do mar.O pano é desdobrado em sentido longitudinal com a força da torrente até ir se abrindo para o Atlântico e o Pacífico, onde atinge a calma de um mar de Nanã, um mar quase lama, de ondas pesadas e mansas, por uns tempos.)

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CORO E SOLOVasto oceano cretáceo rolou suas ondas sobre as terras fronteiras das duas Américas, ligando o Atlântico ao Pacífico. Cobria, assim, grande partedos Estados setentrionais brasileiros. Não existiam os Andes.As grimpas mais altas das nossas cordilheiras mal apontavam ao norte, na solidão imensa das águas…(mar calmo)

CORO DE XAMADO DO AMAZONASOndas de Solidão Amazônica, largo mar entre as altiplanuras

GUIANASdas Guianas ao Norte,

MACIÇO DE GOIÁSe o maciço de Goiás ao Sul

GUIANAS Guianas separadas do núcleo do Antigo dos Continente VULCÃO DE GOIÁSNo núcleo do futuro continentefulguro, em plena atividade, Vulcão de Caldas. (solta lavas)

COROO núcleo do futuro continente…(musica progressiva de cataclismo revolionario das terras)Porque se operava lentamente uma sublevação geral: o fato prodigioso do alevantamento dos Andes!do alevantamento dos Andes!

CORO “Swedenborg, há mundo porvir?

ANDESOO Inca há de subir!”(As aguas azuis do pano dão passagem para os Andes que surgem embarreados)

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ANDES E NOVAS TERRASNovas terras afloram nas águas: trancamos num extremo, o Canal Amazônico, transmudando-o no maior dos rios;

(o Amazonas no norte da America do Sul)

CORO DO AMAZONASXama Ama Xama Ama Zonas

NOVAS TERRAS(juntas à Terra)Arquipélagos esparsos fundimo-nos, os contornos das costas arredondamos; (o mapa da América é riscado no centro do espaço em pólvora)integramos o novo continente: a América.(é aceso o mapa)

(Toque de Onilê)

ORIXA ONILÊ(vindo do fundo da terra comunicando-se com um aerolito que vem caindo)Eu sou Orixá do centro da Terra,Onile é nome que me deram. Um trambolho do céu feito de minha massa vem vindo ao meu encontro.Sei que pode ser desatroso… Mas é uma atração, uma paixão que nem eu mesmo entendo. Não venha, fique por aí.Não adianta, é uma tal paixão,Deve ser sinal de alguma coisa. Não venha Trambolho.Não venha. É um BENDEGÓ !

(Bedengó cai com grande estardalhaço sonoro - a notícia desta queda é transmitida ao mundo em vários idiomas, por vários sinais e por tambores. Pausa. Onile fode com o aerolito e recebe a mensagem que comunica ainda atônito e a todos)

Modela-se esse recanto da Bahia até que ele emerja de todo, feito informe amontoado de montanhas derruídas. (Toque de Onilê violento que volta para o fundo da Terra, o Toque para brusco. A solaridade encantada do sertão desperta os viajantes mudam como no acordar para ou um outro sonho)

CANTORA VIAJANTE

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(restos da música dos Andes)Mas à luz crua dos dias sertanejos, esses cerros aspérrimos rebrilham, estonteadoramente — ofuscantes, num irradiar ardentíssimo… Impressão persistente de calcar o fundo recém-sublevado de um mar extinto, tendo ainda estereotipada nessas camadas rígidas a agitação das ondas e das voragens…

CORO DE VIAJANTES E o observador que seguindo este itinerário deixa as paragens em que se revezam, a amplitude dos gerais e o fastígio das montanhas, ao atingir aquele ponto estaca surpreendido…

OBSERVADOR (surpreendido)Estou sobre um socalco do maciço continental, De uma banda, demarca-o em semicírculo, o rio de S. Francisco; de outra, encurvando também para sudeste, o curso flexuoso do Itapicuru-açu.

ITAPICURUAÇU(Atravessando)Grande Caminho de Pedras a cada Passo…

OBSERVADORCorrendo quase paralelo entre aqueles, com o mesmo descambar expressivo para a costa, vê-se o traço de um outro rio, o Vaza-Barris.

CORO(Vem apanhar o Vaza Barris no colo. Traçá-lo e cuidar dele.)O Vaza Barris.O Irapiranga dos Tapuias.Mel Vermelho !

OBSERVADORLatitude:(Os meridianos longitudinais e as latitudes vão localisando a região) VIAJANTES DO OESTE PARA O LESTE20 graus a 25 graus SUL.

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OBSERVADORLongitude:

VIAJANTES DO SUL PARA O NORTE45 graus a55 graus OESTE

PLANO 03A TERRA IGNOTAVIAJANTESBANDEIRANTESOBSERVADORES

EUCLIDES VIAJANTE(Dá a hora e o dia deste milenio)Abordando este ponto compreende-se que até hoje escasseiem sobre tão grande trato de território, que quase abarcaria a Holanda, notícias exatas ou pormenorizadas. (No Telão mapas de satelites do Mundo, da região de Canudos, do Bexiga, do Oficina, até desnudar ao retangulo da pista)As nossas melhores cartas, enfeixando informes escassos, aqui têm um claro expressivo, um HIATO. Terra Ignota.

SERTÃO DO NORTE É que as mais avançadas turmas de povoadores, transpondo o Itapicuru, pelo lado do sul, estacaram em vilarejos minúsculos:

POVOADORMaçacará

POVOADOR Cumbe

POVOADOR Bom Conselho SERTÃO DO NORTE A sudoeste disseminaram-se pelos povoados que abeiram insignificantes cursos de água, ou pelas raras fazendas de gado, estremados todos por uma tapera obscura:

POVOADORUauá

SERTÃO DO NORTE

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Ao norte pararam às margens do S. Francisco:

POVOADORINHACapim Grosso

POVOADORINHA GAL JOÃO GILBERTO Santo Antônio da Glória.

SERTÃO DO NORTE A leste,balizando o máximo esforço de penetração em tais lugares:

POVOADORJeremoabo.

(0s povoados cantam os seus nomes em surdina.As Bandeiras rodeiam guiadas pelos índios escravizados, acompanhados dos Jesuítas.)

SERTÃO DO NORTE As bandeiras do sul lhe paravam à beira e envesgando, depois, pelos flancos da Itiúba, se lançavam contornando para Pernambuco, Piauí, até Joazeiro…

EUCLIDES Salvador – Joazeiro. Por onde passou o trenzinho de João Gilberto…

CORO (descobrindo João Gilberto)João Gilberto!…

POVOADORINHA GAL JOÃO GILBERTOSanto Antônio da GlóriaVenha a nós,a nossa história…

SERTÃO DO NORTE Desenharam-se as lindes de um deserto. Deixaram o território inabordável, ignoto.Um ou outro o cortou, rápido, fugindo, sem deixar traços.

MARTIUSÉ uma paragem impressionadora(Encontra o Bendengó. Fala trecho em alemão do Martirio da Terra)As forças que trabalham a terra

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dissociam-na nos verões queimosos; degradam-na nos invernos torrenciais. Vão do desequilíbrio molecular, agindo surdamente, à dinâmica portentosa das tormentas. SILVA HORRIDA !DESERTUS AUSTRALIS !(foge deixando para os que estão no teatro o Desertus Australis)

SERTÃO DO NORTE As mesmas trilhas de quem foge.Nenhum pioneiro da ciência suportou ainda as agruras deste rincão sertanejo, em prazo suficiente para o definir.(Perguntando a todos) Sempre evitado, este sertão, até hoje desconhecido, ainda o será por quanto tempo ?

CATIMBÓP(Varando os fios dos meridianos, entram catimbozeiros, com muita fumaça, jagunços bandidos fugidos, trazendo pedras na cabeça, zabaneiras, traficantes, pedras pelo corpo todo, constroem uma belissima Cacimba e uma Capela Terreiro(Igreja de Lina em Uberlandia), ascendem uma vela, primeira vela para a sua Santa Mãe de Santo Terra, Nossa Senhora da Concepção de Canudos, futuro Santuário onde irá viver Antonio Conselheiro. Estão benzendo o lugar, desvuduzando, para lá ficar. Uma mulher fuma um Canudo de Pito de um Metro. Antônio Vicente Mendes Maciel, chega vestido de Godot Euclides desmontado, vindo da Queda, da traição da mulher ou do mito do assassinato da mãe e dela, penetra a Terra Ignota, levantando os fios do retangulo)

APOLONIO DE TODDI (Penetra o retangulo, ou losango, e surpreede-se com os habitantes e com a Senhora que vê diante da vela. Começa a rezar em latim para a igrejinha, olha para Antônio Maciel e reconhece as ipueiras e cacimbas, aponta água, bebem ao mesmo tempo, um na ipueira outro na cacimba. Saúda à todos)Louvado Seja Nosso Senhor Jesús Cristo.

CATIMBÔPSEIROS Para sempre Louvado Seja tão bom Senhor.

ANTONIO MACIEL Para quem o senhor reza?(Há duas Senhoras: no Morro do futuro Monte Santo, Nossa Senhora Aparecida; no chão uma N.S.Sarará Sertaneja bárbara, N.S.Dos Catimbopzeiros)

APOLONIO DE TODDI (apontando para o futuro Monte Santo) Para Nossa Senhora da Imaculada Concepção.

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(Admirando a Cacimba)Essas pedras são de uma “cacimba”?

CATIMBOPZEIROS(confirmando e corrigindo a pronúncia italiana do padre)Cacimba.

APOLONIO DE TODDI(Mostra a capela Terreiro )estas os restos de uma igreja da Santa Imaculada mãe de Deus?

CATIMBOPZEIROSRestos, não!

APOLONIO DE TODDI Vosso Trabalho e vossa féabriram Parêntesis breves na aridez geral — igrejas, Cacimbas!Denotam um esforço vosso, filhos do Sertão! Represas erguidas. Toscos muramento de pedra seca. Monumentos de sua sociedade obscura. Mas patrimônio comum dos que por aqui se agitam nas aperturas do clima feroz. Vós, os que se afoitaram primeiro com uma entrada nessas bandas, persistem como suas cacimbas,indestrutíveis.

SERTANEJOO sertanejo, por mais escoteiro que siga, jamais deixa de levar uma pedra que calce as junturas vacilantese uma vela para a Santa Mãe.

APOLONIO DE TODDI Lá no alto daquele monte há uma incrição gigantesca:um A; um L; um S; e uma Cruz. Dizem são os sinais do Eldorado, das minas de Prata…Mas a decifração destas inscrições é outra,é uma mina opulentíssima oculta no deserto… Mas de fé…É uma catedral erguida pela natureza,a mais alta da terra, a ser completada. As vossas mesmas mãos que fazem esta cacimba poderão lá levantar uma Rocha de Fé.

INDIO CAIMBOPZEIRO

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Já é Fé de Rocha Glauber Rocha É PicuaraçáOnde o solpela primeira vezpra olhar se dá.

APOLONIO DE TODDIVou pedir pra acabar a maldição deste Sertão.(olha para o Monte Santo,Picoaracá e um trovão, uma mudança na luz do sol e nas nuvens, ascende nele uma revelação!) É o Calvário de Jerusalém!(Atira-se ao chão se põe a chorar, a Virgem em Monte Santo chora sangue pelos olhos)

INDIO CATIMPOPZEIRO(humildemente soberano)Picuaraçá Onde DEUS ao DIABO DO SOLpela primeira vez se dá.(Sobem para o Monte Santo, o Índio sobe com seu Catimbó. Apolonio ensina a todos MAGNIFICA, em latim, este coro vai tomando o espaço mas sendo misturado com o Picoaraçá, os tambores africanos entram, os orgãos católicos, o padre batiza numa cerimônia de um cristianismo antropohagiado pelos Catimbozeiros, as vezes em luta, até se devorarem, e com os tambores africanos, vão criando uma crença corpo nova. Apolonio Batiza todo o povo dos catimbopzeiros e o público todo numa cerimonia ecumênica selvagem e latina. No Telão Monte Santo do Deus e o Diabo, Glauber, Lina. Os batizados muitas vezes recebem, o toque de Apolonio como se pegassem um santo e dançam. Luzes de Glórias na Montanha vão apagando-se como entardecer e surge um outro dia cem anos depois nos seculos IXX e XXI)

SIQUEIRA DE MENESES(Em Monte Santo em 1897 - Indio Catimblopzeiro, no Bexiga 2oo2)Do alto da serra de Monte Santo, estendida em torno num raio de quinze léguas, nota-se a orografia da Região como num mapa em relevo:(As luzes vão acompanhado a iluminacão dos morros , no Telão vai se formando o Quarteirão ) SIQUEIRA INDIO CATIMPOPZEIROSerra Grande Vai VaiAtanásio AboliçãoAcaru Sem-Teto da Caixa Coxomongó/Calumbi/Caipã JapuráCanabrava Estacionamento do BaúPoço-de-Cima Rua do Bixiga Aracati Santo AmaroCocorobó Minhocão

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Todas serras,traçam elítipca curva fechada ao sul,por este morro, o Morro da Favela. (A Luz da Rampa do Morro da Favela. Entra a Santa Planta Imagiário da Favela, catimbó longíncuo, pulsa o silêncio da cena)

SERTÃO DO NORTE(esvala a rampa e chega até o alto, luzes de Gloria, nuvens)Uma elipse majestosa de montanhas.Um anfiteatro.Aqui de cima nada mais recorda os cenários contemplados lá embaixo.Tenho na frente a antítese do que vi. Ali estão os mesmos acidentes e o mesmo chão, fundamente revolto, mas a reunião de tantos traços incorretos e duros, cria uma perspectiva inteiramente nova.Um único curso de rio se distingue, o Vaza-Barris. (a cabeça faz a dança das curvas do Vaza-Barris que vai fazendo a cabeça e vê o rio vivo vestido no C de Canudos transparente com agua correndo, até o buraco do vazamento)

VAZA BARRIS Sem nascentes.Afluentes Agente geológico revolucionário.As mais das vezes seco, larga estrada poenta e tortuosa, quando cresço, empanzinado nas cheias, sou uma onda tombando das vertentes da Itiúba, captando as águas selvagens que estrepitam nos pendores, volvendo por algumas semanas águas barrentas e revoltas,multiplicando a energia da corrente no apertado dos desfiladeiros, correndo veloz entre barrancos,extinguindo-me logo em esgotamento completo, vazando…

SERTÃO DO NORTENuma de suas curvas vê-se uma depressão maior,circundada de colinas…E atulhando-a, enchendo-a toda de confusos tetos incontáveis, um acervo enorme de casebres…(Canudos projetada no chão)

COROMel Vermelho…Mel Vermelho…

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VAZA BARRIS (no centro do vestido Rio Roupa)Sou uma fantasia de cartógrafo,guardo em minhas dobras o destino de Canudos Canudos de Pito que nascem das raízes,levantando-se antenados para Heliogabalo.

SERTÃO DO NORTE(iluminado em extase religioso)Quase compreendo que os matutos crendeiros, de imaginativa ingênua, acreditam: “Aqui é o céu.”

(Matutos colocam três livros em três edicões diferentes: A Igreja Velhíssima, a Igreja Nova, A Casa de Vila Nova)

CORO e VIDEO TEXTO PROJETADO Espessas nuvens, tufando em cúmulos, pairam ao entardecer sobre as areias incendidas. (Os Viajantes olham para a nuvem cumulus, teto movel fechando-se, que se instala no céu como um teto. Acompanham-lhe o caminho.)Desce a noite, sem crepúsculo, de chofre. Desaparece o solUm salto de Treva por cima da franja vermelha do poente.(Cortina cai no Janelão. Noite. A luz cai e o chão acende vermelho em calor)A Noite sobrevém em fogo. A Terra irradia como um Sol escuro,mas toda a ardência reflui sobre ela, recambiada pelas nuvens… mal se respira no bochorno inaturável concentrado numa hora única da noite.(O Coro respira e expira a palavra “Bochorno”,o dia volta e a Cortina sai lentamente do janelão juntamente com o teto que se abre)

CORIFÉIAReinam calmarias pesadas…Ares imóveis,

CORO sob a placidez luminosa dos dias causticantes. Imperceptíveis, exercem-se as correntes ascensionais dos vapores aquecidos sugando à terra a umidade exígua…E se prolongam…Se prolongam… A secura do ar atinge a graus anormalíssimos…

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(Respiração rapida, inspiração lenta) É o prelúdio,entristecedor da sêca…

PLANO 04O SERTÃOPRELÚDIO DA SECA E DA GUERRA(Juiz de Futebol vai ao centro da terra ignota e apita o início da partida - ou são dados os sinais de teatro de início do espetáculo.)

COROEstá pronto o cenário para um emocionante drama da nossa história.

(O corneteiro, anjo corneteiro do exército-anuncia. Euclides entra guardando seu estado de tolhimento, cuidado pela situação de estar num campo de guerra, fronteiro ao Inimigo. Do outro lado entra um Soldado da Quarta Expedição, que tinha fugido com a mulher de Antonio Maciel. Ele e o Soldado espelham-se. O soldado embaixo de uma quixabeira acompanhado de percussão resume sua luta, em que tomba do cavalo, que relincha, deixa cair sua arma, tem arrancado seu cinturão, e ferida sua testa com uma mancha vermelha de sangue, até sentar para repousar. Ana da Cunha e Brasilhina entram e tocam nos fios dos meridianos contracenando com Euclides e Antonio Maciel. Euclides tira de sua pasta um aneróide, um termômetro e a caderneta. Começa a medir temperatura e umidade do ar.)

EUCLIDES DA CUNHA (caminhando num passeio perigoso-ouve um longínquo as vezes, assim como os ruidos que vem de Sampã em Guerra, como seus carros de policia. Seu corpo sente a excicação que mede anunciando a combustão da Terra)1897Fins de setembro, percorro as cercanias de Canudos, fujindo à monotonia de um canhoneio frouxo,de tiros espaçados(canhoneio longíncuo) e soturnos… (prevendo uma catástrofe climatica e bélica) A coluna mercurial permanece imóvel… Sobe… (Deposita os instrumentos na parte de fora da bolsa e anota com um lápis de engenheiro, na Caderneta de Campo) “Atravesso o Sertão no Prelúdio deste estio ardente e,vendo-o agora,apenas nessa quadra,vejo sob o pior aspecto.O que escrevo tem o traço defeituoso dessa impressão isolada,desfavorecida por um meio contraposto à serenidade do pensamento,tolhido pelas emoções da guerra.(toca nos instrumentos de medição do clima) Além disto,dados de um termômetro únicoe de um aneróide suspeito,misérrimo arsenal científico com que aqui lidamos”…

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(interrompe porque vê o Soldado) nem mesmo vagos lineamentos darão dos climas…(O Soldado sentado ferido debaixo da quixabeira, desprendendo-se. Euclides vê o adormecido da caatinga, apanha os instrumentos de medição, vai até o soldado)No descer da encosta, neste amphiteatro irregular encontro,a primeira personagem da Tragédia. Braços largamente abertos, face volvida para os céus,- um soldado descansa!

SOLDADO Descansa…(olha os presentes vivos e fala com êles vivamente)há três meses.Morri no assalto de 18 de julho.Enterraram-se os mortose não fui percebido.(acha graça)Não compartilhei a vala comumde menos de um côvado de fundoem que meus companheiros, abatidos na batalha,formaram pela última vez.O destino fez-me, afinal, uma concessão:Livrou-me da promiscuidade de um fosso repugnante,e deixou-me aqui,braços largamente abertos,rosto voltado para os céus,para os sóis ardentes,para os luares claros,para as estrelas fulgurantes…Estou intacto.Mumifico conservando os traços fisionômicos.Incuto a ilusão exata de um lutador cansado,retemperando em tranquilo sono,à sombra dessa árvore benfazeja.Nem um verme-o mais vulgar dos trágicos analistas da matéria-macula meus tecidos.Estivo…Só…

EUCLIDES DA CUNHA - Higrômetro singular revelando de modo absoluto a secura extrema dos ares.

(Euclides olha os instrumentos que não tem a eloquencia do corpodo morto para medir o intenso do clima guerra –sêca. OS ATORES CAVALOS entram em possessão, retornando a fantasmagoria do ataque de 18 de julho da quarta expedição)

CAVALOS QUE ENTRAM NO PONTOOs cavalos mortos naquele mesmo dia

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eram espécimens empalhados,de museus.

FANTASMA DO CAVALO MONTADA DO ALFERES WANDERLEY -(O Cavalo trota leve e encara os presentes)Fui a montada de um valente,o alferes Wanderley;(olha para o fantasma do soldado descansando que o reconhece) fui abatido juntamente com o cavaleiro.Ao resvalar, estrebuchando malferido pela rampa íngreme,quedei, à meia encosta, entalado entre fraguedos.Fiquei quase em pé,com as patas dianteiras firmes num ressalto da pedra…E aqui estaquei feito um animal fantástico,aprumado sobre a ladeira,num quase curvetear,(livra-se da carga do montador,entram ventos ciclones levantando a poeira fervilhante do chão para as colunas aquecidas que sobem, toques de Iansã que vão crescendo) no último arremesso da carga paralisada,com todas as aparências de vida,sobretudo agora, quando,passam essas rajadas ríspidas do nordeste,e me agitam ondulantes as longas crinas…

EUCLIDES Essas lufadas,(inpira e expira na fala)caindo a súbitas,estão se compondo com as colunas ascendentes em remoinhos turbilhonantes.Minúsculos ciclones.Sinto, (inspira crescendo e expira a fala seguinte larga)maior, (inspira todo o ambiente do teatro e expira na fala)a exsicação deste ambiente:cada partícula de areia suspensa do solo gretado e duro,irradia em todos os sentidos,

EUCLIDES E COROa surda combustão da terra…

(A Percurssão enloquece Iansã na COMBUSTÃO DA TERRA. Os tornados de ventos giram, focos de calor por todo o espaço. Fogo. Os Ventos entram e tiram para dançar em caracóis, Conduzindo ao turbilhão da vida, os mortos mumificados)

SOLDADO (Dançando com Brazilina com quem fugiu)Sem decomposição repugnante,numa exaustão imperceptível,volvo ao turbilhão da vida.

(O Soldado e os cavalos mortos são levado espiralando pelo movimento espiral dos

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seus paresventos até desintegrarem-se no espaço como na saída do teatro nô.)

ANTÔNIO VICENTE MENDES MACIEL (Entre os focos em plena combustão da Terra, tomado pela percurssão dos ventos, agarrado à mala, fala-dança no mesmo lugar com Euclides, consigo mesmo, com o Público, com o corpo sem orgãos, com o cosmo, entidade que baixa no terreiro, para transmutar-se, desconstruir-se por todos elementos-canto para os quatro cantos, subterraneos e céus)Antônio Mendes Vicente MacielVenho à toa de todos os sertões,sem ser.Fugindo de mim e do que dizem de mim.

EUCLIDES DA CUNHA (Dança no mesmo movimento de Antonio que corresponde as ondas de um mar de labaredas do inferno)Da dor te ter matado sua mulher?

COROTua Mulher?

EUCLIDES DA CUNHA E sua mãe?

COROE sua Mãe?

ANTÔNIO VICENTE MENDES MACIEL(Pausa envergonhado mas logo responde ás pessoas concretas que fazem esta fofoca dele e que esão ali no teatro.)Dizem isso de mim, já nem sei mais se fui eu ou não.Não sei mais o que sou.(Rosario dos “Sei que …”)Sei cada vez mais que sou tudo;(para quem o culpou)o que dizem de mim(para o cosmos)e o que dizem de tudo.

EUCLIDES DA CUNHA Sei da dor de ter amado a República,ter vindo aqui para defendê-la,de não saber mais nada.Sei (como você) da dor de não saber ser amado,nem amar. (espelhando)Sei cada vez mais que sou tudo;o que dizem de mim,e o que dizem de tudo.

ANTÔNIO VICENTE MENDES MACIELSei da dor de corno.Sei da glória de corno ter me coroadoe jurado não matar ninguém

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nem o amor.

EUCLIDES DA CUNHAVim com os que vieram pagos para matar,mas não quero matar.Nem a República, já nem Canudos, nem o amor.(cessa a percurssão dos ciclones, aproximam-se separados pelo Vaza Barris)Nossos destinos aqui encontram-see aqui separam-se. (Apanha os livros, Antonio da o Livro Caixa de Vila Nova)A história está sendo escrita.(afasta-se para o Morro da Favela)

ANTÔNIO VICENTE MENDES MACIELQualquer lugar é o lugar.(vê o que há ao redor)Catimbozeiros, Traficantes, Missionários, Cientistas,Canudos de Pito.(A Mulher está fumando ainda)Este é o lugar quando já não há outro.(Descobre a capela terreiro de Lina)Pedaços de uma igreja!(olha a Santa Madona Sertaneja do Lugar, Megera Sagrada)Nossa Senhora da Conceição!(Tem como um desmaio. Sussura)Santa Maria Santa Jurema Mãe do Mundo (A Madona toca-lhe a cabeça, ele beija-lhe os pés e as mãos-um suave catimbó Zeame, Antonio flui com suas lágrimas seu texto de esvaziamento de alma e corpo)É teu meu tirocínio brutal da fome,da sede, das fadigas, das angústias recalcadasdas misérias fundas,das dores todas conhecidas.É tua minha pele secaenrugada couraça amolgada rota sobre minha carne morta,anestesiada com a própria dor,trazida aqui de rojo pelas pedras dos caminhos,esturrada nas secas,inteiriçada nos relentos frios,adormecida em repousos transitórios,nos teus leitos dilacerantes de caatingas…Carne já amiga da morte nos jejuns prolongados,lanço aqui esse meu fardo pesadominha alma impaciente por fugir…

O LENÇOL SAGRADO para Jacqueline

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Lençol sagradoAntonio nêle , por sua esposa Brasilina foi amado Antonio levou o lençol consigo até depois de separadosLençol do pecado Onde BrasilinaMuitos outros tambem tinha amado.

Antonio tudo via E todo sertão queria Que a lei do ciume vingasseE que Antonio á Brasilina matasse.

Mas Antonio não matava , Só de cidade mudava .

Até um dia Brasilina se foi pra sempre com um soldado Antonio ficou só com o lençol pra êle sagrado Antonio sabia desde criança , nos ciumes de todas as dores, que o amor é livre e grande demais , pra ser julgado por nós pobres pecadores.

E no deserto , desapareceu Diziam , Antonio?, morreu …Nunca mais ninguem ouviu falar do moço triste, de Quixeramobim Mas a historia do lençol não teve fim , E antonio partiu em busca do amor de tudo , de todos , Como Brasilina ….FIM.

(as Catimbozeiras servem A Jurema para Antonio, operam-no, retirando seu corpo com orgãos, desparamentam–no de suas roupas, ao som de uma puxada de um cantico de feitiçaria e incensos, começando pela cabeça, tronco, depois os pés e enfim as calças, abrem a mala, vão colocar tudo na mala, onde se descobre que há um lençol sujo, a rabeca violino traz a lembrança deste amor morto que ressurge em outra dimensão, a Catimbozeira Brasilina, que descobriu o tecido, beija muito o lençol, oferece ao Antonio Maciel, que beija o lençol e veste-o aos poucos, como uma tunica sagrada)aqui termino minha errância,(encontra o bastão apoio do cavalo morto; toca com o bastão a terra)encontrei um ponto.(As mulheres enterram a mala e queimam)Tua capela Mãe das mães,será o meu santuário.Aqui deixei o meu nomeQuando não for maisAntônio Maciel venho contruir uma Igreja com estas pedraspara os que sofrem de servilismo e amor,para Santo Antônio.(Beija Brazilina)Como ele eu conheci o deserto,Por ele e por você minha Mãe parto,Para um dia reaparecer…Estranho fruto só posso apodrecer,

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nascer de novo como tuas sementes,Já que aqui me replantei …(Antonio Sai com as bençãos das Catimbozeiras)

EUCLIDES DA CUNHA Por não querer matarvocê vai ter de matare ser morto.E eupor não conseguir sobrevivervou matare ser morto.(Antonio recebendo as falas ao lado do buraco da parede do fundo. Euclides escreve)“Aos que sofrem de servilismo e amor…”(sente o dardo do Sol,ergue-se.É Luz fulminante da Sêca)O Sol dardeja a prumo.no topo da Favela, atmosfera estagnada,natureza imobilizada,ao longe, não se distingue o solo.O olhar vara o desequilíbrio das camadas desigualmente aquecidas,prisma desmedido e intáctil,não distingue a base das montanhas suspensas,numa enorme expansão de plainos perturbados,um ondular estonteador;estranho palpitar de vagas longínquas;a ilusão maravilhosa de um seio de mar,largo, irisado, sobre que cai, e refrange, e ressalta, a luz esparsa em cintilações ofuscantes…

CAATINGAJARDIM SECAA TORMENTAPRIMAVERAPOVOADORES HUMANOS E PLANTAS ENTRAM NO PONTO TABU - JARDIM BRUTALIDADE -SECA

COROA temperatura aumenta;carrega-se o azul dos céus;embaciam-se os ares;e as ventanias rolamdesorientadamente de todos os quadrantesO sol fere a terra e ela absorve-lhe os raios,e multiplica-os

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e reflete-os, e refrata-os, num reverberar ofuscante:pelo topo dos cerros,pelo esbarrancado das encostas,incendeiam-se as acendalhas da sílica fraturada,rebrilhantes, numa trama vibrátil de centelhas;a atmosfera junto ao chão vibranum ondular vivíssimode bocas de fornalhae o dia, incomparável no fulgor,fulmina a natureza silenciosa,em cujo seio se abate,imóvel, na quietude de um longo espasmo,a galhada sem folhas da flora sucumbida.Ah…

CAATINGAS CAMPO DE BATALHA SURDA – VARIOS CORIFEUS GUERREIROS

CAATINGA (sussurrando)Caatinga estendo sobre a terraramagens de espinhos…cilício dilacerador,Reduzidas todas as funções,Eu planta, Estivo…estivo em vida latente.Rompo os estios,pronta a transfigurar-me nos deslumbramentos da primavera,mas agora, estivo,só.(exercício de treino militar surdo para a guerra)Então, na travessia das veredas sertanejascaatinga afogo; abrevio o olhar;agrido estonteio;enlaço na trama de espinhose não atraio; repulso com folhas urticantes,gravetos estalando em lanças;desdobro léguas e léguas,imutável desolada: galhos estorcidos, secosapontando rijamente no espaço,ou

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estirando-me pelo solo,num bracejar imenso,de tortura, da flora agonizante…

(batalha surda, metamorfoses, viradas, saltos para os quatro cantos como exercícios militares sertanejos)

TERRAO Sol é o inimigo que é forçosoevitar, iludirou combater. Flora moribunda enterra seus caules pelo meu solo.

FLORA DA CAATINGA(sem saber como se enterrar e como ficar exposta no clima candente)Mas é áspero, duro.Espaços candentes terrenos agros, não sei…

batalha surda;

vamos imprimindo em nós mesmos, todos estigmasdesta batalha surda.

CORO DA BATALHA SURDA(em surdina,canto maracatú)Legumionosas

LEGUMINOSA(Enterram-se no alçapão central. Agem comandadas pela guerreira Mãe Leguminosa)Leguminosas, altaneiras noutros lugares,aqui anãs;Temos de ampliar o âmbito das nossas frondese absorver os escassos elementos difundidos no ar,atrofiar raízes mestrasbatendo inúteis no solo impenetrávele expandir radículas secundárias,tubérculos túmidos de seiva.

Diminuir o campo de insolaçãoamiúdar as folhas endurecercisalhas de metal,

Revestir com indumento protetor

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nossos frutos, rígidos como estróbilos,(Mostram as mãos fechadas como granadas)E na deiscência perfeita das vagens se abrindo,Dar…Estalar…(espalham as sementes)Noite fria sobre nós se alevanta.

TODAS AS LEGUMINOSASExalemos perfumes suavíssimos das nossas flores,senão sofremos com as quedas bruscas de temperatura.

LEGUMINOSA MÃEEstas tendas de perfumes Invisíveis e encantadoras nos resguardam … (Exalam os perfumes)

CAJUEIRO ANÃO Cajuís,cajueiros anões,somos numerosos arbúsculos de pouco mais de metro de alto,exuberando floração ridenteem meio à desolação geral.Raízes entranhem a surpreendente profundura.Não háverá desenraizarmos.Progredir pela terra dentroaté virar caule único,vigoroso, (do corifeu somente se ouve a voz, mergulham com os braços nos subterraneos, exteriorando-se somente com os pés)uma árvore única e enorme,inteiramente soterrada.

Parecemos derrear aos embatesmas mocosamos invisíveisno solo alevantamos apenas os mais altos renovos da fronde majestosa.Trincheiras abismosas.

CORO DA BATALHA SURDABromélias

BROMÉLIAS (abrem-se com os pés no alçapão bromélias com as mãosespatas e os Chacras dos sexos fornecendo seiva. Sequestradoras de Guerra. Caudais fogem de uma torrente, são seuquestradas, protegidas pelas bromélias)Bromélias !Águas fogem no volver selvagem das tormentas!

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Vamos reter nas nossas espatas,aviventam-nos. No pino dos verões,pé de macambira, sou para o matuto sequiosoum copo d’água cristalina e pura.(As Caudais apaixonam-se pelas bromélias)

CAUDAIS E BROMÉLIA CORIFÉIASomos Fontes Vegetais. COROAs águas ficam retidasnas espatas dos Ananazes bravosque persistem inalteráveisou mais vívidos talvez.Afeiçoaram-se aos regímens bárbaros;repelem climas benignosem que estiolam e definham.Ao passo que o fogo dos desertosparece estimular melhora circulação da seiva…(Luz Do Crepusculo Bruto. As Plantas Sentinelas, acendem-se)

CORO DA BATALHA SURDACereus.

CEREUS I(como sentinelas guardando pelas alturas a noite de guerra sertaneja como candelabros, faxeiros. Comunicam-se conspirando em voz baixa. Tem as mãos guardando os frutos de Luz que vão abotoar-se)Cereus !Sobre a natureza morta,apenas nós,alteamos.

CEREUS IICereus esguios,Silentes… (pequena Pausa)

CEREU IIINossa!Nos abotoam grandes frutos vermelhos(Os três ceréus abrem as mãos em castiçais, contemplam os frutoslâmpadas, surpresos eles mesmos pelo que nasce do seu corpo)

CEREUS IIDestacamo-nos, nítidos, à meia luz dos crepúsculos,

CEREU I

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Círios enormes, fincados a esmo no solo,espalhados pelas chapadas,e acesos…

CORO DA BATALHA SURDAMandaCarus.MandaCarús.

MANDACARUS Atingimos notável altura!acima da vegetação caótica,Aprumamos tesos comandantes,enquanto por toda a bandaa flora se deprime.(no meio da pista) No fim de algum tempomonotonia inaturável,Sucedendo-nos constantes,Todos do mesmo porte,Igualmente afastados.Distribuídos com uma ordem singular pelo deserto.

CORO DA BATALHA SURDAXique Xique

TRIO XIQUEXIQUESXiquexiques, de proporções inferiores,piquetes, fracionamo-nos.

XIQUE IFervilhantes de espinhos,

XIQUE IIrasteiros,

XIQUE IIIespias,

XIQUE Imissões especiais,

XIQUE IIOnde estão as arenas ásperas, ardentes?(procura e encontra)

XIQUE I Apraz-nos o leito abrasante das lajens graníticas feridas pelos sóis.

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MANDRAGORA CATIMBOPZEIRA(Gregoriana)Cabeças de Frade

MANDRÁGRORAS DECAPITADORAS(Gregoriana)Cabeças de Frade(Luz Numa Cabeça de Frade no Jardim)

CORIFEU CABEÇAS DE FRADE(plano mais baixo que o Xique Xique)Cabeças-de-frade, deselegantes e monstruosos melocactosde forma elipsoidal,de gomos espinescentes,convergindo no vértice superiorformado uma flor únicaintensamente rubra!

Aparecemos de modo inexplicável,sobre a pedra nua, cabeças decepadas;sanguinolentas jogadas por aquí, a esmo, numa desordem trágica.

(As Cabecas todas alinham-se na pista com os corpos para fora da pista central, revelando somente o corredor que antecipa a pista de decapitacão do Exército de Moreira César)

CORO DA BATALHA SURDAQuipás Reptantes

QUIPÁS REPTANTES (Um soldado entra em silêncio, coloca-se no centro da caatinga e roda no mesmo ponto, apavorado pelos ruídos dos quipás rastejadores que não vê, antecipando a cena da Guerra das Caatingas. No fim os quipás virados tapetes derrubam-no.)Quipás reptantes, espinhosos, humílimos, trançamo-nos sobre a terraa maneira de espartosde um capacho dilacerador.

PALMATÓRIAS-DO-INFERNO(Ponto de Mutacão de Pomba Gira. E, a vêem, batendo palmas em surdina mas crepitantes, esbofeteando a seriedade dos vegetais e dos espctadores)Palmatórias-do-inferno,diabolicamente eriçadas de espinhos,

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orladas de flores rutilantes,vou quebrando alacrementea tristeza solene das paisagens…

SAMBISTA ÁRVORE RAIZ FAVELASSAMBA ORVALHO NA CHAPA INCANDESCENTEFavelas anônimas ainda na ciênciaignoradas dos sábios,conhecidas demais dos tabaréusNas folhas alongadas,temos notáveis aprestosde condensação, absorção e defesa.Por um lado, minha epiderme ao resfriar-se à noite,muito abaixo da temperatura do ar,provoca, a despeito da secura deste,breves precipitações de orvalho;

CORO FUNK FAVELA Por outro, a mão, que a toca,toca uma chapa incandescentede ardência inaturável.

SOLDADOS (Na estrada de feridos dos soldados da quarta expedição, volta de Canudos, Salvador, Rio.Projecão do Morro da Favela do Rio, como cenario de Musical Brasileiro)A primeira Favela do Brasil que encontrei,foi uma planta no alto do Morro da Favela em Canudosonde lutei. Terminada a Guerra Ferido e feliz para o Rio de Janeiroeu voltei.

Mas o Estado não pagou o Soldo não bancou o pousopra nenhum soldado.Des-soldado o que fazer?

CORO Morar num morro,pra não morrer!

SOLDADOSNovo mutirão no Rio de Janeiro ProvidencieiPronta a cidadela Lembrava Canudos Batizamos de “Favela”.Começava outra vez GuerraNa minha Terra

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Favelas dos Brasis de todo mundoTraficantes, comerciantes,Pro pacto, pra paz, sem pato,vamos fundoVenha a Lei da AboliçãoDe toda lei Sêca, Abolição como é que é?

CORODescriminalização! Descriminalização!Descriminalização!Descriminalização!

SOLDADOS Alô Favela, libera ela!(Favela vai visitar outras Favelas do Brasil e do Mundoretorna com o microfone libertando as Favelas que vão gritando seu nome, até o Grito) Bexiga!

(Banda vira funk de bailes cariocas)

CORO GERAL Vermelho mél, Verde, AmarelaFavela, Libera Ela!Favela, Libera Ela!Vermelho mél, verde e Amarela

(O S, o C, o Vaza Barris, vaza em torno do Verde Amarelo do Joazeiro, capa da mistura dos Xistos e dos Grés ) CORO Verdeamarelo JoazeiroVerde Amarelo Joazeiro

(Banda vira no maracatú do Joazeiro)

O JUAZEIROJuazeiros, raro perdemos folhasverde intenso, modelamo-nos às reações vigorosas da luz.(refletores com quem joga, produzem sombra farta para as plantas que nele abrigam-se. Ele Gira no Tempo Eterno)Sucedem-se meses e anos ardentes.Empobrece-se inteiramente o solo aspérrimo.E nós …agitamos as ramagens virentes,alheios às estações,floridos sempre, salpintando o deserto com as flores cor de ouro,álacres, oásis verdejantes e festivos.

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Mas a dureza dos elementos está crescendo,tanto,ao ponto de nos desnudar.(Joazeiros tira todas as capas,e o proprio vermelho mel do rio, vai sendo recolhido até o espaco ficar nú das cores,sêca total. Os que se protegiam a sua sobra encaminham-se para os quatro pontos do espaço, olhando para as pontas dos meridianos, olham para o Joazeiro.) JOAZEIRO Eu sei, o sertão está de todo impropriado à vida.

(Coro está nas pontas os Meridianos, olha-se entre si e para o publico em silencio,com o pensamento secreto subterraneo de cada um e de todos no espaço, nesta hora dificil, que pede um retorno do recalcado há muitas eras.)

CORIFÉIA DAS PLANTAS SOCIAIS(Chamando) Raízes,

CORO (Com os elásticos dos meridianos na mãos soltos, como radiculas de um rizoma, responde)Raizes… Unem-se, intimamente abraçadas,transmudando-se em plantas sociais.Não podendo revidar isoladas,disciplinam-se, congregam-se, arregimentam-se.São assim os Canudos(Somente aqui entra o ritmo e começa-se a Planta Social enredar-se com opublico e com Euclides até traçar teia)Canudos , Canudos ,Canudos, Canudos de caule oco de pito.Noutros climas isoladas,aqui, estreitamente solidárias,em apertada trama, retém as águas, retêm as terras que se desagregam,e formam, ao cabo, num longo esforço, o solo arável em que nascem,vencendo, com inextricável tecido de radículas enredadas ,a sucção insaciável das areias.E vivem.

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Vivem é o termo porque há, no fato, no traçoum passo superior à passividade da evolução vegetativa…

EUCLIDES (Levanta o traçado das Raizes, como um quadro em que fica emoldurado, emoldurado e envolvido)Um quadro absolutamente novo;Flora estranha,impressionadora, capaz de assombrar ao mais experimentado botânico.Eu, porém, perdi-me logo, perdi-me desastradamenteno meio da multiplicidade das espéciese atravessando supliciado como Tântalo,(percorre os caminhos labirinticos das raizes enredadas)o dédalo das veredas estreitas,nunca lamentei tantoa ausência de uma educação prática e sólidae nunca reconheci tantoa inutilidade das maravalhas teóricascom as quais nos iludimos nos tempos acadêmicos.(as raizes trazem na Luz novamente que recomeça a entardecer, uma energia nova)

CORO(plantas sociais, atonitas)Canudos.Nascemos!(as raizes desprendem-se juntas queimando a alma subterranea, como se saissem de um placenta, olham o céus, sentido o brotar da vida está para chegar intensa, berrante. A Placenta é recolhida pela diretora de cena, Parteira)

CORO MASCULINO(Vai pro Sul, olha o céu)Mas no empardecer de uma tarde qualquer,de março, rápidas tardes sem crepúsculos,prestes afogadas na noite,as estrelas pela primeira vez cintilam vivamente.

TRES ESTRELAS Tesão. Saúde. Fartura.

CORO MASCULINO Façamos nossos pedidos.

(As Três Estrelas ao Norte, são atacadas por uma nuvem negra trazida por por duas Catimbozeiras. As estrelas são engolido pelas nuvens,

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que aparecem presas nos tetos como bolhas imensas negras de nuvens que ameaçam de um lado a outro, dois grupos de nuvens no espaco balançando, ameaçando)

CORO FEMININO Nuvens volumosas abarreiram os horizontes,relevos imponentes de montanhas negras.

CORO MASCULINO Sobem vagarosamente;incham, bolhando em lentos e desmesurados rebojos,na altura;

VENTOS Sacudimento Ventos tumultuam nos plainos,sacudindo retorcendo as galhadas.

COROS JUNTOS (Iansã com raios dança furiosa)Embruscado em minutos,o firmamento golpeia-se de relâmpagos precípites,sucessivos, sarjando fundamente a imprimadura negra da tormenta.Reboam ruidosamente as trovoadas fortes.

EUCLIDES DA CUNHARaios que as Partam !

(Uma Iansã atira um raio ao céu. As Nuvens negras encontram-se. Despejam Bátegas imensas dos Céus. RAIO. Trovão)

CORO (Música orquestrada. Tambores de Primavera Cruel de Stravinski,Diluviana, quase insuportavel. Dor. As Bátegas caem e ferem violentamente a Terra Seca.)As bátegas de chuvatombam grossas sobre o chão,adunando-se em aguaceiro diluviano…(O Coro se recobre quando olha pro chão e vê o tape do verde, das flores trazidas pela parteira, diretora cena)Do solo atapetado de amarílis,ressurge triunfal a flora tropical.

EUCLIDES É uma mutação de apoteose !(Apoteose de Teatro de Revista. E sucessivas metamorfoses do estado de seca para o de floração. Florescimento. Coro mergulhado na pista diante do tapete onde de festões de florescoloridas, se levantam coroando-se

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com as cabeças de plantas, alegorias molhadas tarsílicas, perucas de folhagem… Festa floral de cabeças. Todos dão flor e cantam, os corifeus das plantas evoluem as suas danças nos cantos corais de apoteose)

MULUNGU (com as mãos escondidas na cintura, como lutadores e lutadorasde luta livre, desafiando)Mulungus rotundos, Cacimbas cheias de mundos,sem esperar folhasCentelhas! Púrpuras flores Vermelhas (Mulungú, floreia em espiral, em manto purpura de árvore rainha maravilha)

ANGICOS(Entra o corifeu dos Angicos como um Boneco de Mamulengo e aos poucos vai virando, desafiando com os pés como faziam os cangaceiros para um chachado, que vai tomando o espaço, todos chacheiam)Reverdecem os Angicos.

JOAZEIROS(Joazeiros vem rodando, recuperando seu manto verde e suas flores amarelas)Lourejam os Joás

CARAÍBAS E BARAÚNASFloradas nas SerrasCaraíbas e baraúnas altasà margem dos ribeirões das terras;(Coroam-se de Baraunas, cachos amarelos)

MARIZEIROS Marizeiros esgalhadosRamalhamos ressoantes,

CORO DAS VIRAÇÕESÀ passagem das virações suaves;vibrantes.

CORO DE ODE AS CEZALPINAS(Tango) Assomam, vivazes,nos furos amortecendo truncaduras,cezalpinas despistando – “Guardas”!saltando sem limites muros,“Vanguardas.”

ICOZEIRO (Coroamdo-se com palmeiras nas bananeiras)

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Mais virentes, adensam-se icozeiros aqui.

OURICURIZEIROsob o ondular festivo das copas auricuris:

ALECRINS DOS TABULEIROS(Cheiros , beijos, toques de cheiros)Ondeiam cheio de cheirosmoitas móveis floridasalecrim-dos-tabuleiros,

CORO MASCULINO DE UMBURANAS(Os Homens levando seu sovaco florido)Umburanas Filtrando suas FrondesPerfumam em ondas todos ondes

CORO GERALMadeira leve de fazerfaz um ex voto de pernas pr’eu correr.

UMBUZEIRO(Levamtam em ereção, com uma Copa Cabeça Imensa de Caralho o maximo da APOTEOSE TRAVESTI, as mulheres) Dominando a revivescência geralnós os umbuzeiros levantamos dois metros,normal, podados por um jardineiro,coroa do pau ao alcance de ser chupadopor todo sagrado gado.

COROSócia fiel das rápidas horas felizese longos dias amargos.Veio descaindo pouco a pouco,modificando-se à feição do meio,desinvoluindo, até se preparar para a resistênciae reagindo, por fim,desafiando as secas,sustentando-se nas quadras miseráveismercê da energia vital que economiza das reservas guardadas nas raízes.

CORO FALADO É a Arvore Sagrada do Sertão.Apoteose Coração

CORO SAMBA

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(Enquando Sambam os Umbuzeiros se alevantam, em varias alturas do Espaço quesamba inteiro)Estrelando flores alvíssimas.Flores que passam cambiantesde um verde pálido ao róseo vivo dos rebentos novos.É a nota mais felizdo cenário deslumbrante.Mangueira em rede, mitiga a sedeAbre SeioAcariciador, cheio (as mulheres oferecem os seios para todo o gado mamar)Dá os frutos de sabor do amorDa Umbuzada branca só na cor.

CORO (apontando para todo espaço molhado, para os horizontes e depois pro céus)Os vales secos fazem-se rios.Os horizontes dilatam cios.Os céus sem o azul carregado dos desertosalteiam-se, mais profundos mais abertos, ante o expandir revivescente da terra que berra.( As Mulheres saem para se paramentar de Santa Maria)

COROE o sertão é um paraíso …um vale fértil…um pomar vastíssimo,sem dono.Território Livre !

A JUREMA(Vem Poções de Jurema Jurema, trazidas pelas Estrelas e passam os Copos, numa roda larga e calma)A Jurema, prediletas dos caboclos,fornecendo-lhes, grátis,o seu haxixe capitoso,inestimável beberagem,que os revigora depois das caminhadas longas.

(Euclides experimenta)

PEDRÃO(puxa a gira da Jurema dedicando á Euclides. Dá a Chamada)Você bebeu Jurema.Voce se embebedou

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Com a flor do mesmo pauVosmicê se alevantou.Com a flor do mesmo pauVosmicê se alevantou. (A Roda vai girando duma Umbanda-Gaia à entidade cruelmente alegre, até a percussão caminhar para uma GAIA EXPLOSÃO XAMANICA. Bichos nascendo nas pontas da pista, de quatro nas extremidades da pista em corridas-vestindo luvas de bicho. COCO MERGULHÃO)

CAITITUSCaititus esquivos Porcos do mato fedidospelas baixadas humidecidos dis-pa-ramos. QUEIXADASQueixadas de canela ruiva percutimos em filas,num estrídulo estrepitar de maxilas;(Queixadas e Cazititus, dançam o Mergulhão)

EMAS (em quase vôos, corridas aladas)Emas chapadas esporeando ferrões sob asas; velocíssimas corrrendo rasas,

SERIEMAS Seriemas em prosas,gostosas lamentosas…

SERICÓIAS Sericóias vibrantes;Jibóias emplumadas amantes.

EUCLIDES DA CUNHA E AS CRIANÇASOlha a anta !

ANTA (Anta-Verde Bumbá Fardada Matadeira, Tanque de Guerra, do Movimento ANTA de 22)Com meu trote brutal,inflexível retilíneo,nacional sanguíneo árvores derribando;estaco assustando…Vim beber ?!

SUÇUARANASSuçuaranas…

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MOCÓSAterrando sacanas, mocós aos milhares aninhados aos pares.(fogem para os mocós)

SUÇUARANASPulamos alegres nas macegas gaias,antes de quedarmos tocaiasaos veados ariscos,no risco…

(os veados com belos chifres canteiros de terra na cabeca, com passarinhos atravessam o teatro distraídos até serem comidos e comerem as onças. A Viagem da Jurema vai pro espaço aéreo.)

CORO DE PÓLIPOS MÃOS(Mãos acenando para os céus recebendo as asas que remigram)Sucedem-se manhãs sem par.Aves sulcam de novo arAnimam-se os ares!Palpitação de asascéleres,palmam pras casas ruflando notas serafinsestranhos clarins.

POMBAS BRAVAS (No alto Sul)Pombas bravas remigramos,Tumultuando desencontrados vôosrolarolarolarolamos (Encontro no Centro )

MARITACAS ESTRIDENTESBem Vindas eternas descontentasAriem os aridos aresdestas turbas turbulentasmaritacas estridentas.

CAMPEIRO(Tocando o Berrante)Feliz, deslembrado de mágoas,sigo tangendo a boiada farta.(As aves viram bois, retorna o Touro Preto. Saudações ao deus Dionisos Touro Gigante de Bumba Meu Boi. Touro Coroado de Flores. O Campeiro gira os ciclos continuas da sêca e a primavera. A Contraregragem depois da fala” até que surdamente…” começam a retirar os verdes)

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Assim se vão os dias,Passam-se um, dois, seis meses venturosos,até que surdamente,imperceptivelmente, num ritmo maldito, se despeguem, a pouco e pouco, e caiam,as folhas e as flores,e a seca se desenhe outra vez nas ramagens mortas das árvores decíduas…

COROA temperatura aumenta…

PLANO 05COMO SE FAZ O DESERTOCOMO SE EXTINGUE O DESERTO

EUCLIDES DA CUNHA(Alucinado na Jurema)Deus dos Deuses da Sabedoria.Hegel !(Hegel surge num plano de Norte do Hefisfério Norte. Luz Invernal, Luz de Gelo, Brumas, entrando Terreiro trazido por uma paisagem musical de Fugas, Corais Luteranos ou da musica mais cerebral alemã, comtemporanea de hibernação, constratante com as do estivar no fogo. Euclides Olhando para o Teatro, lugar da encenação, fala com o principal Fantasma de sua cabeça, o Fantasma de Ham-let)

Pai, o Senhor não citouesta categoria geológica!Os sertanejos não querem abandonar estas terras .Estão quase cercados,mas ainda podem fugir,para a imensa naçãoonde dão todos quintais dos Estados do Norte.Canudos é a capital desta Nação.

HEGEL Só é real o que é racional.E o que é racional é real.A Terra é assim:os vales férteis, profusamente irrigados;os litorais cosmopolitas e as ilhas;e vastas planícies áridas: os Desertos.(Os Coros Mestiços, hibridos, olham-se e tem que se dividir-se matematicamente e sonoramente conforme a intepretaçãpo racionalista em três campos distintos e inconciliáveis.) Aproveitem as linhas de fuga enquanto o cerco não está completo.

DESERTO I

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Estou chegando,sou o Deserto.(O espaço vai despovoando-se, ficando o mais vazio possivel. Luz de Areia Branca refletindo o sol)

DESERTO IIO Saara;

DESERTO III Llanos da Venezuela;

DESERTO IIII Atacama desatado sobre os Andes.

DESERTO INão vim para atrair.Entro em cena para trazer sempre o mesmo cenáriode monotonia acabrunhadora,com a variante única da cor:sou um oceano imóvel,sem vagas e sem praias.expulso,desuno, disperso !

Ah! As formidáveis trombas de areia,o saltear de súbitas inundações,não me incompatibilizam com a vida.Mas não fixam o homem à terra.A Vida aqui é um constante armar e desarmar de tendas.

Não posso me ligar à humanidadepelo vínculo nupcial do sulco dos arados.Somente me adoram os amantes nômades e os poetas.

HEGELOs homens tem de deixar lugaresque não existem nas categorias racionais.Eu sei que vocês pisam esse chão,e para vocês este é o seu mundo.Mas ele não existe,é uma ilusão, uma alienação.(Em alemão esta palavra)Fujam para o Norte !

SERTÕES DO NORTE(Na parede limite do teatro, ao lado do Buraco)Sou os sertões do Norte aqui nesta Oficina.Não vou fugir. À primeira vista pareço com você Deserto.(Deserto rí)Mas falta meu movimentado lugar no teu quadro,

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oh pensador germânico.Se você me atravessar agora,no estio, Hegel, você vai achar que eu sou uma planície árida.Mas se me atravessar no inverno,vai acreditar que eu sou um vale-fértil.Por mim o homem vai lutar como as árvores,com as reservas armazenadas nos dias de abastança e,neste combate feroz,anônimo, terrivelmente obscuro,afogado na solidão das chapadas,eu não vou abandoná-lo…Vou ampará-lo muito além da hora de desesperançadas últimas cacimbas.Tenho um papel na economia geral da Terra!Tenho e vou cumprir.Entre os vales férteis e as planícies áridas,sou promíscuo, demasiadamente humano.Barbaramente estéril;maravilhosamente exuberante.

(O Sol Fecundador Heliogabalo entra com um leque que vai abrindo até formar uma bola de fogo, ou com um simples refletor. Os Vales Férteis, mulheres grávidas, encontram-se com os desertos, e todos os elementos se aglutinam em torno do Sol numa unidade de fogo Explosão, uma imensa combustão girando em fogo em torno do Sol. Heliogabalo afasta-se. Vem um grande frio.)

TERRA (sempre girando em torno do Sol até ganhar o centro do espaço, gira em trono de um bambolê)Meu Genesis eterno…Nunca descanso…Afasta-se de mim meu Sol?Meus pólos se resfriam,enregelam. (O SOL Heliogabalo aproxima-se de novo. Paisagem sonora ou coral da vida em biodiversidade milionária do Equador)Mas teu calor volve para minha cintura quente.Sinto agora a preponderância do meu calor central,

COROCú é cú é cú equador…Cú é cú é cú equador…

TERRAmeu equador reverdece,

COROCú é cú é cú equador…

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TERRAarbustos tornam-se árvores,

COROCú é cú é cú equador…

TERRAos organismos simples evoluem…

COROCú é cú é cú equador…

TERRA(Mudança na paisagem musical e na percussão)mas no meu bambolê,ainda há seca…É o cú-ardor…

CORO É o cú-ardor …

(girando em torno de si e da Terra com o cú ardor, os desertos vão apresentando-se sucessivamente no movimento redondo da Terra)

SAARASaara,

EGITOEgito,

SIRIASíria,

NEDJABNedjab,

ARABIA a Arábia paupérrima,

INDIAá India Opulentissima,

TERRApelos meus colares de ilhas desertas e calvas

PACIFICO ou varando o Pacifico

AMAZONIA (paisagem musical do Amazonas)até a Hiléia Amazônica.

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TERRANão crio normalmente os desertos.Combato-os, repulso-os.Até amá-los, amá-los…Minha forma Terra erra,violando todas as leis gerais dos clima e dos homens.(Percurssão dee grandes terremotos e catastrofes naturais. Gira o circulo da Terra entre o Norte e o Sul, largamente,o lilmite não é a personagem Terra mas cada uma de suas incarnações)Maculada Concepção,sei que tudo que há em mim pare deuses e demônios.(Nova Explosão, seguida de movimentos de circuções gerais, mansas, e repentinamnete rodopiantes, peões. A percussão é cool - com acompanhamento de violino ou outro instrumento melódico)

CORO Em luta surda, mas emocionante,para quem consegue perceber,através de séculos sem conto,entorpecida sempre pelos agentes adversos,mas tenaz, incoercível,num evolver seguro,a Terra organismo vivo,transmuda-se de dentro para foraIntuscepção,indiferente aos elementos que lhe tumultuam à face.

TERRAMeu chão ingrato e a rocha estéril decaemsob a ação imperceptível dos meus líquens,espermas verdes,que preparam a vinda da vida nas minhas zonas mortas…

LÍQUENS(Sai da barriga da Terra como um esperma verde)O Regime desértico,

COROaqui

LÍQUENSnão vai se firmar,com rigorismo clássico.

CORONós, líquens

LÍQUENSatacamos a pedra,

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fecundando a Terra,e preparando a região para a vida.E vamos pouco a poucoconquistando a paragem desolada.

(Os Coros transforfmam-se em Liquens e vão para as paredes Oeste a Norte para transformarem as zonas fechadas, cercadas em zonas abertas, vivas do Sertões de São Paulo. Os líquens vão transformando a rocha dura em Argila. Apronta-se para parir do ventre da Terra deitada com as pernas entre as sapatas, como nos desenhos de Surubim)

EUCLIDESAh ! Esqueci !Um agente geológico notável;o Homem!

CORIFÉIAS ANCESTRAIS (para a TERRA)Do Barro da tua avó,teu filho nasce…

COROTeu filho nasceDo barro da tua avó…

COROVovó…Vovó…

TERRAEntre laranjas e animais,faço seu doce parto.(Cabras balem, touros mugem, cavalos relicham, aves gralham, laranjas descem rolando na pista com as crianças. A Mãe Maculada Concepção acaricia o filho)Nasce criança e aceita,em todo o decorrer da tua história,teu papel.

EUCLIDESNão raro reage brutalmente sobre a terrae entre nós, assume, em todo o decorrer da História,o papel de um terrível fazedor de desertos.(no ouvido do Bebê indio que nasce)Começou isto por um desatroso legado indígena.Na economia primitiva do silvícolaera instrumento fundamentalo Fogo...(Euclides passa a tocha ao indio. O Contraregra passa-lhe o Diorito. O menino brinca com o diorito, a madeira, o fogo – e uma Ipueira - a mãe sente todas as dores da Terra. O Indio vai atuar num espaço micro)

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HOMEM INDIO(Entalha uma arvore com o diorito)Dgis (junta os ramos)Coivara (faz as cercas de troncos e taca fogo.)Caiçara (Faz com os paus um cercado para o fogo não avançar. Cultiva a área, lança sementes, sua mulher nua, ele fóde com ela ela engravida, géra milho .O Indio colhe os frutos. Repete o processo, até a terra nova estar exaurida. Abandona A mulher.)

EUCLIDESRenovavam o mesmo processo na estação seguintede todo exaurida,esta mancha de terra estejaImprestavel,seja abandonada.

INDIOCaapuera

EUCLIDESMato Extinto

(Musica Épica de grandes conquistas, um tema que vai se transformando nas cenas futuras dos néo bandeirantes, o passar dos tempos numa especie de Hino da Civilização. O Sertanista surge com dois escravos armados, uniformizados como o Exército Brasileiro em Canudos, caçadores de indios: um mameluco e um negro. O Indio está armado somente com a tocha que lhe é tomada e passada ao ao bandeirante pois, é laçado por traz e ameaçado por um lança pela Frente como os conduzidos á conduzido á degola.) O SERTANISTA EXECUTIVO BANDEIRANTE(Com duas tochas nas mãos,conforme fala luzes de QUEIMADAS vão iluminando o espaço, como um grande apocalipse de fogo, como vai terminar a queimada de Canudos. Pode ser feito com projeção, ou luzes, ou tochas.)Afogado nos recessos de uma selva estupenda,que me escurenta as vistassombreia as tocaias do tapuiadilacero-a golpeando-a de chamas,para desafogar os horizontese destacar bem perceptíveis,tufando nos descampados limpos,as montanhas que me norteiam,balizando a marcha das minhas bandeirasem busca do El Dorado.

(Epica do Bandeirante agora transforma-se num epico de Marketingcom seu gran finale eterno. Entram os novos bandeirantes executivos de

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hoje que vêm ciivilizar o Bexiga. Vem acompanhados por pastoras peruas de Deus. E por Autoridades do Estado, do Municipio, dos Orgãos de preservação que lavam as mãos e apludem o tempo todo. Libertas está como Anastasia, amordaçada e bela) O LOTEACTOR LOBBY SIR STRIPADORSou o paulista produtor de grandes hecatombes.Estou comprando e loteando as Terras de Libertas,terrenos e casas velhas do Bexiga.Seduzo Lulu,o espírito da Terra.

(Os lobby men dividem a Terra em lotes com fita crepe brilhante, cortando como as Capitanias Hereditarias em sentido da largura e do comprimento. A Terra Lulu é atravessada pelas divisões de fita crepe das propiedades)

Preparo-a como uma noiva para o Mercado,fazendo da região, paraíso de Hospedaria,para o repouso dos meus lobby men.

(entra o coro de operários trazendo talhadeiras, prontos para as demolições do Bixiga)

Adeus velho Bixiga…

(A Banda faz um arranjo Magestoso de Saudosa Maloca. O LOTEACTOR LOBBY SIR STRIPADOR abraça e beija a TERRA querendo fodê-la. Mete a mão na braguilha da calça como se fosse tirar o pau e saca uma marreta para atacar Lulu e dá a Palavra de Ordem)

Viva o Bela Vista!

(O LOTEACTOR e seus LOBBYMEN amarram, e amordaçam Lulu. As mulheres gritam e protestam por todo o espaço. Uma delas entra coroada de hera e tenta atacar o LOTEACTOR e impedir o massacre da TERRA. É expulsa do Teatro por seguranças uniformizados, mas consegue passar para Euclides sua coroa)

Coro dos Punhais !

(Coro de portadores de punhais pela pista toda, levantam os punhos com os punhais. Atacam a TERRA escarificando-a com as talhadeiras nas explorações a céu aberto, como uma orquestra de instrumentos de demolições. As luzes são de Incêndios e Queimadas, já trazendo Canudos cercada.)

DONA MARIA I (com roupa do Império Napoleônico de hospício e uma coroa enterrada na cabeça como uma prisioneira desesperada Canta)Vejo, no poentepelas noites dentro a entrar,o reflexo rubro das queimadas,

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a matar, a matar!

Oh Grande Seca!Tudo está a morrer.(Traz um Canudo longo de um metro, desenrola e assina)Eu,Maria Primeira, a Loucacomeçoa Viradeira !Nomeio o primeiro Juiz Conservadordas Matas Brasileiras!Oh Grande Seca!…

JUIZ CONSERVADOR DAS MATAS DO BRASIL(apanha o Canudo de MARIA I)Sou o Juiz Conservador das Matas do Brasil.Por decreto de 11 DE JUNHO DE 1799proíbo a indiscreta e desordenada ambiçãodos habitantes dessa terraque têm assolado a ferro e fogopreciosas matas que tanto abundavam…

(Ninguém atende o apelo e o barulho dos punhais cresce escarafincando a Terra. Silêncio. A paisagem no Telão é um Bela Vista Hotel Center. A Terra agoniza)

UM CANUDENSE OPERÁRIO NO DO CORO DOS PUNHAIS(Pára de apunhalar, abraça Terra Ana sua mãe, luta, diante da última cacimba)Luto agora por esta última e primeira cacimba.Sei que sou uma componente nefastaentre as forças deste clima demolidor.Se não o criei, com o machado do catingueirodei um auxílio à degradação das tormentas.E Com a queimada, um supletivo á insolação.Mas agora, com a minha fome, sede, desemprego, ainda tenho que ser cúmplice do demolidor da minha propria maloca?Da minha propria cacimba?Joca, os homi não tá com a razãoNóis não arranja outro lugarAbaixo o impérioAbaixo a república(joga sua talhadeira como a espada de Euclides jovem na Monarquia para os Oficiais Militares da Monarquia, saudando a República)

O LOTEACTOR LOBBY SIR STRIPADOR(Ataca o seu homem com a talhadeira. Um Outro Homem do Coro dos Punhais, rende o Canudense e o coloca de joelhos, enquanto o Stripador se prepara para a degola)Viva a Republica!

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CANUDENSELouvado Seja Nosso Senhor Jesus Cristo!

O LOTEACTOR LOBBY SIR STRIPADORViva a República!

CANUDENSELouvado Seja Nosso Senhor Jesus Cristo!

(A Cena se congela. Entra o Hino da República)

REPÚBLICA(no Balcão, tendo ao fundo o hino da Reúublica) Euclydes, Eu, a Republica,fui seu primeiro amor Fui seu primeiro ódio Diante dos teus olhos, os brasileiros encontraram-se na Degola, para Massacar Canudosque nunca, nunca à mim se rendeu.Hoje, meu presidenteVem da mesma nação sertaneja. A maioria pensante do país retrai-se, legalmente criminosa, e permite todos os massacres. Euclydes Socorro ! (A Cena em baixo é descongelada.)

CANUDENSE (grita)Louvado Seja Nosso Senhor Jesus Cristo !

O LOTEACTOR LOBBY SIR STRIPADOR(ataca o seu homem com a talhadeira )Viva a República!

CANUDENSE Louvado Seja Nosso Senhor Jesus Cristo!

O LOTEACTOR LOBBY SIR STRIPADORViva a Republica!(o Stripador o degola)

EUCLIDES DA CUNHA(Apanhando a talhadeiraa que o Canudense deixou no chão ataca o Stripador)Vim pra matar ou Morrer.(lutam, atira-se sobre a Terra, quase desfalece chorando, tira a mordaça liberta a Terra Ana. Ainda no chão)

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(diz baixinho, varias vezes)Evolução regressiva…

(para todos)Fizemos talvez o deserto.Mas podemos extinguí-lo ainda,corrigindo o passado.E a tarefa não é insuperável.

(Levanta-se e recolhe todas as talhadeiras a começar com o Stripador e entrega todas ao Juiz que esta prostrado e aos poucos, de 1799 numa evolução regressiva, emocionado com as talhadeiras na mão olha Joana a Louca que se levanta de entre os mortos comovida. O operário canudense degolado ressucita. A mulher que tinha sido expulsa pelos seguranças do STRIPADOR entra e liberta a escrava LIBERTASANASTÁSSIA. Depois de libertar entrega a ela um baseado. LIBERTAS dá grandes tragadas sorrindo. Entra Lina Bo Bardi, cabelo liso e preto, veste preto, vem com a projeção da maquete do Shopping com uma Torre. Toques de tambor de mudança de energia)

LINA BO BARDI, ARQUITERRAVou desabarreirare deixar escorrer os teus vales,

LÍQUENS (entram três líquens com um oued de estanho e absinto) Como na Tunísia…Nos oueds verde-absintoBranqueando à beira dos desertos do Saara

LINA BO BARDI, ARQUITERRAvou facilitar a drenagem violenta do teu solo,(a líquem absinto derrama o absinto no estanho, todo o coro faz um cerco em oposição aos Lobbyloteadores)Obras monumentais como os espaçados açudes de Quixadá, Cocorobó,o próprio Centro de Entretenimento Bela Vistatêm o valor inapreciávelde atenuar a última das conseqüências da seca— a sede, a fome, o desemprego…mas o que há a combater e a debelarnos nossos sertões rurais, urbanos, Terra,é a fecunda aridez da especulação.(O Coro em evolução regressiva limpa todo o espaço, retiram nesta ordem, a coroa, o capacete de operário do canudense, as fitas de marcação do espaço, as espigas de milho e as laranjas)Vou formar à sua ourela fecundas áreas de cultura; vou te colocar numa situação de equilíbrio com numerosas pequenas águas:açudes em rizomascoroando o teu útero.Oásis ligados na nossa paixão.Um mar interiore,uniformemente distribuidos formandoestádios cacimbas de teatro, dilatada superficie de absorção, molhação e transbordamento.

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Canudos (comemoração de futebol com o coro) Canudos, Canudos.Uma floração de águas cultivando a vida do teu solo machucado.

TERRAÀs vezes eu violo as leis gerais dos climas,Mas é nossa paixão completar minhas disposições gerais.

CONSELHEIROAqui estão nossas mãospalmo a palmo, lambuzamos com teu líquene atacacamos tuas pedras estéreis no caminho,deixando a tatuagem das corrosões do coração.

(Lina, a Escrava Liberta Libertas e o Conselheiro atacam com suas mãos lambuzadas de líquens os Loteadores, que se transformam em parceiros para o desembecamento do Teatro)

LINAO nosso humano martírio aquié reflexo de tortura maior,mais ampla, abrangendo a economia geral da Vida.Nasce do martírio secular da terra…Mas o tempo linear é uma invenção do ocidenteO tempo não é linear,é um maravilhoso emaranhando onde, a qualquer instante podem ser escolhidos pontos, e inventadas soluções sem começo nem fim…

CORO Em luta surda, mas emocionante,para quem consegue perceber,através de séculos sem conto,entorpecida sempre pelos agentes adversos,mas tenaz, incoercível,num evolver seguro,a Terra organismo vivo,transmuda-se de dentro para foraIntuscepção,indiferente aos elementos que lhe tumultuam à face.

1ª Re-visão de remontagem em 03/03/2004