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Ano 1 (2012), nº 9, 5703-5752 / http://www.idb-fdul.com/
A NÃO-CUMULATIVIDADE NO IPI
Maurício Timm do Valle1
Sumário: 1. Introdução; 2. Contornos constitucionais da Não-
cumulatividade do IPI; 3. O significado dos termos “cobrado” e
“pago”, da Constituição Federal e do Código Tributário
Nacional; 4. A Não-cumulatividade adotada pela Constituição
brasileira no que respeita ao IPI; 5. A Não-cumulatividade e a
aquisição de insumos isentos, sujeitos à alíquota zero, imunes
ou não-tributados; 6. A Não-cumulatividade e os produtos
cujas saídas são isentas, tributadas à alíquota zero ou não
tributadas. Considerações acerca do artigo 11 da Lei nº 9.779,
de 19 de janeiro de 1999; 7. A Não-cumulatividade e as
operações com contribuintes optantes pelo SIMPLES Nacional;
8. Conclusão.
Resumo: O presente artigo analisa a Não-cumulatividade no
IPI, partindo da interpretação dos enunciados prescritivos
constitucionais sobre o tema, passando pelos enunciados
infraconstitucionais presentes no Código Tributário Nacional e
1 Mestre e Doutorando em Direito do Estado – Direito Tributário – pela UFPR.
Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Bacharel em Direito pela UFPR.
Professor de Direito Tributário e de Direito Processual Tributário do Centro
Universitário Curitiba – UNICURITIBA. Professor-Coordenador do Curso de
Especialização em Direito Tributário e Processual Tributário do Centro
Universitário Curitiba – UNICURITIBA. Associado da Associação Brasileira de
Filosofia do Direito e Sociologia do Direito - ABRAFI. Membro do Grupo de
Pesquisa em "Fundamentos do Direito" do Programa de Pós-Graduação em Direito
da UFPR. Orientador Co-lider do Projeto de Pesquisa e de Iniciação Científica
"Questões controversas de tributação das empresas: constituição, crítica e
sustentabilidade", liderado pelo Professor Doutor José Roberto Vieira, desenvolvido
e implementado pelo Grupo de Pesquisa "Atividade Empresarial e Tributação", do
Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA. Autor do livro Princípios
constitucionais e regras-matrizes de incidência do Imposto sobre Produtos
Industrializados - IPI, no prelo, de artigos científicos e de traduções de obras e
artigos de filosofia analítica. Advogado e consultor tributário.
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na Lei n. 4.502/64. Trata da análise da Não-cumulatividade nos
casos em que as operações anteriores forem beneficiadas
(isenção, alíquota zero, não tributação e imunidades) e, ainda,
nos casos em que a saída dos produtos seja beneficiada,
considerando as prescrições da Lei n. 9.779/99. Por fim,
examina-se a Não-cumulatividade em relação aos optante do
SIMPLES Nacional.
Palavras-chave: IPI – Não-cumulatividade – Operações
beneficiadas
❧
1. INTRODUÇÃO
A questão da Não-cumulatividade sempre chamou nossa
atenção. O assunto mostra-se interessante, principalmente pelo
seu grau de dificuldade, que o mantém desafiador. Pois bem.
Ao tratarmos do tema em nossa dissertação de mestrado, sob a
rigorosa orientação do Professor JOSÉ ROBERTO VIEIRA,
percebemos que o entendimento da doutrina e do Supremo
Tribunal Federal sobre o tema têm se distanciado. E mais: que
a questão é muito mais relevante do que se pode imaginar. Os
reflexos da interpretação, neste ou naquele sentido, são
imediatamente sentidos pela sociedade. Esse o motivo principal
que nos leva a enfrentá-la.
2. CONTORNOS CONSTITUCIONAIS DA NÃO-
CUMULATIVIDADE DO IPI
A Não-cumulatividade concernente ao IPI está positivada
no artigo 153, § 3º, II, da Constituição Federal, segundo o qual
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o IPI “será não-cumulativo, compensando-se o que for devido
em cada operação com o montante cobrado nas anteriores”.
Esse é o único enunciado prescritivo constitucional que
menciona expressamente a Não-cumulatividade no que se
refere ao IPI, e é o principal para a revelação dos seus exatos
lindes.
A redação do dispositivo, pelo legislador constitucional,
apresenta defeitos. Ao comentá-la, PAULO DE BARROS
CARVALHO questiona como poderá ser o imposto, enquanto
“prestação pecuniária compulsória em moeda ou cujo valor
nela se possa exprimir”, cumulativo. Em seu entender, não é o
imposto que será não-cumulativo, mas sim a “...técnica da
apuração do quantum devido a título de IPI...”.2
Com efeito, do ponto de vista econômico, o IPI pode ser
considerado como imposto sobre o valor agregado.
Juridicamente, não. Nos impostos sobre o valor agregado,
somente haverá incidência do imposto se, na operação
posterior, houver um acréscimo em relação ao valor da
operação anterior. Caso não haja acréscimo algum ao valor da
operação subseqüente, o imposto não incide.
A Não-Cumulatividade parece-nos manifestação do
Princípio da Capacidade Contributiva Objetiva, tendo em vista
que a Não-Cumulatividade faz com que a tributação recaia tão-
somente sobre a parcela correspondente à operação praticada
individualmente. Lembremo-nos que a capacidade contributiva
é manifestação do Princípio da Igualdade em matéria tributária.
Como defende JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO, “...não
será possível que algumas pessoas sejam mais beneficiadas do
que outras no transcorrer do ciclo produtivo”. De fato, caso
isso ocorresse cairia por terra a idéia de que “A regra da
igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente os
2 Imposto sobre Produtos Industrializados. In: BOTTALLO, Eduardo Domingos
(Coord.). Curso de direito empresarial. São Paulo: EDUC: Resenha Tributária,
1976, p. 142.
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desiguais, na medida em que se desigualam”, magistralmente
ensinada por RUI BARBOSA.3
Mas a Não-cumulatividade não mantém congruência
apenas com a Capacidade Contributiva. Há forte relação entre a
Não-cumulatividade e a proibição do efeito confiscatório dos
tributos. Isso porque, caso abolida a Não-cumulatividade do
IPI, seja por qual razão for, haverá incidência de imposto sobre
imposto.4
Assim, cada sujeito passivo apenas arcará com o tributo
incidente sobre a operação que realizou, não sendo atingido
pelos tributos incidentes nas operações anteriores ou
posteriores.5
3 J. E. S. DE MELLO, Crédito de IPI. Não-cumulatividade. Aquisições de
insumos.Utilização em produtos industrializados e os distintos efeitos do IPI.
(Alíquota zero, alíquotas específicas e não-tributado). In: Direito tributário
empresarial. São Paulo : Quartier Latins, 2009, p. 200. R. BARBOSA, Oração aos
Moços, São Paulo : Editora Papagaio, p. 26. 4 Sobre o assunto, são essas as palavras de JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO:
“Alinhando o princípio da proibição do efeito confiscatório dos tributos com o
princípio da não-cumulatividade, pode-se observar que os mesmos se tocam e se
complementam. Supondo-se que em uma determinada operação o ente tributante
venha a estabelecer a proibição total, ou parcial, do dever-poder do contribuinte de
apropriar-se do imposto incidente nas operações anteriores, estará a um só tempo
provocando efeito cumulativo, condutor de um aumento irreal no preço dos
produtos, em prejuízo do consumidor final. Também estará acarretando um efeito
confiscatório porque sobre o mesmo preço ocorrerá mais de uma incidência do
mesmo imposto, a retirar de cada um dos agentes do ciclo mais imposto do que o
efetivamente devido. Em nenhuma hipótese o contribuinte poderá ser proibido de
proceder a escrituração dos valores correspondentes ao imposto incidente nas
operações anteriores, sob pena de provocar o efeito confiscatório, o que é vedado
pela Constituição (art. 150, IV)...” – Crédito de IPI. Não-cumulatividade. Aquisições
de insumos. Utilização em produtos industrializados e os distintos efeitos do IPI.
(Alíquota zero, alíquotas específicas e não-tributado), p. 200-201. 5 De acordo com JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO, caso a não-
cumulatividade fosse suprimida haveria considerável abalo na “...estrutura sobre a
qual foi organizado o Estado”. Segundo ele, a não-cumulatividade constituiu-se
“...num sistema operacional destinado a minimizar o impacto do tributo sobre o
preço dos bens e serviços...” e “...sua eliminação os tornaria artificialmente mais
onerosos”. Diz ele que “Caso a não-cumulatividade fosse eliminada, a
cumulatividade geraria um custo artificial indesejável ao preço dos produtos
comercializados. Esse preço estaria desvinculado da realidade, da produção e da
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Não é o que ocorre com o IPI, o qual se submete ao
sistema de subtração indireta (imposto contra imposto). Mesmo
nos casos em que o valor da operação posterior seja, em
relação à operação que lhe foi precedente, menor, haverá
incidência do IPI. Nesses casos, não só não haverá imposto a
pagar, como nascerá para o contribuinte o direito de crédito
perante o Fisco. Trata-se, na visão de EDUARDO
DOMINGOS BOTTALLO, do direito que o contribuinte tem
de “...lançar, em sua escrita, ‘créditos financeiros’ para, no
momento oportuno, utilizá-los como meios de compensar seus
‘débitos’...”.6
É bem verdade que o desenho constitucional do IPI veda
sua incidência em cascata, impedindo que se tribute todo o
montante da operação anterior. Isso, lembremo-nos, se a
operação for plurifásica, não havendo como se falar em não-
cumulatividade nos casos de operação monofásica. Como bem
ressalta ANDRÉ MENDES MOREIRA, “...sem plurifasia,
inexiste não-cumulatividade...”.7
Embora a incidência se dê sobre o valor total da
operação, englobando tanto a presente quanto as que lhe foram
anteriores, e não somente sobre o valor agregado pela última, a
sistemática dos créditos impede a tributação em cascata. Ou
seja, mesmo que a base de cálculo seja o valor total da
operação, o adquirente de insumos, produtos intermediários ou
material de embalagem creditar-se-á do eventual imposto
comercialização. Isto oneraria o custo de vida da população, e encareceria o
processo produtivo e comercial, reduzindo os investimentos empresariais, em face
do aumento de custos ocasionados por esse artificialismo tributário oriundo da
cumulatividade” – Crédito de IPI. Não-cumulatividade. Aquisições de
insumos.Utilização em produtos industrializados e os distintos efeitos do IPI.
(Alíquota zero, alíquotas específicas e não-tributado), p. 199-200. 6 Sobre o sistema de subtração indireta: ANDRÉ MENDES MOREIRA. A não-
cumulatividade dos tributos. São Paulo : Noeses, 2010, p. 71-74.; E. D.
BOTTALLO, IPI: princípios e estrutura. São Paulo: Dialética, 2009, p. 41. 7 A não-cumulatividade dos tributos, p. 75 e 92-101.
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relativo às operações anteriores.8
Entretanto, essa não é a única deficiência da redação do
enunciado em questão. Há uma de intensidade muito maior,
sobre a qual trataremos adiante.
3. O SIGNIFICADO DOS TERMOS “COBRADO” E
“PAGO”, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DO CÓDIGO
TRIBUTÁRIO NACIONAL
Conquanto o artigo 153, § 3º, II da Constituição Federal
prescreva que o IPI “será não-cumulativo, compensando-se o
que for devido em cada operação com o montante cobrado nas
anteriores” [destacamos]; e, ainda, o artigo 49 do Código
Tributário Nacional prescreva que o IPI “...é não-cumulativo,
dispondo a lei de forma que o montante devido resulte da
diferença a maior, em determinado período, entre o imposto
referente aos produtos saídos do estabelecimento e o pago
relativamente aos produtos nele entrados” [destacamos],
acompanhamos o entendimento de JOSÉ ROBERTO VIEIRA
de que “...não é a cobrança do imposto por parte do fornecedor
que legitima o crédito do adquirente”.9
Como sustenta HUGO DE BRITO MACHADO,
“Qualquer pessoa que tenha alguma vivência da sistemática da
não-cumulatividade sabe perfeitamente que jamais o fisco
exigiu de qualquer contribuinte a prova da cobrança, ou do
pagamento, como condição para o uso do crédito
correspondente”.10
Essa também é a conclusão a que chega PAULO DE 8 JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Crédito de IPI relativo a operações anteriores
beneficiadas: maiô completo ou completa nudez. DE SANTI, Eurico Marcos Diniz
(Coord.). Curso de especialização em direito tributário: estudos analíticos em
homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 725. 9 Crédito de IPI relativo a operações anteriores beneficiadas: maiô completo ou
completa nudez, p. 721. 10 Isenção e não-cumulatividade do IPI. Revista dialética de direito tributário. v. 4,
São Paulo, jan. 1996, p. 32.
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BARROS CARVALHO, que, em parecer que se tornou uma
referência no Direito Tributário brasileiro atual, examina com
profundidade a questão da não-cumulatividade no IPI.11
O professor da USP e da PUC-SP, valendo-se de um
hipotético negócio jurídico de compra e venda de mercadorias
entre dois comerciantes, identifica a existência de quatro
relações jurídicas. Havendo compra e venda entre o sujeito “A”
e o sujeito “B”, identificam-se, de saída, duas relações
jurídicas: a que se refere à obrigação de entrega da mercadoria,
na qual “A” é sujeito passivo e “B” é sujeito ativo; e aquela na
qual “B” sujeito passivo deverá pagar o preço a “A”, sujeito
ativo desta relação jurídica.
Além dessas, por ser o sujeito “A” comerciante, fará
parte de uma relação jurídica com o Fisco. Será a relação
jurídica tributária na qual o sujeito “A” é o sujeito passivo em
face do Fisco, que é o sujeito ativo, detentor do direito
subjetivo ao tributo.
Por fim, a quarta relação jurídica é a que se instaura entre
o sujeito “B”, que, por ser comerciante e, em decorrência da
Não-cumulatividade, possui o direito subjetivo ao crédito em
face do Fisco, que, nesse caso, será sujeito passivo desta
relação jurídica.
Essas duas últimas relações jurídicas são tributárias. A
primeira delas refere-se à regra-matriz de incidência tributária e
a segunda ao que PAULO DE BARROS CARVALHO
denominou de regra-matriz de direito ao crédito.12
Ao sintetizar as conclusões, afirma PAULO DE
BARROS CARVALHO:
Posso resumir, dizendo que duas são as
normas jurídicas – a regra-matriz de incidência do
IPI e a regra-matriz do direito ao crédito – e, 11 Isenções tributárias do IPI, em face do Princípio da Não-Cumulatividade. Revista
dialética de direito tributário, São Paulo: Dialética, nº 33, jun. 1998, p. 142-166. 12 Isenções tributárias do IPI, em face do Princípio da Não-Cumulatividade, p. 151-
152.
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portanto, haverá duas hipóteses – a da venda
realizada pelo comerciante “A” e a da compra
efetuada pelo comerciante “B” – com duas
conseqüências – a relação jurídica tributária entre
“A” e “F” (ArjtF) e a relação de direito de crédito
entre “B” e “F” (BrdcF).13
Do até agora exposto percebemos que a regra-matriz do
direito ao crédito independe da regra-matriz de incidência
tributária. Essa a razão pela qual afastamos desde logo, como o
fazem JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO e LUIZ
FRANCISCO LIPPO, e, ainda, ANDRÉ MENDES
MOREIRA, o entendimento de SACHA CALMON
NAVARRO COÊLHO, de que a Não-cumulatividade integra o
conseqüente da regra-matriz de incidência tributária.14
É bem verdade que o vocábulo cobrado, presente do
dispositivo constitucional, induz à conclusão equivocada. Isso,
é certo, somente se o método interpretativo eleito for o literal.
Lembremo-nos, com PAULO DE BARROS CARVALHO:
Fique certo, todavia, que o pagamento dos
valores correspondentes, cobrados ou não, é
irrelevante para a fenomenologia da incidência
normativa [...]. É despiciendo saber se houve ou
não cálculo do IPI embutido no valor do produto
para justificar o direito ao crédito. Este, não
decorre da cobrança, nem da incidência, nem do 13 Isenções tributárias do IPI, em face do Princípio da Não-Cumulatividade, p. 152. 14 J. E. S. DE MELO e F. LIPPO, A não-cumulatividade tributária (ICMS, IPI, ISS,
PIS e Cofins), 2.ed. São Paulo: Dialética, 2004, p. 121; J. E. S. DE MELO, Crédito
de IPI. Não-cumulatividade. Aquisições de insumos.Utilização em produtos
industrializados e os distintos efeitos do IPI. (Alíquota zero, alíquotas específicas e
não-tributado), p. 201 e do mesmo autor IPI – crédito nas entradas de bens
desonerados do imposto. A aplicação do princípio da não-cumulatividade, in
VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA (COORD.), Grandes questões atuais de direito
tributário, v. 3. São Paulo : Dialética, 1999, p. 194-195; A. M. MOREIRA, A não-
cumulatividade dos tributos, p. 91-92; e S. C. N. COÊLHO, Teoria geral do tributo,
da interpretação e da exoneração tributária, 3ª ed. São Paulo : Dialética, 2003, p.
98-107.
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pagamento do imposto; nasce da percussão da regra
de direito ao crédito. [...] Cabe salientar, enfim,
que a regra que estipula o nascimento do direito ao
crédito goza de autonomia, relativamente à norma
que cuida da imposição tributária. Portanto, se para
a formação do direito ao crédito é irrelevante o
próprio nascimento da obrigação, muito mais ainda
será a circunstância de ter sido ou não extinta essa
mesma relação: a cobrança do tributo na operação
anterior torna-se irrelevante para a formação do
direito ao crédito.15
Dessa forma, será irrelevante para o nascimento do
direito ao crédito que o imposto tenha sido lançado, como quer
PAULO CELSO BERGSTRON BONILHA, ou, ainda, que
seja ele incidente, como sustentam ANTÔNIO MAURÍCIO
DA CRUZ e JOSÉ EDUARDO TELLINI TOLEDO.16
Corretos os ensinamentos de JOSÉ ROBERTO VIEIRA,
os quais foram seguidos por EDUARDO DOMINGOS
BOTTALLO.17
São as palavras do Professor da UFPR: 15 Isenções tributárias do IPI, em face do Princípio da Não-Cumulatividade, p. 160. 16 PAULO CELSO BERGSTRON BONILHA. IPI e ICMS: fundamentos da técnica
não cumulativa. São Paulo: Resenha Tributária, 1979, p. 143; A. M. DA CRUZ, O
IPI: limites constitucionais. São Paulo: R. dos Tribunais, 1984, p. 69; e J. E. T.
TOLEDO, O imposto sobre produtos industrializados: incidência tributária e
princípios constitucionais. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 145. 17 Diz o professor EDUARDO DOMINGOS BOTTALLO: “Manifestamos
anteriormente o entendimento de que a expressão ‘cobrado’ utilizada pela
Constituição tinha o sentido de ‘incidido’. Agora, estamos revendo esta posição,
convencidos de que, mesmo quando não ocorre a incidência, o direito ao crédito se
faz presente, observadas as condições expostas no texto. Esta revisão rende
homenagem à magnífica exposição sobre o tema feita pelo Professor JOSÉ
ROBERTO VIEIRA, durante o III Congresso Internacional de Direito Tributário
realizado em Recife, em setembro de 2005” – IPI: princípios e estrutura, p. 38, n.
11. Ressalte-se que a manifestação anterior à qual aludiu o professor EDUARDO
DOMINGOS BOTTALLO é a seguinte: “Neste sentido, cabe invocar a sempre
autorizada opinião de Alcides Jorge Costa, para quem o vocábulo ‘cobrado’ não
pode ser entendido no sentido de ‘exigido’, mas de ‘incidido’” – Créditos de IPI
relativos à industrialização de produtos mediante o emprego de produtos isentos ou
sujeitos à alíquota zero. In: VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA (COORD.) Grandes
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Em resumo, o direito de crédito do adquirente
legitima-se pela ocorrência da operação do
fornecedor. Irrelevante que nessa operação anterior
o IPI tenha sido “lançado”, “cobrado” ou “pago”.
Mais: irrelevante até que nessa operação anterior
haja “incidido” o IPI. Basta que ela tenha existido,
e que se possa quantificar, de alguma forma, o IPI
que lhe seria relativo, independentemente de
incidência, lançamento, cobrança ou pagamento.18
Basta, portanto, que tenha ocorrido uma operação
anterior com produto industrializado para que nasça para o
adquirente o direito ao crédito.
4. A NÃO-CUMULATIVIDADE ADOTADA PELA
CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA NO QUE RESPEITA AO
IPI
Pois bem, mas qual será a espécie de Não-cumulatividade
adotada pelo legislador constitucional? A espécie de Não-
cumulatividade utilizada pelo legislador constitucional foi a
técnica do crédito físico, importada da França, apesar de estar
em voga, naquele país, a técnica do crédito financeiro. Para
questões atuais de direito tributário, v. 4. São Paulo : Dialética, 2000, p. 11. O
Professor JOSÉ ROBERTO VIEIRA já havia defendido esta posição no XVIII
Congresso Brasileiro de Direito Tributário, realizado entre 27 e 29 de outubro de
2004, ocasião na qual, sobre a questão, sustentou: “Eu diria que se trata
simplesmente do imposto ‘relativo’ à operação anterior; o imposto – dizia o
professor Ataliba – ‘potencialmente cabível’” – Revista de direito tributário, v. 92,
p. 201. Este parece, também, ser o entendimento de MÁRCIO SEVERO
MARQUES, para o qual “...realizada – e devidamente documentada – a operação
anterior, nasce para o contribuinte adquirente de produtos industrializados o direito
ao crédito do IPI ‘correspondente’ ou ‘relativo’ às operações anteriores”. - IPI e
alíquota zero: não-cumulatividade e direito ao crédito na isenção. In: SCHOUERI,
Luís Eduardo (Coord.). Direito tributário: homenagem a Paulo de Barros Carvalho.
São Paulo : Quartier Latin, 2008, p. 377 18 Crédito de IPI relativo a operações anteriores beneficiadas: maiô completo ou
completa nudez, p. 724.
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apreendermos os contornos de ambas as técnicas, mostra-se
importante a transcrição da síntese de PAULO DE BARROS
CARVALHO:
a técnica do crédito físico [...] se
consubstancia no seguinte: tudo o que entrar na
composição do produto, tudo o que integrar
fisicamente o produto é passível de crédito do
imposto, isto é, as matérias-primas, produtos
intermediários e materiais de embalagens que
integrarem o produto ou que se consumirem no
processo de industrialização. Em contraposição a
isso, existe a técnica do crédito financeiro. Tudo o
que o industrial ou quem lhe seja equiparado utilize
direta ou indiretamente para a fabricação do
produto é passível de crédito. O industrial compra
uma máquina, os papéis de seu escritório, o
material que ele compra, as ferramentas, mesmo
que não se consumam no processo de
industrialização, tudo é passível de crédito porque
diz respeito, senão direta, mas indiretamente à
fabricação do produto.19
Observemos que o artigo 49 do Código Tributário
Nacional faz menção a produtos entrados no estabelecimento.
Eis seu teor: “O imposto é não-cumulativo, dispondo a lei de
forma que o montante devido resulte da diferença a maior, em
determinado período, entre o imposto referente aos produtos
saídos do estabelecimento e o pago relativamente aos produtos
nele entrados”.
Além disso, mesmo tendo havido revogação tácita do
artigo 25 da Lei nº 4.502/64, pelo artigo 49 acima transcrito,
não é demais examiná-lo com escopo didático. Prescreve o
artigo 25 da Lei nº 4.502/64:
19 Imposto sobre Produtos Industrializados. In: BOTTALLO, Eduardo Domingos
(Coord.). Curso de direito empresarial, p. 144.
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Art. 25. A importância a recolher será o
montante do impôsto relativo aos produtos saídos
do estabelecimento, em cada mês, diminuído do
montante do impôsto relativo aos produtos nêle
entrados, no mesmo período, obedecidas as
especificações e normas que o regulamento
estabelecer.
§ 1º. O direito de dedução só é aplicável aos
casos em que os produtos entrados se destinem à
comercialização, industrialização ou
acondicionamento, e desde que os mesmos
produtos ou os que resultem do processo industrial
sejam tributados na saída do estabelecimento. (sic)
Observemos que a leitura do parágrafo 1º do artigo 25
conduz à conclusão de que a dedução só terá lugar nos casos
em que os produtos forem consumidos no processo de
industrialização. Entretanto, aqueles que se destinem à
comercialização ou acondicionamento também ensejam
dedução. E essa conclusão é corroborada pelo Supremo
Tribunal Federal, que, em mais de uma oportunidade,
posicionou-se no sentido de que a aquisição de bens para
integrar o ativo fixo dos estabelecimentos industriais não gera
direito a crédito. Observemos o teor do julgamento do Agravo
Regimental, no Recurso Extraordinário nº 531.263-1, em cuja
ementa consta que “Não implica crédito para compensação
com o montante do imposto devido, nas operações ou
prestações seguintes, a entrada de bens destinados a consumo
ou a integração no ativo fixo do estabelecimento. Se não há
saída do bem, ainda que na qualidade de componente de
produto industrializado, não há falar-se em cumulatividade
tributária”.20
.
Esse julgamento, que serve de precedente para outros
20 Supremo Tribunal Federal, Ag no RExt nº 531.263-1/PR, rel. Min. EROS
ROBERTO GRAU, disponível em http://www.stf.jus.br, acesso em 11.dez.2009.
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julgados, buscou seu fundamento em outros precedentes do
Supremo Tribunal Federal, que inadmitiam o creditamento de
ICMS pela aquisição de bens destinados ao ativo fixo do
estabelecimento.21
5. A NÃO-CUMULATIVIDADE E A AQUISIÇÃO DE
INSUMOS ISENTOS, SUJEITOS À ALÍQUOTA ZERO,
IMUNES OU NÃO-TRIBUTADOS.
Firmemos a premissa de que a corrente sobre o fenômeno
da isenção tributária à qual nos filiamos é a de PAULO DE
BARROS CARVALHO, segundo o qual a isenção se trata de
uma regra de estrutura que tem por escopo mutilar
parcialmente um dos critérios da hipótese ou uma das
determinações do conseqüente.22
Compartilhamos, portanto, da
opinião de que a alíquota zero nada mais é do que uma forma
de isenção, na esteira dos ensinamentos de PAULO DE
21 Supremo Tribunal Federal, ED no RExt nº 593.772-1/SC, rel. Min. CELSO DE
MELLO, disponível em http://www.stf.jus.br, acesso em 11.dez.2009; e Supremo
Tribunal Federal, AI nº 460.422-AgR/RS, rel. Min. CELSO DE MELLO, disponível
em http://www.stf.jus.br, acesso em 11.dez.2009. 22 A doutrina costuma utilizar a expressão critério quantitativo para se referir aos
elementos utilizados para individualizar o valor da prestação a ser cumprida pelo
sujeito passivo. Essa expressão é rechaçada por MARÇAL JUSTEN FILHO
afirmando ser ela “...terminologia inadequada cientificamente”. Prefere, o ex-
professor da UFPR, a expressão determinação objetiva que, em seu entender,
“...consiste na imposição de uma conduta, devida pelo sujeito passivo em benefício
do ativo”, que poderá ser um dar, um fazer, ou um não-fazer – O imposto sobre
serviços na Constituição. São Paulo: RT, 1985, p. 53. E aqui também se encontram
os componentes que, conjugados, permitem a individualização da prestação
pecuniária, objeto da relação jurídica tributária, que deverá ser exigida pelo sujeito
ativo em face do sujeito passivo. PAULO DE BARROS CARVALHO, referindo-se
não a determinação objetiva, mas a critério quantitativo afirma que ele “...nos fala
do objeto da prestação que, no caso da regra-matriz de incidência tributária, se
consubstancia na base de cálculo e na alíquota. É no critério quantitativo que
encontraremos referências às grandezas mediante as quais o legislador pretendeu
dimensionar o fato jurídico tributário, para efeito de definir a quantia a ser paga pelo
sujeito passivo, a título de tributo”. – Curso de direito tributário, 19. ed. São Paulo:
Saraiva, 2007 p. 314. Esses componentes são a base de cálculo e a alíquota.
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BARROS CARVALHO, acompanhados por EDUARDO
DOMINGOS BOTTALLO e AIRES FERNANDINO
BARRETO, na qual ocorre a mutilação parcial da
determinação objetiva da regra-matriz de incidência tributária,
no ponto da alíquota.23
De saída, é possível afirmarmos, com o Professor da USP
e da PUC-SP, que, por ser a regra de isenção dirigida à
mutilação da regra-matriz de incidência tributária, aquela não
alcançará a regra-matriz de direito ao crédito.24
Na verdade, o fato de uma das operações da cadeia ser
isenta não gera nenhuma conseqüência para o direito ao
crédito. Observemos que, se o vocábulo cobrado, presente no
enunciado constitucional, fosse interpretado literalmente, nos
casos de isenção, não haveria direito a crédito e, em razão
disso, tanto a isenção quanto a Não-cumulatividade cairiam por
terra.25
Retomemos, aqui, as lições de HUGO DE BRITO
MACHADO – seguidas por PAULO DE BARROS
CARVALHO, JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES, EDUARDO
DOMINGOS BOTTALLO e JOSÉ ROBERTO VIEIRA –
segundo as quais, se a isenção inibir o direito ao crédito, nos
tributos não-cumulativos, de isenção não se tratará, e sim de
mero diferimento.26
23 P. B. CARVALHO, Curso de direito tributário, p. 521-530; E. D. BOTTALLO,
IPI: princípios e estrutura, p. 56; e A. F. BARRETO, Base de cálculo, alíquota e
princípios constitucionais. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 76. 24 Isenções tributárias do IPI, em face do Princípio da Não-Cumulatividade, p. 157. 25 Afirma PAULO DE BARROS CARVALHO que isenção e não-cumulatividade
“...anular-se-iam reciprocamente, de modo que, ao final, não remanesceria nem o
direito à isenção, nem o direito ao crédito” – Isenções tributárias do IPI, em face do
Princípio da Não-Cumulatividade, p.159. 26 P. B. CARVALHO, Isenções tributárias do IPI, em face do Princípio da Não-
Cumulatividade, p. 158-159; J. S. M. BORGES, Teoria geral da isenção tributária.
3. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 348; E. D. BOTTALLO, Créditos de IPI
relativos à industrialização de produtos mediante o emprego de produtos isentos ou
sujeitos a alíquota zero, p. 12; e J. R. VIEIRA, Crédito de IPI relativo a operações
anteriores beneficiadas: maiô completo ou completa nudez, p. 729.
RIDB, Ano 1 (2012), nº 9 | 5717
Diz HUGO DE BRITO MACHADO que “Pode parecer
que não tendo sido cobrado o IPI na operação anterior, em face
da isenção, inexistiria o direito ao crédito. Tal entendimento,
porém, levaria à supressão pura e simples das isenções, que
restaram convertidas em meros diferimentos de incidência.27
Mais enfáticas são as palavras confiáveis de JOSÉ
SOUTO MAIOR BORGES, para quem “Isenção de impostos
não-cumulativos sem creditamento vale tanto quando
inexistência de isenção”.28
Observemos o seguinte exemplo. Numa cadeia produtiva
em que todos os produtos que a integram sejam tributados à
alíquota de 10%, e que, num dos elos da cadeia haja uma
isenção. Imaginemos que “A” vende insumos a “B” por R$
100,00 (cem reais). Sobre esse valor terá que pagar R$ 10,00
(dez reais) de imposto. E “B” terá direito a um crédito de R$
10,00 (dez reais). Na operação seguinte, que é isenta, “B”
vende produto para “C” por R$ 200,00 (duzentos reais). Nesse
caso “B” não recolherá nada a título de imposto, na medida em
que a operação é isenta. Isso não quer dizer, entretanto, que
“C” não se poderá creditar de R$ 20,00 (vinte reais). Por fim,
“C” vende o produto por R$ 300,00 (trezentos reais). Deverá
R$ 30,00 (trinta reais) a título de imposto, que serão pagos com
o crédito de R$ 20,00 (vinte reais) somado a R$ 10,00 (dez
reais) pagos em pecúnia.
Nesse exemplo, a Não-cumulatividade foi respeitada,
como também o foi a isenção. Se não houvesse como “C” se
creditar dos R$ 20,00 (vinte reais) relativos à compra de
insumos de “B”, o valor de imposto por ele suportado não seria
27 Isenção e não-cumulatividade do IPI., p. 31. É bem verdade que HUGO DE
BRITO MACHADO parece ter modificado seu pensar, como percebemos da leitura
de artigo mais recente de sua autoria – Crédito do IPI na aquisição de insumos
isentos e não tributados ou imunes. In: VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA
(COORD.). Grandes questões atuais de direito tributário, v. 10. São Paulo :
Dialética, 2006, p. 201-217. 28 Teoria geral da isenção tributária, p.344.
5718 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 9
relativo tão-somente à operação por ele realizada, mas também
relativo à operação isenta. A isenção tornar-se-ia diferimento e
a Não-cumulatividade daria lugar à cumulatividade. Nesses
casos, o IPI passaria a ser um imposto sobre o valor acumulado
– o valor anterior mais o valor agregado –, como ensina JOSÉ
ROBERTO VIEIRA.29
Aqui, parece-nos ser o local para explicarmos o novel
entendimento de HUGO DE BRITO MACHADO. Segundo o
autor, somente haveria manutenção do crédito do IPI, relativo a
aquisições de insumos isentos, não tributados, tributados à
alíquota zero ou imunes, caso a desoneração decorra de política
de incentivo, com o “...objetivo de propiciar ao isento uma
vantagem relativamente aos demais contribuintes do imposto
que sejam seus concorrentes”.30
E mais. Afastando-se da ciência do direito em sentido
estrito, e aproximando-se da política do direito, na medida em
que considera os motivos pelos quais a isenção foi concedida,
HUGO DE BRITO MACHADO afirma:
quando cogitamos aqui das espécies de
isenção, queremos apenas indicar que o direito ao
crédito existe somente quando se trata de isenção
concedida como incentivo, que exige seja mantida
a distinção do beneficiário em razão do que tenha
motivado a isenção, para que a vantagem que esta
propicia para o isento não termine anulada com a
não-garantia do crédito respectivo.
[...]
Em princípio, nos casos de aquisição de
insumos com alíquota zero, não tributados ou
imunes, não existe direito a crédito fundado na não-
29 Crédito de IPI relativo a operações anteriores beneficiadas: maiô completo ou
completa nudez, p. 726. 30 Crédito do IPI na aquisição de insumos isentos e não tributados ou imunes, p.
210-211.
RIDB, Ano 1 (2012), nº 9 | 5719
cumulatividade.31
Feita a menção à posição divergente, voltemos.
E outros argumentos há para que se afaste
definitivamente o entendimento de que aquisições de insumos
isentos – e dos beneficiados em geral – não geram direito ao
crédito. É bem verdade que se chegou a cogitar, na doutrina e
nos Tribunais, da possibilidade de se estender o entendimento
relativo à Não-cumulatividade do ICMS ao IPI. Entretanto,
uma análise meramente sintática demonstrará que as diferenças
são gritantes e desautorizam tal conclusão. No que concerne à
Não-cumulatividade do ICMS, prescreve a Constituição
Federal:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito
Federal instituir imposto sobre:
[...]
II – operações relativas à circulação de
mercadorias e sobre prestações de serviços de
transporte interestadual e intermunicipal e de
comunicação, ainda que as operações se iniciem no
exterior;
[...]
§ 2º. O imposto previsto no inciso II atenderá
ao seguinte:
I – será não-cumulativo, compensando-se o
que for devido em cada operação relativa à
circulação de mercadorias ou prestação de serviços
com o montante cobrado nas anteriores pelo
mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;
II – a isenção ou a não-incidência, salvo
determinação em contrário da legislação:
a) não implicará crédito para compensação
com o montante devido nas operações ou
prestações seguintes;
31 Crédito do IPI na aquisição de insumos isentos e não tributados ou imunes, p. 211.
5720 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 9
b) acarretará a anulação do crédito relativo às
operações anteriores;
Lembremo-nos que, no que respeita ao IPI, a disciplina
da Não-cumulatividade é completamente diversa, limitando-se
a Constituição a prescrever, em seu artigo 153, § 3º, II, que
será ele “...não-cumulativo, compensando-se o que for devido
em cada operação com o montante cobrado nas anteriores”.
Como bem ressalta JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES, “A
Constituição Federal vai a pormenores na estruturação da
incumulatividade do ICMS [...], que não encontram
correspondência no IPI” e, ainda, que “Nenhuma das restrições
constitucionais às isenções do ICMS tem algo a ver com as do
IPI”.32
Ora, não há, para o IPI, a imposição dos obstáculos
existentes para o ICMS. É correta, portanto, a expressão
utilizada por JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO: a de que
no IPI é “...pleno o direito a crédito...”. Não bastasse isso,
outros argumentos há que afastam, de forma firme, a
possibilidade de estender as prescrições relativas ao ICMS à
Não-cumulatividade do IPI.33
32 Teoria Geral da isenção tributária, p. 342-343. No mesmo sentido: HERON
ARZUA, para quem “...ao contrário do ICMS, não há qualquer restrição no Texto
Constitucional ao aproveitamento integral dos créditos” – Revista de direito
tributário. v. 64. São Paulo : Malheiros, s/d, p. 260. 33 J. E. S. DE MELO, Crédito de IPI. Não-cumulatividade. Aquisições de
insumos.Utilização em produtos industrializados e os distintos efeitos do IPI.
(Alíquota zero, alíquotas específicas e não-tributado), p. 203. EDUARDO
DOMINGOS BOTTALLO, por exemplo, compartilha do mesmo entendimento. Diz
ele: “...o já analisado preceito do art. 153, § 3º, II, assegura o direito ao crédito de
IPI relativo ao montante cobrado nas operações anteriores, inclusive quando isentas
ou sujeitas à alíquota zero, exatamente porque não ressalva, de modo restritivo, estas
situações, ao contrário do que acontece com o ICMS, que, quanto a este aspecto,
submete-se a vedação expressa no texto constitucional (art. 155, § 2º, II)” – Créditos
de IPI relativos à industrialização de produtos mediante o emprego de produtos
isentos ou sujeitos a alíquota zero, p. 12. No mesmo sentido caminha MÁRCIO
SEVERO MARQUES – IPI e alíquota zero: não-cumulatividade e direito ao crédito
na isenção. In: SCHOUERI, Luís Eduardo (Coord.). Direito tributário: homenagem
a Paulo de Barros Carvalho. São Paulo : Quartier Latin, 2008, p. 370-372.
RIDB, Ano 1 (2012), nº 9 | 5721
PAULO DE BARROS CARVALHO, por exemplo, faz
uma retomada histórica, para explicar as origens da peculiar
disciplina da Não-cumulatividade no que tange ao ICMS. Faz a
análise, ainda que breve, da “...sensível modificação...” pela
qual passou o ICMS, para utilizar os termos de JOSÉ
EDUARDO SOARES DE MELO e LUIZ FRANCISCO
LIPPO.34
Diz o Professor da USP e da PUC-SP:
Tenho para mim que a exegese que estende a
restrição do ICMS para o IPI não encontra suporte
na concepção sistemática de nosso direito positivo.
Contudo, não bastasse esse pensamento e uma
lembrança de cunho histórico pode clarear nossa
mente: antes da Emenda Constitucional nº 23, de
01/12/83, o art. 23, II, não previa o impedimento
atual do direito ao crédito, relativo à isenção para o
ICM. A introdução do limite constitucional à não-
cumulatividade e à isenção do ICMS, teve por
finalidade evitar a denominada “guerra fiscal”,
isto é, a disputa entre os Estados, considerada pelo
Constituinte de 1988 como prejudicial às Fazendas
Estaduais. Ora, por certo que o mesmo não ocorre
com o IPI, que é tributo federal.35
Mas não só o argumento histórico é utilizado por
PAULO DE BARROS CARVALHO. Outro, de maior peso, é 34 A não-cumulatividade tributária (ICMS, IPI, ISS, PIS, Cofins), p. 112. 35 Isenções tributárias do IPI, em face do Princípio da Não-Cumulatividade, p. 162-
163. Ao comentar o surgimento da mencionada emenda constitucional, SACHA
CALMON NAVARRO COÊLHO diz: “Os Estados-membros, insatisfeitos com a
jurisprudência mansa e pacífica do STF que concedia o crédito do ICM ao
adquirente de mercadorias ou matérias-primas isentas, patrocinaram a Emenda
Constitucional nº 23, de 1º.12.83 (Emenda Passos Porto) que alterou, mas apenas em
relação ao ICM, um dos impostos sobre o valor adicionado no Brasil, a disciplina
constitucional do princípio da não-cumulatividade” – Imposto sobre Produtos
Industrializados e o direito à compensação de créditos presumidos. In VALDIR DE
OLIVEIRA ROCHA (COORD.). Grandes questões atuais de direito tributário. v. 2.
São Paulo : Dialética, 1998, p. 290.
5722 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 9
o que parte dos chamados princípios ontológicos aplicáveis ao
Direito Privado e ao Direito Público. Àquele, a idéia de que
“tudo o que não estiver expressamente proibido será
permitido”; e a este, a noção de que “tudo o que não estiver
expressamente permitido, será proibido”.36
Este também é o entendimento de JOSÉ SOUTO
MAIOR BORGES, que, ao tratar das isenções do IPI, afirma
que neste particular vale a regra de que “...o que não está
juridicamente proibido, está juridicamente autorizado”.37
Pois bem. PAULO DE BARROS CARVALHO formula
questionamento que sacramenta a questão: “onde está a
autorização expressa para vedar a isenção, no caso do IPI?” A
sua resposta não pode ser outra que não a de que essa
autorização simplesmente não existe, não havendo, portanto,
que se falar em impossibilidade de nascimento de crédito
decorrente de aquisição de insumos isentos.38
Essa diferença entre a disciplina da Não-cumulatividade
no ICMS e no IPI foi percebida também por JOSÉ ROBERTO
VIEIRA, por EDUARDO DOMINGOS BOTTALLO, por
JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO e LUIZ FRANCISCO
LIPPO e por ANDRÉ DE SOUZA DANTAS ELALI39
36 Imposto sobre Produtos Industrializados e o direito à compensação de créditos
presumidos. In VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA (COORD.). Grandes questões
atuais de direito tributário, p. 163. 37 Teoria geral da isenção tributária, p. 350. 38 Isenções tributárias do IPI, em face do Princípio da Não-Cumulatividade, op. cit.,
p. 163. 39 J. R. VIEIRA, Crédito de IPI relativo a operações anteriores beneficiadas: maiô
completo ou completa nudez, p. 730-732 ; “...o art. 153, parágrafo 3º, II, da CF
assegura o direito ao crédito de IPI dos valores relativos às operações anteriores,
inclusive quando isentas, exatamente porque não ressalva, de modo restritivo, estas
situações, ao contrário do que acontece com o ICMS, que, quanto a este aspecto,
está submetido à vedação expressa pelo texto constitucional (art. 155, parágrafo 2º,
II)” – E. D. BOTTALLO, IPI: princípios e estrutura, p. 42; J. E. S. DE MELO e F.
LIPPO, A não-cumulatividade tributária (ICMS, IPI, ISS, PIS, Cofins), p. 99; J. E.
S. DE MELO, IPI – crédito nas entradas de bens desonerados do imposto. A
aplicação do princípio da não-cumulatividade, p. 198; e A. ELALI, IPI: aspectos
práticos e teóricos. Curitiba: Juruá, 2006, p. 90.
RIDB, Ano 1 (2012), nº 9 | 5723
Lembra, ainda, JOSÉ ROBERTO VIEIRA, que o direito
ao crédito decorrente da Não-cumulatividade do IPI desfruta de
estatura constitucional, estando, portanto, a salvo dos ataques
do legislador infraconstitucional. Conclusão na qual o
acompanha EDUARDO DOMINGOS BOTTALLO, ao afirmar
que “...o preceito que a consagra não pode ter seu alcance
restringido ou afastado, seja por normas infraconstitucionais,
seja por mero labor exegético”.40
Por fim, devemos mencionar o argumento utilizado por
JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES, de que não garantir a
manutenção dos créditos de IPI, decorrentes da aquisição de
insumos isentos, fere o Princípio da Igualdade – na medida em
que contribuintes na mesma situação estarão sujeitos a
tratamentos distintos – e, até mesmo, o Princípio da Livre
Concorrência. Em suas palavras:
Ocorrendo isenção, abater-se-á o IPI não
porque ele tenha sido pago na etapa antecedente,
mas porque o adquirente não deverá suportá-lo
sobre valor acumulado, em desigualdade de
condições com os demais contribuintes (CF, art.
150, II) como decorrência de ato de liberalidade
estatal, a que não deu causa. E não se contraponha
a essa conclusão que, sendo o IPI imposto
‘indireto’, quem suporta o ônus econômico, pelo
mecanismo da repercussão, é o contribuinte de fato. 40 J. R. VIEIRA, Crédito de IPI relativo a operações anteriores beneficiadas: maiô
completo ou completa nudez, p. 732; e E. D. BOTTALLO, Créditos de IPI relativos
à industrialização de produtos mediante o emprego de produtos isentos ou sujeitos a
alíquota zero, p. 10-11 e do mesmo autor IPI: princípios e estrutura, p. 34. Este
também é o entendimento de JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO, para quem
“Relativamente ao IPI, a aplicação do princípio decorre de expressa e exclusiva
determinação constitucional, em razão do que quaisquer normas infra
constitucionais não poderão estabelecer restrições, ou entraves de qualquer natureza
à sua operacionalidade. Inexiste vedação ou regras condicionantes ao
aproveitamento de créditos (inclusive no caso de operações não tributadas)” – IPI –
crédito nas entradas de bens desonerados do imposto. A aplicação do princípio da
não-cumulatividade, p. 195.
5724 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 9
Essa sim, a repercussão, é uma categoria
econômica e que pode verificar-se ou não, no todo
ou em parte, a depender de condições de mercado.
O tratamento jurídico estaria portanto
desuniformizado entre contribuintes do IPI em
situação equivalente. Em certas situações
excepcionais, o industrial que fabricasse produtos
isentos teria de vendê-los com desconto do valor da
isenção desacompanhada de crédito de IPI. Em tais
hipóteses, a acumulação do valor do IPI afetaria até
a livre concorrência entre empresas (CF, art. 170,
IV).41
Pois bem. Firmado o entendimento de que a aquisição de
insumos isentos gera direito ao crédito, é de se questionar a
alíquota aplicável para o cálculo do crédito decorrente dessa
operação.42
Nesse caso, correto é o entendimento de EDUARDO
DOMINGOS BOTTALLO, seguido por JOSÉ ROBERTO
VIEIRA, de que a alíquota a ser empregada deve ser
exatamente a mesma do produto final, em cujo processo
41 Teoria geral da isenção tributária, p. 353. Entendimento este acompanhado por
JOSÉ ROBERTO VIEIRA, como demonstra sua manifestação no XVIII Congresso
Brasileiro de Direito Tributário, realizado entre 27 e 29 de outubro de 2004, na qual
afirmou: “E há, por fim, um terceiro problema, muito bem identificado pelo
professor José Souto Maior Borges, que é o fato de que se todos os contribuintes do
IPI pagam o imposto economicamente sobre o valor agregado, aquele contribuinte
que utiliza insumos isentos da operação anterior acabará pagando o IPI não sobre o
valor agregado, mas – isso, sim – sobre o valor acumulado! Em situação idêntica à
dos demais contribuintes do IPI, este último está sendo tratado, evidentemente, de
forma desigual, e o que resta nitidamente ferido, aqui, é o superior princípio da
igualdade” – Revista de direito tributário, v. 92, p. 202. 42 Em sentido contrário, vide JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO e LEANDRO
PAULSEN: “Mesmo em se tratando de matéria-prima, produto intermediário ou
material de embalagem ensejadores, via de regra, de creditamento, não se tem como
pretendê-lo no caso de a sua entrada não ser onerada pelo IPI, seja por força de
isenção, de alíquota zero, de imunidade ou de simples não-incidência” – Impostos:
federais, estaduais e municipais. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.,
p. 89-90.
RIDB, Ano 1 (2012), nº 9 | 5725
produtivo se empregam os insumos, matérias-primas e
produtos intermediários isentos.43
Em sua visão, solução diferente acarretaria o
locupletamento indevido, quer por parte do contribuinte – nos
casos em que a alíquota utilizada fosse maior que a do produto
acabado – quer do Fisco, na hipótese de a alíquota presumida
ser menor do que aquela do produto final.44
O Supremo Tribunal Federal recebeu bem a posição
doutrinária sobre o tema, como dá notícia o acórdão do
Recurso Extraordinário nº 212.484-2-RS, no qual lemos que
"Não ocorre ofensa à CF (art. 153, § 3º, II) quando o
contribuinte do IPI credita-se do valor do tributo incidente
sobre insumos adquiridos sob o regime de isenção. Recurso
não conhecido”.45
Nesse caso, o primeiro voto, do relator, ministro ILMAR
GALVÃO, enveredou pela impossibilidade de creditamento
nos casos de aquisição de insumos isentos, em decorrência de
43 E. D. BOTTALLO, IPI: princípios e estrutura, p. 44; e J. R. VIEIRA, Crédito de
IPI relativo a operações anteriores beneficiadas: maiô completo ou completa nudez,
p. 735 et. seq. 44 EDUARDO DOMINGOS BOTTALLO, IPI: princípios e estrutura, p. 44. Aqui,
importante mencionarmos a sugestão de JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO,
para quem parece “...possível considerar a alíquota prevista para o produto
industrializado, e daí, então, apurar o valor que os insumos (desonerados de IPI)
representam na sua fabricação mediante a observância de princípios, critérios
(contábeis, financeiros etc.), adequados e devidamente embasados em laudo
elaborado por profissional de capacitação técnica. Sob essa ótica, por exemplo, na
fabricação de equipamento industrial (valor de R$ 1 milhão, com alíquota de 10% de
IPI, correspondendo este a R$ 100 mil), os métodos indicados permitiriam encontrar
o índice (ou grau) de participação do insumo isento de IPI, passando-se à adoção de
um critério de proporcionalidade, apurando o valor que o aludido insumo
representou no montante do IPI relativo ao produto final” – IPI – crédito nas
entradas de bens desonerados do imposto. A aplicação do princípio da não-
cumulatividade, p. 203. 45 Supremo Tribunal Federal, RExt nº 212.484-2-RS, rel. Min. ILMAR GALVÃO,
redator para acórdão: Min. NELSON JOBIM, disponível em http://www.stf.jus.br,
acesso em 11.dez.2009. No mesmo sentido, vide Supremo Tribunal Federal, AgReg
no RExt nº 293.511-5-RS, rel. Min. CELSO DE MELLO, disponível em
http://www.stf.jus.br, acesso em 11.dez.2009.
5726 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 9
uma interpretação meramente literal do dispositivo.46
Foi de fundamental importância o voto do ministro
NELSON JOBIM, que demonstrou o desacerto do caminho
que começava a ser trilhado. Após explicar a sistemática da
Não-cumulatividade e seu escopo, o ministro lançou luz sobre
o fato de que impossibilitar o creditamento transformaria a
isenção em mero diferimento. Além disso, acerta em cheio, ao
dirigir-se aos demais ministros, alertando-os de que não
podem, “...por força da técnica utilizada no Brasil para aplicar
o sistema do tributo sobre o valor agregado não-cumulativo,
torná-lo cumulativo e inviabilizar a concessão de isenções
durante o processo produtivo”. Desbravou o caminho seguido
pelos demais ministros nesse julgamento. O ministro
MAURÍCIO CORRÊA, por exemplo, sustentou que a Não-
cumulatividade do IPI prescinde de qualquer lei para ser
operacionalizada. Segundo seu entender, o artigo 153, § 3º, II,
da Constituição Federal é auto-explicativo e o posicionamento
acerca da possibilidade de creditamento nesses casos é a
interpretação correta. Na mesma linha, andou o ministro
MARCO AURÉLIO. Entretanto, foi além, em seu voto, ao
lembrar que as alterações promovidas pela Emenda nº 23, de 1º
de dezembro de 1983, batizada de “Passos Porto”, à
Constituição Federal de 1967, com a Emenda n. 1/1969,
aplicavam-se apenas ao ICMS, em nada alterando a sistemática
46 São as palavras do Ministro ILMAR GALVÃO: “A compensação só se dá com o
que for cobrado, sendo intuitivo admitir que, se nada foi cobrado na operação
anterior, não haverá lugar para ela. Não importa que o consumidor final não tenha
sido beneficiado pela não-exigência do tributo em uma das etapas do ciclo
econômico, posto que conta, a seu favor, com a garantia da observância do princípio
da não-cumulatividade. Aliás, a isenção na aquisição de matéria prima não visa a
beneficiar o consumidor, visto apenas diferir a incidência do imposto para a
operação de venda do produto acabado, mas, tão-somente, a empresa industrial, na
medida em que a exonera da obrigação de desembolsar, quando da aquisição de
matéria prima, o valor alusivo ao tributo. Justamente porque exonerada dessa
obrigação, fica sem crédito a compensar. [...] No caso sob exame, como resultou
demonstrado nos autos, inexiste autorização legal para o benefício do crédito pelo
imposto presumido, razão pela qual o acórdão não tem condições de subsistir”.
RIDB, Ano 1 (2012), nº 9 | 5727
da não-cumulatividade concernente ao IPI.47
Após a exposição
de suas razões, sintetiza-as em uma frase: “...não podemos
confundir isenção com diferimento, nem agasalhar uma óptica
que importe em reconhecer-se a possibilidade de o Estado dar
com uma das mãos e retirar com a outra”.
Esse também o teor da manifestação do ministro NÉRI
DA SILVEIRA. Em seu entender, “No que concerne ao IPI,
não houve modificação, à vista da Súmula 591. A modificação
que se introduziu, de forma expressa e em contraposição à
jurisprudência assim consolidada do Supremo Tribunal
Federal, quando ao ICM, ocorreu por força da Emenda
Constitucional nº 23, à Lei Maior de 1969, repetida na
Constituição de 1988, mas somente em relação ao ICM,
mantida a mesma redação do dispositivo do regime anterior,
quanto ao IPI”.
Perfeito, até aqui, o entender do Supremo Tribunal
Federal. Fazemos coro com JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES
que, elogiando a decisão, ressaltou que “...seria juridicamente
monstruoso praticasse o Estado uma liberalidade (a isenção) e
um contribuinte, o adquirente do insumo, viesse a ser onerado,
em decorrência dela, por mero capricho exegético, uma
obstinação no erro”. E arremata com precisão: “Isenção com
agravamento da carga tributária, um vexame institucional”.48
47 Disse o ministro MARCO AURÉLIO: “Deu-se a transformação da regra em
exceção, como disse: a isenção ou a não-incidência não implicará crédito – e estou
modificando a ordem das expressões – “não implicará” – é a regra – “crédito de
imposto para abatimento daquele incidente nas operações seguintes, salvo
determinação em contrário da legislação”. O crédito, portanto, tão-somente no
tocante ao ICM, só poderia decorrer de disposição legal. Houve modificação, em si,
quanto ao IPI? Não, o IPI continuou com o mesmo tratamento que conduziu esta
Corte a assentar uma jurisprudência tranqüilíssima no sentido do direito ao crédito.
Não houve mudança. A Emenda Constitucional nº 23 apenas alterou o preceito da
Carta então em vigor que regulava o ICMS. Ora, isenta-se de algo, de início, devido,
e, para não se chegar à inocuidade do benefício, deve haver o crédito, sob pena,
também, de transformarmos a isenção em simples diferimento, apenas projetando no
tempo o recolhimento do tributo”. 48 Teoria geral da isenção tributária, p. 359.
5728 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 9
A doutrina afirma que essa diretriz jurisprudencial pode,
perfeitamente, ser aplicada nos casos de aquisições originárias
da Zona Franca de Manaus, como afirma JOSÉ EDUARDO
SOARES DE MELO.49
A União, entretanto, interpôs o recurso extraordinário n.
592.891-SP que teve, em 22 de outubro de 2010, reconhecida a
repercussão geral da questão constitucional nele ventilada, de
acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que
reconheceu o direito ao aproveitamento de créditos de IPI
decorrentes de aquisições de insumos, matérias-primas e
materiais de embalagem isentos, oriundos da Zona Franca de
Manaus. Fundamentando seu pedido, a União sustenta que “...o
princípio da não-cumulatividade, tal qual previsto no artigo
153, § 3º, II, da Constituição, exige tributo cobrado na
operação anterior, razão pela qual não garante, sem lei que
assim o preveja, o creditamento em casos de aquisição de
insumos não tributados ou tributados à alíquota zero”, devendo
este raciocínio ser aplicado nos casos de aquisições de
49 “Não há maior problema para aplicar a diretriz jurisprudencial (RE 212.484-2) em
consonância com a determinação constitucional (art. 153, § 3º, II), ao se tratar de
aquisições originárias da Zona Franca de Manaus. Nessa situação, o adquirente dos
insumos terá fácil condição de apropriar um específico valor, a título de crédito de
IPI. Basta utilizar a alíquota prevista para o mesmo produto na Tabela de Incidência
prevista na legislação. Como o ordenamento – em regra –, tem estabelecido uma
específica alíquota para as operações (tributadas), realizadas em demais pontos do
território nacional, o adquirente dos insumos isentos nada mais fará do que adotar a
alíquota existente no direito positivo” – J. E. S. DE MELO. Crédito de IPI. Não-
cumulatividade. Aquisições de insumos. Utilização em produtos industrializados e
os distintos efeitos do IPI (Alíquota zero, alíquotas específicas e não-tributado), p.
219. HUGO DE BRITO MACHADO admite a manutenção do crédito do IPI nas
aquisições de insumos advindos da Zona Franca de Manaus. Em suas palavras:
“Negar aos industriais que adquirem insumos produzidos na Zona Franca de
Manaus, e por isto mesmo são isentos do IPI, o direito ao crédito correspondente
anula inteiramente o aludido incentivo fiscal. Será melhor adquirir tais insumos de
produtores situados em outras localidades, submetidos ao imposto. O direito ao
crédito anula o ônus do imposto e o adquirente ganha com frete possivelmente mais
barato. Restará, assim, excluída totalmente a eficácia da norma jurídica isentiva, o
que certamente não é razoável admitir” – Crédito do IPI na aquisição de insumos
isentos e não tributados ou imunes, p. 217.
RIDB, Ano 1 (2012), nº 9 | 5729
insumos, matéria-prima ou material de embalagem isentos
oriundos da Zona Franca de Manaus.
A União afirmou conhecer o teor do julgamento do
Recurso Extraordinário n. 212.484-RS, mas disse que a
Constituição Federal exige a edição de lei para a concessão de
incentivos regionais. O seu interesse, nesse caso, é impedir que
o adquirente de insumos, matérias-primas e materiais de
embalagem isentos, possa se aproveitar dos créditos de IPI
correspondentes.
No que se refere à alíquota-zero, lembremo-nos,
conforme exposto, que firmamos a premissa de que a alíquota
zero nada mais é do que uma regra de isenção que mutila
parcialmente a determinação objetiva [critério quantitativo], na
esteira das lições de PAULO DE BARROS CARVALHO.
Diante disso, nada mais natural do que se manter exatamente o
mesmo entendimento aplicado às isenções, tendo em vista que
esta e a alíquota zero tratam-se, exatamente, da mesma coisa.
Num primeiro momento, foi esse também o
entendimento do Supremo Tribunal Federal. Observe-se, por
exemplo, o Recurso Extraordinário nº 353.668-1-PR, no qual
se firmou o entendimento de que “Se o contribuinte do IPI
pode creditar o valor dos insumos adquiridos sob o regime de
isenção, inexiste razão para deixar de reconhecer-lhe o mesmo
direito na aquisição de insumos favorecidos pela alíquota zero,
pois nada extrema, na prática, as referidas figuras
desonerativas, notadamente quando se trata de aplicar o
princípio da não-cumulatividade. A isenção e a alíquota zero
em um dos elos da cadeia produtiva desapareceriam quando da
operação subseqüente, se não admitido o crédito. Recurso não
conhecido”.50
Por ocasião desse julgamento, o ministro NELSON
JOBIM, após esclarecer que o caso se referia tão-somente à
50 Supremo Tribunal Federal, RExt nº 353.668-1-PR, rel. Min. NELSON JOBIM,
disponível em http://www.stf.jus.br, acesso em 11.dez.2009.
5730 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 9
alíquota zero e a não-tributação, analisou a posição dos
Tribunais Regionais Federais, do Superior Tribunal de Justiça e
do próprio Supremo Tribunal Federal a respeito da relação
entre isenção e alíquota zero, alcançando a conclusão de que,
no concernente ao crédito decorrente do Princípio da Não-
cumulatividade, ambas as figuras em nada se distinguiam.51
Essa também foi a posição manifestada no julgamento do
Recurso Extraordinário nº 350.446-1-PR, do Recurso
Extraordinário nº 357.277-6-RS e do Recurso Extraordinário nº
358.493-6-SC, todos ocorridos em 18 de dezembro de 2002.52
Infelizmente, para utilizarmos as palavras de JOSÉ ROBERTO
VIEIRA, esse posicionamento foi “...objeto de
51 Eis os excertos de seu voto – seguido pelos demais ministros, à exceção de
ILMAR GALVÃO – que confirmam o alegado: “Do ponto de vista jurídico, o
direito ao crédito tributário não pressupõe a incidência da norma tributária. [...] A
isenção e a alíquota-zero têm os mesmos efeitos e como tal devem ser tratadas. [...]
Em ambas as fórmulas, o objetivo é evitar a cumulação. Ora, se esse é o objetivo,
tanto a isenção – como já decidimos – como a alíquota-zero ocorrentes em um elo da
corrente produtiva não podem ser desconhecidas quando da operação subseqüente.
Se não, como disse no RE 212.484, estar-se-ia perante uma hipótese de diferimento
do tributo. [...] Já decidimos que, na hipótese de isenção, há creditamento (RE
212.484). Pergunto: Por que decidiríamos o contrário na hipótese de alíquota-zero,
onde a situação é a mesma? [...] A isenção, a alíquota-zero ou a não-tributação em
um dos elos da cadeia produtiva desapareceriam quando da operação subseqüente,
se não admito o creditamento. Nesta última – a operação subseqüente – recompor-
se-ia todo o tributo, como se isenção, alíquota-zero ou não-tributação não tivesse
ocorrido em algum momento da cadeia produtiva. A recomposição do tributo dar-se-
ia pela incidência da alíquota relativa à operação subseqüente, que atingiria as
operações anteriores isentas, de alíquota-zero ou não tributadas. [...] Fica
demonstrado que a isenção, a alíquota-zero ou não tributação transformar-se-iam em
puro e simples diferimento do tributo. Daí a necessidade de se reconhecer o crédito à
base da alíquota da operação subseqüente. [...] Por tudo que afirmei admito os
créditos pleiteados, tanto nos casos de isenção – não objeto do recurso –, como nos
de tributação à alíquota-zero ou de não-tributação”. 52 Supremo Tribunal Federal, RExt nº 350.4461-PR, rel. Min. NELSON JOBIM,
disponível em http://www.stf.jus.br, acesso em 11.dez.2009; Supremo Tribunal
Federal, RExt nº 357.277-6-RS, rel. Min. NELSON JOBIM, disponível em
http://www.stf.jus.br, acesso em 11.dez.2009; Supremo Tribunal Federal, RExt nº
358.493-6-SC, rel. Min. ILMAR GALVÃO, redator para acórdão Min. NELSON
JOBIM, disponível em http://www.stf.jus.br, acesso em 11.dez.2009.
RIDB, Ano 1 (2012), nº 9 | 5731
reconsideração...”.53
Realmente, o entendimento do Supremo Tribunal Federal
foi radicalmente alterado em 25 de junho de 2007, por ocasião
do julgamento do Recurso Extraordinário nº 353.657-5-PR,
pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, ocasião na qual
entenderam que “Conforme disposto no inciso II do § 3º do
artigo 153 da Constituição Federal, observa-se o princípio da
não-cumulatividade compensando-se o que for devido em cada
operação com o montante cobrado nas anteriores, ante o que
não se pode cogitar de direito a crédito quando o insumo entra
na indústria considerada a alíquota zero”.54
Nesse julgamento, o entendimento esboçado no voto do
ministro relator venceu por apertada maioria de seis votos a
cinco. Foram contundentes as afirmações do ministro MARCO
AURÉLIO DE MELLO, relator do Recurso Extraordinário em
questão. Principalmente ao se considerar que a interpretação
por ele eleita foi a literal, como salta aos olhos quando da
leitura de seu voto.55
53 Ao tratar do tema “IPI – Questões atuais: crédito e anterioridade”, por ocasião do
XVIII Congresso Brasileiro de Direito Tributário, assim manifestou-se JOSÉ
ROBERTO VIEIRA: “Quanto aos créditos do IPI, escolho um tema que, neste
momento, é objeto de reconsideração pelo STF – e, infelizmente, ‘reconsideração’,
pois creio que o entendimento já firmado é o melhor –, que é a possibilidade de
créditos oriundos de operações anteriores beneficiadas” – Revista de direito
tributário, v.92, p. 200-201. 54 Supremo Tribunal Federal, RExt nº 353.657-5-PR, rel. Min. MARCO AURÉLIO,
disponível em http://www.stf.jus.br, acesso em 11.dez.2009. No mesmo sentido,
vide Supremo Tribunal Federal, RExt nº 370.682-9-SC, rel. Min. ILMAR
GALVÃO, rel. para acórdão Min. GILMAR MENDES disponível em
http://www.stf.jus.br, acesso em 11.dez.2009. A alteração foi profunda a ponto de
ser objeto das investigações de MISABEL ABREU MACHADO DERZI em seu
excelente Modificações da jurisprudência no direito tributário. São Paulo : Noeses,
2009, p. 295-308. 55 Não ignoramos o fato de que a transcrição de parte do voto do ministro relator é
cansativa, tanto para quem a transcreve quanto para quem a lê, entretanto, faz-se
necessária, razão pela qual segue: “Presente o instituto da não-cumulação, nota-se,
nos preceitos regedores dos tributos ICMS e IPI, distinção apenas semântica. No
primeiro, ICMS, está autorizada a subtração do montante cobrado na operação
anterior. Em relação ao IPI, compensa-se o que devido em operação anterior. A
5732 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 9
clareza dos textos em exame, a sobreporem-se – ante a rigidez da Constituição e
conseqüente supremacia – à legislação ordinária, não poderia ser maior, valendo
registrar a impertinência de malabarismos interpretativos que acabem por implicar o
desprezo ao sentido vernacular das palavras. Possível é proclamar-se que a não-
cumulatividade pressupõe, salvo previsão contrária da própria Constituição, tributo
devido e recolhido anteriormente, concretude e não ficção relativamente a valor a ser
compensado. Quanto ao ICMS, a Constituição versa ainda sobre as conseqüências
jurídicas de dois outros institutos que nada têm a ver com o princípio da não-
cumulatividade. São eles a isenção e a não-incidência. De forma exaustiva, dispõe a
Carta da República que, em se tratando de ICMS, a isenção ou não-incidência
deságuam, como regra, no afastamento do crédito relativo às operações anteriores.
No caso de ter-se isenção ou não-incidência em certa operação e o tributo na que se
segue, mais uma vez surge a regra da inexistência do crédito sobre o montante
devido nas operações ou prestações seguintes, sendo que, no artigo 175 do Código
Tributário Nacional, constata-se regra linear de exclusão. A exceção – o direito ao
creditamento – há de estar contemplada na legislação. [...] Verifica-se que, em
relação ao IPI, nada foi previsto sob o ângulo do crédito, mesmo em se cuidando de
isenção ou não-incidência. O figurino constitucional apenas revela a preservação do
princípio da não-cumulatividade, ficando o crédito, justamente por isso – e em vista
do conteúdo pedagógico do texto regedor, artigo 153, § 3º, inciso II –, sujeito ao
montante cobrado nas operações anteriores, até porque a alíquota não poderia ser
zero, em termos de arrecadação, inexistindo obrigação tributária e ser “x”, em
termos de crédito. Ante o princípio da razoabilidade, há de ser única. Em outras
palavras, essa compensação, realizada via o creditamento, pressupõe, como
assentado na Carta Federal, o valor levado em conta na operação antecedente, o
valor cobrado pelo fisco. Relembre-se que, de acordo com a previsão constitucional,
a compensação se faz considerando o que foi efetivamente exigido e na proporção
que o foi. Assim, se a hipótese é de não-tributação ou de prática de alíquota zero,
inexiste parâmetro normativo para, à luz do texto constitucional, definir-se, até
mesmo, a quantia a ser compensada. Se o recolhimento anterior do tributo se fez à
base de certo percentual, o resultado da incidência deste – dada a operação efetuada
com alíquota definida de forma específica e a realização que se lhe mostrou própria
– é que há de ser compensado, e não o relativo à alíquota final cuja destinação é
outra. Não fosse a clareza do texto, a necessidade de os preceitos maiores serem
interpretados de maneira integrativa, teleológica e sistemática, atente-se para as
incongruências em face da ilação de que cabe o creditamento em se tratando de não-
tributação ou de alíquota zero. De início, surge perplexidade quanto à alíquota a ser
observada, porquanto, na não-tributação, ela inexiste e, na tributação à alíquota zero,
tem-se absoluta neutralidade, não surgindo, nos dois casos, a definição de qualquer
valor. Determinado o benefício implementado em uma política incentivadora não
pode importar num plus, tornando aquele que, pelo Diploma Maior, é desonerado do
tributo credor do próprio Estado, invertendo-se a posição, em contrariedade ao
sistema adotado. A equação segundo a qual a não-tributação e a alíquota zero
viabilizam creditamento pela alíquota da operação final conflita com a letra do
inciso II do § 3º do artigo 153 da Constituição Federal, que versa sobre a
RIDB, Ano 1 (2012), nº 9 | 5733
compensação do “montante cobrado nas anteriores”, diga-se, nas operações
anteriores. Não tendo sido cobrado nada, absolutamente nada há a ser compensado,
mesmo porque inexistente a alíquota que, incidindo, por exemplo, sobre o valor do
insumo, revelaria a quantia a ser considerada. Tomar de empréstimo a alíquota final
atinente a operação diversa implica ato de criação normativa para o qual o Judiciário
não conta com a indispensável competência. Mais do que isso, a óptica até aqui
prevalecente – em que pese à veemência contrária da voz isolada do Ministro Ilmar
Galvão, afetando inclusive, por ponderação dos integrantes da 1ª Turma, não
obstante o julgamento ocorrido e o escore verificado, outro processo, a versar a
matéria, ao Pleno – colide frontalmente e de modo pernicioso ao extremo,
revertendo valores – fala-se em esqueleto de bilhões de reais – com característica do
tributo, ou seja, a seletividade. Vale dizer que, tanto mais supérfluo o produto final,
quando se impõe alíquota de grandeza superior, maior será o valor objeto de
compensação. Raciocine-se com o que ocorrerá em relação a certos insumos que
servem para fabricação de produtos tidos como essenciais e outros como supérfluos,
a exemplo do que se verifica no campo dos cosméticos e dos remédios. Se o produto
final for de natureza enquadrável no primeiro, haverá creditamento em quantia
maior. [...] Descabe raciocinar com o instituto do diferimento, porque conflitante, no
caso, com a tipologia do tributo em análise, ou seja, do Imposto sobre Produtos
Industrializados. A não-tributação e a alíquota zero são práticas específicas, que
encontram motivação única, em vista do mercado. Em um primeiro passo,
incentivam a atividade industrial, afastando o desembolso de valores e com isso
contribuindo para a manutenção de capital de giro. Estão direcionadas não ao
benefício do contribuinte de fato, daquele que adquire o produto final e acaba
pagando o preço do negócio jurídico com o tributo incluído, mas do adquirente de
certo insumo indispensável à fabricação, que fica, nessa fase, desonerada do tributo.
Concluir que, no caso, sob pena de tratar-se de simples diferimento, cabe o
creditamento sem que antecedido de previsão legal de alíquota para tanto, da
cobrança do tributo, importa estender o benefício a operação diversa daquela a que
está ligado e, mais do que isso, em sobreposição incompatível com a ordem natural
das coisas. Haverá, alfim, o creditamento e a transferência, ao adquirente do produto
industrializado, da totalidade do ônus representado pelo tributo, conforme
parâmetros da norma fiscal, sem abater-se, nessa operação, o pseudocrédito, já que
esse permanecerá na escrituração fiscal de quem de direito, na conta crédito e débito
daquele que se mostra como o contribuinte de direito, embora não arcando, ante a
figura do contribuinte de fato, com o ônus concernente ao tributo. Sob qualquer
ângulo que se examine o pleito dos contribuintes, surgem perplexidades que jamais
poderão ser tidas como simples decorrência do sistema constitucional. Para encerrar
a análise da questão, é de se cotejar a situação daquele que adquire o insumo não-
sujeito a tributação ou com a alíquota zero com a de outro que esteja compelido a
recolher o tributo, embora com alíquota de pequena proporção. Enquanto o primeiro
mostrar-se-á titular de crédito considerada a alíquota final, o segundo, este sim
beneficiário expresso do texto constitucional no que visa a evitar a cumulatividade,
ficará restrito ao valor realmente desembolsado e recolhido. Mostra-se esdrúxulo ter-
se na hipótese de pagamento de tributo que pode variar de 0% a 330%, crédito à
5734 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 9
Aos argumentos levantados pelo ministro MARCO
AURÉLIO, o ministro JOAQUIM BARBOSA somou outro.
Seu entender caminha no sentido de que o crédito em questão
seria presumido e, diante disso, esbarraria na prescrição do
artigo 150, § 6º, da Constituição Federal, que “...constitui um
óbice intransponível [...] na medida em que esse dispositivo
estabelece uma reserva legal, estrita para qualquer tipo de
isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito
presumido...”. GILMAR MENDES, em seu voto-vista, segue o
voto do ministro relator, adicionando às suas razões uma
referente aos reflexos do Princípio da Seletividade na Não-
cumulatividade.56
razão de 1% e, em se tratando de alíquota zero ou de produto não tributado – por
exemplo, no caso do cigarro –, crédito de 330%. Esclareça-se que o teor do artigo 11
da Lei 9.779/99, interpretado à luz da Constituição Federal – descabendo a inversão,
ou seja, como se a norma legal norteasse esta última –, não encerra o direito a
crédito quando a alíquota é zero ou o tributo não incida. Contempla, sim, como está
pedagogicamente no texto, a situação na qual as operação anteriores foram oneradas
com o tributo e a final, a da ponta, não o foi. Então, para que não fique esvaziado em
parte este último benefício, tem-se a consideração do que devido e cobrado
anteriormente. [...] Admito haver votado, quando do julgamento dos Recursos
Extraordinários nº 350.446/PR, 353.668/PR e 357.277/RS, em sentido oposto. A
reflexão sobre o tema levou-se a formar convencimento diverso, afetando este
extraordinário Colegiado, e, então, cumpre-me, como cumpre a todo e qualquer juiz,
evoluir, reconhecida razão à tese inicialmente rechaçada. Digo mesmo que, a
prevalecer a conclusão a que chegou o Colegiado nesses recursos extraordinários,
ter-se-á o esvaziamento do Imposto sobre Produtos Industrializados nos últimos
anos, com passivo da União conflitante com o Diploma da República, já que há de
se presumir que se afastarão, em prejuízo ao incentivo à produção, doravante, os
institutos da não-tributação, longe ficam de gerar crédito, como se tal conclusão não
fosse conseqüência natural das balizas constitucionais hoje existentes e que tornam o
embate fisco-contribuinte equilibrado, sem favorecimento deste ou daquele”. 56 São as palavras do Exmo. Ministro: “...na cadeia industrial, o IPI incide de modo
seletivo. Em tese, poderíamos ter, na cadeia do IPI, três fases iniciais de produção de
bens amplamente essenciais, com alíquotas baixas ou com alíquota zero, e uma
quarta fase relativa a um produto absolutamente supérfluo. Poderia, ainda, haver
uma bifurcação. Após três etapas de produção de bens essenciais, o bem da terceira
etapa poderia servir de insumo para dois produtos, um essencial e outro
absolutamente supérfluo. Sobre tal questão, a Procuradoria da Fazenda trouxe, em
um de seus memoriais, alguns exemplos bastante claros, como é o caso do formol,
insumo beneficiado pela alíquota zero que pode ser utilizado para a produção de três
RIDB, Ano 1 (2012), nº 9 | 5735
Embora tenha mencionado, em seu voto, que há, na visão
do Supremo Tribunal Federal, diferença entre a alíquota zero e
a isenção, sobre esse tópico, passamos a palavra à ministra
ELLEN GRACIE, cuja exposição sobre a distinção, no
entender da Corte Suprema, é clara e objetiva.
Os regimes de isenção e alíquota zero,
embora em sua execução e efeito prático
correspondam a resultado idêntico para o produtos
– qual seja, nenhum centavo de tributo é recolhido
– não são, todavia, sob o prisma jurídico,
assemelháveis. No primeiro caso (isenção) existe
previsão de alíquota positiva para o produto ou
insumo, cujo fabricante fica, porém, isento do
respectivo recolhimento. O fisco abre mão daquele
ingresso, atribuindo ao contribuinte um benefício
fiscal. Isenção, portanto, é, a rigor de técnica,
exclusão de um imposto incidente.
Já com a alíquota zero não urge obrigação de
recolhimento, por outro motivo. A aplicação de
percentual zero sobre o preço do produto ou
insumo resulta em zero, nulo, nihil, nada. Não é
apenas a alíquota que é igual a zero. O resultado de
sua aplicação também o é. O que seria sua
expressão numérica, o montante cobrado, na dicção
constitucional, ou o montante devido, como prefere
a doutrina, também é igual a zero.
[...]
Com base nesses argumento, a primeira bens industriais diferentes: preparado para alisar cabelos, sujeito à alíquota de 20%;
preparado para limpeza de vidros, com alíquota de 10%; e medicamentos diversos,
com alíquota zero. Pergunto: o favorecimento fiscal aos produtos essenciais deve
necessariamente repercutir no produto supérfluo? A resposta, no meu entendimento,
é negativa. Isso desvirtuaria a seletividade do IPI, ao estabelecer um autêntico
subsídio à produção de produto não essencial. [...] O que quero enfatizar é que o
favorecimento da alíquota zero não tem necessariamente que repercutir nas fases
seguintes. Esse não é o comando constitucional”.
5736 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 9
conclusão é a de inexistência de identidade entre as
situações em que ocorre isenção e alíquota zero.
Como a isenção é necessariamente produto de
previsão legal (Constituição Federal, art. 150,
parágrafo 6º), a lei pode autorizar o creditamento
ou a manutenção do crédito que será aquele
correspondente ao valor que resultaria da aplicação
da alíquota fixada para o produto e incidente sobre
o seu valor de venda.
Nas hipóteses de alíquota zero, o percentual é
neutro. Conseqüentemente, sua aplicação – que é a
única possível porque é ela, a alíquota zero,
prevista para aquele produto –, não produzirá efeito
algum, já que qualquer número multiplicado por
zero corresponde a zero. Portanto, nem para onerar
o produtor, com obrigação de recolhimento, nem,
para beneficiá-lo, sob a forma de creditamento ou
de manutenção de crédito, tal alíquota terá o menor
efeito.
Esse posicionamento não passou incólume às corretas
críticas de EDUARDO BOTTALLO, para quem o Supremo
Tribunal Federal, no caso do IPI, acabou por reformar a
disciplina da Não-cumulatividade por mero exercício
interpretativo, o que, no caso do ICMS, deu-se por meio de
emenda constitucional!57
É mais que evidente que, se a Constituição
expressamente vedou o crédito de ICMS nos casos de isenção e
de não-incidência, como prescreve o artigo 155, § 2º, I, e não o
fez no que se refere ao IPI, a isenção e a não-incidência não
57 “Como visto, no caso do ICMS (à época ICM) foi necessário que uma intervenção
direta na Constituição (a Emenda ´Passos Porto’, depois incorporada ao texto de
1988) limitasse o direito de crédito em razão da não-tributação de operações
anteriores. Todavia, em relação ao IPI, tão inafastável exigência foi ‘dispensada’ e a
restrição vingou por obra de mero exercício exegético ao qual certamente se somou
o peso de interesses meramente arrecadatórios” – IPI: princípios e estrutura, p. 47.
RIDB, Ano 1 (2012), nº 9 | 5737
terá aqui o mesmo efeito.
De qualquer forma, o posicionamento do Supremo
Tribunal Federal ainda “evoluiu”. Percebemos da leitura da
ementa do Agravo Regimental, no Recurso Extraordinário nº
430.720-1-RJ, julgado em 03 de fevereiro de 2009, que o
Supremo Tribunal Federal tem por definitivamente superado o
entendimento firmado por ocasião do Recurso Extraordinário
nº 212.484, anteriormente mencionado. O Agravo Regimental
está assim ementado:
RECURSO. Extraordinário.
Inadmissibilidade. Imposto sobre Produtos
Industrializados – IPI. Diferença entre alíquotas
reduzidas, incidentes na aquisição de matéria
prima e insumos, e a aplicada na saída de bens
industrializados. Compensação de créditos.
Impossibilidade. Direito inexistente. Mudança de
orientação da Corte a partir do julgamento dos
REs nº 370.682 e nº 353.657. Superação da tese
adotada no RE nº 212.484. Recurso não provido.
Agravo regimental improvido. Precedentes. Se a
desoneração total do IPI – não tributação ou
alíquota zero – que, nas entradas, provoca, para
efeitos quantitativos, diferença máxima entre as
condição numérico-tributária e as alíquotas de
saída, não autoriza que o contribuinte se credite, é
evidente que, produzindo diferenças menores, a
desoneração parcial não pode, por maior razão,
gerar-lhe direito de crédito.58
Mas foi por ocasião do julgamento dos Embargos de
Declaração, no Recurso Extraordinário nº 488.357-1-PR, em
18 de agosto de 2009, que o Supremo Tribunal Federal de vez
estendeu o entendimento anteriormente aplicável apenas aos
58 Supremo Tribunal Federal, Ag no RExt nº 430.720-1-RJ, rel. Min. CEZAR
PELUSO, disponível em http://www.stf.jus.br, acesso em 11.dez.2009.
5738 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 9
casos de alíquota zero e de não-tributação, também aos casos
de aquisição de produtos isentos.
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONVERSÃO
EM AGRAVO REGIMENTAL. IPI.
AQUISIÇÕES ISENTAS. INEXISTÊNCIA DE
DIREITO AOS CRÉDITOS. DECISÃO COM
FUNDAMENTO EM PRECEDENTES DO
PLENÁRIO. TRÂNSITO EM JULGADO.
DESNECESSIDADE.
1. Embargos de declaração recebidos como
agravo regimental, consoante iterativa
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
2. A decisão recorrida está em consonância
com a jurisprudência do Plenário desta Corte (RE
370.682/SC e RE 353.657/RS), no sentido de que
não há direito à utilização dos créditos do IPI no
que tange às aquisições isentas, cujo entendimento
afastou a tese adotada no RE 212.484/RS.
3. Desnecessidade do trânsito em julgado dos
precedentes em que se apoiou a decisão agravada.
4. Agravo regimental improvido.59
Em seu voto, a ministra ELLEN GRACIE é direta e
objetiva, limitando-se a afirmar: “A decisão proferida pelo meu
antecessor, Ministro Gilmar Mendes, deve ser mantida, porque
está em harmonia com a orientação firmada pelo Supremo
Tribunal Federal, nos precedentes citados [...], no sentido de
que não há direito à utilização dos créditos do IPI no que tange
a aquisições isentas”.
No concernente à temática dos produtos não tributados,
discordamos do entender manifestado pelo ministro CEZAR
59 Supremo Tribunal Federal, Emb. Dec. no RExt nº 488.357-1-PR, rel. Min.
ELLEN GRACIE, disponível em http://www.stf.jus.br, acesso em 11.dez.2009.
RIDB, Ano 1 (2012), nº 9 | 5739
PELUSO, por ocasião do julgamento do Recurso
Extraordinário nº 353.657-PR, na medida em que esse
entendimento transforma o IPI, nesses casos, em imposto
cumulativo.60
Alertamos que, o entendimento relativo aos produtos
não-tributados, aplica-se aos casos de imunidade. Ressalte-se
que a matéria – possibilidade de creditamento do IPI
decorrente da aquisição de insumos isentos, não-tributados ou
sujeitos à alíquota zero – será, novamente, analisada pelo
Plenário do Supremo Tribunal Federal. Em 14 de novembro de
2008, reconheceu-se a repercussão geral da questão
constitucional suscitada no Recurso Extraordinário nº 590.809-
RS – publicada em 12 de março de 2009 –, cujo relator é o
Ministro MARCO AURÉLIO.61
Aguardamos, apreensivos, o resultado do julgamento do
60 “Em relação aos produtos “não tributados”, embora o resultado prático seja o
mesmo (=não pagamento do tributo), cumpre identificar e distinguir três situações
teóricas possíveis: i) produtos não tributados (N/T) por ausência de competência
tributária (Imunidade ou ausência de competência por exclusão lógico-residual da
norma atributiva); ii) produtos não tributados (N/T) por não estarem incluídos na lei
que fixa o âmbito de incidência, mas estarem incluídos no da competência; iii)
produtos não tributados (N/T) por expressa disposição legal (dentro do âmbito de
competência e dentro do âmbito de incidência). Estas duas últimas situações (ii e iii)
equiparam-se às da isenção e da alíquota zero por subtraírem à regra-matriz de
incidência determinado aspecto, no caso, o material (o fato gerador), podendo ser
adotadas pelo Poder Legislativo como instrumento de política fiscal. Por estarem no
âmbito de competência do tributo, permitem a incidência da norma da não-
cumulatividade e autorizam o contribuinte a creditar-se do valor relativo à aquisição
de produto, atendendo à finalidade inerente à mesma norma. Já em relação ao
primeiro exemplo (não tributação por ausência de competência), a regra da não-
cumulatividade não enseja direito a crédito, porque alheio ao ciclo econômico
tomado como pressuposto de fato do imposto (não se trata de produto
industrializado). Não há direito a crédito, porque se cuida de bem (mercadoria ou
produto) que não pertence ao universo factual pressuposto à disciplina do Imposto
sobre Produtos Industrializados”. 61 O mencionado Recurso Extraordinário foi interposto em face de acórdão do
Tribunal Regional Federal da 4ª Região que julgou procedente pedido formulado em
ação rescisória proposta pela União contra julgado que havia reconhecido o direito
do contribuinte em creditar-se do IPI relativo à aquisição de insumos isentos, não-
tributados e sujeitos à alíquota zero.
5740 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 9
mencionado recurso, que se encontra concluso ao Exmo.
Ministro Relator desde o mês de janeiro de 2011, torcendo para
que os Ministros do Supremo Tribunal Federal voltem seus
olhos e ouvidos para as corretas manifestações que ecoam da
doutrina e sejam por elas influenciados.
6. A NÃO-CUMULATIVIDADE E OS PRODUTOS CUJAS
SAÍDAS SÃO ISENTAS, TRIBUTADAS À ALÍQUOTA
ZERO OU NÃO TRIBUTADAS. CONSIDERAÇÕES
ACERCA DO ARTIGO 11 DA LEI Nº 9.779, DE 19 DE
JANEIRO DE 1999.
A Lei nº 4.502/64 trazia, em seu artigo 25, § 3º, a
disciplina acerca dos créditos, nos casos de entradas tributadas
e saídas desoneradas. Em sua última redação – dada pelo
Decreto-Lei nº 2.470, de 1º de setembro de 1988 – anterior à
Constituição Federal de 1988, prescrevia o mencionado § 3º:
§ 3º. O Regulamento disporá sobre a
anulação do crédito ou o restabelecimento do
débito correspondente ao imposto deduzido, nos
casos em que os produtos adquiridos saiam do
estabelecimento com isenção do tributo ou os
resultantes da industrialização estejam sujeitos à
alíquota zero, não estejam tributados ou gozem de
isenção, ainda que esta seja decorrente de uma
operação no mercado interno equiparada à
exportação, ressalvados os casos expressamente
contemplados em lei.
Pois bem. Esse parágrafo 3º do artigo 25 da Lei nº
4.502/64 não foi recepcionado pela Constituição Federal de
1988, por ser com ela incompatível, materialmente.
Observemos que a Não-cumulatividade do IPI, como
amplamente repetido, não vislumbra qualquer limitação, que
somente lhe poderia ser impingida no bojo da Constituição, que
RIDB, Ano 1 (2012), nº 9 | 5741
não o fez. Ora, em não o fazendo a Constituição, não poderia
tê-lo feito a Lei, e muito menos poderia esta ter conferido tal
competência ao Regulamento. Não há dúvida, o mencionado
dispositivo não foi recepcionado.
Poderíamos alegar que, mesmo não tendo sido, esse
dispositivo, recepcionado, o artigo 12 da Lei nº 7.798, de 10 de
julho de 1989, conferiu-lhe nova redação, posterior à vigência
da Constituição de 1988. Deixaremos de lado, por ora, o fato
de ser a Lei nº 7.798/89 formalmente inconstitucional, por se
tratar de conversão da Medida Provisória nº 69, de 19 de junho
de 1989, para analisarmos tão-somente as prescrições
veiculadas pelo seu artigo 12. Eis a redação do artigo:62
Art. 12. O § 3º do art. 25 da Lei nº 4.502/64,
com a redação dada pelo art. 1º, do Decreto-Lei nº
1.136, de 7 de dezembro de 1970, passa a vigorar
com a seguinte redação:
“§ 3º. O Regulamento disporá sobre a
anulação do crédito ou o restabelecimento do
débito correspondente ao imposto deduzido, nos
casos em que os produtos adquiridos saiam do
estabelecimento com isenção do tributo ou os
resultantes da industrialização estejam sujeitos à
alíquota zero, não estejam tributados ou gozem de
isenção, ainda que esta seja decorrente de uma
operação no mercado interno equiparada à
exportação, ressalvados os casos expressamente
contemplados em lei”.
62 Sobre medidas provisórias em matéria tributária, essenciais os trabalhos de JOSÉ
ROBERTO VIEIRA: Bocage e o Terrorismo constitucional das Medidas Provisórias
Tributárias: a Emenda pior do que o Soneto, in FERRAZ, Roberto (coord.),
Princípios e limites da tributação. São Paulo : Quartier Latin, 2005; Medidas
provisórias em matéria tributária: as catilinárias brasileiras. Tese (Doutorado) -
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 1999; e Medidas
provisórias tributárias e segurança jurídica: a insólita opção estatal pelo “viver
perigosamente”. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de (Coord.). Segurança jurídica
na tributação e estado de direito. São Paulo: Noeses, 2005.
5742 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 9
Qual a inovação trazida pela redação dada pela Lei nº
7.798/89? Nenhuma. A redação é absolutamente a mesma. Se o
Poder Legislativo imaginou que poderia “salvar” o dispositivo
editando-o, posteriormente à Constituição, por meio de lei,
equivocou-se flagrantemente. A inconstitucionalidade persiste.
Onde a Constituição não limita, não é dado à lei limitar.63
Posteriormente, veio à tona a Lei nº 9.779, de 19 de
janeiro de 1999, fruto da conversão da Medida Provisória nº
1.788, de 29 de dezembro de 1998, da qual trataremos a partir
deste momento. É imprescindível alertar para a
inconstitucionalidade formal e material da Lei nº 9.779/99,
tendo em vista resultar da conversão da Medida Provisória nº
1.788/98, que versou matéria não urgente e, ainda, por afronta
aos princípios da Legalidade e da Tripartição das Funções.
Prescreve o artigo 11 da Lei nº 9.779/99:
Art. 11. O saldo credor do Imposto sobre
Produtos Industrializados – IPI, acumulado em
cada trimestre-calendário, decorrente de aquisição
de matéria-prima, produto intermediário e material
de embalagem, aplicados na industrialização,
inclusive de produto isento ou tributado à alíquota
zero, que o contribuinte não puder compensar com
o IPI devido na saída de outros produtos, poderá ser
utilizado de conformidade com o disposto nos arts.
73 e 74 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de
1996, observadas as normas expedidas pela
Secretaria da Receita Federal do Ministério da
63 Aqui, parece-nos, ser o momento adequado para mencionarmos que há autores
que ostentam entendimento contrário ao nosso. Observem-se, por exemplo, as
palavras de MARCOS VINÍCIUS NEDER DE LIMA, para o qual a vedação aos
créditos de IPI no caso das saídas de produtos isentos decorre da “...própria lógica
interna do sistema, que não reconhece o direito de crédito quando a saída do
produto industrializado for não tributada pelo IPI”. – Efeitos da Lei nº 9.779/99
sobre os créditos relativos a insumos utilizados em produtos isentos ou sujeitos à
alíquota zero. In: VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA (COORD.). Grandes questões
atuais de direito tributário, v. 4. São Paulo : Dialética, 2000, p. 142-143.
RIDB, Ano 1 (2012), nº 9 | 5743
Fazenda.
Antes mesmo de o Supremo Tribunal Federal julgar a
questão, JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO e LUIZ
FRANCISCO LIPPO já se manifestavam no sentido de que,
mesmo nos casos em que o produto final seja desonerado,
haverá lugar para a manutenção do crédito. São as palavras
desses autores:
No caso em que a operação de saída seja
imune, isenta, não tributada, sujeita à alíquota
zero, ou com suspensão, contribuinte também terá
o direito de apropriar crédito de IPI, relativamente
ao insumo utilizado. Como a Constituição assegura
a não-cumulatividade do IPI, este princípio terá de
ser observado, procedendo-se à ampla (global)
compensação dos débitos do conjunto de
operações, com os créditos relativos a todos os
insumos adquiridos na generalidade das operações,
inclusive com as desonerações fiscais,
considerando-se a pessoa do contribuinte.64
Estão cobertos de razão, na medida em que a
Constituição não impôs qualquer limitação à não-
cumulatividade no IPI. Mesmo antes da Lei nº 9.779/99, o
adquirente, quando comprava insumos tributados para
empregá-los na produção de produtos isentos, tributados à
alíquota zero ou não tributados, mantinha os créditos
decorrentes dessas aquisições.65
Lamentavelmente, não é essa a conclusão à qual chegou
o Supremo Tribunal Federal, a despeito das lúcidas 64 A não-cumulatividade tributária (ICMS, IPI, ISS, PIS, Cofins), p. 194. 65 Este também é o entendimento de ANDRÉ MENDES MOREIRA – A não-
cumulatividade dos tributos, p. 147-150. É bem verdade que há interpretações no
sentido de que a Lei nº 9.779/99 apenas teria ampliado “...as hipóteses de utilização
e compensação dos créditos decorrentes de incentivos fiscais previstos na legislação
tributária” –MARCOS VINÍCIUS NEDER DE LIMA, Efeitos da Lei nº 9.779/99
sobre os créditos relativos a insumos utilizados em produtos isentos ou sujeitos à
alíquota zero, p. 145-148.
5744 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 9
considerações tecidas pelos ministros RICARDO
LEWANDOWSKI e CEZAR PELUSO. Em 06 de maio de
2009, três Recursos Extraordinários, cujo cerne era o mesmo,
foram julgados pelo plenário do Supremo Tribunal Federal.
São eles o Recurso Extraordinário nº 475.551-3-PR, o Recurso
Extraordinário nº 562.980-5-SC e o Recurso Extraordinário nº
460.785-9-RS.66
66 Supremo Tribunal Federal, RExt nº 475.551-3-PR, rel. Min. CEZAR PELUSO,
redatora para acórdão Min. CARMEN LÚCIA, disponível em http://www.stf.jus.br,
acesso em 11.dez.2009; Supremo Tribunal Federal, RExt nº 562.980-5-SC, rel. Min.
RICARDO LEWANDOWSKI, redator para acórdão Min. MARCO AURÉLIO,
disponível em http://www.stf.jus.br, acesso em 11.dez.2009; e Supremo Tribunal
Federal, RExt nº 460.785-9-RS, rel. Min. MARCO AURÉLIO, disponível em
http://www.stf.jus.br, acesso em 11.dez.2009. Por ocasião do julgamento do Recurso
Extraordinário nº 475.551-3-PR, o ministro CEZAR PELUSO assim se manifestou:
“Isso significa que o direito ao crédito pelos insumos entrados no estabelecimento
industrial não se subordina nem vincula a saída tributada. O contribuinte faz jus ao
crédito, por força da só aquisição de insumos tributados. Embora dependa, para dele
fruir, da realização de operação integrante da classe típica da incidência do IPI,
conquanto não necessariamente tributada pelo IPI, e este é o ponto crucial da causa.
Basta que a empresa, cujas saídas sejam exoneradas, realize operações com produtos
industrializados (art. 153, inc. IV, da CF), para que se lhe assegure o creditamento
relativo às aquisições, pouco se dando a modalidade do tratamento normativo-
tributário reservado às vendas, isto é, tributação, não-tributação, alíquota zero ou
isenção. O instituto do crédito do IPI deve, ademais, analisado à luz de duas
subcategorias unidas por liame indissolúvel: a geração de créditos e seu
aproveitamento. Cuida-se de dois momentos distintos no tempo, mas indissociáveis
na essência, porque guardam relação finalística e instrumental: o crédito nasce para
ser aproveitado! A Constituição estaria a hospedar princípio absurdo, se previsse
direito de crédito sem possibilidade de exercício. O sistema de não-cumulatividade
tem por fundamento a compensabilidade entre créditos e débitos de impostos,
gerados, respectivamente, na entrada e na saída dos inputs e outputs. Porque não é
sistema de tributação de valor agregado stricto sensu – em que se tributa o
diferencial de valor acrescido ao produto por agente da cadeia produtiva –, não se
pode condicionar ou subordinar a geração de créditos ao que suceda do ponto de
vista fiscal em momento posterior, i. é, saída onerada ou desonerada, sob pena de
comprometimento da sistemática adotada no texto constitucional. Não se tributa um
“delta” ou diferencial que se adiciona, mas a operação de venda do produto
industrializado. Em nada é relevante, para fins de geração e gozo dos créditos, a
previsão de eventuais desonerações ou benefícios (como alíquota zero, não-
tributação, isenção) na saída do produto. Nem se alegue que, desonerada a saída, a
entrada não poderia gerar créditos, que isso fora verdadeira petitio principii. O que
decide não é o pagamento de tributo na operação de saída, mas a própria operação
RIDB, Ano 1 (2012), nº 9 | 5745
de venda do produto industrializado, considerada em si mesma, seja tributada ou
não. Satisfeita essa premissa, o que se admite, ou, antes, o que se impõe, é o
abatimento do montante de imposto já suportado nas operações anteriores. Está aí a
essência da não-cumulatividade no IPI. Sua “finalidade está na divisão ou
distribuição do impacto financeiro do tributo entre os diversos elos da cadeia
produtiva, de modo que a tributação total (oneração) seja equivalente ao resultado
da aplicação da alíquota sobre o preço final do produto (ao consumidor). Noutras
palavras, é a exclusão da incidência, em cascata, do tributo que oneraria o produto
final mediante acréscimo do imposto nas diversas etapas da cadeia produtiva”.
Permitir o acúmulo de créditos por conta de saída desonerada equivaleria a converter
um sistema concebido para evitar cumulação em algo totalmente cumulativo. [...] A
Lei nº 9.799/99, acertada, mas expletivamente, permitiu o aproveitamento do crédito
acumulado, mediante compensação. Mas, ainda que o não tivesse feito, não traria
repercussão sobre o momento anterior, o da geração dos créditos, nem retiraria o
ônus do legislador de prever meios para a fruição dos valores correlatos. O que
releva é só que se dê operação típica de IPI, bastando à fruição dos créditos que a
empresa realize – peço vênia por tamanha obviedade – operação com produtos
industrializados. Esse é o cerne da norma constitucional que autoriza a instituição do
imposto (art. 153, inc. IV), independentemente do tratamento tributário que a lei
reserve à saída. Afinal, a não-cumulatividade exige a “possibilidade de manutenção
dos créditos tributários, decorrentes da aquisição de matérias-primas, produtos
intermediários e materiais de embalagem, independentemente da forma de
tributação a incidir no resultado do processo produtivo.” [...] Reitero que somente
numa hipótese poderia haver vedação ao aproveitamento de créditos: na saída de
produtos não-tributados pelo IPI em razão de sua própria natureza, i. é., saída de
produtos não industrializados, onde é perceptível a inviabilidade de fruição dos
créditos. Aliás, é curioso notar que esse tipo de operação não ensejaria fruição dos
créditos de IPI nem sequer com saídas tributadas, porque referentes a produtos
alheios ao ciclo produtivo industrial. A conclusão prática é que, qualquer que seja a
espécie desonerativa que beneficie a saída (à exceção da não-tributação por ausência
de competência, na subespécie exclusão lógico-residual), asseguradas estarão
sempre a subsistência e fruição dos créditos, desde que a empresa adquirente dos
insumos tributados realize operações com produtos industrializados (art. 153, inc.
IV, da CF). [...] De tudo, a lição por extrair é que a geração de créditos não pode ser
impedida por norma infraconstitucional. Tampouco pode seu aproveitamento ser
obviado, tendo em conta a própria natureza da não-cumulatividade: é o caso da
empresa que, vendendo apenas produtos desonerados, não pode ser prejudicada por
hipotética ausência de lei que a autorize a utilizar seus créditos de outra maneira (v.
g., compensação com demais tributos, negociação no mercado mediante
transferência a terceiros, etc.). A lei deve prever formas para exercício do direito
subjetivo assegurado constitucionalmente, mas não pode nunca deixar de concretizar
essa previsão constitucional. Salta aos olhos, por fim, que o repúdio ao
reconhecimento do direito de crédito expõe a graves riscos outros princípios
constitucionais, como o da isonomia, em prejudicando economicamente aquele que
produz bem desonerado, e o da seletividade em função da essencialidade. Este
5746 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 9
Por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº
562.980-5-SC, o ministro RICARDO LEWANDOWSKI
sustentou que “Parece evidente que o direito ao aproveitamento
de créditos oriundos de insumos tributados, no caso de
produtos isentos ou tributados à alíquota zero, não surgiu
apenas com a promulgação da Lei 9.779/99, visto que deriva
diretamente do princípio da não-cumulatividade abrigado na
Constituição de 1988, tal como nas Cartas que a antecederam,
mostrando-se, destarte, inadmissível que lei ordinária ou, o que
é pior, um simples regulamento possam erigir obstáculos a tal
direito”.
As palavras do ministro RICARDO LEWANDOWSKI
refletem a melhor interpretação, que coincide com a opinião de
JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO, segundo a qual “A
dicção constitucional não impõe que o crédito esteja vinculado
a um determinado bem adquirido, e só possa ser mantido se o
produto final (em que tenha sido utilizado, integrado ou
participado) for tributado, também gerando débito de IPI”. [...]
No momento em que é realizada a operação é que nasce o
direito constitucional ao crédito, que não pode sofrer
deformações de qualquer natureza, nem condicionar-se ao tipo
de operação que futuramente venha a ser realizada”.67
Entretanto, foi vencedor o entendimento manifestado
pelo ministro MARCO AURÉLIO, por ocasião do julgamento
do Recurso Extraordinário nº 460.785-9-RS, em cuja ementa
cânone, ínsito ao IPI, “dirige as maiores atenções desse imposto para bens
suntuosos ou supérfluos, e tende a afastá-lo ou atenuá-lo no caso de produtos
essenciais”. Ora, deixar que produtores de bens essenciais suportem maior ônus
tributário não é apenas deixar de observar a seletividade conforme a essencialidade,
mas subvertê-la, aplicando-a em sentido oposto ao que determina a Constituição.
Aqui sim teríamos verdadeira “seletividade às avessas”. [...] Basta reconheça agora
que o direito à manutenção dos créditos, no caso das saídas desoneradas, promana
diretamente da Constituição, e não de norma subalterna”. 67 Crédito de IPI. Não-cumulatividade. Aquisições de insumos. Utilização em
produtos industrializados e os distintos efeitos do IPI (Alíquota zero, alíquotas
específicas e não-tributado), p. 204.
RIDB, Ano 1 (2012), nº 9 | 5747
consta o seguinte: “IPI – CREDITAMENTO – ISENÇÃO –
OPERAÇÃO ANTERIOR À LEI Nº 9.779/99. A ficção
jurídica prevista no artigo 11 da Lei nº 9.779/99 não alcança
situação reveladora de isenção do Imposto sobre Produtos
Industrializados – IPI que a antecedeu”.68
Da leitura de excertos do voto do ministro MARCO
AURÉLIO, novamente, percebemos o grande peso atribuído à
interpretação meramente literal do disposto no artigo 153, § 3º,
II, da Constituição Federal, quando entende necessária a
cobrança do tributo sobre o produto final da cadeia produtiva.69
68 No mesmo sentido, vide Supremo Tribunal Federal, Emb. Dec. no Ag. Reg. no
RExt nº 371.898-3-PR, rel. Min. ELLEN GRACIE, disponível em
http://www.stf.jus.br, acesso em 11.dez.2009. 69 “Pois bem, já de início, ante a sucessividade de operação versadas neste processo,
percebe-se o não-envolvimento do princípio da não-cumulatividade. A conclusão
decorre da circunstância de o inciso II do § 3º do artigo 153 da Carta da República,
não bastasse o alcance vernacular da expressão – não-cumulatividade –, surgir
pedagógico ao revelar que a compensação a ser feita levará em conta o que devido e
recolhido nas operações anteriores com o montante cobrado na subseqüente.
Considerado apenas o princípio da não-cumulatividade, se o ingresso da matéria-
prima ocorreu com incidência do tributo, logicamente houve a obrigatoriedade de
recolhimento. Mas, se na operação final verificou-se a isenção, não existirá
compensação do que recolhido anteriormente, ante a ausência de objeto. Compensar
com o quê? Há mais. O sistema tributário mostra-se uno. Deve-se considerar que, no
tocante ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, a Constituição
Federal é explícita ao prever que a isenção ou não-incidência, salvo determinação
em contrário da legislação, “não implicará crédito para compensação com o
montante devido nas operações ou prestações seguintes” e “acarretará a anulação do
crédito relativo a operações anteriores” – alíneas “a” e “b” do inciso II do § 2º do
artigo 155. Pois bem, presente esse contexto a revelar o sistema, somente em 1999,
até mesmo em observância à exigência instrumental do § 6º do artigo 150 da Carta
Federal, veio à balha lei disciplinando o creditamento a envolver, implicitamente, a
isenção na saída final do produto e incidência na entrada de matéria-prima. [...]
Ocorreu com essa previsão a disciplina do direito a crédito, tal como exigido no § 6º
do artigo 150 em comento e, sob o ângulo do sistema, no inciso II do § 2º do artigo
155, implicitamente – repito –, do crédito em se tratando de recolhimento na
primeira fase de produção e isenção considerada a última fase. Antes do advento da
Lei nº 9.779/99, não havia base, quer sob o aspecto interpretativo, em virtude do
princípio da não-cumulatividade, quer sob o aspecto legal expresso, para concluir-se
pela procedência do direito ao creditamento, levando-se em conta a isenção.
Improcede o que consignado no acórdão em exame, ou seja, que a Lei nº 9.779/99
apenas consagrou o direito de creditamento já previsto no ordenamento jurídico
5748 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 9
Parece-nos, com todo o respeito, que o Supremo Tribunal
Federal, sob a escusa de proteger a Constituição, contra ela
atentou.
7. A NÃO-CUMULATIVIDADE E AS OPERAÇÕES
COM CONTRIBUINTES OPTANTES PELO SIMPLES
NACIONAL
Um último assunto deve ser analisado antes de
finalizarmos este estudo: aquele que trata da limitação da não-
cumulatividade do IPI nas operações realizadas com optantes
do SIMPLES Nacional.70
Ressaltamos que não analisaremos a
natureza jurídica do instituto, se novo tributo ou mera forma
simplificada de recolhimento, na medida em que transbordaria
os lindes deste estudo. Para o aprofundamento dessa análise
recomendamos a leitura da excelente obra de CARLOS
RENATO CUNHA, mestre em Direito do Estado pela UFPR.71
À semelhança do que dispunha a Lei nº. 9.317, de 05 de
dezembro de 1996, em seu art. 5º, §5º, a Lei Complementar nº.
123/2006, em seu art. 23, prescreve que “As microempresas e
brasileiro segundo a interpretação das normas constitucionais. Ao contrário, estas
últimas direcionam no sentido de, fora a problemática alusiva ao princípio da não-
cumulatividade – e este pressupõe dupla incidência e não a incidência em certa base
e isenção na seguinte –, ter-se como necessária, para caminhar-se no sentido do
benefício, lei expressa, tal como finalizado no § 6º do artigo 150 e na alínea “a” do
inciso II do § 2º do artigo 155. [...] Em síntese, presente o princípio da não-
cumulatividade – e deste somente é possível falar quando há dupla incidência,
sobreposição –, o direito do contribuinte ao crédito considerado o que recolhido em
operação anterior, tendo-se a isenção ou alíquota zero na operação final, somente
surgiu – e mesmo assim implicitamente, se é que isso é possível – com a edição da
Lei nº 9.779/99. Não implicou ela mera explicitação de um direito. Entender-se,
como fez a Corte de origem, que no caso pouco importa o período alusivo à
operação, se anterior à lei comentada ou posterior, implica fugir à ordem natural das
coisas, olvidando-se o princípio da não-cumulatividade no que sem o envolvimento
de dupla incidência, caminhou-se, sem previsão em lei, no sentido do creditamento”. 70 Instituído pela Lei Complementar nº. 123, de 14 de dezembro de 2006. 71 O SIMPLES Nacional, a norma tributária e o Princípio Federativo: Limites da
Praticabilidade Tributária. Curitiba : Juruá, 2011.
RIDB, Ano 1 (2012), nº 9 | 5749
as empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional
não farão jus à apropriação nem transferirão créditos relativos a
impostos ou contribuições abrangidos pelo Simples
Nacional”.72
Diante disso, o Superior Tribunal de Justiça vedava o
aproveitamento dos créditos pelo optante pelo SIMPLES,
conforme demonstram vários de seus julgados. Não há
qualquer reparo neste entendimento, na medida em que a
adesão ao SIMPLES não é compulsória, sendo que aquele que
optar pelo enquadramento deverá observar as condicionantes
específicas, dentre elas, a proibição ao aproveitamento de
créditos de IPI.73
Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça, agora de
maneira equivocada, afasta a possibilidade de creditamento por
parte daqueles que adquirem produtos industrializados de
optantes pelo SIMPLES Nacional. Note-se, por exemplo, que
por ocasião do julgamento do Agravo Regimental no Recurso
Especial nº. 1.066.597/PR, ocorrido em 14 de outubro de 2008,
entendeu o Superior Tribunal de Justiça que “...é ilegal o
creditamento de IPI pelas adquirentes de mercadorias advindas
72 O mencionado § 5° prescrevia que “A inscrição no SIMPLES veda, para a
microempresa ou empresa de pequeno porte, a utilização ou destinação de qualquer
valor a título de incentivo fiscal, bem assim a apropriação ou a transferência de
créditos relativos ao IPI e ao ICMS”. 73 Observe-se, para tanto, o posicionamento de ambas as Turmas do Superior
Tribunal de Justiça. Por ocasião do julgamento dos Embargos de Declaração no
Agravo n. 940.592/PR, relatado pela Exma. Ministra Denise Arruda, julgado em 04
de dezembro de 2007, a Primeira Turma afirmou que “...a orientação das Turmas
que integram a Primeira Seção desta Corte firmou-se no sentido de que, na hipótese
de adesão ao SIMPLES, a empresa recolhe os tributos de forma unificada e, em
relação ao IPI, ele incide cumulado com outros impostos, por alíquota fixa sobre a
receita bruta, e não sobre os produtos vendidos. Assim, mostra-se inviável o
creditamento pretendido”. A Segunda Turma, por sua vez, por ocasião do
julgamento, em 25 de março de 2008, do Recurso Especial n. 843.291/PR, relatado
pela Exma. Ministra ELIANA CALMON, firmou o entendimento que “As empresas
optantes pelo SIMPLES não fazem jus ao creditamento do IPI, mesmo diante do
previsto no art. 11 da Lei 9.779/99, uma vez que já usufruem de outros benefícios
tributários”.
5750 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 9
de empresas optantes do SIMPLES, mesmo sendo empresas
adquirentes não-optantes, pois o IPI passa a compor o sistema
de tributação da Lei n.º 9.317/96”.74
Este posicionamento do Superior Tribunal de Justiça foi
corretamente criticado por ANDRÉ MENDES MOREIRA, por
JAMES MARINS e MARCELO BERTOLDI e por DÉBORA
SOTTO, na medida em que o fato de o adquirente realizar
negócios jurídicos com contribuinte optante pelo SIMPLES
Nacional não tem o condão de proibir o seu creditamento,
garantido constitucionalmente.75
74 Superior Tribunal de Justiça, AgRg no REsp 1066597/PR, relator Ministro
FRANCISCO FALCÃO,disponível em www.stj.jus.br, acesso em 25.05.2011. 75 Em suas palavras: “…não se pode tolher o direito assegurado pela Constituição e
pelo CTN de abatimento do IPI pag nas operações anteriores. O recolhimento do IPI
por qualquer contribuinte, optante ou não por regimes especiais, deve,
obrigatoriamente, gerar créditos aproveitáveis para o adquirente de suas mercadorias
(desde que este também seja contribuinte do IPI, do contrário arcará com o ônus do
imposto na qualidade de contribuinte de facto) – A. M. MOREIRA, A não-
cumulatividade dos tributos. São Paulo : Noeses, 2010, p. 432; No mesmo sentido
são as palavras de J. MARINS e de M. M. BERTOLDI, para os quais “Caso o
adquirente seja empresa industrial ou comercial não optante do regime especial, a
vedação ao destaque de créditos referentes aos tributos de natureza não-cumulativa
gera evidentes problemas de compatibilidade com a Constituição. Como no âmbito
do Simples Nacional estão incluídos tributos regidos pela regra constitucional da
não-cumulatividade, como nos casos do IPI [...], a proibição da compensação por
quem venha a adquirir mercadorias de ME ou EPP optante pelo Simples Nacional
promove a cumulatividade. Isso porque, para as empresas comerciais e industriais,
uma parcela do tributo recolhido pela optante refere-se justamente ao IPI e ao ICMS,
conforme os Anexos I e II da LC 123/2006, e a não-cumulatividade define-se
constitucionalmente pelo direito a ‘compensar o que for devido em cada operação
com o montante cobrado nas anteriores’” – Simples Nacional: Estatuto da
Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte comentado: LC 123, de 14.12.2006;
LC 127, de 14.08.2007. São Paulo : RT, 2007, p. 155. Por fim, este é o entendimento
de DÉBORA SOTTO, para quem “Eventuais dificuldades práticas, pertinentes à
conciliação do sistema simplificado com a técnica da não-cumulatividade, não
podem se sobrepor ao desiderato constitucional, vez que o direito de abater não pode
ser limitado pelo legislador infraconstitucional, em prejuízo de terceiros não
optantes do SIMPLES NACIONAL. Daí concluirmos pela inconstitucionalidade das
disposições, no que diz respeito ao IPI e ao ICMS” – Tributação da Microempresa
(ME) e da Empresa de Pequeno Porte (EPP). São Paulo : Quartier Latin, 2007, p.
147-148.
RIDB, Ano 1 (2012), nº 9 | 5751
De qualquer forma, parece-nos que compete ao Supremo
Tribunal Federal dar a última palavra sobre a
inconstitucionalidade da limitação imposta pelo art. 23 da Lei
Complementar nº. 123/2006.
8. CONCLUSÃO
Ao final dessa exposição, lamentamos. E lamentamos
porque a Não-cumulatividade no IPI, como concebida pelo
Legislador Constituinte, não mais existe. A interpretação dos
casos analisados aponta que a Não-cumulatividade teve seus
contornos definidos pela interpretação literal, e não pela
sistemática. E essa interpretação acaba por implicar aumento
de arrecadação, o que vai de encontro com o ímpeto
arrecadatório do Poder Executivo, e na contramão dos direitos
fundamentais dos contribuintes.
Não somos, de forma alguma, contra o aumento da
arrecadação constitucional de tributos. A arrecadação é
saudável e necessária, desde que observe as prescrições
constitucionais. O tributo, lembremo-nos, é uma das receitas
derivadas que mantém o Estado e possibilita o desempenho de
seus serviços essenciais.
Mas há, ainda, outro problema. Parece-nos que por
ocasião da análise da questão, o Supremo Tribunal Federal
acabou por desempenhar tarefa de competência exclusiva do
Poder Legislativo, na medida em que legisla positivamente,
realizando profundas alterações estruturais na Não-
cumulatividade do IPI, o que fere, também, o Princípio da
Separação das Funções do Estado, presente no art. 2º do Texto
Constitucional que é, inclusive, cláusula pétrea, conforme
dispõe o inciso III do § 4º do art. 60 da Constituição Federal.
5752 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 9
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