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Ano 1 (2012), nº 9, 5703-5752 / http://www.idb-fdul.com/ A NÃO-CUMULATIVIDADE NO IPI Maurício Timm do Valle 1 Sumário: 1. Introdução; 2. Contornos constitucionais da Não- cumulatividade do IPI; 3. O significado dos termos “cobrado” e “pago”, da Constituição Federal e do Código Tributário Nacional; 4. A Não-cumulatividade adotada pela Constituição brasileira no que respeita ao IPI; 5. A Não-cumulatividade e a aquisição de insumos isentos, sujeitos à alíquota zero, imunes ou não-tributados; 6. A Não-cumulatividade e os produtos cujas saídas são isentas, tributadas à alíquota zero ou não tributadas. Considerações acerca do artigo 11 da Lei nº 9.779, de 19 de janeiro de 1999; 7. A Não-cumulatividade e as operações com contribuintes optantes pelo SIMPLES Nacional; 8. Conclusão. Resumo: O presente artigo analisa a Não-cumulatividade no IPI, partindo da interpretação dos enunciados prescritivos constitucionais sobre o tema, passando pelos enunciados infraconstitucionais presentes no Código Tributário Nacional e 1 Mestre e Doutorando em Direito do Estado Direito Tributário pela UFPR. Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Bacharel em Direito pela UFPR. Professor de Direito Tributário e de Direito Processual Tributário do Centro Universitário Curitiba UNICURITIBA. Professor-Coordenador do Curso de Especialização em Direito Tributário e Processual Tributário do Centro Universitário Curitiba UNICURITIBA. Associado da Associação Brasileira de Filosofia do Direito e Sociologia do Direito - ABRAFI. Membro do Grupo de Pesquisa em "Fundamentos do Direito" do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR. Orientador Co-lider do Projeto de Pesquisa e de Iniciação Científica "Questões controversas de tributação das empresas: constituição, crítica e sustentabilidade", liderado pelo Professor Doutor José Roberto Vieira, desenvolvido e implementado pelo Grupo de Pesquisa "Atividade Empresarial e Tributação", do Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA. Autor do livro Princípios constitucionais e regras-matrizes de incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, no prelo, de artigos científicos e de traduções de obras e artigos de filosofia analítica. Advogado e consultor tributário.

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Page 1: A NÃO-CUMULATIVIDADE NO IPI Maurício Timm do ValleIPI, seja por qual razão for, haverá incidência de imposto sobre imposto.4 Assim, cada sujeito passivo apenas arcará com o tributo

Ano 1 (2012), nº 9, 5703-5752 / http://www.idb-fdul.com/

A NÃO-CUMULATIVIDADE NO IPI

Maurício Timm do Valle1

Sumário: 1. Introdução; 2. Contornos constitucionais da Não-

cumulatividade do IPI; 3. O significado dos termos “cobrado” e

“pago”, da Constituição Federal e do Código Tributário

Nacional; 4. A Não-cumulatividade adotada pela Constituição

brasileira no que respeita ao IPI; 5. A Não-cumulatividade e a

aquisição de insumos isentos, sujeitos à alíquota zero, imunes

ou não-tributados; 6. A Não-cumulatividade e os produtos

cujas saídas são isentas, tributadas à alíquota zero ou não

tributadas. Considerações acerca do artigo 11 da Lei nº 9.779,

de 19 de janeiro de 1999; 7. A Não-cumulatividade e as

operações com contribuintes optantes pelo SIMPLES Nacional;

8. Conclusão.

Resumo: O presente artigo analisa a Não-cumulatividade no

IPI, partindo da interpretação dos enunciados prescritivos

constitucionais sobre o tema, passando pelos enunciados

infraconstitucionais presentes no Código Tributário Nacional e

1 Mestre e Doutorando em Direito do Estado – Direito Tributário – pela UFPR.

Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Bacharel em Direito pela UFPR.

Professor de Direito Tributário e de Direito Processual Tributário do Centro

Universitário Curitiba – UNICURITIBA. Professor-Coordenador do Curso de

Especialização em Direito Tributário e Processual Tributário do Centro

Universitário Curitiba – UNICURITIBA. Associado da Associação Brasileira de

Filosofia do Direito e Sociologia do Direito - ABRAFI. Membro do Grupo de

Pesquisa em "Fundamentos do Direito" do Programa de Pós-Graduação em Direito

da UFPR. Orientador Co-lider do Projeto de Pesquisa e de Iniciação Científica

"Questões controversas de tributação das empresas: constituição, crítica e

sustentabilidade", liderado pelo Professor Doutor José Roberto Vieira, desenvolvido

e implementado pelo Grupo de Pesquisa "Atividade Empresarial e Tributação", do

Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA. Autor do livro Princípios

constitucionais e regras-matrizes de incidência do Imposto sobre Produtos

Industrializados - IPI, no prelo, de artigos científicos e de traduções de obras e

artigos de filosofia analítica. Advogado e consultor tributário.

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na Lei n. 4.502/64. Trata da análise da Não-cumulatividade nos

casos em que as operações anteriores forem beneficiadas

(isenção, alíquota zero, não tributação e imunidades) e, ainda,

nos casos em que a saída dos produtos seja beneficiada,

considerando as prescrições da Lei n. 9.779/99. Por fim,

examina-se a Não-cumulatividade em relação aos optante do

SIMPLES Nacional.

Palavras-chave: IPI – Não-cumulatividade – Operações

beneficiadas

1. INTRODUÇÃO

A questão da Não-cumulatividade sempre chamou nossa

atenção. O assunto mostra-se interessante, principalmente pelo

seu grau de dificuldade, que o mantém desafiador. Pois bem.

Ao tratarmos do tema em nossa dissertação de mestrado, sob a

rigorosa orientação do Professor JOSÉ ROBERTO VIEIRA,

percebemos que o entendimento da doutrina e do Supremo

Tribunal Federal sobre o tema têm se distanciado. E mais: que

a questão é muito mais relevante do que se pode imaginar. Os

reflexos da interpretação, neste ou naquele sentido, são

imediatamente sentidos pela sociedade. Esse o motivo principal

que nos leva a enfrentá-la.

2. CONTORNOS CONSTITUCIONAIS DA NÃO-

CUMULATIVIDADE DO IPI

A Não-cumulatividade concernente ao IPI está positivada

no artigo 153, § 3º, II, da Constituição Federal, segundo o qual

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o IPI “será não-cumulativo, compensando-se o que for devido

em cada operação com o montante cobrado nas anteriores”.

Esse é o único enunciado prescritivo constitucional que

menciona expressamente a Não-cumulatividade no que se

refere ao IPI, e é o principal para a revelação dos seus exatos

lindes.

A redação do dispositivo, pelo legislador constitucional,

apresenta defeitos. Ao comentá-la, PAULO DE BARROS

CARVALHO questiona como poderá ser o imposto, enquanto

“prestação pecuniária compulsória em moeda ou cujo valor

nela se possa exprimir”, cumulativo. Em seu entender, não é o

imposto que será não-cumulativo, mas sim a “...técnica da

apuração do quantum devido a título de IPI...”.2

Com efeito, do ponto de vista econômico, o IPI pode ser

considerado como imposto sobre o valor agregado.

Juridicamente, não. Nos impostos sobre o valor agregado,

somente haverá incidência do imposto se, na operação

posterior, houver um acréscimo em relação ao valor da

operação anterior. Caso não haja acréscimo algum ao valor da

operação subseqüente, o imposto não incide.

A Não-Cumulatividade parece-nos manifestação do

Princípio da Capacidade Contributiva Objetiva, tendo em vista

que a Não-Cumulatividade faz com que a tributação recaia tão-

somente sobre a parcela correspondente à operação praticada

individualmente. Lembremo-nos que a capacidade contributiva

é manifestação do Princípio da Igualdade em matéria tributária.

Como defende JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO, “...não

será possível que algumas pessoas sejam mais beneficiadas do

que outras no transcorrer do ciclo produtivo”. De fato, caso

isso ocorresse cairia por terra a idéia de que “A regra da

igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente os

2 Imposto sobre Produtos Industrializados. In: BOTTALLO, Eduardo Domingos

(Coord.). Curso de direito empresarial. São Paulo: EDUC: Resenha Tributária,

1976, p. 142.

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desiguais, na medida em que se desigualam”, magistralmente

ensinada por RUI BARBOSA.3

Mas a Não-cumulatividade não mantém congruência

apenas com a Capacidade Contributiva. Há forte relação entre a

Não-cumulatividade e a proibição do efeito confiscatório dos

tributos. Isso porque, caso abolida a Não-cumulatividade do

IPI, seja por qual razão for, haverá incidência de imposto sobre

imposto.4

Assim, cada sujeito passivo apenas arcará com o tributo

incidente sobre a operação que realizou, não sendo atingido

pelos tributos incidentes nas operações anteriores ou

posteriores.5

3 J. E. S. DE MELLO, Crédito de IPI. Não-cumulatividade. Aquisições de

insumos.Utilização em produtos industrializados e os distintos efeitos do IPI.

(Alíquota zero, alíquotas específicas e não-tributado). In: Direito tributário

empresarial. São Paulo : Quartier Latins, 2009, p. 200. R. BARBOSA, Oração aos

Moços, São Paulo : Editora Papagaio, p. 26. 4 Sobre o assunto, são essas as palavras de JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO:

“Alinhando o princípio da proibição do efeito confiscatório dos tributos com o

princípio da não-cumulatividade, pode-se observar que os mesmos se tocam e se

complementam. Supondo-se que em uma determinada operação o ente tributante

venha a estabelecer a proibição total, ou parcial, do dever-poder do contribuinte de

apropriar-se do imposto incidente nas operações anteriores, estará a um só tempo

provocando efeito cumulativo, condutor de um aumento irreal no preço dos

produtos, em prejuízo do consumidor final. Também estará acarretando um efeito

confiscatório porque sobre o mesmo preço ocorrerá mais de uma incidência do

mesmo imposto, a retirar de cada um dos agentes do ciclo mais imposto do que o

efetivamente devido. Em nenhuma hipótese o contribuinte poderá ser proibido de

proceder a escrituração dos valores correspondentes ao imposto incidente nas

operações anteriores, sob pena de provocar o efeito confiscatório, o que é vedado

pela Constituição (art. 150, IV)...” – Crédito de IPI. Não-cumulatividade. Aquisições

de insumos. Utilização em produtos industrializados e os distintos efeitos do IPI.

(Alíquota zero, alíquotas específicas e não-tributado), p. 200-201. 5 De acordo com JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO, caso a não-

cumulatividade fosse suprimida haveria considerável abalo na “...estrutura sobre a

qual foi organizado o Estado”. Segundo ele, a não-cumulatividade constituiu-se

“...num sistema operacional destinado a minimizar o impacto do tributo sobre o

preço dos bens e serviços...” e “...sua eliminação os tornaria artificialmente mais

onerosos”. Diz ele que “Caso a não-cumulatividade fosse eliminada, a

cumulatividade geraria um custo artificial indesejável ao preço dos produtos

comercializados. Esse preço estaria desvinculado da realidade, da produção e da

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Não é o que ocorre com o IPI, o qual se submete ao

sistema de subtração indireta (imposto contra imposto). Mesmo

nos casos em que o valor da operação posterior seja, em

relação à operação que lhe foi precedente, menor, haverá

incidência do IPI. Nesses casos, não só não haverá imposto a

pagar, como nascerá para o contribuinte o direito de crédito

perante o Fisco. Trata-se, na visão de EDUARDO

DOMINGOS BOTTALLO, do direito que o contribuinte tem

de “...lançar, em sua escrita, ‘créditos financeiros’ para, no

momento oportuno, utilizá-los como meios de compensar seus

‘débitos’...”.6

É bem verdade que o desenho constitucional do IPI veda

sua incidência em cascata, impedindo que se tribute todo o

montante da operação anterior. Isso, lembremo-nos, se a

operação for plurifásica, não havendo como se falar em não-

cumulatividade nos casos de operação monofásica. Como bem

ressalta ANDRÉ MENDES MOREIRA, “...sem plurifasia,

inexiste não-cumulatividade...”.7

Embora a incidência se dê sobre o valor total da

operação, englobando tanto a presente quanto as que lhe foram

anteriores, e não somente sobre o valor agregado pela última, a

sistemática dos créditos impede a tributação em cascata. Ou

seja, mesmo que a base de cálculo seja o valor total da

operação, o adquirente de insumos, produtos intermediários ou

material de embalagem creditar-se-á do eventual imposto

comercialização. Isto oneraria o custo de vida da população, e encareceria o

processo produtivo e comercial, reduzindo os investimentos empresariais, em face

do aumento de custos ocasionados por esse artificialismo tributário oriundo da

cumulatividade” – Crédito de IPI. Não-cumulatividade. Aquisições de

insumos.Utilização em produtos industrializados e os distintos efeitos do IPI.

(Alíquota zero, alíquotas específicas e não-tributado), p. 199-200. 6 Sobre o sistema de subtração indireta: ANDRÉ MENDES MOREIRA. A não-

cumulatividade dos tributos. São Paulo : Noeses, 2010, p. 71-74.; E. D.

BOTTALLO, IPI: princípios e estrutura. São Paulo: Dialética, 2009, p. 41. 7 A não-cumulatividade dos tributos, p. 75 e 92-101.

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relativo às operações anteriores.8

Entretanto, essa não é a única deficiência da redação do

enunciado em questão. Há uma de intensidade muito maior,

sobre a qual trataremos adiante.

3. O SIGNIFICADO DOS TERMOS “COBRADO” E

“PAGO”, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DO CÓDIGO

TRIBUTÁRIO NACIONAL

Conquanto o artigo 153, § 3º, II da Constituição Federal

prescreva que o IPI “será não-cumulativo, compensando-se o

que for devido em cada operação com o montante cobrado nas

anteriores” [destacamos]; e, ainda, o artigo 49 do Código

Tributário Nacional prescreva que o IPI “...é não-cumulativo,

dispondo a lei de forma que o montante devido resulte da

diferença a maior, em determinado período, entre o imposto

referente aos produtos saídos do estabelecimento e o pago

relativamente aos produtos nele entrados” [destacamos],

acompanhamos o entendimento de JOSÉ ROBERTO VIEIRA

de que “...não é a cobrança do imposto por parte do fornecedor

que legitima o crédito do adquirente”.9

Como sustenta HUGO DE BRITO MACHADO,

“Qualquer pessoa que tenha alguma vivência da sistemática da

não-cumulatividade sabe perfeitamente que jamais o fisco

exigiu de qualquer contribuinte a prova da cobrança, ou do

pagamento, como condição para o uso do crédito

correspondente”.10

Essa também é a conclusão a que chega PAULO DE 8 JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Crédito de IPI relativo a operações anteriores

beneficiadas: maiô completo ou completa nudez. DE SANTI, Eurico Marcos Diniz

(Coord.). Curso de especialização em direito tributário: estudos analíticos em

homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 725. 9 Crédito de IPI relativo a operações anteriores beneficiadas: maiô completo ou

completa nudez, p. 721. 10 Isenção e não-cumulatividade do IPI. Revista dialética de direito tributário. v. 4,

São Paulo, jan. 1996, p. 32.

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BARROS CARVALHO, que, em parecer que se tornou uma

referência no Direito Tributário brasileiro atual, examina com

profundidade a questão da não-cumulatividade no IPI.11

O professor da USP e da PUC-SP, valendo-se de um

hipotético negócio jurídico de compra e venda de mercadorias

entre dois comerciantes, identifica a existência de quatro

relações jurídicas. Havendo compra e venda entre o sujeito “A”

e o sujeito “B”, identificam-se, de saída, duas relações

jurídicas: a que se refere à obrigação de entrega da mercadoria,

na qual “A” é sujeito passivo e “B” é sujeito ativo; e aquela na

qual “B” sujeito passivo deverá pagar o preço a “A”, sujeito

ativo desta relação jurídica.

Além dessas, por ser o sujeito “A” comerciante, fará

parte de uma relação jurídica com o Fisco. Será a relação

jurídica tributária na qual o sujeito “A” é o sujeito passivo em

face do Fisco, que é o sujeito ativo, detentor do direito

subjetivo ao tributo.

Por fim, a quarta relação jurídica é a que se instaura entre

o sujeito “B”, que, por ser comerciante e, em decorrência da

Não-cumulatividade, possui o direito subjetivo ao crédito em

face do Fisco, que, nesse caso, será sujeito passivo desta

relação jurídica.

Essas duas últimas relações jurídicas são tributárias. A

primeira delas refere-se à regra-matriz de incidência tributária e

a segunda ao que PAULO DE BARROS CARVALHO

denominou de regra-matriz de direito ao crédito.12

Ao sintetizar as conclusões, afirma PAULO DE

BARROS CARVALHO:

Posso resumir, dizendo que duas são as

normas jurídicas – a regra-matriz de incidência do

IPI e a regra-matriz do direito ao crédito – e, 11 Isenções tributárias do IPI, em face do Princípio da Não-Cumulatividade. Revista

dialética de direito tributário, São Paulo: Dialética, nº 33, jun. 1998, p. 142-166. 12 Isenções tributárias do IPI, em face do Princípio da Não-Cumulatividade, p. 151-

152.

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portanto, haverá duas hipóteses – a da venda

realizada pelo comerciante “A” e a da compra

efetuada pelo comerciante “B” – com duas

conseqüências – a relação jurídica tributária entre

“A” e “F” (ArjtF) e a relação de direito de crédito

entre “B” e “F” (BrdcF).13

Do até agora exposto percebemos que a regra-matriz do

direito ao crédito independe da regra-matriz de incidência

tributária. Essa a razão pela qual afastamos desde logo, como o

fazem JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO e LUIZ

FRANCISCO LIPPO, e, ainda, ANDRÉ MENDES

MOREIRA, o entendimento de SACHA CALMON

NAVARRO COÊLHO, de que a Não-cumulatividade integra o

conseqüente da regra-matriz de incidência tributária.14

É bem verdade que o vocábulo cobrado, presente do

dispositivo constitucional, induz à conclusão equivocada. Isso,

é certo, somente se o método interpretativo eleito for o literal.

Lembremo-nos, com PAULO DE BARROS CARVALHO:

Fique certo, todavia, que o pagamento dos

valores correspondentes, cobrados ou não, é

irrelevante para a fenomenologia da incidência

normativa [...]. É despiciendo saber se houve ou

não cálculo do IPI embutido no valor do produto

para justificar o direito ao crédito. Este, não

decorre da cobrança, nem da incidência, nem do 13 Isenções tributárias do IPI, em face do Princípio da Não-Cumulatividade, p. 152. 14 J. E. S. DE MELO e F. LIPPO, A não-cumulatividade tributária (ICMS, IPI, ISS,

PIS e Cofins), 2.ed. São Paulo: Dialética, 2004, p. 121; J. E. S. DE MELO, Crédito

de IPI. Não-cumulatividade. Aquisições de insumos.Utilização em produtos

industrializados e os distintos efeitos do IPI. (Alíquota zero, alíquotas específicas e

não-tributado), p. 201 e do mesmo autor IPI – crédito nas entradas de bens

desonerados do imposto. A aplicação do princípio da não-cumulatividade, in

VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA (COORD.), Grandes questões atuais de direito

tributário, v. 3. São Paulo : Dialética, 1999, p. 194-195; A. M. MOREIRA, A não-

cumulatividade dos tributos, p. 91-92; e S. C. N. COÊLHO, Teoria geral do tributo,

da interpretação e da exoneração tributária, 3ª ed. São Paulo : Dialética, 2003, p.

98-107.

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pagamento do imposto; nasce da percussão da regra

de direito ao crédito. [...] Cabe salientar, enfim,

que a regra que estipula o nascimento do direito ao

crédito goza de autonomia, relativamente à norma

que cuida da imposição tributária. Portanto, se para

a formação do direito ao crédito é irrelevante o

próprio nascimento da obrigação, muito mais ainda

será a circunstância de ter sido ou não extinta essa

mesma relação: a cobrança do tributo na operação

anterior torna-se irrelevante para a formação do

direito ao crédito.15

Dessa forma, será irrelevante para o nascimento do

direito ao crédito que o imposto tenha sido lançado, como quer

PAULO CELSO BERGSTRON BONILHA, ou, ainda, que

seja ele incidente, como sustentam ANTÔNIO MAURÍCIO

DA CRUZ e JOSÉ EDUARDO TELLINI TOLEDO.16

Corretos os ensinamentos de JOSÉ ROBERTO VIEIRA,

os quais foram seguidos por EDUARDO DOMINGOS

BOTTALLO.17

São as palavras do Professor da UFPR: 15 Isenções tributárias do IPI, em face do Princípio da Não-Cumulatividade, p. 160. 16 PAULO CELSO BERGSTRON BONILHA. IPI e ICMS: fundamentos da técnica

não cumulativa. São Paulo: Resenha Tributária, 1979, p. 143; A. M. DA CRUZ, O

IPI: limites constitucionais. São Paulo: R. dos Tribunais, 1984, p. 69; e J. E. T.

TOLEDO, O imposto sobre produtos industrializados: incidência tributária e

princípios constitucionais. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 145. 17 Diz o professor EDUARDO DOMINGOS BOTTALLO: “Manifestamos

anteriormente o entendimento de que a expressão ‘cobrado’ utilizada pela

Constituição tinha o sentido de ‘incidido’. Agora, estamos revendo esta posição,

convencidos de que, mesmo quando não ocorre a incidência, o direito ao crédito se

faz presente, observadas as condições expostas no texto. Esta revisão rende

homenagem à magnífica exposição sobre o tema feita pelo Professor JOSÉ

ROBERTO VIEIRA, durante o III Congresso Internacional de Direito Tributário

realizado em Recife, em setembro de 2005” – IPI: princípios e estrutura, p. 38, n.

11. Ressalte-se que a manifestação anterior à qual aludiu o professor EDUARDO

DOMINGOS BOTTALLO é a seguinte: “Neste sentido, cabe invocar a sempre

autorizada opinião de Alcides Jorge Costa, para quem o vocábulo ‘cobrado’ não

pode ser entendido no sentido de ‘exigido’, mas de ‘incidido’” – Créditos de IPI

relativos à industrialização de produtos mediante o emprego de produtos isentos ou

sujeitos à alíquota zero. In: VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA (COORD.) Grandes

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Em resumo, o direito de crédito do adquirente

legitima-se pela ocorrência da operação do

fornecedor. Irrelevante que nessa operação anterior

o IPI tenha sido “lançado”, “cobrado” ou “pago”.

Mais: irrelevante até que nessa operação anterior

haja “incidido” o IPI. Basta que ela tenha existido,

e que se possa quantificar, de alguma forma, o IPI

que lhe seria relativo, independentemente de

incidência, lançamento, cobrança ou pagamento.18

Basta, portanto, que tenha ocorrido uma operação

anterior com produto industrializado para que nasça para o

adquirente o direito ao crédito.

4. A NÃO-CUMULATIVIDADE ADOTADA PELA

CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA NO QUE RESPEITA AO

IPI

Pois bem, mas qual será a espécie de Não-cumulatividade

adotada pelo legislador constitucional? A espécie de Não-

cumulatividade utilizada pelo legislador constitucional foi a

técnica do crédito físico, importada da França, apesar de estar

em voga, naquele país, a técnica do crédito financeiro. Para

questões atuais de direito tributário, v. 4. São Paulo : Dialética, 2000, p. 11. O

Professor JOSÉ ROBERTO VIEIRA já havia defendido esta posição no XVIII

Congresso Brasileiro de Direito Tributário, realizado entre 27 e 29 de outubro de

2004, ocasião na qual, sobre a questão, sustentou: “Eu diria que se trata

simplesmente do imposto ‘relativo’ à operação anterior; o imposto – dizia o

professor Ataliba – ‘potencialmente cabível’” – Revista de direito tributário, v. 92,

p. 201. Este parece, também, ser o entendimento de MÁRCIO SEVERO

MARQUES, para o qual “...realizada – e devidamente documentada – a operação

anterior, nasce para o contribuinte adquirente de produtos industrializados o direito

ao crédito do IPI ‘correspondente’ ou ‘relativo’ às operações anteriores”. - IPI e

alíquota zero: não-cumulatividade e direito ao crédito na isenção. In: SCHOUERI,

Luís Eduardo (Coord.). Direito tributário: homenagem a Paulo de Barros Carvalho.

São Paulo : Quartier Latin, 2008, p. 377 18 Crédito de IPI relativo a operações anteriores beneficiadas: maiô completo ou

completa nudez, p. 724.

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apreendermos os contornos de ambas as técnicas, mostra-se

importante a transcrição da síntese de PAULO DE BARROS

CARVALHO:

a técnica do crédito físico [...] se

consubstancia no seguinte: tudo o que entrar na

composição do produto, tudo o que integrar

fisicamente o produto é passível de crédito do

imposto, isto é, as matérias-primas, produtos

intermediários e materiais de embalagens que

integrarem o produto ou que se consumirem no

processo de industrialização. Em contraposição a

isso, existe a técnica do crédito financeiro. Tudo o

que o industrial ou quem lhe seja equiparado utilize

direta ou indiretamente para a fabricação do

produto é passível de crédito. O industrial compra

uma máquina, os papéis de seu escritório, o

material que ele compra, as ferramentas, mesmo

que não se consumam no processo de

industrialização, tudo é passível de crédito porque

diz respeito, senão direta, mas indiretamente à

fabricação do produto.19

Observemos que o artigo 49 do Código Tributário

Nacional faz menção a produtos entrados no estabelecimento.

Eis seu teor: “O imposto é não-cumulativo, dispondo a lei de

forma que o montante devido resulte da diferença a maior, em

determinado período, entre o imposto referente aos produtos

saídos do estabelecimento e o pago relativamente aos produtos

nele entrados”.

Além disso, mesmo tendo havido revogação tácita do

artigo 25 da Lei nº 4.502/64, pelo artigo 49 acima transcrito,

não é demais examiná-lo com escopo didático. Prescreve o

artigo 25 da Lei nº 4.502/64:

19 Imposto sobre Produtos Industrializados. In: BOTTALLO, Eduardo Domingos

(Coord.). Curso de direito empresarial, p. 144.

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Art. 25. A importância a recolher será o

montante do impôsto relativo aos produtos saídos

do estabelecimento, em cada mês, diminuído do

montante do impôsto relativo aos produtos nêle

entrados, no mesmo período, obedecidas as

especificações e normas que o regulamento

estabelecer.

§ 1º. O direito de dedução só é aplicável aos

casos em que os produtos entrados se destinem à

comercialização, industrialização ou

acondicionamento, e desde que os mesmos

produtos ou os que resultem do processo industrial

sejam tributados na saída do estabelecimento. (sic)

Observemos que a leitura do parágrafo 1º do artigo 25

conduz à conclusão de que a dedução só terá lugar nos casos

em que os produtos forem consumidos no processo de

industrialização. Entretanto, aqueles que se destinem à

comercialização ou acondicionamento também ensejam

dedução. E essa conclusão é corroborada pelo Supremo

Tribunal Federal, que, em mais de uma oportunidade,

posicionou-se no sentido de que a aquisição de bens para

integrar o ativo fixo dos estabelecimentos industriais não gera

direito a crédito. Observemos o teor do julgamento do Agravo

Regimental, no Recurso Extraordinário nº 531.263-1, em cuja

ementa consta que “Não implica crédito para compensação

com o montante do imposto devido, nas operações ou

prestações seguintes, a entrada de bens destinados a consumo

ou a integração no ativo fixo do estabelecimento. Se não há

saída do bem, ainda que na qualidade de componente de

produto industrializado, não há falar-se em cumulatividade

tributária”.20

.

Esse julgamento, que serve de precedente para outros

20 Supremo Tribunal Federal, Ag no RExt nº 531.263-1/PR, rel. Min. EROS

ROBERTO GRAU, disponível em http://www.stf.jus.br, acesso em 11.dez.2009.

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RIDB, Ano 1 (2012), nº 9 | 5715

julgados, buscou seu fundamento em outros precedentes do

Supremo Tribunal Federal, que inadmitiam o creditamento de

ICMS pela aquisição de bens destinados ao ativo fixo do

estabelecimento.21

5. A NÃO-CUMULATIVIDADE E A AQUISIÇÃO DE

INSUMOS ISENTOS, SUJEITOS À ALÍQUOTA ZERO,

IMUNES OU NÃO-TRIBUTADOS.

Firmemos a premissa de que a corrente sobre o fenômeno

da isenção tributária à qual nos filiamos é a de PAULO DE

BARROS CARVALHO, segundo o qual a isenção se trata de

uma regra de estrutura que tem por escopo mutilar

parcialmente um dos critérios da hipótese ou uma das

determinações do conseqüente.22

Compartilhamos, portanto, da

opinião de que a alíquota zero nada mais é do que uma forma

de isenção, na esteira dos ensinamentos de PAULO DE

21 Supremo Tribunal Federal, ED no RExt nº 593.772-1/SC, rel. Min. CELSO DE

MELLO, disponível em http://www.stf.jus.br, acesso em 11.dez.2009; e Supremo

Tribunal Federal, AI nº 460.422-AgR/RS, rel. Min. CELSO DE MELLO, disponível

em http://www.stf.jus.br, acesso em 11.dez.2009. 22 A doutrina costuma utilizar a expressão critério quantitativo para se referir aos

elementos utilizados para individualizar o valor da prestação a ser cumprida pelo

sujeito passivo. Essa expressão é rechaçada por MARÇAL JUSTEN FILHO

afirmando ser ela “...terminologia inadequada cientificamente”. Prefere, o ex-

professor da UFPR, a expressão determinação objetiva que, em seu entender,

“...consiste na imposição de uma conduta, devida pelo sujeito passivo em benefício

do ativo”, que poderá ser um dar, um fazer, ou um não-fazer – O imposto sobre

serviços na Constituição. São Paulo: RT, 1985, p. 53. E aqui também se encontram

os componentes que, conjugados, permitem a individualização da prestação

pecuniária, objeto da relação jurídica tributária, que deverá ser exigida pelo sujeito

ativo em face do sujeito passivo. PAULO DE BARROS CARVALHO, referindo-se

não a determinação objetiva, mas a critério quantitativo afirma que ele “...nos fala

do objeto da prestação que, no caso da regra-matriz de incidência tributária, se

consubstancia na base de cálculo e na alíquota. É no critério quantitativo que

encontraremos referências às grandezas mediante as quais o legislador pretendeu

dimensionar o fato jurídico tributário, para efeito de definir a quantia a ser paga pelo

sujeito passivo, a título de tributo”. – Curso de direito tributário, 19. ed. São Paulo:

Saraiva, 2007 p. 314. Esses componentes são a base de cálculo e a alíquota.

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5716 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 9

BARROS CARVALHO, acompanhados por EDUARDO

DOMINGOS BOTTALLO e AIRES FERNANDINO

BARRETO, na qual ocorre a mutilação parcial da

determinação objetiva da regra-matriz de incidência tributária,

no ponto da alíquota.23

De saída, é possível afirmarmos, com o Professor da USP

e da PUC-SP, que, por ser a regra de isenção dirigida à

mutilação da regra-matriz de incidência tributária, aquela não

alcançará a regra-matriz de direito ao crédito.24

Na verdade, o fato de uma das operações da cadeia ser

isenta não gera nenhuma conseqüência para o direito ao

crédito. Observemos que, se o vocábulo cobrado, presente no

enunciado constitucional, fosse interpretado literalmente, nos

casos de isenção, não haveria direito a crédito e, em razão

disso, tanto a isenção quanto a Não-cumulatividade cairiam por

terra.25

Retomemos, aqui, as lições de HUGO DE BRITO

MACHADO – seguidas por PAULO DE BARROS

CARVALHO, JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES, EDUARDO

DOMINGOS BOTTALLO e JOSÉ ROBERTO VIEIRA –

segundo as quais, se a isenção inibir o direito ao crédito, nos

tributos não-cumulativos, de isenção não se tratará, e sim de

mero diferimento.26

23 P. B. CARVALHO, Curso de direito tributário, p. 521-530; E. D. BOTTALLO,

IPI: princípios e estrutura, p. 56; e A. F. BARRETO, Base de cálculo, alíquota e

princípios constitucionais. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 76. 24 Isenções tributárias do IPI, em face do Princípio da Não-Cumulatividade, p. 157. 25 Afirma PAULO DE BARROS CARVALHO que isenção e não-cumulatividade

“...anular-se-iam reciprocamente, de modo que, ao final, não remanesceria nem o

direito à isenção, nem o direito ao crédito” – Isenções tributárias do IPI, em face do

Princípio da Não-Cumulatividade, p.159. 26 P. B. CARVALHO, Isenções tributárias do IPI, em face do Princípio da Não-

Cumulatividade, p. 158-159; J. S. M. BORGES, Teoria geral da isenção tributária.

3. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 348; E. D. BOTTALLO, Créditos de IPI

relativos à industrialização de produtos mediante o emprego de produtos isentos ou

sujeitos a alíquota zero, p. 12; e J. R. VIEIRA, Crédito de IPI relativo a operações

anteriores beneficiadas: maiô completo ou completa nudez, p. 729.

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RIDB, Ano 1 (2012), nº 9 | 5717

Diz HUGO DE BRITO MACHADO que “Pode parecer

que não tendo sido cobrado o IPI na operação anterior, em face

da isenção, inexistiria o direito ao crédito. Tal entendimento,

porém, levaria à supressão pura e simples das isenções, que

restaram convertidas em meros diferimentos de incidência.27

Mais enfáticas são as palavras confiáveis de JOSÉ

SOUTO MAIOR BORGES, para quem “Isenção de impostos

não-cumulativos sem creditamento vale tanto quando

inexistência de isenção”.28

Observemos o seguinte exemplo. Numa cadeia produtiva

em que todos os produtos que a integram sejam tributados à

alíquota de 10%, e que, num dos elos da cadeia haja uma

isenção. Imaginemos que “A” vende insumos a “B” por R$

100,00 (cem reais). Sobre esse valor terá que pagar R$ 10,00

(dez reais) de imposto. E “B” terá direito a um crédito de R$

10,00 (dez reais). Na operação seguinte, que é isenta, “B”

vende produto para “C” por R$ 200,00 (duzentos reais). Nesse

caso “B” não recolherá nada a título de imposto, na medida em

que a operação é isenta. Isso não quer dizer, entretanto, que

“C” não se poderá creditar de R$ 20,00 (vinte reais). Por fim,

“C” vende o produto por R$ 300,00 (trezentos reais). Deverá

R$ 30,00 (trinta reais) a título de imposto, que serão pagos com

o crédito de R$ 20,00 (vinte reais) somado a R$ 10,00 (dez

reais) pagos em pecúnia.

Nesse exemplo, a Não-cumulatividade foi respeitada,

como também o foi a isenção. Se não houvesse como “C” se

creditar dos R$ 20,00 (vinte reais) relativos à compra de

insumos de “B”, o valor de imposto por ele suportado não seria

27 Isenção e não-cumulatividade do IPI., p. 31. É bem verdade que HUGO DE

BRITO MACHADO parece ter modificado seu pensar, como percebemos da leitura

de artigo mais recente de sua autoria – Crédito do IPI na aquisição de insumos

isentos e não tributados ou imunes. In: VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA

(COORD.). Grandes questões atuais de direito tributário, v. 10. São Paulo :

Dialética, 2006, p. 201-217. 28 Teoria geral da isenção tributária, p.344.

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5718 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 9

relativo tão-somente à operação por ele realizada, mas também

relativo à operação isenta. A isenção tornar-se-ia diferimento e

a Não-cumulatividade daria lugar à cumulatividade. Nesses

casos, o IPI passaria a ser um imposto sobre o valor acumulado

– o valor anterior mais o valor agregado –, como ensina JOSÉ

ROBERTO VIEIRA.29

Aqui, parece-nos ser o local para explicarmos o novel

entendimento de HUGO DE BRITO MACHADO. Segundo o

autor, somente haveria manutenção do crédito do IPI, relativo a

aquisições de insumos isentos, não tributados, tributados à

alíquota zero ou imunes, caso a desoneração decorra de política

de incentivo, com o “...objetivo de propiciar ao isento uma

vantagem relativamente aos demais contribuintes do imposto

que sejam seus concorrentes”.30

E mais. Afastando-se da ciência do direito em sentido

estrito, e aproximando-se da política do direito, na medida em

que considera os motivos pelos quais a isenção foi concedida,

HUGO DE BRITO MACHADO afirma:

quando cogitamos aqui das espécies de

isenção, queremos apenas indicar que o direito ao

crédito existe somente quando se trata de isenção

concedida como incentivo, que exige seja mantida

a distinção do beneficiário em razão do que tenha

motivado a isenção, para que a vantagem que esta

propicia para o isento não termine anulada com a

não-garantia do crédito respectivo.

[...]

Em princípio, nos casos de aquisição de

insumos com alíquota zero, não tributados ou

imunes, não existe direito a crédito fundado na não-

29 Crédito de IPI relativo a operações anteriores beneficiadas: maiô completo ou

completa nudez, p. 726. 30 Crédito do IPI na aquisição de insumos isentos e não tributados ou imunes, p.

210-211.

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RIDB, Ano 1 (2012), nº 9 | 5719

cumulatividade.31

Feita a menção à posição divergente, voltemos.

E outros argumentos há para que se afaste

definitivamente o entendimento de que aquisições de insumos

isentos – e dos beneficiados em geral – não geram direito ao

crédito. É bem verdade que se chegou a cogitar, na doutrina e

nos Tribunais, da possibilidade de se estender o entendimento

relativo à Não-cumulatividade do ICMS ao IPI. Entretanto,

uma análise meramente sintática demonstrará que as diferenças

são gritantes e desautorizam tal conclusão. No que concerne à

Não-cumulatividade do ICMS, prescreve a Constituição

Federal:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito

Federal instituir imposto sobre:

[...]

II – operações relativas à circulação de

mercadorias e sobre prestações de serviços de

transporte interestadual e intermunicipal e de

comunicação, ainda que as operações se iniciem no

exterior;

[...]

§ 2º. O imposto previsto no inciso II atenderá

ao seguinte:

I – será não-cumulativo, compensando-se o

que for devido em cada operação relativa à

circulação de mercadorias ou prestação de serviços

com o montante cobrado nas anteriores pelo

mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

II – a isenção ou a não-incidência, salvo

determinação em contrário da legislação:

a) não implicará crédito para compensação

com o montante devido nas operações ou

prestações seguintes;

31 Crédito do IPI na aquisição de insumos isentos e não tributados ou imunes, p. 211.

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5720 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 9

b) acarretará a anulação do crédito relativo às

operações anteriores;

Lembremo-nos que, no que respeita ao IPI, a disciplina

da Não-cumulatividade é completamente diversa, limitando-se

a Constituição a prescrever, em seu artigo 153, § 3º, II, que

será ele “...não-cumulativo, compensando-se o que for devido

em cada operação com o montante cobrado nas anteriores”.

Como bem ressalta JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES, “A

Constituição Federal vai a pormenores na estruturação da

incumulatividade do ICMS [...], que não encontram

correspondência no IPI” e, ainda, que “Nenhuma das restrições

constitucionais às isenções do ICMS tem algo a ver com as do

IPI”.32

Ora, não há, para o IPI, a imposição dos obstáculos

existentes para o ICMS. É correta, portanto, a expressão

utilizada por JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO: a de que

no IPI é “...pleno o direito a crédito...”. Não bastasse isso,

outros argumentos há que afastam, de forma firme, a

possibilidade de estender as prescrições relativas ao ICMS à

Não-cumulatividade do IPI.33

32 Teoria Geral da isenção tributária, p. 342-343. No mesmo sentido: HERON

ARZUA, para quem “...ao contrário do ICMS, não há qualquer restrição no Texto

Constitucional ao aproveitamento integral dos créditos” – Revista de direito

tributário. v. 64. São Paulo : Malheiros, s/d, p. 260. 33 J. E. S. DE MELO, Crédito de IPI. Não-cumulatividade. Aquisições de

insumos.Utilização em produtos industrializados e os distintos efeitos do IPI.

(Alíquota zero, alíquotas específicas e não-tributado), p. 203. EDUARDO

DOMINGOS BOTTALLO, por exemplo, compartilha do mesmo entendimento. Diz

ele: “...o já analisado preceito do art. 153, § 3º, II, assegura o direito ao crédito de

IPI relativo ao montante cobrado nas operações anteriores, inclusive quando isentas

ou sujeitas à alíquota zero, exatamente porque não ressalva, de modo restritivo, estas

situações, ao contrário do que acontece com o ICMS, que, quanto a este aspecto,

submete-se a vedação expressa no texto constitucional (art. 155, § 2º, II)” – Créditos

de IPI relativos à industrialização de produtos mediante o emprego de produtos

isentos ou sujeitos a alíquota zero, p. 12. No mesmo sentido caminha MÁRCIO

SEVERO MARQUES – IPI e alíquota zero: não-cumulatividade e direito ao crédito

na isenção. In: SCHOUERI, Luís Eduardo (Coord.). Direito tributário: homenagem

a Paulo de Barros Carvalho. São Paulo : Quartier Latin, 2008, p. 370-372.

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RIDB, Ano 1 (2012), nº 9 | 5721

PAULO DE BARROS CARVALHO, por exemplo, faz

uma retomada histórica, para explicar as origens da peculiar

disciplina da Não-cumulatividade no que tange ao ICMS. Faz a

análise, ainda que breve, da “...sensível modificação...” pela

qual passou o ICMS, para utilizar os termos de JOSÉ

EDUARDO SOARES DE MELO e LUIZ FRANCISCO

LIPPO.34

Diz o Professor da USP e da PUC-SP:

Tenho para mim que a exegese que estende a

restrição do ICMS para o IPI não encontra suporte

na concepção sistemática de nosso direito positivo.

Contudo, não bastasse esse pensamento e uma

lembrança de cunho histórico pode clarear nossa

mente: antes da Emenda Constitucional nº 23, de

01/12/83, o art. 23, II, não previa o impedimento

atual do direito ao crédito, relativo à isenção para o

ICM. A introdução do limite constitucional à não-

cumulatividade e à isenção do ICMS, teve por

finalidade evitar a denominada “guerra fiscal”,

isto é, a disputa entre os Estados, considerada pelo

Constituinte de 1988 como prejudicial às Fazendas

Estaduais. Ora, por certo que o mesmo não ocorre

com o IPI, que é tributo federal.35

Mas não só o argumento histórico é utilizado por

PAULO DE BARROS CARVALHO. Outro, de maior peso, é 34 A não-cumulatividade tributária (ICMS, IPI, ISS, PIS, Cofins), p. 112. 35 Isenções tributárias do IPI, em face do Princípio da Não-Cumulatividade, p. 162-

163. Ao comentar o surgimento da mencionada emenda constitucional, SACHA

CALMON NAVARRO COÊLHO diz: “Os Estados-membros, insatisfeitos com a

jurisprudência mansa e pacífica do STF que concedia o crédito do ICM ao

adquirente de mercadorias ou matérias-primas isentas, patrocinaram a Emenda

Constitucional nº 23, de 1º.12.83 (Emenda Passos Porto) que alterou, mas apenas em

relação ao ICM, um dos impostos sobre o valor adicionado no Brasil, a disciplina

constitucional do princípio da não-cumulatividade” – Imposto sobre Produtos

Industrializados e o direito à compensação de créditos presumidos. In VALDIR DE

OLIVEIRA ROCHA (COORD.). Grandes questões atuais de direito tributário. v. 2.

São Paulo : Dialética, 1998, p. 290.

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5722 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 9

o que parte dos chamados princípios ontológicos aplicáveis ao

Direito Privado e ao Direito Público. Àquele, a idéia de que

“tudo o que não estiver expressamente proibido será

permitido”; e a este, a noção de que “tudo o que não estiver

expressamente permitido, será proibido”.36

Este também é o entendimento de JOSÉ SOUTO

MAIOR BORGES, que, ao tratar das isenções do IPI, afirma

que neste particular vale a regra de que “...o que não está

juridicamente proibido, está juridicamente autorizado”.37

Pois bem. PAULO DE BARROS CARVALHO formula

questionamento que sacramenta a questão: “onde está a

autorização expressa para vedar a isenção, no caso do IPI?” A

sua resposta não pode ser outra que não a de que essa

autorização simplesmente não existe, não havendo, portanto,

que se falar em impossibilidade de nascimento de crédito

decorrente de aquisição de insumos isentos.38

Essa diferença entre a disciplina da Não-cumulatividade

no ICMS e no IPI foi percebida também por JOSÉ ROBERTO

VIEIRA, por EDUARDO DOMINGOS BOTTALLO, por

JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO e LUIZ FRANCISCO

LIPPO e por ANDRÉ DE SOUZA DANTAS ELALI39

36 Imposto sobre Produtos Industrializados e o direito à compensação de créditos

presumidos. In VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA (COORD.). Grandes questões

atuais de direito tributário, p. 163. 37 Teoria geral da isenção tributária, p. 350. 38 Isenções tributárias do IPI, em face do Princípio da Não-Cumulatividade, op. cit.,

p. 163. 39 J. R. VIEIRA, Crédito de IPI relativo a operações anteriores beneficiadas: maiô

completo ou completa nudez, p. 730-732 ; “...o art. 153, parágrafo 3º, II, da CF

assegura o direito ao crédito de IPI dos valores relativos às operações anteriores,

inclusive quando isentas, exatamente porque não ressalva, de modo restritivo, estas

situações, ao contrário do que acontece com o ICMS, que, quanto a este aspecto,

está submetido à vedação expressa pelo texto constitucional (art. 155, parágrafo 2º,

II)” – E. D. BOTTALLO, IPI: princípios e estrutura, p. 42; J. E. S. DE MELO e F.

LIPPO, A não-cumulatividade tributária (ICMS, IPI, ISS, PIS, Cofins), p. 99; J. E.

S. DE MELO, IPI – crédito nas entradas de bens desonerados do imposto. A

aplicação do princípio da não-cumulatividade, p. 198; e A. ELALI, IPI: aspectos

práticos e teóricos. Curitiba: Juruá, 2006, p. 90.

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RIDB, Ano 1 (2012), nº 9 | 5723

Lembra, ainda, JOSÉ ROBERTO VIEIRA, que o direito

ao crédito decorrente da Não-cumulatividade do IPI desfruta de

estatura constitucional, estando, portanto, a salvo dos ataques

do legislador infraconstitucional. Conclusão na qual o

acompanha EDUARDO DOMINGOS BOTTALLO, ao afirmar

que “...o preceito que a consagra não pode ter seu alcance

restringido ou afastado, seja por normas infraconstitucionais,

seja por mero labor exegético”.40

Por fim, devemos mencionar o argumento utilizado por

JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES, de que não garantir a

manutenção dos créditos de IPI, decorrentes da aquisição de

insumos isentos, fere o Princípio da Igualdade – na medida em

que contribuintes na mesma situação estarão sujeitos a

tratamentos distintos – e, até mesmo, o Princípio da Livre

Concorrência. Em suas palavras:

Ocorrendo isenção, abater-se-á o IPI não

porque ele tenha sido pago na etapa antecedente,

mas porque o adquirente não deverá suportá-lo

sobre valor acumulado, em desigualdade de

condições com os demais contribuintes (CF, art.

150, II) como decorrência de ato de liberalidade

estatal, a que não deu causa. E não se contraponha

a essa conclusão que, sendo o IPI imposto

‘indireto’, quem suporta o ônus econômico, pelo

mecanismo da repercussão, é o contribuinte de fato. 40 J. R. VIEIRA, Crédito de IPI relativo a operações anteriores beneficiadas: maiô

completo ou completa nudez, p. 732; e E. D. BOTTALLO, Créditos de IPI relativos

à industrialização de produtos mediante o emprego de produtos isentos ou sujeitos a

alíquota zero, p. 10-11 e do mesmo autor IPI: princípios e estrutura, p. 34. Este

também é o entendimento de JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO, para quem

“Relativamente ao IPI, a aplicação do princípio decorre de expressa e exclusiva

determinação constitucional, em razão do que quaisquer normas infra

constitucionais não poderão estabelecer restrições, ou entraves de qualquer natureza

à sua operacionalidade. Inexiste vedação ou regras condicionantes ao

aproveitamento de créditos (inclusive no caso de operações não tributadas)” – IPI –

crédito nas entradas de bens desonerados do imposto. A aplicação do princípio da

não-cumulatividade, p. 195.

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5724 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 9

Essa sim, a repercussão, é uma categoria

econômica e que pode verificar-se ou não, no todo

ou em parte, a depender de condições de mercado.

O tratamento jurídico estaria portanto

desuniformizado entre contribuintes do IPI em

situação equivalente. Em certas situações

excepcionais, o industrial que fabricasse produtos

isentos teria de vendê-los com desconto do valor da

isenção desacompanhada de crédito de IPI. Em tais

hipóteses, a acumulação do valor do IPI afetaria até

a livre concorrência entre empresas (CF, art. 170,

IV).41

Pois bem. Firmado o entendimento de que a aquisição de

insumos isentos gera direito ao crédito, é de se questionar a

alíquota aplicável para o cálculo do crédito decorrente dessa

operação.42

Nesse caso, correto é o entendimento de EDUARDO

DOMINGOS BOTTALLO, seguido por JOSÉ ROBERTO

VIEIRA, de que a alíquota a ser empregada deve ser

exatamente a mesma do produto final, em cujo processo

41 Teoria geral da isenção tributária, p. 353. Entendimento este acompanhado por

JOSÉ ROBERTO VIEIRA, como demonstra sua manifestação no XVIII Congresso

Brasileiro de Direito Tributário, realizado entre 27 e 29 de outubro de 2004, na qual

afirmou: “E há, por fim, um terceiro problema, muito bem identificado pelo

professor José Souto Maior Borges, que é o fato de que se todos os contribuintes do

IPI pagam o imposto economicamente sobre o valor agregado, aquele contribuinte

que utiliza insumos isentos da operação anterior acabará pagando o IPI não sobre o

valor agregado, mas – isso, sim – sobre o valor acumulado! Em situação idêntica à

dos demais contribuintes do IPI, este último está sendo tratado, evidentemente, de

forma desigual, e o que resta nitidamente ferido, aqui, é o superior princípio da

igualdade” – Revista de direito tributário, v. 92, p. 202. 42 Em sentido contrário, vide JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO e LEANDRO

PAULSEN: “Mesmo em se tratando de matéria-prima, produto intermediário ou

material de embalagem ensejadores, via de regra, de creditamento, não se tem como

pretendê-lo no caso de a sua entrada não ser onerada pelo IPI, seja por força de

isenção, de alíquota zero, de imunidade ou de simples não-incidência” – Impostos:

federais, estaduais e municipais. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.,

p. 89-90.

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RIDB, Ano 1 (2012), nº 9 | 5725

produtivo se empregam os insumos, matérias-primas e

produtos intermediários isentos.43

Em sua visão, solução diferente acarretaria o

locupletamento indevido, quer por parte do contribuinte – nos

casos em que a alíquota utilizada fosse maior que a do produto

acabado – quer do Fisco, na hipótese de a alíquota presumida

ser menor do que aquela do produto final.44

O Supremo Tribunal Federal recebeu bem a posição

doutrinária sobre o tema, como dá notícia o acórdão do

Recurso Extraordinário nº 212.484-2-RS, no qual lemos que

"Não ocorre ofensa à CF (art. 153, § 3º, II) quando o

contribuinte do IPI credita-se do valor do tributo incidente

sobre insumos adquiridos sob o regime de isenção. Recurso

não conhecido”.45

Nesse caso, o primeiro voto, do relator, ministro ILMAR

GALVÃO, enveredou pela impossibilidade de creditamento

nos casos de aquisição de insumos isentos, em decorrência de

43 E. D. BOTTALLO, IPI: princípios e estrutura, p. 44; e J. R. VIEIRA, Crédito de

IPI relativo a operações anteriores beneficiadas: maiô completo ou completa nudez,

p. 735 et. seq. 44 EDUARDO DOMINGOS BOTTALLO, IPI: princípios e estrutura, p. 44. Aqui,

importante mencionarmos a sugestão de JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO,

para quem parece “...possível considerar a alíquota prevista para o produto

industrializado, e daí, então, apurar o valor que os insumos (desonerados de IPI)

representam na sua fabricação mediante a observância de princípios, critérios

(contábeis, financeiros etc.), adequados e devidamente embasados em laudo

elaborado por profissional de capacitação técnica. Sob essa ótica, por exemplo, na

fabricação de equipamento industrial (valor de R$ 1 milhão, com alíquota de 10% de

IPI, correspondendo este a R$ 100 mil), os métodos indicados permitiriam encontrar

o índice (ou grau) de participação do insumo isento de IPI, passando-se à adoção de

um critério de proporcionalidade, apurando o valor que o aludido insumo

representou no montante do IPI relativo ao produto final” – IPI – crédito nas

entradas de bens desonerados do imposto. A aplicação do princípio da não-

cumulatividade, p. 203. 45 Supremo Tribunal Federal, RExt nº 212.484-2-RS, rel. Min. ILMAR GALVÃO,

redator para acórdão: Min. NELSON JOBIM, disponível em http://www.stf.jus.br,

acesso em 11.dez.2009. No mesmo sentido, vide Supremo Tribunal Federal, AgReg

no RExt nº 293.511-5-RS, rel. Min. CELSO DE MELLO, disponível em

http://www.stf.jus.br, acesso em 11.dez.2009.

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uma interpretação meramente literal do dispositivo.46

Foi de fundamental importância o voto do ministro

NELSON JOBIM, que demonstrou o desacerto do caminho

que começava a ser trilhado. Após explicar a sistemática da

Não-cumulatividade e seu escopo, o ministro lançou luz sobre

o fato de que impossibilitar o creditamento transformaria a

isenção em mero diferimento. Além disso, acerta em cheio, ao

dirigir-se aos demais ministros, alertando-os de que não

podem, “...por força da técnica utilizada no Brasil para aplicar

o sistema do tributo sobre o valor agregado não-cumulativo,

torná-lo cumulativo e inviabilizar a concessão de isenções

durante o processo produtivo”. Desbravou o caminho seguido

pelos demais ministros nesse julgamento. O ministro

MAURÍCIO CORRÊA, por exemplo, sustentou que a Não-

cumulatividade do IPI prescinde de qualquer lei para ser

operacionalizada. Segundo seu entender, o artigo 153, § 3º, II,

da Constituição Federal é auto-explicativo e o posicionamento

acerca da possibilidade de creditamento nesses casos é a

interpretação correta. Na mesma linha, andou o ministro

MARCO AURÉLIO. Entretanto, foi além, em seu voto, ao

lembrar que as alterações promovidas pela Emenda nº 23, de 1º

de dezembro de 1983, batizada de “Passos Porto”, à

Constituição Federal de 1967, com a Emenda n. 1/1969,

aplicavam-se apenas ao ICMS, em nada alterando a sistemática

46 São as palavras do Ministro ILMAR GALVÃO: “A compensação só se dá com o

que for cobrado, sendo intuitivo admitir que, se nada foi cobrado na operação

anterior, não haverá lugar para ela. Não importa que o consumidor final não tenha

sido beneficiado pela não-exigência do tributo em uma das etapas do ciclo

econômico, posto que conta, a seu favor, com a garantia da observância do princípio

da não-cumulatividade. Aliás, a isenção na aquisição de matéria prima não visa a

beneficiar o consumidor, visto apenas diferir a incidência do imposto para a

operação de venda do produto acabado, mas, tão-somente, a empresa industrial, na

medida em que a exonera da obrigação de desembolsar, quando da aquisição de

matéria prima, o valor alusivo ao tributo. Justamente porque exonerada dessa

obrigação, fica sem crédito a compensar. [...] No caso sob exame, como resultou

demonstrado nos autos, inexiste autorização legal para o benefício do crédito pelo

imposto presumido, razão pela qual o acórdão não tem condições de subsistir”.

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da não-cumulatividade concernente ao IPI.47

Após a exposição

de suas razões, sintetiza-as em uma frase: “...não podemos

confundir isenção com diferimento, nem agasalhar uma óptica

que importe em reconhecer-se a possibilidade de o Estado dar

com uma das mãos e retirar com a outra”.

Esse também o teor da manifestação do ministro NÉRI

DA SILVEIRA. Em seu entender, “No que concerne ao IPI,

não houve modificação, à vista da Súmula 591. A modificação

que se introduziu, de forma expressa e em contraposição à

jurisprudência assim consolidada do Supremo Tribunal

Federal, quando ao ICM, ocorreu por força da Emenda

Constitucional nº 23, à Lei Maior de 1969, repetida na

Constituição de 1988, mas somente em relação ao ICM,

mantida a mesma redação do dispositivo do regime anterior,

quanto ao IPI”.

Perfeito, até aqui, o entender do Supremo Tribunal

Federal. Fazemos coro com JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES

que, elogiando a decisão, ressaltou que “...seria juridicamente

monstruoso praticasse o Estado uma liberalidade (a isenção) e

um contribuinte, o adquirente do insumo, viesse a ser onerado,

em decorrência dela, por mero capricho exegético, uma

obstinação no erro”. E arremata com precisão: “Isenção com

agravamento da carga tributária, um vexame institucional”.48

47 Disse o ministro MARCO AURÉLIO: “Deu-se a transformação da regra em

exceção, como disse: a isenção ou a não-incidência não implicará crédito – e estou

modificando a ordem das expressões – “não implicará” – é a regra – “crédito de

imposto para abatimento daquele incidente nas operações seguintes, salvo

determinação em contrário da legislação”. O crédito, portanto, tão-somente no

tocante ao ICM, só poderia decorrer de disposição legal. Houve modificação, em si,

quanto ao IPI? Não, o IPI continuou com o mesmo tratamento que conduziu esta

Corte a assentar uma jurisprudência tranqüilíssima no sentido do direito ao crédito.

Não houve mudança. A Emenda Constitucional nº 23 apenas alterou o preceito da

Carta então em vigor que regulava o ICMS. Ora, isenta-se de algo, de início, devido,

e, para não se chegar à inocuidade do benefício, deve haver o crédito, sob pena,

também, de transformarmos a isenção em simples diferimento, apenas projetando no

tempo o recolhimento do tributo”. 48 Teoria geral da isenção tributária, p. 359.

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A doutrina afirma que essa diretriz jurisprudencial pode,

perfeitamente, ser aplicada nos casos de aquisições originárias

da Zona Franca de Manaus, como afirma JOSÉ EDUARDO

SOARES DE MELO.49

A União, entretanto, interpôs o recurso extraordinário n.

592.891-SP que teve, em 22 de outubro de 2010, reconhecida a

repercussão geral da questão constitucional nele ventilada, de

acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que

reconheceu o direito ao aproveitamento de créditos de IPI

decorrentes de aquisições de insumos, matérias-primas e

materiais de embalagem isentos, oriundos da Zona Franca de

Manaus. Fundamentando seu pedido, a União sustenta que “...o

princípio da não-cumulatividade, tal qual previsto no artigo

153, § 3º, II, da Constituição, exige tributo cobrado na

operação anterior, razão pela qual não garante, sem lei que

assim o preveja, o creditamento em casos de aquisição de

insumos não tributados ou tributados à alíquota zero”, devendo

este raciocínio ser aplicado nos casos de aquisições de

49 “Não há maior problema para aplicar a diretriz jurisprudencial (RE 212.484-2) em

consonância com a determinação constitucional (art. 153, § 3º, II), ao se tratar de

aquisições originárias da Zona Franca de Manaus. Nessa situação, o adquirente dos

insumos terá fácil condição de apropriar um específico valor, a título de crédito de

IPI. Basta utilizar a alíquota prevista para o mesmo produto na Tabela de Incidência

prevista na legislação. Como o ordenamento – em regra –, tem estabelecido uma

específica alíquota para as operações (tributadas), realizadas em demais pontos do

território nacional, o adquirente dos insumos isentos nada mais fará do que adotar a

alíquota existente no direito positivo” – J. E. S. DE MELO. Crédito de IPI. Não-

cumulatividade. Aquisições de insumos. Utilização em produtos industrializados e

os distintos efeitos do IPI (Alíquota zero, alíquotas específicas e não-tributado), p.

219. HUGO DE BRITO MACHADO admite a manutenção do crédito do IPI nas

aquisições de insumos advindos da Zona Franca de Manaus. Em suas palavras:

“Negar aos industriais que adquirem insumos produzidos na Zona Franca de

Manaus, e por isto mesmo são isentos do IPI, o direito ao crédito correspondente

anula inteiramente o aludido incentivo fiscal. Será melhor adquirir tais insumos de

produtores situados em outras localidades, submetidos ao imposto. O direito ao

crédito anula o ônus do imposto e o adquirente ganha com frete possivelmente mais

barato. Restará, assim, excluída totalmente a eficácia da norma jurídica isentiva, o

que certamente não é razoável admitir” – Crédito do IPI na aquisição de insumos

isentos e não tributados ou imunes, p. 217.

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insumos, matéria-prima ou material de embalagem isentos

oriundos da Zona Franca de Manaus.

A União afirmou conhecer o teor do julgamento do

Recurso Extraordinário n. 212.484-RS, mas disse que a

Constituição Federal exige a edição de lei para a concessão de

incentivos regionais. O seu interesse, nesse caso, é impedir que

o adquirente de insumos, matérias-primas e materiais de

embalagem isentos, possa se aproveitar dos créditos de IPI

correspondentes.

No que se refere à alíquota-zero, lembremo-nos,

conforme exposto, que firmamos a premissa de que a alíquota

zero nada mais é do que uma regra de isenção que mutila

parcialmente a determinação objetiva [critério quantitativo], na

esteira das lições de PAULO DE BARROS CARVALHO.

Diante disso, nada mais natural do que se manter exatamente o

mesmo entendimento aplicado às isenções, tendo em vista que

esta e a alíquota zero tratam-se, exatamente, da mesma coisa.

Num primeiro momento, foi esse também o

entendimento do Supremo Tribunal Federal. Observe-se, por

exemplo, o Recurso Extraordinário nº 353.668-1-PR, no qual

se firmou o entendimento de que “Se o contribuinte do IPI

pode creditar o valor dos insumos adquiridos sob o regime de

isenção, inexiste razão para deixar de reconhecer-lhe o mesmo

direito na aquisição de insumos favorecidos pela alíquota zero,

pois nada extrema, na prática, as referidas figuras

desonerativas, notadamente quando se trata de aplicar o

princípio da não-cumulatividade. A isenção e a alíquota zero

em um dos elos da cadeia produtiva desapareceriam quando da

operação subseqüente, se não admitido o crédito. Recurso não

conhecido”.50

Por ocasião desse julgamento, o ministro NELSON

JOBIM, após esclarecer que o caso se referia tão-somente à

50 Supremo Tribunal Federal, RExt nº 353.668-1-PR, rel. Min. NELSON JOBIM,

disponível em http://www.stf.jus.br, acesso em 11.dez.2009.

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alíquota zero e a não-tributação, analisou a posição dos

Tribunais Regionais Federais, do Superior Tribunal de Justiça e

do próprio Supremo Tribunal Federal a respeito da relação

entre isenção e alíquota zero, alcançando a conclusão de que,

no concernente ao crédito decorrente do Princípio da Não-

cumulatividade, ambas as figuras em nada se distinguiam.51

Essa também foi a posição manifestada no julgamento do

Recurso Extraordinário nº 350.446-1-PR, do Recurso

Extraordinário nº 357.277-6-RS e do Recurso Extraordinário nº

358.493-6-SC, todos ocorridos em 18 de dezembro de 2002.52

Infelizmente, para utilizarmos as palavras de JOSÉ ROBERTO

VIEIRA, esse posicionamento foi “...objeto de

51 Eis os excertos de seu voto – seguido pelos demais ministros, à exceção de

ILMAR GALVÃO – que confirmam o alegado: “Do ponto de vista jurídico, o

direito ao crédito tributário não pressupõe a incidência da norma tributária. [...] A

isenção e a alíquota-zero têm os mesmos efeitos e como tal devem ser tratadas. [...]

Em ambas as fórmulas, o objetivo é evitar a cumulação. Ora, se esse é o objetivo,

tanto a isenção – como já decidimos – como a alíquota-zero ocorrentes em um elo da

corrente produtiva não podem ser desconhecidas quando da operação subseqüente.

Se não, como disse no RE 212.484, estar-se-ia perante uma hipótese de diferimento

do tributo. [...] Já decidimos que, na hipótese de isenção, há creditamento (RE

212.484). Pergunto: Por que decidiríamos o contrário na hipótese de alíquota-zero,

onde a situação é a mesma? [...] A isenção, a alíquota-zero ou a não-tributação em

um dos elos da cadeia produtiva desapareceriam quando da operação subseqüente,

se não admito o creditamento. Nesta última – a operação subseqüente – recompor-

se-ia todo o tributo, como se isenção, alíquota-zero ou não-tributação não tivesse

ocorrido em algum momento da cadeia produtiva. A recomposição do tributo dar-se-

ia pela incidência da alíquota relativa à operação subseqüente, que atingiria as

operações anteriores isentas, de alíquota-zero ou não tributadas. [...] Fica

demonstrado que a isenção, a alíquota-zero ou não tributação transformar-se-iam em

puro e simples diferimento do tributo. Daí a necessidade de se reconhecer o crédito à

base da alíquota da operação subseqüente. [...] Por tudo que afirmei admito os

créditos pleiteados, tanto nos casos de isenção – não objeto do recurso –, como nos

de tributação à alíquota-zero ou de não-tributação”. 52 Supremo Tribunal Federal, RExt nº 350.4461-PR, rel. Min. NELSON JOBIM,

disponível em http://www.stf.jus.br, acesso em 11.dez.2009; Supremo Tribunal

Federal, RExt nº 357.277-6-RS, rel. Min. NELSON JOBIM, disponível em

http://www.stf.jus.br, acesso em 11.dez.2009; Supremo Tribunal Federal, RExt nº

358.493-6-SC, rel. Min. ILMAR GALVÃO, redator para acórdão Min. NELSON

JOBIM, disponível em http://www.stf.jus.br, acesso em 11.dez.2009.

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reconsideração...”.53

Realmente, o entendimento do Supremo Tribunal Federal

foi radicalmente alterado em 25 de junho de 2007, por ocasião

do julgamento do Recurso Extraordinário nº 353.657-5-PR,

pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, ocasião na qual

entenderam que “Conforme disposto no inciso II do § 3º do

artigo 153 da Constituição Federal, observa-se o princípio da

não-cumulatividade compensando-se o que for devido em cada

operação com o montante cobrado nas anteriores, ante o que

não se pode cogitar de direito a crédito quando o insumo entra

na indústria considerada a alíquota zero”.54

Nesse julgamento, o entendimento esboçado no voto do

ministro relator venceu por apertada maioria de seis votos a

cinco. Foram contundentes as afirmações do ministro MARCO

AURÉLIO DE MELLO, relator do Recurso Extraordinário em

questão. Principalmente ao se considerar que a interpretação

por ele eleita foi a literal, como salta aos olhos quando da

leitura de seu voto.55

53 Ao tratar do tema “IPI – Questões atuais: crédito e anterioridade”, por ocasião do

XVIII Congresso Brasileiro de Direito Tributário, assim manifestou-se JOSÉ

ROBERTO VIEIRA: “Quanto aos créditos do IPI, escolho um tema que, neste

momento, é objeto de reconsideração pelo STF – e, infelizmente, ‘reconsideração’,

pois creio que o entendimento já firmado é o melhor –, que é a possibilidade de

créditos oriundos de operações anteriores beneficiadas” – Revista de direito

tributário, v.92, p. 200-201. 54 Supremo Tribunal Federal, RExt nº 353.657-5-PR, rel. Min. MARCO AURÉLIO,

disponível em http://www.stf.jus.br, acesso em 11.dez.2009. No mesmo sentido,

vide Supremo Tribunal Federal, RExt nº 370.682-9-SC, rel. Min. ILMAR

GALVÃO, rel. para acórdão Min. GILMAR MENDES disponível em

http://www.stf.jus.br, acesso em 11.dez.2009. A alteração foi profunda a ponto de

ser objeto das investigações de MISABEL ABREU MACHADO DERZI em seu

excelente Modificações da jurisprudência no direito tributário. São Paulo : Noeses,

2009, p. 295-308. 55 Não ignoramos o fato de que a transcrição de parte do voto do ministro relator é

cansativa, tanto para quem a transcreve quanto para quem a lê, entretanto, faz-se

necessária, razão pela qual segue: “Presente o instituto da não-cumulação, nota-se,

nos preceitos regedores dos tributos ICMS e IPI, distinção apenas semântica. No

primeiro, ICMS, está autorizada a subtração do montante cobrado na operação

anterior. Em relação ao IPI, compensa-se o que devido em operação anterior. A

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clareza dos textos em exame, a sobreporem-se – ante a rigidez da Constituição e

conseqüente supremacia – à legislação ordinária, não poderia ser maior, valendo

registrar a impertinência de malabarismos interpretativos que acabem por implicar o

desprezo ao sentido vernacular das palavras. Possível é proclamar-se que a não-

cumulatividade pressupõe, salvo previsão contrária da própria Constituição, tributo

devido e recolhido anteriormente, concretude e não ficção relativamente a valor a ser

compensado. Quanto ao ICMS, a Constituição versa ainda sobre as conseqüências

jurídicas de dois outros institutos que nada têm a ver com o princípio da não-

cumulatividade. São eles a isenção e a não-incidência. De forma exaustiva, dispõe a

Carta da República que, em se tratando de ICMS, a isenção ou não-incidência

deságuam, como regra, no afastamento do crédito relativo às operações anteriores.

No caso de ter-se isenção ou não-incidência em certa operação e o tributo na que se

segue, mais uma vez surge a regra da inexistência do crédito sobre o montante

devido nas operações ou prestações seguintes, sendo que, no artigo 175 do Código

Tributário Nacional, constata-se regra linear de exclusão. A exceção – o direito ao

creditamento – há de estar contemplada na legislação. [...] Verifica-se que, em

relação ao IPI, nada foi previsto sob o ângulo do crédito, mesmo em se cuidando de

isenção ou não-incidência. O figurino constitucional apenas revela a preservação do

princípio da não-cumulatividade, ficando o crédito, justamente por isso – e em vista

do conteúdo pedagógico do texto regedor, artigo 153, § 3º, inciso II –, sujeito ao

montante cobrado nas operações anteriores, até porque a alíquota não poderia ser

zero, em termos de arrecadação, inexistindo obrigação tributária e ser “x”, em

termos de crédito. Ante o princípio da razoabilidade, há de ser única. Em outras

palavras, essa compensação, realizada via o creditamento, pressupõe, como

assentado na Carta Federal, o valor levado em conta na operação antecedente, o

valor cobrado pelo fisco. Relembre-se que, de acordo com a previsão constitucional,

a compensação se faz considerando o que foi efetivamente exigido e na proporção

que o foi. Assim, se a hipótese é de não-tributação ou de prática de alíquota zero,

inexiste parâmetro normativo para, à luz do texto constitucional, definir-se, até

mesmo, a quantia a ser compensada. Se o recolhimento anterior do tributo se fez à

base de certo percentual, o resultado da incidência deste – dada a operação efetuada

com alíquota definida de forma específica e a realização que se lhe mostrou própria

– é que há de ser compensado, e não o relativo à alíquota final cuja destinação é

outra. Não fosse a clareza do texto, a necessidade de os preceitos maiores serem

interpretados de maneira integrativa, teleológica e sistemática, atente-se para as

incongruências em face da ilação de que cabe o creditamento em se tratando de não-

tributação ou de alíquota zero. De início, surge perplexidade quanto à alíquota a ser

observada, porquanto, na não-tributação, ela inexiste e, na tributação à alíquota zero,

tem-se absoluta neutralidade, não surgindo, nos dois casos, a definição de qualquer

valor. Determinado o benefício implementado em uma política incentivadora não

pode importar num plus, tornando aquele que, pelo Diploma Maior, é desonerado do

tributo credor do próprio Estado, invertendo-se a posição, em contrariedade ao

sistema adotado. A equação segundo a qual a não-tributação e a alíquota zero

viabilizam creditamento pela alíquota da operação final conflita com a letra do

inciso II do § 3º do artigo 153 da Constituição Federal, que versa sobre a

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compensação do “montante cobrado nas anteriores”, diga-se, nas operações

anteriores. Não tendo sido cobrado nada, absolutamente nada há a ser compensado,

mesmo porque inexistente a alíquota que, incidindo, por exemplo, sobre o valor do

insumo, revelaria a quantia a ser considerada. Tomar de empréstimo a alíquota final

atinente a operação diversa implica ato de criação normativa para o qual o Judiciário

não conta com a indispensável competência. Mais do que isso, a óptica até aqui

prevalecente – em que pese à veemência contrária da voz isolada do Ministro Ilmar

Galvão, afetando inclusive, por ponderação dos integrantes da 1ª Turma, não

obstante o julgamento ocorrido e o escore verificado, outro processo, a versar a

matéria, ao Pleno – colide frontalmente e de modo pernicioso ao extremo,

revertendo valores – fala-se em esqueleto de bilhões de reais – com característica do

tributo, ou seja, a seletividade. Vale dizer que, tanto mais supérfluo o produto final,

quando se impõe alíquota de grandeza superior, maior será o valor objeto de

compensação. Raciocine-se com o que ocorrerá em relação a certos insumos que

servem para fabricação de produtos tidos como essenciais e outros como supérfluos,

a exemplo do que se verifica no campo dos cosméticos e dos remédios. Se o produto

final for de natureza enquadrável no primeiro, haverá creditamento em quantia

maior. [...] Descabe raciocinar com o instituto do diferimento, porque conflitante, no

caso, com a tipologia do tributo em análise, ou seja, do Imposto sobre Produtos

Industrializados. A não-tributação e a alíquota zero são práticas específicas, que

encontram motivação única, em vista do mercado. Em um primeiro passo,

incentivam a atividade industrial, afastando o desembolso de valores e com isso

contribuindo para a manutenção de capital de giro. Estão direcionadas não ao

benefício do contribuinte de fato, daquele que adquire o produto final e acaba

pagando o preço do negócio jurídico com o tributo incluído, mas do adquirente de

certo insumo indispensável à fabricação, que fica, nessa fase, desonerada do tributo.

Concluir que, no caso, sob pena de tratar-se de simples diferimento, cabe o

creditamento sem que antecedido de previsão legal de alíquota para tanto, da

cobrança do tributo, importa estender o benefício a operação diversa daquela a que

está ligado e, mais do que isso, em sobreposição incompatível com a ordem natural

das coisas. Haverá, alfim, o creditamento e a transferência, ao adquirente do produto

industrializado, da totalidade do ônus representado pelo tributo, conforme

parâmetros da norma fiscal, sem abater-se, nessa operação, o pseudocrédito, já que

esse permanecerá na escrituração fiscal de quem de direito, na conta crédito e débito

daquele que se mostra como o contribuinte de direito, embora não arcando, ante a

figura do contribuinte de fato, com o ônus concernente ao tributo. Sob qualquer

ângulo que se examine o pleito dos contribuintes, surgem perplexidades que jamais

poderão ser tidas como simples decorrência do sistema constitucional. Para encerrar

a análise da questão, é de se cotejar a situação daquele que adquire o insumo não-

sujeito a tributação ou com a alíquota zero com a de outro que esteja compelido a

recolher o tributo, embora com alíquota de pequena proporção. Enquanto o primeiro

mostrar-se-á titular de crédito considerada a alíquota final, o segundo, este sim

beneficiário expresso do texto constitucional no que visa a evitar a cumulatividade,

ficará restrito ao valor realmente desembolsado e recolhido. Mostra-se esdrúxulo ter-

se na hipótese de pagamento de tributo que pode variar de 0% a 330%, crédito à

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Aos argumentos levantados pelo ministro MARCO

AURÉLIO, o ministro JOAQUIM BARBOSA somou outro.

Seu entender caminha no sentido de que o crédito em questão

seria presumido e, diante disso, esbarraria na prescrição do

artigo 150, § 6º, da Constituição Federal, que “...constitui um

óbice intransponível [...] na medida em que esse dispositivo

estabelece uma reserva legal, estrita para qualquer tipo de

isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito

presumido...”. GILMAR MENDES, em seu voto-vista, segue o

voto do ministro relator, adicionando às suas razões uma

referente aos reflexos do Princípio da Seletividade na Não-

cumulatividade.56

razão de 1% e, em se tratando de alíquota zero ou de produto não tributado – por

exemplo, no caso do cigarro –, crédito de 330%. Esclareça-se que o teor do artigo 11

da Lei 9.779/99, interpretado à luz da Constituição Federal – descabendo a inversão,

ou seja, como se a norma legal norteasse esta última –, não encerra o direito a

crédito quando a alíquota é zero ou o tributo não incida. Contempla, sim, como está

pedagogicamente no texto, a situação na qual as operação anteriores foram oneradas

com o tributo e a final, a da ponta, não o foi. Então, para que não fique esvaziado em

parte este último benefício, tem-se a consideração do que devido e cobrado

anteriormente. [...] Admito haver votado, quando do julgamento dos Recursos

Extraordinários nº 350.446/PR, 353.668/PR e 357.277/RS, em sentido oposto. A

reflexão sobre o tema levou-se a formar convencimento diverso, afetando este

extraordinário Colegiado, e, então, cumpre-me, como cumpre a todo e qualquer juiz,

evoluir, reconhecida razão à tese inicialmente rechaçada. Digo mesmo que, a

prevalecer a conclusão a que chegou o Colegiado nesses recursos extraordinários,

ter-se-á o esvaziamento do Imposto sobre Produtos Industrializados nos últimos

anos, com passivo da União conflitante com o Diploma da República, já que há de

se presumir que se afastarão, em prejuízo ao incentivo à produção, doravante, os

institutos da não-tributação, longe ficam de gerar crédito, como se tal conclusão não

fosse conseqüência natural das balizas constitucionais hoje existentes e que tornam o

embate fisco-contribuinte equilibrado, sem favorecimento deste ou daquele”. 56 São as palavras do Exmo. Ministro: “...na cadeia industrial, o IPI incide de modo

seletivo. Em tese, poderíamos ter, na cadeia do IPI, três fases iniciais de produção de

bens amplamente essenciais, com alíquotas baixas ou com alíquota zero, e uma

quarta fase relativa a um produto absolutamente supérfluo. Poderia, ainda, haver

uma bifurcação. Após três etapas de produção de bens essenciais, o bem da terceira

etapa poderia servir de insumo para dois produtos, um essencial e outro

absolutamente supérfluo. Sobre tal questão, a Procuradoria da Fazenda trouxe, em

um de seus memoriais, alguns exemplos bastante claros, como é o caso do formol,

insumo beneficiado pela alíquota zero que pode ser utilizado para a produção de três

Page 33: A NÃO-CUMULATIVIDADE NO IPI Maurício Timm do ValleIPI, seja por qual razão for, haverá incidência de imposto sobre imposto.4 Assim, cada sujeito passivo apenas arcará com o tributo

RIDB, Ano 1 (2012), nº 9 | 5735

Embora tenha mencionado, em seu voto, que há, na visão

do Supremo Tribunal Federal, diferença entre a alíquota zero e

a isenção, sobre esse tópico, passamos a palavra à ministra

ELLEN GRACIE, cuja exposição sobre a distinção, no

entender da Corte Suprema, é clara e objetiva.

Os regimes de isenção e alíquota zero,

embora em sua execução e efeito prático

correspondam a resultado idêntico para o produtos

– qual seja, nenhum centavo de tributo é recolhido

– não são, todavia, sob o prisma jurídico,

assemelháveis. No primeiro caso (isenção) existe

previsão de alíquota positiva para o produto ou

insumo, cujo fabricante fica, porém, isento do

respectivo recolhimento. O fisco abre mão daquele

ingresso, atribuindo ao contribuinte um benefício

fiscal. Isenção, portanto, é, a rigor de técnica,

exclusão de um imposto incidente.

Já com a alíquota zero não urge obrigação de

recolhimento, por outro motivo. A aplicação de

percentual zero sobre o preço do produto ou

insumo resulta em zero, nulo, nihil, nada. Não é

apenas a alíquota que é igual a zero. O resultado de

sua aplicação também o é. O que seria sua

expressão numérica, o montante cobrado, na dicção

constitucional, ou o montante devido, como prefere

a doutrina, também é igual a zero.

[...]

Com base nesses argumento, a primeira bens industriais diferentes: preparado para alisar cabelos, sujeito à alíquota de 20%;

preparado para limpeza de vidros, com alíquota de 10%; e medicamentos diversos,

com alíquota zero. Pergunto: o favorecimento fiscal aos produtos essenciais deve

necessariamente repercutir no produto supérfluo? A resposta, no meu entendimento,

é negativa. Isso desvirtuaria a seletividade do IPI, ao estabelecer um autêntico

subsídio à produção de produto não essencial. [...] O que quero enfatizar é que o

favorecimento da alíquota zero não tem necessariamente que repercutir nas fases

seguintes. Esse não é o comando constitucional”.

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5736 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 9

conclusão é a de inexistência de identidade entre as

situações em que ocorre isenção e alíquota zero.

Como a isenção é necessariamente produto de

previsão legal (Constituição Federal, art. 150,

parágrafo 6º), a lei pode autorizar o creditamento

ou a manutenção do crédito que será aquele

correspondente ao valor que resultaria da aplicação

da alíquota fixada para o produto e incidente sobre

o seu valor de venda.

Nas hipóteses de alíquota zero, o percentual é

neutro. Conseqüentemente, sua aplicação – que é a

única possível porque é ela, a alíquota zero,

prevista para aquele produto –, não produzirá efeito

algum, já que qualquer número multiplicado por

zero corresponde a zero. Portanto, nem para onerar

o produtor, com obrigação de recolhimento, nem,

para beneficiá-lo, sob a forma de creditamento ou

de manutenção de crédito, tal alíquota terá o menor

efeito.

Esse posicionamento não passou incólume às corretas

críticas de EDUARDO BOTTALLO, para quem o Supremo

Tribunal Federal, no caso do IPI, acabou por reformar a

disciplina da Não-cumulatividade por mero exercício

interpretativo, o que, no caso do ICMS, deu-se por meio de

emenda constitucional!57

É mais que evidente que, se a Constituição

expressamente vedou o crédito de ICMS nos casos de isenção e

de não-incidência, como prescreve o artigo 155, § 2º, I, e não o

fez no que se refere ao IPI, a isenção e a não-incidência não

57 “Como visto, no caso do ICMS (à época ICM) foi necessário que uma intervenção

direta na Constituição (a Emenda ´Passos Porto’, depois incorporada ao texto de

1988) limitasse o direito de crédito em razão da não-tributação de operações

anteriores. Todavia, em relação ao IPI, tão inafastável exigência foi ‘dispensada’ e a

restrição vingou por obra de mero exercício exegético ao qual certamente se somou

o peso de interesses meramente arrecadatórios” – IPI: princípios e estrutura, p. 47.

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RIDB, Ano 1 (2012), nº 9 | 5737

terá aqui o mesmo efeito.

De qualquer forma, o posicionamento do Supremo

Tribunal Federal ainda “evoluiu”. Percebemos da leitura da

ementa do Agravo Regimental, no Recurso Extraordinário nº

430.720-1-RJ, julgado em 03 de fevereiro de 2009, que o

Supremo Tribunal Federal tem por definitivamente superado o

entendimento firmado por ocasião do Recurso Extraordinário

nº 212.484, anteriormente mencionado. O Agravo Regimental

está assim ementado:

RECURSO. Extraordinário.

Inadmissibilidade. Imposto sobre Produtos

Industrializados – IPI. Diferença entre alíquotas

reduzidas, incidentes na aquisição de matéria

prima e insumos, e a aplicada na saída de bens

industrializados. Compensação de créditos.

Impossibilidade. Direito inexistente. Mudança de

orientação da Corte a partir do julgamento dos

REs nº 370.682 e nº 353.657. Superação da tese

adotada no RE nº 212.484. Recurso não provido.

Agravo regimental improvido. Precedentes. Se a

desoneração total do IPI – não tributação ou

alíquota zero – que, nas entradas, provoca, para

efeitos quantitativos, diferença máxima entre as

condição numérico-tributária e as alíquotas de

saída, não autoriza que o contribuinte se credite, é

evidente que, produzindo diferenças menores, a

desoneração parcial não pode, por maior razão,

gerar-lhe direito de crédito.58

Mas foi por ocasião do julgamento dos Embargos de

Declaração, no Recurso Extraordinário nº 488.357-1-PR, em

18 de agosto de 2009, que o Supremo Tribunal Federal de vez

estendeu o entendimento anteriormente aplicável apenas aos

58 Supremo Tribunal Federal, Ag no RExt nº 430.720-1-RJ, rel. Min. CEZAR

PELUSO, disponível em http://www.stf.jus.br, acesso em 11.dez.2009.

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5738 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 9

casos de alíquota zero e de não-tributação, também aos casos

de aquisição de produtos isentos.

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO.

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONVERSÃO

EM AGRAVO REGIMENTAL. IPI.

AQUISIÇÕES ISENTAS. INEXISTÊNCIA DE

DIREITO AOS CRÉDITOS. DECISÃO COM

FUNDAMENTO EM PRECEDENTES DO

PLENÁRIO. TRÂNSITO EM JULGADO.

DESNECESSIDADE.

1. Embargos de declaração recebidos como

agravo regimental, consoante iterativa

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

2. A decisão recorrida está em consonância

com a jurisprudência do Plenário desta Corte (RE

370.682/SC e RE 353.657/RS), no sentido de que

não há direito à utilização dos créditos do IPI no

que tange às aquisições isentas, cujo entendimento

afastou a tese adotada no RE 212.484/RS.

3. Desnecessidade do trânsito em julgado dos

precedentes em que se apoiou a decisão agravada.

4. Agravo regimental improvido.59

Em seu voto, a ministra ELLEN GRACIE é direta e

objetiva, limitando-se a afirmar: “A decisão proferida pelo meu

antecessor, Ministro Gilmar Mendes, deve ser mantida, porque

está em harmonia com a orientação firmada pelo Supremo

Tribunal Federal, nos precedentes citados [...], no sentido de

que não há direito à utilização dos créditos do IPI no que tange

a aquisições isentas”.

No concernente à temática dos produtos não tributados,

discordamos do entender manifestado pelo ministro CEZAR

59 Supremo Tribunal Federal, Emb. Dec. no RExt nº 488.357-1-PR, rel. Min.

ELLEN GRACIE, disponível em http://www.stf.jus.br, acesso em 11.dez.2009.

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RIDB, Ano 1 (2012), nº 9 | 5739

PELUSO, por ocasião do julgamento do Recurso

Extraordinário nº 353.657-PR, na medida em que esse

entendimento transforma o IPI, nesses casos, em imposto

cumulativo.60

Alertamos que, o entendimento relativo aos produtos

não-tributados, aplica-se aos casos de imunidade. Ressalte-se

que a matéria – possibilidade de creditamento do IPI

decorrente da aquisição de insumos isentos, não-tributados ou

sujeitos à alíquota zero – será, novamente, analisada pelo

Plenário do Supremo Tribunal Federal. Em 14 de novembro de

2008, reconheceu-se a repercussão geral da questão

constitucional suscitada no Recurso Extraordinário nº 590.809-

RS – publicada em 12 de março de 2009 –, cujo relator é o

Ministro MARCO AURÉLIO.61

Aguardamos, apreensivos, o resultado do julgamento do

60 “Em relação aos produtos “não tributados”, embora o resultado prático seja o

mesmo (=não pagamento do tributo), cumpre identificar e distinguir três situações

teóricas possíveis: i) produtos não tributados (N/T) por ausência de competência

tributária (Imunidade ou ausência de competência por exclusão lógico-residual da

norma atributiva); ii) produtos não tributados (N/T) por não estarem incluídos na lei

que fixa o âmbito de incidência, mas estarem incluídos no da competência; iii)

produtos não tributados (N/T) por expressa disposição legal (dentro do âmbito de

competência e dentro do âmbito de incidência). Estas duas últimas situações (ii e iii)

equiparam-se às da isenção e da alíquota zero por subtraírem à regra-matriz de

incidência determinado aspecto, no caso, o material (o fato gerador), podendo ser

adotadas pelo Poder Legislativo como instrumento de política fiscal. Por estarem no

âmbito de competência do tributo, permitem a incidência da norma da não-

cumulatividade e autorizam o contribuinte a creditar-se do valor relativo à aquisição

de produto, atendendo à finalidade inerente à mesma norma. Já em relação ao

primeiro exemplo (não tributação por ausência de competência), a regra da não-

cumulatividade não enseja direito a crédito, porque alheio ao ciclo econômico

tomado como pressuposto de fato do imposto (não se trata de produto

industrializado). Não há direito a crédito, porque se cuida de bem (mercadoria ou

produto) que não pertence ao universo factual pressuposto à disciplina do Imposto

sobre Produtos Industrializados”. 61 O mencionado Recurso Extraordinário foi interposto em face de acórdão do

Tribunal Regional Federal da 4ª Região que julgou procedente pedido formulado em

ação rescisória proposta pela União contra julgado que havia reconhecido o direito

do contribuinte em creditar-se do IPI relativo à aquisição de insumos isentos, não-

tributados e sujeitos à alíquota zero.

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mencionado recurso, que se encontra concluso ao Exmo.

Ministro Relator desde o mês de janeiro de 2011, torcendo para

que os Ministros do Supremo Tribunal Federal voltem seus

olhos e ouvidos para as corretas manifestações que ecoam da

doutrina e sejam por elas influenciados.

6. A NÃO-CUMULATIVIDADE E OS PRODUTOS CUJAS

SAÍDAS SÃO ISENTAS, TRIBUTADAS À ALÍQUOTA

ZERO OU NÃO TRIBUTADAS. CONSIDERAÇÕES

ACERCA DO ARTIGO 11 DA LEI Nº 9.779, DE 19 DE

JANEIRO DE 1999.

A Lei nº 4.502/64 trazia, em seu artigo 25, § 3º, a

disciplina acerca dos créditos, nos casos de entradas tributadas

e saídas desoneradas. Em sua última redação – dada pelo

Decreto-Lei nº 2.470, de 1º de setembro de 1988 – anterior à

Constituição Federal de 1988, prescrevia o mencionado § 3º:

§ 3º. O Regulamento disporá sobre a

anulação do crédito ou o restabelecimento do

débito correspondente ao imposto deduzido, nos

casos em que os produtos adquiridos saiam do

estabelecimento com isenção do tributo ou os

resultantes da industrialização estejam sujeitos à

alíquota zero, não estejam tributados ou gozem de

isenção, ainda que esta seja decorrente de uma

operação no mercado interno equiparada à

exportação, ressalvados os casos expressamente

contemplados em lei.

Pois bem. Esse parágrafo 3º do artigo 25 da Lei nº

4.502/64 não foi recepcionado pela Constituição Federal de

1988, por ser com ela incompatível, materialmente.

Observemos que a Não-cumulatividade do IPI, como

amplamente repetido, não vislumbra qualquer limitação, que

somente lhe poderia ser impingida no bojo da Constituição, que

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RIDB, Ano 1 (2012), nº 9 | 5741

não o fez. Ora, em não o fazendo a Constituição, não poderia

tê-lo feito a Lei, e muito menos poderia esta ter conferido tal

competência ao Regulamento. Não há dúvida, o mencionado

dispositivo não foi recepcionado.

Poderíamos alegar que, mesmo não tendo sido, esse

dispositivo, recepcionado, o artigo 12 da Lei nº 7.798, de 10 de

julho de 1989, conferiu-lhe nova redação, posterior à vigência

da Constituição de 1988. Deixaremos de lado, por ora, o fato

de ser a Lei nº 7.798/89 formalmente inconstitucional, por se

tratar de conversão da Medida Provisória nº 69, de 19 de junho

de 1989, para analisarmos tão-somente as prescrições

veiculadas pelo seu artigo 12. Eis a redação do artigo:62

Art. 12. O § 3º do art. 25 da Lei nº 4.502/64,

com a redação dada pelo art. 1º, do Decreto-Lei nº

1.136, de 7 de dezembro de 1970, passa a vigorar

com a seguinte redação:

“§ 3º. O Regulamento disporá sobre a

anulação do crédito ou o restabelecimento do

débito correspondente ao imposto deduzido, nos

casos em que os produtos adquiridos saiam do

estabelecimento com isenção do tributo ou os

resultantes da industrialização estejam sujeitos à

alíquota zero, não estejam tributados ou gozem de

isenção, ainda que esta seja decorrente de uma

operação no mercado interno equiparada à

exportação, ressalvados os casos expressamente

contemplados em lei”.

62 Sobre medidas provisórias em matéria tributária, essenciais os trabalhos de JOSÉ

ROBERTO VIEIRA: Bocage e o Terrorismo constitucional das Medidas Provisórias

Tributárias: a Emenda pior do que o Soneto, in FERRAZ, Roberto (coord.),

Princípios e limites da tributação. São Paulo : Quartier Latin, 2005; Medidas

provisórias em matéria tributária: as catilinárias brasileiras. Tese (Doutorado) -

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 1999; e Medidas

provisórias tributárias e segurança jurídica: a insólita opção estatal pelo “viver

perigosamente”. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de (Coord.). Segurança jurídica

na tributação e estado de direito. São Paulo: Noeses, 2005.

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5742 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 9

Qual a inovação trazida pela redação dada pela Lei nº

7.798/89? Nenhuma. A redação é absolutamente a mesma. Se o

Poder Legislativo imaginou que poderia “salvar” o dispositivo

editando-o, posteriormente à Constituição, por meio de lei,

equivocou-se flagrantemente. A inconstitucionalidade persiste.

Onde a Constituição não limita, não é dado à lei limitar.63

Posteriormente, veio à tona a Lei nº 9.779, de 19 de

janeiro de 1999, fruto da conversão da Medida Provisória nº

1.788, de 29 de dezembro de 1998, da qual trataremos a partir

deste momento. É imprescindível alertar para a

inconstitucionalidade formal e material da Lei nº 9.779/99,

tendo em vista resultar da conversão da Medida Provisória nº

1.788/98, que versou matéria não urgente e, ainda, por afronta

aos princípios da Legalidade e da Tripartição das Funções.

Prescreve o artigo 11 da Lei nº 9.779/99:

Art. 11. O saldo credor do Imposto sobre

Produtos Industrializados – IPI, acumulado em

cada trimestre-calendário, decorrente de aquisição

de matéria-prima, produto intermediário e material

de embalagem, aplicados na industrialização,

inclusive de produto isento ou tributado à alíquota

zero, que o contribuinte não puder compensar com

o IPI devido na saída de outros produtos, poderá ser

utilizado de conformidade com o disposto nos arts.

73 e 74 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de

1996, observadas as normas expedidas pela

Secretaria da Receita Federal do Ministério da

63 Aqui, parece-nos, ser o momento adequado para mencionarmos que há autores

que ostentam entendimento contrário ao nosso. Observem-se, por exemplo, as

palavras de MARCOS VINÍCIUS NEDER DE LIMA, para o qual a vedação aos

créditos de IPI no caso das saídas de produtos isentos decorre da “...própria lógica

interna do sistema, que não reconhece o direito de crédito quando a saída do

produto industrializado for não tributada pelo IPI”. – Efeitos da Lei nº 9.779/99

sobre os créditos relativos a insumos utilizados em produtos isentos ou sujeitos à

alíquota zero. In: VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA (COORD.). Grandes questões

atuais de direito tributário, v. 4. São Paulo : Dialética, 2000, p. 142-143.

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RIDB, Ano 1 (2012), nº 9 | 5743

Fazenda.

Antes mesmo de o Supremo Tribunal Federal julgar a

questão, JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO e LUIZ

FRANCISCO LIPPO já se manifestavam no sentido de que,

mesmo nos casos em que o produto final seja desonerado,

haverá lugar para a manutenção do crédito. São as palavras

desses autores:

No caso em que a operação de saída seja

imune, isenta, não tributada, sujeita à alíquota

zero, ou com suspensão, contribuinte também terá

o direito de apropriar crédito de IPI, relativamente

ao insumo utilizado. Como a Constituição assegura

a não-cumulatividade do IPI, este princípio terá de

ser observado, procedendo-se à ampla (global)

compensação dos débitos do conjunto de

operações, com os créditos relativos a todos os

insumos adquiridos na generalidade das operações,

inclusive com as desonerações fiscais,

considerando-se a pessoa do contribuinte.64

Estão cobertos de razão, na medida em que a

Constituição não impôs qualquer limitação à não-

cumulatividade no IPI. Mesmo antes da Lei nº 9.779/99, o

adquirente, quando comprava insumos tributados para

empregá-los na produção de produtos isentos, tributados à

alíquota zero ou não tributados, mantinha os créditos

decorrentes dessas aquisições.65

Lamentavelmente, não é essa a conclusão à qual chegou

o Supremo Tribunal Federal, a despeito das lúcidas 64 A não-cumulatividade tributária (ICMS, IPI, ISS, PIS, Cofins), p. 194. 65 Este também é o entendimento de ANDRÉ MENDES MOREIRA – A não-

cumulatividade dos tributos, p. 147-150. É bem verdade que há interpretações no

sentido de que a Lei nº 9.779/99 apenas teria ampliado “...as hipóteses de utilização

e compensação dos créditos decorrentes de incentivos fiscais previstos na legislação

tributária” –MARCOS VINÍCIUS NEDER DE LIMA, Efeitos da Lei nº 9.779/99

sobre os créditos relativos a insumos utilizados em produtos isentos ou sujeitos à

alíquota zero, p. 145-148.

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5744 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 9

considerações tecidas pelos ministros RICARDO

LEWANDOWSKI e CEZAR PELUSO. Em 06 de maio de

2009, três Recursos Extraordinários, cujo cerne era o mesmo,

foram julgados pelo plenário do Supremo Tribunal Federal.

São eles o Recurso Extraordinário nº 475.551-3-PR, o Recurso

Extraordinário nº 562.980-5-SC e o Recurso Extraordinário nº

460.785-9-RS.66

66 Supremo Tribunal Federal, RExt nº 475.551-3-PR, rel. Min. CEZAR PELUSO,

redatora para acórdão Min. CARMEN LÚCIA, disponível em http://www.stf.jus.br,

acesso em 11.dez.2009; Supremo Tribunal Federal, RExt nº 562.980-5-SC, rel. Min.

RICARDO LEWANDOWSKI, redator para acórdão Min. MARCO AURÉLIO,

disponível em http://www.stf.jus.br, acesso em 11.dez.2009; e Supremo Tribunal

Federal, RExt nº 460.785-9-RS, rel. Min. MARCO AURÉLIO, disponível em

http://www.stf.jus.br, acesso em 11.dez.2009. Por ocasião do julgamento do Recurso

Extraordinário nº 475.551-3-PR, o ministro CEZAR PELUSO assim se manifestou:

“Isso significa que o direito ao crédito pelos insumos entrados no estabelecimento

industrial não se subordina nem vincula a saída tributada. O contribuinte faz jus ao

crédito, por força da só aquisição de insumos tributados. Embora dependa, para dele

fruir, da realização de operação integrante da classe típica da incidência do IPI,

conquanto não necessariamente tributada pelo IPI, e este é o ponto crucial da causa.

Basta que a empresa, cujas saídas sejam exoneradas, realize operações com produtos

industrializados (art. 153, inc. IV, da CF), para que se lhe assegure o creditamento

relativo às aquisições, pouco se dando a modalidade do tratamento normativo-

tributário reservado às vendas, isto é, tributação, não-tributação, alíquota zero ou

isenção. O instituto do crédito do IPI deve, ademais, analisado à luz de duas

subcategorias unidas por liame indissolúvel: a geração de créditos e seu

aproveitamento. Cuida-se de dois momentos distintos no tempo, mas indissociáveis

na essência, porque guardam relação finalística e instrumental: o crédito nasce para

ser aproveitado! A Constituição estaria a hospedar princípio absurdo, se previsse

direito de crédito sem possibilidade de exercício. O sistema de não-cumulatividade

tem por fundamento a compensabilidade entre créditos e débitos de impostos,

gerados, respectivamente, na entrada e na saída dos inputs e outputs. Porque não é

sistema de tributação de valor agregado stricto sensu – em que se tributa o

diferencial de valor acrescido ao produto por agente da cadeia produtiva –, não se

pode condicionar ou subordinar a geração de créditos ao que suceda do ponto de

vista fiscal em momento posterior, i. é, saída onerada ou desonerada, sob pena de

comprometimento da sistemática adotada no texto constitucional. Não se tributa um

“delta” ou diferencial que se adiciona, mas a operação de venda do produto

industrializado. Em nada é relevante, para fins de geração e gozo dos créditos, a

previsão de eventuais desonerações ou benefícios (como alíquota zero, não-

tributação, isenção) na saída do produto. Nem se alegue que, desonerada a saída, a

entrada não poderia gerar créditos, que isso fora verdadeira petitio principii. O que

decide não é o pagamento de tributo na operação de saída, mas a própria operação

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RIDB, Ano 1 (2012), nº 9 | 5745

de venda do produto industrializado, considerada em si mesma, seja tributada ou

não. Satisfeita essa premissa, o que se admite, ou, antes, o que se impõe, é o

abatimento do montante de imposto já suportado nas operações anteriores. Está aí a

essência da não-cumulatividade no IPI. Sua “finalidade está na divisão ou

distribuição do impacto financeiro do tributo entre os diversos elos da cadeia

produtiva, de modo que a tributação total (oneração) seja equivalente ao resultado

da aplicação da alíquota sobre o preço final do produto (ao consumidor). Noutras

palavras, é a exclusão da incidência, em cascata, do tributo que oneraria o produto

final mediante acréscimo do imposto nas diversas etapas da cadeia produtiva”.

Permitir o acúmulo de créditos por conta de saída desonerada equivaleria a converter

um sistema concebido para evitar cumulação em algo totalmente cumulativo. [...] A

Lei nº 9.799/99, acertada, mas expletivamente, permitiu o aproveitamento do crédito

acumulado, mediante compensação. Mas, ainda que o não tivesse feito, não traria

repercussão sobre o momento anterior, o da geração dos créditos, nem retiraria o

ônus do legislador de prever meios para a fruição dos valores correlatos. O que

releva é só que se dê operação típica de IPI, bastando à fruição dos créditos que a

empresa realize – peço vênia por tamanha obviedade – operação com produtos

industrializados. Esse é o cerne da norma constitucional que autoriza a instituição do

imposto (art. 153, inc. IV), independentemente do tratamento tributário que a lei

reserve à saída. Afinal, a não-cumulatividade exige a “possibilidade de manutenção

dos créditos tributários, decorrentes da aquisição de matérias-primas, produtos

intermediários e materiais de embalagem, independentemente da forma de

tributação a incidir no resultado do processo produtivo.” [...] Reitero que somente

numa hipótese poderia haver vedação ao aproveitamento de créditos: na saída de

produtos não-tributados pelo IPI em razão de sua própria natureza, i. é., saída de

produtos não industrializados, onde é perceptível a inviabilidade de fruição dos

créditos. Aliás, é curioso notar que esse tipo de operação não ensejaria fruição dos

créditos de IPI nem sequer com saídas tributadas, porque referentes a produtos

alheios ao ciclo produtivo industrial. A conclusão prática é que, qualquer que seja a

espécie desonerativa que beneficie a saída (à exceção da não-tributação por ausência

de competência, na subespécie exclusão lógico-residual), asseguradas estarão

sempre a subsistência e fruição dos créditos, desde que a empresa adquirente dos

insumos tributados realize operações com produtos industrializados (art. 153, inc.

IV, da CF). [...] De tudo, a lição por extrair é que a geração de créditos não pode ser

impedida por norma infraconstitucional. Tampouco pode seu aproveitamento ser

obviado, tendo em conta a própria natureza da não-cumulatividade: é o caso da

empresa que, vendendo apenas produtos desonerados, não pode ser prejudicada por

hipotética ausência de lei que a autorize a utilizar seus créditos de outra maneira (v.

g., compensação com demais tributos, negociação no mercado mediante

transferência a terceiros, etc.). A lei deve prever formas para exercício do direito

subjetivo assegurado constitucionalmente, mas não pode nunca deixar de concretizar

essa previsão constitucional. Salta aos olhos, por fim, que o repúdio ao

reconhecimento do direito de crédito expõe a graves riscos outros princípios

constitucionais, como o da isonomia, em prejudicando economicamente aquele que

produz bem desonerado, e o da seletividade em função da essencialidade. Este

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5746 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 9

Por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº

562.980-5-SC, o ministro RICARDO LEWANDOWSKI

sustentou que “Parece evidente que o direito ao aproveitamento

de créditos oriundos de insumos tributados, no caso de

produtos isentos ou tributados à alíquota zero, não surgiu

apenas com a promulgação da Lei 9.779/99, visto que deriva

diretamente do princípio da não-cumulatividade abrigado na

Constituição de 1988, tal como nas Cartas que a antecederam,

mostrando-se, destarte, inadmissível que lei ordinária ou, o que

é pior, um simples regulamento possam erigir obstáculos a tal

direito”.

As palavras do ministro RICARDO LEWANDOWSKI

refletem a melhor interpretação, que coincide com a opinião de

JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO, segundo a qual “A

dicção constitucional não impõe que o crédito esteja vinculado

a um determinado bem adquirido, e só possa ser mantido se o

produto final (em que tenha sido utilizado, integrado ou

participado) for tributado, também gerando débito de IPI”. [...]

No momento em que é realizada a operação é que nasce o

direito constitucional ao crédito, que não pode sofrer

deformações de qualquer natureza, nem condicionar-se ao tipo

de operação que futuramente venha a ser realizada”.67

Entretanto, foi vencedor o entendimento manifestado

pelo ministro MARCO AURÉLIO, por ocasião do julgamento

do Recurso Extraordinário nº 460.785-9-RS, em cuja ementa

cânone, ínsito ao IPI, “dirige as maiores atenções desse imposto para bens

suntuosos ou supérfluos, e tende a afastá-lo ou atenuá-lo no caso de produtos

essenciais”. Ora, deixar que produtores de bens essenciais suportem maior ônus

tributário não é apenas deixar de observar a seletividade conforme a essencialidade,

mas subvertê-la, aplicando-a em sentido oposto ao que determina a Constituição.

Aqui sim teríamos verdadeira “seletividade às avessas”. [...] Basta reconheça agora

que o direito à manutenção dos créditos, no caso das saídas desoneradas, promana

diretamente da Constituição, e não de norma subalterna”. 67 Crédito de IPI. Não-cumulatividade. Aquisições de insumos. Utilização em

produtos industrializados e os distintos efeitos do IPI (Alíquota zero, alíquotas

específicas e não-tributado), p. 204.

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consta o seguinte: “IPI – CREDITAMENTO – ISENÇÃO –

OPERAÇÃO ANTERIOR À LEI Nº 9.779/99. A ficção

jurídica prevista no artigo 11 da Lei nº 9.779/99 não alcança

situação reveladora de isenção do Imposto sobre Produtos

Industrializados – IPI que a antecedeu”.68

Da leitura de excertos do voto do ministro MARCO

AURÉLIO, novamente, percebemos o grande peso atribuído à

interpretação meramente literal do disposto no artigo 153, § 3º,

II, da Constituição Federal, quando entende necessária a

cobrança do tributo sobre o produto final da cadeia produtiva.69

68 No mesmo sentido, vide Supremo Tribunal Federal, Emb. Dec. no Ag. Reg. no

RExt nº 371.898-3-PR, rel. Min. ELLEN GRACIE, disponível em

http://www.stf.jus.br, acesso em 11.dez.2009. 69 “Pois bem, já de início, ante a sucessividade de operação versadas neste processo,

percebe-se o não-envolvimento do princípio da não-cumulatividade. A conclusão

decorre da circunstância de o inciso II do § 3º do artigo 153 da Carta da República,

não bastasse o alcance vernacular da expressão – não-cumulatividade –, surgir

pedagógico ao revelar que a compensação a ser feita levará em conta o que devido e

recolhido nas operações anteriores com o montante cobrado na subseqüente.

Considerado apenas o princípio da não-cumulatividade, se o ingresso da matéria-

prima ocorreu com incidência do tributo, logicamente houve a obrigatoriedade de

recolhimento. Mas, se na operação final verificou-se a isenção, não existirá

compensação do que recolhido anteriormente, ante a ausência de objeto. Compensar

com o quê? Há mais. O sistema tributário mostra-se uno. Deve-se considerar que, no

tocante ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, a Constituição

Federal é explícita ao prever que a isenção ou não-incidência, salvo determinação

em contrário da legislação, “não implicará crédito para compensação com o

montante devido nas operações ou prestações seguintes” e “acarretará a anulação do

crédito relativo a operações anteriores” – alíneas “a” e “b” do inciso II do § 2º do

artigo 155. Pois bem, presente esse contexto a revelar o sistema, somente em 1999,

até mesmo em observância à exigência instrumental do § 6º do artigo 150 da Carta

Federal, veio à balha lei disciplinando o creditamento a envolver, implicitamente, a

isenção na saída final do produto e incidência na entrada de matéria-prima. [...]

Ocorreu com essa previsão a disciplina do direito a crédito, tal como exigido no § 6º

do artigo 150 em comento e, sob o ângulo do sistema, no inciso II do § 2º do artigo

155, implicitamente – repito –, do crédito em se tratando de recolhimento na

primeira fase de produção e isenção considerada a última fase. Antes do advento da

Lei nº 9.779/99, não havia base, quer sob o aspecto interpretativo, em virtude do

princípio da não-cumulatividade, quer sob o aspecto legal expresso, para concluir-se

pela procedência do direito ao creditamento, levando-se em conta a isenção.

Improcede o que consignado no acórdão em exame, ou seja, que a Lei nº 9.779/99

apenas consagrou o direito de creditamento já previsto no ordenamento jurídico

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Parece-nos, com todo o respeito, que o Supremo Tribunal

Federal, sob a escusa de proteger a Constituição, contra ela

atentou.

7. A NÃO-CUMULATIVIDADE E AS OPERAÇÕES

COM CONTRIBUINTES OPTANTES PELO SIMPLES

NACIONAL

Um último assunto deve ser analisado antes de

finalizarmos este estudo: aquele que trata da limitação da não-

cumulatividade do IPI nas operações realizadas com optantes

do SIMPLES Nacional.70

Ressaltamos que não analisaremos a

natureza jurídica do instituto, se novo tributo ou mera forma

simplificada de recolhimento, na medida em que transbordaria

os lindes deste estudo. Para o aprofundamento dessa análise

recomendamos a leitura da excelente obra de CARLOS

RENATO CUNHA, mestre em Direito do Estado pela UFPR.71

À semelhança do que dispunha a Lei nº. 9.317, de 05 de

dezembro de 1996, em seu art. 5º, §5º, a Lei Complementar nº.

123/2006, em seu art. 23, prescreve que “As microempresas e

brasileiro segundo a interpretação das normas constitucionais. Ao contrário, estas

últimas direcionam no sentido de, fora a problemática alusiva ao princípio da não-

cumulatividade – e este pressupõe dupla incidência e não a incidência em certa base

e isenção na seguinte –, ter-se como necessária, para caminhar-se no sentido do

benefício, lei expressa, tal como finalizado no § 6º do artigo 150 e na alínea “a” do

inciso II do § 2º do artigo 155. [...] Em síntese, presente o princípio da não-

cumulatividade – e deste somente é possível falar quando há dupla incidência,

sobreposição –, o direito do contribuinte ao crédito considerado o que recolhido em

operação anterior, tendo-se a isenção ou alíquota zero na operação final, somente

surgiu – e mesmo assim implicitamente, se é que isso é possível – com a edição da

Lei nº 9.779/99. Não implicou ela mera explicitação de um direito. Entender-se,

como fez a Corte de origem, que no caso pouco importa o período alusivo à

operação, se anterior à lei comentada ou posterior, implica fugir à ordem natural das

coisas, olvidando-se o princípio da não-cumulatividade no que sem o envolvimento

de dupla incidência, caminhou-se, sem previsão em lei, no sentido do creditamento”. 70 Instituído pela Lei Complementar nº. 123, de 14 de dezembro de 2006. 71 O SIMPLES Nacional, a norma tributária e o Princípio Federativo: Limites da

Praticabilidade Tributária. Curitiba : Juruá, 2011.

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as empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional

não farão jus à apropriação nem transferirão créditos relativos a

impostos ou contribuições abrangidos pelo Simples

Nacional”.72

Diante disso, o Superior Tribunal de Justiça vedava o

aproveitamento dos créditos pelo optante pelo SIMPLES,

conforme demonstram vários de seus julgados. Não há

qualquer reparo neste entendimento, na medida em que a

adesão ao SIMPLES não é compulsória, sendo que aquele que

optar pelo enquadramento deverá observar as condicionantes

específicas, dentre elas, a proibição ao aproveitamento de

créditos de IPI.73

Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça, agora de

maneira equivocada, afasta a possibilidade de creditamento por

parte daqueles que adquirem produtos industrializados de

optantes pelo SIMPLES Nacional. Note-se, por exemplo, que

por ocasião do julgamento do Agravo Regimental no Recurso

Especial nº. 1.066.597/PR, ocorrido em 14 de outubro de 2008,

entendeu o Superior Tribunal de Justiça que “...é ilegal o

creditamento de IPI pelas adquirentes de mercadorias advindas

72 O mencionado § 5° prescrevia que “A inscrição no SIMPLES veda, para a

microempresa ou empresa de pequeno porte, a utilização ou destinação de qualquer

valor a título de incentivo fiscal, bem assim a apropriação ou a transferência de

créditos relativos ao IPI e ao ICMS”. 73 Observe-se, para tanto, o posicionamento de ambas as Turmas do Superior

Tribunal de Justiça. Por ocasião do julgamento dos Embargos de Declaração no

Agravo n. 940.592/PR, relatado pela Exma. Ministra Denise Arruda, julgado em 04

de dezembro de 2007, a Primeira Turma afirmou que “...a orientação das Turmas

que integram a Primeira Seção desta Corte firmou-se no sentido de que, na hipótese

de adesão ao SIMPLES, a empresa recolhe os tributos de forma unificada e, em

relação ao IPI, ele incide cumulado com outros impostos, por alíquota fixa sobre a

receita bruta, e não sobre os produtos vendidos. Assim, mostra-se inviável o

creditamento pretendido”. A Segunda Turma, por sua vez, por ocasião do

julgamento, em 25 de março de 2008, do Recurso Especial n. 843.291/PR, relatado

pela Exma. Ministra ELIANA CALMON, firmou o entendimento que “As empresas

optantes pelo SIMPLES não fazem jus ao creditamento do IPI, mesmo diante do

previsto no art. 11 da Lei 9.779/99, uma vez que já usufruem de outros benefícios

tributários”.

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de empresas optantes do SIMPLES, mesmo sendo empresas

adquirentes não-optantes, pois o IPI passa a compor o sistema

de tributação da Lei n.º 9.317/96”.74

Este posicionamento do Superior Tribunal de Justiça foi

corretamente criticado por ANDRÉ MENDES MOREIRA, por

JAMES MARINS e MARCELO BERTOLDI e por DÉBORA

SOTTO, na medida em que o fato de o adquirente realizar

negócios jurídicos com contribuinte optante pelo SIMPLES

Nacional não tem o condão de proibir o seu creditamento,

garantido constitucionalmente.75

74 Superior Tribunal de Justiça, AgRg no REsp 1066597/PR, relator Ministro

FRANCISCO FALCÃO,disponível em www.stj.jus.br, acesso em 25.05.2011. 75 Em suas palavras: “…não se pode tolher o direito assegurado pela Constituição e

pelo CTN de abatimento do IPI pag nas operações anteriores. O recolhimento do IPI

por qualquer contribuinte, optante ou não por regimes especiais, deve,

obrigatoriamente, gerar créditos aproveitáveis para o adquirente de suas mercadorias

(desde que este também seja contribuinte do IPI, do contrário arcará com o ônus do

imposto na qualidade de contribuinte de facto) – A. M. MOREIRA, A não-

cumulatividade dos tributos. São Paulo : Noeses, 2010, p. 432; No mesmo sentido

são as palavras de J. MARINS e de M. M. BERTOLDI, para os quais “Caso o

adquirente seja empresa industrial ou comercial não optante do regime especial, a

vedação ao destaque de créditos referentes aos tributos de natureza não-cumulativa

gera evidentes problemas de compatibilidade com a Constituição. Como no âmbito

do Simples Nacional estão incluídos tributos regidos pela regra constitucional da

não-cumulatividade, como nos casos do IPI [...], a proibição da compensação por

quem venha a adquirir mercadorias de ME ou EPP optante pelo Simples Nacional

promove a cumulatividade. Isso porque, para as empresas comerciais e industriais,

uma parcela do tributo recolhido pela optante refere-se justamente ao IPI e ao ICMS,

conforme os Anexos I e II da LC 123/2006, e a não-cumulatividade define-se

constitucionalmente pelo direito a ‘compensar o que for devido em cada operação

com o montante cobrado nas anteriores’” – Simples Nacional: Estatuto da

Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte comentado: LC 123, de 14.12.2006;

LC 127, de 14.08.2007. São Paulo : RT, 2007, p. 155. Por fim, este é o entendimento

de DÉBORA SOTTO, para quem “Eventuais dificuldades práticas, pertinentes à

conciliação do sistema simplificado com a técnica da não-cumulatividade, não

podem se sobrepor ao desiderato constitucional, vez que o direito de abater não pode

ser limitado pelo legislador infraconstitucional, em prejuízo de terceiros não

optantes do SIMPLES NACIONAL. Daí concluirmos pela inconstitucionalidade das

disposições, no que diz respeito ao IPI e ao ICMS” – Tributação da Microempresa

(ME) e da Empresa de Pequeno Porte (EPP). São Paulo : Quartier Latin, 2007, p.

147-148.

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De qualquer forma, parece-nos que compete ao Supremo

Tribunal Federal dar a última palavra sobre a

inconstitucionalidade da limitação imposta pelo art. 23 da Lei

Complementar nº. 123/2006.

8. CONCLUSÃO

Ao final dessa exposição, lamentamos. E lamentamos

porque a Não-cumulatividade no IPI, como concebida pelo

Legislador Constituinte, não mais existe. A interpretação dos

casos analisados aponta que a Não-cumulatividade teve seus

contornos definidos pela interpretação literal, e não pela

sistemática. E essa interpretação acaba por implicar aumento

de arrecadação, o que vai de encontro com o ímpeto

arrecadatório do Poder Executivo, e na contramão dos direitos

fundamentais dos contribuintes.

Não somos, de forma alguma, contra o aumento da

arrecadação constitucional de tributos. A arrecadação é

saudável e necessária, desde que observe as prescrições

constitucionais. O tributo, lembremo-nos, é uma das receitas

derivadas que mantém o Estado e possibilita o desempenho de

seus serviços essenciais.

Mas há, ainda, outro problema. Parece-nos que por

ocasião da análise da questão, o Supremo Tribunal Federal

acabou por desempenhar tarefa de competência exclusiva do

Poder Legislativo, na medida em que legisla positivamente,

realizando profundas alterações estruturais na Não-

cumulatividade do IPI, o que fere, também, o Princípio da

Separação das Funções do Estado, presente no art. 2º do Texto

Constitucional que é, inclusive, cláusula pétrea, conforme

dispõe o inciso III do § 4º do art. 60 da Constituição Federal.

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