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Uma Margem Distante

Uma Margem DistanteCaryl Phillips

Contracapa

"Meu corao permanece um deserto, mas eu tentei. Tinha a sensao de que Solomon me compreendia. Aqui no .meu lar, e at que eles aceitem isso, ento vou ficarto expressamente silenciosa como um pssaro voando.Em algum momento, antes do amanhecer, quando a luzcomear a escorrer vagarosa pelo cu noturno, levantarei da minha cama e vestireiminha cara diuma."

Orelhas:

Desde a primeira frase - "A Inglaterra mudou." -, Uma margem distante aborda temas caros aos nossos dias, como migrao e diferenas sociais. "Hoje difcil dizerquem daqui e quem no . Quem faz parte e quem um estranho. perturbador."Ambientado em uma pequena vila ao norte da Inglaterra, o romance de Caryl Phillips desenha a vacilante amizade entre um homem e umamulher, solitrios a sua maneira e superficialmente diferentes entre si.Dorothy tenta sobreviver ao fim de um casamento de trs dcadas, uma relao obsessiva que azedou com o tempo. Aos 55 anos, a professora de msica no absorve asmudanas do sistema educacional britnico, uma transformao que a leva aposentadoria prematura. Entre aulas particulares para adolescentes entediados e consultasao mdico, ela tenta juntar os cacos de sua vida.O homem do chal ao ladoparece preocupado em esconder seu passado sob uma fachada de maneiras impecveis. No est perfeitamente claro por que Solomon mora na vila, mas sua origem sugereuma histria complexa, que nada tem a ver com a rotina de lavar o carroe fazer pequenas viagens at o supermercado. Embora tudo o que ele tenha em comum com aInglaterra seja a lngua, logo se torna claro que Solomon espera que seu novo pas lhe proporcione um porto

Uma Margem DistanteCaryl PhillipsTraduo de MARIA JOS SILVEIRAEDITORA RECORDRIO DE JANEIRO SO PAULO2006CIP-Brasil. Catalogao na fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.Phillips, CarylP639m Uma margem distante / Caryl Phillips; traduo de Maria Jos Silveira. - Rio de Janeiro: Record, 2006.352p.Traduo de: A distant shoreISBN 85-01-07074-41. Romance ingls. I. Silveira, Maria Jos. II. Ttulo.06-0087CDD - 823 CDU-821.111-3

Ttulo original ingls A DISTANT SHORECopyright 2003 by Caryl PhillipsTodos os direitos reservados.Proibida a reproduo, no todo ou em parte, atravs dequaisquer meios.Direitos exclusivos de publicao em lngua portuguesa para o Brasiladquiridos pelaEDITORA RECORD LTDA.Rua Argentina 171 - Rio de Janeiro, RJ - 20921-380 - Tel.: 2585-2000que se reserva a propriedade literria desta traduoImpresso no BrasilISBN 85-01-07074-4 ,.*,PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTALCaixa Postal 23.052Rio de Janeiro, RJ - 20922-970

A Inglaterra mudou. Hoje difcil dizer quem daqui e quem no . Quem faz parte e quem um estranho. perturbador. No parece certo. Trs meses atrs, no comeode junho, mudei para c, para este novo empreendimento imobilirio de Stoneleigh. Nenhum dos antigos moradores parece satisfeito com o termo "novo empreendimento".Eles simplesmente chamam Stoneleigh de "as novas casas na colina". Afinal, nossas casas foram construdas no limite de Weston, uma vila que dificilmente vai desistirde seu nome e identidade s porque um empreiteiro imobilirio encontrou um jeito de fazer dinheiro rpido vomitando alguns chals geminados, botando um poste deluz na frente deles e chamando-os de "Stoneleigh". Se algum me pergunta eu digo apenas que moro em Weston. Todo mundo diz, exceto um ou dois que insistem em escrevero endereo como "Stoneleigh". O carteiro me contou que eles acrescentam "Weston" como um adendo, como se o primeiro civilizasse o segundo. Ele estava chateado equeria que eu soubesse que uma vez houve um movimento para mudar o nome de Weston para Market Weston, mas nunca pegou. Estava muito interessado em me fazer entenderque no havia nada de errado com Weston, e depois que comeou foi difcil conseguir queparasse. Isso foi na ltima semana, quando ele teve que bater na porta porque tinha um pacote que no cabia na caixa do correio, e disse que no queria forar aentrada ("A gente nunca sabe o que tem dentro, no , meu bem?"). Ele me contou que foi instrudo pelo diretor da agncia a riscar o nome "Stoneleigh" se aparecesseem algum envelope. Caso os moradores persistissem na ofensa, ento ele deveria educadamente recordar-lhes que moravam em Weston. Mas ele me disse que no achavaque seria capaz de fazer isso. Que, na verdade, se eles queriam viver em uma terra com nome maluco, quem era ele para impedi-los? No disse isso para o chefe, claro,pois significaria perder seu emprego. Ali mesmo, no ato.Portanto, nossa vila est dividida em duas. Ao p da colina tem uma estrada que, a oeste, vai para a cidade principal a sete quilmetros e, a leste, para o litoral,que est a cerca de cinqenta quilmetros. Todo mundo sabe disso porque logo antes da entrada de Weston, do lado da cidade, tem um cartaz indicando que so cinqentaquilmetros at a costa. Ento, depois disso, tem o grande cartaz que diz "Weston" e anuncia que somos cidades-irms de uma na Alemanha e de um povoado no sul daFrana. No folheto da imobiliria sobre "Stoneleigh" pode-se ler que na Segunda Guerra Mundial a cidade alem foi arrasada pelas bombas da RAF, e a aldeia francesaera cheia de judeus que foram todos arrebanhados e enviados para os campos. No posso evitar sentir que isso faz Weston parecer um tanto inspida, em comparao.Aparentemente, a maior coisa que j aconteceu em Weston foi a sra. Thatcher fechar as minas, e isso foi h vinte anos.A nica histria a respeito deste lugar est provavelmente na arquitetura. Os terraos em ambos os lados da estrada principal so de tpicas casas de mineiros, construdascom tijolo vermelho fosco; os moradores originais deviam ter que se banhar na cozinha, e seus banheiros deveriam estar no final da rua. No entanto, essas casas h muito tempoforam reformadas, e a sujeira foi ejetada das fachadas da maioria, de forma que agora elas parecem quase graciosamente antiquadas. Veja bem, as pessoas que moramali ainda tm que agentar o barulho do trfego a todo momento do dia e da noite, e suponho que deve ser a morte manter as janelas limpas. Ao lado das casas comterraos tem um posto de gasolina, uma lanchonete defish and chips, uma loja de convenincia, uma subagncia de correios que abre trs manhs na semana e, atrsda fileira de casas do outro lado, um pub que est bem em cima do canal que corre paralelo estrada principal. Tem tambm uma pequena igreja de pedra, em uma reabem cuidada, mas no vou precisar ir at l. Stoneleigh est no cume de uma pequena colina ngreme eeleva-se acima da estrada principal. Ns somos os recm-chegados,ou os fulanos elegantes como escutei na agncia de correio uma mulher grosseira nos chamar. L no tem muitos de ns, s duas dzias de chals dispostos em duasruelas sem sada, mas h muitas antenas parablicas e algumas das casas tm dois carros do lado de fora. Quanto a mim, eu no dirijo. No tem nenhuma loja aqui emcima, portanto se quero alguma coisa tenho que me arrastar ladeira abaixo at a loja de convenincias. Ou isso ou ento pegar o nibus para os sete quilmetros ata cidade.Em maio, eu me aposentei como professora. Quatro anos atrs as escolas se tornaram unificadas e desde ento os padres despencaram. Isso me deixou em uma situaodifcil, j que passei a maior parte de minha vida martelando que seria muito melhor se as crianas de todos os nveis e meios sociais pudessem ser educadas juntase aprender umas com as outras. Eranisso que papai acreditava. Ele odiava ver os meninos da escola particular de camisas brancas e gravatas, e casacos vistosos, enquanto as crianas da escola pblicamal tinham um par de meias que combinasse. Ainda posso v-lo balanando a cabea e apontando. "Luta de classes, querida", dizia ele. "Luta de classes antes mesmode abandonarem as calas curtas." E ento, quatro anos atrs, a autoridade escolar acabou com as escolas particulares, tornando-as unificadas, e me puseram prova.De repente me pediram para ensinar qualquer um que chegasse escola - pediram a todos ns. Eu no me importo com crianas difceis, mas coloco meu limite nos adolescentesarruaceiros. Mas ento a aposentadoria antecipada veio me salvar e, quando vi o anncio de Stoneleigh no jornal, pensei, por que no?, uma mudana to bom quantoum descanso. Quatro semanas mais tarde, me vi de p na porta desta casa dando uma gorjeta de vinte libras para os homens da mudana. Vi a poeira se levantar e depoislentamente toldar o grande furgo que se afastava. Eram s seis horas e assim pensei que, em vez de pr em ordem meus pertences e arrumar tudo, eu desceria a colinae daria uma olhada ao redor.Fiquei surpresa ao ver como a estrada principal era movimentada, com grandes caminhes retumbando em ambas as direes. Levou um bom tempo antes que houvesse umabrecha no trfego para que eu pudesse atravess-la correndo. Acabou no tendo muita coisa para ver, exceto donas de casa sentadas nos degraus da frente tomando sol,ou crianas pequenas correndo. As portas estavam completamente abertas, presumivelmente por causa do calor, mas no tive a impresso de que as portas abertas indicavamamizade. As pessoas me encaravam como se eu tivesse a marca de Caim na testa, portanto me apressei e descobri o canal. um trecho imundo de10gua estagnada, mas como eu estava longe do barulho do trfego, e dos olhares espantados e vazios dos moradores, era quase tolervel. Os restos da carcaa de algumasbarcaas estavam amarrados na margem, e logo ficou claro que a principal atividade nessas paragens era passear com cachorros. Nos campos, as vacas e ovelhas mexiam-secom uma facilidade que no me deixou ter dvidas de que, apesar da trilha pblica de pedestres que serpenteava pela terra do fazendeiro, esse territrio era delas.Sentei-me em uma pequena mureta debaixo dos galhos curvados de um salgueiro e olhei em volta. O suave ondulado do canal era reconfortante, embora o vo espasmdicode uma liblula zumbindo ao redor de minha cabea parecesse inoportuno. Esse muro pertencia aopub do povoado, The Waterman's Arms, cujo jardim chegava at o canal.No jardim, alguns jovens grosseiros e suas namoradas estavam zurrando e se perseguindo. Olhei-os quando comearam a jogar cerveja um no outro, e depois quando guinchavamcom a gargalhada encatarrada dos fumantes empedernidos. No queria que pensassem que eu estava olhando para eles, portanto voltei minha ateno para a relativatranqilidade do canal, e assim o tempo passou. Quando o sol comeou a se pr, e o segundo peixe morto passou flutuando, o crescente prateado de seu estmago inchadorompendo sem elegncia a superfcie, me convenci de que gostaria de tomar um drinque. Minha garganta estava seca e, portanto, me levantei e caminhei para o pub.Agora, eu podia sentir os olhos sobre mim, e por alguns momentos me perguntei se alguns desses jovens relaxados, com suas linguagens de caserna, no seriam alunosaos quais recentemente tive o raro prazer de ensinar. No entanto, achei melhor no me virar para olh-los de frente e logo avancei, sem escolta e de olhos baixos,11atravessando o jardim e subindo a meia dzia de degraus de pedra e entrando no bar pblico. L dentro, descobri que o pequeno espao estava deserto, a no ser porum par de namorados aconchegado num canto, cujos dedos febrilmente entrelaados sugeriam o que viria a seguir.- Em que posso ajudar, meu bem? -Apesar do calor, o dono do pub usava uma camisa branca e uma gravata que sugeriam ser scio de algum tipo de clube. Ele mantinhao local limpo e arrumado, e tinha decorado as paredes com o que pareciam fotos de famlia e lembranas de suas frias. A vida privada desse robusto senhor estavaem exibio, e imaginei que o jovem casal no canto talvez estivesse controlando o entusiasmo por respeito a esse fato.- Meia Guinness, por favor. - Enquanto o dono cuidadosamente tirava a cerveja, escutei um grito alto e mais gritaria, vindos do lado de fora. O dono olhou pelo vidrofechado da janela da frente.- Malditos desordeiros. - Sem olhar em minha direo, ps o copo de Guiness na minha frente.-Uma libra e quarenta. - Ele continuava a olhar pela janela, mas suamo aberta deslizou pelo balco. Pus duas moedas de uma libra na sua palma e ele primeiro sacudiu a mo, como se para pes-las, e depois as fechou sobre elas. -Obrigado, meu bem.Uma hora mais tarde, me ajeitei no tamborete do bar enquanto ele colocava uma segunda cerveja minha frente. J estava escuro, mas os jovens continuavam fazendobarulho no jardim, e no canto atrs de mim o casal de namorados deixara de lado o decoro e agora estavam praticamente um em cima do outro. Depois que terminei meudrinque, tinha me levantado do tamborete, mas o dono no quis me deixar sair.- No, meu bem, beba mais uma por conta da casa. Considere como boas-vindas, se quiser.12Eu ainda tinha que desfazer as malas, e os homens da mudana haviam deixado a casa revirada, mas achei que seria grosseiro recusar sua oferta gentil. Subi de novono tamborete e o observei tirar o segundo copo.- Antes, tnhamos uma mdica aqui. Uma mulher jovem, mas no durou muito. As mulheres no acharam bom os homens irem v-la.- Mas era uma mdica - disse eu, tomando um gole cuidadoso da nova cerveja.- Sim, mas era mulher, e voc sabe como as pessoas so.No entendi bem se ele estava concordando com a atitude dos moradores, ou sendo crtico, mas ento nossa ateno foi atrada pelo som de vidro quebrando. Duranteaquela ltima hora o dono do pub fora ao jardim duas vezes pedir aos jovens que se acalmassem, mas as coisas estavam totalmente fora do controle. Eu entendia suafrustrao. Essa era sua clientela e proibi-los significaria com certeza perder seu negcio. O dono tentou ignorar o vidro quebrado e se virou outra vez para mim.- Hoje em dia, se voc precisar de um mdico para qualquer coisa, tem que ir at a cidade. Voc tem um mdico l, correto?Assenti. Olhei para o dono do pub e desejei que nos tivesse ocorrido outro tema para a conversa imprevista. Mas ele agora tinha sido fisgado, e estava sendo difcilseguir para um tpico diferente.- Tem uma jovem enfermeira irlandesa que vem ao centro de sade quatro vezes na semana, mas com ela voc no tem como conversar sobre um tratamento adequado. Elapode medir sua presso e lhe dizer o que comer e tudo isso, mas no muito mais.13Outra vez assenti. Ele fez uma pausa, depois olhou sobre meu ombro para o casal de namorados no canto.- Est tudo bem a no fundo com vocs dois, seus pombinhos?Eu no me virei para v'los, mas escutei o som da risada nervosa dos dois. O dono sorriu para eles, e depois olhou para fora, onde podia ver os arruaceiros despedaandoseu jardim. Quase imperceptivelmente, sacudiu a cabea, e depois girou sua ateno de volta para mim.- No me entenda mal. Eu gostava da dra. Epstein. Uma boa mulher. - O dono do pub ficou em silncio, e seus olhos ficaram vidrados, como se seus pensamentos estivessemderivando sem rumo. Olhei pela janela e pude ver que dois dos desordeiros agora brincavam no balano das crianas. Estavam balanando alto, mas cada um em direooposta, e quando os balanos se cruzavam eles molhavam um ao outro de cerveja. As namoradas olhavam e soltavam gargalhadas.- Mas, como eu disse, as pessoas no aceitaram a dra. Epstein, com isso de ela ser mulher. Infernizaram a vida dela, e a do marido e dos filhos. Eram novinhos,talvez cinco ou seis anos, um menino e uma menina. Rachel e Jacob. O engraado que seriam mais felizes se viessem para c hoje. Voc sabe, agora que Stoneleigh,ou seja qual for o nome, est pronto. L em cima eles poderiam se dar melhor, mas morando aqui embaixo conosco, bem, era difcil para eles se integrarem. - Fez umapausa outra vez. - Na cidade, ningum se importa muito, mas aqui eles no se misturam. Quero dizer, Rachel e Jacob. Eles nem tentavam. Voc sabe como , voc temque fazer um esforo. Voc viveu nessa regio toda a sua vida, no foi?- Bem, como eu disse, principalmente na cidade, nunca por aqui.- Bem, seja bem-vinda outra vez a Weston. - Ele levantou seu copo. - A uma longa e feliz aposentadoria em Weston.Peguei meu copo e sorri. Pensei comigo mesma, estou feliz por morar em uma rua sem sada. H alguma coisa segura em uma rua sem sada. Voc pode ver tudo se moraperto do final de uma rua sem sada.Naquela noite, subi a colina sob a luz da lua. Acho que mame teria gostado de viver em Stoneleigh, mas papai teria odiado. Ela gostaria da idia de que para viverno alto da colina voc teria que mudar de vida e deixar algo para trs. Mas papai no era oprimido pelas ambies dela, o que era uma das razes de suas brigas eo motivo pelo qual mame acabou ficando em silncio. Mas ela j devia saber, porque papai no era do tipo de aceitar gentilmente uma divergncia. At quase o finalhavia um fogo dentro dele que s precisava de um empurro, ou da estocada de um comentrio fora de hora, para as chamas comearem a rugir. Papai gostava de conversar,mas, mesmo quando eu era criana, era bvio para mim que mame entregara os pontos por causa do temperamento dele. Em vez disso, papai conversava comigo, e tentavame tratar como o filho que nunca teve. No havia nada de que gostasse mais do que se sentar com seu cachimbo e bolsa de tabaco, pressionando o fumo solto no fomilho,e me contar como perdera o pai na guerra, e como sua me tinha lutado para agentar as pontas.Ele tinha vinte anos quando a guerra acabou, mas quela poca j tinha estreado como projetista e decidido se casar com mame, a quem sempre descrevia como "a maisbonita de todas as garotas do lugar". Quando dizia isso, olhava para ela como se perguntasse a si mesmo que raios havia acontecido com sua "garota bonita", masmame nunca olhava para ele e simplesmente continuava fazendo o que estivesse fazendo. As15responsabilidades do meu pai, e a falta de grana, significaram que ele nunca pde ir para a universidade, e embora afirmasse que estava feliz por ter escapado da comoode deixar a cidade natal, na verdade nunca acreditei nele. Quando finalmente fui para a universidade aos dezoito anos, pude ver como ele ficou orgulhoso, mas nuncame disse nada, nem nunca viajou, fora aquela nica e desastrosa viagem que ele e mame fizeram a Maiorca. O pai dele caiu na Blgica e isso parece que azedou suaatitude em relao a qualquer coisa que estivesse fora da rbita de sua cidade natal. E tanto era assim que sempre que praguejava, o que raras vezes fazia, rapidamentedizia "perdoe meu francs", o que, claro, no fazia sentido a menos que se considerasse isso sob o prisma do desprezo.Infelizmente, enquanto eu parecia me dar bem com papai, Sheila mal falava com ele. No comeo, eles se davam bem. Eu podia ser "o filho", mas definitivamente elaera a filha muitoamada. Eu de fato tinha cimes, pois ele era louco por ela, e a levava aos lotes arrendados, e lhe comprava presentes, e tanto era assim que eucostumava cham-la de "xod do papai". Mas medida que ela crescia, e comeava a pensar com a prpria cabea, papai pareceu mudar em relao a ela. Eu entendiao que minha irm queria dizer quando falava que ele fazia tudo para implicar com ela, mas ela no ajudava. Qualquer chance de se comportar mal ela aproveitava,e claro que isso s piorava as coisas. Mame ficava do lado de Sheila, mas papai no considerava muito suas opinies, e assim Sheila comeou a se ressentir coma impotncia domstica de mame. E onde estava eu nisso tudo? Ou fazendo minha tarefa ou tocando piano. Eu sabia que no era de muita utilidade para Sheila, mas,quando minha irm comeou a fumar, e depois ficar at tarde fora de casa mesmo quando papai lhe dizia para voltar s dez, ento16comecei a entender o ponto de vista dele. Ela estava pintando o sete, no havia dvida sobre isso, e foi a que piorei ainda mais as coisas indo para a universidadee deixando-a sozinha com os dois. Muitas vezes me pergunto se as coisas teriam se resolvido de maneira diferente se eu tivesse ficado em casa, ou ingressado nafaculdade local, ou simplesmente conseguido um trabalho. Talvez eu tivesse sido de mais ajuda para todos eles.No alto da colina, parei e olhei para trs, para Weston. Lembro-me de ver claramente toda a vila, pois a enorme lua cheia pairava no cu, como se escorada por umacoluna invisvel. Banhada pelo luar brilhante, Weston parecia serena e sem se deixar estorvar pelos problemas que continuam a assolar a cidade. Fico quase constrangidaem admitir, mas nesses dias sempre que vou cidade so os sem-teto que me incomodam mais, e a coisa aterrorizante que eles parecem estar em todos os lugares.H dzias deles morando debaixo da passagem subterrnea da ferrovia, em caixas que eram usadas para transportar geladeiras ou grandes aparelhos de televiso colorida,com seus cabelos embaraados e suas garrafas de Methedrine. Fico achando que eles sempre vo estar por a enquanto a igreja se sentir feliz por lhes dar copos deplsticos com ch doce e trocar seus curativos ulcerados, sem consider-los responsveis por coisa alguma. Durante o dia, eles ficam sentados ao redor das praastocando violo, como se estivessem em algum tipo de acampamento de vero. Por que eles no levaram a escola a srio? Ainda d tempo de recolocar a vida nos trilhos.Eles tm sade, e no so retardados. Bem, pelo menos no os mais jovens. E tm at algum tipo de talento. s um desperdcio premeditado, s isso, e acredito quea maioria faz de propsito, porque so preguiosos e querem compaixo, mas nunca vo conseguir isso de mim. Quando me recuso a lhes dar dinheiro eles gritam comigo,17e com freqncia sinto escrnio quando passo por eles. Antes no, mas agora sim, porque eles comearam a me assustar e a outros transeuntes. Alguns dias atrs euestava voltando do hospital quando peguei um deles, uma besta imunda, comendo o que tirava de uma lata de lixo, como um cachorro. Eu no disse nada, mas olhei paraele e ento ele comeou a gritar. "Voc no pode mais me ferir", disse ele. "Voc no pode me ferir." Quem disse que eu queria feri-lo? Fico feliz por papai noestar aqui para ver o que aconteceu com a cidade dele. Suponho que tambm estou feliz por ele no estar aqui para ver que estou morando em Stoneleigh. Ele nuncame diria nada sobre isso, mas encontraria um jeito de fazer com que eu soubesse que no aprovava.Coloquei a chave na fechadura da porta, tirei meus sapatos e ca no meu sof favorito, cercada pela baguna de caixas e caixotes de embalagem. Na verdade, nem tireimeu casaco. A caminhada colina acima, mais os dois copos de Guinness, estavam cobrando seu tributo. Pela janela sem cortina ainda podia ver a luz poderosa da lua.Papai teria gostado do The Waterman's Arms, disso eu tinha certeza, pois considerava os pubs lugares de refgio. Costumava dizer que eles deviam ser um santurioonde voc pode ser voc mesmo sem ter que ficar se preocupando com "por favor" e "obrigado", mas para isso voc tinha que encontrar umpub que se adequasse a voc.Ele me lembraria que todos so diferentes, como as pessoas, e enquanto alguns trazem tona o bom em voc e o faz abrir-se, outros o fecham e fazem voc ficar silencioso,querendo apenas sentar em um canto e cuidar de sua cerveja. "A bebida no importa", era sua grande tirada, mas mame s revirava os olhos e continuava passando aferro ou seja l o que estivesse fazendo. Mas eu escutava. Ele insistia que a questo com eles era ser voc18mesmo, e enfatizava que a gente tinha que continuar procurando at achar umpub onde se sentisse vontade. No entanto, ele nunca me falou o que fazer se eu me vissemorando em um lugar onde s tivesse um pub. Acho que nenhum de ns jamais imaginou que algo assim pudesse acontecer.No fui mais ao pub local desde aquela primeira noite, e isso foi h trs meses. Mas vejo todo mundo o tempo todo. O jovem casal de namorados, os adolescentes arruaceirosque brincavam do lado de fora. No d para evitar. Voc vai dar uma caminhada, ou vai pegar um jornal, ou vai esperar no ponto de nibus, e l esto todos eles,o elenco do povoado representando os papis designados. Aqueles de ns que so de Stoneleigh, o pequeno grupo de extras que vivem no alto da colina, ainda temosque receber nossos papis. Ainda somos estranhos um para o outro, que dir para os outros moradores. O homem de cor um pouco subnutrido do pequeno chal prximoao meu o nico que vejo regularmente. Ele o zelador de todas as casas; se algum precisa consertar a fechadura, ou ajustar a porta, ou ver o encanamento, entoele o homem para chamar. Aparentemente, houve tantas queixas quando os chals ficaram prontos que alguns proprietrios nas duas ruas sem sada ameaaram processaros construtores a menos que fizessem alguma coisa. Devo ter tido sorte porque tudo est funcionando bem na minha casa, mas parece que sou a exceo. Assim, paraque todos ficassem felizes, eles construram um pequeno chal para um faz-tudo-mais-vigianoturno e Solomon veio para c. Vejo-o agora, atrs de suas persianas. Elenunca as fecha completamente, como se sempre precisasse ter um pouco de luz entrando em sua casa. Ou ento no sabe direito como faz-las funcionar.Seu carro est estacionado na frente, no lugar devido. com certeza de segunda mo, mas est sempre cuidadosamente19lavado e limpo. Outro dia eu o vi levar um pano at l e comear a trabalhar como se estivesse polindo uma pea de bronze. Pensei em lhe perguntar por que tem tantotrabalho com um carro, mas no tem sentido porque isso combina com a maneira como ele se comporta com tudo. A maneira como se veste, ou corta a grama, ou penteiao cabelo com aquele repartido de navalha amolada. Tudo feito com a mesma preciso. Como a maioria das pessoas aqui no alto, ele se mantm parte, mas, ao contrrioda maioria das pessoas aqui no alto, ele vive sozinho. Como eu, ele um solitrio. Somos eu, ele e um homem na outra rua sem sada que fez com que se soubesseque ele j foi alguma coisa na cena londrina dojazz- Diz ter conhecido todo tipo de gente famosa, e tocou em todos os clubes, mas fala demais, o que, claro, mefaz pensar que est inventando tudo. Mas Solomon diferente. Ele vai terminar em dez minutos. A essa altura, conheo a sua rotina, e tenho que estar pronta paraque ele possa me levar at a cidade para minha consulta com o dr. Williams. De fato, j estou quase pronta. Tudo que tenho que fazer achar meu carto de consulta,pegar meu casaco e estarei pronta para ir. O dr. Williams no exatamente um doutor, mais um especialista. Meu antigo clnico geral recomendou-o para mim h algunsmeses, logo depois que Sheila morreu. Ele achou que me faria bem conversar com algum, mas depois de todo esse tempo ainda no estou conseguindo dormir quase nada,e por isso pedi ao dr. Williams para me fazer alguns testes, o que ele fez. Hoje, espero que me d os resultados. Enquanto espero Solomon dou uma olhada no consoloda lareira. Reconheo a caligrafia da minha irm no envelope. As linhas so mais finas, as formas, menos agressivas. Estranho, realmente, pois nunca me ocorreu queuma caligrafia envelhecesse, mas envelhece. Quando pela primeira vez vi a carta no20capacho, olhei para ela e tive medo de toc-la. Por fim, pegueia e ento a coloquei no consolo, onde posso v-la, mas sabia que tinha que estar mais forte para poderme engalfinhar com ela. Lembro que ri. No nenhum jogador de rgbi, pensei, uma carta. No tenho de me engalfinhar com ela, e assim a deixei onde estava, mastodo dia me pego lanando um olhar para a caligrafia. Fraca ou no, ainda assim a caligrafia dela. Depois de todos esses anos de silncio minha irm ainda podefazer isso comigo. E ento escuto Solomon batendo porta.Gosto da maneira como ele domina seu carro. Sempre segura o volante com as duas mos e o puxa e empurra gentilmente, como se estivesse fazendo alguma coisa, emvez de gir-lo como se fosse um jogo. Ele tambm usa luvas para dirigir, e eu gosto disso. No do tipo pegajoso com reforo de velcro; as luvas dele tm botesque voc pressiona e eles entram direitinho no lugar, perfeitos. Gosto disso na maneira como dirige. elegante e cuidadoso, e faz com que me sinta segura.- O doutor vai lhe dar os resultados hoje?Solomon pergunta, mas faz isso sem tirar os olhos da estrada. A primeira vez que fez isso, achei que era descortesia, no entanto agora entendo que apenas seu jeitode ser cuidadoso. simplesmente uma questo de primeiro a segurana, s isso. Como no respondi sua pergunta, ele continua.- Espero que minha pergunta no a incomode.Dessa vez, ele lana um rpido olhar em minha direo. E um homem bonito, o que faz com que eu fique sem jeito. Nunca lhe perguntei, mas imagino que deve estarcom trinta e poucos anos, embora seja difcil dizer. Ele volta sua ateno para a estrada.- Claro que no me importo que voc pergunte. - Fao uma pausa. - O doutor falou que vai me dizer hoje. - Fiz outra21pausa, na dvida se deveria dar mais informaes. Mas confio nesse homem. Ele no espera que eu seja perfeita.De novo, ele me olha. E um olhar preocupado que diz: "Tm alguma coisa que voc no me contou?" No digo nada enquanto ele diminui a marcha e depois vira para entrarno estacionamento do hospital. Tm, claro, uma coisa que estava querendo dizer a ele mas no achei a oportunidade certa. sobre toda essa lavao de seu carro.Quero lhe dizer que na Inglaterra voc tem que se tornar uma parte da vizinhana. Dizer ol para as pessoas. Ir igreja. Levar os filhos no primeiro dia de aula.Voc no pode aparecer de repente e comear a lavar o seu carro. As pessoas vo consider-lo um ignorante que quer se manter distncia. Mas ainda tenho que acharo momento adequado para falar a Solomon sobre a maneira como ele se pavoneia na entrada da sua garagem com aquele balde de gua cheia de sabo e sua flanela.O dr. Williams um homem careca de uns quarenta anos. Est naquele lugar de onde os homens ou escorregam rapidamente ladeira abaixo em direo irreversvel meia-idade,ou comeam a se exercitar e cuidar de si mesmos na tentativa de agarrar sua juventude. Ele me pede por favor para sentar, mas no se levanta de trs de sua escrivaninha.Eu me sento e coloco minha bolsa no colo, e ento percebo que provavelmente estou parecendo uma professora da escola dominical. Lamentavelmente, tarde demais.Meu estmago est se revirando, mas qualquer mudana de posio vai sugerir a ele que estou nervosa, e no quero dar essa impresso.- Tenho seus resultados, srta. Jones, e tudo parece bem.- Ele me olha direto no rosto e tenta sorrir aquele sorrisinho estpido de mdico que todos eles tm. - Mas minha enfermeira tem me passado seus recados, e se vocdiz que ainda est tendo problemas para dormir, ento talvez devamos conversar.- Ele tenta aquela coisa meio triste meio alegre de me animar que todos tentam, e ento abre minha ficha e pega a caneta do bolso de cima de seu avental branco.Pressiona o boto da caneta com seu dedo, depois a usa como uma espcie de marcador enquanto vai passando pelas pginas soltas.- Voc passou por muita coisa recentemente, no ? Olho para ele e no tenho certeza se ele est realmente meperguntando, ou se est apenas me contando.- Aposentadoria precoce pode ser um problema, mas voc ainda est ensinando msica, no ? O piano. Quero dizer, aulas particulares.Por que ele est me perguntando isso? Foi idia dele que eu me anunciasse dessa maneira vulgar. Mulher desesperada disponvel para aulas de msica.- Estou tentando conversar com voc, srta. Jones. Ficar encarando a parede no vai ajudar nenhum de ns, agora, no ?Olho seu rosto gorducho e concluo que a minha vez de lhe dar o sorriso estpido.- A morte de seus pais, seu divrcio, a morte de sua irm, aposentadoria antecipada e depois a mudana de casa, muita presso para qualquer pessoa ter que lidarem um curto espao de tempo. - Ele faz uma pausa para me dar uma oportunidade de comentar, mas no tenho nada para lhe dizer. - Voc tem que comear a planejar umavida nova, Dorothy. Sua irm se foi, mas voc uma mulher relativamente jovem, e no h nada de errado com voc na parte fsica. Voc ainda tem um longo caminhona vida, e precisa comear e ir em frente e viver. Estou sendo claro?Solomon e eu geralmente almoamos na cidade antes de voltar para Stoneleigh. Enquanto estou no hospital ele faz algumas compras, embora nunca me conte o que compra.2223Veja bem, eu tambm nunca pergunto. Ele vai voltar para o hospital com o quer que tenha comprado guardado em segurana no porta-malas de seu carro. s vezes, j estoudo lado de fora esperando por ele debaixo do toldo verde dos pacientes de ambulatrio, embora outras vezes sei que o fao esperar, mas ele nunca se queixa. Ele um motorista voluntrio, e a enfermeira da vila provavelmente lhe falou que tem de ser tolerante se vai dirigir para pessoas que esto enfermas. Como eu antes moravae dava aulas na cidade, geralmente fica por minha conta escolher o lugar para o almoo. De vez em quando, escolho o Somalian and Mediterranean Food Hall e agoraparece que se tornou nosso favorito, embora eles pudessem limpar um pouco mais o local. Ainda assim, ele parece gostar.Ele levanta a vista de seu kebab de cordeiro e olha para mim com seus olhos grandes, como se de alguma forma eu o tivesse trado.- Voc no me falou sobre os resultados.- Inconclusivos - digo, mas continuo a comer. Enfio um pedao de po pitta na boca para ficar momentaneamente impossvel continuar falando.- Entendo. - Ele espera at que eu acabe de mastigar.- Vai ser preciso fazer mais exames?- Acho que o doutor no sabe o que est fazendo.- Ele ainda no conseguiu diagnosticar o problema?- o que ele diz.- Isso muito angustiante. - Ele pra por um momento e continua me encarando. - E sua irm? Voc respondeu carta dela?Abaixo o garfo, mas antes que as palavras saiam de minha boca percebo que estou prestes a dizer coisas demais para esse homem.- Ainda no li a carta.- Voc no leu? - Agora ele que abaixa o prprio garfo e olha para mim no outro lado da mesa. - Mas ela tudo que voc tem agora que seus pais morreram. E vocdisse que ela mora a apenas uma hora de distncia, no litoral. J lhe falei, estou pronto para levar voc at l.Esse homem estranho. O zelador de Stoneleigh. O faz-tudo do condomnio em seu chal gratuito. Solomon e seu carro de segunda mo. Nem mesmo um cachorro. S ele,escondido atrs das persianas, esperando que uma pea da calha precise de conserto ou que a maaneta de uma porta precise ser trocada. De noite, eu o vejo patrulhandocom sua lanterna. A enfermeira irlandesa me falou que, se eu no quisesse pegar o nibus para a cidade, havia dois motoristas voluntrios. E ento uma tarde, entretantas pessoas, ele veio e bateu na minha porta. Meu cavaleiro de armadura reluzente e carruagem lustrada. E agora Solomon quer me levar at o litoral para que eupossa ver Sheila, e tudo o que penso por que ele no termina seu kebab de cordeiro. No mundo, tem pessoas morrendo de fome e que fariam qualquer coisa por um pedaode kebab de cordeiro.No fim da tarde, olho outra vez para a carta no consolo da lareira. Antes de abri-la, como se tivesse que ir at o tmulo de meus pais pedir-lhes permisso. Naminha idade eu no deveria me sentir obrigada a pedir a aprovao deles, mas Sheila no os tratava bem e no quero que eles pensem que os estou traindo por ler acarta dela. Sirvo-me uma taa de vinho branco e olho pela janela. Depois de alguns minutos, me ocorre que no tanto a permisso deles que estou procurando, maiscomo se eu simplesmente os informasse do que est acontecendo. Acho que isso. S quero que eles saibam o que espero que entendam. A luz comea a desaparecer nocu. Uma das coisas2425de que mais gosto nesta casa so os fins de tarde, pois daqui de cima possvel ver o sol se pondo no horizonte. Para o oeste h uma vista clara, sem interrupes,que vai direto at onde o velho viaduto da estrada de ferro atravessa o vale sobre suas fortes pernas de ferro. H cinqenta anos ou mais que um trem no o atravessa,e agora ele um tipo de monumento. Todo fim de tarde o sol se pe atrs desse viaduto, o que significa que posso me sentar janela com uma taa de vinho e vero dia chegar a seu trmino pacfico.Fazia pouco tempo que tinha acordado quando escutei baterem porta. Tudo bem, porque j me lavara e estava apresentvel. At tinha tido tempo de escovar meu cabelo,antes de prend-lo de novo em seu coque familiar. H muito abandonei a vaidade de tentar disfarar o grisalho, e deix-lo ao natural me poupa um monte de tempo.Ainda que j no precise estar na escola s oito da manh, mantive o hbito de levantar cedo. Em geral, eu comia uma tigela de cereais e bebia um suco de laranjaantes de os carros sarem das garagens e as crianas comearem a correr para pegar o nibus da escola. De novo escuto a batida imoderada na porta, como se algumtivesse concludo que estou dormindo e estivesse determinado a me despertar. No estou nada contente com isso, pois sugere maus modos. vou at a porta e a sra.Lawson est l, mas sem Carla. O conjunto de duas peas azul-marinho e o leno azulclaro combinando em volta do pescoo me dizem que ela est a caminho do trabalho.- Perdo por vir to cedo, mas queria falar com voc antes de sair.bom, isso eu podia adivinhar e, pela maneira como estava parada, era claro que no viera pedir emprestada uma xcara de acar. Dois dias antes, em sua ltima aulade piano, Carla26se recusara a fazer a parte final das escalas. De novo, lembrei a ela que sentar ao piano sem nenhum senso de etiqueta, os ps balanando sobre os pedais, era uminsulto tanto ao professor quanto ao instrumento. Gentilmente, cobri suas mos com a minha e lhe pedi que sentisse seu peito. Que deixasse o sentimento subir porseu corpo e atravess-lo at o topo de sua cabea. Apertei suas mos, dizendo-lhe que tinha que se esquecer delas, pois elas deviam ser como alfaces, moles e inteis.Ento, mais uma vez, eu disse que tudo comea no peito e que sua execuo deveria sempre ser forte e apaixonada, mas era bvio que a menina no se impressionara.No final, perdi a pacincia e lhe perguntei se ela achava que a me estava pagando todo esse dinheiro para que ela ficasse sentada olhando para o ar com jeito dedeboche. Mas isso s piorou as coisas. Carla comeou a responder, e ento bateu a tampa do piano, empurrou o banco para trs e se levantou. Ao agarrar sua pasta,ela gritou: "vou contar para minha me o que voc fez", e depois saiu em disparada da minha casa sem fechar a porta. Olhei para o livro de exerccios que ficaraaberto no piano, as pontas cuidadosamente eriadas para facilitar na hora de virar a pgina, e conclu que j estava farta dessa menina. De certa forma esperei vera me de Carla logo a seguir, mas no fiquei surpresa por ela no ter aparecido. De fato, desde que a me respondeu a meu anncio manuscrito na vitrine da loja dejornais, que de maneira nada modesta anunciava minhas habilidades como uma professora de piano de "primeiro time", tive certeza de que a sra. Lawson estava simplesmenteprocurando a maneira mais conveniente de afastar sua filha de problemas. Ela me contou que era a gerente de pessoal do grande supermercado da cidade e que muitasvezes trabalhava at tarde. Aparentemente, ela e o pai de Carla estavam separados, portanto a maior parte do tempo a pobre27menina fazia o que queria. No entanto, como era previsvel, Carla logo se entediou tanto comigo quanto com o piano, e era inevitvel que a longo prazo se rebelasse.E agora a me aparecia. Olhei para a mulher com o olhar vago.- sobre Carla - diz ela.- Sinto muito. - Pisco e tento focalizar outra vez a mulher. - Por favor, entre. Gostaria de tomar um ch?- No posso demorar muito. S um minuto ou dois.-A mulher se espreme para passar por mim e entra na sala como se visitasse regularmente minha casa.- Voc prefere ch ou caf?- Tanto faz, obrigada. O que for mais fcil. Honestamente, no posso mesmo me demorar.Acompanho-a at a sala, fao com que se sente e depois vou at a cozinha para lhe preparar uma xcara de ch. Em minha casa, fcil conversar com algum estando na cozinha. No preciso ficar gritando ou coisa assim. Espero que ela me diga o que passa em sua cabea, mas ela no diz nada, portanto despejo o leite dentro do ch e depois mexo.Depois que ela sai, comeo a tirar o ch e depois o prato com os biscoitos que ela no quis comer. Pego o prato e olho pela janela enquanto ela vai batendo na calada com seus estpidos saltos altos, descendo em direo ao final da rua sem sada onde seu novo conversvel a espera. Ela no olha para trs mas, em vez de invejar sua confiana, eu me vejo desprezando-a. Ela, afinal, acabou de vir a minha casa e muito rapidamente passar dos limites do decoro. Ao colocar o ch e os biscoitos sua frente, perguntei-lhe se gostaria de acar. Ela balanou a cabea vigorosamente como se eu lhe tivesse oferecido veneno de rato.- Bem - comecei -, acho que voc est se perguntando se Carla quer mesmo aprender piano.28- Achei que ela quisesse - disse a me -, mas agora no estou to certa. Ela est numa idade difcil, e tem opinies fortes sobre determinadas coisas.- Entendo. - Peguei um biscoito. - Como tocar piano, por exemplo?- Bem, no s isso. H tambm o seu prprio comportamento a considerar.- Meu prprio comportamento? - Coloquei de novo o biscoito no prato e olhei para a mulher.- Acho que voc precisa de ajuda, no ? Carla gosta de voc, mas diz que voc grita, e ento outras vezes legal, mas a maior parte do tempo voc s fica olhando pela janela e no escuta nada do que ela lhe diz. Posso lhe perguntar francamente, srta. Jones, qual o problema?- Voc est se fiando apenas nas palavras da sua filha? A mulher me encarou com um olhar piedoso que teria tentado a pacincia de um santo. - Devo entender, ento, que sou eu quem tem problemas de concentrao.- Carla uma boa menina, e no mentiria. De fato, ela est completamente perturbada por voc. Quer dizer, ela gosta de voc mas acha que deve procurar ajuda, pois est se comportando de maneira estranha.Por alguns minutos, olhei para essa mulher, e ento compreendi que ela estava falando srio.- Mais ch? - perguntei. A mulher olhou seu relgio e depois pegou sua bolsa.- bom, pelo menos eu tentei. Tenho mesmo que ir.- Como quiser.A mulher inclinou-se para a frente e tentou parecer simptica.- Acho que voc deveria se lembrar, o bairro pequeno, e como voc, tambm sou acostumada com a cidade. Mas essas pessoas, elas falam, voc sabe.29- Sobre quem?- Sobre voc, srta. Jones. Tem pessoas boas no bairro com quem voc poderia passar o tempo. Voc no precisa ficar to sozinha.- Bem, no posso faz-los parar de falar. - Estava difcil tirar a raiva da minha voz, e a sra. Lawson pareceu aceitar o fato de que havia muito pouco a ser dito sobre esse, ou qualquer outro assunto.- bom, sinto muito, mas na verdade vim para lhe dizer que Carla no vai voltar para as aulas de piano. - com isso dito, levantou-se e me desejou um bom dia. Vejo-a agora enquanto se inclina para a frente e abre a porta do seu carro. Entra e d partida no motor do conversvel, e logo est sinalizando direita e depois entrando no trfego e se dirigindo para o trabalho.H um jovem capinando no cemitrio. Ele est l quase toda vez que venho visitar. O que torna seu trabalho estranho o fato de ele o fazer mo. No com foice,nem colher de pedreiro, nem mesmo um par de tesouras; esse jovem arranca o capim com as mos e as enfia dentro de um saco de plstico preto que est amarrado emseu cinto com um pedao de corda puda. Enquanto subo a pequena elevao, vejo que ele j capinou o tmulo de meus pais. Eles esto lado a lado. Mame morreu primeiro,e papai, um ano depois. Eles planejaram juntos esse local de descanso final, e chegaram em harmonia quase perfeita. Um dia, enquanto papai estava no pedao de terra que arrendava, o corao de mame parou de bater. Ele disse at logo para ela de manh e saiu da casa que tinham dividido por quase cinqenta anos. Quando ele voltou para casa de tarde, ela j estava morta. Segundo os vizinhos, ela teve um colapso no quintal enquanto levava o lixo para fora, e um deles chamou a30ambulncia enquanto os outros tentavam r anim-la. Tinham acontecido alguns sustos menores ao longo dos anos, inclusive um ataque fraco quando eles viajaram para o exterior, pela primeira e nica vez, para Maiorca. Ela teve que voar de volta, por segurana, e passou uma quinzena no hospital. Mas esse golpe final foi rpido e sbito, como um martelo caindo, e no houve tempo para fazer coisa alguma a no ser reagir. Papai me telefonou e eu viajei de Birmingham. Fiz uma xcara de ch e ficamos sentados juntos em silncio, um feixe de lenhas crepitando na lareira, at que um sol fraco apareceu na manh seguinte. Eu sabia que ele conseguiria viver muito tempo sem ela. De manh, ele me pediu para avisar minha irm, e ento eu disse que o faria, embora tivesse um endereo, mas no o nmero do telefone. Acabou que o nmero dela no estava na lista, mas no foi to difcil de achar o nmero de Sheila em Londres e, ento, liguei e lhe dei a notcia sobre mame. Ela ficou em silncio, e quando lhe perguntei se viria para o funeral, ela simplesmente disse "sim". Dois dias mais tarde, ela apareceu com sua amiga, precisei de todo o meu autocontrole para no dizer umas palavras para minha irm mais nova. Agora no era o momento de apresentar a papai essas escolhas de estilo de vida, pois ele j estava demasiado fraco. Na verdade, no podia recordar alguma vez em que estivesse mais furiosa, mas por sorte papai estava muito abatido pela dor para notar o que Sheila tinha feito. Meu pretenso esposo, Brian, representou o papel de fazedor de pazes, e de alguma maneira todos ns sobrevivemos ao funeral. E ento papai comeou a ficar pior. Suas enfermidades pareceram se desencadear todas juntas. O pulmo por tantos anos de cachimbo. Depois seus quadris, que havia tempos vinham sendo tomados pela artrite, foram de mal31a pior, e ento finalmente seus olhos comearam a se nublar com o glaucoma. Seis meses depois de enterrar mame ele estava to mal que no conseguia ir ao banheiro, nem tomar um banho, ou fazer qualquer coisa sozinho. No comeo, eu vinha de Birmingham e passava todo fim de semana com ele, mas seu mdico finalmente me disse que, a menos que consegussemos uma enfermeira, ele teria que ir para um asilo. Ento, pedi ao mdico que fosse franco comigo e dissesse quanto tempo ele ainda teria. Ele entrelaou os dedos e disse talvez um ano, provavelmente menos, e assim conseguimos uma parteira aposentada para morar no quarto de hspedes. Logo papai j no saa da cama, mas ainda nfernizou a vida da pobre mulher, chegando ao ponto de lhe dizer que no acreditava em mulheres boas, s em mulheres que viviam sob a influncia de homens bons. Menos de um ano depois da morte de mame, ele morreu dormindo, e a parteira de cara azeda fez uma cena ao sair da casa antes mesmo de o corpo dele ter esfriado. Outra vez, telefonei para minha irm, e dessa vez quem atendeu foi a secretria eletrnica, e deixei um recado, mas ela no ligou de volta. No fiquei surpresa, e para dizer a verdade fiquei de alguma forma aliviada por ter sido poupada de um repeteco do seu egosmo. Foi por sua prpria e intencional deciso que ela saiu de casa aos dezessete anos, e por quase trinta anos mame e papai tiveram raros contatos com ela. Foi uma coisa com a qual eles relutantemente aprenderam a lidar, e se tornaram bem calejados na prtica de desviar perguntas, dizer meias-verdades e esconder o sofrimento. Mame, em particular, parecia sofrer. A rejeio de Sheila aos dois, e sua determinao de viver a prpria vida no sul, fez com que mame se retrasse ainda mais das pessoas e das conversas. Mame comeou a fazer suas refeies32isolada, e havia algo de profundamente doloroso em v-la sentada sozinha com sua Bblia e o rosto sulcado em solitria concentrao. Papai conseguira remover de mim alguma f que eu ainda guardasse, mas mame continuava a acreditar, embora no se desse ao trabalho de ir igreja. Eu costumava me perguntar se as coisas poderiam ter sido melhores para ela se eu lhe tivesse dado netos dos quais se orgulhar, mas logo cheguei a compreender que nada ajudaria. Mame perdera sua filha caula, e nem mesmo a bno de netos poderia compensar essa perda. Papai, por outro lado, continuava a esbravejar contra qualquer assunto desse mundo, mas o nico assunto que se recusava a encarar era o de nossa Sheila.Ao longo dos anos, quando eu voltava para casa, sempre sabia que ia encontr-lo em seu abrigo. Eu passava pelos velhos barracos, depois pelo campo sem cultivo at chegar colcha de retalhos dos lotes arrendados, com seus nabos e vagens dispostos em fileiras obedientes. Ele estaria l aspirando seu cachimbo e deplorando o fato de estarmos abdicando de nossos direitos como ingleses e nos perdendo nos Estados Unidos da Europa, ou o fato de que nunca se vem homens de colarinho e gravata aos domingos, ou expressando seu persistente espanto de que as pessoas comuns pudessem ter algum respeito pela memria de Churchill, um homem que, como papai me dizia desde que eu era pequena, durante a Greve Geral de 1926 tinha se referido aos trabalhadores como "o inimigo". Eu ficava ouvindo, sabendo que nunca escutaria uma palavra dele ou de mame sobre Sheila, mas tudo no comportamento deles sugeria a profunda dor de no ter conseguido conservar uma de suas duas filhas. Era, claro, mais fcil para mim; ela era minha irm menor, e, embora sentisse falta de t-la em minha vida, no dependia dela de maneira alguma. Nunca dependi.33O jovem que capina entre os tmulos me reconhece. Temos uma dessas relaes de "inclinar a cabea e acenar". Ele parece gostar de seu trabalho, ou pelo menos nunca reclama, o que me surpreende. Estou muito acostumada com jovens que no querem trabalhar ou deixam muito claro que, embora estejam trabalhando, fazem isso relutantemente. A tica do trabalho desse jovem parece ter nascido em uma gerao anterior. De fato, ele se veste como se fosse de uma gerao anterior, com seu bon achatado e botas altas. Fico de p olhando para baixo, para meus pais, os nomes deles recentemente ressaltados com um pano molhado. Posso sentir os olhos do jovem sobre mim, e de repente me ocorre perguntar-lhe se alguma vez viu outra pessoa de p aqui olhando para mame e papai. Talvez Sheila tenha feito alguma visita devido a algum sentido de dever vagamente recordado, escolhendo as horas para coincidir com minhas ausncias. Por um momento brinco com a idia, mas a verdade que Sheila nunca teria o incmodo de cultivar essa esperteza. No a minha Sheila, a menina de dezessete anos que fugiu de casa quando eu estava na universidade e que apareceu sem um centavo minha porta. Depois que me recuperei do choque de abrir a porta para Sheila e seu sorriso ressabiado, disse-lhe que entrasse. Ela deixou sua mochila perto da porta e se sentou na ponta da minha cama de solteira.- Por onde andou, Sheila? Parece que um gato arrastou voc para trs de uma sebe.Ela olhou para um pster de Jean-Luc Godard na minha parede e no disse nada, portanto eu lhe preparei uma xcara de ch e esperei que falasse. Essa noite, eu tinha ensaio para o concerto, mas sabia que no ia conseguir chegar. Enquanto o ch fervia, rapidamente pedi licena e disparei pelo corredor do dormitrio. Deixei um bilhete debaixo da porta da minha34amiga Margaret. No tinha vontade de explicar nada para ningum, ento o bilhete era simples. Disse a Margaret que tinha acontecido um imprevisto, o que era verdade, e que eles teriam que se arranjar sem mim aquela noite. Voltei depressa para meu quarto e fechei a porta atrs de mim, depois a tranquei. Sheila no me olhou. Senti-me culpada, mas no pude deixar de notar como seus seios tinham crescido. Pus o ch para ns duas e depois me sentei ao lado de minha irm, pronta para conversar. Mas ela no estava pronta para conversar, e seus olhos comearam a se encher de lgrimas que no final transbordaram e correram por suas faces desoladas.Devo ter demorado demais no cemitrio, pois parece que perdi o nibus das quatro horas. Uma mulher da minha idade acha difcil e um pouco indigno correr. Sento-me no banco no ponto de nibus e olho para as hordas de alunos mal vestidos mexendo-se e gritando. Reconheo a suter verde, e as gravatas que ficam penduradas como os cordes que a gente puxa para acender um interruptor de luz. Depois percebo que conheo algumas daquelas crianas, portanto olho para o outro lado e tento me fazer o mais indistinguvel possvel. Um homem com papadas, carregado de sacolas de compras, senta-se ao meu lado. Ele estava no nibus que nos trouxe da vila algumas horas antes, e tenta puxar conversa. "Continua fazendo calor." No posso ajud-lo, e assim sorrio e silenciosamente peo que me desculpe. Ele registra minha relutncia e abre um exemplar do jornal da tarde. Olho em volta e me pergunto como ser que consegui viver nessa cidade barulhenta e suja. Graas a Deus, agora vivo em Weston, ou na "nova urbanizao", o que o homem perto de mim sem dvida j percebeu. Tenho certeza de que ele se senta em sua casa no sop da colina, provavelmente sozinho, a julgar pelo tanto de sacolas de compras, e acha que eu35e todos os da nova urbanizao somos intrusos. Todos ns, perturbando um padro que prevaleceu dcada aps dcada at Stoneleigh surgir para faz-los se sentir como se suas vidas murchas, que j haviam sido assoladas pelas falncias e desempregos, fossem at menos importantes do que eles imaginavam.J passa um pouco das cinco e meia quando o nibus entra vagarosamente na vila. Tem aqueles que no se mexem, pois vo descer em uma das cidadezinhas ou vilas solitrias para l de Weston. No entanto, observo quando meu companheiro de banco fica de p e se esfora com suas sacolas de compras, e ento duas jovens mulheres se levantam do fundo do nibus e se juntam a ele na porta. Eu fico por ltimo. O motorista um jovem educado que parece especializado nessa rota, e ele nos deseja a todos, individualmente, veja bem, uma boa-noite. Estranho, eu acho, pois ainda est claro l fora, mas aprecio o gesto. Normalmente, eu viraria esquerda e comearia a pequena caminhada colina acima, mas, tendo lido uma parte do verso do jornal da tarde do homem, me ocorre que me pr em dia com as notcias seria uma maneira agradvel de passar o comeo da noite. Espero at o nibus tomar seu caminho, e ento atravesso a rua principal. Carla me v indo em sua direo e, pelo menos no comeo, fica um pouco chocada, como se eu fosse a ltima pessoa que quisesse ver. Ento, controla-se e olha um pouco nervosamente para mim.- Ol, senhorita. - Ela est vestida para sair, com os olhos exageradamente maquiados e os cabelos bem penteados de maneira a abrir como um leque sobre seus ombros. Se no estou enganada, tem at um p com brilho em seu rosto. Olho para ela, toda adolescente, e j arrumada como uma fulaninha promscua, mas no h nada que eu possa lhe dizer guisa de repreenso, pois ela no mais uma das minhas alunas.- Ol, Carla. Lamento no v-la mais.Carla encolhe os ombros, no com insolncia, mas como se deixasse subentendido que no h nada que possa fazer sobre a situao.- Tambm lamento. - Ela pra. - verdade que a senhorita vai para um asilo?No digo nada, mas fico surpresa.- E s porque as pessoas esto dizendo que a senhorita est doente.Olho para Carla, que, apesar da me, no uma menina m. Meu Deus, j dei aulas para muito piores. De fato, no que se refere a delinqncia e mau comportamento, essa menina praticamente um anjo. Comeo a pensar no que faria com ela se fosse minha filha. Mas ela no minha filha ou, para dizer a verdade, nem mesmo minha amiga. Ela faz essa pergunta intrometida porque, como todos os jovens de hoje, acha que tem esse direito; tem o direito de se vestir, se comportar, falar, caminhar, fazer o que tiver vontade.- Sim, Carla, estou doente, e uma doena tirnica. A menina pareceu momentaneamente alarmada. - Mas voc est bem. No contagiosa. - Carla sorriu debilmente.- O que , senhorita?- O que ? O que voc acha que ? Carla encolheu os ombros.- Eu no sei, senhorita. Seus nervos?Posso ver que a garota ruborizada desejaria nunca ter perguntado nada, e vou salv-la.- No acho que esteja completamente preparada para uma internao, Carla, voc acha? - Lano-lhe um sorriso de despedida e vou para a loja de jornais, deixando-a esperando pelo nibus que sem dvida a levar at a cidade para sua noite de extravagncias adolescentes com os amigos.3637A ltima parte da colina um tanto inclinada e comeo a ficar cansada. O dia foi longo e meu quadril comea a doer. Muitos anos sentada ao piano na mesma posio, disse meu antigo mdico quando pela primeira vez me queixei disso. "Voc precisa de exerccios regulares", foi sua recomendao, mas sem chance, pensei, cuidando de Brian, tentando dar aulas o dia inteiro e pegando mais alunos noite para conseguir dinheiro extra. E assim o quadril s piorou, at chegar ao estgio em que ficou difcil caminhar qualquer distncia. Foi ento que o velho mdico me deu injees de esterides e, como um milagre, elas pareceram resolver o problema. Agora que estou aposentada, claro, tenho muito mais tempo para exerccios. Mas para qu, agora? O dr. Williams me disse que no pensasse assim, mas ele um especialista, no propriamente um clnico geral. Sinto o jornal da tarde ficando mido na minha mo, ento o enfio na minha bolsa. E depois, quando entro na rua sem sada, vejo Solomon. Como sempre, sozinho, lavando seu carro, indiferente a tudo sua volta. Ele tem o hbito de ligar o rdio do carro, e deixar o vidro de uma vidraa s um pouco abaixado, para que possa escutar msicas suaves na Rdio 2. Eu detesto esse tipo de lixo comercial idiota, mas nunca lhe disse isso com medo de ofend-lo. Ele liga o rdio quando est dirigindo para mim, embora faa questo de primeiro perguntar se pode. Sempre sou conciliadora e digo "Est bem", portanto obviamente minha prpria falta. Tenho certeza de que ele no vai ter um ataque ou coisa assim se eu disser: "No, eu no gosto desse tipo de msica", mas geralmente tento ser agradvel. Ao me aproximar dele, percebo que hoje no tem msica. Ele est lavando o carro em silncio.- Est tudo bem? - Solomon me pergunta isso sem levantar os olhos para mim. Por um segundo ou quase fico38surpresa, mas entendo que provavelmente sua maneira de ser discreto. Ele est me permitindo o meu espao. Paro e o observo passando cera no capo de seu carro. Acho que tudo est bem - digo. - Perdi o nibus aovoltar, mas isso foi o ponto alto do meu dia.Solomon me olhou.- Voc perdeu o nibus? Como aconteceu? - Ele parece verdadeiramente preocupado, por isso tento tranqiliz-lo.- Nenhuma emergncia, nem nada disso. S demorei demais com meus pais. - Ele continua a me olhar intrigado. No cemitrio. O tempo voou.- Ah, entendo. - Ele larga o pano. - Srta. Jones, verdade que s vezes a vida pode ser difcil, no ? - Vira-se para me olhar. O sol poente forma um halo em voltade sua cabea e por um momento eu me vejo mais interessada nessa imagem do que em sua pergunta. Solomon nota que minha ateno derivou, mas simplesmente espera atminha mente retornar.- Desculpe - digo. - Devo ter ficado cansada demais depois de subir a colina. - Ele parece confuso agora, mas ns dois sabemos que sua pergunta ainda est suspensano ar entre ns. - Sim, Solomon, s vezes a vida pode ser difcil. - Fao uma pausa. - E por que voc ainda insiste em me chamar de srta. Jones? - Rio agora. - Peloamor de Deus, eu fico lhe dizendo para me chamar de Dorothy. Voc no meu empregado, sabe?- Sim, Dorothy. Eu sei disso. S estou tentando ser educado. Agora eu me sinto mal, porque percebo que ele no sabe se estou zombando dele.- Solomon, mesmo se tentasse voc no poderia ser mais educado do que . De fato, eu s vezes penso que talvez voc devesse ser menos educado. As pessoas se aproveitam,sabe?39Solomon no diz nada, apenas ri aquele mesmo sorriso enigmtico que sempre parece estar em seu rosto.- Tenho certeza de que seus pais eram pessoas maravilhosas. - Ele no est desistindo. Arrumo minha bolsa agora, mas ele continua. - Eu gostaria de saber mais sobresua famlia.- bom, falar de meus pais e de minha irm, esses no so assuntos fceis, Solomon.- Mas no bom ficar com essas coisas presas dentro de voc.Eu o olho e entendo que ele s est conversando comigo porque deseja ajudar. No entanto, ns no deveramos estar de p na rua sem sada, plena vista dos outros,conversando assim.- Sabe, Solomon, por que voc no entra e eu lhe preparo uma bela xcara de ch. Quando terminar de lavar seu carro, quero dizer.Solomon levanta as sobrancelhas.- Voc quer que eu entre para tomar ch?- Bem - digo -, s se voc quiser. Talvez eu tenha at algum biscoito, se voc tiver sorte. - Solomon sorri e joga sua flanela no cho.- Biscoito? Agora a tentao grande demais.- Sem pressa-digo.-Tenho que colocar a chaleira para ferver. Voc tem tempo para terminar com o carro. - Ele enxuga o excesso de gua das mos esfregando-as nomacaco. Depois, abaixa-se e despeja o balde de gua com sabo na calha.- vou terminar de passar a cera.- Vejo voc em um minuto. - Ao me virar para caminhar em direo a minha casa, o claro pleno do sol poente bate no meu rosto. Solomon tinha bloqueado boa partede sua fora, mas agora aperto meus olhos para fech-los diante da luz poderosa.Solomon espera at tomar a segunda xcara de ch para fazer sua pergunta. Observo-o enquanto ele se prepara. um homem magro e parece diminudo pelo sof. No queseja doentio, mas suas pernas e braos parecem um pouco compridos demais para o corpo. Eu lhe ofereo o pacote inteiro de biscoitos na tentativa de deter suas perguntas,mas tarde demais.- Voc no me falou de fato de sua doena. Desculpe se pareo estar me intrometendo.- Voc no est se intrometendo. - Fao um oco com minhas mos e envolvo a taa.- Mas vai ficar boa?- O dr. Williams diz que as coisas esto boas no momento, mas preciso fazer mais exames.- Mas ele no entende o problema?- o que ele diz.- Mas eu no entendo. Para mim, voc parece ser forte.- Tenho dificuldades para dormir. E s vezes minha mente divaga. Voc deve ter notado isso.Olho para Solomon, que agora parece um pouco embaraado por ter levantado o assunto, e ficamos em silncio. Ele me olha, e eu gostaria que ele olhasse para outrolado, mas posso ver que no essa a inteno dele.- Isso o bastante sobre mim - digo, tentando atingir um tom mais leve.- Se voc diz...- Sim, sim. - Eis o momento que eu estava esperando. Uma brecha na qual possa colocar minhas prprias perguntas.- E sobre voc, Solomon? No sei nada sobre voc.Olho-o de frente, e de repente ele parece muito cansado. Ainda no terminou sua nova xcara de ch, e a xcara pende de um ngulo em sua mo. Est educadamente equilibrada4041no pires que ele apoia na palma da outra mo, como se segurasse uma pequena moeda. Ele lava seu carro, me leva at o hospital, fica em sua casa atrs das persianas.De noite, patrulha a rua sem sada. Sorri nervoso em minha direo, como se pedisse desculpas por sua incapacidade de responder a minha pergunta. Mas no importa.Olho para ele e tenho certeza de que em breve ele vai levantar seu corpo magro da cadeira e fingir que tem alguma coisa a fazer. Sempre educado. At l fico felizem observ-lo enquanto sua mente deriva alm de minha pergunta, seus pensamentos livres girando como folhas ao vento. Sinto-me apenas feliz por estar na companhiade Solomon.Solomon saiu uma hora atrs. Ele de repente recobrou a ateno, olhou em volta e percebeu onde estava. Ficou constrangido por se ter permitido cair no sono, maseu ri, tranqilizadora, enquanto ele dava suas desculpas e depois saa apressado. E agora estou sozinha outra vez. Parece que no tem sentido servir jantarpara uma pessoa somente, assim simplesmente comerei mais biscoitos e tomarei outra xcara de ch. Vejo a carta de Sheila me encarando, e outra vez me lembrode quando ela apareceu no meu quarto na universidade. Dei-lhe uma xcara de ch e me sentei perto dela na beira da cama. Olhei-a enquanto ela enxugavaas lgrimas silenciosas.- Eu fugi de casa - disse ela.Eu no podia parar de olhar para seu corpo magrelo, sem banho. Fora os seios novos, minha pobre irm parecia um inseto grudado, com as roupas sujas pendendo.- Preciso de dinheiro e de um lugar para ficar. S esta noite.Lembro-me de ter rido. Ningum nunca poderia acusar Sheila de no ir direto ao assunto.?..- Ento, voc quer que eu lhe d dinheiro?Pago de volta, se isso que a preocupa.Sheila, eu no estou preocupada com isso. S quero, emprimeiro lugar, saber como voc chegou a esse estado.O que voc quer dizer com "nesse estado"?Podia ver que agora ela estava com raiva. Sempre mordia seu lbio inferior quando algo ou algum a aborrecia: nesse caso, eu.- No preciso se irritar, Sheila. S estou comentando, voc de repente aparece com jeito de rato afogado e, quer dizer... o que devo pensar?- vou para Londres, e s preciso de um pouco de grana. J estou cheia daqui.- Voc est cheia de mame e papai, ou est cheia do norte?- As duas coisas. Voc foi to covarde, indo para a universidade em Manchester para no ficar muito longe.- No fui covarde. Foi o nico lugar que me aceitou.- Bem, eu vou dar o fora daqui.- Voc no est indo para nenhum lugar esta noite, est?- Eu lhe disse que preciso de um lugar para ficar esta noite.- Sheila, por que est agindo assim?- Eles acham que sou propriedade deles. E voc tambm. Mas suponho que voc mesmo propriedade deles, no ?Senti a ferroada em suas palavras, mas tambm podia ver que ela ainda estava transtornada. Tentei mudar otom de minha voz.- Sheila, eles simplesmente no entendem. Por que voc no os ignora em vez de sempre ter que brigar com eles? Voc sempre pode fazer da sua maneira, s tem queser hbil.- No quero ser perturbada. - Uma porta bateu com essa declarao. Ela esperou um momento, e depois levantou os olhos para mim e disse com calma. - A vida minhae no vejo por que tenho que ficar disfarando.4243Ela passou a noite comigo, mas nenhuma de ns na verdade dormiu. Quando no estvamos discutindo, uma se lembrava de algo no passado que nos fazia rir. Como a pocaque mame decidiu participar da associao do coral local, mas no aceitava o fato de ter a pior voz do mundo. Ou a poca em que entrei para as competies de nataoda escola, mas me esqueci de avisar que no sabia nadar. Concordei em lhe dar o dinheiro para ir para Londres, onde ela estava certa de conseguir trabalho, e demanh ela me deu aquele sorriso dela e acenei adeus para minha irm e a vi caminhar saindo de nossas vidas. Depois que Sheila chegou a Londres, o silncio reinouentre ela e nossa "casa". Nos primeiros anos depois da faculdade, encontrei motivos para ir ocasionalmente a Londres, sozinha ou com Brian, e assim mantive algumtipo de contato com Sheila. Mas nunca contei a mame e a papai, por temer perturb-los, e ento, sem que de fato entendesse o motivo, Sheila e eu perdemos o contato.E agora uma carta no consolo da minha lareira. Uma nica carta pedindo o qu?Fao uma xcara de ch para mim mesma, pego a carta e ento me sento na cadeira ao lado da janela onde Solomon estava sentado. Olho para fora, para a rua sem sada,e posso ver que a lua ilumina a rua, de tal maneira que na noite de hoje os postes de luz no so realmente necessrios. No h movimento atrs das persianas deSolomon e imagino que ele deva estar fora patrulhando. Tento imaginar o interior de seu chal e suponho que seja to mpossivelmente limpo e arrumado como ele, masno tenho como saber isso. A carta permanece ameaadora em minhas mos e entendo que em algum momento terei que abri-la. Sinto que estou caindo no sono na cadeira,presa entre a necessidade de descansar um pouco e o desejo de descobrir o que aconteceu com a vida da minha44irm. No entanto, enquanto minha cabea vai ficando pesada sobre meus ombros, j sinto a responsabilidade de ter Sheila de volta minha vida.De manh, acordo no mesmo lugar com as pginas da carta de Sheila espalhadas a minha volta como confete. Meu pescoo di pela posio desajeitada na qual o deixeiencostada na quina da cadeira, e imediatamente percebo que estou sofrendo. Mas tambm h outro sentimento, embora eu no tenha palavras para descrev-lo. Olho parafora da janela, de certa forma esperando ver Solomon lavando seu carro, mas no tem ningum vista. Ento entendo o estranho sentimento que se apossou de mim. Solido.Carla no vir hoje. Olho para o piano e compreendo que hoje as aulas de msica no me ajudaro, mas antes de cair em algum tipo de depresso sei o que tenho quefazer. Vi muitos programas de televiso sobre essa condio, e li artigos suficientes. Sei que tenho que sair, e assim resolvo tomar uma chuveirada e me vestir rapidamente,antes que minha mente possa absorver outros pensamentos.A mulher na loja de jornais no sop da colina me conhece. De fato, tenho a impresso de que ela conhece todo o mundo, e o que fazem. Sorri contente para mim e mepergunto se ela reserva essa expresso particularmente idiota para mim, ou se a usa com todos ns do alto da colina. Ela sempre interrompe a conversa que est tendocom qualquer fregus que esteja atendendo para poder cuidar de mim. Hoje, compro um jornal e alguns comestveis, e isto lhe d a oportunidade de dizer: "Ento,pelo que vejo, voc no vai cidade hoje." Sorrio contente para ela.- No, no vou.- Aulas? - pergunta ela. - O carto na vitrine lhe deu sorte?45Tenho certeza de que ela sabe que s Carla se materializou como resultado do carto, e agora no h ningum.- Tive alguns telefonemas promissores. - Digo isso de uma maneira que a deixa saber que no h mais nada a dizer sobre o assunto. A outra mulher permanece na lojae me olha com certo ar de piedade. H algo nela que me deixa com raiva. Ela no tem o direito de ficar me encarando desse jeito, muito menos de pensar seja lo que for que estiver pensando. Pego meu troco e dou as costas para as duas. Escuto o tinido da campainha da porta ao passar, mas tambm sinto os olhos delas sminhas costas e sei que assim que a porta fechar a conversa vai prosseguir. Ser uma conversa bastante diferente, a qual, claro, me incluir como assunto principal.Tenho total certeza de que me tornei o tipo de pessoa sobre quem as pessoas de Weston se sentem vontade em conversar.Ao chegar ao topo da colina no tenho nenhuma dvida sobre o que tenho que fazer. vou direto ao seu chal e bato porta com fora. Um Solomon um tanto encolhidoabre a porta e me olha de cima a baixo. Esfrega os olhos e pisca com vigor, e ento educadamente sufoca uma tosse com as costas das mos. Deve ser estranho paraele me ver de manh, de p na soleira de sua porta com minhas poucas compras. Nenhum de ns diz nada, e ento ele fala.- Ns no ficamos de ir cidade hoje, no ? Eu no me esqueci, no ? - Ele parece constrangido, mas deixo escapar uma risada curta para tranqiliz-lo de quetudo est bem, e no preciso se preocupar.- Voc no se esqueceu de nada. Apenas pensei em dar uma passada aqui para ver se estava tudo bem com voc.Ele agora parece confuso. Outra vez me olha de cima a baixo como se tentando compreender o que havia mudado emmim- Procura indcios de alguma mudana, mas no ver nada. Pelo menos, no acho que ver.Bem - diz -, entre. - Ele vai para um lado. - Ou jdecidiu sobre a resposta para sua pergunta?- Que pergunta? - Ele agora me pega de surpresa.- Voc pode fazer sua pergunta quando entrar.Passo por ele e entro na casa, e Solomon fecha a porta atrs de mim. muito mais escuro do que eu esperava, mas quando ele acende a luz me sinto um pouco mais vontade.- Por favor, coloque sua sacola no cho e me deixe tirar seu casaco. Caf? Ou prefere ch?- O que for mais fcil para voc.- Por favor, sente-se - diz ele, apontando para a sala de estar. - Serei rpido. - com isso, ele desaparece na cozinha e me deixa sozinha. No h muitos mveisnem conforto domstico nessa sala. De fato, muito vazia, mas estou quase encantada pela ausncia de qualquer foto de sua famlia, embora estranhamente tenha umafotografia emoldurada de um ingls de meia-idade. Procuro pistas sobre quem ser esse homem, mas no h nenhuma. Ele grita da cozinha.- Voc pe acar no caf?- Dois tabletes, por favor. - Fao uma pausa. - Sei que um hbito ruim. - Ele no responde, o que me faz ficar ansiosa. Ele, claro, est certo. Eu tenho umapergunta. Ser que ele percebe que tambm uma dessas pessoas sobre quem os moradores de Weston se sentem vontade em falar? Ser que ele se importa? Quando levantoos olhos, ele entra com duas xcaras de caf, que coloca sobre uma pequena mesa.- Usar acar no pecado. Voc s tem que agradar a si mesma, no verdade?- Bem, - digo. - Acho que isso verdade.4647- Biscoitos? - evidente que ele est se lembrando de ontem.- No, obrigada. Estou bem. Mas obrigada, de qualquer maneira.Ele agora se senta, pega seu caf e toma um gole barulhento. Depois o coloca de novo na mesa e se vira para olhar em minha direo.- Talvez as pessoas tenham lhe falado sobre mim-diz ele.- No, no falaram, mas eu no me importo com o que as pessoas falam.Ele sorri, depois gargalha. Ento se levanta e d trs ou quatro passos at uma cmoda alta de madeira, puxa uma gaveta e tira um mao de cartas. Fecha a gavetae coloca as cartas na mesinha de caf.- O que isso? - pergunto.- Cartas. Talvez das mesmas pessoas que tm falado.- O que quer dizer? - Ponho agora minha xcara de caf na mesa. - No estou entendendo.- Algumas pessoas gostam de me escrever-Solomon ri. Pega seu caf outra vez, o que considero uma dica para fazer o mesmo.- Sobre o que elas escrevem a voc?Fico embaraada, como se de alguma forma eu fosse responsvel por essas pessoas, sejam elas quem forem. Solomon percebe a situao difcil em que estou, e outravez se levanta.- vou pegar mais caf. Voc quer mais? - Balano a cabea negativamente. Solomon aponta para a pilha de cartas.- Isto a Inglaterra. Para que tipo de lugar eu vim? Voc pode me dizer?- No entendo o que est falando.48Voc gosta daqui? - pergunta ele, sua voz de repentearrebatada.Olho para ele, mas realmente no sei o que quer dizer. Sinto como se estivesse me culpando por alguma coisa.- Na verdade, no conheo nenhum outro lugar, no ? Quer dizer, eu sou daqui, e no tenho nada com que comparar. A no ser a Frana. Uma vez fui at l numa viagemde um dia. Acho que isso deve parecer um tanto pattico para voc, no ? - Solomon balana a cabea.- No, mas estou lhe perguntando, o que voc acha desse lugar.- o lugar de onde eu sou.Ele aponta outra vez para a pilha de cartas.- Ento, talvez voc no deva ler as cartas. - Solomon desaparece na cozinha e escuto o bater de panelas, e gua caindo ruidosamente na chaleira. Solomon pareceraivoso, mas no sei o que fazer, ento simplesmente olho para as cartas.Depois de alguns momentos, o barulho pra, e ento ele sai da cozinha e senta em frente a mim. Parece mais calmo, e seus olhos esto mais suaves, mas noto que suasmos esto um pouco trmulas. com cuidado, leva a xcara at os lbios e depois a coloca no pires. Quando est dirigindo, segura firme a direo. Ele est no controlee me sinto segura com ele, mas sentada nesta casa ele parece curiosamente vulnervel. Olha as cartas e como se eu tivesse que dizer alguma coisa.- Voc quer que eu as leia, isso?Solomon agora ri, mas no diz nada. Percebo que ele foi ferido, e observo-o por um momento e depois me conveno de que devo sair. Quando me levanto, ele tambm levanta. constrangedor para ns dois, mas no acho que a relao est49de maneira alguma rompida. Solomon inclina-se e pega um envelope.- Como voc abre suas cartas? - Ele no me passa o envelope, simplesmente o deixa pendendo entre seus dedos. Olho para ele insegura de como devo responder a essapergunta.- Bem - comeo -, eu simplesmente rasgo o envelope para abrir.- Ah - diz. Ele agora sorri. - Simplesmente rasga para abrir. Geralmente, tambm fao assim, mas, por alguma razo, com esta eu resolvi que no faria assim.No estou certa do que devo pensar de tudo isso, mas continuo a escutar.- Por alguma razo abri com uma faca. Foi uma deciso sbia, pois algum tinha costurado lminas de barbear em uma folha de papel e dobrou o papel cuidadosamentepor cima para que, na hora de pegar a suposta carta, eu cortasse fora meus dedos. Isso no foi muito gentil.Ele ri de leve e joga o envelope na pilha com as outras cartas.- Cartas de amor - ri. - De pessoas que no me querem neste lugar. - Ri outra vez. - Estou comeando a achar que isso pessoal.Sento-me e olho para a pilha de cartas. Solomon tambm se senta, e me pergunta se eu gostaria de mais caf. Olho para ele e inclino a cabea.- Sim, por favor. - Ele pega minha xcara e o pires e desaparece na cozinha."Eu no sou ingnua." Digo isso para mim mesma. Sussurro sob minha respirao. Eu no sou ingnua. J fui pega nessa discusso no passado. Para comear, com minhame e meu pai, pois ambos no gostavam de pessoas de cor. Papai me dizia queconsiderava as pessoas de cor um desafio nossa identidade inglesa. Acreditava que os galeses estavam cheios de estupidez sentimental, que os escoceses eram desesperadamentemaus e sem energia e deveriam ficar do seu lado do Muro de Adriano, e que os irlandeses eram catlicos bbados e violentos. Para ele, ser ingls era mais importantedo que ser britnico, e ser ingls significava no ser de cor. Ele no me dava ouvidos, da mesma forma que os professores da escola, que tambm odiavam as pessoasde cor. Quando em pblico, diziam que eles no se adaptavam bem ao nosso sistema escolar, mas em particular eles eram sempre "negrinhos insolentes". Sei que isso o que as pessoas pensam, no sou ingnua, mas por que o dio contra Solomon, que no fala com ningum? Que lava seu carro. Que no fez nada. O que essas pessoasesperam conseguir? Na verdade, quem so essas pessoas? So as mesmas pessoas que escrevem cartas para os jornais se queixando de que as novas moedas so volumosasdemais, e que as novas cabines telefnicas no so mais vermelhas? Eu conheo essas pessoas? Sento ao lado delas nos nibus? Levanto os olhos e Solomon j voltouda cozinha. Observa-me enquanto olho para a pilha de cartas.- Desculpe - digo, enquanto ele pe meu caf na mesa e se senta minha frente.- Desculpar o qu? - pergunta ele.-No entendo. Voc no escreveu nenhuma dessas cartas, no ? - Ele me lana um sorriso. No sei se adequado rir, ou se minharisada de alguma forma ser interpretada como desrespeito. Mas Solomon me salva. - No se preocupe - diz. - Eu sei que voc no escreveu nenhuma dessas cartas. Sestou brincando.- Mas eu peo desculpas e me sinto envergonhada.- Bem - diz Solomon. - Eu tambm me sinto envergonhado.5051- Mas por que voc se sente envergonhado? Voc no deve se envergonhar de nada.- Por que no? s vezes o comportamento dos seres humanos meus semelhantes me envergonha. - Faz uma pausa.- E eu tambm tenho minha culpa. Quem entre ns no tem? Olho para Solomon enquanto ele morde um biscoito. Elelevanta os olhos e me pega olhando.- Por favor - diz -, voc no deve se desculpar por essas pessoas. A maioria delas assina os nomes. Querem que eu saiba quem so.- Mas o que eles querem?- Querem que eu v embora.- Mas por qu?Solomon agora se senta na cadeira. Parece nervoso, mas atrs de sua incerteza h sofrimento.- Eu no sei. Eles querem que eu v. S isso.- Mas ir para onde? No entendo.- Embora. - Solomon parece cansado. O dia est apenas comeando, mas h um aspecto de fracasso em sua atitude.- Apenas embora, s isso. - Pra e depois lentamente balana a cabea.No fim da tarde, decido ir ao pub pela segunda vez. O dono amigvel e se lembra de mim. No entanto, no se lembra do que bebi e ento me pergunta o que gostariade tomar. Eu lhe digo meia Guinness, mas nunca tenho certeza se realmente deveria estar bebendo e realizando os exames do dr. Williams ao mesmo tempo. Quando elecomea a me servir, fao a promessa de me limitar a um copo.- Vocs de l no aparecem muito por aqui. Pergunto a mim mesma se estou sendo criticada, ou se essa uma situao com a qual o dono do pub est acostumado.52Muitas pessoas trabalham muito. Algumas tm doisempregos, eu acho.-- Sim - diz ele enquanto pega uma faca de plstico e nivela a espuma da Guinness. - Imagino que tenham que fazer alguma grana para pagar as fantsticas hipotecas. - Ri para que eu saiba que essa sua idia de graa. Sorrio para que ele saiba que no estou ofendida.Dou-lhe o dinheiro exato, e depois me sento no canto do pub, de onde posso olhar para o canal. No jardim, e sentados ao redor das mesas de piquenique de madeira, esto os jovens arruaceiros, todos bebendo cerveja e olhando com amor para um grupo de motocicletas, como se preocupados que algum possa no perceber que so eles os proprietrios. Estamos s eu e o dono do pub, e um homem idoso que olha para um copo de cerveja no canto em frente ao meu. Quando me sentei ele inclinou a cabea em reconhecimento silencioso, e lhe respondi com outra inclinao, a mais leve possvel. Mas j estava claro que isso seria a extenso completa de nossa comunicao.Fiquei olhando para o lado de fora da janela, para as folhas escuras de um velho carvalho. Atravs de seus ramos, posso ver o sol ampliado finalmente se afundar no oeste. No pensei muito a respeito, e talvez tenha sido minha falha, mas Solomon a nica pessoa de cor na vila. Na cidade, tem muitos rostos negros, mas na vila s ele. E talvez ele se sinta s. Ser que devia t-lo convidado a vir ao publ Teria sido fcil dizer: "Podemos nos encontrar esta tarde? Talvez caminhar pelocanal, e depois passar por um pub para beber alguma coisa. Voc gostaria de fazer isso, Solomon?" Mas no fiz nenhum esforo. Mesmo esta noite, quando estava saindode casa para vir at aqui, eu poderia ter passado por sua casa e perguntado se queria vir comigotomar um drinque, mas no fiz isso. O dono est lavando copos53atrs do balco. Tenho o nmero de Solomon num pedao de papel na minha bolsa. Eu podia perguntar ao dono se ele tem um telefone pblico, e ento ligar para Solomone perguntar se ele no gostaria de descer e me encontrar no pub, mas isso vai parecer uma lembrana tardia e ele pode se ofender. No quero que Solomon se transforme em um problema na minha vida, mas hoje tenho a sensao de que isso que ele est se tornando, o que me faz ficar constrangida. Levanto o copo at a boca e tomo outro gole. Decido que vou prestar ateno nesse drinque at ver o sol desaparecer alm do canal, e ento, enquanto ainda houver um pouco de luz no cu, subirei a colina de volta a Stoneleigh. Quando chegar ao alto da colina j estar escuro e poderei caminhar at minha casa sem ser vista.Espero no ponto de nibus e temo ter entendido errado o horrio. Depois de uma longa noite sem dormir, tomei minha deciso e esta manh agirei de acordo. Mas sou a nica pessoa esperando aqui. Do outro lado da rua principal, tem outros moradores que vo para a cidade. Falam um com o outro, com facilidade e sem cerimnia, entabulando conversas como se elas simplesmente estivessem se esquentando no forno poucos minutos antes. Estou sozinha, indo na direo errada, com uma pequena mala a meu lado. Sinto com se estivesse fugindo. Na verdade, estou temporariamente evitando um homem que realmente mal conheo. Estou deixando minha casa por alguns dias. Por um dia? No sei. Mas estou sozinha no ponto de nibus esperando que algum nibus aparea, e no tenho a menor idia se estou fazendo a coisa certa. Umagarota est me acenando. Carla, que est sentada em uma van branca parada na frente da loja que vende jornais. Um garoto de jaqueta de couro, e um daqueles cortesde recruta, sai da loja e se coloca atrs da direo. Carla se vira para o garoto. Eles dizem alguma coisaum para o outro, e ento o garoto de cabelo curto se inclina para o lado de Carla, olha para mim, e depois liga o motor da van. Eles partem em direo cidade e,ao fazerem isso, Carla me faz um aceno final. Sem dvida, em algum lugar, abaixo da cintura do garoto, o desejo j est pulando como uma truta, mas quem sou eu paraalertar Carla sobre os modos dos homens? Talvez eu esteja apenas imaginando, mas acho que Carla se sente triste por mim. No devia, no entanto, pois sou muito resistente.As pessoas, sobretudo os jovens, sempre esto pegando coisas e logo as soltando. Especialmente sentimentos. Mas imagino que Carla vai descobrir isso por si mesmano decorrer do tempo.Enquanto caminho pelo canal, continuo olhando em volta e imaginando onde foi exatamente que eles o encontraram. Sei que foi depois de The Waterman's Arms, e maisperto de onde esto as duas eclusas. Parece estpido eu me preocupar com isso, mas me preocupo. Onde exatamente? Pelo que sei, ele no saa para caminhar pelo canal. Na verdade, quase no saa de seu chal, alm de me levar ao hospital e patrulhar Stoneleigh com sua lanterna. Tem chovido forte e o caminho ficou cheio de lama, e poas espordicas se formaram aqui e ali. Em algum lugar, atrs das sebes, escuto o mpeto de um arroio que foi engolido pela chuva recente, e sobre o canal se ergue a fina faixa da neblina que faz a gua parecer estar suando. Quando o tempo est melhor, os degraus so um obstculo, mas hoje como subir Ben Nevis, a montanha mais alta do Reino Unido. No gosto de perambular quando est assim. D a impresso de que a gente passa tanto tempo olhando para os ps quanto tentando ver a paisagem. Outro aspecto sobre vagar pela trilha do canal que no h bancos, o que significa que voc no pode parar de5455caminhar. E essas trilhas para rebocar barcos me lembram trabalho. Linhas retas, no perturbe, continue a caminhar. Ao contrrio dos rios, os canais significam negcios,o que faz com que eu ache difcil relaxar perto de um deles. o fim da manh, o que provavelmente explica por que no h ningum por aqui. De manh cedo ou nofim da tarde, antes ou depois do trabalho, as pessoas passeiam com o cachorro ou do uma caminhada para abrir o apetite; esses so os horrios do canal. Mesmo ento, difcil ver algum beira desse canal, e por isso que no faz sentido que Solomon estivesse aqui por conta prpria. A polcia no tem pista. Eles me disseram que no h nada necessariamente suspeito, embora tenham encontrado indcios de contuso na cabea. A verdade que no sei se eles esto de fato investigando. Querodizer, no h fita amarela da polcia, ou avisos procurando testemunhas. Faz apenas dois dias que um homem morreu afogado nessa vila, mas tudo continua como se estivessenormal. Eu paro e espio sobre uma fileira de sebes onde um cavalo de tornozelos brancos me encara de volta com aquele zombeteiro olhar ausente que s vezes elestm. E seu problema qual ? Meu problema que meu amigo foi encontrado com o rosto enfiado nesse canal e ningum parece se importar.Viro-me para o outro lado da fileira de sebe e do curioso ocupante do campo, e comeo agora a caminhar de volta em direo vila. De cara enfiada no canal porque ele disse alguma coisa paraalgum? Simplesmente no sei. Quando chego a The Waterman's Arms, saio do caminho e atravesso o jardim encharcado, esquivando-me dos brinquedos espalhados, at chegar aos seis degraus de pedra que levam ao bar.Dentro do pub h silncio. Algumas pessoas j se haviam acomodado para a cerveja da hora do almoo, e mal me olham quando entro. Enquanto caminho at o balco, o dono me sur-preende ao me entregar meio copo de cerveja. "Meia Guinness, no ?" Sorrio e me acomodo em um banquinho alto. O dono se concentra na bebida, como as pessoas tendem a fazer quando esto tirando uma Guinness, e depois olha para mim.- Era amigo seu, no ? - O dono me estende a Guinness e eu me lembro de responder pergunta.- Sim - digo. - Ele era meu amigo.- um troo triste, no ? Lamento por ele e lamento pelo que isso est fazendo com nossa vila.Pego a Guinness e me pergunto se no deveria sair desse banco e ir para o outro canto do pub, mas tarde demais. Ia parecer que eu estava fugindo de alguma coisa, o que seria, claro, verdade.- O que est fazendo com a vila?- Bem, isso nos faz parecer maus, no ?- Eu ainda no entendo - digo. Dessa vez, tomo um gole e olho diretamente para ele.- Bem, deve ter sido um acidente porque no h ningum em Weston que faria alguma coisa parecida.- Entendo.Ele olha por cima do meu ombro para os outros homens no pub. Agora compreendo. Essa no uma conversa particular.- Se voc tivesse vivido aqui o tempo que j vivi, meu bem, e tivesse crescido com pessoas como as daqui, saberia que no tem ningum capaz de fazer mal a algum. E assim que eles so. Pessoas decentes dedicadas a suas famlias e sua comunidade. No temos assassinos por aqui. Alguns canalhas, alguns com mo leve, e alguns que so demasiado rpidos com os punhos, mas isso tudo. Nada mais do que isso.Inclino a cabea, pois no tenho vontade de perturbar sua opinio sobre a comunidade. No tenho certeza se quero5657tomar o resto da Guinness, mas sair a essa altura seria admitir a derrota, e devido ao respeito pelo meu amigo no farei isso. No com essas pessoas. E ento o donode repente se inclina para baixo do balco como se lembrasse de alguma coisa. Abre um mao de batatinhas fritas e me oferece um saquinho, mas eu balano a cabea.- No, obrigada.Ele puxa o saquinho, e ento enfia a mo dentro e tira meia dzia de batatinhas de uma vez.- No consigo evitar - diz. - Sou viciado nessas porcarias todas.Observo esse homem desinibido e compreendo que at o saquinho esvaziar nossa conversa permanecer interropida, o que me convm perfeitamente.Eu fecho, e depois tranco, a porta atrs de mim. O relgio me lembra que apenas uma hora da tarde, e olho em volta e percebo que simplesmente troquei a penumbrado pub pela penumbra de minha prpria casa. comeo de outono, mas o aspecto e a sensao so de inverno. A Guinness parece ter subido direto para minha cabea,e nem mesmo a caminhada colina acima no ar fresco me recomps. Caio na cadeira mais prxima da lareira e fecho os olhos. Foi s ontem de tarde que voltei do litorale fui diretamente para o hospital. Quando o nibus passou pela vila, no saltei. O mdico me havia dito previamente que eu devia ir direto se alguma vez no me sentisse bem, portanto fiz como ele me disse. Eu tinha passado apenas uma noite fora, mas sentia um incmodo e mal conseguia raciocinar. No entanto, quando cheguei ao hospital, o dr. Williams me deu uma olhada rpida e ento viu minha mala. Disse que eu me sentasse e comeou a me questionar sobre ondeeu tinha estado, e ento lhe disse que s tinha ido ver minha irm. Eu sabia que isso ia perturb-lo, e estava certa. "Dorothy", disse ele, "sua irm est morta. Ela morreu no comeo deste ano em Londres. Voc sabe que no foi ver sua irm, ento, aonde voc foi?" Eu no disse nada, pois j tnhamos passado por isso muitas vezes. Ele fez aquela cara preocupada dele. "Dorothy, voc vai ter que aprender a viver sem Sheila. Sei que isso difcil para voc, mas, se no conseguir deixar disso, ento no teremos outra escolha a no ser arrumar ajuda para voc." Outra vez, eu no disse nada e s esperei que ele esgotasse as coisas que tinha a dizer. Por fim, ele ficou cheio de mim, e ento corri para o ponto de nibus porque parecia que ia comear a chover. Eu estava de p no nibus indo para casa quando senti no meu sangue que alguma coisa estava errada. No era apenas a viso dos homens corpulentos, desempregados, sentados nos bancos reservados para os deficientes e idosos que estava me incomodando, havia algo mais. Olhei, do outro lado da janela, para as casas com terrao