a indústria do bacalhau no início do séc

Upload: leifuran

Post on 09-Jul-2015

98 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

A INDSTRIA DO BACALHAU NO INCIO DO SCULO XXIFernando Chagas Duarte, Gegrafo Publicado na revista Tecnipeixe n 7, Janeiro/Fevereiro de 2002

A Indstria do Bacalhau no incio do sculo XXINo deixa de ser sintomtico que, numa temtica h tanto tempo abordada por tcnicos e acadmicos, o conceito de indstria de bacalhau continue a ser sinnimo de pesca, actividade primria inequvoca, mesmo tendo a ele associado a primeira fase de transformao a partir da salga. Mais estranho ainda parece ser a quase excluso, nas abordagens mais clssicas da temtica do bacalhau, da questo dos secadouros ressalva bvia feita aos estudos de tecnologia e de tcnica de preparao, muito em voga durante os anos 40 e 50, mas vindo-se praticamente a extinguir com o ocaso da Comisso Reguladora do Comrcio de Bacalhau (CRCB). Com o correr do tempo, de eroso rpida na memria, a falta de elementos analticos mais abrangentes torna mais difcil o trabalho de conhecer e perceber a histria e, com ela, a completa extenso do fenmeno do bacalhau no nosso Pas.

O Bacalhau - Gadus morhua

Numa extensa lista de bibliografia disponvel, pelo menos de entre as muitas referncias consultadas, so escassos os trabalhos e at as meras referncias sobre1

as secas, o seu espao, as suas gentes ou a sua simbologia. Mais modernamente diversos autores tm abordado o assunto (sobretudo nas perspectivas

antropolgicas, sociolgicas, de geografia e anlise regional), num perodo em que a grande faina j soobrou, e a arte de tratar o bacalhau perdeu fulgor e mesmo a sua nobreza. Talvez no seja tarde A epopeia do bacalhau foi efusivamente comemorada pelo Estado Novo, no porque o homem do mar o no merecesse, mas porque ao regime os cones do trabalho rduo e perigoso serviam-no melhor ainda do que os cones da passividade montona e laboriosa do agricultor familiar. A epopeia, a gesta gloriosa e o reconhecimento pblico por parte da oligarquia tenreirista eram argumentos passados e ampliados pela propaganda, com tanto sucesso que muitos jovens, e at os mais velhos pescadores, sentiram certamente num qualquer momento antes da partida dos lugres que participavam de facto num movimento glorioso, numa glorificao lusitana, honrosa e patritica. E as mulheres, as famlias? Eram honradas pela honra que cabia ao chefe de famlia? Assuno provvel. Na realidade continuavam cuidando da sua vida, de rotinas cinzentas, consumindo-se em preocupaes semestrais, vivendo quase sempre na dependncia dos secadouros, geralmente propriedade dos armadores dos navios de bacalhau. esse um estudo que falta fazer, associando as variveis da grande pesca s do mercado como tem vindo a ser feito mas entrecruzando-as com as lgicas locacionais dos portos e das secas em terra, com a vida quotidiana das mulheres no estendal e a dos operrios no estaleiro naval1

, com a sua envolvncia nas

comunidades, ou com a ascenso e declnio dos espaos piscatrios associados ao bacalhau.

1

A dos homens do mar, apesar de tudo, vai sendo dada a conhecer atravs da publicao de relatos e estudos histrico-antropolgicos ou mesmo de crnica de fico. Vide, a ttulo e exemplo, o clssico A Campanha do Argus de Alan Villiers (Livraria Clssica Editora, s/ data), o contributo de Manuel Pata em A Figueira da Foz e a Pesca do Bacalhau (Grupo de Estudos Figueira da Foz Gresfoz, 2001), ou os belssimos relatos dos capites Francisco Marques e Antnio Marques da Silva em A Faina Maior (Quetzal Editores, 1996) e A Memria dos Bacalhoeiros (Editorial Presena, 1999), respectivamente. 2

As pginas que se seguem, sem se atreverem a abordar questes de ordem sociolgica ou antropolgica, so um muito modesto contributo temtica global do bacalhau, focalizado na ptica de quem est em terra, recebe o produto da pesca, e o prepara para o consumo. o essencial do texto, j revisto, que foi includo no livro A Pesca do Bacalhau - Histria e Memria (Editorial Notcias, 2001), elegantemente organizado pelo Dr. lvaro Garrido e com certeza uma referncia para os interessados na temtica.

A Secagem NaturalA seca natural, aps a salga, um dos mais primitivos processos tecnolgicos de preservao dos alimentos, tendo desde a Antiguidade sido um dos recursos econmicos mais importantes das populaes, incrementando as trocas comerciais, proporcionando o aumento da produo alimentar a partir de economias de escala e, obviamente para o caso do pescado, sustentando o desenvolvimento da pesca.

O grau de maturao e cura do pescado sempre se mostrou como um dos vectores mais importantes na evoluo da indstria, factores esses muito cedo associados necessidade de utilizao de frio (na transformao e na armazenagem).

Os procedimentos so simples e rotineiros. Desde a exposio do peixe ao ar, depositado sobre o solo pedregoso ou com coberto vegetal rasteiro, exposio solar sobre tabuleiros ou sobre estacaria de madeira, vrias foram as opes para idnticos resultados. A secagem , genericamente, a srie de operaes necessrias para extrair uma grande parte de gua de constituio dos tecidos, num nvel que a salga ainda no conseguiu, aumentando por isso a conservao do 3

bacalhau. A desidratao do pescado, to rpida quanto possvel, o aspecto fundamental a ser conseguido, facto para o qual se utilizava em primeiro lugar a salga. O bacalhau, em fresco, tem cerca de 80 a 83% de gua. Em seco, ter cerca de 45% de teor em gua, com um teor de sal at 20%. A secagem natural , contudo, um processo com enorme dependncia das condies climticas. Se estiver tempo hmido ou chuvoso no ocorre a evaporao, podendo mesmo, no caso de o pescado apanhar chuva, o efeito da salga ficar irremediavelmente perdido, pondo em causa o prprio produto. Por outro lado, se o tempo estiver muito quente, acima dos 26/28C e conforme as condies de humidade e salinidade do bacalhau, podem ocorrer alteraes na massa muscular e pele vulgarmente designadas por melado e, depois, por queimado ficando o peixe praticamente sem condies de recuperao para o consumo humano. Nos tempos gloriosos da pesca nacional, com safras que duravam de cinco a seis meses, os navios chegavam aos portos respectivos com os pores to cheios quanto a fortuna do mar os havia bafejado. Eram ento descarregados para as instalaes de secagem, em terra, de modo a secar o bacalhau e prepar-lo para o consumo pblico. Naqueles tempos, o peixe era submetido a uma secagem passiva por exposio ao ar e ao sol, operao vulgarmente designada por secagem natural. Era uma operao que requeria um volume considervel de mo-de-obra, geralmente feminina. Basicamente consistia na lavagem e escovagem aps a recepo (caso no fosse necessria qualquer operao de ressalga), sendo ento os bacalhaus dispostos sobre as mesas de modo a serem sujeitos incidncia dos raios solares e do vento, se o houvesse. Estas mesas so j produto de uma gerao mais recente, uma vez que na origem a mesma operao era realizada com o bacalhau espalhado sobre o solo, preferencialmente pedregoso e com leve inclinao. Nesta fase, como ainda hoje se conhecem casos em diversas secas, as mesas no so mais do que estendais de fio ou arame, de modo a facilitar o arejamento do peixe. Porm, dadas as condies do nosso clima (e porque o bacalhau no deve estar sujeito a temperaturas superiores a 26C), durante as estaes mais quentes o4

peixe era espalhado pela manhzinha, levantado pelas 9 ou 10 da manh com a subida de temperatura, e voltava a ser espalhado com o arrefecimento do fim do dia. Por vezes deixava-se o peixe estendido durante a noite, se a humidade nocturna permitisse tal deciso. Entre o levantar e o estender, o peixe era empilhado um sobre o outro, repetindo-se o procedimento tantas vezes quantas as necessrias para se obter o grau de cura pretendido. Esta tarefa rotineira de espalhar o peixe durante a manh, levant-lo, voltar a espalhar e deix-lo at ao pr do sol, conforme a fortuna do clima, implicava a disponibilidade de um considervel nmero de pessoas, s possvel em determinado contexto social, sendo inconcebvel luz da sociedade actual e dos respectivos ritmos salariais.

E a Secagem Artificial Numa comunicao realizada em 1923, Moss Amzalak referia alguns dos problemas criados pela deficiente cura que o pescado nacional detinha face a outras origens, em particular a conseguida no Canad pelo processo de Span Whitman. O bacalhau, conforme o processo tradicional de secagem natural, primitivo, moroso e contingente, ficaria aqum da cura inglesa ou norueguesa, mantendo um residual de humidade crtico para a conservao quando em temperatura ambiente mais elevada 2. Alis o mesmo Amzalak confirma que se o bacalhau no fosse vendido at Junho, com certeza que se deterioraria rapidamente. Dada a no utilizao de frio na armazenagem, nos fazem falta na secagem do bacalhau os ventos secos, frios, duradouros do Norte da Europa e da Terra Nova 3. A esta data, anos vinte, recomendava-se j o recurso secagem artificial por ar frio forado como um complemento, na perspectiva de um auxiliar aos estabelecimentos de pescaria em terra (Terra Nova).

Moss Bensabat AMZALAK, O Mutualismo e o Cooperativismo na Indstria de Pesca do Bacalhau, Comunicao feita ao Congresso da Pesca do Bacalhau, 1923, Aveiro. Do mesmo Autor vide A Pesca do Bacalhau, 1923, Lisboa. 3 Moss Bensabat AMZALAK, A Indstria de Pesca do Bacalhau e a sua Intensificao em Portugal, Tese apresentada no Congresso Econmico Nacional, 1921, Porto. 5

2

Em 1940, numa publicao do Grmio dos Armadores de Navios da Pesca do Bacalhau 4, defendia-se que, embora j se utilizasse noutros pases a tecnologia de ar forado, designada por secagem artificial, em Portugal, at hoje, no se tem feito sentir a falta destas secas, por o bacalhau ser seco s durante o Inverno, a temperaturas propcias para a cura, e a quantidade de peixe pescado ser relativamente pequena, no comportando grandes gastos em obras caras, como so as secas artificiais. Afirmava-se ainda que o bacalhau seco artificialmente no to bom como o obtido com cura natural. A seca exclusivamente artificial altera o gosto do peixe, alm de lhe alterar certas qualidades alimentares, no pode ser conservado seco durante largo tempo, como o da secagem natural, e est sujeito doena do rouge, adquirindo manchas avermelhadas que alteram o produto. Como se o vermelho, resultado da actuao das bactrias halfilas, no se manifestasse no bacalhau de cura natural, ou que o paladar do produto final no tenha muito mais a ver com o grau de maturao e de secagem do que com o mtodo de seca propriamente dito

A

secagem

artificial

de

bacalhau

ser

introduzida

em

Portugal,

necessariamente, por imperativos de ordem econmica das empresas secadoras. Os primeiros tneis de secagem foram instalados nas empresas Parceria Geral de Pescarias e na Sociedade de Pesca Luso-Brasileira, tendo operado durante vrios anos, embora, na opinio de alguns tcnicos da altura, no tenham feito escola por no terem conseguido atingir os resultados esperados ou desejados. Na

4

G.A.N.P.B., A Pesca do Bacalhau, 1940, Lisboa.

6

realidade, os tneis eram apenas utilizados quando o peixe se encontrava j prximo da cura final, a 7/8 da cura como se dizia, ou seja em complemento da seca natural. Os primeiros tneis de secagem artificial instalados, nos moldes considerados como de sistema convencional, foram-no em 1951 na Empresa Comercial e Industrial de Pesca Pescal, Ld, em Alcochete, a que rapidamente se juntaram os da Empresa de Pesca de Aveiro, em Aveiro, e da Sociedade Nacional dos Armadores de Bacalhau, Ld (SNAB), primeiro em Alcochete, depois em Lavadores, no Porto. A SNAB ir reintroduzir nova tecnologia, esta de patente nacional, no incio dos anos 70, sistema que ser difundido depois por vrios secadouros nacionais. A passagem dos sistemas tradicionais de secagem para sistemas com incorporao tecnolgica foi difcil e morosa. Por um lado, a questo fundamental do investimento no desenvolvimento de um processo que ainda no havia provado a sua eficcia de um modo inequvoco, implicando volumes de capital elevados sem a certeza de um retorno interessante, era desconfortvel para as empresas. Depois, prevalecia a velha resistncia mudana. A maior parte das estruturas existentes data eram completamente desadequadas para o

processamento e preparao de produtos alimentares, baseadas em infraestruturas tipo barraco de madeira, sem viabilidade de recuperao para uma actividade industrial propriamente dita. Contudo, a mo-de-obra, essencialmente feminina, era barata, pouco reivindicativa como poderia s-lo ? ligada em larga medida aos pescadores dos lugres e arrastes e, ainda, excedentria, pelo que o trabalho era garantido em moldes estveis, num status quo prprio do regime que enaltecia o esforo do homem do mar, omitindo um enorme conjunto de outras componentes do sistema, menos visveis e, sobretudo, menos enaltecedoras da sua imagem. A questo estritamente tecnolgica tambm determinante na evoluo do processo fabril de secagem do bacalhau. O aspecto fundamental que a secagem artificial pretende atingir que a velocidade de evaporao da gua constituinte seja apenas ligeiramente superior velocidade de difuso no interior do peixe. Isto , o ar circulante no pode estar abaixo de um determinado limiar de tal forma que a evaporao no acontea (ou7

seja mais lenta do que em condies normais ao ar livre), tal como tambm no pode ser excessiva, uma vez que nestas circunstncias ocorre a cristalizao do sal na superfcie do bacalhau, impedindo a normal sada da restante gua do seu interior. Este ponto de equilbrio ser reconhecido como ptimo quando abaixo dos 2 m/s. Estas condies sero conseguidas com o desenvolvimento e a instalao, em 1951, de um sistema de secagem patenteado pelo italiano Ponti, com a manufactura e montagem dos aparelhos a serem realizados localmente pela Metalrgica Luso-Italiana, de Lisboa. Este sistema permitia o aquecimento do ar de modo a optimizar a operao de secagem, contemplando a opo do seu arrefecimento o que, para alm de permitir a condensao do vapor de gua, possibilitava trabalhar durante o Vero, uma das possibilidades tcnicas inultrapassveis at aquele momento. O perodo total de secagem, com rotao e espera, passou a ser de cerca de 30/40 horas, para peixe de tamanho regular.

O Processamento e a Armazenagem Um dos problemas que as secas enfrentavam com o peixe proveniente da armao nacional era a falta de sal, no s pelas tarefas necessrias para vir a recuper-lo antes de se tornar sanitariamente inconsumvel, como pelo facto de se tornar num produto comercialmente inferiorizado. Os salgadores e at os capites de muitos navios, dado ganharem em proporo da quantidade capturada, preferiam no salgar suficientemente o peixe, crendo assim ganhar um pouco mais no final da viagem. O Dr. Torres Botelho, chefe dos servios tcnicos e, mais tarde, da fiscalizao da CRCB, critica aquela prtica assinalando em 1948 que os barcos descarregam aproximadamente 60% dos exemplares com deficincias de sal 5. O bacalhau sem sal bem identificvel: o seu cheiro aliceo caracterstico, deixando marcadas impresses sobre o carnal aps presso, ou mostrando mesmo5

Torres BOTELHO, Relatrio para a Direco da CRCB, Lisboa, 1948. 8

indcios de alterao, dado o odor amoniacal, so as caractersticas mais perceptveis deste estado. O bacalhau nestas condies era designado por cheiro, soleque ou emborrachado. Na maioria dos casos as tarefas de recuperao passavam pela lavagem e ressalga, seca rpida e forte num perodo alargado de pilha.

Outro aspecto de grande preocupao com os secadouros prendia-se com as condies de armazenamento disponveis. Algumas das principais deficincias apontadas no final dos anos 40 pelos responsveis tcnicos da CRCB eram a quase ausncia de armazns refrigerados (a temperatura ptima para a estiva prolongada do bacalhau da ordem dos +2 a +4C), a utilizao de infraestruturas que no de alvenaria (por exemplo, madeira) e at a ausncia de espaos cobertos suficientes para o pescado descarregado, obrigando por isso a empilhamentos exagerados.

Reforando esta noo, registe-se o que era referido no segundo Congresso Nacional de Pesca relativamente aos secadouros de Aveiro, numa comunicao conjunta de Torres Botelho e de Accio Castel-Branco: Os secadouros de Aveiro, considerados pssimos, tm os seus armazns de madeira, em runas, com uma capacidade reduzidssima e uma localizao absolutamente condenvel, pelo que nem sequer tm possibilidades de aproveitamento para novas instalaes. , pois, neste ambiente, que classificamos de absolutamente imprprio, que pretende9

preparar-se, conservar e, muitas vezes, beneficiar, um produto pescado a longas distncias e conservado em condies que no so as melhores 6. Numa tentativa de inverter a situao estrutural, ser a prpria CRCB, a partir da dcada de 40, que ir construir, em vrios pontos do Pas, diversas estruturas de frio para apoio ao sector, com especial destaque para os armazns frigorficos do Porto (1939), de Lisboa (1941), a quem o pessoal da indstria chamava o palcio do bacalhau e de Aveiro (1947). No seu conjunto representavam uma capacidade global de armazenagem de 15.200 toneladas. Quando a frota nacional comea a ser capaz de dar uma maior resposta procura, a partir da dcada de 50, o volume das importaes ir diminuir. Verificarse- ento uma alterao na tipologia do abastecimento de bacalhau 7. A importao, como um acto normal de compra, permitia fazer a gesto da aquisio em funo dos tamanhos (escales de peso unitrio), conforme as necessidades do mercado nacional. Porm, o pescado descarregado pelos navios nacionais era de tamanho mdio mais pequeno do que o importado. Assim, ao diminuir consideravelmente o tamanho do bacalhau, reflectido no aumento do nmero de exemplares por quilo, fez com que o trabalho das secas quase triplicasse e, deste modo, levantasse uma srie de preocupaes ao nvel do custo de produo e, sobretudo, quanto dificuldade de ir ao encontro do gosto do consumidor habituado a tamanhos mdios/grandes. Outra circunstncia importante de registar na fase em que se acentuava a substituio das importaes era a de que, aquando da compra, esta se fazia segundo as caractersticas de cura prprias de cada regio fornecedora, enquanto que a secagem e preparao do bacalhau proveniente da nossa armao tinham caractersticas prprias (o volume de aquisio em verde era ainda muito baixo).

Torres BOTELHO e Accio CASTELBRANCO Os Armadores Bacalhoeiros da Praa de Aveiro e a Necessidade da sua Unio para a Construo dum Frigorfico Colectivo, in Revista de Medicina Veterinria n 330, 1949, Lisboa 7 Bebiano COIMBRA O Mercado Nacional de Bacalhau Salgado, Caractersticas e Perspectivas, Tese apresentada ao V Congresso Nacional das Pescas, CRCB, 1958, Lisboa, 1958 10

6

EVOLUO COMPARATIVA ENTRE A PESCA E A TIPOLOGIA DA IMPORTAO1944 1948 1952 1955 1958 1962 1973 1981 1998 Pesca Efectuada 24.679 35.324 53.255 68.537 59.826 72.531 46.704 14.738 5.917 Importado Seco 11.874 16.710 7.076 7.285 7.452 7.816 10.830 19.258 (toneladas) Importado Verde 1.435 1.965 1.894 11.669 20.924 18.299 15.270 38.936 60.876

Nota: Os dados de importao relativos a 1981 no desagregam verde e seco. No esto includas as importaes em congelado, muito relevantes para a indstria a partir da dcada de noventa (25.122 ton em 1998; 26.708 em 2000).

EVOLUO COMPARATIVA ENTRE PESCA, PRODUO E IMPORTAOPesca Efectuada 48.959,2 65.859,7 40.305,0 14.738,0 16.721,0 4.374,0 Produo Seco 35.638,4 46.856,5 36.125,0 67.854,6 (toneladas) Importao (verde e seco) 16.662,0 15.857,0 44.179,6 38.935,6 89.886,4 82.688,3

1951 1961 1976 1981 1985 1997

Fonte: Relatrios da CRCB e do GEP (1944 a 1985) Dados Tcnicos, no publicados, da DGPA (1997) Clculos a partir das Estatsticas da Pesca/INE (1997 e1998)

Nota: Enquanto existiu armao nacional, o consumo calculado pela soma entre as quantidades processadas de bacalhau nacional e as quantidades de bacalhau importado. Desde que deixou de haver pesca destinada salga e secagem, o consumo igual ao valor do bacalhau salgado importado (com as devidas correces sobre os totais de salgado verde). Na realidade, os valores da produo de 1997 so resultado parcial do bacalhau salgado verde importado, pese alguma stockagem que possa ter ocorrido.

11

Evoluo Comparativa entre Pesca, Produo e Importao(toneladas)

80000 70000 60000 50000 40000 30000 20000 10000 01944 1948 1952 Pesca 1955 1958 1962 1973 1981 1998

Importado Seco

Importado Verde

Fonte: Relatrios da CRCB e do GEP (1951 a 1981) Dados Tcnicos DGPA, no publicados (1998)

Com o aumento da oferta nacional e o acrscimo do volume importado em salgado verde, aquelas caractersticas de maturao e cura tornaram-se mais padronizadas, passando a escassear determinadas qualidades que anteriormente predominavam no mercado. Ou seja, quer o bacalhau importado em verde, quer o capturado pelos navios portugueses passaram a sofrer o mesmo tipo de tratamento, logo com uma certa uniformidade de critrio em funo do produto final.Comparao Produo/Importao160.000 140.000

Produo120.000 100.000 80.000 60.000 40.000 20.000 0 1951 1961 1985 1998 (*)

Importao

(*) Produo integralmente com origem na importao de MP congeladaFonte: Relatrios da CRCB e do GEP (1951 a 1985) Dados Tcnicos DGPA, no publicados (1998)

12

Talvez por isso haja hoje quem defenda que a forma actual de apresentao e de cura presente no mercado internacional de bacalhau no seja mais do que o resultado do padro gerado pelos secadouros nacionais, ou seja, que o produto importado actualmente em seco (da Noruega, Islndia, EUA, Faro, Canad, etc.) no mais do que o resultado da normalizao de procedimentos antigos para um produto de caractersticas especficas como o caso do bacalhau salgado seco. As fbricas e as secas de bacalhau As secas acabaram por ficar confinadas aos espaos contguos dos portos de descarga, na lgica de minimizao daqueles movimentos, e porque foi a que naturalmente, ao longo dos anos, as empresas foram instalando os seus armazns. Por isso, a lgica organizativa da C.R.C.B., baseando-se nas praas de Viana do Castelo, do Porto, de Aveiro, da Figueira da Foz e de Lisboa, aglomerava os espaos onde a indstria se havia concentrado, numa continuidade espacial da actividade porturia. O caso de Lisboa, com um nmero reduzido de estabelecimentos fabris, foi sendo o mais diferenciado. As secas estavam situadas junto aos canais do Tejo, prximo do Barreiro e Seixal, ou mais a montante, em Alcochete. Mais tarde ser fundada no Rosrio, Moita, uma outra seca cuja estrutura nem sequer enquadrava a possibilidade de ter acessibilidade directa de cais. Mais recentemente, a par do encerramento das unidades de Alcochete, assistiu-se abertura de um considervel nmero de unidades a Norte do Tejo, sobretudo na regio saloia, num eixo entre Mafra e Torres Vedras, portanto sem qualquer lgica de proximidade porturia 8. No conjunto de unidades que se localizam em torno de Lisboa, encontram-se algumas das maiores unidades de transformao de bacalhau do Pas, quer em capacidade produtiva, quer em quota de mercado. Com o evoluir da pesca, a armao passar a estar concentrada sobretudo em Aveiro, razo pela qual ainda hoje o porto industrial mais dinmico, j no s nas componentes pesca descarregada e nmero de navios, mas nas mltiplas complementaridades entretanto geradas.13

a evidente a actual concentrao da actividade de secagem, sobretudo em torno da Gafanha da Nazar, lhavo, onde se situa o maior conjunto de unidades e de capacidade de secagem do Pas, num bem desenhado plo industrial de produtos da pesca. Neste sentido, particularmente evidente o elevado grau de conexes econmicas, de actividades transformadoras e de servios, que esto envolvidas regionalmente neste desenvolvimento de fileira, nico no sector a nvel nacional. Estabelecimentos de Secagem de Bacalhau Licenciados (31 Dec 2001)No concelho de lhavo Em Portugal

Aveiro

Fonte: Dados Tcnicos DGPA, 2001

Naquela rea, de forma contnua, localizam-se secadouros, fbricas de congelados, construo naval, preparao de material de pesca e de navegao, metalomecnicas especializadas em obra martima, restaurao de apoio, servios de contabilidade e informtica que buscam as economias de aglomerao do sector, enfim, uma comunidade bem definida e desenhada num espao, cujas

complementaridades se prolongam para um e outro lado, na direco de Aveiro ou da Costa Nova. E espera-se que progridam a sua expanso

8

Para estas empresas a logstica rodoviria (TIR) no trs acrscimos de custos sensveis, quando comparados com os custos da alternativa martima ou ferroviria.

14

Evoluo das Secas e do Emprego1951Secas Porto/ Viana Castelo Aveiro/ Figueira Foz Lisboa TOTAL da Emprego

1976Secas

1981Secas Secas

1985Emprego Secas

1998Emprego

2001Secas

5

953

5

3

4

402

2

54

1

14 7 26

1415 1013 3381

17 6 28

13 5 21

15 6 25

534 400** 1336

26* 13*** 41

791 450 1295

27* 13*** 41

* Duas destas Empresas situam-se no interior, no concelho de Tondela. ** Estimativa *** Quatro destas Empresas processam bacalhau salgado mas no o secam. Fonte: Relatrios da CRCB e do GEP (1951, 1976 e 1981), Cardoso Leal (1985), Dados Tcnicos DGPA (1998 e 2001).

No Norte, regionalmente correspondente praas do Porto e de Viana do Castelo, a salga e secagem esto hoje praticamente extintas, porventura devido proximidade e forte competio do plo especializado de Aveiro. Por seu lado, a Figueira da Foz h muito que abandonou a actividade: hoje uma noo comum no sentir dos antigos martimos figueirenses que a Figueira preferiu ficar na praia, enquanto que lhavo continua a partir para o mar !

A primeira fase de reconverso dos secadouros, dos anos 50, pretendia garantir as condies mnimas quanto eficcia do seu trabalho. J na dcada de 60 e incios de 70, com o aumento da componente congelada do pescado descarregado, as empresas tiveram de se dotar de armazns congeladores. A par desta situao, finalmente, a indstria consciencializou-se da inadivel necessidade de modernizar as suas instalaes, no s no que diz respeito capacidade de armazenagem em ambiente refrigerado, como definitiva obrigao do recurso a processos de secagem de temperatura controlada, mas sobretudo quanto questo da higiene do processamento e da proteco alimentar num sentido mais lato.

15

A dcada de 80 vai conhecer profundas alteraes quanto ao panorama da indstria, em particular o encerramento das unidades mais desadequadas ou a modernizao dos equipamentos, dado o completo colapso da oferta de matriaprima nacional.

Ser, contudo, a partir dos anos 90 que o efeito induzido pelo financiamento comunitrio se far sentir em novas construes e, finalmente, s reconstrues e reequipamentos desde sempre em falta, dado o elevado investimento envolvido. As empresas de secagem afastam quase em definitivo a imagem de proximidade da pesca, tornando-se em unidades de transformao intermdia ou final, ou em meras prestadoras daqueles servios para empresas terceiras, que no dispem de infraestruturas de processamento de pescado salgado e de secagem.

As verbas relativas ao primeiro e segundo Quadro Comunitrio de Apoio (QCA), foram atribudas sem que nenhuma orgnica de investimentos fosse conhecida publicamente. Aqueles investimentos foram ento aplicados no sentido de estabilizar uma fase particularmente complicada para as empresas, um perodo que pode ser definido como aquele em que aconteceu a separao completa da indstria face dependncia da armao: as mquinas esto em terra, tal como o pessoal, onde chega a matria-prima a processar e de onde sai o produto para o mercado.

No incio da dcada de noventa (1992) o Canad declarou a moratria que encerrou os seus pesqueiros praticamente at actualidade, deixando uma maior presso sobre os restantes recursos, mas permitindo a ascenso de novos pases, principalmente os EUA (Alasca) e a Rssia. Nesta perspectiva conjuntural, e porque o preo de mercado ir subir a patamares at h pouco inimaginveis, todos os custos de produo tm de ser revistos e reajustados.

16

frequente ver-se hoje junto aos antigos parques de lavagem uma ou mais escaladoras mecnicas, genericamente as Baader 440, um cone destes tempos. Esta uma opo que advm do esforo que as empresas tm de fazer para se adaptarem aos constrangimentos que o mercado internacional impe: aumento dos preos da matria-prima, escassez de oferta de salgado verde, maior e mais competitiva oferta de congelado, maioritariamente rssia e alasca.

Baader440, um cone da indstria bacalhoeira

Na realidade aquela uma opo alternativa aos circuitos tradicionais, que alis os industriais no dispensam para conseguirem fabricos de qualidade mais elevada. So estratgias complementares para garantir o abastecimento de matriaprima, mas tambm uma forma de contrariar o aumento contnuo de preo da oferta tradicional (Noruega e Islndia), sobretudo depois do encerramento da opo canad no incio da dcada de 90.

Outras alternativas para a indstria, surgidas durante os anos 90, mas mais na ptica da inovao para colocao no mercado nacional, foram o bacalhau desfiado (agora um produto vulgar na oferta comercial quotidiana) e o seco demolhado ultracongelado (lanado mais recentemente, mas j com um espao comercial garantido e em franca evoluo).17

Globalmente, o conjunto de empresas actualmente licenciadas para o processamento de bacalhau prepara cerca de 70.000 toneladas anuais de bacalhau salgado seco a partir de congelado e de salgado verde, onde se inclui o desfiado e os sub-produtos.Distribuio Sectorial do Emprego na Indstria Transformadora da PescaConservas 42%

Congelados 36%

Outra Indstria 2%

Bacalhau 20%

Fonte: Dados Tcnicos, DGPA, 2000

O sub-sector da salga e secagem representa 20% do total do emprego no sector da Indstria Transformadora das Pescas, com mais de 1.300 empregos directos, em 41 estabelecimentos licenciados, demonstrando uma vitalidade difcil de entender. A concentrao de unidades em torno da Gafanha da Nazar representa cerca de 60% do emprego e das unidades licenciadas no sub-sector.

O pessoal continua a ser maioritariamente feminino, j no para aquelas tarefas sazonais e de sol-a-sol, quando se espalhava o peixe nos estendais, mas para operar com a maquinaria, os empilhadores, a escaladora, a mquina de lavagem, os tneis de secagem, a seleccionadora electrnica

O Mercado de Oferta e o Consumo O consumo de bacalhau em Portugal, de acordo com estudos recentes, tem esteve estabilizado durante toda a segunda metade do sculo XX, pesem os revezes da pesca (estabelecimento das 200 milhas em sede internacional, perda de acesso aos locais tradicionais de captura, limitaes de stocks, etc.), ou as condicionantes18

de mercado (entrada na CEE, alteraes de lgicas de produo e de controlo de preo por parte dos produtores, falta de alternativas de qualidade ao bacalhau do Atlntico).

No incio dos anos oitenta a Noruega era um parceiro de segunda linha em termos de importao de bacalhau, com pouco mais de 10.000 toneladas de capturas mdias anuais.

Aalesund, Noruega Um dos principais portos exportadores de bacalhau

Em Portugal eram poucos os importadores, incluindo a CRCB, que preferiam aquela origem ao peixe do Canad ou mesmo Islndia. Todavia, com a moratria canadiana de 1992 toda a correlao da procura face origem desvaneceu-se, sofrendo significativas alteraes, uma vez que quele facto correspondeu simultaneamente um aumento das capturas norueguesas e um retrocesso na oferta islandesa.

Nos anos noventa, dada a quase inexistncia de alternativas para a procura nacional, os noruegueses passam a mandar no mercado internacional de bacalhau, com excepo de dois factores significativos: a ascenso da oferta de 19

bacalhau do Pacfico (Gadus macrocephalus ou bacalhau alasca), que assume a sua posio no mercado global como nunca antes o havia feito, e a compra directa de peixe congelado a navios russos, realizada pelos empresrios portugueses, retirando assim parte da hegemonia nrdica e garantindo um relativa independncia da produo nacional.

Depois de, em 1997, a Noruega ter fixado (e oficialmente realizado as capturas 9) de um TAC de 850.000 toneladas verificou-se, em consequncia, uma situao de sobreproduo, com a inundao do mercado internacional10

e uma

diminuio record dos preos. Porque os produtores noruegueses tiveram grandes perdas de rentabilidade, no ano seguinte sentiram-se retraces nos volumes de capturas, no sentido de, diminuindo a oferta de pescado salgado, reposicionar o preo internacional em valores mais normais. evidente a comparao do volume de capturas norueguesas de bacalhau entre 1997 e 2000 (na ordem das 850.000 e 200.000 toneladas, respectivamente).

Importao de Bacalhau Congelado (2000)Origem Alemanha Dinamarca Espanha P. Baixos Reino Unido Sucia Islndia Noruega 1. Sub-Total EEEQuantidade Ton % Contos Valor %

Canad China E U Amrica Rssia Outros PT2. Sub-Total PT 3. Total Geral Fonte: INE, Clculos prprios.

700.1 576.2 1283.6 7.3 1390.7 24.7 447,9 2.940,3 7.370,8 28,7 20,6 5.656,2 12.634,1 997,9 19.337,5 26.708,3

2.6% 2.2% 4.8% 0,0% 5.2% 0.1% 1,7% 11,0% 27,6% 0,1% 0,1% 21,2% 47,3% 3,7% 72,4% 100,0%

1.034.737 319.704 962134 10.462,0 738.792,0 27.835,0 138191 1.824.960 5.056.815 12.897 7.265 2.044.295 6.315.163 323.901 8.703.521 13.760.336

7,5% 2,3% 7,0% 0,1% 5,4% 0,2% 1,0% 13,3% 36,7% 0,1% 0,1% 14,9% 45,9% 2,4% 63,3% 100,0%

9

O que pode at indiciar capturas em valores superiores, no completamente declarados.

20

Importao de Bacalhau Salgado Verde (2000)OrigemQUANTIDADE Ton % VALOR Contos %

Alemanha Dinamarca Espanha Finlndia Frana P. Baixos R. UnidoIslndia Noruega 1. Sub-Total EEE

18,0 3.050,1 134,1 39,3 381,2 371,4 442,9 22.500,2 9.093,4 36.030,6

0,0% 6,5% 0,3% 0,1% 0,8% 0,8% 0,9% 48,0% 19,4% 76,8%

16.764 2.722.246 96.604 31.859 421.789 378.604 400.982 23.101.521 8.598.508 35.768.877

0,0% 6,2% 0,2% 0,1% 1,0% 0,9% 0,9% 52,9% 19,7% 82,0%

Canad E. U. Amrica Russia Suia PT ND2. Sub-Total PT 3. Total Geral Fonte: INE. Clculos prprios.

2.143,6 3.696,0 4.799,1 0,2 223,110.862,0 46.892,6

4,6% 7,9% 10,2% 0,0% 0,5%23,2% 100,0%

2.170.734 1.806.757 3.687.890 265 211.2637.876.909 43.645.786

5,0% 4,1% 8,4% 0,0% 0,5%18,0% 100,0%

Importao de Bacalhau Salgado Seco (2000)OrigemTon Quantidade % Contos Valor %

Alemanha Dinamarca Espanha Frana P. Baixos Reino Unido Sucia Islndia Noruega 1. Sub-Total EEE Canad E. U. Amrica Rssia 2. Sub-Total Pases 3. Total Geral Fonte: INE. Clculos prprios.

849,8 1.237,7 3.113,3 464,5 135,4 28,0 179,5 13,1 10.794,4 16.815,7 4,5 2,5 2,5 9,5 16.825,2

5,1% 7,4% 18,5% 2,8% 0,8% 0,2% 1,1% 0,1% 64,2% 99,9% 0,0% 0,0% 0,0% 0,1% 100,0%

1.001.558 1.521.643 3.493.608 825.094 194.691 48.393 236.905 14.688 14.368.440 21.705.020 4.229 332 1.575 6.136 21.711.156

4,6% 7,0% 16,1% 3,8% 0,9% 0,2% 1,1% 0,1% 66,2% 100,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 100,0%

Quanto Islndia, volta ao mercado internacional em 1999, fazendo-o com ritmos de produo elevados, associados sua tradicional qualidade. hoje um fonte de abastecimento reconhecida pela sua qualidade de processamento, higiene, nvel de servio e alto profissionalismo (tm apostado fortemente na I&D no sector das pescas), com induo de nveis de confiana que muito beneficiam as relaes empresariais. , por estes factos, o principal fornecedor de bacalhau salgado verde da indstria nacional, deixando de novo a Noruega numa determinada expectativa,10

Por inerncia, a quota de importao de Portugal foi naquele ano tambm mais elevada.

21

sobretudo no que diz respeito formao do preo na origem: a Noruega continua a beneficiar da relao preo/qualidade do bacalhau islands, com preos unitrios mais elevados, portanto com formao de preos internacionais mais elevados 11.

Por outro lado, comea a aparecer no mercado bacalhau proveniente da aquacultura. Ainda no h, nem muito conhecimento, nem muitas certezas sobre a sustentabilidade desta opo. Dadas as crescentes diminuies dos stocks globais e a proteco que para eles preconizada, pode vir a ser uma alternativa a ter em conta, um motor de regulao da actividade, fixando nveis de preos mais estveis: abastecimento em bases mais definidas e duradouras, qualidade da matria-prima pr-definida face ao produto que se pretende atingir, aligeirar da dependncia de mercados especulativos como o caso do peixe fresco. Os estudos continuam e a evoluo tecnolgica progride em bom ritmo...

Para j, porm, a principal componente da actividade dos secadouros portugueses continua a ser a secagem de bacalhau salgado verde, com uma fatia complementar assegurada pela produo do congelado. A sua maior fragilidade continua a ser a total dependncia da matria-prima, com vrias empresas a iniciarem processos de inovao dos seus produtos, procurando alternativas tecnolgicas de apresentao. Contudo, o reconhecimento do procedimento nacional de preparao e secagem do bacalhau, de acordo com uma noo de elevada qualidade e com tradies firmadas na sociedade portuguesa, um grande trunfo do sector.

Por outro lado, as solues industriais alternativas apresentao tradicional em seco assumem um papel de tal modo relevante que quase todas as empresas tm hoje reas de produo especialmente apetrechadas para a preparao de desfiado e do embalamento de peixe sob formas mais prticas (posteado, por

11

Em 2001, estima-se que a retraco da procura interna foi de cerca de 20 a 25% (quebras de volumes de vendas), reflexo directo do elevado preo do bacalhau seco no mercado retalhista. 22

exemplo), sendo crescente o nmero de pedidos de licenciamento para o demolhado ultracongelado (mesmo sem ter em conta as limitaes de ordem tcnico-ambiental que este procedimento implica). Vrios estabelecimentos dedicam-se

exclusivamente preparao e embalamento daquelas especializaes produtivas, seja em prestao de servios, seja com autonomia comercial prpria.

Num estudo recente, uma empresa internacional de consultoria chegou concluso de que, em Portugal, o consumo de bacalhau seco era maioritariamente preferido pela classe mdia (46%), mas apenas consumido em 17% pela classe alta, achando-se as geraes mais jovens com menor disposio de consumir segundo as formas de apresentao tradicionais.

Os mais velhos so os que tm maior preferncia pelo consumo de bacalhau, qualquer que seja a forma de apresentao, mas optando em primeiro lugar pelo seco. Os mais jovens tambm gostam de bacalhau mas, contrariamente aos mais velhos, demonstram maior apetncia pelas novas formas de oferta, nomeadamente os pr-cozinhados e a gama de congelados, com especial incidncia pelo demolhado ultracongelado. Ou seja, o consumo generalizado do produto em seco, nas suas diversas formas (inteiro, posteado, desfiado), ou na dos seus sub-produtos encarados como especialidades (caras, lnguas, samos, etc.), que ainda garante ao bacalhau um lugar de destaque nas preferncias dos portugueses, sejam elas de natureza gastronmica, cultural ou econmica. As novas formas de comercializao junto dos modernos circuitos de distribuio (pr-cozinhados, demolhado ultracongelado) so os modos de reorganizao da indstria face s ameaas externas, muitssimo competitivas, do restante sector alimentar.

Este sculo ser por certo o sculo da gua, deixando para trs a importncia incontornvel do petrleo enquanto ltimo dos recursos, pelo que a gesto da gua e do meio marinho se apresenta como o bem comum a proteger para as geraes vindouras.23

neste sentido que o peixe, o bacalhau, se define como um recurso estratgico. No mesmo sentido, necessria humildade, inteligncia e abertura de esprito para conseguir sustentar a sua explorao econmica, equilibrando a inovao com a tradio, afinal factores comuns a todos os sectores alimentares portugueses. O futuro passa por uma estratgia de desenvolvimento adequada, onde o bacalhau salgado portugus, com a qualidade que se lhe reconhece, s pode ser promovido, divulgado, enaltecido e consumido. Parece ter, pesem todas as vicissitudes, um bom futuro pela frente.

Fernando Chagas DuarteGegrafo

24