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1 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LUANA DA SILVA PESCADOR A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA LEI MARIA DA PENHA FRENTE O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE Biguaçu 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

LUANA DA SILVA PESCADOR

A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA LEI MARIA DA PENHA FRENTE O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE

Biguaçu 2008

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LUANA DA SILVA PESCADOR

A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA LEI MARIA DA PENHA FRENTE O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE

Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito.

Orientadora: Prof.ª Esp. Roberta Schneider Westphal

Biguaçu 2008

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LUANA DA SILVA PESCADOR

A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA LEI MARIA DA PENHA FRENTE O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE

Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e

aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de

Ciências Sociais e Jurídicas.

Área de Concentração: Direito Constitucional

Biguaçu, 11 de novembro de 2008.

Prof. Esp. Roberta Schneider Westphal UNIVALI – Campus de Biguaçu

Orientadora

Prof. MSc. Celso Wiggers UNIVALI – Campus de Biguaçu

Membro

Prof. MSc. Luiz César Silva Ferreira UNIVALI – Campus de Biguaçu

Membro

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Dedico o presente trabalho a todas as mulheres que foram ou que são vítimas da violência

doméstica e familiar, que não lhes falte coragem para denunciar seu agressor.

Que a Lei n.º 11.340/2006 ainda cause muita discussão, pois só assim poderão ser feitas mudanças que a tornem apta a se tornar um

instrumento eficaz contra esse tipo de violência, tão presente na sociedade brasileira.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, Arnaldo Pescador e Marize da Silva Pescador por todo apoio,

compreensão e dedicação em todos os aspectos da minha vida, por terem investido na minha

educação sem medir esforços e, por sempre me incentivarem a alcançar todos os meus objetivos.

Agradeço ao meu irmão Gabriel da Silva Pescador, meu companheiro pra toda a vida.

Agradeço a todos os meus amigos de longa data, com quem eu sempre pude contar, que estão

sempre presentes nas vitórias e nas derrotas, e que entenderam minha ausência enquanto

realizava a pesquisa.

Aos meus colegas de faculdade, com quem pude trocar idéias e experiências durante estes anos de

convívio.

Aos amigos que fiz nesses últimos 5 anos, meus queridos companheiros, pessoas das quais muito

me orgulho e torço pelo seu sucesso.

À Professora e Orientadora Roberta Schneider Westphal, a quem admiro muito, que sempre se fez presente e demonstrou interesse no presente

trabalho, agradeço pela paciência e incentivo.

A todos os Professores que de alguma forma contribuíram para minha formação acadêmica, sou

muito grata por terem compartilhado seu conhecimento.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e a

Orientadora de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Biguaçu, 11 de novembro de 2008.

Luana da Silva Pescador

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RESUMO

O presente trabalho tem como objeto verificar a constitucionalidade da Lei Maria da Penha frente o Princípio Constitucional da Igualdade e, como objetivos: institucional, produzir uma monografia para obtenção do grau de bacharel em Direito, investigar à luz da legislação, da doutrina e da jurisprudência a constitucionalidade da Lei Maria da Penha frente o Princípio Constitucional da Igualdade; específico, analisar a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ressaltar os vícios que tornam a lei inconstitucional, verificar a aplicação do princípio da igualdade material e seus limites, bem como apresentar a Lei Maria da Penha e as suas inovações ao ordenamento jurídico brasileiro. A Lei Maria da Penha, editada em 2006, precisa ser estudada de forma aprofundada, tendo em vista que muitos magistrados não a aplicam, pelo motivo da suposta inconstitucionalidade. Utilizou-se o método indutivo, que parte do particular para o geral, operacionalizado com as técnicas do referente, da categoria, dos conceitos operacionais e da pesquisa das fontes documentais. A pesquisa foi desenvolvida tendo como base as seguintes hipóteses: a) conceito, características e estrutura da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; b) conceito e importância dos Princípios Constitucionais; c) conceito do Princípio Constitucional da Igualdade; d) conceito de Ação Afirmativa; e) diferenças históricas e culturais entre homens e mulheres; f) estrutura e inovações da Lei Maria da Penha. O trabalho foi dividido em três capítulos. O primeiro trata da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o segundo do Princípio Constitucional da Igualdade e, por fim, o terceiro da Lei Maria da Penha.

Palavra-chave: CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 – PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE – VÍCIOS DE CONSTITUCIONALIDADE – LEI MARIA DA PENHA

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COMPENDIO

L’obiettivo di questo studio è determinare la costituzionalità della legge Maria da Penha di fronte al principio costituzionale della parità e, come obiettivi: istituzionale, la produzione di una monografia per ottenere il grado di laurea in legge, indagare sotto la legge, la dottrina e la giurisprudenza la costituzionalità della legge Maria da Penha di fronte al principio costituzionale della parità; particolare, esaminare la Costituzione della Repubblica Federativa del Brasile del 1988, evidenziare i difetti che rendono la legge incostituzionale, verificare l'applicazione del principio della parità materiale e dei suoi limiti, e presentare la legge Maria da Penha e le sue innovazioni per la legislazione brasiliana. La legge Maria da Penha pubblicata nel 2006, deve essere studiata in modo approfondito, considerando che molti giudici non la applicanno, per il motivo della presunta incostituzionalità. Abbiamo usato il metodo induttivo, che parte del particolare per il generale, operazionalizato con le tecniche di trattare, della categoria, dei concetti operativi e la ricerca di fonti documentarie. La Ricerca è stata sviluppata sulla base dei seguenti presupposti: a) il concetto, la natura e la struttura della Costituzione della Repubblica Federativa del Brasile del 1988; b), concetto e l'importanza dei principi costituzionali c), concetto del principio costituzionale della parità d), concetto di Azioni positive; e) le differenze storiche e culturali tra uomini e donne; f), la struttura e l’innovazioni della legge Maria da Penha. Lo Studio è stato diviso in tre capitoli. Il primo riguarda la Costituzione della Repubblica Federativa del Brasile del 1988, la seconda del principio costituzionale della parità e, infine, il terzo la legge Maria da Penha. Parola chiave: COSTITUZIONE DELLA REPUBBLICA FEDERATIVA DEL BRASILE DEL 1988 - IL PRINCIPIO COSTITUZIONALE DELLA PARITÀ – LE ABITUDINE CONSTITUZIONALE – LEGGE MARIA DA PENHA.

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ROL DE ABREVIATURAS OU SIGLAS

ADC – Ação Direta de Constitucionalidade

ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

Caput – Cabeça

CP – Código Penal

CRFB/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Ed. – Edição

In fine – No fim

n.° - Número

p. – Página

Quorum - Número mínimo de membros de um colegiado para tomada de decisão.

Referendum - Para aprovação.

Univali – Universidade do Vale do Itajaí

Status - Situação

STF – Supremo Tribunal Federal

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ROL DE CATEGORIAS

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

No dia 5 de outubro de 2008, a Constituição da República Federativa do Brasil de

1988 completou 20 anos da sua promulgação, que marcou um novo período político-

jurídico, restaurando o Estado Democrático de Direito, de modo que ampliou as

liberdades civis e os direitos e as garantias fundamentais, enfim, instituiu um Estado

Social.1

Princípio Constitucional da Igualdade

O direito à igualdade, expresso no caput do artigo 5° da Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, que não estava presente na Constituição anterior2,

fundamenta todos os direitos humanos e eleva os direitos individuais de alguns para

direitos de todos.3

Inconstitucionalidade

“[...] qualquer ato, norma, decisão ou interpretação jurídica tendente a, por meio

dissimulado, impedir, desvirtuar, afastar ou sustentar o afastamento da incidência de

preceito ou Princípio constitucional, expresso ou implícito, em relação a certas

situações, fatos, entes, grupos ou indivíduos, de maneira incongruente para com os

valores e finalidades perseguidas pela Carta Maior.”4

Lei Maria da Penha

Em 07 de agosto de 2006 foi sancionada a Lei n.° 11.340/2006 pelo Presidente da

República, que entrou em vigor em 22 de setembro do mesmo ano. Também

denominada Lei Maria da Penha, tem por finalidade atender ao compromisso

1 “Constituição Cidadã”: 20 anos a serviço da democracia no país. O Judiciário, Florianópolis, out. 2008, Especial, p.8. 2 CAPEZ, Fernando. Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 227. 3 MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direito Constitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. p. 90. 4 SGARBOSSA, Luís Fernando; JENSEN, Geziela. O que é inconstitucionalidade ideológica? Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1039, 6 maio 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8227>. Acesso em: 24 abr. 2008.

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constitucional de que a família tem proteção especial do Estado e de que será

assegurada a sua assistência, no sentido de serem criados mecanismos com o fim

de coibir a violência doméstica contra a mulher.5

5 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 14-27.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 14

1 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988...... 16

1.1 DAS CONSTITUIÇÕES – NOÇÕES INTRODUTÓRIAS .................................... 16

1.2 DO CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO ................................................................ 17

1.2.1 Do Conceito Material ............................................................................................................ 17

1.2.2 Do Conceito Formal.............................................................................................................. 19

1.3 A TEORIA DO PODER CONSTITUINTE ........................................................... 22

1.3.1 Da Titularidade do Poder Constituinte ............................................................................ 23

1.3.3 Do Poder Constituinte Constituído .................................................................................. 25

1.4 DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS – NOÇÕES HISTÓRICAS ................... 27

1.4.1 Da Constituição de 1824..................................................................................................... 28

1.4.2 Da Constituição de 1891..................................................................................................... 28

1.4.3 Da Constituição de 1934..................................................................................................... 29

1.4.4 Da Constituição de 1937..................................................................................................... 30

1.4.5 Da Constituição de 1946..................................................................................................... 30

1.4.6 Da Constituição de 1967.................................................................................................... 31

1.4.7 Da Constituição de 1969 ................................................................................ 31

1.5 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 – NOÇÕES INTRODUTÓRIAS ................................................................................... 32

1.5.1 Características e Estrutura ................................................................................................. 33

1.6 DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE – NOÇÕES INTRODUTÓRIAS......................................................................................................35

1.6.1 Inconstitucionalidade por Ação ou Omissão ................................................................. 36

1.6.2 Do Vício Formal, Material e de Decoro Parlamentar ................................................. 38

1.6.3 Do Controle Prévio ou Preventivo .................................................................................... 40

1.6.4 Do Controle Posterior ou Repressivo .............................................................. 40

1.6.4.1 Do Controle Difuso ....................................................................................... 41

1.6.4.2 Do Controle Concentrado ............................................................................................... 42

2 DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE......................................... 44

2.1 DA TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ................................................ 44

2.1.1 Noções Históricas ................................................................................................................. 47

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2.1.2 Da Evolução dos Direitos Individuais .............................................................................. 49

2.1.3 Dos Direitos Fundamentais da Primeira Geração ...................................................... 50

2.1.4 Dos Direitos Fundamentais da Segunda Geração ..................................................... 52

2.1.5 Dos Direitos Fundamentais da Terceira Geração ....................................................... 53

2.1.6 Dos Direitos Fundamentais da Quarta Geração ......................................................... 54

2.1.7 Dos Direitos Fundamentais da Quinta Geração .......................................................... 55

2.1.8 Das Características dos Direitos Fundamentais ......................................................... 56

2.2 DOS PRINCÍPIOS .............................................................................................. 58

2.2.1 Dos Princípios Constitucionais ......................................................................................... 62

2.2.2 Do Princípio Constitucional da Igualdade ...................................................................... 64

2.2.3 Da Igualdade entre Homens e Mulheres ....................................................................... 71

3 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E A LEI MARIA DA PENHA............................... 75

3.1 DA LEI MARIA DA PENHA NOÇÕES INTRODUTÓRIAS .................................. 75

3.2 DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, FAMILIAR OU AFETIVA CONTRA A MULHER 80

3.3 DOS SUJEITOS ATIVO E PASSIVO .................................................................. 84

3.4 DA LEI N.° 11.340/06 – DISPOSIÇÕES GERAIS .............................................. 88

3.5 DAS MEDIDAS PROTETIVAS ........................................................................... 92

3.6 DAS MODIFICAÇÕES AO CÓDIGO PENAL, CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E LEI DE EXECUÇÕES PENAIS ............................................................................. 94

3.7 ASPECTOS PROCESSUAIS DA LEI MARIA DA PENHA ................................. 97

3.8 DA LEI MARIA DA PENHA FRENTE O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE ........................................................................................................... 101

CONCLUSÃO......................................................................................................... 110

REFERÊNCIAS....................................................................................................... 114

ANEXO – LEI N.º 11.340/2006............................................................................... 120

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto de estudo a análise da

constitucionalidade da Lei Maria da Penha frente o Princípio Constitucional da

Igualdade.

Isto porque alguns juristas questionam o tratamento diferenciado dado pela

Lei Maria da Penha à mulher vítima de violência doméstica ou familiar em detrimento

do homem em igual situação, ou seja, a polêmica existe no que se refere à

observação do Princípio da igualdade, consagrado no artigo 5° da Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988.

Entretanto, corrente divergente entende ser a Lei Maria da Penha

constitucional sim, considerando que a violência doméstica contra a mulher tornou-

se um problema de saúde pública. Justificam os doutrinadores, adeptos deste

entendimento, que por razões culturais, históricas e biológicas, a discriminação

positiva é necessária para o alcance da igualdade constitucional material almejada.

É neste ponto que cinge a controvérsia objeto da presente pesquisa.

Desta forma, o objetivo do trabalho é o estudo acerca da constitucionalidade

material da Lei Maria da Penha frente o princípio da igualdade constitucional.

Para tanto, foram levantadas as seguintes hipóteses: conceito,

características e estrutura da Constituição da República Federativa do Brasil de

1988; conceito e importância dos Princípios Constitucionais; conceito do Princípio

Constitucional da Igualdade; conceito de Ação Afirmativa ou Discriminação Positiva;

diferenças históricas e culturais entre homens e mulheres; estrutura e inovações da

Lei Maria da Penha.

Neste sentido, a pesquisa é dividida em três seções, nas quais será

estruturada toda a teoria pertinente.

A primeira seção destinar-se-á à apresentação das noções introdutórias

acerca da Constituição de um país, seu conceito, poder constituinte e sua teoria,

breve histórico das Constituições brasileiras e, mas especificamente, sobre a

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, caracterização da

inconstitucionalidade de uma norma, bem como seus vícios e formas de controle.

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Na segunda seção demonstrar-se-á a teoria dos direitos fundamentais, suas

noções históricas, a evolução dos direitos individuais e gerações de direitos,

características dos direitos fundamentais, conceito de princípio, princípios

constitucionais e, de forma mais específica, princípio constitucional da igualdade e a

igualdade entre homens e mulheres.

Já, na terceira seção apresentar-se-á a Lei Maria da Penha, suas

disposições gerais, medidas protetivas e modificações ao Código Penal, o papel do

Ministério Público nas causas abrangidas pela Lei Maria da Penha, seus aspectos

processuais e posicionamentos dos doutrinadores sobre o objeto do presente

trabalho.

Para tanto, foi utilizado o método indutivo, que parte do particular para o

geral, ou seja, consiste na exposição de conceitos e características de categorias

fundamentais para a compreensão do problema, como da Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, do Princípio Constitucional da Igualdade, da

Inconstitucionalidade e, por fim, da Lei Maria da Penha e modificações trazidas por

ela ao ordenamento jurídico brasileiro.

A técnica escolhida foi tanto a documental direta, por meio de artigos e

jurisprudência, como a documental indireta, com o uso de doutrina e de legislação

relacionada ao assunto.

Por fim, a presente pesquisa visa contribuir para dirimir as controvérsias

existentes no mundo jurídico acerca da constitucionalidade da Lei Maria da Penha

frente o princípio constitucional da igualdade, de forma a contribuir com sua

aplicação, tornando-a um instrumento hábil de prevenção e repressão à violência

doméstica e familiar contra a mulher.

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1 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE

1988

Nesta seção estudar-se-á a Constituição da República Federativa do Brasil

de 1988, dando-se ênfase à sua supremacia no ordenamento jurídico brasileiro, o

que acarreta na subordinação das demais normas em relação à ela. Além disso,

buscar-se-á demonstrar os meios pelos quais as referidas normas são eivadas por

vícios de inconstitucionalidade, o que será relevante para a presente pesquisa.

1.1 DAS CONSTITUIÇÕES – NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

A palavra Constituição pode ser entendida por mais de um significado, ou

seja, tanto pode ter o sentido etimológico, o qual se refere à essência, à qualidade e

ao modo de ser das coisas, como pode ser relativo à Constituição Política ou

Constituição do Estado.6

Segundo José Afonso da Silva, “todo Estado tem constituição, que é o

simples modo de ser de um Estado.” Portanto, esta organiza os elementos

essenciais do Estado, sendo a sua lei fundamental.7

Guilherme Peña de Moraes conceitua a Constituição da seguinte forma:

Como sistema de normas jurídicas, produzidas no exercício do poder constituinte, dirigidas precipuamente ao estabelecimento da forma de Estado, da forma de governo, de modo de aquisição e exercício do poder, da instituição e organização de seus órgãos, dos limites de sua atuação, dos direitos fundamentais e respectivas garantias e remédios constitucionais e da ordem econômica e social.8

6 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 80. 7 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 37. 8 MORAES, Guilherme Peña. Direito Constitucional: teoria da Constituição. 3. ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. p. 57.

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Em resumo, é na Constituição que encontram-se a estrutura e a

organização de seus órgãos, é nela também que estão as normas fundamentais de

um Estado, e é por esta razão que percebe-se sua superioridade em relação às

outras normas jurídicas, de acordo com José Afonso da Silva.9

Com efeito, segundo Pedro Lenza, o mínimo que a Constituição deve

apresentar, em seu texto, são os elementos integrantes, componentes ou

constitutivos do seu Estado, sendo eles a soberania, finalidade, povo e território.10

Em conseqüência, “todas as normas que integram a ordenação jurídica

nacional só serão válidas se se conformarem com as normas da Constituição

Federal.”11

Acrescenta-se que todas as normas que compõem um ordenamento jurídico

encontram-se organizadas numa hierarquia, sendo a Constituição a norma mais

importante e as demais subordinadas a ela. Logo, um ato jurídico de natureza

infraconstitucional que contenha vício de legalidade praticado contra a Constituição,

será inconstitucional, ou seja, a norma superior requer uma submissão da sua

subordinada, do contrário esta torna-se viciada, como será estudado, de forma

breve, posteriormente.12

1.2 DO CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO

Considerando a divergência entre as normas jurídicas e os instrumentos

através dos quais são elas inseridas no Direito Positivo, pode-se diferenciar o

conceito formal de Constituição do seu conceito material.13

1.2.1 Do Conceito Material

9 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 45-46. 10 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Método, 2006. p. 47. 11 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 45-46. 12 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 19. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 47. 13 MORAES, Guilherme Peña. Direito Constitucional: teoria da Constituição. p. 58.

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Pedro Lenza ensina que do ponto de vista material, o que caracteriza uma

norma como constitucional é o seu conteúdo, sendo irrelevante a forma como foi

inserida no ordenamento jurídico. Desta maneira, são basicamente normas

constitucionais aquelas que referem-se às regras de estrutura da sociedade e de

seus alicerces fundamentais.14

Consoante o conceito apresentado por Paulo Bonavides, tem-se que a

Constituição material refere-se ao conjunto de normas referentes “à organização do

poder, à distribuição da competência, ao exercício da autoridade, à forma de

governo, aos direitos da pessoa humana, tanto individuais como sociais”, ou seja,

todo o conteúdo a respeito da composição e do funcionamento da ordem política.15

Ensina José Celso de Mello Filho que:

Constituição é o nomen juris que se dá ao complexo de regras que dispõem sobre a organização do Estado, a origem e o exercício do Poder, discriminação das competências estatais e a proclamação das liberdades públicas.16

Por outro lado, José Afonso da Silva afirma que a Constituição do Estado é

considerada sua lei fundamental, a qual dispõe sobre:

A organização dos seus elementos essenciais, um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos e os limites de sua ação.17

Em contrapartida, Celso Ribeiro Bastos entende que a Constituição no

sentido material seria “o conjunto de forças políticas, econômicas, ideológicas etc.,

que conforma a realidade social de um determinado Estado, configurando a sua

particular maneira de ser.”18

14 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. p. 44. 15 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 80. 16 Constituição Federal Anotada, 2. ed., Saraiva, 1986, p. 6-7 apud ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1. 17 Curso de Direito Constitucional Positivo, 5. ed., Revista dos Tribunais, p. 37 apud ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 2. 18 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. p. 43.

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Ainda, salienta Paulo Bonavides que não há Estado sem Constituição, vez

que as sociedades politicamente organizadas apresentam, pelo menos, uma

estrutura mínima.19

Por fim, extrai-se do conceito de Constituição material elaborado por

Guilherme Peña Moraes:

A Constituição é o complexo de normas jurídicas, cujo objeto é a prescrição da divisão territorial e funcional do exercício do poder político e a afirmação e asseguramento dos direitos fundamentais, inclusive os fins a serem alcançados na ordem econômica e social, as técnicas de aplicação e os meios de proteção das normas constitucionais.20

No mais, observa Pedro Lenza que é possível encontrar normas de

natureza constitucional fora da Constituição Federal, lembrando que o importante

para a constitucionalidade é o conteúdo e não o modo de inserção no ordenamento

jurídico.21

1.2.2 Do Conceito Formal

Resumidamente, Alexandre de Moraes conceitua Constituição formal como

sendo “aquela consubstanciada de forma escrita, por meio de um documento solene

estabelecido pelo poder constituinte originário.”22

Há matérias que foram inseridas na Constituição apenas de aparência

constitucional, as quais foram assim designadas apenas por sua presença no corpo

normativo e não por referirem-se aos “elementos básicos ou institucionais da

organização política”.23

Aqui, pouco importa o conteúdo da norma e sim a maneira como foi inserida

no ordenamento jurídico pátrio, ou seja, nesta situação as normas constantes na

Constituição Federal foram ali introduzidas por meio de um processo legislativo

19 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 80-81. 20 MORAES, Guilherme Peña. Direito Constitucional: teoria da Constituição. p. 58. 21 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. p. 44. 22 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 20. ed. atual. São Paulo: Atlas, 2006. p. 3. 23 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 81.

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diferenciado, solene e mais dificultoso, comparando com o processo legislativo de

formação das demais normas.24

Tais matérias gozam da garantia e do valor superior que a Constituição lhes

confere, o que não ocorreria se elas fossem previstas na legislação ordinária.

Observa-se que os documentos legislativos com força constitucional pertencem

materialmente à Constituição, em sua acepção mais ampla, transcendendo o “texto

rígido oriundo da vontade constituinte e a ele obviamente se prende, de uma forma

indireta e mediata”. No entanto, por ser obra do legislador ordinário, não estão

presentes no corpo do texto constitucional e, formalmente, não fazem parte da

Constituição.25

Guilherme Peña Moraes entende que a Constituição formal “é o instrumento

fundamental, elaborado ou reformado por processo diferenciado, através do qual

são veiculadas as normas de maior hierarquia no ordenamento jurídico.”26

Da mesma forma, para Paulo Bonavides, há na Constituição a inclusão de

matérias aparentemente constitucionais e que não se referem à organização política,

assim, mesmo que essas matérias estejam presentes apenas de modo impróprio e

formal, somente podem ser suprimidas ou alteradas por meio de um processo

diferente, solene e complicado.27

No sentido formal, então a Constituição é um conjunto de normas

legislativas que difere-se das normas não-constitucionais porque são elaboradas por

um processo mais solene. Tal dificuldade ocorre por alguns motivos, como por

exemplo:

A criação de um órgão legislativo com a função especial de elaborar a Constituição, chamado Assembléia Constituinte; a exigência de um quorum especial, mais expressivo que o requerido pelas leis ordinárias, e de votações repetidas e distanciadas temporalmente; ou, ainda, a sujeição do projeto de lei constitucional à aprovação popular (referendum).28

Neste sentido, consoa o entendimento de Luiz Alberto David Araújo e Vidal

Serrano Nunes Júnior, a Constituição seria a “organização sistemática dos

elementos constitutivos do Estado”, sendo aí definidas sua forma e estrutura, o

24 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. p. 44. 25 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 81-82. 26 MORAES, Guilherme Peña. Direito Constitucional: teoria da Constituição. p. 58. 27 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 82. 28 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. p. 46.

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sistema de governo, a divisão dos poderes, o modelo econômico, bem como os

direitos, deveres e garantias fundamentais e, ainda, qualquer matéria agregada é

considerada formalmente constitucional.29

Da mesma forma, segundo Paulo Bonavides, é essa maneira difícil de

reformar a Constituição ou de elaborá-la, diferenciando-se da forma mais simples da

elaboração da legislação ordinária, que caracteriza a Constituição pelo seu aspecto

formal.30

Ainda, no sentido formal, uma Constituição somente pode existir se os

dispositivos que prevêem a sua modificação forem nela escritos, tornando-a mais

complexa que a modificação das leis ordinárias.31 Ela apresenta normas que

conferem a estrutura do Estado e estabelecem os direitos fundamentais do cidadão,

e em decorrência da sua normatividade descreve o modo como deve ser e não a

maneira de ser das coisas, conclui Celso Ribeiro Bastos.32

Segundo Pedro Lenza, o Brasil adotou o sentido formal. Desta maneira

apenas são consideradas normas constitucionais aquelas inseridas na própria

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tanto as que foram

inseridas em decorrência do trabalho do poder constituinte originário, como as

decorrentes das emendas constitucionais e, até mesmo os tratados internacionais

sobre direitos humanos, nos termos do § 3º, art. 5º33, da Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, acrescentado pela Emenda Constitucional n.º

45/200434.35

29 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 3. 30 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 82. 31 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 183. 32 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. p. 46. 33 CRFB/88, Art. 5°, § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>, acesso em 25 out. 2008). 34 A Emenda Constitucional n.° 45 foi aprovada em 17 de novembro de 2004 e trouxe consideráveis mudanças à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (LENZA, Pedro. Reforma do Judiciário. Emenda Constitucional nº 45/2004. Esquematização das principais novidades. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 618, 18 mar. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6463>. Acesso em 25 out. 2008). 35 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. p. 47.

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22

Expostos os conceitos doutrinários de Constituição, passa-se a discorrer, de

maneira sucinta, a respeito da Teoria e do Poder Constituinte.

1.3 A TEORIA DO PODER CONSTITUINTE

O poder constituinte seria a expressão soberana da vontade política mais

importante de um povo organizado de forma social e jurídica. Surgiu na mesma

época que as Constituições escritas, com o objetivo de limitar o poder estatal e

preservar os direitos e as garantias individuais.36

Pedro Lenza conceitua o poder constituinte como sendo o poder de elaborar

ou de atualizar a Constituição, por meio da “supressão, modificação ou acréscimo de

normas constitucionais”.37

Caracteriza-se por ser unitário e indivisível, “não se acha coordenado com

outros poderes divididos (Legislativo, Executivo e Judiciário), mas serve de

fundamento a todos os poderes constituídos.” Por ter caráter permanente, não

termina por um ato do seu exercício e não há, por fim, a possibilidade de ser

“alienado, absorvido ou consumido.”38

O poder constituinte, atributo essencial da soberania, é a noção-chave de

toda a Teoria do Estado em razão de marcar a ocasião em que a titularidade do

poder é colocada numa instituição, ou seja, no Estado, uma pessoa jurídica, e não

numa divindade, pessoa física. Assim, completa-se o processo de institucionalização

e despersonalização do poder, base do Direito Constitucional moderno.39

No entanto, não devem ser confundidos poder constituinte e sua teoria,

conforme ensina Paulo Bonavides. A teoria do poder constituinte é aquela que

refere-se à legitimidade do poder, surgida no momento em que uma nova forma

daquele originou-se, histórica e revolucionariamente, ao final do século XVIII,

baseada nos conceitos de soberania nacional e de soberania popular.40

36 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. p. 21. 37 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. p. 65. 38 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. p. 27. 39 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 144. 40 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 141.

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O povo e a nação surgem com o poder constituinte, duas categorias

modernas do pensamento político. Elas se originam a partir de uma nova versão de

soberania, a qual está atada ao poder constituinte. A teoria do poder constituinte

está ligada às considerações sobre o problema da legitimidade, pois esta

manifestou-se de uma distinta concepção de autoridade governativa. Concepção

esta em que o titular do poder era exclusivamente a nação, legítima para solicitar

obediência ou estabelecer comando na sociedade.41

No mais, acrescenta-se que o poder constituinte apenas é exercitado em

determinadas situações, como mutações constitucionais complexas resultantes de

convulsões sociais, de crises econômicas ou políticas, bem como no caso de

formação originária de um Estado.42

1.3.1 Da Titularidade do Poder Constituinte

A titularidade do poder constituinte pertence ao povo, no entanto o seu

exercício em diversas ocasiões afasta-se do controle democrático. Desta forma, o

poder constituinte pode ser exercido de duas formas, quais sejam pela revolução

(edição de uma nova Constituição por um grupo revolucionário que tornou-se

hegemônico) ou pela Assembléia Constituinte (a qual pode submeter suas

conclusões à vontade popular direta pelo plebiscito ou pelo referendo).43

Manoel Gonçalves Ferreira Filho explica que:

O povo pode ser reconhecido como o titular do Poder Constituinte mas não é jamais quem o exerce. É ele um titular passivo, ao qual se imputa uma vontade constituinte sempre manifestada por uma elite.44

41 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 143. 42 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. p. 20. 43 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. p. 9. 44 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Poder Constituinte. 5. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 31.

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Segundo Alexandre de Moraes, a titularidade e o exercício do Poder

Constituinte são distintos. Enquanto o povo é seu titular, “o exercente aquele que,

em nome do povo, cria o Estado, editando a nova Constituição.”45

Pedro Lenza também diferencia titularidade e exercício do poder

constituinte, lecionando que o último não é reservado ao povo, e sim à assembléia

nacional constituinte ou pela outorga, duas formas de expressão do poder

constituinte originário, conforme será explicado adiante.46

1.3.2 Do Poder Constituinte Originário

O poder constituinte originário não tem limites formais, em sua essência é

apenas político ou extrajurídico.47

Tal poder caracteriza-se por ser inicial (revoga a Constituição anterior, bem

como os dispositivos infraconstitucionais produzidos anteriormente e que com ela

são incompatíveis), autônomo (apenas o seu exercente pode determinar a estrutura

da nova Constituição), ilimitado (não existe limites para a criação da nova

Constituição) e incondicionado (a sua elaboração não depende de um processo

predeterminado).48

Além disso, o poder constituinte originário é considerado permanente, vez

que não se afasta após a realização de uma nova Constituição. A sua titularidade

está sempre subentendida, a qual manifesta-se através de uma nova Assembléia

Constituinte ou de um ato revolucionário.49

Paulo Bonavides explica que há duas correntes que definem a legitimidade

do poder constituinte originário. Os adeptos da primeira entendem que o poder

constituinte é por si só legítimo e não o seu titular, sendo um poder político, de fato,

pois sua existência e ação não dependem de configuração jurídica.50

45 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. p. 22. 46 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. p. 66-67. 47 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 147. 48 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. p. 10. 49 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. p. 23. 50 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 147.

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Já, a segunda posição considera que a tipicidade (questão de fato) do poder

constituinte não exclui a consideração de sua legitimidade, ou seja, ao poder

constituinte está atada a idéia de sua legitimidade.51

Ainda, acrescenta-se que “o poder constituinte originário é um poder político

que impõe um poder jurídico à Constituição”, conforme Luiz Alberto David Araújo e

Vidal Serrano Nunes Júnior.52

Segundo Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo

Gustavo Gonet Branco:

A autoridade máxima da Constituição, reconhecida pelo constitucionalismo, vem de uma força política capaz de estabelecer e manter o vigor normativo do Texto. Essa magnitude que fundamenta a validez da Constituição, desde a Revolução Francesa, é conhecida com o nome de poder constituinte originário.53

Enfim, o poder constituinte em estudo expressa-se de duas maneiras, pela

outorga ou pela assembléia nacional constituinte. A primeira caracteriza-se por ser

uma declaração de natureza unilateral de um agente revolucionário e a segunda

origina-se com a deliberação da representação popular.54

1.3.3 Do Poder Constituinte Constituído

O poder constituinte constituído é conseqüência da existência de uma

organização constitucional, da qual tal poder origina-se para desempenho de sua

atividade. Desta forma, o poder constituinte apenas será concebido de essência

jurídica no momento que derivar-se de um sistema estatutário anterior ou se for

exercido conforme uma ordem jurídica pré-estabelecida.55

Neste caso, o poder constituinte opera atado ao Direito, “na moldura de um

ordenamento jurídico” ao contrário daquele (originário) que decorre das Revoluções

e Golpes de Estado. De acordo com Paulo Bonavides, o poder constituinte é 51 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 147. 52 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de Direito Constitucional. p. 10. 53 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 187. 54 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. p. 67. 55 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 150.

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competente para modificar a Constituição, podendo revisá-la de forma tão ampla,

resultando uma nova Constituição.56

O poder constituinte constituído apresenta como características a limitação

(a própria Constituição limita sua alteração, tornando certas matérias imutáveis,

como é o caso das cláusulas pétreas, encontradas na Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 60, § 4º57) e a condicionalidade (qualquer

modificação da Constituição deve submeter-se a um processo predeterminado –

processo de emenda).58

Com efeito, Manoel Gonçalves Ferreira Filho acrescenta duas

características ao poder constituinte constituído, considerando-o derivado (resultado

de outro) e subordinado (“abaixo do originário”).59

A nomenclatura poder constituinte, nesta situação, para Manoel Teixeira,

torna-se inadequada, pois não se poderia admitir no poder constituinte derivado,

“exercido pelo Congresso Nacional, uma nova modalidade de poder.”60 Por outro

lado, Celso Antônio Bandeira de Mello leciona que:

O poder constituinte derivado merece o nome de constituinte na medida em que se trata de um poder constituinte reconhecido para modificar uma regra que é hierarquicamente superior a todas as outras, suficiente para constituir regra que será igualmente superior a todas as outras e, assim cumprindo a mesma função que cumpria a Constituição posta pelo poder constituinte originário.61

Enfim, o poder constituinte constituído designa ao corpo legislativo, aquele

encarregado da elaboração da legislação em geral, a competência para modificação

da Constituição.62

56 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 150. 57 CRFB/88, Art. 60, § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>, acesso em 25 out. 2008). 58 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. p. 10. 59 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 29. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 28. 60 TEIXEIRA, Meireles. A reforma Constitucional, p. 208 apud TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 49. 61 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Poder Constituinte, p. 73 apud TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 49. 62 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. p. 49.

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Ressalta-se, contudo, que o poder constituinte constituído classifica-se

como reformador, decorrente ou revisor. Em síntese, o poder reformador manifesta-

se através das emendas constitucionais, enquanto o decorrente visa estruturar a

Constituição dos Estados-Membros e, por fim, o revisor está previsto no artigo 3º do

ADCT63, prevendo uma revisão da Constituição da República Federativa de 1988.64

Acrescenta-se que a Emenda Constitucional n.º 26 de 27.11.1985 à

Constituição de 1967 convocou a Assembléia Nacional Constituinte de 1987, tudo

em conformidade com as normas que dispunham acerca da modificação da

Constituição. Como bem afirma Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

A ordem constitucional vigente no País é, portanto, resultado de reforma da Constituição anterior, estabelecida com restrita obediência às regras então vigentes, mas que, por resultar num texto totalmente refeito e profundamente alterado, deu origem a uma nova Constituição.65

Assim, em suma, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

foi fruto do poder constituinte derivado. Nesse sentido, discorrido brevemente a

respeito do poder constituinte, cabe trazer, resumidamente, o histórico das

constituições brasileiras.

1.4 DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS – NOÇÕES HISTÓRICAS

Paulo Bonavides identifica três fases históricas durante a evolução

constitucional do Brasil, referentes aos valores políticos, jurídicos e ideológicos que

tiveram efeito dominante na obra de caracterização formal das instituições. A

primeira fase refere-se à Constituição do Império (1824); a segunda compreende as

63 ADCT, Art. 3º. A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm#adct>, acesso em 26 out. 2008). 64 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. p. 72-73. 65 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. p. 31-32.

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Constituições de 1891, 1926 e 1934 e a terceira, em curso, abrange as

Constituições de 1937, 1946, 1967, 1969 e 1988.66

1.4.1 Da Constituição de 1824

A Constituição Política do Império do Brasil, outorgada em 25.03.1824,67 foi

marcada pelo Liberalismo, modelo mais moderno na época e que conservou-se nas

demais constituições, seus dispositivos caracterizavam-se por serem rígidos68e não

estabelecia qualquer sistema de controle de constitucionalidade. 69

Além disso, adotou o modelo de repartição de poderes de Benjamin

Constant, ou seja, foram quatro os poderes: Poder Executivo, Poder Judiciário,

Poder Legislativo e Poder Moderador, deste último o titular era o próprio Imperador.

Conseqüentemente, a ausência de autonomia das províncias e de poderes

descentralizados desintegrou o regime monárquico, o qual foi substituído pelo

sistema republicano de governo no ano de 1889.70

1.4.2 Da Constituição de 1891

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 24.02.1891

foi, em vários aspectos, copiada de forma literal da Constituição americana e

estabeleceu a seguinte estrutura: sistema republicano, forma presidencial de

governo, forma federativa de Estado71 e a existência de uma Suprema Corte,

competente para decretar a inconstitucionalidade dos atos do poder.72

66 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 361. 67 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 363. 68 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. p. 98-101. 69 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. p. 94. 70 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 363-364. 71 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 78. 72 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 364-365.

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Inovou, extinguindo as penas de galés73, banimento judicial e de morte, e

apresentou em seu corpo a previsão de cabimento do habeas corpus de forma

genérica, já previsto no Código Criminal de 1830.74

Em relação à repartição de poderes, adotou-se o modelo de Montesquieu,

sendo eles: Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário, o último

fortalecido em razão das novas funções a que foi incumbido, como controle dos atos

legislativos e administrativos e das prerrogativas de vitaliciedade (artigo 57) e de

irredutibilidade de vencimentos (artigo 57, § 1º).75

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 foi

revisada através da promulgada em 1926, porém não preencheu as finalidades

esperadas nem obstou o desmoronamento da Primeira República, em razão da

desmoralização oligárquica dos poderes.76

1.4.3 Da Constituição de 1934

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, promulgada 16

de julho de 1934, apresentava em seu corpo princípios referentes aos direitos

fundamentais da pessoa humana, que até então vinham sendo ignorados pelas

demais Constituições.77

No mesmo molde, Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior

relatam que a principal característica desta Constituição foi a preocupação com a

declaração de direitos e garantias individuais, inserindo um título sobre a ordem

econômica e social, sobre a família, a educação e a cultura.78

73 A pena de galés consistia na condenação dos criminosos à pena de trabalhos forçados em embarcações de velas, remando sob a coerção de castigos corporais. (CATÃO, Érika Soares. A pena privativa de liberdade sob o enfoque de suas finalidades e a visão do sistema punitivo pela comunidade discente da UEPB. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1026, 23 abr. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8284>. Acesso em 26 out. 2008). 74 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. p. 92. 75 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. p. 108. 76 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 365-366. 77 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 366. 78 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. p. 93.

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Ainda, ficou conhecida como constituição democrática e social, uma vez que

conciliou “a democracia liberal com o socialismo, no domínio econômico-social; o

federalismo com o unitarismo; o presidencialismo com o parlamentarismo, na esfera

governamental.” Historicamente, esta Constituição não teve muita relevância, tanto a

extrema direita como a estrema esquerda tornaram inviável a sua plena aplicação, o

que possibilitou o golpe de 1937.79

1.4.4 Da Constituição de 1937

A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937, outorgada por Getúlio

Vargas em 10.11.1937, foi inspirada no modelo fascista. Estabelecia pena de morte

para os crimes políticos e homicídios cometidos por motivo fútil e com perversidade.

Restringiu o direito de manifestação do pensamento, mediante censura prévia da

imprensa, do teatro, do cinema e da radiofusão.80

Entretanto, em virtude da não realização do plebiscito, conforme previsto em

seu artigo 187, nunca entrou em vigor. Desta forma, prevaleceu o Estado Novo, um

“estado arbitrário despojado de quaisquer controles jurídicos, onde primava a

vontade inconteste do ditador Getúlio Vargas”.81

1.4.5 Da Constituição de 1946

A Constituição dos Estados Unidos do Brasil, promulgada em 18.09.194682,

caracterizou-se por ser uma Constituição Republicana, Federativa e Democrática.83

Foram afastadas as penas de morte, de caráter perpétuo, de banimento e

de confisco e restabelecidos o mandado de segurança e a ação popular84, bem

como foi inserido o rol de direitos individuais constante na Constituição de 1934.85

79 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. p. 115-117. 80 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. p. 94. 81 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. p. 121. 82 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 85. 83 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. p. 126-127.

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Entretanto, em 1946, com uma crise no quadro político-institucional, as

Forças Armadas tomaram o poder e, através do Ato Institucional, foi mantida a

Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil com algumas alterações.

Os direitos individuais foram minimizados, vez que os direitos políticos poderiam ser

suspensos de maneira exagerada.86

1.4.6 Da Constituição de 1967

A Constituição de 1967 foi promulgada em 24.01.1967, coincidindo com a

época em que presidiram o país, sucessivamente, Marechal Artur da Costa e Silva,

Médici, Geisel e Figueiredo. Época em que os direitos individuais foram limitados,

sendo, por exemplo, suspenso o habeas corpus nas situações em que ocorressem

“crimes políticos contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a

economia popular.”87

Apenas em 05 de outubro foi promulgada a Constituição da República

Federativa do Brasil de 198888, a qual apresenta um texto avançado, com relevantes

inovações no campo dos direitos individuais.89

1.4.6 Da Constituição de 1969

A respeito desta Constituição, explicam Luiz Alberto David Araújo e Vidal

Serrano Nunes Júnior:

A Emenda n. 1, de 1969, é considerada por muitos doutrinadores uma nova Constituição. Alterou de tal forma o sistema, sem

84 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. p. 94-95. 85 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. p. 128-129. 86 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. p. 95. 87 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. p. 132-144. 88 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. p. 97. 89 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 89.

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qualquer respeito aos limites fixados pela Carta Magna – que já vinha sendo alterada por atos institucionais, baixados pela Junta Militar -, que é entendida como ato do Poder Constituinte Originário.90

Dentre algumas alterações, pode-se destacar “uma nova modalidade de

perda do mandado parlamentar: procedimento atentatório às instituições vigentes” e

o mandato presidencial era de cinco anos, não podendo haver reeleição.91

1.5 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 –

NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

Após a morte de Tancredo Neves, José Sarney assumiu a Presidência da

República e enviou proposta de emenda constitucional ao Congresso Nacional a fim

de convocar a Assembléia Nacional Constituinte. Explica José Afonso da Silva:

Aprovada como EC n. 26 (promulgada em 27.11.1985), em verdade, convocara os membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para se reunirem, em Assembléia Nacional Constituinte, livre e soberana, no dia 1.2.87, na sede do Congresso Nacional. Dispôs, ainda, que seria instalada sob a Presidência do Presidente do Supremo Tribunal Federal, que também dirigiria a sessão de eleição do seu Presidente. Finalmente, estabeleceu que a Constituição seria promulgada depois da aprovação de seu texto, em dois turnos de discussão e votação, pela maioria absoluta dos membros da Assembléia Nacional Constituinte.92

O que efetivamente ocorreu. Foi instalada a Assembléia Nacional

Constituinte, com a Presidência do Ministro José Carlos Moreira Alves, Presidente

do Supremo Tribunal Federal e, no dia seguinte foi eleito como Presidente da

Constituinte o Deputado Ulisses Guimarães.93

Para a confecção da nova Constituição optou-se pela divisão em comissões

e, em 15 de julho iniciou um período de quarenta dias para apresentação de

emendas, inclusive de populares. Foi apenas em 27 de janeiro de 1988 que o

90 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. p. 75. 91 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. p. 75. 92 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 89. 93 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. p. 147.

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plenário reuniu-se para iniciar as votações, porém o quorum não foi suficiente,

motivo pelo qual a votação foi adiada por vinte e quatro horas, ocasião em que

foram votados as primeiras matérias: o Preâmbulo e o Título I.94

O segundo turno de votação iniciou-se no final de julho de 1988, explicando

Celso Ribeiro Bastos:

As características aqui já foram muito diversas. A votação teve no fundo um caráter meramente chancelador ou homologatório do que houvera sido aprovado antes. Regimentalmente, eram admitidas apenas emendas supressivas. Outras só eram aceitáveis se contassem com a unanimidade das lideranças. Tudo isto, somado ao persistente absenteísmo de uma parcela dos constituintes, tornava quase impossível uma mudança em pontos essenciais do Texto. O clima de cansaço que a partir de um certo ponto se abateu sobre os constituintes e sobre a Nação, aliados à aproximação dos pleitos municipais, fez com que a Constituinte se voltasse para um trabalho denominado “concentrado”, que não deixou de trazer consigo uma grande dose de precipitação e inconsciência, surgindo ao final um clima festivo.95

No dia 5 de outubro de 2008, a Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988 completou 20 anos da sua promulgação, que marcou um novo

período político-jurídico, restaurando o Estado Democrático de Direito, de modo que

ampliou as liberdades civis e os direitos e as garantias fundamentais, enfim, instituiu

um Estado Social.96

O Presidente da Assembléia Nacional Constituinte que a elaborou, Ulysses

Guimarães, caracteriza a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

como a “Constituição Cidadã”, uma vez que houve significativa participação popular

em sua confecção e, principalmente, porque objetiva a “plena realização da

cidadania.”97

1.5.1 Características e Estrutura

94 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. p. 148-150. 95 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. p. 150. 96 “Constituição Cidadã”: 20 anos a serviço da democracia no país. O Judiciário, Florianópolis, out. 2008, Especial, p. 8. 97 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 90.

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A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 caracteriza-se por

ser promulgada, escrita, formal, dogmática, rígida, analítica, reduzida e eclética.98

Esmiuçando as suas características, tem-se que a referida Constituição foi

a) promulgada, por ter sido criada por órgão constituinte composto de

representantes do povo para esta finalidade; b) escrita, porque foi codificada e

elaborada num texto único; c) formal, pois “é o peculiar modo de existir do Estado,

reduzido, sob a forma escrita, a um documento solenemente estabelecido pelo

poder constituinte”, podendo apenas ser modificado pelos procedimentos nela

contidos; d) dogmática, uma vez que estabelece os “dogmas ou idéias fundamentais

da teoria política e do Direito dominantes no momento”; e) rígida, porque sua

modificação apenas ocorrerá através de “processos, solenidades e exigências

formais especiais”, em conformidade com José Afonso da Silva.99

Em resumo, sua estrutura apresenta um preâmbulo, nove títulos e o Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias. Quanto ao preâmbulo, o Min. Celso de

Mello explica que ele reflete apenas a posição ideológica do constituinte, ou seja,

não tem relevância jurídica nem constitui norma central da Constituição.100

No que se refere aos nove títulos, são eles:

(1) dos princípios fundamentais; (2) dos direitos e garantias fundamentais, segundo uma perspectiva moderna e abrangente dos direitos individuais e coletivos, dos direitos sociais dos trabalhadores, da nacionalidade, dos direitos políticos e dos partidos políticos; (3) da organização do Estado, em que estrutura a federação com seus componentes; (4) da organização dos poderes: Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário, com a manutenção do sistema presidencialista, derrotado o parlamentarismo, seguindo-se um capítulo sobre as funções essenciais à Justiça, com ministério público, advocacia pública (da União e dos Estados), advocacia privada e defensoria pública; (5) da defesa do Estado e das instituições democráticas, com mecanismos do estado de defesa, do estado de sítio e da segurança pública; (6) da tributação e do orçamento; (7) da ordem econômica e financeira; (8) da ordem social; (9) das disposições gerais.101

98 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. p. 55. 99 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 41-42. 100 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2.076-AC, Acre15 de ago. de 2002. Disponível em <http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=pre%E2mbulo&base=baseAcordaos>. Acesso em: 28 jul 2008. 101 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. p.89-90.

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Já, o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias tem natureza de

norma constitucional, como bem assevera Pedro Lenza, o que significa dizer que

pode apresentar exceções às regras inseridas no texto da Constituição.102

Por tratar-se de um ponto importante para a finalidade da presente

pesquisa, passa-se à questão da inconstitucionalidade.

1.6 DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE – NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

Tanto a constitucionalidade como a inconstitucionalidade implicam numa

relação entre a Constituição e um comportamento. Na primeira situação, o

comportamento está conforme a Constituição, já na segunda, essa conformidade

não pode ser observada. Sobre essa relação, discorre Jorge Miranda que pode

ocorrer de quatro maneiras:

a) Uma relação directa, uma relação que afecte um acto ou uma omissão, ou uma norma que esteja ou venha a estar em relação directa com a Constituição. [...] a inconstitucionalidade tende a cingir-se aos actos jurídico-constitucionais, aos actos cujo estatuto pertence, a título principal, ao Direito constitucional [...]. b) Uma reação directa, porque se traduz numa infração directa de uma norma constitucional. Não basta que um acto (um tipo de acto) tenha o seu estatuto ou um aspecto principal da sua regulamentação na Constituição. É necessário ainda que o acto em concreto contradiga uma norma constitucional de fundo, de competência ou de forma; que contradiga essa norma, e não uma norma interposta, situada entre a Constituição e esse acto. c) Uma relação de desconformidade, e não apenas de incompatibilidade; uma relação de descorrespondência, de inadequação, de inidoneidade perante a norma constitucional, e não apenas mera contradição. d) Uma relação de desconformidade, que acarreta, quanto aos actos e às normas de Direito interno inconstitucionais, invalidade e, quanto às normas de Direito internacional recebidas na ordem interna, ineficácia. 103

102 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. p. 62. 103 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional: inconstitucionalidade e garantia da constituição. 2. ed. rev. e atual. Lisboa: Coimbra, 2005. p. 7-13.

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Assim, todas as situações jurídicas têm de estar em consonância com os

princípios e os preceitos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

em decorrência do princípio da supremacia. Do contrário, a conduta será

considerada inconstitucional.104

Segundo Raul Machado Horta, “a permanência jurídica da Constituição e

superioridade jurídica das leis constitucionais sobre as ordinárias, acarretando

repulsa a toda lei contrária à Constituição” é conseqüência do caráter rígido

constitucional; ou seja, é em decorrência da rigidez que surge o problema da

constitucionalidade das leis.105

Enquanto que a lei constitucional foi obra do poder constituinte, a lei

ordinária resultou do poder constituído, daí a superioridade daquela. Existe uma

hierarquia jurídica que vai da norma constitucional às normas ditas inferiores, e

como conseqüência desta hierarquia há o reconhecimento da “superlegalidade

constitucional”, fazendo com que a Constituição da República do Brasil de 1988 seja

“a mais alta expressão jurídica da soberania” no país.106

Então, tem-se que o ato inconstitucional é nulo, sem efeito, quer dizer que

não é obrigada a sua aplicação e ocorrendo será nula. Desta maneira, a declaração

de nulidade tem efeito ex tunc, invalidando todos os atos praticados “sob o seu

império.”107

A inconstitucionalidade pode ocorrer de duas formas, por ação ou por

omissão, assunto sobre o qual passa-se a discorrer.

1.6.1 Inconstitucionalidade por Ação ou Omissão

Em resumo, então, há duas formas de inconstitucionalidade identificadas na

Constituição da República Federativa do Brasil, quais sejam: inconstitucionalidade

por ação e inconstitucionalidade por omissão. A primeira acontece devido à

104 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 46. 105 HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 4. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 126. 106 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 296. 107 FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Curso de Direito Constitucional. p. 35.

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produção de atos legislativos ou administrativos que vão contra as normas

constitucionais.108

José Afonso da Silva explica que em razão do princípio da compatibilidade

vertical das normas do ordenamento jurídico de um país, decorrente do princípio da

supremacia, “as normas de grau inferior somente valerão se forem compatíveis com

as normas de grau superior, que é a constituição.” Já, as normas incompatíveis com

a constituição são inválidas, vez que a incompatibilidade vertical é resolvida

beneficiando as normas de grau mais elevado. Continua, o doutrinador:

Essa incompatibilidade vertical de normas inferiores (leis, decretos etc.) com a constituição é o que, tecnicamente, se chama inconstitucionalidade das leis ou dos atos do Poder Público, e que se manifesta sob dois aspectos: (a) formalmente, quando tais normas são formadas por autoridades incompetentes ou em desacordo com formalidades ou procedimentos estabelecidos pela constituição; (b) materialmente, quando o conteúdo de tais leis ou atos contraria preceito ou princípio da constituição. 109

Quanto à inconstitucionalidade por omissão, esta ocorre nas situações em

que não são praticados atos legislativos ou administrativos necessários para tornar

as normas constitucionais plenamente aplicáveis. Nestes casos, tem-se o

pressuposto para propositura da ação de inconstitucionalidade por omissão, com o

intuito de o legislador elaborar a lei em causa.110

A lei ordinária que torna-se inconstitucional pode gerar dois efeitos, sendo

eles erga omnes ou com limitação à situação sub judice.111

No caso de a lei ser inconstitucional em decorrência de ofensa a um

princípio constitucional, o juiz declarará a sua inconstitucionalidade e aplicará o

princípio em questão, tal atitude apenas pode ocorrer se declarar anteriormente a

sua inconstitucionalidade, para que não configure a sobreposição da sua vontade à

do legislador.112

108 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 974. 109 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 47. 110 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 47-48. 111 HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. p. 127. 112 FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Curso de Direito Constitucional. p. 396.

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Como uma técnica moderna de defesa da Constituição, tem origem o

controle de constitucionalidade das leis, ainda que de forma imprecisa, no século

XVIII, que mais tarde veio a se expandir em razão dos seus próprios elementos. 113

Ensina Manoel Gonçalves Ferreira Filho, que controle de

constitucionalidade seria a “verificação da adequação de um ato jurídico

(particularmente da lei) à Constituição.” Com esse mecanismo é que verificam-se os

requisitos formais, tanto subjetivos (edição por órgão competente) como objetivos

(forma, rito e prazos durante a edição) e os requisitos substanciais (relacionados

com os direitos e com as garantias constitucionais). 114

Se não houvesse o controle de constitucionalidade, a supremacia

constitucional não teria valor algum.115 Para Pedro Lenza, a norma infraconstitucional

pode apresentar vícios de constitucionalidade, os quais podem ser classificados em

vício formal, vício material e vício de decoro parlamentar.116

1.6.2 Do Vício Formal, Material e de Decoro Parlamentar

O vício de inconstitucionalidade formal é aquele que ocorre no processo de

formação da lei, ou seja, no processo legislativo de sua elaboração. Tal vício pode

ocorrer nos dois momentos do processo, tanto na iniciativa como nas fases

posteriores.117

Afirmam Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo

Gustavo Gonet Branco que “os vícios formais afetam o ato normativo singularmente

considerado, sem atingir seu conteúdo, referindo-se aos pressupostos e

procedimentos relativos à formação da lei.118

Quando o vício acontece na fase de iniciativa é classificado como subjetivo.

Seria o caso, por exemplo, de um deputado federal dar início a um processo

legislativo referente a alguma matéria que fosse de iniciativa privativa do Presidente

113 HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. p. 130. 114 FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Curso de Direito Constitucional. p. 34. 115 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 297. 116 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. p. 98-99. 117 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. p. 99. 118 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. p. 961.

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da República. Enquanto o vício formal objetivo é aquele que ocorre nas fases

posteriores à fase de iniciativa, a título exemplificativo: uma lei complementar deve

ser votada por maioria absoluta, caso contrário será viciada de modo formal

objetivo.119

Por fim, sobre o vício formal, resumidamente, explica José Afonso da Silva

que ocorre “quando tais normas são formadas por autoridades incompetentes ou em

desacordo com formalidades ou procedimentos estabelecidos pela constituição.”120

Já, o vício material de inconstitucionalidade se refere tão-somente à matéria

do ato normativo, não tendo relevância o procedimento de sua elaboração. Um

exemplo deste vício seria uma lei discriminatória que afronte o princípio da

igualdade.121

Para José Afonso da Silva, o vício material caracteriza-se “quando o

conteúdo de tais leis ou atos contraria preceito ou princípio da constituição.”122

Segundo José Joaquim Gomes Canotilho, “os vícios materiais dizem

respeito ao próprio conteúdo ou ao aspecto substantivo do ato, originando-se de um

conflito com regras ou princípios estabelecido na Constituição.” 123

Salienta Pedro Lenza que uma lei pode apresentar apenas um vício formal

ou apenas um vício material, ou ainda apresentar os dois tipos de vício, sendo

duplamente inconstitucional.124

Finalmente, quanto ao vício de decoro parlamentar, entende Pedro Lenza

que, se comprovada a compra de votos, o processo legislativo de formação das

emendas constitucionais encontra-se viciado,125 considerando o previsto no artigo

55, § 1º126, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

119 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. p. 99-100. 120 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 47. 121 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. p. 100. 122 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 47. 123 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Apud MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. p. 963. 124 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. p. 100. 125 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. p. 100. 126 CRFB/88, Art. 55, § 1º – É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>, acesso em 26 out. 2008).

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Diante dos possíveis vícios de inconstitucionalidade, necessário que se faça

a classificação das diversas formas de controle, o que pode ocorrer antes do projeto

tornar-se lei – controle prévio ou preventivo – ou, até mesmo, sobre a própria lei –

controle posterior ou repressivo.

1.6.3 Do Controle Prévio ou Preventivo

O controle preventivo tem a finalidade de “evitar o ingresso no ordenamento

jurídico de leis inconstitucionais”, isso ocorre por meio das comissões de constituição

e justiça e do veto jurídico. Alexandre de Moraes explica cada situação:

A primeira hipótese de controle de constitucionalidade preventivo refere-se às comissões permanentes de constituição e justiça cuja função precípua é analisar a compatibilidade do projeto de lei ou proposta de emenda constitucional apresentados com o texto da Constituição Federal. [...] A segunda hipótese encontra-se na participação do chefe do Poder Executivo no processo legislativo. O Presidente da República poderá vetar o projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional por entendê-lo inconstitucional. [...] É o chamado veto jurídico.127

Conforme Pedro Lenza, o controle prévio é aquele realizado durante o curso

do “processo legislativo de formação do ato normativo”. Na ocasião da apresentação

de qualquer projeto de lei, quem der início ao processo legislativo em si tem o dever

de verificar se materialmente não há qualquer vício de inconstitucionalidade, para

dar continuidade ao procedimento.128

Além do controle prévio ou preventivo, merece abordagem o controle

posterior ou repressivo, o qual acontece sobre a lei em si, e não mais sobre o seu

projeto.

1.6.4 Do Controle Posterior ou Repressivo

127 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. p. 664-665. 128 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. p. 101.

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O controle posterior ou repressivo consiste na verificação, pelos órgãos de

controle, se o ato normativo apresenta algum vício formal ou material de

constitucionalidade. Em regra, no Brasil adota-se o controle de constitucionalidade

repressivo jurídico, situação em que o Poder Judiciário controla a lei ou ato

normativo perante a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, para

excluí-los do ordenamento jurídico se contrários à ela.129

Esse controle realizado pelo Judiciário é misto, ou seja, pode ocorrer de

forma concentrada ou de forma difusa.

1.6.4.1 Do Controle Difuso

Leciona Alexandre de Moares que o controle difuso, conhecido por via de

exceção ou defesa, é caracterizado pela “permissão a todo e qualquer juiz ou

tribunal de realizar no caso concreto a análise sobre a compatibilidade do

ordenamento jurídico com a Constituição Federal.”130

Segundo José Afonso da Silva, o controle difuso ocorre na ocasião em que

é reconhecido o seu exercício a todos os órgãos do Poder Judiciário.131

Pedro Lenza exemplifica a ocorrência do controle difuso quando um recurso

de apelação é distribuído no tribunal competente, e tiver um questionamento

incidental sobre a constitucionalidade de lei ou ato normativo, suscita-se uma

questão de ordem, de forma que essa constitucionalidade será analisada pelo

Tribunal Pleno ou órgão especial do tribunal.132

Ressalta-se que para que o tribunal declare a inconstitucionalidade de lei ou

de ato normativo, do Poder Público, deve ser observada a cláusula de reserva de

plenário133, nos termos do artigo 97134 da Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988.

129 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. p. 665. 130 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. p. 667. 131 SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional Positivo. p. 49. 132 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. p. 108. 133 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. p. 108. 134 CRFB/88, Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.

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A questão da inconstitucionalidade pode chegar até o Supremo Tribunal

Federal, através do Recurso Extraordinário, conforme previsão no artigo 102, III, “a”,

“b” e “c”,135 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, e

considerada a cláusula de reserva de plenário.136

Além do controle difuso há o controle concentrado, aquele que concentra-se

num único tribunal.137

1.6.4.2 Do Controle Concentrado

Caso o controle de constitucionalidade for deferido ao “tribunal de cúpula do

Poder Judiciário ou a uma corte especial” verifica-se o controle concentrado.138

Alexandre de Moraes explica:

Por meio desse controle, procura-se obter a declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo em tese, independentemente da existência de um caso concreto, visando-se à obtenção da invalidação da lei, a fim de garantir-se a segurança da relações jurídicas, que não podem ser baseadas em normas inconstitucionais.139

Convém apenas citar as formas que o controle concentrado pode ocorrer,

quais sejam ação direta de inconstitucionalidade genérica (artigo 102, I, “a”, da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988140), ação direta de

inconstitucionalidade interventiva (artigo 36, III, Constituição da República Federativa

135 CRFB/88, Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>, acesso em 26 out. 2008). 136 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. p. 108. 137 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. p. 115. 138 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 49. 139 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. p. 687. 140 CRFB/88, Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>, acesso em 26 out. 2008).

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do Brasil de 1988141), ação direta de inconstitucionalidade por omissão (artigo 103, §

2º, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988142), ação declaratória de

constitucionalidade (artigo 102, I, “a”, in fine, Constituição da República Federativa

do Brasil de 1988143) e argüição de descumprimento de preceito fundamental (artigo

102, § 1º, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988144).

Analisada a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, passa-

se ao estudo dos direitos fundamentais, sua evolução e gerações, bem como dos

princípios que expressam estes direitos, ou seja, os princípios constitucionais. Será

estudado de forma mais profunda o princípio constitucional da igualdade, posto que

fundamental para a conclusão da presente pesquisa.

141 CRFB/88, Art. 36. A decretação da intervenção dependerá: III de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do Procurador-Geral da República, na hipótese do art. 34, VII, e no caso de recusa à execução de lei federal. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>, acesso em 26 out. 2008). 142 CRFB/88, Art. 103, § 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>, acesso em 26 out. 2008). 143 CRFB/88, Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>, acesso em 26 out. 2008). 144 CRFB/88, Art. 102, § 1.º A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>, acesso em 26 out. 2008).

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2 DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE

Passa-se ao estudo do Princípio Constitucional da Igualdade, um dos

princípios expressos no artigo 5°, inciso I145, da Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, sendo que a partir da análise deste buscar-se-á o

problema central da pesquisa, colhendo-se entendimentos doutrinários acerca de

sua aplicação no ordenamento jurídico, para posterior estudo a respeito da Lei Maria

da Penha estar em conformidade, ou não, com o princípio em análise. Todavia,

antes de adentrar nos princípios presentes na Constituição da República Federativa

do Brasil de 1988, convém abordar, de forma sucinta, a questão dos direitos

fundamentais.

2.1 DA TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Como visto, as Constituições brasileiras, ao longo de sua história,

demonstraram certa preocupação com os direitos fundamentais, algumas mais

outras menos, mas sempre presentes, ao menos, alguns dispositivos que

assegurassem alguns direitos individuais. Daí a importância do estudo dos direitos

fundamentais, previstos no “Título II, que trata dos Direitos e Garantias

Fundamentais” da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.146

As denominações de direitos humanos e de direitos do homem são mais

utilizadas entre os autores anglo-americanos e latinos, enquanto que a expressão

direitos fundamentais é a preferida dos publicistas alemães.147

Com efeito, J. J. Gomes Canotilho entende que a expressão direitos do

homem consiste nos “direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos” e,

145 CRFB/88, Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>, acesso em 25 out. 2008). 146 DALVI, Luciano. Curso de Direito Constitucional. Florianópolis: Conceito, 2008. p. 79. 147 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 560.

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direitos fundamentais são aqueles “jurídico-institucionalmente garantidos e limitados

espácio-temporalmente.” Segundo o jurista, os primeiros “arrancariam da própria

natureza humana o seu caráter inviolável, intemporal e universal” e os segundos

“seriam os direitos objectivamente vigentes numa ordem jurídica concreta.”148

No mesmo sentido, define José Afonso da Silva:

Direitos humanos é expressão preferida nos documentos internacionais. Contra ela, assim, como contra a terminologia direitos do homem objeta-se que não há direito que não seja humano ou do homem, afirmando-se que só o ser humano pode ser titular de direitos. Talvez já não mais assim, porque, aos poucos, se vai formando um direito especial de proteção aos animais.149

Já, para Carl Schmitt, os direitos fundamentais são aqueles direitos do

homem livre e isolado que possui em face ao Estado, sendo apenas aqueles

referentes aos direitos de liberdade, da pessoa particular.150

Enfim, os direitos fundamentais formam uma categoria jurídica, fundada na

Constituição, com o fim de proteger a dignidade humana em todas as suas

dimensões. Desta forma, tem natureza poliédrica, pois se presta a resguardar “o ser

humano na sua liberdade (direitos e garantias individuais), nas suas necessidades

(direitos econômicos, sociais e culturais) e na sua preservação (direitos à

fraternidade e à solidariedade).”151

Observam Sylvio Motta e Willian Douglas que o artigo 5° da Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988 engloba os direitos fundamentais que

servem de “proteção dos cidadãos em face do Estado, e não o contrário”.152

Para Luciano Dalvi, direitos fundamentais são aqueles:

[...] que, independentemente de sua forma legal, são conferidos às pessoas físicas ou jurídicas e são indispensáveis, por assegurar uma existência digna, humana e fraterna. Como finalidade, podemos destacar a prerrogativa de limitar a atuação estatal.153

148 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional, p. 215 apud ARAÚJO; NUNES JÚNIOR, p. 108-109. 149 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 176. 150 Verfassungslehre, p. 163-173 apud BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 561. 151 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. p. 110-111. 152 MOTTA, Sylvio e DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional: teoria, jurisprudência e 1000 questões. 10. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Impetus, 2002. p. 62. 153 DALVI, Luciano. Curso de Direito Constitucional. p. 79.

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Entretanto, sobre a expressão “direitos individuais”, José Afonso da Silva

ressalta que remete a idéia de individualismo, por isso tende a ser desprezada pela

doutrina. Não obstante, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 a

utiliza para se referir aos direitos fundamentais relativos “à vida, à igualdade, à

liberdade, à segurança e à propriedade.” Quanto às liberdades fundamentais e

liberdades públicas, continua firmando o autor, serem também expressões relativas

aos direitos fundamentais. Tece o seguinte comentário o autor:

São conceitos limitativos e insuficientes. A primeira é ainda mais restrita, referindo-se apenas a algumas liberdades. A última é empregada pela doutrina francesa, onde não faltam esforços para dar-lhe significação ampla abrangente dos direitos fundamentais [...].154

Ainda, a respeito da “natureza jurídica das normas que disciplinam os

direitos e garantias fundamentais”, aduz Alexandre de Moraes:

São direitos constitucionais na medida em que se inserem no texto de uma constituição cuja eficácia e aplicabilidade dependem muito de seu próprio enunciado, uma vez que a Constituição faz depender de legislação ulterior a aplicabilidade de algumas normas definidoras de direitos sociais, enquadrados entre os fundamentais. Em regra, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais são de eficácia e aplicabilidade imediata. A própria Constituição Federal, em uma norma-síntese, determina tal fato dizendo que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.155

Da mesma forma, entendem Sylvio Motta e Willian Douglas, ao afirmarem

que as normas referentes aos direitos fundamentais, apesar da “proclamada

aplicação imediata”, há incisos no artigo 5° da Constituição da República Federativa

do Brasil de 1988 que apresentam a expressão “na forma da lei”, ocasião em que o

alcance é diminuído, são também conhecidas como normas de eficácia contida.156

Ainda, no que se refere à eficácia dos direitos fundamentais, leciona

Luciano Dalvi que os efeitos desses direitos também produzem efeito na relação

154 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 176-177. 155 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. p. 27. 156 MOTTA, Sylvio e DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional: teoria, jurisprudência e 1000 questões. p. 55.

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entre particulares, e não apenas entre Estado e particular, mais conhecida como

eficácia horizontal.157

Por fim, José Afonso da Silva esclarece:

Direitos fundamentais do homem constitui a expressão mais adequada a este estudo, porque, além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados. Do homem, não como o macho da espécie, mas no sentido de pessoa humana.158

Enfim, conforme a doutrina de Sylvio Motta e Willian Douglas:

A inspiração e fundamentação dos direitos fundamentais está na idéia do direito natural, nas doutrinas filosóficas, no pensamento cristão e no Iluminismo e, mais recentemente, nos ideais socialistas, na doutrina social da Igreja e no intervencionismo estatal.159

Todavia, o seu significado fica ainda mais claro ao ser analisada a formação

histórica destas liberdades, conforme segue.

2.1.1 Noções Históricas

Na Antiguidade, fazia-se menção a um Direito Superior que teria sido dado

aos homens pelos deuses, o qual, segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho, teria

sido um precursor dos direitos fundamentais. Essa idéia de que o Direito independia

da vontade dos homens existiu até o final do século XVIII, que com a Escola do

157 DALVI, Luciano. Curso de Direito Constitucional. p. 85. 158 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 178. 159 MOTTA, Sylvio e DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional: teoria, jurisprudência e 1000 questões. p. 54.

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Direito Natural e das Gentes o direito natural, antecessor dos direitos fundamentais,

passou a se tornar livre da influência religiosa.160

Entretanto, pode-se afirmar que o Cristianismo contribuiu com a evolução

dos direitos fundamentais, tendo em vista que pregava a idéia de que o homem foi

criado à imagem e semelhança de Deus, o que enseja uma proteção especial.161

Nas palavras de Loacir Gschwendtner seria a “igualdade fundamental natural entre

todos os homens.”162

Durante a Idade Média, as conquistas apenas começaram a despontar no

momento em que os reis realizaram acordos com os súditos, desta forma estes

reconheciam a supremacia monárquica e em contrapartida o rei fazia algumas

concessões a determinados estamentos sociais.163

Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em 1215 foi editada a Magna

Carta, um pacto que concedia privilégios aos indivíduos de tamanha importância que

várias passagens ainda são aplicadas, podendo-se citar:

[...] “sem julgamento leal dos seus pares, de conformidade com a lei da terra (law of the land)”, nenhum homem livre será detido ou preso, ou despojado de seus bens, exilado ou prejudicado de qualquer maneira que seja. [...] a liberdade de ir e vir [...], a propriedade privada [...], a graduação da pena à importância do delito.164

Além disso, Sylvio Motta e Willian Douglas lecionam que os direitos

humanos são originários das declarações de direitos provenientes de movimentos

sociais contra o autoritarismo, em busca de ideais democráticos. Dentre as

declarações, destacaram:

[...] a Magna Carta (Inglaterra, 1215), a Petição de Direitos/Bill of Rights (Inglaterra, 1629), a Lei do Habeas Corpus/Habeas Corpus Act (Inglaterra, 1679), a Declaração de Direitos da Virgínia (EUA, 1776), a Declaração de Direitos do Homem e Cidadão (França,

160 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 9-10. 161 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 222. 162 GSCHWENDTNER, Loacir. Direitos Fundamentais. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 51, out. 2001. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2075>. Acesso em: 15 out. 2008. 163 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. p. 166. 164 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. p. 11-12.

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1789) e a Declaração de Direitos do Povo Trabalhador e Explorado (Rússia, 1918).165

Acrescenta-se que foram as Declarações dos Estados Americanos que

serviram de modelo para a Declaração Francesa de Direitos do Homem e do

Cidadão de 1789, a qual prevê a igualdade perante a lei e tolera a religiosidade;

porém, não inova com qualquer idéia jurídica, faltando o reconhecimento de direitos,

como o de associação e reunião, da liberdade de circulação e do direito de petição,

os quais somente seriam incorporados à Constituição francesa de 1791.166

A Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1948, adotou a Declaração

Universal dos Direitos do Homem e a Carta dos Direitos Fundamentais da União

Européia.167 Por fim, observa-se que os direitos individuais vão além dos limites de

cada Estado, tornando-se uma questão de interesse internacional, sendo escolhida

a via da proclamação de direitos de âmbito transnacional.168

2.1.2 Da Evolução dos Direitos Individuais

Com o Liberalismo, os direitos individuais passaram a apresentar uma

configuração mais complexa em relação ao final do século XVIII, uma vez que foram

asseguradas liberdades contra o Estado, como a garantia à vida, o direito de

locomoção, de expressão do pensamento e de propriedade, inclusive foi consagrado

o governo democrático a partir da participação efetiva do indivíduo na formação da

vontade do Estado.169

Para Luciano Dalvi, os direitos individuais são limitações ou restrições

impostas ao Estado, a fim de que não afronte os direitos inerentes e indispensáveis

ao indivíduo. Dentre estes direitos, estão os originários, dos quais decorrem os

165 MOTTA, Sylvio e DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional: teoria, jurisprudência e 1000 questões. p. 55. 166 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. p. 414-415. 167 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. p. 413. 168 GSCHWENDTNER, Loacir. Direitos Fundamentais. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 51, out. 2001. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2075>. Acesso em: 15 out. 2008. 169 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. p. 171.

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demais, sendo eles: direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade.170

No decorrer dos séculos XIX e XX, os direitos clássicos deixaram de ser

absolutos, tornando-se imperiosa a sua conciliação com os princípios

constitucionais, ou seja, houve uma revitalização destes direitos, os quais foram

condicionados a um uso normal, sem abusos. O direito de propriedade, por exemplo,

que nos séculos XVIII e início do XIX era assegurado de forma absoluta, passou a

ser exercido de maneira relativa, considerando a idéia de que o uso do bem afeta

tanto o proprietário como a sociedade.171

Outro ponto relevante em relação à alteração exposta acima, foi o

surgimento de direitos relacionados com a possibilidade de o indivíduo receber uma

prestação do Estado, ou seja, com essa intervenção na ordem econômica e social, o

Estado objetiva uma justa distribuição de bens, a fim de disponibilizar recursos

mínimos para a fruição dos direitos fundamentais. 172

Como bem observa Celso Ribeiro Bastos os direitos individuais, além de

protegerem o indivíduo contra o Estado, protegem o indivíduo contra outros

indivíduos ou grupo de indivíduos.173

Enfim, podem os direitos individuais serem divididos em gerações de

direitos a fim de situar os momentos/épocas em que surgem, lembrando que as

novas dimensões de direitos não substituem as anteriores, e sim as complementam,

adaptando-as quando necessário174, dimensões estas que merecem destaque.

2.1.3 Dos Direitos Fundamentais da Primeira Geração

O lema “liberdade, igualdade e fraternidade” do século XVIII exprimiu em

cada expressão todos os direitos das três primeiras gerações, respectivamente.

Desta forma, infere-se que são direitos da primeira geração os direitos da liberdade,

170 DALVI, Luciano. Curso de Direito Constitucional. p. 89-100. 171 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. p. 171-172. 172 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. p. 172-173. 173 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. p. 172. 174 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paul Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 224.

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ou seja, os direitos civis e políticos, os quais já se tornaram universais por estarem

inseridos em todas as Constituições.175

Por sua vez, Fernando Capez leciona que os direitos fundamentais da

primeira geração consistem nos direitos individuais e políticos, ou seja, aqueles

considerados direitos de defesa do indivíduo perante o Estado. Denominam-se

também liberdades públicas negativas ou direitos negativos, eis que exigem do

Estado um comportamento de abstenção.176

Da mesma forma, na visão de Luciano Dalvi, os direitos de primeira

geração:

São os chamados direitos negativos ou de defesa, que impõem ao estado limitações na sua atuação. São os direitos individuais que perfazem a liberdade do ser humano e têm como conteúdo os direitos políticos e os direitos civis.177

Segundo André Ramos Tavares, esta geração de direitos surgiu com o

Estado Liberal do século XVIII, exemplificando-os como sendo direitos de proteção

contra a privação arbitrária da liberdade, de inviolabilidade do domicílio, da liberdade

e segredo de correspondência, englobando também as liberdades de ordem

econômica (liberdade de iniciativa, liberdade de atividade econômica, liberdade de

eleição da profissão, livre disposição sobre a propriedade, entre outros) e as

liberdades políticas (liberdades de associação, de reunião, de formação de partidos,

de opinar, direito de votar, direito de controlar os atos estatais e o direito de acesso

aos cargos públicos em igualdade de condições).178

A título de curiosidade, o primeiro direito fundamental foi a proteção contra a

prisão arbitrária, ou seja, o conhecido habeas corpus.179

Em relação ao titular dos direitos de 1ª geração, entende Paulo Bonavides

ser o indivíduo, pois estes direitos são traduzidos como faculdades da pessoa e

apresentam como característica a subjetividade, tratando-se de direitos de

resistência ou de oposição perante o Estado.180

175 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 563. 176 CAPEZ, Fernando. Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo: Damásio de Jesus, 2005. p. 231. 177 DALVI, Luciano. Curso de Direito Constitucional. p. 83. 178 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. p. 428. 179 PIÇARRA, Nuno. A Separação dos Poderes. Lisboa: Coimbra, 1989. p. 194. 180 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 563-564.

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2.1.4 Dos Direitos Fundamentais da Segunda Geração

Aqui, encontram-se os direitos da igualdade, ou seja, os direitos sociais, que

têm por finalidade oferecer os meios materiais necessários à efetivação dos direitos

individuais, e os direitos econômicos, que por sua vez visam propiciar os direitos

sociais. Pode-se citar como exemplos de direitos fundamentais da segunda geração

o direito ao trabalho, à proteção em caso de desemprego, ao salário mínimo, a um

número máximo de horas de trabalho, ao repouso semanal remunerado e ao acesso

a todos os níveis de ensino.181

Para Fernando Capez, os direitos fundamentais de segunda geração

abrangem:

Direitos sociais, culturais, econômicos. São direitos positivos, pois reclamam a presença do Estado em ações voltadas à minoração dos problemas sociais e exigem uma atividade prestacional do Estado. Também são chamados de “direitos de crença”, pois trazem a esperança de uma participação ativa do Estado.182

Ainda, em conformidade com Paulo Bonavides estes direitos se referem aos

direitos sociais, culturais, econômicos e coletivos, os quais tiveram origem

juntamente com o princípio da igualdade.183

No mesmo sentido, Pedro Lenza destaca que são os direitos sociais,

culturais e econômicos que estão relacionados com os direitos de segunda geração,

equivalendo inclusive aos direitos de igualdade. 184

Sobre o assunto, extrai-se ainda da obra de Gilmar Ferreira Mendes,

Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco:

O princípio da igualdade de fato ganha realce nessa segunda geração dos direitos fundamentais, a ser atendido por direitos a prestação e pelo reconhecimento de liberdades sociais – como a de sindicalização e o direito de greve. Os direitos de segunda geração são chamados de direitos sociais, não porque sejam direitos de coletividades, mas por se ligarem a reivindicações de justiça social –

181 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. p. 428-429. 182 CAPEZ, Fernando. Direito Constitucional. p. 231. 183 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 564. 184 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. p. 526.

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na maior parte dos casos, esses direitos têm por titulares indivíduos singularizados.185

Finalmente, a respeito desta geração de direitos, Luciano Dalvi explica:

Figura um novo pensar do estado que antes se limitava a não infringir os direitos humanos e a partir dessa etapa passa o estado a ter uma obrigação de realizar no plano concreto os direitos sociais, econômicos e culturais.186

Em suma, de acordo com o entendimento de André Ramos Tavares, a

segunda geração de direitos visa realizar o próprio princípio da igualdade, pois as

liberdades clássicas apenas serão asseguradas se os indivíduos dispuserem de

meios materiais para desfrutá-las, objetivo desta geração.187

2.1.5 Dos Direitos Fundamentais da Terceira Geração

Os direitos fundamentais da terceira geração, também chamados de direitos

da solidariedade ou da fraternidade, são aqueles que se caracterizam pela sua

titularidade coletiva ou difusa, como é o caso do direito ambiental e do direito do

consumidor.188

Da mesma forma, Fernando Capez identifica os direitos fundamentais de

terceira geração com os direitos difusos e coletivos.189

Estes direitos têm por destinatário o próprio gênero humano e emergiram da

reflexão de assuntos relacionados “ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à

comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.”190

No mesmo sentido, discorre Luciano Dalvi sobre estes direitos de terceira

geração:

Etapa decisiva dos direitos humanos e que aborda a sociedade como uma organização de pessoas e não apenas o indivíduo

185 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paul Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. p. 224. 186 DALVI, Luciano. Curso de Direito Constitucional. p. 83. 187 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. p. 429. 188 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. p. 429. 189 CAPEZ, Fernando. Direito Constitucional. p. 231. 190 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 569.

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singularmente considerado, abrindo espaço para o crescimento dos direitos coletivos. São exemplos a defesa do consumidor, meio ambiente, idosos, crianças etc.191

Acerca do assunto, discorrem Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires

Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco:

Já os direitos chamados de terceira geração peculiarizam-se pela titularidade difusa ou coletiva, uma vez que são concebidos para a proteção não do homem isoladamente, mas de coletividades, de grupos. Tem-se, aqui, o direito à paz, ao desenvolvimento, à qualidade do meio ambiente, à conservação do patrimônio histórico e cultural.192

Por fim, observa-se que já foram identificados cinco direitos pertencentes a

esta geração, quais sejam: direito ao desenvolvimento, direito à paz, direito ao meio

ambiente, direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e direito

de comunicação.193

2.1.6 Dos Direitos Fundamentais da Quarta Geração

A quarta dimensão de direitos fundamentais se refere à tutela de

determinados grupos sociais, como as crianças e os adolescentes, a família, os

idosos, os afro-descendentes e, nos dizeres de André Ramos Tavares:

Assim, nessa linha, exemplo bastante ilustrativo seria a liberdade de locomoção, típica liberdade de primeira dimensão, à qual se agregaria valor, para fazer surgir o direito à gratuidade nos transportes coletivos urbanos para os maiores de 65 anos (no caso brasileiro, um direito constitucional presente no art. 230, §2º, da Constituição de 1988), ou, ainda, o explícito direito de “proteção especial” da criança e do adolescente (previsto no art. 227 da Constituição de 1988), que inclui direitos trabalhistas diferenciados e mais protetores da especial condição de pessoa em desenvolvimento. A aplicação do princípio da igualdade, na quarta

191 DALVI, Luciano. Curso de Direito Constitucional. p. 83. 192 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. p. 224. 193 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 569.

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dimensão, conduziria, com segurança, à legitimidade das denominadas ações afirmativas. 194

Luciano Dalvi cita outros exemplos de direitos desta geração, como sendo

aqueles referentes à biotecnologia, à manipulação de células-tronco e temáticas

sobre a ética aliada ao avanço tecnológico.195

A respeito do assunto, Paulo Bonavides inclui o direito à democracia, à

informação e ao pluralismo, os quais culminam a objetividade dos direitos

fundamentais da terceira e da segunda geração, contudo não afastam a

subjetividade dos direitos individuais da primeira geração.196

Por fim, cabe acrescentar a idéia de Sylvio Motta, que se refere aos direitos

desta dimensão como sendo aqueles relacionados à manipulação genética, à

biotecnologia e à bioengenharia. Dessa forma, complementa o autor que esta

geração de direitos causa um redimensionamento tanto de conceitos como de

limites biotecnológicos, sempre pressupondo a existência de um debate ético prévio.

Conclui, assim, que para que o mundo jurídico acompanhe a evolução científica,

esta nova geração deve ser reconhecida.197

2.1.7 Dos Direitos Fundamentais da Quinta Geração

Conforme antes destacado, alguns autores fazem menção a uma nova

geração de direitos, ou seja, os direitos fundamentais da quinta geração. Dentre

esses autores, destaca-se Luciano Dalvi que exemplifica essa dimensão com os

direitos da internet.198

Para Clarice Helena de Miranda Coimbra, estes são os chamados novos

direitos e englobam aqueles advindos da tecnologia da informação e da

comunicação eletrônica em massa. A respeito desta dimensão, tramitam projetos de

194 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. p. 431-432. 195 DALVI, Luciano. Curso de Direito Constitucional. p. 83. 196 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 572. 197 MOTTA, Sylvio. As Cinco Gerações de Direitos Fundamentais. (Disponível em <http://74.125.45.104/search?q=cache:x9vqcYwpa3wJ:www.ciadosmodulos.com.br/downloads/sylvio_motta/Huguinho.doc+direitos+fundamentais+da+quinta+gera%C3%A7%C3%A3o&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=6&gl=br>, acesso em 16 out. 2008). 198 DALVI, Luciano. Curso de Direito Constitucional. p. 83.

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lei no Congresso Nacional que objetivam regulamentar a pirataria, o roubo dos

direitos autorais e os crimes de internet, entre outros.199

Apresentadas as gerações de direitos individuais, passa-se à exposição das

suas características.

2.1.8 Das Características dos Direitos Fundamentais

São quatro as características dos direitos fundamentais, segundo José

Afonso da Silva, sendo elas: historicidade, inalienabilidade, imprescritibilidade e

irrenunciabilidade.200

Em resumo, a historicidade se refere à integração das declarações

universais aos ordenamentos jurídicos dos países ao longo da História,

transformando-os em normas jurídicas, as quais geram direitos subjetivos aos

indivíduos.201

Já, por inalienabilidade, entende-se que estes direitos são intransferíveis e

inegociáveis por não se tratarem de conteúdo econômico-social. São também

imprescritíveis, ou seja, nunca deixam de ser exigíveis. Por fim, os direitos

fundamentais não podem ser renunciados, mas alguns podem não ser exercidos

temporariamente.202

Por sua vez, Fernando Capez entende como sendo características dos

direitos fundamentais a historicidade, a universalidade, a limitabilidade, a

concorrência e a irrenunciabilidade, referindo-se a cada uma delas da seguinte

forma:

a) Historicidade: os direitos fundamentais nasceram com o cristianismo. b) Universalidade: são destinados a todos os seres humanos. Não são circunscritos a uma classe ou categoria de pessoas.

199 COIMBRA, Clarice Helena de Miranda. Direitos fundamentais de igualdade sem distinção de sexo e de orientação sexual. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 51, 31 mar. 2008. (Disponível em <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2457>. Acesso em 16 out. 2008). 200 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 181. 201 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. p. 119. 202 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 181.

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c) Limitabilidade: os direitos fundamentais não são absolutos. Assim, dois direitos fundamentais podem chocar-se, hipótese em que o exercício de um implicará a invasão do âmbito de proteção de outro. Nesse caso, exige-se um regime de cedência recíproca. Muitas vezes essa colisão de direitos foi antevista pelo constituinte, que a equacionou na própria Constituição Federal. [...] d) Concorrência: os direitos fundamentais podem ser “acumulados”, i.e., em um mesmo titular podem acumular-se diversos direitos. Por exemplo: jornalista que exerce o direito de informação, opinião e comunicação. e) Irrenunciabilidade: os indivíduos não podem dispor daqueles direitos. Podem, contudo, deixar de exercê-los temporariamente, mas não renunciá-los.203

Há, ainda, a doutrina de Luciano Dalvi, que caracteriza os direitos

fundamentais como imprescritíveis, inalienáveis, irrenunciáveis, concorrentes,

relativos, universais, históricos e de aplicabilidade imediata.204

Já, de acordo com Sylvio Motta e Willian Douglas, são características dos

direitos fundamentais:

[...] imprescritíveis porque não sofrem corrosão com o tempo, estão sempre prontos para serem exercidos por seu titular, ao contrário dos demais direitos [...]. [...] inalienáveis porque não há possibilidade de renúncia por parte de seu titular, e, por outro lado, o Estado ou mesmo outro particular que esteja na sujeição passiva, sob nenhum pretexto, pode deixar de observa-los fora dos casos previstos razoavelmente pela lei. [...] universais porque devem ser reconhecidos em todo mundo civilizado, ainda que o Estado brasileiro não mantenha relações diplomáticas com o Estado alienígena, ultrapassando em prescindindo o conceito de nacionalidade. [...] fundamentais porque transcendem a Constituição brasileira, encontram fundamento na Declaração dos Direitos do Homem e buscam preservar a dignidade da pessoa humana. E, finalmente, são imutáveis no sentido de não poderem sofrer alteração de cunho restritivo, porque não admitem emendas tendentes, ainda que remotamente, a aboli-los, não sendo possível por obra do legislador infraconstitucional reduzir-lhes o alcance.205

Ainda, sobre os direitos fundamentais serem caracterizados como limitados,

discorre Alexandre de Moraes:

203 CAPEZ, Fernando. Direito Constitucional. p. 230-231. 204 DALVI, Luciano. Curso de Direito Constitucional. p. 81-82. 205 MOTTA, Sylvio e DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional: teoria, jurisprudência e 1000 questões. p. 61.

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Os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal, portanto, não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna (Princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas). Desta forma, quando houver conflitos entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade precípua.206

Não obstante as diversas classificações, convém ressaltar que os direitos

fundamentais estão traduzidos nos princípios constitucionais fundamentais, ou seja,

aqueles que conservam os valores fundamentais da ordem jurídica, como bem

afirma o Professor Loacir Gschwendtner. Segundo ele, sem estes princípios

fundamentais a Constituição seria apenas um conjunto de normas inseridas num

mesmo texto legal, e, por sua vez, sem Constituição não haveria direitos

fundamentais.207

Da mesma forma, como bem afirma Stela Valéria Soares de Farias

Cavalcanti:

A constitucionalização dos direitos fundamentais não significou mera enunciação formal de princípios, mas a plena positivação de direitos, a partir dos quais qualquer indivíduo poderá exigir sua tutela perante o Estado para a concretização da democracia. 208

Daí a importância do estudo acerca dos princípios constitucionais

fundamentais.

2.2 DOS PRINCÍPIOS

206 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. p 28. 207 GSCHWENDTNER, Loacir. Direitos Fundamentais. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 51, out. 2001. (Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2075>. Acesso em: 02 mar. 2008). 208 CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. Violência doméstica: análise artigo por artigo da lei “maria da penha”, nº 11.340/06. 2. ed. Bahia: Juspodivm, 2008. p. 85.

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De um modo geral, o dicionário Aurélio Buarque de Holanda Fereira

conceitua princípio da seguinte forma:

[Do lat. Principiu.] S. m. 1. Momento ou local ou trecho em que algo tem origem; começo [...]. 2. Causa primária. 3. Elemento predominante na constituição de um corpo orgânico. 4. Preceito, regra, lei. 5. P. ext. Base [...]. 6. Filos. Fonte ou causa de uma ação. 7. Filos. Proposição que se põe no início de uma dedução, e que não é deduzida de nenhuma outra dentro do sistema considerado, sendo admitida, provisoriamente, como inquestionável. [...]209

Assim, a palavra princípio exprime a idéia de uma estrutura de

pensamentos, idéias ou normas, havendo sempre os principais dos quais emanam

os demais, sendo por aqueles conduzidos e subordinados.210 Seguindo o

entendimento de Miguel Reale, os princípios são:

[...] verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis.211

Mas, passando-se ao ponto de vista jurídico, Rizzato Nunes explica que os

princípios estão situados no mais alto patamar de um ordenamento jurídico,

apresentando-se de forma genérica e abstrata, o que não significa afirmar que não

incidem nos casos concretos, pois as normas jurídicas incidem no plano da

realidade e se norteiam pelos próprios princípios.212

De acordo com Plácido e Silva:

Princípios, no plural, significam as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa [...] revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se fixam para servir de norma a toda espécie e ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica [...] exprimem sentido mais relevante que o da própria norma ou regra jurídica [...] mostram-se a própria razão fundamental de ser das coisas jurídicas, convertendo-as em perfeitos axiomas [...] significam

209 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.1986. p. 1393. 210 MARCO, Carla Fernanda de. Dos Princípios Constitucionais. Mundo Jurídico. 25 fev. 2008. (Disponível em: <http://74.125.45.104/search?q=cache:ZAVLuXylupIJ:www.mundojuridico.adv.br/cgi-bin/upload/texto1400(2).rtf+princ%C3%ADpios+constitucionais&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=1&gl=br>. Acesso em 03 out. 2008). 211 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 299. 212 NUNES, Rizzatto. Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 164.

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os pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito. 213

Assim, os princípios jurídicos têm força normativa, com tal eficácia e

valoração que chegam a ser normas-chaves de todo o sistema jurídico; “normas das

quais se retirou o conteúdo inócuo de programaticidade, mediante o qual se

costumava neutralizar a eficácia das Constituições em seus valores reverenciais, em

seus objetivos básicos.”214

Para Roque Antônio Carraza, o princípio jurídico nada mais é que um

“enunciado lógico, implícito ou explícito”, que apresenta como característica a

generalidade, motivo pelo qual vincula, de forma obrigatória, a aplicação das normas

jurídicas a ele referentes.215

Logo, traduzem os valores essenciais adotados pela sociedade política,

valores esses presentes no ordenamento jurídico, que delimitam tanto a substância

como o limite do ato que os executam.216

Com efeito, ainda, nos dizeres de Celso Antônio Bandeira de Mello, o

princípio jurídico consiste no:

Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce deste, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas comparando-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.217

Então, os princípios têm uma função fundamentadora, ou seja, consistem no

fundamento de todo o ordenamento jurídico do país, em razão de ocuparem uma

posição hierárquica superior no sistema de fontes do direito.218

Em relação ao conteúdo dos princípios constitucionais, explica Kildare

Gonçalves Carvalho que é observado desde o momento da criação da lei até a sua

aplicação e integração. Acrescenta, ainda, que “daí inclusive, colocar-se a questão

213 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 639. 214 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 286. 215 CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 7ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1995. p. 29. 216 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 11. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: 2005. p. 355. 217 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 68. 218 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. p. 356.

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da inconstitucionalidade por violação dos princípios fundamentais, circunstância que

acentua ainda mais a sua força jurídica, e não apenas ética ou valorativa.”219

Neste sentido, Canotilho encara a Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988 como um “sistema aberto de normas e princípios”, classificando as

regras e os princípios constitucionais em duas espécies de normas, apontando

algumas diferenças entre eles, quais sejam:

a) O grau de abstracção: os princípios são normas com um grau de abstracção relativamente elevado; de modo diverso, as regras possuem uma abstracção relativamente reduzida. b) Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras (do legislador? do juiz?), enquanto as regras são susceptíveis de aplicação directa. c) Caráter de fundamentalidade no sistema das fontes de direito: os princípios são normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex: princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex: princípio do Estado de Direito). d) “Proximidade” da idéia de direito: os princípios são “standards” juridicamente vinculantes; [...] as regras podem ser normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional. f) Natureza normogenética: os princípios são fundamento de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a “ratio” de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função nomogenética fundamentante.220

Todavia, de acordo com Paulo Bonavides não existe diferença entre

princípios e normas, pois “os princípios são dotados de normatividade” e as normas

abrangem tanto as regras como os princípios. Para o autor, há distinção apenas

entre princípios e regras, “sendo as normas o gênero, e as regras e os princípios a

espécie.”221 A respeito do tema, entretanto, continua J. J. Gomes Canotilho:

[...] um sistema constituído exclusivamente de regras se tornaria um sistema jurídico de limitada racionalidade prática, exigindo-se, assim, uma disciplina legislativa exaustiva e completa do mundo e da vida, não havendo qualquer espaço livre para a complementação e desenvolvimento de um sistema, como o constitucional, que é necessariamente um sistema aberto. Por outro lado, um sistema baseado exclusivamente em princípios também seria inaceitável, pois a indeterminação e a inexistência de regras precisas só

219 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. p. 356. 220 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 5. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1991. p.171-173. 221 BONAVIDES, Paulo. Direito Constitucional. 2007. p. 288.

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poderiam conduzir a um sistema falho de segurança jurídica e tendencialmente incapaz de reduzir a complexidade do próprio sistema.222

Há uma superioridade formal e, principalmente, material dos princípios na

pirâmide normativa, de tal maneira que podem ser equiparados e confundidos com

os valores. Os princípios como valores fundamentais governam a Constituição, a

ordem jurídica; são mais que lei, mas o “Direito em toda a sua extensão,

substancialidade, plenitude e abrangência.”223

Pode-se afirmar que uma das funções dos princípios consiste em atuar

como critério para a interpretação das normas, ou seja, caso haja variadas

significações possíveis para uma norma, o princípio serve como base norteadora.224

Discorrido acerca dos princípios, cabe adentrar, enfim, na exposição dos

princípios constitucionais.

2.2.1 Dos Princípios Constitucionais

Os princípios constitucionais são aqueles que preservam os “valores

fundamentais da ordem jurídica”, neles estando impressos os bens e valores que

fundamentam todo um sistema jurídico.225 Desta maneira, “devem ser estritamente

obedecidos, sob pena de todo o ordenamento jurídico se corromper.”226

Leciona Paulo Bonavides:

Postos no ponto mais alto da escala normativa, eles mesmos, sendo normas, se tornam, doravante, as normas supremas do ordenamento. Servindo de pautas ou critérios por excelência para a avaliação de todos os conteúdos normativos, os princípios, desde sua constitucionalização, que é ao mesmo passo positivação no

222 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 1991. p.172-173. 223 BONAVIDES, Paulo. Direito Constitucional. p. 289. 224 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 21.ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 55-56. 225 MARCO, Carla Fernanda de. Dos Princípios Constitucionais. Mundo Jurídico. 25 fev. 2008. (Disponível em: <http://74.125.45.104/search?q=cache:ZAVLuXylupIJ:www.mundojuridico.adv.br/cgi-bin/upload/texto1400(2).rtf+princ%C3%ADpios+constitucionais&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=1&gl=br>. Acesso em 03 out. 2008). 226 NUNES, Rizzatto. Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 2003. p. 170.

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mais alto grau, recebem como instantânea valorativa máxima categoria constitucional, rodeada de prestígio e da hegemonia que se confere às normas inseridas na Lei das Leis. Com esta relevância adicional, os princípios se convertem igualmente em normas normarum, ou seja, norma das normas.227

Da mesma forma, nos dizeres de Carla Fernanda de Marco, “o princípio

constitucional, além de princípio jurídico, é um princípio que haure a sua força

teórica e normativa do Direito enquanto ciência e ordem jurídica.”228

Em conformidade com Rizzatto Nunes:

O princípio jurídico influi na interpretação até mesmo das próprias normas magnas. É que, se um mandamento constitucional tiver pluralidade de sentidos, a interpretação deverá ser feita com vistas a fixar o sentido que possibilitar uma sintonia com o princípio que lhe for mais próximo. Da mesma forma, se surgir uma aparente antinomia entre os textos normativos da Constituição, ela será resolvida pela aplicação do princípio mais relevante no contexto.229

Com efeito, entende-se que os princípios constitucionais são os princípios

gerais de Direito, que se originaram nos Códigos e hoje se encontram nas

Constituições. Colocados neste patamar, os princípios fundamentam todas as

normas instituídas pela ordem jurídica, de tal maneira que alguns sistemas admitem

a chamada função fundamentadora.230

Conforme doutrina Luís Roberto Barroso:

[...] os princípios constitucionais são, precisamente, a síntese dos valores mais relevantes da ordem jurídica. A Constituição [...] não é um simples agrupamento de regras que se justapõem ou que se superpõem. A idéia de sistema funda-se na de harmonia, de partes que convivem sem atritos. Em toda ordem jurídica existem valores superiores e diretrizes fundamentais que 'costuram' suas diferentes partes. Os princípios constitucionais consubstanciam as premissas básicas de uma dada ordem jurídica, irradiando-se por todo o

227 BONAVIDES, Paulo. Direito Constitucional. p. 289-290. 228 MARCO, Carla Fernanda de. Dos Princípios Constitucionais. Mundo Jurídico. 25 fev. 2008. (Disponível em: <http://74.125.45.104/search?q=cache:ZAVLuXylupIJ:www.mundojuridico.adv.br/cgi-bin/upload/texto1400(2).rtf+princ%C3%ADpios+constitucionais&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=1&gl=br>. Acesso em 03 out. 2008). 229 NUNES, Rizzatto. Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 2003. p. 171. 230 BONAVIDES, Paulo. Direito Constitucional. p. 291-292.

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sistema. Eles indicam o ponto de partida e os caminhos a serem percorridos. 231

Seguindo a mesma forma de pensar, doutrina Celso Ribeiro Bastos:

Os princípios constitucionais são aqueles que guardam os valores fundamentais da ordem jurídica. Isto só é possível na medida em que estes não objetivam regular situações específicas, mas sim desejam lançar a sua força sobre todo o mundo jurídico. Alcançam os princípios esta meta à proporção que perdem o seu caráter de precisão de conteúdo, isto é, conforme vão perdendo densidade semântica, eles ascendem a uma posição que lhes permite sobressair, pairando sobre uma área muito mais ampla do que uma norma estabelecedora de preceitos. Portanto, o que o princípio perde em carga normativa ganha como força valorativa a espraiar-se por cima de um sem-número de outras normas.232

Dentre os vários princípios constitucionais, o da igualdade, em especial, e

os direitos a ele inerentes expressam o regime político da democracia,233 e é este o

princípio a ser estudado de forma mais profunda, uma vez que faz parte do objeto do

presente trabalho.

2.2.2 Do Princípio Constitucional da Igualdade

O direito à igualdade, expresso no caput do artigo 5° da Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988, que não estava presente na Constituição

anterior,234 fundamenta todos os direitos humanos e eleva os direitos individuais de

alguns para direitos de todos.235

231 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 142-143. 232 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 143-144. 233 FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Curso de Direito Constitucional. p. 281. 234 CAPEZ, Fernando. Direito Constitucional. p. 227. 235 MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direito Constitucional. p. 90.

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Observa Paulo Bonavides que a igualdade é concebida, no Estado liberal,

“como um direito fundamental que entra na categoria dos direitos naturais –

portanto, como um dos elementos componentes da idéia de justiça.”236

A doutrina e a jurisprudência acordaram no sentido de que a igualdade

jurídica, nos dizeres de Fernando Capez:

[...] consiste em assegurar às pessoas de situações iguais os mesmos direitos, prerrogativas e vantagens, com as obrigações correspondentes, o que significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, nos limites de suas desigualdades, visando a garantir sempre o equilíbrio entre todos.237

Porém, o alcance do princípio da igualdade vai além do nivelamento dos

cidadãos. Ele determina que as leis não possam ser editadas de forma que afrontem

a isonomia, ou seja, o preceito foi destinado tanto para o aplicador da lei como para

o legislador.238

A respeito do tema, extrai-seda doutrina de Alexandre Moraes:

O princípio da igualdade consagrado pela constituição opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que encontram-se em situações idênticas. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça, classe social.239

Ainda, Manoel Gonçalves Ferreira Filho leciona que o princípio em questão,

além de ser uma restrição ao legislador, é também uma regra de interpretação, ou

seja, limita o legislador, proibindo-o de elaborar regras que tragam benefícios em

razão de classe social, raça, religião, fortuna ou sexo do indivíduo, bem como

determina que o juiz deva interpretar normas e leis de modo que não crie privilégios

de qualquer espécie.240

236 BONAVIDES, Paulo. A Constituição Aberta: temas políticos e constitucionais da atualidade, com ênfase no federalismo das regiões. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 117. 237 CAPEZ, Fernando. Direito Constitucional. p. 232. 238 MELLO, Celso Antônio Bandeira de Mello. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 9. 239 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. p. 32. 240 FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Curso de Direito Constitucional. p. 282.

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Entretanto, José Afonso da Silva aduz que as Constituições apenas

reconhecem a igualdade no sentido jurídico-formal, ou seja, “igualdade perante a

lei”, como é o caso da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 241

Ressalta-se, porém, que o princípio da igualdade não deve ser aplicado de

forma absoluta, ou seja, ele apenas proíbe as diferenciações arbitrárias, do que se

infere que as distinções apenas podem ser promovidas se respeitados “critérios

objetivos e racionais adequados ao fim visado pela diferenciação.”242

Neste sentido, Alexandre de Moraes destaca:

A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos.243

Vale frisar que comumente tem-se a concepção de que o princípio da

igualdade se dirige ao legislador de forma primária, isto é, a limitação imposta por

este princípio é destinada ao legislador, sendo a lei inconstitucional se violar tal

limitação. Entretanto, é também uma regra que deve ser respeitada pelo juiz ao

interpretar a lei, de maneira a não criar distinções. Segundo José Afonso da Silva:

O princípio da igualdade jurisdicional ou perante o juiz apresenta-se, portanto, sob dois prismas: (1) como interdição ao juiz de fazer distinção entre situações iguais, ao aplicar a lei; (2) como interdição ao legislador de editar leis que possibilitem tratamento desigual a situações iguais ou tratamento igual a situações desiguais por parte da Justiça.244

Alexandre de Moraes, em contrapartida, entende que o princípio da

igualdade apresenta três finalidades limitadoras, quais sejam: em relação ao

legislador, ao intérprete e ao particular. O legislador ao editar uma norma não pode

criar diferenciações arbitrárias ou abusivas, “sem qualquer finalidade lícita”, sob

241 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 211. 242 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. p. 283. 243 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. p. 32. 244 SILVA. José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 218.

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pena de torná-la inconstitucional. Quanto ao intérprete é vedada a aplicação de “leis

e atos normativos aos casos concretos de forma a criar ou aumentar desigualdades

arbitrárias.” Por fim, “o particular não poderá pautar-se por condutas discriminatórias,

preconceituosas ou racistas, sob pena de responsabilidade civil e penal.”245

Assim, sendo a igualdade uma norma constitucional, apenas a Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988 pode especificar, de forma legítima, as

suas exceções.246

No mais, acrescenta-se que a igualdade apresenta variantes, classificadas

como igualdade material e igualdade formal. Luciano Dalvi explica cada uma delas:

a) Igualdade formal – É uma igualdade positivista, sem analisar a subjetividade inerente a cada indivíduo. Considera que todos os indivíduos são iguais perante a lei, sem analisar suas qualificações personalíssimas (idade, sexo, profissão etc.). É uma igualdade somente nominal, pois substancialmente é desigual. b) Igualdade material – Consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade. É concreta e pode ser percebida em todo o campo social e legal. Recentemente promulgado o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), coaduna diretamente com essa igualdade, dando tratamento diferenciado para os idosos.247

No mesmo sentido, ensinam Sylvio Motta e Willian Douglas que a isonomia

formal, prevista no caput do artigo 5° da Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988, é aquela que objetiva a “igualdade de todos perante a lei”, porém,

através desta, não há meios de impedir a ocorrência das desigualdades de fato.248

Quanto à igualdade material, é aquela que busca o “tratamento uniforme de

todos os homens perante a vida com dignidade”, no entanto não há Estado que já a

tenha alcançado, não deixando de ser mera utopia, opinam Sylvio Motta e Willian

Douglas.249

Sobre a igualdade material, Stela Valéria Soares de Farias Cavalcanti tece a

seguinte observação:

245 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. p. 32. 246 FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Curso de Direito Constitucional. p. 284 . 247 DALVI, Luciano. Curso de Direito Constitucional. p. 94. 248 MOTTA, Sylvio e DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional: teoria, jurisprudência e 1000 questões. p. 63. 249 MOTTA, Sylvio e DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional: teoria, jurisprudência e 1000 questões. p. 63-64.

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A igualdade material é a última escala de evolução do princípio da igualdade no constitucionalismo do século XX. Para as constituições contemporâneas não é suficiente concretizar a igualdade formal nas leis. Aqui está um dos mais importantes mandamentos do Estado Social e Democrático de Direito: para conseguir a igualdade material às vezes se faz necessário sacrificar a igualdade formal. [...] O princípio da igualdade material requer dos Estados a obrigação de atuar na sociedade para conseguir a igualdade real dos cidadãos, por meio da criação de programas e ações, visando à implementação de políticas públicas eficazes. Por isso, enquanto as desigualdades devem ser perpetuamente combatidas, as diferenças, quando não contrárias à dignidade humana, hão de ser estimuladas e apoiadas. Estes argumentos possibilitam a utilização de ações em favor das minorias, incluindo-se nesta relação as mulheres, com a finalidade de diminuir as desigualdades. 250

Do ponto de vista de Walter Ceneviva:

O ideal ético da igualdade rigorosa de todos, ainda que só perante a lei, se encontra repetido em Constituições de ditaduras e de democracias. Nesse nível, seu significado é formal, tem um objetivo idealístico não realizável no plano dos seres humanos, pois dá garantia ao segmento dominante da sociedade. Na aplicação específica para situações concretas (p. ex.: relações funcionais), o ideal ético é constantemente invocado e orienta a exegese dos operadores do direito, que se servem de elementos objetivos para a determinar (p. ex.: funções, tempo de serviço e grau universitários iguais).251

Ainda, a respeito do mesmo assunto, cabe acrescentar a doutrina de Stela

Valéria Soares de Farias Cavalcanti:

Na história do Estado de Direito, duas noções têm sido recorrentes na construção das bases doutrinárias para a igualdade entre os seres humanos. De um lado, na acepção de igualdade formal, fala-se na necessidade de vedar ao Estado toda sorte de tratamento discriminatório negativo, ou seja, de proibir todos os atos administrativos, judiciais ou expedientes normativos do Poder Público que visem à privação do gozo das liberdades públicas fundamentais do indivíduo com base em critérios suspeitos tais

250 CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. Violência doméstica: análise artigo por artigo da lei “maria da penha”, nº 11.340/06. 2008. p. 117-118. 251 CENEVIVA, Walter. Direito Constitucional Brasileiro. 3. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 57.

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como a raça, a religião ou classe social. De outro, sustenta-se que, além, de não discriminar arbitrariamente, deve o Estado promover a igualdade material de oportunidades por meio de políticas públicas e leis que atentem para as especificidades dos grupos menos favorecidos, compensando, desse modo, as eventuais desigualdades de fato decorrentes do processo histórico e da sedimentação cultural.252

A respeito do assunto, discorre Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

A uniformização do direito não significa, todavia, que não haja distinções no tratamento jurídico. As distinções são, ao contrário, uma própria exigência da igualdade. [...] Dar ao menor o tratamento dado ao maior, e vice-versa, seria flagrante injustiça e desigualização, no fundo. Mas distinção não é discriminação, na medida em que a diferenciação “compensa” a desigualdade e por isso serve a uma finalidade de igualização [...]. Entretanto, se a diferenciação é arbitrária, se ela não se coaduna com a natureza da desigualdade, não leva ela à igualdade, mas ao privilégio, a uma discriminação. É esta, pois, em síntese uma diferenciação dasarrazoada ou arbitrária.253

Acrescenta-se assim que com a finalidade de concretizar o princípio

constitucional da igualdade material e, buscando-se neutralizar os efeitos

decorrentes da discriminação (envolvendo raça, gênero, idade, origem nacional e

compleição física) são criadas as ações afirmativas, também denominadas

discriminação positiva ou ação positiva:

As ações afirmativas são medidas temporárias e especiais, tomadas ou determinadas pelo Estado, de forma compulsória ou espontânea, com o propósito específico de eliminar as desigualdades que foram acumuladas no decorrer da história pela sociedade. As ações afirmativas estão diretamente relacionadas a todas as maneiras de se efetivar, de forma concreta, o princípio da igualdade jurídica. Por meio delas, possibilitar-se-á aos grupos minoritários o reconhecimento formal através de uma forma de tutela positiva advinda do Estado legislador, com o objetivo específico de corrigir as desigualdades históricas.254

252 CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. Violência doméstica: análise artigo por artigo da lei “maria da penha”, nº 11.340/06. 2008. p. 115. 253 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 114. 254 CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. Violência doméstica: análise artigo por artigo da lei “maria da penha”, nº 11.340/06. 2008. p. 134.

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Logo, as ações afirmativas consistem em distinções que beneficiem

determinados grupos, a fim de igualá-los a outros, como os negros aos brancos e as

mulheres aos homens, por isso que são considerados, nestas situações, os grupos a

que pertencem e não os indivíduos isoladamente.255

Para Amini Haddad Campos e Lindinalva Rodrigues Corrêa:

As iniciativas de ações afirmativas visam corrigir a discrepância entre o ideal igualitário predominante e/ou legitimado nas sociedades democráticas modernas e um sistema de relações sociais assinalado pela desigualdade e hierarquia. Tal fórmula tem abrigo em diversos dispositivos do ordenamento jurídico brasileiro precisamente por constituir um corolário ao princípio da igualdade.256

Neste sentido, para que as ações afirmativas sejam consideradas

constitucionais, alguns critérios devem ser observados:

1) A identificação do grupo desfavorecido, e seu âmbito, deve ser objetivamente determinada. Regra de objetividade; 2) A medida do avantajamento decorrente das regras deve ser ponderada em face da desigualdade a ser corrigida. Regra de medida ou proporcionalidade; 3) As normas de avantajamento devem ser adequadas à correção do desigualamento a corrigir. Regra de adequação. Tal adequação se exprime na sua racionalidade. Por isso, é também esta uma regra de razoabilidade; 4) A finalidade dessas normas deve ser a correção de desigualdades sociais. Regra de finalidade; 5) As medidas, como aponta a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, devem ser temporárias. Regra de temporariedade. A esses critérios pode-se acrescentar um outro, um critério reverso: 6) A não-onerosidade (excessiva) para outros grupos ou para a sociedade como um todo. É uma regra de prudência: Não cabe na vida social e política o absoluto [...]. Trata-se de uma condição que, por um lado, deflui do próprio princípio da igualdade. Realmente, uma de suas projeções é a igualdade quanto aos encargos. Disto, deriva a regra da proporcionalidade do ônus decorrente do tratamento diferenciado

255 FERREIRA FILHO, Manoel, Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 115-116. 256 CAMPOS, Amini Haddad; CORRÊA, Lindinalva Rodrigues. Direitos Humanos das Mulheres: doutrina, prática, jurisprudência, modelos, direito comparado, estatísticas, estudo de casos, comentários à lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), legislação internacional e coletânea de normas. Curitiba: Juruá, 2008. p. 111.

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em relação aos ônus a serem suportados pelos outros grupos sociais.257

Contudo, essa discriminação positiva é uma questão ainda controversa,

essa possibilidade de determinadas pessoas serem beneficiadas por um tratamento

diferenciado provoca polêmica, tendo em vista que parece ser contrário à tradição

jurídico-filosófica, ainda que seja para compensar as desigualdades existentes de

fato.258

Mas, incontestável é que com a apresentação deste princípio, a

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 inicia o capítulo dos direitos

individuais e no decorrer dos seus incisos o reforça por várias vezes, como por

exemplo, no artigo 5°, inciso I259, da Constituição da República Federativa do Brasil

de 1988, quando estipula a igualdade entre homens e mulheres, análise que segue.

2.2.3 Da Igualdade entre Homens e Mulheres

Da leitura da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

percebe-se claramente que o ideal de igualdade entre homens e mulheres encontra-

se previsto no inciso I do seu artigo 5°.260

Esse dispositivo contempla a luta das mulheres contra as discriminações

sofridas por décadas no país. Aqui, esta igualdade não é aquela formal, perante a

lei, e sim a igualdade em direitos e obrigações. Assim, caso haja tratamento desigual

257 FERREIRA FILHO, Manoel, Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 115-116. 258 CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. Violência doméstica: análise artigo por artigo da lei “maria da penha”, nº 11.340/06. 2008. p. 136. 259 CRFB/88, Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>, acesso em 15 out. 2008). 260 CRFB/88, Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>, acesso em 15 out. 2008).

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entre homens e mulheres, que envolvam situações pertinentes a ambos os sexos,

haverá, conforme visto anteriormente, afronta à Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, a não ser que a própria Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988 promova discriminações benéficas à mulher, ocasião

em que torna a discriminação positiva.261

Nos dizeres de Alexandre de Moraes:

A correta interpretação desse dispositivo torna inaceitável a utilização do discrímen sexo, sempre que o mesmo seja eleito com o propósito de desnivelar materialmente o homem da mulher; aceitando-o, porém, quando a finalidade pretendida for atenuar os desníveis. Conseqüentemente, além de tratamentos diferenciados entre homens e mulheres previstos pela própria constituição (arts. 7°, XVIII e XIX; 40, § 1°; 143, §§ 1° e 2°; 201, § 7°), poderá a legislação infraconstitucional pretender atenuar os desníveis de tratamento em razão do sexo.262

Fernando Capez compartilha da mesma opinião:

No que toca à igualdade entre homens e mulheres, a CF assinalara, em seu art. 3.°, IV, o objetivo de afastar qualquer forma de preconceito, e, em seu art. 7.°, XXX, que não poderá haver diferença de salário para a mesma função, em razão de diferença de sexo (idade, cor ou estado civil), o que se coaduna perfeitamente com a exigência de tratamento isonômico para homens e mulheres. Também no art. 226, § 5°, está disposto que direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. Só valem as discriminações feitas pela própria CF e sempre em favor da mulher [...].263

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 prevê tratamento

diferenciado para a mulher, como é o caso da proteção especial ao mercado de

trabalho (artigo 7°, XX264), dispensa do serviço militar obrigatório (artigo 143, § 2°265)

e licença maternidade de 120 dias (artigo 7°, XVIII266).267

261 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 217. 262 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. p. 39. 263 CAPEZ, Fernando. Direito Constitucional. p. 232. 264 CRFB/88, Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>, acesso em 17 out. 2008). 265 CRFB/88, Art. 143, § 2º - As mulheres e os eclesiásticos ficam isentos do serviço militar obrigatório em tempo de paz, sujeitos, porém, a outros encargos que a lei lhes atribuir.

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Como bem afirma Stela Valéria Soares de Farias Cavalcanti, existe um

grande abismo entre homens e mulheres em razão de três fatores, quais sejam

preconceito, discriminação e violência, motivo pelo qual a aplicação de ações

afirmativas no sentido de equilibrar as relações entre homens e mulheres, é

necessária no Brasil, visando, desta forma, a concretização do princípio

constitucional da igualdade entre homens e mulheres. Inclusive, percebe-se uma

diferença na evolução dos direitos das mulheres, o que a autora, historicamente,

explica:

Em virtude da constatação empírica da existência, em vários países, de inúmeras formas de violações de direitos humanos das mulheres (à igualdade, liberdade e não discriminação, por meio da violência de gênero e doméstica), o movimento feminista lutou bravamente em meados do século XX pelo reconhecimento dos direitos das mulheres como direitos humanos, por uma plataforma internacional de combate à violência contra a mulher e pela inclusão da violência contra a mulher como crime contra a humanidade. [...] A tese de que os direitos das mulheres são direitos humanos é simultaneamente simples e complexa. De um lado, as mulheres são metade da humanidade, de outro lado, é radical e potencialmente transformadora, uma vez que denuncia que as mulheres não gozam ainda do respeito que lhes é devido como seres humanos. 268

A respeito dos aspectos culturais incentivadores da discriminação da

mulher, explica Sérgio Ricardo de Souza:

Na verdade não só no Brasil, mas igualmente em diversas outras culturas, ainda predomina um sentimento, em maior ou menor grau, de que a mulher goza de um status inferior ao do homem, sendo que isso se expressa em costumes, piadas, discriminações no âmbito trabalhista e até mesmo em letras de músicas, dentre outros, servindo para perpetuar o desrespeito continuado aos direitos humanos da mulher, enquanto membro da raça humana, merecendo

(Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>, acesso em 17 out. 2008). 266 CRFB/88, Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>, acesso em 17 out. 2008). 267 CENEVIVA, Walter. Direito Constitucional Brasileiro. p. 57-58. 268 CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. Violência doméstica: análise artigo por artigo da lei “maria da penha”, nº 11.340/06. 2008. p. 111-114.

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destacar que reiteradamente têm caído os mitos que serviram para justificar por séculos essas atitudes discriminatórias.269

Assim, uma vez que os direitos das mulheres são reconhecidos como

direitos humanos, os Estados passam a assumir responsabilidades pelos abusos

cometidos perante os demais. Ressalta-se que o próprio Estado Brasileiro é

signatário de diversas convenções e pactos de direitos humanos das mulheres, o

que significa que assumiu o compromisso de promover a igualdade de gênero e o

cumprimento dos direitos humanos, especialmente das mulheres, por estarem em

situação de maior vulnerabilidade. Ainda, quanto ao reconhecimento dos direitos

humanos das mulheres:

[...] permite definir, analisar e articular as experiências das mulheres de violação de seus direitos e permite fazer exigências em termos que a comunidade internacional já aceitava, nomeadamente para alguns grupos, como, por exemplo, os grupos étnicos.270

E é neste sentido que surge a tão debatida Lei Maria da Penha.

Assim, passa-se ao estudo da Lei Maria da Penha, objeto da pesquisa, para

análise dos seus principais artigos e inovações trazidas ao ordenamento jurídico

brasileiro, as quais provocam grande discussão a respeito da sua

constitucionalidade material frente o Princípio da Igualdade.

269 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. Curitiba: Juruá, 2007. p. 42. 270 CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. Violência doméstica: análise artigo por artigo da lei “maria da penha”, nº 11.340/06. 2008. p. 112-114.

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3 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E A LEI MARIA DA PENHA

Passa-se à análise da Lei n.º 11.340/06, conhecida como Lei Maria da

penha, que tem causado muita repercussão no mundo jurídico. As discussões

referem-se à sua constitucionalidade frente o Princípio Constitucional da Igualdade,

objeto da presente pesquisa, contudo antes de abordar o foco do trabalho, convém

estudar a Lei Maria da Penha, seus principais artigos e as inovações trazidas ao

ordenamento jurídico.

3.1 DA LEI MARIA DA PENHA NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

Os papéis exercidos pelo homem e pela mulher na relação doméstica,

familiar ou afetiva passam por um período de grandes mudanças, ocasionadas por

vários fatores, como as descobertas dos métodos contraceptivos e as lutas

emancipatórias do movimento feminista. Hoje, a mulher faz parte do mercado de

trabalho, por exemplo, o que enseja uma nova postura do homem em relação aos

cuidados do lar, conseqüentemente o parâmetro preestabelecido deixa de ser

seguido, ocasionando conflitos entre o homem e essa nova mulher.271

Maria da Penha Maia Fernandes foi uma vítima da violência contra a mulher

no Brasil. Seu ex-marido, o professor universitário e economista M. A. H. V., tentou

contra sua vida por duas vezes. Na data de 29 de maio de 1983 ela foi baleada e,

como conseqüência, Maria da Penha ficou paraplégica. Passados alguns dias,

pouco mais de uma semana, enquanto ela tomava banho, M. A. H. V. tentou

eletrocutá-la através de uma descarga elétrica.272

A investigação dos fatos teve início em junho de 1983, sendo oferecida a

denúncia apenas em setembro de 1984. M. A. H. V. foi condenado, em 1991, pelo

Tribunal do Júri a oito anos de prisão. Recorreu em liberdade e após um ano seu 271 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 17. 272 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. Curitiba: Juruá, 2007. p. 30-34.

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julgamento foi anulado. Em novo julgamento, no ano de 1996, foi condenado a uma

pena de dez anos e seis meses, recorreu novamente em liberdade e apenas em

2002 foi preso, destes cumpriu apenas dois anos.273

Em razão do ocorrido, Maria da Penha juntamente com o Centro pela

Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano e do Caribe

para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) procederam à denúncia do país à

Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados

Americanos, tendo em vista sua omissão no implemento de medidas investigativas e

punitivas contra o agressor no chamado prazo razoável de duração do processo. 274

Por sua vez, a Comissão solicitou informações acerca do ocorrido ao

governo brasileiro por quatro vezes, não obtendo resposta. No ano de 2001, o Brasil

foi condenado internacionalmente ao pagamento de indenização em favor de Maria

da Penha, e responsabilizado “por negligência e omissão em relação à violência

doméstica, recomendando a adoção de várias medidas”, como por exemplo:

“simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o

tempo processual.”275

Em conseqüência, como bem afirma Stela Valéria Soares de Farias

Cavalcanti:

[...] as organizações não-governamentais brasileiras e estrangeiras com sede no Brasil iniciaram discussões entre si e com representantes da Secretaria Especial de Políticas para as mulheres, com finalidade de elaborar o texto da proposta de lei que incluísse políticas públicas de gênero, medidas de proteção às mulheres vítimas e punição mais rigorosa para os agressores. Muito embora a iniciativa legislativa tenha sido do próprio Poder Executivo, que apresentou o PL n.° 4.559 no final de 2004, ele foi fruto de anos de discussões entre o Governo brasileiro, a comunidade internacional, de organizações governamentais e também do apelo de milhares de mulheres brasileiras vítimas de discriminação de gênero, agressões físicas, psicológicas e sexuais no seio familiar. Assim, o projeto de lei foi concebido e encaminhado ao Congresso Nacional, encontrando ambiente favorável para tramitar e ser

273 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 13. 274 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. Curitiba: Juruá, 2007. p. 30-32. 275 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 14.

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aprovado primeiramente na Câmara e, no dia 4 de julho de 2006, no Senado Federal (PLC 37/06), criando mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil – VDFM.276

Em relação ao histórico da aprovação, explica-se de forma breve, que foi

criado o Grupo de Trabalho Interministerial, responsável pela criação do projeto de

Lei nº 4.559 de 2004, encaminhado ao Congresso Nacional na data de 03 de

dezembro de 2004, pelo Presidente da República. Tal grupo foi composto pelos

seguintes órgãos:

Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) da Presidência da República (coordenação); Casa Civil da Presidência da República; Advocacia-Geral da União; Ministério da Saúde; Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República; Ministério da Justiça e Secretaria Nacional de Segurança Pública.277

Fabrício da Mota Alves afirma que, embora as inovações tenham sido

incluídas na proposta pelo Poder Executivo, a Câmara dos Deputados e o Senado

Federal também contribuíram com a proposta original. Enquanto que a Câmara

formou três comissões para análise da proposta e promoveu reuniões, seminários e

audiências públicas em todo o país. O Senado contribuiu por meio de sua Comissão

de Constituição, Justiça e Cidadania, revisando o texto do projeto na íntegra e

aprovando o Projeto de Lei da Câmara 37/06.278

Enfim, em 07 de agosto de 2006 foi sancionada a Lei n.° 11.340/2006 pelo

Presidente da República, que entrou em vigor em 22 de setembro do mesmo ano.279

Esclarece-se que a Lei Maria da Penha tem por finalidade atender ao

compromisso constitucional de que a família tem proteção especial do Estado e de

276 CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. Violência doméstica: análise artigo por artigo da lei “maria da penha”, nº 11.340/06. 2008. p. 184. 277 ALVES, Fabrício da Mota. Lei Maria da Penha: das discussões à aprovação de uma proposta concreta de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1133, 8 ago. 2006. (Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8764>. Acesso em: 13 out. 2008). 278 ALVES, Fabrício da Mota. Lei Maria da Penha: das discussões à aprovação de uma proposta concreta de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1133, 8 ago. 2006. (Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8764>. Acesso em: 13 out. 2008). 279 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 14.

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que será assegurada a sua assistência, no sentido de serem criados mecanismos

com o fim de coibir a violência doméstica contra a mulher.280

Além disso, a ementa da Lei Maria da Penha281 refere-se às Convenções

sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e

sobre a Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a

Mulher.282

Neste sentido, registra Maria Berenice Dias, que essa referência atende à

recomendação da Organização dos Estados Americanos, em razão da

condenação imposta ao Brasil, revelando uma nova postura frente aos tratados

internacionais283 sobre os direitos humanos.284

280 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 27. 281 Lei n.° 11.340/06, Ementa: Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>, acesso em 12 out. 2008). 282 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 27. 283 Nos termos do art. 5º, § 1º e § 2º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, as normas presentes em tratados internacionais terão aplicação imediata e serão equiparadas às constitucionais. Estas normas, desde que aprovadas pelo Legislativo e promulgadas pelo Presidente da República, posicionam-se no ordenamento jurídico na forma de lei ordinária, incluindo-se as normas referentes a direitos humanos. Os tratados e os atos internacionais são aprovados pelo Congresso Nacional por meio da edição de decreto legislativo, o que autoriza o Presidente da República a promover a ratificação em nome da República Federativa do Brasil através da edição de decreto presidencial. Somente após esse procedimento, as normas provenientes dos tratados internacionais adquirem executoriedade no âmbito interno. Ainda, a Emenda Constitucional n.º 45/2004 acrescentou o § 3º do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o qual dispõe que os tratados e as convenções internacionais sobre direitos humanos são equivalentes às emendas constitucionais e, para tanto, devem ter aprovação de três quintos de cada uma das Casas do Congresso Nacional, em dois turnos, e por três quintos do votos dos seus membros. Desta maneira, depende do Congresso Nacional o status que será dado aos tratados internacionais em questão, que tanto podem ter caráter ordinário (art. 49, I, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988) como constitucional, nos moldes acima, sempre conforme o quorum da aprovação. Assim a Lei em questão, “que vem regulamentar direitos assegurados a nível internacional, ratificados pelo Brasil por meio de tratados sobre direitos humanos, tem natureza constitucional.” (DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 29-31).

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Vale, inclusive, recordar o primeiro instrumento internacional que dispôs

sobre os direitos da mulher, de forma ampla, a Convenção sobre a Eliminação de

Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher285, em vigor desde 1981,

resultado da I Conferência Mundial sobre a Mulher realizada no México, em 1975. 286

De acordo com esta Convenção, há a possibilidade de serem criadas

“ações afirmativas abarcando áreas como trabalho, saúde, educação, direitos civis e

políticos, estereótipos sexuais, prostituição e família”, tendo a intenção de “promover

os direitos da mulher na busca da igualdade de gênero e reprimir quaisquer

discriminações contra a mulher.”287

Também conhecida por Convenção da Mulher ou Convenção CEDAW, o

seu comitê trouxe algumas recomendações como a de que “os Estados participantes

devem estabelecer legislação especial sobre a violência doméstica e familiar contra

a mulher.”288

Entretanto, foi apenas no ano de 1993, em Viena, que a Conferência das

Nações Unidas sobre direitos humanos reconheceu a violência contra a mulher

como uma violação aos direitos humanos.289

Ainda, no que se refere à Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e

Erradicar a Violência Doméstica290, também conhecida por Convenção de Belém do

284 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 27. 285 Foi aprovada pela Organização das Nações Unidas em 1979, mas entrou em vigor apenas em 1981 e ratificada pelo Brasil em 1984. “A Convenção fundamenta-se na obrigação dos Estados de assegurar a igualdade entre homens e mulheres e eliminar todos os tipos de discriminação contra a mulher.” (Disponível em <http://www.patriciagalvao.org.br/apc-aa-patriciagalvao/home/noticias.shtml?x=59>, acesso em 31 ago 2008). 286 PIMENTEL, Silvia apud DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 28. 287 PIMENTEL, Silvia apud DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 28. 288 PIMENTEL, Silvia apud DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 28. 289 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 28. 290 A Convenção foi adotada por aclamação na Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos na data de 09.06.1994. Sendo ratificada pelo Brasil na data de 27.11.1995, “a Convenção de Belém do Pará constitui um grande avanço ao definir a

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Pará, esta foi aprovada pelo Congresso Nacional e promulgada pelo Presidente da

República,291 com status de lei ordinária.292

Importa destacar que o artigo 1º da referida Convenção trouxe o conceito de

violência contra a mulher293, sendo considerado este tipo de violência como um

“grave problema de saúde pública.”294 Neste sentido, contudo, discorrem os

doutrinadores a respeito do conceito de violência doméstica contra a mulher.

3.2 DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, FAMILIAR OU AFETIVA CONTRA A MULHER

Considerando a preocupação da Lei Maria da Penha em criar mecanismos

para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, convém identificar o

conceito do seu objeto.295

Todavia, para chegar-se a esse conceito é necessária a conjugação do

disposto nos artigos 5º e 7º contidos na Lei Maria da Penha,296 qual seja que a

violência contra as mulheres e recomendar aos governos das Américas a adoção de medidas para prevenir, punir e erradicar esse tipo de violência. A Convenção de Belém do Pará garante às mulheres: o respeito de sua integridade física, mental e moral; o direito à liberdade e à segurança pessoais; o direito à dignidade inerente à sua pessoa e à proteção de sua família; o direito à igual proteção perante a lei e da lei; e o direito à igualdade de acesso às funções públicas de seu país, inclusive na tomada de decisões.” (Disponível em <http://www.violenciamulher.org.br/apc-aa-patriciagalvao/home/noticias.shtml?AA_SL_Session=839a3458e88d7070ca9897a6058e3061&x=58>, acesso em 30 ago. 2008). 291 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 28-29. 292 CAVALCANTI. Stela Valéria Soares de Farias. Violência doméstica: análise artigo por artigo da lei “maria da penha”, nº 11.340/06. p. 178. 293 Para os efeitos desta Convenção deve-se entender por violência contra a mulher qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado. (Disponível em <http://74.125.45.104/search?q=cache:knCZrIntoAAJ:www.mulheres.org.br/violencia/leis/Conven%25E7%25E3o%2520de%2520Bel%25E9m%2520do%2520Par%25E1.doc+Conven%C3%A7%C3%A3o+de+Bel%C3%A9m+do+Par%C3%A1&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=1&gl=br>, acesso em 13 out. 2008). 294 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 29. 295 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 39.

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violência doméstica consiste em qualquer uma das ações relacionadas no artigo por

último citado (o qual se refere à violência física, psicológica, sexual, patrimonial ou

moral), praticadas no âmbito do artigo 5°.297

Contudo, cabe salientar que a violência de gênero, a violência doméstica e

a violência contra as mulheres, apesar de serem vinculadas entre si, não são

sinônimos, especialmente no que se refere ao seu âmbito de atuação.298

A violência de gênero abrange todos os atos praticados contra as mulheres,

ou seja, aqueles destinados a “submetê-las a sofrimento físico, sexual e

psicológico”, sendo assim este tipo gênero e espécies as demais.299

De acordo com Stela Valéria Soares de Farias Cavalcanti:

296 Lei n.° 11.340/06, Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. Lei n.° 11.340/06, Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>, acesso em 20 de out. de 2008). 297 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 40. 298 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. p. 35. 299 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. p. 35.

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A violência contra a mulher é conceito mais amplo, pode ser considerada crime ou não. É o gênero do que são espécies várias formas de violência como a institucional, sexual, assédio moral, espiritual, doméstica e familiar, entre outras.300

Ainda, ensina Sérgio Ricardo de Souza que a violência contra as mulheres é

aquela praticada tanto no grupo familiar como nos demais âmbitos sociais, tendo

como sujeito passivo uma mulher. Já, a violência doméstica, familiar ou intrafamiliar

refere-se àquela praticada no âmbito do domicílio, residência ou local onde habita

um grupo familiar, por outro membro do mesmo grupo, pouco importando o sujeito

passivo para sua caracterização. Assim, o relevante aqui é o aspecto espacial.301

E, enfim, o caput do artigo 5º da Lei Maria da Penha estabelece o conceito

legal de violência doméstica, sendo que seus incisos limitam os campos de

abrangência, quais sejam: a unidade doméstica (inciso I), a familiar (inciso II) e

qualquer relação íntima de afeto (inciso III).

Ressalta-se que o legislador ao se referir à unidade doméstica (inciso I) teve

a intenção de estabelecer que a conduta deva ter sido praticada em razão desta

unidade da qual a vítima participa.302

Neste sentido, explicam Amini Haddad Campos e Lindinalva Rodrigues

Corrêa:

Aqui, inclusive, abre-se parêntese para afirmar que a empregada doméstica que possui algum vínculo com o agressor ou agressora, em razão do tempo significativo do serviço prestado ou mesmo pelas relações de afeto adquiridas com o passar dos anos, pode ser sujeito passivo deste delito.303

Na seqüência, quanto à família (inciso II), a lei refere-se à união constituída

tanto pelo casamento como pela união estável, à família monoparental (aquela

constituída por um dos pais e seus descendentes), à família anaparental (formada

300 CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. A violência contra a mulher no Brasil. p. 38-39. 301 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. p. 35-36. 302 MISAKA, Marcelo Yukio apud DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 42-43. 303 CAMPOS, Amini Haddad; CORRÊA, Lindinalva Rodrigues. Direitos Humanos das Mulheres: doutrina, prática, jurisprudência, modelos, direito comparado, estatísticas, estudo de casos, comentários à lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), legislação internacional e coletânea de normas. Curitiba: Juruá, 2008. p. 226.

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entre irmãos), à família homoafetiva e à família paralela (ocasião em que o homem

mantém duas famílias).304

E, no que se refere à relação íntima de afeto (inciso III), compreendem-se

as relações de namoro e noivado, ainda que a vítima e o agressor não convivam na

mesma residência, desde que a causa da violência seja esta relação.305

Quanto seu objeto, portanto, resume Sérgio Ricardo de Souza:

[...] a lei direciona-se especialmente a combater os fatos ocorridos no âmbito doméstico, familiar ou intrafamiliar, ao passo que no contexto subjetivo, a preocupação é a proteção da mulher, contra os atos de violência praticados por homens ou mulheres com os quais ela tenha ou haja tido uma relação marital ou de afetividade, ou ainda por qualquer pessoa (não importando sequer a orientação sexual), com as quais conviva no âmbito doméstico e familiar, tais como: o pai, o irmão, o cunhado, a filha, o filho, a neta, o neto etc., ou com quem mantenha ou já tenha mantido relação de intimidade, não havendo em relação a essas pessoas a exigência de que a violência tenha ocorrido no âmbito físico-espacial do lugar de convivência, podendo ocorrer em qualquer lugar.306

Assim, da análise do artigo citado, para a configuração do delito não se faz

necessário que a vítima e o agressor residam juntos. O que importa é que ambos

mantenham ou já tenham mantido vínculo de natureza familiar, doméstica ou de

afetividade.307

Nos termos do artigo 7º, a violência doméstica e familiar contra a mulher

pode ser física (inciso I), psicológica (inciso II), sexual (inciso III), patrimonial (inciso

IV) e moral (inciso V), sendo um rol não exaustivo, considerando que apresenta a

expressão “entre outras” ao final do caput.

Salienta-se que a Lei Maria da Penha não apresenta tipos penais próprios,

somente se refere aos já existentes no ordenamento jurídico brasileiro, modificando-

304 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 43-44. 305 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 45-46. 306 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. p. 36-37. 307 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 40.

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os ao acrescentar circunstâncias qualificadoras ou agravantes e alterando as

penas.308

Conforme doutrina Marcelo Yukio Misaka:

Preocupou-se o legislador não só em definir a violência doméstica e familiar. Também especificou suas formas, até porque, no âmbito do Direito Penal, vigoram os princípios da taxatividade309 e da legalidade310, sede em que não se admitem conceitos vagos. 311

Verificado o objeto da Lei Maria da Penha, tanto o conceito como o âmbito

de abrangência dos crimes em questão, passa-se à análise dos sujeitos ativo e

passivo.

3.3 DOS SUJEITOS ATIVO E PASSIVO

Sérgio Ricardo de Souza entende que, para fins da Lei Maria a Penha, tanto

o homem como a mulher podem ser sujeitos ativos, contanto que haja o vínculo

descrito anteriormente e que a vítima seja uma mulher será caracterizada a violência

doméstica, não importando o gênero do agressor.312

308 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. p. 53. 309 Princípio da Taxatividade: “A lei penal deve ser precisa, uma vez que um fato só será considerado criminoso se houver perfeita correspondência entre ele e a norma que o descreve. A lei penal delimita uma conduta lesiva, apta a pôr em perigo um bem jurídico relevante, e prescreve-lhe uma conseqüência punitiva. Ao fazê-lo, não permite que o tratamento punitivo cominado possa ser estendido a uma conduta que se mostre aproximada ou assemelhada. É que o princípio da legalidade, ao estatuir que não há crime sem lei anterior que o defina, exigiu que a lei definisse (descrevesse) a conduta delituosa em todos os seus elementos e circunstâncias, a fim de que somente no caso de integral correspondência pudesse o agente ser punido.” (CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. 11. ed. 11v. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 43). 310 Princípio da Legalidade: CRFB/88, Art. 5°, XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>, acesso em 12 out. 2008.) 311 MISAKA, Marcelo Yukio apud DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 46. 312 SOUZA, Sérgio Ricardo de apud DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 41.

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Há, porém, divergência na doutrina quanto ao assunto. Parcela da doutrina

entende que apenas o homem pode figurar nesta posição, ou a mulher que

mantenha uma relação homoafetiva com a vítima, nos termos do parágrafo único do

artigo 5º 313 da Lei Maria da Penha, por ser considerado crime de gênero314 o crime

de violência doméstica contra a mulher.315

Todavia corrente divergente interpreta a lei como se o legislador tivesse a

intenção de criar “mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar

contra a mulher”, pouco importando o gênero do agressor, desde que exista um

vínculo de “relação doméstica, de relação familiar ou de afetividade.” São partidários

desta corrente os juristas Luiz Flávio Gomes e Sérgio Ricardo de Souza, que tece, o

último, o seguinte comentário:

[...] a qual entendemos ser mais coerente e que dá menos ensejo a possíveis questionamentos quanto à constitucionalidade, já que trata igualmente homens e mulheres quando vistos sob a ótica do pólo ativo, resguardando a primazia à mulher apenas enquanto vítima, já que se apresenta inaceitável que no mesmo ambiente doméstico ou familiar o neto agrida fisicamente a avó e esteja sujeito às regras desta Lei, enquanto que a neta, nas mesmas condições pratique idênticos atos e não se submeta a tais regras.316

Logo, de acordo com tal entendimento, há a possibilidade de tanto o patrão

como a patroa serem sujeitos ativos de violência doméstica contra a empregada

doméstica, o neto ou a neta em relação à avó, a companheira da vítima no caso de 313 Lei n.° 11.340/06, Art. 5°. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>, acesso em 12 out. 2008). 314 “Crimes de gênero, então, são aqueles tipificados no art. 5° e incisos da Lei 11.340106 praticados por homem contra mulher que revele uma manifestação do patriarcado, ou seja, qualquer ação ou omissão "baseada no gênero" que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto. No patriarcado, a violência de gênero contra a mulher não se restringe apenas ao espaço doméstico ou familiar. Também ocorre, por exemplo, no trabalho com o assédio moral e sexual. Contudo; a nova Lei tipificou apenas aquelas violências que ocorrem na relação de afetividade, ou seja: no espaço privado das relações de gênero.” (Disponível em <http://www.mp.to.gov.br/cint/cesaf/arqs/240308031802.doc>, acesso em 31 ago. 2008). 315 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. p. 47. 316 GOMES, Luiz Flávio. BIANCHINI, Aline. Competência criminal da lei de violência contra a mulher. (Disponível em: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20060904210631861&mode=print), Acesso em: 15 jan. 2007. apud SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. p. 47).

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relação homoafetiva, conflitos entre mães e filhas e entre irmãs, sempre

considerando que a agressão tenha motivação de ordem familiar.317

Neste sentido, lecionam Amini Haddad e Lindinalva Rodrigues Corrêa:

Comete violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ascendente; descendente; irmão ou irmã; padastro ou madrasta; cônjuge; enteado ou enteada; companheiro ou companheira; convivente; namorado ou namorada, sendo certo que, nos casos de padastro ou madrasta, cônjuge, enteado ou enteada, companheiro, companheira ou convivente, independe se ainda perdurar o laço de afinidade, ou seja, o casamento, a união estável ou o namoro, podendo, por exemplo, o ex – companheiro ser autor do crime, assim como uma ex-madastra.318

Em contrapartida, Pedro Rui da Fontoura Porto ao apresentar

posicionamento diverso, afirma que agressões cometidas entre mulheres não são

consideradas violência de gênero, motivo pelo qual não se justifica a aplicação da

Lei Maria da Penha nesta situação.319

Não obstante, em relação ao sujeito passivo é necessário que seja uma

mulher, tendo em vista que “a tutela da norma é direcionada a proteger os Direitos

Humanos da mulher.”320

Stela Valéria Soares de Farias Cavalcanti, todavia, entende que qualquer

uma das pessoas elencadas no § 9º, do artigo 129321, do Código Penal, pode ser

sujeito passivo do delito de lesão corporal, nos moldes da Lei Maria da Penha,

sendo eles “ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro”.322

317 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 41. 318 CAMPOS, Amini Haddad; CORRÊA, Lindinalva Rodrigues. Direitos Humanos das Mulheres: doutrina, prática, jurisprudência, modelos, direito comparado, estatísticas, estudo de casos, comentários à lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), legislação internacional e coletânea de normas. p. 225. 319 PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência Doméstica e Familiar: Lei 11.340/06 análise crítica e sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 32. 320 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. p. 46. 321 CP, Art. 129, § 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm>, acesso em 12 out. 2008). 322 CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. Violência doméstica: análise artigo por artigo da lei “maria da penha”, nº 11.340/06. p.161.

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Ainda, apesar de não ser o foco da pesquisa, cabe salientar ponto inovador

da Lei Maria da Penha ao dispor no parágrafo único do artigo 5º que as relações

pessoais não dependem de orientação sexual. Este dispositivo acarreta enorme

repercussão, conforme afirma Maria Berenice Dias, “como é assegurada proteção

legal a fatos que ocorrem no ambiente doméstico, isso quer dizer que as uniões de

pessoas do mesmo sexo são entidades familiares.”323

Neste caso, estão incluídas tanto as esposas, companheiras e amantes

como as filhas, netas, mãe, sogra, avó e qualquer parente do agressor, com quem

mantenha vínculo familiar, incluindo também as lésbicas, os transgêneros, as

transexuais e as travestis que tenham identidade com o sexo feminino.324

Nos dizeres de Leonardo Barreto Moreira Alves, “pela primeira vez foi

consagrado, no âmbito infraconstitucional, a idéia de que a família não é constituída

por imposição da lei, mas sim por vontade dos seus próprios membros.”325

Seguindo o mesmo raciocínio, Iglesias Fernanda de Azevedo Rabelo

entende que muito contribuiu a Lei em tela no momento em que insere no conceito

de família as uniões homoafetivas, cumprindo a legislação seu papel de acompanhar

a evolução da sociedade.326

Contudo, observam Amini Haddad e Lindinalva Rodrigues Corrêa:

[...] que fique claro, somente a MULHER, assim considerada civil e biologicamente pode ser considerada como sujeito passivo, ou vítima do delito de violência doméstica e familiar contra a mulher, razões bem óbvias, mas que nunca é demais ressaltar, não podendo ser vítimas deste tipo penal os travestis ou transexuais, ainda que tiverem sido submetidos a cirurgia para mudança de sexo, vez que tal intervenção só altera a parte externa e interna da genitália humana, não tendo o poder, por si só, de transformar homens em mulheres, vez que não possuem o aparelho reprodutor

323 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 35. 324 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 41. 325 ALVES, Leonardo Barreto Moreira apud DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 35. 326 RABELO, Iglesias Fernanda de Azevedo; SARAIVA, Rodrigo Viana apud DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 38.

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feminino e outras peculiaridades próprias das pessoas do sexo feminino.327

No mais, no que se refere à co-autoria e à participação, leciona Sérgio

Ricardo de Souza que se a pessoa que figura no pólo ativo da violência doméstica

ou familiar contra a mulher for auxiliada por um terceiro, que não tenha ligação

alguma com a vítima, responderá, este terceiro, nos moldes do artigo 29328 do Código

Penal, ou seja, em concurso de agentes, e será aplicado o caput do artigo 79329 do

Código de Processo Penal (unidade de processo), sujeitando-se autores e partícipes

às regras previstas na Lei Maria da Penha.330

Todavia, neste momento, passa-se ao estudo de seu aspecto formal e

aplicação, como segue.

3.4 DA LEI N.° 11.340/06 – DISPOSIÇÕES GERAIS

Com a entrada em vigor da Lei Maria da Penha houve muitos avanços

significativos, dentre eles destacando Sérgio Ricardo de Souza a criação dos

Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, que, conforme previsto

em seu artigo 14331, possuem competência cível e criminal.332

327 CAMPOS, Amini Haddad; CORRÊA, Lindinalva Rodrigues. Direitos Humanos das Mulheres: doutrina, prática, jurisprudência, modelos, direito comparado, estatísticas, estudo de casos, comentários à lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), legislação internacional e coletânea de normas. p. 232-233. 328 CP, Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm>, acesso em 12 out. 2008). 329 CPP, Art. 79. A conexão e a continência importarão unidade de processo e julgamento, salvo. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil/Decreto-Lei/Del3689Compilado.htm>, acesso em 12 out. 2008). 330 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. p. 49. 331 Lei n.° 11.340/06, Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>, acesso em 12 out. 2008). 332 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. p. 87.

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Ainda, nos termos do artigo 27333, a vítima sempre deverá estar

acompanhada de advogado e será garantido, com base no artigo 28334, o seu acesso

aos serviços da Defensoria Pública335 e da Assistência Judiciária Gratuita.336

Da mesma forma, cabe ao juiz encaminhar a vítima e seus filhos a abrigos

seguros, de modo que possibilite a manutenção do vínculo empregatício, consoante

o artigo 9º, § 2º337; podendo, da mesma forma, estabelecer a separação de corpos,

fixar alimentos e, entre outras medidas, conforme disposto no artigo 24, inciso III338,

suspender procuração outorgada ao agressor.

No mais, de acordo com sua redação, o artigo 17339 proíbe que seja aplicada

ao agressor a pena pecuniária, multa ou entrega de cestas básicas340, bem como há

a possibilidade de ser a vítima incluída em programas assistenciais341

333 Lei n.° 11.340/2006, Art. 27. Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado, ressalvado o previsto no art. 19 desta Lei. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>, acesso em 12 out. 2008). 334 Lei n.° 11.340/2006, Art. 28. É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da lei, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>, acesso em 12 out. 2008). 335 [...] a Constituição deu um passo importante, prevendo, em seu art. 134, a Defensoria Pública como instituição essencial à função jurisdicional, incumbida da orientação jurídica e defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5°, LXXIV. (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 607). 336 A assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos vem configurada, relevantemente, como direito individual no art. 5°, LXXIV.Sua eficácia e efetiva aplicação, como outras prestações estatais, constituirão um meio de realizar o princípio da igualização das condições dos desiguais perante a Justiça. (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 607). 337 Lei n.° 11.340/06, Art. 9º, § 2° O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica: I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta; II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>, acesso em 12 out. 2008). 338 Lei n.° 11.340/06, Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras: III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>, acesso em 12 out. 2008). 339 Lei n.° 11.340/06, Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>, acesso em 12 out. 2008).

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Com efeito, outra novidade trazida é a possibilidade de a vítima (não sendo

necessário que esteja acompanhada de procurador ou defensor) requerer perante a

autoridade policial as medidas protetivas de urgência, tais como “separação de

corpos, alimentos, vedação de o agressor dela se aproximar, bem como de seus

familiares ou que seja ele proibido de freqüentar determinados lugares.”342

Para o requerimento, a vítima deve simplesmente relatar a ocorrência e

informar as suas necessidades, versando o artigo 12, inciso III343 que a autoridade

policial deverá encaminhar o expediente ao juiz e, se necessário, indicar as medidas

de proteção convenientes para o caso concreto, no prazo de quarenta e oito

horas.344

Além disso, destaca-se que todo um capítulo da Lei Maria da Penha

destina-se a apresentar as medidas protetivas de urgência, as quais têm a finalidade

de “assegurar à mulher o direito a uma vida sem violência”, ou seja, o próprio

objetivo da lei.345

O magistrado pode requisitar auxílio policial (a fim de garantir a efetividade

das medidas concedidas), podendo também decretar (com base no artigo 20 da Lei

Maria da Penha346), a prisão preventiva do agente.347

340 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 25. 341 Lei n.° 11.340/06, Art. 9°, § 1° O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>, acesso em 12 out. 2008). 342 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 80. 343 Lei n.° 11.340/06, Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal: III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>, acesso em 12 out. 2008). 344 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. p. 78. 345 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 78. 346 Lei n.° 11.340/06, Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial. Parágrafo único. O juiz

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De acordo com a legislação, ainda, a vítima não poderá mais ser

encarregada de entregar intimação ao seu agressor, mas deve ser pessoalmente

cientificada quando houver prisão ou liberação do agente (artigo 21).348

Da mesma forma, merece destaque o artigo 22, inciso II,349 que fixa caber

ao juiz determinar que o agressor afaste-se do lar e que não tenha mais contato com

a família.350

Por fim, no que se refere ao prazo de vigência das medidas, destaca Maria

Berenice Dias que elas “têm caráter satisfativo, não se aplicando à limitação

temporal imposta na lei civil.”351 Assim, a limitação temporal apenas existirá se for

imposta de forma expressa pelo juiz, pois, como entende a autora, caso contrário

poderia gerar situações perigosas.352

Maria Berenice Dias detalha o assunto:

Basta supor a hipótese de ter sido afastado o ofensor do lar em face das severas agressões perpetradas contra a mulher, tendo ela ficado no domicílio comum junto com a prole. Decorridos 30 dias da efetivação da medida, de todo descabido que, pelo fim da eficácia da decisão, tenha o agressor o direito de retornar ao lar. O mesmo se diga com referência aos alimentos. Descabido, simplesmente,

poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>, acesso em 12 out. 2008). 347 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 79. 348 Lei n.° 11.340/06, Art. 21. A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão, sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do defensor público. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>, acesso em 12 out. 2008). 349 Lei n.° 11.340/06, Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras: II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>, acesso em 12 out. 2008). 350 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 25. 351 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 80. 352 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 80.

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depois de 30 dias suspender sua vigência e deixar a vítima e os filhos sem meios de subsistir. Mesmo pacificado na jurisprudência, em sede de direito familiar, a medida cautelar não perde a eficácia, inclusive se não intentada a ação no prazo legal, ainda que se trate de prazo decadencial.353

Ainda, dentre os dispositivos da Lei Maria da Penha, há os que se referem

às medidas protetivas de urgência, cabendo analisá-los resumidamente.

3.5 DAS MEDIDAS PROTETIVAS

Após as disposições gerais, observa-se na lei em análise título reservado às

“medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor” e outro intitulado “das

medidas protetivas de urgência à ofendida”, tratando-se, em ambos os casos, de rol

exemplificativo, consoante especificado no artigo 22, § 1º354 e no caput dos artigos

23355 e 24356 da Lei Maria da Penha.357

No que se refere às “medidas protetivas de urgência que obrigam o

agressor”, destaca-se a suspensão ou restrição à posse do autor que faz uso de

arma de fogo (inciso I), afastamento do autor do lar em que resida com a vítima

(inciso II) e prestação de alimentos provisionais ou provisórios (inciso V).358

353 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 80-81. 354 Lei n.° 11.340/06, Art. 22, § 1o As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>, acesso em 12 out. 2008). 355 Lei n.° 11.340/06, Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>, acesso em 12 out. 2008). 356 Lei n.° 11.340/06, Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>, acesso em 12 out. 2008). 357 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 79. 358 Lei n.° 11.340/06, Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto

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Segundo Amini Haddad Campos e Lindinalva Rodrigues Corrêa:

[...] não há preclusão para a autora, bem como para as formulações dos Advogados e do Ministério Público; afinal, a qualquer tempo a pretensão inicial pode sofrer acréscimos ou outras modificações atinentes às necessidades devidamente constatadas. [...] as medidas, então inseridas, não impedem a aplicação de outras, previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou circunstâncias assim o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.359

Neste sentido, quanto às medidas destinadas à proteção da vítima

propriamente dita, encontram-se algumas isoladas no artigo 23 da Lei Maria da

Penha, sendo elas: o encaminhamento da ofendida e de seus dependentes a um

programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento (inciso I), a

possibilidade de a vítima e seus dependentes serem reconduzidos ao lar (inciso II), a

determinação da saída da mulher do lar, sem prejuízo dos seus direitos referentes a

bens, guarda de filhos e alimentos (inciso III) e a determinação da separação de

corpos (inciso IV).360

Ainda, o artigo 24 da Lei Maria da Penha dispõe a respeito das medidas de

ordem patrimonial, ou seja, aquelas com a finalidade de proteger os bens de ambos

os cônjuges e os de propriedade particular da vítima. 361

ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras: I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei n.° 10.826, de 22 de dezembro de 2003; II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>, acesso em 20 out. 2008). 359 CAMPOS, Amini Haddad; CORRÊA, Lindinalva Rodrigues. Direitos Humanos das Mulheres: doutrina, prática, jurisprudência, modelos, direito comparado, estatísticas, estudo de casos, comentários à lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), legislação internacional e coletânea de normas. Curitiba: Juruá, 2008. p. 413. 360 Lei n.° 11.340/06, Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas: I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento; II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor; III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos; IV - determinar a separação de corpos. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>, acesso em 20 out. 2008). 361 Lei n.° 11.340/06, Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras: I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida; II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial; III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor; IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da

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Com isso, observa Stela Valéria Soares de Farias Cavalcanti que o

legislador ao estipular as medidas protetivas preocupou-se com a proteção da vítima

e com a prevenção dos delitos em foco, sendo poucas as que se destinam a

repreender o agressor.362

Todavia, ressalta-se que, além das medidas previstas no capítulo

específico, a Lei Maria da Penha prevê mais algumas que estão espalhadas em seu

texto. A título exemplificativo pode-se citar o § 2° do artigo 9º363 da Lei Maria da

Penha, que versa sobre a garantia do trabalho da vítima, fundamental para sua

subsistência. 364

3.6 DAS MODIFICAÇÕES AO CÓDIGO PENAL, CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

E LEI DE EXECUÇÕES PENAIS

Na seqüência, com o intuito de atender aos seus propósitos, a Lei Maria da

Penha trouxe modificações ao Código Penal, ao Código de Processo Penal e à Lei

de Execuções Penais, inserindo uma agravante (artigo 61, inciso II, alínea f, do

Código Penal365), uma majorante (§11° do artigo 129 do Código Penal366) e alterando

a pena do delito de lesões corporais (§9° do artigo 129 do Código Penal367).

prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>, acesso em 12 out. 2008). 362 CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. Violência Doméstica: análise artigo por artigo da Lei “Maria da Penha”, n. 11.340/06. 2. ed. Bahia: Juspodivm, 2008. p 217. 363 Lei n.° 11.340/06, Art. 9°, § 2o O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica: I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta; II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>, acesso em 12 out. 2008). 364 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 93. 365 CP, Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: II – ter o agente cometido o crime: f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm>, acesso em 12 out. 2008).

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Além disso, admitiu uma nova hipótese para decretação da prisão

preventiva (artigo 313, inciso IV, do Código de Processo Penal368) e permitiu a

imposição ao agente, conforme o parágrafo único do artigo 152 da Lei de Execução

Penal369, de comparecer a programa de recuperação e reeducação, de forma

obrigatória.370

Ressalta-se que dentre as modificações citadas, a previsão de nova

hipótese de prisão preventiva é a que vem gerando maior polêmica na doutrina.

Marcelo Lessa Bastos explica que a prisão preventiva somente pode ser decretada

se presentes os motivos elencados no artigo 312371 do Código de Processo Penal.372

Entretanto, segundo Maria Berenice Dias a exigência de todos os

pressupostos legais para a decretação da prisão preventiva afasta a intenção do

legislador, pois foi incluída esta hipótese com a finalidade de assegurar o

cumprimento das medidas protetivas de urgência.373

366 CP, Art. 129, § 11. Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm>, acesso em 12 out. 2008). 367 CP, Art. 129, § 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm>, acesso em 12 out. 2008). 368 CPP, Art. 313. Em qualquer das circunstâncias, previstas no artigo anterior, será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos: IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil/Decreto-Lei/Del3689Compilado.htm>, acesso em 12 out. 2008). 369 LEP, Art. 152. Poderão ser ministrados ao condenado, durante o tempo de permanência, cursos e palestras, ou atribuídas atividades educativas. Parágrafo único: Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L7210.htm>, acesso em 12 out. 2008). 370 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 98. 371 CPP, Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil/Decreto-Lei/Del3689Compilado.htm>, acesso em 12 out. 2008). 372 BASTOS, Marcelo Lessa apud DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 103. 373 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 103.

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No mesmo sentido, é a doutrina de Eduardo Luiz Santos Cabbete e Rodrigo

da Silva Perez Araújo, os quais afirmam, respectivamente:

O dispositivo é providencial, constituindo-se em um utilíssimo instrumento para tornar efetivas as medidas de proteção preconizadas pela novel legislação. Não houvesse essa modificação, a maioria dos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher ficaria privada do instrumento coercitivo da prisão preventiva por ausência de sustentação nos motivos elencados no art. 312, CPP, tradicionalmente e nos casos de cabimento arrolados no art. 313, CPP.374 Pois bem, a prisão cautelar do agressor é, sem dúvida, garantia do direito fundamental da mulher vitimada em sua integridade – implícita ao direito fundamental à vida. E não há reprovação que se possa fazer por se estar a comprimir o direito a liberdade do agente. A opção do Legislador é voz legítima do interesse público e do povo, de que emana o Poder, e, portanto, deve preponderar.375

Já, Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto opinam pela

inconstitucionalidade do inciso em análise.376

Divergente, também, é o ponto de vista de Sérgio Ricardo de Souza a

respeito do assunto:

[...] não se pode, a pretexto de implementar as medidas protetivas desta Lei, simplesmente sacrificar os direitos fundamentais do(a) suposto(a) agressor(a); necessário se faz recordar que, na qualidade de investigado e antes de uma condenação definitiva detém ele, dentre outros, o direito de ser presumido inocente (CRFB, art. 5º, LVII). [...] O que não se apresenta admissível é que, de plano, com base na gravidade da situação que esta Lei pretende combater, já se parta da premissa de que o (a) suposto(a) agressor(a) não faz jus a um processo justo, dentro dos parâmetros do ‘devido processo legal’ (CRFB, art. 5º, inc. LIV) e das normas vigentes no Estado de Direito Democrático, por ser um inimigo do Estado.377

374 CABBETE, Eduardo Luiz Santos apud DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 104. 375 ARAÚJO, Rodrigo da Silva Perez apud DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 104. 376 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista apud DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 103. 377 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. p. 111-112.

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Entretanto, há que se enfatizar o papel do Ministério Público nos

procedimentos regidos pela Lei Maria da Penha, atuando como instituição

independente, defendendo a ordem jurídica e os interesses sociais e individuais

indisponíveis, ou seja, figurando como parte e como fiscal da lei.378

Logo, o Ministério Público tem atribuição institucional, administrativa e

funcional no âmbito da violência doméstica, explicando Sérgio Ricardo de Souza

que:

O art. 26 apresenta um rol complementar de atribuições do Ministério Púbico, sendo que as previstas nos incs. I e II379 são atividades típicas do órgão de execução, no caso presente, do promotor de justiça que funcione perante o JVDFCM ou perante a Vara Criminal que esteja a exercer a competência transitória, na forma do art. 33 desta Lei. Já no que concerne à medida inserta no inciso III380, acomoda-se melhor dentre as atribuições institucionais e administrativas do Ministério Público enquanto instituição, a ser levada a efeito por sua Administração Superior.381

Acrescenta-se que sua atuação deve acontecer mesmo que a vítima seja

maior e capaz e esteja acompanhada de advogado, uma vez que se encontra em

situação de vulnerabilidade.382

3.7 ASPECTOS PROCESSUAIS DA LEI MARIA DA PENHA

378 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. p. 135-136. 379 Lei n.° 11.340/06, Art. 26. Caberá ao Ministério Público, sem prejuízo de outras atribuições, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando necessário: I - requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social e de segurança, entre outros; II - fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, e adotar, de imediato, as medidas administrativas ou judiciais cabíveis no tocante a quaisquer irregularidades constatadas. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>, acesso em 12 out. 2008). 380 Lei n.° 11.340/06, Art. 26. III - cadastrar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>, acesso em 12 out. 2008). 381 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. p. 136. 382 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 75.

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Continuando, recorda-se que a Lei n.º 9.099/1995383 instituiu os Juizados

Especiais com o objetivo de reduzir a burocracia, agilizar a persecução penal no

âmbito do Juizado Especial Criminal e viabilizar a aplicação do princípio

constitucional da eficiência384, tanto que os processos de sua competência

ganharam celeridade e diminuíram os casos de prescrição.385

Contudo, infere-se que o legislador não demonstrava muita preocupação

com a violência doméstica contra a mulher, pois os delitos de menor potencial

ofensivo eram condicionados à representação da vítima, motivo pelo qual acertou na

edição da lei Maria da Penha ao torná-los incondicionados.386

Neste sentido, com o intuito de prever a medida cautelar de afastamento do

agressor do lar, foi modificado o parágrafo único do artigo 69387 da Lei n.º 9.099/95,

através da edição da Lei n.º 10.455/2002.388

Ainda, esperava-se uma evolução legislativa com a criação da Lei n.º

10.886/2004389, que modificou o § 9º do artigo 129390 do Código Penal, aumentando

383 A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ao tratar do Poder Judiciário, previu no art. 98 a criação dos juizados especiais, “conferindo-lhes competência para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade, assim como as infrações penais de menor potencial ofensivo. Com o objetivo de desafogar a justiça comum em todo o país, propiciando, ainda, um acesso mais fácil ao Judiciário, o então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, em setembro de 1995, sancionou a Lei n.º 9.099, instituindo e regulamentando os juizados especiais cíveis e criminais.” (COSTA, Pablo Drews Bittencourt. Uma análise crítica à Lei n.º 9.099/95. Lei dos Juizados Especiais. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 52, nov. 2001. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2394>. Acesso em: 31 ago. 2008). 384 CRFB/88, Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>, acesso em 25 out. 2008). 385 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. p. 157-158. 386 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 22. 387 Lei n.° 9.099/95, Art. 69. Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099.htm>, acesso em 12 out. 2008). 388 Publicada em 13 de maio de 2002. (Disponível em <http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/portal/portal_lista.asp?campo=834>, acesso em 31 ago. 2008).

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a pena mínima de três para seis meses de detenção do delito de lesões corporais

decorrente de violência doméstica. No entanto, conforme as críticas recebidas, a

referida lei apenas vinculou uma qualificadora e uma causa de aumento de pena ao

tipo penal lesão corporal, mas não criou um tipo fundamental autônomo.391

Com isso, constata Marcelo Lessa Bastos:

Nenhuma das mudanças empolgou! A violência doméstica continuou acumulando estatísticas. Isso porque a questão continuava a tramitar no Juizado Especial Criminal e sob a incidência dos institutos despenalizadores da Lei 9.099/1995. 392

Outra crítica da Lei n.° 9.099/95 é feita pela Promotora de Justiça Stela

Valéria Soares de Farias Cavalcanti, in verbis:

Os juizados especiais foram criados para desafogar a justiça brasileira e evitar estigmatização no sistema penal, não foram pensados a partir das relações de gênero. Ao contrário, a lei tem como paradigma a conduta masculina, isto é, a conduta delitiva de um homem contra outro homem.393

Da mesma forma, nos dizeres de Amini Haddad Campos e Lindinalva

Rodrigues Corrêa:

Aliás, consultando o histórico de como a violência doméstica contra a mulher era tratada sob a égide da Lei 9.099/95, não se entende como, nem por que tantos operadores do direito se insurgem contra a Lei Maria da Penha, sem aceitar o evidente fracasso dos Juizados Especiais Criminais para conhecer e “julgar” tais crimes.394

389 Consta na ementa: “Acrescenta parágrafos ao art. 129 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, criando o tipo especial denominado ‘Violência Doméstica’.” Publicada em 17 jun. 2004. (Disponível em <http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/2004/10886.htm>, acesso em 12 out. 2008). 390 CP, Art. 129 § 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm>, acesso em 12 out. 2008). 391 CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. Violência doméstica: análise artigo por artigo da lei “maria da penha”, nº 11.340/06. p. 160. 392 BASTOS, Marcelo Lessa apud DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 23-24. 393 CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. Violência doméstica: análise artigo por artigo da lei “maria da penha”, nº 11.340/06. p. 175. 394 CAMPOS, Amini Haddad; CORRÊA, Lindinalva Rodrigues. Direitos Humanos das Mulheres: doutrina, prática, jurisprudência, modelos, direito comparado, estatísticas, estudo de casos, comentários à lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), legislação internacional e coletânea de normas. Curitiba: Juruá, 2008. p. 496.

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Logo, extrai-se do ponto de vista de Maria Berenice Dias, que a Lei Maria da

Penha também inovou ao deixar implícito que a apuração dos crimes em análise

passa a ser feita através de instauração de inquérito policial,395 e seus respectivos

recursos julgados pelos Tribunais de Justiça (outras conseqüências do afastamento

da Lei n.° 9.099/95).396

Inclusive, a Lei Maria da Penha vedou a aplicação da Lei n.° 9.099/95 para

processamento e julgamento dos delitos nela previstos, com base no seu artigo

41.397

Cabe ressaltar, enfim, que mesmo que a violência doméstica contra a

mulher seja reconhecidamente uma violação aos direitos humanos, a competência

para processar e julgar tais causas é da Justiça Estadual, nos termos do caput do

artigo 14 da Lei Maria da Penha. 398

Porém o artigo 109, § 5º,399 da Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988 prevê a possibilidade de deslocamento da competência para a

Justiça Federal em caso de grave violação aos direitos humanos. 400

Sobre o assunto, acrescenta Sérgio Ricardo de Souza:

Até que haja a instalação e o efetivo funcionamento dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, o legislador estabeleceu que a competência em relação às matérias previstas

395 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 73. 396 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. p. 75. 397 Lei n.° 11.340/06, Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei n° 9.099, de 26 de setembro de 1995. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>, acesso em 22 nov. 2008). 398 Lei n.° 11.340/06, Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>, acesso em 12 out. 2008). 399 CRFB/88, Art. 109. § 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>, acesso em 12 out. 2008). 400 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 34.

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nesta Lei (cível e criminal) deverá ser absorvida pelas Varas Criminais [...]. As causas que digam respeito à violência doméstica e familiar praticada contra a mulher e que sejam objeto de julgamento perante uma Vara Criminal detentora de competência transitória, deverão gozar de preferência em relação a outra, resguardadas as peculiaridades das demais causas em curso na respectiva Vara [...].401

No mais, quanto ao processamento, julgamento e execução das medidas

protetivas de urgência, tanto as de natureza penal como as de natureza civil, esta é

de competência do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.402 Ou

seja, se resultante de violência doméstica, familiar ou afetiva contra a mulher, crime

doloso contra a vida, a instrução processual será de competência dos Juizados de

Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.403

Enfim, por não ser o objeto específico do presente estudo, foi discorrido de

forma breve acerca da repercussão penal ou processual penal da Lei Maria da

Penha, passando-se à abordagem do problema que pretende-se solucionar por meio

da pesquisa, qual seja sua análise frente o princípio constitucional da igualdade.

3.8 DA LEI MARIA DA PENHA FRENTE O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA

IGUALDADE

Conforme analisado, a Lei Maria da Penha, sem dúvidas, trouxe

significativas alterações ao Código Penal, ao Código de Processo Penal e à Lei de

Execuções Penais no tocante aos delitos de violência doméstica e familiar contra a

mulher, tornando mais severa sua punição.

Contudo, a lei recentemente aprovada, tem sido questionada pela doutrina e

pelos tribunais pátrios frente o princípio da igualdade constitucional.

Como visto, a igualdade jurídica visa assegurar direitos e vantagens às

pessoas que se encontrem em situações semelhantes e, por sua vez, garante 401 SOUZA, Sérgio Ricardo de Souza. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. p. 143. 402 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 68. 403 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. p. 89.

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tratamento diferenciado àquelas que estejam em situações diversas, isso com a

finalidade de garantir um equilíbrio entre todos.404

Tendo em vista que o princípio da igualdade é um dos direitos

fundamentais, garantido pela Constituição da República Federativa do Brasil de

1988, qualquer norma infraconstitucional que esteja em desacordo com ele

caracteriza-se como inconstitucional.405

É justamente neste ponto que consiste a polêmica gerada pela Lei Maria da

Penha. A doutrina e a jurisprudência têm questionado a sua constitucionalidade

frente o princípio da igualdade, considerando que a mulher vítima de violência

doméstica ou familiar tenha tratamento diferenciado do homem na mesma situação.

Vislumbra-se, inclusive, a tramitação junto ao Supremo Tribunal Federal da

Ação Declaratória de Constitucionalidade406, em razão das decisões que têm

afastado a aplicação da Lei Maria da Penha, conforme será visto.

Recorda-se que o que firma o princípio da isonomia, no entendimento de

Paulo Roberto Iotti Vecchiatti, é “uma imposição constitucional relativa que, por isso,

a caracteriza como uma forma de eliminação de desigualdades fáticas.”407

Maria Berenice Dias defende a Lei Maria da Penha, sob o argumento de

que:

Nenhum questionamento desta ordem foi suscitado com relação ao Estatuto da Infância e da Juventude e ao Estatuto do Idoso, microssistemas que também amparam segmentos sociais, resguardando direitos de quem se encontra em situação de vulnerabilidade. Leis voltadas a parcelas da população merecedoras de especial proteção procuram igualar quem é desigual, o que nem de longe infringe o princípio isonômico. A lei Maria da Penha criou um microssistema que se identifica pelo gênero da vítima.408

Neste sentido, leciona Juliana Belloque que é justamente para que seja

respeitado o princípio da igualdade substancial, constante no artigo 5º da

404 CAPEZ, Fernando. Direito Constitucional. p. 232. 405 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 46. 406 STF, ADC/19, Relator Ministro Marco Aurélio. Disponível em <http://www.stf.gov.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=19&classe=ADC&codigoClasse=0&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M>, acesso em 25 out. 2008. 407 VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Da constitucionalidade e da conveniência da Lei Maria da Penha . Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1711, 8 mar. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11030>. Acesso em 25 out. 2008. 408 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 55.

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Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que devem ser tratados

desigualmente os desiguais.409

Sob este enfoque, Rui Ramos Ribeiro defende a constitucionalidade da Lei

Maria da Penha ao afirmar que o princípio constitucional da igualdade abrange tanto

a igualdade formal como a material, devendo ser respeitada nos dois âmbitos.410

Da mesma forma, o doutrinador Alexandre de Moraes entende que a

diferenciação entre homem e mulher, do modo feito pela Lei Maria da Penha, para

não ser considerada discriminatória, deve haver uma justificativa objetiva e

razoável.411

Para Maria Berenice Dias, justificativas para tanto não faltam. Por razões

culturais, a sociedade ainda é muito conservadora, fazendo com que a mulher fique

numa situação de inferioridade e de submissão em relação ao homem, o que a torna

alvo fácil da violência masculina. Ainda que o homem possa ser vítima de violência

no âmbito de relações familiares, afetivas e domésticas, esse tipo de violência não é

decorrente de questões de ordem social e cultural.412

Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto também defendem sua

constitucionalidade pregando que a discriminação positiva é necessária para

compensar as desvantagens históricas e as conseqüências de um passado

discriminatório em relação às mulheres.413

A respeito do assunto, Marcelo Lessa Bastos também tece as seguintes

considerações:

A lei é o resultado de uma ação afirmativa em favor da mulher vítima de violência doméstica e familiar, cuja necessidade se evidenciava urgente. ‘Só quem não quer não enxerga a legitimidade de tal ação afirmativa que, nada obstante formalmente aparentar ofensa ao

409 BELLOQUE, Juliana apud DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 55. 410 RIBEIRO, Rui Ramos apud DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 56. 411 MORAES, Alexandre de apud DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 55-56. 412 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 56. 413 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista apud DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 56.

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princípio da igualdade de gênero, em essência busca restabelecer a igualdade material entre esse gêneros, nada tendo, deste modo, de inconstitucional.’ 414

Segundo Sérgio Ricardo de Souza, em suma, existe desigualdade entre

homens e mulheres em razão de elas serem vítimas em índices consideravelmente

maiores em relação a eles, e por motivos de diferenciações físicas e culturais.

Assim, expressa-se o autor:

[...] Em tal contexto, a existência de uma discriminação em favor da mulher tem o claro objetivo de dotá-la de uma especial proteção, para permitir que o gênero feminino tenha compensações que equiparem suas integrantes à situação vivida pelos homens. Afigura-se, assim, que as medidas preconizadas na presente Lei constituem políticas e ações afirmativas no sentido de possibilitar que em relação à questão da violência, as mulheres alcancem o respeito a sua dignidade enquanto seres humanos, bem como a almejada igualdade de condições em relação aos homens, estando, portanto, em plena consonância com os ideais insertos na Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988 (art. 1º, inc. III; art. 5º, incs. I e III e art. 226, § 8º).415

Da mesma forma, Amini Haddad Campos e Lindinalva Rodrigues Corrêa

manifestam-se:

[...] em perfeita consonância com os dispositivos constitucionais vigentes, não se podendo, nem para fins de debate, aceitar a pecha de inconstitucionalidade, já que não podemos analisá-la isoladamente, sem recorrer ao contexto histórico e sem ignorar que a violência de gênero faz parte de nossa cultura, posto que os superiores, via de regra, não são vítimas de agressão. Logo, conclui-se que, historicamente, as mulheres são vistas por todos (inclusive por outras mulheres e por si próprias), como seres inferiores em relação aos homens, mentalidade que precisa mudar, senão espontaneamente, a golpe de leis [...].416

414 BASTOS, Marcelo Lessa apud DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a familiar contra a mulher. p. 56. 415 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. p. 38. 416 CAMPOS, Amini Haddad; CORRÊA, Lindinalva Rodrigues. Direitos Humanos das Mulheres: doutrina, prática, jurisprudência, modelos, direito comparado, estatísticas, estudo de casos, comentários à lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), legislação internacional e coletânea de normas. Curitiba: Juruá, 2008. p. 173.

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Ainda, salienta Sérgio Ricardo de Souza que o artigo 5º da Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988, além de não proibir a implementação de um

tratamento diferenciado, impõe ao legislador que seja realizado, sempre

considerando a necessidade e a conveniência. Ele continua, lecionando, que por

ocasião da elaboração da Lei Maria da Penha, foram previstas ações afirmativas em

benefício da mulher vítima de violência doméstica e familiar, inclusive a equipara à

Consolidação das Leis do Trabalho, ao Estatuto da Criança e do Adolescente e ao

Código de Defesa do Consumidor.417

Já Pedro Rui da Fontoura Porto sobre o assunto discorre de forma similar:

[...] é preciso interpretar a lei sempre levando em conta princípios como o da razoabilidade e proporcionalidade, não descurando que a Lei Maria da Penha trata desigualmente o homem e a mulher, incrementando a severidade penal sempre que uma mulher for vítima de violência doméstica ou familiar. Ao relativizar um valor constitucional tão caro como o da igualdade, a Lei 11.340/06 demanda uma interpretação restritiva, colimando não generalizar o que é excepcional. Esta “desigualdade” de tratamento seria inconstitucional não estivesse justificada racionalmente em uma diferença entre os gêneros masculino e feminino, verificável empiricamente. Deste modo, a razão que informa a Lei 11.340/06 situa-se em uma pressuposta superioridade de forças do homem sobre a mulher e em uma nefanda realidade construída cultural e historicamente, em que o homem hierarquizou relações, autocolocando-se nos lugares predominantes da estrutura social, com o que se determinaram a submissão e a discriminação contra a mulher. Como já se salientou, esta superioridade geral masculina é muito clara quando se trata da força física, do potencial de intimidação e da superioridade hierárquica, no seio familiar e social, que o homem, como regra, possui sobre a mulher, eis a razão que inspira, em sua totalidade, a Lei 11.340/2006. [...] A Lei 11.340/06 não finaliza dar uma proteção indiscriminada à mulher, mas sim proteger a mulher em face do homem, supostamente mais forte, ameaçador e dominante no quadro cultural [...].418

Com efeito, outra defensora da constitucionalidade da lei em estudo é Stela

Valéria Soares de Farias Cavalcanti, que defende o tratamento diferenciado

atribuído à mulher que, segundo seu entendimento, visa promover a sua proteção

nos termos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e dos

tratados internacionais ratificados pelo Brasil, acrescentando:

417 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. p. 39. 418 PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência Doméstica e Familiar: Lei 11.340/06 análise crítica e sistêmica. p. 31-33.

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[...] que a correta interpretação desse dispositivo torna inaceitável a utilização do discrímen sexo, sempre que o mesmo seja eleito com o propósito de desnivelar materialmente o homem e a mulher; aceitando-o, porém, quando a finalidade pretendida for atenuar as desigualdades, como ocorre na ampla maioria dos casos de violência doméstica, em que é flagrante a situação de vulnerabilidade da mulher vítima em relação ao agressor. Com isso não queremos dizer que todas as mulheres brasileiras estão em situação de hipossuficiência em relação aos homens, mas apenas aquelas vítimas da violência doméstica.419

Neste norte, extrai-se da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio

Grande do Sul:

Não há falar em inconstitucionalidade da Lei 11.340/2006, pois a própria Constituição Federal previu a criação de uma Lei para coibir a violência doméstica, bem como está presente na Constituição Federal a diferença entre a igualdade formal e material, a qual dá suporte à Lei 11340/2006, sem ferir o princípio da isonomia.420

Inclusive, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina tem aplicado a Lei Maria

da Penha, conforme entendimento do Desembargador Joel Figueira Júnior:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LEI MARIA DA PENHA. VARAS CRIMINAIS. ACUMULAÇÃO DAS COMPETÊNCIAS CÍVEL E CRIMINAL. EXEGESE DO ART. 33 DA LEI N. 11.340/06. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO. Nos termos do art. 33 da Lei n. 11.340/06 (Lei Maria da Penha), as varas criminais, enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher. Por conseguinte, levando-se em conta que a medida protetiva de urgência requerida tem como causa petendi a violência doméstica, mister se faz declarar a competência do Juízo suscitado - Vara Criminal, Infância e Juventude da Comarca de Jaraguá do Sul - para processar e julgar o feito, uma vez que ainda não criado na referida Comarca o Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.421

419 CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. Violência doméstica: análise artigo por artigo da lei “maria da penha”, nº 11.340/06. 2. ed. Bahia: Juspodivm, 2008. p. 185-186. 420 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Crime n° 70022736441, Crissiumal, RS, 03 de abr. de 2008. Disponível em <http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/resultado.php>, acesso em 25 out. 2008. 421 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Conflito de Competência n° 2007.008627-6, Jaraguá do Sul, SC, 18 de mar. de 2008. Disponível em < http://tjsc6.tj.sc.gov.br/cposg/pcpoResultadoConsProcesso2Grau.jsp#>, acesso em 25 nov. 2008.

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Não obstante, ainda assim, conforme preliminarmente lembrado,

fundamentos diversos persistem.

Alexandre Magno Fernandes Moreira, por exemplo, explica que as

exceções ao princípio da igualdade em favor da mulher, devem ser aplicadas com a

observância do princípio da hermenêutica, ou seja, as exceções devem ter

interpretações restritivas, razão pela qual defende a inconstitucionalidade da Lei

Maria da Penha.422

Neste sentido, colhe-se julgado do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do

Sul entendimento semelhante:

A Lei n. 11.340/06 (Lei Maria da Penha) está contaminada por vício de inconstitucionalidade, visto que não atende a um dos objetivos da República Federativa do Brasil (art. 3º, IV, da CF), bem como por infringir os princípios da igualdade e da proporcionalidade (art. 5º, II e XLVI, 2ª parte, respectivamente). Assim, provê-se o recurso ministerial, a fim de manter a decisão que declarou a inconstitucionalidade da Lei n. 11.340/2006, determinando-se a competência do Juizado Especial Criminal para processar e julgar o feito.423

Inclusive o Superior Tribunal de Justiça tem aplicado a Lei Maria da Penha,

conforme decisão que segue:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ART. 129, § 9º, DO CÓDIGO PENAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. LEI MARIA DA PENHA. LEI Nº 9.099/95. INAPLICABILIDADE. A Lei nº 11.340/06 é clara quanto a não-aplicabilidade dos institutos da Lei dos Juizados Especiais aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher. Ordem denegada.424

Marcelo Colombelli Mezzomo, seguindo a posição destacada também

discorre:

Ora, não há em todo o texto constitucional uma só linha que autorize darmos tratamento diferenciado a homens e mulheres quando em

422 MOREIRA, Alexandre Magno Fernandes. Lei Maria da Penha e a criminalização do masculino. DireitoNet, 27 mar. 2007. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/x/33/17/3317/#perfil_autor>. Acesso em: 9 out. 2008. 423 BRASIL, Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul. Recurso em sentido estrito n° 2007.023422-4/0000-00, Campo Grande, MS, 26 de set. de 2007. Disponível em <http://www.tjms.jus.br/esaj/jurisprudencia/consulta.do>, acesso em 25 out. 2008.) 424 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n° 84831, RJ, 27 mar. 2008. Disponível em <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=lei+11.340%2F06&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1>, acesso em 23 nov. 2008).

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voga a condição de partes processuais ou vítimas de crime. É exatamente isso que a lei de violência doméstica faz: concede uma série de instrumentos de proteção à mulher somente tendo em vista o sexo. A violência doméstica cometida contra a mulher enseja medida protetiva, contra homens não. Há ainda, uma série de diferenças em relação ao processo criminal, até mesmo em questão de competência do órgão jurisdicional e espécies procedimentais. Se não há autorização na própria Constituição, e lembremos que a igualdade é "nos termos desta Constituição", a lei ordinária nº 11.340/06 afronta o artigo 5º, inciso I, da CF/88, sendo inconstitucional e, portanto, visceralmente nula. Diversamente, quando vemos, por exemplo, diferenças no tempo de serviço para aposentadoria menor para as mulheres, ou na existência de licença maternidade com prazo maior, estamos diante de situações que a própria Constituição estabeleceu, diferenças que são, por conseguinte, constitucionais e válidas. Tem se invocado, então, o fato de que os idosos e as crianças e adolescentes também têm tratamento diferenciado, com a edição dos respectivos estatutos, os quais nunca teriam sido questionados. Ora, esta premissa é incorreta, uma vez que idosos e crianças e adolescentes tem previsão constitucional de tratamento diverso, coisa que, repito, inexiste para as situações da lei Maria da Penha.425

E, fundamentando a inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha, Pedro Rui

da Fontoura Porto também tece o seguinte comentário:

Aliás, a Lei Maria da Penha foi aprovada sob a bandeira da violência física contra a mulher, demonstrada por levantamentos e estatísticas, mas trouxe de carona outras formas próprias e impróprias – patrimonial, moral, sexual, psicológica – algumas delas que a experiência nem revelou assim tão freqüente ou tão exclusiva do homem contra a mulher. 426

Ante o exposto, verifica-se que a discussão sobre a constitucionalidade da

Lei Maria da Penha está apenas no início. A doutrina encontra-se dividida e

apresenta argumentos plausíveis para ambos entendimentos. Enquanto a primeira

corrente acredita não ser viável sua aplicação por afrontar o Princípio Constitucional

da Igualdade, a segunda fundamenta-se com o histórico dos direitos das mulheres e

a violência por elas sofrida durante anos na sociedade e considera a Lei Maria da

Penha um meio de promover a discriminação positiva ou ação afirmativa, a fim de

425 MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Compreendendo a inconstitucionalidade da Lei de Violência Doméstica . Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1869, 13 ago. 2008. (Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11598>. Acesso em: 09 out. 2008). 426 PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher: Lei 11.340/06 – análise crítica e sistêmica. p. 63.

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igualar homens e mulheres. Desta forma, essa divergência acarreta grande

dificuldade na aplicação da Lei Maria da Penha.

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CONCLUSÃO

Como visto, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é um

sistema de normas que regulamenta todo o ordenamento jurídico-político brasileiro.

Por ser considerada a lei fundamental, serve de base e parâmetro às demais

normas, sendo inclusive condição de validade a estas que estejam em conformidade

com aquela.

As normas constitucionais podem ser classificadas como materiais ou

formais, considerando que para uma norma ser materialmente constitucional deve

ser observado o seu conteúdo, pouco importando se está presente fisicamente no

texto constitucional. Quanto à norma formal constitucional, esta deve estar sim

inserida no corpo da Constituição, porém ela não se refere aos elementos

institucionais da organização política, apenas ali se encontram para tornar o seu

processo legislativo diferenciado das demais normas, sendo mais dificultosa a sua

modificação e assegurando-lhe status constitucional.

Cabe recordar que normas constitucionais originais foram lá inseridas

através do poder constituinte originário, entretanto podem ser realizadas

modificações no texto constitucional, sempre com observância aos limites impostos

pelo artigo 60, § 4° da Constituição da República Federativa do Brasil (pois se refere

à matérias imutáveis), através do poder constituinte derivado.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 apresentou

vastas novidades a respeito dos direitos individuais, merecendo destaque o artigo

5°, inciso I, que expressa o Princípio da Igualdade.

Foi estudado, ainda, que uma norma infraconstitucional em confronto com

as normas constitucionais é considerada inconstitucional, considerando a

superioridade hierárquica da Constituição. Salienta-se que são consideradas normas

constitucionais tanto os preceitos como os princípios ali inseridos.

O Princípio da Igualdade, um destes princípios contidos na Constituição, é

um direito individual de segunda geração; esta dimensão de direitos engloba os

direitos sociais, culturais, econômicos e coletivos, assim é por meio destes direitos

que são asseguradas as liberdades clássicas.

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Além disso, o Princípio da Igualdade é de suma importância, pois eleva os

direitos individuais de alguns para a categoria de direitos individuais de todos.

Para a maioria da doutrina, a verdadeira essência deste princípio está na

igualdade material, pois a isonomia formal não impede a ocorrência de

desigualdades de fato. Desta forma, entende-se que as normas devem ser editadas

e posteriormente aplicadas sempre em conformidade com o preceito de que devem

ser tratados os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na proporção

em que desigualam-se, ou sejam, devem ser assegurados mesmos direitos,

prerrogativas e vantagens às pessoas em situações iguais.

O princípio da igualdade é destinado tanto ao legislador como ao intérprete,

ou seja, aquele não pode editar normas com tratamentos diferenciados, de forma

arbitrária, a pessoas em situações idênticas e, o último deve aplicar as normas

igualitariamente, de forma que não estabeleça diferenças em razão de sexo, religião,

raça ou classe social.

Acrescenta-se que para a total aplicação deste princípio, podem ser

utilizadas as chamadas discriminações positivas, ou seja, aquelas que visam

compensar ou neutralizar as discriminações negativas que determinado grupo vem

sofrendo ao longo de certo tempo. Por isso, o que é vedado por este princípio são as

diferenciações arbitrárias.

Configurando-se, nestes termos, a Lei Maria da Penha uma ação afirmativa

com a finalidade de igualar a mulher ao homem no que se refere ao procedimento

penal aplicado aos homens autores de violência doméstica, familiar ou afetiva contra

as mulheres.

A Lei Maria da Penha visa um tratamento diferenciado ao sujeito ativo da

violência doméstica, familiar ou afetiva se tratar-se de homem que mantenha um

vínculo desta natureza com a vítima (ou mulher no caso de relação homoafetiva).

Contudo este tratamento diferenciado não é por acaso, a Lei Maria da

Penha serve para compensar toda a discriminação sofrida pelas mulheres,

principalmente por motivos culturais, ao longo do tempo.

Tanto no Brasil como em outras culturas, ainda impera o entendimento de

que a mulher é inferior ao homem, o que é expresso de várias formas, como piadas,

letras de música e costumes, e a conseqüência deste comportamento é o

desrespeito aos direitos humanos da mulher.

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A tese de que os direitos das mulheres são direitos humanos é de fácil

compreensão, considerando que elas correspondem a metade da humanidade e que

ainda não recebem o respeito que merecem como seres humanos.

Conseqüentemente, os Estados assumem responsabilidade pela ocorrência de

violência doméstica contra as mulheres.

O Brasil é signatário de diversas convenções de direitos humanos das

mulheres, dentre elas destaca-se a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir

e Erradicar a Violência Doméstica e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as

Formas de Discriminação contra a Mulher, o que significa que assumiu o

compromisso de promover a igualdade de gênero, bem como de cumprir os direitos

humanos das mulheres, considerando a sua situação de vulnerabilidade.

Entretanto, a Lei Maria da Penha causa polêmica desde a sua edição. Parte

da doutrina e da jurisprudência a considera inconstitucional frente o princípio

constitucional da igualdade; muitos defendem que a situação que envolva o homem

como vítima de violência doméstica praticada por sua companheira ou esposa deva

ter tratamento igual ao previsto pela Lei Maria da Penha.

Entendimento este que demonstra como a sociedade ainda não reconhece

os tão merecidos direitos humanos das mulheres nem percebe que a violência

sofrida por elas tornou-se questão de saúde pública.

Desta forma, percebe-se que a Lei Maria da Penha respeita sim o princípio

constitucional da igualdade, pois visa amenizar toda a discriminação negativa sofrida

pelas mulheres, elevando-a ao mesmo patamar dos homens por meio desta ação

afirmativa, também chamada de discriminação positiva.

Além disso, a igualdade almejada pela lei em estudo não é aquela formal,

de fato, e sim a igualdade em direitos e em obrigações, de modo que caso haja

tratamento desigual entre homens e mulheres, haverá afronta à Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988.

Com isso, infere-se que apenas a própria Constituição pode prever

tratamento diverso para homens e mulheres ou, ainda, a legislação

infraconstitucional pode fazê-lo com o intuito de amenizar o tratamento diferenciado

em razão do sexo, exatamente, o propósito da Lei Maria da Penha.

Deste modo, espera-se que a Ação Declaratória de Constitucionalidade, que

tramita perante o Supremo Tribunal Federal, ajuizada pelo Presidente da República,

representado pelo Advogado Geral da União, cujo objeto é a confirmação da Lei

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Maria da Penha, seja julgada favorável, a fim de que o Poder Judiciário entre num

consenso e passe a aplicar essa Lei, tão importante na busca da igualdade de

gênero.

.

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ANEXO – LEI N.º 11.340/2006

Presidência da República Casa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006.

Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

TÍTULO I

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1o Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Art. 2o Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

Art. 3o Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à

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moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

§ 1o O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 2o Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput.

Art. 4o Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

TÍTULO II

DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Art. 6o A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.

CAPÍTULO II

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DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

CONTRA A MULHER

Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

TÍTULO III

DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

CAPÍTULO I

DAS MEDIDAS INTEGRADAS DE PREVENÇÃO

Art. 8o A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados,

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do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes:

I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação;

II - a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às conseqüências e à freqüência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas;

III - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1o, no inciso IV do art. 3o e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal;

IV - a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher;

V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;

VI - a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais ou entre estes e entidades não-governamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher;

VII - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia;

VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;

IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.

CAPÍTULO II

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DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

Art. 9o A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.

§ 1o O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal.

§ 2o O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica:

I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta;

II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.

§ 3o A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar compreenderá o acesso aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual.

CAPÍTULO III

DO ATENDIMENTO PELA AUTORIDADE POLICIAL

Art. 10. Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis.

Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo ao descumprimento de medida protetiva de urgência deferida.

Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências:

I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;

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II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal;

III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida;

IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;

V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis.

Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:

I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada;

II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;

III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência;

IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários;

V - ouvir o agressor e as testemunhas;

VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele;

VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público.

§ 1o O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter:

I - qualificação da ofendida e do agressor;

II - nome e idade dos dependentes;

III - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida.

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§ 2o A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no § 1o o boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida.

§ 3o Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde.

TÍTULO IV

DOS PROCEDIMENTOS

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 13. Ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher aplicar-se-ão as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil e da legislação específica relativa à criança, ao adolescente e ao idoso que não conflitarem com o estabelecido nesta Lei.

Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Parágrafo único. Os atos processuais poderão realizar-se em horário noturno, conforme dispuserem as normas de organização judiciária.

Art. 15. É competente, por opção da ofendida, para os processos cíveis regidos por esta Lei, o Juizado:

I - do seu domicílio ou de sua residência;

II - do lugar do fato em que se baseou a demanda;

III - do domicílio do agressor.

Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

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Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.

CAPÍTULO II

DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

Seção I

Disposições Gerais

Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:

I - conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência;

II - determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso;

III - comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis.

Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.

§ 1o As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado.

§ 2o As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados.

§ 3o Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público.

Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial.

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Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

Art. 21. A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão, sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do defensor público.

Parágrafo único. A ofendida não poderá entregar intimação ou notificação ao agressor.

Seção II

Das Medidas Protetivas de Urgência que Obrigam o Agressor

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

§ 1o As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.

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§ 2o Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6o da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.

§ 3o Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.

§ 4o Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5o e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil).

Seção III

Das Medidas Protetivas de Urgência à Ofendida

Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:

I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;

II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;

III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;

IV - determinar a separação de corpos.

Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:

I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;

II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;

III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;

IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.

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Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo.

CAPÍTULO III

DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Art. 25. O Ministério Público intervirá, quando não for parte, nas causas cíveis e criminais decorrentes da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Art. 26. Caberá ao Ministério Público, sem prejuízo de outras atribuições, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando necessário:

I - requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social e de segurança, entre outros;

II - fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, e adotar, de imediato, as medidas administrativas ou judiciais cabíveis no tocante a quaisquer irregularidades constatadas;

III - cadastrar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

CAPÍTULO IV

DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA

Art. 27. Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado, ressalvado o previsto no art. 19 desta Lei.

Art. 28. É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da lei, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado.

TÍTULO V

DA EQUIPE DE ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR

Art. 29. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que vierem a ser criados poderão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde.

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Art. 30. Compete à equipe de atendimento multidisciplinar, entre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito ao juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante laudos ou verbalmente em audiência, e desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas, voltados para a ofendida, o agressor e os familiares, com especial atenção às crianças e aos adolescentes.

Art. 31. Quando a complexidade do caso exigir avaliação mais aprofundada, o juiz poderá determinar a manifestação de profissional especializado, mediante a indicação da equipe de atendimento multidisciplinar.

Art. 32. O Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, poderá prever recursos para a criação e manutenção da equipe de atendimento multidisciplinar, nos termos da Lei de Diretrizes Orçamentárias.

TÍTULO VI

DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS

Art. 33. Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente.

Parágrafo único. Será garantido o direito de preferência, nas varas criminais, para o processo e o julgamento das causas referidas no caput.

TÍTULO VII

DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 34. A instituição dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher poderá ser acompanhada pela implantação das curadorias necessárias e do serviço de assistência judiciária.

Art. 35. A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e promover, no limite das respectivas competências:

I - centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar;

II - casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de violência doméstica e familiar;

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III - delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de perícia médico-legal especializados no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar;

IV - programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar;

V - centros de educação e de reabilitação para os agressores.

Art. 36. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão a adaptação de seus órgãos e de seus programas às diretrizes e aos princípios desta Lei.

Art. 37. A defesa dos interesses e direitos transindividuais previstos nesta Lei poderá ser exercida, concorrentemente, pelo Ministério Público e por associação de atuação na área, regularmente constituída há pelo menos um ano, nos termos da legislação civil.

Parágrafo único. O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz quando entender que não há outra entidade com representatividade adequada para o ajuizamento da demanda coletiva.

Art. 38. As estatísticas sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher serão incluídas nas bases de dados dos órgãos oficiais do Sistema de Justiça e Segurança a fim de subsidiar o sistema nacional de dados e informações relativo às mulheres.

Parágrafo único. As Secretarias de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal poderão remeter suas informações criminais para a base de dados do Ministério da Justiça.

Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no limite de suas competências e nos termos das respectivas leis de diretrizes orçamentárias, poderão estabelecer dotações orçamentárias específicas, em cada exercício financeiro, para a implementação das medidas estabelecidas nesta Lei.

Art. 40. As obrigações previstas nesta Lei não excluem outras decorrentes dos princípios por ela adotados.

Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Art. 42. O art. 313 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), passa a vigorar acrescido do seguinte inciso IV:

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“Art. 313. .................................................

................................................................

IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.” (NR)

Art. 43. A alínea f do inciso II do art. 61 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 61. ..................................................

.................................................................

II - ............................................................

.................................................................

f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica;

........................................................... ” (NR)

Art. 44. O art. 129 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 129. ..................................................

..................................................................

§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

..................................................................

§ 11. Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.” (NR)

Art. 45. O art. 152 da Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:

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“Art. 152. ...................................................

Parágrafo único. Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação.” (NR)

Art. 46. Esta Lei entra em vigor 45 (quarenta e cinco) dias após sua publicação.

Brasília, 7 de agosto de 2006; 185o da Independência e 118o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Dilma Rousseff

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 8.8.2006