a (in)constitucionalidade da suspensÃo da …

41
4 A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO DE TRÂNSITO COMO FORMA DE COAGIR O DEVEDOR AO PAGAMENTO DE DÍVIDA CIVIL YANN ALMEIDA BATISTA 1 RESUMO: O tema desta pesquisa é a constitucionalidade ou não da suspensão da habilitação de trânsito (CNH) como forma de coagir o devedor ao pagamento de dívida civil, tendo como fundamento o artigo 139, IV do Código de Processo Civil de 2015 e o artigo 5º, XV da Constituição Federal de 1988. Adotou-se os seguintes objetivos: objetivo geral, analisar as possibilidades de suspensão da habilitação de trânsito e do passaporte como meio de cobrança de dívida civil conforme permite o artigo 139, IV do Código de Processo Civil e respeitando o artigo 5º, XV da Constituição Federal de 1988. E objetivos específicos: esclarecer, o que é a inadimplência e os caminhos que o administrador de empresas tem para ceder crédito e realizar cobranças. Esclarecer a questão da supremacia Constitucional frente ao Código de Processo Civil de 2015 e a forma com que o mesmo está sendo aplicado no ordenamento jurídico brasileiro, destrinchar o artigo 139, IV do Código de Processo Civil, explicando como o mesmo deve ser interpretado, aplicado. Suscitar a ordem que todas as normas devem seguir a Constituição Federal de 1988, referente a questão do direito de ir e vir. Citar as convergências e divergências entre o artigo 139, IV do Código de Processo Civil e o artigo 5º, XV da Constituição Federal de 1988 no que tange a suspensão da habilitação de trânsito (CNH) como forma de coagir o devedor ao pagamento de dívida civil. Na primeira parte tratou-se da inadimplência deixando clara a interface entre Administração de empresas e Direito, comercial e do consumidor, evidenciando as formas que a empresa tem de ceder crédito e cobrar seus dividendos. No segundo capítulo apresentou-se a questão da supremacia da Constituição Federal de 1988, e o papel do devido processo legal e do juiz frente as causas. No terceiro capítulo apresenta-se a análise doutrinária referente a aplicação do artigo 139, IV do Código de Processo Civil. O marco teórico para a pesquisa baseia-se em obras dos mais renomados juristas brasileiros, tais como Alexandre de Moraes, José Afonso da Silva, Daniel Amorim Assumpção Neves, Alexandre Câmara, Humberto Theodoro Júnior, Silvio Rodrigues. Concluiu-se que o inciso IV do artigo 139 do Código de Processo Civil faculta ao juiz determinar todas as medidas necessárias para resolver a lide processual, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. Tal preceito pode criar mudanças substanciais na efetivação das decisões judiciais, mas o direito de ir e vir está previsto em nossa carta maior em seu artigo 5º, inciso XV "Artigo 5º (...) XV, é clausula pétrea, a qual não pode ser derrogada. Palavras-chave: Processo Civil. Cobrança. Medida necessária. Direito de ir e vir. Constitucionalidade. 1 Advogado. Pós graduando em Direito Processual Civil pelo Complexo Educacional Renato Saraiva - CERS (2019-2020). Graduado em Direito pela Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMG (2018). Email: [email protected].

Upload: others

Post on 21-Oct-2021

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

4

A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO

DE TRÂNSITO COMO FORMA DE COAGIR O DEVEDOR AO

PAGAMENTO DE DÍVIDA CIVIL

YANN ALMEIDA BATISTA1

RESUMO: O tema desta pesquisa é a constitucionalidade ou não da suspensão da habilitação

de trânsito (CNH) como forma de coagir o devedor ao pagamento de dívida civil, tendo como

fundamento o artigo 139, IV do Código de Processo Civil de 2015 e o artigo 5º, XV da

Constituição Federal de 1988. Adotou-se os seguintes objetivos: objetivo geral, analisar as

possibilidades de suspensão da habilitação de trânsito e do passaporte como meio de cobrança

de dívida civil conforme permite o artigo 139, IV do Código de Processo Civil e respeitando o

artigo 5º, XV da Constituição Federal de 1988. E objetivos específicos: esclarecer, o que é a

inadimplência e os caminhos que o administrador de empresas tem para ceder crédito e

realizar cobranças. Esclarecer a questão da supremacia Constitucional frente ao Código de

Processo Civil de 2015 e a forma com que o mesmo está sendo aplicado no ordenamento

jurídico brasileiro, destrinchar o artigo 139, IV do Código de Processo Civil, explicando como

o mesmo deve ser interpretado, aplicado. Suscitar a ordem que todas as normas devem seguir

a Constituição Federal de 1988, referente a questão do direito de ir e vir. Citar as

convergências e divergências entre o artigo 139, IV do Código de Processo Civil e o artigo 5º,

XV da Constituição Federal de 1988 no que tange a suspensão da habilitação de trânsito

(CNH) como forma de coagir o devedor ao pagamento de dívida civil. Na primeira parte

tratou-se da inadimplência deixando clara a interface entre Administração de empresas e

Direito, comercial e do consumidor, evidenciando as formas que a empresa tem de ceder

crédito e cobrar seus dividendos. No segundo capítulo apresentou-se a questão da supremacia

da Constituição Federal de 1988, e o papel do devido processo legal e do juiz frente as causas.

No terceiro capítulo apresenta-se a análise doutrinária referente a aplicação do artigo 139, IV

do Código de Processo Civil. O marco teórico para a pesquisa baseia-se em obras dos mais

renomados juristas brasileiros, tais como Alexandre de Moraes, José Afonso da Silva, Daniel

Amorim Assumpção Neves, Alexandre Câmara, Humberto Theodoro Júnior, Silvio

Rodrigues. Concluiu-se que o inciso IV do artigo 139 do Código de Processo Civil faculta ao

juiz determinar todas as medidas necessárias para resolver a lide processual, inclusive nas

ações que tenham por objeto prestação pecuniária. Tal preceito pode criar mudanças

substanciais na efetivação das decisões judiciais, mas o direito de ir e vir está previsto em

nossa carta maior em seu artigo 5º, inciso XV "Artigo 5º (...) XV, é clausula pétrea, a qual não

pode ser derrogada.

Palavras-chave: Processo Civil. Cobrança. Medida necessária. Direito de ir e vir.

Constitucionalidade.

1 Advogado. Pós graduando em Direito Processual Civil pelo Complexo Educacional Renato Saraiva -

CERS (2019-2020). Graduado em Direito pela Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMG (2018).

Email: [email protected].

Page 2: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

5

ABSTRACT: The subject of this research is the constitutionality or not of the suspension of

the transit authorization (CNH) as a way to coerce the debtor to pay civil debt, based on

Article 139, IV of the Code of Civil Procedure of 2015 and Article 5º, XV of the Federal

Constitution of 1988. The following objectives were adopted: general objective, to analyze

the possibilities of suspension of the transit authorization and of the passport as a means of

collecting civil debt as permitted by article 139, IV of the Code of Civil Procedure and

respecting article 5, XV of the Federal Constitution of 1988. And specific objectives: clarify,

what is the default and the ways that the business administrator has to cede credit and make

collections. Clarify the issue of Constitutional supremacy in relation to the Civil Procedure

Code of 2015 and the way in which it is being applied in the Brazilian legal system, to

unravel Article 139, IV of the Code of Civil Procedure, explaining how it should be

interpreted, applied. Raise the order that all rules must follow the Federal Constitution of

1988, regarding the issue of the right to come and go. To cite the convergences and

divergences between article 139, IV of the Code of Civil Procedure and article 5, XV of the

Federal Constitution of 1988 regarding the suspension of the transit authorization (CNH) as a

way to coerce the debtor to pay civil debt. The first part dealt with the default, making clear

the interface between Business Administration and Law, commercial and consumer,

highlighting the ways in which the company has to give credit and collect its dividends. In the

second chapter the question of the supremacy of the Constitution was presented 1988, and the

role of due process and of the judge in face of the causes. The third chapter presents the

doctrinal analysis regarding the application of article 139, IV of the Code of Civil Procedure.

The theoretical framework for the research is based on works by the most renowned Brazilian

jurists, such as Alexandre de Moraes, José Afonso da Silva, Daniel Amorim Assumpção

Neves, Alexandre Câmara, Humberto Theodoro Júnior and Silvio Rodrigues. It was

concluded that section IV of article 139 of the Code of Civil Procedure empowers the judge to

determine all necessary measures to resolve the procedural lawsuit, including in actions that

have as pecuniary benefit. Such a provision may create substantial changes in the

effectiveness of judicial decisions, but the right to come and go is provided in our major letter

in its article 5, item XV "Article 5 (...) XV, is a stony clause, which can not be derogated

from.

Keywords: Civil Procedure. Collection. Measure required. Right to come and go.

Constitutionality.

Page 3: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

6

INTRODUÇÃO

O tema desta pesquisa é a constitucionalidade ou não da suspensão da habilitação de

trânsito (CNH) como forma de coagir o devedor ao pagamento de dívida civil, tendo como

fundamento o artigo 139, IV do Código de Processo Civil de 2015 e o artigo 5º, XV da

Constituição Federal de 1988.

O artigo 139, IV do Código de Processo Civil de 2015 faculta ao magistrado aplicar

medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para assegurar o

cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação

pecuniária. Entretanto, alguns juízes de primeiro grau vêm aplicando tal dispositivo de forma

desproporcional, suspendo a CNH dos requeridos nas ações civis sem atender os parâmetros

da proporcionalidade e subsidiariedade, ferindo assim, o direito de ir e vir dos cidadãos

brasileiros, o qual é previsto no artigo 5º, XV da Constituição Federal.

Adotou-se os seguintes objetivos: objetivo geral, analisar as possibilidades de

suspensão da habilitação de trânsito e do passaporte como meio de cobrança de dívida civil

conforme permite o artigo 139, IV do Código de Processo Civil e respeitando o artigo 5º, XV

da Constituição Federal de 1988. E objetivos específicos: esclarecer, o que é a inadimplência

e os caminhos que o administrador de empresas tem para ceder crédito e realizar cobranças.

Esclarecer a questão da supremacia Constitucional frente ao Código de Processo Civil de

2015 e a forma com que o mesmo está sendo aplicado no ordenamento jurídico brasileiro.

Destrinchar o artigo 139, IV do Código de Processo Civil, explicando como o mesmo deve

ser interpretado, aplicado. Suscitar a ordem que todas as normas devem seguir a Constituição

Federal de 1988, referente a questão do direito de ir e vir. Citar as convergências e

divergências entre o artigo 139, IV do Código de Processo Civil e o artigo 5º, XV da

Constituição Federal de 1988 no que tange a suspensão da habilitação de trânsito (CNH)

como forma de coagir o devedor ao pagamento de dívida civil.

Não se pode negar a ordem a ser seguida na aplicação da lei no Brasil, qual seja, todas

as normas derivam da Constituição Federal e devem segui-la, uma vez que é a norma mais

consagrada e rígida existente em nosso ordenamento jurídico brasileiro. Logo, os magistrados

devem ter bastante cuidado ao aplicar o disposto do artigo 139, IV do Código de Processo

Civil, evitando que a desproporcionalidade de medidas, sejam elas indutivas, coercitivas,

mandamentais ou sub-rogatórias, venham a atingir o direito de ir e vir do devedor civil.

Isto é, não importa quanto o requerido da ação civil esteja devendo, cabe ao

magistrado, observar os princípios contidos em nossa lei maior (Constituição Federal) e

Page 4: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

7

aplicar a lei de forma proporcional ao caso concreto. Também cabe aos tribunais superiores,

como guardiões de tais leis, ratificaram essa proporcionalidade, para que no final, o cidadão

brasileiro possa exercer seu direito de ir e vir de forma integral.

Esta pesquisa justifica-se não somente pela sua aplicabilidade jurídica, mas também

pela interferência na vida dos cidadãos brasileiros, visto que o direito de ir e vir está

estritamente ligado com o direito à vida, ambos previstos em nossa Constituição Federal. A

partir disso, resta clara a necessidade de estudar-se-á tal questão, para que os operadores do

direito, sejam advogados, promotores, mas, especialmente os magistrados, utilizem da

faculdade de deferir medidas de forma proporcional e justa, sempre atendendo o disposto da

lei.

Esta pesquisa tem por base, precisamente, texto de lei, além, evidentemente, livros

jurídicos de renomados autores. Para efetuar um maior diálogo é indispensável buscar outras

fontes, tais como decisões de tribunais superiores, súmulas proferidas, bem como um estudo

de artigos científicos. Trata-se de uma pesquisa aplicada baseada em fontes primárias

(constituição federal, leis federais, jurisprudência), bem como fontes secundárias (livros em

geral, artigos científicos, periódicos). Em razão do Código de Processo Civil ter entrado em

vigor em 2016, os dados obtidos deverão ser considerados apenas no nível exploratório. Já a

abordagem será por meio qualitativo, partindo dos principais aspectos da matéria, a partir de

uma apreciação crítica dos juristas, para se chegar à proposição geral, ou seja, aos conceitos

jurídicos.

O método de procedimento será o histórico, com a demonstração da origem da matéria

e de sua aplicação nos casos concretos. Como já dito acima, a quantidade de estudos/textos

publicados acerca do tema é bastante moderada, em razão do Código de Processo Civil ser de

2015. O marco teórico para a pesquisa baseia-se em obras dos mais renomados juristas

brasileiros, tais como Alexandre de Moraes, José Afonso da Silva, Daniel Amorim

Assumpção Neves, Alexandre Câmara, Humberto Theodoro Júnior, Silvio Rodrigues, entre

outros. Este trabalho foi dividido em três partes. Na primeira parte tratou-se da inadimplência

deixando clara a interface entre Administração de empresas e Direito, comercial e do

consumidor, evidenciando as formas que a empresa tem de ceder crédito e cobrar seus

dividendos. No segundo capítulo apresentou-se a questão da supremacia da Constituição

Federal de 1988, e o papel do devido processo legal e do juiz frente as causas. No terceiro

capítulo apresenta-se a análise doutrinária referente à aplicação do artigo 139, IV do Código

de Processo Civil.

Page 5: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

8

1 BREVES APONTAMENTOS SOBRE A INADIMPLÊNCIA E AS POLÍTICAS DE

CRÉDITO E COBRANÇA

Inicialmente vale a pena tratar, mesmo que de forma breve, sobre a inadimplência,

estabelecendo seu conceito, sua origem quanto às empresas de crédito e sua relação com o

Poder Judiciário.

Segundo Silva (2015, p. 95) pode-se dizer que o crédito é um ato de vontade ou

disposição de alguém em ceder algo a outrem, por um prazo pré-determinado, com a

expectativa de recebê-lo de volta obtendo-se o lucro.

Por sua vez, Inadimplemento é a falta de pagamento ou o não cumprimento de um

contrato ou cláusula deste. Pode significar a não satisfação daquilo que se está obrigado, do

prazo que está sendo predeterminado. (SILVA, 2015) Em outras palavras, inadimplemento é o

não pagamento da dívida.

Diante dessa possibilidade de cobrança e da incapacidade de pagamento, chega-se a

ponto da insolvência que é a perda total da capacidade de pagamento, típico quadro de

“insuficiência patrimonial ou valor referente ao patrimônio do devedor insolvente é inferior

ao montante de sua dívida” (SCHRICKEL, 2018, p. 54).

Segundo Neto e Tibúrcio (1997, p. 56) “o empresário bem preparado para os negócios

e atento às frequentes mudanças do mercado financeiro deve ter consciência de que a

inadimplência pode ser evitada, antes de efetuada a venda, através de ações de caráter

preventivo bastante simples”.

A despeito dos custos envolvidos na questão da inadimplência, a prevenção acaba se

configurando como um excelente caminho para evitar tal problema, uma vez que os recursos

imobilizados serão mínimos se comparados ao enorme prejuízo final (ANDRADE, 2000, P.

156).

Assim, em se considerando que a inadimplência se apresenta como um fator

prejudicial às empresas é necessário que seja realizada uma análise cuidadosa de suas causas,

visando assim, a ocorrência de menos prejuízos. Importante ressaltar ainda, que o

administrador (credor em uma futura ação judicial) pode desempenhar um papel-chave para

evitar o fracasso de sua firma, uma vez que é seu dever monitorar o pulso financeiro da

empresa, mensurando todos os pontos críticos que se apresentarem ao negócio (GITMAN,

2017).

Um fato comprovado na economia nacional é que a maioria das empresas sofrem com

os consumidores inadimplentes. Esse quadro é sentido com maior incidência nos setores do

Page 6: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

9

comércio e de serviços (SERASA, 2018). Para Gitman (2017) constantes e imprevisíveis

mudanças na economia brasileira podem diminuir ou aumentar os níveis de inadimplência

tanto na indústria como no comércio.

Segundo SOUZA (2002, p. 534) pode-se observar alguns fatores que levam os

consumidores à inadimplência:

Dificuldades financeiras pessoais, que impossibilitam o cumprimento de

suas obrigações; desemprego; falta de controle nos gastos; compras para

terceiros; atraso de salário; comprometimento de renda com outras despesas;

redução de renda; doenças; uso do dinheiro com outras compras; má fé.

Importante reiterar que a ocorrência destes fatores é mais comum em tempos em que a

sociedade possa estar enfrentando uma crise (SERASA, 2018). Portanto, para lidar com a

inadimplência, é preciso antes conhecê-la bem, sabendo quais os fatores que a ocasionaram. A

partir daí, do ponto de vista do credor, deve-se adotar práticas preventivas, podendo desta

forma controlá-la.

Conforme Souza (2002, p. 67) o empresário deve verificar alguns fatores que pendem

para um aumento no índice de inadimplência:

Sazonalidade, ou seja, em que épocas do ano a inadimplência é maior ou

menor; número de prestações em atraso; valor médio das prestações em

atraso; verificação do tempo de abertura da conta corrente, posto que as

contas abertas com menos de um ano, têm maior índice de inadimplência.

Nas empresas dos setores do comércio e de serviços, a inadimplência apresenta um

aumento em seu índice nos três primeiros meses do ano (janeiro, fevereiro e março), devido

ao acúmulo de vendas realizadas no mês de dezembro (SERASA, 2018). E, coincidentemente,

é nestes meses iniciais que ocorre a queda nas atividades destes setores empresariais,

deixando assim muitos empresários em dificuldades, tendo em vista que contavam com o

pagamento das vendas parceladas de final de ano, para suprir o baixo volume de vendas

efetuadas (SERASA, 2018).

Ainda sobre a questão da sazonalidade, Souza (2002, p. 70) apresenta dois tipos:

A de aumento das vendas, que ocorre no final do ano, quando a maioria das

pessoas recebe o 13º salário, passando assim a consumir mais, sendo que

grande parte das compras é feita de forma parcelada, por meio de cheque

pré-datado, cartões de crédito ou financeiras. A de queda nas vendas ou

atividades nos três primeiros meses do ano, porque a maioria dos

consumidores está comprometida com outras despesas como: matrícula na

escola, compra de material escolar, férias etc.

Page 7: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

10

Conforme estudo desenvolvido pela área de Decision Analytics da Serasa Experian,

em junho de 2018, o número de consumidores inadimplentes no país era de 61,8 milhões, o

maior desde o início da série, realizado em 2016. Na comparação com junho de 2017 (60,6

milhões), o índice teve aumento de 1,98%. O montante alcançado pelas dívidas em junho

deste ano foi de R$ 273,4 bilhões, com média de quatro dívidas por CPF, totalizando R$

4.426 por pessoa.

Segundo os economistas da Serasa Experian (2018), o enfraquecimento do ritmo de

crescimento econômico contribui para manter em patamares elevados as taxas de desemprego

no país e, consequentemente, os níveis recordes de inadimplência do consumidor.

Segundo Sanvicente e Santos (2013, p. 32): “A inadimplência dos clientes de uma

empresa pode decorrer do quadro econômico geral do país ou de fatores no âmbito da própria

empresa”. O capital de giro exige maior esforço do administrador financeiro. Ele precisa de

acompanhamento permanente, pois está continuamente sofrendo o impacto das diversas

mudanças enfrentadas pela empresa. Analisando essa afirmativa verifica-se que o estudo da

inadimplência exige pesquisas não apenas na área interna da empresa como também no

ambiente externo.

Segundo os economistas da Serasa Experian (2018) “É preciso refletir sobre as

ocorrências e as causas da enorme inadimplência existente hoje no país, e encontrar o

caminho de solução em maior escala desse problema que a muitos vem afetando”.

A citação acima revela a necessidade de se estar atento as constantes mudanças na

economia do país, bem como em estar atualizado com as novas ferramentas de combate a esse

problema, uma vez que a inadimplência afeta diversos setores. Assim, é necessário um estudo

apurado para descobrir as causas da inadimplência, a fim de evitá-la e o que será discutido, de

forma breve, na sequência.

1.1 Fatores Causadores da Inadimplência

Importante tratar-se, mesmo que de forma breve, alguns fatores causadores da

inadimplência, uma vez que o credor (futuro exequente) acionará o Poder Judiciário com o

fim de ter seu crédito satisfeito.

A economia exige competitividade a todo momento e com isso as empresas

necessitam de profissionais qualificados para definir estratégias hábeis, informações precisas

e planejamento eficazes para a contenção da inadimplência, dessa forma, diminuindo, mesmo

que de forma indireta, o número de ações distribuídas no Poder Judiciário.

Page 8: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

11

Para fins de mera informação, vale aduzir que apenas no ano de 2017 foram

distribuídas 19.803.441 ações nos tribunais brasileiros. Importante acrescentar ainda que,

entre 2010 e 2017, cerca 155 milhões de processos foram ajuizados no Brasil (CNJ, 2018).

Em contrapartida, o Conselho Nacional de Justiça, estabeleceu metas a serem cumpridas pelos

magistrados, com o fim de aperfeiçoar a prestação jurisdicional, buscando proporcionar à

sociedade serviços mais céleres, com maior eficiência e qualidade (CNJ, 2018). Reflexo

disso, foram as 20.737.514 ações julgadas apenas no ano de 2017 (CNJ, 2018).

No que diz respeito à inadimplência Gitman (2002, p. 758), leciona que:

A principal causa da inadimplência é a má administração, a qual é

responsável por mais de 50% de todos os casos. Numerosos erros

administrativos específicos podem levar a empresa ao fracasso. A expansão

excessiva, medidas financeiras inadequadas, uma força de vendas

ineficiente e altos custos de produção podem, isoladamente ou em conjunto,

causar o fracasso de uma empresa.

Sabe-se que as causas da inadimplência se devem a fatores internos e externos.

Entretanto este trabalho propõe identificar somente as causas internas. Portanto, torna-se

necessário conhecer de forma breve as teorias sobre o processo de concessão de crédito e

cobrança e os C’s do crédito. Esse é o próximo assunto a ser discutido.

1.2 Administração do Sistema de Crédito e Cobrança

“O sucesso ou fracasso de algumas empresas estão devidamente relacionadas às

estratégias utilizadas pelas empresas em determinado momento e os seus efeitos no ambiente

onde estão inseridas” (SEBRAE, 2012). Não cabe nesse presente trabalho analisar as

estratégias adotadas pelas empresas, uma vez que é do âmbito da administração, porém vale

citar-se-á algumas para fins de contextualização.

Segundo Brigham (2001), a política de crédito, por sua vez, consiste nestas quatro

variáveis:

O período de crédito, que constitui a extensão que os compradores

necessitam para pagar suas compras; Os padrões de crédito, que se referem à

força financeira mínima dos clientes aceitáveis e à quantia de crédito

disponível para diferentes clientes; A política de cobrança da empresa, que é

medida por sua rigidez ou acompanhamento das contas de pagamento lento;

Quaisquer descontos dados por pagamento antecipado, incluindo-se a

quantia de desconto e o período (BRIGHAM, 2001, p.55).

Page 9: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

12

É por falta de informações financeiras precisas que a maioria das pequenas empresas

brasileiras entram em falência até o quinto ano de funcionamento, conforme dados do

SEBRAE/MG, uma vez que estas não têm planejamento nem mão de obra qualificada na hora

de tomar decisões. Por outro lado, as empresas de maior porte, criam uma divisão por setores,

afim de que não ocorra confusões e sobrecarga de suas finanças. Deste modo, o administrador

financeiro pode atuar em diversas áreas específicas. A administração é gerida por grupos de

pessoas que denominadas como: vice-presidente de finanças, diretor financeiro, e gerente

financeiro (SEBRAE, 2012).

Quanto ao crédito Hoji (2011, p.5) ensina que: “crédito é todo ato de vontade ou

disposição de um indivíduo de enfatizar, ou ceder por determinado período para do

patrimônio a um terceiro com a expectativa de que esta parcela volte a sua posse

integralmente depois de decorrido prazo estabelecido”.

Sobre cadastro Hoji (2011, p. 367) aduz que: “se uma empresa decidir conceder

crédito a seus clientes deverá estabelecer procedimentos de concessão de crédito e cobrança”.

A análise de crédito não se resume a uma análise inicial. A situação do

cliente, mesmo daqueles antigos e tradicionais, deve ser constantemente

monitorada e atualizada, quando aos aspectos de pontualidade, capacidade

de pagamento e situação financeira (HOJI, 2011, p. 129).

Ante o exposto e conforme Cartilha do SEBRAE (2012) nas operações de crédito, as

empresas analisam e ponderam, convenientemente, os chamados “modelos de análise e

concessão de crédito”, que constituem a base para uma operação sadia, de forma que os

clientes consigam saldar as compras no vencimento e nos valores estabelecidos dentre esses

modelos e, consequentemente, diminuindo de forma direta as ações distribuídas no Poder

Judiciário.

1.3 Políticas de Crédito

Segundo Brigman (2000, p. 438) “crédito é um conjunto de uma palavra do latim

credere que significa acreditar, confiar”. Sua evolução está ligada a evolução dos povos e a

utilização da moeda como instrumento de trocas. Com o crescimento das atividades

comerciais e industriais, houve a necessidade de desenvolvimento de novas especificações e

facilidades de crédito.

Page 10: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

13

A política de cessão de crédito no Brasil é regida, de forma geral, pelo Código Civil de

2002, em seu artigo 286, in verbis:

A cessão só não poderá ser realizada se a isso se opuser a natureza da

obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor, sendo que nesta última

hipótese a cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se no

instrumento representativo da convenção não constar cláusula vedando-a.

Para ser eficaz em relação a terceiros, a cessão deve ser celebrada mediante

instrumento público ou particular que contenha a indicação do lugar em que foi celebrado, a

qualificação das partes, a data e o objetivo da cessão, com a designação e a extensão do

crédito conferido, conforme pode se extrair da combinação dos arts. 288 e 654, § 1°, ambos

do Código Civil.

A utilização do crédito tem se tornado cada vez mais necessária e importante, quando

considerada a necessidade de consumo em massa. Atualmente, tanto as pessoas físicas, quanto

as jurídicas, estão continuamente em busca de crédito, a fim de satisfazer as suas necessidades

essenciais, a sua sobrevivência ou até mesmo os seus desejos. Já as pessoas jurídicas, na

maioria das vezes, vão a busca de crédito a fim de cobrir as deficiências do fluxo de caixa.

O crédito pode ainda fazer com que as empresas aumentem seu nível de

atividade; estimular o consumo influenciado na demanda; cumprir uma

função social ajudando as pessoas a obterem moradia, bens e alimentos,

facilitar a execução de projetos para os quais as empresas não disponham de

recursos próprios suficientes. A tudo isso, por outro lado, deve-se

acrescentar que o crédito pode tornar empresas ou pessoas físicas altamente

endividadas, assim como pode ser forte componente de um processo

inflacionário (SILVA, 2015, p. 23).

Para Neto e Tibúrcio (1997, p. 98), “a política de crédito fixa os parâmetros da

empresa em ter-se-á de vendas a prazo; na política de crédito, estarão os elementos

fundamentais para a concessão, a monitoração e a cobrança do crédito”

Considera Blatt (1999, p. 106) que “um cobrador bem-sucedido deve saber como

atacar, deve fazer qualquer coisa para obter o seu dinheiro, sempre no limite legal e moral. A

realidade é que o cobrador está lidando com seres humanos, não robôs”.

Conforme leciona Sebenius (1998), negociação é um processo científico, quando

estabelecer-se-á o problema conjunto que deve ser resolvido. Assim, um processo de

negociação significa:

Page 11: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

14

Criar, reivindicar e sustentar um valor ao longo do tempo; mas se a maneira

como esse problema conjunto é resolvido mistura ciência e arte, o processo é

muito criativo e oportunista, visto que se está pedindo tudo que é possível

obter em determinada situação (SEBENIUS, 1998, p. 82).

Assim sendo, para Blatt (1999, p. 104), “todas as empresas têm que lidar com clientes

problemáticos”. Acredita-se que não somente com o pagador lento, para quem todas as

técnicas existentes podem ser exigidas para assegurar o pagamento, mas também para o

cliente que está em dificuldades financeiras, o qual terá sérias dificuldades para efetuar o

pagamento.

Infelizmente, algumas empresas buscam, quando muito, verificar se o tomador de

recursos possui garantias necessárias, quando o fundamental nessa prática é identificar a

capacidade de pagamento no futuro, pois é lá que ocorrerá ou não a solvência (SEBENIUS,

1998).

Existem situações em que, mesmo tomadas todas as precauções com um

comportamento altamente profissional na hora da venda, um preço competitivo e uma

completa análise de crédito ocasionam a falta de pagamento e, consequentemente, o prejuízo

para a empresa. Deve-se, nesse momento, realizar uma reflexão sobre as consequências do

eventual “não recebimento” e, principalmente, da maneira mais viável para resolução do

impasse (SEBENIUS, 1998).

Mediante esta nova realidade que se apresentam, as formas adotadas pela maioria das

empresas na análise e negociação, com os inadimplentes e eventuais insolventes, certamente

devem passar por uma revisão, contemplando técnicas e posturas adequadas, como dito

anteriormente. Neste cenário econômico, negociar transforma-se em desafio, principalmente

para as pequenas e médias empresas, que nem sempre contam com profissionais

especializados na condução dessa tarefa (SEBENIUS, 1998).

1.4 Falhas na análise dos requisitos de cessão de Crédito pelas empresas

A qualidade do crédito envolve a avaliação de cinco áreas realmente consideradas

importantes para determinar o valor de crédito de um cliente. Essas cinco áreas, são

referenciadas com palavras que se iniciam com a letra C e são chamadas de os cinco C’s do

crédito. São partes integrantes da análise de crédito. Vários autores citam esses fatores como

melhor avaliação para a concessão ou não do crédito (SILVA, 1988).

Page 12: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

15

Para Silva (1988, p.130), os cinco C’s são: “caráter, condições, capacidade, capital e

colateral.” Porém Silva acrescenta o sexto C, chamado de conglomerado. A subdivisão entre o

C’s do crédito, em aspectos pessoais: caráter, capacidade; e aspectos financeiros; capital e

condições. Para o autor, o quinto C (colateral) deve ser considerado ou exigido, quando os C’s

dos aspectos financeiros, capital e condições, não forem suficientes para a decisão do crédito.

Gitman (2017), também cita os cinco C’s do crédito enfatizando os aspectos pessoais,

caráter e capacidade, considerando-os como fatores mais importantes para a concessão de

crédito, pois:

O analista de crédito geralmente dá maior importância aos dois primeiros

C’s caráter e capacidade- uma vez que eles representam os requisitos

fundamentais para a concessão de crédito a um solicitante. A consideração

para os demais C’s – capital, colateral e condições, é importante para a

definição do acordo de crédito e tomada de decisão final, a qual depende da

experiência e julgamento do analista (GITMAN, 2017, p. 697).

Para Silva (1988, p.130), “caráter refere-se à intenção de pagar. Vale ressaltar que nem

sempre o atraso ou o não pagamento é em decorrência do caráter do indivíduo, pois pode

ocorrer algum imprevisto, que venha interferir nos meios de pagamentos do devedor”.

Para Brigham (2000, p. 441) “é um julgamento subjetivo das possibilidades de

pagamento por parte do cliente. Ela é avaliada em parte pelos registros passados dos clientes”.

Ao buscar informações é necessário que se faça consultas, mais abrangentes, não se

limitando a referências comerciais do cliente. Existem, inclusive, órgãos específicos como

CDL - Câmara Dirigentes Lojistas, Serasa, Banco Central. O Tribunais de Justiça também

possui sistema de consulta processual, pelo qual pode-se, de forma rápida, verificar se a

pessoa é parte ré em ações cíveis, criminais, previdenciárias e trabalhistas.

No caso da pessoa jurídica, para obtenção destes eventos, é feita consulta em cartórios,

verificando se não há títulos protestados, concordata ou falência. Existem outras restrições

que o analista de crédito deve levar em consideração, como ações judiciais e de penhoras,

emissão de cheques sem fundos, atraso no pagamento de impostos, situação no comércio

exterior.

Para Blatt (1999), quanto à capacidade jurídica, é relevante que o analista de crédito,

conheça os índices de crescimento da empresa, quanto à diversificação de sua linha de

produtos, e sua posição no mercado, se está em busca de novos mercados. É importante estar

atento às informações relativas ao macro ambiente, no que diz respeito à concorrência. O

tempo que a empresa está no mercado é outro fator relevante, quando se analisa a capacidade

de pagamento. Até mesmo a idade da empresa é fator relevante. Veja-se:

Page 13: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

16

A análise da idade das empresas propicia-nos importantes informações, de

forma que num conjunto de grande número de empresas insolventes,

constatar-se-á que a grande maioria das insolvências ocorreu na faixa de

três a seis anos da data da fundação, enquanto mais de 50% delas se

concentram na faixa de até nove anos de idade (SILVA, 2015, p.152).

Brigham (2000, p. 441) afirma em relação ao capital que este “é medido pela condição

financeira geral de uma empresa, conforme é indicado por uma análise de suas demonstrações

financeiras”. Ênfase especial é dada aos índices de risco, índice de endividamento/ ativos, o

índice de liquidez corrente é o índice de cobertura de juros. São avaliados o patrimônio

pessoal nas pessoas físicas e balanço patrimonial, no caso de pessoas jurídicas. No caso das

pessoas jurídicas, o conceito de capital é mais perceptível, não deve ser restringida meramente

ao Patrimônio Líquido do balanço patrimonial, deve-se ir mais além, buscar visualizar toda a

estrutura econômica financeira da empresa.

Segundo Silva (2015, p. 155), “o colateral refere-se à capacidade do cliente em

oferecer garantias complementares. A garantia é uma espécie de segurança adicional, em

alguns casos a concessão de crédito poderá dela depender”. O montante de ativos colocados à

disposição pelo solicitante para garantir o crédito. Consequentemente, quanto maior esse

montante, maior será a probabilidade de se recuperar o valor creditado, no caso de

inadimplência (BLATT, 1999).

Existe ainda, a garantia real, a qual assegura ao credor o direito preferencial (artigo

955 e s.s. do Código Civil de 2002) de receber a dívida, em relação aos demais credores. Tais

garantias reais são caracterizadas pelo penhor, a hipoteca e a anticrese, ambas previstas no

artigo 1.419 e s.s. do mesmo dispositivo. É de responsabilidade do analista de crédito, buscar

informações necessárias sobre as possíveis garantias (BLATT, 1999).

Silva (2015, p. 157), destaca várias modalidades de penhor. “O penhor comum, o

especial que compreende o penhor agrícola e o industrial, existe também o penhor mercantil,

e se tratando de bens incorpóreos, tem o chamado penhor de direito”.

A análise da condição do tomador de crédito tem o intuito de avaliar o momento atual

em que o empréstimo está sendo analisado e está para ser liberado. Gitman (2017, p.697),

aduz que “As condições econômicas e empresariais vigentes, bem como circunstâncias

particulares que possa afetar qualquer das partes envolvidas na negociação”.

Os levantamentos de informações para a análise devem estar contidos em um relatório

de visitas, feitas pelo analista, que poderão ser subsidiadas por dados setoriais pelos órgãos

técnicos da instituição que está avaliando os riscos de clientes (BLATT, 1999).

Page 14: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

17

A política de liberação de crédito costuma ser fundamentada na realização de um

contrato de prestação de serviços onde os dados do cliente são requisitados a fim de se

elaborar tanto o cadastro quanto o contrato. A seguir é definida a forma de pagamento que

normalmente se opta pelo boleto bancário, o qual pode ser liquidado mensalmente nos bancos

através do caixa, autoatendimento, home banking, sistemas de pagamento a fornecedores ou,

ainda, pela Internet. (BRIGHAM, 2000).

A empresa pode ainda se utilizar de serviços terceirizados para efetivar seu sistema de

cobrança, e assim os boletos são emitidos por agências bancárias como a Caixa Econômica

Federal. Após o vencimento dos boletos são cobrados juros de mora e multa (BRIGHAM,

2000).

1.5 Política de cobrança

A política de cobrança é um procedimento que visa resolver questões referentes a

contas vencidas. Para que esta política de cobrança seja eficiente e eficaz, primeiramente se

analisa o período médio de recebimento e prepara um quadro que relaciona o tempo de

existência das contas diretamente proporcional a todas as contas a receber. A seguir se decide

quanto ao método de cobrança e avalia a possibilidade de recorrer a serviços de factoring, ou

seja, à venda de contas vencidas (SANVICENTE; SANTOS, 2013).

A Cartilha do SEBRAE (2012) foi criada para colaborar com as empresas em realizar

suas cobranças, já que esta explica que existem algumas regras que devem ser adotadas pelos

empresários para que possa executar seus créditos. As principais regras sugeridas pelo

SEBRAE (2012) são:

Cobrança Instantânea: Quanto mais rápida e eficaz a cobrança, menor será a dívida,

portanto, deve ser iniciada com 03 ou 10 dias de atraso no pagamento, tornando mais eficaz a

recuperação do crédito e reduzindo os índices de inadimplência;

Cobrança Tradicional Prévia: Cobrança tradicional é aquela iniciada habitualmente

após 30 dias de atraso no pagamento, por equipes treinadas para esse tipo de cobrança e que

respeitem as normas contidas no Código de Defesa do Consumidor. Veja-se os procedimentos

a seguir:

1º Passo: Previamente se envia uma Carta de Cobrança com Aviso de Recebimento,

informando que o cliente está em débito, dando a ele um prazo de 5 dias em média para que

regularize o seu débito.

Page 15: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

18

Após esse momento, tem-se algumas possibilidades, que constam da Cartilha do

SEBRAE (2002):

- Surte efeito: o cliente regulariza a situação;

- Não surte efeito: deve-se passar para o 2º. passo;

Conforme consta na Cartilha do SEBRAE, quando as medidas propostas no primeiro

passo não dão certo, o empresário deve:

2º Passo: Posteriormente, notifica-se (com Aviso de Recebimento ou pelo Cartório de

Registro de Títulos e Documentos) o devedor que seu nome será protestado e incluído no SPC

ou SERASA. Feito isso, encaminhar o título ao Cartório de Protestos.

Apenas para fins de informação, essa notificação extrajudicial é em alguns casos

requisito especial para o ajuizamento de processo judicial. Exemplo clássico é o Decreto-Lei

nº 911 de 01/10/1969, mais especificamente em seu artigo 2º, o qual exige a comprovação de

notificação extrajudicial. Veja-se, in verbis:

Art. 2o No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais

garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor

poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta

pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial,

salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar

o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e

entregar ao devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de

contas. (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014)

§ 1º O crédito a que se refere o presente artigo abrange o principal, juros e

comissões, além das taxas, cláusula penal e correção monetária, quando

expressamente convencionados pelas partes.

§ 2o A mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e

poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento, não

se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio

destinatário. (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014)

§ 3º A mora e o inadimplemento de obrigações contratuais garantidas por

alienação fiduciária, ou a ocorrência legal ou convencional de algum dos

casos de antecipação de vencimento da dívida facultarão ao credor

considerar, de pleno direito, vencidas todas as obrigações contratuais,

independentemente de aviso ou notificação judicial ou extrajudicial.

§ 4o Os procedimentos previstos no caput e no seu § 2o aplicam-se às

operações de arrendamento mercantil previstas na forma da Lei no 6.099, de

12 de setembro de 1974.

Parar Gitman (2017) esta é a melhor forma da empresa garantir o recebimento de seus

débitos, pois as cartas de cobrança ou notificação prévia são obrigatórias e estão previstas na

Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990 - Código de Defesa e Proteção ao Consumidor, e são

Page 16: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

19

efetivadas via ECT - Empresa de Correios e Telégrafos, por carta registrada e com AR - aviso

de recebimento.

Se ainda restar alguma inadimplência após a cobrança prévia (extrajudicial), o

empresário poderá realizar à Cobrança Judicial (GITMAN, 2017).

As medidas típicas de cobrança segundo Andrade (2000), são penhoras e arrestos. Elas

atualmente se fundamentam no artigo. 835 do Código de Processo Civil de 2015, in verbis:

A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:

I - Dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição

financeira;

II - Títulos da dívida pública da União, dos Estados e do Distrito Federal

com cotação em mercado;

III - títulos e valores mobiliários com cotação em mercado;

IV - Veículos de via terrestre;

V - Bens imóveis;

VI - bens móveis em geral;

VII - semoventes;

VIII - navios e aeronaves;

IX - Ações e quotas de sociedades simples e empresárias;

X - Percentual do faturamento de empresa devedora;

XI - pedras e metais preciosos;

XII - direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de

alienação fiduciária em garantia;

XIII - outros direitos.

§ 1º É prioritária a penhora em dinheiro, podendo o juiz, nas demais

hipóteses, alterar a ordem prevista no caput de acordo com as circunstâncias

do caso concreto.

§ 2º Para fins de substituição da penhora, equiparam-se a dinheiro a fiança

bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do

débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento.

§ 3º Na execução de crédito com garantia real, a penhora recairá sobre a

coisa dada em garantia, e, se a coisa pertencer a terceiro garantidor, este

também será intimado da penhora.

Para Neves (2015, p. 1178) o art. 835 que estabelece a “a penhora é um procedimento

realizado a fim satisfazer a quantia devida sempre que o devedor não realiza o adimplemento

em três dias a partir de sua citação, sem a necessidade de comprovar os requisitos do fumus

boni iuris e do periculum in mora”.

Esgotados os passos acima, tem-se as medidas judiciais preventivas e antecipatórias

previstas no artigo 139, IV do Código de Processo Civil que representam a possibilidade de se

aplicar a lei 9.492/97 em seus artigos 19 e 26 combinados com o artigo 325 da lei 10.406/02,

in verbis o artigo de ambas as Leis citadas:

Artigo 19. O pagamento do título ou do documento de dívida apresentado

para protesto será feito diretamente no Tabelionato competente, no valor

igual ao declarado pelo apresentante, acrescido dos emolumentos e demais

despesas.

Page 17: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

20

(...)

Artigo 26. O cancelamento do registro do protesto será solicitado

diretamente no Tabelionato de Protesto de Títulos, por qualquer interessado,

mediante apresentação do documento protestado, cuja cópia ficará

arquivada.

(...)

Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002

Artigo 325. Presumem-se a cargo do devedor as despesas com o pagamento

e a quitação; se ocorrer aumento por fato do credor, suportará este a despesa

acrescida.

Importante aduzir que, segundo a lei, o pagamento das despesas é de responsabilidade

exclusiva do devedor. Tal encargo é realizado no ato do pagamento do título ou quando do

cancelamento do protesto, nos ter-se-á do artigo 325 da Lei nº 10.406. O credor só paga as

despesas em casos de sucumbência, tais como: retirada do título sem protesto causando a

desistência, sustação judicial definitiva ou quando ele próprio requerer o cancelamento do

protesto.

Os títulos ou débitos protestados, ou seja, aqueles intimados pelo cartório e não pagos

pelos devedores, no prazo legal, são automaticamente comunicados para todos os cadastros de

proteção ao crédito e sem qualquer despesa para os credores (NEVES, 2015).

Pois bem. Conforme exposto acima, o tema da inadimplência possui várias questões

pertinentes à vontade do credor em receber o débito e o esgotamento das vias administrativas

de cobrança, com o consequente ajuizamento de ações judiciais.

Page 18: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

21

2 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E SUA SUPREMACIA

Inicialmente, faz-se necessário abordar, mesmo que de forma breve, as questões da

supremacia da Constituição Federal e de seus princípios norteadores, uma vez que todo

processo e seu regular desenvolvimento deve segui-la. Isto é, a partir do momento em que o

credor ajuíza uma ação em face do devedor, o magistrado como figura do Poder Judiciário, ao

analisar o que foi pedido pelo credor, deve se ater aos preceitos da Carta Maior.

A Constituição Federal de 1988 é norma maior originária, ou seja, todos os demais

textos do ordenamento jurídico brasileiro devem seguir seus princípios. A referida norma

pertence ao ramo do Direito Público, distinguindo-se dos outros far-se-á do Direito Público

em razão de seu objeto e pelos princípios peculiares que a informam (SILVA, 2015, p. 36).

Ainda sobre essa “subordinação”, vale a pena trazer as palavras de Silva (2015, p. 48):

Nossa Constituição é rígida. Em consequência, é a lei fundamental e

suprema do Estado brasileiro. Toda autoridade só nela encontra fundamento

e só ela confere poderes e competências governamentais. Nem o governo

federal, nem os governos dos Estados, nem dos Municípios ou do Distrito

Federal são soberanos, porque todos são limitados, expressa ou

implicitamente, pelas normas positivas daquela lei fundamental. Exercem

suas atribuições nos ter-se-á nela estabelecidos. Por outro lado, todas as

normas que integram a ordenação jurídica nacional só serão válidas se se

conformarem com as normas da Constituição Federal.

Carvalho denomina como “fenômeno da constitucionalização do Direito”, veja-se em

suas palavras (2009, p. 21):

A Constituição de 1988 passou a ser o centro de toda a ordem jurídica. O

fenômeno denominado ‘constitucionalização do Direito’ não significa

apenas que o texto constitucional tenha incluído normas específicas de cada

domínio do direito, mas, sobretudo, que a interpretação do direito

infraconstitucional se faz sob a ótica e o crivo da Constituição.

Ferreira Filho (2015, p. 48) também reforça essa ideia do crivo da Constituição, veja-

se:

Da superioridade da Constituição resulta serem viciados todos os atos que

com ela conflitam, ou seja, dela resulta a inconstitucionalidade dos atos que

a contrariam. Ora, para assegurar a supremacia da Constituição é preciso

efetivar um crivo, um controle sobre os atos jurídicos, a fim de identificar os

que, por colidirem com a Constituição, não são válidos.

Ante o exposto, resta clara a supremacia existente em nosso ordenamento jurídico

brasileiro, qual seja, que todas as normas infraconstitucionais são obrigadas a seguir os

princípios contidos em nossa Constituição Federal.

Page 19: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

22

2.1 Novo Código de Processo Civil e os princípios constitucionais

A partir do exposto no tópico anterior, o processo civil brasileiro é formado por um

modelo estabelecido pela Carta Maior. Câmara (2016, p. 7) denomina esse paradigma como

“modelo constitucional de processo civil”, o qual designa o conjunto de princípios

constitucionais destinados a disciplinar o processo civil brasileiro.

Princípio, a partir de um conceito mais amplo, pode ser considerado como uma

espécie normativa. Trata-se de norma que estabelece uma meta a ser atingida. Tal objetivo

visa um “estado de coisas”, e isso só pode ser alcançado com determinados comportamentos,

e “esses comportamentos passam a constituir necessidades práticas sem cujos efeitos a

progressiva promoção do fim não se realiza” (DIDIER JR., 2016, p. 50).

No âmbito processual civil ter-se-á diversos princípios informativos que, inclusive,

alguns deles já até mesmo adquiriram caráter de norma processual fundamental

(THEODORO JÚNIOR, 2016, p. 47). Uma parte dessas normas decorre diretamente da

Constituição Federal, fato este denominado como “Direito Processual Fundamental

Constitucional”. Já a outra fração surge da legislação infraconstitucional, como no presente

estudo, o Código de Processo Civil (DIDIER JR.,2016, p. 64).

A doutrina trata essa questão dos princípios de forma bem ampla. Para fins de mera

informação, vale a pena citar-se-á alguns deles: devido processo legal, dignidade da pessoa

humana, legalidade, contraditório, ampla defesa, publicidade, duração razoável do processo,

igualdade processual (paridade de armas), eficiência, boa-fé processual, efetividade,

adequação do processo, cooperação, respeito ao autor regramento da vontade no processo,

primazia da decisão de mérito, proteção da confiança (DIDIER JR., 2016, p. 64).

O Novo Código de Processo Civil no intuito de consagrar tais princípios, destinou seu

primeiro capítulo, de nome “Das normas fundamentais e da aplicação das normas

processuais” (CÂMARA, 2016, p. 7), exatamente, a tratar dessas normas fundamentais. Isto é,

o operador do direito antes de tratar das questões processuais em si, por meio da leitura de tais

artigos (artigo 1º a 15), deve compreender a importância da relação existente entre esses

preceitos fundamentais e a resolução do processo.

Daniel Amorim Assumpção Neves faz uma crítica da transcrição da Constituição

Federal para o Novo Código de Processo Civil, uma vez que se trata de questões óbvias, ou

seja, o conteúdo do ordenamento processual civil não trouxe qualquer novidade ou mesmo

inovação (NEVES, 2016, p. 1). Esse ponto encontra-se no artigo 1º do Código de Processo

Civil, in verbis: “O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os

Page 20: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

23

valores e as normas fundamentais, estabelecidas na Constituição da República Federativa do

Brasil, observando-se as disposições deste Código”. Entretanto, Neves afirma (2016, p. 2) que

mesmo com toda essa evidência de seguir o texto constitucional, foram geradas algumas

controvérsias, como por exemplo, os arts. 927 e 987 do Código de Processo Civil, os quais

são objetos de diversas discussões pelos Tribunais Superiores.

Didier Jr. (2016, p. 49) também suscita essa questão da obviedade, veja-se:

Embora se trate de uma obviedade, é pedagógico e oportuno o alerta de que

as normas de direito processual civil não podem ser compreendidas sem o

confronto com o texto constitucional, sobretudo no caso brasileiro, que

possui um vasto sistema de normas constitucionais processuais, todas

orbitando em torno do princípio do devido processo legal, também de

natureza constitucional.

Ainda nessa questão principiológica, entender-se-á que os princípios que mais

possuem relação com o presente trabalho são: inércia, devido processo legal e a duração

razoável do processo, visto que os mesmos estão estritamente ligados com a resolução da

pretensão do autor (BARROSO, 2005), ora credor no presente estudo.

2.2 Inércia

A partir do momento em que um indivíduo visa satisfazer seu interesse e não consegue

fazê-lo em razão da conduta do outro envolvido, surge a pretensão, ou seja, a exigência que a

outra parte se sujeite ao cumprimento do interesse alheio (TARTUCE; DELLORE; 2018, p.

12). Dessa forma, o Poder Judiciário só exerce sua função, caso o mesmo seja provocado pelo

indivíduo, eis que é tarefa exclusiva do interessado. Veja-se nas palavras de Neves (2015, p.

4 e 5):

O mais correto é limitar o princípio da inércia da jurisdição ao princípio da

demanda (ação), pelo qual fica a movimentação inicial da jurisdição

condicionada à provocação do interessado. Significa dizer que o juiz –

representante jurisdicional – não poderá iniciar um processo de ofício, sendo

tal tarefa exclusiva do interessado. Esse princípio decorre da constatação

inequívoca de que o direito de ação, sendo o direito de provocar a jurisdição

por meio do processo, é disponível, cabendo somente ao interessado decidir

se o exercerá no caso concreto.

Neves (2015, p. 5), inclusive, apresenta três motivos que justificam a inércia da

jurisdição. Primeiro que o juiz não deve transformar um conflito jurídico em um conflito

social, segundo de que poderiam ser sacrificados os meios alternativos de solução dos

conflitos e, terceiro, não menos importante, a perda da indispensável imparcialidade do juiz.

Page 21: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

24

Para Theodoro Júnior (2008) a inércia é a prestação jurisdicional está vinculada à

provocação pelo sujeito interessado.

Ainda sobre o princípio da inércia, é importante dizer que uma vez acionada a

jurisdição, aplica-se a regra do impulso oficial, de maneira que o regular andamento do

processo estará garantido, até determinado ponto, independentemente de provocação das

partes (NEVES, 2015, p. 5). Conforme versa o artigo 2º, Código de Processo Civil “nenhum

juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos

e formas legais”.

O ordenamento jurídico brasileiro possui diversas exceções, e o presente estudo não

seria diferente. Conforme Didier Jr. (2016, p. 146), existem situações em que o órgão

julgador não depende de provocação das partes. Poder-se-á citar: instauração da execução de

sentença que impõe prestação de fazer, não-fazer ou dar coisa distinta de dinheiro (arts. 536 e

538, Código de Processo Civil); incidente de resolução de demandas repetitivas (artigo 976,

Código de Processo Civil); conflito de competência (artigo 951, Código de Processo Civil);

incidente de arguição de inconstitucionalidade (artigo 948, Código de Processo Civil).

2.3 Devido processo legal

Para Neves (2016, p. 113) o devido processo legal funciona como um princípio-base, o

qual dá norte aos demais princípios que devem ser observados no processo. O devido

processo legal também se aplica como fator limitador do poder de legislar da Administração

Pública, bem como para garantir o respeito aos direitos fundamentais nas relações jurídicas

privadas. No texto constitucional ele está previsto no artigo 5º, inciso LIX, in verbis:

“ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Para Didier Jr. (2016, p. 1050) “O devido processo legal é uma garantia contra o

exercício abusivo do poder, qualquer poder.”

Para Theodoro Jr. (2001, p. 22)

A garantia do devido processo legal, porém não se exaure na observância das

formas da lei para tramitação das causas em juiz. Compreende algumas

categorias fundamentais como a garantia do juiz natural (CF. art. 5º. inc.

XXXVII), e do juiz competente (CF, art. 5º. inc. LIII), garantia de acesso a

Justiça (CF, art. 5º. inc. XXXV), da ampla defesa e do contraditório e a da

fundamentação de todas as decisões judiciais (art. 93, inc. IX). Faz-se

necessário modernamente uma assimilação da ideia de devido processo legal

a de processo justo”.

Page 22: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

25

Pois bem. Ante o exposto, resta claro que há um limite imposto em face do

magistrado, qual seja, que o mesmo deve afastar do processo qualquer tipo de violação aos

direitos fundamentais, seja de forma direta ou indireta.

Esse princípio tem total relação com a pretensão do autor e a resolução do processo,

uma vez que o devedor também possui tais direitos fundamentais. Isto é, o magistrado

também deverá levar em consideração os direitos da parte devedora.

Para exemplificar-se-á, ter-se-á o artigo 805 do Código de Processo Civil: “Quando

por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo

modo menos gravoso para o executado”.

Após discorrer-se sobre a questão da inércia no processo é importante versar sobre a

razoável duração do processo.

2.4 Razoável duração do processo

Pela leitura do artigo 4º do Código de Processo Civil e do artigo 5º, inciso LXXVIII da

Constituição Federal espera-se que o processo seja resolvido em tempo razoável, isto é, a

satisfação prática do direito seja alcançada, desde que respeitado o disposto em lei. Nas

palavras de Câmara (2016, p. 8): “a garantia de duração razoável do processo deve ser

compreendida, então, de forma panorâmica, pensando-se na duração total do processo, e não

só no tempo necessário para se produzir a sentença do processo de conhecimento”.

Para Theodoro Júnior (2009, p. 60) a debilidade já consolidada doutrinariamente do

mencionado princípio constitucional, ao dizer que: “Há um consenso, formado em antiga e

sólida doutrina, de que não se pode entender por devido processo (ou justo processo) aquele

que não se empenha numa rápida e econômica solução do litígio deduzido em juízo”.

Para Didier Jr. (2015, p. 96): “Não existe um princípio da celeridade. O processo não

tem de ser rápido/célere: o processo deve demorar o tempo necessário e adequado à solução

do caso submetido ao órgão jurisdicional.”

Entretanto, ao buscar essa celeridade máxima, existem casos em que a mesma não é

alcançada, seja por conduta da parte, pelo disposto na própria lei ou pela complexidade da

demanda.

Alguns atos judiciais, como por exemplo a contestação (artigo 334, Código de

Processo Civil), exige um prazo para ser cumprido (15 dias), ou seja, nem sempre o ato será

praticado dentro daquele prazo previsto pela lei, soma-se isso a isso alguns “empecilhos” tais

como a denunciação da lide (artigo 126 Código Civil. artigo 131), o chamamento ao processo

Page 23: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

26

(artigo 131), a incompetência relativa (artigo 337, II), a impugnação ao valor da causa (artigo

337, III), a impugnação ao benefício de gratuidade de justiça concedido ao autor (artigo 337,

XIII) e até mesmo a reconvenção (artigo 343), as condições da citação (artigo 238, Código de

Processo Civil) e realização de audiência de conciliação inicial (artigo 334, Código de

Processo Civil). Câmara suscita muito bem essa questão, veja-se Câmara, (2016, p. 8):

O amplo debate que deve existir entre os sujeitos do procedimento em

contraditório exige tempo. A adequada dilação probatória também exige

tempo. A fixação de prazos razoáveis para a prática de atos relevantes para a

defesa dos interesses em juízo, como a contestação e os recursos, faz com

que o processo demore algum tempo. Mas estas são dilações devidas,

compatíveis com as garantias constitucionais do processo.

Algumas demandas em razão de suas complexidades, exigem mais atividades dos

advogados, mais estudo dos juízes, assim sendo, tendem naturalmente a ser mais demoradas,

sem que ofenda o disposto em lei (NEVES, 2016, p. 9). Exemplo clássico dessa

complexidade (NEVES, 2016, p. 763) é o da produção de prova pericial (artigo 464, Código

de Processo Civil), a qual consiste em exame, vistoria ou avaliação. Para Neves (2016, p.

763):

É indiscutível que a prova pericial é o meio de prova mais complexo,

demorado e caro de todo o sistema probatório, de forma que o seu

deferimento deve ser reservado somente para as hipóteses em que se faça

indispensável contar com auxílio do expert. Existem limitações legais e

lógicas à produção da prova pericial.

Ainda sobre essa complexidade da prova pericial, o Superior Tribunal de Justiça

entendeu que o indeferimento da prova pericial não constitui por si só cerceamento de defesa,

uma vez que o magistrado pode dispensar provas que se mostram desnecessárias ou

protelatórias (NEVES, 2016, p. 763). Veja-se o acordão (STJ, 2014) in verbis:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. INDEFERIMENTO DE PERÍCIA

REQUERIDA PELA PARTE. O magistrado pode negar a realização de

perícia requerida pela parte sem que isso importe, necessariamente,

cerceamento de defesa. De fato, o magistrado não está obrigado a realizar

todas as perícias requeridas pelas partes. Ao revés, dentro do livre

convencimento motivado, pode dispensar exames que repute desnecessários

ou protelatórios. Precedente citado: AgRg no AREsp 336.893-SC, Primeira

Turma, DJe 25/9/2013. REsp 1.352.497-DF, Rel. Min. Og Fernandes,

julgado em 4/2/2014.

Page 24: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

27

O que vale apontar é que por mais que existam condições na própria lei, nada adianta

o processo ser rápido e não produzir resultados constitucionalmente adequados, uma vez que

tanto pela leitura do Código de Processo Civil como da Constituição, deve-se buscar um

equilíbrio e resultados legitimar-se-á (CÂMARA, 2016, p. 9). Logo, não se deve confundir

duração razoável do processo com celeridade do procedimento.

A seguir se apresenta uma discussão referente aos processos de resolução da lide e a

importância do princípio da efetividade para o mesmo.

2.5 Efetividade: resolução da lide

O princípio da efetividade talvez seja a norma fundamental que mais possui relação

com o presente estudo. Ao Estado e, somente a ele, cabe por meio do processo compor e

solucionar a lide. E, para poder exercer tal função, ou seja, administrar a justiça, este põe à

disposição de todos, os órgãos da administração da justiça.

Segundo Fernando da Costa Tourinho Filho (2002, p. 856)

O Estado detém o monopólio da administração da justiça, é claro que ele tem

o direito de garanti-la. Se ao Estado compete distribuir justiça e, para tanto,

instituir órgãos adequados, é evidente que aqueles que dela necessitam, tem

o direito de se dirigir ao Estado – Juiz, invocando a garantia, a tutela

jurisdicional.

É exatamente nessa proibição imposta pelo Estado aos particulares, de fazerem justiça

com as próprias mãos, que repousa o fundamento do direito de ação, e seu fundamento

jurídico está no próprio capítulo de direitos e garantias individuais previstos no artigo 5°,

XXXV, da Constituição da República, segundo o qual: “A lei não excluirá da apreciação do

Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Didier Jr. (2010, p. 1032) descartava a obrigatoriedade sob o fundamento que o art.

456 do CC/2002 apenas reproduzia o enunciado no art. 1.116 do CC/1916 e, na época, não

existia o instituto “denunciação da lide”. Para o autor, “o Código Civil/2002 não percebeu a

remodelação do instituto processual, ocorrida com o Código de Processo Civil/1973 e

manteve a redação, agora obsoleta” (DIDIER JR.2010, p. 1032).

Para Theodoro Jr. (2016, p. 780) “Há posição que amplia a interpretação desse

dispositivo, no sentido de possibilitar a denunciação sempre que houver possibilidade de

ressarcimento, por ação regressiva, daquele que suportou os efeitos da decisão”.

Page 25: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

28

Quem quer que se sinta ofendido em seu direito pode exigir a tutela jurisdicional, com

o fim de ter sua pretensão resolvida. E nem mesmo a lei pode impedir que o cidadão se dirija

ao poder Judiciário.

2.6 O papel do juiz na efetividade

Um dos principais personagens do processo é o juiz. Veja-se nas palavras de

Humberto Theodoro Júnior (2016, p. 498)

É ele que vai comandar o processo, uma vez que está dotado de duas

espécies de poderes, quais sejam, o de dar solução à lide e o de conduzir o

feito segundo o procedimento legal, sempre no intuito de resolver todos os

problemas que surgirem. Importante ressaltar que tal “liderança” deve seguir

os preceitos da lei, e o magistrado só toma decisões, sejam elas em forma de

sentença, decisões interlocutórias ou meros despachos, após amplo debate

em torno dos fatos e fundamentos jurídicos propostos pelas.

Esse ponto tem total relação com a fundamentação das decisões judiciais, preceito

este, previsto em nossa Constituição Federal, in verbis:

Artigo 93: Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal,

disporá sobre o Estatuto de Magistratura, observado os seguintes princípios:

(...) IX – todos os julgamento dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos,

e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei

limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus

advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à

intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à

informação”

Para Neves (2016, p. 990)

No que tange aos deveres do juiz, o capítulo que trata das normas

fundamentais do processo civil enumera padrões de comportamento que

deverão ser necessariamente observados pelo magistrado na condução do

processo. A promoção dos métodos de solução consensual de conflitos, a

boa-fé objetiva, a cooperação, o zelo pelo efetivo contraditório e o dever de

fundamentação das decisões judiciais são algumas das pilastras

principiológicas do novo sistema.

Para Didier Jr (2016, p. 1090) “o juiz deve sempre buscar explicações quando estiver

diante de dúvidas referentes às manifestações, pedidos e/ou condutas praticadas pelas partes”.

Page 26: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

29

Para Shimura e Neves (2015, p. 99), "(...) a execução será sempre real, e nunca

pessoal, em razão de serem bens do executado os responsáveis materiais pela satisfação do

direito do exequente". Segundo Silva (2015, p. 183)

Em comparação à disciplina do Código de Processo Civil revogado,

vislumbra-se que o novo Código de Processo Civil detalhou mais os

poderes-deveres do juiz, preocupando-se em fazer deles um reflexo dos

princípios fundamentais do processo. Uma das novidades relevantes

consiste no poder de adotar as medidas necessárias ao cumprimento de

decisão judicial (IV), o que demonstra a importância da efetivação das

ordens judicias.

Pois bem. Está evidente a importância do magistrado no processo, uma vez que o

mesmo está obrigado em seguir e aplicar a lei, ou seja, desde a Constituição Federal até as

leis federais e especiais.

2.7 Atos jurídicos

Segundo Theodoro Júnior (2019, p. 626), as principais características dos atos

processuais são: “Unidade de Finalidade, Interdependência. Na doutrina destacam-se dois

critérios para classificação dos atos processuais: objetivo e subjetivo”. O critério objetivo leva

em conta o objeto do ato praticado, já o subjetivo, o sujeito que pratica o ato.

Conforme Theodoro Júnior (2015), os atos processuais, quanto ao critério objetivo,

classificam-se em: Atos de iniciativa, Atos de desenvolvimento, Atos de conclusão.

São atos do juiz segundo Theodoro Júnior (2015, p. 498):

Pronunciamentos do juiz, são aqueles onde se manifesta a autoridade

jurisdicional, a sentença, a decisão interlocutória e o despacho. A sentença

que é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts.

485 e 487 do Código de Processo Civil, põe fim à fase cognitiva do

procedimento comum, bem como extingue a execução. A decisão

interlocutória que é todo pronunciamento judicial de natureza decisória que

não se enquadre no conceito de sentença. São proferidos no curso do

processo, mas sem finalizá-lo. O despacho que representa todos os demais

pronunciamentos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento

da parte, visa impulsionar o processo. E finalmente os atos materiais: Além

dos pronunciamentos judicial, o magistrado pratica outros atos no processo,

reconhecidos pela doutrina como atos materiais.

Câmara (2016, p. 768) assim os classifica e define:

Atos instrutórios são os atos do juiz que se destinam a preparar o resultado

final do processo, como é o caso da colheita do depoimento de uma

testemunha ou a realização de uma inspeção judicial. Há, também, atos de

Page 27: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

30

documentação, aqueles que o juiz pratica para registrar ou autenticar outros

atos processuais.

Conclui-se que os atos do juiz que compõe o processo consolidam a verificação da

verdade em relação ao caso concreto, bem assim, a sequência deles, internos ao processo,

corrobora a concretização da vontade objetivada na lei (NEVES, 2016).

Page 28: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

31

3 COLISÃO DE INTERESSES ENTRE AS MEDIDAS ATÍPICAS E O DIREITO DE

IR E VIR

Ao iniciar esta parte do trabalho é importante ressaltar que o tema ainda não está

pacificado pela doutrina, razão pela qual o presente estudo abordará a questão de forma

explanatória.

Para que ocorra a execução de uma dívida, é necessário preencher dois requisitos. O

primeiro, previsto no artigo 783 do Código de Processo Civil de 2015, determina que a

execução para cobrança de crédito sempre deve fundar-se em título de obrigação certa, líquida

e exigível. O segundo, não menos importante, a qual está prevista no artigo 786 do mesmo

dispositivo, determina que a ação executiva só poderá ser instaurada caso o devedor não

satisfaça a obrigação consubstanciada em título executivo.

A partir desses dois artigos, chega-se à conclusão de que, para que tenha-se a

execução, seja ela para cumprimento de sentença para títulos judiciais, seja ela processo de

execução, que subsiste para títulos extrajudiciais, dois requisitos devem estar presentes: que

haja uma obrigação líquida, certa e exigível; que essa obrigação esteja materializada em um

título executivo (TARTUCE; DELLORE, 2018).

De acordo com o artigo 784 do Código de Processo Civil Brasileiro (2016) são títulos

executivos extrajudiciais:

A letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque; a

escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; o

documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas; o

instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela

Defensoria Pública, pela Advocacia Pública, pelos advogados dos

transatores ou por conciliador ou mediador credenciado por tribunal;

contrato garantido por hipoteca, penhor, anticrese ou outro direito real de

garantia e aquele garantido por caução; o contrato de seguro de vida em caso

de morte; o crédito decorrente de foro e laudêmio; o crédito,

documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de imóvel, bem como

de encargos acessórios, tais como taxas e despesas de condomínio; a certidão

de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da

lei; o crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de

condomínio edilício, previstas na respectiva convenção ou aprovadas em

assembleia geral, desde que documentalmente comprovadas; a certidão

expedida por serventia notarial ou de registro relativa a valores de

emolumentos e demais despesas devidas pelos atos por ela praticados,

fixados nas tabelas estabelecidas em lei; todos os demais títulos aos quais,

por disposição expressa, a lei atribuir força executiva.

Page 29: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

32

Esgotadas as medidas típicas previstas no NCPC abre-se a possibilidade de aplicação

das medidas atípicas previstas no artigo 139, IV, do Código de Processo Civil de 2015.

O referido dispositivo que trata da cláusula geral de efetivação ou de atipicidade de

medidas executivas, que permite ao juiz “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas,

mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial,

inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”, e sugeriram a possibilidade

de que, esgotados outros meios fossem determinadas “sanções executivas” hábeis à efetivação

de obrigações mediante suspensão da autorização de dirigir do devedor, proibição de viajar,

retenção de passaporte, proibição de participar em concursos públicos e licitações a ser

provocada pela criatividade de advogados (STRECK; NUNES, 2016).

Este dispositivo aumenta o espectro de aplicação do §5º do artigo 461, do

Código de Processo Civil de 1973 (atual artigo 536, §1º) permitindo uma

cláusula geral de efetivação para todas as obrigações, inclusive as

pecuniárias de pagar quantia, mas que obviamente precisará se limitar às

possibilidades de implementação de direitos que não sejam discricionárias e

que não ultrapassem os limites constitucionais, por objetivos meramente

pragmáticos, de restrição de direitos individuais em detrimento do devido

processo constitucional. Parece-nos óbvio isso. Sob pena de pensar-se-á que

o Código de Processo Civil simplesmente disse: se alguém está devendo, o

juiz pode tomar qualquer medida para que este pague (STRECK; NUNES,

2016, p. 146).

Sabe-se que é muito comum o emprego de medida coercitiva patrimonial para o

cumprimento obrigacional, mas, que a simples imposição de multas, com recorrência, tornou-

se medida absolutamente ineficiente. Em face do novo Código de Processo Civil, parece-nos

evidente que esta cláusula geral de efetivação implicará um ônus argumentativo diferenciado

para o juiz ao fundamentar e se valer da medida, especialmente pela determinação do

artigo 489, §1º, II, por se tratar de um conceito jurídico indeterminado, mitigando a

possibilidade de arbitrariedades (STRECK; NUNES, 2016).

Ocorre que a nova cláusula legal (artigo 139, inciso IV, NCPC) impõe novos desafios

interpretativos que podem conduzir a uma análise superficial e utilitarista de busca de

resultados que desprezem a necessária leitura constitucional. Ademais, põe em debate a base

teórica por nós há muito discutida sobre a liberdade de julgar e da busca de medida coercitiva

patrimonial. Ter-se-á a convicção que não há essa liberdade (NEVES, 2016)

Tal artigo vem como uma forma de pressionar quem está com o nome sujo na praça a

quitar a dívida, além de em muitos casos evitar que o devedor continue gastando liberalmente

e, consequentemente, satisfazendo a pretensão do credor, colocando fim a inadimplência.

Contudo, é importante ressaltar que existem limitações ao magistrado, como tratado

Page 30: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

33

anteriormente. E como exemplo mais específico desse tema, ter-se-á o artigo 805 do Código

de Processo Civil, o qual também foi abordado anteriormente.

Ainda é baixo o número de casos em que os magistrados adotaram tal medida, uma

vez que o tema vem gerando muita polêmica. No Rio Grande do Sul, um gaúcho do Vale do

Caí teve a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) suspensa por não ter pago pensão

alimentícia. O desembargador relator do caso considerou que a medida não feria o direito de

ir e vir do réu, pois entendeu que ele poderia se deslocar a pé, de carona ou de transporte

público.

(PROCESSO ELETRÔNICO) RMLP Nº 70072211642 (Nº CNJ: 0431358-

49.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL 1 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA HABEAS CORPUS.

EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO

PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR. AUSÊNCIA DE

ILEGALIDADE. (...) Não há que se cogitar de imposição de pena perpétua,

uma vez que a matéria tratada possui natureza civil e cessará tão logo

adimplida a obrigação do devedor, não sendo necessário maior esforço para

concluir que direito deve prevalecer no cotejo entre o direito à vida e à

existência digna e o de dirigir veículo automotor. ORDEM DENEGADA.

Julgado que tomou destaque foi o de nº 97.876 – SP (2018/0104023-6) proferido pelo

Ministro Luís Felipe Salomão. Trata-se de recurso em habeas corpus, o qual o paciente afirma

ser devedor da importância de R$ 16.859,10 a título de contrato de prestação de serviços

educacionais e que teve seu direito de se locomover totalmente privado razão da decisão de

primeiro grau, a qual deferiu o pedido de suspensão da CNH e do passaporte do então

impetrante, com base no art. 139, inciso IV do NCPC. O nobre Ministro deu parcial

provimento ao recurso ordinário com o fim de desconstituir a medida executiva consistente na

apreensão do passaporte do recorrente, determinando sua devolução, e mantendo o não

conhecimento do writ em relação a apreensão da CNH, na tese de que a medida (prevista no

art. 139, inciso IV do NCPC) poderá eventualmente ser utilizada, desde que obedecido o

contraditório e fundamentada e adequada a decisão, verificada também a proporcionalidade

da providência.

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DE

TÍTULO EXTRAJUDICIAL. MEDIDAS COERCITIVAS ATÍPICAS.

CPC/2015. INTERPRETAÇÃO CONSENTÂNEA COM O

ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL. SUBSIDIARIEDADE,

NECESSIDADE, ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE.

RETENÇÃO DE PASSAPORTE. COAÇÃO ILEGAL. CONCESSÃO DA

ORDEM. SUSPENSÃO DA CNH. NÃO CONHECIMENTO. O

Page 31: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

34

reconhecimento da ilegalidade da medida consistente na apreensão do

passaporte do paciente, na hipótese em apreço, não tem qualquer pretensão

em afirmar a impossibilidade dessa providência coercitiva em outros casos

e de maneira genérica. A medida poderá eventualmente ser utilizada, desde

que obedecido o contraditório e fundamentada e adequada a decisão,

verificada também a proporcionalidade da providência. A jurisprudência

desta Corte Superior é no sentido de que a suspensão da Carteira Nacional

de Habilitação não configura ameaça ao direito de ir e vir do titular, sendo,

assim, inadequada a utilização do habeas corpus, impedindo seu

conhecimento. Recurso ordinário parcialmente conhecido. (STJ - RHC:

97876 SP 2018/0104023-6, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,

Data de Julgamento: 05/06/2018, T4 - QUARTA TURMA, Data de

Publicação: DJe 09/08/2018)

A partir dessa premissa, surge a questão de que até quando as medidas adotadas pelos

magistrados violam o direito de ir e vir previsto em nossa Constituição Federal, mais

especificamente em seu artigo 5º, XV: “é livre a locomoção no território nacional em tempo

de paz, podendo qualquer pessoa, nos ter-se-á da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com

seus bens”. Logo, aparece também a questão do papel do juiz em aplicar tais medidas atípicas,

de como ele pode utilizar das mesmas sem ferir os preceitos contidos no Código de Processo

Civil e, consequentemente, na nossa Carta Maior de 1988.

3.1 Artigo 139, IV como ferramenta para resolução do processo

O presente tema já foi abordado, inclusive, pela “Escola Nacional de Formação e

Aperfeiçoamento de Magistrados” (ENFAM, 2015), que aprovaram diversos enunciados,

dentre os quais o de nº 48, com o seguinte texto:

O art. 139, IV, do CPC/15, traduz um poder geral de efetivação,

permitindo a aplicação de medidas atípicas para garantir o cumprimento

de qualquer ordem judicial, inclusive no âmbito do cumprimento de

sentença e no processo de execução baseado em títulos extrajudiciais.

Também foram proferidos enunciados de n.º 12 e 396 do Fórum Permanente de

Processualistas Civil. Veja-se (FFPC, 2017):

Enunciado nº 12, FFPC (art. 139, IV, 523, 536 e 771) A aplicação das

medidas atípicas sub-rogatórias e coercitivas é cabível em qualquer

obrigação no cumprimento de sentença ou execução de título

extrajudicial. Essas medidas, contudo, serão aplicadas de forma

subsidiária às medidas tipificadas, com observação do contraditório, ainda

Page 32: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

35

que diferido, e por meio de decisão à luz do art. 489, §1º, I e II. (Grupo:

Execução)

Enunciado nº 396, FFPC (art. 139, IV; art. 8º) As medidas do inciso IV do

art. 139 podem ser determinadas de ofício, observado o art. 8º. (Grupo:

Poderes do juiz)

Noronha (2018, p. 01), afirmou que os enunciados representam “um primeiro sinal

de orientação de como poder-se-á trabalhar. É um entendimento sobre as mudanças

trazidas pelo novo Código”. E ainda acrescenta que

Essas “medidas indutivas, coercitivas, mandamentais, sub-rogatórias” ou

“atípicas”, necessárias para assegurar o cumprimento da ordem judicial.

São exatamente aquelas que, embora não constando expressamente do

texto dos dispositivos legais, estão sendo entendidas, especialmente em

caso de dívida já reconhecida pelo Poder Judiciário, como eficazes para

obrigar o mau pagador a efetuar o pagamento devido (NORONHA, 2018,

p. 03).

Todavia, há que se cuidar para que tais medidas sejam requeridas e deferidas

somente em condições claramente justificáveis: “após o esgotamento das medidas

convencionais (penhora, expropriação de bens, etc.); evidência do devedor estar

ocultando/desviando patrimônio e ativos financeiros, para se desobrigar do débito.

(NEVES, 2016) Não se há de aplicar a medida coercitiva contra um devedor que

efetivamente não tem bens ou que não tenha evidenciado no processo que esteja falseando

o seu patrimônio.

A seguir será discutida a questão do direito de ir e vir, como um direito fundamental

humano.

3.2 Conflito com direitos fundamentais: ir e vir

No fim do século XVIII Jaques Rousseau, defendia o direito de ir e vir. Segundo ele

todos os homens nascem livres, e a liberdade faz parte da natureza do homem e dos direitos

inalienáveis do homem seriam a garantia equilibrada da igualdade e da liberdade (SARLET,

2007).

O direito de ir e vir está expresso na Constituição Federal de 1988, como dito

anteriormente, e se encontra no artigo 5º, inciso XV, in verbis:

É livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo

qualquer pessoa, nos ter-se-á da lei, nele entrar, permanecer ou sair com seus

Page 33: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

36

bens (...) todo cidadão tem direito de se locomover livremente nas ruas, nas

praças, nos lugares públicos, sem temor de serem privados de locomoção.

O direito à livre locomoção tem remédio constitucional específico para sua tutela,

qual seja, o habeas corpus, previsto no art. 5º, inciso LXVIII da Constituição Federal. A

doutrina o classifica como remédio constitucional. Veja-se nas palavras Bulos (2016, p. 167):

Trata-se de uma ação penal popular, de berço constitucional e procedimento

sumário. Ora assume o posto de ação cautelar, declaratória ou constitutiva

(CPP, art. 648, I a V), ora de ação rescisória constitutiva negativa (CPP, art.

648, VI e VII). Não é em todo e qualquer caso que o remédio heroico pode

ser usado, visto que somente serve para tutelar a liberdade ambulatória ou

de locomoção.

Quando não se respeita o devido processo legal abre-se espaço para a impetração do

habeas corpus, isto é a garantia constitucional do direito à liberdade, como tratado acima.

A liberdade foi assegurada pela Magna Carta, a qual concede a qualquer pessoa livre a

liberdade de sair e entrar do país, para nela residir e o percorrer, tanto por terra, como por

mar, quanto por ar ressalvadas as situações de guerra. Esse direito da pessoa humana, de

acordo Santos (2013, p. 02):

Existe para evitar a arbitrariedade do Estado e que os governados tenham

uma segurança jurídica em relação a forma que serão julgados em caso de

privação de liberdade. O art. 93, IX, CF diz que a privação só será possível

através de ordem escrita e fundamentada.

Ocorre que mesmo se tratando de direito fundamental, o mesmo não é absoluto.

Veja-se nas palavras de Bonfim (2010):

Habeas corpus é o remédio jurídico-constitucional destinado a proteger a

liberdade de locomoção do indivíduo (ju manendi, eundi, ambulandi,

veniendi, ultro citroque), ameaçada por qualquer ilegalidade ou abuso de

poder. A expressão habeas corpus significa ‘tome o corpo’, pois em suas

origens, com a impetração da ordem o prisioneiro era levado à presença do

rei para que este verificasse a legalidade ou ilegalidade da prisão.

É partir desse ponto que surge a relação com a medida atípica em questão. O

magistrado buscando a resolução efetiva da pretensão, deve observar os direitos fundamentais

previstos na Constituição Federal, verificar se os mesmos são absolutos e, só a partir disso,

aplicar de forma proporcional, razoável e fundamentada, as medidas sub-rogatórias prevista

na lei federal em questão, qual seja, o Código de Processo Civil de 2015 em seu art. 139,

inciso IV.

Page 34: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

37

3.3 Suspensão da CNH e o mínimo existencial

Conforme dito anteriormente, a retenção da CNH foi mantida pelo Superior Tribunal

de Justiça, uma vez que a decisão debatida respeitou o disposto em lei, qual seja, o devido

processo legal. Tal ponto retoma o que foi debatido no capítulo dois deste trabalho, onde foi

abordado que todos os atos aplicados pelo juiz devem atender o disposto na Constituição

Federal. Dessa forma, entende-se que devem ser respeitados direitos e garantias fundamentais,

sem qualquer tipo de medida sub-rogatória (com base no art. 139, inciso IV do NCPC)

desproporcional que possa vir a ferir o direito de ir e vir do cidadão.

O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso ordinário,

defendendo que a suspensão da CNH não configura ameaça ou direito de ir e vir, conforme

ementa abaixo (fls. 128-132):

RECURSO EM HABEAS CORPUS. DISCUSSÃO ACERCA DA

LEGITIMIDADE DE RETENÇÃO DE PASSAPORTE E DE SUSPENSÃO

DE CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO. INADEQUAÇÃO DA

VIA ELEITA. PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO. (HC 376964/SC

- Quinta Turma - DJe de 31/05/2017). A Corte Superior igualmente tem se

orientado no sentido de que não configura ameaça ao direito de ir e vir a

mera suspensão da carteira nacional de habilitação ou a retenção, de per si,

de passaporte. Parecer pelo desprovimento do recurso.

Essa tendência deve ser o argumento de princípio como argumento de Direito, se

encontra no direito fundamental constitucional da proteção ao mínimo existencial da pessoa

humana. Uma advertência, sobre colisão de princípios, pois há norma-regra explícita ao caso

para pronto atendimento normativo em interpretação-aplicação (BONFIM, 2006).

Conforme Alexy (2013, p. 90)

No caso da aplicação da tese sobre a ponderação em colisão de direitos

fundamentais, insista-se, um movimento de compreensão normativamente

adequado do deve ser notado pelo princípio-na-norma-regra com a previsão

expressa nos artigos 833, Código de Processo Civil de 2015 , Código Civil

artigo 6º, Constituição Federal de 1988 — e, portanto, nem sequer se

necessita de abordagem de norma ou princípio que tende a ser uma norma

fundamental a ser atribuída.

Não há otimização a ser ponderada, pois tal otimização fundamental já o foi inserida

no bojo da norma-regra processual e constitucional. Basta, por tal interpretação normativa

adequada já atribuída, aplicar idem adequadamente (BULOS, 2010).

Page 35: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

38

Então, o fator de proteção ao mínimo existencial faz-se presente, com a atribuição

categórica prevista nos citados dispositivos normativos, advinda do efeito irradiante dos

direitos fundamentais na perspectiva objetiva conforme determina o artigo 833, Código de

Processo Civil de 2015.

Partindo-se do conceito de mínimo existencial cai útil, a essa altura do discurso: “O

princípio da dignidade da pessoa humana assume, no que diz com este aspecto, importante

função demarcatória, podendo servir de parâmetro para avaliar qual o padrão mínimo em

direitos sociais a despeito de haver mesmo direitos subjetivos individuais a ser reconhecido”

(SARLET, 2007, p. 312).

Ter-se-á como exemplo desse mínimo existencial, o artigo 833 do Código de Processo

Civil de 2015, o qual prevê as hipóteses de manutenção de algo a favor do devedor (bens

impenhoráveis), pelo menos minimamente, com objetivo fincado em sua existência através

dos direitos constitucionais previstos no artigo 6º, Constituição Federal de 1988: “A

educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a

previdência social, a proteção à maternidade e à infância”. Dessa forma, entende-se que o

artigo 139, IV, Código de Processo Civil de 2015 jamais poderia violar a integridade-

coerência prevista em tais artigos.

Numa decisão judicial de determinado caso concreto, que ampliou a restrição não só

para caso da CNH, mas também para passaporte (Decisão Nº 97.876 - SP 2018/0104023-6):

Se o executado não tem como solver a presente dívida, também não recursos

para viagens internacionais, ou para manter um veículo, ou mesmo manter

um cartão de crédito. Se porém, mantiver tais atividades, poderá quitar a

dívida, razão pela qual a medida coercitiva poderá se mostrar efetiva (...)

defiro o pedido formulado pelo exequente, e suspendo a Carteira Nacional

de Habilitação do executado M. A. S., determinando, ainda, a apreensão de

seu passaporte, até o pagamento da presente dívida (STRECK; NUNES,

2016, p. 139).

Outra dimensão considera que 100% da atividade de viagem (passaporte) e transporte

(carteira de motorista) valeria como deleite extremo, do próprio mínimo existencial: viagem

seja viagem de negócios ou lazer e transporte ao trabalho ou descanso. Então não há como

comensurar esse mínimo inafastável por lei através da decisão judicial. O próprio mínimo

existencial contém, em si, cláusula de maximização, isto é, de que seja sua proteção

maximizada pelo poder (BULOS, 2010).

Entende-se assim que previsão da norma-regra de proteção do mínimo

existencial com pretensão de maximização, traduzem, todos esses

dispositivos, uma resposta normativa adequada para a densificação do

Page 36: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

39

instrumento geral de poder de efetivação do artigo 139, IV, Código de

Processo Civil de 2015, controlando-o normativamente dívida (STRECK;

NUNES, 2016, p. 140).

A partir dessa ideia entende-se que a resposta normativa adequada é pela

impossibilidade de suspensão de título permissivo do cidadão (CNH) para obtenção de renda,

trabalho e lazer, pois contém dentro de si, tal título, um mínimo existencial na representação

da maximização dos direitos fundamentais previstos no artigo 6º, Constituição Federal de

1988 (BULOS, 2010).

Há que se ter em mente que tais medidas atacam os direitos pessoais do devedor,

especialmente sendo ele pessoa física, estabelecendo uma relação lógica entre a medida

coercitiva e a natureza da dívida. (BONFIM, 2006)

Abre-se a possibilidade de suspensão da carteira de motorista, partindo-se do

princípio que se o devedor não tem meios de pagar a dívida, também não tem para manter

um veículo; restrição ao uso de passaporte partindo-se do princípio de que se o devedor

não tem meios de pagar a dívida, também não tem para gastar em viagens ao exterior; outra

possibilidade de medida atípica que não corresponde ao tema desta pesquisa, mas que

merece ser citada é o bloqueio de cartões de crédito, já que se não tem meios de pagar a

dívida, também não tem para gastar em compras diversas e, finalmente a vedação à

participação em concursos públicos como ocorre em processos licitatórios de empresas, em

que as endividadas não podem concorrer (THEODORO JÚNIOR, 2016).

A aplicação da medida se justifica contra o mau pagador, aquele que efetivamente

pode pagar a sua dívida e que deliberadamente se esquiva ao cumprimento da obrigação. E,

também, não é aplicável uma medida que interfira negativamente no rendimento do

devedor e/ou sustento próprio e da família, como no caso de eventual suspensão de CNH a

um taxista, eis que indispensável ao seu exercício profissional (THEODORO JÚNIOR,

2016).

Page 37: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

40

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O direito de ir e vir é norma fundamental e está prevista em nossa Constituição

Federal em seu artigo 5º, inciso XV: é livre a locomoção no território nacional em tempo de

paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com

seus bens;" (BRASIL, 1988). A partir da leitura do referido dispositivo fica claro que

qualquer pessoa pode se locomover no território nacional brasileiro. Contudo, a doutrina e os

tribunais superiores vêm entendendo que essa norma fundamental não é absoluta, ou seja,

existem casos em que é necessário utilizar de meios atípicos para que determinadas pretensões

sejam satisfeitas.

A partir dessa premissa, surge o inciso IV do artigo 139 do Código de Processo Civil,

o qual faculta ao juiz determinar todas as medidas necessárias para resolver a lide processual,

inclusive, nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. Tal preceito trouxe

mudanças significativas na efetivação das decisões judiciais, principalmente quando a questão

da inadimplência em si é suscitada, uma vez que as empresas credoras também procuram

receber o débito de forma extrajudicial, ou seja, só acionam o Poder Judiciário depois de

esgotados os meios administrativos (tentativas de acordo, protestos e inscrições nos órgãos de

proteção ao crédito).

Nesse sentido, a subsidiariedade das medidas atípicas quando as típicas se mostrarem

ineficazes se fazem pertinentes, uma vez que tal faculdade, a qual é exercida pelo juiz e

pleiteada pela parte credora (autora/exequente), é cabível em qualquer obrigação, seja no

cumprimento de sentença ou na execução de título executivo extrajudicial. Entretanto, tais

medidas deverão ser aplicadas de forma subsidiária às medidas tipificadas, com observação

dos princípios contidos em nosso ordenamento jurídico e por meio de decisão à luz do artigo

489, §1º, I e II do Novo Código de Processo Civil de 2015 e do artigo 93, inciso IX da

Constituição Federal de 1988. Vale reforçar que esse ponto dos princípios, inclusive, já foi

inserido no próprio texto do Novo Código de Processo Civil, mais especificamente em seu

artigo 1º: “O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e

as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil,

observando-se as disposições deste Código” (BRASIL, 2015).

Assim sendo, torna-se útil o tema apresentado, uma vez que para tais medidas atípicas

serem constitucionais, o juiz deve analisar caso por caso, buscando estabelecer uma

proporcionalidade, com o fim de proteger o direito fundamental de ir e vir do devedor e a

satisfação da pretensão do autor.

Page 38: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

41

REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como

teoria da fundamentação jurídica. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

ANDRADE, J.V. Negociação e Recuperação de Créditos Inadimplidos. Apostila de

Cursos, 2000.

BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional, Tomo III. 1.ed. Rio de Janeiro:

Renovar, 2005.

BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2006. p.740.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:

Senado Federal, 1988.

BRASIL. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Brasília: Senado Federal,

2002.

BRASIL. Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília: Senado

Federal, 2015.

BRIGHAM, Eugene ET al. Administração Financeira. 1. Ed. São Paulo: Editora Atlas,

2001.

BULOS, Uadi Lammêgo. Direito Constitucional ao alcance de todos – 2 ed. rev. e atual. –

São Paulo: Saraiva, 2010.

CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 2. Ed. São Paulo: Atlas,

2016.

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 15. Ed., rev. atual. e ampl. Belo

Horizonte: Del Rey, 2009.

CNJ. Relatório indica redução de processos em tramitação no Judiciário. Disponível em:

<http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/86451-relatorio-indica-reducao-de-processos-em-

tramitacao-no-judiciario> Acesso em: 03/11/2018.

Page 39: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

42

CNJ. Sobre Metas. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/gestao-e-

planejamento/metas/sobre-as-metas> Acesso em: 03/11/2018.

Conselho Federal de Contabilidade. Manual de cobrança do Sistema CFC/CRCs /

Conselho Federal de Contabilidade. Brasília: CFC, 2010. 53 p.

DIDIER JR., Fredie. A denunciação da lide e o art. 456 do Novo CC – a denunciação per

saltum e a “obrigatoriedade”. In DIDIER JR., Fredie et al (Coord.). O terceiro no processo

civil brasileiro e assuntos correlatos – estudos em homenagem ao Professor Athos Gusmão

Carneiro. São Paulo: RT, 2010.

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual

civil, parte geral e processo de conhecimento. 18 ed. Salvador: Jus Podivm, 2016.

FUCHS, Angela Maria Silva; FRANÇA, Maira Nani; PINHEIRO, Maria Salete de Freitas.

Guia para normalização de publicações técnico-científicas. Uberlândia: EDUFU, 2013.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 40 ed. São Paulo:

Saraiva, 2015.

GITMAN, Lawrence. Princípios de administração financeira. 7. Ed. São Paulo: Editora

Harbra, 2017.

HOJI, Masakazu. Administração Financeira. 3. Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2001.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado.

Salvador: JusPodivm, 2016. 1904 p.

NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal. Vol 1, 33ª edição, Saraiva, São Paulo, 2018.

SANTA CATARINA. Enunciados Do Fórum Permanente De Processualistas Civis.

Florianópolis, 24, 25 e 26 de março de 2017. Disponível em: <https://institutodc.com.br/wp-

content/uploads/2017/06/FPPC-Carta-de-Florianopolis.pdf> Acesso em: 06-11-2018.

SANTOS, Luisa Bruna. Direito de ir e vir – liberdade de locomoção. 2013. Disponível em:

<https://brunaluisa.jusbrasil.com.br/artigos/112114831/direito-de-ir-e-vir-liberdade-de-

locomocao> Acesso em: 03/11/2018.

SANVICENTE, Antonio Zoratto; E SANTOS, Celso da Costa. Orçamentos na

Administração de Empresas: planejamento e controle. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2013.

Page 40: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

43

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7. ed. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2007, p. 36-37.

SCHRICKEL, Wolfagang Kurt. Análise de Crédito e Concessão e Gerência e Empréstimo.

3ª Ed. São Paulo. Editora Atlas 1998.

SEBENIUS, J. A Arquitetura do Acordo. Seção: Dossiê. Emp: Univ. HSM Management,

maio-jun 1998 – ano 2, Nº8.

SEBRAE. Cheques falsos. Pequenas Empresas grandes Negócios. São Paulo, jun. 2012.

Disponível em: <http://www.redeglobo5.globo.com/home_pegn/notícia.asp/id=4650>.

Acesso em: 26/10/2018.

SERASA. Inadimplência do consumidor bate recorde e atinge 61,8 milhões. Disponível

em: <https://www.serasaexperian.com.br/sala-de-imprensa/inadimplencia-do-consumidor-

bate-recorde-e-atinge-618-milhoes-revela-serasa> Acesso em: 01-11-2018.

SHIMURA, Sérgio e NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novas perspectivas da

execução civil – cumprimento da sentença. São Paulo: Método, 2005, p. 197.

SILVA, Bruno Freire. O novo CPC e o processo do trabalho I: parte geral. São Paulo:

LTr, 2015.

SOUZA, C. B. Um Perfil da Inadimplência. São Paulo, jun. 2002. Disponível em:

<http://www.vademecum.com.br>. Acesso em: 26/10/2018.

STJ. Recurso Especial: 1.352.497 DF. Relator: Ministro Og Fernandes. DJe: 25/09/2013.

Disponível em:

<https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?acao=pesquisarumaedicao&livre=

@cod=%270535%27>. Acesso em: 18/10/2018.

STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle. Como interpretar o artigo 139, IV, do CPC? Carta

branca para o arbítrio? Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 25 ago. 2016, Disponível em:

<https://www.conjur.com.br/2016-ago-25/senso-incomum-interpretar-art-139-iv-cpc-carta-

branca-arbitrio>. Acesso em: 01/07/2018.

Page 41: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DA …

44

TARTUCE, Fernanda; DELLORE, Luiz. Manual de prática civil. 14 ed., rev. e atual. Rio de

Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018.

THEODORO JR., Humberto. Direito fundamental à duração razoável do processo.

Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. Porto Alegre, v. 5, n. 29, p. 83-98, mar.-

abr. 2009.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do

direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum – vol. I. 57. Ed.

rev. Atual. E ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, Volume I, 36ª ed.,

Rio de Janeiro: Forense, 2001.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 47. ed. Vol. I. Rio de

Janeiro: Forense, 2008.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.