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NOLLI, Halison Tharlley; CHAVES JUNIOR, Airto. A (in)constitucionalidade material do instituto da reincidência fundamentada no direito penal do autor. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 3, n.4, p. 1416-1438, 4º Trimestre de 2012. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 1416 A (IN) CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DO INSTITUTO DA REINCIDÊNCIA FUNDAMENTADA NO DIREITO PENAL DO AUTOR Halison Tharlley Nolli 1 Airto Chaves Junior 2 RESUMO O presente artigo tem por objetivo verificar a (in) constitucionalidade material da reincidência e sua respectiva adequação aos objetivos da Constituição da República Federativa do Brasil. A pesquisa leva em conta a dualidade direito penal do autor e direito penal do fato e busca, a partir deste plano diferencial de perspectivas, averiguar distintas formas de tratamento do instituto da reincidência para agravar e vedar benefícios penais em razão da prática de idênticas infrações penais, porém, com conduta de vida dessemelhante. Ao final, a pesquisa demonstra que a previsão da reincidência, tal como prevista no Código Penal Brasileiro não se encontra em harmonia com os objetivos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que visam promover a igualdade, o fim da marginalização e das desigualdades sociais. O estudo leva em conta acórdãos exarado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que deixam de aplicar a reincidência como agravante da pena por considerá-la inconstitucional, tendo em vista que, conforme esses julgados, a reincidência encontra fundamento no direito penal do autor, teoria esta declaradamente repudiada por nosso ordenamento jurídico, mas que de forma enrustida é enaltecida dia após dia no âmbito jurídico penal por meio de institutos que a asseguram, tais como a reincidência. Quanto à metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação foi utilizado o Método 1 Acadêmico do 9º Período do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – Univali, campi Itajaí. 2 Mestre em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí na linha de pesquisa: Produção e Aplicação do Direito - Sociedade; Área de Concentração: Fundamentos do Direito Positivo; Professor do Curso de Graduação em Direito da Univali nas disciplinas de Direito Penal e Direito Processual Penal, Professor de Direito Penal da Escola do Ministério Público do Estado de Santa Catarina (EMPSC); Professor de Direito Penal, Direito Processual Penal e Prática Penal do Morgado Concursos; Professor de Criminologia do ICPG (Instituto Catarinense de Pós- Graduação); Parecerista da Revista Direito e Política (ISSN 1980-7791), do Programa de Pós-Graduação Strito Sensu da UNIVALI; Parecerista da Revista Eletrônica de Iniciação Científica do Cejurps - UNIVALI (ISSN 2236- 5044). Advogado.

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NOLLI, Halison Tharlley; CHAVES JUNIOR, Airto. A (in)constitucionalidade material do instituto da reincidência fundamentada no direito penal do autor. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 3, n.4, p. 1416-1438, 4º Trimestre de 2012. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044

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A (IN) CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DO INSTITUTO DA REINCIDÊNCIA FUNDAMENTADA NO

DIREITO PENAL DO AUTOR

Halison Tharlley Nolli1 Airto Chaves Junior2

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo verificar a (in) constitucionalidade material

da reincidência e sua respectiva adequação aos objetivos da Constituição da

República Federativa do Brasil. A pesquisa leva em conta a dualidade direito

penal do autor e direito penal do fato e busca, a partir deste plano diferencial

de perspectivas, averiguar distintas formas de tratamento do instituto da

reincidência para agravar e vedar benefícios penais em razão da prática de

idênticas infrações penais, porém, com conduta de vida dessemelhante. Ao

final, a pesquisa demonstra que a previsão da reincidência, tal como prevista

no Código Penal Brasileiro não se encontra em harmonia com os objetivos da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que visam promover

a igualdade, o fim da marginalização e das desigualdades sociais. O estudo

leva em conta acórdãos exarado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do

Sul, que deixam de aplicar a reincidência como agravante da pena por

considerá-la inconstitucional, tendo em vista que, conforme esses julgados, a

reincidência encontra fundamento no direito penal do autor, teoria esta

declaradamente repudiada por nosso ordenamento jurídico, mas que de forma

enrustida é enaltecida dia após dia no âmbito jurídico penal por meio de

institutos que a asseguram, tais como a reincidência. Quanto à metodologia

empregada, registra-se que, na Fase de Investigação foi utilizado o Método

1 Acadêmico do 9º Período do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – Univali, campi Itajaí. 2 Mestre em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí na linha de pesquisa: Produção e Aplicação do Direito

- Sociedade; Área de Concentração: Fundamentos do Direito Positivo; Professor do Curso de Graduação em Direito da Univali nas disciplinas de Direito Penal e Direito Processual Penal, Professor de Direito Penal da Escola do Ministério Público do Estado de Santa Catarina (EMPSC); Professor de Direito Penal, Direito Processual Penal e Prática Penal do Morgado Concursos; Professor de Criminologia do ICPG (Instituto Catarinense de Pós-Graduação); Parecerista da Revista Direito e Política (ISSN 1980-7791), do Programa de Pós-Graduação Strito Sensu da UNIVALI; Parecerista da Revista Eletrônica de Iniciação Científica do Cejurps - UNIVALI (ISSN 2236-5044). Advogado.

NOLLI, Halison Tharlley; CHAVES JUNIOR, Airto. A (in)constitucionalidade material do instituto da reincidência fundamentada no direito penal do autor. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 3, n.4, p. 1416-1438, 4º Trimestre de 2012. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044

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Indutivo. Já, a fase de construção das considerações finais do artigo é

composta na base lógica Indutiva.

INTRODUÇÃO

A reincidência está prevista no Código Penal e possui diversos efeitos

negativos para o acusado ou apenado. Os tribunais e parte da doutrina

nacional justificam a reincidência sob o argumento da necessidade de maior

reprovabilidade do autor de um crime que já foi condenado com sentença

transitada em julgado, pois este, em tese, não deveria voltar a delinquir, tendo

em vista que já conhece o sistema penal e, em tese, já foi ressocializado.

Presume-se, desta forma, que, se alguém já foi condenado voltar a delinquir, a

responsabilidade pela reincidência será exclusiva sua; e, isto se dará em

decorrência de sua maior periculosidade, pois, se deduz que o fato de um

autor de crime, já conhecedor do sistema penal e, em tese, ressocializado,

cometer novo crime, é devido a seu caráter ser voltado à prática delitiva.

Ocorre que, tal presunção não pode prosperar, pois além de acabar punindo o

autor por quem ele supostamente é – direito penal do autor - e não pelo crime

que cometeu – direito penal do fato -, atuando, assim, com base na

periculosidade presumida, acaba gerando uma dupla punição pelo mesmo

fato, o que caracteriza bis in idem.

Desta forma, a presunção de periculosidade, não se coaduna com o que

dispõe a Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988, pois o texto

constitucional adotou expressamente, dentre seus objetivos: a inclusão

social3, o fim da marginalização e das desigualdades sociais. A reincidência

3 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Brasília. 2009. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=116383>. Acesso em: 20 de janeiro de 2012. [...]Direitos humanos: ressocialização de presos e combate à reincidência. Existem hoje no Brasil cerca de 446 mil presos, segundo dados apurados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Uma relação de 229 detentos para cada grupo de mil habitantes, quase o dobro do registrado na Argentina e mais que o triplo da taxa existente na Dinamarca. Do total de presidiários brasileiros, 57% já foram condenados, enquanto outros 43% ainda são provisórios e aguardam julgamento. O Brasil é signatário de tratados que versam sobre direitos humanos como o Pacto de San José, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e a Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). Todos eles proíbem o tratamento degradante do preso [...] O déficit carcerário é de 156 mil vagas no Brasil. Se fosse retirado das celas todo o excesso de presidiários, daria para encher quase dois estádios do Maracanã. [...]. “As penitenciárias não podem ser depósitos de pessoas indesejáveis, mas um mecanismo de ressocialização” defendeu o ministro Gilmar Mendes ao visitar o

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contraria tais objetivos, uma vez que causa a exclusão social, marginaliza e

promove a desigualdade.

Diante disso, a (in) constitucionalidade da reincidência pode ser contestada a

partir de dois pressupostos: a) material: ou seja, sua incompatibilidade

substancial com os objetivos e princípios constitucionais, por estar à

reincidência pautada no direito penal do autor, levando em consideração o

sujeito e não o crime praticado; e, b) formal: por confrontar diretamente com

os tratados de direitos humanos que o Brasil ratificou e que vedam à dupla

punição pelo mesmo fato.

Este artigo abordará a (in) constitucionalidade da reincidência e sua (in)

subsistência no ordenamento jurídico brasileiro sob o enfoque material, ou

seja, levará em conta a (in) compatibilidade da previsão do instituto com os

objetivos e princípios constitucionais4por estar pautado na teoria do direito

penal do autor.

O objetivo será constatar se a teoria que se coaduna com a reincidência é a

do direito penal do autor, tendo em vista que são levadas em conta

circunstanciam pessoais e não fáticas para se aplicar a reincidência, conduta

essa não condizente com a Constituição da República Federativa do Brasil,

por promover a desigualdade; marginalização e uma forma de discriminação

do autor de um crime já familiar ao sistema penal frente a um autor de um

crime estranho a este sistema, ferindo assim os princípios da individualização

da pena e culpabilidade.

1 A REINCIDÊNCIA

1.1. Aspectos históricos

Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), [...]. De acordo com ele, “nenhum país logrou reduzir o índice de criminalidade e, portanto, melhorar os índices de segurança, sem atacar o problema sério da reincidência”. E os números fundamentam essa preocupação. Segundo dados obtidos a partir dos mutirões, os índices de reincidência variam entre 60% e 70%. Ou seja, sem perspectiva, o preso volta a praticar crimes quando retorna ao convívio social.

4 A eventual incompatibilidade da reincidência sob o prisma formal, portanto, não é tema da presente pesquisa.

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Há muito tempo se tem notícia da causa de agravação da pena por questão de

reincidência. Estudos indicam que foi no Direito Romano, também no

Germânico, onde ela aparece pela primeira vez5.

No entanto, foi no Direito Francês que a reincidência penal ganhou contornos

determinantes. O Código Penal francês de 1810 deu inicio a essa nova fase.

Sofreu várias alterações, principalmente em 1885. Contudo, a maior mudança

ocorreu em 1907. Na Germânia, os tedescos a previam apenas para alguns

delitos, como o furto, o roubo, a receptação e o estelionato6.

Portugal, em 1891, aplicava pena de deportação para os autores de crimes

quando reincidentes era, segundo Falconi7: “uma forma velhaca de corrigir os

problemas internos, passando-os para outras plagas”.

A Inglaterra, em 1908, tendo em vista que o problema da reincidência

começava a ter repercussão maior, criou a “Prevention of crime act”. Tal

providencia teve reflexos imediatos em algumas localidades dos Estados

Unidos, que a adotou com as alterações regionais necessárias. O mesmo

ocorria na União Soviética em suas quinze Repúblicas8.

No Brasil o Código Criminal do Império de 1830 consagrava a reincidência em

seu artigo 16, §3º, como circunstância agravante, no entanto, a reincidência

deveria ser específica9 (prática de novo delito da mesma natureza do

precedente).

Da mesma forma, o Código Penal de 1890, artigo 40, considerava

circunstancia agravante a reincidência especifica10. A redação antiga do

5 FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal, 3. ed., rev., ampl. e atual. Cone. São Paulo. 2002. p.285. 6 FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal, 3. ed., rev., ampl. e atual. p. 285. 7 FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal, 3. ed., rev., ampl. e atual. p. 285. 8 FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal, 3. ed., rev., ampl. e atual. p. 285/286. 9 Segundo Zaffaroni e Pierangeli: se denomina de reincidência especifica a que exige a pratica de um novo delito

igual, ou da mesma categoria, daquele pelo qual sofreu anterior condenação. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro parte geral. 6. ed. revista e atualizada. p. 716.

10 FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal, 3. ed., rev., ampl. e atual. p. 286.

NOLLI, Halison Tharlley; CHAVES JUNIOR, Airto. A (in)constitucionalidade material do instituto da reincidência fundamentada no direito penal do autor. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 3, n.4, p. 1416-1438, 4º Trimestre de 2012. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044

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Código Penal de 1940 estabelecia, além da reincidência específica, a

reincidência genérica11, com caráter de perpetuidade, nos artigos 46 e 47.

A Lei 6.416 de 1977 extinguiu a reincidência específica e limitou o tempo dos

efeitos da condenação anterior, adotando o sistema da temporariedade ou

transitoriedade, de forma que deixaram de prevalecer os efeitos da

reincidência se decorridos cinco anos12.

Atualmente, a reincidência está prevista no artigo 63 do Código Penal,

redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984: “Art. 63 - Verifica-se a

reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em

julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por

crime anterior”.

Assim, pela redação do artigo 63 do Código Penal, pode-se constatar que

nosso ordenamento jurídico adotou a reincidência genérica.

1.2. Conceito

A reincidência, conforme artigo 63 do Código Penal é o cometimento de um

crime após já ter sido o autor condenado por outro crime.

Esta condenação pode ser proferida no Brasil ou no estrangeiro, no entanto,

quando a sentença condenatória for proferida em outro país, o crime tem que

ser punido também aqui no Brasil13.

Embora não seja necessário nenhum requisito especial para a sentença

estrangeira ou sua homologação, para que está possa gerar os efeitos da

reincidência, alguns pressupostos deverão ser atendidos: a) a conduta

também deve ser considerada crime no Brasil; b) deve haver a previsão da

11 Conforme ensinamento de Zaffaroni e Pierangeli: fala-se em reincidência genérica, que se conceitua como o

cometimento de um delito depois de ser sido o agente condenado e submetido à pena por outro delito. Zaffaroni, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro parte geral. p. 716.

12 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal brasileiro, volume 1: parte geral, art. 1° a 120. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2012. p. 496.

13 ZAFFAONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro parte geral. p. 721.

NOLLI, Halison Tharlley; CHAVES JUNIOR, Airto. A (in)constitucionalidade material do instituto da reincidência fundamentada no direito penal do autor. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 3, n.4, p. 1416-1438, 4º Trimestre de 2012. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044

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reincidência no país que foi cometido o crime, por exemplo, não seria possível

condenar como reincidente no Brasil uma pessoa condenada na Colômbia,

porque esta legislação não prevê a reincidência14.

De nada adianta a observância destas formalidades ou requisitos para

aplicação sem se levar em conta que a sentença penal estrangeira deve ser

produzida com a observância do devidos processo legal. Assim preceituam

Zaffaroni e Pierangelli15 que “[...] deve tratar-se de uma sentença condenatória

pronunciada como conclusão de um processo em que se tenha respeitado os

direitos humanos fundamentais, em tema de garantias processuais do due

process of Law [...]”.

Para efeitos da reincidência, não se considera a infração penal militar anterior

praticada o crime político ou a contravenção penal. A lei não faz distinção do

crime anterior, ou o crime seguinte foram praticados dolosa ou

culposamente16.

Assim, para que o autor de um delito possa ser considerado reincidente, deve

ter havido uma sentença condenatória, transitada em julgado, anterior; e

ainda, devem-se observar o pressuposto do artigo 64 do Código Penal:

Art. 64 - Para efeito de reincidência: I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação; (...).

Ou seja, o autor de um crime será considerado reincidente se cometer um

novo delito após já ter sido condenado, esta condenação já deve ter

transitado em julgado, e desde que não tenha decorrido mais de cinco anos

do transito em julgado e o cometimento do novo crime.

14 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 10. ed. rev., atual e ampl., 2010. 15 ZAFFAONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro parte geral. p. 724. 16Nas palavras de Zaffaroni e Pierangeli: [...] Existem códigos estrangeiros em que os efeitos da reincidência limitam-

se às penas privativas de liberdade, mas isso não ocorre com a lei brasileira, porque nesta sequer existe fundamento para excluir os delitos apenados com multa [...]. ZAFFAONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro parte geral. p. 723.

NOLLI, Halison Tharlley; CHAVES JUNIOR, Airto. A (in)constitucionalidade material do instituto da reincidência fundamentada no direito penal do autor. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 3, n.4, p. 1416-1438, 4º Trimestre de 2012. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044

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1.2 Consequências

A reincidência17 é instituto de direito penal que visa repreender de forma mais

gravosa o autor de crime que já tenha cometido outro crime, e tenha por este

sido condenado com sentença transita em julgado, num intervalo de tempo

não superior a cinco anos 18.

A reincidência pode ser dividida em reincidência real ou ficta. A reincidência

real ocorre quando o agente comete novo delito depois de já ter efetivamente

cumprido pena por crime anterior; já a reincidência ficta ocorre quando o

autor de um crime comete um novo crime depois de ter sido condenado, mas

ainda sem cumprir pena 19.

O Código Penal Brasileiro adotou a reincidência ficta, que possui vários

efeitos, tais como: (a) agrava a pena privativa de liberdade (art. 61, I CP); (b)

determina regime de cumprimento de pena mais severo (art. 33, CP); (c)

impede substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos,

se especifica em crime doloso (art. 44, II, CP); (d) impede substituição da pena

privativa de liberdade por multa (art. 60, §°, CP); (e) prepondera no concurso

de circunstâncias agravantes e atenuantes (art. 67, CP); (f) obstrui o sursi,

quando da prática de crime doloso (art. 77, I, CP); (g) aumenta o lapso

temporal de cumprimento da pena para obtenção do livramento condicional

(art. 83, II, CP); (h) aumenta o prazo (art. 100, CP) e interrompe a prescrição

(art. 117, VI, CP); (i) revoga o sursi (art. 81, CP) e a reabilitação (art. 95, CP); (j)

impede alguns casos de diminuição da pena (art. 155, § 2º; 170 e 171, § 1º, do

CP); (l) impede a prestação de fiança (art. 323, III, CPP); (m) impossibilita a

suspensão condicional do processo (art. 89, Lei nº. 9.099/95), entre outros20.

2 DIREITO PENAL DO AUTOR

17 Segundo Romeu Falconi: A palavra reincidência é de origem latina e significa incorrer, podendo também

representar acontecer, ocorrer, etc. como já dito, do latim “incidire”. O prefixo “re” resolve a problemática vernacular que concerne à reinteração: incorrer outra vez. FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal, 3. ed., rev., ampl. e atual. Cone. São Paulo. 2002. p. 285.

18 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 10. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2010.

19 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 10. ed. rev., atual e ampl. p. 435. 20 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro parte geral. 6. ed.

revista e atualizada. Revista dos Tribunais. São Paulo. 2006

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Antes de adentrar no conceito de direito penal do autor, faz-se necessário

entender o que significa direito penal do fato.

Direito penal do fato é a regulação legal que visa punir alguém por ter

cometido um fato, tipificado como infração penal; e, este fato típico se

relacione apenas com a conduta do agente e não com elementos ligados à

personalidade ou modo vida do autor do fato típico21.

Claus Roxin22 define direito penal de fato por uma “(...) regulação legal, em

virtude da qual a punibilidade se vincula a uma ação concreta descrita

tipicamente (...) e a sanção representa só a resposta do fato individual, e não a

toda condução da vida do autor e os perigos que no futuro se esperam do

mesmo” 23.

O direito penal do fato tem origem nos princípios liberais, sendo uma garantia

da aplicação da lei penal de uma forma igualitária, ou seja, influi na segurança

jurídica dos direitos individuais, pois evita que arbitrariedades sejam usadas

como fundamentos para condenação de alguém24.

Desta forma, o ordenamento jurídico que se baseie em princípios de Estado

Democrático de Direito, se inclinará, sempre, a regular o direito sancionador

tendo por base o fato praticado e não os elementos ligados ao modo de vida

do agente que praticou o fato25.

Anotino García-Pablo de Moloina26 formula as seguintes considerações

quanto ao direito penal do fato: “O ser humano responde perante a lei penal

pelo que fez – ação ou omissão -, não pelo o que ele é. Todo delito pressupõe,

portanto, uma ação ou uma omissão, um comportamento (...)” 27.

21 ROXIN, Claus. Direcho penal parte geral, fundamentos, la estructura de la teoria del delito. Civitas. Madrid,

2006. 22 ROXIN, Claus. Direcho penal parte geral, fundamentos, la estructura de la teoria del delito. p. 176. 23 Tradução livre dos autores. 24 DE MOLINA, Anotino García-Pablo. Derecho penal, introducción. Servicio publicaciones facultad derecho,

Universidad Complutense Madrid. Madrid. 2002. p. 359. 25 ROXIN, Claus. Direcho penal parte geral, fundamentos, la estructura de la teoria del delito. 2006. 26 DE MOLINA, Anotino García-Pablo. Derecho penal, introducción. p. 359. 27 Tradução livre.

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O direito penal de fato dá azo para duas consequências: a) ninguém pode ser

punido pelos seus pensamentos; b) a forma de ser do sujeito, sua

personalidade, não pode servir de fundamento para a responsabilidade

criminal ou agravação de sua pena28.

No entanto, como salienta Roxin29, as intenções preventivo-especiais, tendem

a criar tipos penais pautados na personalidade do sujeito ao fato em si:

Por outra parte, as fortes tendências preventivo-especiais, existentes desde

os tempos de Liszt no direito penal alemão, vão na direção da personalidade

do delinquente, para se evitar futuros delitos, dependendo estes mais da

personalidade que o concreto fato individual.

Assim, em sentido inverso, se entende o direito pena do autor como o tipo

penal que se importe mais com modo de vida ou personalidade do agente

(passado), que o fato (presente) praticado por este30.

Nas palavras de Molina31:

O chamado direito penal do autor constitui a antítese do direito penal do fato. Trata-se de um modelo de direito penal totalitário, defendido pela doutrina alemã próxima do regime nazista, ao teor da qual o homem tem que ser processado não pelo que fez, mas sim pelo que é 32.

Claus Roxin33 salienta que: “O que se faz culpável aqui para o autor não é o

fato que cometeu, e sim o que o autor é, este se converte em objeto da

censura legal”. Partindo deste pressuposto, resta evidenciado a afronta ao

princípio da isonomia, uma vez que se pune quem se é ao em vez do que se

fez.

Desta forma, aonde os pressupostos para a aplicação penal se incluem algo

diferente da ação individual, como por exemplo, o modo de vida ou

28 DE MOLINA, Anotino García-Pablo. Derecho penal, introducción. 29 ROXIN, Claus. Direcho penal parte geral, fundamentos, la estructura de la teoria del delito. p. 176. 30 ROXIN, Claus. Direcho penal parte geral, fundamentos, la estructura de la teoria del delito. 2006. 31 DE MOLINA, Anotino García-Pablo. Derecho penal, introducción. p. 360. 32 Tradução livre do espanhol. 33 ROXIN, Claus. Direcho penal parte geral, fundamentos, la estructura de la teoria del delito. p. 177.

NOLLI, Halison Tharlley; CHAVES JUNIOR, Airto. A (in)constitucionalidade material do instituto da reincidência fundamentada no direito penal do autor. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 3, n.4, p. 1416-1438, 4º Trimestre de 2012. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044

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personalidade do autor, nas palavras de Claus Roxin34: “estaremos diante de

um sistema em que a pena se dirige ao autor como tal”, ou seja, um direito

penal do autor.

Para Liszt e seus seguidores, os pressupostos da punibilidade devem ser

determinados pelos critérios de direito penal de fato, em consequência, os

efeitos jurídicos devem ser fixados mais por critérios de direito penal do

autor35.

Claus Roxin36, discorrendo sobre a tese defendida por Teser e Kollmann,

seguidores de Lizst, afirma que:

Ambos sustentam (desde muito diversos pontos de partida metodológicos em particular) as teses de que não se devem processar fatos por sua repercussão no mundo exterior, mas sim por que nos revela sobre interior do autor. Por tanto, o fato é só um sintoma da personalidade do autor37.

O direito penal, pautado nas características do autor, fundamenta-se, segundo

Liszt e seus seguidores (Radbruch; Eb. Schmidt, Kohlrausch, Grünhut), no

pressuposto de que o fato típico praticado pelo sujeito é a reflexão do caráter,

como expressão da personalidade deste, nas palavras de Roxin38:

(...) a culpabilidade do autor reside (desde uma perspectiva determinista) na responsabilidade do homem pelo seu caráter, por que a periculosidade do delinquente condicionada por sua personalidade se apresenta diretamente como elemento de culpabilidade.

O direito penal baseado no fato tem a função de promover uma sanção

pautada no princípio da isonomia, proporcionalidade; de outro modo, o direito

penal do autor, por partir de premissas subjetivas/arbitrarias, não é capaz de

garantir a igualdade e proporcionalidade da aplicação da pena ou até mesmo

seleção dos fatos típicos39.

34 ROXIN, Claus. Direcho penal parte geral, fundamentos, la estructura de la teoria del delito. p. 177. 35 ROXIN, Claus. Direcho penal parte geral, fundamentos, la estructura de la teoria del delito. 2006. 36 ROXIN, Claus. Direcho penal parte geral, fundamentos, la estructura de la teoria del delito. 2006. 37 Tradução livre 38 ROXIN, Claus. Direcho penal parte geral, fundamentos, la estructura de la teoria del delito. p. 177. 39 ROXIN, Claus. Direcho penal parte geral, fundamentos, la estructura de la teoria del delito. 2006.

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3 REINCIDÊNCIA E O DIREITO PENAL DO AUTOR

A legitimidade da reincidência como agravante de pena é contestada por

alguns autores40, sob o argumento de que esta quebra a proporcionalidade,

que necessariamente deve existir entre o crime praticado e a pena, já que esta

última vê-se influenciada por uma circunstancia totalmente estranha ao fato

que se encontra sobre análise.

Nas palavras de Fernando Galvão41: “a reincidência não é verdadeiramente

uma circunstancia já que não se relacionada com o delito praticado, e sim

com o seu autor”.

Manzini42 reconhece que a reincidência não aumenta a gravidade objetiva do

delito; contudo, defende ele que o instituto serve para qualificar como mais

criminosa a personalidade de seu autor. Seguindo este raciocínio, Fernando

Galvão43 conclui:

(...) a reincidência estaria relacionada com o elemento subjetivo do autor e produzira reflexos no exame da imputabilidade (...). A adoção desse posicionamento revela que a censurabilidade da culpabilidade valoriza com maior prioridade a pessoa do delinquente do que o fato que este cometeu.

Ocorre que, o Direito penal não pode ser pautado por presunções, ou seja,

nada garante que alguém que cometeu um crime culposo e volta a delinquir é

mais perigoso que alguém que comete apenas um homicídio doloso. Zaffaroni

e Pierangeli44 tecem o seguinte argumento a respeito da periculosidade

presumida:

Não faltaram doutrinadores que acabaram por inventar a ideia da “periculosidade presumida”. Todavia, a periculosidade, no caso de se poder valorá-la, constitui um juízo fático, e, por conseguinte, jamais poderia ser presumido juris et jure, porque se assim fosse,

40 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro parte geral. 6. ed.

revista e atualizada. 2006. 41 GALVÃO, Fernando. Direito penal parte geral. Del Rey. Belo Horizonte, 2007. p. 667. 42 MANZINI, Vicenzo. Tratado de derecho penal, t.3. Ediar. Buenos Aires. 1948. 43 GALVÃO, Fernando. Direito penal parte geral. p. 668. 44 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro parte geral. p.

718.

NOLLI, Halison Tharlley; CHAVES JUNIOR, Airto. A (in)constitucionalidade material do instituto da reincidência fundamentada no direito penal do autor. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 3, n.4, p. 1416-1438, 4º Trimestre de 2012. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044

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estabeleceria a presença de um fato quando o fato não existe, e isso, na ciência jurídica, não se denomina “presunção” e sim “ficção”.

Os defensores da reincidência sob o prisma da maior periculosidade do autor

de um crime quanto já condenado por outro crime encontram certa

dificuldade de justificação desta tese, uma vez que, conforme Zaffaroni e

Pierangeli45: “nada faz presumir ser mais provável que venha praticar um

delito de emissão de cheque sem provisão de fundos, quem antes causou um

homicídio culposo com o seu veículo”.

A teoria psicológica da culpabilidade afirma que a reincidência demonstra

uma decisão mais forte na vontade do sujeito, dotada de maior permanência

para a prática delitiva. Zaffaroni e Pierangeli46 contestam esta teoria por

entenderem que:

Pode acontecer de ter a própria condenação anterior reforçado essa decisão (voltar a delinquir), e, por outro lado, quando os delitos são completamente diferentes, não se pode falar de um reforço de uma vontade que não existe.

Outra corrente entende que se a condenação anterior não foi suficiente para

efetivar o efeito repressivo especial, é necessário aumentar a condenação

pelo segundo delito. Da mesma forma que as teorias anteriores, Zaffaroni e

Pierangeli47, contestam, afirmando que:

A mera notificação de uma condenação, sem qualquer cumprimento de pena, não pode contramotivar a ninguém (...). No efetivo cumprimento da pena, pode-se afirmar esta consequência, posto que, mui frequentemente, não é contramotivadora, mas precisamente motivadora, ou seja, condicionante da assunção do rol ou papel desviado do sujeito.

Desta forma, a reincidência só seria concebível caso o Direito penal de hoje

adotasse como justificativa da pena o autor em si mesmo e não o fato por ele

praticado, em outras palavras, a reincidência não tem lugar no ordenamento

45 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro parte geral. p.

719. 46 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro parte geral. p.

719. 47ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro parte geral. p. 720.

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jurídico que adotar a teoria do direito penal de fato no lugar da teoria do

direito penal de autor. Conforme Alexandre Morais da Rosa48:

A reincidência serve para, de mãos dadas com a análise da personalidade do agente, fixar a pena necessária para sua recuperação, com franca influência da ‘Escola Positiva’, e fundamentada na periculosidade, violando escancaradamente o princípio do ‘non bis in idem’ e da ‘intangibilidade da coisa julgada.

Ou seja, o melhor modelo que para explicar a reincidência é a do direito penal

do autor, por pautar-se na premissa da periculosidade presumida. Na verdade,

a reincidência serve para identificar as pessoas em disciplinadas e

indisciplinadas49.

Nas palavras de Moraes da Rosa50: “a ‘periculosidade’ foi defenestrada dos

Estados Democráticos, impossível seu manejo a partir da incidência de uma

‘oxigenação constitucional’ (Cap. 3º) do Código Penal”.

Alguns autores51entendem que a reincidência releva uma tendência mais

favorável do sujeito a cometer novos crimes, portanto sua menor liberdade de

escolha do comportamento correto. A reincidência deste modo deveria

produzir efeitos atenuantes, pelo reconhecimento de uma menor

imputabilidade do autor.

Assim, a reincidência possui um fim alegórico: manter a disciplina e a ordem,

sob a ameaça de se aumentar a pena daquilo que se fez e se quitou, punindo-

se novamente a situação anterior52.

Paulo Queiroz53, afirma que:

A pessoa é assim considerada pelo direito penal como uma variável independente e não como uma variável dependente das situações. Vale dizer, a lei penal trabalha com imagens falsas, pois se baseia em ações, em vez de interação, funda-se em sistemas de

48 ROSA, Alexandre Morais da. Decisão penal: a bricolagem de significantes. Rio de Janeiro. Lumen Jures. 2006. p.

354/355. 49 ROSA, Alexandre Morais da. Decisão penal: a bricolagem de significantes. p. 355. 50 ROSA, Alexandre Morais da. Decisão penal: a bricolagem de significantes. p. 355. 51 GALVÃO, Fernando. Direito penal parte geral. p. 668. 52 ROSA, Alexandre Morais da. Decisão penal: a bricolagem de significantes. p. 356. 53 QUEIROZ, Paulo. Direito Penal parte geral, 4. ed. Lumen Juris. Rio de Janeiro. 2008. p. 102.

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responsabilidade biológica e não em sistemas de responsabilidade social.

Ou seja, toda sistemática penal se funda na ideia de culpabilidade individual,

não levando em consideração o meio-ambiente que vive o autor do crime, ou

seja, desprezando o sistema social em que este se insere54.

4 (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA REINCIDÊNCIA

A Constituição da República Federativa do Brasil tem como objetivo55, dentre

outros, promover a igualdade e erradicar qualquer forma de marginalização,

desigualdade social ou qualquer forma de discriminação:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...) III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

José Afonso da Silva56 conceitua marginalização como: “a pessoa que fica à

margem da vida social”, ou seja, a pessoa que não faz parte da vida comum

social por algum motivo, econômico, penal ou moral (preconceito com quem

cumpre ou cumpriu uma pena).

Desta forma, com o fim da marginalização, o objetivo constitucional do fim da

desigualdade social estará alcançado em partes, pois um está relacionado

com o outro.

A promoção do bem de todos só é possível com o fim da marginalização; das

desigualdades sociais e sem discriminação de qualquer natureza, sendo

objetivo primordial de todo Estado, quer a constituição formal o diga ou não57.

No entanto, a reincidência, ao invés de promover a ressocialização, promove a

estigmatização da pessoa, prejudicando a sua reincorporação social. O

54 QUEIROZ, Paulo. Direito Penal parte geral, 4. ed. 55 José Afonso da Silva conceitua objetivo como: um signo que aponta para a frente, indicando um ponto adiante a

ser alcançado pela prática de alguma ação: aqui ação governamental. SILVA, José Afonso. Comentário contextual à constituição. 6. ed. ataul., Malheiros. São Paulo. 2008. p. 46.

56 DA SILVA, José Afonso. Comentário contextual à constituição. 6. ed., atual. p. 48. 57 SILVA, José Afonso. Comentário contextual à constituição. 6. ed., atual.

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registro da condenação uma vez cumprida e a sua relevância potencial futura

colocam o condenado que cumpriu sua condenação em desigualdade frente

ao resto da população, tanto na questão jurídica como na questão

fática/social. 58

A reincidência está prevista na maioria dos Códigos do continente americano.

No entanto tal presunção absoluta de uma maior periculosidade do sujeito é,

sem dúvida, incompatível com os princípios garantistas penais que se pauta o

Estado Democrático de Direito59.

O autor de um crime, quando ainda ostenta a qualidade de primariedade, não

obstante ter praticado diversos delitos, não tem seu grau de periculosidade

atenuado em relação a um autor de um crime quando reincidente em crimes

de menor potencial ofensivo. Neste sentido, afirma Paulo Queiroz 60:

Cumpre notar, inicialmente, que, com a relativização determinada pelo princípio da presunção legal de inocência, o instituto perdeu grandemente o seu sentido, uma vez que nem sempre o réu reincidente é mais perigoso do que o não reincidente. É de reconhecer, portanto, que a reincidência já não constitui um sintoma seguro de maior perigosidade, não se justificando, também por essa razão, sua existência.

A reincidência não deixa de ser uma pena tarifada, uma vez que aumenta a

pena por fundamento diverso do justificante da medida geradora da

culpabilidade e responsabilidade próprias. Dessa forma, é possível verificar

que a reincidência não se pauta no direito penal do fato, e sim, tem forte apelo

ao direito penal do autor, de modo que o agravamento decorrente da

reincidência equivale à pena sem culpabilidade, sem fundamento no fato em

si, importando dupla valoração da mesma causa. 61

Paulo Queiroz62 conclui que:

Por isso é que Cobo del Rosal e Vives Antón propõem a abolição pura e simples do instituto, porque, além de incompatível com um

58 ROSA, Alexandre Morais da. Decisão penal: a bricolagem de significantes. p. 356. 59 QUEIROZ, Paulo. Direito Penal parte geral, 4. ed. 2008. 102/103. 60 QUEIROZ, Paulo. Direito Penal parte geral, 4. ed. p. 340. 61 QUEIROZ, Paulo. Direito Penal parte geral, 4. ed. 340. 62 QUEIROZ, Paulo. Direito Penal parte geral, 4. ed. p. 340

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direito penal da culpabilidade pelo fato, esta evidenciada sua total ineficácia.

Existem autores, como Juarez Cirino dos Santos 63, que propõem uma

reanálise das consequências da reincidência, em vez desta ensejar o

agravamento da pena, deve, ao contrario, justificar sua atenuação.

Ana Cláudia de Bastos e Marcus Alan de Melo Gomes64 expõe o seguinte

argumento:

É perfeitamente possível que o juiz se depare com uma pessoa conduzida à pratica da conduta cuja pena se trata de fixar-lhe, por força das limitações socialmente impostas à sua liberdade de escolha e a reincidência pode estar evidenciando a incapacidade do sistema de controle em promover a reinserção social deste sujeito. (...), a reincidência pode militar em favor de usar redução no índice de reprovabilidade da conduta e, consequentemente, do valor da pena base.

Assim, se o novo crime é cometido após o sujeito ter cumprido sua pena, o

processo de deformação e embrutecimento da pessoa, que decorre do

sistema penitenciário, deveria induzir o legislador a incluir a reincidência real

entre as circunstancias atenuantes, como consequência da atuação deficiente

e estigmatizante do Estado sobre sujeitos criminalizados65.

Agora, se o novo crime é cometido pelo sujeito após a simples formalidade do

transito em julgado de condenação anterior, ou seja, reincidência ficta, não é

possível indicar qualquer presunção de periculosidade, sendo assim, incapaz

de se fundamentar circunstância agravante. Desta forma, Paulo Queiroz66

conclui que:

(...) no caso de reincidência real (o condenado cumpriu de fato a pena, passando pela experiência carcerária), dele ela ensejar a atenuação da pena; na hipótese de reincidência ficta (o condenado não chegou a cumprir pena alguma, por qualquer motivo, como fuga, por exemplo), tal circunstancia é irrelevante, devendo ser ignorado.

63 DOS SANTOS, Juarez Cirino. Direito Penal: a nova parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 1985 64 BASTOS, Ana Cláudia de. GOMES, Marcus Alan de Melo. Ciências criminais, Lumen Juris. Rio de Janeiro.

2009.p.223. 65 QUEIROZ, Paulo. Direito Penal parte geral, 4. ed. 66 QUEIROZ, Paulo. Direito Penal parte geral, 4. ed. p. 340

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A ideia de que o Estado pode prender o cidadão para aplicar a

pena/recuperação; e, diante da ausência de condições para tanto - no qual o

cárcere deforma/prejudica -, na verdade, a reincidência deve ser considerada

como causa atenuante da pena e não agravante, como hoje é. Falconi 67

compartilha o mesmo ponto de vista:

Ora, com todo respeito, se a primeira pena se mostrou ineficaz, não há de ser a exacerbação da segunda que a transformará em eficaz. Redundante é o equívoco de pensar que o agravamento da pena poderá, de alguma forma, intimidar o delinquente.

Cirino dos Santos68, seguindo este raciocínio afirma que:

Se os efeitos criminógenos da prisão são reconhecidos, então a ineficácia da prevenção especial reduz a execução penal ao terror retributivo. E a questão é esta: se a pena criminal não tem eficácia preventiva – mas, ao contrário, possui eficácia invertida pela ação criminógena exercida –, então a reincidência criminal não pode constituir circunstancia agravante.

Desta forma, o crime cometido anteriormente, crime este gerador da

reincidência, só pode ser levado em consideração para o cômputo da pena

como antecedentes criminais, na forma do art. 59 do Código Penal, ou seja,

como circunstancias judicial. Somente ali poderá ser feita a correta análise da

repetição criminosa, seguindo o princípio de culpabilidade, pois neste

momento o juiz estará livre para fazer uma análise, em muitas vezes benéficas

ao réu, tendo em vista que será apreciado o fato de forma completa, e não

apenas pautado em presunções de maior culpabilidade69.

Neste sentido, Ana Cláudia de Bastos e Marcus Alan de Melo Gomes70,

afirmam:

Deste modo – e somente deste modo – é possível considerar que a situação de reincidência pode referir-se não só ao sujeito, mas aos fatos e às circunstancias que o cercam, podendo avaliar concretamente o grau de reprovabilidade derivado desta reincidência, que não necessariamente pode conduzir a um aspecto negativo.

67 FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal, 3. ed., rev., ampl. e atual. p. 287. 68 DOS SANTOS, Juarez Cirino. Direito Penal: a nova parte geral. p. 245. 69 BASTOS, Ana Cláudia de. GOMES, Marcus Alan de Melo. Ciências criminais. p. 223. 70 BASTOS, Ana Cláudia de. GOMES, Marcus Alan de Melo. Ciências criminais. p. 223.

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Claus Roxin71, comentando a parte geral do Código Penal alemão, faz a

seguinte observação:

A agravação da pena pela reincidência do § 48 v. a., que passe todos os esforços para dar-lhe uma fundamentação distinta somente se podia explicar partindo da aceitação de uma culpabilidade pela condição de vida e, portanto era inconciliável com o principio da culpabilidade pelo fato; pois bem, tal preceito foi derrogado sob a precisão da crítica contra o mesmo, pela 23ª StrÄG de 13-4-1986.

Desta forma, a reincidência deve ser revista, ao menos sua forma de

aplicação, devendo o Brasil seguir o exemplo de alguns países que, se não a

derrogaram como no caso da Colômbia72, criaram mecanismos de reabilitação

sociais eficazes como na Holanda, por exemplo, onde são aplicados

programas de reinserção social ao invés de se punir mais gravosamente o

delinquente contumaz - os índices de reincidência diminuíram 40%73.

5 POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL

Os Tribunais têm posicionamento bastante pacifico quanto à

constitucionalidade da reincidência, afirmando que está encontra amparo na

maior periculosidade do réu, motivo este que por si só a legitima. Veja-se:

APELAÇÕES CRIMINAIS. RECURSOS DA ACUSAÇÃO E DEFESAS. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. 1. RECURSO DAS DEFESAS: (2) SEGUNDA FASE. AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA DEVIDAMENTE RECONHECIDA. CONSTITUCIONALIDADE DO INSTITUTO. CIRCUNSTÂNCIA AGRAVANTE QUE OBJETIVA RECONHECER MAIOR REPROVABILIDADE NA CONDUTA DAQUELE QUE É CONTUMAZ VIOLADOR DA LEI PENAL. TJSC. Processo: 2011.007019-7 (Acórdão) Relator: Hilton Cunha Júnior Origem: Capital Orgão Julgador: Primeira Câmara Criminal Data: 16/09/2011 Juiz Prolator: Alexandre Murilo Schramm Classe: Apelação Criminal (Réu Preso).

Com fundamentação semelhante, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas

Gerais já havia julgado constitucional, no ano anterior, o incidente de

71 ROXIN, Claus. Direcho penal parte geral, fundamentos, la estructura de la teoria del delito. p. 177. 72 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro parte geral. 73 FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal, 3. ed., rev., ampl. e atual. p. 287.

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arguição de inconstitucionalidade que contestava a constitucionalidade do

instituto da reincidência, sob o fundamento de ferir o princípio do non bis in

idem, este Tribunal entendeu que reincidência não representa dupla

condenação pelo crime anterior, mas sim a indicação da periculosidade do

agente, pois é considerada como reflexo da personalidade do autor e sua

menor liberdade para decidir-se pelo comportamento juridicamente adequado.

O Relator do acórdão afirmou que “ela apenas agrava a pena de quem ainda

não está recuperado para o convívio social”74.

No entanto, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul vem analisando a

questão da reincidência a partir de outro prisma. Para este Tribunal, a

reincidência, tal como hoje concebida (agravante da pena), deve ser afastada

diante de sua flagrante inconstitucionalidade. Anota-se, nesta seara, o

acórdão oriundo da Apelação Criminal nº. 70005125489, que atesta referido

posicionamento:

[...] Quanto à reincidência, acompanho a posição adotada por esta Câmara, segundo a qual a reincidência como agravante se configura inconstitucional por se tratar de um bis in idem, embora possa ser considerada na dosimetria da pena-base. Nesse sentido, já me manifestei na apelação criminal nº 70005015169, de relatoria do eminente Des. Amilton Bueno de Carvalho: “Tanto esta Câmara, por sua maioria, assim como o 3º Grupo Criminal, vêm decidindo no sentido de afastar, por inconstitucional, o aumento determinado pela agravante da reincidência, porquanto indisfarçável bis in idem. Neste sentido, os Embargos Infringentes nº 70002012011, 70002199859 e 70002551315, bem como as apelações-crime nº 70004500302 e 70004873279, cujo Relator foi o eminente Des. Luís Gonzaga da Silva Moura, que assim se manifestou:“...É que a Câmara, por sua maioria - também o 3º Grupo Criminal vem decidindo neste sentido: Embargos Infringentes n.ºs 70002012011, Sapiranga; 70002199859, Porto Alegre; Esteio, entre outros; julgados em 26.06.2001 - tem entendido de afastar, por inconstitucional - faz presente o direito penal do autor e é indisfarçável “bis in idem”. 75

O posicionamento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul se pauta na

inconstitucionalidade da reincidência por entender que ela fera o principio ne

74Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade nº 1.0223.05.177414-7/002, Rel. Des. Caetano Levi Lopes, julgado

em 22/09/2010. 75 Grifos acrescentados.

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bis in idem e é pautada no direito penal do autor, ferindo, assim a

Constituição da República Federativa do Brasil 1989.

A aplicação da reincidência, como agravante da pena, é inconstitucional, pois

se constitui em uma herança lombrosiana76, aonde se presume a

periculosidade do agente por características extrínsecas deste, ferindo,

assim, o princípio da isonomia. A reincidência serve à análise da

personalidade do agente, fixando a pena ‘necessária para sua recuperação’,

com influência na Escola Positivista, não compatível com os princípios de um

direito penal de garantias77.

A reincidência é de difícil explicação em termos constitucionais; e, a

estigmatização que sofre a pessoa, acaba de certa forma prejudicando a sua

reincorporação social; os direitos humanos, a isonomia, a racionalidade das

penas e a presunção da inocência, entre outros, resultam afetados, sendo,

incompatível com o Estado Democrático de Direito a previsão legal que

possui fundamento na teoria do direito penal do autor - Escola Positivista -

aonde se pune o sujeito a partir de presunções que afloram de suas

características pessoais que revelam maior periculosidade, sem ao menos se

levar em conta os reais motivos da reincidência delitiva, ou seja, sem se

questionar qual o motivo que leva alguém que já conhece o sistema penal a

cometer um novo delito. Se a análise desta questão for feita de forma ampla,

como poderia ser feita nas circunstâncias judiciais, artigo 59 do Código Penal,

poderia se chegar, em certos casos, a conclusão que a reincidência não deve

agravar a pena, e sim atenuá-la78.

Embora a justificação oficial da reincidência tente encontrar amparo em

teorias constitucionais, a sua verdadeira justificativa se encontra na teoria

criminológica derivada do positivismo, tendo em vista a adoção do critério

periculosidade. A reincidência decorre do interesse do Estado em enumerar

as pessoas em obedientes e desobedientes, no entanto a função do direito

76 ROSA, Alexandre Morais da. Decisão penal: a bricolagem de significantes. 77 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro parte geral. 78 COPETTI, André. Direito Penal e Estado Democrático de Direito. Porto Alegre. Livraria do Advogado, 2000.

p. 194.

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penal constitucional não é está, mas sim originar meios capazes de promover

a igualdade e a inclusão social de todos, erradicando a marginalização e

outras formas de discriminação - como é a reincidência79.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Da pesquisa cujos resultados se passam a expor, conclui-se que a previsão

da reincidência no ordenamento jurídico nacional afronta os princípios e

objetivos constitucionais por estar pautado no direito penal do autor. Por esta

razão, há muito tempo deixou de ser legítima, seja porque fere o princípio

supralegal ne bis in idem, seja porque contraria expressamente os objetivos e

princípios da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Constatou-se que a única explicação plausível para legitimar a reincidência

como causa agravante de pena e de privação de benefícios penais é a adoção

de requisitos ligados à personalidade do autor do crime. Assim, o delinquente

é punido, não pelo crime praticado, mas sim, por que ele é ou foi, partido da

premissa que a periculosidade do reincidente é presumida e deve, por isso,

ser mais gravemente punido (direito penal do autor).

No entanto, restou constatado que essa teoria não é capaz de fundamentar,

com amparo constitucional, uma reprimenda maior ao delinquente

reincidente, tendo em vista que sua análise é feita de forma objetiva, sem se

ater as circunstâncias fáticas que envolvem o crime. A partir dessa leitura,

não se leva em conta os princípios da individualização da pena e da

culpabilidade, e não se cumpre os objetivos constitucionais, pois acaba por

marginalizar, e colocar o reincidente em situação desigual frente aos demais

membros do corpo social que, igualmente, possa delinquir - critério de

descriminação balizado por aquilo que a pessoa representa, e não por aquilo

que ela fez.

79 ROSA, Alexandre Morais da. Decisão penal: a bricolagem de significantes.

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