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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL ANDRÉIA DARDE MARKS A IMPORTÂNCIA DAS ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS PARA A INCLUSÃO SOCIAL E A CONCRETIZAÇÃO DA CIDADANIA – O EXEMPLO DO CEDEDICAI DE IJUÍ/RS Ijuí (RS) 2008

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTAD O

DO RIO GRANDE DO SUL

ANDRÉIA DARDE MARKS

A IMPORTÂNCIA DAS ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS P ARA

A INCLUSÃO SOCIAL E A CONCRETIZAÇÃO DA CIDADANIA –

O EXEMPLO DO CEDEDICAI DE IJUÍ/RS

Ijuí (RS)

2008

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ANDRÉIA DARDE MARKS

A IMPORTÂNCIA DAS ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS P ARA

A INCLUSÃO SOCIAL E A CONCRETIZAÇÃO DA CIDADANIA –

O EXEMPLO DO CEDEDICAI DE IJUÍ/RS

Dissertação apresentada ao curso de Pós-Graduação Stricto Sensu, Mestrado em Desenvolvimento, Área de Concentração: Gestão e Políticas de Desenvolvimento; Linha de Pesquisa: Direito, Cidadania e Desenvolvimento, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí), requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Desenvolvimento.

Orientador: Professor Doutor Dejalma Cremonese

Ijuí (RS)

2008

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UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul

Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento – Mestrado

A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação

AA II MM PPOORRTTÂÂNNCCII AA DDAASS OORRGGAANNII ZZAAÇÇÕÕEESS NNÃÃOO--GGOOVVEERRNNAAMM EENNTTAAII SS PPAARRAA

AA II NNCCLL UUSSÃÃOO SSOOCCII AALL EE AA CCOONNCCRREETTII ZZAAÇÇÃÃOO DDAA CCII DDAADDAANNII AA –– OO

EEXXEEMM PPLL OO DDOO CCEEDDEEDDII CCAAII DDEE II JJUUÍÍ //RRSS

elaborada por

ANDRÉIA DARDE MARKS

como requisito parcial para a obtenção do grau de

Mestre em Desenvolvimento

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Dejalma Cremonese (UNIJUÍ): _________________________________________ Prof. Dr. Everton Rodrigo Santos (FEEVALE): ___________________________________ Prof. Dr. Darcisio Corrêa (UNIJUÍ): ____________________________________________

Ijuí (RS), 28 de agosto de 2008.

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A Elias que, na sua infância, e Andrei , na sua

adolescência, são a maior inspiração da minha vida.

A vocês, meus filhos, dedico este estudo.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo dom da vida e pela Sua presença constante em todos os momentos.

Ao ilustre e querido professor doutor Dejalma Cremonese, meu orientador, a quem

devo a construção deste trabalho. Obrigada pela orientação, pela dedicação e paciência

sempre demonstradas. Pelo incentivo e pela preocupação com a consistência desta

dissertação, bem como nos trabalhos que estão por vir. Agradeço por compartilhar comigo seu

conhecimento e, principalmente, sua amizade.

Aos meus filhos, Andrei e Elias, pela paciência que tiveram comigo e pelo carinho

que sempre demonstraram. Por entenderem a importância deste trabalho e por terem me

apoiado nesta trajetória. Pelas horas que a mamãe esteve ausente nas brincadeiras. Fica a

promessa de recompensá-los com muitas outras horas felizes, sempre juntos.

Aos meus pais, por terem semeado em mim o desejo pelo conhecimento. Por todo o

sacrifício e o incentivo repassado durante a minha infância.

Ao Elói, pai dos meus filhos e hoje meu amigo, pelo apoio e incentivo. Agradeço por

acreditar no meu potencial e por ter participado na concretização dos meus estudos, inclusive

do Mestrado.

À querida professora doutora Raquel Sparemberger, minha professora do Mestrado

em Desenvolvimento que considero como amiga. Obrigada por ter sido sempre presente nas

sugestões e no incentivo deste trabalho. Pelo estágio de docência, que muito contribuiu para

minha realização profissional e reforçou meu desejo de prosseguir na vida acadêmica.

À professora mestra Eloísa Argerich, professora do curso de Direito, minha amiga de

coração. Agradeço pela dedicação revelada sempre, pelo incentivo antes e durante a

realização do Mestrado.

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À professora doutora Sandra Beatriz Vicence Fernandes, professora do Mestrado

em Desenvolvimento e alguém que se tornou uma grande amiga. Agradeço pelo carinho,

apoio e amizade.

Ao professor doutor Darcísio Corrêa, professor no Mestrado em Desenvolvimento,

pelas sugestões e idéias ao projeto de pesquisa, que muito contribuíram para a

complementação deste trabalho. Obrigada por dividir seu imenso saber, pela disposição e pelo

atendimento prestativo sempre que foi necessário.

Às amigas e colegas de Mestrado, Klair Kemer , Fernanda Faistel, Franciele Faistel

e Patrícia Perondi, pelo carinho, alegria e amizade sincera compartilhada. Sucesso, meninas.

À professora mestra Vera Biolchi, ex-coordenadora do curso de Direito da

Ulbra/Carazinho, por ter acreditado em mim e no meu trabalho.

Às minhas colegas e amigas da Ulbra, professoras Fátima Hammastron e Rosângela

Werlang, pelo incentivo e palavras animadoras; professora Patrícia Borges Moura e Janete

Stoffel, colegas também de viagem, pelo carinho e incentivo na realização deste trabalho e

pelos momentos de descontração nas longas horas de estrada.

A Caroline Vogt, minha amiga, pelo carinho e palavras de apoio.

À senhora Leonides Maria Dupuy, representando toda a equipe do Cededicai, pela

disponibilidade e atenção nas informações que me foram concedidas sobre a ONG.

A todos vocês, meus agradecimentos.

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“Ninguém nasce anjo ou demônio. Nascemos

apenas humanos. Como tais, cedo sonhamos ser livres. O

homem mais livre não é auto-suficiente, mas o mais

fraterno. Nossa liberdade nunca é absoluta. Como seres

livres, podemos aceitar as boas ou más influências do

meio no qual nascemos e crescemos. É certo que ninguém

se tornará criminoso simplesmente por força da moira ou

do destino, embora os condicionamentos psicológicos,

sociais, biológicos e econômicos sejam uma dura

realidade.”

Prof. Urbano Zilles (extraído da obra de Prates, 2006)

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RESUMO

Esta dissertação de Mestrado apresenta uma reflexão sobre a urgente e necessária ressocialização de crianças e adolescentes infratores, efetuada por uma Organização Não-Governamental, que efetiva uma ação de inclusão social, motivada pela ineficiência do Estado, governos e organismos internacionais nas demandas de quem vive em situação de vulnerabilidade social ou à margem da sociedade. A ONG, denominada Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cededicai), está localizada no município de Ijuí, Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Nela, o estudo contempla ações que envolvem menores em cumprimento de medidas socioeducativas por atos infracionais, de acordo com os preceitos do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Constituição Federal brasileira. As ONGs são entidades filantrópicas e sem fins lucrativos, estruturadas mediante a ação voluntária de cidadãos e da cidadania. Para desenvolver a temática, a pesquisa baseou-se em referenciais teóricos bibliográficos e nos registros de ações da ONG Cededicai. Neste sentido, o primeiro capítulo traz o estudo sobre a construção do Estado: origem e evolução histórica; o segundo capítulo refere-se ao Estado e aos direitos e cidadania; o terceiro capítulo registra a importância da sociedade civil na concretização da inclusão social; o quarto capítulo trata da ONG em estudo – o Cededicai, exemplo de trabalho e inclusão social de uma ONG no município de Ijuí/RS – histórico e trajetória. Finalmente, a Conclusão traz considerações acerca da totalidade do estudo, da importância das ONGs e sociedade civil na inclusão para o fortalecimento do Estado, da democracia e do desenvolvimento. Palavras-chave: ONGs. Cidadania. Menor infrator. Cededicai. Desenvolvimento.

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ABSTRACT

This dissertation of master presents a reflection about an urgent and necessary children and adolescent violators re-socialization, performed by a Non-Governmental Organization which effects an action of social inclusion, motivated by the inefficiency of the State, governments and international organizations in the demands of those living in a situation of social vulnerability or on the fringes of society. The NGO named Centre for Defense of Rights of the Child and Adolescent – Cededicai – is located in the municipality of Ijuí, State of Rio Grande do Sul, Brazil. There, the study considers actions involving minors who are fulfilling socio-educational measures for violate acts in accordance with the principles of the Statute of the Child and Adolescent and the Brazilian Federal Constitution. The NGOs are philanthropic entities and non-profit, structured by voluntary action of citizens and citizenship. To develop the subject matter, the research based on theoretical bibliographic references, and on the records of the NGO Cededicai. In this sense, chapter 1 brings the study about the construction of the State: Origin and historical evolution, the chapter 2 refers to the state and to the rights and citizenship, the chapter 3 effects the importance of civil society in achieving social inclusion, the chapter 4 deals with the NGO under study, Cededicai: Example of work and social inclusion of a NGO in the municipality of Ijuí / RS - Historical and trajectory and the Conclusion brings considerations about the entire study, the importance of NGOs and civil society in the inclusion, for the strengthening of the State, democracy and development. Key words: NGOs. Citizenship. Minor violator. Cededicai. Development.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................11 1 A CONSTRUÇÃO DO ESTADO: O SURGIMENTO E A EVOLUÇÃO HISTÓRICA ...........................................................................................................................15 1.1 A questão do Estado: das origens ao Estado moderno .......................................................15 1.2 O Estado contemporâneo....................................................................................................30 2 O ESTADO E OS DIREITOS DE CIDADANIA : A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA NO BRASIL E A SUA DIFÍCIL TRAJETÓRIA ........................................40 3 A IMPORTÂNCIA DA SOCIEDADE CIVIL NA CONCRETIZAÇÃO DA INCLUSÃO SOCIAL .............................................................................................................60 3.1 Sociedade civil: conceitos gerais, historicidade e importância ..........................................60 3.2 O surgimento e a função das Organizações Não-Governamentais.....................................72 3.3 A ressocialização por meio das Organizações Não-Governamentais: uma visão voltada à inclusão social de menores infratores .......................................................................77 3.3.1 Criança, adolescente e menor infrator: conceitos básicos ...............................................77 3.3.2 A violência juvenil. Menores infratores ..........................................................................79 3.3.3 Menores de rua. Conceito e identidade. A ressocialização de menores infratores por meio das ONGs ..................................................................................................................84 4 A ONG CEDEDICAI : EXEMPLO DE TRABALHO E INCLUSÃO SOCIAL DE UMA ONG NO MUNICÍPIO DE IJUÍ /RS – HISTÓRICO E TRAJETÓRIA .........89 4.1 Localização e historicidade do município de Ijuí/RS.........................................................89 4.1.1 Localização do município de Ijuí ....................................................................................89 4.1.2 Breve histórico do município de Ijuí ...............................................................................91 4.2 Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Ijuí – Cededicai: uma ONG que visa à inclusão social ........................................................................................92 4.2.1 Conceitos e objetivos da ONG Cededicai .......................................................................93 4.2.2 Missão, visão, negócio, valores e crenças do Cededicai .................................................96 4.2.3 Diretoria do Cededicai.....................................................................................................96 4.2.4 Conselho Fiscal do Cededicai .........................................................................................97 4.2.5 Alguns dos projetos mais importantes realizados pelo Cededicai...................................97 4.2.5.1 Projetos realizados anteriormente.................................................................................97 4.2.5.2 Atuais projetos desenvolvidos pelo Cededicai ...........................................................100 4.3 Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei n. 8.069/90) e Constituição Federal/1988. Previsões legais em defesa dos direitos da criança e do adolescente ..............105

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4.3.1 Medidas socieducativas. Previsão legal no Estatuto da Criança e do Adolescente.......110 4.4 Uma análise crítica dos resultados da pesquisa: a ONG Cededicai e a questão da ressocialização........................................................................................................................115 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................................117 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................128

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INTRODUÇÃO

Em nosso país são inúmeros os problemas sociais. Dentre eles encontra-se a situação

dos menores infratores, que aparecem como resultado de uma política econômica e social

excludente. Há, de fato, certo descaso por parte do Estado em relação a políticas de

atendimento a esses menores, uma vez que a Constituição Federal de 1988 assegura com

absoluta prioridade a instituição de programas que visem, justamente, ao atendimento às

classes menos favorecidas.

Importante nesse sentido é o papel do Estado como garantidor da ordem e da

concretização dos direitos e das garantias inerentes à vida de todos os cidadãos. Um Estado

que garanta e possibilite o exercício da cidadania, que nada mais é do que a realização do

indivíduo, pessoa portadora de direitos e de obrigações.

Sabe-se, por meio de estudos realizados, que desde tempos bem distantes, como na

Grécia antiga, ocorrem as primeiras referências ao Estado. Estado este que passou por vários

momentos no decorrer da História e que em cada tempo de sua existência teve um significado

e uma importância relevante para a sociedade da época, tendo como característica principal o

fato de ser, na verdade, uma experiência da modernidade.

Cabe lembrar que a criação do Estado teve como objetivos a proteção e a defesa dos

cidadãos que estão sob sua jurisdição. Sabe-se, porém, que muitas vezes o Estado torna-se

impotente diante das dificuldades surgidas diariamente em nossa sociedade globalizada.

Para suprir essa falta conta-se com a participação ativa da sociedade civil, na figura

das Organizações Não-Governamentais (ONGs), que tentam de certa forma suprir as lacunas

deixadas pelo Estado. São as ONGs organismos criados pela sociedade civil, por intermédio

da associação voluntária de cidadãos, não se configurando como estruturas

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intergovernamentais ou organismos criados e sustentados pelos Estados modernos. São, sim,

estruturas voluntárias da cidadania, que surgiram a partir dos espaços deixados pelo aparelho

estatal, posto ter o Estado se mostrado incapaz de responder com eficiência e eficácia aos

problemas que afetam diversos segmentos da população.

É verdade que as relações entre o Estado e a sociedade civil têm se acentuado,

revelando, assim, em certas áreas, que organizações civis que não fazem parte do aparelho do

Estado estão assumindo um papel que a elas não cabe. Então, considerada a terceira via, a

sociedade civil passa a ser o ator fundamental que, por meio de ONGs, promove a cidadania e

defende os direitos, contribuindo dessa forma para a construção de uma sociedade mais

igualitária e justa. As ONGs nasceram, portanto, das necessidades da própria sociedade, que

busca, por seu intermédio, suprir as demandas e, assim, encontrar formas alternativas que

solucionem seus problemas.

Na cidade de Ijuí/RS existe uma ONG denominada Centro de Defesa dos Direitos da

Criança e do Adolescente de Ijuí (Cededicai), que se orienta pelo Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA), Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Esse Centro atende menores

infratores que cumprem medidas socioeducativas visando à ressocialização dos mesmos. Essa

ONG se destina a ressocializar menores que cumprem Liberdade Assistida (LA) e Prestação

de Serviços à Comunidade (PSC). Tem como objetivos igualmente assegurar o exercício dos

direitos pessoais e sociais, a igualdade, a justiça, o respeito aos direitos humanos para a

construção da cidadania dos menores.

Cabe lembrar aqui o pensamento de Dimenstein ao mencionar que nenhuma nação

conseguiu prosseguir sem investir na infância. A viagem pelo conhecimento da infância é a

viagem pela profundeza de uma nação. A situação da infância é um fiel espelho de nosso

estágio de desenvolvimento econômico, político e social (apud PEREIRA, 2000).

Se faz relevante pensar que ser considerado cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à

propriedade, à igualdade perante a lei: é, em resumo, ter direitos civis. É também participar no

destino da sociedade, votar, ser votado, ter direitos políticos. Para Guarinello (2005), toda

pessoa é membro de uma comunidade, e esse fato lhe dá o direito de reivindicar direitos. A

essência da cidadania reside precisamente no caráter público, impessoal, em meio a

confrontos, nos limites de uma comunidade, as situações sociais, as aspirações, os desejos e

os interesses em conflito.

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Este trabalho, além de mostrar preocupação com a realidade excludente em que se

encontram crianças e adolescentes, que vivem à margem da sociedade, objetiva analisar a

participação da sociedade civil no apoio ao Estado, uma vez que este se revela insuficiente

para atuar sozinho no combate às injustiças vividas por essa classe menos favorecida da

sociedade.

Num primeiro momento busca-se fazer um histórico da origem e formação do Estado.

Procura-se verificar as fases vividas pelo Estado desde os tempos da Grécia até chegar ao

Estado contemporâneo. Aborda-se então as garantias constitucionais com relação ao bem-

estar social dos cidadãos, ou seja, a capacidade do Estado em proporcionar aos indivíduos

uma vida digna com a efetiva realização dos direitos fundamentais. Para trabalhar essa

temática recorre-se às obras de Bedin (2000), Corrêa (2002), Filomeno (1997), Streck e

Morais (2004), Sadek e Weffort (2000), Morris (2005), Novaes (2003), Dallari (2005), Borón

et al. (1999), entre outros.

Após essa parte introdutória, em que se busca na História a origem e construção do

Estado, em um segundo momento parte-se para o estudo da cidadania e de sua real efetivação,

também no que diz respeito a sua difícil instituição, especialmente no Brasil. Tenta-se, dessa

forma, seguir os passos dados pela cidadania, desde os primórdios de sua origem até os

tempos atuais no objetivo de compreender e averiguar se, de fato, o Estado proporciona aos

indivíduos uma vida plena de direitos, levando-os a serem considerados como cidadãos.

Utiliza-se para a abordagem deste tema os autores Corrêa (2002), Bastos (1999), Barbalet

(1989), Bobbio (2002), Dal Ri Júnior (2003), Herkenhoff (2001), Vieira (2002), Cesar (2002),

Castel (2006), Carvalho (2002), entre outros.

Em um terceiro segmento aborda-se a questão da sociedade civil e a importância

fundamental do seu envolvimento para a efetivação da cidadania das pessoas que se

encontram em estado de exclusão social. Cabe salientar que a ênfase nessa abordagem é dada

às crianças e adolescentes que estão em situação de risco, em especial, os menores infratores,

na medida em que são considerados uma ameaça para a própria sociedade, visto estarem

constantemente envolvidos em atos infracionais, expondo sua vida e ao mesmo tempo

espalhando terror na população de forma quase geral.

Procura-se saber, então, sobre a participação da sociedade civil na tentativa de incluir

esses menores na sociedade, o que esta tem feito, justamente quando se fala nessa sociedade

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civil estruturada sob a forma de organizações não-governamentais, ou ONGs, como são

conhecidas. Busca-se entender e averiguar quais são os trabalhos desenvolvidos por elas e

qual o beneficio que de fato proporcionam aos menores. Para o estudo destes assuntos busca-

se as obras de Vieira (2001); Santos (2003); Cremonese (2008); Pereira (1999); Borba e Silva

(2006); Gohn (2005); Vieira (2002); Bedin (2001), além de outras obras.

No quarto e último capítulo analisa-se uma ONG do município de Ijuí/RS,

denominada Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Ijuí – Cededicai.

O Cededicai foi fundado em 29 de julho de 1999, e se constitui uma conquista do Estatuto da

Criança e do Adolescente – ECA, na busca de defender e proteger os direitos das crianças e

dos adolescentes que se encontram em situação vulnerável na sociedade, proporcionando a

estes, projetos e programas socioeducativos que os elevem à condição de cidadãos. Para tratar

desse tema, busca-se as obras de Cremonese (2006), Relatório Cededicai (2008), Lei n.

8.069/90, Constituição Federal Brasileira (1988), Leite (2001), Tavares (1999), Saraiva

(2006), Liberati (2003), entre outros.

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1 A CONSTRUÇÃO DO ESTADO: O SURGIMENTO E A EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Este capítulo trata especificamente sobre o surgimento do Estado Moderno. Far-se-á,

primeiramente, um breve histórico sobre o aparecimento da figura Estado, haja vista

considerarmos relevante relembrar o que antecedeu e deu origem ao assim chamado Estado

Moderno.

Tratar-se-á, então, a respeito das origens do Estado Moderno, seus antecedentes, as

formas absolutas que marcaram a História, as formas liberais, os teóricos contratualistas que

são considerados importantes para a compreensão dessa teoria, até chegar ao Estado

contemporâneo.

Sendo assim, será analisado o Estado desde suas origens, passando-se da sua forma

absolutista ao estado Moderno. Neste sentido, lembra-se da grande importância do estudo do

Estado Social, ou, como mais conhecido, o Welfare State. Com isso, chega-se ao Estado

contemporâneo e com ele ao curioso Estado Neoliberal, todos considerados de suma

importância e influência, no sentido de terem feito toda a diferença na formação do Estado

contemporâneo.

Importante salientar a relevância de se abordar de início as questões de historicidade,

que na verdade nada mais são do que a base de todo o conhecimento que se foi adquirindo ao

longo da construção do Estado Moderno.

Estudar as origens que proporcionou argumentos e embasamentos assim essenciais

para a construção do conhecimento e enriquecimento da pesquisa com relação ao aparato

estatal. Constatou-se a grande importância do papel do Estado em garantir a efetivação do

exercício da cidadania, que se caracteriza como um direito de todo sujeito pertencente ao

Estado e que dele espera o respeito e o amparo devidos, além da garantia e inviolabilidade dos

direitos individuais e fundamentais, que são inerentes a todos os homens.

1.1 A questão do Estado: das origens ao Estado moderno

Vêm da Grécia as primeiras manifestações com relação ao Estado. Naquele tempo

Atenas, principalmente no auge de sua história, despontava como sendo a maior expoente da

democracia. Nesse período tem-se a presença de Platão, que defendia a idéia de superioridade

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da sociedade política. Com isso, ocorreria a sublimação do poder em que os males não

cessariam para os humanos sem que antes a raça dos puros e verdadeiros filósofos chegasse

ao poder. Para Platão, a sociedade ideal seria aquela liderada pelos filósofos, possuidores de

uma alma racional.1

Aristóteles, bastante incisivo, chamava a atenção para suas obras clássicas República e

Política, as quais considerava formas de governo ideais. Considerava-as, além disso, puras,

em oposição às impuras.2 Sendo assim, os que detêm o poder político devem sempre deixar

suas paixões e seus interesses pessoais abaixo dos da sociedade que governam, para não

incorrerem numa forma impura de governar. No dizer de Filomeno (1997, p. 10), “isto vale

igualmente para os governos de um só (“monarquia”, em contraposição à “tirania”), de uma

minoria (“democracia”, que é o antônimo de “demagogia”).”

Foi na Grécia que passaram a existir as primeiras manifestações e também

preocupações com o Estado, mesmo que este fosse confundido pelo mundo com a polis dos

gregos. Sendo assim, a aplicação das normas, as decisões então tomadas e a aplicação destas

eram limitadas aos muros de cada Cidade-Estado, pois cada uma delas possuía suas próprias

peculiaridades. Neste sentido, a culta Atenas surgia como sinônimo de democracia. Encontra-

se em Platão o destaque da idéia superior de sociedade política, ou seja, a sublimação do

poder. O filósofo enfatizava que os males não poderiam cessar para os homens sem que antes

aqueles que eram considerados puros e autênticos filósofos chegassem ao poder. Por este

motivo, reafirma-se que para Platão, essa deveria ser a sociedade ideal, ou seja, aquela então

governada por filósofos, porque somente estes possuíam o que ele chamava de alma racional

(FILOMENO, 1997, p. 9).

Para Roma a idéia de sociedade política era semelhante àquela definida pelos gregos.

Na verdade, naquele período não existia uma concepção clara de uma sociedade política mais

complexa e abrangente, o que levou os romanos a caracterizá-la como a civitas.3 Verdade que

pelo Jus Gentium passou-se a conceder a cidadania romana também àquelas populações de

terras distantes conquistadas, tornando-se clara a noção de Estado juntamente com os

1 Platão foi um importante filósofo grego da Antigüidade. Nascido em Atenas, foi considerado um dos principais

pensadores gregos que influenciou de forma profunda a Filosofia ocidental. 2 Aristóteles, filósofo grego, discípulo de Platão. Criador do pensamento lógico. Valorizava a inteligência

humana. Estudo mais profundo sobre o assunto encontra-se na obra de Filomeno (1997). 3 Cidade de Roma. Posteriormente o termo foi estendido para designar as províncias próximas e mesmo as mais

distantes já conquistadas. Importante lembrar aqui que o foco desta pesquisa não se detém sobre o Estado e a cidadania antiga. Apenas se lembra brevemente alguns aspectos marcantes da história da Antigüidade.

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elementos que o constituem, quais sejam: o território, a população e o direito, ao qual se

acopla o poder necessariamente.

A denominação de Estado, status em latim, que significa estar firme, é a situação

permanente de convivência que é ligada à sociedade política. Essa concepção aparece pela

primeira vez na obra O Príncipe, de Maquiavel, em 1513, e como bem salienta Dallari (2005,

p. 51), “passa a ser usada pelos italianos sempre ligada ao nome de uma cidade independente,

como, por exemplo, stato di Firenze.”4

Maquiavel buscava um modelo adequado de governo. Estudava como se estabeleciam

e se mantinham as duas formas de governo que considerava possíveis, isto é, o principado e a

república. Estas formas correspondiam a duas distintas espécies de autoridade, ambas com os

seus devidos cuidados a serem tomados para que não sobreviessem tiranos que as

destruíssem. Segundo ele, para que se conquiste ou conserve um Estado é preciso possuir as

qualidades políticas do governante eficiente, ou seja, se faz necessário ter bondade, sabedoria,

complacência, bravura, honestidade, determinação, liderança, empatia com o povo. Segundo

Bobbio, foi Maquiavel quem cunhou o nome de Estado em sua obra O Príncipe, quando

mencionou que “Todos os Estados, os domínios todos que existiram e existem sobre os

homens, foram e são repúblicas ou principados.”

Gruppi (apud STRECK; MORAIS, 2004, p. 24) adverte que “tudo começou com

Maquiavel”. Neste sentido, menciona que se deveria chamar o Estado Moderno apenas de

Estado. No dizer dele, essa noção de Estado, unitário e possuidor de um poder próprio,

independente de quaisquer outros poderes, começa a surgir na segunda metade do século 15

na França, na Inglaterra e na Espanha e posteriormente na Itália.

Segundo este autor, o Estado Moderno desde o seu nascimento mostra dois elementos

que o diferenciam dos Estados passados. Uma das suas características é a autonomia, dotada

de plena soberania, que não permite que sua autoridade dependa de nenhuma outra. Outra

característica é a distinção que existe entre o Estado e a sociedade civil, que passa a ser

evidente no século 17, quando o Estado torna-se uma organização distinta da sociedade civil.

Outra particularidade é a que diferencia o Estado Moderno em relação ao Estado da

Idade Média, o qual é entendido como propriedade do seu senhor, é um Estado patrimonial; já

4 Em O Príncipe, Maquiavel mencionava que o príncipe é o único a poder decidir qual é o bem do Estado, o que

parecia colocá-lo, por intermédio das razões do Estado, acima das próprias leis.

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o Estado Moderno é a identificação absoluta existente entre o Estado e o monarca, que

representa a soberania estatal.5

Fortificou-se no mundo político a posição dos monarcas e se desenvolve o

nacionalismo. A concepção até então dominante do império de âmbito europeu se torna

esquecida. Do ponto de vista de Maquiavel, os Estados passam da monarquia à tirania, da

tirania à democracia, da democracia à oligarquia, da oligarquia à anarquia, da anarquia à

monarquia e assim segue.6 Esse é o ciclo histórico da coisa pública ao qual Maquiavel se

referia. Ciclo este com base em indivíduos maus, levianos, covardes, negligentes, ingratos,

estúpidos, invejosos, etc.7 O fato é que Maquiavel se prendia à verdade factual das coisas.

Importante lembrar que ele examinou e avaliou as formas de governos, os tipos de Estados,

instituições políticas, modos de administração do Estado, perfis de governantes, as relações

entre os governantes e os governados e vários outros aspectos e elementos da vida na

política.8

Maquiavel revelava a sua preocupação inarredável, que era falar sobre o Estado. Como

mencionam Sadek e Weffort (2000, p. 17), referindo-se a Maquiavel, “de fato, sua

preocupação em todas as suas obras é o Estado [...]. O Estado real, capaz de impor a ordem

[...] seu ponto de partida e de chegada é a realidade concreta.”9

Filomeno (1997, p. 58), com relação à origem do termo Estado, afirma que “antes de

mais nada, significa ‘estágio’, ‘fase’, ou ‘maneira de ser’ ou de ‘se apresentar’ alguma coisa.”

Em Roma, mesmo o Estado sendo conhecido como sociedade política, o detentor da

institucionalização do poder era Roma, sempre considerada o centro político daquele mundo,

era tida como a civitas.10 Cabe lembrar que na Grécia, também não era empregado o termo

que correspondia ao Estado para as cidades, e sim o vocábulo polis, que por sua vez

5 Para aprofundar os estudos sobre Estado Moderno recomenda-se a obra de Bedin (2001). 6 Nesse sentido, para relembrar os tipos de governos existentes ao longo da história política, como a anarquia,

monarquia, tirania, teocracia, aristocracia, oligarquia e a democracia, sugere-se a obra O Príncipe, de Maquiavel (1996).

7 Para Maquiavel a História se movimenta segundo a Fortuna e pela intervenção de homens dotados de virtù que enfrentam a Fortuna e conformam a História. Se faz importante estar sempre preparado para o pior, sendo assim, os homens devem ser contidos por mão firme.

8 Estudo mais aprofundado do assunto em questão é possível na obra O Príncipe. 9 Sobre o pensamento de Maquiavel com relação ao Estado, ver obra de Bedin (2001). 10 Civitas era a cidade cujos habitantes privilegiados detinham o ambicionado status civitatis, que os diferenciava

dos estrangeiros, dos escravos, dos plebeus, nos primórdios da história romana.

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significava cidade no sentido mais exato. Salienta-se que os romanos ainda adotavam a

expressão res publica, mas acabou prevalecendo, depois, o termo statum.11

Quanto à origem e formação do Estado, cabe salientar que há duas espécies de

indagações, uma no que diz respeito à época do aparecimento do Estado, e a outra quanto aos

motivos que foram determinantes para o surgimento dos Estados. Importante ressaltar que o

nome Estado tem o significado de situação permanente de convivência, ligada à sociedade

política. A denominação Estado vem do latim “status”, que significa estar firme, lembra

Dallari (2005, p. 51). É fato, afirma o autor, que o nome Estado, que indica uma sociedade

política, aparece no século 16.

O surgimento do Estado ocorreu em virtude de o homem precisar encontrar satisfação

para as suas necessidades, que são fundamentais, justamente porque não se basta por si só. Ao

falar-se na origem histórica do Estado, sabe-se que o mesmo tem um significado mais

complexo que nação, e que surge quando o poder se institucionaliza. Neste sentido, quando

existir a clara definição sobre o núcleo do poder (o governo), da sociedade (uma nação ou

mais de uma), bem como das fontes que são subjetivas e objetivas das normas de conduta e de

características, nasce de fato o Estado. Mais do que uma verdade é a afirmação de que a

existência do Estado se caracteriza pela presença de vínculos políticos e jurídicos. Isso ocorre

na medida em que as pessoas passam a se tornar ligadas a um Estado determinado pela

nacionalidade, ligando-se também ao seu ordenamento jurídico.12

De forma sucinta, vínculos políticos nada mais são do que a presença de relações entre

o Estado e os indivíduos, que por sua vez almejam a sua nacionalidade; os vínculos jurídicos

possuem extensão quanto à existência de relações bilaterais, que são atributivas e coercitivas,

e que se estabelecem entre os vários personagens que vivem no território de determinado

Estado. Então, pode-se dizer que o Estado tem a atribuição de criar, executar e aplicar seu

ordenamento jurídico, sempre visando ao bem comum dos cidadãos (FILOMENO, 1997, p.

59-66).

Morris (2005, p. 45) menciona que “antes de tudo, o Estado é uma particular forma de

organização política”. É verdade, salienta o autor, que Marx definia o Estado como uma

11 Res publica distinguia o que pertencia ao interesse público (as coisas de todos, e não particularmente de

alguém), do que se constituía o patrimônio privado de alguém. O statum definia o que era direito público. Foi expressão utilizada primeiramente por Ulpiano, famoso jurisconsulto clássico romano.

12 Importante estudo sobre a identidade encontra-se na obra de Castells (2001).

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entidade separada, além e fora da sociedade civil e que o considerava como sendo a forma de

organização que os burgueses adotam necessariamente como garantia de suas propriedades e

de seus interesses.

Joseph Raz (apud MORRIS, 2005, p. 45) reforça a idéia com o posicionamento de que

“o Estado [...] é organização política de uma sociedade; seu governo, o agente por meio do

qual atua, e a Lei o veículo pelo qual muito de seu poder é exercido”. Cabe aqui

complementar que o Estado é uma forma bem característica de organização política de uma

sociedade.

O Estado é uma nação organizada politicamente. Este é um conceito sintético que

demandaria desdobramentos mais esclarecedores, particularmente quanto aos conhecidos e

assim chamados elementos constitutivos do Estado, ou seja, o povo, o território e o governo

(MENDES; COELHO; BRANCO, 2008, p. 40).13

Bodin (apud BEDIN, 2000, p. 29) argumenta que “por Estado deve-se entender o

governo justo que se exerce, com poder soberano, sobre diversas famílias e sobre tudo o que

elas têm de comum entre si”. Foi nos séculos 16 e 17 que o termo Estado passou a ser

admitido nos escritos franceses, ingleses e alemães. Sabe-se que na Espanha, até o século 18,

era denominado de estados.14 Verdade é que o nome Estado aparece indicando uma sociedade

política, no século 16, sendo este um dos argumentos usados pelos autores que não

reconhecem a sua existência antes do século 17. Para estes, a questão vai além da

nomenclatura, em que pese que o nome/expressão Estado só deverá ser aplicado com

propriedade a uma sociedade política que seja dotada de certas características, e estas, bem

definidas.

Cabe aqui lembrar que foram as deficiências da sociedade política medieval que

determinaram as características fundamentais do Estado moderno: o despertar e a consciência

para a busca da unidade estatal que se tornaria concreta na afirmação de um poder soberano,

ou seja, supremo e reconhecido como o mais alto de todos dentro de um território assim

delimitado.

13 Mendes et al. (2008) ainda analisam nessa obra a questão do Estado de Direito. 14 Estados eram as grandes propriedades rurais de domínio particular, cujos proprietários tinham poder

jurisdicional.

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Importante esclarecer, quanto à classificação, que os Estados podem ser divididos

segundo o seu grau de influência na vida social e individual. São três os modelos principais.

Segundo Bastos (1999, p. 138) são eles o “o Estado liberal, o Estado social e o Estado

totalitário”.

Lembra-se que o Estado Liberal ou também chamado de Constitucional, é aquele que

procurava com a maior eficiência o alcance da liberdade no seu sentido de não constranger a

pessoa. Como menciona o autor, o pressuposto principal é quanto ao máximo de bem-estar

comum que é atingido em todos os campos e com a menor presença do Estado. Trata-se aqui

de uma visão muito otimista, que parte da constatação em afirmar que o livre jogo dos

diversos egoísmos produzirá o bem-estar da coletividade (BASTOS, 1999, p. 138-139).

Importa saber também que é verdade afirmar que em vários aspectos a presença do

Estado foi necessária para suprir as omissões, na coibição de abusos e também para

empreender objetivos que não foram atingidos por essa livre iniciativa. Por esse motivo, deu-

se a origem do Estado Social.

É oportuno esclarecer o que Hobbes afirmava a respeito do Estado, ou seja, que ele é

criado pela arte. Assim, o grande Leviatã, que se chama Nação ou Estado, nada mais é do que

um homem artificial. Como bem lembra Ribeiro (apud SADEK; WEFFORT, 2000, p. 53),

“Hobbes tinha seu pensamento voltado para o estado de natureza.”15

Sobre estado de natureza, cabe salientar que juntamente com Hobbes e Rousseau,

Locke foi um dos principais representantes do jusnaturalismo, ou seja, da teoria dos direitos

naturais. É verdade que o modelo jusnaturalista de Locke é semelhante ao de Hobbes, porque

ambos partem do estado de natureza, que por intermédio do contrato social faz a passagem

para o estado civil.16

No que concerne ao Direito natural, Grócio foi o precursor da nova visão jurídica da

modernidade centrada no indivíduo. A teoria do Direito natural moderno tomou corpo sob a

forma do contratualismo. Desde esse momento a organização dos indivíduos em sociedade

15 Hobbes, filósofo contratualista, afirmava que a origem do Estado e/ou da sociedade está num contrato, ou seja,

os homens viveriam, naturalmente, sem poder e sem organização, que só passariam a surgir depois de firmado o pacto que estabeleceria as regras de convívio em sociedade e de subordinação política.

16 A obra Os clássicos da política, de Sadek e Weffort (2000), traz estudo mais aprofundado a respeito do assunto em pauta.

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passa a se justificar partindo do próprio homem, que estando em estado de natureza faz um

acordo, o pacto social, donde surge o Estado de Direito, pelo consenso legitimado.

Segundo Corrêa (2002, p. 53):

Hobbes, por sua vez, defende a alienação e renúncia de quase todos os direitos naturais: o único direito ao qual o homem natural não renuncia é o direito à vida. Com isso o fim do Estado e do Direito consiste em tornar os homens seguros (valor de segurança), garantir a paz. Para preservar os valores fundamentais da vida e da segurança, o contrato social de Hobbes delega ao Estado um poder muito forte, representado pela imagem do Leviatã. Tal simbolização, ao contrário do que defende Locke, estabelece os fundamentos teóricos do Estado autoritário, no qual legalidade e legitimidade praticamente se identificam.

Relevante salientar o entendimento deste autor quando menciona que a invocação do

Direito natural moderno foi uma forma que as classes excluídas revoltadas contra a ordem

estabelecida encontraram para reivindicar, com legitimidade, novos direitos sem haver

apelação aos argumentos da tradição e das normas religiosas. Neste contexto, os ideais da

modernidade, vistos como direitos universais de todos os cidadãos, foram apropriados por um

grupo detentor do então novo poder econômico, politicamente legitimado e reproduzido.

Corrêa (2002, p. 62) complementa:

Com a implantação do emergente sistema capitalista no campo da economia e com a consolidação do Estado liberal-burguês no campo da política, esse discurso se tornou uma máscara humanista e lógica para a tomada do poder pela burguesia em seu único proveito. Ao invés de o discurso do Direito natural constituir-se em teoria científica e racional, como queriam os jusnaturalistas do contratualismo individualista, tornou-se ideologia enquanto tal teoria se prestou para ocultar a realidade no seu todo [...].

Bem comenta o autor, e é interessante relembrar que essa classe social, que surgiu

num contexto histórico bastante conturbado e marcado por desigualdades juridicamente

declaradas por um sistema de ordens, acabou tomando conta de um discurso de longo alcance

ético, vindo a se firmar como classe dominante politicamente. Com isso, os ideais modernos,

denominados de direitos universais de todos os cidadãos, que deveriam se universalizar numa

nova formação social, mais justa e igualitária, passaram a ser apropriados pelo grupo detentor

no novo poder econômico, então legitimado e reproduzido.

Salienta Corrêa (2002, p. 63) ainda que “a nova ideologia política se traduz numa

linguagem jurídica, caracterizada pelos termos liberdade, igualdade, direitos, lei, autonomia

de vontade, contrato, neutralidade jurisdicional, etc.” Assim, a sociedade moderna, conhecida

por novas estruturas econômicas, originárias do sistema capitalista, precisava se libertar dos

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agentes econômicos para que emergisse a nova lógica do capitalismo mercantil. É importante

registrar que no mundo moderno ocorrem grandes extensões das comunidades estatais, com a

universalização do trabalho.

Com referência à construção da cidadania moderna, o discurso do Direito natural,

visto como um direito igual para todos, que propaga a dignidade da pessoa humana, passou a

servir ao discurso ideológico em favor do exercício da dominação política de uma classe

sobre a outra.17

Ainda segundo a concepção de Corrêa (2002, p. 82):

Se por um lado a teoria do Direito natural foi um agente de libertação no que diz respeito à opressão e à desigualdade institucionalizada do Antigo Regime, fazendo a revolução contra o Estado feudal em nome de uma utopia emancipatória, por outro, após a consolidação do Estado liberal-burguês, serviu como representação simbólica de caráter ideológico, ocultando e mascarando a realidade de um sistema excludente, que não permite a universalização dos valores fundamentais da modernidade.

O jusnaturalismo assumiu, primeiramente na Idade Moderna, um caráter

revolucionário e de transformação, a partir da Escola do Direito Natural racional dos grandes

filósofos contratualistas dos séculos 17 e 18. A sua construção teórica buscou um fundamento

novo, voltado para o humano, como forma de explicar o Direito e o Estado, ou seja, os

direitos naturais do homem.

No que diz respeito ao termo justiça, para Corrêa (2002, p. 138), “o termo justiça é dos

mais dinâmicos no universo significativo da trajetória humana.” O autor qualifica esse termo

como de conceito ambíguo e de difícil explicação, pois se manifesta num contexto de grandes

contradições e desigualdades sociais. Por esse motivo, para Bobbio, é melhor considerar a

justiça como sendo uma noção ética fundamental e não determinada, ou seja, deve haver

justiça na vida em sociedade. É a justiça vista numa perspectiva de um dever-ser, como um

valor social.

O ideal que inspirou o Estado contemporâneo nasceu na Europa. Passou a se

disseminar pelo mundo todo, mesmo em meio a guerras, revoluções e imposições. Por outro

lado, em alguns lugares e para alguns povos, tornou-se um pesadelo enorme. Trezentos anos

de elaboração teórica e de luta marcantes nos séculos 16, 17 e 18 na Europa passaram a mudar

também os conceitos de ciência, religião e política (NOVAES, 2003, p. 232).

17 Sobre Estado e cidadania modernos ver obra de Bedin (2000).

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Para Dallari (2005, p. 70) “os tratados de paz de Westfália tiveram o caráter de

documentação da existência de um novo tipo de Estado, com característica básica de unidade

territorial dotada de um poder soberano.” Assim era o então já Estado Moderno, cujas marcas

fundamentais foram se desenvolvendo e o Estado passou a ter a definição e a preservação dos

seus próprios objetivos.

Cabe observar que é impossível se ter uma idéia completa de Estado sem haver

consciência de sua finalidade. Villeneuve menciona que “a legitimidade de todos os atos do

Estado depende de sua adequação às finalidades.” (apud DALLARI, 2005, p. 103). Os fins

podem ser objetivos ou subjetivos (quanto a uma definição mais geral) e fins expansivos,

limitados e relativos (quanto ao relacionamento do Estado em função dos objetivos a atingir).

Quanto ao conceito de Estado, sabe-se que já havia na Grécia. Porém, segundo

pesquisadores, pode-se afirmar que ele é visto e considerado como uma experiência da

modernidade. Assim, conforme pesquisadores sobre o tema, cabe lembrar que o Estado, em

sua evolução, passa por várias etapas, desde a monarquia até a democracia e aos Estados

totalitários.

Para a filosofia política moderna, o Estado é um artifício. Lembra Christopher W.

Morris (2005, p. 22) que, “embora os filósofos modernos possam discutir se os humanos são

por natureza criaturas sociais, praticamente todos concordam que os Estados são artificiais.”

Destaca ainda o autor que o Estado é uma organização política com meios próprios de

administração e de controle que se revelam altamente centralizados.

Nesse sentido, importante se faz ressaltar o que Morris (2005, p. 23) quer dizer quando

escreve:

O Estado, portanto, concebido como artificial, deve ser entendido como criado para nossos fins, nossa proteção e nossa defesa. Embora teóricos sociais modernos possam discordar sobre a precedência explanatória de indivíduos em relação aos Estados, eles quase nunca discordam quanto à precedência normativa entre eles.

Lembra ainda o autor que o que somos pode ser determinado, muitas vezes, pelas

formas como nos organizamos socialmente. A adequação às formas de organização e

sociabilidade passa a ser determinada pelo sucesso em atender a nossos próprios fins. Com

esse pensamento, os filósofos da modernidade passam a conceber Estados de uma forma

instrumental.

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Correta e objetiva é a afirmação do autor quando frisa que “os Estados devem ser

considerados bons quando satisfazem as finalidades humanas.” (MORRIS, 2005, p. 24). É

consenso que o Estado deve se preocupar com o bem-estar social de seu povo e estar atento às

necessidades advindas da grande mutação evolutiva, inclusive, que a humanidade vem

sofrendo ao longo dos tempos. Então, a afirmação de que o Estado é justificado desde que

venha a ser agradável a seus membros, torna-se oportuna.

Os pensadores contratualistas e também os economistas políticos concordam de forma

quase unânime que os Estados devem buscar formas de adequação que possam servir aos fins

de seu povo. Isto porque, se os indivíduos agirem por conta própria, poderão se defrontar com

problemas coletivos. O importante aqui é a ressalva de que “o resultado de seus atos

individuais não é tão bom para cada um quanto seria se fossem capazes de coordenar ou

cooperar de algum modo. [...] os indivíduos serão deixados à sua própria vontade, serão

incapazes de atingir bem seus fins.” (MORRIS, 2005, p. 27).

Na visão de muitos teóricos, os governos são provedores de soluções para muitos dos

problemas surgidos na coletividade. Com isso, a ausência de governo torna os indivíduos

incapazes de administrarem com eficácia a ordem social. Nesse sentido, Morris (2005, p. 28)

observa que têm os governos

o dever de construir e manter certas facilidades públicas e certas instituições, que jamais podem ser somente do interesse de um único indivíduo ou pequeno número de indivíduos construir e manter, porque o benefício obtido nunca poderia compensar seu custo a qualquer indivíduo ou pequeno número de indivíduos, embora possa freqüentemente fazer muito mais que isto para uma grande sociedade.

Fala-se, atualmente, da igualdade entre os indivíduos. Os governos devem propor

políticas que alcancem todos os cidadãos, que efetivem e proporcionem a cidadania aos

indivíduos. Assim, reforça-se o pensamento de que as políticas devem estar sempre voltadas

para o beneficio de todos e não apenas de um pequeno grupo de indivíduos, que se tornariam,

então, privilegiados.

A grande maioria dos autores argumenta que a sociedade hoje denominada Estado é

igual àquela que existiu antigamente, porém com nomes diferentes. Por esse motivo,

defendem que o Estado e a própria sociedade sempre existiram. Dessa forma, desde que o

homem vive na Terra ele está integrado numa organização social, e esta, por sua vez, dotada

de poder e autoridade para controlar o comportamento do grupo como um todo.18

18 Meyer, historiador das sociedades antigas, e Koppers, etnólogo (apud DALLARI, 2005, p. 52), destacam que o

Estado é um elemento universal na organização social humana. Meyer também afirma ser o Estado o

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Outros autores, por sua vez, alertam que a sociedade humana existiu sem a presença

do Estado em certo período. Após, este foi criado com o propósito de atender às necessidades

ou conveniências de grupos sociais. Lembra Schmidt que há autores que só aceitam o Estado

como sendo a sociedade política dotada de características muito bem definidas.19 Faz-se

necessário frisar o que o autor descreve quando trata das causas do aparecimento dos Estados.

Lembra Dallari (2005, p. 53) que:

Há duas questões diferentes a serem tratadas: de um lado, existe o problema da formação originária dos Estados, partindo de agrupamentos humanos ainda não integrados em qualquer Estado; diferente dessa é a questão da formação de novos Estados a partir de outros preexistentes, podendo-se designar esta forma como derivada.

Entende-se, pelo exposto, que existe a formação originária do Estado, de um lado, e a

formação derivada, de outro. A originaria ocorre no momento em que se formam grupos de

indivíduos ainda não integrados a Estado algum; e a derivada, quando esses grupos já

existentes dão origem a novos Estados. O autor salienta ser nos dias de hoje quase improvável

que se possa visualizar a formação originária de um Estado. Afirma, porém, que, mediante

estudos feitos pela Antropologia Cultural há muito tempo, pode-se formular hipóteses quanto

ao futuro do Estado.

As principais teorias que objetivam explicar a formação originária do Estado ocorrem

por meio de dois grandes grupos. Segundo Dallari (2005, p. 54), tais teorias são: “As teorias

que afirmam a formação natural ou espontânea do Estado; e as teorias que sustentam a

formação contratual dos Estados.” As teorias sobre a formação natural do Estado tratam de

um tipo em que não há coincidência quanto à causa, porém é comum a afirmação de que o

Estado se forma naturalmente e não por um ato que seja puramente voluntário. Já as teorias

quanto à formação contratual dos Estados possuem uma apresentação comum, mesmo com

algumas divergências entre si com relação às causas. Existe, assim, a crença de que foi a

vontade de alguns homens, ou talvez de todos eles, que levou à criação do Estado. São estes

os defensores da concepção contratualista do Estado.

Existem igualmente as teorias não-contratualistas. Entre elas as que concentram maior

expressão são as teorias de origem familiar ou patriarcal, situadas no núcleo social

princípio organizador e unificador em toda organização social da humanidade, tendo-o como onipresente na sociedade humana.

19 Schmidt (apud DALLARI, 2005, p. 53) menciona que o conceito de Estado não é um conceito geral que vale para todos os tempos. É um conceito histórico concreto surgido no momento em que nascem a idéia e a prática da soberania, ocorrida no século 17.

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fundamental da família. Segundo essas teorias, cada família primitiva ampliou-se e deu

origem a um Estado; as teorias de origem em atos de força e violência ou de conquista. Estas,

por sua vez, sustentam que o Estado nasce da conjunção de dominantes e dominados. Nesse

sentido, vale relembrar Oppenheimer (apud DALLARI, 2005, p. 54) quando ressalta “ter sido

criado o Estado para regular as relações entre vencedores e vencidos.”

Existe ainda a teoria sobre a origem do Estado em causas econômicas ou patrimoniais.

Segundo alguns autores, essa teoria pode ter sido formulada por Platão em seu livro A

República. Lembra Dallari (2005, p. 54) que em um dos Diálogos, do livro II, Platão

menciona que “um Estado nasce das necessidades dos homens; ninguém basta a si mesmo,

mas todos nós precisamos de muitas coisas.”

Ressalta-se, todavia, que entre as teorias que sustentam a origem do Estado por

motivos econômicos, a que mais repercutiu na prática foi, e é até hoje, a teoria de Marx e

Engels. Para este último autor, o Estado não nasceu com a sociedade, mas é um produto dela

quando esta chega a determinado estágio de desenvolvimento. Sendo assim, Engels (apud

DALLARI, 2005, p. 55-56) chega à conclusão de que era preciso existir

uma instituição que não só assegurasse as novas riquezas individuais contra as tradições comunistas da constituição gentílica; que não só consagrasse a propriedade privada, antes tão pouco estimada, e fizesse dessa consagração santificadora o objetivo mais elevado da comunidade humana, mas também imprimisse o selo geral do reconhecimento da sociedade às novas formas de aquisição da propriedade, que se desenvolviam umas sobre as outras [...] uma instituição que, em uma palavra, não só perpetuasse a nascente divisão da sociedade em classes, mas também o direito de a classe possuidora explorar a não-possuidora e o domínio da primeira sobre a segunda. E essa instituição nasceu. Inventou-se o Estado.

A crença em tal origem trouxe reflexos em dois pontos fundamentais da teoria de

Marx com relação ao Estado, ou seja, a qualificação do Estado como sendo um instrumento

da burguesia para explorar o proletariado e a afirmação de que poderá o Estado ser extinto

futuramente, por ter sido criado de forma puramente artificial, com o intuito de satisfazer

apenas a uma pequena minoria.

Por fim, existe a teoria da origem do Estado no desenvolvimento interno da sociedade.

Para essa teoria, o Estado é um germe em potencial, em todas as sociedades humanas.20 Nesse

caso, não existe a influência de fatores externos à sociedade, é o seu próprio desenvolvimento

de forma espontânea que daria origem ao Estado.21

20 Robert Lowie é o principal representante da teoria da origem no desenvolvimento interno da sociedade. 21 Para aprofundar o estudo com relação a Estado e sociedade, na visão de Hegel, sugere-se a obra de Lefebure e

Macherey (1999).

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Com relação aos fins do Estado, Bastos (1999, p. 47) explicita que, “por ser o Estado

uma instituição multifacetária, vários são os seus fins; dentre eles destacam-se a defesa, o bem

comum, o progresso, a educação, a cultura e a saúde.” Vale salientar que para a definição dos

fins do Estado é preciso considerar que sendo ele uma instituição, deve ser compreendido

como ente que está em constante transformação em razão do seu próprio desenvolvimento.

Importante lembrar que o Estado é o locus privilegiado de emancipação da

normatividade.22 Na realidade, foram as deficiências da sociedade política medieval que

determinaram as características fundamentais do Estado Moderno, que se compõe de território

e povo, estes seus elementos materiais; e o governo, o poder, a autoridade ou o soberano,

como elementos formais. Há, ainda, um quarto elemento trazido por alguns autores, que é a

finalidade. O Estado deve ter uma finalidade peculiar, que justifique a sua existência

(STRECK; MORAIS, 2004, p. 24).

Torna-se necessário complementar aqui que o Estado tem um poder que é legitimado

pelo Direito, que é uma regra emanada da sociedade com fundamento na lei moral, na lei

social. É sabido que o Direito está diretamente ligado a uma sociedade organizada, posto que

é por meio dele que serão criadas as normas que irão regulamentar a vida em sociedade

(BASTOS, 1999, p. 54-55).23

Ensinam Streck e Morais (2004, p. 25) que “o Estado moderno, como algo novo,

insere-se perfeitamente em uma descontinuidade histórica.”24 Assim, o Estado moderno se

constitui e se desenvolve como resultado de quatro movimentos, quais sejam: de centralização

e concentração do poder; de supressão ou rarefação; de redução da população e de um

movimento em virtude do qual este poder do Estado se destaca, separa e isola da sociedade.25

Importante a definição de Estado dada por Morris (2005, p. 45) ao esclarecer que “o

Estado é uma particular forma de organização política”. Assim, do ponto de vista de Marx,

22 Aprofundam os autores, na mesma obra, a passagem da forma estatal para o Estado moderno, e a principal

forma estatal pré-moderna: o medievo. 23 O Estado de Direito consiste na existência de uma ordem jurídica capaz de enunciar e tutelar os direitos de

cada um dos cidadãos. Devem existir direitos que protejam o cidadão das arbitrariedades do Estado, isto é, deve haver direitos contra o próprio Estado. O Estado de Direito está subordinado apenas ao Direito, que tem a proposta de regular não apenas a vida, mas também a atividade estatal, juntamente com o funcionamento de seus órgãos.

24 No sentido de que um dos maiores argumentos que confirma a tese é de que “o processo inexorável de concentração do poder de comando sobre um determinado território bastante vasto [...] é uma emanação da vontade do soberano e do aparato coativo [...] necessário para o efetivo exercício dos poderes aumentados.” (STRECK; MORAIS, 2004, p. 25).

25 Para complementar o estudo sobre sociedade civil e sociedade política, na visão de Hegel, ver a obra de Soares (2006).

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29

salienta o autor, visto a emancipação da propriedade privada em relação à comunidade,

tornou-se o Estado uma entidade separada, além da sociedade civil e também fora da mesma.

O Estado não passa de uma forma de organização que os burgueses adotam tanto para

propósitos internos quanto externos visando à garantia mútua da sua propriedade e dos seus

interesses.26

Assim, Streck e Morais (2004, p. 41) relembram as palavras de Engels, para quem “a

síntese da sociedade civilizada é o Estado, que, em todas as épocas conhecidas, tem sido o

Estado da classe preponderante e essencialmente, a máquina de opressão da classe explorada

e subjugada.” Para estes autores, Marx e Engels reconheceram no Estado o fim da opressão de

uma classe sobre outra.27

É verdade que a democratização das relações sociais teve o significado de abertura dos

canais que tornaram possível qualificar e quantificar as demandas por parte da sociedade civil

ante a incorporação dos novos atores, como também diante das novas questões que se faziam

presentes.28 Estas novas questões, ou novas políticas, necessitavam de respostas inéditas não

só pelo seu conteúdo, mas também por serem precursoras dos mecanismos que dariam conta

suficientemente e com eficiência das mesmas.29

Importa fazer referência ao declínio da sociedade internacional moderna surgida da

Paz de Westfália e o ruir de seus pilares mais sólidos. Estes representavam um período de

afirmação do Estado Moderno, visto então como uma entidade política autônoma, com o

monopólio da coação física legítima e igualmente soberana, como em todos os outros Estados

Modernos. Sendo assim o Estado, no cenário do mundo moderno, se conformou com a potên-

cia soberana de uma política independente. Isso fez com que se fortalecesse o pensamento de

que as relações internacionais são sempre políticas de poder (BEDIN, 2001, p. 351-352).

Ainda cabe salientar a concepção de Morais (2002, p. 80) quando menciona que:

desaparecido, transformado ou minimizado o poder do Estado (Moderno) – a soberania – e em face desta íntima conexão, pode-se perguntar para onde se dirige o constitucionalismo, e, especial quando o agigantamento do poder privado e de

26 Ainda sobre conceito de Estado, indica-se a obra de Zippelius (1997). 27 O pensamento de Marx é uma das mais vigorosas reações às doutrinas clássicas da teologia estatal, levando à

negação do Estado, ou seja, a sua extinção. O Estado é, assim, superestrutura do modo de produção capitalista. Hegel e Engels afirmam ser o Estado produto da sociedade ao chegar a uma determinada fase de desenvolvimento.

28 Movimentos sociais, em particular os movimentos dos trabalhadores que ingressavam no novo sistema fabril. 29 Políticas como regulação das relações de trabalho, seguridade social, educação, saúde, infra-estrutura urbana,

política energética, política de transportes, infra-estrutura industrial, câmbio, juros, etc.

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30

outros centros decisórios faz sombra à tradicional suprema potestade estatal, implicando, muitas vezes, a sua incapacitação em reagir ou controlar as decisões tomadas alhures, ou mesmo ter de se adaptar aos interesses [...].

Nesse sentido, é possível perceber que o Estado-nação se vê necessariamente obrigado

a rever sua política legislativa. Precisa reformular a sua estrutura. A partir de tais reflexões,

urge repensar o Estado contemporâneo sob o ponto de vista da estrutura que este comporta.

Neste contexto é que se fez importante o surgimento do Welfare State com a proposta

de um Estado Social de caráter intervencionista e também garantidor dos direitos de todos os

seus cidadãos. Cabe salientar que a construção do Welfare State significou um processo de

anos, uma trajetória histórica.30 História essa que lembra a luta dos movimentos dos operários

pela conquista de uma regulação que pudesse promover e também garantir as conquistas

sociais. Estes pensamentos deram impulso na passagem do Estado Mínimo para o Estado

Social de caráter intervencionista.31

Além desses fatos todos já relatados, faz-se necessário enfatizar o papel

importantíssimo do Estado Social na concretização de tais direitos. Pela relevante importância

histórica, torna-se fundamental a análise de tais assuntos, que serão abordados no tópico

seguinte ao se tratar do Estado contemporâneo.

1.2 O Estado contemporâneo

A partir dos séculos 17 e 18 tornou-se possível observar o modelo organicista e o

modelo individualista de sociedade. É a visibilidade do marco histórico divisor das sociedades

tradicionais e modernas. Segundo Bedin (2000, p. 22), “o individualismo é o valor central da

sociedade moderna.” Foi o seu aparecimento, inclusive, que possibilitou o surgimento dos

direitos do homem. Segundo Dumont (apud BEDIN, 2000, p. 24), “o indivíduo está agora no

mundo, e o valor individualista reina sem restrições. Temos diante de nós o indivíduo no

mundo.” Sob esta concepção, está o homem pronto para ser a base de um novo modelo de

sociedade.32

30 O mesmo processo acompanha o desenvolvimento do projeto liberal transformado em Estado do Bem-Estar

Social. Isso, no decorrer da primeira metade do século 20, ganhando contornos definitivos após a Segunda Guerra Mundial.

31 Direitos relativos às relações de produção. Direito à previdência, assistência social, transporte, salubridade pública, moradia, etc.

32 Ainda sobre as versões diferentes a respeito do individuo no conceito de Hobbes, Locke e Rousseau, ver obra de Bedin (2000, p. 24-25).

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31

A Revolução Francesa inaugura este modelo de Estado com fundamento na

Constituição que organiza, garante e descreve os direitos dos cidadãos. Por causa dessa

formalidade na Constituição fica claro que antes desta não havia Estado algum. Isto porque

constituir significa justamente organizar, dar nascimento. O Estado que possui Constituição é,

então, aquele que foi feito, organizado, aquele que nasceu para garantir a execução dos

direitos das pessoas que estão sob a proteção desse Estado protetor e garantidor (NOVAES,

2003, p. 232).

É importante lembrar que a Revolução Francesa teve seu início em 1789, com a queda

da Bastilha. Seu término ocorreu em 1799, com o golpe de Estado do 18 Brumário. Essa

Revolução ficou conhecida como a revolução da liberdade e da igualdade, que teve uma

representação e mudança que muito significaram para a História da humanidade. A partir

dela, foram declarados os direitos do homem, em 1789. Falava-se, nesse tempo, na unificação

do Estado e houve o reconhecimento de que o povo era o portador da soberania, e não os reis.

Nas palavras de Reale (apud BASTOS, 1999, p.141):

Após a Revolução o Estado unifica-se, e o Direito Positivo nacional passa a formar uma só soberania nacional. Vale como proclamação da exclusividade, no território nacional, de um Direito Positivo Estatal superior aos demais ordenamentos. É essa a primeira conseqüência do reconhecimento de que não pode haver privilégios locais, éticos ou nobiliárquicos, ou seja, de que não podem existir ordenamentos jurídicos superiores ao ordenamento jurídico nacional, perante o qual vale um princípio de igualdade entre os obrigados.

Nesse rumo, cabe salientar que as maiores conquistas da Revolução Francesa foram

sem sombra de dúvidas a institucionalização das liberdades individuais e os avanços que

levaram à igualdade entre os homens, além da proclamação da soberania do povo e da

necessidade de um regime que fosse representativo, que tivesse como base a escolha pelo

povo de seus governantes e a descentralização.

Cabe aqui assinalar que o Republicanismo francês sofreu forte influência das idéias

humanistas do século 18, e que estas atingiram seu ápice com a Revolução Francesa e as suas

conseqüências. Segundo Agra (2005, p. 29), importa lembrar que “o lema liberdade,

igualdade e fraternidade formou seu núcleo axiológico básico, o que permitiu o florescimento

das virtudes civis com o objetivo de livrar a população do domínio feudal secular.”33

33 Sobre o princípio da igualdade na visão dos republicanos, verificar a obra de Agra (2005, p. 93).

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32

É consenso entre os estudiosos que nenhuma outra revolução teve tamanha

significação e contribuição para o direito à liberdade dos cidadãos quanto a que ocorreu na

França em 1789.34 O Estado é o órgão que deve promover e assegurar o desenvolvimento da

liberdade. É sua função dar força ao princípio da liberdade para todas as pessoas, sem levar

em conta a sua situação econômica, social, cultural, entre outras.

Pode-se dizer que o pacto ocorrido no século 18 recebeu o nome de Constituição. Os

poderes do povo livre passariam ao Estado assim como estavam expressos na sua Carta Mag-

na, levando em consideração a vontade do próprio povo, ditada por meios que a Constituição

estabelecesse. A Constituição detinha a soberania popular e nada lhe poderia ser superior.

Assim, os Estados constitucionais nasceram com a missão de construir comunidades

de indivíduos com direitos iguais, livres para manifestarem suas vontades individuais e

soberanas, em que o único limite seria justamente a individualidade e a liberdade do outro. Ao

Estado cabe o papel de garantir as liberdades e os direitos. A soberania e os direitos humanos

são as duas bases do Estado contemporâneo. Diz-se que a soberania foi pensada como sendo

uma criação dos homens em sociedade.

Novaes (2003, p. 237) cita Locke, o qual afirmava que “o Estado tem a função de

preservar a liberdade e a propriedade de cada um, julgando as disputas e pleitos de acordo

com as leis que foram feitas, mas que o limite da execução destas leis é o próprio país.”

Lembra este autor que se faz necessário repensar o Estado contemporâneo sob a

perspectiva de uma estrutura que lhe é própria, com as transformações que são impostas e

operadas pela agregação da questão social. Isto lhe concede um caráter finalístico de função

social, levando-o a um Estado Social de caráter obrigatoriamente intervencionista (MORAIS,

2002, p. 34).

Falando-se nesse Estado Social, pode-se afirmar que foi com as Constituições

mexicana de 1917 e a de Weimar de 1919 que o modelo constitucional do Welfare State, ou o

Estado de Bem-Estar Social, principiou sua construção. O Welfare State seria o Estado no

qual o cidadão, independentemente de sua situação social, tem direito a ser protegido, por

intermédio de mecanismos e prestações públicas estatais, emergindo assim a questão da igual-

dade como o fundamento para a atitude intervencionista do Estado (MORAIS, 2002, p. 38).

34 Sobre os impactos e as inovações da Revolução Industrial, ver obra de Odete Maria de Oliveira (2005b).

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33

Como já mencionado anteriormente, a formação deste Estado é algo que perpassa

muitos anos. É possível dizer que o mesmo modelo acompanha o desenvolvimento do projeto

liberal transformado em Estado do Bem-Estar Social no transcurso da primeira metade do

século 20, ganhando contornos definitivos após a Segunda Guerra Mundial. Para Morais

(2002, p. 38), a história desta passagem tem vínculo especial com a luta dos movimentos

operários pela conquista de uma regulação/garantia/promoção da chamada questão social.

Característica do Welfare State, a idéia de intervenção não é novidade surgida no século 20.

Assim o Estado, com sua ordem jurídica, implica intervenção.

Cabe lembrar e reconhecer, conforme Morais (2002, p. 35), “que o processo de

crescimento/aprofundamento/transformação do papel, do conteúdo e das formas de atuação do

Estado não beneficiou unicamente as classes trabalhadoras.” O papel do Estado, em vários

setores, possibilitou investimentos em estruturas básicas que alavancaram o processo

produtivo industrial, as quais mostraram-se viáveis para o investimento privado.35 Essa dupla

face faz parte da peculiar trajetória do Estado Social em que a intervenção pública refletia as

reivindicações dos movimentos sociais, e ao mesmo tempo a ação intervencionista do Estado

tornava possível a flexibilização do sistema, o que garantia a sua própria manutenção e

continuidade, bem como dava condições de infra-estrutura para o seu desenvolvimento.

Constatado o progresso por parte do Estado nas atividades econômicas, sociais,

previdenciárias, educacionais, entre outras, o Estado visto como liberal vê-se a um passo de

um Estado social. Cabe destacar que a presença do Estado se fazia absolutamente necessária

para a correção de desequilíbrios muito grandes a que foram submetidas as sociedades

ocidentais que, por sua vez, não tinham um comportamento disciplinar com relação a sua

economia, ou seja, não possuíam um planejamento centralizado.

Nesse ínterim, o Estado passou a assumir um papel de controlador, regulador da

economia, por meio de normas geralmente de cunho disciplinar. Por assim dizer, o Estado

tornou-se um gigante, um grande empregador, dando complexidade à vida social. Fala-se,

nesse momento, da burocracia estatal (BASTOS, 1999, p. 142).

Recorre-se, aqui, ao que alguns autores relatam sobre o abalo ocorrido ao denominado

compromisso do keynesianismo, ou seja, o da democracia capitalista. Segundo vários autores,

até o final dos anos 60 o pensamento de Keynes foi a ideologia oficial do que chamavam de

35 Construção de usinas hidrelétricas, estradas, financiamentos, etc.

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34

compromisso de classe, quando diferentes grupos podiam entrar em conflito nos limites do

sistema capitalista e democrático. Por esse motivo a crise do keynesianismo é entendida como

uma crise do capitalismo democrático.

O keynesianismo, desde o pós-guerra, defendeu a tese de que o Estado poderia

harmonizar a propriedade privada dos meios de produção com a gestão democrática da

economia. Foram fornecidas as bases para que ocorresse o compromisso de classe, oferecendo

aos partidos políticos representantes dos trabalhadores uma justificativa para que exercessem

o governo em sociedades capitalistas, engajando metas na plenitude de emprego e na

redistribuição de renda em favor das classes populares. Nesse sentido, o Estado era visto

como provedor de serviços sociais e também um regulador de mercado, sendo dessa forma o

mediador das relações e dos conflitos sociais.

A crise do keynesianismo, portanto, nada mais é do que a crise das políticas de

administração de demanda, isto é, quando aparecem sinais de insuficiência de capital, as

políticas que são voltadas à eliminação da junção entre a produção corrente e a produção po-

tencial não mais apontam soluções (BRESSER PEREIRA; WILHELM; SOLA, 1999, p. 225).

Streck e Morais (2004, p. 91) lembram que, “apesar de sustentado o conteúdo próprio

do Estado de Direito no individualismo liberal, faz-se mister a sua revisão frente à própria

disfunção ou desenvolvimento do modelo clássico do liberalismo”. Sendo assim, o Estado

conserva aqueles valores jurídico-políticos clássicos, entretanto, em consonância com o

sentido que vem tomando no curso histórico, como também com as necessidades e as

condições da sociedade do momento. Nesse sentido, inclui direitos para limitar o Estado e

direitos com relação às prestações do Estado. Se faz necessário corrigir o individualismo

liberal por meio de garantias coletivas. Isso se dá pela correção do liberalismo clássico pela

reunião do capitalismo na busca do bem-estar social que é a fórmula geradora do Welfare

State neocapitalista no pós-Segunda Guerra Mundial.

Cabe trazer a afirmação de Streck e Morais (2004, p. 91) quando observam que “com

o Estado social e Direito revela-se um tipo de Estado que tende a criar uma situação de bem-

estar geral que garanta o desenvolvimento da pessoa humana.”36

36 Sobre o Estado social e o enfrentamento de suas crises, ver obra de Morais (2002).

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35

É correto afirmar que a luta pelo reconhecimento e respeito aos direitos do homem

surgiu com acontecimentos políticos dos séculos 17 e 18, e estes passaram por vários

momentos até que se desse às gerações de direitos.

Conforme Bedin (2000, p. 79), “a luta pelo reconhecimento e pelo respeito aos direitos

do homem enfrentou duras críticas e, não obstante, chegou ao final deste século, para amplos

setores da população, como uma das grandes conquistas da humanidade.” Quando o autor se

refere a duras críticas, significa que estas provêm do que por ele é denominado de pólos

políticos opostos, ou seja, o pólo da direita e o pólo da esquerda, que na verdade são dois

posicionamentos políticos, o da direita tradicional e o da esquerda tradicional.37

Para esclarecer melhor, cabe dizer que essa luta por reconhecimento e respeito a esses

direitos nada mais é do que um empreendimento de tradição no sentido de uma evolução de

grande monta.38 Essa evolução expansiva é reconhecida como vitoriosa, visto ter enfrentado

as diversidades, as críticas e mesmo assim tornou-se uma das maiores conquistas do homem.

Críticas essas no sentido dos dois pólos políticos opostos, ou seja, o da direita e do da

esquerda.

O modelo, então liberal, acabou sofrendo várias crises e o Estado, por sua vez,

também enfrentou muitas transformações.39 Neste sentido, emerge uma nova proposta de

Estado, ou seja, a proposta neoliberal. Um movimento reconhecido como sendo de cunho

econômico, político e jurídico, e que teve seu início na década de 70 e sua consolidação,

justamente com as mudanças ocorridas, na década de 80. Constituiu-se como um modelo para

todo o mundo, em que na verdade o mercado é quem organiza a sociedade, estabelecendo os

critérios de distribuição de renda. É, na verdade, o oposto do mercado livre.40

Nasceu o neoliberalismo, logo depois da Segunda Guerra Mundial, na Europa e na

América do Norte, onde imperava o capitalismo. O neoliberalismo foi uma reação teórica e

política contra o Estado intervencionista e de bem-estar. O caminho da servidão, obra de

Friedrich Hayek, publicada em 1944, foi nada mais do que o texto de origem do

neoliberalismo. Mencionava o ataque contra qualquer limitação aos mecanismos de mercado

por parte do Estado, que denunciavam a ameaça mortal à liberdade, tanto econômica como

política. Hayek afirmava que apesar das boas intenções, a social-democracia moderada da

37 Para estudo mais aprofundado do tema, pesquisar a obra de Bedin (2000). 38 Ver obra de Bobbio (1992). 39 Sobre as deficiências do capitalismo global, consultar Soros (2003). 40 Sobre globalização econômica e neoliberalismo, ver obra de Santos (2005).

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36

Inglaterra conduzia a um desastre idêntico àquele causado pelo nazismo alemão, ou seja, uma

servidão moderna (ANDERSON et al., 1995, p. 9).41

A verdade, como afirma o autor, é que o neoliberalismo é um movimento ideológico,

em escala mundial, como o próprio capitalismo jamais havia atingido no passado. Segundo

Anderson et al. (1995, p. 22), “trata-se de um corpo de doutrina coerente, autoconsciente,

militante, lucidamente decidido a transformar todo o mundo à sua imagem, em sua ambição

estrutural e sua extensão internacional.” Salienta, ainda, que qualquer balanço do

neoliberalismo poderá ser feito apenas provisoriamente, por ser este um movimento

inacabado.

É possível concluir, entretanto, que economicamente falando o neoliberalismo

fracassou, não obtendo sucesso na revitalização básica do capitalismo avançado. Já no aspecto

social, o neoliberalismo alcançou muitos de seus objetivos. Neste sentido, criou sociedades

marcadamente desiguais, mesmo que não tão desestatizadas como intencionalmente

propusera. Ideológica e politicamente falando, o neoliberalismo alcançou êxito disseminando

a idéia de que não há alternativas para seus princípios e que todos precisam adaptar-se as suas

normas (ANDERSON et al., 1995, p. 22-23).

Para Salama et al. (1995, p. 53), é preciso “rejeitar o dogmatismo neoliberal e começar

a pensar em novas e criativas vias de saída da crise do capitalismo.” Sendo assim, é

necessário que se tenha uma visão ética e uma compreensão científica radicalmente oposta à

própria crise que se pretende superar.42 O pensamento neoliberal precisa ser abandonado. É

necessário que se entenda a realidade e as necessidades trazidas pela crise causada pelo

próprio neoliberalismo para que seja possível sanar ou pelo menos amenizar os problemas

existentes.

No entendimento de Bedin (2000, p. 83), “os neoliberais expõem às sociedades

comunistas e às sociedades nazistas e fascistas o fato de que são formações históricas

totalitárias [...] e como tais, afiguram-se como formas opressoras da liberdade individual.”43

Sendo assim, as sociedades comunistas que tiveram seu surgimento com a Revolução Russa

de 1917, passam pelas sociedades nazistas e fascistas, chegando às sociedades democráticas

41 Hayek argumenta que o novo igualitarismo promovido pelo Estado de bem-estar social destruía a liberdade

dos cidadãos e a vitalidade da concorrência, visto que desta, correspondia à prosperidade de todos. Destaca, portanto, que a desigualdade era valor positivo, imprescindível, para as sociedades ocidentais.

42 Ainda sobre os ajustes neoliberais, a pobreza e a cidadania democrática, ver estudo aprofundado por Borón, na obra de Sader e Gentili (1995).

43 Importante lembrar que a obra de Bedin (2000) aborda o tema relacionado à base teórica do neoliberalismo.

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contemporâneas, conhecidas como Welfare State. O neoliberalismo é definido como uma

reação profunda e compacta aos três tipos de sociedades surgidas, comunista, nazista e

fascista.

Filomeno (1997, p. 147) entende que “a regra geral do neoliberalismo [...] é a ampla

liberdade de iniciativa econômica, respeitados os princípios [...].” Sendo assim, o

neoliberalismo nada mais é do que a ampla liberdade de iniciativa e o exercício da atividade

ou profissão. Tal liberdade, contudo, não deve comprometer a justiça social, visto ser esta um

dos pressupostos do próprio bem comum do Estado.

A esse respeito posiciona-se Borón et al. (1999, p. 7-8):

O surgimento de um pequeno conglomerado de gigantescas empresas transnacionais, os “novos Leviatãs”, cuja escala planetária e gravitação social os torna atores políticos de primeiríssima ordem, quase impossíveis de controlar e causadores de um desequilíbrio dificilmente reparável no âmbito das instituições e das práticas democráticas das sociedades capitalistas.

Talvez por esse motivo alguns estudiosos defendam o assim chamado triunfo final do

capitalismo, estando assegurada a democracia.44 O neoliberalismo tornou-se o senso comum

de nosso tempo e de uma existência muito importante. Na verdade, o que melhor caracteriza o

neoliberalismo é a visível desigualdade social gerada por ele. Desigualdade a nível de país

como um todo, como de países e apenas de regiões.

Tomando como exemplo os países da América Latina, salientam Borón et al. (1999, p.

12) que “o fracasso econômico do neoliberalismo, nos mais diversos países da América

Latina, é tão evidente como foi o seu êxito no plano das idéias.” Neste sentido, afirmam os

autores, a lista de fracassos se amplia, com certeza.

Segundo este autor, cabe um questionamento com relação à valoração do modelo

econômico e social neoliberal, que segundo ele, quando funciona bem, gera desemprego em

níveis inéditos e escalas crescentes de pobreza. Afirma ainda que de nada adianta um

orçamento fiscal equilibrado, ou uma inflação zero, ou um superávit na balança comercial, se

as sociedades acabam desabando, com a miséria se proliferando tanto nas cidades quanto no

campo, e onde a cada dia existem mais e mais crianças crescendo nas ruas.

44 Neste sentido de democracia o correto é chamar de ideais democráticos. Ver obra de Sader e Gentili (1999).

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38

Constata-se modernamente situações em que os desempregados formam uma legião

cada vez maior, e o emprego é precário, com salários insuficientes. Sociedades em que a

criminalidade é uma ameaça constante, esmagadora, e parte da sociedade se esforça para fazer

aquilo que pode para ostentar o luxo, enquanto outra parte dessa mesma sociedade não

consegue mais esconder a pobreza. Acredita-se que chegou o momento de fazer calar a

economia e de voltar a dar ouvidos à teoria política e à filosofia moral. A realidade é que as

sociedades construídas pelo neoliberalismo, ao longo dos anos, são piores que aquelas que as

precederam. São sociedades mais divididas e mais injustas, em que os cidadãos vivem sob

ameaças econômicas, trabalhistas, sociais e ecológicas (BORÓN et al., 1999, p. 55-58).45

Importante a afirmação de Borón et al. (1995a, p. 287) ao declararem que

a herança do neoliberalismo é uma sociedade profundamente desagregada e distorcida, com gravíssimas dificuldades em se constituir do ponto de vista da integração social e com uma agressão permanente ao conceito e a prática da cidadania [...]. A herança que deixa a experiência dos anos 80 é que, ao mesmo tempo em que se produziu um avanço significativo nos processos de democratização em grandes regiões do planeta (entre elas a América Latina) [...].

Para estes autores, portanto, é preciso democratizar o capitalismo e organizar o

Welfare State. Atualmente se faz importante desenhar uma estratégia de longa duração na luta

pelo social, pelo socialismo. É uma luta possível, luta de ideais que devem ser respeitados. O

socialismo, como alertam Borón et al. (1995, p. 191), “é uma combinação de ideais, de

grandes valores e de projetos concretos.”

Sendo assim, trata-se de uma luta não só pelo socialismo, mas pelo que ele significa,

um conjunto de valores e um projeto que é necessário desenvolver com experiências

concretas. Verdade que os valores do socialismo, como a justiça, igualdade, liberdade,

cooperação, democracia, bem-estar, desenvolvimento integral do homem, são valores

clássicos, permanentes. Aconselham os autores que se deve acrescentar novos ideais a esse

conjunto de valores, entre eles o feminismo, a liberação feminina, a segurança ecológica e do

meio ambiente, o desenvolvimento sustentável, o pacifismo, etc.

Lembrando então, e voltando um pouco no tempo, à idéia do Estado de Bem-Estar-

Social, um Estado intervencionista e promocional que envolve questões relacionadas ao

processo produtivo. É possível afirmar que o Welfare State emerge como conseqüência geral

das políticas definidas a partir das grandes guerras e das crises da década de 30, mesmo que

45 Ainda sobre neoliberalismo ver obras de Brum (1998) e Odete Maria de Oliveira (2005a).

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39

sua constituição tenha ocorrido na segunda década do século 20 (STRECK; MORAIS, 2004,

p. 70-71). Para os autores, o desenvolvimento do Estado de Bem-Estar-Social dá-se por duas

razões, que são: ordem política, no sentido de luta pelos direitos individuais, políticos e

sociais; e pela natureza econômica, motivada pela transformação da sociedade agrária em

industrial, visto que o desenvolvimento industrial ocasionou o surgimento do problema da

segurança social.46

Num plano mais atual, cabe lembrar o pensamento de Busatto e Feijó (2006, p. 69), ao

mencionarem que

O Estado passou por grandes alterações, iniciadas pelo movimento democrático deflagrado nos Estados Unidos da América no final do século XVIII que iria influenciar a grande maioria dos Estados europeus, trazendo à cena novos atores – os insatisfeitos com o status quo, os operários da nova industrialização, os novos habitantes das cidades, os trabalhadores rurais sem propriedade e sem direitos. Uma massa até então invisível, num mundo sem informação e quase estático, começa a compreender seu papel e atuar no sentido de torná-lo reconhecido.

Sendo assim, novos ambientes foram criados pela sociedade ocidental em pouco mais

de 200 anos. Além das instituições tradicionais, os novos tempos trouxeram outras

instituições muito importantes para a concretização dos direitos da humanidade.47 Cabe aqui a

máxima, defendida por Bobbio (1992, p. 1), de que, “haverá paz estável, uma paz que não

tenha a guerra como alternativa, somente quando existirem cidadãos não mais apenas deste ou

daquele Estado, mas do mundo.”48

Na seqüência, o próximo capítulo aborda a questão da cidadania como parte integrante

dos direitos inerentes a cada pessoa, lembrando-se ainda da relevância do papel do Estado na

inserção do cidadão, pessoa portadora de direitos e deveres para com a sociedade e o próprio

Estado em que vive.

46 Para mais estudos sobre direitos sociais consultar obra de Vieira (2004). 47 Importante a leitura de tais instituições na obra de Busatto e Feijó (2006). 48 Ver obra de Bobbio (1992), A era dos direitos.

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2 O ESTADO E OS DIREITOS DE CIDADANIA: A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA

NO BRASIL E A SUA DIFÍCIL TRAJETÓRIA

Neste capítulo far-se-á um estudo sobre a cidadania, alertando para o fato de ser ela

considerada um direito de todos. Tratar-se-á das origens e dos conceitos de cidadania, desde a

Grécia antiga, até as conquistas modernas, especialmente com relação aos direitos civis,

sociais e políticos.

Também serão abordadas as revoluções liberais que ocorreram, especialmente no

século 20, que marcaram a História da humanidade. O mais relevante que se aponta, com

relação ao estudo da cidadania, é justamente a efetivação desta na concretização da inclusão

do indivíduo na sociedade em que este vive e se relaciona. Indivíduo este considerado parte

integrante e fundamental do Estado, e que por ele deve ser acolhido e respeitado como sujeito

portador de direitos e de deveres.

No prosseguimento dos estudos, e ainda sobre o tema cidadania, será investigada a

questão da cidadania no Brasil e a sua difícil construção. Serão utilizadas neste tópico

algumas das obras consideradas importantes com relação aos conceitos de cidadania. Salienta-

se, porém, que especificamente será trabalhada a obra de Carvalho (2002), em razão de esta

tratar de forma muito clara e objetiva a questão da cidadania e os percalços ocorridos na sua

construção em nosso país.

Iniciando os estudos a respeito da cidadania é correto afirmar que perante o Estado

todas as pessoas são consideradas nacionais ou estrangeiras. Nacional é aquela vinculada a

um Estado ou em virtude do jus sanguinis, ou do jus soli.1 A cidadania implica a

nacionalidade, na medida em que todo cidadão é também nacional. É verdade, porém, que

nem todo nacional é cidadão, no sentido de este não gozar de seus direitos políticos.

Cabe recordar que a cidadania consiste na manifestação das prerrogativas políticas que

o cidadão possui dentro do Estado democrático. É a cidadania um estatuto jurídico que

abrange os direitos e também os deveres do indivíduo com relação ao Estado. Diferencia-se

aqui, cidadania de cidadão, justamente porque o termo cidadão designa o indivíduo na posse

dos seus direitos políticos. Já cidadania, por sua vez, é expressão da qualidade de ser cidadão,

1 Jus sanguinis, quando filho de pai nacional; jus soli, por ter nascido dentro do território daquele Estado.

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o direito de fazer valer as prerrogativas que se originam de um Estado democrático.2 Neste

sentido, o exercício da cidadania é fundamental. Sem ela, não há que se falar em participação

política do indivíduo, não há que se falar em democracia (BASTOS, 1999, p. 70-72).

Pesquisadores pioneiros, ao estudar a cidadania, buscaram inspiração em realidades

vividas no mundo greco-romano, por meio dos clássicos passados pela própria tradição ao

Ocidente, que seriam, então, a idéia de democracia, de participação do povo, de liberdade do

indivíduo (GUARINELLO apud PINSKY; PINSKY, 2005, p. 29).3

Nas lições de Barbalet (1989, p. 11), “a cidadania é tão velha como as comunidades

humanas sedentárias. Define os que são e os que não são membros de uma sociedade

comum”. A cidadania, segundo este autor, é vista sob uma perspectiva política. A cidadania

pode ser a participação em uma comunidade ou uma qualidade como membro dessa

comunidade. Ressalte-se que, no Estado democrático moderno, a base da cidadania é a

capacidade de participar no exercício do poder político.4

A palavra cidadão, para os gregos antigos, traduzia a idéia de homem livre,

intimamente comprometido com a defesa dos interesses da cidade-Estado. Para os gregos,

essa concepção tinha fundamento numa antiga tradição ateniense, onde eram considerados

cidadãos todos os homens adultos que estivessem aptos a defender os interesses da polis, que

segundo a evolução da sociedade grega antiga, tinha como interesse proteger a cidade-Estado,

envolto em um sentimento subjetivo de bem comum no que dizia respeito à polis. Tal

sentimento transcendia a todos os interesses pessoais do cidadão.

É verdade que para os gregos somente eram entendidos como cidadãos aqueles que

faziam parte da polis. Eram considerados homens livres, virtuosos e sábios. A esse respeito

observa Dal Ri Júnior (2003, p. 27):

Eram considerados cidadãos todos os homens livres que pertenciam ao grupo dos que contribuíam ativamente à organização da comunidade. Além de possuidor de um vínculo de origem com o território da comunidade, o cidadão grego deveria ser homem, livre, de grande despojamento pessoal e de participação, em prol dos interesses da polis. Por conseguirem identificar os próprios interesses pessoais com o da cidade-Estado, estes eram considerados homens “virtuosos” e “sábios”.

2 Para aprofundar mais sobre o conceito de cidadania, verificar as obras de Farah (2001); Baracho (1995);

Pandolfi (1999); Soromenho-Marques (1996). 3 Para o aprofundamento da historicidade na Antigüidade com relação às cidades-estado, recomenda-se a obra de

Pinsky e Pinsky (2005). 4 Segundo Barbalet (1989), a expansão da cidadania no Estado moderno é ao mesmo tempo a marca de contraste

das suas realizações e a base das suas limitações. A generalização da cidadania moderna vista sob a estrutura social tem o significado de que todas as pessoas, consideradas cidadãs, são iguais perante a lei e que não se fala, portanto, em pessoa ou grupo privilegiado.

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Essa restrita concepção grega sobre quem poderia fazer parte da polis excluía do status

de cidadão as mulheres, os escravos e os metecos.5

Vieira (2002, p. 15) salienta que,

nas sociedades primitivas, encontramos um direito carismático revelado pelos profetas que interpretavam a vontade de Deus, e dos heróis míticos fundadores. No direito revelado das sociedades primitivas, não existe ainda o conceito de normas objetivas, isto é, não existe uma lei objetiva independente das ações. As ações e normas são interligadas. O que predomina são os usos e os costumes; a ação não está ainda orientada para deveres legais reconhecidos como coercitivos. Isto somente ocorrerá na transição para o direito tradicional.

Menciona o autor que o status de cidadão, para os gregos, era concedido obedecendo

ao critério do jus sanguinis. Era cidadão, portanto, o indivíduo pertencente, por laços de

sangue, à classe dos cidadãos. Neste contexto, o reconhecimento ocorria sendo o indivíduo

fruto ou não de uma relação legítima. Tal reconhecimento da cidadania se dava quando o

jovem completava 18 anos, sendo ele apresentado para a Assembléia do Demo que, tomando

por base a sua ascendência, reconhecia ou negava-lhe o direito à cidadania (DAL RI JÚNIOR,

2003).

Percebe-se, então, o caráter oligárquico da primeira democracia. A existência de uma

classe social que se constituía por homens livres, detentores do poder político através do

status exclusivo de cidadão, dava, assim, acesso às funções políticas, e se perpetuava pela

transmissão da cidadania jus sanguinis, comprovando o quanto era impenetrável. Neste viés,

cabe ressaltar que poucos eram os metecos ou escravos que obtiveram reconhecimento como

cidadãos.

Dal Ri Júnior (2003, p. 29) esclarece que “foi Roma a primeira cidade-Estado a

instituir o conceito jurídico de cidadania, ligando-o intimamente à noção de status civitatis.

Coube ao Direito Romano, desde a sua gênese, evoluir tal conceito, servindo-se dele como

base para todo o seu ordenamento jurídico.”

É importante salientar que houve uma forte influência da cultura grega nos primeiros

séculos da história de Roma, condicionando, assim, a concepção de cidadão. Daí nasce e se

5 Todos os estrangeiros, originários de outras cidades-Estados gregas, que viviam em Atenas. Estes, por sua vez,

tinham garantidos apenas alguns direitos civis, mas não possuíam direitos políticos (DAL RI JÚNIOR, 2003, p. 29).

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desenvolve a civitas romana. O fato de o indivíduo pertencer ou não a uma determinada gens6

romana, poderia reconhecer-lhe a cidadania. Mulheres, crianças, escravos, apátridas e

estrangeiros eram excluídos do direito à cidadania.

Nas Palavras de César (2002, p. 17), “o termo cidadão tem origem na expressão latina

civis, traduzido do grego polites, que significa o sócio da polis ou civitas, ou seja, da cidade-

Estado da Antiguidade Greco-Romana”. Sendo assim, cidadãos são apenas aqueles homens

que participam da gestão da cidade, podendo exercer os direitos políticos sem a necessidade

de serem representados. A participação direta, por assim dizer, na vida política, ocorria na

verdade quando votavam leis e quando exerciam funções públicas, como a judiciária, por

exemplo.

Na Idade Média o desenrolar da cidadania e da nacionalidade teve seu início, ou

primeira fase, no período do feudalismo, quando o território deixado pelo império antigo

passou a ser ocupado por pequenos Estados. Estes eram constituídos ou ligados por uma só

religião, o cristianismo. Confirma Dal Ri Júnior (2003, p. 39) que,

A evolução da cidadania e da nacionalidade na Idade Média tem uma primeira fase no período feudal, onde o espaço territorial deixado pelo antigo Império vem sendo ocupado por uma multiplicidade de pequenos Estados. Os elementos fundamentais desta nascente comunidade jurídica internacional podem ser reconhecidos na chamada Respublica Chistiana. Isto porque tais Estados encontram-se estreitamente ligados entre si por uma só religião, o cristianismo, e por um só elemento de coesão política, a Igreja.

É no período que vai da queda do Império Romano até a coroação de Carlos Magno

como Imperador do Sacro Império Romano-Germânico que se efetiva a redução do status de

cidadão à condição de súdito. A esse respeito, lembra Dal Ri Júnior (2003, p. 49), sob o ponto

de vista de Jean Bodin, que “a relação entre soberano e cidadão baseia-se em uma série de

obrigações de um em relação ao outro: o cidadão deve ao soberano obediência e fidelidade,

enquanto o soberano deve ao cidadão justiça, conselho, conforto, ajuda e proteção.”

Cabe lembrar, então, que tendo se extinguido a civilização greco-romana na Idade

Média, o status civitatis passou a ser substituído por um sistema de relações hierárquicas de

cunho privado, que caracterizaram as relações sociopolíticas do feudalismo, e que fez

suprimir a cidadania como elemento de liberdade entre os iguais (CESAR, 2002, p. 18).

6 Antigos clãs romanos de origens rurais. Assim, o Direito Romano clássico previa que, quem pertencesse a um

determinado clã romano, teria o status de cidadão. As gens e a família eram consideradas organismos anteriores à civitas, fundamentos da própria cidade-Estado. Pertencer a uma gens era pressuposto de liberdade, essencial à concepção da cidadania no sistema romano.

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O cidadão é, nesse período, quase como um objeto para o soberano, não podendo

jamais recusar sua condição. Assim, a cidadania é perpétua, originada do vínculo pessoal e

exclusivo entre soberano e súdito livre. É verdade, como bem explicita Cesar (2002, p. 19),

que “o avanço territorial e político do absolutismo monárquico, centralizador do poder

político, acabou, porém, por suprimir esses pequenos espaços de liberdade, somente

resgatados, através da via revolucionária, pelo pensamento liberal-burguês.”

Mais adiante na História, tendo sido vitorioso o pensamento liberal por intermédio das

revoluções burguesas que marcaram o cenário político europeu no século 18, tem-se a volta

da cidadania política. Visto isso, cabe ressaltar que diante do reconhecimento de que o ser

humano, como titular de direitos naturais, os quais o Estado deve tutelar e respeitar, e também

pelo fato de que apenas alguns tinham o direito à participação de decisões políticas, surge a

distinção entre os direitos civis (do homem) e direitos políticos (do cidadão).7

Thomas Hobbes, ao contrário de Bodin, apresenta o soberano livre de vínculos com o

feudalismo, sendo que Bodin é fruto do renascimento francês, enquanto Hobbes se encontra

submerso no absolutismo inglês, onde o soberano é naturalmente absoluto. Assim, acaba por

dizimar todos os vínculos patrimoniais, corporativos e também familiares que poderiam

interferir na sua relação direta com os cidadãos e com a cidade (DAL RI JÚNIOR, 2003,

p. 52).

Nesse período, o cidadão, independente das suas origens, passa a ser igualado a todos

os outros cidadãos que fazem parte da população sob a autoridade do soberano. O cidadão é

um indivíduo igual a todos os demais. Assim, a relação direta entre o cidadão e o seu

soberano é revestida de um caráter impessoal, passando a constituir uma relação abstrata,

valorizando a dimensão individual.

Complementa Dal Ri Júnior (2003, p. 53) sobre o tema:

O nascimento do Estado, seguindo Thomas Hobbes, acontece nesta perspectiva individualista. Enquanto Jean Bodin pressupunha uma batalha entre chefes de clãs (coletividades), que culminava na vitória de um e na submissão de outro a este vencedor, Hobbes afirma que o indivíduo, buscando uma fuga da guerra perpétua instalada no estado de natureza, é conduzido irresistível e voluntariamente a se submeter ao soberano. Isso porque, se não fosse o medo, por natureza os homens seriam levados a dominar uns aos outros. Mas, por temor recíproco, procuram individualmente a proteção do poder absoluto do soberano.

7 Cabe lembrar a Declaração de Direitos emanada da Revolução Francesa de 1789. Cita-se a obra de Cesar

(2002).

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É, então, a partir do momento em que os indivíduos se sujeitam ao Estado, passando a

constituir parte deste grande mecanismo, passam também a ser reconhecidos como cidadãos.

Para Hobbes, o ato de sujeição é uma limitação à própria vontade do indivíduo-cidadão, que é

equacionada pela vontade do Estado.

Juntamente com essa sujeição está a obediência que o cidadão deve ao seu soberano.

Assim como Bodin, Hobbes também via nessa renúncia ao direito de resistência os

fundamentos da relação entre soberano e súdito. Então, a obrigação à obediência era elemento

considerado essencial para o governo do Estado.

Ressalta igualmente este autor que uma das mais importantes contribuições de Thomas

Hobbes é a concepção de igualdade entre os cidadãos sujeitos à autoridade estatal. Para ele, o

homem livre deve servir somente ao Estado. Seguindo o mesmo pensamento, Enrico Grosso

reforça que “a esfera jurídica do indivíduo é inteiramente definida e compreendida na relação

de sujeição” (apud DAL RI JÚNIOR, 2003).

A partir da premissa de igualdade, surge o princípio de que todos os homens são iguais

perante a lei. Instituído o Estado, mediante a conclusão do pacto de obediência ao soberano,

todo cidadão passa a se submeter às leis civis, iguais para todos. O autor observa que é nessa

passagem do estado de natureza para o estado civil que emerge a existência de uma

valorização da individualidade do cidadão através da igual sujeição à lei.

É importante lembrar a figura do cidadão enquanto sujeito de direito. O Estado,

produto da vontade do cidadão em se submeter ao poder soberano, deverá zelar pela

conservação da vida e da integridade física dos cidadãos. Da mesma forma, é concedido aos

mesmos o direito de defesa contra o próprio soberano, em casos de ameaça à própria vida ou

qualquer outro dano que venha a sofrer.

Prosseguindo, o autor faz menção a Samuel Von Pufendorf, tido como responsável por

reforçar o papel do cidadão no Estado moderno. Deu grande contribuição à Filosofia política e

jurídica do século 17, pregando os princípios jusnaturalistas de igualdade e de liberdade

natural entre os homens.8

8 Um dos pais da cultura jurídica alemã. Nasceu na Saxônia, em 1632, de família luterana, e faleceu em Berlim,

em 1694.

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Pufendorf era influenciado por Hugo Grotius, que defendia a relação entre soberano e

cidadão. Este deixa de ser mero governado, submetido ao poder absoluto e discricionário do

soberano, e passa a ser visto como associado.9 A partir de então, o contrato social deixa de ser

um ato livre de submissão e passa a configurar uma convenção entre associados em prol da

comunidade em geral. Com isso, o futuro cidadão nasce e vive livre, sendo considerado igual

aos demais. Por essa razão, a superioridade natural de um homem não lhe dá o direito de

impor sua vontade aos outros, ou de submetê-los a sua autoridade.

Assim sendo:

Na visão de Samuel von Pufendorf, o indivíduo, ao caminhar em direção à cidadania, não estaria vinculado a uma obrigação natural, baseada na força, de submissão a um outro ser humano. A obediência nasceria de um consenso entre os indivíduos sobre a necessidade de instituir a vida em sociedade, ou melhor, o próprio Estado. Este se institucionaliza através do pacto entre os indivíduos que, a partir daquele momento, passam a chamar-se cidadãos. Deste modo, a obediência se caracteriza como fruto do consenso, gerado por uma convenção entre as partes, convenção onde devem ser claros os benefícios que cada um receberá ao aderir. (DAL RI JÚNIOR, 2003, p. 57).

Corrêa (2002, p. 140) leciona que, “o homem visto como indivíduo (animal racional)

se realiza eticamente buscando sua própria felicidade sob o controle das virtudes morais

(primordialmente a justiça).” Destaca este autor, com base no pensamento de Kant, que o

grande direito natural do homem, de onde se originam os demais, é a liberdade. Kant, em sua

teoria da moralidade, focaliza a vontade livre do homem, de um lado, e de outro, o dever

moral. Este, entendido como o comportamento que serve de normas gerais para a

humanidade. Segundo Corrêa, o maior desafio da contemporaneidade é a construção de uma

nova ordem social que mude a perspectiva da exclusão social. É imperativo criar novas

estruturas que priorizem as necessidades básicas das pessoas. Neste sentido, cabe conceituar o

que seja exclusão social. A noção de exclusão se impõe tardiamente com a crise da

representação da questão social.10

Segundo Castel (2006, p. 63),

os excluídos constituem, propriamente,um conjunto de indivíduos separados de seus atributos coletivos, entregues a si próprios, e que acumulam a maioria das desvantagens sociais: pobreza, falta de trabalho, sociabilidade restrita, condições precárias de moradia, grande exposição a todos os riscos da existência, etc.

9 Holandês, nascido em 1583 e falecido em 1645, é tido como um dos maiores expoentes do jusnaturalismo, e

pai do Direito Internacional Público. Teve o mérito de descanonizar o dogma do Direito, dando-lhe reconhecimento puramente racional e não como reflexo de uma lei divina.

10 Balsa, Boneti e Soulet (2006) trabalham a questão das classes sociais e desigualdades antes da exclusão na obra: Conceitos e dimensões da pobreza e da exclusão social.

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É consenso atualmente, segundo pesquisadores, que a realização individual dos seres

humanos decorre de uma ordem social que seja justa e que favoreça as condições materiais e

culturais de um povo. Obviamente quando se fala em ações no campo da subjetividade

remete-se ao fato de que estas dependem cada vez mais das ações e das decisões coletivas no

campo econômico, político e social.

Neste sentido, cabe lembrar Bobbio (2002, p. 43) quando traz em sua obra Igualdade e

Liberdade, o ponto específico sobre o ideal da igualdade:

a tendência no sentido de uma igualdade cada vez maior, como já havia observado ou temido Tocqueville no século XIX, é irresistível: o igualitarismo, apesar da aversão e da dura resistência que suscita em cada reviravolta da história, é uma das grandes molas do desenvolvimento histórico.

Pelo exposto, é correto afirmar que a igualdade é a equalização dos diferentes. É nada

mais do que um ideal de permanência entre os homens que vivem em sociedade. Nesse viés,

toda discriminação superada é um verdadeiro progresso da civilização. Cabe lembrar que a

liberdade é a própria igualdade. Uma igualdade substancial, ou seja, a igualdade dos

igualitários.11

É correta a afirmação de Corrêa (2002, p. 151) quando assegura:

Para se falar em ordem social justa é preciso optar por um princípio ético central, universalizável, e que sirva de referência valorativa para a organização do espaço público de convivência e sobrevivência dos cidadãos. Tal valor fundamental, colocado como pressuposto indispensável para a organização de estruturas sociais justas é, sem dúvida, a vida.

Ainda menciona o autor que, mesmo que não existam valores absolutos, visto que

estes são produtos histórico-culturais, faz-se necessária a opção por um valor que seja central.

Sendo assim, entende-se a vida como princípio fundamental, valor preponderante, que norteia

uma proposta política de mudança social voltada para a vivência da cidadania. Isto porque a

vida não se explica, mas se vive. Sem ela não haveria porque falar em prazer, desejo, amor,

justiça, liberdade ou qualquer outro valor humano (CORRÊA, 2002).

Assim, do ponto de vista da lógica existencial, em que o ser humano enquanto vida é

natureza, conclui-se que é natural que todos tenham direito igual à vida, o direito de usufruir

desse dom, que significa necessariamente o direito aos meios de vida, o direito a uma justiça

11 Importante o estudo do pensamento utópico ao pensamento revolucionário do igualitarismo. Ver obra de

Bobbio (2002).

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de distribuição de bens materiais e culturais que a possam sustentar. Por isso, a vida, direito

de todos os seres humanos, exige um princípio complementar importante, ou seja, a vida

social justa. A cidadania deverá ser plena e universal.

Tem razão Corrêa (2002, p. 153) quando prescreve:

Lutar pela justiça é, pois, lutar politicamente por aqueles a quem é negada a condição essencial da vida. É nesse espaço que justiça e direito se encontram no esforço de se operacionalizar uma normatividade da vida contra a ética da morte a prevalecer em nossa sociedade. Urge analisar as instituições jurídico-políticas com base num projeto social voltado para a vida do ser humano, que enfatize sua concretude de ser histórico, ao invés de convertê-lo em sujeito abstrato, isto é, mercadoria enquanto força-de-trabalho e mero complexo de normas enquanto sujeito jurídico proprietário de bens de mercado.

No que tange à noção moderna de cidadania, esta nasceu vinculada à questão do

direito, isto é, do discurso do jusnaturalismo.12 Como refere Corrêa (2002), é verdade que a

origem da moderna noção de cidadania vincula-se à noção dos direitos humanos, justamente

por se tratar de direitos de cidadania.

Como bem lembra Morais (2002, p. 37), neste tema um aspecto assume grande

importância: “desaparece o caráter assistencial, caritativo da prestação de serviços e estes

passam a ser vistos como direitos próprios da cidadania, inerentes ao pressuposto da

dignidade da pessoa humana.” Desse modo, se constitui o patrimônio do cidadão, visto ainda

como aquele que adquire característica por sua relação de pertinência a uma determinada

comunidade estatal nos moldes tradicionais do Estado.

Desde a Declaração Universal dos Direitos do Homem sabe-se que a nova ordem da

cidadania possuía duas dimensões, ou seja, uma de cunho universal e outra nacional. Sendo

assim, todo homem passa a ser protegido em seus direitos naturais, não importando a sua

nacionalidade, isto é, somente os nacionais são tidos como titulares de direitos políticos.

Nesse contexto, porém, há uma mudança no conceito de liberdade, o pilar da acepção

moderna de cidadania foi alterado.

Na Antigüidade os livres eram somente os indivíduos que tinham participação na res

publica, e que por isso, eram submetidos aos comandos estatais na vida privada. Já nos

tempos modernos, a participação no gerenciamento do Estado passa a ser indireta, por meio

12 Sobre o jusnaturalismo moderno ver obra de Vieira (2002).

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da representação política, passando a liberdade a consistir em que não haja intervenção de

abusos do Estado na vida privada dos seus cidadãos (CESAR, 2002, p. 19-20).13

Traz à lume o autor acima citado, as análises feitas por T. H. Marshall com relação à

cidadania social. Segundo Cesar (2002, p. 20-21), importa salientar que para Marshall, visto

ter este autor realizado suas análises justamente no período do boom do Welfare State inglês,

que,

a cidadania não abrange somente os direitos e deveres políticos, mas também direitos civis e, principalmente, direitos sociais e econômicos, normatizados não exclusivamente por concessão estatal, mas igualmente oriundos de conquistas populares e efetivados através de um dinâmico processo social.

Neste sentido, divide-se o conceito moderno de cidadania em três partes, civil, política

e social. Salienta César que Marshall diferencia a cidadania moderna daquela existente na

Antiguidade e também no período feudal, visto que estas características eram reunidas numa

só, marca de desigualdades vividas.14

Assim sendo, a concepção moderna de cidadania nada mais é do que um produto

histórico da própria modificação das relações sociais e políticas das sociedades, que acabaram

por originar os direitos civis primeiramente e os direitos políticos e sociais num segundo

momento.

Constatou Marshall que há uma separação entre os três elementos da cidadania.

Atribui-se, então, a estes, períodos diferentes. No século 18 tem-se os direitos civis como

sendo aqueles necessários às liberdades individuais: o direito de ir e vir, a liberdade de

imprensa, de ter pensamento, de fé religiosa; o direito à propriedade, direito de contratar,

direito à justiça, diferenciado este de todos os demais por ser o direito de pleitear direitos nas

condições de igualdade com a outra parte e o devido processo legal.15

Após, vêm os direitos políticos, no século 19, dos quais um exemplo é o de votar e de

ser votado, de participar no exercício do poder político, no sentido de membro de um

organismo possuidor de autoridade política ou meramente como eleitor dos membros desse

mesmo organismo.

13 Ainda sobre a questão da liberdade e igualdade, ver obra de Bobbio (2002). 14 Ver obra de Vieira (2001), conceito de cidadania, segundo a concepção de Marshall. 15 Outras concepções com relação à cidadania sob a ótica de Marshall, ver obra de Vieira (2002).

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Na seqüência tem-se os direitos sociais cuja materialização ocorreu no século 20. Os

direitos sociais são considerados como sendo todos aqueles que vão desde o direito ao

mínimo necessário para o bem-estar econômico e de segurança, ao direito de participar

completamente na herança social, gozando o cidadão de uma situação de vida civilizada,

conforme os padrões prevalecentes na sociedade em que está inserido (CESAR, 2002, p. 20-

22).16

Então, é possível afirmar que a cidadania assumiu no decorrer da História várias

formas, de acordo com os diferentes contextos culturais de cada época. Diversas foram as

interpretações, e entre elas a clássica de Marshall, que analisou o caso da Inglaterra, que sem

pensar em universalizar acabou por generalizar a noção de cidadania e também dos elementos

que a constituem (VIEIRA, 2002, p. 22). É verdade que essa concepção dada por Marshall foi

alvo de várias críticas.17

Relevante trazer à pauta a herança do neoliberalismo, especialmente no que tange à

cidadania. Segundo Borón et al. (1995b, p. 187),

a cidadania, que no fundo é um conjunto de direitos e intitlements sempre arrancados graças às lutas democráticas das maiorias populares, fica cancelada pelas políticas econômicas e sociais que excluem de seu exercício efetivo a grandes setores da população. A “democratização” se expande no discurso e na ideologia dos regimes democráticos, mas a cidadania é negada pelas políticas econômicas neoliberais que tornam impossível o exercício dos direitos cidadãos. Quem não tem casa, nem comida, nem trabalho, não pode exercer os direitos que, em principio, a democracia concede a todos por igual.

Vale sempre destacar que cidadania é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à

igualdade perante a lei. É ter os direitos civis, políticos e sociais respeitados. É participar do

destino da sociedade. É votar e ser votado. Ter direito à educação, ao trabalho, ao salário

justo, à saúde, a uma velhice tranqüila. Exercer os direitos civis, políticos e sociais, é exercer

a cidadania plena, é viver com dignidade.

Sabe-se que cidadania não possui uma definição estanque. É um conceito histórico,

como já é do conhecimento de todos. Assim sendo, o seu sentido pode variar no tempo e no

espaço. E é verdade, também, que é diferente ser cidadão na Alemanha, nos Estados Unidos

ou no Brasil, não apenas pelas regras que definam quem é ou não titular da cidadania, mas

16 Importante estudo sobre o pensamento de Marshall sobre os direitos sociais, ver obra de Barbalet (1989). 17 Quanto às críticas, ver obra de Vieira (2002).

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justamente pelos direitos e deveres que são distintos e que caracterizam o cidadão em cada um

dos Estados-nacionais contemporâneos.

Correto afirmar que mesmo dentro de cada Estado-nacional o conceito e a prática da

cidadania se modificaram ao longo dos últimos 200 ou 300 anos. Isso se verifica tanto com

relação à abertura maior ou menor do estatuto de cidadão para sua população e ao grau de

participação política dos diferentes grupos, quanto aos direitos sociais, à proteção que é

oferecida pelos Estados aos que dela necessitam (PINSKY; PINSKY, 2005, p. 9-10). Nesse

sentido, não é possível imaginar uma única seqüência determinista e necessária para se falar

na evolução da cidadania em todos os países.

No caso do Brasil, é verdade dizer que quanto à questão da construção da cidadania,

esta percorreu um trajeto com muitas dificuldades.18 Segundo destaca Gomes (2005, p. 462)

“a experiência de luta e organização dos trabalhadores no Brasil não está marcada tão-

somente pela formalização jurídica decretada pela abolição.” Verdade é que com o fim da

escravidão o processo de lutas e as desigualdades não desaparecem.

Ocorre, então, a reprodução das desigualdades, ganhando, assim, outras dimensões.

Neste cenário, a sociedade brasileira, mais do que se manter desigual em questões

econômicas, sociais e principalmente raciais, a partir de 1888, acaba por reproduzir e

aumentar tais desigualdades, marcando homens e mulheres etnicamente.19

Pode-se dizer que a cidadania é assunto que muito preocupa aqueles que a estudam.

Segundo alguns pesquisadores, ela ainda é aplicada em certos casos, baseada em direitos do

tempo da Idade Antiga. O que causa perplexidade é que isso ocorre hoje, sendo que se vive

num país democrático como o Brasil, onde a cidadania é considerada um direito fundamental

da pessoa, integrante do princípio da dignidade da pessoa humana.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 a cidadania juntamente com a

dignidade da pessoa humana, a soberania, os valores sociais do trabalho e também da livre

iniciativa e do pluralismo político foram alcançados e tidos como fundamentos do Estado

18 Faz-se um apanhado relembrando a definição de cidadania oferecida por alguns autores, em especial a obra de

Carvalho (2002), por ser rica em conteúdo sobre o tema em questão. Salienta-se ainda, a obra de Callage Neto (2002) para aprofundamento maior sobre o tema.

19 O escravo vira negro. Houve políticas públicas que no período republicano reforçaram a intolerância contra a população negra. Período de concentração fundiária nas áreas rurais, marginalização e repressão nas áreas urbanas. Na obra, o autor trabalha mais profundamente a historicidade dos quilombos no Brasil. Para maiores estudos ver obra de Pinsky e Pinsky (2005).

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Democrático de Direito brasileiro. Neste sentido, o Estado passou a ser o espaço público, o

meio de acesso à cidadania.

A Constituição de 1988 outorgou a todos os cidadãos uma espécie de soberania

juntamente ao Estado. Correto afirmar aqui que a declaração constitucional dos direitos do

cidadão equipara-se à declaração constitucional dos deveres do Estado. Na verdade, o que a

Constituição declara é que tanto os direitos fundamentais quanto os fundamentos do Estado

Democrático de Direito são deveres do Estado.

Os debates sobre cidadania surgiram no interior de Estados nacionais impactados pelas

transformações sociais produzidas pelo capitalismo.20 No Brasil, o surgimento e instauração

do mercado livre de trabalho datam no final do século 19. A nova ordem política, que teve sua

consagração na Constituição de 1891, concedeu o direito de votar e de ser votado a todos os

homens maiores de 21 anos de idade, excluindo-se, no entanto, os mendigos, os analfabetos,

praças de pré e religiosos sujeitos a voto de obediência que importasse na renúncia da

liberdade individual.21

Nesse período não havia nenhuma menção aos direitos sociais.22 Era uma época em

que a esmagadora maioria da população vivia nas áreas rurais e se submetia às vontades dos

grandes proprietários.23 Correto afirmar que nesse período, por não existir freio institucional,

acabava sendo favorecido o patronato, que fazia valer seus interesses e impunha suas

condições no momento de contratar a força de trabalho (LUCA, 2005, p. 469-471).

Cabe, portanto, lembrar alguns conceitos, primeiramente, de cidadania. Neste viés,

para Herkenhoff (2001, p. 18), “cidadania é uma palavra de curso corrente, isto é, está no

vocabulário cotidiano: nos jornais, no rádio, na televisão, na conversação.”24

Sabendo-se que cidadão é todo indivíduo que goza de seus direitos civis e políticos, é

verdadeiro afirmar que cidadania é, portanto, a qualidade ou o estado de ser cidadão.25 Sendo

20 Ver artigo interessante sobre “a era da globalização e a emergente cidadania mundial”, na obra de Dal Ri Jr. e

Oliveira (2003). Ainda sobre globalização, globalismo e globalidade, ver obra de Oliveira (2004). 21 Sobre a cidadania feminina, ver texto de Moraes, na obra de Pinsky e Pinsky (2005). 22 Sobre igualdade, justiça social, o direito constitucional como a cidadania dos outros, e o direito constitucional

como bem comum, ver a obra de Carducci (2003). 23 O autor faz um levantamento, no mesmo texto, sobre a porcentagem de brasileiros que residiam nas cidades e

sobre o analfabetismo. 24 O autor trabalha na obra toda a historicidade da cidadania no Brasil, desde a noção inicial de Constituição

passando pela análise das Constituições brasileiras. 25 Sobre o cidadão como ator principal da atuação política, ver obra de Agra (2005). Também sobre a cidadania

ativa, consultar Benevides (1991).

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assim, segundo o autor, ser cidadão implica ter e exercer a cidadania, em gozar, então, dos

direitos civis e políticos, além de cumprir com os deveres para com o Estado e para com a

comunidade.26 É verdade que o conceito de cidadania, nos dias atuais, não envolve apenas um

conteúdo civil e político, como originalmente.27 Modernamente falando, a cidadania abrange

igualmente outras dimensões.28

A cidadania implica, na verdade, a nacionalidade, na medida em que todo cidadão é

considerado também nacional.29 Como afirma Bastos (1999, p. 70), porém, “nem todo

nacional, todavia, é cidadão. Basta que não esteja em gozo dos direitos políticos [...]

substanciados na possibilidade de ser eleito.”

Importante alertar que a cidadania é a manifestação das prerrogativas políticas que

uma pessoa possui dentro de um Estado democrático. A cidadania é um estatuto jurídico no

qual se encontram os direitos e os deveres da pessoa com relação ao Estado. A palavra

cidadão está voltada ao desígnio do indivíduo na posse de seus direitos políticos. É a

cidadania a expressão da qualidade de cidadão, no direito de fazer valer as prerrogativas que

provêem de um Estado democrático.30

Importante lembrar que o exercício da cidadania é de extrema relevância, porque sem

ele não há que se falar em participação política do indivíduo, tanto nos negócios do Estado,

quanto em áreas de interesse público. Não se falando em exercício de cidadania, não há que se

falar também em democracia (BASTOS, 1999, p. 71-72).31

Cabe a afirmação de Herkenhoff (2002, p. 33) em que

a própria cidadania ampliou sua dimensão política, mas esta sempre constituiu uma das características da cidadania. Com essa ampliação cresceu também sua importância na vida do país. De modo que se pode afirmar: ser cidadão, no atual momento da vida brasileira, em síntese, é: ter direito de votar, ter direito de ser votado, ter direito de participar da vida política.

Neste sentido, sabe-se que a cidadania possui uma dimensão existencial, ou seja, o

exercício da cidadania é uma condição para que alguém possa realmente ser uma pessoa.32 Ser

26 Sobre cidadania indígena ver texto de Gomes, na obra de Pinsky e Pinsky (2005). 27 Sobre democracia, cidadania e globalização ver obra de Streck e Morais (2004). Ainda sobre direito, cidadania

e democracia ver obra de Vieira (2002). 28 Com relação às dimensões social, econômica, educacional e existencial, ver obra de Herkenhoff (2001). 29 Mais conceitos sobre cidadania em obra de Herkenhoff (2002). 30 Importante verificar a obra de Busatto e Feijó (2006), sobre o cidadão gestor e a felicidade. 31 Ainda sobre democracia, a democratização brasileira, consultar Santos (2002). 32 Ainda sobre a cidadania ver obra de Herkenhoff (2001).

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uma pessoa significa ter sua dignidade humana respeitada.33 É essa dimensão existencial da

cidadania que torna as pessoas conscientes de que ser um cidadão é ser respeitado como

pessoa humana.34

Com relação à cidadania no Brasil, cabe lembrar o que frisa Castro Jr. (2003, p. 247),

quando adverte:

A cidadania no Brasil, ainda encontra-se em fase incipiente de concretização, seja pela falta da percepção dos direitos fundamentais pela maioria da sociedade civil, comprovada através de pesquisas empíricas, seja pelo seu baixo grau de associativismo, o que possibilita a manutenção da desigualdade social e da omissão do Estado e das autoridades brasileiras, nesse âmbito, cujo sistema judicial atravessa grave crise de legitimidade.

Na percepção deste estudioso, há no Brasil uma cultura de certeza da existência de

impunidade. É essa incerteza de punição que, segundo ele, se constitui uma das causas do

subdesenvolvimento da nação, cujas raízes são históricas.

No Brasil, os direitos políticos foram concebidos antes que o povo tivesse adquirido os

direitos civis. Cabe lembrar que os brasileiros não tiveram uma participação na reivindicação

e conquista de seus direitos. Sendo assim, os direitos políticos nasceram sem que houvesse a

ativa vontade do povo, o que veio a prejudicar a consolidação da consciência da cidadania no

Brasil, agravado pela falta do sentimento constitucional.35

Segundo Carvalho (2002, p. 7), “o esforço de reconstrução, melhor dito, de construção

da democracia no Brasil ganhou ímpeto após o fim da ditadura militar, em 1985. Uma das

marcas desse esforço é a voga que assumiu a palavra cidadania.” Em outras palavras, todos

adotavam a expressão. A cidadania caiu na boca do povo, como menciona o autor,

substituindo o próprio povo na retórica política. Prova disso é que, estando-se no auge do

entusiasmo cívico, a Constituição de 1988 tornou-se conhecida como Constituição cidadã.

Faz-se necessário, no entanto, que se reflita sobre a questão da cidadania, sobre o seu

significado, suas perspectivas. É importante esclarecer que o exercício de determinados direi-

tos não gera aos cidadãos, automaticamente, o gozo de outros, porque a cidadania inclui vá-

rias dimensões, e algumas podem estar presentes sem as outras. Uma cidadania plena que in-

33 O autor aprofunda, na mesma obra, o estudo sobre a dignidade da pessoa humana. 34 A pessoa humana é portadora, segundo o autor, de espírito, de inteligência, de memória. É ela quem constrói a

história e assim, transmite às outras gerações o patrimônio moral e físico das gerações anteriores. 35 Importante salientar o que o autor escreve sobre o peso da herança colonial brasileira no campo dos direitos

civis, a herança da escravidão. Ver obra de Dal Ri Júnior e Oliveira (2003).

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tegre liberdade, participação e igualdade para todos os cidadãos é um ideal que tem servido de

parâmetro de qualidade da cidadania nos países nos vários momentos históricos de cada um.

A cidadania se desdobra em direitos civis, políticos e sociais. O cidadão que vive com

plenitude seria aquele que fosse detentor de todos eles. Os cidadãos incompletos, os

portadores apenas de alguns direitos, e os que não possuíssem nenhum deles seriam os

chamados não-cidadãos. Carvalho (2002, p. 9), a esse respeito, destaca:

[...] direitos civis são os direitos fundamentais à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei. Eles se desdobram na garantia de ir e vir, de escolher o trabalho, de manifestar o pensamento, de organizar-se, de ter respeitada a inviolabilidade do lar e da correspondência, de não ser preso a não ser pela autoridade competente e de acordo com as leis, de não ser condenado sem processo legal regular. São direitos cuja garantia se baseia na existência de uma justiça independente, eficiente, barata e acessível a todos. São eles que garantem as relações civilizadas entre as pessoas e a própria existência da sociedade civil surgida com o desenvolvimento do capitalismo. Sua pedra de toque é a liberdade individual.

O autor ainda menciona a possibilidade de haver direitos civis sem a presença dos

direitos políticos, mas não o contrário. Sem os direitos civis existe o vazio de conteúdo,

servindo apenas para a justificação de governos e não para a representação dos cidadãos.

Os direitos civis garantem a vida em sociedade, os direitos políticos garantem a

participação no governo e os direitos sociais têm o objetivo de garantir a participação na

riqueza da coletividade, incluindo o direito à educação, ao trabalho e um salário justo, à

saúde, à aposentadoria, etc. e o que afiança a vigência deste direito é a eficiência do poder

Executivo (CARVALHO, 2002, p. 10). Os direitos sociais garantem à população socialmente

organizada a redução das desigualdades que são produzidas pelo capitalismo, fornecendo o

mínimo de bem-estar para todos, pois sua idéia central é a justiça social.36

Reforça Carvalho (2002) que ao longo de toda a trajetória e do esforço da construção

do cidadão brasileiro chega-se ao final da jornada com um sentimento de insatisfação.

Menciona que houve progressos, mas lembra que também foram lentos, não ocultando o lon-

go caminho que ainda é preciso percorrer. É impossível ocultar os milhões de pobres, de de-

sempregados, de analfabetos e semi-analfabetos, das vítimas da violência particular e oficial.

O fato é que se reduziu a expectativa de que a democracia política pode resolver rapidamente

os problemas decorrentes da pobreza e da desigualdade social vivenciadas atualmente.

36 O autor, em sua obra, faz um retrospecto da cidadania, desde a independência, em 1822, até nossos dias. Para

esclarecimento, a pesquisa em questão trata dos aspectos da cidadania nos dias atuais.

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Importante trazer a contribuição do autor com relação à inversão dos direitos ocorridos

no Brasil. Para Carvalho (2002, p. 219):

A cronologia e a lógica da seqüência descrita por Marshall foram invertidas no Brasil. Aqui, primeiro vieram os direitos sociais, implantados em período de supressão dos direitos políticos e de redução dos direitos civis por um ditador que se tornou popular. Depois vieram os direitos políticos, de maneira também bizarra [...]. Finalmente, ainda hoje muitos direitos civis, a base da seqüência de Marshall, continuam inacessíveis à maioria da população. A pirâmide dos direitos foi colocada de cabeça para baixo.

O que o autor constata é que na seqüência inglesa existia uma lógica que reforçava a

convicção da democracia. As liberdades civis vieram em primeiro lugar, e eram garantidas

por um poder Judiciário independente, cada vez mais, do poder Executivo.

Assim sendo, pode-se concluir que foi com base no exercício das liberdades que se

expandiram os direitos políticos, que se consolidaram pelos partidos e também pelo poder

Legislativo. Por fim, pela ação dos partidos e do Congresso, foram votados os direitos sociais

e postos em prática pelo poder Executivo. A base de tudo, então, eram as liberdades civis.

Neste sentido, é importante relembrar a reflexão sobre a questão da cidadania sob as

dimensões jurídica e política. Segundo Corrêa (2003, p. 39), “a dimensão jurídica da

cidadania caracteriza-se pelo vínculo que o cidadão tem com a comunidade político-estatal, na

qual é reconhecido como sujeito de direitos e de deveres.” Este é o direito a ter direitos, o

pressuposto para que se possa falar a respeito de direitos humanos. Verdade é, afirma o autor,

que esse simples vínculo jurídico com uma comunidade política qualquer não assegura a

efetiva participação do indivíduo nos espaços públicos necessários para a concretização de

sua dignidade de ser cidadão.

Sendo assim, faz-se necessário referir a dimensão política. Nessa dimensão a

cidadania passa a ser entendida, conforme Corrêa (2003, p. 39-40), como “um processo de

construção do acesso aos espaços públicos, indispensáveis à realização plena de cada

cidadão.” Cabe ressaltar, como leciona o autor, que a cidadania, sendo um processo que

constrói espaços públicos compartilhados por todos em condições de sobrevivência digna,

aponta para a urgência de uma democracia concreta da sociedade.

Analisando a situação do Brasil, a participação política destinava-se em grande parte a

garantir as liberdades civis. Os direitos sociais eram considerados incompatíveis com os

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direitos civis e políticos, e a proteção do Estado a certos indivíduos originava a desigualdade

perante a lei, que interferia na liberdade de trabalho e na livre competição.

Como bem relata Carvalho (2002, p. 220), “o auxílio do Estado era visto como

restrição à liberdade individual do beneficiado [...]. Só mais tarde esses direitos passaram a

ser considerados compatíveis com os outros direitos [...].”

O autor salienta que não existe apenas um caminho que leve até a cidadania. Lembra,

entretanto, da eficácia da democracia. Vê como um ponto desfavorável à concretização da

democracia a excessiva valorização e centralidade do poder Executivo, o que leva a entender

o governo como o ramo mais importante do poder.

Sem dúvida, adverte Carvalho (2002), foi esse fascínio por um Executivo forte que

deu a vitória do presidencialismo sobre o parlamentarismo, em 1993, por ocasião do

plebiscito. É a visão do Estado como o detentor de todo o poder, um distribuidor paternalista.

Nesse sentido, a ação política passa a ser negociada diretamente com o governo, sem

necessitar passar pela mediação da representação. Ainda conforme Carvalho (2002, p. 221),

“essa cultura orientada mais para o Estado do que para a representação é o que chamamos de

‘estadania’, em contraste com a cidadania.”

Cabe salientar que como o governo democrático teve uma experiência de curto prazo,

os problemas sociais vêm aumentando e se agravando cada vez mais. Cresce a impaciência da

população com o funcionamento moroso do mecanismo de decisão democrático. Origina-se aí

a busca apressada de soluções, por intermédio de líderes carismáticos e messiânicos.37 Como

recorda o autor, pelo menos três dos cinco presidentes eleitos pelo voto popular depois de

1945, ou seja, Vargas, Jânio Quadros e Collor, possuíam traços considerados messiânicos.

Bem lembrado o fato de que nenhum deles concluiu seu mandato, muito por não concordarem

com as regras do governo representativo, principalmente com o papel do Congresso.38

Entende-se pertinente a afirmação de Carvalho (2002, p. 223) quando diz que “a

ausência de ampla organização autônoma da sociedade faz com que os interesses corporativos

consigam prevalecer.” Assim, a representação política não resolve os imensos problemas de

37 O autor se refere à expressão messiânico no sentido de que, juntamente com a preferência pelo Executivo, está

a busca por um messias político que venha a ser, literalmente, o salvador da pátria. 38 Carvalho (2002) analisa a valorização do Executivo e a desvalorização do Legislativo, e o desprestígio

generalizado que há dos políticos frente a população, em especial com relação aos vereadores, deputados e senadores.

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grande parte da população. Há, segundo este autor, uma redução do papel dos legisladores,

para a maioria dos votantes, ao de intermediários de favores de cunho pessoal perante o

Executivo. Seria uma “esquizofrenia política”.39

Este autor defende que é preciso que se dê ênfase à organização da sociedade. A

inversão ocorrida da seqüência dos direitos reforçou a supremacia do Estado entre nós. Para

Carvalho (2002, p. 227),

se há algo importante a fazer em termos de consolidação democrática, é reforçar a organização da sociedade para dar embasamento social ao político, isto é, para democratizar o poder. A organização da sociedade não precisa e não deve ser feita contra o Estado em si. Ela deve ser feita contra o Estado clientelista, corporativo, colonizado.

Afirma ainda, o autor, que experiências recentes sugerem certo otimismo ao

apontarem em direção à colaboração entre a sociedade e o Estado. Destaca as organizações

não-governamentais que, mesmo não fazendo parte do governo, desenvolvem atividades de

interesse público. São entidades que se multiplicaram nos anos finais da ditadura, passando a

substituir os movimentos sociais urbanos. É da colaboração entre essas organizações e os

governos municipais, estaduais e federal que resultam experiências novas e que caminham na

tentativa de solucionar os problemas sociais, principalmente os relacionados à educação e aos

direitos civis.40

Prega este autor que a desigualdade é a escravidão. Essa escravidão é uma doença que

corrói a vida cívica, impedindo a construção da nação e a constituição de uma sociedade

democrática. A democracia precária em que se vive atualmente não seria capaz de sobreviver

à espera de que se extirpe de vez a terrível doença da desigualdade social (CARVALHO,

2002, p. 227-229).

É com essa visão, de que é de vital importância o trabalho realizado pela sociedade

civil juntamente com o Estado, haja vista a incapacidade de este sozinho resolver as questões

sociais que abalam a população do país, que no próximo tópico analisa-se a relevante

participação da sociedade civil e também das organizações não-governamentais (objeto

principal desta pesquisa), na conquista da efetiva concretização da inclusão social. Recorda-se

39 É, por exemplo, a questão do eleitor que vota no deputado em troca de promessas de favores pessoais; o

deputado que apóia o governo em troca de verbas e de cargos para que possa distribuí-los a seus eleitores. Então, os eleitores desprezam os políticos, mas votam neles em troca de benefícios pessoais.

40 Sobre as organizações não-governamentais, tratar-se-á mais adiante em um tópico especifico, visto ser ponto central da pesquisa, dentro do capitulo onde será abordado sobre a importância da Sociedade Civil na efetivação da inclusão social.

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a referência, em especial da pesquisa em pauta, à questão dos menores infratores, crianças e

adolescentes que vivem à margem de uma sociedade cada vez mais excludente.

Certos de que essa situação merece preocupação, com base em estudos e na

constatação da realidade excludente, é que será analisada a seguir, a fundamental importância

do papel da sociedade civil e das organizações não-governamentais na tentativa de

proporcionar o exercício da cidadania a milhares de menores que vivem em abandono.

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3 A IMPORTÂNCIA DA SOCIEDADE CIVIL NA CONCRETIZAÇÃO DA

INCLUSÃO SOCIAL

Este capítulo tem como objetivo trabalhar a questão da relevante participação da

sociedade civil, juntamente com as organizações não-governamentais, na concretização da

conquista dos direitos de exercício da cidadania, para que de fato ocorra a inclusão social das

pessoas que vivem atualmente à margem da sociedade.

Importa lembrar que o Estado, por si só, não tem condições de proporcionar essa

igualdade a todos, cujos motivos já foram estudados anteriormente. Neste sentido, a

participação da sociedade civil, na tentativa de garantir uma vida mais digna aos cidadãos é de

suma importância para esta pesquisa, que tem como foco exclusivo a ressocialização de

menores infratores, que contam para tanto com a colaboração das organizações não-

governamentais.

Abordar-se-á, primeiramente, a questão da sociedade civil, seus conceitos gerais,

importância e historicidade. E, posteriormente, passar-se-á ao estudo das organizações não-

governamentais e a ressocialização de menores infratores.1

3.1 Sociedade civil: conceitos gerais, historicidade e importância

Convém lembrar, antes de introduzir o significado de sociedade civil, que a cidadania

nada mais é do que a relação que existe entre Estado e cidadão. E, assim como a cidadania e

seu conceito, a noção de sociedade civil constitui-se alvo de muitas discussões.

Importante ressaltar, primeiramente, que foi graças às construções teóricas de

Habermas, quanto ao espaço público, e de Cohen e Arato, com relação à reconstrução da

sociedade civil, que se pôde chegar às quatro conhecidas esferas da sociedade, que são: as

esferas privada, de mercado, pública e estatal, e que dessa forma vieram a permitir a ligação

entre os conceitos de cidadania e sociedade civil (VIEIRA, 2001, p. 36).

1 Serão tratados neste tópico alguns dos autores principais sobre o tema. Sendo assim, menciona-se Vieira

(2001); Santos (2003); Cremonese (2008); Bresser Pereira (1999); Borba e Silva (2006); Gohn (2005); Vieira (2002); Bedin (2001), entre outros.

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Menciona ainda este autor que, na teoria de Marx, sociedade civil é uma esfera não-

estatal de influência emergente do capitalismo e também da industrialização. Relata que numa

visão normativa, leva em consideração o desenvolvimento da efetiva proteção dos cidadãos

contra os abusos de que pode ser vítima. Salienta ainda, com relação à visão das Ciências

Sociais, a interação que ocorre entre grupos voluntários na esfera não-estatal. Conforme

Vieira (2001, p. 36), “sociedade civil representa uma esfera de discurso público dinâmico e

participativo entre o Estado, a esfera pública composta de organizações voluntárias, e a esfera

do mercado referente a empresas privadas e sindicatos.”

Cabe afirmar aqui a diferença estabelecida pelo autor com relação à cidadania e à

sociedade civil. Constata-se que a cidadania é reforçada pelo Estado, enquanto que a

sociedade civil abrange grupos em harmonia ou em conflito. A sociedade civil cria grupos e

faz pressão em direção a determinadas opções políticas que, em conseqüência, produzem

estruturas institucionais que acabam por favorecer a própria cidadania. Consiste a sociedade

civil, principalmente, na esfera pública, onde as associações e as organizações engajadas

lutam pela cidadania.2

Há que se abordar igualmente a questão do dualismo Estado/sociedade civil. Este é o

mais importante dualismo no moderno pensamento do mundo ocidental. Nesse sentido, o

Estado é uma realidade que foi construída, é uma criação artificial e moderna se comparada

com a sociedade civil. Observa-se que foi Hayek quem melhor expressou a idéia de que as

sociedades são formadas, enquanto que os Estados são feitos. Assim o Estado, enquanto uma

realidade construída, é a condição necessária da realidade da sociedade civil.

Santos (2003, p. 120) alerta que, “segundo o pensamento de Hegel, a sociedade civil é

uma fase de transição da evolução da ‘idéia’, sendo a fase final do Estado.” Prossegue

afirmando que a família é considerada a tese, a sociedade civil é a antítese e o Estado a

síntese. Assim, a sociedade civil é, na verdade, o domínio de interesses particulares e o

egoísmo. Será superado pelo Estado, que é o supremo unificador dos interesses e que

concretiza a conscientização moral.

Conforme menciona o autor, em Hegel existem duas linhas de pensamento sobre o

Estado e a sociedade civil, uma delas é subsidiária do pensamento liberal inglês e francês, e

trabalha a distinção que há entre o conceito de Estado e de sociedade civil, sendo elas 2 Relevante salientar que o autor trabalha tópico sobre a sociedade civil segundo a ONU, e sobre a ascensão da

sociedade civil global. Ver obra de Vieira (2001).

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consideradas entidades contraditórias. A outra, de feição hegeliana, traz a idéia de que o

conceito de sociedade civil não se encontra no mesmo nível de especulação que o conceito de

Estado.3 Pelo pensar dessas duas linhas de pensamento, pode-se afirmar que a separação entre

o Estado e a sociedade civil, tendo ambos conceitos opostos e abstratos, torna-se uma teoria

de difícil sustentação.4

Com relação à dicotomia Estado/sociedade civil, e a evidente natureza da noção do

econômico como sendo um domínio autônomo e separado e das noções de político e jurídico

como sendo atributos de exclusividade do Estado, Santos (2003, p. 122) argumenta que,

a separação entre o político e o econômico permitiu, por um lado, a naturalização da exploração econômica capitalista, e, por outro, a neutralização do potencial revolucionário da política liberal, dois processos que convergiram para a consolidação do modelo capitalista das relações sociais. Se, num exercício [...]. Pela primeira vez na história, o Estado tornou-se verdadeiramente público, isto é, deixou de constituir propriedade privada de qualquer grupo específico. A concessão de direitos cívicos e políticos e a conseqüente universalização da cidadania transformaram o Estado na consubstanciação teórica do ideal democrático de participação igualitária no domínio social.

Para este autor, a crítica à distinção Estado/sociedade civil enfrenta três objeções que

são fundamentais: a objeção de que não parece correto que se coloque em causa esta distinção

justo no momento em que a sociedade civil parece estar sob reemergência do jugo do Estado,

tornando-se autônoma com relação a ele, mostrando-se capaz de desempenhar as funções que

anteriormente eram confiadas ao Estado; a objeção de que mesmo admitindo que a distinção é

passível de críticas, é difícil de encontrar uma alternativa que conceitue, enquanto perdurar a

lógica da ordem do pensamento social burguês; e a objeção de que principalmente em

sociedades periféricas e semiperiféricas, como a que se vive, e que se caracterizam por uma

sociedade civil fraca, por ser pouco organizada e também pouco autônoma, torna-se perigoso

politicamente pôr-se em causa a distinção Estado/sociedade civil (SANTOS, 2003, p. 123). 5

3 Bresser Pereira (1999) lembra que Marx afirmou que o Estado era uma superestrutura da base econômica

existente na sociedade. Sugeriu, também, que o agente da mudança ou da reforma do Estado passasse a ser o proletariado e sua vanguarda intelectual e política.

4 Se houver interesse em aprofundar esse assunto, destaca-se que o autor trabalha, na mesma obra, a questão da separação feita por Marx entre economia e política, que reduziu a política e o direito à ação estatal. Para o autor, Marx não conseguiu perceber o sentido real das relações econômicas, que eram ao mesmo tempo relações de fortes traços políticos e jurídicos na sua constituição estrutural.

5 O autor esclarece que a questão da reemergência da sociedade civil é assunto complexo, que remete ao estudo das várias sociedades civis, ou seja, a concepção clássica de sociedade civil, e o discurso político conservador nas sociedades capitalistas centrais, periféricas ou semiperiféricas; os novos movimentos sociais e a idéia de uma sociedade civil pós-burguesa e antimaterialista; e a sociedade civil socialista, que dominou a reflexão teórica na fase final dos regimes socialistas. Interessante mencionar que com relação aos movimentos sociais, o autor discute na obra um tópico referente aos novos movimentos sociais e outro sobre a subjetividade e cidadania nos novos movimentos sociais.

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Para Bobbio (1983 apud CREMONESE, 2008, p. 152),

O conceito “sociedade civil” vem sendo muito aplicado por comentadores e teórico das Ciências Sociais e Ciências Humanas nos diais atuais, porém aparece hoje como sendo exatamente o oposto do que era no princípio. Primeiramente, a expressão “sociedade civil”, no sentido original, nos remete para o início da Modernidade (séculos 16-17), mais precisamente para os teóricos jusnaturalistas como Thomas Hobbes e John Locke. Para estes pensadores, a sociedade civil contrapõe-se à “sociedade natural”, sendo sinônimo de sociedade política, ou seja, o próprio Estado. A sociedade civil nasce com o jusnaturalismo de Hobbes, varia sensivelmente entre os pensadores posteriores, sem perder o seu sentido original, estendendo-se até a posição de Kant.

Na época, a sociedade civil era entendida como a própria constituição do Estado.

Então, há uma Constituição garantidora da propriedade, da segurança, da paz, da decência, da

participação, da ciência e da bondade. Em nossos dias, ao contrário, a sociedade civil é

entendida como a esfera das relações entre os indivíduos, entre os grupos e entre classes

sociais, que passam a se desenvolver à margem das relações de poder caracterizadas pelas

instituições estatais.

Bobbio cita Max Weber para explicar a sociedade civil na atualidade. Para Max

Weber, a sociedade civil é o espaço das relações do poder de fato e o Estado é o espaço das

relações do poder legítimo. Assim, sociedade civil e o Estado não são duas entidades sem

relação entre si, pois entre elas existe uma contínua interação. Cabe afirmar o que diz

Cremonese (2008, p. 155) quando menciona que “a sociedade civil organizada garante a

possibilidade do surgimento e organização de inúmeras instituições e movimentos sociais

capazes de atuar, em suas respectivas atividades, na transformação das realidades sociais em

que se encontram. De fato, a sociedade civil é, por definição, o espaço das lutas sociais.”

Desde o momento histórico do surgimento do Estado moderno, a problemática da

relação entre este e a sociedade é ponto central de estudos para a Sociologia e a Ciência

Política. Surge o problema da construção e consolidação do Estado nacional diante de uma

sociedade fragmentada e oligárquica, luta que durou séculos na Europa, e que nos países em

desenvolvimento só terminou há pouco tempo. Presenciou-se a luta da burguesia liberal

contra a aristocracia e da burocracia socialista contra a burguesia. Enquanto essas lutas se

travavam, uma sociedade civil se afirmava perante o Estado, com os regimes autoritários

sendo substituídos por regimes democráticos (BRESSER PEREIRA, 1999, p. 67).

Foi a partir dos anos 70 que o Estado, já consolidado em relação à sociedade, entra na

crise fiscal, ao mesmo tempo em que é posta em questão a sua estratégia de intervenção no

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econômico e no social. Diante dessa situação crítica, acentuada pela globalização, torna-se

prioritária uma reforma ou uma reconstrução do Estado. Ao mesmo tempo, ganha mais

amplitude a questão do papel do mercado na coordenação do sistema econômico. Ante a crise

do Estado e do desafio que a globalização representava, a sociedade civil de cada país

democrático mostrou o desejo de redefinição do papel do Estado, sem reduzi-lo ao mínimo,

mas no sentido de fortalecê-lo, na tentativa de assegurar que os respectivos governos

pudessem assim garantir, internamente, a ordem, a eficiência produtiva e a justiça social,

tornando o plano internacional viável e afirmando os interesses nacionais. Ante os desafios e

as transformações sociais que ocorriam, quando se tinha o avanço da tecnologia em um

quadro de maior democracia juntamente com desequilíbrios sociais crescentes, a sociedade

civil assumia um papel estratégico na reforma das instituições básicas, isto é, o Estado e o

mercado. Nesse sentido, para que ocorresse o aprofundamento da democracia, ela mesma teria

de mudar sua atuação.6

Menciona Bresser Pereira (1999, p. 70) que, “entre a sociedade de um lado, e o Estado

e o mercado, de outro, temos a sociedade civil”. A sociedade civil, enquanto entidade

intermediária, é vista como agente ou ator social concreto ou real. Estado e mercado são

instituições criadas pela sociedade para regular ou coordenar a vida social, ditando as normas

do mercado para que haja a coordenação da produção de bens e de serviços realizados pelos

indivíduos e pelas empresas. Sendo o Estado e o mercado criações da sociedade, constituem

as extensões da vida social, que necessitam atualmente ser revistas e reformadas. É claro que

a sociedade tem um caráter sociológico, enquanto o Estado e o mercado são considerados

instituições. O Estado é uma instituição política por excelência. O mercado, a instituição

econômica. A sociedade estruturada na forma de sociedade civil torna-se o ator principal, de

fundamental importância, operando reformas institucionais do Estado e do mercado.

Salienta ainda o autor que a sociedade civil é o agente que transforma as sociedades

democráticas. Afirma Bresser Pereira (1999, p. 72) sobre este tema:

a sociedade civil é, em relação ao Estado, um fenômeno histórico que resulta do processo de diferenciação social; e, ela própria, é o resultado de um processo interno de transformação no qual os agentes individuais que dela participam tendem a se tornar mais iguais, e, assim, a sociedade civil, mais democrática [...]. Assim como o Estado defende, com freqüência, os interesses privados, a sociedade civil pode lutar pelo interesse geral, mas a defesa de interesses particulares é inerente à própria idéia de sociedade civil.

6 O autor destaca que a sociedade civil é a parte da sociedade que se encontra fora do aparelho do Estado. Sob a

ótica da política, sociedade civil e Estado juntos constituem o Estado-Nação ou o país. Do ponto de vista sociológico, formam a sociedade ou o sistema social.

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Verdade é que a sociedade civil, estando situada entre a sociedade e o Estado,

abandona seu papel passivo, dominado pelo Estado ou pelo mercado, passando a buscar ativa

reforma do Estado e do mercado.

Convém lembrar que para Borba e Silva (2006, p. 105), “a expressão ‘sociedade civil’

possui uma longa e complexa trajetória na história do pensamento político. Ela perpassa

autores gregos (Aristóteles), modernos (Hobbes, Locke, Rousseau) e vários contemporâneos

(Keane, Cohen, Arato, Habermas).”7

Cohen e Arato (apud BORBA; SILVA, 2006, p. 106), definem sociedade civil como

“o conjunto de condições e atores situados nas três dimensões que compõem o mundo da

vida, que são a cultura, a sociedade e a personalidade.” Assim, a sociedade seria estruturada

em torno da noção de movimentos democratizantes e autolimitados, no sentido de expandir e

de proteger os espaços para as liberdades negativas e positivas, como também para a recriação

de formas igualitárias de solidariedade sem prejudicar a auto-regulação econômica.

No entendimento destes autores, entre os atores da sociedade civil encontram-se os

movimentos sociais, as organizações não-governamentais, as associações de moradores, os

grupos de base e de mútua ajuda, as associações filantrópicas, os sindicatos, as entidades

estudantis, assim como todas as formas existentes de associativismo, àqueles informais e

esporádicos, que se empenham na busca de soluções aos problemas sociais, ampliando os

direitos políticos e a conscientização da cidadania.8 São homens e mulheres engajados na

cidadania ativa, agindo e transformando a sociedade (BORBA; SILVA, 2006, p. 107).

Retomando o conceito de sociedade civil, segundo Gohn (2005, p. 61-62):

O leque de interpretações sobre o significado do termo sociedade civil é amplo. Mesmo dentre os liberais, eternos defensores do termo, também não é una a interpretação. Temos desde aqueles [...] até liberais da corrente humanista, que atribuem como espaço da sociedade civil [...]. Outros advogam como sinônimo de civilidade. Recentemente observa-se no Ocidente o crescimento da interpretação da sociedade civil como aperfeiçoamento dos processos deliberativos democráticos, para criar mais espaço público.

Explica a autora que foi a partir do pensamento de Aristóteles que emergiu o conceito

de sociedade civil. A expressão koinonia polítike, que em latim quer significa societas civilis,

7 Os autores se referem às duas tradições de conceito de sociedade civil, que são a dualista e a triádica. A de

abordagem triádica interpreta a sociedade civil como fazendo parte de uma terceira esfera da vida social, contrapondo-se ao Estado e ao mercado.

8 Ainda sobre movimentos sociais ver obras de Barbalet (1989) e de Touraine (1998).

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tem a ver com uma comunidade pública ético-política, que possui um ethos compartilhado

pelas pessoas que a constituem.

Nas palavras de Gohn (2005, p. 62), “a separação sociedade civil - Estado vem a

acontecer, na Idade Moderna, a partir dos escritos de Ferguson e Paine.” Ferguson ressalta o

fato de que o Estado não é uma extensão imediata da sociedade civil. Anos depois Paine

amplia o conceito de Ferguson, defendendo a limitação do poder do Estado em nome da

preservação da sociedade civil.

Para os jusnaturalistas, a exemplo de Hobbes, Locke e Kant, é entendida a sociedade

civil na situação de oposição à natureza. Para Hobbes e Locke a sociedade civil tem dupla

aparência, a de sociedade política e a de sociedade civilizada. Hobbes considerava a sociedade

civil e todos os que a seguiam como aquela que se opõe à etapa primitiva da humanidade, o

estado selvagem.

Não há a separação entre sociedade política e sociedade civilizada, na atualidade.

Rousseau, de pensamento diferente dos autores dos séculos 17 e 18, pensava ser a sociedade

civil a sociedade civilizada, no sentido da não-barbárie, mas necessariamente, uma sociedade

política. Esta, então, virá a surgir no contrato social, sendo uma recuperação do estado de

natureza e uma superação da sociedade civil. Cabe recordar que foi essa visão do

jusnaturalismo do Direito natural que alicerçou as bases da Declaração dos Direitos do

Homem da Revolução Francesa (GOHN, 2005, p. 62-63).

Hegel (século 19), todavia, foi o primeiro autor da modernidade a conferir centralidade

à idéia de sociedade civil, em que a teoria do conceito de sociedade civil tem efetividade. É

então que as regras de mercado assumem importância fundamental para que aconteça a

estrutura da sociedade civil. Hegel situa a sociedade civil entre as esferas da família e do

Estado.

Sendo assim, a sociedade civil passa a incorporar o sistema de necessidades, que seria

de questão econômica, e o aparato jurídico, a administração pública e a corporação. Para

Hegel, nem a família e nem o Estado têm a capacidade de preencher a vida dos indivíduos nas

sociedades modernas. Conforme Gohn (2005, p. 63), “sociedade civil, para Hegel, implica

simultaneamente determinações individualistas e a procura de um princípio ético que jamais

poderia vir do mercado, mas sim das corporações.”

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Segundo esta autora, Marx argumentava que a sociedade civil não significava

instituições postas entre família e Estado, como queria Hegel. Para Marx, a base da economia

material acaba por modelar a religião, a Filosofia, as formas de expressão cultural e as

instituições existentes.9

Gramsci, como lembra Gohn (2005, p. 64), “entra na história das idéias políticas como

sendo o primeiro autor a compreender o espaço da sociedade civil como o espaço de

organização da cultura.” A sociedade civil, segundo ele, se encontra na superestrutura social.

Conforme Gramsci, é preciso organizar a sociedade civil para que se democratize o Estado e

os seus aparelhos, a sociedade política. A sociedade civil, portanto, é uma esfera do ser social,

de luta pela hegemonia e pela conquista do poder político.

Gohn também traz a contribuição de Tocqueville e do seu fascínio pelas redes cívicas

americanas que nasceram de forma espontânea, surgidas da aspiração e do desejo de pessoas

livres. Para Tocqueville, como assevera Gohn (2005, p. 65), a sociedade civil “consiste numa

legião de entidades assistenciais, de caridade, fraternais, ligas cívicas (muito comuns no seu

tempo), associações religiosas, etc.” Sendo assim, observa-se que as discussões sobre

sociedade civil, segundo a teoria de Tocqueville, partem de análises do micro, do local, da

comunidade, e observa as relações entre os indivíduos, como se formam os grupos e como as

lideranças se portam. 10

Com relação ao significado de sociedade civil no Brasil e na América latina, a autora

relata que já foram muitas as concepções apresentadas. O conceito vem sofrendo

reformulações juntamente com os momentos da conjuntura política do país e da trajetória das

lutas sociais ocorridas. Surge no período chamado de transição da democracia. Tornou-se um

símbolo da participação e da organização da população civil no Brasil, na luta contra o regime

militar. Nesse sentido, surge uma nova visão da política nacional, acreditando-se que a

sociedade civil deveria possibilitar, por meio de sua organização, a alteração do status quo no

plano do Estado, então dominado pelos militares, em um regime não-democrático, visando às

políticas públicas que privilegiavam o grande capital, considerando somente as demandas de

parcelas daquelas camadas médias e altas da população que atuavam no processo de

9 A autora faz menção à questão da luta de classes. 10 Faz menção, a autora, às outras duas formas históricas do conceito de sociedade civil: uma de visão num

campo de interesses puramente privados, a outra voltada aos laços e relações informais. A sociedade civil passa a ser vista mais do que um grande guarda-chuva que abriga o que foge ao âmbito estatal. É a sociedade civil percebida como sendo uma comunidade civil.

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acumulação das emergentes indústrias filiais das empresas multinacionais. Isso estimulou o

surgimento de várias práticas coletivas internas na sociedade civil, na busca de reivindicar os

bens, os serviços e os direitos sociopolíticos que eram negados pelo regime político existente

na época (GOHN, 2005, p. 70-71).11

É esse o momento em que novos atores destacam-se, como os movimentos sociais

populares urbanos, que reivindicavam bens e serviços públicos, assim como terra e moradia.

Surgem múltiplos movimentos sociais que buscavam o reconhecimento dos direitos sociais e

culturais da modernidade, como a raça, o gênero, o sexo, a qualidade de vida, o meio

ambiente, a segurança, os direitos humanos, etc. Como afirma Gohn (2005, p. 72),

o pólo de identificação destes diferentes atores sociais era a reivindicação de mais liberdade e justiça social. O campo dos novos atores ampliou o leque dos sujeitos históricos em lutas concentradas nos sindicatos ou nos partidos políticos. Houve, portanto, uma ampliação e uma pluralização dos grupos organizados, que redundaram na criação de movimentos, associações, instituições e ONGs.

O paradigma, então, com os movimentos populares nos anos 70-80, era de

fundamentos que fossem semelhantes aos da educação popular. Esses fundamentos

centravam-se na valorização da cultura popular, no diálogo, na ética, na democracia, sempre

em busca da construção de relações sociais mais justas.12

Ao longo dos anos 90 a sociedade civil se ampliou. O descentramento do sujeito e a

emergência da pluralidade dos atores originaram um outro conceito, o de cidadania, que

permaneceu com a mesma ênfase na idéia que possuía na década de 80.13 É verdade que a

noção da cidadania já existia nos anos 80, mas foi na década de 90 que ela passou a incorporar

os discursos oficiais na busca de participação civil, de exercício da vida civil, da

responsabilidade social dos cidadãos, considerando os seus direitos e deveres por meio de

parcerias nas políticas sociais do governo.

Nesse novo cenário mais amplo da sociedade civil, há o entrelaçamento com a

sociedade política, o que vem a colaborar para o caráter contraditório e fragmentado que o

Estado adquire nos anos 90. Emerge, então, o denominado espaço público não-estatal, onde se

11 A autora discorre sobre o principal eixo de articulação da sociedade civil no período, o eixo de autonomia, ou

seja, a organização independente do Estado. Era a autonomia também considerada um discurso estratégico que evitava as alianças espúrias.

12 A autora trata no texto sobre outros campos de renovações, como a construção das identidades e da força social organizada, que deram novos significados para a política, no sentido do cotidiano da população. Eram os chamados novos movimentos sociais, os novos atores sociais.

13 Com relação à descentralização de políticas sociais e a necessidade de planejamento e coordenação, ver obra de Bercovici (2004).

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situam os conselhos, fóruns, redes e articulações entre a sociedade civil e os representantes do

poder público em atendimento às demandas sociais. Demandas estas que passam a ser

consideradas parte da questão social do país, tendo-se o problema do desemprego como o

ponto central da questão social.

Segundo Gohn (2005, p. 78),

a importância da participação da sociedade civil se faz nesse contexto não apenas para ocupar espaços antes dominados por representantes de interesses econômicos, encravados no Estado e seus aparelhos. A importância se faz para democratizar a gestão da coisa pública, para inverter as prioridades das administrações no sentido de políticas que atendam não apenas às questões emergenciais, a partir do espólio de recursos miseráveis destinados às áreas sociais.

Os novos atores que entram na cena política precisam de espaço na sociedade civil,

pois ela é detentora do poder, do papel central e o Estado é considerado, então, apenas um

instrumento de auxílio à sociedade civil.14

Faz-se importante abordar, também, a questão do ressurgimento contemporâneo do

conceito de sociedade civil. Segundo Vieira (2002, p. 44), “o conceito de sociedade civil tem

sido interpretado como a expressão teórica da luta dos movimentos sociais contra o

autoritarismo dos regimes comunistas e das ditaduras militares em várias partes do mundo,

especialmente no Leste Europeu e na América Latina.”

Verdade é que o conceito de sociedade civil vem sendo empregado cada dia mais para

indicar o território social, ameaçado pela idéia dos mecanismos político-administrativos e

também econômicos, assim como para apontar o lugar fundamental para que ocorra a

expansão da democracia.

Este estudioso define a reconstrução com base no modelo tripartite, no qual se

distingue sociedade civil do Estado e da economia. É a concepção da sociedade civil como

parte da esfera da interação social entre a economia e o Estado. A sociedade civil moderna

passa a se institucionalizar por intermédio de leis e de direitos subjetivos que causam a

estabilidade da diferença social.15

A função, ou seja, o papel político da sociedade civil, está ligado à geração de

influência na esfera pública cultural. Para Vieira (2002, p. 46),

14 Ainda sobre os movimentos sociais e seus novos atores, ver obra de Brum (1998). 15 Mais estudo sobre os movimentos sociais e justiça social, consultar Relatório Azul (SUDBRACK, 2006).

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a sociedade civil representa apenas uma dimensão do mundo sociológico de normas, práticas, papéis, relações, competências ou um ângulo particular de olhar este mundo do ponto de vista da construção de associações conscientes, vida associativa, auto-organização e comunicação organizada. A sociedade civil tem assim um âmbito limitado, é parte da categoria mais ampla do “social” ou do “mundo da vida”. Refere-se às estruturas de socialização, associação e formas organizadas de comunicação do mundo da vida, na medida em que estas estão sendo institucionalizadas.

Cabe afirmar aqui que as normas da sociedade civil, ou seja, os direitos individuais, a

privacidade, as associações voluntárias, a legalidade formal, a pluralidade, a publicidade, a

livre iniciativa, foram institucionalizadas de uma forma heterogênea e contraditória nas

sociedades do Ocidente, que acabaram por entrar em conflito com a lógica da economia do

lucro e a lógica da política do poder. Daí, conclui o autor, decorre a grande importância dos

movimentos sociais que aparecem justamente para defender os espaços de liberdade, então

ameaçados pela lógica do sistema.

Continua o autor esclarecendo que faz parte da política da sociedade civil, além da

contestação realizada, a questão das formas institucionais de participação.16 É correto afirmar

que a relação existente entre a sociedade civil e a ação coletiva é de suma importância para

que se constitua o assim chamado novo paradigma. Nesse sentido, a sociedade civil deixa de

ser apenas passiva, tornando-se ativa com seus atores coletivos que se auto-constituem

(VIEIRA, 2002, p. 47-48).17

Cabe mencionar a questão do protagonismo dos Movimentos Sociais no Brasil. Sabe-

se que ocorreram a partir dos anos 90, momento em que houve perda da visibilidade política

no urbano. Isso aconteceu em três momentos, ou seja, de 1990 a 1995; de 1995 a 2000; e do

início deste novo século até os dias atuais.

Sendo assim, no que se refere aos movimentos sociais, cabe salientar aqui suas crises e

seus novos rumos. Gohn (2005, p. 79) salienta que:

vários analistas diagnosticaram que houve crise nos movimentos sociais populares urbanos, nos primeiros cinco anos dos anos 90, no sentido de que eles tiveram reduzido, naqueles anos, parte do seu poder de pressão direta que haviam conquistado nos anos 80. Isso se deu em função de vários fatos novos, que explicam as alterações que ocorreram em suas dinâmicas cotidianas. É bom lembrar que o país saia de uma etapa de conquistas de novos direitos constitucionais, a maioria dos quais precisava ser regulamentada. A volta das eleições diretas em todos os níveis governamentais também alterou a dinâmica das lutas sociais porque se tratava agora de democratizar os espaços públicos estatais.

16 Questões a ver com votar, militar em partidos políticos, formar grupos de interesses ou lobbies. 17 Para maior aprofundamento, o autor traz, na mesma obra, a questão das raízes teórico-históricas da sociedade

civil, assim como sobre os movimentos sociais e os grupos de interesse.

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Foi nesse mesmo período que o governo federal passou a pôr em prática as políticas

neoliberais em todos os níveis. Essas políticas, por sua vez, geraram desemprego, aumentando

assim a pobreza e a violência, rural e urbana.18 Foi nessa fase que sofreram críticas as

mobilizações nas ruas e os movimentos de protesto. Até a educação popular e o trabalho de

base junto aos grupos populares sofreram críticas. Falava-se, na verdade, numa reformulação

interna e externa do papel dos movimentos sociais na sociedade. Cabe lembrar, nesse

contexto, o surgimento de um novo sujeito sociopolítico, oriundo de movimentos sociais

populares do campo, e que passou a ganhar força. Eram os chamados sem-terra, que

integravam um movimento denominado de MST.

Para Gohn (2005, p. 80),

as mudanças na conjuntura política levaram também à emergência, ou ao fortalecimento, de outros atores sociais relevantes na sociedade civil, tais como as ONGs e outras entidades do Terceiro Setor. Os movimentos populares passaram a ter outros aliados, e/ou competidores, na disputa entre os grupos organizados para demandar as necessidades sociais ao poder público, ou organizar trabalhos coletivos para resolver estas demandas entre os próprios necessitados.

Relembra-se que as políticas neoliberais emergem no final dos anos 90, período em

que o moderno passou a ser visto como responsável pelo atraso, momento em que o

crescimento da pobreza, do desemprego e da violência urbana acabaram transferindo a

questão social para as grandes cidades.

Dessa forma, ressalta a autora, se torna ainda mais importante o papel da sociedade

civil, que ainda se encontra em fase de construção histórica. A cada ano que passa o seu

significado sofre transformações. Lembra ainda, que os principais atores protagonistas da

sociedade civil na atualidade são os movimentos sociais, as comissões, os grupos e as

entidades de direitos humanos e de defesa das pessoas excluídas por causas econômicas, de

gênero, raça, credo, etnia, portadores de necessidades especiais, as associações e cooperativas

autogestionárias das redes de economia popular solidária, várias associações e entidades de

perfis diversos do Terceiro Setor, etc, além das Organizações Não-Governamentais, mais

conhecidas por ONGs. As ONGs são consideradas o principal canal para que os excluídos

levem ao mundo suas vozes de protestos pela injustiça social.

18 Sobre pobreza, exclusão social, justiça social, igualdade, violência, ver obras de Delmas-Marty (2003),

Bauman (2007), Castel (2006), Corrêa (2003), Agra (2005), Nascimento (1997), Bobbio (2002), Sen (2000).

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Sendo assim, e por este motivo, será tratado no tópico seguinte, com exclusividade, o

surgimento e a relevante importância das Organizações Não-Governamentais, as ONGs,

associações voluntárias de pessoas/cidadãos, uma criação da sociedade civil na busca pela

ressocialização e inclusão social.

3.2 O surgimento e a função das Organizações Não-Governamentais

Este item analisa a questão da importância das Organizações Não-Governamentais.

Faz-se um apanhado sobre a historicidade, trazendo-se suas definições e sua importância no

contexto de sua trajetória.19

As Organizações Não-Governamentais (ONGs), bem como as organizações

internacionais, se constituíram em novos e dinâmicos atores das relações internacionais. As

ONGs são organismos criados pela sociedade civil, por intermédio da associação voluntária

de cidadãos. Elas não se caracterizam como estruturas intergovernamentais, ou como

organismos criados e sustentados pelos Estados modernos. São consideradas, sim, estruturas

voluntárias da cidadania (BEDIN, 2001, p. 296).

As ONGs aparecem para ocupar os espaços vazios deixados pelo Estado e pelas

organizações internacionais, que foram incapazes de, em muitas situações, dar soluções aos

graves problemas vividos pelos mais variados segmentos da sociedade mundial. Assim, e

cada vez mais, o Estado perde sua credibilidade, no sentido de ter capacidade para atender às

demandas de problemas sociais, bem como de propiciar o bem-estar social, melhorando a

qualidade de vida da população.

As ONGs apareceram por volta dos anos 70 do século 20. Surgiram nos países

desenvolvidos e se espalharam pelo mundo todo, como uma forma alternativa de gestão da

sociedade, diferentes das adotadas pelo Estado moderno e pelas organizações internacionais.20

Então, como bem define Bedin (2001, p. 297), “as organizações não-governamentais

nasceram, portanto, das necessidades da própria sociedade, que busca, através delas, suprir

suas demandas e delinear formas alternativas de solucionar os seus problemas.”

19 Para aprofundar este assunto, recorrer às obras de Bedin (2001), Vieira (2002), Gohn (2005), Cesar (2002),

entre outros. 20 Ainda sobre essa questão histórica, ver obra de Gohn (2005) e Danziato (1998).

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Defini-se o vínculo importante que há entre as ONGs e a noção de autogestão como

sendo formas alternativas desburocratizadas de organização da sociedade. São as ONGs

consideradas estruturas com maior flexibilidade e de maior agilidade, pois possuem políticas

diferentes daquelas instituída pelas burocracias estatais. É a busca de identidade mais livre,

espontânea e voluntária, aproveitando as oportunidades e as circunstâncias de intercâmbio

entre as entidades participantes.

Lembra Bedin (2001, p. 298) que o aparecimento das ONGs vincula-se ao que ele

chama de “grau de maturidade e de participação dos cidadãos na sociedade”. Isso aponta para

novas formas de representação política e a decadência da tradicional forma de participação da

população. As ONGs são criação da iniciativa privada, que atuam sem fins lucrativos,

atividade de interesse geral, desvinculada da ordem nacional. Pode-se dizer também que é

todo agrupamento, associação ou movimento que se constitui por particulares que pertencem

a diferentes países, que possuem a visão do alcance de objetivos sem fim lucrativo. As ONGs

defendem valores e interesses morais, religiosos, ideológicos, culturais e que de início se

organizam em âmbito nacional.

Segundo Vieira (2002, p. 67), as ONGs são “movimentos centrados nos temas de

democratização, cidadania, liberdades, identidade cultural, além daqueles que constituem a

“herança comum da humanidade” (sustentabilidade da vida humana na Terra, meio ambiente

global, desarmamento nuclear).” Existem igualmente as ONGs transnacionais, por exemplo,

os Tratados Alternativos das ONGs aprovados no Fórum Global na Conferência das Nações

Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, que ocorreu na Rio/92. Este é um

verdadeiro exemplo de uma ONG transnacional.21

Informa este autor que segundo dados do Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento (PNUD), a atuação das ONGs acaba beneficiando cerca de 250 milhões de

pessoas nos países em fase de desenvolvimento.

Sabe-se que existem ONGs que trabalham nos planos nacionais, locais, regionais e em

âmbito internacional. Comum é a associação de ONGs em redes, que aumentam sua eficácia e

seu campo de atuação. As ONGs, em alguns países, podem ajudar a formular as políticas

públicas, fiscalizar projetos, denunciar arbitrariedades do governo. Podem ser, também,

associações civis de base, ter políticas de alianças de caráter duplo.

21 O autor trata da questão das ONGs em âmbito mundial. Ver Vieira (2001).

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A verdade, porém, é que as ONGs possuem responsabilidade na sociedade civil, muito

além do que já foi citado. Têm um papel de vital importância, buscando alternativas para a

crise ecológica e a crise social que ameaçam o mundo mediante a globalização da pobreza,

que abate cada vez mais a humanidade (VIEIRA, 2002, p. 68).

Para Danziato (1998, p.194), as ONGs são

organizações que se constituíram em torno de um ideal de democracia, de exercício de cidadania, cujo eixo central refere-se ao poder, notadamente o poder exercido pelo Estado, cuja lógica política, econômica, social e cultural é excludente, uma vez que não privilegia a população como um todo. Assim, desde que se inseriram socialmente, não concebem uma prática desvencilhada das questões políticas, econômicas, sociais e culturais, uma vez que se entende que é neste âmbito que se dá a exclusão dos indivíduos e, portanto, o impedimento do exercício da cidadania e realização de uma democracia plena.

As ONGs, na verdade, pautam-se no compromisso de uma ética que objetiva à

emancipação do sujeito, encaminhando-o para a efetivação de sua cidadania.

Cabe ressaltar que as ONGs tornam-se a cada dia que passa mais e mais importantes.

Construíram uma verdadeira rede, teia, trama, na sociedade globalizada em que se vive, assim

como o fazem os grupos privados em uma sociedade nacional. Neste sentido, traz-se a

observação de Gohn (2005, p. 95), que diz que ONG “é um grupo de pessoas que produz um

certo tipo de conhecimento e ajuda a sociedade civil a produzir novos direitos.”

Com relação à história das ONGs, foi apenas no mundo moderno que surgiram os

organismos internacionais semelhantes às ONGs.22 É possível concluir que um dos

antecedentes considerados mais importantes das ONGs foi a criação do Comitê Internacional

da Cruz Vermelha (CICV) no ano de 1863.23

Como recorda Bedin (2001, p. 300-301),

além dessa marca, de serem organismos que surgiram mais propriamente no mundo moderno, as organizações não-governamentais possuem, ainda, como marca fundamental, a sua relação, inicial, com as ordens religiosas. Daí, portanto, a afirmação de SEITENFUS de que “as primeiras manifestações de solidariedade internacional nascem com a religião. Ao desconhecer as fronteiras nacionais, as ordens religiosas criaram atividades que escapavam ao controle do Estado”, criando espaços para a atuação futura das organizações não-governamentais.

22 Menciona o autor o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (1863). Este movimento laico e pioneiro assumiu

papel importantíssimo em prol da marcha do direito humanitário. 23 Comitê que mesmo tendo vínculo com o Direito interno da Suíça, possui estatuto internacional de

reconhecimento pelos Estados signatários das Convenções de Genebra. O CICV é, então, um órgão híbrido, tratando-se de uma organização especializada suíça de vocação a nível internacional. Esse comitê tem sido, ao longo de sua história, uma organização que se destaca pelo trabalho de cunho humanitário que desenvolve, em relação às pessoas atingidas pela guerra, os feridos, os desaparecidos, os detidos e os prisioneiros, concedendo proteção a essas pessoas, sejam elas civis ou militares.

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É importante relembrar que o processo de evolução das ONGs, até a aproximação com

o século 20, dividiu-se em períodos. Em primeiro lugar, partindo dos antecedentes históricos e

se estendendo até o século 19, com vínculo com a vida religiosa, com a criação de mosteiros,

as ordens hospitalares e as peregrinações; em segundo plano, parte da metade do século 19

chegando até quase o final deste, caracterizado pela criação dos chamados movimentos de

Cáritas (Alemanha - 1897) e do Exército da Salvação (Londres – 1865); o terceiro período,

que se inicia no final do século 19 e prossegue até os dias atuais, é marcado pela criação dos

organismos de alcance nacional e internacional. Possui agenda de trabalhos diversificados, de

conflitos ao redor do mundo, problemas no Terceiro Mundo, a defesa dos direitos humanos e

também ecológicos, entre outros (BEDIN, 2001).24

A expressão organizações não-governamentais (ONGs) vem de longa data. Ainda nos

primórdios da Organização das Nações Unidas (ONU), no ano de 1945, grupos e entidades

diversos auxiliavam a delegação americana na Conferência Internacional de São Francisco.

Tais grupos foram denominados de Non-Governmental Organizations, opondo-se à expressão

Intergovenmental Organizations (CESAR, 2002, p. 31).

Organização não-governamental foi a expressão escolhida pelas agências

internacionais de financiamento para denominar as entidades que faziam a intermediação

entre as organizações de base, na instituição de projetos de financiamento. Várias foram as

denominações atribuídas a essas entidades. O fato é que as ONGs buscaram institucionalizar-

se, adquirindo personalidade jurídica própria, executando suas ações por intermédio do

financiamento de seus projetos por outras organizações que se destinam ao mesmo fim ou

mesmo por Estados, principalmente estrangeiros. Situam-se no conhecido Terceiro Setor das

sociedades modernas (a sociedade civil organizada), contrapondo-se ao Estado e ao mercado,

outros setores de considerável relevância tradicional.

Quanto às formas de atuação das ONGs, três são as consideradas básicas: a) da

organização, que possui três modelos em si: 1) organização formada e controlada por um

grupo de pessoas, com estatuto de auto-renovação; 2) confederação de organizações

independentes na busca de combinar as suas atividades, servindo de modelo para a Federação

Internacional de Direitos Humanos; e 3) entidade de estrutura central e democrática, tendo

unidades constituintes no controle da organização e realizando as suas atividades nas mais

variadas áreas de especialização; b) com referência à informação, diga-se, a atividade de

24 O autor trabalha, ainda, a questão das características principais e as formas de classificação das ONGs.

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maior importância realizada pelas ONGs em nossos dias. Esta forma tem por objetivo

informar, provocando os órgãos governamentais no que diz respeito à proteção dos bens e dos

direitos dos cidadãos. Também levam ao povo as informações quanto às ações e as omissões

estatais, disseminando os mecanismos protetivos; c) no que diz respeito à esfera da ação,

buscam as ONGs a intervenção direta nos fenômenos que são objeto de seu interesse,

mediante instrumentos legais, como ações judiciais, protestos públicos, entre outros (CESAR,

2002, p. 33).

Lembra o autor que há uma discussão com relação à legitimidade das ONGs. Nesse

sentido, afirma Cesar (2002, p. 35) que, “já que, sendo instituições privadas (associações,

institutos, fundações, etc.), não devem satisfação a ninguém, a não ser a si próprias.” Há

denúncias da atuação de oligopólios que se disfarçam de ONGs. Além disso, menciona-se a

questão da discussão sobre o destino dos recursos arrecadados por elas, uma vez que não se

vinculam à prestação pública de contas. Neste caso, a má gestão é alvo de críticas também.

Para além destas críticas soma-se a dos que atacam a postura de muitas ONGs, que

passam a se alimentar do fracasso do Estado e de suas políticas, sem as quais as mesmas

deixariam de existir, visto que configuram atualmente uma atividade de prestação de serviço

bem rentável, mesmo que possuam cláusulas em seus estatutos de não terem fim lucrativo.

Cabe observar, porém, que mesmo havendo desvios e desconfianças, deve-se destacar

a grande importância das ONGs no que diz respeito à integração da sociedade civil, mediante

os projetos que defendem e que valorizam os interesses da coletividade e dos excluídos,

criando, em muitos casos, políticas públicas que concretizam e efetivam, com certeza, a

cidadania dos indivíduos.

Sugere Gohn (2005, p. 100), que “existe a necessidade de aumentar o número de

estudos sobre as ONGs para se ter conhecimento de sua realidade, sobre sua natureza,

comportamento e papel na sociedade.” Fala-se num controle social qualificado.

São necessárias estatísticas, diz a autora, que forneçam o número de ONGs que se

criam e que se mantêm por esses intelectuais, especialmente do mundo acadêmico. Salienta

que a universidade não tem dado relevância devida a essas questões, visto que as pessoas que

realmente estudam as ONGs são assessores, dirigentes ou membros de equipes das próprias

ONGs. Até mesmo os autores de estudos relacionados às ONGs, como dissertações e teses,

acabam por ser professores ou pesquisadores das universidades e também são membros das

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ONGs. É preciso que se tenha pesquisadores de fora das ONGs, que se preocupem com a

democracia, que realmente busquem a ética e a justiça social.

O próximo tópico trata da importante questão da ressocialização, ou do

empoderamento, por meio dos trabalhos desenvolvidos pelas ONGs, que cada vez mais

acentuam a tendência de fortalecimento de suas alianças com a sociedade civil, na busca

insistente de incluir ou reincluir pessoas jogadas à margem de uma sociedade que sofre, a

cada dia que passa, com os novos e crescentes desafios desse mundo globalizado.

3.3 A ressocialização por meio das Organizações Não-Governamentais: uma visão

voltada à inclusão social de menores infratores

Neste item aborda-se as ONGs, definidas como mecanismos de suma importância para

a reintegração do menor que se encontra à margem da sociedade, dando-se especial ênfase no

caso do menor infrator. As ONGs objetivam propiciar a efetivação da cidadania, direito

fundamental de todo indivíduo, de todo cidadão, da criança e do adolescente, cidadãos por

excelência. Neste sentido, tratar-se-á, primeiramente, o conceito de menor infrator, passando-

se para um breve estudo sobre a questão da violência juvenil, dando-se prosseguimento ao

assunto das ONGs e da questão da ressocialização desses menores.

3.3.1 Criança, adolescente e menor infrator: conceitos básicos

Para definir menor infrator, cabe em primeiro lugar conceituar o que é criança e

adolescente. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei n. 8.069/90, em seu artigo

2º, estabelece: “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de

idade incompletos e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.”25

Diversos são os autores que apresentam algumas restrições quanto ao limite de 12

anos para o início da adolescência. Isto se justifica porque essa afirmação, em muitos casos,

não condiz com a realidade da evolução biológica nos dias atuais. É fato que se vive em uma

sociedade de constantes evoluções, portanto, o pensamento das crianças e adolescentes,

conseqüentemente, acompanha essa evolução no pensar (LIBERATI, 2003, p. 16).

25 Sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069/90 se fará, posteriormente, um breve estudo

no tópico 4.2.

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Conforme este autor, essa distinção é importante pela razão de ser a infância um

período de decisões, no qual ocorre o desenvolvimento da pessoa humana. São ao valores que

a criança adquire quando pequena que ela leva para a sua adolescência e que formam o caráter

que esta passará a ter no que diz respeito ao campo da moral.26

Para Liberati (2003, p. 17), “na realidade, os conceitos de crianças e adolescentes e

seus limites etários são variáveis.” Conforme dados estatísticos da ONU, em 74 países o

critério cronológico se fixa em 15 anos; em 10 países, em 16 anos; em 31 países, em 18 anos

e em 6 países, mais de 18 anos.”27 Por este motivo o ECA se referiu às crianças e adolescentes

como seres humanos em condições peculiares de desenvolvimento, visto cada um ser

diferente do outro, mas que devem ser sempre, em todas as situações, respeitados

ontologicamente falando.

Quando de trata da definição de menor, na linguagem técnico-jurídica, menciona

Liberati (2003, p. 17) que menor “designa aquela pessoa que não atingiu ainda a maioridade,

ou seja, 18 anos. A ele não se atribui a imputabilidade penal, nos termos do artigo 104 do

ECA c/c art. 27, CP.”28

Destaca-se que a palavra menor, segundo o antigo Código de Menores, fazia menção

àquele ser humano carente, abandonado, delinqüente, infrator, egresso da Fundação Estadual

do Bem-Estar do Menor (FEBEM), o chamado trombadinha, pivete, etc. A expressão menor,

assim, trazia consigo os rótulos que colocava esses sujeitos sob o estigma de uma situação de

irregularidades.

Lembra o autor que essa terminologia causava muitos traumas e a marginalização nas

crianças assim denominadas como tal. Acrescenta-se que o legislador, justamente, teve em

mente, com as expressões genéricas de criança e de adolescente, não tornar particular, não

generalizar os termos de marginalização que marcam, agridem e que deixam traumas para a

vida toda do menor assim denominado (LIBERATI, 2003, p. 17).

26 Sobre a questão do convívio social da criança e também da importância do papel da família na vida e formação

do ser em construção, ver importante obra de Ariès (1981). 27 O autor menciona o médico psiquiatra, psicólogo e também bacharel em Direito Haim Grünspun, que entende

a puberdade como sendo caracterizada pelo momento em que aparecem os primeiros sinais exteriores da maturação sexual. A adolescência vai do fim da puberdade até próximo aos 18 anos, ou de forma antecipada aos 16 anos, nos dias atuais.

28 Imputabilidade é um termo utilizado pelo Direito Penal para atribuir a alguém a responsabilidade por seus atos.

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É necessário, porém, abordar a problemática do menor. Importante se faz lembrar que

todos de maneira geral estão envolvidos com a real situação em que se encontram as crianças

e os adolescentes de rua. Sabe-se que estes vivem à margem dessa atual sociedade cada vez

mais excludente e que a conseqüência desta exclusão, muitas vezes, leva a quadros de

violência juvenil, gerada em grande parte por crianças e adolescentes que vivem, perambulam

pelas ruas em busca de respostas a seus anseios e angústias diárias, carentes que são de uma

boa estrutura familiar. Esses assuntos serão abordados no tópico seguinte.

3.3.2 A violência juvenil. Menores infratores

Com relação à problemática do menor, cabe salientar novamente que todos são

levados a pensar na situação real em que se encontram aquelas crianças e adolescentes que

não possuem o aparato familiar para seu desenvolvimento pleno e saudável.

É verdade que mesmo que se tenha conhecimento da questão do menor, é preciso ter

presente os mínimos padrões de dignidade humana que muitas dessas crianças e adolescentes

desfrutam atualmente.

Dessa forma, para Paula (1989, p. 49),

somente através da transformação das políticas de assistência social, nas quais incluo a Política Nacional do Bem-Estar do Menor; somente através da transformação das políticas sociais tidas como fundamentais, como trabalho, educação, saúde, habitação, etc., em instrumentos efetivos para a concretização dos direitos sociais, políticos, econômicos e aqueles concernentes à pessoa humana, conjunto este convencionalmente chamado de “cidadania”, poderemos, de fato, construir uma sociedade justa.

É perceptível, então, a grande relevância das políticas públicas, mas em forma de

ações que realmente proporcionem o bem-estar social.29 Que haja, de fato, uma preocupação

com as crianças e os adolescentes no sentido de atendimento as suas necessidades básicas,

primordiais, mormente quando se sabe estarem estes à margem da sociedade, pelo fato de,

principalmente, não terem uma estrutura familiar que os apóie, que os eduque, que os

proteja.30

29 Importante referência de Leite (2001), que trabalha em sua obra sobre políticas públicas a partir do governo de

Getúlio Vargas. 30 Sobre as políticas de atendimento a menores infratores, ou seja, medidas socioeducativas, tratar-se-á em tópico

específico mais adiante no trabalho.

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Cabe salientar que o autor se refere às políticas voltadas para questões como as da

baixa renda das famílias dos menores, que vivem em situação de pobreza absoluta e relativa;

mortalidade infantil, pelas condições nutricionais muito precárias; saneamento básico não

acessível; trabalho infantil; abandono da escola; menores abandonados que fazem da rua sua

própria casa, etc (PAULA, 1989, p. 49-51).31

Sobre a violência juvenil, como resposta ao acentuado grau de violência urbana, cabe

citar a importante observação de Oliveira (2005a, p. 14), quando menciona que

a violência juvenil desperta sobressaltos na população, uma vez que o comportamento violento dos adolescentes aparece associado ao aumento da violência urbana, ao mesmo tempo em que a mídia apresenta, com um certo destaque, indicativos sobre uma suposta periculosidade juvenil. No caso brasileiro, ao lado de jovens infratores transformados em manchetes da cobertura da imprensa, milhares de outros são vitimados em homicídios que sedimentam as estatísticas, mas praticamente permanecem quase invisíveis nas notas sumárias das páginas policiais. Em comum, tais situações implicam em um certo anonimato, pois desses jovens pouco sabemos, seja quando eles matam, seja quando eles morrem.

Sobre a violência juvenil a autora ainda reforça a questão do que ela chama de a

“masculinização da violência juvenil” que caracteriza o gênero masculino como a máquina

mortífera.32 Segundo a autora, e com base no Mapa da Violência, é possível constatar que as

mortes ocorridas por homicídios no Brasil são notoriamente masculinas.33 Isso acontece tanto

na população total, da qual somente 8,3% são mulheres, ou na população juvenil, em que

apenas 6,7% são do sexo feminino. Aduz ainda a autora que esses dados acompanham uma

tendência, no plano mundial, em que meninos acabam por apresentar taxas de mortalidade

mais altas do que as meninas. Estas taxas relacionam-se a homicídios, à violência no trânsito,

a suicídios, etc. (OLIVEIRA, 2005a, p 14-15).34

No que respeita à violência em si, destaca-se o conceito de Hartmann (2005, p. 45),

segundo o qual

a violência é o que as sociedades carregam de pior. Nada é mais uniformemente detestável pela modernidade e pós-modernidade do que a prática da violência. Paradoxalmente, a violência é praticada, de formas variadas, em qualquer sociedade. A história da humanidade é escrita em nossos livros com uma ênfase nos grandes

31 Com relação ao abandono infantil, a autora trabalha a questão da infância abandonada no Brasil Colônia e no

Brasil Império. Ver obra de Leite (2001). 32 Sobre a criança e a mídia, consultar a obra de Carlsson e Feilitzen (2002). 33 Mapa da violência, em Waiselfisz, 2002. 34 A autora ainda menciona em sua obra a questão dos delitos que são cometidos em grande parte pelos homens.

Afirma que no sistema socioeducativo, para cada 100 adolescentes encontra-se o equivalente a seis meninas nas unidades de internação. Assim como no sistema penal, dos 100 mil presos, apenas 4% são do sexo feminino e entre elas se encontra menos casos de homicídios.

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atos violentos praticados através dos tempos. A história particular de cada um também pode ser marcada pelos atos violentos sofridos. A violência, muitas vezes, parece estar situada no limite do suportável. [...]. Uma prática violenta necessariamente manifesta uma diferença. Nesta manifestação da diferença de posições podemos fazer a hipótese de que se trata de um jogo de reconhecimento [...].

Pelo exposto, pode-se concluir que o ato de violência, muitas vezes, nada mais é do

que a busca de um reconhecimento, uma forma de chamar a atenção para o sofrimento que

está sendo vivido pelo agente do ato de violência ou do ato infracional.35 O que não justifica a

prática destes atos, contrários à norma jurídica, ou às normas de convívio em sociedade.

Colocam-se, porém, como ponderações que tentam explicar algumas manifestações do

complexo comportamento humano.36

Importante a afirmação de Prates (2006, p. 27), que define violência como sendo

um fenômeno que acompanha o homem desde seus primórdios e se manifesta de diversificadas formas, como por exemplo: quando se faz presente em instituições valiosas ao homem como na família e na escola, por meio da criminalidade crescente; e na forma de expectativa de violência, quando serve a interesses de manipulação por meio da veiculação do pânico.

Na concepção deste autor, a violência contra a criança e o adolescente é cada vez mais

freqüente e notória. Essa situação atinge índices bastante altos, o que a torna uma questão

alarmante. Grande parcela de crianças e de jovens são vítimas de abandono material e

emocional, além de sofrerem também a exploração no trabalho infantil, violência física, abuso

sexual, e ainda são vítimas da discriminação e do desamparo por parte do governo.

É importante lembrar que pela própria instabilidade emocional, característica da

criança e do adolescente, ser em formação, percebe-se neles a insegurança causada pelo

avanço cronológico e pelo desenvolvimento físico. Por este motivo é que se faz necessário o

apoio e a estabilidade, componentes necessários para a sua formação e para um crescimento

saudável. Salienta o autor que quando o menor passa por situações de violência, sente-se

desamparado e frágil.37

35 Ato infracional é a atividade praticada que corresponde a uma conduta descrita na lei como sendo crime ou

contravenção. Ao adolescente que pratica ato infracional, o ECA prevê no artigo 112, I ao VII, as medidas socioeducativas, assunto que será tratado posteriormente.

36 Sobre violência ainda tem-se os textos de Bley (2005) e de Viola (2005). Ainda sobre as relações entre a violência, drogas e o laço social, ver textos de Conte (2005) e Rosa Jr. (2005).

37 O autor destaca a importância da família para o desenvolvimento da criança. Lembra que para Freud, a família é de valor fundamental. Freud demonstrou que a mente humana não é algo previamente dado, e sim, uma estrutura que se constrói e com mais significado na infância. Isso ocorre mediante um longo processo de formação da personalidade e do estabelecimento de vínculos afetivos e emocionais, que se manifestam dentro da estrutura familiar.

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O autor ressalta que a questão da violência familiar freqüentemente é a determinante

nas fugas dos lares. Daí uma das explicações de as crianças e os adolescentes irem para as

ruas. Há relatos sobre adolescentes tachados de delinqüentes cuja causa preponderante estava

no fato de saírem de seus lares e passarem a viver pelas ruas. Envolvem-se em situações de

furtos, roubos, prostituição, uso de drogas, como meros pedintes, além daqueles que são

apenas vagantes (PRATES, 2006, p. 27-30).38

Com relação à criminalidade juvenil, Prates (2006, p. 35) afirma que

a criminalidade juvenil pode se originar de diversos fatores; a família com vínculos fragilizados, a exclusão educacional e o abandono govenamental são circunstâncias importantes e determinantes de grande parte deste processo dissociativo crescente em nossa sociedade. Processo no qual o adolescente rotulado de “marginal” é, em realidade, vítima de uma sociedade que se isenta de responsabilidade, que possui uma concepção pejorativa e maniqueísta dos fenômenos psicossociais, que desconhece ou que não quer conhecer a sua realidade.

É importante trazer à lume que a criminalidade vem se tornando crescente na

sociedade brasileira. É a criminalidade uma das várias maneiras de manifestações da violência

que há muito tempo preocupa os órgãos de segurança pública em diversos países. O Brasil é

considerado um dos países mais violentos do mundo. Então, é correto afirmar que a questão

da criminalidade é problema muito sério e que merece atenção urgente dos setores públicos

no sentido de conter sua proliferação desequilibrada como vem ocorrendo nos últimos

tempos.

Conforme Volpi (2001, p. 13), “as crianças e os adolescentes são os cidadãos do Brasil

que representam a parcela mais exposta às violações de direitos pela família, pelo Estado e

pela sociedade.”

Essa é uma realidade cruel que vem contra o que prega a Constituição Federal e suas

leis complementares. Observa ainda o autor que os maus-tratos, o abuso, a exploração sexual,

o trabalho infantil irregular e escravo, as formas ilegais de adoções, o tráfico, os

desaparecimentos, o extermínio, a tortura, a fome, etc., ainda fazem parte da realidade que se

vive.

38 O autor defende a importância da escola, juntamente com a família, para a construção saudável da criança e do

adolescente.

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O crescimento da criminalidade e a conseqüente violência envolvendo menores, fazem

com que surja uma intolerância social para com os adolescentes envolvidos em atos

infracionais.39

É senso comum que a insegurança social e a eficácia precária do aparato estatal

acabam gerando uma revolta na população. Essa revolta se dirige aos menores infratores,

atribuindo-lhes responsabilidades que vão bem além, muitas vezes, das conseqüências dos

atos praticados por eles.40

Com base no que já foi mencionado a respeito da violência juvenil e da

vulnerabilidade a que se expõem diariamente milhares de crianças e adolescentes que vivem a

situação do desprezo, do abandono, é que se fará a seguir um breve estudo sobre os menores

infratores e os menores de rua.

Sabe-se, porém, que nem todo menor infrator é morador de rua. Pode-se então afirmar

que quanto à tipologia (tipos de meninos de rua) existem os chamados(as) meninos(as) na rua,

que passam boa parte do seu tempo nas ruas, e os meninos(as) de rua, que vivem, habitam

permanentemente nas ruas.

Na seqüência passa-se ao tópico que trabalhará o conceito e a identidade desses

menores excluídos, analisando a tentativa de ressocialização das crianças e dos adolescentes

excluídos por meio das ONGs.

39 Cabe mencionar o posicionamento de Volpi (2001), com relação ao problema do aumento ou não da violência

juvenil. Ele acredita não existirem dados confiáveis e que estabeleçam uma análise a partir de uma série histórica e que permita a observação e a evolução desse fenômeno. Diz que quando esses dados existem utilizam-se de fontes e métodos diferentes, o que torna difícil a confiabilidade. Sendo assim, segundo o autor, quando se fala em violência juvenil, se expressa o que se está sentindo ou a opinião sobre tal assunto. Ressalta, porém, que nenhum órgão oficial produziu dados, e nem há alguma pesquisa de âmbito nacional que possa sustentar essa afirmação. Volpi fala nos mitos da violência juvenil. São estes o hiperdimensionamento do problema (quando as notícias veiculadas nos meios de comunicação social, e as opiniões das pessoas que atuam com o tema, e até os cidadãos, afirmam ser milhões de adolescentes a cometerem delitos), a periculosidade dos adolescentes (no sentido da tendência à prática de delitos cada vez mais graves contra a pessoa e contra o patrimônio). Dependendo da região do país, diferencia-se quanto ao patrimônio ou a pessoa, e o mito da irresponsabilidade do adolescente (que se sustenta na idéia de que o adolescente estaria mais propenso a cometer atos infracionais em função da legislação ser muito branda na sua punição). Há, na verdade, uma confusão entre inimputabilidade penal e impunidade. O fato de o adolescente ser penalmente inimputável não o exime de cumprir com suas responsabilidades. Isso ocorre por meio das medidas socioeducativas e com a privação de liberdade.

40 Lembra o autor que a criminalidade passa a ser a razão maior do fracasso socioeconômico e político do país. Ainda relata que criminoso é aquele que pertence a classes consideradas inferiores, que foge ao padrão ideal previsto pela classe dominante. Representam essas minorias uma classe que mostra a rebeldia das massas desesperadas e que por isso se contrapõe ao sistema político do momento. É por este motivo que devem ser mantidos fora do sistema. Além disso, o autor trabalha sobre o tema da redução da maioridade penal, assunto que com certeza é de interesse e importância, e que servirá para estudos posteriores.

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3.3.3 Menores de rua. Conceito e identidade. A ressocialização de menores infratores

por meio das ONGs

Com relação aos menores de rua, é verdade que para poder defini-los basta recordar

dizer que são, em princípio, menores abandonados.41 São crianças que não possuem família

ou alguém que as proteja e cuide delas.42 Essa ausência faz com que a responsabilidade se

transfira para a sociedade de maneira geral. Isso gera uma indefinição a respeito dos papéis

que cada um tem ou deve cumprir na sociedade.

Sendo assim, a população, por sua vez, reclama de suas autoridades uma providência

com relação às crianças que passam a viver nas ruas. Emergem então as entidades

filantrópicas que objetivam tirá-las das ruas; o trabalho dos centros de defesa de direitos das

crianças e dos adolescentes que tentam impedir a ida destes menores às ruas; tem-se ainda as

ONGs, criadas para atender às demandas, etc (LEITE, 2001, p. 8).43

Com base no exposto passa-se à discussão a respeito dos menores de rua. Conforme

Leite (2001, p. 8), “essas crianças representam uma ameaça para a paz da sociedade.

Entretanto, se o entendermos como um mito a ser desvendado, ele pode também ser encarado

como um desafio, convidando-nos a buscar soluções que vêm sendo tentadas.” Sabe-se que

muitas destas crianças e/ou adolescentes residentes das ruas acabam se tornando infratores.

Aprendem nas ruas aquilo que vivenciam e descobrem ali o caminho do crime e da

violência.44

Explicar o problema social da infância pobre brasileira é tarefa árdua. Para que se

consiga definir os meninos de rua, informa a autora, há que se recordar que eles são

considerados fragmentos sociais das cidades grandes. Eles vieram romper as regras e as

normas sociais que excluem a maioria da população. Preocupam-se em denunciar para toda a

sociedade a realidade que é desconhecida de muitos, ou seja, que milhões de crianças e de

jovens vivem na extrema pobreza, sem condições de mudar o seu destino (LEITE, 2001, p.

48).

41 Sobre o abandono do pai, ver texto de Pereira (1999). 42 Quanto à importância da família e do município com relação às políticas públicas de proteção e o

desenvolvimento da criança e do adolescente, ver texto de Carvalho (1999). 43 Salienta-se que com relação aos centros de defesa e às ONGs, abordar-se-á em ponto específico, por se tratar

do foco desta pesquisa. 44 Importante o tema sobre a relação que há sobre a questão da violência urbana e a descrença da política. Ver

texto de Keil (2005). Sobre a violência sob a ótica dos direitos fundamentais e sob o prisma das liberdades públicas, ver obra de Paula (1989).

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Segundo a autora, esses meninos, justamente por sobreviverem nas ruas, encontram-se

numa situação de tamanha desesperança que acabam, por esse motivo, desafiando as regras da

sociedade onde vivem. Ao mesmo tempo, deixam bem clara a vulnerabilidade à qual se vêem

expostos. Importa acrescentar que esses frágeis seres humanos ora são vistos pela própria

opinião pública como agressivos e até monstruosos, ora como seres carentes e infelizes.

Sendo assim, se vistos sob a perspectiva de monstros, convém eliminá-los. Se não, cabe ter-se

piedade e prestar-lhes o auxílio devido.45

Segundo Leite (2001, p. 52), “os meninos de rua trazem ainda mais uma contradição e

um enigma a ser decifrado: eles não conseguem vencer a sociedade, mas também não são

vencidos por ela”. Podem demonstrar essa invencibilidade mediante formas variadas. É na

vivência do dia-dia, na tentativa de permanecer vivo, que surge a motivação para a questão da

sobrevivência e a superação da morte. Esses menores são definidos de sujos, violentos e

agressivos, perversos, criminosos natos, desocupados, etc. Há, porém, o inverso, a concepção

de que são apenas pobres seres carentes, desprezados, infelizes e sozinhos no mundo. Destaca

a autora, a identidade imaginária, que só faz correspondência a uma parte do que essas

crianças realmente são.

Alerta ainda a autora que muitas dessas crianças evadiram-se de casa devido aos maus

tratos sofridos ou por causa da fome intensa e constante. Para que essa vivência (ou

sobrevivência) nas ruas seja viável, é preciso que façam uso da imaginação e que recriem, a

todo momento, suas estratégias de ação, uma mistura de criatividade e sagacidade.46

Leite (2001, p. 59) assevera que “para os meninos de rua roubar não é um crime, e sim

um ato de muitos significados: é uma forma de conseguir dinheiro para alguma necessidade

imediata, de causar terror, de se divertir, e até mesmo uma brincadeira.” Também é verdade

que roubar pode ter o significado de aproveitar uma oportunidade, de ter reconhecimento, de

aparecer. É ser ativo e não passivo, no sentido de não se conformar ou ficar esperando apenas

por esmolas. Neste caso, a identidade é conquistada por meio dos roubos e furtos. É a questão

de ser protagonista e não figurante, no relacionamento com a população. Afinal, é melhor ser

conhecido inclusive como pivete do que não ser nada, ninguém. É melhor do que passar

despercebido, reforça a autora.

45 Sobre a questão da rua como sendo habitat das crianças e o perfil desses menores, ver texto de Boal e

Frangella (2000). 46 Sobre a família de crianças em situação de rua, ver texto de Carvalho (2000).

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Reforça Saraiva (2006, p. 34) dizendo que:

Ainda funciona em nossa sociedade, produto da discriminação e do preconceito de quem ainda distingue criança de menores, uma certa lógica, em especial com a adolescência excluída, de que estes seriam adolescentes diferentes dos outros (os incluídos). No tratamento distinto que é dado aos jovens, a uns justificando e a outros implacavelmente cobrando uma postura adulta, resulta a conclusão de que seriam eles diferentes entre si.

A realidade é que a humanidade atravessa um momento de grande prevalência do “ter”

em detrimento do “ser”. Nesse sentido, é bem possível que se tenha duas adolescências, uma

daqueles que podem ser adolescentes, e outra dos que não possuem esse direito. A

adolescência é um estágio de desenvolvimento físico e psíquico pelo qual todas as pessoas,

independentemente de serem pobres ou nobres, acabam tendo que passar (SARAIVA, 2006,

p. 34-35).47

Quanto à compreensão da adolescência e a relação que tem com a lei, do ponto de

vista de particularidades que as crianças e os adolescentes possuem, esta nada mais é do que

um conceito universal, sob o abrigo da Convenção das Nações Unidas no que diz respeito aos

direitos da criança. Assim também ocorre em toda norma internacional que trata da questão de

proteção aos direitos da criança e do adolescente. Esse conjunto de normas chama-se Doutrina

das Nações Unidas de Proteção Integral à Criança. É, na verdade, um corpo de leis

internacionais mas que têm força de lei interna para os países que são signatários, entre eles o

Brasil (SARAIVA, 2006, p. 38).

O autor igualmente refere-se à questão do clamor social no que diz respeito ao menor

infrator. Existe, segundo ele, uma equivocada idéia de que nada acontece ao menor que

comete uma infração. Há uma noção errada de impunidade e isso faz com que se tenha uma

resposta negativa à efetivação do Estatuto da Criança e do Adolescente, mormente com o

aumento da criminalidade e da violência constatado nos últimos tempos. Lembra Saraiva

(2006, p. 48) que,

ao contrário do que sofismática e erroneamente se propala, o sistema legal implantado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente contempla um modelo de responsabilidade juvenil, fazendo estes jovens, entre 12 e 18 anos, sujeitos de direitos e de responsabilidades e, em caso de infração, sancionando medidas socioeducativas, inclusive com privação de liberdade, com natureza sancionária e prevalente conteúdo pedagógico.

47 Especificamente sobre a fase da adolescência, ver capítulo da obra de Prates (2006).

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O menor infrator acaba tendo de responder por seus atos, e o faz por intermédio das

medidas socioeducativas, um dos tipos de sanções penais, aplicadas aos jovens. Conforme

lembra Konzen (apud SARAIVA, 2006, p. 48), “o Estatuto da Criança e do Adolescente

arrola, um a um, minuciosamente, os direitos individuais do adolescente autor de ato

infracional, as garantias processuais deste mesmo infrator e o rito procedimental da

apuração.”48

Neste sentido, e voltando-se ao tema das ONGs, torna-se clara agora a percepção da

grande importância destas na ressocialização da massa excluída, principalmente nos casos de

crianças e adolescentes, seres ainda em formação física e intelectual.

Observa-se atualmente a ativa presença, cada vez mais marcante, dessas organizações

na sociedade.49 Cabe salientar que, como diz Gohn (2005, p. 90), “no universo temático das

ONGs encontramos atuações nos seguintes campos: I) Direitos de Terceira Geração: gênero,

meio ambiente (físico, vegetal e animal); direitos humanos, etnias, sexo. Direitos de cidadania

em suma; II) Áreas Sociais Básicas – Direitos Sociais de Primeira Geração: Saúde, Educação,

Moradia, Alimentação; III) Grupos Sociais clássicos no atendimento da Assistência Social:

crianças, jovens/adolescentes, idosos; IV) Grupos vulneráveis e causas sociais: pobreza

socioeconômica.

No que tange às ONGs e à questão da adolescência, Leite (2001, p. 34) esclarece:

[...] na verdade, a partir de 1982, houve um aumento considerável de ONGs criadas para atender à infância e à adolescência, com objetivos diversos. A grande maioria visava “ocupar” os jovens, algumas delas enfocando atividades de lazer, esportes e artes; outras buscando a geração de renda ou a capacitação profissional e a iniciação no trabalho. Havia também as que se dedicavam à proteção e defesa de direitos das crianças e dos jovens, outras ainda que desenvolviam ações na área da saúde preventiva. Essas ONGs atuavam no vazio deixado pelos poderes públicos e pelas entidades filantrópicas e tiveram também um papel muito importante nas denúncias de extermínio de jovens, que a partir de 1989 alcançaram repercussão internacional.

O que se sabe a respeito do que foi referido anteriormente é que tais inovações não

conseguiram solucionar o principal, ou seja, a promoção da escolaridade, a vida profissional,

a inserção social de milhares de brasileiros, jovens que ainda permanecem à margem da

sociedade, e, consequentemente, fazem parte do quadro de exclusão social.

48 Com relação às medidas socioeducativas, o tema será trabalhado juntamente com o tópico que abordará o

Estatuto da Criança e do Adolescente. 49 Ver obra de Bedin (2001) sobre as características, as formas de classificação, a importância e as perspectivas

das ONGs.

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É pertinente salientar o que Danziato (1998) constata a respeito das ONGs que

trabalham com crianças e adolescentes. A autora entende que essas ONGs, além de

perceberem as carências materiais em que se encontram esses sujeitos, preocupam-se em

atender às suas necessidades mais prementes, tendo em vista que não é a condição de carente

em que se encontram que os define, mas sim o contexto em que eles se inserem. Neste

sentido, defende a autora que se faz oportuno repensar o atual contexto para que se promova a

mudança necessária e para que essas crianças e adolescentes possam se firmar como sujeitos

dignos de direitos (DANZIATO, 1998, p. 144).50

Dessa forma é importante que se lute por uma sociedade civil forte e que se preocupe

em analisar as propostas e a efetividade das ONGs e de todas as políticas que envolvem os

interesses dos menores.

Tendo em vista o exposto, o próximo capítulo se ocupará da proposta de uma ONG

situada no município de Ijuí/RS, que atende a crianças e adolescentes que se encontram em

situação de risco, visando a sua inserção social e à concretização da cidadania.

50 A autora apresenta em sua obra uma demarcação local das ONGs no Ceará, em uma pesquisa desenvolvida

pelo projeto Desenvolvimento Institucional e Metodologias de Trabalho em ONGs no Nordeste (DEMO).

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4 A ONG CEDEDICAI: EXEMPLO DE TRABALHO E INCLUSÃO S OCIAL DE

UMA ONG NO MUNICÍPIO DE IJUÍ/RS – HISTÓRICO E TRAJE TÓRIA

Primeiramente, se faz pertinente falar a respeito da localização e da historicidade do

município de Ijuí/RS, visto a atuação da ONG Cededicai nesta cidade. Assim, antes de se

falar a respeito da ONG, se fará este breve estudo.

Após esses apontamentos, se fará o reconhecimento da ONG, no que tange à sua

origem, propostas e objetivos. Far-se-á um apanhado de todos os projetos em execução, suas

finalidades, pessoas envolvidas que trabalham na ONG e os resultados obtidos até o presente

momento.

4.1 Localização e historicidade do município de Ijuí/RS

Visto a ONG Cededicai se situar no município de Ijuí, este tópico apresentará a

localização e breve histórico da cidade de Ijuí. Sendo assim, far-se-á primeiramente um

apontamento da localização e da formação social do município, com a apresentação do mapa

de sua localização, e, após, se fará uma breve explanação da evolução histórica, social e

econômica da cidade de Ijuí. Ressalta-se que toda informação obtida sobre esses dados se

extraiu da obra de Cremonese (2006).

4.1.1 Localização do município de Ijuí

Quanto à localização, o município de Ijuí se localiza na Microrregião Geográfica

compondo, conjuntamente com outras microrregiões, a Mesorregião Geográfica do Noroeste

rio-grandense. Sobre os arranjos administrativos do Governo do Estado do Rio Grande do

Sul, Ijuí integra o Conselho Regional de Desenvolvimento do Noroeste Colonial. Conforme a

organização administrativa regional, o município integra a Associação dos Municípios do

Planalto Médio (AMUPLAM).

O território do município de Ijuí está entre as coordenadas geográficas 28º 03’ 27.658”

Sul e 28º 32’ 17.26” Sul de latitude; e 53º 45’ 41.74” Oeste e 54º08’ 43.85” Oeste de

longitude, estando, a sede, a uma altitude de 328 metros acima do nível do mar.

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O município de Ijuí também é conhecido como a “Colméia do Trabalho”, tendo

recebido este título através de um concurso que foi promovido pelo Jornal Correio Serrano,

em 1944: “O nome simbólico escolhido em 06/10 de 1944 para Ijuí foi ‘Colméia do

Trabalho’, nome preservado até os dias atuais, que significa o trabalho constante e

progressivo do povo de nossa terra.” (CORREIO SERRANO, 27 de outubro de 1944, p. 5).

No entanto, já foram encontrados registros deste codinome “Colméia do Trabalho” antes da

referida data.

Figura 1: Mapa do município de Ijuí.

Fonte: Unijuí. Geoprocessamento e Análise Territorial (2005).

Ijuí se situa a uma distância de aproximadamente 400 km da capital Porto Alegre. O

município se limita, atualmente, ao norte, com os municípios de Ajuricaba, Nova Ramada e

Chiapetta; ao sul, com Augusto Pestana e Boa Vista do Cadeado; a leste, com Bozano e

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Ajuricaba; e a oeste, com Catuípe e Coronel Barros. Segundo a Fundação de Economia e

Estatística (FEE), o município tem um Produto Interno Bruto (PIB) per capita anual de,

aproximadamente, R$ 9.800,00.

Dados atuais informam uma área total do município que, segundo o IBGE, é de 689,1

km². A área urbana conta com 31,7 km² (1990). Estima-se que a população que reside na

cidade de Ijuí até 2005, gira em torno de 78.461 habitantes, sendo 38.083 homens (48,5%) e

40.378 mulheres (51,5%). Na zona rural, vivem apenas 11.064 pessoas, (14%) da população;

enquanto na zona urbana, 67.397 pessoas, 86% da população.

4.1.2 Breve histórico do município de Ijuí

No que diz respeito à origem de Ijuí, pode-se dizer que a Colônia “Ijuhy” foi fundada

oficialmente em 19 de outubro de 1890 por imigrantes russos que se instalaram na localidade.

Vale mencionar que, nesse período, Ijuhy era parte do quinto distrito de Cruz Alta.

O nome Ijuhy foi dado pelos índios guaranis ao rio que perpassa o município. Seu

significado varia conforme a grafia que se lhe dá. Escrevendo Ihjui entende-se “rio das rãs”,

talvez o significado original; Juhy significaria “rio dos espinhos”; Jujuhy, “rio dos

pintassilgos”; mas Ijuhy, a grafia que aparece em todos os documentos até a década de 1940,

só pode significar “rio das águas divinas” ou “rio da abelha divina” (LAZZAROTTO apud

CREMONESE, 2006, p. 112). Estudos indicam que, anterior aos imigrantes, a região e,

especificamente, o território de Ijuhy já era habitado por caboclos nativos e índios guaranis.

A criação da colônia se deu por intermédio do engenheiro José Manoel da Siqueira

Couto, que tomou a iniciativa e, depois de feita a demarcação, distribuiu vários lotes urbanos

da sede colonial a 22 pessoas. Foram mais de cem famílias assentadas nesses lotes rurais.

Passados 20 meses, retirou-se o engenheiro, deixando encarregado da colônia o agrimensor

Ernesto Mützel Filho. Foi na data de 6 de dezembro de 1898, que foi nomeado para diretor o

Dr. Augusto Pestana, que a dirigiu até a sua constituição em município, em 1912, pelo

Decreto n. 1.814, de 31 de janeiro, do Governo do Estado.

Foram motivos estratégicos os que tornaram interessante a ocupação de Ijuhy: defesa

de fronteira e, também, diminuição dos custos dos gêneros alimentícios. A maioria dos

habitantes de Ijuhy era descendente de imigrantes provenientes das “Colônias Velhas”, que se

localizavam nos vales do Rio Jacuí e seus afluentes.

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Após se ter criado o município, o Dr. Pestana se afastou da administração municipal,

vindo então Antônio Soares de Barros, o Coronel Dico, como já era chamado, a ser nomeado

Intendente do município. O Cel. Dico era, concomitantemente, chefe político, dirigindo o

Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) municipal.

Depois de se estabelecer em Ijuí, o Cel. Dico iniciou uma longa trajetória de

administrar o município. Já em 1910, aceitou ser correspondente do Banco Nacional do

Comércio. Foi amigo próximo do então diretor Augusto Pestana, e em 11 de julho de 1912,

ocupou o cargo de Intendente Provisório da Colônia de Ijuí, ficando até 30 de dezembro do

mesmo ano.

Convém lembrar que a colônia de Ijuhy abrigou, desde o início, diversidades

multiétnicas. Em meados de 1890, já eram 19 os idiomas falados na região. Nos anos 30, o

cenário multi-racial de Ijuhy se consolidava.

Cabe ressaltar, porém, que o município tem sofrido, nas últimas décadas, uma alta

migração em sua população, que busca, em outras regiões do Estado (metropolitana de Porto

Alegre, Vale dos Sinos e Caxias do Sul), ou do país (Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso,

Goiás, Bahia), possibilidades melhores de vida, ou seja, empregos e novas oportunidades.

Ao contrário de outras épocas, quando a economia do município era industrial ou

agrícola, atualmente tem-se o setor de serviços que responde pelo maior incremento da

economia da cidade de Ijuí.

4.2 Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Ijuí – Cededicai: uma

ONG que visa à inclusão social

Após breve historicidade e localização de Ijuí, far-se-ão os apontamentos importantes

sobre o Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Ijuí (Cededicai), foco

principal da presente pesquisa. Serão vistas, então, as propostas e objetivos da ONG, as

pessoas que a integram, desde as que a administram até as que voluntariamente a ela se

dedicam e alguns dos projetos desenvolvidos e ou os que atualmente estão em andamento.

Também será mencionado a respeito do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei n.

8.069/90, o que vem a ser essa lei e o que ela regula, assim como sobre as medidas

socioeducativas, sua importância e seus objetivos no que se refere às suas propostas e

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fundamentos, uma vez que a ONG Cededicai trabalha com medidas socioeducativas,

respeitando e seguindo as orientações do ECA.

Ao final, se colocará uma observação a respeito da questão de ressocialização. Far-se-

á uma análise dos resultados obtidos pela ONG, constatando se há casos de reincidência de

menores infratores ou não.

4.2.1 Conceitos e objetivos da ONG Cededicai

A ONG Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Ijuí

(Cededicai) é um exemplo de participação ativa de pessoas que se voltam à defesa dos direitos

das crianças e dos adolescentes, todos engajados em projetos que visam à ressocialização de

menores e jovens que vivem em situações de risco, à margem da sociedade.

O Cededicai se situa na Rua do Comércio, 563/2º andar, Centro, em Ijuí/RS, o Cep é

98700-000. Fone/fax: (55)3333-3381. E-mail: [email protected]. Registro Civil de

Pessoa Jurídica n. 425, folha 297 do livro A-1. Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica é

n. 03.384.612/0001-13. Utilidade Pública Municipal – Decreto Executivo n. 2.573-GAB, de

05/10/1999.

A ONG Cededicai foi fundada em 29 de julho de 1999. É uma organização não-

governamental, sem fins lucrativos, que se originou pela iniciativa de um grupo de 48 pessoas

e instituições, objetivando assegurar o exercício dos direitos pessoais e sociais, a liberdade, o

bem-estar, o desenvolvimento individual e coletivo, a igualdade e a justiça como valores

supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Sua localização é de fácil

acesso, tendo endereço central, apresentando uma fachada de notória identificação.

As instalações da ONG contam com uma secretaria, um almoxarifado, uma sala com

dupla função, com classes e cadeiras para reuniões e para a realização das oficinas e um

banheiro comum. Possui dois computadores, impressora, acesso à Internet, telefone e fax,

duas escrivaninhas, armários para biblioteca e o acervo de pastas organizadoras, murais,

expositores dos produtos, mesa para reuniões, cadeiras, fogão, liquidificador industrial,

geladeira, prensa e suporte para água mineral.

Baseia-se na harmonia social e se compromete com a solução pacífica das

controvérsias, assim como no respeito aos direitos humanos, à legislação federal, estadual e

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municipal, em especial ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), consoante a Lei

Federal n. 8.069, sancionada em 13 de julho de 1990.

Atualmente, o Cededicai desenvolve projetos que beneficiam crianças e adolescentes

em situação de vulnerabilidade social, mediante parceria entre escolas, instituições, famílias,

Conselho Tutelar e PEMSE (por meio da Secretaria Municipal do município, que envia

adolescentes que devem cumprir medidas socieducativas). Esses adolescentes cumprem as

medidas socieducativas de Prestação de Serviço à Comunidade (PSC). Nesse momento, não

há o cumprimento de medidas socieducativas de Liberdade Assistida (LA).

Os projetos desenvolvidos pela ONG também visam propiciar o desenvolvimento da

percepção do ser cidadão e a busca do reconhecimento da auto-estima em cada um dos

participantes. A importância da construção da definição do ser cidadão e a concepção de

pessoa portadora de direitos e deveres, como sendo indivíduo digno de ter seus direitos

respeitados e protegidos, são trabalhos que o Cededicai desenvolve.

O Cededicai, como ONG sem fins lucrativos, estrutura-se de forma horizontal,

evitando mecanismos burocráticos complexos em seu funcionamento. Com isso, imprime

agilidade tal na promoção de eventos e na aprendizagem contínua de seus participantes o que

permite dar visibilidade rápida a suas ações e obter resultados palpáveis.

Para além do empenho de seus participantes, as parcerias desburocratizadas com

diferentes segmentos da comunidade contribuem na obtenção de tais resultados. Não poderia

ser diferente diante da complexidade e rapidez com que a realidade se reorganiza,

apresentando novas demandas a cada instante, especialmente considerando a realidade do

universo infanto-juvenil. Essa agilidade, porém, está condicionada ao profissionalismo de

seus participantes efetivos, visto que se persegue a garantia da credibilidade, visibilidade e

fidedignidade.

A agilidade e seriedade no trabalho da ONG não se dá, entretanto, sem alguns ônus,

entre eles o do compromisso de dar respostas maduras e integradas a mais curto prazo

possível do que é exigido das demais organizações e o de receber pressões por resultados de

transformação junto a seu público beneficiado.

Ainda que mecanismos de gestão empresarial inspirem certas práticas funcionais, tais

modelos e verdades passam pela recriação inerente ao processo de adequação da sua missão e

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visão à realidade dos atores que justificam a existência da ONG. Isso significa o permanente

diálogo com a realidade, com os objetivos da ONG e de seus projetos e, por conseguinte, o

exercício de revisão de acordos, a cada novo fato ocorrido. É verdade que isso se dá não sem

conflitos, ou seja, a negociação é constante tanto quanto aquela feita por um pai diante de seu

filho adolescente em processo de constituir-se adulto.

Nesse exercício permanente de construção e reconstrução da ONG e de seus

participantes, confirma-se que não há uma única verdade e, se assim fosse, significaria que a

verdade de alguns teria maior validade ou autoridade do que a dos outros. A ONG entende

que há muitas verdades, no entanto, e defende que há algumas verdades que são sim

melhores, do contrário, não se justificaria o trabalho de uma ONG que preconiza defender

crianças e adolescentes.

Existem verdades que percorrem direção contrária aos Direitos Humanos. Verdades

essas que, muitas vezes, colocam crianças e adolescentes em situações desumanas. Defende a

ONG, portanto, a acolhida crítica das verdades, evitando assim cair na consciência ingênua do

determinismo e da bondade descuidada das análises, da crítica, da decisão pró-ativa tão cara à

justiça. A bondade é um gesto fácil, naturalizado. Ao contrário dela, a justiça é de difícil

encaminhamento. Pode parecer antipática e, para muitos, o caminho inverso da bondade, no

entanto, imprime a força do educativo, reeducativo e da dignidade à vida de qualquer cidadão.

A ditadura deixou o nefasto legado da impunidade, que vem traçando outro rumo na história

do Brasil e uma ONG como o Cededicai, imbuída da proposta de prevenção da violência, terá

que colocar na pauta de suas discussões e práticas os valores afetos à justiça reflexiva e

restaurativa.

O grande papel do Cededicai é irradiar as possibilidades de transformação da realidade

de forma compartilhada, contagiando as pessoas da comunidade por meio dos projetos sociais

que devolvam minimamente a dignidade para aqueles que, de alguma forma, sofrem exclusão

social e desamparo. Esse compromisso implica a negociação de verdades, a desconstrução e

ampliação de sentidos dos conceitos relativos às suas propostas e políticas e, por fim, a

realização de posturas práticas, cabendo-lhe tornar-se uma, entre outras tantas, entidade

educadora que inspire práticas para a concretização da cidadania.

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4.2.2 Missão, visão, negócio, valores e crenças do Cededicai

É importante que se lembre a forma como a ONG Cededicai divide seus objetivos e

propostas:

1 Missão do Cededicai: defender e proteger os direitos das crianças e adolescentes em

situação de vulnerabilidade social, incentivando-os por meio de programas e projetos

socioeducativos, que os valorizem enquanto seres sociais.

2 Visão do Cededicai: orientar crianças e adolescentes, fortalecendo-os para enfrentar

situações de vulnerabilidade social em defesa própria e/ou buscando ajuda de forma a

constituírem-se em cidadãos respeitados, responsáveis e pró-ativos.

3 Negócio do Cededicai: implementar projetos sociais destinados ao público infanto-

juvenil por meio da realização de oficinas socioeducativo-profissionalizantes,

proporcionando a inclusão social, desenvolvendo a dignidade da pessoa humana,

reduzindo a violência e a pobreza. Envolver a comunidade em geral por meio das

parcerias.

4 Valores do Cededicai: honestidade, justiça, paz, perdão educativo e inclusão social.

5 Crenças do Cededicai:

– cultivar a paz exige mais energia do que a guerra;

– errar é humano, portanto, erros fazem parte do processo de aprendizagem;

– as diferenças colorem o mundo, complementam e não fragmentam as relações e

atividades humanas;

– as certezas são provisórias e exigem dúvidas e pesquisa.

4.2.3 Diretoria do Cededicai

A diretoria do Cededicai é composta pelas seguintes pessoas:

– Presidente: Adriana Motta Dias da Silva, CPF n. 025.460.747/09, RG n. 0331994947,

telefones: (55) 3332-9876; Cel (55) 135-5029. E-mail: [email protected].

– Vice-Presidente: Maria Luiza Lucchesi

– 1º Secretário: José Festa

– 2º Secretário: Mônica Brandt

– 1ª Tesoureira: Edi Ida Nast de Lima

– 2º Tesoureiro: Dilceu Batista da Silva

– Secretária Executiva Voluntária: Leonides Maria Dupuy

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4.2.4 Conselho Fiscal do Cededicai

O Conselho fiscal do Cededicai conta com os seguintes integrantes:

a) Associação Comercial e Industrial de Ijuí – ACI

- Titular: Loide Hildebrandt Gaspary

- Suplente: Orlando Romeu Etgeton

b) Fundação de Integração, Desenvolvimento e Educação do Noroeste do Estado –

FIDENE

- Titular: Roselaine Shuster Scheren

- Suplente: Miguel Arcanjo Zortea

c) Rotary Club Ijuí Nova Geração

- Titular: Aracy Marques da Silva Copetti

- Suplente: Cecília Kolankiewicz

4.2.5 Alguns dos projetos mais importantes realizados pelo Cededicai

4.2.5.1 Projetos realizados anteriormente

a) Projeto Amai (Atendimento Municipal de Adolescentes Infratores)

Este projeto se constituiu na aplicação de medidas socioeducativas em meio aberto,

cujo objetivo era o de redução dos índices de reincidência em atos infracionais. Havia ainda,

neste projeto, verbas de auxílio para o acompanhamento e internação daqueles que eram

dependentes químicos.

b) Projeto Recriar

O projeto Recriar trabalhou com o atendimento das medidas socieducativas em meio

aberto, ou seja, o cumprimento das medidas. Neste projeto, os adolescentes recebiam cestas

básicas, agasalhos e tênis.

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c) Projeto ECA vai à Escola

Esse projeto visava levar até as escolas do município, oficinas e palestras direcionadas

às crianças, adolescentes, pais e professores. Era feita a divulgação do Estatuto da Criança e

do Adolescente (ECA). Tinha a proposta de mostrar os direitos e os deveres da criança e do

adolescente perante a sociedade.

d) Projeto Roda Gaúcha

O projeto Roda Gaúcha se preocupou em trabalhar as diferenças e práticas

cooperativas. Visou à formação de professores do programa de Educação de Jovens e Adultos

(EJA). Esse projeto alcançou a abrangência das cidades de Ajuricaba, Augusto Pestana,

Catuípe, Chiapetta, Condor, Ijuí, Inhacorá, Jóia, Panambi, cujo público-alvo são 230

professores estaduais que atuam em turmas do EJA.

Este projeto foi financiado pela Fundação Abrinq e teve como parceiros e apoiadores:

Unijuí, Programa Crer para Ver, 36ª CRE, Rotary Club Ijuí Nova Geração. O Projeto Roda

Gaúcha contou com a coordenação da Profª MSc. Armgard Lutz (Unijuí e Cededicai), a co-

coordenação de Nádia da 36ª CRE, e outros professores.

Atividades desenvolvidas no projeto:

– seleção de um ou dois professores por escola, do EJA, seguindo os critérios necessários

para participar da elaboração de um livro didático para o EJA;

– encontros quinzenais com o grupo de professores representantes por escola do EJA com o

fim de desenvolver um conjunto de atividades necessárias para a produção do livro do

EJA;

– relatos de experiências acumuladas com os alunos do EJA, facilidades e dificuldades;

– pesquisa junto aos alunos para definir, segundo suas concepções, o conteúdo que deveria

integrar um livro didático do EJA;

– encontros de estudos teóricos referentes a temas como metodologias de ensino, didática,

teorias como ensinar a pensar, relação teoria e prática etc;

– coleta e seleção de textos e produções de alunos e professores do EJA;

– definição dos eixos-filtro para definir o livro;

– definição dos capítulos ou partes do livro;

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– definição da introdução do livro;

– participação do Seminário de Caxias do Sul/RS, sobre “Nossa Escola pesquisa Sua

Opinião” (NEPSO);

– participação no Seminário Leitura Levada a Sério;

– participação no Seminário do Delac/Unijuí;

– participação na Jornada de Pesquisa e Extensão da Unijuí – com apresentação de trabalho.

Em dezembro de 2007 foi concluído o Projeto Roda Gaúcha, que teve início em 7 de

março de 2005, perfazendo um total de dois anos e nove meses de andamento. Após seu

término, os materiais e equipamentos utilizados continuam sob a responsabilidade da ex-

coordenadora, Armgard Lutz.

e) Projeto Ecos da Vida

O projeto Ecos da Vida desenvolveu uma oficina semanal no turno da tarde, às

quintas-feiras, de reciclagem de papel e marcenaria, para adolescentes em conflito com a lei,

que foram encaminhados pelo Programa de Execução de Medidas Socioeducativas (PEMSE),

da Secretaria Municipal de Assistência Social. Nesse projeto foram atendidos

aproximadamente 10 adolescentes, que contou com a presença da professora Judith Gastaldo,

orientando os adolescentes na reciclagem de fibras e papéis, a psicóloga e professora de artes

Marines Pollo, orientando e assessorando os adolescentes, e de Leonides Maria Dupuy e Lígia

Cínara Shuinsekel, como coordenadoras do projeto.

Esse projeto desenvolveu suas atividades até maio de 2007, sem recursos financeiros

e, sim, apenas do trabalho voluntário da equipe.

Atividades desenvolvidas no projeto:

– revestimento de massa de papel machê em esculturas de animais;

– confecções de esculturas estilizadas e confecção de bolinhas para colares em papel machê;

– pintura de garrafas artesanais confeccionadas com papel machê;

– montagem de colares em papel machê;

– lixamento em peças de madeira para a confecção de bonecos pinóquios e palhaços;

– pintura em verniz das peças de madeira;

– montagem dos cabelos dos palhaços com lã;

– grupos de estudos com Roda de Opinião;

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– desenvolvimento cultural pessoal através das oficinas realizadas;

– revisão das peças confeccionadas.

As atividades desenvolvidas não tiveram continuidade após o mês de maio de 2007

devido ao fato de não mais serem encaminhados adolescentes de Prestação de Serviço à

Comunidade pelo PEMSE para prestarem atendimento no Cededicai.

4.2.5.2 Atuais projetos desenvolvidos pelo Cededicai

a) Projeto Criarte

O Projeto Criarte recebe apoio do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, por meio

da Fundação Pão dos Pobres de Santo Antônio. Oferece a 20 adolescentes e jovens de ambos

os sexos, com idade entre 16 e 24 anos, oficinas educativas através de atividades em madeira

e reciclagem.

Desenvolve, também, um trabalho voltado para a questão do desenvolvimento

humano, aliado a uma equipe multidisciplinar que trabalha diversos temas, adotando uma

metodologia diversificada. Isto acontece por meio de palestras, sessões de filmes, roda de

opinião e o curso de empreendedorismo e reciclagem em parceria com o SENAC. Ao final do

Projeto haverá a entrega de certificados aos participantes do Projeto Criarte.

b) Projeto Cri-Ação Gepeto

O Projeto Cri-Ação Gepeto é desenvolvido desde 2005 com o apoio da Brazil

Foundation. Hoje, recebe apoio por intermédio do Projeto Criança Esperança, em parceria

com a Unesco.

Atende a 40 adolescentes de ambos os sexos, com idade entre 12 a 18 anos, em que,

sob forma de oficinas educativas, são realizadas atividades em madeira que consistem na

montagem e acabamento de brinquedos e de artefatos.

Desenvolve o trabalho voltado ao crescimento e desenvolvimento humano e, para

tanto, conta com uma equipe multidisciplinar que trabalha diversos temas, adotando uma

metodologia diversificada, por meio de palestras, filmes, dinâmicas e debate de opiniões.

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Importa mencionar que o Projeto Cri-Ação Gepeto recebeu uma doação dirigida do

Banco de Dados da Brazil Foundation, onde está inscrito, no mês de maio de 2007, que

remunerou a equipe até outubro de 2007. Nos meses de fevereiro a abril e dezembro, a equipe

do projeto trabalhou voluntariamente.

Atividades desenvolvidas no projeto:

– lixamento e pintura de pinóquios;

– confecção de um novo boneco de madeira: o palhaço;

– pintura em verniz das peças em madeira dos bonecos pinóquio e dos palhaços;

– montagem de pinóquios e palhaços;

– pintura dos pés e mãos dos palhaços;

– colocação de lã na cabeça dos palhaços;

– participação de alunos do terceiro ano do Ensino Médio do Colégio Evangélico Augusto

Pestana (CEAP), que realizaram um trabalho voluntário com as crianças e adolescentes do

Projeto Cri-Ação Gepeto por meio do Comitê Pela Vida. Este trabalho teve como objetivo

conscientizar os participantes do projeto sobre os cuidados que se deve ter com o meio

ambiente. As atividades desenvolvidas incluíram confecção de cartazes com o tema

“poluição” e exibição do filme “O dia depois de amanhã”, com o tema aquecimento

global, seguido de roda de opinião sobre o filme. Cada criança e adolescente desenvolveu

uma redação sobre o filme assistido. Ainda, os alunos do CEAP se integraram aos

participantes do Projeto Cri-Ação Gepeto para a realização das tarefas de confecção dos

bonecos de madeira (palhaços);

– visita da ex-presidente do Cededicai, professora Armgard Lutz, que entrevistou os

participantes do projeto e suas coordenadoras para desenvolver sua tese de doutorado;

– exibição da filmagem da entrevista para os participantes do projeto;

– colocações aos adolescentes sobre o trabalho realizado no Cededicai. Colocações dos

adolescentes veteranos aos novos integrantes do projeto;

– reunião e integração com os responsáveis pelos participantes do projeto;

– colocações acerca do Projeto Cri-Ação Gepeto, principalmente no que se refere a fazer a

oficina com dedicação e empenho;

– os responsáveis acompanharam seus filhos para o recebimento da mesada, pelos trabalhos

desenvolvidos;

– revisão do trabalho produzido;

– questionário sobre como cada adolescente se sentiu ao participar do projeto;

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– organização de materiais, planejamento, reuniões. Expectativas e avaliações sobre o

trabalho desenvolvido com o Projeto;

– colocações das coordenadoras Lígia Shuinsekel e Marines Pollo sobre as abreviaturas dos

nomes; identidade de cada um (prenome e nome) como sendo uma das formas de

reconhecimento da pessoa individual;

– realização de uma confraternização com os participantes do projeto em comemoração ao

Dia das Crianças. Ao final, cada criança recebeu de presente uma barra de chocolate;

– Realização de uma confraternização com os participantes do projeto para comemorar o

Natal, onde foi feito um sorteio entre as crianças e os adolescentes, que ganharam

brinquedos doados;

– após o término de cada oficina, os adolescentes eram os responsáveis pela limpeza e pela

organização da sala (desenvolvimento do espírito de colaboração, solidariedade e de

equipe).

A ONG Cededicai ainda participa de Campanhas. Algumas das Campanhas

desenvolvidas:

a) “Não vamos dar esmolas, vamos das as mãos!” – O objetivo desta campanha era o de

combater esmolas dadas às crianças e aos adolescentes e incentivar a população à doação

dos valores ao Fundo Card (Fundo da Criança e do Adolescente).

b) “Seja Humano, Denuncie!” – Tinha como objetivo maior a denúncia de agressões e maus

tratos a crianças e adolescentes.

Importa mencionar que o Cededicai, desde março de 2006, faz parte, na categoria de

sócio-fundador, da Associação Rede Gaúcha de Integração Social (ARGIS), que é uma

iniciativa inovadora para desenvolver a cultura associativa entre organizações por meio de

convênio das Universidades, da Secretaria do Desenvolvimento Empresarial (SEDAI) e de

instituições sem fins lucrativos.

Através da Rede de Integração Social, participa do Sábado Solidário Nacional, Dia

Solidário Cotrijuí e Dia Solidário Cliente Zaffari, onde arrecada doações de alimentos que são

repassados às crianças e adolescentes do projeto, no lanche e aos seus familiares.

A ONG Cededicai conta com o apoio e colaboração das seguintes parcerias:

1 Padaria Oficina do Sabor, que fornece lanches para as crianças e os adolescentes que são

freqüentadores das oficinas;

2 Rotary club Ijuí Nova Geração;

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3 Studio fotográfico Mauro Spinato, que fornece fotos 3x4 a um adolescente por semana,

para que o mesmo encaminhe seus documentos pessoais;

4 Videosfera Locadora, que fornece uma fita de filme gratuito por mês para os adolescentes

que freqüentam as oficinas. A locadora também expõe os produtos confeccionados pelas

crianças e adolescentes que estão inscritos nos projetos;

5 Art Fácil, que empresta modelos de brinquedos e expõe os produtos confeccionados nas

oficinas;

6 Lar da Criança Henrique Liebich, que empresta o maquinário para o marceneiro Ronei

Harter preparar as peças para a oficina do Projeto Cri-Ação Gepeto.

Locais onde são expostos os produtos confeccionados no Cededicai pelas crianças e

adolescentes:

1 Bazar Paraty;

2 Farmácia do Sesi;

3 Livraria Centenária;

4 Loja de artesanato Arte Fácil, de Marlene Bardini Dürks;

5 Loja Cantu´s;

6 Videosfera Locadora;

7 Casa das Linhas;

8 Posto Antonello;

9 Eroni Achert, que expõe os produtos do Cededicai nas feiras do município e da região.

Participações e colaborações importantes na divulgação dos produtos confeccionados

pelas crianças e adolescentes, assim como dos projetos:

1 Participação no evento “Integrando as Diferenças”, realizado no dia 31 de maio de 2007,

na Praça da República em Ijuí, organizado pela Rede de Integração Social;

2 Exposição de Produtos na Expo-Ijuí 2007, em outubro de 2007, através de Eroni Achert

em seu stand de exposição;

3 Participação na comemoração do primeiro aniversário da Rede de Integração Social, no

dia 26 de outubro de 2007, no Lar da Criança Henrique Liebich.

Visitas que foram recebidas pelo Cededicai:

1. Estudante de Intercâmbio da Unijuí, Laure Frisa, vinda da cidade de Lion, na França, que

esteve em Ijuí até setembro de 2007, realizando estudo sobre as entidades integrantes da

Rede de Integração Social, e visitou várias vezes a ONG para conhecer o seu trabalho.

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2. Mestrando em Filosofia da Unijuí e Pós-Graduado em Direitos Humanos, Leandro

Andrighetti, que atualmente realiza trabalho voluntário no Cededicai, participando das

oficinas do Projeto Cri-Ação Gepeto, interagindo com as crianças e adolescentes.

Participação do Cededicai em reuniões e cursos importantes:

1. Reuniões do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (COMDICA)

realizadas mensalmente na Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS);

2. Reuniões do Conselho Municipal de Assistência Social (COMAS), realizadas

mensalmente na Secretaria Municipal de Assistência Social;

3. Reuniões da Associação Redes de Integração Social, realizadas mensalmente;

4. Reuniões do COREDE;

5. Reuniões do CONAB;

6. Reuniões com o Judiciário para discutir a execução e andamento das medidas

socioeducativas;

7. Participação da Presidente do Cededicai, Adriana Motta Dias da Silva, no curso Formatos

Brasil, realizado no Senac, em parceria com a Rede de Integração Social;

8. Viagem de Leonides Dupuy a Porto Alegre, para participar da VI Conferência Estadual

dos Direitos da Criança e do Adolescente, nos dias 26 e 27 de setembro de 2007;

9. Participação de Adriana Motta Dias da Silva, Leonides Dupuy, Lígia Cinara Schuinsekel,

Marines Pollo e Leandro Andrighetti (Equipe do Cededicai) no curso de Elaboração de

Projetos Sociais, duração de 16 horas, realizado no Senac, nos dias 28 e 29 de novembro

de 2007, ministrado pela socióloga Juceli da Silva, de Porto Alegre;

10. Viagem da Presidente do Cededicai, Adriana Motta Dias da Silva, e da tesoureira, Edi Ida

Nast de Lima, a Porto Alegre, para participar da apresentação dos resultados da Rede

Parceria Social. Nesse momento foi realizada, também, a assinatura do Termo de

Compromisso com a instituição “Pão dos Pobres de Santo Antônio”.

Doações feitas ao Cededicai:

– doação de um computador, feita pelo Sr. Vilson, funcionário do Jornal da Manha de Ijuí;

– doação de brinquedos (jogos, carrinhos, bichos de pelúcia) por Carlos Bozetto e esposa;

– doações de lanches, pelo Supermercado Unisuper, Panificadora Oficina do Sabor, Padaria

Leal, Padaria Di Pani, Cotrijuí.

Projetos enviados para a Rede Parceria Social, dia 15 de agosto de 2007:

– “Projeto Criarte”, enviado à Fundação Pão dos Pobres de Santo Antônio;

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– “Projeto Ecos da Vida”, enviado ao Instituto Nestor de Paula;

– “Projeto Agir Interagindo”, enviado ao SESI (Por uma Juventude Cidadã);

– “Projeto Agir, Incluir e Qualificar” (em parceria com a ACATA – Associação dos

Catadores de Lixo), Projeto Integrado de Meio Ambiente e Geração de Renda – PRIMAR;

– “Projeto Criarte Santander”, enviado ao Banco Santander em março de 2007;

– “Projeto Educar Transformando”, enviado ao Banco Santander em setembro de 2007;

– “Projeto Cri-Ação Gepeto”, enviado ao Criança Esperança em 29 de setembro de 2007;

– “Projeto Arte Virtual”, inclusão sócio-digital de adolescentes em situação de

vulnerabilidade, enviado ao Senador Paulo Paim, em 26 de outubro de 2007.

Projetos que foram aprovados em 2007 para receber apoio no ano de 2008. Projetos

que estão em andamento no ano de 2008.

1. “Projeto Criarte”, com o apoio da Rede Parceria Social, através da Fundação Pão dos

Pobres de Santo Antônio, sendo contemplado com o valor de R$ 29.900,00 (vinte e nove

mil e novecentos reais). Este projeto pretende dar atendimento a 20 adolescentes e jovens,

entre 16 e 24 anos de idade, de ambos os sexos e que sejam matriculados na rede de

ensino. Ao término do projeto, serão entregues certificados a todos os participantes;

2. “Projeto Cri-Ação Gepeto”, através do Programa Criança Esperança/Unesco, sendo

contemplado com o valor de R$ 60.316,00 (sessenta mil, trezentos e dezesseis reais). O

Projeto Cri-Ação Gepeto pretende dar atendimento a crianças e adolescentes entre 12 e 18

anos de idade, de ambos os sexos, no período de 12 meses, em turno inverso ao da escola.

Cabe salientar que outras organizações sociais, bem como as empresas de Ijuí, vêm

demonstrando interesse pelo trabalho desenvolvido pela ONG, e isto vem sendo

acompanhado da abertura de seus espaços para a divulgação dos produtos, das ações, das

campanhas. Abertura para participar de reuniões com o fim de tratar de questões que possam

ampliar ou qualificar as ações do Cededicai.

4.3 Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei n. 8.069/90) e Constituição

Federal/1988. Previsões legais em defesa dos direitos da criança e do adolescente

Visto a ONG Cededicai cumprir as medidas socioeducativas, estabelecidas pelo

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), cabe se fazer, primeiramente, um breve

histórico do Estatuto com relação ao seu surgimento e relevância na defesa dos direitos da

criança e do adolescente.

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É verdade que há muito tempo a sociedade demonstra certa preocupação com relação

à criança e ao adolescente. Já nas Ordenações Filipinas, entre 1603 a 1830, era feita menção

ao assunto.1

No ano de 1927, o Decreto 17.943-A, de 12 de outubro, constituiu o Código de

Menores – Leis n. 6.697/79 e 4.513/64, que acabou por concretizar dispositivos legais que se

voltaram à questão da menoridade-pátria-infratora. Esse código teve a previsão de proteção e

assistência aos menores de 18 anos. Foi proposto ao menor infrator um tratamento apropriado

a suas condições de saúde, além da posterior reinserção no seu âmbito familiar. Ao menor

pervertido ou àquele que fosse abandonado foi pensado na internação em escola de reforma,

no período de três a sete anos. Quanto ao menor delinqüente, ou menor visto como perigoso, a

lei ordenou que este fosse remetido a estabelecimento especial ou à prisão comum e mantido

separado dos delinqüentes adultos. Sendo assim, percebe-se a proteção ampla ao menor

infrator, através de medidas de procedimentos e educativas (PRATES, 2006, p. 53).2

Lembra o autor que o passo mais importante em direção ao progresso evolutivo da

proteção à criança e ao adolescente se deu na promulgação da Constituição Federal de 1988

(CF/88). A Carta Magna tem atenção especial voltada à infância e adolescência,

especificamente no capítulo VII. O artigo 227, da CF/88, consagra, com prioridade absoluta, o

direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à

dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e na comunidade em que se insere.

É prevista ainda a punição por qualquer forma de negligência, discriminação, violência,

crueldade, opressão contra a criança e o adolescente.

Mas cabe relembrar um pouco da história que antecede o surgimento do Estatuto da

Criança e do Adolescente. Foi nos anos 80 que começaram a aflorar as questões de cunho

ético e social. A situação da pobreza e do desamparo, aí menciona-se a questão dos menores

de rua, passa a ser cada vez mais visível no que diz respeito ao problema social da infância.

Neste sentido, era evidente que o Código de Menores, pelo seu estilo repressor, impedia um

desenvolvimento salutar e que beneficiasse a infância. Sendo assim, através do Unicef3, da

Funabem4 e da Secretaria de Ação Social do Governo Federal, foram propostos projetos de

1 Sobre a história anterior ao Estatuto, ver obra de Danziato (1998). 2 Sobre os documentos internacionais e as doutrinas de proteção à criança e ao adolescente, ver obra de Pereira

(1999). 3 Unicef – Fundo das Nações Unidas para a Infância. 4 Funabem – Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor.

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implantação alternativos à instituição fechada para o atendimento, a princípio, de menores de

rua, que em 1985 criou o Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua, tendo elegido

uma coordenadoria em nível nacional (LEITE, 2001, p. 41-42).

Juntamente, por meio de líderes de âmbito jurídico e social, passaram a ser discutidos

aspectos sobre uma nova lei de atendimento aos interesses da sociedade de forma geral. Um

dos pontos importantes em discussão era de que o Estado deveria oferecer assistência e

educação, proporcionando dignidade e respeito a todas as crianças e jovens do Brasil e não

apenas às minorias dominantes.

Foi então nesse contexto que se elaborou o Estatuto da Criança e do Adolescente, sob

a coordenação do Fórum Nacional de Entidades de Defesa da Criança e do Adolescente

(DCA), que surgiu da articulação do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua,

contando com a técnica de um grupo de juízes, de promotores públicos e da Funabem. O ECA

tornou-se lei em 1990, sendo aprovado pelo Congresso e sancionado pelo Governo Federal

(LEITE, 2001, p. 42).5

Sabe-se que a forma como o ECA se elaborou e foi pensado, e o fato de possibilitar a

participação dos vários atores da sociedade, é o que deu força, impulso para a credibilidade na

sua implantação, pois, segundo Leite (2001, p. 44), o ECA,

além de introduzir inovações legais na área do Direito do Menor, como: articulação e descentralização das ações; a criança e o adolescente vistos como cidadãos sujeitos de direitos e, como tais, passíveis de proteção integral e prioritária, no que se refere ao desenvolvimento físico, psíquico, intelectual, social e cultural; introdução de medidas de caráter socioeducativo; substituição do modelo punitivo e coercitivo pelo da reabilitação psicossocial e da reinserção na sociedade; abolição do termo menor, que rotulava a criança e o adolescente passíveis de segregação.

Fala-se, então, de importantes e significativas mudanças, no sentido de ressocializar

crianças e adolescentes que vivem à margem da sociedade excludente. Mudanças a ponto de

torná-los cidadãos dignos de respeito e de proteção integral, proporcionando-lhes, juntamente

com as medidas de cumprimento, um desenvolvimento de cunho educacional, social, cultural,

intelectual, psicológico, que virão em benefício da auto-afirmação e da auto-estima que essas

crianças e adolescentes tanto necessitam obter.

5 A autora faz um quadro comparativo das grandes diferenças entre o Código de Menores e a Política do Bem-

Estar do Menor.

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Pode-se afirmar também que, com a aprovação do ECA, a família passou a fazer parte

do processo de inserção social de seus filhos, recebendo o suporte adequado para que possa

agir e ajudar sua criança ou adolescente a fazer parte da sociedade em que está inserido.

Pondera a autora que mesmo apesar das inovações ocorridas pelo ECA, ao cuidar da

infância pobre, é verdade que ainda existe muito por se fazer para que haja sua efetiva

implementação. Precisa-se de eco no que tange ao aspecto educacional e social, ou seja, a

prática das medidas socioeducativas como realmente o fez a previsão legal, que até o

momento ainda não acontece como a proposta inicial. Para que isso se efetive, é necessário

que se abandone a histórica atitude autoritária com relação à pobreza, visto que, com o ECA e

a Constituição Federal, esses passaram a ter o reconhecimento como sendo sujeitos de direitos

e voz para reclamarem dos maus tratos contra eles cometidos (LEITE, 2001, p. 44).6

Quanto a essa resistência demonstrada pela própria sociedade com relação à

implementação do ECA, afirma Tavares (1999, p. 627) que

esta forma de agir, fruto de concepções e estruturas viciadas, torna difícil e trabalhosa a tarefa de assegurar os direitos da parcela mais desprotegida da sociedade, previstos na lei. Sendo necessário e urgente transformar todos os cidadãos em defensores do ECA, um bom começo é aproveitar a relação cotidiana professor-aluno-escola-comunidade e fazer das pessoas que freqüentam este espaço conhecedores, divulgadores e defensores da Lei.

Na verdade, se trata de uma conscientização que precisa urgentemente ser feita. É

necessário que se consiga incutir na mente das pessoas a importância da prestação da

solidariedade, assim como a ciência de que não são apenas pequenos fragmentos da sociedade

que fazem a cidadania, e sim a união de todos, da sociedade em conjunto é que poderá se ter

resultados efetivos e sólidos.

Então, falando-se agora na estrutura normativa do ECA, ele é composto por 267

artigos, e se constitui em dois livros que são o da Parte Geral, indo do artigo 1º ao 85, e o da

Parte Especial, que vai do artigo 86 ao 258. Ainda possui as Disposições Finais e Transitórias,

nos artigos 259 ao 267.

6 A autora ainda trabalha sobre o lobby que vem sendo articulado pelo Congresso para que alguns pontos do

ECA passem a ser modificados, principalmente no que se refere à questão da redução da maioridade penal. Além disso, é preciso que se tenha a visão para as instituições como a escola, as casas de acolhimento e os locais que têm como objetivo o cumprimento da sentença de privação de liberdade, de que estas necessitam sofrer alterações na sua filosofia e no método de trabalho, no sentido de poderem dar atendimento às normas estabelecidas no ECA. Fala-se em profissionais que sejam preparados para atuar nesses estabelecimentos e que tenham a visão de auxílio à criança ou ao adolescente.

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O ECA, Lei 8.069/90, é uma norma de abrangência ampla em proteção aos direitos da

criança e do adolescente e o respeito à condição especial da criança e do adolescente como

pessoa em fase de desenvolvimento. Ainda, leva em conta os cuidados da população, a

inimputabilidade dos menores de 18 anos, assim como outras medidas que podem ser tomadas

pelo Estado em conjunto com a sociedade, prevendo a ressocialização do menor infrator e as

medidas socieoeducativas que podem ser aplicadas quando da prática de atos infracionais

(PRATES, 2006, p. 57).7

Menciona o autor que o ECA representa um grande passo na política de atendimento e

de desenvolvimento social de crianças e adolescentes. São vários princípios gerais e

fundamentais que fazem parte do Estatuto.

Entre os principais, tem-se: a) o princípio de atendimento integral (arts. 3º, 4º e 7º),

que trata da proteção integral da criança e do adolescente – dignidade, liberdade,

desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual, social etc.; b) o princípio da garantia

prioritária (art. 4º, alíneas a, b, c e d), garante a primazia de proteção e socorro; c) o princípio

de prevalência dos interesses da criança e do adolescente (art. 6º),8 interpreta a lei com a

finalidade social, princípio da indisponibilidade dos direitos da criança e do adolescente (art.

27), que dispõe sobre o estado de filiação; d) o princípio do compromisso (art. 32), trata da

guarda ou tutela da criança ou do adolescente; e) o princípio da respeitabilidade (arts. 18, 124,

V e 178), a criança e o adolescente devem estar protegidos de atos desumanos, de violência,

de vexames, trata-se do respeito e da dignidade da criança e do adolescente; f) o princípio da

prevenção geral (arts. 54, I a VIII e 70), é dever do Estado garantir à criança e ao adolescente

o ensino fundamental etc.; g) o princípio da prevenção especial (art. 74) com respeito a

diversões e eventos públicos abrangendo crianças e adolescentes; h) o princípio da proteção

estatal (art. 101), determinando ao Estado a executar programas de desenvolvimento

biopsíquico, social, familiar, comunitário às crianças e adolescentes; i) o princípio da

reeducação e reintegração da criança e do adolescente (art. 119, I a IV), dando apoio à família

dos adolescentes e das crianças, orientando estes através de programas de auxílio e de

assistência; j) o princípio da escolarização fundamental e profissionalizante (arts. 120, §§ 1º, e

124, XI)9; k) o princípio da gratuidade (art. 141, §§ 1º e 2º), garante às crianças e aos

adolescentes o livre acesso à prestação jurisdicional; l) o princípio da sigilosidade (art. 143), 7 Sobre a teoria do delito e a questão da percepção dos adolescentes egressos de instituições de privação de

liberdade, ver obra de Volpi (2001). 8 Sobre o princípio do melhor interesse da criança e sua aplicação, ver obra de Pereira (1999). 9 Quanto à questão do trabalho na infância e na adolescência, ver obra de Minharro (2003).

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que determina o sigilo absoluto quanto à autoria de ato infracional, m) o princípio do

contraditório (art. 170 a 190), que segue a orientação constitucional na garantia da ampla

defesa e isonomia de tratamento judicial aos acusados (PRATES, 2006, p. 57-59). Menciona

o autor que o ECA é uma das legislações mais avançadas do mundo no que diz respeito à

questão da proteção aos direitos da criança e do adolescente.

O ECA se organiza em três eixos que são centrais. São os chamados Sistemas de

Garantias. É um tríplice sistema que atua harmoniosamente entre si, com acionamento

sucessivo ou simultâneo. Este consiste num sistema primário, secundário e terciário de

garantias. O primeiro tem a visão voltada para a universalidade da população infanto-juvenil

brasileira, sem fazer distinções quaisquer. Estabelece os fundamentos da política pública que

deve entrar em execução. Estão presentes nos arts. 4º e 85 a 87 do ECA. O segundo tem o

foco voltado para a criança e o adolescente enquanto vitimados, pela vulnerabilidade em seus

direitos fundamentais. Este tem como operador originário o Conselho Tutelar, fundamenta-se

nos arts. 98, 101 e 136 do ECA. Prevê a Lei a aplicação de Medidas Protetivas em face das

crianças autoras de condutas de infração e, ainda, admite a aplicação subsidiária de Medida de

Proteção ao próprio adolescente em conflito com a lei, conforme previsão legal no art. 112,

VI, do ECA; e o terceiro, que é o que trabalha o adolescente em conflito com a lei, na

condição de vitimizador. Tem como fundamentação o art. 103 do ECA, consagrando um

modelo de Direito Penal Juvenil (SARAIVA, 2006, p. 59).

Falando-se nesses sistemas e garantias que ao mesmo tempo protegem a criança e o

adolescente, mas também servem como forma de repreender os atos cometidos que venham

defrontar a harmonia em sociedade, percebe-se que a lei trata o menor não apenas como

vítima, mas também como alguém que, tendo vitimado outro, em ato de infração, deverá ser

responsabilizado. Claro que se fala de um “responsabilizar” no sentido mais educativo do que,

puramente, repressor, o que não significa que o menor infrator não responda por seus atos.

Nesse sentido, o próximo tópico tratará das medidas de proteção à criança e ao

adolescente, com a visão especialmente voltada para as medidas socieducativas.

4.3.1 Medidas socieducativas. Previsão legal no Estatuto da Criança e do Adolescente

Ao se falar em medidas socioeducatinas, é importante lembrar que essas nada mais são

do que a manifestação do Estado, que responde ao ato infracional, praticado por menores de

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18 anos. As medidas socieducativas possuem uma natureza jurídica impositiva, sancionatória

e também retributiva. O objetivo da medida socioeducativa é o de tentar impedir a

reincidência dos menores; por este motivo, também, esse trabalho é desenvolvido com um fim

pedagógico-educativo (LIBERATI, 2003, p. 101).

Sob o ponto de vista desse fim pedagógico-educativo, pode-se dizer, então, que há o

interesse em que o menor responda pelo dano que causou no ato de infração, assim como

também, que, ao fazê-lo, possa aprender e desenvolver de alguma forma a sociabilidade e a

noção de responsabilidade para com a comunidade na qual ele vive. Além do grande objetivo,

que é o de desenvolver nele um sentimento de amparo e de cidadania.

As medidas socioeducativas possuem um caráter impositivo, no sentido de que,

independente da vontade daquele que cometeu o ato de infração, elas serão aplicadas.

Possuem, então, um cunho de sanção no sentido de que, com a ação ou omissão, o menor

infrator acabou por descumprir uma norma, quebrando regras importantes de convivência e de

obediência a todos. É também medida de natureza retributiva. Na verdade, uma resposta do

Estado ao ato infracional assim praticado e tipificado (LIBERATI, 2003, p. 101).

É preciso que aconteça essa resposta do Estado. O infrator deve ser responsabilizado

pelo ato cometido. É uma resposta que a própria sociedade necessita ter. Essa sanção serve

para que o menor infrator se veja em situação de desconforto, por haver desrespeitado um

princípio de convivência em sociedade.

Segundo Saraiva (2006, p. 60), “as medidas socieducativas se fazem aplicáveis apenas

a adolescentes autores de ato infracional, apurada sua responsabilidade após o devido

processo legal.” Assim, depois de se ter o autor e o delito tipificado, far-se-á o devido

encaminhamento processual para que se saiba quais as medidas cabíveis ao fato delituoso.

Tudo deve ser averiguado para que a medida imposta de fato seja cabível.

As medidas socioeducativas estão previstas no ECA, no art. 112 e respectivos incisos.

Estas são: I, advertência; II, obrigação de reparar o dano; III, prestação de serviços a

comunidade; IV, liberdade assistida; V, inserção em regime de semi-liberdade; VI, internação

em estabelecimento educacional.

Importante lembrar que, quanto à natureza jurídica das medidas socioeducativas, é a

de sanção socioeducativa e tem uma finalidade pedagógica, no sentido de entender como

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sendo uma socioeducação. Neste sentido, por ser sanção, diz-se também ter natureza

retributiva, pois somente àquele que cometeu o ato de infração cabe-lhe a aplicação. Tem,

portanto, força coercitiva, que é imposta ao adolescente.

Então, as medidas socioeducativas são estabelecidas no art. 112 do ECA, que se

aplicam a adolescentes que cometem atos infracionais, ou seja, a toda conduta descrita como

sendo crime ou sendo contravenção penal, conforme o art. 103, ECA.10

As medidas socieducativas dividem-se em dois grupos diferentes. São eles: o primeiro

grupo, que inclui as medidas não-privativas de liberdade, que são as de advertência, reparação

de dano, prestação de serviços à comunidade e a liberdade assistida. O segundo grupo seria o

que possui maior conteúdo aflitivo, que é executada no momento de submissão do

adolescente infrator à privação de liberdade, ou seja, a semiliberdade e internamento, com ou

sem atividades externas, cuja aplicação será feita somente em casos típicos do art. 122 do

ECA (SARAIVA, 2006, p. 149).11 É muito importante lembrar que, independente de qual

seja a medida socieducativa em questão a ser cumprida, tenha seu início em audiência

admonitória que seja própria.12

Cabe mencionar, então, em vista desta pesquisa, quanto às chamadas medidas

socioeducativas não-privativas de liberdade. A proposta do ECA é a de municipalização do

atendimento, ou seja, que os programas sejam desenvolvidos pelos municípios ou por eles

juntamente com as ONGs.13

É, portanto, a união entre o município e a sociedade civil através das ONGs, com o

objetivo de ressocializar a criança e o adolescente. É importante esse trabalho em conjunto,

10 Contravenção penal é a infração que a lei, de forma isolada, pune com pena de prisão simples ou então de

multa, ou as duas, de maneira alternativa ou cumulada. É, na verdade, um crime de menor potencial ofensivo, que se enquadra dentro das normas legais que regem as contravenções penais. É, portanto, um ato ilícito menos importante que o crime.

11 Lembra-se que é o juiz quem tem autoridade para aplicar a medida socioeducativa. Sempre será a autoridade judiciária, conforme a Súmula 108 do STJ, quando diz que “a aplicação de medidas socioeducativas ao adolescente, pela prática de ato infracional, é da competência exclusiva do juiz.” A ação do Poder Judiciário na execução das medidas socioeducativas refere-se ao aspecto jurídico propriamente de agir quanto às decisões nas questões, em julgar os casos extinguindo ou dando prosseguimento na medida socioeducativa.

12 Audiência admonitória é a chamada ao adolescente, seus pais ou representantes, juntamente com a presença do Ministério Público e Defensoria, onde o juiz procederá à admoestação em caso de advertência ou poderá estabelecer a formalização das regras para a reparação do dano causado, e ainda em casos de PSC - Prestação de Serviços à Comunidade, ou LA – Liberdade Assistida. Trata-se, na verdade, de audiência onde o executado é orientado e também advertido das condições que lhe são impostas no regime semi-aberto ou aberto. Essa audiência possui um caráter simbólico de manifestação do exercício da função jurisdicional do Estado. É a função paternalista do Poder Judiciário, no sentido justamente de advertir. Ver também obra de Liberati (2003).

13 Lembra-se que o Cededicai trabalha em parceria com a Prefeitura Municipal.

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onde todos atuam unidos, no combate à exclusão social. O pensamento do ECA é o de

mostrar a necessidade e a grande importância que há em todos trabalharem juntos, em prol de

causa tão nobre quanto a de cuidar e proteger a infância e a adolescência.

Sendo assim, quanto aos programas de execução da medida socioeducativa em meio

aberto, é visado o atendimento de adolescentes, em prestação de serviços à comunidade e em

liberdade assistida. Ainda, há a permissão de que o adolescente seja incluído em programas

protetivos de que dispõe a comunidade onde reside, conforme menciona o art. 112, inciso VII,

do ECA (SARAIVA, 2006, p. 156).14

O inciso III do art. 112 do ECA autoriza que se aplique a medida socioeducativa de

prestação de serviços à comunidade. Conforme Liberati (2003, p. 102),

a cada dia que passa, percebe-se que a medida ou pena privativa de liberdade não traz benefícios para o segregado nem para a comunidade onde ele vive. Já são muito conhecidas as razões da falência do regime carcerário no País, das dificuldades de mantê-lo e dos resultados obtidos. Por outro lado, com a opção de aplicar a medida socializante e educativa da prestação de serviços comunitários, o infrator e a comunidade vão perceber a finalidade educativa da medida.

Na verdade, o autor faz uma crítica ao sistema penitenciário falido que é aplicado no

Brasil. Seria necessário fazer uma reestruturação nesse sistema, tornando-o eficaz e com uma

visão voltada à reinserção do preso na comunidade, o que, na prática, percebe-se que não

acontece. Por este motivo, se pensa na medida socioeducativa, no sentido de aplicá-la a

infrações leves e pelo caráter educativo e pedagógico que possui.15

Outra medida não-privativa de liberdade sugerida pelo ECA é a chamada Liberdade

Assistida (LA). Segundo Prates (2006, p. 45), a LA é a:

medida de caráter educativo e preventivo de fundamental importância, em que o adolescente infrator será atendido em meio aberto. É dirigida, de regra, a adolescentes reincidentes, que terão um programa especial de atendimento e que serão supervisionados por autoridade competente, para serem reintegrados à comunidade, à escola e ao mercado de trabalho.

Percebe-se, também, na medida de LA, o mesmo aspecto e caráter educacional-

pedagógico. Há o objetivo de proporcionar a ressocialização do menor. Através da supervisão,

o menor será orientado e avaliado, sendo lembrado de que a reincidência no ato infracional

14 Sobre esse tema, ver obra de Volpi e Saraiva (1998), Paula (1989). 15 Sobre o ECA e o Código Penal, no que se refere aos atos infracionais previstos no ECA e à identificação que

estes possuem das condutas tipificadas no Código Penal, ver artigo de Jaime Neto e Teixeira (2000).

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poderá lhe acarretar sérias conseqüências, e que é o interesse de todos os que estão envolvidos

com ele, de trazê-lo de volta ao convívio salutar na comunidade em que ele está inserido.

Sendo assim, cabe lembrar quanto às medidas socioeducativas, que a PSC é uma

maneira de tratamento em meio livre que torna possível ao menor infrator a sua reinserção na

sociedade em que vive. Isso se dá através da realização de trabalhos, mantendo-se o contato

com os familiares e a comunidade do menor, para que possam ajudá-lo na sua readaptação à

sociedade.

Com relação ao trabalho a que se refere no parágrafo anterior, cabe mencionar que o

artigo 68 do ECA traz o conceito de trabalho educativo. Este é uma atividade laboral

organizada por entidades governamentais ou não-govenamentais sem fins lucrativos. Possui

exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e também social da criança e do

adolescente. Neste sentido, esclarece-se que eventuais valores que o menor venha a adquirir

por haver participado com o seu trabalho ou a venda de algum produto, não se configuram

liame empregatício. Ocorre na verdade, uma certa retribuição ao menor pela sua boa conduta

no cumprimento da medida. Serve como incentivo para que este continue contribuindo em

beneficio próprio, da sua família e da sociedade (MINHARRO, 2003, p. 85).

Oportuno lembrar que a Constituição Federal proíbe todo e qualquer trabalho ao

menor de 16 anos, a não ser em casos de aprendiz, a partir dos 14 anos. Sendo assim, por

força da CF/88, ou o adolescente será empregado a partir dos 16 anos ou será aprendiz a partir

dos 14 anos.16

Na PSC, no entanto, o infrator realiza serviços gratuitos e de interesse geral da

comunidade. Quanto ao período do seu trabalho, não poderá ser superior a seis meses e nem a

oito horas semanais. Também haverá prestações aos sábados, domingos, feriados ou durante a

semana, não podendo interferir na freqüência escolar ou na jornada do trabalho. O menor irá

prestar trabalho a entidades assistenciais, escolas, hospitais, creches, asilos etc., desde que

entidades filantrópicas. É uma medida importante e eficaz, assim como a LA. Ocorre, muitas

vezes, a determinação de o infrator cumprir ambas ao mesmo tempo. Esse processo vem

sendo utilizado para infrações de maior gravidade, após período de internação (PRATES,

2006, p. 73-76).

16 Não se aprofundará sobre esse tema, apenas lembra-se a restrição colocada pela Constituição Federal sobre a

questão do trabalho infantil.

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O autor menciona ainda que a PSC possui um caráter social, pois o trabalho colaborará

com entidades filantrópicas. Tem também seu caráter pedagógico, no sentido de que o

adolescente, ao realizar seu trabalho, se sentirá útil e importante na sociedade. Menciona

ainda que, se for correta a aplicação da PSC, como determina o ECA, pode contribuir muito

para que diminua o preconceito social e seja superado o estigma de delinqüência que marca

tanto essas crianças e adolescentes, e que, sem dúvida, é um dos fatores de maior revolta e

sentimento de baixa auto-estima que os desmotiva a deixar o comportamento irregular

(PRATES, 2006, p. 78).

É verdade afirmar, portanto, que para a aplicação eficaz de qualquer medida

socioeducativa, é preciso incentivo e organização do Estado no sentido de tentar encontrar

alternativas fundamentais para a inclusão social da criança e do adolescente. É preciso a

consciência de todos da responsabilidade no que diz respeito ao bem dos menores. É

primordial que funcione o caráter pedagógico e humanitário de uma medida socieducativa

para que os menores infratores possam deixar de fazer parte dessa realidade excludente,

desumana. O importante, além da questão social de conflitos entre os menores infratores e a

sociedade, é demonstrar a esses o interesse no bem-estar social de todos.

4.4 Uma análise crítica dos resultados da pesquisa: a ONG Cededicai e a questão da

ressocialização

Quanto à análise, pode-se dizer que, com base na convivência e nos questionamentos

verbais realizados pela própria ONG, sobre como cada adolescente se sentiu ao participar dos

projetos, o que se observa é que há de fato uma grande satisfação dos adolescentes com a

realização desses trabalhos.

Além dessa perceptível satisfação que envolve o sentimento e a sensação de ser pessoa

útil, foi explicitado por eles o importante fato de receberem a mesada, que muito contribuiu

para o orçamento de toda a família, motivo que muitas vezes, os levava até as ruas, numa

tentativa de levar o sustento para casa.

É notório, nos participantes, em sua grande maioria, um sentimento de auto-estima

elevada onde transparece a alegria de uma conquista. Fica claro o fato de que esse

envolvimento se faz necessário, já que se fala na ressocialização da criança e do adolescente.

Isso permite a eles uma reflexão quanto aos atos infracionais anteriormente cometidos.

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Há relatos de alguns adolescentes que até se consideram felizes pelo fato de terem

conhecido a ONG. Acreditam que, se não tivessem cometido tais atos de infração, não teriam

tido a oportunidade de conhecê-la e, assim, a oportunidade de realização de tais projetos.

Sabe-se, e percebe-se, porém, que nem todos os adolescentes envolvidos se sentem da

mesma forma. Existem crianças e adolescentes com pouca vontade de envolvimento e

participação nos projetos. Afirmam estar na ONG por se tratar de ordem judicial apenas e que

não se sentem à vontade em participar e nem de realizar nada para serem pessoas melhores.

Não demonstram sentimento algum de cidadania. Para estes, pouco importa a sociedade e o

que ela pensa a respeito deles.

O que de fato existe nesses poucos participantes é uma sensação de revolta muito

grande. Revolta esta que fica clara e estampada no tom de voz e na expressão facial de cada

um. É uma sensação de desesperança, de revolta contra tudo e contra todos. Nada agradável

de se ouvir.

Ao conversar com esses adolescentes, se nota, infelizmente, tristeza, fragilidade e total

fragmentação de sentimento de auto-estima com relação à importância pela própria vida. Cabe

afirmar, então, que é de se pensar, cada vez mais, em propostas que venham a trabalhar essas

questões que são tão importantes para a ressocialização dessas crianças e adolescentes.

Isso reafirma, mais uma vez, a necessidade de uma preocupação com esses menores.

Preocupação esta que deve partir do Estado e da sociedade como um todo, visto serem estes

menores o futuro da nação. E, para além de toda teoria, seja social, filosófica ou jurídica, cabe

a ressalva de que importante é pensar na pessoa humana naturalmente digna de respeito.

Utopia ou não, fica a proposta de uma preocupação com o futuro. O amanhã depende

da participação e contribuição de todos. Isso se de fato houver interesse pela continuação da

humanidade, devendo a vida ser considerada como o maior bem, o bem supremo.

Acredita-se na proposta e nos objetivos da ONG Cededicai. Verifica-se que é possível

ressocializar, mesmo enfrentando algumas dificuldades e até descrenças com relação ao

trabalho das ONGs. E, mesmo que não seja possível a inclusão social de todos, vale a chance

de se poder “salvar” a vida de pelo menos uma parte dessas crianças e adolescentes. Ainda

mais quando o que se observa é que ocorre, de fato, a ressocialização em grande parte.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao término deste trabalho é possível perceber a importância da participação do Estado

no que diz respeito à questão da exclusão social. Faz-se necessária uma urgente preocupação,

de fato, do Estado, com a situação degradante em que se encontram milhares de pessoas que

vivem à margem da sociedade, cada dia mais excludente. Percebe-se, também, não só a

importância como a necessidade da participação da sociedade civil para uma real efetivação

da cidadania.

Voltando-se ao foco principal desta pesquisa, ou seja, a ressocialização de crianças e

adolescentes que vivem em situações de risco, percebe-se o mesmo descaso do Estado. São

muitas as crianças e adolescentes que vivem de forma desumana e degradante. É notória, e

cada vez maior, a violência contra os menores, o abuso, o desprezo e o desrespeito com

crianças e adolescentes em toda parte do país. Mas qual seria, afinal, o papel do Estado com

relação à proteção de seus cidadãos, e mais, de suas crianças e adolescentes? O que deveria

ele fazer para resolver essa situação? E, ainda, seria ele capaz de, sozinho, sanar esses

problemas que assolam gravemente a população brasileira?

Por este motivo e para que se chegasse a algumas respostas, foi necessária a

construção de um entendimento do Estado, partindo-se desde o seu surgimento e passando

pelas evoluções ao longo de sua história, até se conseguir chegar ao Estado e sua estrutura nos

tempos atuais.

Iniciando-se a pesquisa, fez-se um apanhado histórico, percorrendo desde as origens

do Estado clássico até chegar ao Estado contemporâneo, ou seja, observou-se desde os

primórdios do Estado clássico (greco-romano), passando-se ao Estado medieval (com a forte

presença da Igreja no poder), após, ao Estado moderno (com a presença do absolutismo e do

liberalismo), até se chegar ao Estado contemporâneo (o Estado social do Welfare State e do

neoliberalismo).

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No primeiro capítulo trabalhou-se, então, o surgimento do Estado Moderno com seus

antecedentes e suas formas absolutas que marcaram a história. Foram vistas, também, as

formas liberais, com os teóricos contratualistas, que foram de suma importância para o

entendimento dessa teoria. Para tanto, buscou-se inicialmente lembrar desde a Grécia Antiga,

onde se encontram as primeiras manifestações com relação ao Estado, e o surgimento de

Atenas, considerada como a máxima da democracia. Tempo em que se teve a presença de

Platão, importante filósofo grego da Antigüidade e considerado um dos principais pensadores

gregos, que destacava a idéia de superioridade da sociedade política. Falava Platão na raça

dos puros e verdadeiros filósofos, e que estes é que deveriam chegar ao poder. Por isso é que,

para ele, a sociedade ideal seria aquela que fosse liderada pelos que possuíam alma racional,

ou seja, pelos filósofos.

Além da importante participação de Platão, teve-se a grande contribuição do também

grego e filósofo Aristóteles, discípulo de Platão e que era bastante incisivo, chamando a

atenção com suas clássicas teorias sobre República e Política. Como formas de governo, eram

consideradas ideais para Aristóteles, teorias puras que iriam se contrapor às impuras. Portanto,

na maneira de pensar de Aristóteles, aqueles que detêm o poder político devem deixar as suas

paixões e os seus interesses de cunho pessoal sempre abaixo dos interesses da sociedade que

governam, no sentido de, assim, não incorrerem numa forma impura de governar.

Sendo assim, pode-se dizer que na Grécia surgiram as primeiras manifestações e

preocupações com o Estado. Mas é verdade que a denominação de Estado, ou status em latim,

de significado forte, firme, é na verdade, a situação permanente de convivência e de ligação à

sociedade política. Concepção essa contemplada na obra de Maquiavel, O Príncipe, em 1513.

Maquiavel buscava um modelo de governo que fosse adequado. Por esse motivo é que,

mencionam alguns pesquisadores e doutrinadores, tudo começou com Maquiavel. Ele se

prendia à verdade dos fatos e das coisas, tendo examinado e avaliado as formas de governo,

os tipos de Estado, as instituições políticas, os modos de administração do Estado, os perfis de

governantes, as relações entre os governantes e os governados e vários outros aspectos e

elementos importantes da vida na política.

O Estado, então, surge pela necessidade que o homem tem de encontrar satisfação para

as suas necessidades fundamentais, pois ele não se basta por si só. É assim, o Estado uma

forma mais complexa do que nação, que passa a surgir quando o poder se institucionaliza.

Foram as deficiências da sociedade política medieval que determinaram as características

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fundamentais do Estado Moderno e o despertar da consciência para a busca da unidade estatal

que se tornaria real na afirmação de uma soberania, ou seja, um governo supremo e

reconhecido como o mais alto de todos dentro de um território delimitado.

Prosseguindo nos estudos, passa-se posteriormente ao Estado Liberal, também

chamado de Estado Constitucional. Este procurava a eficiência na questão da liberdade do

não-constrangimento da pessoa. O grande pressuposto principal deste Estado Liberal é quanto

ao bem-estar comum, atingido em todos os campos e com a menor presença do Estado.

Assim, tem-se uma visão bastante otimista, que parte da constatação do livre jogo dos

diversos egoísmos que passará a produzir o bem-estar da coletividade. Porém, a verdade é

que, em vários aspectos, a presença do Estado foi necessária para suprir certas omissões, tanto

na coibição de abusos, como também para empreender objetivos que não foram atingidos por

essa livre iniciativa. Por esse motivo, deu origem ao Estado Social.

Prosseguindo na História, pode-se afirmar que, com Grócio, tem-se a nova visão

jurídica da modernidade centrada no indivíduo. Assim, a teoria do direito natural moderno

tomou corpo sob a forma do contratualismo. Foi a partir desse momento que a organização

dos indivíduos em sociedade passou a ter justificativa que parte do próprio homem que,

estando em estado de natureza, faz um acordo, chamado de pacto social, donde surge o

Estado-de-Direito, pelo então consenso legitimado.

O conceito de Estado, entretanto, é recente. Assim, o Estado passa a ser visto e

considerado uma experiência da modernidade, passando por várias etapas, desde a monarquia

até a democracia e aos Estados totalitários. Falou-se também do declínio da sociedade

internacional moderna surgida com a Paz de Westfália e o ruir de seus pilares mais sólidos.

Esse é um período de afirmação do Estado moderno como uma entidade política autônoma, de

um monopólio da coação física legítima e soberana. Deste modo, o Estado, no decorrer do

mundo moderno, acabou por se conformar com a potência soberana e uma política

independente.

Neste sentido, é visível notar que o Estado-nação precisa rever a sua política

legislativa. Nesse período, se fez necessária uma reformulação de sua estrutura. Assim, o

surgimento do Welfare State trouxe uma proposta inovadora do Estado Social de caráter

intervencionista, mas também garantidor dos direitos de seus cidadãos. Ingressa-se, então, no

Estado contemporâneo em que se percebe a forma avassaladora do neoliberalismo a invadir o

mundo.

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Neste cenário, é preciso que se repense o Estado contemporâneo do ponto de vista de

uma estrutura que lhe é própria, tendo em vista as transformações que lhes são impostas no

que tange à questão social. Isto lhe concede um caráter finalístico de função social, o que

significa que o leva a um Estado Social de caráter necessário e, obrigatoriamente,

intervencionista.

É necessário, portanto, segundo sugerem pesquisadores, que se organize o Welfare

State. Nos tempos atuais, é muito importante a busca de novas estratégias de longa duração,

na luta pelo social, pelo interesse de todos. Trata-se de uma luta possível, luta por ideais que

devem ser respeitados, luta pelos direitos fundamentais, pelos direitos que dizem respeito à

dignidade da pessoa humana, direitos do ser cidadão.

O segundo capítulo trata justamente da questão da cidadania. Constatou-se que ela é

um direito de todos. Trabalhou-se desde os tempos gregos até os dias atuais para perceber

suas conquistas nos direitos civis, sociais e políticos. Mencionou-se sobre as revoluções do

liberalismo, muito marcantes para a humanidade.

Com relação ao estudo da cidadania, ficou evidente a importância de sua efetivação

para a real concretização da inclusão do indivíduo na sociedade em que vive e se relaciona.

Este indivíduo é considerado como alguém que integra o Estado, e por este motivo deve ser

acolhido e respeitado como pessoa humana, portadora de direitos.

Quando se menciona a respeito da cidadania em termos de Brasil, lembrou-se também

do quão difícil foi para este construí-la. Pode-se afirmar que a cidadania é um estatuto jurídico

e este possui os direitos e os deveres do indivíduo com relação ao Estado. Sendo assim,

diferencia-se a expressão cidadania de cidadão. Cidadão é o indivíduo na posse dos seus

direitos políticos, enquanto que cidadania é expressão da qualidade de ser cidadão, com o

direito de fazer valer as prerrogativas que provêem de um Estado que é democrático. Então,

diz-se que exercitar a cidadania é de fundamental importância para o indivíduo, por ser um

direito seu. Tanto isso é verdade que, sem ela, não há que se falar em participação do

individuo, não há que se falar em democracia.

Salienta-se que o cidadão, independente das suas origens, deve ser igualado a todos os

outros cidadãos que fazem parte do conjunto da sociedade. O cidadão é um indivíduo, igual a

todos os demais. A partir desta premissa de igualdade surge o princípio de que todos os

homens são iguais perante a lei. É importante lembrar da figura do cidadão enquanto sujeito

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de direito. O Estado é um produto da vontade do cidadão, que se submete ao seu poder.

Assim, cabe ao Estado zelar pela conservação da vida e da integridade física dos seus

cidadãos.

Importa lembrar que, desde a Declaração dos Direitos do Homem e do cidadão, nessa

nova ordem de cidadania existiam duas dimensões, uma universal e outra nacional. Por esse

motivo é que todo homem passa a ter protegidos os seus direitos naturais. É certa a conclusão

de que ter cidadania é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, é ter igualdade perante a

lei. É ter respeitados os direitos civis, políticos e sociais. É poder participar do destino da

sociedade. Votar, ser votado, ter direito à educação, ao trabalho, a um salário justo, ter direito

à saúde, a uma vida com dignidade. Para se exercer uma cidadania plena, importa que se

exerçam os direitos civis, políticos e sociais. Aí, sim, fala-se em viver com dignidade.

Quando se menciona a respeito da cidadania no Brasil, percebe-se que há uma

reprodução de desigualdades e que estas se reproduzem de tal forma, ganhando, assim, outras

dimensões. Mas é verdade que, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a

cidadania, juntamente com o princípio da dignidade da pessoa humana, passa a ser o

fundamento do Estado Democrático de Direito brasileiro. Motivo pelo qual o Estado passou a

ser o espaço público de acesso à cidadania.

A Constituição de 1988 outorgou a todos os cidadãos uma soberania juntamente ao

Estado. A declaração constitucional dos direitos do cidadão equipara-se à declaração

constitucional dos deveres do Estado. Portanto, o que a Constituição declara é que os direitos

fundamentais ou os fundamentos do Estado democrático de direito são um dever do próprio

Estado.

Ao se estudar sobre a cidadania, fica claro que cidadão é o indivíduo que goza de seus

direitos civis e políticos e, por extensão, é verdade dizer que cidadania, nada mais é do que a

qualidade ou o estado de ser cidadão. Assim, ser cidadão implica ter e também exercer a

cidadania. Poder gozar dos direitos civis e políticos e cumprir com os deveres para com o

Estado e a comunidade.

Viu-se que a cidadania é a manifestação das prerrogativas políticas que uma pessoa

possui dentro de um Estado democrático. É um estatuto jurídico onde se encontram os direitos

e os deveres da pessoa com relação ao Estado. A expressão cidadão volta-se ao desígnio do

indivíduo na posse de seus direitos políticos. É a cidadania tida como sendo a qualidade de ser

cidadão.

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Voltando-se ao caso do Brasil, constata-se que os direitos políticos foram concebidos

antes que o povo tivesse adquirido os direitos civis. Tanto é verdade que os brasileiros não

tiveram uma participação na reivindicação e conquista de seus próprios direitos. Ou seja, os

direitos políticos aconteceram sem a manifestação da vontade do povo, o que sem dúvida

prejudicou a percepção da consciência da cidadania no Brasil.

Fica claro, portanto, que se faz necessária uma reflexão sobre o problema da

cidadania. Que se pense a respeito de seu real significado e de suas perspectivas. Saber que,

quando a cidadania é plena, ela integra liberdade, participação e igualdade para todos. Esse,

diga-se, é um ideal que serve de parâmetro de qualidade da cidadania.

Após realizar o estudo sobre o Estado e a cidadania, pode-se perceber que o Estado,

por si só, não possui as condições necessárias de proporcionar a igualdade a todos os

cidadãos, visto os motivos já colocados anteriormente. Entra-se, então, na participação da

sociedade civil, na representação das ONGs, como sendo uma tentativa de garantir uma vida

mais digna aos cidadãos, tema este tratado no terceiro capítulo da pesquisa.

A sociedade civil é uma esfera não-estatal de influência emergente do capitalismo e

também da industrialização que leva em consideração a efetiva proteção dos cidadãos contra

os abusos de direitos. Ela é a representação de uma esfera do discurso público dinâmico e

participativo entre o Estado, a esfera pública, composta de organizações voluntárias, e a esfera

do mercado, referente a empresas privadas e sindicatos.

Convém mencionar que a cidadania é reforçada pelo Estado, enquanto a sociedade

civil abrange grupos em harmonia ou em conflito. A sociedade civil cria seus grupos, fazendo

pressão sobre determinadas opções políticas, que acabam por produzir estruturas

institucionais que vêm a favorecer, por sua vez, a própria cidadania. A sociedade civil

consiste assim, e principalmente, na esfera pública, onde há a luta das associações e das

organizações que se envolvem na discussão pela cidadania.

É pertinente também que se fale sobre a questão da dualidade Estado e sociedade civil.

É este o mais importante dualismo no moderno pensamento do mundo ocidental. Isso porque

o Estado é uma realidade que foi construída, é uma criação artificial e moderna se comparada

com a sociedade civil. Então, as sociedades são formadas, enquanto que os Estados são feitos.

Neste sentido, pode-se dizer que o Estado, enquanto uma realidade construída é a própria

condição necessária da existência da sociedade civil. Por esse motivo é que alguns autores

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compreendem a sociedade civil como a própria constituição do Estado. Assim, há uma

Constituição que garante a segurança, a paz, a decência, a participação, a propriedade, etc.

Atualmente, a sociedade civil é entendida como a esfera das relações entre os

indivíduos, entre os grupos e entre as classes sociais que passam a se desenvolver à margem

das relações de poder caracterizadas pelas instituições estatais. Cabe dizer que a sociedade

civil e o Estado são duas entidades com relação entre si, pois entre elas existe um contínuo

relacionamento. É verdade que a sociedade civil, de forma organizada, poderá garantir e

possibilitar que surjam organizações, instituições e movimentos sociais que sejam realmente

capazes de atuar, transformando assim a cruel realidade social. A sociedade civil é, sem

dúvida, o espaço das lutas sociais.

Analistas asseguram que, desde o momento histórico do surgimento do Estado

moderno, a problemática da relação entre o Estado e a sociedade é ponto central de vários

estudos. Verifica-se o problema da construção e da consolidação do Estado nacional frente à

situação de uma sociedade fragmentada. Mas foi a partir da década de 70 que o Estado, já

consolidado em relação à sociedade, entra na crise fiscal, ao mesmo tempo em que é colocada

em questão a sua estratégia de intervenção nos campos econômico e social. Nessa situação,

acentuada pela globalização, é necessária uma reforma ou a própria reconstrução do Estado.

Diante da crise do Estado e do grande desafio que a globalização representava, a

sociedade civil se mostrou interessada na redefinição do papel do Estado para, mediante

intervenções, fortalecê-lo. Por isso se pode dizer que é verdade que a sociedade civil, estando

entre a sociedade e o Estado, deixa de ter um caráter de passividade.

Cabe lembrar que, entre os atores da sociedade civil, estão os movimentos sociais, as

ONGs, as associações de moradores e as entidades filantrópicas, os grupos de base e de mútua

ajuda, os sindicatos, as entidades estudantis, todas as formas de associativismo, informais e

esporádicas. Todos esses lutam para tentar encontrar soluções aos problemas sociais,

ampliando os direitos políticos e a conscientização da cidadania. Fazem parte da sociedade

civil homens e mulheres engajados na cidadania ativa, agindo e transformando a sociedade.

É importante lembrar que as políticas neoliberais se consolidam no final dos anos 90,

período em que o moderno passou a ser visto como o atraso. A partir daí se deu o crescimento

descontrolado da pobreza, do desemprego e da violência urbana. Neste contexto, tão desigual,

se torna ainda mais importante o papel da sociedade civil, na tentativa de sanar, ou pelo

menos amenizar, a tamanha crise de desigualdades. É pertinente afirmar que a sociedade civil

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ainda está em fase de construção histórica. Isto se dá porque a cada dia que passa o seu

significado se transforma, mais e mais. Mas, de fato, pode-se afirmar que sua participação

muito contribui para a concretização de uma realidade mais humana, de uma efetiva

cidadania.

A participação ativa da sociedade civil se dá também por meio do funcionamento das

Organizações Não-Governamentais (ONGs). Estas se constituíram em novos e dinâmicos

atores. As ONGs são organismos criados pela sociedade civil, por intermédio da associação

voluntária de cidadãos. Elas não se configuram como estruturas intergovernamentais, ou

como organismos criados e sustentados pelos Estados modernos. São consideradas as

estruturas voluntárias da cidadania.

Surgem as ONGs por causa dos espaços vazios deixados pelo Estado e pelas

organizações internacionais devido à incapacidade desses em muitas situações. Pelo fato de

não terem solucionado vários problemas vividos pelos mais variados segmentos do povo, e

isso, diga-se, também em nível mundial. Desta forma, o Estado perde cada vez mais sua

credibilidade, no sentido de ter capacidade em dar atendimento às demandas de problemas

sociais, bem como de poder propiciar o bem-estar social e melhorar a qualidade de vida da

população.

As ONGs surgiram por volta dos anos 70 (século 20), nos países considerados

desenvolvidos e se espalharam pelo mundo todo, como uma forma alternativa de gestão da

sociedade, diferente das suscitadas pelo Estado moderno e pelas organizações internacionais.

Elas nasceram, é verdade, da grande necessidade que a sociedade enfrentava. Por intermédio

das ONGs, a sociedade tem buscado suprir suas necessidades e ver formas que sejam

alternativas para a solução dos problemas sociais que assolam a população.

Com o surgimento das ONGs, há uma verdadeira maturidade e participação das

pessoas, dos cidadãos, nas questões da sociedade. São as novas formas de representação

política. As ONGs são uma criação de iniciativa privada, e atuam sem fins lucrativos em

atividades de interesse geral. Consideram-se movimentos que visam trabalhar temas

democráticos, a cidadania, as liberdades, a identidade cultural e, é claro, as questões voltadas

para a sustentabilidade da vida humana na Terra, o meio ambiente global, o desarmamento

nuclear, etc.

De fato, as ONGs possuem responsabilidade muito grande na sociedade civil. Um

papel de crucial importância, que busca alternativas para a crise ecológica e a crise social que

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vêm ameaçando o mundo, por intermédio da globalização da pobreza, que assola cada vez

mais a humanidade. Elas têm o compromisso de uma ética que objetiva a emancipação do

sujeito, proporcionando-lhe a efetivação de sua cidadania.

O trabalho que as ONGs realizam é, na verdade, um trabalho árduo, no sentido de que

o combate à discriminação social, à pobreza em grandes proporções e tudo o que isso implica,

não é de fácil resolução. Faz-se necessária a participação, o envolvimento de pessoas que

realmente tenham a vontade de lutar contra as desigualdades desumanas que varrem a

esperança e a dignidade de milhares de seres humanos. Essas questões colocam em dúvida o

desenvolvimento da humanidade. Como, porém, em meio a tantas desigualdades e incertezas,

em meio a tanta pobreza e injustiças sociais, será possível que se fale em desenvolvimento?

É neste sentido que cabe lembrar os fins e os meios do desenvolvimento que Amartya

Sen (2000) coloca de forma magnífica em sua obra Desenvolvimento como liberdade sobre tal

questão. Segundo o autor, há uma visão que considera a questão do desenvolvimento um

processo que se efetiva de modo feroz e com muito sangue, suor e lágrimas. É preciso que se

pense em redes de segurança social de proteção aos pobres, no fornecimento de serviços

sociais para a população em geral, no afastamento da inflexibilidade das diretrizes em

respostas às dificuldades assim identificadas. É necessária muita disciplina para que ocorra o

desenvolvimento. Este deve ser visto como um processo de expansão das liberdades reais que

as pessoas devam desfrutar. Essa expansão da liberdade é considerada o fim primordial e o

principal meio do desenvolvimento. O autor a considera o papel constitutivo e instrumental no

desenvolvimento para o enriquecimento da vida humana. Tais liberdades substantivas inserem

as capacidades que são elementares, como a de ter condições de evitar as privações da fome, a

subnutrição, a morbidez evitável e a morte prematura, assim como as liberdades que dizem

respeito a saber ler, calcular, ter participação política, liberdade de expressão, etc. Na

percepção constitutiva, o desenvolvimento envolve a expansão de liberdades que são

humanas. A sua avaliação se baseia, necessariamente, em tal consideração.

O autor ainda considera que as liberdades são integrantes do enriquecimento desse

processo de desenvolvimento. Ele menciona a liberdade como meio, ou seja, a liberdade

instrumental. Cita alguns tipos de liberdades instrumentais, como as liberdades políticas, as

facilidades econômicas, as oportunidades sociais, as garantias de transparência, a segurança

protetora. São essas liberdades instrumentais que podem contribuir para a capacidade geral da

pessoa poder viver livremente e umas complementam as outras, visto que a liberdade não é

considerada apenas o objetivo primordial do desenvolvimento, e, sim, o principal meio.

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Cabe dar mais ênfase, neste momento, em função desta pesquisa, às oportunidades

sociais. Estas são, segundo Sen (2000, p. 56),

as disposições que a sociedade estabelece nas áreas de educação, saúde, etc., as quais influenciam a liberdade substantiva de o indivíduo viver melhor. Essas facilidades são importantes não só para a condução da vida privada (como, por exemplo, levar uma vida saudável, livrando-se de morbidez evitável e da morte prematura), mas também para uma participação mais efetiva em atividades econômicas e políticas.

Sen (2000) continua se referindo à questão da pobreza como uma privação das

capacidades básicas. Ele não vê a pobreza apenas como uma questão de renda baixa, vai

muito além disso. Menciona a pobreza de renda e a pobreza de capacidade, ou seja, pobreza

como inadequação de capacidade e pobreza como baixo nível de renda. Para ele, as duas estão

vinculadas, tanto é verdade que a renda é um meio muito importante de se obter capacidades.

Além disso, o autor adverte sobre a questão do desemprego como outro fator gerador de

impedimento do desenvolvimento. Diz que os efeitos do desemprego, além da perda de renda,

têm a ver com a própria vida das pessoas. Ele pode causar vários outros tipos de privações.

Existem provas de que o desemprego abala o psicológico, pois o indivíduo se vê numa

situação de perda de motivação para viver, perda de suas habilidades e da autoconfiança.

Ainda, há o aumento de doenças, perturbações das relações familiares e da vida em sociedade.

Isso vem a intensificar a exclusão social e a própria questão da violência, cada vez mais

presente nos dias atuais.

É verdade que muitas crianças se encontram hoje em situação de risco, por todos os

fatos anteriormente ditos. Na verdade, são vários os motivos que levam muitas vezes milhares

de crianças e adolescentes a buscar nas ruas soluções variadas para seus problemas. Cita-se a

fome, o desemprego dos pais, a falta de educação, etc., como os motivos mais admitidos. Mas

sabe-se que há vários outros que se seguem. Os maus tratos, o desprezo, o desamparo levam,

a cada dia que passa, estes seres ao universo das drogas e da prostituição, do furto, do roubo,

do homicídio, do suicídio, etc., aumentando o quadro de alarmante violência.

Continuando, então, a se falar da importância da sociedade civil e das ONGs como

forma que amenizar o quadro de exclusão social, cabe lembrar que há uma crítica a respeito

da legitimidade das ONGs. Alguns autores críticos reivindicam a possibilidade de

averiguação do funcionamento destas e se, de fato, a visão é de incluir. Dizem esses críticos

que muitas destas ONGs podem, na verdade, apenas se aproveitar do fracasso do Estado e de

suas políticas, cabendo então uma certa fiscalização neste sentido.

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Mesmo assim, existindo críticas, havendo desvios e incertezas, é de se concluir que é

de suma importância a participação das ONGs no que tange à integração da sociedade civil

mediante os projetos que defendem e valorizam os interesses da coletividade e das pessoas

excluídas. Efetivam, em muitos casos, políticas públicas que concretizam e possibilitam a

cidadania dos indivíduos, em especial dos menores que estão em situação de risco.

Sendo assim, trabalhou-se ainda, no terceiro capítulo, a questão da ressocialização do

menor infrator. Utilizaram-se conceitos extraídos de doutrinas para que se pudesse situar o

leitor quanto à figura e às características deste menor que cumpre medidas socioeducativas.

Lembra-se que, além disso, relatou-se a respeito da violência juvenil, por se tratar de uma

realidade na vida de muitas crianças e adolescentes que vivem, ou que passam a maior parte

de seu tempo nas ruas.

Por fim, no quarto capítulo se trabalhou sobre a ONG Cededicai, do município de Ijuí.

Falou-se do papel que esta desenvolve com crianças e adolescentes, na busca de

ressocialização de crianças e adolescentes. Percebeu-se que o Cededicai é uma ONG sem fins

lucrativos que desenvolve projetos com vistas a propiciar o desenvolvimento da percepção do

ser cidadão, da busca do reconhecimento da auto-estima. A importância da construção da

definição do ser cidadão e a concepção de pessoa portadora de direitos e deveres como

indivíduo digno de ter seus direitos respeitados e protegidos são trabalhos que o Cededicai

vem desenvolvendo e obtendo bons resultados até os dias atuais.

Esta pesquisa mostra que, apesar de tantos motivos que causam decepções e

desesperanças em uma realidade social excludente, onde é possível a constatação da situação

desumana em que se encontram crianças e adolescentes, ainda pode-se dizer que há que se

falar em esperança. Utopia ou não, é preciso que se vislumbrem novas oportunidades para a

resolução dos problemas sociais que assolam a nação brasileira, seu povo e o seu futuro, que

são as crianças e os adolescentes. É preciso que se lute diariamente para a concretização da

real e tão almejada cidadania.

Concluindo, acredita-se que o futuro pode ser moldado por todos, basta que se tenha

como base as escolhas certas. Que se tenha o interesse em respeitar os valores, as liberdades,

os direitos fundamentais. Que se priorize o ser humano e que se materialize a dignidade da

pessoa humana.

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M346i Marks, Andréia Darde.

A importância das organizações não-governamentais para a inclusão social e a concretização da cidadania – o exemplo do Cededicai Ijuí/RS / Andréia Darde Marks. – Ijuí, 2008. – 135 f. ; 30 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Desenvolvimento, 2008. “Orientador: Dejalma Cremonese”.

1. ONGs. 2. Cidadania. 3. Menor infrator. 3. Cededicai. I.

Cremonese, Dejalma. II. Título. CDU: 061.2

342.71

Catalogação na Publicação

Patrícia da Rosa Corrêa CRB10 / 1652

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