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A HUMANIZAÇÃO HOSPITALAR NO TRATAMENTO DO CÂNCER

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Trabalho de Conclusão de Curso do curso de Jornalismo da Universidade Católica de São Paulo. Aluna: Sylvia Milan. Orientador: Marcos Cripa. Banca: Flaminia Lodovici e Rosali Isabel Barduchi Ohl.

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A humAnizAção hospitAlAr no trAtAmento do câncer

Sylvia Costa Milan Veiga

A HUMANIZAÇÃO HOSPITALAR NO TRATAMENTO DO CÂNCER

Sylvia Costa Milan Veiga

Sylvia Costa Milan Veiga

A HUMANIZAÇÃO HOSPITALAR NO TRATAMENTO DO CÂNCER

São Paulo

2012

Pontifícia Universidade Católica de São PauloComunicação Social - JornalismoTrabalho de Conclusão de Curso

A humanização hospitalar no tratamento do câncerSylvia Costa Milan Veiga

Orientação Editorial: Marcos CripaOrientação Gráfica: Valdir Mengardo Revisão Gramatical: Irene Novotny Projeto Gráfico: Sylvia Costa Milan Veiga

Faculdade de Filosofia, Letras e Artes - FaficlaRua Monte Alegre, 971 - PerdizesSão Paulo - SP

Novembro - 2012

Aos pacientes e profissionais, para que enxerguem o seu cotidiano sob uma nova ótica;e a todos nós, para que não aceite-mos ficar passivos perante a dor do outro.

Agradecimentos

Agradeço em primeiro lugar àqueles que me deram a vida em muitos sentidos: me ensinaram o valor do amor desde antes do meu nascimento, me ensinaram o valor da conquista desde os meus primeiros sonhos, me ensinaram o valor de cumplicidade desde as minhas primeiras necessidades, me ensinaram o valor do apoio desde as minhas primeiras decepções e me ensinam o valor de família em cada gesto do nosso dia a dia. Aos meus pais, Maria da Luz e Claudio, a minha maior gratidão e meu maior amor. Também à minha família agradeço (avós, tios e primos), que me ensinaram a respeitar todas as pessoas em sua individuali-dade e a amar o próximo sempre. Agradeço às pessoas iluminadas que me levaram a conhe-cer esse mundo de humanização hospitalar, entre elas Rosângela Manteigas e Darcy Carvalho. A dedicação de todas elas me co-moveu a pesquisar sobre o assunto e me envolveu no seu lema: “Quando as mãos se entrelaçam, a dor diminui”. Não posso esquecer-me de todas as pessoas queridas que fazem parte do meu cotidiano e, em meio às suas próprias preocu-pações, me ajudaram a escrever este livro. Henrique Ohl, Janaina Carvalho, Tamara Alves, Jussara Caetano, Gabriela Doninho, Julia Boarini, Thamires Freitas, Renan Ferreira e tantos outros: muito obrigada por cada contribuição. Por último, quero agradecer a todos os entrevistados deste trabalho, que me acolheram, me abriram espaço em suas agendas e em suas intimidades, me receberam com tanto carinho e respeito, e me ajudaram a concretizar esse sonho.

Sumário

Apresentação........................................................................................11

Por que esses hospitais?......................................................................15

Câncer: o diagnóstico e as estatísticas...............................................17

Humanização........................................................................................22

Humanização hospitalar......................................................................25

Instituto de Tratamento do Câncer Infantil....................................34

Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira...................................................................................................41

Hospital de Câncer de Barretos.........................................................49

Hospital A.C. Camargo.......................................................................59

Considerações finais............................................................................67

Referências bibliográficas....................................................................69

Anexo A................................................................................................73

A escolha de escrever sobre o câncer, um assunto tão forte, in-trinsecamente ligado ao medo e à morte, não foi fácil. Foi

preciso coragem para tomar a decisão de entrar no mundo hospi-talar, mas a vontade de falar sobre isso era grande, uma vontade antiga da adolescência. A minha primeira experiência com o câncer foi por meio de um trabalho voluntário em um grupo de jovens do qual eu par-ticipava, em 2003, quando eu tinha 14 anos. Foi uma festa de fim de ano para as crianças com câncer que se tratavam no Instituto de Tratamento do Câncer Infantil (ITACI). Eu participava do grupo “Adolescência Missionária”, do qual fazia parte uma voluntária da causa do câncer infantil. A festa foi organizada pelo nosso grupo para proporcionar às crianças e suas famílias alguns momentos de alegria e brincadeiras. A Adolescência Missionária é um grupo de jovens da Igreja Católica, que se reúne aos sábados à tarde na Paróquia Dom Bosco do Alto da Lapa. Na época éramos aproximadamente 30 pessoas, lideradas por vários casais. Fazíamos atividades de artesanato, mú-sica, esportes e teatro. Além disso, nos eram passados princípios de solidariedade e religiosidade na vida comunitária: fazíamos visitas a orfanatos, asilos e em especial a uma Casa de Apoio para famílias de crianças com câncer. Nesse contexto, realizamos a festa de fim de ano. Dessa festa não participaram apenas as crianças da Casa de Apoio José Eduardo Cavichio, a qual visitávamos, mas dezenas de crianças que se tratavam no ITACI, hospital ligado ao Instituto da Criança do Hospital das Clínicas de São Paulo. Os primeiros minutos da festa foram de reconhecimento. As crianças reconhecendo o local que estavam visitando pela pri-meira vez, vendo onde estavam os brinquedos, o que tinha pra co-mer, onde estavam seus amigos. E nós, voluntários, reconhecendo aquelas crianças, muitas sem cabelo, outras em cadeiras de rodas, tantas mutiladas pelo câncer.

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Após esses primeiros minutos, tudo se tornou natural. O local ficou comum para aquelas crianças, que já corriam de um brinquedo para o outro e de um voluntário para outro. E aquelas crianças com evidências de câncer se tornaram para nós apenas crianças comuns, com as quais estávamos brincando e nas quais tínhamos que dar bronca quando faziam muita bagunça. Foi ali que percebi que, apesar de toda a brutalidade da doença, pessoas são apenas pessoas. Essas crianças passam por uma experiência diferente de infância, lidando com o desespero dos pais, o tratamento, o sofrimento, a rotina do hospital. Mas a infância continua. São crianças que querem correr, se divertir, co-nhecer coisas novas, como qualquer outra criança. Essas festas de final de ano se repetiram por mais algum tempo. Entre uma e outra festa, recebíamos a notícia de que algu-ma criança que conhecemos estava curada, outras vezes recebía-mos a notícia da morte de alguma delas. Por vezes vimos meninas que de um ano para o outro pareciam bem mais saudáveis, mas por vezes vimos o contrário também. Na semana que antecedia a festa, todos nós parávamos para rezar. Queríamos que fizesse sol, pois nossas festas eram ao ar livre e, se chovesse, vários pacientes não poderiam ir, por conta do risco de pegar resfriado. E, mais do que tudo, torcíamos para que não acontecesse nada de grave com nenhuma das crianças. Quan-do havia algum óbito perto da data da festa, as pessoas envolvidas com aquele paciente nem vinham à comemoração. As crianças e, principalmente, os pais ficavam abalados, sentindo a perda de uma pessoa querida e imaginando se isso não iria acontecer com eles próprios. Numa dessas festas, uma história me marcou. Uma adoles-cente me contou sobre um passeio que os jovens pacientes fizeram num ônibus fretado. Como é comum à idade, eles estavam fazendo uma algazarra no ônibus, até que o motorista perdeu a paciência e deu uma bronca neles. A menina me contou isso como algo muito positivo, porque ela sentia falta de receber uma bronca. Todo lugar em que iam eram tratados como os “pobrezinhos”, os “doentes”,

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ninguém os tratava como jovens normais. Foi naquela bronca que ela se sentiu adolescente de verdade. Essas e outras histórias me comoveram e me fizeram se-guir mais adiante nesse caminho. Fui então fazer uma visita ao ITACI, o que só ocorreu depois das voluntárias de lá acharem que eu estava preparada para o que veria lá dentro. Na festa apenas as crianças em melhores condições podiam ir, mas no hospital eu veria todas as outras, as que nem podiam sair de lá. Foi com essa experiência que me encantei pelo tema da humanização hospitalar no tratamento do câncer. O ITACI, di-ferentemente de outros hospitais que eu conhecia, era feito para essas crianças: a arquitetura, a brinquedoteca, as cores nas paredes e, principalmente, o cuidado com as crianças. Ali não era apenas um lugar de dor, era um lugar de cuidado total.

Fotos de arquivo pessoal. Acima, Mc Dia Feliz de 2007 em prol da CA-JEC. À direita, festa de final de ano em 2006 para as crianças do ITACI.

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Anos depois, ao ter que escolher um tema para fazer meu Trabalho de Conclusão de Curso, pensei logo em fazer sobre a questão da humanização hospitalar. Ponderei se não seria melhor fazer sobre outro assunto, algo mais leve, talvez mais fácil. Porém a vontade de pesquisar e poder mostrar a todos como podem ser tratados os pacientes com câncer foi mais forte. Quando escolhi fazer faculdade de Jornalismo, fui movida pela vontade de usar minha facilidade com as palavras para ajudar as pessoas e pelas possibilidades que a profissão nos dá de levar conhecimento e consciência para a população. É com fé ainda nes-se tipo de Jornalismo que eu escrevo este livro, com o intuito de tornar públicas iniciativas que melhoram a vida dos pacientes com câncer para que os profissionais saibam que é possível cuidar deles de um modo diferente e para que as pessoas saibam que podem encontrar este tipo de tratamento quando precisarem. Eu poderia escolher o outro lado e mostrar situações de-gradantes pelas quais os doentes passam no nosso país, sem acesso a um tratamento digno. Essa visão é importante para que tenha-mos consciência do que acontece no nosso país e, assim, tomemos uma atitude. Porém, apenas mostrar o que há de errado não era o que eu queria. Acho necessário mostrar que há um caminho a ser seguido para sairmos desse beco aparentemente sem saída. Neste trabalho você encontrará pessoas e instituições que levam a saúde a um nível mais humano. São boas ideias que qual-quer um de nós pode levar para o nosso trabalho e o nosso dia a dia. Há uma música da cantora argentina Mercedes Sosa que muito me inspira. Ela se chama “Solo le pido a Dios”, e, traduzida para o português, diz assim: “Eu só peço a Deus/ que a dor não me seja indiferente,/ que a morte não me encontre um dia/ solitário sem ter feito o que eu queria”. (A música na íntegra está no Anexo A). É motivada por esta música que eu não sigo indiferente à dor e tento, com este trabalho, apresentar outras possibilidades de relacionamento humano. Apostando nisso, a morte não me encon-trará sem eu ter feito o que eu queria.

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Por que esses hospitais?

São Paulo é o maior estado do Brasil em número de pessoas, tendo mais de 40 milhões de habitantes. Só na sua capital vi-

vem mais de 10 milhões de pessoas, o que a torna a maior cidade e também a capital econômica do nosso país. Na cidade de São Paulo, e na sua região metropolitana, vi-vem pessoas de vários lugares do mundo e de outras cidades do Brasil. São pessoas que vêm em busca de trabalho, oportunidades de estudo e também de tratamentos de saúde. De acordo com dados da Federação Brasileira de Hospi-tais, o Brasil possui 6.801 hospitais, entre públicos, privados e uni-versitários. O DATASUS aponta que quase 900 deles ficam no Es-tado de São Paulo, mais de 200 apenas na capital. Além do grande número, em São Paulo estão os hospitais com maiores inovações tecnológicas do país, como o Hospital das Clínicas, o maior e mais renomado complexo hospitalar da América Latina. Famosos e políticos vêm se tratar nos hospitais particula-res da cidade, como a presidente Dilma Rousseff, o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, a atriz Claudia Rodrigues e o cantor Pe-dro Leonardo. Pessoas comuns de todos os estados (e até outros países da América Latina) são encaminhadas para os hospitais em São Paulo, para serem tratadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Com relação à humanização, muitos hospitais do Estado de São Paulo têm iniciativas de sucesso. O Centro Infantil Boldrini, em Campinas, é um bom exemplo de humanização no tratamento ao câncer infantil. Há também outras iniciativas em São José dos Campos, Santo André e outras cidades. Por tudo isso, escolhi falar sobre os hospitais de São Paulo, que têm trabalhos inovadores em relação à humanização no trata-mento de pessoas com câncer. Dentre os hospitais deste estado, relato abaixo os motivos da escolha destes quatro hospitais: ITACI, Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, Barretos e A.C.Camargo.

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Como já dito no capítulo anterior, o ITACI foi a semente da ideia, portanto é de grande importância neste trabalho. Seu di-ferencial é ser um hospital exclusivo para crianças, desde sua fun-dação, o que torna a humanização um ponto bastante importante. Ele foi escolhido para representar os hospitais infantis. O Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) é o maior centro de tratamento do câncer hoje na cidade de São Paulo e já nasceu com o lema de humanizar. É um grande exemplo por ter sido pensado e implantado pelo poder público, representando, portanto, os hospitais públicos. O Hospital de Câncer de Barretos é referência no país, atendendo pacientes de mais de 1.300 municípios de todo o Brasil. Desde sua fundação, na década de 1960, há a preocupação de tratar o paciente como único e não transformá-lo em mais um número. Ao falar sobre a humanização no tratamento do câncer, não se pode deixar de falar do atendimento aos pacientes do Hospital de Barretos. Ele é o representante dos hospitais de fora da capital. O Hospital A.C.Camargo é um dos grandes hospitais do Brasil, sendo referência em tratamento multidisciplinar, ensino e pesquisa do câncer. Seu diferencial é a preocupação com o bem-estar do paciente e não apenas sua cura física. É o representante da iniciativa privada. A escolha desses hospitais se deu a partir da minha experi-ência particular, de conhecidos meus que tiveram câncer e se trata-ram nessas unidades, e do reconhecimento público que eles têm. Todos esses hospitais atendem pelo Sistema Único de Saú-de, o que foi, também, um fator determinante na escolha. Essas unidades, embora tenham, obviamente, limitações de vagas, são feitas para atender a todo e qualquer brasileiro que necessite de tratamento, sem importar de onde ele veio ou qual é sua situação financeira. O que diferencia esses de tantos outros hospitais públicos é que as pessoas carentes têm acesso a inovações tecnológicas e a um atendimento mais humano, o que a meu ver faz a diferença no tratamento e cura de sua doença.

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Câncer: o diagnóstico e as estatísticas

O que é câncer?

Segundo a Associação Brasileira de Linfoma e Oncologia (ABRALE):

o câncer é definido como um tumor maligno, mas não é uma doença única e sim um conjunto de mais de duzen-tas patologias, caracterizado pelo crescimento descontro-lado de células anormais (malignas) e como consequência ocorre a invasão de órgãos e tecidos adjacentes envolvidos, podendo se disseminar para outras regiões do corpo, dan-do origem à tumores em outros locais. Essa disseminação é chamada de metástase.

Os diferentes tipos de câncer são devidos aos vários tipos de células do corpo em que os tumores incidem. Outras diferenças entre os tipos de câncer são a velocidade de multiplicação das célu-las e a capacidade de invadir outros tecidos e órgãos (metástases). Ainda segundo a Associação, qualquer pessoa pode vir a desenvolver algum tipo de câncer ao longo da vida, mas há algu-mas pessoas com maior predisposição à doença, tais como: pesso-as com doenças congênitas, como Síndrome de Down e doenças no sistema imunitário; exposição a cigarro, benzeno, pesticidas; e histórico de câncer na família. Sobre o histórico da doença, Sergio Simon, oncologista do Hospital Albert Einstein, esclarece em entrevista ao médico Drau-zio Varella:

Engana-se quem pensa que câncer seja uma doença nova. Já na Grécia e no Egito antigos, havia referências a essa enfermidade e ao tratamento, que se limitava à retirada cirúrgica dos tumores. [...] Se durante muito tempo a cirurgia foi a terapêutica conhecida para controlar a do-ença, no início do século XX surgiram a radioterapia e,

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depois da Segunda Guerra Mundial, os medicamentos quimioterápicos para o tratamento do câncer.

Em relação aos tratamentos atuais, Simon explica que “neste início do século XXI, a esperança e os esforços estão volta-dos para os chamados tratamentos inteligentes”. Ele diz ainda que “decifradas as características de cada tipo de câncer, medicamentos serão criados para atacar certos mecanismos envolvidos na multi-plicação das células tumorais com mais eficácia e menos efeitos colaterais.”

Estatísticas

O câncer é a segunda maior causa de mortes na população adulta do Brasil, ficando atrás apenas das doenças circulatórias, se-gundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Na popu-lação de 0 a 14 anos chega a ser a terceira maior causa. Mundial-mente falando, o câncer é uma das principais causas de óbito no nosso planeta. Segundo a ONG World Cancer Research Fund, a incidên-cia da doença no mundo cresceu 20% na primeira década do sécu-lo XXI e 12 milhões de casos são registrados por ano. A OMS esti-ma que até 2030 os casos de câncer aumentarão em 75%. Segundo pesquisadores, o câncer está relacionado à poluição, à alimentação industrializada, à ingestão de pesticidas, ao tabagismo, ao sedenta-rismo, à obesidade e a tantos outros problemas atuais, o que estaria causando esse aumento de número. Além da alta taxa de mortalidade, o tratamento contra um câncer é, na maioria das vezes, bastante penoso. Os efeitos colate-rais dos remédios, a queda de cabelos e dentes, as restrições para evitar infecções, o afastamento do convívio familiar e os gastos financeiros com a rotina do tratamento são alguns dos itens que causam sofrimento aos pacientes durante esse período.

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Tratamento

Por todos esses motivos, o diagnóstico dessa doença, mes-mo com os avanços tecnológicos, ainda é algo bastante assustador. Um paciente que recebe a notícia precisa ter acesso a todas as in-formações sobre sua doença e a um apoio efetivo da equipe de saúde. Karin Sá Fernandes, Paulo Sérgio da Silva Santos e Luiz Alberto Valente Soares Junior falam sobre o Processo do Diag-nóstico no livro Transdisciplinaridade em oncologia. “O tratamento do câncer, mesmo em fase inicial, causa danos ao corpo e à mente do paciente e, por se tratar de uma doença ainda com muitos mis-térios, precisa ser conduzido por uma equipe multiprofissional.” (FERNANDES; SANTOS; SOARES JUNIOR, 2009). É na equipe de saúde que o paciente precisa encontrar o primeiro apoio ao receber um diagnóstico de câncer. Os profis-sionais devem ser bastante honestos e explicar qual é o tipo da doença, em que estágio se encontra, quais os exames que deverão ser feitos e qual o tratamento a ser aplicado. O paciente que sabe das suas condições tende a sofrer menos, pois a incerteza é o que traz mais dor. Além de oferecer as informações necessárias, a equipe deve estar à disposição para tirar todas as dúvidas do paciente. Em geral a pessoa que recebe um diagnóstico sai do consultório e pesquisa na internet, fala com pessoas, lê revistas e recebe muitas informações que podem não ser verdadeiras ou pelo menos não aplicáveis ao seu caso em particular. Se o paciente se sentir à vontade para tirar suas dúvidas com os profissionais, corre menos o risco de se consternar com um mau conselho ou de se iludir com tratamentos impossíveis. Além do paciente, é importante que a equipe de saúde dê apoio também à família e aos cuidadores dele. A família, por conta do diagnóstico, também sofre com o medo e a ansiedade, e ela é considerada uma grande aliada no tratamento do paciente. Segun-do Fernandes, Santos e Soares Junior (2009), “a equipe multidisci-

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plinar deve se aproximar da família e dos cuidadores do paciente para esclarecer dúvidas e dar orientações. O sucesso do tratamento depende também dessa interação”. Rzeznik e Dall’Agnol (2000, p. 95), em seu artigo (Re)des-cobrindo a vida apesar do câncer, também ressaltam a importância dos parentes no processo de acompanhamento do paciente e suas pro-babilidades de sucesso no tratamento, dizendo que “a família pode servir como uma fonte de apoio para o enfrentamento da doença e de suas consequências, uma vez que ela faz parte do contexto no qual o indivíduo está inserido.” No Brasil, um dos fatores mais influentes no fracasso do tratamento é a demora do diagnóstico. A maioria dos casos é des-coberta quando as chances de cura já são mínimas. Os especialistas apontam para a importância de um diagnóstico precoce, já que a possibilidade de cura está diretamente ligada à fase do câncer no momento do início do tratamento. Dentre as causas dessa demora no diagnóstico estão a de-satenção da população, principalmente masculina, com a medicina preventiva (exames de rotina) e a incapacidade do sistema de saúde, em particular o público, de fazer um rápido atendimento, os exa-mes necessários e o encaminhamento do paciente para unidades especializadas. A marcação de alguns exames fundamentais para o diagnóstico, como uma tomografia, por exemplo, pode demorar até 6 meses em casos de pacientes do SUS – o que inviabiliza, mui-tas vezes, o diagnóstico em fase inicial. No nosso país, todos os pacientes sofrem ao serem diag-nosticados. Na rede pública, há longa espera por consultas, exames e pelo tratamento em si. E na rede privada há demora na autori-zação dos convênios médicos e falta cobertura para os remédios necessários. Atualmente, o tratamento dos diferentes tipos de câncer pode ser feito por meio de cirurgia, radioterapia, quimioterapia ou transplante de medula óssea. Em muitos casos, é necessário com-binar essas modalidades. O transplante de medula óssea, segundo o Instituto Nacio-

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nal de Câncer (INCA),é um tipo de tratamento proposto para algumas doen-ças que afetam as células do sangue, como leucemia e linfoma. Consiste na substituição de uma medula óssea doente, ou deficitária, por células normais de medula ós-sea, com o objetivo de reconstituição de uma nova medula saudável. O transplante pode ser autogênico, quando a medula vem do próprio paciente. No transplante alogêni-co a medula vem de um doador. O transplante também pode ser feito a partir de células precursoras de medula óssea, obtidas do sangue circulante de um doador ou do sangue de cordão umbilical.

Quimioterapia, segundo o mesmo instituto, “é o método que utiliza compostos químicos, chamados quimioterápicos, no tratamento de doenças causadas por agentes biológicos”. Quando aplicada ao câncer, recebe o nome de quimioterapia antineoplásica ou quimioterapia antiblástica. Também, segundo o INCA, radioterapia “é um tratamento no qual se utilizam radiações para destruir ou impedir que as cé-lulas de um tumor aumentem”. A radiação é invisível e o paciente não sente nada. Esses dois últimos tratamentos podem ser usados em três situações: como cura para o paciente, controlando totalmente o tumor; como adjuvantes, reduzindo o tumor para uma cirurgia ou prevenindo que as células malignas se espalhem pós-cirurgia; e como paliativos, com o objetivo de garantir a qualidade de vida do paciente e não a cura da doença.

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Humanização

Somos todos seres humanos. Sendo assim, não haveria como nos humanizar mais. Porém a vida moderna desumanizou nos-

sas relações e por isso é tão importante falarmos em humanização atualmente. A ciência, desde a época de Newton, simplifica o ser huma-no e o mundo para poder estudá-los. Embora Newton explicasse que apenas partia de simplificações, muitas pessoas tomaram essa visão parcial como inteira. Deleuze e Guattari (1992), em seu livro O que é filosofia, dizem que é preciso um plano de referência que simplifique a natureza complexa dos objetos estudados para poder ser estendida para outros particulares que não foram objeto do estudo.

Essa simplificação, que é o que caracteriza a ciência, fora contudo tomada, contrariamente à intuição newtoniana, como a própria verdade da natureza. [...] Da ciência, fez-se um “cientificismo”, uma ideologia, isto é, algo não científico, que não é ciência e que se opõe a ela. (MAR-TINS, 2009).

Desde o século XVIII, muitos foram os avanços tecnológi-cos. Hoje, máquinas estão em todos os setores, agilizando proces-sos, auxiliando trabalhadores e muitas vezes substituindo pessoas. Tudo isso acarreta facilidades e economia de tempo, mas também nos torna mais distantes um dos outros e mais apressados, com menos tempo para as relações humanas, sejam elas pessoais ou profissionais. A tecnologia revolucionou nossa rotina. Um exemplo claro dentro do hospital é o monitoramento das condições vitais dos pacientes (pressão arterial, frequência cardíaca etc.). Há alguns anos isso era feito pessoalmente pela equipe de saúde, requerendo contato físico e comunicação; hoje é tudo feito pelos equipamen-tos e os enfermeiros nem precisam entrar no quarto do paciente para checar como ele está, pois todas as informações são checadas

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por meio do computador. Isso agiliza o trabalho do enfermeiro e aumenta a possibilidade de um socorro rápido, porém diminui o contato, faz o paciente se sentir menos acolhido e pode interferir na confiança que ele deposita na equipe médica. Esse cientificismo, que considera o homem uma máquina, embora muito presente ainda, foi perdendo sua força ao final do século passado. Ainda segundo Martins (2009),

a ciência moderna inspirou um cientificismo triunfante até o fim do século XIX. Acreditava-se até então piamente na ideia de um progresso social advindo do progresso da razão e da ciência. Embora essa crença tenha perdurado por todo o século XX e ainda persista de maneira difusa em algumas áreas da sociedade – em particular no campo da saúde, como por exemplo no uso que a mídia faz da biotecnologia, ou nas entusiasmadas esperanças oriundas dos estudos genéticos –, logo no início do século passado as expectativas projetadas sobre a razão e a ciência come-çaram a ruir. Naufrágio do Titanic, queda do dirigível, 1ª e 2ª Guerras Mundiais, bomba atômica e acidentes nucleares radioativos indicavam que, contrariamente ao que se acreditara, a razão não seria capaz de trazer ao homem o fim da dor, do sofrimento, do adoecimento e da morte, nem sequer o entendimento entre os cidadãos, os povos e as nações, ou sociedades de paz tanto interna quanto externa e sem mais a necessidade do trabalho.

Continua Martins (2009):Essa mudança de paradigma se mostra particularmente importante na área da saúde, na qual seu objeto – o ser humano – resiste, mais do que o de outras áreas, à redu-ção. Constata-se hoje com mais clareza do que nunca que o homem não é uma máquina, que a saúde não se con-funde com um funcionamento perfeito de tecidos e órgãos, e muito menos com a extinção de uma entidade nosológi-ca. Se o foco da medicina e da saúde em geral passa a ser a pessoa adoentada ou enferma, e não mais somente sua

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fisiologia, torna-se evidente que sua saúde não se reduz a um bom funcionamento da máquina, mas depende de uma sustentação psíquica que ultrapassa inteiramente o possível esforço do médico em ser simpático com o pacien-te, necessitando de uma abordagem multiprofissional in-tegrada, orientada por uma compreensão transdisciplinar e realizada por práticas transdisciplinares.

Por isso é tão importante hoje em dia falarmos de huma-nização e aplicá-la em todas as áreas das nossas vidas. Humanizar é ir à essência humana do respeito e do cuidado. É colocar o ser humano em primeiro lugar, respeitando as necessidades e a indi-vidualidade de cada um. Não é descartar o uso das tecnologias, é usá-las aliadas ao contato humano, à consideração da integralidade do ser e ao cuidado completo. O ser humano é o resultado da soma de seu psicológico e seu físico. Tratar apenas um destes aspectos, portanto, é tratar pela metade. Fisiologicamente podemos determinar, estudar e prever o ser humano e suas reações. Porém psicologicamente deve-se levar em conta seu histórico de vida, seus meios social, cultural, econô-mico, familiar etc. René Descartes, famoso por seu racionalismo, acredita no homem como uma máquina. Mas, a partir de uma de suas frases, podemos levar essa ideia muito mais longe. Para Descartes (2001, p. 63), podemos considerar “este corpo como uma máquina, que, tendo sido feita pelas mãos de Deus, é incomparavelmente melhor ordenada que qualquer daquelas que podem ser inventadas pelos homens”. Sim, somos incomparavelmente melhores que as máqui-nas e só nós temos a capacidade de agir com o coração, de sentir compaixão pelo próximo e de querer o seu bem. Portanto somos nós, enquanto homens, que devemos melhorar o cuidado humano. As outras máquinas só servem para nos auxiliar nisso.

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Humanização hospitalar

Hospitais são lugares de limite entre vida e morte. Lugares cheios de pessoas, onde imperam sentimentos de incerteza e ansie-dade. Para os pacientes, o hospital, na maioria das vezes, é de-sagradável, pois significa sair de seu convívio social, fazer exames invasivos, conviver com os efeitos colaterais das medicações e ficar na expectativa dos resultados. Além disso, é um local em que ele sente sua vida ameaçada. Para os familiares, que acompanham o paciente, o hospital é um local de espera. Estão sempre à espera: para saber se foi tudo bem no exame, se o paciente está bem, quanto tempo ele ficará lá. Para os funcionários também há muitos aspectos difíceis, pois eles lidam com as pessoas em seu estado mais frágil, com a morte iminente, com o estresse da grande demanda de trabalho e com as dificuldades no relacionamento interpessoal com outros membros da equipe. Além dos problemas relacionados, uma grande dificuldade é o grande número de pessoas atendidas. No Brasil, dados do DATASUS mostram que, em 2009, existiam 2,26 leitos para cada mil habitantes. Em 1990, esse nú-mero chegava a 3,7. Observa-se que a demanda aumentou, mas a oferta não acompanhou esse crescimento. A média mundial é de 2,94 leitos a cada mil habitantes. Pode, assim, até parecer que o Brasil não está tão ruim. Porém, segundo dados da CIA World Factbook (INDEX MUNDI), esta-mos atrás de mais de 70 países, entre eles o Japão (com 14 leitos hospitalares/mil habitantes), Rússia (com 10), Cazaquistão (com 8), Cuba (com 6) e Argentina (com 4). Veja a tabela abaixo:

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Nome do país Leitos hospitalares per capita (leitos / 1.000 habitantes) aproximadamente

Ano da estimativa

Japão 14 2008Coreia do Norte 13 2002Coreia do Sul 12 2008Bielorrússia 11 2007Rússia 10 2006Ucrânia 9 2006Alemanha 8 2008Azerbaijão 8 2007Cazaquistão 8 2009Brasil 2 2009Malásia 2 2009Síria 2 2009Quénia 1 2006Haiti 1 2007Gana 1 2009Afeganistão 0 2009Etiópia 0 2008Camboja 0 2004

Tabela 1 – Mapa comparativo entre países – Leitos hospitalares per capita-mundo

Fonte: Tabela completa disponível em: <http://www.indexmundi.com/map/?v=2227&l=pt>.

Podemos afirmar, portanto, que quem trabalha em hospital lida com a urgência nos atendimentos, com a demanda alta e com a necessidade de vagar leitos para os próximos pacientes. Difícil conci-liar tudo isso a um atendimento humanizado? Difícil, porém possível.

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A humanização no Brasil e em São Paulo

Humanização da Assistência Hospitalar. Em 2003, essa ini-ciativa foi ampliada com a criação da Política Nacional de Humani-zação – Humaniza SUS. A psicóloga coordenadora do Núcleo Técnico de Humani-zação em Saúde da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, Elia-na Ribas, que trabalhou na implementação do Programa Nacional de Humanização (entre 2000 e 2002) e também coordenou a hu-manização no Instituto do Câncer de São Paulo, explica que a ideia de melhorar o atendimento nos hospitais surgiu de uma pesquisa de satisfação do usuário, feita em 1999 pelo Ministério da Saúde. As respostas mostraram que o usuário valorizava, em primeiro lugar, o respeito no atendimento, ser ouvido, compreendido e acolhido. Sobre o momento em que o Programa foi pensado, a psicólo-ga diz: “Não foi uma coincidência, a voz do usuário estava sendo mais considerada”. Na época também estavam sendo realizados muitos congressos e debates sobre humanização hospitalar por todo o país. Eliana explica que o Ministério da Saúde também procu-rou trabalhar com as Secretarias de Saúde, pois, segundo ela, “o Ministério propõe diretrizes, orientações gerais, mas os Estados é que ajudam os municípios a desenvolver [as ações]”. Os governos estaduais têm que garantir condições para que as diretrizes sejam implantadas e os municípios devem traduzir aquelas diretrizes para a sua realidade local. Constatou-se à época a necessidade de criar políticas mais específicas sobre o assunto, para que o atendimento humanizado seja regra e não exceção no meio de tantos atendimentos conside-rados desumanos. Seguindo essa linha, a Secretaria do Estado de São Paulo lançou em maio de 2012 a Política Estadual de Humanização em Saúde, que vai investir nos próximos quatro anos R$ 40 milhões em ampliação dos horários de visita (inclusive em UTIs), direito a acompanhantes e projetos educativos e culturais nos hospitais.

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Já em 2007, uma pesquisa realizada pelo IBOPE, em São Paulo, com profissionais e usuários dos serviços municipais de saú-de apontou que as práticas de humanização implantadas pelo Pro-grama e pela Política de Humanização eram reconhecidas como atitudes que estavam no caminho certo para a qualificação dos ser-viços de saúde. Muitos profissionais chegam a dizer, embora sem comprovação numérica, que a humanização no tratamento diminui até o tempo de internação dos pacientes.

O tratamento humanizado

Segundo a Política Nacional de Humanização, as diretrizes para um tratamento humanizado são:• Acolhimento – ouvir as necessidades do usuário, oferecer um atendimento compatível à sua realidade, criar espaço para confian-ça na relação profissional-paciente;• Gestão participativa e cogestão – incluir novos sujeitos nos pro-cessos de análise e ampliar das tarefas da gestão. Exemplos de co-gestão: Grupo de Trabalho de Humanização (GTH) e Gerência de Porta Aberta (em que os funcionários se sintam à vontade para expor suas dúvidas e sugestões);• Ambiência – criar espaços saudáveis, confortáveis e acolhedores, que levem a privacidade em consideração e que sejam lugares de encontro de pessoas;• Clínica ampliada e compartilhada – contribuir para uma aborda-gem clínica que considere a singularidade do sujeito e a comple-xidade do processo saúde/doença. Permite enfrentar a fragmen-tação do conhecimento e das ações de saúde e seus respectivos danos e ineficácia;• Valorização do Trabalhador – dar visibilidade à experiência dos trabalhadores e incluí-los na tomada de decisão;• Defesa dos Direitos dos Usuários – incentivar o conhecimento dos direitos e assegurar o seu cumprimento em todas as fases do cuidado.

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O que envolve todas as diretrizes acima e é o ponto prin-cipal da humanização é o cuidar. Cuidar do paciente como uma pessoa com necessidades, gostos e vontades, ou seja, cuidar do indivíduo muito além da doença. Cuidar também dos profissionais da saúde, que muitas vezes se deixam de lado para melhor atender os usuários e com isso vão se desgastando. A psicóloga Elaine Alves, no livro Transdisciplinaridade em oncologia, diz que

pessoas doentes necessitam, exigem e merecem um “cui-dar” especial, envolto em conhecimentos, atualizações, compartilhamento, solidariedade, generosidade, amorosi-dade, paciência, respeito, envolvimento, olho no olho e, principalmente, uma boa dose de humildade por parte dos profissionais da saúde. Humildade se faz necessária no sentido de compreender que não se sabe tudo, que se necessita do saber de outros profissionais, do saber do próprio paciente e do saber dos familiares. Humildade para esclarecer pacientes e familiares sobre todas as possi-bilidades e impossibilidades e, acima de tudo, para acatar as decisões do paciente e/ou de seus familiares, mesmo que sejam contrárias aos desejos da equipe de saúde. Hu-mildade para compreender que toda ação compartilhada com o paciente, familiares e outros profissionais de saúde aumenta o respeito e a credibilidade, e diminui as possi-bilidades de erro. (ALVES, 2009).

A professora e diretora de Enfermagem do Hospital Uni-versitário da USP, Maria Julia Paes da Silva, explica que cada pro-fissional deve saber que é capaz, mesmo sozinho, de proporcionar um tratamento melhor ao paciente.

Mesmo que eu não possa dar um copo d’água pra todo mundo, a melhor cadeira para o acompanhante, o areja-mento adequado nos banheiros, enfim, mesmo que eu não possa dar outras questões que também dizem respeito a respeito, a consideração, eu posso fazer alguma coisa enquanto profissional.

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Para ela, todos os profissionais sabem o que é um tratar humanizado.

Um bom profissional sabe isso. Então embora ele não tenha tido nenhuma teoria, nenhuma oportunidade de reflexão, nenhum respaldo teórico, quando ele é confron-tado com isso ele lembra. É como se ele lembrasse o sonho que o levou para a área da saúde. Porque é impossível você ser um bom profissional da saúde se você não gostar de gente.

Outro ponto importante do cuidar é quando não há mais possibilidade de cura para a doença. São os chamados cuidados pa-liativos, que segundo a Academia Nacional de Cuidados Paliativos, “foram definidos pela Organização Mundial de Saúde em 2002, como uma abordagem ou tratamento que melhora a qualidade de vida de pacientes e familiares diante de doenças que ameacem a continuidade da vida.” Significa que, embora não haja tratamento para a doença, há, todavia, tratamento para o indivíduo. Isso inclui medidas tera-pêuticas para controlar os sintomas físicos, psicoterapia e apoio espiritual ao paciente. Os familiares também são considerados, sendo-lhes oferecido apoio até no período de luto. Além de todos esses cuidados com os pacientes e familia-res, é preciso também cuidar dos profissionais. Médicos, enfermei-ros e todos os membros da equipe se deparam todos os dias com perdas de pessoas. “A dor que não é bem tratada continua doendo. Então o profissional tem que tratar das dores dele. [...] É cuidar do cuidador. Porque é mentira pensar que entra na chuva e não se molha”, afirma a professora Maria Julia. E a solução não é o profissional se afastar dos doentes e das famílias para não se envolver. Isso dificulta o seu trabalho, torna o tratamento mecânico e acaba desgastando o ser humano, profissional da saúde. É necessário que ele busque apoio e mante-nha sua saúde mental em primeiro lugar. O câncer, como já dito em outros capítulos, é uma doença que assusta. Sendo assim, a humanização no tratamento dos dife-

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rentes tipos de câncer é de extrema importância. Para a psicóloga Eliana Ribas,

você tem determinadas áreas na saúde que são ao mesmo tempo mais sensíveis e mais favoráveis à atenção, à ne-cessidade de qualificação nesse nível. As doenças crônicas ou as doenças que causam muito impacto, como o câncer ou as áreas de geriatria e pediatria, são áreas em que o contato é mais que com o paciente, é com a família. [...] Você está falando da pessoa que tem uma doença, então ela tem uma multiplicidade de necessidades que envolvem para além daquela doença. Ela tem suas necessidades e tem uma família, que está dentro do contexto cultural, econômico etc.

A psicóloga lembra que essas características valem para qualquer doença, mas ficam mais evidentes no câncer, até mesmo para os profissionais da saúde.

Por ser uma questão tão grave e com tanto sofrimento, causa um impacto grande para o próprio profissional. Ele também é muito afetado por estar constantemente lidando com coisas sérias, de morte, ou mesmo questões familiares que acabam aparecendo. [...] Vai muito além da questão da doença e vai pra questões de vida mesmo.

Por isso é tão importante oferecer apoio ao profissional, que muitas vezes se sente sozinho para lidar com todos esses pro-blemas.

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Formação acadêmica

A formação médica tem se transformado nos últimos tem-pos de acordo com as mudanças pelas quais a sociedade passa. Por um lado temos um currículo cada vez mais voltado à especialização e uso de novas tecnologias e por outro temos a necessidade de uma formação mais humanista, que enxerga o indivíduo em sua integra-lidade. Em 1996 houve a eliminação dos currículos mínimos no

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ensino médico, o que fez com que as disciplinas obrigatórias dei-xassem de existir. Surgiram então as diretrizes curriculares do Mi-nistério da Educação, que apenas indicavam para as faculdades o que deveria constar dos cursos, mas as deixavam livres para desen-volverem como quisessem. Isso implicou em um currículo frag-mentado, que tendia à especialização precoce, e não agradou às faculdades. Leonardo Boff (1997, p, 20), teólogo e filósofo, também critica essa hiperespecialização: “Ganhou-se em detalhes, mas per-deu-se a totalidade. Houve um formidável esquecimento do ser em favor do existente.” Esse descontentamento com as diretrizes fez com que al-gumas entidades, como a Comissão Interdisciplinar de Avaliação do Ensino Médico (CINAEM), desenvolvessem um projeto alter-nativo. Em 2001 o Ministério da Educação aprovou a versão final e, segundo esse texto, a formação do médico deve ser generalista, crítica, reflexiva e humanista. Essas novas diretrizes se contrapõem muitas vezes à tendência de especialização que a sociedade impõe, mas são bastante compatíveis com a humanização. Em contraponto ao uso excessivo das novas tecnologias, aconselha-se que o profissional saiba fazer exames físicos; em vez da valorização da especialização, o médico deve compreender os fatores sociais, culturais, psicológicos, comportamentais, éticos e legais do processo da doença. Outro ponto importante é o desta-que para o trabalho em equipes multiprofissionais. Um exemplo é a Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Londrina, que, há dez anos, adaptou seu currículo para uma formação mais voltada à comunicação e ao cuidar do pacien-te. Outro exemplo de humanização, desta vez numa faculdade de enfermagem, acontece no curso da USP, em que foi instituída a disciplina Tutoria. Segundo a professora Maria Julia Paes da Silva, a disciplina acontece uma vez por mês e é um espaço de conversa entre professor e aluno, em que não se trata de assuntos técnicos, mas sim da formação atitudinal desse aluno. É um espaço de rela-

cionamento direto de quem ensina com quem está aprendendo. Alves (2009) fala sobre a necessidade de humanizar a for-mação dos profissionais no livro Transdisciplinaridade em oncologia:

A questão do relacionamento profissional de saúde-pa-ciente ainda tem muito a ser trabalhada. Mesmo quan-do há atenção de alguns profissionais, falta atenção de outros, prejudicando o paciente. A necessidade de uma formação humanista na área das ciências médicas (en-fermagem, medicina, odontologia, psicologia, fisioterapia etc.) é urgente. É preciso rever o curriculum de formação de profissionais da saúde.

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Instituto de Tratamento do Câncer Infantil

O Instituto de Tratamento do Câncer Infantil foi inaugurado em 2002, numa parceria público-privada que envolveu o Ins-

tituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medi-cina da USP (ICr), a Fundação Criança, a Ação Solidária contra o Câncer Infantil (ASCCI), várias empresas privadas e a sociedade civil. A ideia de fazer este centro especializado surgiu com a ne-cessidade de expandir o ICr, já que a demanda de pacientes com câncer infantil estava crescendo. O terreno em que se encontra foi cedido pela Prefeitura Municipal. As obras foram 72% financiadas por grandes empresas como Votorantim, Gerdau e Odebrecht, e 28% por doações recebidas pela Ação Solidária e Fundação Crian-ça de pessoas físicas e jurídicas. Uma obra de ampliação da Secretaria de Estado da Saúde, que duplicará a capacidade de atendimento do ITACI, será entre-gue ainda neste ano de 2012. Enquanto isso, a Ação Solidária está se preparando para iniciar uma reforma dos leitos antigos, que mo-dernizará os quartos para atender às recentes exigências de confor-to e qualidade no atendimento. O hospital tem atualmente três andares temáticos, cada um decorado com um elemento: água, terra e ar. Nino, o mascote do ITACI, faz parte da decoração lúdica, acolhendo as crianças e ado-lescentes, seus pais e familiares.

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Por ser parte do Hospital das Clínicas de São Paulo, o ITA-CI atende pelo SUS. Crianças diagnosticadas com tumores malig-nos são encaminhadas para o instituto conforme possibilidade de tratamento e vagas. Atualmente, o ITACI funciona com sua capacidade total de leitos, atendendo três mil e duzentos pacientes por mês. Aproxi-madamente são realizadas, mensalmente, mil e cem consultas, qui-nhentas e cinquenta quimioterapias e mil atendimentos da equipe multiprofissional. A equipe multiprofissional é formada por psicó-logos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, nutricionistas, farmacêuticos, enfermeiros e auxiliares de enferma-gem. Por ano, o instituto atende mais de quatrocentos pacientes novos. Quase 30% deles são de fora do Estado de São Paulo. A maior parte vem do Mato Grosso, Rondônia e Bahia. De fora do Brasil muitos vêm da Bolívia e do Uruguai, principalmente. Um novo fenômeno é a vinda de pacientes do Japão. Brasileiros ou descendentes de brasileiros que moram no território japonês estão vindo se tratar em São Paulo, por conta da crise internacional, que tem diminuído o acesso deles a uma saúde de qualidade.

Ação Solidária contra o Câncer Infantil

Atendimento

Em 1984, Darcy Carvalho recebeu a notícia de que seu filho de apenas seis anos estava com leucemia. Ele foi atendido de emergência no Instituto da Criança do HCFMUSP, embora ela tivesse acesso aos melhores hospitais particulares da cidade. Nessa situação, Darcy pôde ver a realidade de tantas famílias de diferen-tes níveis sociais e começou a organizar coleta de roupas, a ajudar famílias a encontrarem hospedagem durante o tratamento e a pro-mover atividades para as mães e as crianças. O trabalho que Darcy fazia para tornar mais suportável o dia a dia no hospital ficou conhecido pela equipe de saúde. Foi então que

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o Prof. Dr. Vicente Odone, oncologista pediátrico e hoje Coordena-dor Clínico do ITACI, lhe fez a proposta de montarem um Instituto. Assim, surgiu a Ação Solidária contra o Câncer Infantil (ASCCI) para apoiar as crianças com câncer e suas famílias. A ASCCI foi fundada por Darcy e mais três casais de pais de pacientes e tinha um sede improvisada perto do ICr. Aos poucos foram envolvendo mais pessoas, que se tornavam voluntárias ou doadoras. Laborató-rios e empresas também passaram a contribuir com cestas básicas e remédios, atendendo às necessidades mais emergenciais das famílias. Na construção do hospital especializado para as crianças, a Ação Solidária foi fundamental. Os voluntários trabalharam muito para conseguir doações e apoio. Hoje, o filho de Darcy, Fabio, tem 34 anos e é um dos diretores da associação. A Ação Solidária nasceu da vontade de minimizar o sofrimento e resolver os problemas imediatos, e é isso que continua fazendo. Não é responsabilidade da associação, como instituição da sociedade civil, promover reformas ou fornecer re-médios, porém numa situação de emergência eles se mobilizam, pois a prioridade é sempre a criança. A voluntária da Ação Solidária Sonia Regina Silva Rocha está na associação desde 1999. Ela conta que o segredo do volunta-riado é ter comprometimento. “A gente tem um compromisso com essas crianças, não dá para dizer a elas que vamos fazer algo e depois não realizar”, diz. Sonia conta que a ASCCI acolhe os pacientes e familiares desde o diagnóstico até a cura ou o óbito, leva lanches e brinquedos para as crianças, tem o Comitê de Festas que prepara comemorações de aniversário dos internados, a Sessão Pipoca de cinema e tantas outras ações que melhoram o dia a dia no hospital.

Humanização

Ao entrar no ITACI, percebemos que é um hospital di-ferente. Nas paredes há desenhos de crianças, quadros alegres, frases de boas vindas. No rosto dos funcionários, um sorri-so sempre acolhedor. E os pacientes não param. Correm, brin-

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cam, fazem amizades. Crianças que mal aprenderam a an-dar chegam à recepção e já vão sozinhas para a brinquedoteca. A arquitetura do hospital, cheia de cores, com ban-cos confortáveis e espaços de convivência, é a primeira mar-ca de humanização que vemos. Depois notamos o trato que os funcionários, desde o segurança até os médicos, têm com os pacientes e acompanhantes. Ainda tem as brinquedotecas, sala de computadores, biblioteca e outros espaços de convi-vência, que tornam menos maçante a rotina hospitalar. Além de tudo isso, ainda há o já comentado trabalho voluntário.

O coordenador clínico no ITACI e professor da Faculdade de Medicina da USP, Vicente Odone Filho, fala sobre a questão da humanização na oncologia pediátrica. Segundo ele, a pediatria em geral é bastante humanizada por ter como objetivo principal o bem-estar de crianças, que muitas vezes não sabem ou entendem o que está acontecendo e são muito influenciadas pelo que ouvem e percebem. É necessário bastante cuidado. Para trabalhar com on-cologia pediátrica, é necessário ter três anos de experiência em pe-diatria, portanto os colaboradores já chegam com grande bagagem.

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Brinquedos no pátio do hospital.

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Nos anos 90, um em cada quinhentos jovens adultos eram sobreviventes de câncer infantil. Hoje as estatísticas são de um em cada duzentos, pois as técnicas de cura da doença estão mais avançadas. “Então a gente tem que trabalhar a questão de preservar na criança, tanto quanto possível, uma vida mais pró-xima do que a vida de criança deve ser”, diz o coordenador. Por isso, as crianças devem ir à escola e ser educadas normalmente. O professor enfatiza que os pais não podem pensar “ela está do-ente, deixa fazer o que quiser”, pois esta criança, quando adulta e curada, vai ter que lidar com a falta de limites que lhe foi dada. A responsabilidade do hospital é dar o maior conforto pra criança, além do melhor tratamento técnico. Sendo assim, um dos projetos do hospital é o tratamento a distância. Isso é devido ao grande número de pacientes provenientes de outros locais, que, para se tratar aqui, têm que se mudar e, muitas vezes, veem suas famílias desmanchadas por conta da distância. Das crianças atendidas no ins-tituto, 50% são de fora da cidade de São Paulo, sendo quase metade delas de outros estados e até de outros países. Por isso, atualmente 11% dos atendimentos são feitos por supervisão a distância, ou seja, o tratamento é feito no local de origem com acompanhamento di-reto dos profissionais do ITACI. “Assim são 11% das famílias que não precisaram se deslocar pra São Paulo”, diz o professor Vicente. Em relação aos colaboradores do ITACI, o profes-sor diz haver formação para um tratamento mais individuali-zado, levando em consideração as peculiaridades das crianças. Um ponto negativo, no entanto, é a alta rotatividade de fun-cionários, muitas vezes por questões salariais, principalmente dos não médicos. Além dos salários, alguns profissionais, prin-cipalmente os médicos, acabam saindo de lá com o objetivo de formar outros grupos de cuidado. O Dr. Vicente vê esse fato como parte do ofício: “A missão da instituição é propiciar trata-mento, formar pessoas, disseminar conhecimentos e recursos”. Além do trabalho dos profissionais da saúde, o professor Vicente também enfatiza o voluntariado, explicando que algumas áreas da medicina chamam mais a atenção desse tipo de trabalho.

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“A oncologia pediátrica é muito rica nesse sentido. [...] O câncer infantil tem um apelo extremamente forte e isso [o voluntariado] ajuda a diminuir essa dor”, diz ele. Um dos trabalhos importantes do voluntariado são as casas de apoio, que propiciam aos pacientes e familiares um lugar seguro para morar pelo tempo que precisa-rem, transporte até o hospital e alimentação. Esse também é um grande passo de humanização, pois tira das costas da família um peso a mais além da gravidade de um tratamento contra um câncer. Por último, o professor Vicente lembra que muitas pesso-as não dão o devido reconhecimento às práticas de humanização, pois acham que uma pessoa com câncer deve ficar feliz simples-mente por estar viva e se curar. Mas ele explica que é importante a preservação da condição humana. Ninguém pode ficar com o prêmio de consolação de simplesmente estar vivo, é preciso que todas as pessoas tenham dignidade no tratamento e condições para levar uma vida normal após seu término.

Os pacientes e os familiares

Miguel Oliveira foi diagnosticado com rabdomiossarcoma na face (tumor maligno que se desenvolve em músculos) logo que nasceu. Hoje ele tem 3 anos e continua em tratamento. Quem o vê na rua não imagina que ele luta contra uma doença tão grave. Mi-guel já fala tudo, corre pelo hospital brincando e não tem nenhuma cicatriz aparente. Sua mãe, Janaina Oliveira, se emociona ao falar do ITACI.

É difícil falar do hospital, essas pessoas aqui são a mi-nha família. Meu filho sempre viveu aqui, não conhece outra realidade e eu sinto como se isso fosse minha casa. Desde o começo encontrei aqui o apoio que eu precisava. A gente se torna amigo de todo mundo, até dos médicos. Nos falamos pessoalmente, pelo telefone, e não só coisas da doença, mas da nossa vida em geral.

Janaina diz que todas essas ações relacionadas à humani-

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zação fazem a diferença no tratamento, pois tornam a rotina do Miguel mais agradável e facilitam a vida dos pais, que não têm que obrigar o filho a ir a um lugar triste. Isso dá forças para todos.

Considerações

Desde a decoração até o atendimento médico, há humani-zação no Instituto de Tratamento do Câncer Infantil. Os brinque-dos espalhados pelas salas, como a de nutrição e na brinquedote-ca, as cores alegres nos detalhes dos corredores, o parquinho, as voluntárias, tudo explicita que o bem-estar da criança está acima de tudo. Além do tratamento eficiente e avançado, todos os profis-sionais estão comprometidos em dar o melhor acolhimento para pacientes e familiares. Isso torna a doença menos traumática, o que melhora mui-to o tratamento e o enfrentamento dos envolvidos perante o cân-cer, e melhora, principalmente, a vida após a doença (seja a cura ou o luto).

Quadro com recados das crianças e jovens tratados no ITACI. Um deles, de Tatiane da Silva de 16 anos, diz: “O ITACI é um hospital que eu gostei, porque ele atende as pessoas muito bem e tem um carinho enorme por todos”.

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Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira

O Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira foi inaugurado em 2008 pelo Governo do Estado

em parceria com a Fundação Faculdade de Medicina da Univer-sidade de São Paulo para ser o maior hospital especializado em tratamento de câncer da América Latina. O prédio de vinte e oito andares abriga inovações tecnoló-gicas na assistência prestada, desde o diagnóstico até a reabilitação. O ICESP também desenvolve atividades de ensino e pesquisa, com objetivo de ser referência na área do câncer, inclusive no estudo de novos remédios e tratamentos inovadores. O Instituto é o primeiro hospital público 100% digital, o que significa que todos os exames de imagem não são impressos,

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ficam num sistema de armazenamento que integra todo o Sistema do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Além disso, 80% do prédio tem cobertura wireless, o que permite acesso à internet sem o uso de cabos. A infraestrutura do ICESP é bastante moderna, por exem-plo: o teto dos apartamentos para pacientes é radiante, ou seja, mantém a temperatura controlada no quarto, o que ajuda no con-trole de infecções.

Atendimentos

Os atendimentos no Instituto do Câncer acontecem por meio de referência. Usuários do SUS que procuram atendimento em unidades de saúde e são diagnosticados com tumores malignos são encaminhados para tratamento no ICESP. O estabelecimento não possui pronto-socorro, como os hospitais gerais, justamente por ser de atendimento especializado no tratamento de câncer. Todos os procedimentos realizados são previamente agendados. Após o término do tratamento, os pacientes são contrarre-ferenciados para suas unidades de origem para que façam o acom-panhamento e só voltam ao Instituto caso haja reincidência.

Humanização

O prédio do Instituto do Câncer é bastante imponente. Fica em uma avenida bastante movimentada, numa parte alta da cidade. Chama bastante a atenção de qualquer pessoa que por ali passa. Ao entrar no prédio, mal parece que estamos num hospital. Um painel de Romero Britto enfeita o hall de entrada. Aos poucos, conforme vamos entrando, os elementos hospitalares vão surgin-do e você lembra que é sim um hospital, com pessoas doentes em macas e cadeiras de rodas. Os funcionários, desde os auxiliares de limpeza até os mé-

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dicos, são bastante simpáticos. Por onde você passar, receberá um bom dia. É ai que começa a humanização.

Hall de entrada do ICESP.

O Instituto tem atualmente 55 programas de humaniza-ção, sendo 28 deles voltados aos usuários, 16 aos colaboradores e 11 de suporte ao atendimento. Entre os programas voltados aos usuários estão os grupos de acolhida, que acompanham e orien-tam os pacientes e familiares no momento da internação ou na preparação de uma cirurgia, a visita ampliada e sessões de cinema. Para os colaboradores há um espaço de descanso e encontros re-flexivos. Entre as ações de suporte ao atendimento está o “Alô, enfermeiro”, que funciona 24h todos os dias tirando as dúvidas pelo telefone. Neste serviço, 93% dos casos são resolvidos pelo te-lefone, evitando que os pacientes se desloquem ao pronto-socorro. Segundo Maria Helena da Cruz Spoton, coordenadora de humanização do ICESP, esses programas não são fixos. Conforme observação da gestão de humanização e sugestão de pacientes e colaboradores, são pensadas novas ações. Para ela, se você juntar a opinião do usuário com a dos profissionais, você consegue sa-ber exatamente onde estão os problemas e quais são as soluções. A coordenadora diz:

A Humanização tem um item que é a voz do usuá-rio. Existem as pesquisas de satisfação de usuário e isso é fundamental para nós. É nessa pesquisa que

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você vê se ele foi bem atendido, como foi o acolhimen-to, como foi o atendimento da psicologia, como foi a alimentação e nutrição. Nós temos dentro da pesquisa mais de cem variáveis, então tem como saber se ele ficou satisfeito ou não, se ele indicaria esse hospital ou não.

Além dessa pesquisa interna, o ICESP foi eleito por meio de uma pesquisa da Secretaria de Saúde de São Paulo o melhor hospital do Estado em 2010. A pesquisa foi realiza-da com 204,4 mil pacientes atendidos em 630 unidades de saú-de e o Instituto do Câncer recebeu nota 9,65 em satisfação. Para Maria Helena, isso é uma questão de orgulho, pois o trabalho diário da equipe mostra seu efeito positivo na vida das pessoas. Recentemente, pesquisa do IBOPE mostrou que os pa-cientes dão nota 9,5 para o ICESP. De acordo com a pesquisa realizada entre maio e setembro de 2012, 97% dos usuários avaliam o atendimento como ótimo ou bom e 100% dizem que voltariam ao hospital se precisassem. Dentre os entrevistados, 80% dizem que a unidade é melhor do que hospitais particulares e 90% apon-taram que o atendimento recebido foi melhor do que esperavam. Com relação a seu trabalho, a coordenadora afirma que, no começo, as pessoas não entendem direito como a humanização acontece e qual é o seu sentido. “As pessoas confundem muito: humanização é aquela festinha. Não. Humanização é o dia a dia”. Um dos trabalhos da humanização que tem melhorado a vida de muitos pacientes é a unidade de cuidados paliativos que o Instituto montou na cidade de Cotia. Lá, no Hospice-Icesp, os pacientes que não apresentam possibilidade de cura podem ficar instalados com acompanhantes em uma casa tranquila, num local arborizado, para receber todo o apoio da equipe médica e assim amenizar a dor e outros sintomas da doença. A intenção é dar maior qualidade de vida aos que têm pouco tempo para vivê-la. O ICESP tem uma particularidade que exige ações de humanização como a citada acima. Quase 80% de seus pacientes são idosos. Por isso, é importante que a atenção não esteja so-mente na cura, mas também na qualidade de vida dos doentes.

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Espaço do colaborador. À direita, a biblioteca; abaixo, a sala de jogos.

Os pacientes e os familiares

Salas de espera podem ser bastante apáticas, porém no ICESP é diferente. Enquanto pacientes esperam ser chamados para a radioterapia e os acompanhantes esperam seus familiares saírem das sessões, dois funcionários chegam e organizam uma roda de

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histórias. São eles: o coordenador de hospitalidade e uma psicóloga. As pessoas que desejam participar do momento vão sen-tando e ouvindo a história. No começo estão um pouco tensas, olhando o relógio. Depois vão ficando mais relaxadas. Ao final, a psicóloga pergunta sobre as sensações que tiveram durante a histó-ria. Pouco a pouco os ouvintes vão falando da história e misturan-do suas próprias histórias a ela. Isso se torna uma terapia em grupo. Por essas e outras razões, Vilma Sanchez, que acom-panha seu sobrinho de 19 anos no tratamento contra o câncer, diz: “Aqui é dez. Tem os melhores equipamentos e os melhores profissionais. Eu já sabia da estrutura e qualidade do hospital an-tes do meu sobrinho vir para cá, mas só quando chegamos aqui que vi como é bom mesmo”. Como a rotina de tratamento é in-tensa, Vilma divide a responsabilidade com os pais do menino. Lourdes Incerti Barbosa de Lima também é acompanhante de sua mãe, que tem 88 anos e um câncer no reto, e a leva para par-ticipar da contação de história. “Ela é quase surda, não entende o que estão falando, mas é um momento que ela para, fecha os olhos e relaxa”. Para Lourdes, o hospital “é muito bom, tem um óti-mo atendimento. As enfermeiras têm muita paciência e carinho”. Na sala de quimioterapia, pacientes ficam horas recebendo os medicamentos. Para que eles não fiquem sem fazer nada, volun-tárias vão passando pelas cadeiras, oferecendo revistas e conver-sando um pouco. Tereza Cristina dos Santos de 68 anos está há doze meses em tratamento. Sua quimioterapia estava marcada para as 14h, po-rém atrasou. “Mas o pessoal é muito atencioso, eles explicam se vai demorar um pouco”. Odail Manoel teve um câncer no intestino e se curou. Oito anos depois surgiu um tumor no pâncreas. Ele, que tem 72 anos, já está há dois anos tratando esse último tumor e sabe exatamente quantas vezes passou pelo hospital: “foram trinta rádios e trinta e três quimios”, se referindo aos tratamentos de radioterapia e qui-mioterapia. O primeiro câncer ele tratou pelo convênio de saúde, mas “aqui o tratamento é bem melhor. O convênio não libera-

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va datas, ficava remarcando exames e sessões de quimio”, diz ele. A paciente Shirley de Fátima Araújo Leite descobriu um tumor na cabeça, fez cinco anos de tratamento em outro hospital. O câncer voltou e ela foi encaminhada ao Instituto. Aos 58 anos, Shirley disse que nunca teve algo como o ICESP quando usava o convênio. “Os médicos, os enfermeiros, todos são muito bons e muito cuidadosos”, diz ela. Sua filha, que a acompanha durante a aplicação da quimioterapia, completa “o respeito conta muito”. Há três anos o Instituto montou um coral de colaborado-res. O intuito era diminuir o estresse do trabalho através da música. Há um ano uma paciente se encantou com uma apresentação e quis entrar para o grupo. Agora o coral é composto tanto por pacientes quanto por funcionários. Eles ensaiam duas vezes por semana. Às segundas-feiras é no horário de almoço e às quartas é ao final da tarde. A maestrina Elisabete Jansen acompanha ao piano. Ela acha maravilhoso participar desse projeto e levar o coral pelo menos uma vez por mês para cantar nos corredores do hospital. O grupo tam-bém se apresenta em datas especiais fora do ICESP. Elisabete expli-ca que é muito difícil atingir os médicos com esse tipo de atividade, mas mesmo assim o grupo conta com três profissionais da categoria. Outro setor que tem ainda mais dificuldade em participar das ativi-dades é a enfermagem, pois tem uma rotina demasiadamente cheia. A primeira paciente a participar do coral foi Silvana Paula Andrade de Matos. Já faz um ano que ela está no grupo e não quer parar de cantar: “nada é pra sempre. Mas eu espero que o coral não acabe”, diz. Ela, que pediu para participar do grupo depois de se emocionar com a apresentação que viu do coral, dá sua opi-nião: “O canto devia fazer parte do tratamento, é bom demais”. Valquíria Barboza Mariotti também é paciente e pe-diu para entrar no grupo após ver as apresentações de final de ano em 2011. Ela concorda com Silvana e diz que “o coral tem sido mais que um remédio, pois não tem reações adversas”. Ela, que tem 35 anos e é fisioterapeuta, luta contra um cân-cer cerebral. “O coral tem feito bem para o meu corpo, minha mente e minha alma. Saio daqui com mais vontade de viver.”

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Ela fala também sobre a questão da humanização dentro do hospital, pois é uma profissional da saúde e agora enfrenta a rotina de ser também paciente.

Existem pessoas que são humanas e existem pessoas que não são. Como paciente você sente muito isso. É desu-mano você ser acordada de qualquer jeito às cinco horas da manhã para tomar medicamento porque é troca de turno. É desumano você ser chamada pelos médicos por números. E não fazer isso não se aprende na faculdade, é questão de bom senso.

Ela viveu essas realidades em outros hospitais que frequentou. Valquíria conta que muitas vezes o doente é tratado como surdo ou incapaz. “O residente entra no quarto e fala diretamente ao acompanhante que não sabe se você vai voltar da cirurgia fa-lando. É como se você não existisse. E hoje estou eu aqui, cantan-do”. Para ela, o tratamento mais humanizado é primeiramente uma questão de respeito. “O que o ser humano precisa é de um olhar, um aperto de mão sincero, não de pena”.

Considerações

No Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, os pa-cientes encontram uma situação diferente das que estão acos-tumados no SUS. O ambiente é limpo, bonito e o mais impor-tante: simpático ao paciente. Sendo assim, diferentemente do comum, os doentes encontram, além da alta tecnologia com-parável aos melhores hospitais particulares, todo o apoio de que precisam para aguentar a brutalidade de um câncer. Vemos muitas pessoas debilitadas, seja física ou psi-quicamente. O acolhimento que a equipe dá e todas as ações que visam melhorar a qualidade de vida dos pacien-tes são diferenciais. Isso tudo ajuda o tratamento e também a vida dos pacientes no geral, pois se sentem mais valorizados.

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Hospital de Câncer de Barretos

Até a década de 60, não havia no Estado de São Paulo nenhum hospital especializado em tratamento de câncer fora da capi-

tal. Muitos pacientes iam ao Hospital Geral São Judas de Barretos, pois não tinham recursos para ir até a capital. A maioria era de bai-xa renda e tinha receio de vir à cidade de São Paulo, também pela imprevisibilidade de vaga para internação. Pensando nisso, em 1967 foi instituída a Fundação Pio XII, que passou a atender pacientes com câncer naquele hospital de Barretos. Nele trabalhavam apenas quatro médicos, em tempo integral, com tratamentos personalizados: Dr. Paulo Prata, Dra. Scylla Duarte Prata, Dr. Miguel Gonçalves e Dr. Domingos Bol-drini. A demanda foi crescendo e o hospital ficou muito peque-no. Dr. Paulo Prata, idealizador e fundador, recebeu a doação de uma área na periferia da cidade e propôs a criação de um novo hospital para atender às crescentes necessidades. Nasceu assim o complexo hospitalar de Barretos. Nos anos 80 o hospital quase fechou por problemas finan-ceiros. Então, Henrique Prata, filho do Dr. Paulo e da Dra. Scylla Prata, abraçou a ideia do pai e, desde então, o hospital não tem

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parado de crescer. Hoje em dia são setenta mil metros quadrados construídos. Grande parte da renda do hospital vem de doações e par-cerias com famosos institutos internacionais, cantores, grandes empresas nacionais e a comunidade em geral. Os pavilhões levam o nome de pessoas famosas que contribuíram com as construções. Além da unidade de Barretos, que funciona desde os anos 60, foi inaugurado, em 2010, o Hospital de Câncer de Jales (SP) e, em 2012, um centro de tratamento em Porto Velho-RO, ambos mantidos pela Fundação Pio XII. A intenção é diminuir a distância que os pacientes têm que enfrentar entre suas casas e o hospital.

Atendimento

O Hospital de Câncer de Barretos atende apenas pacientes do SUS. Os usuários podem vir encaminhados pela unidade de saúde local ou podem procurar o hospital por conta própria. Lá são atendidos apenas pacientes que já foram diagnosticados com tumores malignos e cujo tratamento não pode ser feito em sua ci-dade natal. Caso o tratamento necessário esteja disponível no local em que a pessoa mora, o paciente é aconselhado a continuar lá, não precisando se deslocar desnecessariamente. Os usuários são oriundos de mais de 1.300 municípios de 27 estados brasileiros. Além do hospital instalado em Barretos, há seis unidades móveis de prevenção que percorrem milhares de qui-lômetros pelas estradas do país realizando exames preventivos de mama, pele, próstata e colo uterino. O hospital recebe verba do Sistema Público de Saúde e complementa seus gastos com campanhas e doações. Sendo assim, nenhum paciente paga pelos serviços prestados.

Humanização

O hospital, localizado na periferia de Barretos, mais pare-ce ser uma cidade à parte. Os prédios são, em sua maioria, térre-

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os, como de costume em cidades do interior. O espaço de seten-ta mil metros quadrados está espalhado por diversos quarteirões do bairro, que é inteiramente voltado ao tratamento do câncer. As ruas do entorno são cheias de gente, de ônibus que trazem os pacientes de cidades distantes e de ambulâncias. É bem fácil perceber que se trata de um centro de saúde. Ao re-dor do hospital, há muitas casas de apoio, mantidas pelas pre-feituras dos municípios atendidos. Essas casas abrigam os pa-cientes em atendimento ambulatorial e seus familiares. É uma maneira de garantir estadia ao grande número de usuários, já que o hospital possui alojamentos com capacidade para seis-centas pessoas e o número de atendimentos diários é três mil. A humanização no Hospital de Barretos é, em sua maior parte, sentida no tratamento que os pacientes recebem por parte dos funcionários e da instituição como um todo. Os usuários são chamados pelo nome, podem esperar o atendimento nas áreas ex-ternas e arborizadas do hospital, já que os profissionais chamam por alto-falantes, recebem alimentação e também orientações cla-ras sobre seu tratamento. O setor que coordena o trabalho de Humanização é a Ouvidoria, com Caia Prata, também filha do Dr. Paulo e da Dra. Scylla, no comando. A equipe é formada pela ouvidora e mais dez assistentes (de diversos departamentos). Todos eles respon-dem diretamente ao diretor geral do hospital. A sala da Ouvido-ria é a primeira porta que vemos quando entramos na ala prin-cipal do hospital. É uma porta sempre aberta para os usuários. Ana Paula Honda Morais, membro da Ouvidoria, ex-plica que desde a fundação do hospital há preocupação com a qualidade de atendimento em primeiro lugar. “É o nos-so diferencial, atender cada um como único”, diz Ana Pau-la sobre o fato de não existir protocolo de atendimento no lo-cal, cada paciente é tratado e chamado pelo seu nome. O lema é atender cada paciente como se fosse um membro da família. O complexo hospitalar de Barretos é conhecido como “o hos-pital do amor”. Ana Paula explica que esse apelido se deu pelo cuidado

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que todos, desde a portaria até a administração, têm pelos pacientes. “Em cada local que o paciente passa, ele recebe uma dose de amor”. É trabalho da Ouvidoria estar aberta aos pacientes e fun-cionários, coletar as pesquisas de satisfação e sugestões e passar aos profissionais o que eles estão fazendo de bom e o que eles têm que melhorar. A partir dessas reclamações ou elogios são pensadas ações que possam melhorar o que não está satisfatório e continuar com o que está dando certo. Um exemplo são as salas de radioterapia, em que os pacien-tes não tinham privacidade ao se arrumar para as sessões, pois havia janelas de vidro nas salas, o que os deixava expostos a todos da equi-pe de saúde que passassem por ali. As reclamações chegaram até a Ouvidoria, que junto ao setor de radioterapia, tomou a decisão de tampar todos esses vidros com adesivos coloridos. Além de resolver o problema da privacidade, ainda deixou o ambiente mais acolhedor. Além da Ouvidoria, há uma Comissão de Humanização no hospital de Barretos. Ela é formada por membros da Ouvidoria, médicos, assistentes sociais, enfermeiros, psicólogos, recursos hu-manos, hotelaria e outros. Os trabalhos da Comissão são feitos a partir das reclamações da Ouvidoria. Há, entre tantos trabalhos, alguns exemplos a serem cita-dos: a alfabetização de pacientes, o projeto “Música da radio” que tem programação musical ao vivo para os pacientes da radiotera-pia, e exibição de filmes educativos nas salas de espera, em que o paciente pode aprender um pouco mais sobre a doença, o tra-tamento e, também, saber quanto tempo falta para ser chamado. Anualmente, no mês de setembro, acontece o Simpósio Ouvidoria e Humanização. É mais uma oportunidade para se dis-cutir e mostrar os bons exemplos do hospital. O Simpósio é gratui-to para todos os colaboradores do hospital e profissionais da saúde interessados no assunto. Ana Paula explica a importância do atendimento humani-zado num hospital como o de Barretos.

O paciente com câncer perde o chão, fica longe de casa e perto da morte. Muitos passam por enor-

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me dificuldade para ir até Barretos. Os pacientes de-vem ser respeitados, valorizados. Muitos dizem que aqui é o lugar em que resgatam a sua dignidade.

Na questão do alojamento de quem vem de longe, o hos-pital dispõe de seiscentas vagas para pacientes e acompanhantes. Quando não há possibilidade de conseguir vagas em alojamentos, o hospital chega a pagar hotel para pessoas que precisam perma-necer na cidade. O tempo de permanência nos alojamentos pode chegar a um ano, principalmente para quem vem de Rondônia, pois não há como voltar para casa no meio do tratamento. Além da estadia, o hospital oferece cinco refeições diárias. Algumas casas de apoio municipais incluem refeição, outras não. Os que não têm, buscam no hospital. Ao todo o hospital ofere-ce oito mil refeições por dia para seus pacientes e acompanhantes. A comida oferecida também tem um diferencial: é a mesma servi-da no refeitório dos colaboradores. “Aqui não tem aquela famosa ‘comida de hospital’”, tão temida por pacientes, explica Ana Paula. Para trabalhar no Hospital de Câncer é necessário passar por um processo de análise e um treinamento. Quem não tem esse perfil acolhedor que o hospital exige, não trabalha lá. “O funcioná-rio é escolhido a dedo, tem que gostar de gente”, explica Ana Paula. Os colaboradores que, dentro da instituição, começam a demons-trar falta de compatibilidade com o perfil desejado são desligados ou remanejados para áreas administrativas. Do mesmo modo, quando um funcionário administrativo se mostra bom em lidar com gente, é remanejado para o contato direto com os pacientes. Mensalmente, o setor de recursos humanos faz capacita-ção dos funcionários, em planos semestrais. Atualmente o hos-pital tem quase 3.000 colaboradores. Para a Ouvidoria, é muito importante haver um grande número de profissionais, pois as-sim o tratamento de cada paciente é feito com mais atenção. Apesar de toda essa cobrança com relação à qualidade dos colaboradores, a Ouvidoria explica que também há muitos bene-fícios para eles. Os salários são compatíveis, tem creche para os filhos, tem um clube, tem valorização dos funcionários. Os colabo-

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radores têm orgulho de fazer parte dessa equipe. Um exemplo de valorização dos colaboradores é o alojamen-to de motoristas, que era um antigo sonho de Paulo Prata. A unida-de leva o nome do pai do cantor Chorão que ajudou na construção, Geraldo Abrão de Jesus. São quarenta leitos, salão de jogos e televi-sões. O objetivo é oferecer um local de descanso para os motoristas de ambulâncias e ônibus que trazem pacientes de cidades distantes.

À esquerda, capela construída pela Funda-ção; abaixo, alojamento dos motoristas.

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Os pacientes e os familiares

Antônio José dos Santos, de 74 anos, está em tratamento há nove anos. Ele é de Ubarana-SP e descobriu o primeiro câncer em Rio Preto, sendo logo encaminhado a Barretos. Já passou por qua-tro cirurgias, teve diversos cânceres. Sua esposa Valdete de Souza Rodrigues dos Santos o acompanha em todos os tratamentos. “O hospital é ótimo. Começa dos atendentes, são muito educados. E o tratamento é muito bom”, diz a esposa. Os dois ficaram dezenove dias no alojamento do hospital durante a última cirurgia. De resto é indo e voltando para Barretos. Mas os dois não reclamam. Seu Antônio acha o hospital muito bom, vale a pena. Deliene Pereira Martins acompanha o marido de 56 anos, que descobriu um câncer de língua em Itumbiara-GO há quatro meses. Os dois são de Castelândia e a assistência social da cidade os encaminhou para Barretos. O esposo já passou por quatro sessões de quimioterapia e está na sexta de radioterapia. Segundo Deliene, serão mais trinta destas. Por conta do tratamento, o casal estava vindo toda semana para o hospital. Agora alugaram uma pequena casa para ficar na cidade. Deliene, que é conselheira tutelar, teve que tirar licença para acompanhar o marido. Para ela, esse é o me-lhor a se fazer, pois o hospital é ótimo. “Somos muito bem tratados pelos enfermeiros e médicos. Estamos nos sentindo em casa, até os guardas são gentis. Pacientes e acompanhantes se tratam bem, são todos amigos aqui”. Joel Domingos Pinto é de Santa Cruz das Palmeiras-SP e descobriu um câncer de reto há quatro anos. Desde então se trata em Barretos. Ele e sua esposa, Nilza Salete Pinto, iam e voltavam de sua cidade durante todo o tratamento. Agora, desde a prepara-ção para a recente cirurgia de Joel, eles ficam na casa de apoio do seu município. Nilza elogia: “desde o faxineiro até o médico são todos muito educados”. Joel, que tem por volta de 40 anos e aguar-da ser chamado para sua consulta com a nutricionista, não reclama do tempo de espera. “Tem explicação. Eu sou novo, não estou de-bilitado, posso esperar um pouco mais. Tem gente mais velha que

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tem prioridade”. Para o casal, o apoio de que precisavam desde a descoberta da doença encontraram nos colaboradores e nas outras famílias. “Aqui até os pacientes se apoiam. Nem parece que é um local de doença, tem muita amizade”, diz Joel.

Casas de apoio: acima de Cassilândia-MS; abaixo, de Costa Rica-MS.

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Considerações

O Hospital do Câncer é o local de reunião de pessoas do Brasil inteiro que são, em sua maioria, humildes. Naquele com-plexo tão grande é notável a satisfação dos pacientes. Ali eles têm certeza de que, mesmo sem poder pagar, têm acesso aos melhores equipamentos e tratamentos. Sendo assim, eles realmente recupe-ram a dignidade que falta em muitos centros de saúde atualmente. Além dos tratamentos, o atendimento é o diferencial em Barretos. Os pacientes são ouvidos, são cuidados e são incentiva-dos pela própria situação de estar fora de casa a construir laços de amizades com os profissionais (que se mostram abertos a isso) e com os outros pacientes e familiares. A partir do momento que são tratados com respeito e amor, as pessoas se valorizam mais e buscam maior força para lutar no apoio que recebem. É nesse caminho do respeito à dignidade humana que o Hospital de Barretos se fortalece tanto perante os pacientes quanto perante a sociedade que ajuda a manter a institui-ção funcionando.

Ônibus de transporte de pacientes de Ilha Solteira-SP.

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Institutos de pesquisa e desenvolvi-mento que fazem parte do comple-xo de Barretos. Acima, o Instituto Ivete Sangalo de prevenção, ensino e pesquisa; à direita, o IRCAD, Ins-tituto de Treinamento em Técnicas Minimamente Invasivas e Cirurgia Robótica.

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Hospital A.C.Camargo

Em 1934, o professor doutor Antônio Cândido de Camargo, da Faculdade de Medicina da USP, criou a Associação Paulista

de Combate ao Câncer (APCC) com o intuito de oferecer assis-tência hospitalar contra tumores malignos, informar a sociedade e pesquisar a área de Oncologia. A APCC foi o embrião do Hospital A.C.Camargo. A Associação só se estabeleceu em 1943, quando conse-guiu capital por meio do Comendador Martinelli, paciente do ci-rurgião Antônio Prudente, discípulo de Antônio Cândido Camar-go. Além do dinheiro do Comendador, a Associação também fez uma campanha de arrecadação. A jornalista Carmen Prudente, esposa de Antônio, criou em 1946 a Rede Feminina de Combate ao Câncer e conseguiu mo-bilizar a população de São Paulo para construir o hospital por meio da criação de um concurso para arrecadação de fundos. O Hospital

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A.C.Camargo, chamado na época de Hospital do Câncer, foi inau-gurado em 23 de abril de 1953. O hospital nasceu com a proposta de privilegiar pesquisas científicas e informar a população sobre o câncer. Foi criada ali, ainda no ano de inauguração, a residência para médicos, segunda do país. Em 1973, a APCC transformou-se na Fundação Antônio Prudente, que é mantenedora do A.C.Camargo. O Conselho da Fundação é que elege a Diretoria Executiva do hospital e supervi-siona sua gestão. O hospital possui hoje sessenta mil metros quadrados construídos com uma estrutura completa para diagnóstico e tra-tamento dos diferentes tipos de câncer identificados pela me-dicina. A equipe é formada por mais de dois mil profissionais.

Atendimento

O A.C.Camargo é um hospital particular filantrópico. Sen-do assim, atende pacientes particulares, de planos de saúde priva-dos e conveniados ao SUS. Para ser atendido no hospital, o paciente liga, manda e-mail ou fax solicitando o agendamento de consultas ou exames. O usuário pode inclusive escolher no site o médico com o qual deseja se consul-tar, de acordo com o curriculum dele disponível no portal do hospital. Em 2011 o atendimento SUS representou 63% do total. Os recursos do hospital são privados, sendo o SUS responsável apenas por pagar os procedimentos que seus usuários realizam no local.

Humanização

Quando o hospital foi fundado não havia na sociedade tan-ta preocupação com a humanização, mas, mesmo assim, ela fazia parte da matriz de trabalho do A.C.Camargo. Conforme a visão da sociedade foi mudando, o hospital também foi evoluindo e hoje em dia busca o que tem de melhor no assunto. O item “humaniza-ção hospitalar” faz parte do planejamento estratégico. Isabel Miranda Bonfim, gerente de Enfermagem, explica

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alguns dos trabalhos que são realizados no hospital. Na UTI a vi-sita é estendida e o acompanhante pode ficar o dia todo com o pa-ciente, só não pode passar a noite lá. “A presença do familiar ajuda muito, é o mais próximo da vida do paciente aqui fora. A UTI é muito diferente da vida cotidiana, o que mexe muito com a cabeça dele por estar sozinho”, diz a enfermeira. No centro cirúrgico, o paciente se recupera em uma sala isolada. Para diminuir o estresse da família que fica esperando no quarto, a equipe liga para dizer que transcorreu tudo bem. Há in-clusive um telefone sem fio para que o próprio paciente possa ligar e falar diretamente com a família, caso ele esteja em boas condi-ções. Isso ajudou os familiares e também a equipe de saúde, que parou de receber tantos chamados que as famílias faziam por não terem notícias. Existe também o grupo “Amor à vida”, que começou como um grupo de ajuda a mulheres mastectomizadas, depois foi ampliado para mulheres em geral e agora é aberto a todos. As reu-niões quinzenais trazem assuntos específicos da doença, como a queda de cabelo, as náuseas, dicas para usar lenços e perucas. Há uma roda de conversa entre curados, pacientes e recém-pacientes para que haja troca de experiências. Com as mães da oncologia pediátrica são feitas reuniões para orientar sobre o tratamento, a doença e como lidar com a criança doente. Também são realizados passeios externos com as mães e as crianças com câncer. O grupo “Sua voz” é um coral formado por pacientes de câncer de laringe que tiveram que retirá-la inteiramente. O grupo é aberto a qualquer paciente, não só do A.C.Camargo, e, além de cantar, eles também participam de palestras sobre assuntos relacio-nados ao pós-tratamento do câncer. O intuito é que o laringecto-mizado aprenda a lidar com sua nova condição, sua voz e respira-ção, e outros problemas decorrentes da doença. O novo projeto que está sendo implantado é sobre qualida-de de informação ao paciente. A ideia é montar folders com temas que alteram a vida dos pacientes, como a traqueostomia, o dreno,

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a bolsa de colostomia. A intenção é explicar ilustradamente como funcionam esses dispositivos e qual o melhor jeito de cuidar para que o paciente não precise ficar correndo ao hospital a toda hora. Esse projeto faz parte da teoria do autocuidado e da adaptação. Esses e outros projetos diminuíram a média de permanên-cia dos pacientes no hospital, segundo Isabel. Para ela, “estamos tratando uma geração diferenciada, a ‘Y’, imediatista, hightech. Te-mos que nos preparar para isso”. A humanização é um dos itens que está melhorando os índices. Em relação aos profissionais, desde a integração, os novos colaboradores percebem que o atendimento é diferenciado. Segundo Isabel:

Muito mais do que a técnica que ele vai aplicar é impor-tante tratar o paciente como pessoa. É importante saber sobre a doença e o que tem que ser feito, mas é preciso tratá-lo de forma individualizada. Não importa se tem duas pacientes com mastectomia, elas são diferentes.

O programa de palestras “Bem-vindos” mostra aos novos profissionais como recepcionar os pacientes. O lema é: “já que você tem que vir ao hospital, que você seja bem-vindo”. Além de capacitar os funcionários para o tratamento hu-manizado dos pacientes, há também a preocupação com a quali-dade de vida dos profissionais. O hospital promove ações com o objetivo de cuidar de quem cuida. São feitas reuniões com temas diversos, desde a saúde mental deles (depressão, autocuidado, au-toestima) até a vida fora do hospital (finanças, investimentos). “Se o profissional está bem, cuida melhor”, afirma a gerente de enfer-magem. Isabel explicita ainda um problema que o hospital tem en-contrado em formar uma equipe consistente. “Os profissionais es-tão vindo menos preparados das faculdades em tudo”. O paciente com câncer é diferenciado e o profissional precisa ser diferenciado também. A oncologia é muito pouco abordada e as pessoas che-gam sem saber como lidar com o paciente. A enfermeira explica que:

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Aceitamos recém-formados, mas precisamos ensiná-lo tudo. Depois de ter aprendido tudo aqui, muitos largam o hospital e vão para outros lugares. Essa geração sai muito fácil se tem uma oportunidade um pouco melhor, isso é uma preocupação.

Os pacientes e os familiares

José Trajano da Cruz tem 76 anos e, há vinte e dois, se trata no A.C.Camargo. Foram vários os tipos de câncer contra os quais José lutou. Devido ao longo tempo, a tantas amizades feitas, hoje ele diz “estou em casa no hospital”. Depois de cinco anos tratando de um câncer de laringe, Coryntho Baldoino Costa Neto, de 70 anos, está curado. Porém não abandona o hospital nem a causa da prevenção do câncer de laringe. Para ele, é muito importante participar do grupo “Sua voz” e campanhas sobre prevenção e tratamento. Segundo ele, o mais importante é estar lá, curado e mostrar que “se a gente pode, os ou-tros podem também”. Um dos projetos do qual participa é a Rádio Cigarro, pensada por um publicitário para mostrar depoimentos de médicos e pacientes de câncer de laringe, e que aponta o cigarro como causador direto da doença. O material está disponível na internet.

A fonoaudióloga Elisabete Carrara de Angeli ensaiando o coral do grupo “Sua voz”.

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Maria Clara Falcucci se tratou fora do A.C.Camargo e está junto com Coryntho na Rádio Cigarro. Ela também participa do grupo “Sua voz” e, aos 60 anos, diz que “é muito bom ter um lugar para ir, conhecer pessoas com os mesmos problemas”. Segundo ela, o mais importante é partilhar experiências. A jornalista Juliana Monteiro Steck teve uma péssima ex-periência antes de chegar ao A.C.Camargo. Morando em Brasília, ela foi diagnosticada com um câncer de tireoide. Na cirurgia para retirada do câncer, Juliana teve as cordas vocais paralisadas. Ela acordou na UTI traqueostomizada, sem voz, ligada a aparelhos e cercada de pessoas em estado terminal. “Eu falava e ninguém me ouvia e só via gente sofrendo, a sensação foi tipo: morri e estou no inferno”, diz a jornalista. Quem a tirou do sofrimento não foi a equipe de saúde, mas sim seu marido, que, contrariando as ordens do hospital, entrou na UTI e explicou tudo que tinha acontecido. Juliana conta que pedia para ir ao banheiro, mas não era prontamente atendida. Os profissionais queriam que ela usasse fraldas, mas ela não concordava. “Eu sei que dava trabalho me des-conectar daquele monte de fios, me levar ao banheiro, me esperar usar, depois conectar tudo de novo, mas eu conseguia ir ao banheiro, era importante para mim”. Durante seu tratamento de iodoterapia, ela também encontrou vários problemas no quarto isolado em que tinha que ficar: ficou sem nada para beber, pois apresentava proble-mas com líquidos e a equipe não substituiu por nada que fosse pos-sível de ela ingerir; o chuveiro do banheiro não funcionava; e o tele-fone estava tão cheio de proteção que nem conseguiam ouvir o que ela falava, sendo que a voz dela já estava prejudicada pela paralisia. Seis meses depois, Juliana descobriu que o câncer tinha se espalhado para os gânglios linfáticos. Com a experiência ruim que tinha vivido, ela procurou recomendações de médicos e escolheu o Dr. Kowalski, do A.C.Camargo. Seu convênio era aceito no hospi-tal e ela então veio para São Paulo. “Eles têm médicos de todas as especialidades, que se comunicam uns com os outros. Por exem-plo, tive uma infecção urinária e um urologista que me tratou até eu ficar boa para poder operar”, diz.

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A cirurgia de Juliana durou mais de oito horas e, mesmo assim, o médico respeitou sua vontade de não ir para a UTI e ela se recuperou numa sala especial, com toda a aparelhagem necessária e com muita atenção dos profissionais. “Realmente no A.C.Camargo eles te tratam como gente, como alguém que tem vida fora do hos-pital, não como um estorvo”, desabafa a jornalista. Ela continua:

Lembro que, quando eu acordei da anestesia, falei que queria morrer (a gente volta de uma anestesia geral super grogue ainda, e começa a sentir muita dor), e o médico que estava comigo, que tinha ajudado o cirurgião, fa-lou: “Juliana, você tem dois filhos que precisam de você, não diga isso, onde está doendo para eu te ajudar?”.

Para ela isso fez toda a diferença, pois estava sendo cuidada de verdade, todos ali sabiam seu nome, sabiam da sua família e seu histórico. Com relação à humanização, Juliana diz que os grupos de apoio, de artes e diversão oferecidos no A.C.Camargo também ajudam, mas que o mais importante é a forma como os médicos, enfermeiros e funcionários do hospital tratam os pacientes. Ela explica: “Porque a humanização, na minha opinião, começa aí: ser tratada como gente”. Comparando o A.C.Camargo com outro particular em que ela fez uma cirurgia, ela explica que falta um pouco de estrutura.

Os remédios, por exemplo, demoram para che-gar ao quarto. Se você precisa de um analgésico ou um remédio para dormir prescrito na hora, sem antecedência, tem que esperar muito. Ou se a co-mida vem errada, demora demais para trocarem.

Mas, no geral, ela aprova o hospital. Juliana diz que, se morasse em São Paulo, poderia ter feito não só a cirurgia, mas todo o acompanhamento (fonoterapia, endocrino-logia, grupos de apoio), mas como mora em Brasília, faz o acompa-nhamento lá. Os médicos do A.C.Camargo entram em contato com seus médicos atuais quando necessário e os orientam sobre os exames.

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Considerações

O Hospital A.C.Camargo tem a preocupação de cuidar dos pacientes além das questões técnicas. Seja o paciente um usuário do SUS, dos planos de saúde ou particulares, eles têm o mesmo atendimento. As ações do hospital visam a melhoria contínua no atendimento, pensando no paciente como um todo. A intenção é melhorar a qualidade de vida do doente, seja enquanto ele se prepara para o tratamento, durante a doença ou após sua cura. A preocupação é com o ser humano adoecido.

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Considerações finais

A humanização é uma mudança de atitude. É valorizar o ser hu-mano, como singular e complexo, em contrapartida à antiga

visão abstrata e padronizadora. Cada doente é uma pessoa única, com um passado relevante e um futuro a ser vivido, portanto o respeito à condição humana é essencial. O paciente nunca deve ser visto como uma doença e sim como um ser complexo que precisa ser tratado em sua integralidade. A humanização já vem sendo implantada em diversos hos-pitais brasileiros. Muitos a têm usado como diferencial, mas o ideal é que ela seja regra em todos os centros de saúde, pois a qualidade de vida há muito tem se mostrado mais importante que a quantida-de. Passamos da era de pensar a tecnologia como saída única e mais importante na área da saúde. O que podemos fazer, como seres humanos, vai muito além de prolongar a vida das pessoas por meio de procedimentos e remédios. Podemos melhorar a vida delas, independentemente do tempo que lhes resta. A chave é aliar tecnologia a contato humano, conversa, atenção e cuidado. É aliar conhecimento técnico a boas práticas. É lembrar que ali do outro lado poderia estar você, ou sua mãe, seu irmão. Se trabalhamos em um lugar que, infelizmente, não tem os melhores equipamentos, que então seja dado o melhor uso a esses equipamentos e o melhor atendimento humano a essas pessoas que deles dependem. Um paciente acamado não deve ser retirado de seu sono para realizar procedimentos durante a noite por ser um período mais tranquilo para os profissionais. Ou não deve o paciente ser acordado às 5 horas da manhã para tomar banho porque às 7 horas tem troca de turno. As ações devem ser pensadas e planejadas de um modo a ser bom para os colaboradores e para os pacientes. Humanizar, portanto, é lembrar que somos gente e respei-

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tar nossas necessidades e sentimentos, lembrando também que as pessoas que nos rodeiam têm necessidades e sentimentos tão dife-rentes dos nossos e ao mesmo tempo tão iguais. Todos queremos ser cuidados e respeitados. No ambiente hospitalar, a pessoa adoecida deve estar em primeiro lugar, recebendo um tratamento avançado e eficaz e um acolhimento verdadeiro e humano. Ninguém vai para uma cama de hospital porque quer e nenhum profissional da saúde vai para essa área sem querer. Por isso é tão importante trabalhar para que a doença seja tratada em conjunto com o ser e por uma equipe realmente comprometida com seus pacientes.

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Eu só peço a DeusVersão original: Mercedez SosaVersão em português: Beth Carvalho

Eu só peço a DeusQue a dor não me seja indiferenteQue a morte não me encontre um dia Solitário sem ter feito o q’eu queria

Eu só peço a DeusQue a dor não me seja indiferenteQue a morte não me encontre um dia Solitário sem ter feito o que eu queria

Eu só peço a DeusQue a injustiça não me seja indiferentePois não posso dar a outra face Se já fui machucada brutalmente

Eu só peço a DeusQue a guerra não me seja indiferenteÉ um monstro grande e pisa forte Toda fome e inocência dessa gente

Eu só peço a DeusQue a mentira não me seja indiferenteSe um só traidor tem mais poder que um povo Que este povo não esqueça facilmente

Eu só peço a DeusQue o futuro não me seja indiferenteSem ter que fugir desenganando Pra viver uma cultura diferente

Anexo A – Música “Solo le pido a Dios”

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“O homem pode se juntar com as coisas, se encostar nelas, crescer, mudar de forma e de jeito... O homem tem partes mágicas... São as mãos.”

João Guimarães Rosa

Ficção Completa,v.I,Sagarana: Conversa de Bois, p. 420.