a greve dos repórteres e um dia para lester

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7/23/2019 A greve dos repórteres e um dia para Lester http://slidepdf.com/reader/full/a-greve-dos-reporteres-e-um-dia-para-lester 1/12 Capítulo 1 – A Indiferença Ingênua  Não se acha muita coisa interessante em São Tobias, a cidade das maiorias esmagadoras. Tudo o que você encontra por aqui certamente já deve ter visto em algum outro lugar, sem contar que, eu nunca paro de me assustar com a frieza das pessoas daqui, com seus penteados e suas grias, suas manias e id!ias. "esmo não sendo do tipo conservador me sinto ofendido com essa gera#ão. Sempre me dizem que eu não acompanhei o progresso, mas para mim nunca foi progresso, foi uma tremenda contramão. Tanta gente atolada at! o pesco#o pelo e$cesso de informa#ão...falando assim pare#o at! um tpico resmungão, mas a verdade ! que tenho vontade de ser como eles, assim me sentiria mais aceito e menos solitário, pena não poder escolher certas coisas na vida. "inhas quei$as param por aqui, pois o Tadeu acabou de sair de casa, e acordei preocupado com ele hoje.  %izinhos não deviam bisbilhotar vizinhos, mas eu conhe#o Tadeu há muito tempo e at! um tempo atrás ele freq&entava a minha casa. 'ra muito amigo do meu filho (ran#ois, que acabou tendo um surto e saiu por a com uma moto há mais de ) anos, desde então Tadeu passou a me visitar com pouqussima freq&ência. *ntes era bem diferente, jogávamos muitos jogos de tabuleiro e já conversamos sobre muitas coisas importantes. Tadeu sempre me ouvia com aten#ão, ou pelo menos fingia muito bem, prefiro acreditar na primeira hip+tese. 'le milagrosamente sobreviveu s diferentes tendências que tomaram conta nesses -ltimos ) anos, sempre arrumando um jeito de  passar despercebido apesar de sua gigante e$centricidade. Semana passada ele me perguntou de (ran#ois, se eu já tinha mais alguma notcia. 'u disse/ o de sempre, ele ainda não tomou jeito e está zanzando por a. 'ntão ele educadamente sorriu e pede para que eu o mantivesse informado.  (ran#ois me manda cartas esporadicamente, dizendo que nunca esteve melhor, pedindo desculpas  por causar preocupa#ão. 'u sempre tenho vontade de respondê0las, mas aquele cabe#a dura virou um completo n1made e eu temo que algo do tipo aconte#a a Tadeu. Não que ele seja tão ansioso e obsessivo como o meu filho, mas ele tamb!m está vulnerável ao tal surto, nessa cidade, qualquer um está. Todd2, o carteiro, entrou em parafuso mês retrasado, saiu pintando tudo o que era amarelo de  preto e tudo que era preto de vermelho, foi então que se confundiu por completo e ganhou um  passe de estadia vitalcio no asilo da cidade. 3erta, a garota que trabalha no cai$a da loja de conveniência, montou sua pr+pria igreja e prega igualdade social junto a altares aliengenas, sempre que eu passo na frente da casa dela vejo umas 4 pessoas, geralmente ) fi!is e 5 curiosos. 'u mesmo já estive a beira desse tal surto quando me senti impelido a pular em camas elásticas. 6epois de comprar uma e passar 5 horas consecutivas pulando percebi que aquilo era o principio do meu declnio. Substitui por comida e já engordei 5 quilos. 6elrios e surtos acontecem com muita freq&ência por aqui, em contraste com ruas de clima agradável e bonitas paisagens, e$iste algo que acaba afetando as pessoas, impedindo0as de viverem uma vida sadia e equilibrada, e todo dia eu me pergunto se a vida sadia e equilibrada vale realmente a pena, já que Todd2, 3erta e meu filho afirmam com veemência que estão se sentindo +timos e a -ltima vez em que me senti +timo foi quando pulei em uma cama elástica.  Tadeu vivia sem se importar com nada, nada mesmo. Não que ele não estivesse nem a, mas ningu!m ensinou a ele como se importar com as coisas. 7ara ele, tudo seguia seu flu$o e era divertido acompanhar esses acontecimentos, desde a pedra no sapato at! o gosto do pão de forma com queijo. 8 fato de não se preocupar com nada era interpretado como insensibilidade e frieza  pelos habitantes dessa cidade, e$ceto um seleto grupo que acreditava que havia algo de importante nele, mas toda vez que ele resolvia se pronunciar ou se manifestar de alguma forma, ele se interrompia antes daquilo come#ar a fazer algum sentido. 'u e os amigos pr+$imos, sempre ficávamos irados com esse tique dele, era como se a l9mpada do projetor do cinema tivesse queimado na melhor parte daquele filme incrvel. 6igo incrvel porque nunca tive oportunidade de

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Capítulo 1 – A Indiferença Ingênua

 Não se acha muita coisa interessante em São Tobias, a cidade das maiorias esmagadoras. Tudo oque você encontra por aqui certamente já deve ter visto em algum outro lugar, sem contar que, eununca paro de me assustar com a frieza das pessoas daqui, com seus penteados e suas grias, suasmanias e id!ias. "esmo não sendo do tipo conservador me sinto ofendido com essa gera#ão.Sempre me dizem que eu não acompanhei o progresso, mas para mim nunca foi progresso, foi

uma tremenda contramão. Tanta gente atolada at! o pesco#o pelo e$cesso de informa#ão...falandoassim pare#o at! um tpico resmungão, mas a verdade ! que tenho vontade de ser como eles, assimme sentiria mais aceito e menos solitário, pena não poder escolher certas coisas na vida. "inhasquei$as param por aqui, pois o Tadeu acabou de sair de casa, e acordei preocupado com ele hoje.

  %izinhos não deviam bisbilhotar vizinhos, mas eu conhe#o Tadeu há muito tempo e at! umtempo atrás ele freq&entava a minha casa. 'ra muito amigo do meu filho (ran#ois, que acaboutendo um surto e saiu por a com uma moto há mais de ) anos, desde então Tadeu passou a mevisitar com pouqussima freq&ência. *ntes era bem diferente, jogávamos muitos jogos de tabuleiroe já conversamos sobre muitas coisas importantes. Tadeu sempre me ouvia com aten#ão, ou pelomenos fingia muito bem, prefiro acreditar na primeira hip+tese. 'le milagrosamente sobreviveu s

diferentes tendências que tomaram conta nesses -ltimos ) anos, sempre arrumando um jeito de passar despercebido apesar de sua gigante e$centricidade. Semana passada ele me perguntou de(ran#ois, se eu já tinha mais alguma notcia. 'u disse/ o de sempre, ele ainda não tomou jeito eestá zanzando por a. 'ntão ele educadamente sorriu e pede para que eu o mantivesse informado.

 (ran#ois me manda cartas esporadicamente, dizendo que nunca esteve melhor, pedindo desculpas por causar preocupa#ão. 'u sempre tenho vontade de respondê0las, mas aquele cabe#a dura virouum completo n1made e eu temo que algo do tipo aconte#a a Tadeu. Não que ele seja tão ansioso eobsessivo como o meu filho, mas ele tamb!m está vulnerável ao tal surto, nessa cidade, qualquerum está.

Todd2, o carteiro, entrou em parafuso mês retrasado, saiu pintando tudo o que era amarelo de

 preto e tudo que era preto de vermelho, foi então que se confundiu por completo e ganhou um passe de estadia vitalcio no asilo da cidade. 3erta, a garota que trabalha no cai$a da loja deconveniência, montou sua pr+pria igreja e prega igualdade social junto a altares aliengenas,sempre que eu passo na frente da casa dela vejo umas 4 pessoas, geralmente ) fi!is e 5 curiosos.'u mesmo já estive a beira desse tal surto quando me senti impelido a pular em camas elásticas.6epois de comprar uma e passar 5 horas consecutivas pulando percebi que aquilo era o principiodo meu declnio. Substitui por comida e já engordei 5 quilos. 6elrios e surtos acontecem commuita freq&ência por aqui, em contraste com ruas de clima agradável e bonitas paisagens, e$istealgo que acaba afetando as pessoas, impedindo0as de viverem uma vida sadia e equilibrada, e tododia eu me pergunto se a vida sadia e equilibrada vale realmente a pena, já que Todd2, 3erta e meufilho afirmam com veemência que estão se sentindo +timos e a -ltima vez em que me senti +timofoi quando pulei em uma cama elástica.

  Tadeu vivia sem se importar com nada, nada mesmo. Não que ele não estivesse nem a, masningu!m ensinou a ele como se importar com as coisas. 7ara ele, tudo seguia seu flu$o e eradivertido acompanhar esses acontecimentos, desde a pedra no sapato at! o gosto do pão de formacom queijo. 8 fato de não se preocupar com nada era interpretado como insensibilidade e frieza

 pelos habitantes dessa cidade, e$ceto um seleto grupo que acreditava que havia algo de importantenele, mas toda vez que ele resolvia se pronunciar ou se manifestar de alguma forma, ele seinterrompia antes daquilo come#ar a fazer algum sentido. 'u e os amigos pr+$imos, sempre

ficávamos irados com esse tique dele, era como se a l9mpada do projetor do cinema tivessequeimado na melhor parte daquele filme incrvel. 6igo incrvel porque nunca tive oportunidade de

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 perguntar para algu!m eu não se preocupa com nada o que ela acha da vida, e a oportunidadeagora mora do outro lado da rua, mas não consegue terminar nada que come#a.

'm sua casa, há m+veis limpos pela metade, janelas abertas pela metade, quadros incompletos,telefone fora do gancho, pilhas de livros com marcadores em diferentes lugares, alguns at! pertodo final, abandonados s tra#as, smbolos do seu maior defeito, maior at! mesmo do que não se

 preocupar com nada, o que gerava afli#ão entre os que o admiravam e sempre esperavam algoinovador para suas vidas. Tadeu apenas sorria e s vezes evitava e$plicar por que era assim, já quecorria o risco de parar no meio do caminho e os dei$ar ainda mais irritados. %ivia sozinho já há

alguns anos, desde que seu tio resolveu dei$a0lo ficar por conta pr+pria, com a esperan#a de queele, por necessidade, acabasse desenvolvendo as coisas que lhe faltavam.:niciativa, clareza, seriedade, independência, eram coisas que pareciam indispensáveis para a

vida naquela cidade. Tadeu recebeu cartas do seu tio com instru#;es e dinheiro por quatro meses,no quinto, recebeu um cartão desejando0lhe boa sorte, o problema ! que como não conseguia ficar

 preocupado, ao se alarmou enquanto via o dinheiro acabando e a dispensa esvaziando, semanasdepois veio me perguntar se eu tinha feito algo bom para o almo#o, com um ar sereno, como sefosse a coisa mais natural do mundo auto convidar0se para um almo#o na casa de um vizinho nãomuito pr+$imo.  '$pliquei a ele como as coisas funcionavam, que aos vinte e dois seria difcil ser acolhido porqualquer pessoa que seja, já que o esprito de solidariedade havia se tornado uma piada sem gra#a

 por aqui, que haviam coisas das quais ele não sabia e eu ensinaria a ele uma por uma, enfim ele poderia viver por conta pr+pria sem ficar tão perdido. Sim, ele morou aqui pro uns tempos, massua casa foi seu campo de treino. 8 ensinei a cozinhar, cuidar das plantas, cortar a grama, trancar a

 porta, programar o vdeo0cassete, usar a máquina de lavar entre muitas outras coisas essenciais para se morar sozinho. <onsegui um emprego agradável em um parque aquático aqui perto, ondeele passava praticamente o dia todo, trabalhando ou apenas se refrescando nas piscinas de ondas,desde então dei$ei ele voltar para sua casa. No parque aquático, conheceu mais pessoas e algumasdelas se tornaram seus amigos, o que acabou tomando ainda mais o tempo dele e o dei$ando maisafastado daqui, finalmente ele havia conquistado a independência que seu tio havia tanto desejado.Seu tio veio aqui uma vez para saber se ele havia sobrevivido, sentiu0se orgulhoso e passou os

 pap!is da casa pra o nome dele, já que havia conhecido uma equipe de arque+logos famosos que o

convidaram para uma e$pedi#ão vitalcia no ártico e sempre quis ver a neve de perto, bem de perto.

  =oje resolvi segui0lo, pois estava com um pressentimento. Na verdade era a mais pura falta doque fazer, mas isso não soa nobre. 8 segui pelas ) quadras enquanto observava o zigue0zagueque ele fazia entre uma cal#ada e outra, olhando para o alto, para o canto direito e para frente,respectivamente. Na metade do caminho arrisquei repetir seus movimentos e percebi que estavafazendo o percurso de forma mais agradável, não sentia o peso sobre minhas pernas e sentia estarfazendo aquele caminho mais rápido. *ssustado, acelerei o passo e fui ao seu encontro, coloqueiminha mão sobre seu ombro e chamei seu nome.

  0 Senhor >ázaro...bom dia?  0 3om dia Tadeu, se importa se eu te acompanhar.  0 Não mesmo, tamb!m está indo para o parque?  0 Sim, resolvi aprender a nadar hoje.  0 'u posso te ensinar, ! s+ balan#ar os bra#os assim...

' passou a e$ecutar seu nado a!reo por alguns metros, at! parar e me sugerir fazer o mesmo. 'u,com medo de ser confundido com algum louco, neguei seu pedido. 'le não insistiu.  7assados alguns minutos de silêncio, acompanhando seus tpicos movimentos, não me ag&enteide curiosidade, queria me conter dessa vez, pois já tinha id!ia do que ia acontecer.

  0 6iga0me uma coisa, filho. 7or quê anda desse jeito?

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  Tadeu se olhou, mas no e$ato momento interrompeu sua caminhada, voltou a caminhar e tentouse olhar novamente, o que resultou em outra interrup#ão brusca.  0 Não consigo me ver caminhando, poderia me e$plicar como !?  @elatei seus movimentos com detalhes enquanto ele se admirava com a comple$idade e buscavano final da sua consciência um porque para aquilo.  0 'u não sabia que era desse jeito, sempre andei assim e nunca tinha percebido, geralmente eu

 penso em um destino e penso no caminho, dou os primeiros passos tentando guiar meu corpo porum tempo at! ele se acostumar, e então eu...

  0 'ntão o que?'u sabia que ia acontecer. ' aconteceu. 8s m-sculos da face novamente rela$aram e ele continuousua caminhada em silêncio, eu o acompanhei at! a entrada do parque aquático e disse que

 precisava tomar um caf! primeiro, que voltava em algumas horas. 'u não o vejo desde o come#oda greve dos rep+rteres.

Capítulo 2- A Arrogância Ingênua

  Aorge arruma a gravata.  Aorge checa o desodorante e o par de meias.  Aorge confere a carteira, desliga o rádio e tranca a porta.

  *o dobrar a esquina, algo lhe cutuca a mem+ria. Não parecia ser nada demais, isso at! dobrar aoutra esquina e se lembrar do forno ligado.  Aorge volta para casa.  Aorge desliga o forno e tira a torta quase queimada de dentro dele.  Aorge tira um peda#o da torta, p;e em um pote plástico, p;e em uma sacola plástica e sainovamente.

  'le morava na parte alta de são Tobias, a vista mais e$uberante e as piores padarias. 'ra gerentede uma loja de conveniência, um lugar sereno e agradável, onde reinava sobre seus protocolos deatendimento e gestão. Nunca teve problemas com os outros funcionários, sabia tratar todos de umamaneira muito gentil sem dei$ar que algum deles se aproveitassem. 8 -nico momento em que se

sente um pouco deprimido ! um pouco depois das três da tarde, quando lembra da sua melhoramiga e funcionária, que deserdou há alguns meses. 'le ia convidá0la para sair assim queresolvesse qual seria a melhor abordagem e assim que os dois tivessem um dia de folga emcomum, iriam ao <ine0@eprise assistir aquele Bromance mais ou menosC de que ela tanto gostava.D uma pena 3erta ter entrado para as estatsticas, quando s quatro da tarde chega, ela passa comsua procissão de fanáticos entoando c9nticos que ela mesmo inventou, falando de coisas que naverdade s+ ela acredita. Euem dera Aorge pudesse freq&entar sua casa, mas infelizmente ele sofreum s!rio problema de alergia a igrejas, que o dei$am empipocado e espirrando dias a fio. 

Fs cinco, Aorge recobra seu humor e vai at! o parque aquático esperar seu amigo sair, G em cadaH vezes ele acaba não conseguindo chegar lá a tempo, já que @aimundo não consegue secomportar nunca. ' não foi diferente dessa vez.

  7ense em um motivo besta.  *gora pense em uma rea#ão imatura.

D mais ou menos assim que a confusão come#a quando @aimundo está por perto. 6essa vez foia buzina do carro que estava do outro lado da rua, dando seta para a dire#ão mais longnqua

 possvel dele, mas que foi interpretada como um sinal de que ele era um paspalhão metido a pedestre, achando que poderia andar tranquilamente sem ferir integralmente o auto estima das pessoas em sua volta, com sua cara de limão azedo e suas roupas bregas. *pro$imou0se do carro e bateu com a palma das mãos na lataria, já encarando o motorista que não entendeu nada.

  0 'scuta aqui chefia, da pr+$ima vez pensa antes de usar essa maldita buzina barulhenta contramim.

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  0 6esculpe filho, mas essa buzina era para aquela crian#a que estava brincando na rua.  0 Não estou vendo crian#a nenhuma aqui, a não ser essa que está sentada atrás do volanteachando que carro ! brinquedo.

  8 homem se enfureceu e já estava tirando seu cinto de seguran#a quando Aorge arrastou@aimundo pelo bra#o para bem longe daquela confusão. 'stava mais rotineiro que a pr+pria rotinafazer com que o brigão sasse de fininho de suas pr+prias brigas. @aimundo não gostava nem um

 pouco disso, bufava e batia o p! no chão enquanto resistia a for#a superior de Aorge, que já havia

trabalhado carregando cai$otes pesados no dep+sito, seis anos at! ser promovido. @aimundo seodiava por ser tão fraco ás vezes, ao lembrar das brigas bem sucedidas onde sempre apanhavamuito.  0 Tem algo errado nisso Aorge, eu devia ser o fortão e você o magrelo.  0 7ara quê? 7ara sair brincando de :ncrvel =ulI socando cada pessoa que ver pela frente?

0 Não ! culpa minha, você sabe muito bem como eles me provocam, acham que s+ porque eu pare#o debilitado que não vou reagir aos insultos.

  0 Sossega o facho e vamos lá buscar o Tadeu, sabe que horas são?

Tadeu chutava uma lata rand1mica e assobiava a m-sica que tocaram aquela tarde toda nos auto0falantes, daquele disco de hits do verão do ano passado, essas tpicas m-sicas que grudam nacabe#a e at! parecem legais depois da vig!sima vez que são ouvidas. Aorge sorriu animado e enfimsoltou o bra#o de @aimundo, que já at! havia esquecido desse detalhe, abrindo tamb!m um sorriso

 para o segundo melhor amigo que tinha, e a -nica pessoa no mundo com quem nunca haviaimplicado.  8s três eram um grupo e$cêntrico, comendo peda#os da torta quase queimada, um pensando em

 brigas, outro pensando na 3erta e o outro pensando em nada, ou algo muito parecido com nada.7assaram boas horas em telhados de fabricas abandonadas olhando a cidade a noite , em gramadosrec!m cortados comendo patê de presunto e pão, amedrontando a chatice daquela cidade banal

com torneios de mmica no meio da rua ás H da manhã, pendurando mensageiros do vento debai$odos cap1s dos carros, colocando linhas de barbante interligando quarteir;es com telefones de lata.

 Não importa o que acontecesse, eles sempre se encontravam na entrada do parque aquático nofinal do dia, ás vezes com um pequeno atraso, mas sempre estavam lá para amenizar o dia árduofalando bobagens enquanto seguiam para a mesma vizinhan#a.

 >á pela quinta esquina um grupo de cerca de GJ pessoas passa amarrotado na cal#ada, sem pedirlicen#a nem dar e$plica#;es, causando curiosidade em Aorge, raiva em @aimundo e nenhumaaltera#ão aparente em Tadeu. 8 grupo portava armas de toda esp!cie, mas nenhum delesaparentava ser mau caráter. 'ram cozinheiros, secretárias, m!dicos, alfaiates e assistentesadministrativos que pareciam ter um objetivo -nico, mas como passaram rápido não deu tempo de

 perguntar para onde estavam indo. 

* casa de Tadeu era azul, diferente das 4 casas salmão daquela quadra. Tamb!m era para sersalmão, mas como Tadeu não discutiu com o pintor, acabou ficando azul mesmo. 'u poderiadescrever melhor a casa, mas ! o tipo de coisa que torna as hist+rias cansativas Kdesculpe se você !do tipo descritivoL.

<hegar em casa significava duas coisas/ tirar as meias e comer salada. 'ra uma tradi#ão docrculo de amigos comer salada no final da tarde, não por questão de sa-de, mas sim emhomenagem ao vizinho, que no primeiro dia em que veio morar no bairro entregou um pote desalada para cada morador da rua, Tadeu havia gostado muito da salada e perguntou se por acaso

ele não poderia fazer isso mais vezes. 8 tal vizinho se emocionou e desde então dei$a um pote desalada na cai$a de correio diariamente, que ! muito bem recebido por Tadeu e seus amigos, tanto

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! que o pote sempre faz parte da metade da lou#a que ele lava. Naquele dia a salada era de tofu,alface americana e beterraba.  Terminada a salada, cada um vai para um lado, de maneira rand1mica, e assim ficam pore$atamente HJ minutos, at! se reunirem novamente na sala para assistir as notcias locais e sessãode desenhos, que dividiam o horário nobre, já que todas as crian#as agora estudavam em tempointegral devido ao misterioso d!ficit de babás na cidade. (oi logo depois das aventuras de 3ulo e6ato que a declara#ão do chefe de reda#ão do jornal dei$ou todos esclarecidos sobre os tumultosnas ruas essa tarde.

  0 No informativo digestivo de hoje, um de nossos apresentadores declarou a total greve decobertura de notcias, devido a falta de notcias interessantes na região, venho aqui apenas para prestar esclarecimento sobre o ocorrido e lhes digo/ al!m das notcias, vocês ficarão sem a programa#ão habitual, ! tudo que eu tenho a dizer no momento, boa noite. 

*p+s responderem boa noite ao televisor, os três olharam uns para os outros e co#aram a cabe#a,enquanto um estrondo tomou conta do quarteirão. 8lhando pela janela podia0se ver as pessoassaindo de suas casas já sem suas meias, enfurecidas e perdidas, derrubando árvores e li$eiras,invadindo a loja de flores e roubando sacos de esterco. Aorge naquele momento tamb!mdesesperou0se, com medo de que resolvessem assaltar a loja de conveniência, mas lembrou que o

 pessoal do turno da noite fez um curso gratuito de defesa pessoal pago pela pr+pria empresa e

respirou aliviado. @aimundo se animou com a id!ia e já tinha at! se aquecido, pronto para serquebrado na tentativa de quebrar algo. <omo sempre Aorge o conteve e trancou as portas, disseque não era muito recomendável sair na rua no meio daquela confusão.

  0'ntão vocês vão dormir aqui? M *firmou Tadeu.  0 3oa id!ia, pela manhã tudo estará resolvido.0 *crescentou Aorge.  0 'u estou sem sono. M @esmungou @aimundo.

  (oi então que Aorge p1s a cabe#a pra funcionar e pensou em algo que pudesse ser -til a todos,at! mesmo para ele, uma coisa que pudesse finalmente ser chamada de conquista. Naquela noite,ele iria fazer Tadeu terminar tudo que come#ou.

0 Tadeu, que tal terminar tudo o que você come#ou?  0 7ode ser, mas não tem como.  0 7or quê?  0 7or que isso ! a -nica coisa que me dei$a vivo, mas não me pe#a para e$plicar isso direito, jáque vou parar na metade.  0 'u dei$o você ficar com essa e$plica#ão ausente se você topar resolver todas as outras coisas,o que me diz?  0 *ceito, mas não sei nem por onde come#ar.

  Aorge olhou para a lou#a e teve uma id!ia.

Capítulo 3 - Lester

'u tinha um belo par de botas pretas, bem engra$adas, com detalhes prateados, que faziam barulho cada vez que eu pisava. "eu filho tamb!m gostava de botas, de motos e de sumir derepente e ficar fora por meses sem dar notcia. (oi por isso que eu resolvi tomar providências ecalcular cada passo dele. @ecebi cartas de diversas localidades e descobri que ele pretendia fazer odesenho de um oito no mapa, não sei se era de prop+sito ou se ele estava fazendo aquilo semquerer, mas resolvi confiar na primeira hip+tese e fui de avião at! >ualto, aquela cidade tursticaque fica no litoral, pena que esqueci minha camisa florida em casa.

Tentei pensar como (ran#ois, mas o elo de sangue não era o bastante nessas horas. 'u quesempre acreditei nessa coisa de estarmos interligados por algum tipo de fio invisvel, agora tentava

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descobrir em que posto ele abasteceria ou em qual restaurante almo#aria antes de partir para a pr+$ima cidade.  'le gostava de comidas e$+ticas, e por sorte minha s+ haviam GH restaurantes de comida e$+ticaem toda a cidade, o problema era vigiar todos ao mesmo tempo. 6epois de comer grilos comchocolate do (orgus (ood desisti da id!ia de esperar em algum restaurante e procurei a agência decorreio mais pr+$ima da estrada, encontrei duas, mas como ambas estavam do mesmo lado da

 pista separadas por alguns quil1metros de dist9ncia, resolvi esperar na segunda, logo na sada dacidade.

@econheci logo de cara os selos que estavam e$postos na parede. 8 logotipo da empresa ! omesmo de todas as cartas que (ran#ois tem me mandado, ele deve ter algum tipo de descontoespecial ou apenas seja supersticioso, iria passar aqui, sem d-vida, era questão de esperar.  * agência tinha um diferencial, tinha um mostruário de todos os produtos de seu catálogo, queera entregue esporadicamente junto com algumas das cartas, eu mesmo já recebi uns dois desses.8 que era mais interessante era a rapidez da entrega e ! claro, o frete grátis, já que havia um beloestoque em cada uma das agências, geralmente ocupando duas quadras, tamanha era a procura.7or um momento eu me vi intrigado com aquela revolu#ão comercial, presenciando pre#os bai$ose entregas ligeiras, somando tudo o que a modernidade poderia oferecer para um consumidor nato,o que não era o meu caso. 8 problema foi a se#ão de equipamentos de ginástica e a maldita camaelástica, junto ao funcionário da agência que gentilmente me perguntou se eu precisava de alguma

coisa.

  0 7reciso muito...pular nessa cama elástica.

  Senti vergonha de mim mesmo, um senhor da minha idade fazendo uma coisa daquelas, mas avergonha passou e foi tomada pela alegria plena, a alegria que há muito tempo eu não tinha. 7aramim o tempo não precisava passar mais, pois eu estava pulando em uma cama elástica, o

 problema ! que minha opinião sobre o tempo pouco importa, e ele passou, e passou muito.Euando escureceu, pulei para fora da cama elástica e fui desesperado ao balcão, perguntando sehavia alguma carta para mim. "ostrei meus documentos e me entregaram a carta, junto com odinheiro que (ran#ois havia pago. Na carta ele falava o de sempre, que estava bem, melhor do que

nunca e que havia provado um grilo com chocolate delicioso no almo#o. 6isse tamb!m que senteestar perto de seu destino e que manda notcias em breve.  *bri o catálogo e procurei por algum veculo potente, mas s+ achei uma moto de poucascilindradas na cor violeta, pelo menos o capacete veio de brinde. 7assei a procurar por hot!is emot!is enquanto seguia a mesma estrada, mas dificilmente eles se davam ao trabalho de procuraro nome de (ran#ois na lista, na maioria das vezes achando que eu fosse algum detetive particulardesvendando casos de adult!rio.  Não sabia o que aconteceria se ele completasse aquele 4 no mapa, ele poderia muito bem voltar

 para casa, mas se depois disso ele tentasse algum outro n-mero, daria mais trabalho ainda procurar seu paradeiro, e eu precisava revê0lo para dizer algo importante.  'ram três da manhã e eu cortava cidades do interior já meio cabisbai$o, parei em um posto e

 perguntei onde ficava o aeroporto mais pr+$imo, me disseram que o mais pr+$imo ficava em>ualto e o segundo mais pr+$imo ficava no outro estado. 6esanimei mas não conseguia achar umretorno, continuei seguindo a mesma dire#ão, at! cruzar com uma placa informativa dizendo queeu estava em outro estado, seguida de uma outra placa indicando um aeroporto a ) quil1metros.Tal descoberta me deu sono, e tal sono me fez parar no =otel "arduI K G estrelasL e pedir umquarto com urgência. Tal urgência não foi atendida, pois dormi no sofá da recep#ão, sendoincomodado pelo recepcionista )J minutos depois entregando0me as chaves do meu quarto. (aziaum frio danado no H andar.  7aguei a diária abusiva e cheguei em tempo recorde no aeroporto, conferi o mapa e calculei qualseria a cidade de chegada, eu teria tempo de sobra para arrumar um jeito de pará0lo logo na

entrada, antes de se dar conta do que estava fazendo. 

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Capítulo 4 – A Lógica Ingênua

  Aonas, o diretor e$ecutivo, já havia terminado de rasgar os documentos importantes e estavasaindo de fininho, at! ser surpreendido pelo vice0presidente, com um olhar raivoso e perif!ricos deinformática enrolados em seu corpo, perguntando de quem foi a id!ia da greve e porque ele nãofoi avisado disso com antecedência. 3alan#ando os bra#os e procurando com os olhos algo para sedefender de um ataque repentino, Aonas alegou estar ocupado demais com o slogan de final de ano

 para perceber o quanto os rep+rteres estavam insatisfeitos.

  0 Nunca consegui diferenciar insatisfa#ão de satisfa#ão, eu geralmente s+ os via na T% e lá eles pareciam estar bem.  0 :sso se chama profissionalismo, você devia ter prestado aten#ão nisso em vez de se preocupartanto com nossos slogans, já lhe disse mil vezes que isso ! trabalho para os folgados dos locutores,que gravam as vinhetas uma vez por semana e recebem um salário generoso.  0 Euer saber, bem feito para você, eu não gostava de você mesmo.

  *p+s tal afirma#ão Aonas debandou pela direita usando um peda#o de divis+ria para se defenderda f-ria depressiva que arremessava mouses e teclados em sua dire#ão. <orrendoininterruptamente pelos corredores daquele andar, caiu pr+$imo ao bebedouro, abra#ado a um

galão de água, mantendo0se imobilizado por tempo suficiente de ser alcan#ado pelo vice0 presidente, agora portando um e$tintor de incêndio, com um olhar insano e um sorriso nadaagradável.  *s tentativas de levantar0se daquela lamban#a foram vãs, escorregava na po#a e caa de formacada vez mais desajeitada. Não havia mais sada para ele, era um e$tintor prestes a cair sobre suacabe#a, a não ser que...  0 'u sei como salvar o canalO  0 7reocupe0se com você agora, eu me viro com o canal depois.  0 N+s podemos aproveitar essa situa#ão para dobrar nosso faturamentoO

  No mesmo instante o vice0presidente jogou fora o e$tintor e estendeu0lhe a mão, perguntando de

maneira polida e com ar de interesse o que poderia ser feito. Aonas e$plicou parte do seu plano e a primeira coisa que eles precisariam era de um telefone, algo difcil de ser encontrado nas runasem sua volta.  0 Não se preocupe, e$iste um -nico lugar nesse pr!dio que permaneceu intocado.

' lá se foram para o abrigo anti0mdia.

  8s honestos trabalhadores do bairro mais pr+$imo da esta#ão de transmissão do canal jáestavam terminando o seu servi#o, certificaram0se de que não havia ningu!m na avenida principale estavam prontos para pu$ar a antena com caminh;es e cabos de a#o quando avistaram o chefe dereda#ão em um trio el!trico, pedindo aten#ão de todos, pedido que foi concedidoinstantaneamente. 'm dois minutos o trio el!trico havia sido invadido e o chefe de reda#ão eraref!m da massa e$altada, por um momento a antena foi esquecida.

  * sede administrativa era bem organizada, com muitas placas e se#;es separadas por cores, oque ajudou Aonas e se situar em alguns momentos. * sala anti0mdia ficava no aglomerado cinza,onde eram feitas e$periências com telespectadores cobaias. 8 caos aparentemente não havia

 passado por lá, tudo estava em seu devido lugar, mas por seguran#a os dois procuraram o lugarmais remoto e seguro para se telefonar. 0 *l1? D do gabinete do prefeito?0 Sim, está falando com ele.0 Senhor prefeito, aqui ! o Aonas, diretor e$ecutivo do canal...

0 Aá sei quem você !O Sua ficha está nas mãos de cada policial da cidade e sua cabe#a está a prêmioO

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0 <alma senhor prefeito, tive uma id!ia para garantir sua reelei#ão e acabar com esse caos.0 @eelei#ão? 7or quê não disse antes, amigoO <onte0me sua id!ia.

"inutos depois o motorista do prefeito o esperava na porta da prefeitura.

Capítulo – !adeu

<om a lou#a completamente limpa, palmas e comemora#;es para a primeira coisa que Tadeuhavia feito at! o fim, enquanto Aorge pensava na pr+$ima tarefa, @aimundo tentava montar umquebra cabe#a pela metade que havia em cima da mesa.  0 6esiste desse a.

0 "as porque? Não era pra gente te ajudar a terminar essas coisas?  0 D sim, mas esse eu comprei em um brech+ e a mo#a me disse que faltavam algumas pe#as.  0 "as que raioO 7or que você comprou então?  0 "e identifiquei com ele, tem muita coisa faltando em mim tamb!m.

Aorge chamou os dois para a sala e ao chegarem se depararam com a pilha de livros em cima da pequena mesa de centro, @aimundo fez uma careta já que não gostava muito de ler, preferia ouvir

e Tadeu co#ou a cabe#a se perguntando se teria mesmo que ler tudo aquilo.  0 <alma pessoal, tive uma id!ia mais prática, eu já li a maioria desses livros, então vou contar ofinal dos que eu conhe#o. 7odemos come#ar com esse aqui, o carteiro descobre que ningu!mnunca recebeu as cartas que ele entregava e as encontra em um grande container no quintal do seuvizinho, e nesse outro aqui o protagonista foge daquela cidade, muda de nome e come#a do zeroem outro lugar, ah, esse aqui ! muito bom tamb!m, sabe o dragão cinza? 'ntão, ele se transformaem n!voa e ! aspirado pelo cavaleiro sagrado, que fica super forte e não tem dificuldades paraderrotar o vilão. 'sse aqui ! triste, lamento informar, mas esse casal não fica junto, porque agarota cai do penhasco enquanto foge do padrasto enfurecido. ' por -ltimo esse aqui/ a Terra !dominada e todos são infectados pelo vrus aliengena.  Tadeu, meio assustado, chacoalha a cabe#a e processa a informa#ão, tentando conectar os finais

a seus respectivos livros, ap+s isso, reclamou por seu cansa#o e deitou0se no sofá.  0 Nada dissoO *inda temos os quadrosO M e$clamou @aimundo.  0 Termina eles para mim, por favor, não consigo me me$er.  0 "as e nem sei desenhar.  0 'u e$plico para você.

  'nquanto Tadeu e$plicava calmamente as t!cnicas de desenho para @aimundo, Aorge olhavaserenamente para a rua, esperando algum sinal de 3erta e seus seguidores, queria poder sair e

 procurá0la no meio daquela confusão, mas não podia interromper a empreitada mais importante desua vida.  ' lá estava @aimundo, pintando de uma maneira e$+tica quadro por quadro, conforme Tadeu iaditando, o que resultou em belssimas obras, talvez não muito boas para decorar ambientesclássicos, mas e$celente para casas versáteis. 'is que uma T% quebra a janela da sala. 8 pintor

 brigão sai em disparada a fim de descobrir quem foi o engra#adinho desperdi#ador de eletr1nicosmas ao chegar na varanda se depara com milhares de pessoas com televisores nas mão prontas

 para arremessarem em algum lugar.  0 * coisa ta ficando feia lá fora.  0 Aá estamos quase terminando aqui, em breve poderemos tentar dar um jeito nessa bagun#a. 8que está faltando agora Tadeu?  0 *h, agora s+ falta ligar para esse n-mero, estou há semana tentando e$plicar para o pessoaldo suporte o que aconteceu com a minha máquina de fazer sucos.

  Naquele instante uma pedra atinge Aorge no bra#o e faz um pequeno corte, que então resolveligar para o tal n-mero do celular, enquanto eles saem da casa randomicamente atacada.

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@aimundo pega a mesa de centro e usa como escudo, correndo e empurrando com for#a abrecaminho pela cal#ada, enquanto Tadeu tenta não trope#ar no cadar#o desamarrado e Aorge escuta atpica m-sica de espera em seu celular. * multidão os cerca e eles são arrastados at! o centro damanifesta#ão, um trio el!trico superlotado com o chefe de reda#ão sobre um pedestal, sendoatingido por todo o estoque da feira que atuava há algumas horas atrás naquele mesmo lugar.*lgum transeunte resolveu liderar a bagun#a, subiu no trio el!trico, levantou os bra#os apontando

 para o chefe de reda#ão/  0 'sse homem acha que a popula#ão tem culpa pela frustra#ão dos rep+rteres, s+ por que

vivemos em uma cidade desprovida de crimes e catástrofesO 'ntão daremos a ele uma grandecatástrofe, para que seus rep+rteres entediados tenham muitas mat!rias para cobrir, que talcome#ar com a sua humilha#ão publica ao vivo?  8 chefe de reda#ão tentou responder, mas não havia nenhum microfone pr+$imo, o que tornousuas palavras in-teis.  0 Tragam as c9merasO

  8 prefeito acabara de chegar ao pr!dio da emissora, deserto e arruinado, quase voltou para ocarro e se mandou, mas Aonas o surpreendeu e o pu$ou pela camisa com muita pressa, atrás dosaguão havia um cenário improvisado, com uma c9mera e equipamentos de transmissão montados

 pelo pr+prio vice0presidente, o prefeito sentou na banqueta e deu uma lida rápida em seu discurso.

Capítulo " – #rançois

* moto ainda deslizava bonita na auto0estrada e faltava pouco para terminar o meu primeiro planode viagem, sinto muita saudade de casa, mas se eu não matar a vontade de pilotar at! enjoar nãovou conseguir estudar engenharia de pesca, minha ansiedade s+ vai acabar quando eu costurar esse

 pas, s+ espero que meu pai entenda.'stive em muitos lugares com cheiros diferentes, meu favorito foi o imenso corredor de

eucaliptos, )J quil1metros seguidos sentindo os pulm;es mais leves e sadios, não pude esquecer a pra#a do cachorro quente, nem a fabrica de sabão em p+, as ruas molhadas a noite e a grama

rec!m cortada dos hot!is, foi renovador. * vida em São Tobias era demasiadamente opaca e nãoera nem um pouco divertido, confesso ter sido um pouco impulsivo, mas como qualquer outro,não teria feito isso se parasse para planejar.

  *gora que fiz tudo isso, percebo que não ! nem P do que eu esperava. 'u imaginava algo milvezes mais escandaloso e fantástico, mas tudo o que tive foram umas f!rias inusitadas, mandeicartas em vez de telefonemas por não saber e$plicar o que estava acontecendo, eu gostei muito detudo isso, mas eu podia lidar com as coisas sem precisar fugir assim de repente, a fuga ! umrecurso muito enganoso, sempre parece irresistvel e deliciosa vista de fora da cápsula, no finaldas contas ! como a foto de um hamb-rguer na lanchonete.

  * ansiedade não passou at! agora e há alguns minutos atrás achei que o -nico problema fosse ofato de eu não ter visitado lugares o suficiente, mas a verdade ! que eu quero contar pessoalmente

 por onde eu andei para o meu pai e me desculpar por essa grosseria de sair repentinamente, elesempre entende, nem sequer ! rude.

* vontade de ir ao banheiro ia aumentando enquanto eu andava nas ruas noturnas de uma cidadequalquer, não prestei aten#ão nas placas, estava muito apertado. 'ntrei no hotel aflito perguntando

 por um banheiro e quando finalmente fui fazer minha reserva descobri que o pre#o era bemsalgado, disfarcei e sa normalmente, aproveitando do e$ato momento em que o plantão denotcias falava sobre uma revolta p-blica contra a emissora responsável por toda a programa#ão

televisiva de uma cidadezinha qualquer, ao lado da minha moto, um funcionário do hotel me perguntou porque eu estava partindo, se já era tão tarde e eu parecia estar cansado. Não consegui

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dizer nenhuma outra resposta menos direta que Bisso ! caro demaisC. 8 funcionário concordou eme indicou um hotel mais em conta a algumas quadras dali, foi então que eu percebi que estavamuito, mas muito perto de casa.  *s estradas ás vezes podem ser confusas, e alguns momentos de distra#ão são cruciais paramudar o smbolo de oito no mapa para uma letra japonesa escrita com má caligrafia. @esolvi não

 pagar o hotel e ir para casa de uma vez, mesmo sabendo que não poderia descansar at! e$plicar oque tinha acontecido. *o passar nas ruas desertas e ver a destrui#ão, percebi tamb!m que todaaquela confusão na T% se referia e$atamente a São Tobias, s+ não conseguia entender o motivo de

tanta revolta.3usquei no fundo do bolso a minha chave enquanto pensava se não era melhor tocar acampainha, pois poderia ser confundido com algum anarquista descontrolado, mas se eu tocasse acampainha eu poderia ser confundido com os garotos que tocam a campainha e saem correndo.@esolvi gritar BpaiC.  )J minutos depois cansei e abri a porta, entrei e me comportei como se estivesse em casa, acendias luzes para facilitar identifica#ão e peguei algo pra beber na geladeira. 'le não estava lá.

Capítulo $ – A cara de pau ingênua

* telefonista acabara de e$plicar a Aorge que as coisas trituradas no comercial são meramente

ilustrativas, que não se deve levar a s!rio o neg+cio de fazer suco de mandioca, ele s+ usaramaquilo como e$emplo porque tinham certeza de que ningu!m precisaria fazer suco de mandioca,que no est-dio eles usam uma parafernália convincente e que isso tem gerado muitos lucros para aempresa, Aorge ficou seriamente irritado e aumentou o tom de voz, a telefonista alegou que aquelen-mero era para vendas e não para d-vidas e reclama#;es, se despediu educadamente e desligou otelefone. Tadeu perguntou aos gritos, que naquela multidão se perdia, mas Aorge entendeu e pediu

 pra esquecer a maquina de sucos, que ele arrumaria polpas de frutas por pre#os bacanas com ofornecedor da loja de conveniência. @aimundo viu de longe o broche brilhante do 78 Kpartido dosoportunistasL no bolso do homem avermelhado que se ofereceu para conduzir o shoQ dehumilha#ão, e logo apontou e gritou Bele quer ser vereadorOC, inflamando a multidão que agora

 jogava legumes e verduras no espertalhão aproveitador. >evantaram @aimundo e o conduziram

 para o trio el!trico, emocionado, com o microfone na mão, abriu seu cora#ão/  0 'u sempre fingi ser brigão...  * multidão se calou.  0 Na verdade eu sou da paz.  * multidão cochichou.  0 *h, at! pareceO M Rritou @aimundo rindo sozinho de sua piada.  @aimundo parou bruscamente e tossiu.  0 ! que no momento não tenho nada de importante a declarar, mas conhe#o algu!m que podedizer o que acha sobre isso.Tadeu enfim subiu no trio.  0 'stamos aqui dividindo esse momento de união entre os habitantes, o que ! bem bacana,embora eu não concorde muito com essa bagun#a que vocês fizeram. *cho realmentedesnecessário e a solu#ão disso se resume em uma -nica pergunta...Tadeu respirou e ouviu indaga#;es da massa.*lgu!m jogou um tênis nele.Tadeu devolveu fazendo um gesto positivo.

0 7or que vocês não mudam de canal?

m estalo aconteceu na cabe#a de milhares de pessoas simultaneamente, e em J minutos já haviaum data shoQ transmitindo imagens da segunda melhor emissora naquela região.

'ra um telejornal, que falava e$clusivamente da greve dos rep+rteres.

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0 Temos novas notcias sobre a greve mais marcante de todo o nosso estado, fontes secretas nosrevelaram que o fato dos rep+rteres terem ficado zangados com a cidade foi justamente pelaausência de noticias, levando em considera#ão que 4JP do telejornal era relacionado crimes,den-ncias e trag!dias, a cidade foi reconhecida pelo governo como a cidade como maior ndice dedesenvolvimento humano e a partir de hoje a cidade receberá uma aten#ão especial e maioressubsdios como incentivo a continuar servindo de e$emplo para as demais cidades. 8s subsdiosincluem aumento do piso salarial, manuten#ão diária dos servi#os prestados e reembolso de tudoque foi danificado durante a revolta.

Todos largaram suas tranqueiras, alguns dei$aram a T% escapar das mãos de prop+sito, já que asT%s novas já estavam no peda#o e era uma boa chance de faturar uma. 'is que algu!m decide daruma BpassadelaC rápida pelo canal principal e encontra o prefeito no meio de um discurso que

 parecia ter come#ado há uns J minutos atrás/

  <aros cidadãos de São Tom!, reconhe#o o momento crtico em que a cidade se encontra, mas !com muito orgulho que venho vos informar que o governo...

  Se tem uma coisa que as pessoas detestam ! repeti#ão, mudaram imediatamente para o outrocanal, que agora e$ibia vdeos engra#ados com crian#as e animais e confraternizaram diante do

milagre do entretenimento eletr1nico. 8s três camaradas pegaram algo para beber e sentaram nomeio fio da cal#ada, no topo de uma ladeira e viram o sol suave de 5 da manhã aparecer pregui#oso atrás da galeria de importados do centro velho. Tadeu agora se sentia completo,@aimundo estava rindo at! agora de sua piada de mão -nica e Aorge pensava no que iria dizer a3erna quando aparecesse no culto quinta0feira, todos agora riam daquilo tudo enquantoterminavam de quebrar coisas antigas que em breve seriam substitudas por novas pelo governo.

  Euando o 7refeito terminou seu discurso, sentiu0se cheio de si e com a pr+$ima elei#ão ganha,isso at! receber uma liga#ão de seu assessor, dizendo que ningu!m da cidade deu aten#ão para seudiscurso porque estavam vendo um programa de vdeos engra#ados em outro canal. 8 prefeitoolhou torto para o %ice0presidente, que olhou torto para Aonas, mas Aonas já estava no final do

corredor, correndo mais que um queniano em maratona. 8 %ice0presidente o alcan#ou e pu$ou suacamisa, rasgando a manga esquerda e dei$ando Aonas amedrontado.  0 'u sei o que você fez seu espertalhãoO %ocê nunca mais vai arrumar emprego em nenhum canalde televisãoO  0 %ocê que pensa, cara de jaca, já tenho emprego garantido no outro canal, e seu eu fosse vocêsairia correndo antes que o prefeito te pegue, ele deve estar mega zangado.  0 Tem razão, me dá uma carona?  0 %amos, se meu carro ainda estiver inteiro tem gasolina o suficiente para chegar na cidadevizinha.

"ais tarde, os dois seriam s+cios em uma grande empresa de propaganda e publicidade.

Capítulo % - &' dia para Lester

(ran#ois acordou sonolento, mas já era um pouco tarde, desceu para tomar seu suco de uva. Nacorrespondência havia contas de luz,água e uma carta de seu pai, era a primeira em semanas.

B (ran#ois seu cabe#a ocaO 'u te vi errar a estrada mas não resolvi dizer nada, deu um trabalhodanado para descobrir o caminho que eu você tinha escolhido e quando eu finalmente consigovocê me faz uma coisa dessasO *gora, aproveite que está em casa e cuida das minhas plantas, !minha vez de tirar f!rias. 'spero que esse passeio tenha valido a pena, o meu está valendo, at!

qualquer dia desses. 6o seu velho, >ester.C

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(ran#ois lan#ou a carta sobre a mesa e esparramou0se no sofá, por G minutos at! tocarem acampainha, era algu!m querendo fazer a entrega de duas camas elásticas, uma simples e umatamanho famlia. (ran#ois disse que deveria estar havendo algum engano, que ningu!m havia

 pedido cama elástica alguma.

0 7áraO 7áraO São pra mimORritou o velho >ester já sem f1lego.

0 7aiO 6e onde o senhor surgiu?0 'u estava ali na casa do Tadeu.0 6esde quando?0 (az uns ) ou G dias.0 ' porque não me avisou?0 'u queria te mandar uma carta para ver qual seria sua rea#ão, mas os correios daqui deram o

 prazo de dias -teis para entregar a carta, então eu estava esperando esse prazo para fazer umasurpresa.0 ' eu pensando que o senhor estava por a curtindo a vida, pagando de <rocodilo 6undee eazarando o clube da terceira idade.0 Eue nada, eu cheguei um pouco antes de você no e$ato ponto em que você mudou de dire#ão, e

como sabia que ia acabar chegando em casa, fui dormir em um hotel caro a be#a e visitar o ranchodo seu tio *lonso, cheguei aqui e resolvi fazer um charme.0 ' para que essas camas elásticas?0 ma ! para mim, a outra ! para você.0 "as o que eu vou fazer com isso?0 '$perimenta pular um pouco, vai se sentir melhor do que nunca.0 'u vou sim, em homenagem ao seu reaparecimento.

' os dois passaram o dia pulando feito bobo0alegres at! o final do dia, onde se cansaram eresolveram dar uma volta pela cidade, visitas uns botecos e matar a saudade dos cart;es postaisBmais ou menosC de São Tobias, onde viveriam por mais alguns anos at! adotarem de vez a id!ia

de nunca parar quieto em um s+ lugar.

(im.