a grandeza de cada dia

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A GRANDEZA DE CADA DIA A empatia A FAMLIA QUE NO PODIA SE SEPARAR John Pekkanen - UNIO Logo aps o nascimento de seu filho Steven, Lindy Kunishima reuniu as filhas Trudi, de 13 anos, e Jennifer, de 9, na sala de visitas de sua casa em Honolulu. - Quero lhes contar uma histria disse o americano descendente de samurais. Um dia, um guerreiro samurai se reuniu com os trs filhos e pegou uma flecha. Pediu a cada filho que a quebrasse. Todos fizeram isso com facilidade. Ento ele pegou trs flechas, amarrou-as juntas e colocou-as diante dos filhos. Agora, quebrem estas trs flechas, disse. Nenhum deles conseguiu. Ao se aproximar do fim da histria, Lindy olhou firme nos olhos das meninas. A o samurai voltou-se para os filhos e disse: Esta a lio. Se vocs trs permanecerem unidos, jamais sero derrotados. Como nico filho homem da unidssima famlia de Lindy e Geri Kunishima, Steven passou a ocupar um lugar de honra. As duas irms babavam por ele desde o dia em que nasceu, em setembro de 1982. Quando ele completou seis meses, a me comeou a preocupar-se. Professora primria, no entendia por que o filho ainda acordava chorando vrias vezes todas as noites. O comportamento da criana durante o dia tambm a intrigava. Ficava onde era colocado e raras vezes se mexia ou fazia um rudo. Ao externar sua inquietao para o pediatra, ele a tranqilizou dizendo que o menino estava indo muito bem. Como Steven no andava nem falava com um ano e meio, no princpio de 1984 Geri o levou a um neurologista. Uma tomografia computadorizada revelou que uma rea do crebro que transmite mensagens para os msculos do corpo no se desenvolvera. A doena explicava por que os msculos do menino continuavam moles e flcidos. E tambm por que ele acordava tantas vezes noite os msculos da lngua eram fracos demais para que ele engolisse leite suficiente e satisfizesse a fome. Sra. Kunishima disse o neurologista , receio que seu filho nunca venha andar ou fazer algo que exija controle muscular. Esforando-se para conter-se, Geri perguntou como isso afetaria a inteligncia de Steven. Ele ser profundamente retardado respondeu o mdico. S poder ser educado para as tarefas mais simples. Em algum momento no futuro a senhora pode coloc-lo em uma instituio para deficientes. Arrasadas com o diagnostico, Trudi e Jennifer no comeram nem dormiram durante dias seguidos. Tarde da noite, ouviam o soluar abafado da me e as palavras delicadas do pai tentando consol-la. Jennifer, j com 11 anos, tambm lutava com suas emoes. Era uma excelente aluna, atleta natural e com um grande crculo de amigos. Embora amasse muito Steven, no suportava que as amigas soubessem que tinha um irmo imperfeito. Assim, no falava dele para elas. Trudi tambm era excelente aluna e aos 15 anos tinha a sabedoria e maturidade de uma pessoa mais velha. Era capaz de aceitar melhor a deficincia de Steven e se perguntava qual seria a extenso dela. Um dia tentando aliviar a tristeza da me, Trudi contestou o prognstico do mdico. Me afirmou convicta , eu simplesmente no acredito no que ele disse sobre Steven. Jen e eu vemos um brilho nos olhos dele. Voc no pode desistir. Ele no ter a mnima chance se voc desistir. As palavras da filha reforaram o esprito de luta de Geri. Reuniu a famlia em torno da mesa da cozinha. Estive pensando no que Trudi me disse hoje comeou. Quando vocs duas eram pequenas, seu pai e eu lamos muito para vocs. Achvamos que isso estimularia suas mentes e aumentaria seu vocabulrio. Acho que devemos fazer o mesmo com Steven. Todos concordaram animados. Deram-se as mos e fizeram um propsito. A partir deste momento disse Geri juramos fazer o possvel para ajudar Steven. Na noite seguinte, enquanto Geri preparava o jantar, Trudi estendeu um pequeno colcho no cho de

ladrilhos brancos e ajeitou o irmo, encostando-o em almofadas. Tomou a cabea do menino nos braos, porque ele no conseguia mant-la ereta por muito tempo, e comeou a ler um livro infantil. Seguiram-se outras leituras na noite seguinte, e na seguinte, at tornar-se um ritual de meia hora antes do jantar. Junto com a leitura, Jennifer e Trudi faziam perguntas e apontavam pessoas ou animais nos livros. Mas, semana aps semana, Steven apenas fitava de modo vago o espao, aparentemente perdido num mundo escuro e vazio. Nem sequer olhava as figuras, achava Geri. Ser que jamais vamos destrancar o que h nesse menino? Aos poucos, sentiu que o desespero voltava a venc-la. Uma madrugada, na quietude do quarto, despejou o que sentia para Lindy. As meninas esto tentando tudo, mas Steven nada registra. Eu nem sei se a leitura ajuda ou faz mal. Lindy procurou consol-la: Nunca poderemos ter certeza admitiu. Mas dentro do meu corao sei que melhor fazer alguma coisa do que no fazer nada. Hora de leitura anunciou Trudi, instalando-se no cho da cozinha com o irmo no colo. Aps trs meses, ele continuava sem reagir. Raras vezes se mexia. Nessa noite, porm, de repente se contorceu e afastouse das almofadas. Veja s Steven! gritou Trudi para a me. Perplexas e surpresas, elas o viram rastejar pelo cho. Inclinando-se para os livros infantis ao longo da parede, pareceu indicar um. O que ele est fazendo? perguntou Trudi, Incapaz de virar as pginas com os dedos, Steven o fazia com as mos. Quando chegou pagina que continha as figuras dos animais, deteve-se, olhando-a um longo tempo. Depois, com a mesma rapidez com que se abrira, seu mundo voltou a fechar-se. Na noite seguinte repetiu-se a cena. Quando Jennifer se preparava para ler, o irmo rastejou at o mesmo livro e procurou a mesma pgina. Sem fala, as duas meninas o abraaram, rindo e chorando ao mesmo tempo. Steven tem memria! maravilhou-se Geri, A essa altura ela tirara licena do trabalho para dedicar mais tempo ao filho. Com o passar dos meses, Steven foi reagindo cada vez mais s leituras noturnas. Por ter estudado o assunto, Geri sabia que outras partes do crebro muitas vezes compensam a danificada. Talvez seja isso o que est acontecendo com Steven, pensou. Trudi e Jennifer colocavam o irmo debaixo do piano de cauda enquanto tocavam. Um dia, aps praticar, Jennifer pegou-o e ouviu-o emitir um novo som. Steven est tentando cantar a msica que acabou de ouvir! ela gritou para os pais. E voltando-se para o irmo: Steven, voc entende a musica, no entende? O menino abriu um sorriso. Ao mesmo tempo, a famlia trabalhava para desenvolver os msculos do menino. Lindy aprendeu a massagear os braos e pernas do filho. Geri, Trudi e Jennifer passavam manteiga de amendoim nos lbios dele. Lambendo-a, ele exercitava a lngua e a mandbula. Tambm lhe davam goma de mascar e penas para soprar. Aos poucos, os flcidos msculos de Steven comearam a fortalecer- se. Aos quatro anos e meio, Steven ainda no falava palavras, mas fazia aaah e uaaah. Tambm conseguia dar lentos passos com a ajuda de um andador. Alm disso, exibia uma surpreendente memria visual. Aps examinar um quebra-cabea de 300 peas, montava-o com facilidade. Ainda assim, era rejeitado pelas escolas que a me procurava. Ela acabou por lev-lo a Louise Bogart, ento diretora da Escola Montessori Robert Alien, na Universidade de Chaminade, em Honolulu. Louise olhouo rastejar pelo escritrio, O menino ergueu a cabea e tentou falar com a me. Aaah... aaah repetiu vrias vezes, fazendo gestos insistentes. Louise viu dor e frustrao no rosto dele. Mas viu tambm outra coisa: Steven decidira fazer-se compreender. Sra. Kunishima disse ,teremos prazer em receber Steven em nossa escola. Nos meses seguintes, o menino continuou a fazer lentos progressos. Uma manh, no segundo ano na Montessori, ele brincava distrado com blocos sobre um tapete, com Louise ao lado, vendo a professora

trabalhar com nmeros com outra criana. Que nmero vem agora? perguntou a professora. A criana no sabia. Vinte! gritou Steven. Louise virou rpido a cabea. Steven no apenas falara com clareza, mas dera a resposta correta. Ela se aproximou da professora. Steven trabalhou com isso? perguntou. No respondeu a professora. Ns trabalhamos muito com nmeros com ele, mas no sabemos como aprendeu algum outro alm de 10. Quando Geri foi buscar o filho aps as aulas, Louise contou-lhe o que acontecera. Isso s o comeo do que ele capaz afirmou. Jennifer sentia um n na boca do estmago quando uma noite o pai a levou de carro para o primeiro jogo de basquete do ginsio, em fevereiro de 1990. Steven, j com 7 anos, sentado calado no banco de trs, olhava o trfego que passava. O amor pelo irmo continuava forte como sempre, mas ela tentava manter em segredo a deficincia dele. E isso comeava a tornar-se dificil. Dois anos antes ele aprendera a falar, e a fala evidenciava o problema. Por favor, pai ela sussurrou antes de dirigir-se para o vestirio - tente impedir Steven de gritar durante o jogo. Quando comeou o jogo, o menino foi contagiado pela excitao. Vamos l, Jennifer gritava com a fala lenta e dificil. Jennifer encolheu-se de vergonha e recusouse a olh-lo. Sabia que o estava decepcionando e sentiu-se desapontada com ela mesma: no era a forte terceira flecha. Em casa, porm, cobriu o irmo de afeto e ateno. Ele continuava com deficincias motoras, e por isso ela, Geri e Trudi trabalhavam muito para tornar sua escrita legvel. Eu consigo assegurou Steven um dia. s me darem tempo. Eu tenho mesmo de ir para esse acampamento disse Jennifer ao diretor do ginsio, em maro de 1991. muito importante para mim. O Acampamento Paumalu, a 38 quilmetros de Honolulu, era ocupado duas vezes por ano para ajudar os alunos a encarar obstculos, criar capacidade de liderana e enfrentar medos e problemas. Jennifer comeara a perceber que o maior desafio era falar sobre Steven com os amigos. Uma tarde, no acampamento, quando conversava com um garoto do ginsio, o problema veio tona e as palavras jorraram de sua boca. Eu tenho um irmo de que gosto muito, mas sinto que tenho sido injusta com ele. Jamais quis enfrentar o fato de que ele tem uma deficincia. Sempre quis fingir que isso ia passar. Quando acabou, sentiu-se livre do fardo. No dia seguinte, ao chegar em casa, atirou-se nos braos da me. Estou livre, me disse. Realmente livre. No ltimo dia de acampamento, cada aluno escreveu o problema ou medo a ser superado numa tbua fina de madeira. Depois, com toda solenidade, as tbuas foram quebradas com um golpe de mo ou de p, rompendo simbolicamente o obstculo. Jennifer escrevera seu problema com letras maisculas. Depois bateu com a mo, mas s na quinta tentativa ouviu o estalo da madeira partindo-se em dois pedaos. Agora ela aceitava Steven totalmente. No jogo de basquete seguinte, mais uma vez ouviu a voz dele incentivando-a. Voltando-se, acenou-lhe com entusiasmo. Agora, pensou o pai, as trs flechas esto de fato amarradas juntas. Durante trs anos, a partir de 1990, Steven freqentou a Escola da Santssima Trindade. Ainda tinha dificuldade para aprender, mas a fala e a escrita foram melhorando at quase chegarem ao normal, assim como os movimentos fisicos. Aos 11 anos estudava no nvel bsico para sua idade, corria, saltava e como Jennifer comeara a jogar basquete. Em 1992, Steven chamou a ateno de Lynne Waihee, esposa do governador do Havai, John Waihee A

primeira dama do estado presidira o projeto Leia pra Mim, que estimulava as pessoas a lerem para as crianas. Impressionada ao ver como a leitura ajudara o menino, sugeriu que o Conselho de Alfabetizao homenageasse a famlia Kunishima. Numa recepo na manso do governador, Geri apresentou Steven, que falou a mais de 200 lderes da rea sobre sua luta durante aqueles anos. Foi aplaudido de p. Em maro de 1993 o setor havaiano da Cruz Vermelha Americana concedeu a Lynne Waihee o Prmio Humanitrio daquele ano. Pediram a Steven que escrevesse uma dedicatoria no programa do banquete dos premios Depois de muito pensar, ele resumiu o que significava a leitura para ele e, ao faz-lo, exibiu a conquista da famlia Kunishima. Minha famlia l para mim, e agora eu posso ler para mim mesmo A histria de Steven um magnfico exemplo do esforo de toda a famlia. Um verdadeiro trabalho de equipe, um exemplo magnfico de unio. A me, o pai e as trs flechas, incluindo Steven, trabalharam juntos. Cada um contribuiu a sua maneira o pai com os conselhos, a me com pesquisa, persistencia e sacrificio, as meninas com a leitura, o piano e a ateno, e Steven dando tudo de si. Embora as vezes fosse dificil, todos demonstraram o admiravel poder que so a unio familiar pode conquistar plenamente.