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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DANIELLA CÔRTES PEREIRA BORGES A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES PARA O TRABALHO COM ALUNOS QUE APRESENTAM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS: A CONTRIBUIÇÃO DA ESCOLA VITÓRIA 2007

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

DANIELLA CÔRTES PEREIRA BORGES

A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES PARA O TRABALHO COM ALUNOS QUE APRESENTAM NECESSIDADES

EDUCACIONAIS ESPECIAIS: A CONTRIBUIÇÃO DA ESCOLA

VITÓRIA 2007

DANIELLA CÔRTES PEREIRA BORGES

A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES PARA O TRABALHO COM ALUNOS QUE APRESENTAM NECESSIDADES

EDUCACIONAIS ESPECIAIS: A CONTRIBUIÇÃO DA ESCOLA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito para obtenção do grau de Mestre em Educação, com ênfase em Educação Especial: Abordagens e Tendências. Orientadora: Profª Drª Sonia Lopes Victor

VITÓRIA 2007

Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)

Borges, Daniella Côrtes Pereira, 1977- B732f A formação continuada de professores para o trabalho com alunos

que apresentam necessidades educacionais especiais : a contribuição da escola / Daniella Côrtes Pereira Borges. – 2007.

242 f. : il. Orientadora: Sonia Lopes Victor. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito Santo,

Centro de Educação. 1. Políticas públicas. 2. Educação permanente. 3. Prática de ensino. 4.

Trabalho de grupo na educação. 5. Inclusão em educação. I. Victor, Sonia Lopes. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Educação. III. Título.

CDU: 37

DANIELLA CÔRTES PEREIRA BORGES

A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES PARA O TRABALHO COM ALUNOS QUE APRESENTAM NECESSIDADES

EDUCACIONAIS ESPECIAIS: A CONTRIBUIÇÃO DA ESCOLA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito para obtenção do grau de Mestre em Educação, com ênfase em Educação Especial: Abordagens e Tendências.

Aprovada em 09 de novembro de 2007.

COMISSÃO EXAMINADORA

Profª Drª Sonia Lopes Victor Universidade Federal do Espírito Santo Orientadora Profª Drª Denise Meyrelles de Jesus Universidade Federal do Espírito Santo Profª Drª Regina Helena Silva Simões Universidade Federal do Espírito Santo

Profª Drª Roseli Cecília Rocha de Carvalho Baumel

Universidade Federal de São Paulo

A minha mãe, guerreira por natureza, pelo

ensinamento de que a luta é uma arma, o amor e a

dedicação os fundamentos da vida.

AGRADECIMENTOS

A Deus, motivo maior e mais expressivo, pela minha capacidade de amar, me doar, contribuir,

colaborar e, conseqüentemente, conhecer. Pelo sustento da alma em momentos de loucura,

pelo cuidado constante, pelo amor incondicional, sereno e pela cumplicidade eterna. Muito

obrigada.

A minha mãe, Nilda, pelo exemplo de dedicação, trabalho, esforço e integridade. Às minhas

irmãs, Danubia, Dayana e Deyse, minhas outras faces no mundo que, neste momento e como

em nenhum outro, se fizeram partes de mim desde a transcrição e digitação das entrevistas até

a impressão final deste trabalho, prova de apoio e zelo. Muito obrigada.

À minha orientadora, professora Soninha Lopes Victor, pela generosa colaboração, pela

dedicação e pelos abraços que tanto me tranqüilizaram e renovaram as forças e esperanças.

Gratidão intensa.

Às professoras: Denise Meyrelles de Jesus, Regina Helena Silva Simões e Roseli Cecília

Rocha de Carvalho Baumel pela disposição, generosidade e contribuição a este trabalho.

A quem, incondicionalmente, me apoiou e a quem devo grande parte de minha atual

capacidade de dizer o que penso e como penso: Alex. Eu amo você.

À Jacyara e Martha, companheiras no mestrado, na carreira e na alma; à Mariângela pelo

convívio da persistência; à Mônica pela boniteza de seus atos pedagógicos; a Douglas pelo

ensino constante de que é possível enxergar com muitos outros olhos; à Sabrina pela

confiança e dedicação em ser simplesmente professora; à Nanã pelo abraço e apoio.

Aos colegas de trabalho pela colaboração e compreensão.

As amigas Adilene, Fabíola, Flávia, Gleiciene, Kika, Letícia, Luciana, Mídiã e Scheila por

sempre estarem presentes, pelo incentivo, apoio e pelas orações.

A todos os profissionais e alunos da “Escola de Nilo”, especialmente a Márcia, Munira, Rita,

Tânia e Terezinha.

A todos os meus amigos, familiares e professores que, para o bem ou para o mal, são

responsáveis pelas várias formas de ser Daniella.

Aos meus alunos que me permitiram construir com eles a experiência de me fazer professora.

Com as crianças aprendi que a vontade e o desejo são essenciais à existência humana; com os

adultos aprendi ser essencial educar o desejo.

Aos professores e funcionários do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade

Federal do Espírito Santo pela dedicação e zelo.

À Alina por sua sabedoria e cuidado na leitura e revisão deste estudo.

A Valquimar, com quem aprendi que a necessária superação de nossas limitações renova as

possibilidades de enriquecer nossa ação no mundo. A você meu amor e minha dedicação.

A esperança é este instante. Precisa-se dar outro nome

a certo tipo de esperança porque esta palavra significa,

sobretudo espera. E a esperança é já.

Clarice Lispector

Quero trazer à memória aquilo que me pode dar

esperança.

Jeremias 3:3

RESUMO

Este trabalho pretende investigar as proposições políticas a respeito da formação continuada

de professores no Brasil, focalizando a proposição governamental para essa área na ação da

administração municipal em Vila Velha, município da Região Metropolitana de Vitória – ES.

Pela pesquisa de documentos municipais, busca conhecer as proposições políticas da atual

administração, no que tange à formação continuada de professores. De posse desses dados e

por meio da perspectiva de pesquisa-ação crítica, a investigação volta ao grupo de formação

continuada de professores tendo em vista a perspectiva da inclusão educacional existente no

município, bem como a uma de suas escolas participantes. A investigação delimita-se em

diferentes instâncias, a saber: nos documentos da Secretaria de Educação, no grupo de

formação noturno existente no município e na “Escola de Nilo”, cujos profissionais

compunham o referido grupo de formação. Uma vez na escola, a pesquisa realizada com os

professores pretende, a partir do processo de formação continuada, estabelecer momentos de

diálogo crítico dentro da instituição escolar propositores e indicadores de outros rumos a

serem tomados pelos processos de formação continuada dos profissionais do ensino,

procurando atender às necessidades do contexto escolar e de seus atores, promovendo a

colaboração entre professores do ensino regular, professor de educação especial e pesquisador

externo. Todas essas ações têm como foco principal a ressignificação da prática docente

voltada a uma perspectiva de inclusão educacional de alunos com necessidades educacionais

especiais.

Palavras-chave: Política Pública, Formação Continuada, Prática Docente, Trabalho

Colaborativo, Inclusão Educacional.

ABSTRACT The paper intends to investigate the politic propositions about the continuing teachers’

formation in Brazil, focusing the governmental proposition for that area in the administration

municipal action in Vila Velha, district of Vitória/ES. By the municipal documents research,

it aims at knowing the politic propositions of the present administration, based on the

teachers’ continuing formation. Owing such data and through the perspective of critic

research-action, the investigation refers to the group of teachers’ continuing formation aiming

at the perspective of educational inclusion present in the district, as well as one of the schools

which are participating. The investigation is delimited in different instances: in the documents

of the Ministry of Education, in the evening formation group present in the district and at the

“Nilo High School”, whose professionals are part of the formation group referred. Once

registered at the school, the research made with the teachers intends, through the continuing

formation process, to establish moments of critic dialogue within the school institution that

propose and indicate other paths to be followed by the processes of continuing formation of

the teaching professionals, attending the necessities of the school context and its actors,

providing the collaboration between the elementary school teachers, the special needs

education teachers and the outside researcher. All of these actions are mainly focused on the

re signification of the teaching practice based on an educational inclusion perspective of

students with special educational needs.

Keywords: Public politics. Continuing formation. Teaching practice. Collaboration among

pairs. Educational inclusion.

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Racionalização das ações humanas em nível do marco institucional e

em nível de sistema de ação racional teleológica.......................................

48

Quadro 2 - Temáticas desenvolvidas na 1ª fase do processo de formação continuada,

realizado no ano de 2005, pelo Núcleo de Educação Especial (SEMECE)

131

Quadro 3 - Temáticas desenvolvidas na 2ª fase do processo de formação continuada,

realizado no ano de 2005, pelo Núcleo de Educação Especial (SEMECE)

132

Quadro 4 - Atribuições dos diferentes atores no contexto escolar com vistas à

inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais....................

180

Quadro 5 - Relato das dificuldades encontradas na organização de um espaço/tempo

de diálogo coletivo......................................................................................

183

Quadro 6 - Cronograma de planejamento coletivo na escola........................................ 187

Quadro 7 - Cronograma de planejamento entre pesquisadora, professora de

Educação Especial e professoras do ensino regular na escola....................

187

Quadro 8 - Desafios e propostas ao contexto escolar.................................................... 192

Quadro 9 - Organização do trabalho do professor de Educação Especial. Escola de

Nilo / Ano: 2005.........................................................................................

201

Quadro 10 - Planejamento de aula de português. Proposta de trabalho colaborativo..... 207

Quadro 11 - Novo planejamento para aula de português. Proposta de trabalho

colaborativo.................................................................................................

209

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Índice de desenvolvimento humano e social em Vila Velha – 1991/2000 103

Tabela 2 - Gasto per capita do município de Vila Velha- 2004................................. 104

Tabela 3 - Condições de alfabetização da população de 15 anos e mais taxa de

analfabetismo no município de Vila Velha – 1991/2000...........................

104

Tabela 4 - Número de Unidades de Educação Infantil e Ensino Fundamental que

recebem atendimento pedagógico via professor de Educação Especial e

as demandas existentes – 2005...................................................................

105

Tabela 5 - Número de alunos com necessidades educacionais especiais

matriculados em escolas especializadas no município de Vila Velha -

2000............................................................................................................

106

Tabela 6 - Número de alunos com necessidades educacionais especiais

matriculados em escolas regulares no município de Vila Velha -

2000/2006...................................................................................................

107

Tabela 7 - Quantitativo de avaliações clínicas realizadas no CRAPNEE – 2005....... 114

Tabela 8 - Dados do censo escolar: 2003-2006........................................................... 115

Tabela 9 - Quantitativo de alunos em espera para receber atendimento no

CRAPNEE- 2005.......................................................................................

116

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1- Profissionais envolvidos no processo de formação continuada................. 153

Gráfico 2- Tempo de atuação no magistério............................................................... 153

Gráfico 3- Tempo de atuação no Sistema de Ensino Municipal................................. 154

Gráfico 4- Formação acadêmica.................................................................................. 154

Gráfico 5- Auto-análise de envolvimento no processo de formação continuada........ 155

Gráfico 6- Expectativas a respeito das temáticas estudadas no processo de

formação.......................................................................................................

158

SUMÁRIO

INICIANDO O DIÁLOGO........................................................................... 17

1 POLÍTICA PÚBLICA: ALGUNS APONTAMENTOS.............................. 24

1.1 PRÍNCIPIOS NORTEADORES DE POLÍTICAS DE FORMAÇÃO

DOCENTE.........................................................................................................

27

1.2 OS PROCESSOS DE FORMAÇÃO CONTINUADA NAS POLÍTICAS

PÚBLICAS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES................................................

31

2 PROCESSO DE RACIONALIZAÇÃO DA SOCIEDADE SOB A

ÓTICA DO SISTEMA CAPITALISTA E SUAS INFLUÊNCIAS NA

FORMAÇÃO DE PROFESSORES: DISCUSSÕES POSSÍVEIS DE

HABERMAS A FREIRE..................................................................................

39

2.1 FORMAÇÃO DE PROFESSORES: FUNDAMENTOS DA AÇÃO

FORMATIVA..................................................................................................

39

2.1.1 Tendências teóricas para a formação docente................................................ 40

2.2 O PRINCÍPIO HABERMASIANO DE RACIONALIDADE SOCIAL....... 44

2.2.1 Conceitos e discussões habermasianas............................................................ 47

2.2.2 As vertentes de comunicação em Habermas e Freire.................................. 57

2.3 O PROCESSO DE FORMAÇÃO CONTINUADA E SEUS

FUNDAMENTOS EM PAULO FREIRE........................................................

66

3 REVISÃO DE LITERATURA...................................................................... 74

3.1 POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO ESPECIAL NA EDUCAÇÃO

BÁSICA E O PROCESSO DE INCLUSÃO EDUCACIONAL NO

BRASIL.............................................................................................................

74

3.2 FORMAÇÃO CONTINUADA: CONCEITOS, POLÍTICAS E

EXPERIÊNCIAS...............................................................................................

84

4 A PESQUISA NO CONTEXTO CANELA VERDE............................... 101

4.1 CARACTERIZAÇÃO SOCIOPOLÍTICA E ECONÔMICA DO

MUNICÍPIO......................................................................................................

102

4.2 EDUCAÇÃO EM VILA VELHA: DIRETRIZES PARA A EDUCAÇÃO

ESPECIAL NO SISTEMA MUNICIPAL..........................................................

104

4.2.1 Atendimento pedagógico................................................................................ 110

4.2.2 Atendimento clínico......................................................................................... 113

4.3 POLÍTICA PÚBLICA DE ORGANIZAÇÃO DO ENSINO ESPECIAL........ 116

5 ENQUADRAMENTOS POLÍTICO E LEGISLATIVO PARA A

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NO BRASIL:

FACES DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A ATUAÇÃO

JUNTO COM ALUNOS QUE APERESENTAM NECESSIDADES

EDUCACIONAIS ESPECIAIS.....................................................................

125

5.1 A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES EM VILA

VELHA..............................................................................................................

127

5.2 CONSTRUINDO A PRÁTICA PEDAGÓGICA INCLUSIVA PELA VIA

DA FORMAÇÃO CONTINUADA..................................................................

130

6 METODOLOGIA........................................................................................... 135

6.1 NATUREZA DO ESTUDO.............................................................................. 136

6.2 CAMINHOS PERCORRIDOS......................................................................... 144

6.3 PARTICIPANTES DA PESQUISA.................................................................. 149

7 A CONTRIBUIÇÃO DOS DOCENTES NO DELINEAMENTO E

ELABORAÇÃO DE AÇÕES GOVERNAMENTAIS DE FORMAÇÃO...

152

7.1 OS DADOS DO GRUPO DE FORMAÇÃO: MÚLTIPLOS OLHARES

SOBRE A QUESTÃO DA INCLUSÃO ESCOLAR......................................

152

7.2 O ESTUDO E ANÁLISE DA PRÁTICA DOCENTE: A CONTRIBUIÇÃO

DA FORMAÇÃO CONTINUADA.................................................................

160

7.3 O DELINEAMENTO DADO PELOS DOCENTES À ORGANIZAÇÃO E

CONTEÚDO DOS PROCESSOS DE FORMAÇÃO

CONTINUADA..................................................................................................

174

7.4 A PESQUISA COM OS PROFESSORES: A CONTRIBUIÇÃO DO

CONTEXTO ESCOLAR..................................................................................

185

7.4.1 A experiência de Vânia.................................................................................... 203

7.4.2 A experiência de Jade...................................................................................... 212

PARA SEMPRE INCONCLUSOS.................................................................. 221

REFERÊNCIAS.............................................................................................. 227

ANEXOS.......................................................................................................... 236

ANEXOS A – Instrumento levado a escola por assessor técnico da

Secretaria Municipal de Educação.................................................................

237

ANEXOS B - Instrumento sugerido A .......................................................... 238

ANEXOS C - Instrumento sugerido B ......................................................... 239

ANEXO D - Instrumento sugerido C ............................................................ 240

ANEXO E - Instrumento sugerido D ............................................................ 241

17

INICIANDO O DIÁLOGO

Nos últimos três anos, temos dedicado nossas produções e direcionado nossas ações

profissionais ao estudo, acompanhamento e aperfeiçoamento da ação didática de professores

na perspectiva da inclusão das diferenças em sala de aula. Essas produções e ações têm sido

motivadas, no decorrer desse tempo, pelas inquietações a respeito das questões relacionadas

com a formação continuada de professores, na perspectiva da inclusão, e pelo desejo e

oportunidade de propor mudanças no Sistema de Ensino do Município de Vila Velha, por

meio do Núcleo de Educação Especial da Secretaria Municipal de Educação, Esporte e

Cultura.

O núcleo de Educação Especial surge no ano de 2005, obedecendo ao disposto na Resolução

nº. 2, do CNE/CEB, de 11 de setembro de 2001, que, em seu art. 3º Parágrafo único,

determina a “[...] constituição de setor responsável pela Educação Especial, dotado de

recursos humanos, materiais e financeiros que viabilizem e dêem sustentação ao processo de

construção da Educação Inclusiva” (BRASIL, 2001, p. 69). O compromisso dessa ação

municipal gira em torno da tentativa de sistematizar, com os profissionais da escola regular, o

trabalho pedagógico de atendimento aos alunos com necessidades educacionais especiais nas

85 unidades municipais de ensino. Um dos principais veículos da sistematização dessa ação

são os processos de formação continuada de professores.

Tal compromisso é colocado à Educação Nacional e acaba por tornar-se um ponto de

discussão efervescente que tem levado os profissionais da educação, as instituições de ensino

e muitos segmentos da educação nacional a desempenhar um papel do qual, historicamente,

nunca se apropriaram: a tarefa de educar pessoas com necessidades educacionais especiais.

Até então, a essas pessoas foi destinada uma educação segregadora em instituições

especializadas, no caso, as escolas especiais, em sua grande maioria, de cunho privado e

assistencialista. Esse contexto começa a ser modificado, no Brasil, com a Constituição de

1988, em seu art. 208, que prevê que “[...] o dever do Estado com a educação das pessoas

portadoras será efetivado mediante: [...] III a garantia de atendimento educacional

especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”

(BRASIL, 1988). Essa premissa é confirmada com a Lei n.º7.853, regulamentada pelo

Decreto-Lei nº. 3.298, de 1999, e assinada pelo presidente da República, reafirmando, em seu

art. 25:

18

Os serviços de educação especial serão ofertados nas instituições de ensino público ou privado do sistema de educação geral, de forma transitória ou permanente, mediante programas de apoio para o aluno que está integrado no sistema regular de ensino, ou em escolas especializadas exclusivamente quando a educação das escolas comuns não puder satisfazer as necessidades educativas ou sociais do aluno ou quando necessário ao bem-estar do educando (BRASIL, 1999).

Esse contexto começa a ser instituído no Brasil a partir da Conferência Mundial de Educação

para Todos (1990), quando o País reconhece a ausência de uma política pública que

contemple e assegure a educação da pessoa com necessidades educacionais especiais. Tal

reconhecimento se fortalece com a chegada do discurso da inclusão, que alcança o Brasil no

início da década de 90, trazido pelas discussões da Conferência Mundial Sobre Necessidades

Educativas Especiais que originaram a Declaração de Salamanca,1 a qual orienta que os

Estados assegurem a educação das pessoas com necessidades educacionais especiais como

parte integrante do Sistema Educacional.

Nesse sentido, a responsabilidade do Estado brasileiro amplia-se uma vez que a orientação

internacional vem de encontro a um contexto educacional em que [...] “grande parte do

atendimento educacional da pessoa com deficiência realizado no Brasil esteve durante muito

tempo sob a responsabilidade da iniciativa privada”. A atuação do Poder Público, até então,

reconhecidamente mínima, começa a se efetivar “[...] nos últimos 30 anos com ampliação,

paulatina e progressiva, de ações em benefício de deficientes” (OMOTE, 2003, p.101).

Com base nessa perspectiva de ação, a Educação Pública do País passa a ser orientada pelos

princípios da educação inclusiva contemplados em documentos internacionais e oficiais do

Governo Brasileiro que, por sua vez, são responsáveis por disparar no Brasil um movimento

histórico de inclusão social contemplado de forma mais intensa em uma perspectiva de

inclusão educacional. Tal perspectiva gera a nítida expansão dos atendimentos educacionais

das pessoas com necessidades educacionais especiais, principalmente, no Sistema Público de

Ensino. Assim, diante do contexto de ampliação, recai sobre a escola pública a

1 A Declaração de Salamanca (Salamanca - 1994) trata dos princípios, política e prática em Educação Especial. Trata-se de um documento normativo das Nações Unidas, adotado em Assembléia Geral, o qual apresenta os Procedimentos-Padrões das Nações Unidas Para a Equalização de Oportunidades para Pessoas Portadoras de

Deficiências. A Declaração de Salamanca é considerada, mundialmente, um dos mais importantes documentos que visam à inclusão social, juntamente com a Convenção Sobre os Direitos da Criança (1988) e a Declaração Mundial Sobre Educação Para Todos (1990). Faz parte da tendência mundial que vem consolidando a educação inclusiva. Sua origem é, normalmente, atribuída aos movimentos em favor dos direitos humanos e contra instituições segregacioanistas, movimentos iniciados a partir das décadas de 60 e 70 do século XX (Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Declara%C3%A7%C3%A3o_de_Salamanca>. Acesso em 15 ago. 2005).

19

responsabilidade no atendimento educacional dessa população. Essa responsabilidade surge

contemplada em documentos oficiais que delineiam a política pública de educação escolar no

País e “[...] torna evidente a escassez de recursos humanos especializados, tanto no

provimento de serviços educacionais de qualidade quanto no desenvolvimento de projetos de

pesquisa” (OMOTE, 2003, p. 101) na área.

Assim sendo, tomamos para a fundamentação de nossas análises os princípios de educação

inclusiva absorvidos como diretrizes para a Educação Nacional e postulados pela Declaração

de Salamanca (1994) que fundamenta:

- Toda a criança possui características, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem que são únicas; - Sistemas educacionais deveriam ser designados e programas educacionais deveriam ser implementados no sentido de se levar em conta à vasta diversidade de tais características e necessidades; - Aqueles com Necessidades Educativas Especiais devem ter acesso à escola regular, que deveria acomodá-los dentro de uma pedagogia centrada na criança, capaz de satisfazer a tais necessidades; - Escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias criando-se comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação para todos; além disso, tais escolas provêem uma educação efetiva a todas as crianças (UNESCO, 1994).

Essa orientação internacional acaba por nortear os princípios de educação inclusiva na

Legislação Nacional. Dessa forma, surge, em uma perspectiva de avanço, a elaboração de

uma política pública de Educação Especial, consolidada a partir da publicação da Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN n.º 9.394/96), que define Educação

Especial como modalidade de educação escolar e garante sua oferta preferencialmente na rede

regular de ensino, e da Resolução do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação

Básica (CNE/CEB nº. 2, de 11 de setembro de 2001), que institui diretrizes para a atuação da

Educação Especial na educação básica. Ambas as leis têm servido de base legal para a

elaboração de políticas públicas para a Educação Especial, em âmbitos estadual e municipal.

Diante de tais diretrizes legais, enxergamos, no atual momento que vive a escola pública

brasileira, a tentativa de ressignificação do espaço escolar, dos seus saberes e de suas práticas,

no intuito de atender a uma demanda cada vez mais heterogênea. Isso porque

[...] vivemos um momento, na educação, em que coexistem a incapacidade da escola para ensinar a todos os alunos e a presença de fato de alunos com deficiência, que são estranhos para ela. Tão estranhos que ela parece resistir em reconhecê-los como seus alunos, em desenvolver sua formação, em desenvolver um projeto educativo relevante para eles. Parece prevalecer, no conjunto da cultura

20

escolar, a concepção de que o lugar da pessoa com deficiência é fora da escola regular (FERREIRA; FERREIRA, 2004, p. 37).

Os autores acima citados traduzem bem o papel que a escola vem desempenhando, quando

fazem uso da palavra resistir. Realmente, a escola tem realizado um movimento maior de

resistência em aceitar o aluno com necessidades educacionais especiais. Porém a escola peca

por não possuir ou não construir argumentos coerentes a condição dela hoje. Na verdade, a

“incapacidade ou despreparo” de seus profissionais não se revelam no lidar com os alunos

com necessidades educacionais especiais. O discurso da escola e de seus profissionais seria

mais sonoro se ambos reconhecessem que, da forma como está posta, ou da forma como é

concebida, a escola consegue atender às necessidades educacionais de poucos alunos,

encontrando dificuldades em educar mesmo aqueles que não possuem deficiência.

Nesse sentido, o movimento inclusivo trouxe à tona uma realidade há muito tempo camuflada

no cenário da educação pública brasileira: a idéia de que a escola pública anterior ao processo

de universalização e democratização do ensino era de qualidade superior à que temos hoje em

nossos sistemas. Na verdade, a escola pública sempre primou por uma educação de igualdade,

e tal concepção era entendida pelo estabelecimento de procedimentos e ações iguais a todos

os alunos, não considerando suas diferenças físicas, cognitivas, sociais, culturais e tantas

outras. Pensamos não ser essa a concepção ideal de garantia de igualdade. Dessa maneira,

evidenciam-se as vantagens de poucos sobre as desvantagens de muitos.

Em oposição a essa concepção de igualdade, o movimento inclusivo trouxe consigo um eixo

de valorização das diferenças. Isso porque uma escola que se pretende inclusiva não pode ser

guiada por valores ideológicos de homogeneidade de pensamentos e ações.

Diante desse contexto, coloca-se às universidades o desafio de realizar pesquisas educacionais

na área da Educação Especial, no intuito de tomar conhecimento sobre as formas de

elaboração e implementação das políticas públicas de atendimento escolar das pessoas com

necessidades educacionais especiais nos Sistemas de Ensino de todo o País. Essa necessidade

se justifica nas palavras de Baptista e Dornelles (2004, p. 13) pontuando-nos:

[...] Além da necessidade evidente de conhecimento dos efeitos do debate relativo à

inclusão no âmbito das políticas municipais de educação, tem sido destacada, pela

21

literatura especializada, a fragmentação do conhecimento sobre os possíveis

desdobramentos da existência de diretrizes gerais para o Brasil que indicam o

atendimento educacional no ensino comum como prioritário.

Feitas essas considerações e reconhecendo a importância dos processos de formação

continuada de professores na constituição de práticas pedagógicas que contemplem as

necessidades especiais de alunos incluídos em salas de ensino regular, surgiu a necessidade de

pensar parte do trabalho desenvolvido pela Secretaria Municipal de Educação Esporte e

Cultura (SEMECE), no município de Vila Velha – ES. Para tanto, são elementos que

nortearão nossas análises a política pública (nos âmbitos federal e municipal) de Educação

Especial, envolvendo questões que dizem respeito às diretrizes de ações da educação especial

na Educação Básica e, principalmente, as ações públicas referentes a processos de formação

continuada de professores, procurando perceber como esses processos colaboram na

efetivação da proposta de inclusão educacional por meio da sistematização do trabalho

desenvolvido por professores, na escola regular, com alunos que apresentam necessidades

educacionais especiais.

Como não nos seria possível abarcar toda a problemática que envolve a formação continuada

de professores para o atendimento desses alunos nas unidades de ensino regular, elegemos

pensar a respeito de como a prática dos profissionais da educação inseridos na escola

regular produzem indícios que podem nortear ações de formação continuada de

professores, para atendimento a alunos com necessidades educacionais especiais,

realizadas pelo Governo municipal e pela própria unidade escolar.

Nesse sentido, para que possamos vislumbrar essa problemática, inicialmente, necessitamos

enxergar os desdobramentos das propostas políticas voltadas a Educação Especial e a

formação de professores no atendimento de alunos com necessidades educacionais especiais

em outros Estados e municípios brasileiros e, diante desses contextos, situar a experiência

desenvolvida no município de Vila Velha, como forma de reconhecer as dificuldades e os

avanços das ações municipais no que se refere aos aspectos da formação docente. Isso porque

[...] a implementação de uma política de inclusão escolar (seja ela federal, estadual ou municipal) é processual, devendo, portanto ser construída de forma sistemática, planejada e avaliada, através de ações no âmbito do sistema, da escola e da sala de aula. Embora não se discuta a perspectiva filosófica da inclusão, na prática, as

22

propostas de Educação Inclusiva devem ser continuamente escrutinadas (MENDES, 2005, p. 2).

Assim, este estudo busca indícios, pistas e dados que apontem a importância em dar ouvidos à

aspiração dos professores em frente aos processos de formação continuada, reconhecendo a

importância da participação dos docentes na elaboração de outros novos e diferentes formatos

de processos de formação continuada pensados com aqueles que convivem diretamente com

as implicações desse processo. Como principal fonte para atingir esse objetivo, buscamos

ouvir os docentes e identificar as contribuições que eles nos dão, no intuito de fomentar

políticas públicas para a formação de professores, na perspectiva da inclusão, que atendam

aos anseios dessa categoria e que favoreçam a autonomia e a emancipação desses

profissionais, de maneira que eles não se tornem sujeitos consumidores de processos

elaborados por outros e instituídos de cima para baixo, mas que possam eles também

influenciar as ações governamentais com a sua participação na elaboração e execução das

políticas públicas destinadas à sua própria formação.

Esse contexto de atuação exige dos sistemas de ensino maior interação com a escola, no

intuito de conhecer suas necessidades e anseios, e exige dos profissionais da educação uma

ação politizada e autônoma. Nesse sentido, os processos de formação continuada mostram-se

de grande importância na construção dos princípios mobilizadores dessa ação e que também

nortearão o fazer docente.

Diante dessas questões, retomamos as proposições deste estudo que acredita na possibilidade

de a escola regular pensar suas próprias ações para atendimento dos alunos com necessidades

educacionais especiais. Ações essas desencadeadas por processos de formação continuada em

serviço. Nesse sentido, permeiam esta análise as seguintes questões de investigação:

a) Que pressupostos devem embasar a formação de professores no intuito de garantir a

essa categoria fundamentos políticos e filosóficos que promovam a conscientização e

a mobilização em frente à conquista pelo espaço de participação na elaboração de

políticas públicas de formação continuada?

b) Como os profissionais da escola se organizam no propósito de efetivar práticas

pedagógicas e garantir processos de aprendizagem mais fecundos ao aluno com

necessidades educacionais especiais?

23

c) Quais as temáticas recorrentes sobre a inclusão de alunos com necessidades

educacionais especiais entre os professores, na situação de formação em serviço, e

quais as articulações dessas temáticas com as propostas oriundas do Poder Público?

Não devemos perder de vista que a problemática contemplada neste estudo e as questões que

norteiam esta investigação visam a observar as tentativas de construção de processos de

formação continuada de professores, partindo do princípio de que os sujeitos de tais processos

devem contribuir com seu planejamento e empenhar-se para que sua execução seja definida

também segundo os moldes de atenção às suas necessidades. Por meio desses processos,

buscamos atingir um passo importante rumo à implementação de escolas inclusivas onde as

diferenças são respeitadas, valorizadas, consideradas e tornam-se pontos primeiros da

convivência mútua embasada em princípios de respeito a toda e qualquer diferença.

24

1 POLÍTICA PÚBLICA: ALGUNS APONTAMENTOS

Reconhecendo a importância dos processos de formação continuada de professores, as

políticas públicas brasileiras têm buscado reservar, em seus textos, espaços para a garantia

dessas ações sob o rótulo da formação em serviço. Diante de tal preocupação, não apenas em

frente à garantia de processos de formação em serviço para atendimento de alunos com

necessidades especiais, mas no campo da formação de professores como um todo, tem-se

observado uma expansão significativa do debate sobre a implementação de políticas públicas

no campo educacional que, de forma crescente, tem conquistado espaço nas instituições de

ensino superior e nos programas de pós-graduação, com o desenvolvimento de pesquisas

acadêmicas nessa área amplamente caracterizada pela ação governamental no estabelecimento

de diretrizes normalizadoras dos Sistemas de Ensino em todo o País.

Diante de tal crescimento, estudos recentes (PIETRO, 2004, 2005; FERREIRA, 2004, 2005)

têm apontado as dificuldades encontradas pela pesquisa na investigação, análise e

implementação de políticas públicas para a Educação Especial, 2 voltadas aos processos de

inclusão educacional de alunos com necessidades educacionais especiais.

Apontando ainda as dificuldades encontradas pela pesquisa científica na área de políticas

públicas, iniciamos nossa discussão com a exploração conceitual do que Hofling (2001, p. 1)

chama de “questões de fundo”. Trata-se de contextos políticos que envolvem e determinam os

caminhos trilhados para a efetivação de uma determinada política pública. A autora considera

essas questões como aquelas que “informam as decisões tomadas, as escolhas feitas, os

caminhos de implementação traçados e os modelos de avaliação aplicados em relação a uma

estratégia de intervenção estatal qualquer”.

Tais questões aguçam as dificuldades encontradas pelos pesquisadores na área das políticas

públicas neste momento histórico de “crise paradigmática”. Nesse sentido, pontuamos aqui a

opção por negar a crença ao fim dos processos históricos constitutivos da produção humana e

em verdades absolutas. Assim, trilhamos um caminho teórico que nos leva a uma vertente que

considera a produção do conhecimento como historicamente constituído. Fica clara, portanto,

2 Adotamos a política de Educação Especial pelo fato de essa legislação tratar não apenas da formação do professor especialista em Educação Especial, mas também por direcionar aspectos da formação de professores de salas de aula do ensino regular comum para o atendimento dos alunos com necessidades educacionais especiais.

25

a opção por uma abordagem teórico-crítica para as considerações a respeito das políticas

públicas neste trabalho. No entanto, tal opção não anula a tensão que se coloca em frente à

pesquisa: a necessidade de maior objetividade nas práticas investigativas reafirmadas sob as

bases de um compromisso ético e político, na tentativa de garantir a construção de pilares de

organização social mais fortalecidos e comprometidos com a emancipação crítica e a

felicidade humana (AZEVEDO, 2004).

Quando buscamos compreender os processos constitutivos das políticas sociais3 em um

determinado contexto social, deparamo-nos com uma série de fatores determinantes de seu

“sucesso” ou “fracasso”. Fatores esses que revelam toda a complexidade de seu processo de

implementação. Essa complexidade deve ser considerada ao se analisar ou avaliar a

implementação de políticas públicas sociais. Esse tem sido, conceitualmente, um dos pontos

que se apresentam como desafio diante da pesquisa na área das políticas públicas entre os

quais podemos listar: os limites colocados às tentativas de avaliar e compreender políticas

públicas, a necessidade de superarmos a primeira geração de estudos nessa área caracterizada

como predominantemente “[...] concentrada nos fracassos, pouco preocupada com as questões

políticas e fortemente assentada no pressuposto de que a formulação e a implantação de

políticas públicas são processos racionais e lineares desvinculados dos processos políticos”

(SOUZA, 2003, p. 2). Essas preocupações nos alertam a manter

[...] uma postura sempre objetiva que dote o conhecimento produzido de um coeficiente científico, sem abdicar de um nível analítico que contemple as condições de possibilidade de adoção de estratégias que venham a permitir a implementação de uma política de transformação social (AZEVEDO, 2004, p. IX).

Na tentativa de atender a esses pressupostos básicos, é que traremos, para aprofundamento de

nossas análises, os princípios que norteiam a relação entre Estado e políticas públicas sociais

buscando compreender a complexidade dos fatores existentes e as características da ação

governamental, tomando como pressuposto o fato de que os diferentes contornos dados a essa

ação são determinados por concepções enraizadas no interior do Estado.

Na busca por uma maior compreensão sobre processos de formulação e implementação de

políticas públicas educacionais, necessário se faz nortear nossa discussão tomando como base,

para nossa reflexão, as concepções de Estado e política pública que sustentam as ações e

3 Neste texto consideramos políticas sociais aquelas comumente entendidas como as de educação, saúde, previdência, habitação, saneamento etc.

26

programas de intervenção dos Governos dentro do sistema capitalista. Essa prerrogativa

sustenta-se a partir da constatação de que diferentes concepções de Estado e política pública

determinam diferentes contextos de interpretação dos fenômenos sociais e geram análises

distintas a respeito do foco do nosso estudo.

Assim sendo, consideramos as relações existentes e fundamentais, entre “[...] a concepção de

Estado e as políticas sociais que este implementa em uma determinada sociedade, em

determinado período histórico” HOFLING (2001, p. 1) na tentativa de estruturar a proposta de

conhecer os meios pelos quais, historicamente, o Estado vem “garantindo” as políticas sociais.

Tendo em vista aprofundar a discussão teórica e argumentativa deste texto, consideramos

necessária a conceituação dos elementos abordados neste capítulo, a saber: os conceitos de

Estado e de políticas públicas.

Por Estado, entendemos o conjunto de instituições permanentes – como órgãos legislativos, tribunais, exército e outras que não formam um bloco monolítico necessariamente – que possibilitam a ação do governo; e governo, como conjunto de programas e projetos que parte da sociedade (políticos, técnicos, organismos da sociedade civil e outros) propõe para a sociedade como um todo, configurando-se a orientação política de um determinado governo que assume e desempenha as funções de Estado por um determinado período (HOFLING, 2001, p. 2).

Atrelada à concepção de Estado e Governo, encontramos a definição de políticas públicas

consideradas como o “Estado em ação” (GOBERT; MULLER, 1987, apud HOFLING, 2001,

p. 2). Trata-se da ação estatal na implantação de “[...] um projeto de governo, através de

programas e ações voltadas para setores específicos da sociedade” (HOFLING, 2001, p. 2).

Nesse sentido, apesar de se configurarem como ação do Estado na sociedade, as políticas

públicas não podem ser reduzidas a políticas estatais. Isso porque se configuram como

diretrizes de “[...] responsabilidade do Estado – responsabilidade esta caracterizada quanto à

implementação e manutenção a partir de um processo de tomada de decisões que envolvem

órgãos públicos e diferentes organismos e agentes da sociedade relacionados à política

implementada” (HOFLING, 2001, p. 2). Dessa forma, percebemos que, apesar de ser uma

ação estatal, a implementação de uma política pública envolve a discussão e a conjugação de

uma série de demandas defendidas pelos mais distintos grupos sociais a quem a política se

destina.

27

Envolta nas raízes históricas de constituição de políticas públicas, percebemos, ser essa

temática advinda de uma articulação presente não só na estrutura do Estado, mas imbricada

em uma complexidade de interesses que abrangem obrigatoriamente os mais diversos setores

da sociedade envolvidos no delineamento político das questões sociais, principalmente, na

garantia de seus direitos perante o Estado Capitalista. Nesse contexto, políticas sociais

referem-se “[...] a ações que determinam o padrão de proteção social implementado pelo

Estado, voltadas, em princípio, para a redistribuição dos benefícios sociais visando à

diminuição das desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento sócio-econômico”

(HOFLING, 2001, p. 2).

Encontramos as primeiras preocupações com a garantia de políticas sociais de amparo ao

cidadão nos “[...] movimentos populares do século XIX, como forma de intermediar conflitos

surgidos entre o capital e o trabalho no surgimento das primeiras revoluções industriais”

(HOFLING, 2001, p. 2). Logo, percebemos que o surgimento das políticas públicas envolve a

proteção de interesses de uma classe ou grupo interessados na manutenção de seus direitos ou

na garantia do estabelecimento de outros.

1.1 PRINCÍPIOS NORTEADORES DAS POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DOCENTE

Diante das discussões realizadas até aqui, percebemos que a problemática que envolve os

processos de formação docente não pode ser vista de maneira isolada, mas sim como parte de

um emaranhado de medidas pensadas de modo a gerar mudanças substantivas na organização

e na cultura escolar em um sentido mais amplo. Assim, também, sabemos que a ausência de

uma sistematização da política pública que priorize processos de formação de professores

postulados em princípios políticos e filosóficos empurrará a possibilidade de uma sólida

construção coletiva em torno da politização da ação docente e de um fazer efetivo e

transformador das práticas existentes na escola.

Tal afirmação nos revela a necessidade de que os processos de formação continuada de

professores sejam contemplados em políticas públicas de educação, com o objetivo maior de

criar mecanismos teóricos e práticos de aprendizagem docente a partir da pesquisa da prática,

da análise de seus resultados, da discussão coletiva dos problemas enfrentados diariamente

por docentes e discentes das escolas públicas brasileiras, no intuito de fomentar

28

conhecimentos sobre o fazer pedagógico. Essa premissa seria de grande contribuição, se

existisse nos postulados das ações governamentais rumo a uma política mais efetiva e fecunda

de formação continuada. Em segundo plano, e não menos importante, a criação e garantia de

espaços e tempos de formação continuada dentro da escola regular, como forma de abraçar

também a escola como espaço legítimo de construção do conhecimento sobre educação.

Na direção de uma política efetiva de formação docente, Torres (1999) aponta alguns

princípios norteadores de tais delineamentos políticos no campo da formação de professores.

Nesse sentido, a autora desenvolve, como primordiais, os princípios de: docentes como

sujeitos dos processos de formação, previsão de investimentos, articulação entre formação

inicial e formação em serviço, recuperação da prática como espaço privilegiado para reflexão

fundamentada em uma efetiva ação crítica.

O motivo pelo qual docentes devem se apresentar como sujeitos de sua formação e não seus

beneficiários é a tentativa de superação de uma postura passiva em frente à construção e

compartilhamento do saber produzido por si mesmo e por seus pares. Assim, o desenho das

políticas, dos planos e dos programas de formação docente oriundos do Poder Público deve

garantir a participação ativa dos docentes e de suas organizações não apenas como

destinatários, mas, principalmente, como sujeitos constituídos de um saber e uma experiência

essenciais para o diagnóstico, proposta e execução de ações pensadas com a finalidade de

alcançar práticas educativas favorecedoras de melhor aprendizagem escolar atuando, assim,

como sujeitos que têm a oportunidade de aprender e avançar autonomamente nesse processo.

Um processo de formação de recursos humanos que privilegie os princípios descritos pela

autora exige um investimento de longo prazo e esforços sistemáticos e sustentáveis. Isso

implica a superação de uma concepção quantitativa e de curto prazo dentro da qual a

formação passa a ser enxergada como uma estratégia. Em detrimento dessa concepção, a

autora afirma a possibilidade de favorecimento de uma ótica qualitativa composta por

vertentes que buscam construir uma trajetória fundamentada sob os princípios de ação

teórico-práticos a respeito do saber docente. Essa perspectiva favorece a construção de

processos de formação que desalojam composições binárias4 a respeito do saber pedagógico.

4 A autora traz, nessa discussão, que um dos princípios norteadores dos processos de formação docente deve ser o entendimento da minimização da problemática educacional, quando postulada sobre princípios frágeis, como os binarismos. Assim, as composições binárias, como formação inicial/formação em serviço, conhecimento

29

É necessário considerar, também, que a ótica binária tão presente nos fundamentos de uma

perspectiva técnica de ação se encontra enraizada na desarticulação entre os princípios de

formação inicial e formação em serviço.5 No desafio de superação dessa ótica binária, é

necessário que os processos de formação inicial e de formação em serviço sejam concebidos

como parte de um mesmo processo, superando a separação entre uma formação e outra. Nesse

sentido, tal concepção visa afastar a dicotomia existente nesses dois momentos de construção

do saber docente. Tal binarismo entende que os momentos de formação inicial garantem faces

do processo de elaboração política do pensamento docente, dando ênfase à produção de um

pensamento teórico a respeito das problemáticas educacionais, enquanto os processos de

formação em serviço são vistos como espaços onde o professor deve ter contato com

inovações educacionais, meios, técnicas e procedimentos a respeito do como ensinar,

configurando-se em um meio de instrumentalização do trabalho docente. No intuito de

combater essa lógica que tem permeado os processos de formação docente no Brasil e em

outros países, é necessário que a articulação entre formação inicial e formação continuada seja

entendida como “[...] inerente à própria concepção de aprendizagem e de desenvolvimento

profissional da docência, entendida como um contínuo ao longo da vida” (MIZUKAMI, 2002,

p. 40).

Uma perspectiva necessária ao processo de construção do saber docente é aquela vinculada a

prática de ensino. Dessa forma, existe a necessidade de recuperar a prática como espaço

privilegiado para reflexão: Essa reflexão trazida pela autora trata não somente da valorização

do fazer docente, mas carrega o fazer profissional de um sentido mais amplo e significativo.

Responsabiliza a prática docente como lugar efetivo e legítimo de aprendizado do professor

mediado pela reflexão teórica do que se faz. Considera “[...] a prática pedagógica como

espaço mais importante, permanente e efetivo de formação docente” (MIZUKAMI, 2002, p.

40). A reflexão e a sistematização crítica e coletiva vêm sendo incorporadas crescentemente

em experiências inovadoras localizadas e incluídas em programas nacionais de formação

geral/conhecimento especializado, saber a matéria/saber ensinar, teoria/prática, conteúdos/métodos, educação a distância/educação presencial, de forma pouco rigorosa, revelam a existência de uma simples e mínima problemática que precisa ser considerada e combatida. Porém tal tarefa também não é de simples concepção. O erro consiste em conceber o aprimoramento de saberes técnicos por parte dos docentes, a fim de que eles possam dar respostas mais “competentes” às demandas surgidas no contexto escolar como única saída ao desafio da formação continuada. 5 Destacamos que o termo formação em serviço surge na década de 90, principalmente utilizado pelos documentos oficiais para designar processos de formação docente no formato de: reciclagem, treinamento, capacitação, entre outros, conforme esclarece Marin (1995). Neste trabalho, optamos por utilizar o termo formação continuada por considerar que essa nomenclatura “[...] guarda o significado fundamental de atividade conscientemente proposta, direcionada para a mudança” (MARIN, 1995, p. 18).

30

docente em muitos países. Apesar do reconhecimento de que a prática pedagógica ocupa um

lugar fundamental nos processos de formação docente, tanto inicial quanto continuada, ainda

falta “[...] assegurar as condições e afinar os procedimentos para que a dita reflexão produza

novo conhecimento” (TORRES, 1999, p. 48).

O desafio imposto à diretriz de formação mais que treinamento está em constatar a

minimização e a instrumentalização de muitos programas dirigidos à formação de professores

tanto na formação inicial quanto na continuada, justificando tais prerrogativas às demandas

dos próprios docentes.

Diante dessas considerações, a autora propõe, ainda, um sistema de formação docente ao

mesmo tempo unificado e diversificado, no intuito de beneficiar a variação de modalidades,

conteúdos, pedagogias e tecnologias, na tentativa de responder aos “[...] perfis e

possibilidades de cada contexto, buscando ao mesmo tempo a unidade e a coerência da

formação docente” (p. 49). Sugere também que os espaços de formação sejam diversificados

principalmente considerando aqueles aos quais os professores possuem difícil acesso, como

laboratórios, teatros, galerias, museus entre outros. Propõe também que parte de seus

formadores sejam pessoas singulares nas áreas absorvidas pela Pedagogia, como intelectuais,

artistas, artesãos, escritores, no intuito de trazer à tona outros espaços de docência que não

somente a sala de aula.

Esses são alguns indícios que Torres (1999) aponta para que sejam considerados na

elaboração de políticas públicas para a formação de professores. Considerar esses pontos

significa dar outro sentido à formação de professores, um sentido mais enriquecido.

Comparado com os programas de pacote fechado, verticalizados, preparados ora pelo

Ministério da Educação, ora por Estados e prefeituras, essa perspectiva garante outros

fundamentos para a formação docente. Fundamentos esses baseados sob os princípios de

interação e construção compartilhada que objetivam a formação de sujeitos emancipados no

seu fazer e nos motivos de seu fazer, postura mais condizente com o papel do educador numa

sociedade marcada por mazelas sociais que batem à porta da escola todas as manhãs e

invadem a atividade diária dos docentes em todo o País.

31

1.2 OS PROCESSOS DE FORMAÇÃO CONTINUADA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS:

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

A formação continuada de professores no Brasil vem, historicamente, sendo concebida como

momentos envolvendo cursos de pouca duração compreendidos como meio efetivo de

alteração da prática pedagógica docente. “Esses cursos, quando muito, oferecem informações

que, algumas vezes, alteram apenas o discurso dos professores e pouco contribuem para uma

mudança efetiva” (MIZUKAMI et al., 2002, p. 27). Esse contexto de formação ainda é

privilegiado devido à crença em “[...] uma perspectiva clássica que enfatiza a reciclagem

destes profissionais, vista como atualização da formação recebida” (CANDAU, 1996, apud

MIZUKAMI et al., 2002, p. 27). Esse movimento tem sido reforçado também pela crença de

legitimação do conhecimento produzido pelas universidades. Logo, os espaços dos cursos de

pós-graduação e a pesquisa acadêmica reforçam o status de produtores intelectuais de

conhecimento a serem consumidos e aplicados por professores de ensino fundamental e

médio. Esse “modelo clássico” (CANDAU, 1996, apud MIZUKAMI et al., 2002) gera e

mantém uma concepção dicotômica de produção de conhecimento envolvendo aspectos do

processo teórico-prático de competência docente em que alguns estão habilitados a produzir

conhecimento e continuamente se habilitam para o exercício de tal tarefa e outros são

responsáveis por sua socialização, colocando-os em prática no seu fazer diário.

Contrária a essa concepção clássica, Mizukami et al. (2002) prevê que, nos últimos tempos,

uma série de estudos e pesquisas vêm se dedicando a construir uma nova concepção de

formação continuada que privilegia três princípios investigativos. São eles:

1. O lócus da formação a ser privilegiado é a própria escola; isto é, é preciso deslocar o lócus da formação continuada de professores da universidade para a própria escola de primeiro e segundo graus; 2. Todo processo de formação tem de ter como referência fundamental o saber docente, o reconhecimento e a valorização do saber docente; 3. Para um adequado desenvolvimento da formação continuada, é necessário ter presentes as diferentes etapas do desenvolvimento profissional do magistério; não se pode tratar da mesma forma o professor em fase inicial do exercício profissional, aquele que já conquistou uma ampla experiência pedagógica e aquele que já se encaminha para a aposentadoria; os problemas, necessidades e desafios são diferentes e os processos de formação continuada não podem ignorar essa realidade promovendo situações homogêneas e padronizadas, sem levar em consideração as diferentes etapas do desenvolvimento profissional (CANDAU, 1996, apud MIZUKAMI et al., 2002, p. 27).

32

Diante de tais pressupostos, enxergamos os processos de formação continuada alicerçados sob

princípios que enriquecem e valorizam a ótica do saber daquele que ensina. Considerando,

ainda, tais princípios, os processos clássicos de formação continuada abandonam sua principal

característica acumulativa de conhecimentos e passam a “[...] tratar de problemas

educacionais por meio de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas pedagógicas e

de uma permanente (re) construção da identidade do docente” (MIZUKAMI et al., 2002, p.

28).

Essa mudança de perspectiva sobre a forma de pensar a formação continuada de professores

revela uma vertente valorativa do saber produzido pelos docentes e, principalmente, um

ganho qualitativo dessa produção. No entanto Candau (1996, apud MIZUKAMI et al., 2002)

traz uma contribuição significativa a respeito de alguns questionamentos que esses processos

devem considerar na tentativa de não recair em um reducionismo das possibilidades de

incremento qualitativo das produções. Assim, devem-se privilegiar tendências que “[...]

considerem as dimensões contextuais ou político ideológicas da profissão docente” (p. 28).

Isso porque, segundo a autora, muitos trabalhos “[...] não articulam adequadamente, ou fazem

de modo muito frágil, as dimensões micro e macrossociais, psicopedagógicas e político

ideológicas do magistério” (p. 28). Essa prerrogativa se faz necessária para que a pesquisa de

formação de professores não cometa o equívoco de analisar as questões que envolvem a

formação de professores desconsiderando seus “[...] contextos mais amplos, sociais, culturais,

políticos e ideológicos no qual se situam” (p. 28). Essa tendência revela a necessidade

urgente de relacionar com o mundo vivido pelo professor em sua sala de aula sua experiência

e conduta política, ética, filosófica e social. Inter-relacionar as instâncias de seu saber que,

antes de torná-lo professor, torna-o pessoa humana, cidadão, conhecedor de seu papel

político-ideológico comprometido com o movimento de transformar a ação do seu fazer

diário.

Nesse sentido, Mizukami continua reiterando a importância desse movimento, no sentido de

apontar

A necessidade de articulação dialética entre as diferentes dimensões da docência: aspectos técnicos, científicos, políticos-sociais, psicopedagógicos, ideológicos e ético-culturais. Neste sentido, apenas a inserção na escola não garante a prática reflexiva para a formação de professores; é preciso considerar os aspectos globais presentes nas diferentes práticas sociais que ocorrem no âmbito escolar (MIZUKAMI et al., 2002, p. 29).

33

Diante da urgente necessidade de ressignificação dos processos de formação continuada, com

a consideração de todos os aspectos que envolvem tais processos já discutidos até aqui, é que

partimos para uma análise mais criteriosa que tem caracterizado a iniciativa governamental

delineadora dos processos de formação continuada por meio da elaboração de políticas

públicas para esse setor.

Nesse sentido, estudos, como os de Melo (1999), Santos (2000, 2004), Torres (1999) e

Baumel (2003), comprometidos com a temática da formação continuada de professores nas

políticas públicas nacionais, vêm contribuindo para um maior esclarecimento e melhor

entendimento das questões norteadoras de tais iniciativas do Governo brasileiro,

principalmente no que diz respeito ao processo de reforma do ensino na década de 90.

Ainda no contexto das reformas educacionais da década de 90, amplamente influenciadas

pelos critérios de financiamento do Banco Mundial, Santos (2000, p. 174) destaca a “[...]

ênfase dada pelo banco à formação continuada decorrente de uma análise que privilegia

aspectos econômicos”. Assim, a formação docente “[...] é pensada em termos da melhor

forma de se produzir um profissional competente tecnicamente” (p. 174). Nesse contexto, os

processos de formação continuada vêm se apresentando “[...] como forma mais barata e

eficiente de formar profissionais para a educação” (p. 174).

Com base nessas premissas é que as orientações políticas para a formação continuada de

professores vêm objetivando “[...] melhorar o desempenho docente mediante maior domínio

que o professor/a venha a ter dos conteúdos das disciplinas e de estratégias pedagógicas para

ministrá-las, instrumentalizando os docentes para seguirem diretrizes e normas curriculares”

(SANTOS, 2000, p. 174).

Nessa perspectiva de análise, também Torres (1999, p. 40) alerta para a idealização do

docente desejado “[...] pelas reformas educacionais da década de 90 a partir de autores e obras

relacionados ao debate educacional”6. Assim, segundo a autora, o docente “desejado” ou o

docente “eficaz” é caracterizado como um

6 Torres (1999) traz, em sua obra, uma listagem de competências básicas que devem ser desenvolvidas no trabalho com docentes, de forma a atender às especificidades de competência técnica e instrumental de suas ações. Para alcançar tal resultado, a autora debruçou-se sobre a produção de autores, como Barth, Delors, Hargreaves, Gimeno, Jung e Schön, e também sobre publicações da Unesco e da OCDE (apud MIZUKAMI et al., 2002).

34

[...] sujeito polivalente, profissional competente, agente de mudança, prático reflexivo, professor investigador, intelectual crítico ou intelectual transformador que

• Domina os saberes; • Provoca e facilita aprendizagens; • Interpreta e aplica um currículo e tem capacidade para recriá-lo; • Exerce critério profissional para discernir e selecionar pedagogias e conteúdos

aplicáveis a cada grupo; • Compreende a cultura e a realidade locais e desenvolve educação bilíngüe e

intercultural em contexto bi e plurilinguais; • Desenvolve pedagogia ativa, baseada no diálogo, na vinculação teoria-prática, na

interdisciplinariedade, na diversidade e no trabalho em equipe; • Participa, juntamente com os colegas, da elaboração de projetos educativos para o

seu estabelecimento escolar contribuindo na configuração de uma visão e uma missão institucional e para criar um clima de cooperação e uma cultura democrática no interior da escola;

• Trabalha e aprende em equipe, transitando da formação individual e fora da escola para a formação da equipe escolar e na própria escola;

• Investiga, como modo e atitude permanente de aprendizado, de forma a buscar, selecionar e prover-se autonomamente de informações requeridas para o seu desempenho como docente;

• Toma iniciativa no desenvolvimento de idéias; • Reflete criticamente sobre seu papel e sua prática pedagógica, sistematizando-a; • Assume conhecimento ético de coerência entre o que postula e o que faz buscando

ser exemplo para os alunos em todos os aspectos; • Detecta oportunamente problemas (sociais, afetivos, de saúde, de aprendizagem)

entre seus alunos, identificando a quem compete enfrentá-los ou buscando as soluções para cada caso;

• Desenvolve e ajuda seus alunos a desenvolverem conhecimentos, valores e habilidades necessários para aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viverem juntos e aprender a ser;

• Desenvolve e ajuda seus alunos a desenvolverem qualidades consideradas indispensáveis para o futuro, como criatividade, receptividade a mudança e a inovação, versatilidade no conhecimento, antecipação e adaptabilidade a situações de mudança, capacidade de discernimento, atitude crítica, identificação e solução de problemas;

• Impulsiona atividades educativas que vão além da instituição escolar; • Aceita-se como aprendiz permanente e se transforma no líder da aprendizagem; • Se abre à incorporação e utilização de novas tecnologias; • Se informa regularmente, por intermédio dos meios de comunicação e de outras

formas de conhecimento a fim de compreender os grandes temas e problemas que se colocam ao mundo contemporâneo;

• Prepara seus alunos para selecionar e utilizar criticamente a informação proporcionada pelos meios de comunicação em massa;

• Propicia formas novas e mais significativas de participação dos pais e da comunidade na vida escolar;

• Está atento e sensível aos problemas da comunidade e se compromete com o desenvolvimento local;

• Responde aos desejos dos pais a respeito dos resultados educativos, à necessidade social de acesso mais amplo à educação e às pressões em prol de uma participação mais democrática nas escolas;

• É percebido pelos alunos ao mesmo tempo como amigo e como modelo, alguém que os escuta e os ajuda a se desenvolverem (TORRES, 1999, p. 40-41).

35

Diante dessas características solicitadas pelas reformas educacionais ao profissional docente

ou, nas palavras da autora “[...] o docente ideal que desafia os próprios limites do ser

humano” (1999, p. 41), e supondo que fosse possível atendê-las, caber-nos-ia um momento de

reflexão sobre os objetivos de tais conteúdos, observando quais interesses buscam legitimar,

que sociedade procuram moldar e que necessidades desejam suprir. De antemão, sabemos que

tal “receita” de formação docente não pode estar atrelada a um projeto que prime pela

autonomia e pela crítica em um modelo esvaziado das responsabilidades governamentais com

a educação e com a implementação de diretrizes comprometidas com a mudança, autônomas,

críticas e fecundas do trabalho docente. Para além dessas reflexões, que já nos parecem

bastante significativas, deparamo-nos ainda com as inquietações quanto à ausência de uma

real e concreta política de

[...] promoção de elementos que ajudem a definir como construir essas características em situações concretas. Neste caso a lista de competências por si mesma nada diz a respeito de que categoria de formação e quais condições de trabalho docente são necessárias para avançar da aprendizagem de tais competências ao seu uso efetivo (TORRES, 1999, p. 42).

A perspectiva esboçada nos mostra que essas diretrizes políticas, “[...] além de não

responderem à complexidade e a urgência da situação” (1999, p. 42), contribuem para

estagnar processos de autonomia política da instituição escolar e dos docentes atrelados a ela.

Essa concepção reducionista, que permeia a política de formação docente “[...] coloca-a tão

somente no âmbito da capacitação” (MELLO, 1999, p. 53). Nesse sentido, os “[...]

instrumentos, mecanismos e conteúdos escolhidos, pretendem se voltar fragmentariamente,

para o aspecto da capacitação” (p. 53), abandonando e negando uma perspectiva mais ampla

de formação continuada. “Esse excesso de pragmatismo tem restringido o direito a uma

política de formação ampla, permanente e contemporânea, em troca de aligeirados e

modulares momentos de aperfeiçoamento” (MELO, 1999, p. 53).

Como proposta contrária a esse movimento de formação continuada “institucionalizado” pela

iniciativa governamental, é que a produção acadêmica hoje vem priorizando o

desenvolvimento da “[...] competência pensada em termos de autonomia, que exige formação

técnica e política. [Essa premissa] faz parte da agenda daqueles comprometidos com uma

educação fundada na idéias de emancipação” (SANTOS, 2000, p. 174). É nesse sentido,

também, que pontuamos a importância de que

36

[...] uma política de formação profissional direcionada para essa realidade, precisa pois, nascer do chão da escola para voltar-se a ele, atentando para as múltiplas dimensões em sua formulação e implementação, capazes de construir competências coletivas e definir a intencionalidade da prática educativa (MELO, 1999, p. 48).

A ausência de uma política que reconheça a necessidade de participação autônoma e decisiva

por parte dos docentes, que faça deles protagonistas de um processo contínuo de

aprendizagem organizacional e coletiva a respeito da docência gera um movimento de

exclusão e marginalização dos docentes. Movimento este que não reconhece a importância de

se produzir conhecimento a respeito do fazer do professor. No entanto, essa falta de

reconhecimento da importância de maior participação dos docentes no delineamento dessas

políticas, atrelada à falta de condições materiais para a realização do seu fazer diário, está

mais voltada a uma ótica de redução de custos do que a uma real convicção e vontade de

desencadear um processo significativo de melhoria da qualidade de ensino da escola pública.

Assim se, efetivamente, na agenda de ações dos governos,7 estivessem previstos os meios e

ações efetivos para formar de maneira autônoma todas aquelas competências listadas por

Torres (1999), o primeiro passo seria fazer com que a categoria dos trabalhadores docentes

hoje alcançasse um reconhecimento social bastante diferenciado da expectativa dos docentes

na atualidade. Para que se efetivassem todas aquelas atribuições historicamente, deveríamos

estar em frente a um profissional com um perfil bastante diferente do que temos hoje. Assim,

o profissional da educação que pudesse dispor desses atributos seria um sujeito com

[...] um perfil profissional diferente, com uma história escolar e profissional diferente, trabalhando sob condições e em uma instituição escolar diferente, gozando de estima social e sendo remunerado de acordo com o trabalho de um intelectual que se encarrega de uma tarefa de grande responsabilidade social, salário e condições que o permitissem fazer da docência uma tarefa de tempo completo, desfrutar dela e dar tudo de si dentro e fora de suas aulas assumindo sua própria aprendizagem permanente como dimensão inerente a sua tarefa e contando com a possibilidade de ter acesso aos livros, aos meios de comunicação e as modernas tecnologias (TORRES, 1999, p. 50).

Torres (1999) continua sua análise a respeito da definição das políticas educacionais e suas

implicações para a formação docente, retratando a ótica equivocada de compreensão dos

problemas educativos. Ótica esta que denomina de binária e dicotômica. Destacada essa

7 A autora deixa claro, no decorrer do texto que nos serve de referência, que a preocupação em formar o “profissional ideal” existe, porém as ações efetivas, o financiamento público, a organização e responsabilidade pelos processos de formação continuada não ou quase nunca aparecem nos textos legais e, quando aparecem, se mostram de maneira muito frágil ou pouco efetiva.

37

perspectiva, a autora afirma que sempre estiveram presentes, no delineamento das políticas de

formação, uma ótica reveladora de tendências que não responderam às necessidades do

profissional docente e nem à sua formação compreendida como um processo permanente.

Assim, a autora critica a abordagem dada pelas políticas, no que diz respeito à:

a) questão salarial que, necessariamente, deveria estar vinculada à formação profissional,

mas que não encontra, nos textos legais, medidas concretas de garantia dessa

interdependência;

b) questão da formação inicial e da formação continuada, percebidas, até então, de forma

isolada, como se uma não estivesse extremamente vinculada à outra, negando, assim, a

possibilidade de existência de um sistema unificado, porém diversificado, de formação

docente que concebesse de forma articulada tanto a formação inicial quanto a

continuada.

c) A questão da educação a distância, quando a política pública mostra que essa

modalidade vem sendo utilizada como solução para os problemas enfrentados pela

dinâmica diferenciada da educação presencial.

A respeito de um aspecto particular, a autora reconhece a importância da prática diária como

característica privilegiada da formação docente, revelando que “[...] a prática pedagógica é o

espaço mais importante, permanente e efetivo de formação docente. Refletir sobre o que se

faz para compreender e aprender sobre o seu fazer é a chave do profissional reflexivo” (p. 48).

Ela ressalta que o movimento de reflexão e a sistematização crítica e coletiva sobre a prática

pedagógica estão crescentemente sendo incorporados a experiências inovadoras localizadas e

também incluídos em programas nacionais de formação docente em muitos países. Porém

falta a essas propostas assegurar condições favoráveis e criar possibilidades de trabalho para

que a dita reflexão produza novos conhecimentos.

Tal perspectiva nos leva a um ponto fundamental de nossas análises: os processos de

formação devem ser vistos como estratégias mais amplas e com objetivos mais ricos do que o

mero treinamento de técnicas de ensino. Assim a autora revela que a minimização e a

instrumentalização de muitos programas de formação continuada, dirigidos aos professores,

acabam por justificar as demandas dos próprios docentes ao se mostrarem mais interessados

em receber orientações práticas, “receitas”, acabando por negar ou não considerar a

importância das explicações e argumentações teóricas dos eventos educativos.

38

Diante de tais considerações, Torres (1999) considera que, dentro do esquema geral de

fragmentação da política educativa, persiste a tendência a isolar a formação docente de outras

áreas críticas do desempenho docente, como a questão salarial e, em geral, as condições de

trabalho.

Sobre os esquemas de aprendizagem organizacional entre docentes, escolas e as idéias de

desenvolvimento profissional em equipe, essas vêm sendo bastante absorvidas pelas ações de

organismos governamentais e não-governamentais. Porém a execução real de tais propostas

vem tropeçando, há muito, com sérios problemas, tanto que algumas condições reais

permanecem inalteradas.

A autora reitera o fato de que a formação docente não pode ser vista de maneira isolada, mas

sim como parte de uma proposta de medidas dirigidas a revitalizar a profissão docente, como

marco de mudanças substantivas na organização e na cultura escolar em um sentido mais

amplo. A ausência de uma sistematização da política pública que favoreça a mudança, na

esfera educativa, empurrará a possibilidade de um fazer efetivo inclusive dessas pequenas

mudanças parciais que se pretendem instaurar.

Baumel (2003) pontua que um dos pontos a se destacar em uma política coerente com os

princípios de autonomia deve ser a integração teoria e prática. Com este princípio a autora

busca “a consideração do conhecimento prático integrado ao conhecimento teórico” (p. 30).

Essa vertente de articulação entre as duas instâncias de conhecimento busca constituir a

prática como fonte de conhecimento, o que no dizer de Garcia (apud, BAUMEL, 2003, p. 30)

se traduz na perspectiva de “reflexão epistemológica da prática”.

Infelizmente, encontramos ainda certa distância entre os princípios que buscam garantir uma

formação docente de caráter mais crítico e as proposições governamentais ainda tão

influenciadas por agências de fomento internacional.

As questões a respeito dos fundamentos políticos e filosóficos dos processos de formação

docente se tornarão mais claras, neste trabalho, a partir da discussão teórica baseada no

conceito de racionalidade trabalhado por Habermas (1968) e dos modelos de formação

docente, dentre os quais priorizamos a análise daquele chamado modelo crítico de formação,

que, no Brasil, tem seu maior expoente na obra do educador Paulo Freire (1996).

39

2 PROCESSOS DE RACIONALIZAÇÃO DA SOCIEDADE SOB A ÓTICA DO

SISTEMA CAPITALISTA E SUAS INFLUÊNCIAS NA FORMAÇÃO DE

PROFESSORES: DISCUSSÕES POSSÍVEIS DE HABERMAS A FREIRE

Nossas discussões a respeito dos processos de formação continuada de professores tem nos

levado à compreensão de que podem ser diversos os princípios embasadores de tais processos.

Neste capítulo, pretendemos discutir esses princípios e buscar um maior entendimento sobre

suas fundamentações, à luz de nosso referencial teórico.

Nesse sentido, tomemos como ponto de partida o texto de Pereira e Zeichner (2000) em que

esses autores discutem a formação de professores abordando concepções denominadas

hegemônicas e contra-hegemônicas no campo da formação docente. Esses autores orientam

suas colocações discernindo as concepções sobre formação docente entre os modelos

baseados na racionalidade técnica, aqueles alicerçados sob os princípios de racionalidade

prática e ainda aqueles orientados por uma vertente de racionalidade crítica.

Ampliando a discussão a respeito dos processos de formação docente, procuraremos conhecer

os princípios filosóficos embasadores dessas ações de formação a partir da obra do filósofo

alemão Jürgen Habermas e da obra do educador brasileiro Paulo Freire.

2.1 FORMAÇÃO E PROFESSORES: FUNDAMENTOS DA AÇÃO FORMATIVA

Neste estudo, o que temos entendido por formação continuada são os processos pelos quais

continuamente passam os professores na busca de maior alicerce teórico e prático para o

exercício da docência. Em outras palavras, percebemos tais processos como um ciclo

contínuo de constante (re)elaboração de saberes compartilhados com a experiência de trabalho

prático dos docentes. Trabalho este constituído em um saber feito da experiência histórica

vivenciada no fazer diário do ofício de professor.

A preocupação em considerar os processos de formação continuada de professores, no

contexto da educação pública brasileira, surge da necessidade de discussão e problematização

dos conceitos de formação continuada emanados atualmente dos textos legais, das ações e

programas governamentais e das políticas públicas para a formação docente. Tal tarefa exige

o esforço de desvendar trajetos políticos de delineamento dessas propostas.

40

Historicamente, o que temos percebido, no movimento da educação brasileira, é a prioridade

dos momentos de formação continuada de professores serem entendidos como “[...] eventos, a

título de ‘reciclagem’ ou de ‘capacitação’. [...] Modelo esse que se apóia na idéia de acúmulo

de conhecimentos ditos teóricos para posterior aplicação no domínio da prática”(MIZUKAMI

et al., 2002, p. 13). Tal concepção, bastante presente nos textos legais e nas políticas públicas

para a formação de professores no Brasil, principalmente na década de 90, concebe os

processos de formação docente como momentos de preparação técnica, que possibilitam a

apreensão do domínio dos diversos procedimentos de ensino e aprendizagem para posterior

aplicação no universo das salas de aula.

A respeito das análises dos programas e processos de formação de professores, Pereira e

Zeichner (2002, p. 20) listam diferentes tendências que “[...] lutam por posições hegemônicas

no campo da formação de professores”. Os autores definem, então, aqueles processos de

formação que, por um lado se baseiam nos pressupostos de racionalidade técnica e, por outro

nos pressupostos de racionalidade prática e racionalidade crítica.8

2.1.1 Tendências teóricas para a formação docente

Em conformidade com o referencial teórico eleito para as discussões deste estudo,

percebemos que as tendências técnicas de formação docente possuem seus fundamentos

alicerçados ao princípio que Habermas (1968) chamará sistema de ação teleológica,

caracterizado por suas vertentes de ação instrumental dirigida a fins e ação estratégica. Ambos

assumem um status de primazia decorrente do avanço da ciência e do desenvolvimento

tecnológico. Tal primazia é conferida a essas duas instâncias, devido à garantia do aumento

das forças de produção capitalistas e da extensão do poder de domínio da técnica. Habermas

(1968, p. 86) nos alerta para o fato de tais pressupostos migrarem das instâncias econômicas e

de produção capitalistas para as esferas sociais e políticas, pervertendo, assim, um mundo

sociocultural tipicamente marcado por manifestações humanas. Pois bem, é sobre os

pressupostos de tal migração que surgem as tendências mais difundidas de formação docente:

aquelas baseadas nos princípios de racionalidade técnica com o objetivo de fundamentar os

atos de educação “[...] segundo o modelo dos sistemas auto-regulados de ação racional

dirigida a fins [...] do mesmo modo que sujeitam ao seu controle a natureza”.

8 Para realizar a distinção entre os “modelos” de formação docente, os autores recorrem, a todo momento, às obras de Schön e Carr e Kemmis (1992 , 1988), respectivamente.

41

O fundamento dessas tendências formativas está na concepção de que a "[...] primeiro

ensinan-se os princípios científicos relevantes, depois a aplicação desses princípios e, por

último, tem –se um practicum cujo objetivo é aplicar à prática quotidiana os princípios da

ciência aplicada” (SCHÖN, 1992, p. 91).

A influência desse tipo de racionalidade na educação é grande, uma vez que, no Brasil, surge

com o tecnicismo educacional grandemente influenciado pela Psicologia behaviorista de

Skinner, psicólogo americano que desenvolveu a teoria comportamentalista trazendo, para o

ramo das ciências psicológicas, a aplicação de técnicas e procedimentos “cientificamente

neutros”. A absorção desses conceitos buscou dar a educação o status de cientificidade

necessário aos parâmetros de evolução técnica e científica.

Nos postulados da tendência técnica de formação docente, a prática educativa é orientada pela

aplicação de procedimentos e técnicas às questões educacionais que envolvem o ensino e a

aprendizagem de pessoas. Atribui-se a esses procedimentos o caráter resolutivo dos

problemas intimamente ligados à estrutura de comportamento tipicamente humana.

O papel do professor, nessa perspectiva de formação, é de passividade e de conformidade com

as teorias propostas por pesquisadores “neutros” que procuram conhecer a realidade

educacional, atuar sobre ela e produzir conhecimento a seu respeito. Conhecimento esse que

será difundido a professores como forma de iluminar sua prática diária de trabalho,

fornecendo respostas por meio de métodos e técnicas de ensino aplicáveis aos problemas

surgidos no contexto de interação da escola e da sala de aula. A ação do professor está

limitada a implementar estratégias elaboradas por teóricos educacionais.

Resumindo, de acordo com o modelo de racionalidade técnica, o professor é visto como um técnico, um especialista que rigorosamente põe em prática as regras científicas e/ou pedagógicas. Assim, para se preparar o profissional da educação, conteúdo científico e/ou pedagógico é necessário, o qual servirá de apoio para sua prática. Durante a prática, professores devem aplicar tais conhecimentos e habilidades científicas e/ou pedagógicas (PEREIRA; ZEICHNER, 2002, p. 20).

Esses autores ainda apontam que, atualmente e em diferentes países, a tendência de

racionalidade técnica tem sido amplamente difundida e utilizada na formação de professores.

No sentido de promover essa estratégia de ação, “[...] instituições internacionais de fomento,

tais como o Banco Mundial” (PEREIRA; ZEICHNER, 2002, p. 20) tem-se apresentado como

42

“[...] principais responsáveis pela promoção de reformas conservadoras em programas de

formação de professores principalmente em países em desenvolvimento” (p. 20).

Diante dessas considerações, entendemos que tendências de formação docente baseadas sob

princípios de racionalidade técnica buscam sujeitar ao controle da técnica as ações humanas,

na tentativa de modelar o comportamento humano a uma instância reprodutiva de ações e

procedimentos mecânicos obtendo o controle das ações humanas da forma como hoje se

obtém o controle da natureza.

Como alternativa a essa proposta, as tendências alternativas para a “formação de professores

emergiram a partir do modelo de racionalidade prática, no mínimo desde o início do século

XX” (PEREIRA; ZEICHNER, 2002, p. 24).

Os pressupostos de fundamentação dessa tendência de formação concebem a educação como

um processo de grande complexidade. A intervenção profissional nesse processo é

caracterizada por meio de decisões pautadas sob as formulações a respeito da própria prática,

ou seja, aqui a prática docente não é reduzida ao controle da técnica, antes ela é pautada em

critérios surgidos e analisados na experiência de ensino e aprendizagem.

O principal ponto norteador das tendências práticas de formação docente está fundamentado

nos princípios que postulam a não dicotomia do fazer do professor. Diferentemente dos

pressupostos de racionalidade técnica, a perspectiva de formação prática não separa o fazer

docente do pensar sobre o que se faz durante o exercício da docência. Isso porque os

fenômenos reais da prática – “[...] complexidade, incerteza, instabilidade, excepcionalidade e

conflito de valor – não são compatíveis com o modelo da racionalidade técnica” (SCHÖN

apud PEREIRA; ZEICHNER, 2002, p. 26). O autor continua considerando que, “[...] no

mundo real da prática, problemas não são apresentados ao profissional como dados. Eles

devem ser construídos a partir de elementos das situações problemáticas, os quais são

enigmáticos, inquietantes e incertos”.

Na tentativa de superar os entraves colocados pelos programas de formação docente baseados

em uma perspectiva técnica, a tendência prática de formação dá ênfase à complexidade da

ação docente que, envolvida pelo conhecimento teórico e prático, encontra-se marcada pela

incerteza. Logo, essa perspectiva considera o professor como um “[...] profissional que

43

reflete, questiona e constantemente examina sua prática pedagógica cotidiana” (PEREIRA;

ZEICHNER, 2002, p. 26).

A opção crítica dos processos de formação docente fundamenta seus princípios na Teoria

Crítica e na Ciência Social e Crítica de Habermas. No Brasil, o maior expoente dessa

perspectiva é o educador Paulo Freire.

A tendência crítica de formação docente entende a educação como historicamente localizada,

fundamentada como uma atividade tipicamente social e intrinsecamente política. No modelo

crítico, o professor é considerado como sujeito que considera a problemática educacional

inserida dentro de sua concepção política. As concepções técnicas possuem uma visão

instrumental a respeito da resolução dos problemas educacionais. A concepção prática

considera uma visão mais interpretativa desses aspectos, enquanto a concepção crítica possui

uma visão política a respeito dos determinantes sociais e políticos dos problemas educacionais

(PEREIRA; ZEICHNER, 2002).

O aspecto político, implícito em todas as esferas da problemática educacional, na atualidade, é

alvo da obra do educador Paulo Freire. Segundo as expectativas da ação baseada sobre

princípios politizados, a construção de um processo educacional democrático centrado no

aluno deve priorizar a construção de um currículo que emane das necessidades do sujeito que

aprende e que alcance as proposições de um “marco institucional” (HABERMAS, 1968)

vinculado ao processo de emancipação do sujeito que interage socialmente.

Essa perspectiva de ação formativa encontra-se estreitamente vinculada aos pressupostos

emancipatórios alcançados por meio da ação comunicativa definidora das expectativas

recíprocas e de entendimento mútuo. O vínculo da educação a esses movimentos

emancipatórios pode fazer emergir os complexos interesses que caracterizam a espécie

humana e que estão obscurecidos pelo monopólio da racionalidade técnica das ações do

homem. Nesse sentido, Freire (1996, p. 98) afirma que “[...] como experiência

especificamente humana, a educação é uma forma de intervenção no mundo”. Intervenção

que, além do conhecimento técnico, promove a consciência da presença humana no mundo.

“Presença humana, presença ética, aviltada toda vez que transformada em pura sombra”

(FREIRE, 1996, p. 102).

44

2.2 O PRINCÍPIO HABERMASIANO DE RACIONALIZAÇÃO SOCIAL

Habermas (1968) discute a questão da racionalidade, tomando os conceitos já desenvolvidos

por Weber e Marcuse. Segundo o autor, coube a Max Weber introduzir o conceito de

racionalidade “[...] a fim de determinar a racionalização progressiva da sociedade, através da

institucionalização do progresso técnico e científico” (HEEMANN, 2000, p. 2). Por meio de

seu conceito de racionalidade e análise do processo de racionalização progressiva da

sociedade, Weber caracteriza as ações humanas desencadeadoras desse processo e as define

como embasadas nos princípios de razão instrumental e executadas a partir de um agir

racional, com relação a fins.

Dessa forma, Weber acredita predominar, na estrutura do sistema capitalista, esse formato

específico de ação, denominada razão instrumental ou agir racional com relação a fins,

estritamente fundamentada na “[...] justificativa dos fins pela ação dos meios” (HEEMANN,

2002, p. 2). Sendo assim, a ação regida pelos princípios de razão instrumental é

extremamente orientada pelo estabelecimento de metas, objetivos e finalidades. Possui como

característica a sensatez da utilização dos meios em relação às finalidades que se pretende

atingir e às suas conseqüências. Diante de tal caracterização, conclui-se que o agir racional

com relação a fins, considera a ação viabilizada em seus procedimentos técnicos e de

controle.

A elaboração desse conceito vem de um fenômeno que o antecede, a saber, a extrema

racionalização da sociedade apoiada sob os pressupostos do desenvolvimento tecnológico e

científico. Essa nova configuração social surge a partir do momento em que o fenômeno da

racionalização da sociedade, por meio do desenvolvimento técnico endossado pela legítima

ordem científica e detentor do mérito de ampliação dos aparatos materiais da produção

capitalista, acaba por ocupar um lugar de reconhecido status de verdade na explicação dos

fenômenos naturais, sociais e científicos. Isso acontece uma vez que, diante do

desmoronamento de uma sociedade pautada sob os princípios feudais, é permitido a essas

duas instâncias penetrarem as esferas institucionais da sociedade, transformando as

instituições por meio do “desencantamento” das imagens do mundo e promovendo o

desaparecimento das tradições culturais explicativas dos fenômenos de ordem natural e social.

O enfraquecimento dessas imagens explicativas do mundo permitiu o fortalecimento de um

tipo de racionalidade que permeia todo o agir social (HEEMANN, 2002, p. 2).

45

Difundidos esses preceitos sob os aspectos não só econômicos, mas também sociais e

políticos, o monopólio da razão instrumental apresenta-se como fundamentação dos

elementos de um racionalismo instrumental, sob o aspecto utilitarista, em que “[...] os meios

estão justificados na busca de determinados fins”, que surge e se alastra sob todas as

instâncias sociais, reforçando a racionalização de todas as atividades e comportamentos

humanos. Essa racionalização, da forma como é concebida, acabou por dotar o ser humano

de um domínio quase total dos elementos da natureza e dos fenômenos tecnológicos. Weber

aponta o fato de que o alastramento de tal perspectiva acaba por automizar o ser humano a um

universo de ações e procedimentos controláveis sob a natureza e a tecnologia, porém não lhe

garante autonomia e acaba por reprimir, no comportamento dos homens, aspectos como “[...]

sensibilidade, afetividade, emotividade e demais formas sensíveis à conduta humana”

(HEEMANN, 2002, p. 2).

Na tentativa de aprofundamento e crítica às questões levantadas por Max Weber, Herbert

Marcuse (apud HABERMAS, 1968, p. 46) aponta, a respeito do conceito de racionalidade

desenvolvido por Weber, "[...] implicações determinadas com conteúdo próprio”. Marcuse

acredita que ao que Weber chamou de racionalização não se aplica o conteúdo de

racionalidade propriamente dito, mas, em nome da racionalidade, aplica-se “[...] uma forma

determinada de dominação política oculta” (p. 46). Isso porque

A racionalidade desse tipo só se refere à correta eleição entre estratégias, a adequada utilização de tecnologias e a pertinente instauração de sistemas (em situações dadas para fins estabelecidos). Ela subtrai o entrelaçamento social global de interesses em que se elegem estratégias, se utilizam tecnologias e se instauram sistemas, a uma reflexão e reconstrução racionais. Essa racionalidade estende-se, além disso, apenas as situações de emprego possível da técnica e exige, por isso, um tipo de ação que implica dominação quer sobre a natureza ou sobre a sociedade. A ação racional dirigida a fins é, segundo sua própria estrutura, exercício de controle. Por conseguinte, a racionalização das relações vitais segundo critérios desta racionalidade equivale à institucionalização de uma dominação que, enquanto política, se torna irreconhecível: a razão técnica de um sistema social de ação racional dirigida a fins não abandona o seu conteúdo político (MARCUSE, apud HABERMAS, 1968, p. 46).

As considerações de Marcuse e sua crítica ao conceito de racionalidade desenvolvido por

Weber o levam a concluir que “[...] o conceito de razão técnica é talvez também em si mesmo

ideologia. Não só a sua aplicação, mas já a própria técnica é dominação metódica, científica,

calculada e calculante (sobre a natureza e o homem)” (apud HABERMAS, 1968, p. 46).

Ele continua sua análise deixando claro que

46

[...] determinados fins e interesses da dominação não são outorgados a técnica apenas posteriormente e a partir de fora – inserem-se já na própria construção do aparelho técnico; a técnica é em cada caso, um projeto histórico-social; nele se projeta o que uma sociedade e os interesses nela dominantes pensam fazer com os homens e com as coisas. Tal fim de dominação é material e, neste sentido, pertence à própria forma da razão técnica (apud HABERMAS, 1968, p. 47).

Diante da afirmativa de produção histórica de uma racionalidade da ciência e da técnica,

Marcuse considera que “[...] os princípios da ciência moderna encontravam-se a priori

estruturados de tal modo que poderiam servir como instrumentos conceituais para um

universo de controles produtivos”. Tal estruturação permitiu que o método científico, que

dava origem a um domínio cada vez mais efetivo da natureza, proporcionasse também “[...] os

conceitos puros e os instrumentos para uma dominação cada vez mais eficiente do homem

sobre os homens” (p.49). Atualmente, a dominação se prolonga e amplia-se não apenas “[..]

mediante a tecnologia, mas como tecnologia” (p. 49) e esta se torna responsável por

proporcionar legitimação a um “[...] poder político expansivo que assume em si todas as

formas de cultura”. Esse universo tecnológico, além de proporcionar a grande “[...]

racionalização da falta de liberdade do homem demonstra a sua impossibilidade técnica de ser

autônomo” (p. 49), ou seja, de determinar pessoalmente os rumos de sua existência. As

conseqüências da falta de liberdade são percebidas na “[...] sujeição ao aparelho técnico que

amplia a comodidade da vida e intensifica a produtividade do trabalho” (p. 49). Finalmente,

percebe-se que a racionalidade tecnológica “[...] protege a legalidade da dominação em vez de

eliminá-la e o horizonte instrumentalista da razão abre-se a uma sociedade totalitária de base

racional” (HABERMAS, 1968, p. 49).

Também é interesse de Habermas desvendar as origens e as principais características dessa

forma de racionalidade. Porém ele se coloca de forma diferenciada de Weber e Marcuse.

Enquanto Weber “[...] guardava um extremo pessimismo em relação ao futuro da

humanidade” (HEEMANN, 2002, p. 3), Marcuse propõe uma “[...] atitude alternativa perante

a natureza. [...] em vez de tratar a natureza como objeto de uma disposição possível, o homem

deveria considerá-la como o interlocutor de uma possível interação” (HABERMAS, 1968, p.

52). O que ele sugere é que, “[...] na esfera de uma intersubjetividade ainda incompleta” (p.

52) os seres humanos mantivessem pleno entendimento da natureza procurando transformá-la

e utilizar-se dela sem, no entanto, se limitarem a sua exploração controlada e predatória. “Em

vez da natureza explorada podemos buscar a natureza fraternal” (MARCUSE, apud

HABERMAS, 1968, p. 52). A essa consideração de Marcuse, Habermas (1968, p. 53)

responde:

47

A subjetividade da natureza ainda agrilhoada, não se poderá libertar antes de a comunicação dos homens entre si não estar livre da dominação. Só quando os homens comunicarem sem coação e cada um se puder reconhecer no outro, poderia o gênero humano reconhecer a natureza como um outro sujeito.

Tomando o conceito de racionalidade desenvolvido por Weber e ainda as críticas a esse

conceito feitas por Marcuse, Habermas (1968, p. 57) entende o fenômeno da racionalização

como capaz de, ao mesmo tempo, se mostrar “[...] emancipatória, já que se vale do

conhecimento sistematizado para solucionar problemas humanos e também reitificada na

medida em que instrumentaliza, submete o homem a seus pressupostos” (TENÓRIO, 2000, p.

42). A partir dessa reflexão, Habermas (1968) formula um novo conceito de racionalização,

partindo de “[...] um novo enquadramento categorial” (p. 42) efetuando fundamentalmente a

distinção entre trabalho e interação.

2.2.1 Discussões e conceitos habermasianos

Habermas (1968, p. 57) entende “[...] trabalho ou ação racional teleológica como ação

instrumental ou escolha racional” diante de uma ação. O autor explica que o comportamento

de ação instrumental é orientado por “[...] regras técnicas que se apóiam no saber empírico

[implicando] em cada caso prognoses sobre eventos observáveis físicos ou sociais” (p. 57) e

podem se revelar como hipóteses verdadeiras ou falsas sobre o fenômeno analisado. Uma

perspectiva de escolha racional é orientada por estratégias baseadas em um “saber analítico”

(p. 57). Esse comportamento implica “[...] deduções de regras de preferência (sistemas de

valores) e máximas gerais e tais proposições são deduzidas de um modo correto ou falso” (p.

57). Nesse sentido, compreende-se que o trabalho ou ação racional teleológica “[...] realiza

fins definidos sob condições dadas” (p. 57) de maneira que, quando orientado por uma ação

instrumental, “[...] organiza meios que são adequados ou inadequados segundo critérios de um

controle eficiente da realidade” (p. 57). Já quando orientada pela vertente ação estratégica,

“[...] depende apenas de uma valoração correta de possíveis alternativas de comportamento,

que só pode obter-se de uma dedução feita com auxílio de valores e máximas” (p. 57).

Diante dessas análises, percebemos a ocorrência do agir estratégico, quando os indivíduos se

encontram orientados para o êxito, “[...] pois, para as conseqüências do seu agir, são

influenciados externamente, por meio de advertências ou persuasão, sobre a definição da

situação ou sobre as decisões ou razões de seus oponentes”. O agir estratégico se refere à

48

“[...] relação do sujeito isolado no mundo podendo ser manipulado ou representado”

(GAGLIARDI; BOUFLEUER, 2004, p. 2).

De outra forma, o conceito de ação comunicativa é orientado segundo “[...] normas de

vigência obrigatória que definem as expectativas recíprocas de comportamento e que têm de

ser entendidas e reconhecidas” (HABERMAS, 1968, p. 57). O paradigma da comunicação

elaborado por Habermas refere-se à “[...] relação intersubjetiva que assumem sujeitos

capacitados para a linguagem e ação quando se relacionam e compreendem-se entre si sobre

algo no mundo”. A base de atuação, nessa perspectiva, é o entendimento, compreendido como

“[...] um processo de convicção intersubjetiva que coordena as ações dos pares que participam

de uma interação motivados por várias razões” (GAGLIARDI; BOUFLEUER, 2004, p. 1).

Habermas (1968, p. 59) elabora um diagrama9 para melhor desenvolver uma explanação das

expectativas esperadas nas ações humanas vistas sob a ótica de dois conceitos distintos de

racionalização: racionalização ao nível de sistemas de ação racional teleológica (instrumental

ou estratégica) e racionalização ao nível do marco institucional (interação simbolicamente

mediada). Assim, temos:

Enquadramento institucional (interação simbolicamente mediada)

Sistema de ação racional teleológica (instrumental e

estratégica) Regras orientadoras da ação Normas sociais Regras técnicas

Níveis de definição Linguagem ordinária intersubjetivamente partilhada

Linguagem livre de contexto

Tipos de definição Expectativas recíprocas de

comportamento Prognoses condicionadas; imperativos condicionados

Mecanismos de aquisição Internalização de papéis Aprendizagem de habilidades e qualificações

Função do tipo de ação Manutenção de instituições (conformidade com as normas por

meio do reforço recíproco)

Solução de problemas

Sanções no caso de infrações de regras

Castigo em virtude de sanções convencionais: fracasso perante a

autoridade

Ineficácia: fracasso perante a realidade

Racionalização Emancipação, individuação; extensão da comunicação isenta

Aumento das forças produtivas; extensão do poder de disposição

técnica Quadro 1- Racionalização das ações humanas em nível do marco institucional e em nível de Sistema de ação racional teleológica Fonte: Habermas (1968, p. 59).

9 Habermas (1968) elabora um diagrama para melhor esclarecer sua intenção em distinguir os princípios orientadores de ações realizadas mediante critérios de um enquadramento institucional (interação mediada simbolicamente) e sob critérios de um sistema de ação racional teleológica em suas perspectivas de ação instrumental e estratégica. Dessa forma, o autor demonstra as diferentes concepções filosóficas orientadoras de ações nesses distintos formatos de ação.

49

Dispondo de dois tipos de ação trazidos pelas análises habermasianas (ação racional

teleológica e ação comunicativa), podemos distinguir os sistemas sociais de acordo com a

predominância de um dos tipos de ação nele presentificada. Explicitando melhor essa

colocação, percebemos que o enquadramento institucional de uma sociedade é composto por

normas que orientam as interações lingüisticamente mediadas. Dentro desse emaranhado de

interações, encontramos subsistemas regidos, por um lado, por proposições acerca de ações

racionais teleológicas, e, no lado oposto, subsistemas ligados a uma série de ações baseadas

nos princípios de regras morais e interação. Dessa forma, Habermas (1968, p. 60) distingue

“[...] o enquadramento institucional de uma sociedade dos subsistemas de ação racional

relativas a fins que se inserem neste enquadramento”. Assim, percebemos que, na medida em

que as ações são determinadas pelo marco institucional, são, ao mesmo tempo, “dirigidas e

exigidas” segundo as expectativas de comportamento recíproco. Uma vez que as ações são

determinadas por subsistemas de ação racional teleológica, “[...] regulam-se por modelos de

ação instrumental ou estratégica” (p. 60). Essa distinção é a principal elaboração no intuito de

se reformular o conceito de racionalização.

Diante dessa distinção, podemos perceber a “superioridade” de uma modalidade de ação sobre

a outra frente ao modo de produção capitalista. Isso porque o modo de produção capitalista se

configura como um mecanismo que garante a expansão permanente dos sistemas de ação

racional teleológicas por favorecer uma constante evolução das forças produtivas, opondo-se

frontalmente a outras formas de explicações da realidade vivenciadas pelas sociedades “[...]

mediante interpretações cosmológicas do mundo” e contextualizadas por meio de “[...]

imagens do mundo, místicas, religiosas e metafísicas” (p. 61) que obedecem à lógica de

contextos de interação e proporcionam respostas aos problemas centrais da humanidade

relativos à convivência social e à história de vida de cada indivíduo (HABERMAS, 1968).

A lógica que rege os princípios de ação comunicativa, inserida no seio das sociedades

tradicionais, quando confrontada com uma racionalidade ligada à ação instrumental, resulta

no fenômeno de extinção dessa modalidade de vida em sociedade: “[...] entra em colapso a

forma de legitimação da dominação”, dando origem a uma sociedade regida pelos princípios

da modernidade. “Este é o limiar que existe entre a sociedade tradicional e uma sociedade que

entrou no processo de modernização” (HABERMAS, 1698, p. 63).

50

Se, nas sociedades tradicionais, o processo de legitimação das ações capitalistas é delineado

sob pressupostos de um mundo místico, baseado no mito e na religião, capacitados para agir

de modo eficaz, no que diz respeito aos processos de legitimação da dominação, nas

sociedades modernas, instaura-se uma nova ordem legitimatória que, ao contrário das

sociedades tradicionais, busca a legitimação de seu sistema na base do trabalho social, a partir

da exploração (perversão) do conceito de reciprocidade. Nas sociedades modernas, o conceito

de reciprocidade é desenvolvido sob os pressupostos de troca justa. Assim, pessoas privadas e

sem propriedades trocam sua força de trabalho pela promessa de justiça e equivalência na

relação de troca. A lógica da ação capitalista utiliza-se de um aspecto da ação comunicativa10

para tornar legítima sua ação.

Com o surgimento da relação de troca legitimadora de uma ação que objetiva a expansão de

subsistemas de ação racional teleológica, o capitalismo busca tornar legítima suas ações sob o

ponto de vista daquele que vende sua força de trabalho. É o que Habermas (1968, p. 64)

denomina “[...] dominação política a partir de baixo”. Deixando de apelar à tradição cultural

das religiões e mitos com explicações “a partir de cima”, ou seja, vindas do céu e de suas

divindades, o capitalismo passa a fundamentar seus princípios de dominação sob as bases do

sistema capitalista: a partir dos fundamentos da força humana de trabalho baseada no critério

de troca justa que, no fundo, não é tão justa assim.

Diante da nova ordem legitimadora, o modo de produção capitalista demonstra sua

superioridade sobre os outros modos de produção, uma vez que se fundamenta em dois

princípios:

Na instauração de um mecanismo econômico que garante, a longo prazo, a ampliação dos subsistemas de ação racional teleológica, e na criação de uma legitimação econômica sob a qual o sistema de dominação pode adaptar-se às novas exigências da racionalidade desses subsistemas progressivos (HABERMAS, 1968, p. 65).

A esse processo de adaptação Weber denomina racionalização, e com base nesse conceito,

Habermas (1968, p. 65) distingue duas tendências: a racionalização a partir de baixo, que

surge da necessidade de adaptação à nova forma de produção, ou seja, a institucionalização do

10 A reciprocidade é um dos aspectos básicos da instauração de uma ação comunicativa. Isso porque a ação comunicativa defendida por Habermas se assenta sob as bases do entendimento mútuo para satisfação de necessidades coletivas de forma recíproca, em que as necessidades da coletividade são sanadas pela via do entendimento, não prevalecendo os interesses individuais dos sujeitos envolvidos.

51

sistema de troca entre força de trabalho e empresa capitalista. Por meio dessa lógica, as “[...]

formas tradicionais sujeitam-se cada vez mais as condições de racionalidade instrumental ou

estratégica” (p. 65) originando assim uma infra-estrutura social “sob a coação à

modernização” (p. 65) que gradativamente se apodera de todas as esferas vitais: “[...] da

defesa, do sistema escolar, da saúde e até da família, e impõe tanto na cidade como no campo

uma urbanização do modo de vida” (p. 65), ou seja, subculturas que orientam o sujeito a

deslocar-se de um contexto de interação para um contexto de ação racional teleológica.

A racionalização a partir de baixo configura-se como um contra-argumento à racionalização a

partir de cima que é determinada por “[...] tradições que legitimam a dominação e orientam a

ação [por meio das] interpretações cosmológicas do mundo [que literalmente perdem sua

vinculação com a] imposição de novos critérios de racionalidade teleológica” (HABERMAS,

1968, p. 66). Neste contexto,

[...] as imagens do mundo e as objetivações tradicionais perdem seu poder e sua vigência como mito, como religião pública, como rito tradicional, como metafísica justificadora, como tradição inquestionada. Em vez disso transformam-se em convicções e éticas subjetivas, que garantem o caráter vinculante, privado das modernas orientações de valor (ética protestante) e reestruturam-se em construções que proporcionam as duas coisas seguintes: uma crítica da tradição e uma reorganização do material da tradição assim liberto (HABERMAS, 1968, p. 66).

No intuito de garantir a evolução segura do sistema na forma de extensão permanente dos

subsistemas de ação racional teleológica, podemos listar, segundo Habermas (1968, p. 68)

duas tendências evolutivas: “[...] um incremento da atividade intervencionista do Estado que

deve assegurar a estabilidade do sistema e uma crescente interdependência da investigação

técnica que transformou a ciência na primeira força produtiva”. A regulação do processo

econômico pela intervenção do Estado surgiu da necessidade de defender o sistema contra

disfuncionalidades que ameaçavam um “[...] capitalismo abandonado a si mesmo, cuja

evolução efetiva estava em contradição com sua própria idéia de uma sociedade civil que se

emancipa da dominação e neutraliza o poder” (p. 68).

Quando Marx discute a ideologia da troca justa, comprovando sua ingênua reciprocidade, os

mecanismos de dominação política exigem uma nova legitimação que é garantida por um

“[...] programa substitutivo” (1968, p. 70) que se orienta pelas conseqüências sociais de uma

52

atividade estatal que compensa “[...] as disfunções de um intercâmbio livre” (p. 70). Esse

programa

[...] vincula o momento da ideologia burguesa do rendimento com a garantia de um mínimo de bem estar da estabilidade no posto de trabalho e da estabilidade dos rendimentos. Obriga ainda o sistema de dominação a manter as condições de estabilidade de um sistema global que garante a segurança social e as oportunidades de promoção pessoal, e a prevenir os riscos do crescimento. (HABERMAS, 1968, p. 70).

No intuito de compensar as disfunções do sistema capitalista, “[...] as sociedades industriais

desenvolvidas adotaram o Estado de Bem-Estar, que busca proporcionar à população

condições de educação, saúde, habitação e trabalho” (GONÇALVES, 1999, p. 129). Diante

desse quadro percebemos que enquanto a atividade estatal amplia seus esforços na tentativa

de buscar a estabilidade do sistema econômico, a política assume o caráter de orientar-se na

busca de prevenir disfuncionalidades e evitar riscos que possam ameaçar o sistema. Assim

“[...] a política visa não à realização de fins práticos, mas à resolução de questões técnicas”

(HABERMAS, 1968, p. 70).

No sentido de garantir o objetivo maior da ação estatal, que é prevenir eventuais problemas

que atentem contra a estabilidade do sistema, as definições políticas acabam por restringir-se

de forma que as questões de conteúdo prático (aquelas referentes às relações de interação)

ficam à margem do conteúdo de atribuições do Estado. Essa dinâmica se torna presente na

ação estatal direcionada ao funcionamento de um sistema regulado que “[...] exclui as

questões práticas e assim a discussão acerca de critérios que só poderiam ser acessíveis à

formação da vontade democrática” (HABERMAS, 1968, p. 71).

Assim, baseada em uma estratégia de ação dirigida a fins de manutenção e estabilidade do

sistema, a política pública educacional, nesse caso, a que nos interessa mais, procura sanar as

“disfunções” surgidas no interior dos sistemas de ensino por meio de proposições em massa e

de alcance técnico, não respeitando, dessa forma, a natureza prática das relações de interação

que envolvem as questões educacionais deste início de século.

Apesar de a ação do Estado ser caracterizada por esses pressupostos, de forma alguma se

tornam evidentes os motivos do evitamento das discussões democráticas a respeito das

questões práticas. Nesse sentido, Habermas (1968, p. 72) aponta que tal motivação se baseia

em um objetivo: “[...] tornar plausível a despolitização das massas a essas mesmas massas”

por meio de outra tendência evolutiva do capitalismo – a cientificação da técnica.

53

O domínio da técnica por si só garante a ampliação do sistema não dependendo da

mobilização coletiva nem da contribuição humana com discussões públicas geradoras de

percursos mais ricos, significativos e emancipatórios.

A fundamentação do sistema capitalista, sob as bases do desenvolvimento técnico e científico,

serviu para intensificar a produtividade do trabalho, na medida em que a ciência se

encarregava de desenvolver novas técnicas com o objetivo de ampliar a produção existente.

Nesse sentido, a evolução técnica parece estreitamente vinculada ao progresso das ciências

modernas, a ponto de a ciência e a técnica assumirem o status de primeira força produtiva

enfraquecendo, assim, “[...] as condições de aplicação da teoria marxiana do valor-trabalho”

(p. 72).

Diante disso, Habermas (1968, p. 72) analisa as condições de troca da força de trabalho

perante o progresso da tecnologia. Temos, então:

Já não mais tem sentido computar os contributos ao capital para investimento na investigação e no desenvolvimento sobre a base de valor da força de trabalho não qualificada (simples), se o progresso técnico e científico se tornou uma fonte independente de mais-valia frente à fonte de mais-valia que é a única tomada em consideração por Marx: a força de trabalho dos produtores imediatos tem cada vez menos importância.

A evolução técnica e científica, sua direção, suas funções e sua velocidade têm sua

permanência garantida na manutenção dos mesmos interesses sociais definidores de todas as

demais expectativas sociais. Isso deixa claro que os interesses sociais vinculados à solução

dos problemas práticos da vida em sociedade são os mesmos interesses determinantes do

progresso técnico e científico. Essa coincidência acaba por beneficiar a manutenção do

sistema de ação racional teleológica que se utiliza dos mesmos interesses da sociedade como

um todo para manutenção e execução de seus propósitos. Porém a própria evolução constante

do progresso técnico e científico torna-se conveniente aos propósitos do sistema, uma vez que

subtrai a discussão a respeito da “[...] forma privada de valorização do capital, da distribuição

das compensações sociais [...] e do progresso quase que autônomo da ciência e da técnica”

objetivando o crescimento econômico e criando a expectativa de que a evolução do sistema

social está atrelada e determinada pelo avanço do progresso técnico e científico

(HABERMAS, 1968, p. 73).

A eficácia peculiar dessa ideologia reside em dissociar a autocompreensão da sociedade do sistema de referência da ação comunicativa e dos conceitos de

54

interação simbolicamente mediada, e em substituí-lo por um modelo científico. Em igual medida, a autocompreensão culturalmente determinada de um mundo social da vida é substituída pela autocoisificação dos homens, sob as categorias de ação racional dirigida a fins e do comportamento adaptativo (HABERMAS, 1968, p. 74).

A intenção dessa manobra está em promover o contínuo desgaste da esfera da interação

linguísticamente, mediada pela imposição da estrutura de ação racional dirigida a fins

legitimada por meio do progresso técnico e científico. O papel desempenhado por tal intenção

está voltado, em um plano subjetivo, para o fato de que a diferença entre esses dois meios de

atuação no mundo social desaparecerá não só da “[...] consciência das ciências do homem,

mas também da consciência dos próprios homens” (HABERMAS, 1968, p. 76).

Ao fenômeno de coisificação técnica dos homens Habermas (1968, p. 80) denomina

consciência tecnocrática que possui a característica de ser “menos ideológico” do que todos os

sistemas de idéias precedentes a ele. Isso porque esse fenômeno consegue ter “maior alcance”

já que pode justificar o “[...] interesse parcial de dominação de uma determinada classe e

reprimir a necessidade parcial de emancipação por parte de outra classe, mas também afetar o

interesse emancipador como tal do gênero humano”.

O que difere a nova ideologia das anteriores (HABERMAS, 1968, p. 81) é o fato de esta não

se basear na repressão coletiva, mas, antes, atender à necessidade das massas por meio de

“[...] compensações destinadas à satisfação de necessidades privatizadas [e por] separar

critérios de justificação” dos problemas sociais práticos, despolitizando-os sob a forma de

neutralidade nos investimentos financeiros, mas, principalmente, vinculando-os a um suposto

sistema de ação racional dirigida a fins.

A maior hostilidade presente neste movimento contínuo de modelagem da consciência

humana (HABERMAS, 1968, p. 82) está em perceber a migração dessa perspectiva para o

mundo sociocultural da vida onde “[...] obtém ali um poder objetivo sobre a

autocompreensão”. O núcleo ideológico dessa idéia é a “[...] eliminação da diferença entre

práxis e técnica” e seu conteúdo consiste em fazer desaparecer uma “[...] intersubjetividade da

compreensão através de uma comunicação liberta da dominação” (p. 82). Esse interesse

prático é encoberto pela ampliação do poder de disposição técnica.

Diante do enquadramento desenvolvido com o avanço do sistema capitalista baseado no

progresso técnico e científico, submetido ao controle legitimador das ações racionais

55

perpetuadas pela hegemonia técnica assentada sob as força de trabalho humana, Habermas

(1968) propõe a relativização dos conceitos de ideologia, da teoria de classes e do

enquadramento categorial de desenvolvimento dos pressupostos fundamentais do

materialismo histórico e aponta caminhos para uma nova formulação11 desses conceitos

afirmando que “[...] a conexão de forças produtivas e de relações de produção deveria ser

substituída pela relação mais abstrata de trabalho e interação” (HABERMAS, 1968, p. 83).

Essa dinâmica (HABERMAS, 1968, p. 83) torna-se necessária, uma vez que a obra de Marx

considera as relações de produção dentro do marco institucional em que esteve ancorado

durante a fase de desenvolvimento do capitalismo liberal. Outro motivo é que as forças

produtivas que se acumulam em processos de aprendizagem organizados nos subsistemas de

ação instrumental atuam desde o início como potencializadoras da evolução social, mas “[...]

parece que num sentido contrário ao proposto por Marx” (p. 83) não representaram, em todas

as circunstâncias, um potencial de libertação nem provocaram movimentos emancipadores e,

de qualquer maneira, não poderiam fazê-lo, uma vez que “[...] o incremento incessante das

forças produtivas se tornou dependente de um progresso técnico e científico” (p. 83).

Habermas (HABERMAS, 1968, p. 83) propõe que, num período inicial de organização da

vida social, as “[...] ações racionais dirigidas a fins só podiam ser motivadas mediante um

vínculo ritual com as interações em geral”. Nas primeiras culturas sedentárias, a ação racional

dirigida a fins diferenciou-se apenas aparentemente das formas de ação do tráfico

comunicativo entre os sujeitos. Ressalta o autor que uma distinção tão latente entre as suas

formas de ação poderia tomar uma proporção desigual diante de uma sociedade “[...] de classe

estatalmente organizada” (p. 83). Por outro lado, esse processo deu origem à separação entre

os aspectos regentes das normas sociais das interpretações legitimadoras da dominação. É

nesse ponto que nasce o paradigma da modernidade caracterizado pelo processo de

racionalização que teve início diante da violação do marco institucional pelos subsistemas de

ação racional dirigida a fins.

Tal violação faz com que a técnica e a ciência migrem para o lugar antes ocupado por

ideologias burguesas destituídas pela crença imutável na perspectiva do avanço técnico e

científico, de legitimadora das ações racionais dirigidas a fins. Ações essas que garantem o

11 Habermas propõe essa relativização em sua obra Para a reconstrução do materialismo histórico (1990).

56

maior avanço que o mundo já viu. Segundo Marx, em seu Manifesto Comunista (apud

HABERMAS, 1968, p. 85) “[...] a burguesia em pouco menos de um século de dominação de

classe criou forças produtivas mais maciças e colossais do que todas as anteriores gerações

juntas”. O filósofo também observa a repercussão de toda essa evolução no marco

institucional. De acordo com ele “[...] dissolvem-se todas as sólidas relações tradicionais com

a suas representações e concepções veneráveis” (p. 85). Assim “[...] tudo que é relativo às

ordens sociais e estável se evapora. Tudo que é santo se dessacraliza e os homens sentem-se,

por um, obrigados a ver com o olhar frio as suas relações recíprocas” (p. 85).

Nesse sentido, Habermas (1968, p. 87) esclarece a necessidade de manter separados dois

conceitos de racionalização. Assim, na ação racional dirigida a fins, o progresso técnico e

científico forçou um movimento de reorganização e parece exigi-la cada vez mais em maior

escala. Mas o processo de desdobramento das forças produtivas só se constituirá em seu

potencial de libertação, na medida em que não substituir a racionalização no marco

institucional que

[...] só pode levar-se a cabo no meio da interação linguisticamente mediada, a saber, pela destruição das restrições de comunicação. A discussão pública, sem restrições e sem coações, sobre a adequação e a desiderabilidade dos princípios e normas orientadoras da ação, à luz das ressonâncias socioculturais do progresso dos subsistemas de ação racional dirigida a fins – uma comunicação deste tipo em todos os níveis do processo político e dos processos novamente politizados de formação da vontade é único meio no qual é possível algo assim como a racionalização (HABERMAS, 1968, p. 88).

Por meio desse processo de reflexão generalizada, as “[...] instituições poderiam sofrer

modificações significativas na sua composição específica para além dos limites de uma

simples legitimação” (p. 88). Por esse processo, também as “[...] normas sociais seriam

caracterizadas por decrescente grau de repressividade [que desencadearia um] decrescente

grau de rigidez” (p. 88) promotor de uma “[...] autopresentificação individual mais adequada

nas interações quotidianas [e finalmente pela] aproximação a um tipo de controle de

comportamento que permitiria um distanciamento relativo aos papéis e uma aplicação flexível

de normas internalizadas, mas suscetíveis à reflexão” (HABERMAS, 1968, p. 88).

Uma racionalização baseada nesses princípios e que considera essas três dimensões não leva

ao domínio da ciência com o objetivo de submeter a natureza e o homem ao domínio da

técnica. Antes, “[...] dota os membros da sociedade com oportunidades de uma mais ampla

emancipação e de uma progressiva individuação” (HABERMAS, 1968, p. 88).

57

As considerações realizadas até o presente momento, tomando como pressuposto a obra de

Habermas, nos mostram, em sua dimensão filosófica, dois formatos de racionalização da

sociedade, a saber: uma sociedade naturalmente fundada sobre os pressupostos de um marco

institucional regido pelas normas de interação sob as bases de um agir comunicativo,

objetivando o acordo e principalmente relações de igualdade de condições, reciprocidade e

emancipação dos indivíduos em frente a aspectos de dominação política, sendo extremamente

influenciada, corrompida pelo avassalador avanço da tecnologia e da ciência que acabam por

migrar seus fundamentos, na forma de sistemas de ação teleológica com meios,

procedimentos e finalidades previamente determinados para o contexto de interação da vida

social e das relações tipicamente humanas. Em contraposição a esse perfil de racionalização,

encontramos uma vida social regida pelas normas de uma razão instrumental executada a

partir de ações estratégicas com relação aos fins estabelecidos, desconsiderando as relações

humanas em sua característica interativa e delineando-as a partir de procedimentos e técnicas

que, seguidas automaticamente, garantem o sucesso de ações.

2.2.2 As vertentes da comunicação em Habermas e Paulo Freire

Habermas (2003) conceitua uma a ação como estratégica, quando seus protagonistas se

encontram “[...] exclusivamente orientados para o sucesso, isto é, para as conseqüências de

seu agir, eles tentam alcançar os objetivos de sua ação influindo externamente [...] sobre a

definição da situação”. A organização das ações desses sujeitos depende da maneira como se

entrosam os cálculos de ganho individuais, pois “[...] o grau de cooperação e estabilidade

resulta, então, das faixas de interesse dos participantes (HABERMAS, 2003, p. 164).

A ação exatamente oposta a essa configuração está associada ao agir comunicativo que

reconhece “[...] quando os atores tratam de harmonizar internamente seus planos de ação e de

só perseguir suas respectivas metas sob as condições de um acordo existente ou a se negociar

sobre a situação e as conseqüências esperadas” (HABERMAS, 2003, p. 165).

Ambas as possibilidades de ação estão intimamente ligadas à linguagem ou ao seu uso

equivocado e até mal intencionado. Porém uma característica que precisamos considerar é que

uma ação comunicativa encontra no diálogo a possibilidade de fomentar mudança.

58

Neste momento, aliamos às possibilidades de racionalização da sociedade discutidas por

Habermas a teoria da ação cultural elaborada por Paulo Freire. Essa teorização freireana parte

de duas matizes: uma antidialógica e outra dialógica. Assim, do mesmo modo como

Habermas (1968) contrapõe a uma ação estratégica uma ação comunicativa, Paulo Freire

contrapõe à Teoria da ação cultural não dialógica uma Teoria da ação cultural dialógica.

Por teoria da ação cultural, compreende-se “[...] uma forma sistematizada e deliberada de ação

que incide sobre a estrutura social, ora no sentido de mantê-la como está, ou mais ou menos

como está, ora no sentido de transformá-la” (FREIRE, 2005b, p. 207).

Nesse sentido, “[...] como forma de ação deliberada e sistemática, toda ação cultural tem sua

teoria, que, determinando seus fins, delimita seus métodos”. É importante dizer também que

toda ação cultural “[...] ou está a serviço da dominação – consciente ou inconsciente por parte

de seus agentes – ou está a serviço da libertação dos homens” (FREIRE, 2005b, p. 207).

No intuito de delinear os princípios de sua teoria, o autor parte da análise do que ele denomina

teorias da ação cultural desenvolvidas a partir das matrizes antidialógica e dialógica, dando

origem, assim, à teoria de ação antidialógica e à teoria de ação dialógica.

Completamente antagônica à problemática suscitada pela teoria da ação dialógica, encontra-se

a teoria de ação antidialógica. Rapidamente, vamos discutir seus objetivos e características e

então partiremos à análise que objetiva a discussão neste momento: a teoria da ação dialógica.

Uma teoria de ação cultural concebida a partir de uma matriz antidialógica objetiva a

manutenção de uma determinada ordem social estabelecida por meio de discursos plantados e

acatados por um grande número de sujeitos de uma sociedade impedida de atuar

conscientemente na intervenção tipicamente humana do mundo, ou seja, impedidos de

conhecê-lo e transformá-lo por meio de seu trabalho e determinados a conhecer o mundo e

condicionados à sua não- intervenção.

Pode-se dizer, também, que os fundamentos de uma teoria antidialógica alcançam um

processo de “despolitização das massas” por meio dos mecanismos de ação estratégica e da

supressão da “discussão pública” possibilitadora da “[...] problematização das condições

59

marginais” nas quais se encontram grande parte das questões sociais dentro de um sistema

capitalista (HABERMAS, 1968, p. 71).

Essa ordem estabelecida a qual é atribuída à característica de ser “natural” impõe a uma

grande parcela da sociedade “[...] uma palavra falsa, de caráter dominador” (FREIRE, 2005b,

p. 142). que alcança a proeza de manipular, depositar, conduzir e prescrever as ações e

demandas de uma grande parcela de indivíduos sociais os quais encontram silenciosamente

negado o direito de exercer sua práxis verdadeira, ou seja, o direito de unir trabalho e

pensamento, “[...] reflexão e ação incidindo sobre as estruturas a serem transformadas” ( p.

142).

A manutenção dessa ordem depende, então, de um processo de despolitização social

garantidor da ordem estabelecida. No processo de despolitização social, é negada a seus atores

a oportunidade de um “pensar certo” constituído em um movimento de “ad-mirar o mundo”,

ou seja, “denunciá-lo, transformá-lo”, objetivando sua humanização. É justamente pensando

no impedimento dessa ação tipicamente humana que uma ação cultural antidialógica não pode

promover uma ação dialógica. Não deve jamais possibilitar a problematização, a discussão, o

contraponto, o conflito, visando ao entendimento e ao desvelamento de um grande jogo de

idéias estabelecido e legitimado por uma ação alienada, isto é, fora de seu contexto reflexivo

crítico (FREIRE, 2005b, p. 143; HABERMAS, 1968, p.70).

O atributo de conquista é o primeiro ponto que aparece como fundamental na manutenção de

uma ordem social opressora. Para isso é preciso conquistar o outro com “verdades”

estabelecidas e legitimadas por meio de um processo de naturalização dos princípios sociais

estabelecidos. Naturalização esta alcançada não pela via da comunicação recíproca, mas “[...]

pelos comunicados, pelos depósitos dos mitos indispensáveis a manutenção do status quo”

(FREIRE, 2005b, p.159).

Os mitos sociais tratam da proliferação, por meio de comunicados sociais, de falsas verdades

legitimadoras de um status vigente. A introjeção de tais mitos nas consciências de uma massa

de atores sociais é fundamental para a sua aceitação e adesão a um papel passivo diante de um

mundo social em permanente mudança e em constante luta pela defesa dos interesses das

diferentes classes sociais.

60

É absolutamente necessário distinguir comunicados de comunicação (FREIRE, 2005b).

Apesar de possuir contornos de comunicação, a proliferação dessas idéias se faz mediante

“comunicados” veiculados por meios de comunicação em massa que tem o papel de “[...]

depositar o conteúdo alienante” (p. 160) diante da sociedade capitalista atual ávida por

informação e devidamente distanciada da discussão e problematização dessas questões.

Na manutenção desse estado de passividade social, a divisão se torna outro atributo na

conservação da condição de opressão. Isso quer dizer que cabe à minoria opressora lançar

mão de estratégias de divisão e manutenção da divisão das massas como garantia e “[...]

condição indispensável à continuidade de seu poder” (FREIRE, 2005b, p.160).

A divisão garante a ausência de uma perspectiva do diálogo fomentadora de uma atuação

delineada sob os princípios de ação comunicativa, de forma recíproca, coletiva e processual.

Ao contrário disso, privilegia a ação estratégica, visando a objetivos que contemplam as

partes e não o todo compartimentalizando e empobrecendo, assim, a atuação dos sujeitos

sociais. “Dividir para manter o status quo se impõe, pois, como o fundamental objetivo da

teoria da ação antidialógica” (FREIRE, 2005b, p.165).

Essa dimensão de divisão encontra-se a todo o momento presentificada na escola, instituição

que serve como contexto desta pesquisa. Isso porque percebemos, em uma análise primária,

que a instituição escola em si se encontra historicamente dividida. Dividida pela faixa etária

de seus alunos, pelo núcleo de matérias que ensinam os diferentes professores, dividida no

tempo de aquisição de determinado conhecimento, dividida ainda na compartimentação dos

conteúdos estudados que impedem a análise da totalidade dos fenômenos, dividida e

padronizada em seus tempos e espaços de atuação e, finalmente, impedida de estabelecer uma

comunicação institucional capaz de problematizar seu papel e sua atuação, devido à divisão

de seus pares, que tem introjetado a idéia de conteúdos específicos que, em última instância,

separam em vez de agregar. Dessa forma, distante de uma ação comunicativa, a escola

enfrenta a impossibilidade de estabelecer uma conexão necessária com a totalidade.

O atributo da divisão vem atingindo, com sucesso, seu propósito de desagregar valor à

discussão como forma de enfrentamento das impossibilidades colocadas à sociedade e, em

nosso caso, à escola.

61

Diante da capacidade de desassociação entre fenômenos sociais alcançada pela divisão, a

manipulação surge como mais uma estratégia de ação antidialógica. A manipulação tem como

finalidade promover um “[...] tipo inautêntico de organização, com que evite o seu contrário,

que é a verdadeira organização” (FREIRE, 2005b, p.168).

Nesse contexto, se nos referimos à escola, percebemos que sua estrutura organizacional é

histórica, não somente pelo fato de ter se constituído historicamente, mas porque vem se

reproduzindo nesse mesmo formato organizativo desde os jesuítas até os dias atuais. Essa

organização acaba por garantir que os sujeitos atuantes no contexto escolar “não pensem”

(FREIRE, 2005b, p. 169), não reflitam sobre suas reais condições e possibilidades de, nesse

contexto organizativo, aliar pensamento e ação, reflexão e prática. O movimento de não

reflexão no interior das instituições de ensino é garantido pela organização, muitas vezes

inflexível, não discutida, antes determinada por meio de leis, decretos e portarias, nas quais

não encontramos refletidas as falas ou as contribuições dos docentes.

A possibilidade de burlar tamanha manipulação está na “[...] organização criticamente

consciente, cujo ponto de partida [...] está na problematização de sua posição no processo”

(FREIRE, 2005b, p. 169), na problematização das demandas dos contextos.

Finalmente, o autor pontua a invasão cultural como última característica marcante da teoria de

ação antidialógica. Invasão cultural compreendida como a penetração de um arcabouço de

idéias fomentadas no contexto sociocultural dos “opressores” e despejadas no contexto

sociocultural dos “oprimidos”, “[...] impondo a estes a visão do mundo daqueles, enquanto

lhes freiam a criatividade, ao inibirem sua expansão” (FREIRE, 2005b, p.173). Idéias essas

que possuem função legitimadora e “[...] subtraem as relações de poder existentes tanto à

análise como à consciência pública” (HABERMAS, 1968, p. 66).

Dessa forma, a invasão cultural torna-se capaz de transportar, de um contexto materialmente

privilegiado a um contexto antagônico, um emaranhado de concepções que naturalizam e

legitimam os privilégios, as relações não recíprocas e não democráticas.

A matriz impulsionadora dessa invasão é a crença cega na impossibilidade dos invadidos. Tal

posição torna-se tão verdadeira a ponto de ser reconhecida nesses próprios sujeitos. Aliás,

essa se torna uma condição básica da invasão, “[...] o conhecimento por parte dos invadidos

62

de sua inferioridade intrínseca” (FREIRE, 2005b, p.174), por isso tamanha adesão aos

princípios disseminados pelos opressores.

Diante dessa roda viva, cabe ao invadido consumir o saber e os conhecimentos produzidos em

outros contextos que não o seu, logo concebido fora de uma práxis libertadora e

emancipatória. Cabe aos invasores “[...] transferir, levar ou entregar [ao outro] seu

conhecimento e suas técnicas [...] tornando-se promotores dos invadidos” (FREIRE, 2005b, p.

177) promovendo seus pensamentos, atitudes e delineando suas ações uma vez que o não

saber dos invadidos lhes garante o direito de não lhes dar ouvidos, não considerar seus saberes

e nem suas expectativas ou demandas. A esses cabe acatar e receber os ensinamentos dos

outros.

Na contramão desses pressupostos, a teoria cultural de ação dialógica privilegia a “co-

laboração” (2005b, p. 193), a união, a organização e a síntese cultural, como forma de

estabelecer ações de cunho emancipatório e valorativo do saber produzido na práxis diária da

humanidade, em nosso caso, no fazer diário dos docentes.

Na perspectiva de ação dialógica, o princípio de co-laboração não permite a influência

colonizadora das idéias e das ações de um sujeito sobre o outro, antes, pelo contrário,

possibilita que os mais diversos sujeitos se encontrem “[...] para a pronúncia do mundo, para

sua transformação” (FREIRE, 2005b, p.192), por meio da práxis tipicamente humana, ou seja,

o encontro dialético entre teoria e prática do quefazer da pessoa humana.

Como característica da ação dialógica, a co-laboração não pode concretizar-se no silêncio

nefasto daqueles que aderem a uma nova doutrina salvadora. Muito pelo contrário, a co-

laboração não pode dar-se “[...] a não ser entre sujeitos, ainda que tenham níveis distintos de

função, portanto de responsabilidade, somente pode realizar-se na comunicação. [Neste

sentido o diálogo] que é sempre comunicação, funda a co-laboração” (FREIRE, 2005b,

p.193). Então, na teoria da ação dialógica, não há espaço para as artimanhas de conquista

simplistas pela via de verdades falsas, antes objetiva a adesão consciente e profunda a seus

princípios.

Diante de uma perspectiva dialógica, a co-laboração remete-nos a um pensar coletivo, a uma

reflexão conjunta da qual possam resultar outras possíveis formas de enxergar as

problemáticas que envolvem atualmente o fazer do professor diante, por exemplo, do

63

movimento de inclusão educacional de alunos com necessidades educacionais especiais.

Assim, “[...] resposta aos desafios dessa realidade problematizada é já a ação dos sujeitos

dialógicos sobre ela, para transformá-la” (FREIRE, 2005b, p.193).

Há, porém, perspectiva de existir comunhão. Comunhão sólida o suficiente para ser capaz de

constatar que não existe produção de um novo saber emancipatório longe ou fora do convívio

e do contexto que alimenta a prática. Com essa afirmação, reiteramos que a problemática que

envolve hoje o fazer docente com alunos que apresentam necessidades educacionais especiais

não será problematizada e nem serão encontradas estratégias possíveis de ação longe do

contexto escolar, nem tampouco sem a co-laboração do professor que faz a escola diariamente

acontecer. O caminho mais fecundo para a constituição desses saberes está no aprimoramento

da prática docente por meio da reflexão crítica. Não há como os docentes se esquivarem disso.

Desta forma, a exigência da teoria da ação dialógica é que “[...] ela não pode prescindir dessa

comunhão. [Assim a teoria dialógica pontua que a] denúncia seja feita com suas vítimas a fim

de buscar a libertação dos homens” (FREIRE, 2005b, p.198). Em nosso caso, que a

transformação da escola seja feita pela ação refletida de seus atores. Não há ninguém que

poderá fazer a revolução por eles.

Enquanto, na teoria de ação antidialógica, a divisão cumpre o importante papel de fragmentar

a ação e o pensamento, na teoria dialógica, a unidade é que garante a totalidade do processo

de emancipação.

Para o alcance da adesão a essa idéia, faz-se necessário questionar a fragmentação do contexto

analisado para, problematizando-o, perceber “[...] a realidade que lhes dá um conhecimento

falso” (FREIRE, 2005b, p. 201) dela própria e mesmo das possibilidades de atuação da pessoa

humana. Sendo assim, a ação dialógica, quando prima pela unidade, busca a tentativa de

proporcionar aos indivíduos o “[...] reconhecimento ao porquê e o como de sua aderência

[explicitados esses motivos que] exerçam um ato de adesão à práxis verdadeira de

transformação da realidade injusta. [Tal movimento faz-se necessário para que] se percebam

como homens proibidos de estar sendo” (FREIRE, 2005b, p. 201).

A busca da união, como garantia de um agir dialógico ou comunicativo, automaticamente,

acarreta a necessidade de organização. Organização esta refletida no exercício da autonomia.

64

Dessa forma, uma organização baseada nos princípios do diálogo impede que os indivíduos

sejam compreendidos como objetos, antes só é capaz de alcançar “[...] sua natureza e seu

objetivo se é, em si, prática da liberdade” (FREIRE, 2005b, p. 205).

Considerando esses princípios, compreende-se que, na “[...] teoria dialógica da ação, a

organização jamais será a justaposição de indivíduos que, gregarizados, se relacionem

mecanicamente” (FREIRE, 2005b, p. 204). Tendo como princípio básico a prática da

liberdade, é fundamental que tal ação organizativa seja precedida de um exercício autônomo.

No processo de organização, é repudiada a “[...] imposição arbitrária da palavra”. Essa ação

não acarreta a adoção a uma postura “liberalista” que levaria os sujeitos, habituados aos

processos de opressão, à licenciosidade. “A teoria dialógica da ação nega o autoritarismo

como nega a licenciosidade, ao fazê-lo, afirma a autoridade e a liberdade” (FREIRE, 2005b,

p.206).

Em síntese, diante dos princípios da teoria dialógica da ação, “[...] a organização implicando

autoridade, não pode ser autoritária; implicando liberdade, não pode ser licenciosa” (FREIRE,

2005b, p. 207). Esse movimento caracteriza o aprendizado “da autoridade e da liberdade

verdadeiras” que, uma vez instaurado, busca “[...] a transformação da realidade que os

mediatiza” (p. 207).

Finalmente, contrária ao princípio de invasão cultural, a teoria de ação dialógica propõe um

momento de síntese cultural, o qual prioriza não a sobreposição de saberes e valores

instituídos por determinados grupos a outros, antes valoriza os saberes já constituídos por

determinado grupo de indivíduos. Mediatizados por essa cultura, é que surge o

estabelecimento e a constituição de ações exercidas sobre o mundo.

Enquanto o princípio de invasão cultural promove uma espécie de etnocídio cultural com a

imposição de uma cultura “superior” sobre outra, o princípio de síntese permite o

reconhecimento e a valorização recíproca dos valores culturais dos indivíduos. Nesse modo de

“[...] ação cultural, como ação histórica, se apresenta o instrumento de superação da própria

cultura alienada e alienante” (FREIRE, 2005b, p. 209).

65

O princípio de síntese cultural nos alerta para o fato de que, para o exercício de uma ação

cultural libertadora, faz-se necessário que os processos de emancipação e de transformação

das realidades vivenciadas partam de uma vertente de valorização dos saberes trazidos pelos

sujeitos daquele contexto e de ações compartilhadas entre eles e com outros.

Essa prerrogativa é fundamental para que não se cometa o equívoco de levar a um contexto

desconhecido alternativas prontas a serem executadas mecanicamente, colaborando, assim,

para a manutenção de uma estratégia alienante.

Tomando por base essas considerações, não se pode conceber uma ação cultural que,

privilegiando a cultura de determinado contexto, imponha sobre ele outra pronta a ser acatada

e aderida.

Diante disso, o respeito à condição dos sujeitos, ao seu papel desempenhado socialmente e à

concepção que trazem sobre o mundo e sobre suas ações no mundo são o primeiro passo para

que se encare a totalidade dos seres humanos e de suas ações humanas. Nesse sentido, muitos

erros e equívocos são cometidos ao não se considerar esse movimento tão real que é

[...] a visão do mundo em que se vão encontrar explícitos e implícitos os seus anseios, as suas dúvidas, a sua esperança, [...] a sua percepção de si mesmo e do opressor, [...] o seu fatalismo, a sua reação rebelde. E tudo isso [...] não pode ser encarado separadamente, porque, em interação, se encontra compondo uma totalidade (FREIRE, 2005b, p. 211).

Diante dessas questões, podemos dizer que a possível saída “[....] está na síntese. De um lado

incorporar-se ao desejo de mudança. De outro problematizar o significado da própria

mudança. Ao fazê-lo está problematizando a situação histórica real, concreta” (FREIRE,

2005b, p.212).

Aplicado ao contexto deste estudo, o contorno da contribuição freireana e habermasiana nos

alerta para o fato de que a escola, por sua vez, “[...] introjetando uma racionalidade opressora,

não pode sozinha, constituir a teoria de sua ação libertadora” (FREIRE, 2005b, p. 213). É

somente no encontro entre a escola e a dinâmica ensino-pesquisa-produção (de conhecimento

novo que objetiva a transformação), “[...] na comunhão de ambas, na práxis de ambas, é que

essa teoria se faz e se re-faz” (p. 213).

66

2.3 O PROCESSO DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES E SEUS

FUNDAMENTOS EM PAULO FREIRE

Diante dos pressupostos da teoria da ação dialógica e contrapondo-se a ela, a concepção

técnica da educação, é bastante próxima do que Paulo Freire vem, ao longo de sua produção,

denominando “educação bancária”. O pensamento de Freire (2005b) alerta que, sob tais

pressupostos, o ato educativo não passa de um momento de narração de técnicas e

procedimentos que são despejados sobre o aprendiz que registra (memoriza) todo o conteúdo

ensinado. Dessa maneira, a educação se torna um ato de depositar conteúdos em recipientes

“vazios”. Ou seja, a concepção, por traz da conduta do processo educativo, considera o

conhecimento como algo dado e acabado que precisa unicamente ser acatado e consumido por

seus atores.

As críticas do autor a esse estereótipo de formação são muitas (FREIRE, 1996; FREIRE,

2005a; FREIRE, 2005b) e baseiam-se enfaticamente na constatação de que, embora tais

processos revelem um discurso teórico eficiente, “[...] podem ser postos em ação apenas em

situações idealizadas da prática pedagógica. No cotidiano da sala de aula o professor

confronta-se com múltiplas situações divergentes, com as quais não aprende a lidar durante

seu curso de formação” (MIZUKAMI et al., 2002, p. 14).

Nesse sentido, é importante considerar os processos de formação de professores como um

continuum de aprendizagens e experiências embutidas de um significado histórico e social

que deixe transparecer a necessidade de se construir conhecimento a partir da experiência

vivida e do contexto social, político e econômico onde estão inseridos seus atores.

Esse continuum de aprendizagens ao qual nos referimos nos reporta, inicialmente, ao

princípio de inconclusão do ser humano. Trata-se da constante inserção de homens e mulheres

num permanente movimento de busca por conhecer. Assim, fica claro que

[...] é na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação como processo permanente. Mulheres e homens se tornam educáveis na medida em que se reconhecem inacabados. Não foi a educação que fez mulheres e homens educáveis, mas a consciência de sua inconclusão que gerou sua educabilidade. É também na inconclusão de que nos tornamos conscientes e que nos inserta no movimento permanente de procura que se alicerça a esperança (FREIRE, 1996, p. 58).

67

No dizer do autor, a consciência da inconclusão do ser historicamente construído é a mola

propulsora de transformação da ação de ensinar e aprender. É nesse sentido que o autor insiste

que “[...] formar é muito mais que puramente treinar” (FREIRE, 1996, p. 14). O sentido de

sua fala traduz uma expectativa pertinente aos fundamentos políticos e filosóficos dos

processos de formação permanente das pessoas humanas: a necessidade de adquirir, na

interação com o mundo e com as pessoas, conhecimentos que são históricos12 e a partir deles

criar outras formas de conhecer e atuar na realidade. O ato de formar-se carrega consigo a

necessidade de se expôr ao outro e de vivenciar com ele a experiência de construção de um

determinado conhecimento. Nesse movimento de retroalimentaçao “[...] quem forma se forma

e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado” (p. 23).

Desse modo, a formação docente não deve limitar-se à memorização mecânica de conceitos,

idéias ou técnicas de ensino e aprendizagem. Antes, ela deve confrontar-se com o texto e o

contexto de cada professor ou professora que se dispõe a ir além de suas possibilidades

práticas de trabalho, na tentativa de buscar a compreensão crítica dos processos que

atravessam a escola e seus atores. A esse movimento Freire (1996) denomina pensar certo.

Pensar e conceber o ato educativo em toda a sua dimensão política. Pensar certo significa

saber que o ato de ensinar não se resume à mera transmissão de conhecimento. Trata-se de

assumir postura coerente com o ato educativo praticado. Ato que, por ser educativo, é a favor

da vida e da transformação de condições desfavoráveis a ela. Assumir tal postura é um ato

difícil, exigente e, às vezes, penoso, uma vez que é imprescindível assumi-lo “[...] diante dos

outros e com os outros, em face do mundo e dos fatos, ante a nós mesmos” (FREIRE, 1996, p.

49) é difícil, entre outras coisas, pela vigilância constante que temos de exercer sobre nós

próprios para evitar os simplismos, as facilidades, as incoerências grosseiras.

Diante desses pressupostos, o autor considera essencial que pensemos a formação docente

dentro de um contexto de prática educativo-crítica. Essa consideração toma forma, ao

analisarmos a relação teoria e prática. Tomadas separadamente, causamos uma dicotomia no

processo de constituição das aprendizagens. Quando unidas, percebemos que “[...] a reflexão

12 Entendemos a historicidade do conhecimento uma vez que partimos do princípio de sua superação. Nas palavras de Freire (1996) histórico como os próprios homens, o conhecimento do mundo tem como característica fundamental a historicidade. Isso porque, ao ser produzido, um novo conhecimento supera outro já existente. É esse movimento de recriação dos saberes que garante a historicidade do conhecimento capaz de refazer-se continuamente.

68

crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação Teoria/Prática sem a qual a teoria

pode ir virando blá, blá, blá e a prática ativismo” (FREIRE, 1996, p. 22).

Com base nessas reflexões, entendemos que a prática docente crítica “[...] envolve o

movimento dinâmico, dialético entre o fazer e o pensar sobre o fazer” (FREIRE, 1996, p. 38).

Percebemos que o saber produzido por uma prática docente desmembrada de uma

rigorosidade crítica é um saber “[...] ingênuo, um saber de experiência feito, ao qual falta a

rigorosidade metódica que caracteriza a curiosidade epistemológica13 do sujeito” (p. 38).

Nesse sentido, constatamos ser fundamental, nos processos de formação docente, o pensar

crítico “[...] que supera14 o ingênuo e que necessariamente deve ser produzido pelo aprendiz”

(FREIRE, 1996, p. 39) em comunhão com seus pares.

Imbuídos de tal postura, os profissionais de educação mantêm o cerne político da luta por uma

educação carregada de princípios que priorizam o conhecimento crítico da realidade social

onde se insere atualmente a escola. Esses princípios são bases para a conquista de condições

intelectuais de trabalho favoráveis ao desempenho de uma atividade integralmente constituída

de seus aspectos políticos e filosóficos, por meio de uma postura crítica e de reflexão teórico-

prática.

Na tentativa de construir ou privilegiar esse olhar teórico e crítico sobre a realidade do ofício

de professor, é que os programas de formação docente devem caminhar. Dessa forma,

também Zeichner (1992) nos apresenta três perspectivas que devem permear os processos de

formação permanente dos docentes. Assim temos:

a) a prática reflexiva deve centrar-se tanto no exercício profissional dos professores por eles mesmos, nas condições sociais em que esta ocorre; b) o reconhecimento pelos professores de que seus atos são fundamentalmente políticos e que, portanto, podem se direcionar a objetivos democráticos emancipatórios; c) a prática reflexiva, enquanto prática social, só pode se realizar em coletivos, o que leva à necessidade de transformar as escolas em comunidades de aprendizagem nas quais os professores se apóiem e se estimulem mutuamente (ZEICHNER, apud PIMENTA, 2002, p. 26).

13 Paulo Freire considera curiosidade epistemológica o exercício constante e contínuo de aprender criticamente, ou seja, o exercício crítico da capacidade de aprender. Pontua, ainda ,que uma de suas características essenciais é a necessidade de manter vivo o gosto da rebeldia, aguçando sua curiosidade e estimulando sua capacidade de arriscar-se, o que, de certa forma, imuniza o poder apassivador de uma aprendizagem baseada na transmissão de conhecimentos técnicos a respeito do fazer educativo. 14 O uso do termo superar aparece no texto na consideração de Paulo Freire sobre a distância entre a ingenuidade e a criticidade, entre o saber de experiência feito e o que resulta de procedimentos metodicamente rigorosos. Para o autor, não é a ruptura do conhecimento existente que leva o indivíduo a outra instância do conhecimento, mas, sim, a superação de um conhecimento existente por um mais elaborado.

69

Diante das considerações de Zeichner, Freire (1996) nos leva a uma outra instância da

produção do conhecimento. Ensinar, aprender e pesquisar são processos estreitamente ligados

ao ciclo de produção do conhecimento descrito no texto do autor. Ciclo este composto por

dois momentos: “[...] o em que se ensina e se aprende o conhecimento já existente e o em que

se trabalha a produção do conhecimento ainda não existente” (FREIRE, 1996, p. 28). Assim, a

docência, discência e a pesquisa, “[...] indicotomizáveis, são práticas requeridas” (p. 28) pelos

momentos de aprendizagem docente.

Nessa direção, muito tem se discutido, produzido e pesquisado a respeito da figura do

professor pesquisador. Na dianteira dessa produção, poderíamos destacar as obras de Carr e

Kemmis (1988) e Zeichner (1992, 2002, 2003) como exemplos de algumas produções que

tratam da temática sobre pesquisa docente. Freire entende que o que há de pesquisador no

professor não é uma qualidade ou um adjetivo. Está na “[...] natureza da prática docente a

indagação, a busca, a pesquisa” (FREIRE, 1996, p. 29). O que precisa ficar atrelado aos

conceitos a serem trabalhados nos processos de formação permanente do professor são os

princípios pelos quais ele se “[...] perceba e se assuma, porque professor, como pesquisador”

(p 29). Essa discussão é bastante cara ao pensamento freireano. Nesse sentido, o autor

declara que

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que - fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade (FREIRE, 1996, p. 29).

Essa abertura à construção do conhecimento novo não abre precedente para o

desconhecimento do que já foi produzido. O que estamos procurando discutir não é, de forma

nenhuma, que o saber crítico seja substituto do conhecimento técnico ou teórico. Até porque

um conhecimento não subsiste sem o outro. Um bom professor possui domínio técnico de seu

fazer imbuído de um viés crítico do que se faz. Assim, o que se busca é que a crítica docente

persiga aprendizagens de conteúdos programáticos, postos em pacotes fechados, que pouco

têm a ver com a realidade contextual da escola e de seus membros. Sendo assim, possuir o

domínio teórico ou técnico da profissão docente é essencial. Nas palavras de Freire (1996, p.

28), “[...] seja fundamental tanto conhecer o conhecimento existente quanto saber que estamos

abertos e aptos a construção do conhecimento ainda não existente”.

70

Diante de tais prerrogativas sobre o ensino e a pesquisa de professores, Zeichner (2003, p.

209), citando (Richardson, 1994; Nixon, 1981) nos mostra que “[...] apesar da chamada

revolução mundial em torno do professor como pesquisador, na qual se fala muito sobre

professores como produtores de conhecimentos, é ainda dominante , no meio dos professores,

uma visão de pesquisa como uma atividade conduzida por pesquisadores de fora da sala de

aula”. É importante levar até os docentes a responsabilidade de pensarem sua ação como

forma de garantir respeitabilidade e autonomia. É nesse sentido também que a prática da

pesquisa no ofício do professor é bastante significativa, ao passo que possibilita a construção

de conhecimentos novos a respeito de seu ofício.

Zeichner (2003) postula o fato de que professores pesquisadores não são “[...] participantes

representativos da situação” (apud, GERALDI et al. 2003, p. 254), mas são pesquisadores que

não se encontram em posição hierárquica inferior à dos pesquisadores externos. A perspectiva

de seu trabalho considera o professor pesquisador sujeito do processo de produção do

conhecimento. A prática da pesquisa de professores revela as condições sociais de seu

trabalho, o contexto socioeconômico-político e cultural no qual estão inseridas suas práticas

de ensino.

Dessa maneira, Freire esclarece, em grande parte da sua obra, que a aprendizagem não se faz

no isolamento do indivíduo. Ela se constitui na interação e na convivência dos indivíduos

sociais. Assim, a construção do saber compartilhado por professores e pesquisadores exige

desses últimos que “[...] sua presença vá se tornando convivência,” (FREIRE, 1996, p. 76). É

nesse sentido que o autor concebe o mundo não como determinado que seja, mas como ele

pode estar sendo. “É o saber da História como possibilidade e não como determinação. O

mundo não é. O mundo está sendo” (p. 76). Diante desta constatação, o profissional da

educação nega a possibilidade de passar pela História sem fazer parte dela. Assim,

[...] não sou apenas objeto da História, mas seu sujeito igualmente. No mundo da História, da cultura, da política, constato não para me adaptar, mas para mudar. No próprio mundo físico minha constatação não me leva à impotência [...]. Constatando nos tornamos capazes de intervir na realidade, tarefa incomparavelmente mais complexa e geradora de novos saberes do que simplesmente de nos adaptar a ela (FREIRE, 1996, p. 77).

A construção de novos saberes constitutivos da prática docente baseados em uma concepção

crítica do fazer do professor revela uma porção importante do conhecimento dos professores

71

que não lhes é clara nem explícita, por ser trabalhada cotidianamente sem que sejam

entendidos seus fins e intenções. Porém, à medida que o professor reflete sobre sua ação, sua

“[...] compreensão se amplia, ocorrendo análises, críticas, reestruturação e incorporação de

novos conhecimentos que nortearão o significado da ação docente e a escolha de ações

posteriores” (GERALDI, et al. 2003, p. 256). Sendo assim, a prática da pesquisa por

professores garante uma grande possibilidade de ressignificação das ações pedagógicas

existentes nas escolas. Acreditamos ser de grande contribuição ao contexto escolar a

constatação de que, “[...] quando estamos pensando/refletindo sobre nossas atividades de

ensino cotidiano, estamos também criando saberes. Estamos teoricizando. A reflexão, como

fruto de um trabalho árduo, pode levar à teorização”. Assim sendo, partimos do princípio de

que os profissionais da educação desenvolvem “[...] as suas teorias práticas à medida que

refletem ‘na’ e ‘sobre’ a ação, sobre seu ensino e as condições sociais que o produzem,

colocando em outro patamar a relação entre teoria e prática” (ZEICHNER, apud GERALDI,

et al. 2003, p. 256).

Diante de tais considerações sobre a importância da pesquisa docente na ressignificação de

suas práticas educacionais, faz-se necessário considerar a necessidade de se alcançar postura

autônoma, ética e política condizente com os fins que se busca alcançar com o ato educativo.

A respeito desses princípios, Freire (1996) trabalha sua importância nos processos de

formação permanente de professores, com o intuito de carregar a prática docente de um teor

político que lhe serve como prerrogativa. Nesse sentido, o autor considera decisivo o conceito

de ética do ser humano. Ética essa reveladora dos princípios humanos defendidos pela

conduta política de cada um. Esta se revela na opção social, filosófica e humana de luta em

favor de uma sociedade mais justa. Ética coerente com o fazer diário e em favor de quem se

faz. Ela é quem vai conduzir a ação docente em favor de um movimento maior de

transformação da realidade social que envolve os mais diversos sujeitos das origens mais

distintas.

A necessária superação da “[...] ingenuidade à criticidade não se concretiza distante de uma

rigorosa formação ética ao lado sempre da estética” (FREIRE, 1996, p. 32). Logo, a prática

educativa do professor deve ter, em sua essência, um manifesto de sua conduta ética no seu

fazer diário, ou seja, “[...] uma crítica permanente aos desvios fáceis com que somos tentados

[...] a deixar as dificuldades que os caminhos verdadeiros nos podem colocar” (p. 33), o que

72

torna mulheres e homens seres imbuídos de conduta ética é o fato de se constituírem seres

histórico-sociais capazes

[...] de comparar, de valorar, de intervir, de escolher, de decidir e de romper. Só somos porque estamos sendo. Estar sendo é condição entre nós para ser. Não é possível pensar os seres humanos longe, sequer, da ética, quanto mais fora dela. Estar longe, ou pior, fora da ética, entre nós, homens e mulheres, é uma transgressão. É por isso que transformar a experiência educativa em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador (FREIRE, 1996, p. 33).

Caracteriza ainda a ética tipicamente humana a opção, a escolha e a orientação de que mundo

construir e compartilhar. A ética que Paulo Freire nos traz é aquela que marcará a coerência

do fazer diário do professor. Isso porque suas opções estão emaranhadas no seu fazer diário,

na postura que assume em frente às posições do Governo, da política, diante da condição

social dos seus alunos, das possibilidades que eles possuem de construção de sua identidade

cultural e, principalmente, em frente às formas de aceitação ou descrédito dadas a essas

comunidades na escola, por meio da prática docente a-crítica. A ética freireana busca um

olhar sobre a situação e o contexto vivenciado. Olhar esse que não pode, sem dúvida alguma,

ser indiferente ao contexto vivido.

É a eticidade assumidamente humana que determina a postura coerente do educador da escola

pública. Postura esta condizente com a comunidade e as pessoas que dela fazem parte,

conhecendo e considerando a condição material delas, mas não se conformando nem

permitindo conformar com tal condição. Ampliando essas considerações, a ética da qual

tratamos é aquela que

Condena o cinismo do discurso capitalista, que condena a exploração da força de trabalho do ser humano, [...] que condena falsear a verdade, iludir o incauto, golpear o fraco e indefeso, soterrar o sonho e a utopia, prometer sabendo que não cumprirá a promessa, testemunhar mentirosamente. [...] a ética da qual falo é a que se sabe traída e negada nos comportamentos grosseiramente imorais como na perversão hipócrita da pureza em puritanismo. A ética de que falo é a que se sabe afrontada na manifestação discriminatória de raça, de gênero, de classe (FREIRE, 1996, p. 16).

Essa conduta não pode deixar de existir naqueles que vivenciam e realizam a educação

ministrada à população de um país como o Brasil. Um país que sofre com a má distribuição

de renda, com a despriorização dos Governos, com políticas sociais sérias de atendimento às

necessidades básicas da população. A prática docente deve existir cheia desse compromisso

político, pois é ele quem trará novo sentido e fecundidade à prática docente. Assim “[...] é por

esta ética inseparável da prática educativa, que devemos lutar. E a melhor maneira de por ela

73

lutar é vivê-la em nossa prática, é testemunhá-la, vivaz, aos educandos em nossas relações

com eles” (FREIRE, 1996, p.16).

Com base no princípio da ética freireana, retomemos uma reflexão anterior. A consciência do

inacabamento entre mulheres e homens compõe seres responsáveis, daí a eticidade dessa

presença no mundo. Eticidade que, não há dúvida, pode ser traída. “Por isso mesmo a

capacitação de mulheres e homens em torno de saberes instrumentais jamais pode prescindir

de sua formação ética” (FREIRE, 1996, p. 56). A radicalidade dessa exigência é tamanha que

não se deveria sequer insistir na preparação técnica e científica do docente, sem antes

debruçar-se sobre sua formação ética. É fundamental que se insista nela porque, inacabados,

mas conscientes do inacabamento, seres da opção, da decisão, éticos, podemos negar ou trair

a própria ética.

Diante de tais colocações, percebemos que os processos de formação permanente devem

priorizar uma educação crítica, politizada e consciente dos profissionais da educação. Não

basta ensinar a ser professor ou dominar técnicas de ensino A ou B. Necessário se faz discutir

com o professorado a função social de sua ação e de sua prática docente. É preciso trazer aos

docentes a motivação, educar seu desejo e relembrar o motivo de seu ensino. O motivo e o

desejo da ação docente estão intimamente ligados à representação que eles têm de seus

alunos, à concepção que os docentes trazem a respeito das pessoas que vão formar.

Considerando esses quesitos, a ação pedagógica, carregada de um sentido histórico, político e

social, será capaz de produzir outros significados às vidas de alunos que atualmente esbarram

na escola sem conseguir tirar dela perspectiva alguma.

74

3 REVISÃO DE LITERATURA

3.1 POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO ESPECIAL NA EDUCAÇÃO BÁSICA E O

PROCESSO DE INCLUSÃO EDUCACIONAL NO BRASIL

Inicialmente, na tentativa de compor um panorama do atendimento da Educação Especial no

Brasil, vamos tomar como fundamentação, para nossa análise, os trabalhos de pesquisa

(2003/2004) encomendados ao grupo de trabalho da Educação Especial na 26ª e 27ª Reunião

Nacional dos Pesquisadores em Educação (Anped). Esses trabalhos nos mostram um quadro

atual de ampliação das concepções legais e dos atendimentos da Educação Especial no ensino

regular em nosso país.

A pesquisa do ano de 2003 tinha como objetivo a tentativa de “[...] caracterizar os rumos

pretendidos, em diferentes regiões brasileiras, para a educação escolar dos alunos com

necessidades especiais” (BAPTISTA, 2003, p. 1).

Praticamente, em todas as regiões apontadas no estudo, a análise de documentos, de âmbitos

municipal ou estadual, tem como fundamentos básicos os princípios de universalização do

ensino, escola para todos, escola inclusiva, escola que atenda às diferenças das pessoas que

apresentam necessidades educacionais especiais e possibilite a sua formação humana e para a

cidadania, com a sua inclusão escolar e social. Há, também, nas políticas estipuladas pelo

Poder Público, uma preocupação com o atendimento dos alunos que apresentam necessidades

especiais em classes comuns, sem deixar de enfatizar serviços especializados, apresentando,

detalhadamente, os recursos humanos, financeiros, materiais e pedagógicos necessários ao

processo de inclusão desses alunos no ambiente escolar pelos Sistemas de Ensino

(OLIVEIRA, 2003, p.18).

Um ponto marcante nos traz uma discussão importante sobre o princípio da inclusão como

meta a ser alcançada. Em documentos da Região Nordeste do País, a Educação Especial é

expressa como promotora da inclusão, ou seja, como o veículo desse processo de inclusão

escolar.

[...] Consideramos um equívoco esta concepção, pois acreditamos que a inclusão deverá ser efetivada pela via da escola regular. Entretanto, dentre os documentos dos seis estados do Nordeste por nós analisados, os do Rio Grande do Norte já evidenciam a compreensão de que é necessária a transformação da escola regular,

75

no sentido de se tornar uma escola que atenda à diversidade de seus alunos (FIGUEIREDO, 2003, p. 36).

Seguindo o exemplo do Estado do Rio Grande do Norte, outros Estados já deixam claro, em

sua documentação legal, que se faz necessária a transformação da escola pública para

atendimento da diferença.

Neste trabalho, encontramos, na estruturação de alguns Sistemas de Ensino, estaduais e

municipais, definida em seus Planos de Ação e nas Políticas de Educação Especial, a

orientação de não implantação de escolas especiais ou salas especiais para atendimento das

pessoas com deficiência. A orientação dos documentos da maioria das Regiões é que o aluno

com necessidades educacionais especiais seja atendido na escola regular, devendo,

professores e alunos, contar com suporte técnico e pedagógico para atuação eficiente.

Vislumbramos, também, com a leitura da pesquisa, a preocupação no estabelecimento de

diretrizes de organização curricular que favoreçam a inclusão de alunos com necessidades

educacionais especiais nas classes comuns do ensino regular, incluindo diversificação de

conteúdos, de processos e metodologias de ensino, de organização das classes, de

acompanhamento e avaliação.

Um ponto a ser ressaltado é o estabelecimento de serviços de apoio à escola. Esses serviços

variam de sala de recursos, professor itinerante, oficinas pedagógicas e de formação e

capacitação profissional, instrução ou interpretação de LIBRAS, Braille, códigos aplicáveis,

orientação e mobilidade, atividades de vida diária, escola especial, entre outros mais

específicos de cada região. De maneira geral, o panorama encontrado, nas diferentes Regiões,

reflete o momento de transição pós-LDB nº 9.394/96 e Resolução nº 2.15 Tal momento pode

ser caracterizado como de “[...] adequação a essas diretrizes nacionais” (BUENO;

FERREIRA, 2003, p. 70).

Diante desse esboço, faz-se necessário caracterizar, de forma mais pontual, as políticas de

Educação Especial que norteiam essa modalidade de ensino no Estado do Espírito Santo.

Assim, tomamos Bueno e Ferreira (2003) que realizam a análise restrita dos documentos

15 Trata-se de duas legislações que servem de referência na discussão a respeito da Educação Especial atualmente: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, sob o nº 9.394, de dezembro de 1996, e a Resolução nº. 2, do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica, que dispõe sobre as diretrizes nacionais da Educação Especial na educação básica.

76

normativos mais atuais e abrangentes do Estado.16 Em princípio, seriam analisados o Parecer

e/ou Resolução do Conselho Estadual de Educação e a correspondente Resolução ou

Instrução da Secretaria Estadual de Educação, com o propósito de apontar aspectos

importantes dessa política que norteia a prática da Educação Especial no ensino público e

regular. Definidos os documentos que fizeram parte da análise dos autores, vamos à

categorização trazida por eles. Assim elegeram:

a) Conceituação de Educação Especial: a LDB nº 9.394/96 conceitua a Educação Especial

como modalidade de ensino. Outros Estados tomam o mesmo conceito para defini-la em seus

documentos oficiais, porém os documentos do Estado do Espírito Santo não fazem referência

à esse item.

b) Conceituação de alunado: nos documentos estaduais, não existe uma definição ampla do

alunado da Educação Especial. Isso significa que a política estadual ainda não toma como

base orientadora de seus documentos a Resolução nº 2 do CNE/CEB, que identifica como

educandos com necessidades educacionais aqueles que apresentam

[...] dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento vinculadas ou não a uma causa orgânica específica, [...] dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos que demandem a utilização de linguagens e códigos aplicáveis [ou ainda] altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes (BRASIL, 2001, p. 70).

Caracterizada por uma perspectiva mais especializada da Educação Especial, a política do

Estado do Espírito Santo define a população-alvo dessa modalidade de ensino. Essa clientela

é definida como:

Pessoas portadoras de deficiência física, mental, múltipla, visual e de sofrimento mental: I deficiência auditiva- perda parcial ou total da possibilidade sonoro –auditivas, de ordem neurosensorial ou mista, em grau severo ou profundo, com perda de 60% ou mais da capacidade de audição, nos dois ouvidos; II deficiência física - alteração total ou parcial de um ou mais segmentos e funções do corpo que acarrete comprometimento da capacidade motora e afete o desenvolvimento autônomo das atividades de vida diária; III – deficiência mental: funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos, e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptáveis, tais como: a) comunicação, b) cuidado pessoal, c) habilidades sociais, d) utilização da comunidade, e) saúde e segurança, f) habilidades acadêmicas, g) lazer, h) trabalho; IV – deficiência múltipla: associação de uma ou mais deficiências; V – deficiência visual: acuidade visual igual ou menor que 20/200 no melhor olho, após a melhor

16 Portaria nº. 074-R, de 06-12-2000, da Secretaria Estadual de Educação, Lei nº. 7.050, de 14-01-2002, do Governo Estadual, Resolução CEE nº. 58/95, Lei Estadual nº. 4.544/91, Lei Estadual nº. 6.122/95 e Lei Estadual nº. 5.198/96.

77

correção, ou campo visual inferior a 20% (tabela de Snellen), ou ocorrência simultânea de ambas as situações; VI – sofrimento mental: disfunção neurológica ou psíquica que impeça ou dificulte a convivência social e o desenvolvimento de atividades de vida diária (BUENO; FERREIRA, 2003, p. 56).

Assim, podemos constatar, em comparação com a definição de outros Estados, citados no

mesmo trabalho e com a Legislação Nacional que, nos documentos estaduais, ainda figura

uma perspectiva muito clínica e valorizadora de uma vertente organicista que, durante muito

tempo, conduziu as ações e os estudos na área de Educação Especial. Tal perspectiva vem aos

poucos sendo superada, mas, como vemos, ainda se encontra presente em muitas vertentes do

atendimento educacional da pessoa com necessidades educacionais especiais, contrariando a

Legislação Nacional vigente que prima por uma atuação mais propositiva de ações

pedagógicas que busquem conhecer aspectos da elaboração de conhecimentos e

representativas do sujeito com deficiência. Ou seja, ações que os levem a construir

conhecimentos a partir de suas limitações e que essas limitações sirvam como indicadores e

nunca como limitadores das capacidades de aprendizagem de nenhuma pessoa.

c) Níveis abrangidos pela Educação Especial: com relação a este item, os documentos

estaduais fazem referência restrita à atuação da Educação Especial na Educação Infantil e no

Ensino Fundamental.

d) Estrutura organizacional do atendimento: quanto à organização do atendimento da

Educação Especial, a política estadual prevê a obrigatoriedade e a gratuidade de oferta do

ensino especial apenas nas escolas do Sistema Público estadual de ensino. Estas podem optar

por se destinarem exclusivamente à educação especial ou não. Tal organização ainda prevê

atendimentos especializados, restritos a crianças com deficiência, em classes hospitalares.

e) Organização curricular e pedagógica: os documentos do Estado não fazem referência a

uma organização curricular e pedagógica do ensino especial.

f) Serviços, procedimentos e material de apoio: nesse sentido, a política do Estado faz

referência à sala de recursos e ao professor itinerante, ficando definido o atendimento nas

áreas de “[...] deficiência visual, deficiência auditiva e superdotação com número de alunos

por turma variando entre 5 a 10 alunos; deficiência mental e distúrbios de aprendizagem –

entre 10 e 20 alunos” (BUENO; FERREIRA, 2003, p. 64).

78

g) Professores, formação e requisitos para a docência: a referência estadual é de que as

escolas devem reciclar seu corpo docente e seus servidores para promover melhor

atendimento ao aluno com necessidades educacionais especiais. Estabelece que professores

efetivos podem atuar em caráter provisório nas salas de recurso e em itinerância. Na falta de

professores efetivos, admitem-se professores em designação temporária. Em ambas as

possibilidades, o professor deverá possuir curso de especialização com carga horária igual ou

superior a 120 horas.

h) Educação profissional: os documentos analisados pelos autores não fazem nenhuma

referência à questão do ensino profissionalizante para alunos com necessidades educacionais

especiais.

Das oito categorias de análise trazidas por Bueno e Ferreira (2003), três (organização

curricular/pedagógica, formação profissional e conceituação de Educação Especial) não são

contempladas nos documentos capixabas. As outras cinco (conceituação de alunado, níveis

abrangidos pela Educação Especial, estrutura organizacional do atendimento, serviços /

procedimentos / material de apoio, professores / formação e requisitos para docência) parecem

sustentar os ideais do movimento de integração vivenciado no Brasil nos anos 70 e 80. Muitos

aspectos da política pública estadual se encontram na contramão do movimento de inclusão

educacional contemplado nos documentos oficiais desde a LDB nº 9.394/96. Isso também se

justifica e se faz necessário considerar que os documentos analisados pelos autores “[...]

possuem datas anteriores a Resolução de Nº. 02, portanto apresentam aspectos que não

atendem as determinações originárias do Conselho Nacional de educação” (BUENO;

FERREIRA, 2003 p. 68).

Esse panorama nos mostra a necessidade de novas diretrizes de orientação à construção da

escola inclusiva no Estado do Espírito Santo. Acreditamos que tais delineamentos possam ser

construídos com os profissionais da escola regular, confrontando seus anseios, dificuldades e

dúvidas quanto ao desafio posto à escola neste momento histórico: o de incluir todas as

pessoas, inclusive aquelas com deficiência. Cremos que a maior contribuição da pesquisa,

neste momento, esteja em ouvir a escola regular e nela atuar na construção de uma

perspectiva inclusiva de Educação Especial. Nesse sentido, cremos que, ao pensar políticas de

inclusão educacional sem nos aproximar das demandas da escola e de seus profissionais,

79

corremos o risco de criar argumentos aparentes e pouco coerentes com o contexto que emerge

atualmente na escola de ensino regular.

Um outro ponto que nos chama a atenção nas orientações capixabas é o que faz referência à

formação de professores e requisitos para a docência. Os documentos do Estado revelam uma

perspectiva baseada nos modelos de racionalidade técnica – instrumental em que a formação

profissional é concebida na idéia de acúmulo de conhecimentos que, posteriormente,

deveriam ser aplicados na prática docente. Tal perspectiva miniminiza a prática do professor

à resolução de problemas instrumentais, resolução esta tida como científica pela aplicação de

teorias e técnicas absorvidas por meio dos processos de reciclagem, como traz o texto da lei.

A fragilidade de tal proposta tem se revelado historicamente no percurso da instituição escolar

até os dias atuais. Tais propostas traçam caminhos partindo do princípio de aprendizagem da

teoria. Dá-se início a um processo de simulação de situações cotidianas, preconcebidas,

previstas e mesmo com todo esse esforço, não há como negar que se trata de simulações

idealizadas na tentativa de encontrar respostas certas para situações sociais, culturais e

materiais concretas.

Fora dos cursos de formação que possuem essa perspectiva de aprendizagem docente, no

exercício de sua profissão, o professor “[...] defronta-se com múltiplas situações divergentes,

com as quais não aprende a lidar durante seu curso de formação profissional” (MIZUKAMI,

2002, p.14). A esse respeito, essa mesma autora toma a contribuição de Péres Gomés (1992,

p. 100) quando ele revela a escola como

[...] instituição social que não se resume a problemas a serem resolvidos e sim a situações problemáticas que envolvem esferas outras, por vezes, longínquas, do aparato escolar. Tais situações não se enquadram em categorias genéricas identificadas por técnicas e teorias existentes. Por isso o professor não deve encarar as situações peculiares a prática docente como problemas práticos para os quais sempre se tem uma resposta armazenada em seu próprio conhecimento (GÓMÈS, 1992, p. 100).

Assim, percebemos que o modelo de racionalidade técnico-instrumental é pouco propositivo

da discussão sobre a problemática vivenciada pela escola na atualidade. Isso porque, ainda

segundo Péres Gomés (1992, p. 100), “[...] qualquer situação de ensino é incerta, única,

variável, complexa e portadora de um conflito de valores na definição dos meios”. Também

porque “[...] não existe uma teoria única e objetiva que permita a identificação única de meios

e técnicas a se utilizar na prática, uma vez identificado o problema e esclarecidas as metas”.

80

Em contrapartida, o que os estudos e pesquisas têm apontado, atualmente, quando tratamos de

formação de professores, é que ela seja concebida como um processo permanente amparado

sobre outro paradigma, o da racionalidade prática, em que se tem a clareza de que o professor

constrói seu conhecimento profissional de forma “idiossincrática e processual” “[...]

absorvendo e ultrapassando os limites reprodutivos advindos da racionalidade técnica”

(MIZUKAMI, 2002, p.14).

Nesse sentido, percebemos que ainda falta um longo caminho para que possamos atingir

processos tão autônomos de construção de conhecimento docente. O primeiro passo, talvez,

deverá ser dado pela elaboração de políticas públicas que contemplem, em discussão direta

com os docentes, a previsão, elaboração, organização e o funcionamento de tais processos.

Outro trabalho no qual buscaremos embasamento para nossas análises é o estudo de 2004,

também encomendado ao grupo de trabalhos da Anped, em que o contexto da pesquisa é a

municipalidade e traz como objetivo a “[...] análise das políticas públicas de atendimento

escolar, direcionadas a pessoas com necessidades educacionais especiais, buscando descrever

e analisar sua implantação em municípios de diferentes regiões brasileiras” (PIETRO, 2004,

p. 3).

Sua justificativa está na necessidade de conhecer os possíveis desdobramentos da Legislação

Nacional nas Políticas de Educação Especial, elaboradas pelos Estados e municípios, ou seja,

conhecer como essas legislações estão contempladas nas formas de atendimento e na

prestação de serviços de apoio à educação das pessoas com deficiência.

Nesse contexto, buscaremos vislumbrar as propostas de educação inclusiva existentes nas

Políticas Públicas municipais, principalmente no que tange à formação de professores para

atuarem com alunos que apresentam necessidades educacionais especiais.

Assim, a pesquisa (PIETRO, 2004) nos mostra uma realidade ainda na tentativa encontrar

caminhos que levem a escola regular à construção de uma perspectiva de escola inclusiva.

Encontramos municípios em que as propostas de educação inclusiva são diferentes das

propostas do Estado. Isso fica claro na cidade de Belém do Pará – PA (OLIVEIRA, 2004),

onde o município orienta a matrícula do aluno com deficiência no ensino regular apresentando

a inclusão como paradigma de toda a rede de ensino, superando a inclusão como proposta

81

educativa exclusiva da Educação Especial, enquanto o Estado mantém a inclusão como

paradigma da Educação Especial. Ambas as redes garantem processos de formação

continuada, porém com características distintas. No Sistema Municipal, não há formação

específica somente para os educadores da Educação Especial. A formação é realizada com os

professores do ensino regular, enquanto no Sistema Estadual a formação continuada atende

primordialmente aos docentes que trabalham com pessoas que apresentam necessidades

especiais em classes comuns ou em serviços especializados (p. 34-35).

Apesar das diferenças significativas que acarretam reflexos na estrutura escolar, os dois

Sistemas de Ensino apresentam flexibilidade no processo de ensino-aprendizagem dos alunos

com necessidades especiais; garantem a matrícula para todos os educandos; apresentam

propostas de adaptações de grande porte e buscam a integração de ações com outras

áreas/serviços, como a saúde.

O estudo realizado na cidade representante da Região Nordeste do País, Natal (RN), mostra

que, embora a proposta municipal esteja “[...] envidando esforços no sentido de ampliar a sua

oferta de vagas nos diversos níveis e modalidades de ensino” (MARTINS; SILVA;

VARGAS, 2004, p. 57-59), o Plano Municipal de Ensino e as Diretrizes e metas relacionadas

com necessidades especiais ainda são apresentadas de maneira separada associada apenas à

Educação Especial, sem estarem inseridas nos diversos níveis de ensino, em coerência com

sua proposta inclusiva.

No que diz respeito à formação dos profissionais da educação e à valorização do magistério,

ressaltamos a existência de diretrizes e metas gerais que objetivam a garantia do

aperfeiçoamento profissional, por meio de cursos voltados para a compreensão de novas

concepções sobre o desenvolvimento humano, ensino-aprendizagem e avaliação, com vistas

ao atendimento de todos os educandos, assim como algumas diretrizes que buscam garantir,

especificamente, um programa de formação permanente e continuada de professores do

ensino regular para atuar com educandos que apresentam necessidades especiais.

Os documentos analisados apontam certa flexibilização dos processos de ensino e

aprendizagem de modo a atender, desenvolver e valorizar as diferenças. Em linhas gerais, a

educação desses educandos processa-se em classes regulares, porém esse atendimento ainda

82

está longe de atender às reais necessidades dos munícipes, atingindo apenas 35,7% das

unidades escolares.

Segundo Oliveira Corrêa e Kassar (2004, p 76-79), na cidade de Campo Grande-MS,

prevaleceram, historicamente, durante muito tempo, como em todo o Brasil, os atendimentos

em escolas e classes especiais. Apenas na década de 1990 muda a configuração dos

atendimentos. Nas escolas da Rede Estadual, há o processo de fechamento de várias classes

especiais e o surgimento das primeiras salas de recursos. Somente a partir de 1995 é que se

inicia a implantação de salas de recursos nas escolas da Rede Municipal.

As autoras ressaltam que a maioria das salas de recursos são destinadas ao atendimento de

crianças com deficiência mental. No entanto, pesquisa em andamento (OLIVEIRA, 2003)

esclarece que grande parte do atendimento é oferecido a alunos com "problemas de

aprendizagem" e não a alunos com diagnóstico de deficiência mental. Essa colocação reflete

um movimento que vem se naturalizando no Ensino Regular – o encaminhamento ao serviço

da Educação Especial de alunos que não aprendem. Acabamos, com esse procedimento, por

produzir deficiências para justificar o não sucesso dos processos de aprendizagem

desencadeados na escola regular.

Segundo Pietro (2004), os documentos consultados, referentes às propostas políticas da

cidade de Diadema (SP), mostram que a consolidação do trabalho desenvolvido nas escolas,

na perspectiva da inclusão, se deve à implementação dos serviços de apoio à Educação

Especial como: ensino itinerante, salas de recursos, salas de apoio pedagógico, centros de

atenção a inclusão social, constante ampliação do número de profissionais e do

acompanhamento sistemático e contínuo dos serviços especializados em Educação Especial.

Tais documentos ainda revelam crescente investimento na formação dos profissionais da

educação, na melhoria das suas condições de trabalho e na valorização de sua carreira, entre

outros. Há a preocupação em garantir aos professores conhecimentos sobre o campo da

Educação Especial pelo investimento em um programa de formação permanente na rede, bem

como de horários de formação em serviço, adaptados às suas jornadas de trabalho.

83

Um ponto importante da análise dessa autora é a interface da proposta de educação inclusiva

com outras Secretarias Municipais (Saúde, Assistência Social, Transporte, Esporte, Lazer,

Cultura etc.), no intuito de garantir serviços mais específicos ao atendimento das deficiências.

A diretriz que organiza o Projeto Político-Pedagógico do Sistema Municipal de Ensino na

cidade de Porto Alegre (RS) prevê a organização curricular por ciclos de formação. O

contexto educacional mostra que as políticas de inclusão e a progressão continuada têm

permitido que as crianças com necessidades educacionais especiais permaneçam nas escolas

regulares ou especiais sem passar pelo estigma das repetências contínuas.

De acordo com Baptista e Dornelles (2004), os processos de capacitação continuada

envolvem tanto os professores como os gestores educacionais, trazendo, nessa concepção, a

proposta de inclusão como responsabilidade de toda a escola, apontando formas de sua

organização física e pedagógica para melhor atendimento das pessoas com deficiência. Os

processos de formação continuada são previstos anteriormente, desde o início do ano letivo,

quando são destinados, no calendário escolar, períodos e/ou horários especialmente

organizados para planejamento e a formação contínua dos profissionais para que se atualizem

diante das mudanças curriculares propostas pela escola, como espaços de formação e

qualificação. A organização desse movimento de formação continuada ocorre por meio de

reuniões semanais por ciclo, reuniões por ano de ciclo e por áreas de estudo e/ou atuação

(nutrição, serviços gerais, setores) e, mensalmente, reuniões com o grupo geral de professores.

Uma contribuição que o estudo traz aos outros Sistemas de Ensino é a constatação de que

“[...] espaços específicos de formação compostos por pequenos grupos tornam possível uma

maior integração entre os problemas do cotidiano e a discussão teórica” (SOUZA, 2002, apud

BAPTISTA; DORNELLES, 2004). A contribuição de outro autor, Santos Jr. (2002),

apresenta uma análise das propostas de formação continuada em âmbito municipal,

considerando

[...] educação especial e a inclusão como temáticas prioritárias. Essa análise traz a perspectiva de propostas de formação que visam à capacitação dos docentes do ensino comum para o atendimento de alunos com necessidades educacionais especiais, as quais se traduzem em temáticas como: Estratégias de aprendizagem para a integração escolar, Diferenças na escola e possibilidades educativas, Integração escolar de alunos cegos, o aluno com altas habilidades e a integração escolar, Portadores de deficiência e os movimentos sociais, Língua Brasileira de Sinais, Educação de surdos e Condutas típicas (SANTOS JUNIOR, 2002, apud BAPTISTA; DORNELLES, 2004, p.123).

84

Os serviços de apoio para o atendimento dos alunos, em geral, são caracterizados e

organizados de forma a garantir a implementação das Salas de Integração e Recursos (SIRs) e

o desenvolvimento dos laboratórios de aprendizagem: espaços pedagógicos da escola que

investigam o processo de superação das dificuldades de aprendizagem de todos/as os/as

alunos/as e com ele contribuem. Existe a previsão de cooperação entre o professor da classe

de ensino comum e aquele que atende o aluno em espaço alternativo (laboratório ou SIR). A

necessidade de integração das atividades desenvolvidas no laboratório de aprendizagem com

o trabalho das turmas regulares é reconhecida por boa parte dos professores, mas nem sempre

essa integração é alcançada. Acredita-se que o espaço dos laboratórios pedagógicos sirva,

inicialmente, à tarefa de “[...] repensar os espaços e os tempos da escola. As outras

alternativas têm de ser pensadas com os professores, dentro de uma concepção educativa

dialógica e construtora de conhecimento significativo” (DORNELLES, 2004, p. 216).

3.2 FORMAÇÃO CONTINUADA: CONCEITOS, POLÍTICAS E EXPERIÊNCIAS

A partir do panorama trazido pelos trabalhos da Anped dos anos de 2003 e 2004, a respeito

dos princípios de atuação governamental na área da Educação Especial discutidos até aqui,

propomos, a partir deste momento, que o foco de nossas análises esteja voltado à ação

governamental na específica normatização dos processos de formação continuada de

professores e a pesquisa na área da formação docente. Buscamos, assim, compor um corpo

teórico, uma leitura crítica a respeito do campo de estudos da formação de professores

abarcando conceitos, considerações, experiências e a política pública para a área.

São muitas as concepções a respeito da formação de professores no Brasil: reciclagem,

treinamento, aperfeiçoamento, capacitação, educação continuada, educação permanente e

tantos outras formam uma retórica evolutiva dos conceitos e concepções que orientam ou

orientaram em algum momento a formação de professores no Brasil e no mundo.

Marin (1995) aborda reflexões acerca dos termos utilizados no Brasil referentes à temática

formação continuada de profissionais da educação. A autora conceitua os termos presentes em

documentos oficiais da década de 90 até os dias atuais tratando Pretendemos nos ater a três

específicos dos quais traremos a seguir: educação permanente, formação continuada e

educação continuada.

85

Essas concepções possuem bastante semelhança, uma vez que ambas as nomenclaturas

partem de um eixo comum de constituição dos processos de formação de professores.

Caracterizam-se pelas vertentes de construção do conhecimento, pesquisa e interação.

Mesmo diante dessas muitas similaridades, existem nuanças (MARIN, 1995) abordadas pela

autora que apontam a complementaridade desses termos.

A autora, então, propõe-se a pensar cada um desses termos e inicia sua discussão tratando de

educação permanente, conceituando-a como processo educacional “[...] prolongado pela vida

toda, em contínuo desenvolvimento” (p. 18). Nesse sentido, Marin destaca a idéia que

caracteriza formação permanente como “[...] a articulação de processos diagnosticadores das

necessidades, com postura crítica sobre soluções inadequadas e possibilidades de

problematização das necessidades, sempre em busca da auto-avaliação, da auto-formação e da

auto-gestão” (p. 18).

Diante dessa configuração, torna-se necessário o delineamento de novas funções e papéis para

os que cuidam do processo caracterizando, assim, a superação das relações de dependência e

paternalismo, criando relações embasadas sob o princípio de reciprocidade e também

eliminando a diferença entre aquele que sabe e aquele que não sabe.

A formação continuada tem se configurado como um termo bastante utilizado no Brasil para

definir uma “[...] atividade conscientemente proposta, direcionada para a mudança” (MARIN,

2005, p.18). No Brasil, como principal representante e exercendo grande influência no

pensamento educacional na área da formação continuada, temos a produção de Antonio

Nóvoa (1992).

Uma perspectiva complementar à concepção de formação continuada seria a concepção de

educação continuada. Os aspectos presentes nessa concepção compõem

[...] uma visão mais completa, cada vez mais aceita e valorizada, sobretudo com a proposição e a implementação desses processos no lócus do próprio trabalho cotidiano, de maneira contínua, sem lapsos, sem interrupções, uma verdadeira prática social de educação mobilizadora de todas as possibilidades e de todos os saberes profissionais (MARIN, 1995, p. 18).

Finalmente, a autora ressalta que a retomada dos termos historicamente utilizados no Brasil,

para se referir a formação de professores, permite o apontamento de alguns pontos

86

importantes. O primeiro trata da constatação de que os processos de formação dos

profissionais da educação podem utilizar essa multiplicidade de significados na tentativa de

enriquecê-los, desde que sejam respeitadas suas circunstâncias e necessidades.

Consciente da necessidade de mais estudos e pesquisas na área da formação continuada, a

autora aponta a terminologia educação continuada como

[...] abordagem mais ampla, rica e potencial, na medida em que pode incorporar noções anteriores de treinamento, capacitação, aperfeiçoamento, dependendo da perspectiva, do objetivo específico, ou dos aspectos a serem focalizados no processo educativo permitindo que tenhamos visão menos fragmentária, mais inclusiva, menos maniqueísta ou polarizadora (MARIN, 1995, p. 19).

A autora ressalta, ainda, que o termo educação continuada resgata o conceito de que a

educação consiste em “[...] auxiliar profissionais a participar ativamente do mundo que os

cerca, incorporando tais vivências no conjunto de saberes da sua profissão” (MARIN, 1995, p.

19) destituindo, assim, uma perspectiva dicotômica entre vida e trabalho, lazer e trabalho e,

principalmente, saber e fazer.

Aponta também que tão importante quanto repensar formas e processos de formação dos

profissionais da educação, é pensar as questões emergidas nessa temática. Assim como nos

atemos a discutir o currículo, suas concepções e sua forma de trabalho na escola, devemos

voltar nossas intenções a discutir tais questões também na educação continuada por se

tratarem de questões “[...] perenes a educação qualquer que seja seu âmbito” (MARIN, 1995,

p. 19).

Ainda tratando dos processos de formação continuada de profissionais da educação, a

produção do Grupo de Trabalho de formação continuada existente nas edições do Congresso

Estadual Paulista sobre formação de educadores entende a formação continuada como “[...]

um processo dinâmico envolvendo cooperação pedagógica entre professores em cursos

seqüenciais com produção voltada para a sala de aula e com assessoria permanente tanto da

universidade como das instâncias da Secretaria de educação” (BARBIERI et al., 1995, p. 29).

Os autores afirmam, no contexto dessa definição, que a “[...] cooperação pedagógica entre

professores, embora pretendida, seria quase impossível dada à situação de isolamento do

professor sem consciência clara da força do trabalho coletivo [...] e pelos limites de sua

formação inicial” (BARBIERI et al., 1995, p. 29), sendo necessária, assim, a colaboração

87

entre escola, secretarias, e universidade. Esse eixo colaborativo se configura pela insistência

na meta “[...] ciente e consciente de que a universidade e a escola pública estão em condições

de [...] subsidiar decisões políticas, ainda que a política educacional brasileira nem sempre

tenha se pautado por critérios acadêmicos” (BARBIERI et al., 1995, p. 30).

Essa insistência permanece na tentativa de questionar e modificar “[...] a ênfase dada às ações

de capacitação objetivando preservar os princípios de racionalização, neutralidade, eficiência

e eficácia reforçando a dicotomia entre aqueles que concebem o trabalho pedagógico e

aqueles que o executam” (BARBIERI et al., 1995, p. 30).

A análise do grupo de trabalho a respeito da política pública de formação no Estado de São

Paulo destaca as reflexões acerca da política promovida pela Secretaria de Educação para a

formação de professores: “[...] é que tem havido continuamente ações voltadas para a

formação de professores, mas sem um projeto que forneça diretrizes de ação e avaliação que

garantam uma permanência dos resultados”. A ausência de uma avaliação acarreta prejuízo e

incompletude à própria “[...] conceituação de formação, [uma vez que] as práticas produzem

conceitos, é com base na avaliação da própria prática que se clarifica a conceituação”

(BARBIERI et al., 1995, p. 32).

Diante dessas questões, os autores ainda destacam a necessidade de os processos de formação

continuada de professores contemplarem três razões para sua efetivação de forma mais

qualitativa.

Inicialmente, que a formação continuada promova a discussão a respeito da reflexão e da

técnica ao conceber que “[...] o fazer pedagógico é do domínio da práxis e, portanto, histórico

e inacabado” (BARBIERI et al., 1995, p. 32) não sendo caracterizado por sua aplicabilidade

em situações que não são predeterminadas.

A construção de uma práxis pedagógica ou de um fazer pedagógico emancipador demanda

uma interação entre educador e educando capaz de proporcionar a construção de uma

autonomia própria, encarregando os sujeitos para que, de forma autônoma, se mostrem como

agentes de seu desenvolvimento e de sua própria autonomia intelectual.

O fazer pedagógico existe em constante relação com o saber, daí sua inaplicabilidade

puramente técnica. Dito de outra forma, “[...] o saber pedagógico está fundado em um saber

88

que é sempre provisório, sempre incompleto porque é do domínio do homem e da história, e

depende da investigação e do estudo contínuo” (BARBIERI et al., 1995, p. 33).

Outra questão que se coloca à formação continuada é a que os autores vêm chamando de

formação pretendida e a formação consentida. Por formação pretendida, entende-se aquela

promovida pela universidade nos cursos de graduação ou pela opção profissional fornecida

em uma escola. A formação consentida “[...] aparece modelada por uma instituição [e

encontra seus] limites na política educacional vigente” (BARBIERI et al., 1995, p. 34). Dessa

forma, “[...] a formação do professor é moldada na escola na medida em que prevalecem

diretrizes ditadas pelo esquema cartesiano [...] sem que os professores participem do processo

decisório ou pelo menos o conheçam” (p. 34). Esses são, sem dúvida, elementos que

contribuem com a formação do professor. Na medida em que o docente percebe a relação

entre sua formação e sua prática, tem início um processo caracterizado por rupturas e

questionamentos que o torna protagonista tanto de seus próprios processos de aprendizagem

quanto do processo de seus alunos, recorrendo ao não previsto e ao extraclasse, “[...] como

elemento indispensável para a construção da sua autonomia e a de seus alunos” (BARBIERI

et al., 1995, p. 34).

Finalmente, os processos de formação continuada devem considerar que a evolução do

conhecimento profissional se constitui na prática diária. Essa necessidade emana da tensão

que a escola vive entre transmitir conhecimento e produzi-lo. Graças ao domínio alienado da

técnica, a escola continua a ensinar um conteúdo já cristalizado e confirmado pelas teorias em

um grande acervo de conhecimento já produzido.

A grande necessidade é enxergar-se como organismo vivo e latente capaz de produzir

conhecimento novo e dinâmico, capaz de organizar-se de maneira própria e única para assim

atender às demandas que lhe são também únicas. O fazer pedagógico do professor,

concretizado sob as bases do conhecimento, da autonomia, da emancipação e da coletividade,

é capaz de produzir novos e mais efetivos saberes a respeito da escola e de seus agentes.

As razões para a efetivação dos processos de formação continuada refletem

[...] uma problematização da temática formação continuada em uma perspectiva teórico-prática; uma análise das questões que envolvem a formação continuada atualmente; um levantamento de propostas que possam subsidiar políticas de

89

capacitação, projetos, programas e ações, nacionais, estaduais, municipais e no âmbito das escolas (FUSARI; RIOS, 1995, p. 38).

No sentido de alcançar esses objetivos, Fusari e Rios (1995) apontam alguns pressupostos

para a efetivação de uma política de formação docente:

• É preciso assumir que o educador brasileiro é um cidadão concreto, portanto uma síntese de múltiplas determinações, que trabalha para garantir seu sustento (e o de uma família, por vezes) e deve trabalhar também para a transformação da sociedade. Assim, sempre se deverá considerar o conjunto de fatores condicionantes – estruturais e condicionais – que agem sobre sua prática, delimitando seu espaço real de possibilidades; • É preciso considerar as deficiências do sistema formal de ensino pelo qual o educador passou, sem, contudo, pretender que a educação em serviço, por si só, recupere todas as lacunas e deficiências; • É preciso encaminhar a educação do educador em serviço como um processo, no qual diferentes fases e meios estarão articulados, garantindo assim a continuidade do trabalho. Sempre se deverá considerar a relação entre o trabalho no intra-escolar e a consciência em relação a realidade social mais ampla; • A identificação de necessidades de educação em serviço deverá ser encaminhada com a participação efetiva dos educadores, discutindo os problemas que enfrentam no cotidiano de seu trabalho; • O processo de identificação de necessidades de educação em serviço deverá ser um momento de capacitação, em si, superando o simples levantamento (oral e escrito) de problemas que os educadores enfrentam na prática. • Os problemas da prática dos educadores deverão ser considerados como ponto de partida e ponto de chegada do processo, garantindo-se uma reflexão com o auxílio de fundamentação teórica que amplie a consciência do educador em relação aos problemas e que aponte caminhos para uma atuação competente (FUSARI; RIOS, 1995, p. 38-39).

Diante dos pressupostos de uma política de formação, os autores destacam as dimensões da

formação do educador. Dessa forma, estabelecem, como pontos de discussão, uma dimensão

técnica, uma dimensão política e, finalmente, uma dimensão ética.

As dimensões técnicas e políticas, apesar de serem distintas, mostram-se extremamente

articuladas na prática dos educadores. Articulação esta que não se faz presente no momento

de pensar a formação do educador gerando, assim, uma dicotomia entre os saberes que, na

verdade são articulados. Por um lado, encontramos, na formação dos professores, uma

vertente de conhecimento técnico carregado pelos seus princípios de neutralidade no campo

educacional; por outro, uma dimensão política trazendo, em seu cerne, a idéia de militância

como indispensável ao trabalho educativo (FUSARI; RIOS,1995, p. 39).

A superação dessa vertente dicotômica pode se concretizar ao “[...] tomarmos consciência de

que há uma dimensão ética articulada a dimensão política e a dimensão técnica” (FUSARI;

RIOS,1995, p. 39).

90

Uma perspectiva de formação ética é baseada na “[...] reflexão, pelo questionamento crítico

sobre o sentido dos valores que orientam as ações” docentes (FUSARI; RIOS,1995, p. 39). A

ética, nesse sentido, é carregada por uma perspectiva de reflexão sobre a ação.

Dessa forma, temos, nas duas instâncias de formação discutidas por Fusari e Rios (1995), uma

dimensão técnica que corresponde “[...] ao conjunto organizado e sistematizado dos

conhecimentos e aos meios e estratégias para socializá-lo” (p. 40). Uma perspectiva política

trata “[...] do compromisso assumido pelo educador, compromisso que indica a escolha, a

definição do direcionamento da prática” (p. 40). Quando se propõe ressaltar a articulação de

uma dimensão ética do saber docente com as demais “[...] não acrescentamos mais um

elemento aos já existentes, [...] mas apontamos um elemento que existe como mediação entre

as duas dimensões” (p. 40) que são inseparáveis.

A ética é mediação, na medida em que sua presença, imbricada na dimensão técnica, permite-nos verificar que aí não existe neutralidade, e na dimensão política, indica que os compromissos devem ser explicitados, implicando a consciência da intencionalidade (não espontaneidade) e das conseqüências (que apontam a responsabilidade) das ações educativas (FUSARI; RIOS,1995, p. 40).

O panorama trazido por Fusari e Rios (1995), tratando das dimensões do conhecimento

docente, alerta para a responsabilidade da Secretaria Estadual de Educação quanto à

promoção de uma política que garantisse investimentos maciços e regulares “[...] na formação

e na atualização cultural e pedagógica dos profissionais do sistema público, para reverter a

situação do ensino no estado de São Paulo” (ALVES, 1995, p. 57).

O desafio (ALVES, 1995) posto ao órgão responsável por delinear essa política de formação

estava em: explicitar e analisar as possibilidades e os limites de uma tarefa dessa natureza,

ante os determinantes históricos, culturais, socioeconômicos, políticos, estruturais e

conjunturais da sociedade brasileira; realizar vasta pesquisa nos diagnósticos e estudos já

desenvolvidos pelas academias, institutos de pesquisa e pela própria Secretaria de Educação;

incorporar a essa proposta a produção teórica de inúmeros estudiosos da educação; envolver o

maior número possível de educadores da rede pública e das universidades, comprometidos

com a formação continuada de professores; e indicar a necessidade de criação de centros de

aperfeiçoamento de recursos humanos em todo o Estado de São Paulo.

91

O primeiro passo rumo à concretização dos objetivos discutidos por Alves (1995) está na

avaliação da política de formação sobre a qual os professores foram consultados. Foram

ouvidos 414 professores da Capital e do interior sobre “[...] como deve ser o ensino público

para que seja de boa qualidade” (p. 59). Diante dessa questão, os professores apontaram

medidas que deveriam ser tomadas para melhorar o ensino na rede estadual. Assim, os pontos

levantados pelos docentes diziam que era necessário “[...] melhorar a política salarial dos

professores e promover cursos de aperfeiçoamento” (p. 59). O dado da pesquisa revela que o

professor tem consciência da necessidade de aperfeiçoamento contínuo. A dificuldade da

política do Governo está em identificar e atender a esses docentes em suas necessidades de

formação.

Diante da contribuição docente, a primeira dificuldade relacionada por Alves (1995, p. 59)

está na “[...] forma como chegam a Secretaria as demandas de capacitação”. Quando as

escolas são consultadas, manifestam suas necessidades encaminham demandas de “[...] cursos

sobre conteúdos de disciplinas do currículo, metodologias, procedimentos administrativos,

avaliação do aluno, [...] indisciplina, dificuldades de aprendizagem, sexualidade, drogas,

preservação do meio ambiente, e outros” (p. 60). O emaranhado de questões se mostra como

uma “[...] colcha de retalhos, de padrões coloridos e variados [que costura] aleatoriamente

aspectos significativos da complexa questão educacional” (p. 60), ou seja, a manifestação da

escola, quanto às suas demandas formativas, revela a complexidade do contexto, das

vivências e das expectativas da/na escola atualmente.

A autora reconhece que a situação descrita é “[...] conseqüência da maneira como se dá a

consulta”. Dessa forma, ainda ressalta que “[...] consultas mal encaminhadas geram

expectativas que em grande parte ficam sem respostas, oferecendo motivos para reforçar a

falta de credibilidade que existe em relação a quase tudo que é proposto pela administração

central” (p. 60). Diante disso, torna-se necessária uma sistematização maior na consulta aos

professores, já prevendo que “[...] organizar um programa de capacitação tendo como

referência inicial as demandas listadas pelas escolas transforma-se em um exercício

surrealista” (p. 60).

Diante das dificuldades encontradas para a organização de uma proposta de atendimento às

demandas formativas dos docentes, o que se deve ter claro é o objetivo da ação política que,

no caso do Estado de São Paulo, era

92

[...] contribuir para que o professor, o diretor, o coordenador, partindo dos principais problemas que emergem de uma análise crítica de sua prática, encontrem forma de superá-los, a luz de teorias científicas que podem oferecer respaldo para isso. Na verdade o processo de capacitação inicia-se na própria identificação desses problemas (ALVES, 1995, p. 60).

Ainda sobre a consulta feita aos docentes, eles relataram que o lugar de formação deve ser a

escola. Existe uma expectativa muito grande, entre os educadores, de que a formação “[...]

deve-se dar na escola, em serviço, como um processo, envolvendo uma interação entre os

profissionais que nela atuam” (ALVES, 1995, 61). Apesar disso, os educadores também

reconhecem que a escola “[...] sozinha não consegue elaborar as atividades formadoras para a

superação de seus problemas” (p. 61) então recorre ao auxílio da Secretaria de Educação ou

aos profissionais do ensino superior. A pesquisa aponta que existe o reconhecimento, por

parte dos educadores, de que “[...] não basta criar condições de organização do trabalho na

escola para que a melhoria da qualidade e ensino aconteça” (p. 61). Os horários de

planejamento, as reuniões coletivas “são condições necessárias, mas não suficientes para a

reorganização da escola” (p. 61). Nesse sentido, a colaboração entre a escola e os

profissionais da Secretaria ou das universidades auxilia a instituição na construção de sua

autonomia didático-pedagógica. Lembrando que o processo de construção de uma postura

autônoma da escola se reflete e fortalece na construção da

[...] autonomia intelectual do professor, tornando-o capaz de compreender e assumir a relação didática em sua inteireza, em sua integridade; tornando-o um mediador seguro do processo de construção do conhecimento, que interfere para descortinar o novo, inquietar, colocar desafios, ensinar a perguntar, orientar a busca de respostas e soluções; [...] tornando-o um pesquisador arguto, que organiza suas experiências docentes bem-sucedidas, para contribuir com a construção coletiva de novos paradigmas para a educação; tornando-o, em síntese, como diz Paulo Freire, um professor epistemologicamente curioso (ALVES, 1995, p. 61).

Na tentativa de consolidar esse perfil profissional, a proposta governamental lança mão da

constituição de grupos de estudos que “[...] discutem as práticas da sala de aula, procurando

relacioná-las as teorias que as inspiram, buscando maior aprofundamento teórico” (p. 61).

Esses grupos têm, como perspectiva central, a tematização da prática, que tem “[...] se

mostrado uma metodologia fértil em desencadear experiências pedagógicas ricas, criativas,

agradáveis e produtivas para alunos e professores"(p. 62).

Essa proposta foi implantada no Estado de São Paulo, no ano de 1992. O processo de

acompanhamento e avaliação da política pública, já produziu resultados significativos “[...]

dispondo de informações para subsidiar decisões, oferecer indicadores para gerenciamento do

93

programa e principalmente criando metodologia de acompanhamento e avaliação, em um país

onde praticamente inexiste a cultura avaliativa” (ALVES, 1995, p. 64).

Ainda contribuindo na reflexão em torno da temática formação continuada, o texto de Aline

Reale, Ana Luiza Perdigão, Márcia Bueno e Roseli Mello (1995) apresenta um relato de

experiência que desenvolve a idéia de “[...] ter-se a unidade escolar como sede e núcleo do

trabalho de formação continuada, destinado a profissionais de uma mesma instituição”(p. 65).

A experiência trazida pelas autoras parte da crítica à organização de cursos com duração de 30

horas, disseminados no Estado de São Paulo. Elas se baseiam no princípio de que

a) essa modalidade de formação pode ter diferentes períodos de duração, mas sempre

se organiza em torno de um tema específico e se destina a professores de

diferentes instituições, o que impede a discussão coletiva e aberta dos problemas

vivenciados no contexto de cada escola;

b) o caráter aberto do curso, baseado em inscrições voluntárias, é positivo, ao passo

que permite ao professor a confecção de um currículo de interesse pessoal de

atendimento às suas demandas mais específicas. Por outro lado, o incentivo ao

aperfeiçoamento pela certificação e progressão na carreira, pode se configurar

como uma finalidade empobrecida, na medida em que o interesse docente reside

na sua recompensa e não nas aprendizagens que obtém;

c) finalmente, é preciso responsabilizar os participantes pela “[...] transposição

didática - do que foi supostamente aprendido - para o seu trabalho cotidiano em

sala de aula, sem o apoio dos agentes responsáveis pelo curso” (BUENO et al.,

1995, p. 66).

Apesar do avanço da recomendação política, sua implantação ainda priorizava “[...] metas

quantitativas, na perspectiva de atingir um maior número de professores e escolas” (BUENO

et al., 1995, p. 67) acreditando que os sujeitos se responsabilizariam por assumir o papel “[...]

de agentes inovadores e multiplicadores” (p. 67) quando retornassem às suas instituições de

origem.

Partindo da análise dessas problemáticas, é que as autoras apontam, como outra possibilidade,

a “[...] formação continuada centrada no grupo institucional” (p. 68). O aspecto que

caracteriza essa formação “[...] é o processo de formação com um conjunto de professores de

94

uma mesma escola, no seu próprio lugar de trabalho” (p. 68). Os fundamentos dessa

perspectiva de formação estão embasados nas premissas de que o núcleo do processo se

encontra na articulação entre a teoria e a prática diária docente. Diante disso, torna-se

necessário que a formação dos profissionais esteja atrelada ao projeto da escola e a suas

diretrizes políticas, didáticas e pedagógicas (BUENO et al., 1995).

Buscando essa perspectiva, as autoras relatam a experiência desenvolvida no ano de 1992, em

uma escola na cidade de São Carlos, interior de São Paulo. Essa experiência se desencadeou

por meio da proposta de atividades da disciplina de estágio curricular para os alunos dos

cursos de licenciatura da Universidade Federal de São Carlos e da assessoria pedagógica aos

professores das séries iniciais.

No final de 1993, a indicação dos professores foi que o grupo da universidade continuasse na

escola e que mobilizasse o contexto escolar para o estudo da temática, envolvendo o fracasso

escolar. A solicitação da escola foi a de que esse estudo fosse realizado com os 50

profissionais pertencentes ao quadro de docentes nos três períodos de funcionamento da

instituição.

Dessa forma, o trabalho foi inserido no plano escolar e desenvolvido semanalmente durante a

hora de trabalho pedagógico. Com freqüência obrigatória, o horário de trabalho pedagógico

foi fixado em horário comum a todos os docentes.

A organização da formação se deu em formato de curso de 60 horas, distribuídas ao longo do

ano letivo, ministrado pelos docentes da universidade, com a participação de duas alunas de

mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação.

O curso “Fracasso escolar: em busca da superação”, no primeiro momento (março -

abril/1994), buscou trabalhar dados estatísticos sobre o sistema educacional brasileiro,

tentando “[...] oferecer aos professores uma visão da configuração geral do fenômeno

estudado” (p. 69), confrontando essa visão geral com os dados de outros países e até da

própria escola. A intenção desse momento foi “[...] identificar as configurações explicativas

(causas) do fracasso escolar, do ponto de vista desses professores” buscando o confronto entre

as causas por eles listadas e suas experiências pessoais (BUENO et al., 1995, p. 69).

95

A análise dos dados apresentou certa “[...] flutuação na interpretação dos professores”. A

principal característica desse dado foi que os docentes sempre atribuíam as causas do fracasso

escolar a fatores extra-escolares. Diante dos dados estatísticos nacionais, os professores

imputaram a responsabilidade do fracasso escolar às políticas educacionais, financiamento

insuficiente, ausência de projetos específicos, entre outros. Em contato com os dados locais,

ou seja, da própria unidade escolar, também associaram suas causas a fatores extra-escolares

“[...], porém agora relativos ao aluno e a sua família (desinteresse, problemas familiares,

emocionais)”. Interessante que, ao analisaram suas próprias trajetórias escolares, “atribuíram a

fatores intra-escolares as causas do fracasso escolar (relação professor-aluno, metodologia

conteúdo, etc.)” (BUENO et al., 1995, p. 70).

Diante das concepções identificadas no segundo momento (maio/1994), o grupo debruçou-se

sobre a identificação dos principais problemas enfrentados na sua prática pedagógica, sobre os

quais queriam ter contato durante curso. Como era de se esperar, surgiu uma lista extensa de

problemáticas a serem contempladas.

Indisciplina, falta de educação e respeito aos professores e colegas, número excessivo de alunos por classe, falta de pré-requisitos, desinteresse, ausências freqüentes dos alunos as aulas, desatenção, cansaso, desânimo, dificuldade do professor em coordenar trabalhos em grupo, heterogeneidade das turmas, espaço físico inadequado ao número de alunos, dificuldade do professor em realizar atividades diversificadas, falta de hábitos de estudo (BUENO et al., 1995, p. 70).

Considerando o curto tempo, a extensão e complexidade das temáticas sugeridas, o grupo

optou pelo estudo de três questões para a programação do terceiro momento que ocorreria

entre os meses de junho e dezembro/1994. Tratava-se de: falta de pré-requisito, indisciplina e

falta de hábitos para o estudo.

Nesses momentos de discussões, o grupo buscou a superação das explicações simplistas e

atribuídas quase sempre a contextos extra-escolares. O relato das experiências práticas de

cada professor, que foram constantemente confrontadas com a produção teórica que

subsidiava as análises, as discussões do grupo, apontava possibilidades de superação das

problemáticas trazidas pelos docentes (BUENO et al., 1995).

A avaliação dessa experiência juntamente com os docentes indicou alguns pontos importantes

a serem considerados nos momentos de viabilização de processos de formação continuada

96

(BUENO et al., 1995, p. 72-73). Os pontos destacados pelo grupo referem-se ao tempo,

participação, atividades e expectativas. Com relação a esses pontos, o autor destaca:

a) tempo – os docentes apontam o melhor aproveitamento do conteúdo estudado no

início do ano letivo, além de considerarem insuficiente o espaço de uma hora e meia

reservado para as discussões na hora de trabalho pedagógico. A escassez do tempo

interferiu também nas atividades programadas pelos professores da universidade que,

em nome do pouco tempo, eram obrigados a alterar os níveis de aprofundamento das

discussões, modificar a natureza das atividades propostas e ainda reduzir o elenco de

aspectos que envolviam as temáticas previstas;

b) participação – a participação obrigatória acarretou um entrosamento maior entre o

grupo, mas afetou a motivação dos docentes. A participação de 50 professores e o

curto espaço de tempo para as discussões foram fatores que também não favoreceram

a participação mais intensa do grupo de professores;

c) atividades – os docentes solicitaram, informalmente, por conta das outras jornadas de

trabalho, que não realizassem leituras extraclasse limitando, assim, as possibilidades

metodológicas e privilegiando aulas expositivas. Porém, na avaliação, o excesso de

aulas expositivas foi criticado ressaltando a pouca utilização dos textos, de aulas

práticas ou mais ilustradas;

d) expectativas – metade do grupo de professores relatou que tiveram suas expectativas

iniciais atendidas com o curso. Para os demais, elas foram atendidas parcialmente,

visto a complexidade da temática e a impossibilidade de seu esgotamento em um

curso, dificuldades em relacionar as informações recebidas com as vivências dos

problemas da sala de aula, dificuldade na aplicabilidade do contexto teórico na prática

cotidiana. Mesmo assim, a grande maioria apontou que o curso possibilitou “[...] tanto

o questionamento dos conceitos prévios que possuíam como a reformulação de alguns

deles e a aquisição de novos conceitos” (p. 73).

As autoras destacam que, apesar de essa experiência não corresponder fielmente a um modelo

de formação continuada do tipo construtivo-colaborativo, possibilitou a vivência de algumas

características e princípios que têm norteado essa concepção de formação dentre os quais

destacam (BUENO et al., 1995, p. 74-76):

a) as partes envolvidas assumem o papel de colaboração em que cada um aprende com

o outro em uma relação recíproca;

97

b) as concepções precipitadas no contexto escolar só serão modificadas diante do

oferecimento de condições para que os docentes tomem consciência de suas

concepções e atitudes analisando-as criticamente;

c) a análise da própria prática pelo movimento de ação-reflexão-ação possibilita um

olhar crítico sobre os motivos de seu fazer;

d) a ação colaborativa busca desenvolver a verdadeira autonomia do professor por meio

da atuação conjunta, visando à superação do sentimento de não saber que

impossibilita muitas ações no contexto da escola.

Ainda discutindo a formação dos professores, Collares e Moysés (1995) destacam a

precariedade da formação tanto no nível médio como superior, ressaltando que essa

precariedade é característica de todo o Sistema Educacional no Brasil.

Longe de atribuir culpa ao professor pela situação de insucesso da/na escola pública, as

autoras discutem que a aparente falta de sensibilização e a crença de não responsabilidade

profissional por esse estado de coisas faz com que os professores atribuam aos poderes

públicos a responsabilidade pelo enfrentamento desse problema. A incoerência dessa

afirmativa está no discurso docente que, “[...] no mesmo instante que critica a implantação

autoritária de políticas educacionais, aguarda por soluções externas a eles, vindas de fora, que

resolvem rapidamente o problema da escola” (COLLARES; MOYSÉS, 1995, p. 96).

Enquanto aguarda as soluções vindas de fora do contexto da escola, o docente se permite ser

expropriado de seus saberes. Esse processo de expropriação, no caso específico do fracasso

escolar, cria outro problema: a patologização do processo de ensino-aprendizagem. Uma vez

expropriado do seu saber, “[...] rapidamente outros profissionais, da área da saúde, mostram-

se capacitados a resolver o problema do fracasso escolar, criando em pouco tempo, uma

dependência da escola em relação a eles” (p. 96). É importante estabelecer essa relação,

porque os profissionais da área clínica diante da ocupação desse espaço deixado pelo “não

saber” do professor, vêm transformando “[...] o espaço pedagógico saudável, da

aprendizagem, em um espaço clínico, da doença, do erro, do distúrbio. Transformaram um

problema eminentemente pedagógico e social em um problema médico, biológico”

(COLLARES; MOYSÉS, 1995, p. 96).

98

Uma das conclusões a que se pode chegar a esse respeito é a de que, na tentativa de solucionar

a problemática do fracasso escolar, a atuação clínica terminou por

[...] criar artificialmente outro problema para a educação dificultando a autocrítica de professores e da instituição escola e a recuperação do fazer pedagógico. A patologização desloca o eixo das discussões do coletivo para o individual. Discute-se a não aprendizagem de cada criança em particular, buscando nela as causas, geralmente biológicas ou familiares. Analisa-se o desempenho de cada criança, uma a uma, e não o desempenho da instituição escolar (COLLARES; MOYSÉS, 1995, p. 97).

A produção teórica a respeito do fracasso escolar vem avançando e auxiliando a escola no

enfrentamento desse problema. Seus avanços aparecem traduzidos nas características dos

estudos realizados. Durante a década de 80, os estudos centravam-se no diagnóstico e nas

críticas às políticas educacionais, aos métodos de ensino e à organização da escola. Mais

recentemente, exige-se dos estudos na área que ultrapassem os limites do diagnóstico,

enfatizando a realização de pesquisas que “[...] baseadas em diagnósticos adequados e

concepções críticas correntes, busquem soluções, ou pelo menos tentativas de soluções, para

os graves problemas enfrentados pelo setor” (COLLARES; MOYSÉS, 1995, p. 97).

Seguindo essa orientação, as autoras propõem a construção do projeto de pesquisa e

intervenção com o título “Construindo o sucesso na escola”, que atendeu a 26 escolas no

Estado de São Paulo. Esse projeto tem como coordenadas principais a pesquisa e a formação

continuada de professores. Ambas as coordenadas têm, como eixo teórico fundamental, “[...]

o resgate da dimensão coletiva, institucional, do desempenho da escola” (COLLARES;

MOYSÉS, 1995, p. 98).

A proposta de construção desse projeto teve início com a coleta de dados nas escolas. Esses

dados, em um segundo momento, foram discutidos com as escolas e, a partir deles, questões

de investigação foram elaboradas. Esse movimento de fazer com a escola a coleta e análise

dos dados configurou-se na tentativa de proporcionar à escola o domínio dos conteúdos a

serem discutidos, a metodologia de coleta, a sistematização e a análise dos dados com o

objetivo de permitir à escola a capacidade de “[...] permanentemente estar se diagnosticando,

criticando e planejando” (COLLARES; MOYSÉS, 1995, p. 99).

As reuniões para análise dos dados coletados ocorriam na própria escola, mensalmente, com

duração de quatro horas, envolvendo a equipe da pesquisa e toda a equipe da escola. A

capacitação docente ocorria nos “[...] momentos de discussão dos dados em um movimento

99

constante e dialético entre teoria e prática, entre a realidade concreta e o trabalho intelectual,

propondo soluções aos problemas diagnosticados” (COLLARES; MOYSÉS, 1995, p. 100).

Os registros desses momentos de discussão coletiva permitiram a materialização da história

de cada escola. Essa ação de registro garantiu aos professores a “[...] tarefa de mudar o modo

de trabalho da escola pública, marcado pelo isolamento, pela falta de autonomia, pela

submissão a hierarquia de uma rede centralizada e paralisante” (COLLARES; MOYSÉS,

1995, p. 100). É dessa forma que as autoras pretenderam atingir um dos objetivos

fundamentais do projeto: “[...] que os professores se reapropriem, teórica e praticamente, da

escola, pois são eles os profissionais habilitados e com possibilidades de resolver a maioria

dos problemas de reprovação e evasão escolar” (p. 100).

A concepção de formação continuada presente nesse projeto garantia-lhe uma grande

mobilidade, uma vez que “[...] poderia ser modificado de acordo com a própria dinâmica do

trabalho, coerentemente com a natureza da proposta”, atendendo ao princípio de, por se tratar

de um projeto de educação continuada, ser desenvolvido com seus participantes. A concepção

presente nessa proposta

[...] vincula-se à natureza do fazer pedagógico. Um fazer que é do domínio da práxis, portanto histórico e inacabado. Assim como o conhecimento se modifica constantemente, também a formação daqueles que lidam com o conhecimento, produzindo-o e/ou transmitindo-o necessita estar constantemente em processo. A formação desses profissionais deve estar sempre, conscientemente, inacabada, na medida em que a cada momento estão recebendo e fazendo sua própria capacitação (COLLARES; MOYSÉS, 1995, p. 100).

A proposta desse projeto (COLLARES; MOYSÉS, 1995,) mostra, em si mesma, que a

própria concepção de formação continuada ainda está em construção e isso se apresenta como

um grande desafio que foi abarcado nessa possibilidade de mudança. Nesse sentido, o espaço

de formação e atuação foi repensado, indicando outras ações a serem estabelecidas. No

contexto do projeto escola e universidade, possuíam um espaço próprio de sistematização e

construção de seus conhecimentos. O espaço comum a ambas as partes foi encontrado no

compartilhamento dos objetivos e no encontro de dois saberes distintos e complementares.

Esse não é um espaço de transmissão de conhecimento, mas um espaço de assessoria à

sistematização de conhecimentos.

O projeto, em sua primeira parte, envolveu um diagnóstico de desempenho geral da escola

privilegiando dois pontos: “[...] sua dimensão coletiva e a importância do diagnóstico como

100

instrumento de planejamento, superando a concepção de um mero ritual burocrático”

(COLLARES; MOYSÉS, 1995, p. 104). .

O desempenho de cada escola foi analisado em reuniões conjuntas e essas discussões levaram

ao levantamento de hipóteses a respeito de questões que os professores consideravam

problemáticas, merecedoras de aprofundamento e análise do grupo. Tais questões serviram de

temáticas desenvolvidas com as escolas, no processo de formação continuada dos

profissionais.

O próximo passo foi a inserção do projeto nas Horas de Trabalho Pedagógico (HTPs). Essa

não seria uma proposta tranqüila, uma vez que, obrigatoriamente, teria de lidar com a

resistência da escola em abrir seu espaço a pessoas estranhas, verbalizar seus problemas.

A necessidade de inserção do projeto, nesses momentos de planejamento na escola, foi

necessária e buscou revitalizar esse espaço/tempo.

As HTPs são espaços privilegiados de ações coletivas. É, entretanto, difícil a sua realização de maneira satisfatória. Fomos, por anos, alijados desse espaço coletivo de reflexão/ação, não só na escola, mas na vida do trabalho em geral. Precisamos novamente aprender a utilizar esse espaço. Não são opções externas que irão desvendar as possibilidades desses encontros, mas as tentativas concretas de sua utilização que irão dando a cada um desses espaços os contornos necessários, que possibilitarão a emergência de ações eficientes, capazes de transformar a escola, abrindo espaço para o sucesso (COLLARES; MOYSÉS, 1995, p. 109).

A revitalização desse espaço talvez nos mostre que é possível envolver a escola em um

projeto coletivo de transformação de sua realidade, pois possibilita a recuperação da

coletividade e o papel de sujeitos históricos para professores, alunos e famílias.

A dificuldade desse desafio está em envolver a escola em uma “[...] ambição, uma ação

coletiva, arrancá-la de seu imobilismo, arrancar os professores da inércia a que historicamente

têm sido condenados” (COLLARES; MOYSÉS, 1995, p. 110).

101

4 A PESQUISA NO CONTEXTO CANELA-VERDE

O primeiro momento de coleta de dados deste estudo se encaminha na direção de constituir a

caracterização do Sistema de Ensino do Município de Vila Velha. Assim, iniciamos nossas

análises na tentativa de configurar as diretrizes governamentais para os processos de formação

continuada de professores, para atuação com alunos que apresentam necessidades

educacionais especiais nas políticas públicas municipais, tendo em vista sua implantação nas

escolas do município-sede da pesquisa, Vila Velha- E.S, que inicia, no ano 2000, um

movimento de ações e atuação na área da Educação Especial no ensino regular. Esta análise

será realizada tomando por base os seguintes documentos:

a) Plano Municipal de Educação (2002);

b) Projeto de Implantação Centro de Referência ao Aluno Portador de Necessidades

Educacionais Especiais (CRAPNEE, 2001);

c) CME/ Resolução nº. 9, datada de 17 de maio de 2005, que fixa diretrizes da Educação

Especial no Sistema Municipal de Ensino;

d) Lei nº. 4.100/2003, institui o Sistema Municipal de Ensino do Município de Vila

Velha, Estado do Espírito Santo e disciplina seu funcionamento;

e) Lei Orgânica Municipal, datada de 5 de abril de 1990.

Diante dessa proposta, tornam-se necessários alguns apontamentos referentes ao Sistema

Municipal de Ensino de Vila Velha, suas diretrizes e legislação direcionadas à implementação

de uma Política Pública Municipal de Educação Inclusiva, assim como as ações de tal sistema

no que diz respeito à formação continuada de professores para o trabalho com alunos que

apresentam necessidades educacionais especiais. Assim, nos documentos listados

anteriormente, elegemos as seguintes categorias de análise:

a) caracterização sociopolítica e econômica do município;

b) diretrizes para Educação Especial em uma perspectiva de Educação Inclusiva no

Sistema Municipal;

c) política pública de organização do ensino especial;

d) ações governamentais na formação de professores para atuação com alunos que

apresentam necessidades educacionais especiais no município de Vila Velha.

102

4.1 CARACTERIZAÇÃO SOCIOPOLÍTICA E ECONÔMICA DO MUNICÍPIO

A cidade mais antiga do Estado recebeu o donatário português, Vasco Fernandes Coutinho,

em 23 de maio do ano de 1535. Desde então, passa a ser sede da Capitania do Espírito Santo,

conhecida como Vila do Espírito Santo, realidade que se mantém até o ano de 1550, quando a

sede da Capitania é transferida para a Ilha de Vila Nova de Nossa Senhora da Vitória (atual

capital do Estado) passando a antiga sede chamar-se Vila Velha.

O município de Vila Velha possui 209km² de extensão territorial com relevo plano em média

quatro metros acima do nível do mar, com clima tropical litorâneo. O município possui cinco

distritos, a saber: Sede, Barra do Jucu, São Torquato, Argolas e IBES.

Atualmente (2007) o Governo municipal é de responsabilidade do Sr. Max Freitas Mauro

Filho do Partido Democrático Trabalhista (PDT) que exerce o segundo mandato consecutivo à

frente da Prefeitura Municipal.

Vila Velha está entre o grupo de municípios que compõem a Região Metropolitana do Estado

do Espírito Santo. Emancipada desde 1896, possui população de 405, 37417 habitantes, sendo

99,6% residente na área urbana e 0,4% na rural.

Os indicadores sociais que trazemos neste trabalho mostram a variação do índice de

desenvolvimento humano e social entre os anos de 1991 e 2000. O entendimento da

administração pública, no que se refere aos índices de desenvolvimento humano e social dos

munícipes, está profundamente associado à estrutura e à qualidade do crescimento econômico

com a preocupação de que este não traga em seu bojo desemprego, exclusão, enfraquecimento

das culturas nacionais e locais, nem a destruição do meio ambiente. Assim, a administração

pública define o conceito de desenvolvimento humano como o processo de expansão das

liberdades e das capacidades humanas que supõe a remoção de privações, como a pobreza e a

carência de oportunidades econômicas (AGENDA XXI, 2002, p. 70). Assim temos:

17 Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Contagem da população 2007 - Resultados preliminares. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/default_censo_2000.shtm>. Acesso em: 02 de out. 2007.

103

VILA VELHA

ÍNDICES IDHM – Índice de Desenvolvimento Humano

Municipal

IDHM – Índice de Desenvolvimento Humano

Municipal

IDS – Índice de Desenvolvimento Social

ANO 1991 2000 2000

VALORES 0,76 0,82 0,7137

Tabela 1. Índice de Desenvolvimento Humano e Social em Vila Velha – 1991/2000 Fonte: COMDEVIT Elaboração IPES - Instituto de Apoio a Pesquisa e ao desenvolvimento Jones Santos Neves

Conforme esses dados, podemos verificar a melhoria do índice de desenvolvimento humano

no período de 1991/2000. No ano 2000, Vila Velha encontrava-se na 263ª posição entre os

municípios brasileiros e na segunda melhor situação entre os municípios do Estado. A

estimativa municipal é de que em curto tempo, os índices de desenvolvimento humano e

social, em Vila Velha, atinjam os do município de São Caetano do Sul IDH (0,919),

considerado o melhor índice do País, e o de Vitória IDH (0,856) avaliado como o melhor do

Estado.

O município prevê o alcance de tais metas pelo compromisso assumido no Plano Estratégico

de Desenvolvimento sustentável de Vila Velha, com o protagonismo de uma agenda política

que contemple uma visão de desenvolvimento em que o crescimento econômico e social

estejam prioritariamente relacionados, ao invés de contrapostos, e também pelo

reposicionamento da política social no redesenho institucional das esferas públicas de forma a

dotar a área social de poder efetivo, retirando-a do campo da subordinação, numa lógica de

ação que reproduz a compreensão do desenvolvimento social como um resultado residual de

outras políticas (VILA VELHA, 2002).

Quanto à natureza dos gastos municipais, temos os dados da Tabela 2 indicando o gasto per

capita do município por função. Constatamos que o investimento municipal, com a função do

Governo destinada aos serviços educacionais, é bastante significativo e se caracteriza como

um dos maiores volumes de investimento voltados à prestação de serviços públicos às

comunidades do município. Assim, temos os números:

104

VILA VELHA

Funções do Governo Valor em R$ corrente Saneamento, habitação, transporte e urbanismo 142,4

Educação 135,4 Saúde 93,0

Cultura, desporto, lazer, cidadania, assistência social e segurança

11,6

Legislativa 25,0 Administração, previdência judiciária e encargos da

dívida 124,5

Apoio ao desenvolvimento 1,3 Organização agrária 0,2

Tabela 2. Gasto per capita do município de Vila Velha por função – 2004 Fonte: COMDEVIT (balanços municipais) Elaboração IPES - Instituto de Apoio a Pesquisa e ao desenvolvimento Jones Santos Neves

4.2 EDUCAÇÃO EM VILA VELHA: DIRETRIZES PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL NO

SISTEMA MUNICIPAL

De acordo com os dados estatísticos do censo de 2000 que, na época, totalizava 396.32318

habitantes do município, aproximadamente 13.000 estão classificados entre pessoas acima dos

dez anos de idade sem instrução ou com menos de um ano de estudo. Os dados do

COMDEVIT,19 embasados nos números do IBGE, ainda trazem a condição de alfabetização

da população de 15 anos e mais a taxa de analfabetismo. Assim temos:

1991 2000

Não lê e escreve

Lê e escreve

Total Taxa de analfabetismo

Não lê e escreve

Lê e escreve

Total Taxa de analfabetismo

14.225 168.582 182.807 7,8 13.005 243.145 256.150 5,1 Tabela 3: Condição de alfabetização da população de 15 anos e mais taxa de analfabetismo no município de Vila Velha – 1991/2000. Fonte: Conselho Metropolitano de Desenvolvimento da Grande Vitória (COMDEVIT).

18 Em 01-07-05, a população vila-velhense está estimada em 396.323 habitantes (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, disponível em: <www.ibge.com.br/cidadesat>. Acesso em: 18 mar. 2005). 19 COMDEVIT – Conselho Metropolitano de Desenvolvimento da Grande Vitória. Órgão vinculado ao Governo do Estado do Espírito Santo através da Secretaria de Estado de Economia e Planejamento-SEP. Instituto de apoio à pesquisa e ao desenvolvimento Jones Santos Neves.

105

No ano 2000, a modalidade de Educação Especial passou a figurar no organograma da

Secretaria Municipal de Educação, estruturada sob referência do paradigma inclusivo, 20

passando a atuar nos níveis de ensino oferecidos pelo Sistema.

O Sistema Municipal é composto por 85 unidades de ensino, dentre as quais listamos 29

unidades de Educação Infantil e 55 de Ensino Fundamental. Grande parte da proposta

municipal de educação inclusiva configura-se no atendimento especializado na unidade de

ensino regular, porém esse atendimento, no ano de 2005, esteve longe de atender às reais

demandas do município, uma vez que atingiu apenas 35% das Unidades Escolares. A tabela a

seguir mostra o atendimento de professor especialista nas Unidades de Ensino. Assim temos:

Demanda Educação Infantil Ensino Fundamental

Número de unidades de ensino 29

55

Unidades que recebem atendimento de professor especialista (25 horas semanais)

-

19

Unidades que não recebem atendimento de professor especialista

25

26

Unidades que recebem atendimento parcial (3 vezes na semana)

04

10

Tabela 4. Número de Unidades de Educação Infantil e Ensino Fundamental que recebem atendimento pedagógico via professor de educação especial e as demandas existentes –2005 Fonte: Núcleo de Educação Especial - SEMECE

Percebemos a existência de um déficit grande no que diz respeito ao número de atendimentos

de professores especialistas no Ensino Fundamental e na Educação Infantil. A expectativa do

município é de ampliação dos quadros efetivos de professores de Educação Especial para

atuação docente colaborativa na escola regular. 21

Para atingir esse objetivo, o município, desde 2003, vem realizando concurso para

preenchimento de vagas na educação. Entre eles, o cargo de professor de Educação Especial,

que tem apresentado grande dificuldade no preenchimento das vagas.

No que diz respeito às estatísticas do atendimento aos alunos com necessidades educacionais

especiais, conforme dados do Plano Municipal de Educação, no ano 2000, eram 626 os alunos 20 Apesar de as ações governamentais apresentarem características bastante favoráveis ao movimento de inclusão educacional, os textos mais antigos trazem, em seu cerne, concepções ainda atreladas ao movimento de integração anterior ao de inclusão educacional. 21 De acordo com a proposta de atendimento da Educação Especial no município, a atuação do professor de Educação Especial se caracteriza pelo atendimento aos alunos com necessidades educacionais especiais em conjunto com o professor de classe comum no contexto da sala de aula regular.

106

que apresentavam alguma necessidade educacional especial. Desse total, 511 tinham

matrícula distribuída em quatro estabelecimentos especializados de ensino, sendo três

particulares e um estadual. As 511 matrículas existentes no ensino especial estavam

distribuídas conforme tabela abaixo:

VILA VELHA

Deficiência Número

Deficiência Visual 166

Deficiência Auditiva 54

Deficiência Mental 215

Deficiência Múltipla 21

Outras Necessidades 55

Total 511

Tabela 5. Número de alunos com necessidades educacionais especiais matriculados em escolas especializadas no Município de Vila Velha - 2000 Fonte: Plano Municipal de Educação (2002)

A matrícula no ensino regular já existia no ano 2000. Os alunos com necessidades

educacionais especiais que freqüentavam o ensino regular somavam 116 matrículas. Esses

alunos recebiam atendimento no Centro de Referência ao Aluno Portador de Necessidades

Educacionais Especiais (CRAPNEE). 22 O atendimento pedagógico, nesse período, era

realizado em uma sala preparada para esse fim, no prédio da Escola Estadual Vasco

Fernandes Coutinho, no Centro de Vila Velha. De acordo com pedagogo desta equipe, “[...] o

aluno que necessitava de atendimento pedagógico deslocava-se até o Centro para recebê-lo”.

22 CRAPNEE: Centro de Referência ao aluno Portador de Necessidades Educacionais Especiais. Criado em 2001, o Centro tinha o objetivo de assegurar condições de provisão de apoio psicopedagógico e de complementação didático- pedagógica às Unidades de Ensino Fundamental e Infantil, favorecendo a integração dos educandos com necessidades educacionais especiais e severas dificuldades de desenvolvimento em classes comuns, garantindo recursos específicos; garantindo a oferta de educação precoce e intermediária para crianças portadores de necessidades educacionais especiais matriculadas na Educação Infantil; atendendo, com presteza e de forma imediata, às variadas demandas decorrentes da diversidade das programações escolares; capacitando profissionais das unidades de ensino, prioritariamente, aqueles que atuam em turmas que incluem alunos portadores de necessidade educacionais especiais; desenvolvendo programas de qualificação profissional aos estudantes portadores de necessidade educacionais especiais; estimulando a permanência dos alunos portadores de necessidades educacionais especiais nas unidades do Sistema Municipal de Ensino, proporcionando-lhes atividades alternativas de educação física, esporte, lazer e desenvolvimento da criatividade. O maior entrave da proposta de apoio do centro às unidades de ensino é que seu projeto de implantação não direciona como esse apoio chegará à escola. Não delimita ações nem profissionais que vão de encontro ao trabalho pedagógico desenvolvido pela escola regular.

107

23 Os alunos que recebiam atendimento do Sistema Municipal de Ensino, no ano 2000, eram

assim distribuídos:

VILA VELHA

Deficiência 2000

2001 2002 2003 2004 2005 2006

Deficiência Visual 17 17 22 31

Deficiência Auditiva 16 16 19 33

Deficiência Mental 18 18 63 103

Deficiência Múltipla 05 05 10 12

Superdotação 0 0 03 03

Deficiência física 17 17 17 27

Condutas típicas 20 20 28 61

Outras 23 23 23 318

Total 116 116 185 588 351 552 887

Tabela 6. Número de alunos com necessidades educacionais especiais matriculados em escolas regulares no Município de Vila Velha – 2000/2006 Fonte: Núcleo de Educação Especial/CRAPNEE

Os dados mostram que, entre os anos de 2000 e 2003, os números registrados pelo município

são bastante aproximados. Isso talvez se deva à ausência de laudos que comprovassem a

deficiência ou a insuficiência de recursos para o atendimento de mais alunos que não aqueles

que já existiam no ano 2000 ou, ainda, a insuficiência do instrumento de coleta de dados

utilizado e até mesmo o alcance desse instrumento dentro do Sistema Municipal de Ensino. O

quadro se agrava à medida que não existem registros dos critérios utilizados para o

levantamento desses números. Com todas essas dificuldades, esses são os únicos dados

encontrados nos registros da Secretária Municipal de Educação. Um ponto interessante é que,

até o ano de 2003, os alunos com necessidades educacionais especiais, matriculados no

Sistema de Ensino Municipal, não apareciam nos dados do censo escolar do Ministério da

Educação24.

23 Entrevista realizada em 10 de outubro de 2005, com a pedagoga que compunha a equipe pedagógica do CRAPNEE. 24 Ver dados da tabela do Inep no endereço eletrônico: www.inep.gov.br/basica/censo/Escolar/resultados.

108

Os dados referentes aos anos de 2004 a 2006 não são separados por deficiência devido à

ausência de um critério que identificasse a deficiência desse aluno. Os dados do período

compreendido entre os anos 2000 a 2003 foram disponibilizados pelo CRAPNEE. Os

restantes são gerados através de instrumento levado a escola por assessor técnico da Secretaria

de Educação. 25 Atribuí-se a discrepância dos dados colhidos no período compreendido entre

os anos de 2002 a 2005 à modificação da forma de coleta dos dados.

Apesar disso, constata-se o aumento do número de matrículas no ensino regular de alunos que

apresentam alguma necessidade educacional especial. Esse crescimento vem se concretizando

em uma problemática bastante significativa ao Sistema de Ensino, uma vez que ainda não

dispõe, materialmente, dos apoios existentes no texto de suas políticas públicas de

atendimento à Educação Especial. Essa ampliação das matrículas evidencia a escassez de

recursos tanto humanos quanto materiais para garantia dessa modalidade de atendimento

escolar.

No Sistema Municipal de Ensino, é a partir do ano 2000 que a Educação Especial começa a

ganhar espaço, traduzido pela elaboração de políticas e ações destinadas ao atendimento do

aluno com necessidades educacionais especiais. Tais elaborações começam a tomar corpo

com a construção do Plano Municipal de Educação/2001 a 2010, que se configura em uma

“[...] proposta da Sociedade Vila Velhense e do Poder Público para a construção coletiva de

uma escola pública de qualidade para todos” 26 (VILA VELHA, 2002, p. 1).

Assim como no documento nacional que lhe serve de referência, o Plano Municipal considera

a inclusão educacional como o objetivo principal expresso e assumido pela política

governamental. Tal política exprime e considera o processo de inclusão educacional

traduzido na forma de acesso e permanência do aluno com necessidades educacionais

especiais no ensino regular. O que fica pouco explícito é a viabilização financeira das

estratégias, dos apoios e dos recursos para a permanência desses alunos no ensino regular. 25 Instrumento disponível no Anexo A deste trabalho. Os dados que trazemos no texto, até o ano de 2003, foram levantados pelo Centro de Referência ao Aluno com Necessidades Educacionais Especiais. Isso quer dizer que entram nessa amostragem apenas os alunos que possuem alguma necessidade especial e que fazem atendimento no Centro. A partir de 2004, esse número também passa a ser compilado nas escolas regulares onde existia a matrícula do aluno especial que, não necessariamente, recebia atendimento no Centro de Referência. Daí a discrepância dos dados apresentados. 26 O Plano Municipal de Educação acaba por reproduzir grande parte do texto do Plano Nacional de Educação (PNE/MEC) que foi utilizado como referência para a elaboração do documento municipal.

109

Alguns tópicos importantes que configuram a Educação Especial no Sistema de Ensino

partem da conceituação do seu alunado e da sua estrutura de atendimento. Dessa forma, sobre

a conceituação de alunado da Educação Especial, o texto do Plano Municipal de Educação

destina ao atendimento desta modalidade de ensino as pessoas com necessidades educacionais

especiais, no campo da aprendizagem, com deficiência física, sensorial, mental, múltiplas e,

também, com outras características, como altas habilidades, superdotação e talentos. Mais

atual, o texto da Resolução nº 09/2005 não conceitua o alunado da Educação Especial. No que

diz respeito à estrutura do atendimento dessa modalidade de ensino, as diretrizes do Plano

Municipal de Educação ponderam de forma clara que

[...] a educação inclusiva dos alunos com necessidades educacionais especiais nas Unidades Municipais de Educação Infantil e de Ensino Fundamental vem sendo complementada em horários alternativos com atendimento especializado de psicólogos, médicos e professores qualificados para diferentes áreas da deficiência pelo CRAPNEE (VILA VELHA, 2002, p. 43).

A análise dos textos legais, inicialmente, trabalha com a perspectiva de o processo de inclusão

se efetivar via escola regular e que tanto os atendimentos clínicos quanto as intervenções

pedagógicas especializadas sejam realizadas no CRAPNEE, em horários alternativos. Tal

determinação acarreta conflitos legais e políticos, uma vez que a legislação nacional entende

que o atendimento educacional especializado ao aluno com necessidades educacionais

especiais deve ser realizado “preferencialmente” na escola regular. Assim sendo, ainda em

2001, dá-se início ao encaminhamento de professores de Educação Especial para atuação na

escola regular. Essa ação caracteriza-se ainda pela grande maioria de professores contratados

e em número insuficiente, para atendimento nas unidades de ensino, com proposta de trabalho

em sala de recursos.

Como, até então, o município não possuía uma proposta de trabalho pedagógico da Educação

Especial voltada para o atendimento especializado na escola regular, não possuía também

salas de recursos. Assim, as intervenções pedagógicas eram realizadas pelo professor de

Educação Especial, no refeitório, na biblioteca, no corredor ou em qualquer espaço mais

ocioso da escola. Essa realidade foi presenciada em algumas unidades municipais até o ano de

2005.

110

Na tentativa de ampliar o número de professores de Educação Especial no ensino regular, tal

cargo foi pleiteado em concurso público, no ano de 2004, que aprovou, para o cargo de

professor de Educação Especial, apenas dez candidatos, dentre os quais oito assumiram suas

funções na itinerância de atendimento à escola regular. O vínculo desses profissionais era o

Centro de Referência e as orientações do trabalho a ser desenvolvido na escola estavam

diretamente atreladas ao contexto de uma educação especializada proposta pelo CRAPNEE.

A realização do concurso não resolveu o problema da falta de professores especialistas. Os

oito profissionais que se efetivaram, via concurso público realizado no ano de 2004, somados

aos 12 contratados que já atuavam no Sistema de Ensino, foram logo absorvidos pela

demanda das unidades escolares que, em sua maioria, continuaria sem o atendimento da

Educação Especial.

Nesse contexto, partiu da iniciativa de dois profissionais que, em 2004, assumiram a

coordenação do Centro, a ampliação dessa equipe pedagógica, que atuaria no CRAPNEE,

conduzindo, então, a elaboração dos possíveis caminhos a serem trilhados com a escola no

atendimento dos alunos com necessidades educacionais especiais.

A partir desse ponto, configuram-se duas perspectivas de atendimento ao aluno com

necessidades educacionais especiais no município de Vila Velha: uma clínica e outra

pedagógica.

4.2.1 Atendimento pedagógico

Iniciamos nossos apontamentos tomando, para nossa análise inicial sobre a proposta de

atendimento pedagógico dos alunos com necessidades educacionais especiais, a Lei nº.

4.100/2003, que institui o Sistema Municipal de Ensino de município de Vila Velha,

disciplinando seu funcionamento. Tal legislação caracteriza, em seu Capítulo III, seção IV,

art. 56 a 59, a atuação da Educação Especial, sua clientela, local de atendimento e normaliza o

sistema de ensino quanto às diretrizes de organização curricular asseguradas aos educandos

com necessidades educacionais especiais matriculados, pontuando o direito de o aluno de ser

atendido por professor especialista e por professor do ensino regular capacitado. Assim, o

texto da lei garante a essa população:

I – currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos para atender às suas necessidades e seus talentos;

111

II – terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências; III – professores com especialização adequada em nível médio e superior, para atendimento especializado, bem como professores de ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns e docentes capacitados ao trabalho com alunos de talentos especiais (VILA VELHA, 2003, p. 19).

Em conformidade com a LDB nº 9.394/96, a Lei 4100 é a primeira instância de subsídio legal

no município, para a elaboração de ações governamentais e políticas públicas que viabilizem

e sustentem uma perspectiva de trabalho da Educação Especial no ensino regular em Vila

Velha.

Sob tal direcionamento, é delineada, pela equipe de professores atuantes no CRAPNEE, no

ano de 2004, a proposta de atendimento pedagógico nas escolas do Sistema Municipal de

Ensino, que se encontra amplamente direcionada sob a perspectiva de trabalho colaborativo

entre professor de Educação Especial e professor de sala de aula regular. De forma tímida, no

primeiro ano, a proposta foi executada por algumas unidades de ensino, com assessoria direta

de um membro da equipe de professores e pedagogos da Educação Especial.

No ano de 2005, essa equipe pedagógica deixa de atuar no CRAPNEE, passando a compor o

Núcleo de Educação Especial do município. Conforme Ofício/SEMECE nº0051/2006 tal

núcleo é composto por uma equipe de coordenação, uma equipe de assessores itinerantes, uma

equipe de professores itinerantes e uma equipe de professores atuantes na área da deficiência

mental.

A equipe de coordenação atua diretamente na SEMECE e é responsável pela coordenação

geral dos trabalhos da Educação Especial, no que se refere, principalmente, à formação de

professores, projetos e à articulação legal das políticas públicas municipais para a Educação

Especial, numa perspectiva inclusiva. Tal equipe é composta por três profissionais.

Os assessores itinerantes compõem uma equipe de professores e pedagogos responsáveis

pelas orientações ao trabalho pedagógico a ser realizado nas unidades de ensino regular que

possuam matrícula de alunos com necessidades educacionais especiais, além de realizar

avaliações e encaminhamentos desses alunos ao CRAPNEE. O trabalho desta equipe é

caracterizado por visitas às unidades de ensino onde realizam acompanhamento das atividades

desenvolvidas por professores de Educação Especial e orientação ao corpo docente e técnico

112

da instituição para o desenvolvimento de projetos educativos, objetivando atendimento

pedagógico do aluno com necessidades educacionais especiais.

Entre essas funções, os assessores também atuam reunindo-se com os profissionais da escola

e, obedecendo às demandas do contexto escolar, são traçadas, em conjunto, as ações

referentes ao atendimento do aluno com necessidades educacionais especiais. Delineadas as

estratégias de ação, a assessoria colabora com os professores e a escola na execução do que

foi planejado. Colaborar, nesse sentido, significa fazer junto, registrar e avaliar o que foi feito.

A proposta de trabalho da assessoria pedagógica ainda é realizada em um número restrito de

escolas. Isso devido ao número reduzido de assessores27 para abarcar todas as 85 unidades de

ensino do Sistema.28 Para o ano de 2006, está prevista a ampliação dessa equipe, objetivando

um maior contato e acompanhamento do assessor com a unidade de ensino.

O grupo formado por professores da área de deficiência mental atende alunos com

necessidades educacionais especiais nas unidades de ensino. Esse grupo é composto por

professores de Educação Especial com formação na área de deficiência mental responsáveis

pela realização do atendimento pedagógico aos alunos com necessidades educacionais

especiais nas escolas municipais. Quando traz o termo “responsáveis”, a política pública

municipal não determina que esse profissional tome unicamente para si a responsabilidade

com o aprendizado desses alunos, mas, sim, que ele tenha a responsabilidade de desenvolver,

dentro da escola e em conjunto com os demais profissionais, estratégias de intervenção

pedagógica que contemplem o desenvolvimento de todas as crianças e, primordialmente,

daquelas com algum comprometimento causado por deficiência.

O documento da Secretaria Municipal de Educação que nos serviu de consulta,

Ofício/SEMECE nº0051/2006, estabelece as diretrizes do atendimento pedagógico realizado

nas escolas municipais e orienta que o trabalho dos professores de educação especial seja

desenvolvido conjuntamente com professores de classe regular. Isso implica dizer que ambos

os profissionais devem atuar juntos, utilizando-se de estratégias de intervenção construídas

em momentos de planejamento compartilhado. A essa caracterização do trabalho de

27 No final de 2005, a assessoria pedagógica contava seis assessores. 28 No final de 2005, foram municipalizadas 18 escolas estaduais totalizando, entre unidades de ensino fundamental e unidades de educação infantil, o número de 85 unidades de ensino.

113

professores especialistas e professores de classes regulares a política municipal denomina

“trabalho colaborativo”.

As diretrizes para a realização da proposta de trabalho colaborativo no Sistema Municipal de

Ensino aparecem inicialmente na Resolução do CNE/CEB nº. 2, em seu art. 8º, IV, que faz

indicação sobre os apoios pedagógicos especializados em classes comuns e caracteriza o

trabalho da Educação Especial sob o formato de “[...] atuação colaborativa do professor

especializado em educação especial”. A política municipal adota, em seu Plano Municipal de

Educação (2002), a valorização da “[...] permanência dos alunos nas classes comuns,

eliminando a nociva prática de encaminhamento para as classes especiais ou de recursos (p.

45)”. O texto municipal determina que, aos alunos com maiores dificuldades, deve ser

proporcionado “[...] maior apoio pedagógico em suas próprias classes, e não separá-los como

se precisassem de atendimento especial (p. 45)”.

Diante desse quadro, o município busca a ampliação do número de professores especialistas

para atuação nas unidades de ensino em seus respectivos turnos de funcionamento.

Finalmente, a equipe de professores itinerantes é responsável pelo atendimento educacional

especializado aos alunos com deficiência visual e a alunos surdos (esse último com início no

2º semestre de 2006) e orientação aos professores das unidades de ensino que possuem esta

demanda de atendimento.

4.2.2 Atendimento Clínico

Outra vertente de atendimento da Educação Especial no município é o atendimento clínico

realizado no Centro de Referência ao Aluno Portador de Necessidades Educacionais Especiais

(CRAPNEE). O atendimento é ofertado nas áreas de Psiquiatria, Psicologia, Fonoaudiologia,

Fisioterapia e Assistência Social. De acordo com o Plano de Ação Municipal, existe a

expectativa de ampliação gradativa do Centro e das especialidades oferecidas.

O CRAPNEE compõe a proposta municipal de Educação Especial, configurando-se

atualmente como instituição de “apoio e suporte a proposta de educação inclusiva do

município” (Ofício/SEMECE n.º 0051/2006) que se concentra na realização do trabalho

pedagógico nas unidades de ensino.

114

O Centro de Referência ao Aluno Portador de Necessidades Educacionais Especiais fica,

atualmente, localizado no Centro de Vila Velha. Sua estrutura física deixa bastante a desejar

por tratar-se de uma casa alugada pela Prefeitura e adaptada, na medida do possível, para a

realização dos trabalhos. Faltam recursos materiais, profissionais, equipamentos, ou seja, falta

a efetiva implementação de grande parte das propostas que estão registradas no Plano

Municipal de Educação (2002), no Projeto de Implantação do CRAPNEE (2001) e na

Legislação Municipal.

No ano de 2005, a equipe clínica do CRAPNEE era composta por um assistente social, dois

fonoaudiólogos, um fisioterapeuta, dois psicólogos e um médico psiquiatra. Os números29 de

2005 indicam grande parte do trabalho desenvolvido por estes profissionais. Vamos a eles:

Assistência Social Fonoaudiologia Psicologia Psiquiatria Fisioterapia

512

221

225

644

54

Tabela 7. Quantitativo de avaliações clínicas realizadas no CRAPNEE - 2005 Fonte: Núcleo de Educação Especial/CRAPNEE

Os alunos do Sistema são encaminhados ao Centro de Referência após avaliações

pedagógicas realizadas por professores de salas de aula regular, professores de Educação

Especial e por pedagogos, no contexto da escola regular. Essas avaliações são encaminhadas à

equipe de assessoria do Núcleo de Educação Especial. No caso de encontrarem dificuldades

na avaliação, a escola pode solicitar a presença de um técnico da Secretaria para auxiliar na

sua realização. Analisadas as avaliações, o assessor faz o encaminhamento do aluno ao Centro

de Referência para avaliação clínica e social e, no caso de indicação, posterior tratamento.

As avaliações realizadas pelos profissionais do Centro de Referência pontuam as necessidades

de atendimento clínico dos alunos matriculados no Sistema Regular de Ensino. Essas

avaliações trazem a indicação de possíveis terapias ou tratamentos a serem realizados pelos

alunos no Centro de Referência ou em outra instituição especializada. O encaminhamento a

outra instituição clínica ou social é realizado pelo Centro.

29 Dados coletados dos relatórios semestrais de atendimento do Centro de Referência a Alunos Portadores de Necessidades Educacionais Especiais no ano de 2005.

115

A equipe clínica do CRAPNEE realiza um trabalho de apoio ao processo de educação

inclusiva no município de Vila Velha. Porém o número insuficiente de profissionais vem

causando grandes transtornos aos próprios profissionais envolvidos, aos alunos, às famílias e

às unidades escolares que necessitam desse apoio. Tal transtorno ocorre, principalmente, pelo

investimento insuficiente do Poder Municipal somado ao número elevado de matrículas de

alunos que apresentam necessidades educacionais especiais no ensino regular, como podemos

observar nos dados do Inep, que indicam as matrículas da Educação Especial no Ensino

Fundamental municipal (Tabela 8).

ESPÍRITO SANTO – VILA VELHA

2003 2004 2005 2006 Dependência

Educação Especial

Total

Educação Especial

Fundamental

Educação Especial

Total

Educação Especial

Fundamental

Educação Especial

Total

Educação Especial

Fundamental

Educação Especial

Total

Educação Especial

Fundamental

Estadual 142 105 122 90 92 80 72 59 Municipal 0 0 117 100 183 150 0 0

Privada 561 152 611 153 458 104 379 210 Total 703 257 850 343 733 334 461 269

Tabela 8. Dados do Censo Escolar - 2003 a 2006 Fonte: www.inep.gov.br/basica/Escolar/matricula/dafault.asp. Último acesso em: 10 de out. 2007

Os dados do instituto mostram que, até o ano de 2003, o número de alunos com alguma

necessidade educacional especial, com matrícula no Ensino Fundamental não aparecia no

censo escolar do município de Vila Velha. Podemos encontrar explicação para tal

característica em dois motivos: primeiro, o responsável por levantar dados estatísticos sobre

os atendimentos da Educação Especial foi, durante os anos de 2000 a 2003, o CRAPNEE e,

como este não possuía característica escolar, ele não participava do levantamento estatístico

do censo; em segundo lugar, as escolas, acreditando na matrícula do aluno vinculada ao

Centro de Referência não declaravam ao censo sua presença na escola ou, ainda, não se

sentiam seguras em declarar as necessidades educacionais especiais de seus alunos, pois, na

grande maioria das vezes, as escolas não possuíam documento médico que indicasse as

características de seus alunos com necessidades educacionais especiais. Surpreendentemente,

as matrículas de alunos com necessidades educacionais especiais, no município, voltam a não

aparecer nos dados oficiais no ano de 2006.

Mesmo com todo esse transtorno, o crescimento no número de matrículas e o insuficiente

investimento governamental nas metas previstas para a ampliação dos atendimentos do

116

CRAPNEE geraram uma lista de espera muito extensa e grave para alunos que necessitam de

apoio clínico para o desenvolvimento de suas potencialidades cognitivas. Assim, os

profissionais atuantes no CRAPNEE, depois de esgotados todos os pedidos e recursos ao

Poder Municipal, não tiveram outra saída a não ser criar um registro de espera para

atendimentos. Tal registro é enviado a cada final de semestre, junto com relatórios de

atendimento clínico dos profissionais, à Secretaria Municipal de Educação. Lista esta que

torna pública a necessidade de ampliação dos serviços de apoio à Educação Especial em uma

perspectiva inclusiva. Esse registro evidencia a falta de recursos humanos para a composição

das equipes clínica, social e terapêutica do Centro de Referência, conforme podemos observar

nos dados da tabela 9. 30

Área de Atendimento Aguardando atendimento

Setor de Psicologia 224

Setor de Fonoaudiologia 74

Setor de Fisioterapia 27

Tabela 9. Quantitativo de alunos em espera para receber atendimento no CRAPNEE - 2005 Fonte: Núcleo de Educação Especial/CRAPNEE

Finalizando, pontuamos as duas vertentes de atendimento da Educação Especial. São elas as

de atendimento pedagógico e as de atendimento clínico, sabendo, porém, que o foco de

interesse desse estudo, recai sobre o atendimento pedagógico desenvolvido na escola regular,

em observância à proposta de educação inclusiva.

4.3 POLÍTICA PÚBLICA DE ORGANIZAÇÃO DO ENSINO ESPECIAL

No que diz respeito à estrutura organizacional do atendimento, o Plano Municipal de

Educação requer das autoridades educacionais a melhoria das formas de atendimento prestada

aos alunos com necessidades educacionais especiais com o objetivo de “[...] valorizar a

permanência dos alunos nas classes comuns, eliminando a prática de encaminhamento às

classes especiais ou de recursos” (VILA VELHA, 2002, p. 45). O documento ainda pontua, de

forma bastante clara, a ausência de diretrizes políticas, para as escolas municipais, que

30 Em janeiro de 2006, foi realizado concurso público para preenchimento de postos de trabalho na Educação Especial, dentre os quais listamos cargos da área pedagógica: professores especialistas no trabalho com a surdez, no trabalho com a deficiência visual, no trabalho com superdotação e no trabalho com a deficiência mental. Entre os cargos das áreas clínica, social e terapêutica, listamos: médico neurologista, médico psiquiatra, psicólogo, fonoaudiólogo, assistente social, fisioterapeuta e terapeuta ocupacional.

117

viabilizem qualquer outra forma de atendimento educacional ao aluno com necessidades

educacionais especiais que não seja a sala de aula regular.

É de responsabilidade do Núcleo de Educação Especial do município a constituição, nas

unidades de ensino, de outros formatos organizativos do ensino para os alunos com

necessidades educacionais especiais. Ao Centro de Referência cabe prever a articulação entre

outras Secretarias do município que possam, em virtude das peculiaridades do atendimento da

Educação Especial, apoiar, auxiliar e suprir aspectos sociais e clínicos que envolvam o bem-

estar dessa população.

Nesse sentido, apesar de a organização política do atendimento da Educação Especial prever a

articulação entre as diferentes Secretarias, percebe-se que tais momentos são bastante

comprometidos, uma vez que os projetos realizados pelo Centro de Referência, nas

perspectivas de atendimento clínico e social, dificilmente são discutidos ou procuram manter

vínculo com as Secretarias que originam tais intervenções.

Outro aspecto importante seria a articulação entre os diversos níveis e modalidades de ensino

para a elaboração de ações de trabalho pedagógico direcionadas a essa clientela. A ausência

dessa articulação fez com que o Núcleo de Educação Especial do município, durante muito

tempo,31estivesse à margem das propostas educacionais da SEMECE. A ausência de uma

diretriz de atuação conjunta entre os diferentes níveis e modalidades de ensino acaba por

configurar o trabalho da Educação Especial no formato de ações isoladas. Aos poucos, essa

realidade vem sendo mudada, uma vez superada a ausência de um segmento da Educação

Especial dentro da Secretaria de Educação.

A Educação Especial no município de Vila Velha conta com os serviços de apoio

especializados do Centro de Referência e dos professores de Educação Especial. Essa

modalidade de ensino encontra, prevista na Resolução Municipal nº. 9, (CME, 2005), a

implantação, na escola regular, de procedimentos e materiais de apoio que favoreçam o

processo de inclusão educacional. Assim o texto da lei garante:

31 O Núcleo de Educação Especial passa a compor o organograma da Secretaria Municipal de Educação em fevereiro de 2005.

118

a) professores de classes comuns e da Educação Especial capacitados para atendimento

das necessidades especiais dos alunos;

b) flexibilização e adaptações curriculares que considerem o significado prático e

instrumental dos conteúdos;

c) temporalidade flexível do ano letivo;

d) equipamentos e mobiliários adequados para alunos com comprometimento motor;

e) número reduzido de alunos nas classes regulares que possuem matrícula de alunos

com necessidades educacionais especiais, não devendo exceder a 20, incluindo, no

máximo, dois, portadores de deficiência da mesma área de necessidades especiais.

O Plano Municipal de Educação (2002) prevê a implantação gradativa de serviços e

procedimentos que garantam o atendimento do aluno no ensino regular. Assim o Plano

estabelece a:

a) generalização, até 2005, como parte dos programas de formação e serviço, a oferta de

cursos sobre o atendimento básico a educandos especiais, para os professores em

exercício na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, utilizando programas de

educação a distância;

b) generalização, até 2005, da ampliação de testes de acuidade visual e auditiva, em todas

as unidades de ensino, em parceria com a área de saúde;

c) generalização do atendimento aos alunos com necessidades educacionais especiais na

Educação Infantil e no Ensino Fundamental, inclusive por meio de consórcios entre

municípios, provendo, quando necessário, transporte escolar;

d) disponibilização de livros didáticos falados, em Braille e em caracteres ampliados,

para alunos cegos e com visão subnormal com a colaboração da união;

e) implantação e generalização do ensino da Língua Brasileira de Sinais para alunos

surdos e, sempre que possível, para seus familiares e para a unidade escolar, mediante

um programa de formação de condutores, em parceria com organizações não-

governamentais, em colaboração com a União;

f) fornecimento de equipamentos de informática como apoio à aprendizagem do

educando com necessidades especiais, mediante parceria com organizações da

sociedade civil e com a colaboração da União;

g) asseguridade, com a colaboração da União, de transporte escolar com as adaptações

necessárias aos alunos que apresentem dificuldade de locomoção;

h) criação de alternativas de atendimento a alunos com talentos especiais;

119

i) inclusão, no projeto pedagógico das unidades escolares, de atendimento aos alunos

com necessidades especiais, provendo recursos disponíveis e oferecendo formação em

serviço aos professores em exercício;

j) fomento de programas de formação profissional para educandos que apresentem

necessidades educacionais especiais;

k) realização de estudos e pesquisas, especialmente por instituições de ensino superior

sobre as diversas áreas relacionadas com os alunos com necessidades educacionais

especiais;

l) organização e funcionamento de um setor responsável pela educação especial, bem

como pela administração dos recursos orçamentários específicos para atendimento

desta modalidade;

m) implantação de programas de atendimento a alunos com altas habilidades;

n) asseguridade de apoio técnico e financeiro a instituições privadas sem fins lucrativos,

com atuação exclusiva em Educação Especial, que realizem atendimento de qualidade,

atestado por avaliação conduzida pelo Sistema de Ensino.

O documento prevê, ainda, que recursos da ordem de 5% a 6%, vinculados à manutenção e

desenvolvimento do ensino, sejam investidos na promoção e ampliação do atendimento da

Educação Especial no ensino regular.

No que diz respeito a organização do ensino especial no município, baseamos nossas análises

não única, mas primordialmente, em três documentos da Política Pública de Educação

Especial em Vila Velha: trata-se do da Lei Orgânica Municipal (1990), Projeto de

Implantação do CRAPNEE (2001) e do Plano Municipal de Educação (2002). Ambos os

documentos possuem concepções filosóficas a respeito da educação das pessoas com

necessidades educacionais especiais distintas. Enquanto o documento de 2001 traz a questão

do aperfeiçoamento do indivíduo para sua inserção na vida social comum, o de 2002 já indica

avanços que levam à constituição de propostas de adequação dos espaços sociais ao indivíduo

com necessidades educacionais especiais.

A partir dessas considerações, a Proposta de Educação Inclusiva, no município de Vila Velha

inicia, a consolidação de seus fundamentos com a Lei Orgânica Municipal de 5 de abril de

1990. Apesar de fazer referência ao atendimento escolar de todos os alunos, esse é o primeiro

momento, na história dos documentos educacionais municipais, em que é garantido ao aluno

120

com necessidades educacionais especiais o atendimento educacional nas escolas regulares do

município. A lei prevê o atendimento pedagógico e o desenvolvimento, por via da pesquisa,

de novas/outras sistematizações desses atendimentos, reconhecendo a inadequação dos

processos educacionais convencionais a todos os alunos, inclusive àqueles com necessidades

educacionais especiais, como forma de inseri-los no processo educacional. Assim, o texto da

Lei, em seu Título VIII, Capítulo III, Seção I, art. 219, deixa garantido

[...] o desenvolvimento e a pesquisa de novas experiências e de novas propostas relativas a calendário, seriação, currículo, metodologia didática e avaliação objetivando a inserção da criança e do adolescente no processo educacional, incluindo os excepcionais, à margem do ensino fundamental (VILA VELHA, 1990, p. 88).

A Lei assegura, ainda, a educação em creches e pré-escolas para crianças de zero a seis anos

de idade, inclusive aquelas com necessidades educacionais especiais.

Ao município parece claro, no Plano Municipal de Educação, que “[...] a definição de uma

política explícita e vigorosa de acesso à educação, é uma condição para que às pessoas com

necessidades educacionais especiais sejam assegurados seus direitos à educação” (VILA

VELHA, 2002, p. 43). O texto desdobra-se na abrangência de tal política que deve atingir o

“âmbito social” pelo reconhecimento dos alunos com necessidades educacionais especiais

como cidadãos e de seu direito de estarem integrados à sociedade o mais plenamente possível

e, em âmbito educacional, uma política abrangente se caracterizaria quanto a melhorias nos

aspectos administrativos (adequação do espaço escolar, de seus equipamentos e materiais

pedagógicos), na formação de professores e demais profissionais envolvidos (VILA VELHA,

2002).

Outra característica da política municipal é a articulação entre vários setores da área social,

uma vez que o atendimento previsto a essa população não se limita à área educacional, mas

envolve especialistas das áreas da saúde, da psicologia e da assistência social. Ainda nessa

perspectiva, existe a previsão de acesso dos alunos com necessidades educacionais especiais

ao Programa de Renda Mínima relacionado com ações socioeducativas (Lei nº. 9.533/97), por

ser do entendimento de tal política educacional que esse recurso é “[...] um importante meio

de garantir-lhe o acesso e a freqüência na escola” (VILA VELHA, 2002, p. 44).

Na tentativa de atender à expectativa do cenário da educação pública nacional o município de

Vila Velha inicia, no ano de 2001, sua trajetória dentro da Educação Especial, elaborando a

121

proposta do CRAPNEE. Elaboração seguida da implantação do Centro de Referência que tem

como principal objetivo “[...] a concretização de uma ação política pública do Governo

Municipal de Vila Velha comprometida com a inclusão social das pessoas portadoras de

necessidades educacionais especiais” (VILA VELHA, 2001, p. 1).

Observa-se aqui que, ao passo que o documento de 2002, define uma política de acesso à

educação caracterizada por melhorias e adequações do espaço escolar, seus equipamentos,

materiais pedagógicos e principalmente melhorias no processo de formação de professores, o

documento de 2001 deixa claro que a implantação do Centro de Referência concretiza uma

ação política do Governo municipal de Vila Velha comprometida com o movimento de

inclusão educacional. Enquanto o documento de 2002 propõe a transformação do espaço e do

contexto escolar como garantia de processos de inclusão educacional, o de 2001 sugere a

criação de um espaço extra-escolar para inclusão de alunos com necessidades educacionais

especiais. Podemos observar um avanço significativo do documento de 2001 para o de 2002,

uma vez que este último prima pela transformação do aparelho escolar, na tentativa de

adequar-se a essa clientela que começa a freqüentar o ensino regular, proposta esta alicerçada

em uma perspectiva inclusiva. Enquanto a concepção filosófica embasadora da idealização do

Centro de Referência (2001) é mais próxima do movimento de integração, buscando adequar

os alunos com necessidades educacionais especiais ao convívio da escola regular.

Considerados esses aspectos, a organização do ensino para atendimento da Educação Especial

tem início com a criação do Centro de Referência, CRAPNEE. O Centro tem a intenção de se

constituir como modelo alternativo de apoio as Unidades de Ensino regular, no atendimento

dos alunos com necessidades educacionais especiais, promovendo serviços especializados na

área clínica e apoio didático pedagógico às diferentes áreas de deficiência, de condutas típicas

e de altas habilidades. Seu projeto de implantação visa “[...] viabilizar condições de melhoria

dos padrões de qualidade na oferta da educação especial” (2001, p. 1), nos diferentes níveis de

ensino.

A proposta de implantação do Centro de Referência objetiva assegurar condições de provisão

de apoio psicopedagógico e de complementação didática pedagógica às unidades de ensino

fundamental e infantil,

- favorecendo a integração de alunos com necessidades educacionais especiais e severas dificuldades de desenvolvimento em classes comuns; - garantindo a oferta de educação precoce e intermediária (interação educativa adequada) para crianças com necessidades educacionais especiais matriculadas na educação infantil;

122

- atendendo com presteza e de forma imediata, as variadas demandas decorrentes da diversidade das programações escolares; - capacitando profissionais das Unidades, prioritariamente os que atuam junto a alunos com necessidades educacionais especiais; - desenvolvendo programas de qualificação profissional de estudantes com necessidades educacionais especiais visando suas inserção no mercado de trabalho; - estimulando a permanência do aluno especial nas Unidades de Ensino proporcionando-lhes atividades alternativas de educação física, esporte, lazer e desenvolvimento da criatividade (VILA VELHA, 2001, p. 7).

São caracterizadas como estratégias de ação do Centro de Referência:

- avaliação educacional e / ou clínica; - atendimento ao aluno no turno inverso, nas áreas de ação social, saúde, trabalho, arte, educação física e ação pedagógica – habilitação e reabilitação; - encaminhamento de alunos aos serviços de melhor resolutividade,. Quando for o caso em parceria com outras instituições; - acompanhamento de alunos atendidos; - apoio e orientação à família, escola e a comunidade; - formação continuada de professores que turmas que incluam alunos com necessidades educacionais especiais (VILA VELHA, 2001, p. 9).

O projeto de implantação de Centro ainda prevê a capacitação de recursos humanos,

materiais, físicos e financeiros, porém não indica os espaços/tempos de formação e

privilegiam professores que possuem matrícula de alunos com necessidades educacionais

especiais em suas salas de aula, dando uma característica emergencial aos processos de

formação continuada.

A análise desse documento deixa clara uma perspectiva da educação especializada: a de

atrelar a uma perspectiva pedagógica o atendimento clínico. Acreditado por uma vertente

positivista, o atendimento clínico, associado a uma perspectiva educacional, acaba por limitar

a tentativa de elaboração de estratégias pedagógicas e ou educacionais de atendimento ao

aluno com necessidades educacionais especiais na escola regular. Diante da atuação

especializada, característica até dos profissionais da educação requisitados para atuar no

órgão, fica nítida e clara a preocupação em uma vertente ainda patológica da deficiência. Uma

vertente que valoriza os aspectos clínicos em detrimento dos educacionais. Nesse sentido,

como uma espécie de veredicto, os laudos clínicos na escola regular muitas vezes foram e

ainda são utilizados como prerrogativas de não aprendizagem. Os acompanhamentos clínicos

e laudos médicos são importantes para a saúde e o bem-estar dos alunos, porém eles não

estabelecem processos de aprendizagem. Profissionais da educação têm estado preocupados

com laudos que indiquem limitações, como se estes fossem capazes de determinar os

123

percursos pedagógicos que a escola deve trilhar para alcançar aprendizagens satisfatórias dos

alunos que apresentem necessidades educacionais especiais.

Os laudos e os médicos dizem do bem-estar físico e clínico. Os percursos da aprendizagem

das pessoas são, ou deveriam ser, da alçada de conhecimento daqueles que ensinam, ou seja,

dos profissionais da educação. Se não o são, poderíamos eleger vários fatores para justificar

essa afirmativa. Um deles é que os processos de formação docente, tanto inicial quanto

continuada, devem ser analisados, avaliados e confrontados com os resultados alcançados na

escola.

Na tentativa de constituir processos de ensino mais fecundos na escola regular, o Núcleo de

Educação Especial, responsável pela estruturação do trabalho pedagógico de atendimento aos

alunos com necessidades educacionais especiais na SEMECE, volta-se mais profundamente

às questões da escola, construindo com ela outras possibilidades de intervenção e

acompanhamento dos processos de escolarização desses alunos. Nesse sentido, um ponto

importante do trabalho realizado pelos profissionais desse núcleo foram os processos de

formação continuada desenvolvidos nas unidades de ensino. Ponto este que será discutido

mais a fundo neste trabalho.

Atualmente, a política pública de atendimento ao aluno com necessidades educacionais

especiais no município de Vila Velha prevê a essa população atendimento pedagógico

especializado, realizado em classes do ensino regular e em Centro de Referência de

atendimento clínico e social específico às necessidades dos alunos em qualquer etapa ou

modalidade da educação básica. Prevê, ainda, na organização das unidades de ensino, a

garantia de atendimento educacional adequado ao que se refere a currículos adaptados,

métodos, técnicas, material de ensino diferenciado, processos avaliativos considerando o

desenvolvimento do aluno, além de professores especialistas habilitados em nível médio ou

superior, para atendimento especializado e articulação com a equipe pedagógica da escola,

para a elaboração de instrumentos e registros avaliativos contempladores da diversidade dos

alunos com necessidades especiais, bem como capacitação permanente de professores do

ensino regular.

Sobre o item referente à capacitação de professores, levantaremos alguns aspectos presentes

na Política Pública do município. Anterior a esse momento, identificaremos aspectos legais

124

referentes à formação profissional do educador para atuação com alunos que apresentam

necessidades educacionais especiais matriculados no ensino regular. Assim, temos um

panorama legal quanto à formação de professores, que tem início com os princípios firmados

na Constituição Federal de 1988, que são reafirmados com a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (LDB) nº. 9. 394/96 e, finalmente, explicitados e direcionados pela

Resolução nº. 2 do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica, de 11 de

setembro de 2001. As diretrizes nacionais prevêem formação específica para atuação com

esses alunos e recomendam que tal formação seja constituída em curso de formação inicial,

seja em nível médio, seja superior.

125

5 ENQUADRAMENTOS POLÍTICO E LEGISLATIVO PARA A FORMAÇÃO

CONTINUADA DE PROFESSORES NO BRASIL: FACES DA FORMAÇÃO DE

PROFESSORES PARA A ATUAÇÃO COM ALUNOS QUE APRESENTAM

NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS

A Legislação Nacional dispõe, nos artigos da Constituição Federal, da Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional n.º 9.394/96, e no texto da Resolução CNE/CEB nº 2, de 11 de

setembro de 2001, as determinações sobre aspectos da formação docente no atendimento aos

alunos com necessidades educacionais especiais no ensino regular.

Começamos nossas análises com o texto da Constituição Federal de 1988 que, em seus arts.

205 ao 214, trata da questão do direito à educação e seus fundamentos. Especificamente em

seu art. 208, a legislação deixa claro o dever do Estado com a educação das pessoas que

apresentam necessidades educacionais especiais que será efetivado mediante “[...] a garantia

de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na

rede regular de ensino”.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n.º 9.394/, em seu art. 58, define a

Educação Especial como modalidade da educação escolar oferecida, preferencialmente, na

Rede Regular de Ensino, para educandos que apresentam necessidades educacionais

especiais. Posterior ao momento de conceituação, a legislação sugere apoios à escola regular,

quando o texto da lei declara que “[...] haverá, quando necessário, serviços de apoio

especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação

especial” (BRASIL, 1997, p. 40, grifo nosso).

No que se refere à formação de professores, o texto da lei, em seu art. 61, elege como seus

fundamentos “[...] a associação entre teorias e práticas inclusive mediante a capacitação em

serviço e o aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e

em outras atividades” (p. 41-42).

A formação docente para atuação na Educação Básica, segundo a lei, far-se á em “[...] nível

superior, em curso de licenciatura e graduação plena” (art. 62, p. 42). Quanto ao lócus da

formação, o texto legal define que tal formação acontecerá em universidades e institutos

superiores de educação, admitida como formação mínima para o exercício do magistério na

126

educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental. Determina, ainda, que

os institutos superiores de educação mantenham “[...] programas de educação continuada

para os profissionais de educação dos diversos níveis” (art. 63, p. 42) e responsabilizam os

sistemas de ensino com o dever de promover a valorização dos profissionais da educação

assegurando-lhes, nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público,

“[...] aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico

remunerado para este fim [...] e período reservado a estudos, planejamento e avaliação,

incluídos na carga horária de trabalho” (BRASIL, 1997, p. 41-43).

Ainda na LDB n.º 9.394/96, existe um apontamento sobre a formação do profissional para

atendimento dos alunos com necessidades educacionais especiais incluídos no ensino

regular. Não existe orientação para o desenvolvimento de processos de formação continuada

para o atendimento dessa clientela, porém o texto da lei considera que serão assegurados aos

educandos com necessidades educacionais especiais “[...] professores com especialização

adequada em nível médio ou superior [...] bem como professores do ensino regular

capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns” (BRASIL, 1997, p. 41).

Por professores capacitados, entendemos que são aqueles preparados para atuar em classes

comuns com alunos que apresentam necessidades educacionais especiais que comprovem

que, em sua formação, de nível médio ou superior, foram incluídos conteúdos sobre

educação especial adequados ao desenvolvimento de competências e valores para:

I - perceber as necessidades educacionais especiais dos alunos e valorizar a educação inclusiva; II - flexibilizar a ação pedagógica nas diferentes áreas de conhecimento de modo adequado às necessidades especiais de aprendizagem; III - avaliar continuamente a eficácia do processo educativo para o atendimento de necessidades educacionais especiais; IV - atuar em equipe, inclusive com professores especializados em educação especial (BRASIL, 2001, 77).

A mesma legislação, em seu inciso II, considera professores especializados em Educação

Especial aqueles que

[...] desenvolveram competências para identificar as necessidades educacionais especiais para definir, implementar, liderar e apoiar a implementação de estratégias de flexibilização, adaptação curricular, procedimentos didáticos pedagógicos e práticas alternativas, adequados ao atendimento das mesmas, bem como trabalhar em equipe, assistindo o professor de classe comum nas práticas que são necessárias para promover a inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais (BRASIL, 2001, 78).

127

Ambas as definições tratam de formação inicial de professores, não fazendo referência aos

processos de formação continuada. Sobre esse item, o Parecer CNE/CEB n.º 17/2001

prescreve que a fundamentação legal e conceitual que preside a formação de professores de

professor, professor generalista e do professor para a Educação Especial é estudo próprio da

educação superior, não tratando mais especificamente do assunto por se tratar de matéria da

Comissão Bicameral do CNE, encarregada das Diretrizes Nacionais para a formação de

professores.

Quanto aos programas de formação em serviço, a legislação nacional sugere manutenção de

condições para

[...] reflexão e elaboração teórica da educação inclusiva, com protagonismo dos professores, articulando experiência e conhecimento com as necessidades/possibilidades surgidas na relação pedagógica, inclusive por meio de colaboração com instituições de ensino superior e de pesquisa (BRASIL, 2001, p. 72).

Nesse sentido, legislação nacional nos dá subsídios legais que garantem a transformação da

estrutura organizativa da escola, de modo a beneficiar os processos de estudo e reflexão

pedagógica dos profissionais na comunidade escolar, como forma de sustentabilidade do

processo inclusivo. Ressaltamos a importância de os processos de formação docente serem

contemplados nas políticas públicas de educação, para que se busque, com mais êxito, a

implementação das propostas de educação inclusiva.

O mesmo parecer orienta os Sistemas de Ensino sobre o provimento de ações destinadas à

capacitação de recursos humanos para atender às demandas desses alunos. Garante também

o oferecimento de oportunidades de formação continuada, inclusive em nível de

especialização, pelas instâncias educacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e

dos Municípios.

5.1 A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NA PERSPECTIVA DA

INCLUSÃO EDUCACIONAL NO MUNICÍPIO DE VILA VELHA

Orientado pela política nacional de inclusão educacional, o município de Vila Velha direciona

suas ações no sentido de obedecer às determinações nacionais. Assim, quanto ao quesito

formação docente, a legislação municipal restitui o compromisso com a capacitação do

professor e determina seus agentes de execução. As orientações governamentais prevêem que

128

seja realizada a capacitação dos profissionais das unidades de ensino, prioritariamente,

aqueles que atuam com alunos que apresentam necessidades educacionais especiais.

Na tentativa de acatar a determinação legal, as metas do Plano Municipal de Educação

prevêem a generalização dos programas de formação em serviço, oferta de cursos sobre o

atendimento básico a educandos especiais, para os professores em exercício na educação

infantil e no ensino fundamental, utilizando, inclusive, programas de educação a distância.

Nesse sentido, a legislação deixa clara a responsabilidade do Sistema de Ensino, no que diz

respeito aos processos de formação docente, e abre a possibilidade para que tal formação seja

realizada de forma contínua, caracterizada como formação em serviço. Apesar da orientação

municipal para a concretização desses momentos de formação docente, são encontradas

extremas dificuldades na efetivação de um calendário que viabilize a eleição de um tempo

separado para formação contínua de professores. Por outro lado, é bastante cerceada a

autonomia das unidades de ensino em elaborar cronograma e projeto próprio para que a

formação continuada se dê dentro da escola e em horário de serviço.

A dificuldade está na organização dos momentos, já que a mesma legislação que define a

existência desses processos de formação continuada é também a que exige o cumprimento de

200 dias letivos, com quatro horas e meia por dia de efetivo trabalho escolar.

Percebemos, assim, que o tempo cronológico historicamente instituído na escola é quase

soberano e dificilmente flexibilizado.

Sabendo das dificuldades encontradas diariamente pela escola na tentativa de incluir o aluno

com necessidades educacionais especiais e que fazem com que a instituição escolar se debata

em tentativas de pensar seus próprios problemas, a legislação municipal pontua alguns

aspectos dos processos de formação continuada em serviço.

A Lei n.º 3.964/02, que dispõe sobre o plano de cargos, carreira e remuneração do Magistério

Público de Vila Velha, em seu art. 10º, traça, como objetivo da capacitação profissional, “[...]

o aprimoramento permanente do processo de ensino” sendo assegurado por meio de “[...]

cursos de aperfeiçoamento ou atualização, em instituições credenciadas ou promovidas pelo

próprio Sistema de Ensino municipal”, considerados, com efeito, de titulação, “[...] aqueles

129

que requerem participação e aproveitamento para expedição dos certificados correspondentes”

(VILA VELHA, 2002, p. 85).

A mesma legislação determina que a “[...] qualificação profissional deve ser desenvolvida

preferencialmente através dos programas de aperfeiçoamento em serviço e que não afaste o

professor da sala de aula” (VILA VELHA, 2002, p. 85).

O Plano Municipal de Educação assume o compromisso de generalizar, até 2005, a “[...]

oferta de cursos sobre o atendimento básico a educandos especiais, para os professores na

educação infantil e no ensino fundamental, utilizando inclusive a TV escola32 e outros

programas de educação à distância” (VILA VELHA, 2002, p. 46).

A Resolução nº. 09/2005, em seu art. 7º, prevê, para o atendimento especializado de alunos

com necessidades educacionais especiais, “[...] professores com especialização, habilitados

em nível médio ou superior, bem como capacitação permanente de professores do ensino

regular”. Em seu art. 13º, o texto da lei traz a garantia de “[...] promoção de oportunidades de

formação e capacitação de professores para atuarem na Educação Especial” (CME, 2005, p.

4).

A Lei nº. 4.100 estabelece em, seu art. 22º, a responsabilidade do gestor do estabelecimento

de ensino em identificar dificuldades dos docentes e promover cursos de melhoria dos

desempenhos. O texto da lei determina também as características dos processos de formação

docente. Assim, segundo os arts. 69º e 73º, a formação dos profissionais da educação terá

como fundamentos: associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em

serviço; atualização e aperfeiçoamento sistemáticos, inclusive com licenciamento periódico

remunerado para esse fim; treinamento especial para os profissionais que trabalham com os

alunos especiais; período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga

horária de trabalho; jornada semanal mínima de 25 horas de trabalho, com atividades de

docência, atualização, planejamento, avaliação e recuperação de alunos, entre outras.

32 No documento municipal, a utilização da TV Escola objetiva formar professores na modalidade a distancia, com custos baixos e em curto tempo.

130

5.2 CONSTRUINDO A PRÁTICA PEDAGÓGICA INCLUSIVA PELA VIA DA

FORMAÇÃO CONTINUADA

Diante de todas as orientações municipais para a efetivação de processos que objetivassem a

formação continuada de professores em serviço, no ano de 2005, o Núcleo de Educação

Especial do município realizou, com 15 unidades de ensino fundamental e de educação

infantil, um processo33 de formação continuada com início em abril e término em novembro

do mesmo ano.

O projeto, que deu origem ao processo de formação continuada sob o título “Construindo a

prática pedagógica inclusiva pela via da formação continuada” (SECRETARIA MUNICIPAL

DE EDUCAÇÃO CULTURA E ESPORTE, 2005) objetivou “[...] trabalhar o conhecimento

científico com vistas ao aprimoramento da prática pedagógica das escolas a partir da

construção coletiva de seus profissionais tendo como objetivo a concretização da escola

inclusiva” (p. 2). A proposta também possibilitou a construção do conhecimento científico

tendo como premissa a pesquisa da prática docente e o trabalho coletivo na escola.

Foi ainda objetivo da proposta promover o aprimoramento do conhecimento e a reflexão

sobre a temática da inclusão. Em conjunto, professores de classes regulares, professores de

Educação Especial e pedagogos das 15 unidades de ensino envolvidas discutiram a

diversidade e as especificidades dos alunos, por meio de propostas teórico-práticas inclusivas,

visando à construção conjunta de estratégias de intervenção que atendam à diversidade do

cotidiano escolar. O grupo foi constituído por quatro profissionais de cada uma das 15

unidades eleitas. Dentre os quatro, a Secretaria de Educação indicou a presença de um

pedagogo, dois professores de classe comum e o professor de educação especial da escola.

O processo iniciado em 2005 tem, como fundamentos de sua elaboração, a discussão, nas

unidades de Educação Infantil e Ensino Fundamental, de uma perspectiva de “[...] escola que

atenda a todos, indistintamente, e que possa ser repensada em função das novas demandas da

sociedade atual e em função de seus novos atores sociais” (SECRETARIA MUNICIPAL DE

EDUCAÇÃO CULTURA E ESPORTE, 2004, p. 2). Caracteriza ainda o movimento de

33 Esse não foi o único processo de formação continuada em serviço voltado para o atendimento a alunos com necessidades educacionais especiais realizado pelo Núcleo de Educação Especial, porém vamos direcionar nossas análises para esse momento de formação.

131

inclusão educacional como um desafio posto aos profissionais da educação e os momentos de

formação continuada como processos permanentes em que os docentes estabelecem um fio

condutor entre suas práticas e a teoria educacional.

Dessa forma, a proposta municipal acredita que as mudanças significativas nas práticas

convencionais de ensino ocorrerão a partir do momento em que o sistema de ensino se propõe

a pensar a formação continuada dos educadores. Assim, apoiado em Ainscow (1997), o texto

do projeto revela:

Se queremos que a formação de professores tenha um impacto significativo sobre seu pensamento e a sua prática, ela tem de estar intimamente ligada ao aperfeiçoamento da escola[...] isso implica mudanças no local de trabalho e na forma como se organiza a formação do pessoal nas escolas (AINSCOW, 1997, apud SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO CULTURA E ESPORTE, 2004, p. 4).

A primeira fase do processo de formação continuada configurou-se em momentos de estudo e

reflexão à luz de referenciais teóricos específicos, em que os profissionais traziam às

discussões a problemática vivenciada por eles no cotidiano da escola. Esses momentos

aconteciam quinzenalmente no período noturno. Assim, os encontros, com duração de três

horas e meia, eram realizados no auditório do Centro de Capacitação e Aperfeiçoamento

Profissional (TITANIC), localizado no Centro de Vila Velha. A primeira fase do processo

configurou-se como um minicurso em que as temáticas teóricas eram discutidas suscitando o

debate de situações cotidianas vivenciadas pela escola. As temáticas abordadas (Quadro 2)

foram as seguintes:

18-04-2005 Apresentação da proposta Valores sociais e perspectivas – o tratamento dado à pessoa com deficiência ao longo da história/Inclusão: um movimento social

02-05-2005 Diferença significativa e deficiência: reconstruindo o conceito de diversidade

16-05-2005 Diferentes concepções de inclusão educacional no Brasil e no mundo. Políticas públicas de educação voltadas para inclusão educacional

30-05--05 Princípios da escola inclusiva Currículo inclusivo: a importância do planejamento sistematizado na ressignificação do processo de ensino-aprendizagem

06-06-2005 Avaliação investigativa e formativa

20-06-2005 Práticas pedagógicas inclusivas: ensino em multiníveis e projeto educativo

04-07-2005 Adaptações curriculares Fechamento da primeira fase e encaminhamentos

Quadro 2: Temáticas desenvolvidas na 1ª fase do processo de formação continuada realizado no ano de 2005, pelo Núcleo de Educação Especial – (SEMECE) Fonte: Núcleo de Educação Especial – (SEMECE)

132

Inicialmente, o grupo contava com 92 participantes, número que cresceu muito devido ao

interesse de outras escolas e de outros professores que não foram contemplados com a

oportunidade de formação. Isso porque, neste primeiro ano de formação, apenas 15 unidades

de ensino tiveram a oportunidade de participação nesse grupo de estudo. Esse número

pequeno de unidades envolvidas deve-se à quantidade reduzida de profissionais que compõe o

Núcleo de Educação Especial para acompanhamento dos profissionais envolvidos em suas

escolas de origem.

A segunda fase, que teve início no segundo semestre, após o recesso de julho, foi marcada

pela continuidade dos encontros quinzenais e pelo acompanhamento da prática docente dos

professores e das escolas participantes do processo. Tal acompanhamento se deu por meio de

visitas sistemáticas às escolas, pelos assessores do Núcleo de Educação Especial, responsáveis

por orientar as instituições de ensino na realização do trabalho pedagógico diferenciado. Essas

orientações, geralmente, foram realizadas em momentos de planejamento coletivo, quando as

intervenções eram estudadas e, conjuntamente, elaboradas e discutidas com grande parte dos

profissionais da escola (Quadro 3).

10-08-2005 Projeto educativo: relato de uma experiência

29-08-2005 Ensino em multiníveis

05-09-2005 Pedagogia diferenciada:extratos de uma prática voltada para a diversidade

19-09-2005 Pensando e construindo projetos educativos e projetos em multiníveis

03-10-2005 Ressignificando a avaliação

17-10-2005 Orientação aos grupos para orientação de trabalhos

31-10-2005 Orientação aos grupos para orientação de trabalhos

Quadro 3: Temáticas desenvolvidas na 2ª fase do processo de formação continuada realizado no na de 2005 pelo Núcleo de Educação Especial– (SEMECE) Fonte: Núcleo de Educação Especial – (SEMECE)

A última fase do processo de formação continuada proposta pelo Sistema Municipal de

Ensino, no ano de 2005, aconteceu nos dias 16 e 17 de novembro, com a realização do I

Seminário de Educação Inclusiva: a prática pedagógica voltada para a diversidade. Nesse

evento, as escolas e os profissionais que participaram do processo anual de formação docente,

promoveram discussões relativas ao trabalho desenvolvido pela escola em conjunto com os

profissionais do Núcleo de Educação Especial. Tais discussões foram disparadas por meio da

133

apresentação, em mesas-redondas e pôsteres, de trabalhos desenvolvidos nas escolas pelos

docentes, em conjunto com os profissionais do Núcleo de Educação Especial.

As impressões a respeito do processo de formação continuada que aconteceu durante todo o

ano de 2005 são positivas e, no intuito de conseguir expô-las, seguindo uma organização

prévia, vamos enumerar e discutir alguns pontos que nos chamaram a atenção, no que se

refere ao envolvimento dos professores nesse processo. Assim, dos pontos que mais

chamaram a atenção, listamos: interesse em participar, participação no processo de discussão

e projetos desencadeados a partir das temáticas desenvolvidas pelo grupo de estudo durante o

processo de formação contínua.

Logo que o Núcleo de Educação Especial da Secretaria de Educação se propôs a executar a

proposta de formação continuada na rede, o primeiro passo rumo à concretização do projeto

foi delimitar o número de profissionais a serem envolvidos, eleger as escolas que seriam

convidadas e, finalmente, convidá-las a participar do grupo. Assim, ficou definido, na

organização da proposta, que seriam abertas oportunidades de participação a quatro

profissionais de cada escola eleita, a saber: o professor de educação especial, o pedagogo e

dois professores de sala de aula regular.

Dessa forma, as demonstrações de interesse profissional em participar dos momentos de

discussão mostravam seus indícios antes mesmo do início do processo. Logo que as escolas

eleitas à participação começaram a organizar suas demandas, aquelas que ficaram à margem

do processo começaram também a reivindicar participação, seja porque possuíam matrícula

de alunos com necessidades educacionais especiais, seja porque temiam receber alunos com

essas características ou ainda porque não queriam ser excluídos e, se o Sistema é público e o

“[...] curso é de inclusão há uma incoerência muito grande nisso aí” como se manifestou uma

pedagoga não participante da formação. Os motivos foram os mais diversos possíveis, porém

todos traziam em si uma vertente política e democrática de participação num movimento que

poderia apontar alguma possibilidade de ressignificar o fazer diário dos(as) professores(as). A

necessidade de estudar e compreender melhor o universo da rotina de uma sala de aula com

alunos especiais incluídos foi uma justificativa para que eles(as) iniciassem o processo de

formação. O interesse dos docentes também pode ser comprovado pelas listas de freqüências

assinadas pelos professores no momento de chegada no local de formação. Lembramos que a

formação foi realizada no período noturno, com início às 18 horas. Nesse horário, muitos

134

professores, já haviam trabalhado em dois turnos e, mesmo assim, às vezes até sem

disposição, faziam-se presentes, demonstrando um movimento de resistência que também

surge carregado de um contexto político da ação docente.

A participação no processo de discussão começou de forma tímida nos primeiros dois

encontros. Fenômeno compreensível, uma vez que um lugar novo, pessoas novas,

pesquisadores da UFES, tudo isso contribui para certa timidez inicial que, rapidamente, foi

superada pela dinâmica que o grupo de professores imprimiu as discussões. Nesse ponto, um

item que chamou nossa atenção foi a colocação de uma professora, logo nos primeiros

momentos de discussão, que demonstrou sua insatisfação em não poder discutir abertamente

os problemas da escola dela, pois, por mais próximos que sejam, os problemas das escolas são

bastante diferenciados. A fala da professora convoca a momentos de discussão compartilhada

e estudo dento da escola, um lócus privilegiado de formação docente.

No decorrer dos estudos e discussões, os projetos desencadeados nas escolas, a partir das

temáticas desenvolvidas pelo grupo de estudo, também se tornaram uma grata surpresa,

tamanha a cautela, zelo e profissionalismo com que foram realizados. Nesse momento, os

docentes nos deixaram muito clara a relação estabelecida por eles na congruência teoria e

prática. Relação esta que se fazia presente não na internalização de técnicas ou procedimento

a respeito da intervenção com aluno que apresenta necessidade educacional especial, mas na

fundamentação das estratégias e dinâmicas utilizadas. Essa fundamentação movimentava uma

inquietação problematizadora a cada intervenção.

135

6 METODOLOGIA A opção metodológica que fizemos para este estudo é a pesquisa-ação crítica, baseada em

Carr e Kemmis (1988). Inicialmente, caracterizamos e elegemos as fontes, estratégias,

procedimentos além da forma de organização e apresentação dos dados que nos serviram de

análise.

Pontuamos que os dados do estudo foram colhidos em três instâncias, a saber: a escola onde a

intervenção foi realizada, o grupo de formação continuada desenvolvido pela SEMECE no

ano de 2005 e na Secretaria Municipal de Educação. Assim, em cada um dos espaços, os

seguintes itens ocuparam o centro de nossas análises:

a) na Secretaria Municipal de Educação: buscamos conhecer as diretrizes municipais

para a formação continuada dos professores por meio da leitura das propostas de

formação em alguns documentos municipais. Tivemos a preocupação de não nos

debruçar apenas sobre os documentos que tratavam especificamente da área da

Educação Especial, buscando, assim, conhecer o ordenamento dos direitos docentes e

dos planos de ação governamental para a formação continuada de professores na

educação municipal. Fizemos, então, a leitura dos seguintes documentos: Plano

Municipal de Educação (2002); Projeto de Implantação Centro de Referência ao

Aluno Portador de Necessidades Educacionais Especiais (CRAPNEE) 2001;

Resolução nº. 9, do Conselho Municipal de Educação, datada de 17 de maio de 2005,

que fixa as diretrizes da Educação Especial no Sistema Municipal de Ensino; Lei nº.

4.100/2003, que institui o Sistema Municipal de Ensino; e, finalmente, Lei Orgânica

Municipal, datada de 5 de abril de 1990;

b) no grupo de formação continuada com os professores do Sistema de Ensino de Vila

Velha: avaliação realizada pelos profissionais envolvidos no processo ao final de cada

encontro; registros de atividades desenvolvidas por esses profissionais no processo de

formação continuada; diário de campo da pesquisadora;

c) no contexto escolar: construção, discussão e organização da proposta de pesquisa,

observação do cotidiano escolar; planejamento coletivo das intervenções realizadas

com professores; entrevistas; sistematizações e conclusões a respeito do trabalho

desenvolvido com professores; elaboração conjunta e acompanhamento da atividade

pedagógica com vistas a desenvolver com os docentes a ressignificação de suas

práticas.

136

Diante da disposição dos procedimentos de pesquisa, a organização dos dados pôde ser

agrupada em momentos distintos:

a) primeiro momento: constitui a caracterização do Sistema de Ensino de Vila Velha;

b) segundo momento: aponta as diretrizes legais do município para a formação

continuada de professores;

c) terceiro momento: busca trazer a contribuição dos docentes ao delineamento e

elaboração de ações governamentais de formação, por meio das experiências

emergidas na escola com a colaboração/interação entre a pesquisa e os processos de

formação continuada docente.

Diante das proposições do estudo, passemos às análises a respeito da natureza da pesquisa e

dos princípios teóricos e metodológicos orientadores do estudo.

6.1 NATUREZA DO ESTUDO

Um dos grandes desafios colocados à pesquisa, na área da formação de professores,

atualmente, está no aprimoramento e na construção de técnicas de investigação que garantam

estratégias capazes de deixar claro aos pesquisadores que “[...] situações são forçadas por

condições objetivas e subjetivas e como tais condições podem ser transformadas” (CARR;

KEMMIS, apud PEREIRA; ZEICHNER, 2002, p. 28).

Mizukami et al., (2002) aponta que uma condição subjetiva dessa dificuldade talvez resida no

fato de o tempo da escola distinguir-se de maneira significativa do tempo da pesquisa.

Enquanto o tempo da pesquisa demonstra uma característica mais elástica, o tempo da escola

é curto e assolado por uma série de fazeres que configuram as ações da escola como

imediatistas e longe de uma característica reflexiva. Dessa forma, o que tem caracterizado

grande parte da experiência educacional que a autora descreve é a “urgência” e, em nome

dela, “pouco importa” que a solução dos problemas vivenciados “[...] seja construída pela

escola como um todo, por um grupo de professores ou por pessoas estranhas desde que seja

revelada uma luz no fim do túnel” (MIZUKAMI, 2002, p. 42).

Caracterizando uma condição objetiva, a autora destaca a postura dos professores que

demoram em perceber que as soluções vindas de fora não resolvem grande parte dos

137

problemas educacionais vivenciados pela comunidade escolar. Não se sentem

responsabilizados diante da problemática educacional que depende da contribuição e atuação

direta desses profissionais para ser compreendida e direcionada a momentos de menor

turbulência.

Diante da preocupação em considerar essas expectativas, é que lançamos mão de uma

abordagem qualitativa de pesquisa que considere a peculiaridade do objeto de conhecimento

que pretendemos analisar: “[...] os fenômenos sociais, os fenômenos educativos. O caráter

subjetivo e complexo destes requer uma metodologia de investigação que respeite sua

natureza” (GÓMES, 2000, p. 99).

Na tentativa de respeitar a natureza do fenômeno educativo, trabalhamos na perspectiva de

pesquisa-ação, priorizando a intencionalidade e o sentido de toda a investigação educativa que

é “[...] a transformação e o aperfeiçoamento da prática” (GOMES, 2000, p.101). Enxergamos,

nessa proposta, uma abordagem essencialmente qualitativa, uma vez que “[...] se pretende

uma investigação não apenas sobre educação, mas também que eduque, que o próprio

processo de investigação e o conhecimento que produz sirva para a transformação da prática”

(ELLIOTT, apud GÓMES, 2000, p.101).

Um ponto que caracteriza, incondicionalmente, a investigação que pretendemos aqui

fundamentar é o que Gómes chama de intencionalidade educativa da investigação. Para esse

autor,

O objetivo da investigação educativa não pode ser somente a produção de conhecimento generalizável, já que sua aplicação será sempre limitada e mediada com o aperfeiçoamento dos que participam concretamente em cada situação educativa – a transformação de seus conhecimentos, atitudes e comportamentos. O conhecimento pedagógico não será útil nem relevante ao menos que se incorpore ao pensamento e à ação dos agentes, dos professores(as) e dos alunos(as) (GÓMES, 2000, p. 101).

A investigação proposta para este estudo não tem como finalidade a previsão nem o controle

dos fenômenos estudados, mas pretende, como nos orienta Gómes (2000, p. 104), “[...]

compreender tais fenômenos e a formação dos que participam neles para que sua atuação seja

mais reflexiva, rica e eficaz”.

A perspectiva interpretativa do estudo nos permite “[...] mergulhar na complexidade dos

acontecimentos reais e indagar sobre eles com a liberdade e flexibilidade que as situações

138

exigirem” (GÓMES, 2000, p. 106), abrindo-nos um leque de possibilidades diferenciadas de

atuação em frente à realidade apresentada e estudada, permitindo que possamos ressignificar

concepções naturalizadas da realidade tida como ideal criada a partir da reprodução de um

ideal hegemônico de sociedade. Nesse sentido, ainda no dizer desse autor, “[...] investigar

para intervir na escola requer compreender o meio complexo que preside e medeia as trocas

simbólicas entre os indivíduos e grupos que a compõe” (2000, p. 110).

Diante dessas considerações, pretendemos um estudo que “[...] articule uma concepção de

investigação educativa que atinja as metas e os propósitos emancipadores característicos de

uma ciência social crítica” (CARR; KEMMIS, 1988, p. 163) a partir do entendimento e do

reconhecimento do espaço escolar como lugar legítimo de produção e sistematização de

conhecimentos. Nesse contexto, cabe ao pesquisador “[...] buscar propostas metodológicas de

pesquisa que possibilitem criar condições de reflexividade-crítica individuais e coletivas que

ultrapassem a dimensão pedagógica e que apontem na direção de mudanças mais amplas”

(JESUS, 2005, p. 4). É papel desse sujeito, ainda, levar, mediante processos de análise dos

problemas da escola, o grupo de docentes a descobrir “[...] a realidade cultural de

comportamentos, de idéias e de valores que acreditavam absolutos, porque vividos”

(BARBIER, 2004, p. 124). Descortinar “[...] as dimensões políticas implícitas e seus efeitos

manipuladores [podendo assim enumerar os] enganos sobre as causas profundas da ação e

sobre a legitimidade da finalidade” (p.124).

Nesse contexto, encontramos, na perspectiva de pesquisa-ação, uma possibilidade de fazer

com que os professores pensem os aspectos de sua formação por meio da pesquisa. Isso

porque acreditamos que apenas o conhecimento científico não se mostra suficiente para

construir uma atitude reflexiva atendendo a ações autônomas e emancipadas requeridas aos

docentes. Nesse sentido, percebemos que “[...] a ciência pode ajudar o pensamento dos

professores, mas transmitir-lhes a ciência não equivale a que pensem de maneira diferente. O

grande fracasso da formação de professores está em que à ciência que lhes damos não lhes

serve para pensar” (SACRISTÁN, 2002, p.85).

Por isso, abordamos a possibilidade da pesquisa-ação como forma de negar a dicotomia

presente nas tendências positivistas de pesquisa. Buscamos, então, fundamentar a concepção

de pesquisa-ação norteadora deste trabalho a partir dos fundamentos de uma teoria educativa

139

desenvolvidos por Carr e Kemmis (1988), ao formularem sua concepção de pesquisa-ação na

educação. Como fundamentos de uma teoria educativa, temos as seguintes noções:

a) rejeitar as noções positivistas de racionalidade, de objetividade e de verdade; b) admitir a possibilidade de utilizar as categorias interpretativas dos docentes; c) encontrar meios para distinguir as interpretações que estão ideologicamente distorcidas das que não estão, devendo proporcionar também alguma orientação sobre como superar os auto-entendimentos distorcidos; d) preocupar-se em identificar aspectos da ordem social existente que frustram a obtenção dos fins racionais, devendo poder oferecer explicações teóricas mediante as quais os docentes vejam como eliminar ou superar tais aspectos; e) reconhecer que a teoria educativa é prática no sentido de que a questão de sua consideração educacional seja determinada pela maneira pela qual se relaciona com a prática. Assim, a verdadeira finalidade da teoria educativa seria informar e guiar a prática dos educadores, indicando quais ações devem empreender se querem superar os problemas e eliminar as dificuldades (CARR; KEMMIS, 1988, p. 142-143).

A opção metodológica de pesquisa-ação, como meio de investigação das ações docentes

emergidas dos processos de formação continuada, é concebida como “[...] uma ação que

cientificiza a prática educativa, a partir de princípios éticos que visualizam a contínua

formação e emancipação de todos os sujeitos na prática” (FRANCO, 2005, p. 483).

O envolvimento de “todos os sujeitos na prática”, no caso professores, enxerga a possibilidade

de conduzir a produção de uma “[...] ciência da práxis exercida pelos técnicos no âmago do

seu local de investimento” (BARBIER, 2004, p. 59). O reconhecimento dessa perspectiva de

pesquisa pelos professores, surge na oportunidade de “[...] participar diretamente do

conhecimento dos problemas deles mesmos, e estão cada vez mais conscientes da inutilidade

das pesquisas clássicas feitas por outros sobre a denominação das ‘Ciências da Educação’”

(BARBIER, 2004, p. 57).

Nesse sentido, pensamos ser de fundamental importância inserir, no contexto deste estudo, os

docentes como pesquisadores de sua própria ação, como forma de que a pesquisa assuma o

caráter de formação continuada dentro da escola. Aqui reside a real necessidade em levar este

estudo ao campo da escola (BARBIER, 2004): criar condições favoráveis à análise, em

conjunto, do problema que envolve a questão da formação continuada de professores e da não

participação dos docentes na construção de tais processos. Indica uma tomada de consciência

das condições geradoras dessa problemática no interior da escola.

A respeito da opção metodológica que assumimos, torna-se necessária a planificação de

fundamentos importantes a essa abordagem de pesquisa. Assim, optamos pela pesquisa-ação,

por diferir-se essencialmente do formato de pesquisa utilizado nas Ciências Sociais e ainda

140

mais nas Ciências Naturais. Retomando os fundamentos dos autores (CARR; KEMMIS,

1988), a rejeição aos princípios positivistas estende-se a

[...] separação dos fatos e valores que dá um sabor particular à noção de objetividade nas Ciências Sociais. É um protesto contra a separação do pensamento e da ação. É uma tentativa desesperada de transcender a estéril especialização das Ciências Sociais com seu implícito repúdio da responsabilidade humana para com os acontecimentos sociais (DUSBOT, apud BARBIER, 2004, p. 37).

Dessa forma, falar de pesquisa-ação indica reportar-se a uma perspectiva de investigação que

não se acenta na “[...] epistemologia positivista, que pressupõe integração dialética entre o

sujeito e sua existência; entre fatos e valores; entre pensamento e ação” (FRANCO, 2005, p.

488) e, além disso, “[...] considera a complexidade, a imprevisibilidade, a oportunidade

gerada por alguns acontecimentos inesperados, a fecundidade potencial de alguns momentos

que emergem da práxis” (p. 497).

Todos esses princípios nos levam a aprofundar nossa opção em direção aos fundamentos da

pesquisa-ação crítica. Trata-se de uma vertente de pesquisa ação que surge historicamente na

década de 80 e que incorpora aos pressupostos de pesquisa-ação: a “[...] dialética da realidade

social” (p. 488) e “[...] os fundamentos da teoria crítica de Habermas assumindo como sua

finalidade a melhoria da prática educativa docente” (FRANCO, 2005, p. 485).

A condição que caracteriza a pesquisa-ação crítica “[...] é o mergulho na práxis do grupo

social em estudo, do qual se extraem as perspectivas latentes, o oculto, o não familiar que

sustentam as práticas, sendo as mudanças negociadas e geridas no coletivo” (FRANCO, 2005,

p. 486). Nesse sentido, “[...] a pesquisa-ação crítica deve gerar um processo de reflexão-ação

coletiva, em que há uma imprevisibilidade nas estratégias a serem utilizadas” (p. 486). Esse

movimento, de forma alguma, significa falta de rigor ou sistematização da proposta de

pesquisa, ao contrário, garante a participação autêntica do grupo da escola, possibilitando a

fecundidade da proposta coletivamente discutida pelos processos de participação ativa nas

proposições de mudança no contexto escolar.

Para concretização de tal propósito, a opinião do professor, “sua perspectiva, seu sentido”

(Franco, 2005, p. 486), deverão compor “[...] a tessitura da metodologia da investigação” (p.

486), dando aos meios de pesquisa a possibilidade de compor-se em meio a “[...] situações

relevantes que emergem do processo. Daí a ênfase no caráter formativo dessa modalidade de

141

pesquisa” (p. 486). A mobilidade desse processo efetiva-se diante da instauração “[...] de uma

dinâmica de princípios e práticas dialógicas, participativas e transformadoras” (p. 490).

Quando nos propomos a focalizar práticas e ações docentes dentro de um movimento de

pesquisa-ação, procuramos fazê-lo buscando coerência entre os princípios teóricos e

metodológicos absorvidos por nossas análises. Dessa forma, trazemos, neste estudo, a

proposta de pesquisa-ação desenvolvida por Carr e Kemmis (1988), imbuída dos princípios

teóricos e críticos da Escola de Frankfurt, desenvolvidos por Habermas. Nesse sentido,

procuramos enxergar a atuação dos profissionais envolvidos com a pesquisa em seu contexto

social, considerando que “[...] as leis objetivas do movimento da sociedade são a essência que

determina o destino do indivíduo” (TENÓRIO, 2000, p. 37).

De forma semelhante às exigências da teoria crítica educativa elaborada por Carr e Kemmis

(1988) e emergida neste trabalho, a teoria crítica também rejeita as noções positivistas de

construção de conhecimento, não aceita a imposição do conhecimento teórico sobre a ação e

reconhece a impossibilidade de a pesquisa tradicional “[...] ser desinteressada em uma

sociedade em que os homens não são autônomos” (TENÓRIO, 2000, p. 38). Como já vimos,

a ciência surge como principal força produtiva em uma sociedade capitalista de base racional,

o que torna possível “ [...] a constante atualização ou modernização dos sistemas produtivos”

(p. 38). Motivo pelo qual grande parte da produção em pesquisa social está ligada às noções

de atendimento de um “[...] pragmatismo do mercado, tendo seus métodos e técnicas

moldados de acordo com os determinismos de mercado” (p. 38). Encontramos, nesse mesmo

determinismo, o empecilho aos pesquisadores tradicionais de construir uma visão clara do

mundo que os cerca, já que “[...] esse pesquisador mimetiza suas análises sob a ótica

exclusiva da razão instrumental” (p. 38).

Em contraposição a essa vertente, os teóricos da Escola de Frankfurt sustentam sua teoria

crítica na conjugação de conhecimento e interesse aliados a uma vertente de razão teórica e

prática, sendo essa a principal distinção entre a teoria crítica e as noções positivistas de

conhecimento e razão. Nesse sentido, “[...] o dever do pesquisador crítico é o de revelar as

tendências negativas que na sociedade impedem a emancipação do homem” (TENÓRIO,

2000, p. 38). Dessa forma, cabe à pesquisa crítica fazer emergir dos contextos pesquisados o

registro de seu componente histórico, não em formato cronológico reforçador de uma

perspectiva quantitativa, mas como gerador de movimento de mudança. Dito de outra forma,

142

[...] a função social do teórico crítico surge quando ele e seu trabalho são vistos como formando uma unidade dinâmica com os oprimidos, na medida em que a identificação das contradições sociais não é meramente uma expressão de situações históricas concretas mas sim uma análise que deve conter estímulos para mudanças (TENÓRIO, 2000, p. 38).

A priorização do resgate da historicidade da trajetória humana possibilita aos sujeitos

históricos emergirem “[...] enquanto autores de seu próprio conhecimento, agora não mais

ordenados por uma razão metafísica, mas por uma transcendência que significa construir

possibilidades coletivas de conhecimento” (POLLI, 2006, p. 11).

A inserção histórica e contextual da pesquisa busca “[...] evitar idealizações insustentáveis de

um interpretativismo radical ou ingênuo, e incapaz de distanciamento. A articulação dos

mecanismos [...] observados com as representações dos atores é a condição de inteligibilidade

dos resultados da pesquisa” (OLIVEIRA, 1993, p. 4).

Habermas (1968) estabelece dois formatos de ação humana: uma ação dirigida à

concretização de fins direcionados e objetivos programados, visando à obtenção do sucesso

dos procedimentos e às finalidades alcançadas. Daqui, talvez, derive a expressão “os fins

justificam os meios”, pois essa forma de atividade racional baseia-se unicamente na finalidade

bem-sucedida das ações de domínio elaboradas por técnicos responsáveis que delegam aos

executores sua aplicação prática. Outro formato de ação humana sistematizado pelo autor

trata do agir comunicativo baseado no estabelecimento coletivo de ações e execução pelo

grupo de sujeitos envolvidos, buscando, constantemente, a harmonia interna do grupo em seus

planos de ação e alcançar metas estabelecidas a partir de um acordo existente ou a negociar

diante das conseqüências esperadas.

Esses dois formatos de ação humana consideram que, ao realizar suas ações, o homem, por

meio da mobilização de seus saberes, pode estabelecer duas relações fundamentais:

[...] relação homem natureza – pautada em uma relação de conhecimento e domínio caracterizada por Habermas, quando de seu uso na esfera social, como uma ação estratégica; relação homem outros homens – relação de interação simbolicamente medida, utilizada na esfera da compreensão do outro e assim considerada uma ação comunicativa (FRANCO, 2005, p. 491).

Na direção do raciocínio da autora, podem-se considerar “[...] as relações humanas como

relações do tipo homem-natureza, em que há a utilização de um saber não comunicativo,

143

estaremos optando por um conceito de racionalidade cognitivo-instrumental” (FRANCO,

2005, p. 492) se, por outro lado, considerarmos, “[...] as relações humanas tecendo-se por

meio de saberes intersubjetivamente partilhados, estaremos optando por um conceito de

racionalidade comunicativa” (p. 492).

A proposta de pesquisa-ação crítica delineada neste trabalho não pode ocorrer longe de uma

perspectiva de ação comunicativa. Portanto, apoiada na proposição de Franco (2005),

estabelecemos os pressupostos desse modelo.

Autores como Gagliardi e Boufleuer (2004) afirmam que a teoria habermasiana postula que a

racionalidade comunicativa ocorre

[...] quando os planos de ação dos atores implicados não se coordenam por meio de um cálculo egocêntrico de resultados, mas mediante atos de entendimento. Na ação comunicativa, os participantes não se orientam em primeiro lugar ao próprio êxito; antes, perseguem seus fins individuais sob a condição de que seus respectivos planos de ação possam harmonizar-se entre si sobre a base de uma definição compartilhada da situação. Assim, que a negociação de definições da situação seja um componente essencial da tarefa interpretativa que a ação comunicativa requer (HABERMAS, 1987, p. 367, apud GAGLIARDI; BOUFLEUER, 2004).

A principal característica do princípio de racionalidade comunicativa está nos acordos que,

decorrentes da negociação, são intersubjetivos, negociados dialógica e criticamente. No

espaço do acordo, os participantes podem chegar a um saber compartilhado que vai tecendo

uma estrutura interacional de confiança e comprometimento (FRANCO, 2005, p. 492).

Diante dessas considerações, a tentativa deste estudo em desenvolver uma perspectiva de

pesquisa-ação crítica pautada sobre os princípios de um agir comunicativo considera as

seguintes condições trazidas por Franco (2005, p. 493):

• as ações empreendidas devem emergir do coletivo e caminhar para ele;

• as ações em pesquisa-ação devem ser eminentemente interativas, dialógicas, vitalistas; • a ação deve conduzir a entendimento/negociação/ acordos;

• as ações devem se reproduzir na produção de um saber compartilhado;

• as ações devem procurar aprofundar a interfecundação de papéis: de participante a pesquisador e de pesquisador a participante, cumprindo assim seu papel formativo; • ações devem procurar conviver e superar as relações assimétricas de poder e de papéis; • ações devem ser readequadas e renovadas por meio das espirais cíclicas;

• ações devem integrar processos de reflexão/ pesquisa e formação;

• ações devem se autoproduzir na sensibilidade de diferentes tempos e espaços, emergentes das necessidades vitais do processo.

144

Cremos que as considerações teóricas e metodológicas presentes nessa discussão formam o

eixo e o viés político orientador das proposições deste estudo: fazer emergir os aspectos das

ações humanas em suas características políticas e sociais alavancados pelo princípio de

reciprocidade nas relações sociais, desmascarando, assim, qualquer ação submetida a um

fundamento central despolitizado. Neste ponto, chegamos ao entendimento de que as políticas

de formação docente devem atender, também e primeiramente, aos anseios de sua

representatividade coletiva e social na busca de maior engajamento e protagonismo no

delineamento das propostas na tomada de decisões políticas que envolvem o destino da

formação docente. Feitas essas considerações, passemos às proposições deste estudo.

6.2 CAMINHOS PERCORRIDOS

Iniciamos este capítulo tratando das etapas deste trabalho, dos diferentes momentos

vivenciados para a construção de seu corpo teórico e do compartilhamento das experiências

vivenciadas com os professores da Escola de Nilo. A organização desta proposta e desses

diferentes momentos nos demandou percursos distintos em cada fase. Assim, neste item,

optamos por descrever e justificar a utilização dos procedimentos utilizados para a coleta dos

dados nos diferentes momentos da pesquisa.

Conforme descrito, o primeiro momento da coleta de dados constitui-se na tentativa de

caracterizar o sistema de ensino do município de Vila Velha. Diante dessa caracterização, o

trabalho buscou conhecer as diretrizes para a Educação Especial no Sistema de Ensino

Municipal, a política de organização da modalidade de Educação Especial e, finalmente, as

diretrizes de ação governamental para a formação de professores na atuação com alunos com

necessidades educacionais especiais matriculados no município de Vila Velha.

Entre as fontes impressas, essa caracterização teve como base a leitura de documentos34

nacionais normativos das leis e decretos municipais, assim como “[...] publicações de

organismos que definem orientações, enunciam políticas, expõem projetos, prestam conta de

34 Plano Municipal de Educação (2002); Projeto de Implantação Centro de Referência ao Aluno Portador de Necessidades Educacionais Especiais (CRAPNEE) (2001); CME/ Resolução nº. 9, datada de 17 de maio de 2005, fixa diretrizes da Educação Especial no Sistema Municipal de Ensino; Lei nº. 4.100/2003, que institui o Sistema Municipal de Ensino do Município de Vila Velha, Estado do Espírito Santo e disciplina seu funcionamento; Lei Orgânica Municipal, datada de 5 de abril de 1990.

145

realizações [...] passando por vários tipos de dossiês que apresentam dados sobre a educação,

[...] as relações de trabalho, as condições econômicas etc ” (LAVILLE; DIONNE,1999, p.

166).

Em fontes eletrônicas, trabalhamos com os dados do IBGE que reúnem “[...] informações

estatísticas relativas à economia, à demografia, à geografia e a outros, disponível através da

internet” (LAVILLE; DIONNE,1999, p. 167) e as pesquisas do INEP que agrupam dados

estatísticos relativos à educação nacional.

Os dados trazidos a partir dessas leituras tiveram o objetivo de informar o contexto no qual se

inseriu este trabalho, não sendo do nosso interesse realizar uma análise do conteúdo ou ainda

análise documental desse material. Muitas foram as dificuldades em delimitar e encontrar

um corpus documental que nos servisse de referência. Conhecedora de tal fenômeno, Pietro

(2005) enumera as dificuldades do uso da técnica de coleta de dados. Dificuldade esta que

enfrentamos uma vez que,

[...] levando-se em conta que um número expressivo de municípios brasileiros tem história recente de atuação em educação, é de se esperar que a prática de uma memória recente não é comum. Por outro lado, a própria estrutura dos sistemas de ensino, que envolvem seus profissionais o tempo todo com um fazer pouco afeito ao seu registro escrito, justifica em parte esta realidade (PIETRO, 2005, p. 7).

O segundo momento é caracterizado pelo acompanhamento da proposta do grupo de

formação noturno. O grupo de formação foi proposto pela Secretaria Municipal de Educação

e constituído, em maio de 2005, por profissionais que, sabendo das temáticas a serem

discutidas, espontaneamente, se interessaram em ingressar no processo de formação

continuada e a eles foi permitido participar das discussões. Os encontros contaram com a

participação dos profissionais (professores de classe comum, professores de Educação

Especial e pedagogo) de 15 unidades de ensino municipal e aconteceram quinzenalmente, às

segundas-feiras, no horário das 18h30min às 21h horas no espaço do Centro de Capacitação e

Aperfeiçoamento do Magistério, no centro da cidade, com previsão de se estenderem até

outubro de 2005.

A proposta de acompanhamento desse grupo aparece, inicialmente, neste trabalho com o

apontamento das diretrizes legais do município para a formação continuada de professores, a

partir das proposições existentes em duas instâncias: a legislação nacional e os documentos da

Secretaria Municipal de Educação. Mais tarde, dentro do trabalho, no capítulo final de análise

146

dos dados, surge a trajetória desse grupo e a contribuição dos docentes participantes traduzida

na categorização dos dados das avaliações realizadas e dos questionários preenchidos pelos

docentes ao término de cada encontro quinzenal noturno.

Os procedimentos para a constituição dessa etapa do estudo basearam-se na devolução de

questionários abertos e fechados,35 instrumentos de coleta de dados que buscavam a

sistematização do trabalho dos docentes nas escolas de origem e diário de campo da

pesquisadora.

Nossa principal fonte de dados nessa etapa foi a utilização de questionários de respostas

fechadas e abertas. Iniciamos com questionários de respostas fechadas, procurando conhecer a

composição do grupo de professores: sua formação, tempo de atuação, disciplinas que leciona

etc. Esses questionários de respostas fechadas foram compostos por “[...] enunciados

propostos acompanhados de uma escala [...] série de campos que lhes permite precisar se, por

exemplo, estão em acordo ou desacordo” (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 183) total ou

parcialmente. Buscamos, nessa estratégia inicial, certa uniformização que nos assegurou que

cada professor enxergasse “[...] as questões formuladas da mesma maneira, na mesma ordem

e acompanhadas da mesma opção de respostas” (p. 184), o que facilitou “[...] a compilação e a

comparação das respostas escolhidas” delineando, assim, um perfil aproximado do grupo de

professores em formação e nos “[...] permitindo recorrer ao aparelho estatístico quando chega

o momento de análise” (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 184).

Feita a caracterização do grupo de docentes participantes do grupo de formação quinzenal

noturno, optamos pela confecção de questionários de respostas abertas compostos por “[...]

questões cuja formulação e ordem são uniformizadas, mas para as quais não se oferecem mais

opções de respostas” (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 186). Nessa formatação, o professor

encontrou espaço para “[...] emitir sua opinião [...] com suas próprias palavras, conforme seu

próprio sistema de referência” (p. 186) Esse instrumento solicita do pesquisador, na etapa de

tratamento dos dados, “[...] construir categorias e ele mesmo deverá interpretar as respostas

dos sujeitos em função dessas categorias” (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 186).

35 Os instrumentos de coleta de dados referidos neste item são encontrados nos anexos deste trabalho.

147

A caracterização dos dados emergidos nos questionários de respostas abertas é definida por

meio de “[...] categorias analíticas, rubricas sob as quais virão se organizar os elementos de

conteúdo agrupados por parentesco de sentido” (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 219).

Nesse sentido, procuramos seguir o “modelo aberto” de categorização, em que “[...] as

categorias não são fixas no início, mas tomam forma no curso da própria análise” (p. 219). A

abordagem desse modelo é indutiva, ou seja,

[...] o pesquisador parte com certo número de unidades, agrupando as de significação aproximada, para obter um primeiro conjunto de categorias rudimentares. Esse conjunto constitui o ponto de partida de um procedimento que, por etapas sucessivas, conduzirá as categorias finais (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 219).

Diante de nossas categorias rudimentares (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 219), fizemos “[...]

um primeiro retorno crítico sobre o que foi assim elaborado”, quando tivemos oportunidade

de rever “[...] cada unidade de conteúdo e a categoria na qual foi colocada”.

Esse exercício de retorno crítico deve ser executado quantas vezes o pesquisador considerar

necessário até obter clareza de suas categorizações. Finalmente, o pesquisador “[...] revisa as

características de cada categoria encontrada a fim de apontar as distinções entre uma e outra

resumindo essas características em um título que lhes permite falar sobre ela mais facilmente”

(LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 220).

O terceiro momento da coleta de dados aconteceu no contexto da escola e buscou trazer a

contribuição dos docentes ao delineamento e elaboração de ações governamentais de

formação. Essa contribuição surge por meio das experiências emergidas na escola com a

colaboração/interação entre pesquisa e processos de formação continuada docente e também

da produção teórica do grupo de professores. Nessa etapa, serviram de instrumentos para a

coleta de dados as entrevistas e diário de campo da pesquisadora.

Diante da proposta de trabalho com a utilização de entrevistas, optamos pelas entrevistas

parcialmente estruturadas por nos garantir a “[...] possibilidade de particularizar os temas e

preparar as questões antecipadamente, [porém com] plena liberdade quanto à retirada eventual

de algumas perguntas, a ordem em que essas perguntas estão colocadas e ao acréscimo de

perguntas improvisadas” (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 189). Essa flexibilidade nas

148

entrevistas nos possibilitou “[...] um contato mais íntimo [entre o pesquisador e o professor

entrevistado] favorecendo assim a exploração em profundidade dos seus saberes, bem como

de suas representações, de suas crenças e valores” (p. 189).

Um recurso utilizado nessa fase de coleta de dados e que complementou bastante as

informações surgidas nas entrevistas foi a oportunidade de ouvir os depoimentos das

professoras envolvidas no processo de formação continuada. Laville e Dionne (1999, p. 183)

definem esses momentos como testemunhos que permitem ao pesquisador “[...] a exploração

dos conhecimentos das pessoas, mas também de suas representações, crenças, valores,

opiniões, sentimentos, esperanças, desejos, projetos, etc.”.

Finalmente, a respeito dos registros de diário de campo, utilizamos o aporte teórico de

Triviños (1987, p.154), quando conceitua, a partir da produção de outros autores, as anotações

de campo como “[...] a descrição por escrito de todas as manifestações (verbais, ações,

atitudes)” que o pesquisador observa no contexto de atuação dos protagonistas da pesquisa,

em nosso caso, os professores. As anotações de campo também devem registrar e dar a devida

importância “[...] às reflexões do pesquisador que surjam em face da observação dos

fenômenos” (p. 155), pois esses são os primeiros indícios das explicações que se buscam no

contexto da escola, podendo permanecer, serem modificadas ou aprofundadas no decorrer do

estudo.

A abordagem qualitativa do estudo que realizamos coerentemente nos obriga a optar pelo

recurso que Triviños (1987) denomina “[...] anotações de campo de natureza reflexiva,” o que

implica considerar que “[...] as reflexões sobre o desenvolvimento do processo de observação

são muito importantes” (p. 157). Isso porque

[...] cada fato, cada comportamento, cada atitude, cada diálogo que se observa ou participa pode sugerir uma nova idéia, uma nova hipótese, a perspectivas de buscas diferentes, a necessidade de reformular futuras indagações, de colocar em relevo outras, de insistir em algumas peculiaridades, etc. (TRIVIÑOS, 1987, p. 157).

Além dessa natureza de registros, o diário de campo deste estudo continha também “[...]

anotações sobre questões metodológicas e [...] sobre o referencial teórico” (TRIVIÑOS, 1987,

p. 157). Todas essas preocupações indicam um “[...] estado de alerta intelectual” (p. 157)

permanente do pesquisador e traduzem a inquietação em envolver-se inteiramente no processo

149

de pesquisa. Enfim, podemos dizer que o diário de campo deste estudo foi composto pelo

registro das observações, registros das discussões coletivas, dos planejamentos, das leituras

realizadas com as professoras, da avaliação das intervenções efetivadas na sala de aula, todos

seguidos pelos comentários da pesquisadora, expondo suas inquietações, incertezas e indícios

de discussões a serem travadas com o grupo de professores em formação e a pesquisa.

6.3 PARTICIPANTES DA PESQUISA

Entre o segundo e terceiro momentos da pesquisa descritos no item anterior, queremos

chamar a atenção para a mobilidade do lugar da pesquisa e para os participantes envolvidos.

Os dados colhidos no grupo de formação noturno envolviam professores de classe comum,

professores de Educação Especial e pedagogo de 15 unidades de ensino diferentes. Esse grupo

de estudo proposto pela Secretaria abrangia escolas diferentes em um lugar de atuação que

não o contexto escolar. Compunham esse grupo, aproximadamente, 100 profissionais. Esse

número oscilou muito durante o ano devido às desistências e a inserção de outros membros no

grupo.

Durante o percurso do grupo de formação noturno, mais precisamente em agosto, surge a

necessidade de a pesquisadora que, ao mesmo tempo em que compõe o grupo de formadores

da Secretaria Municipal de Educação é pesquisadora do PPGE/UFES, ir a campo com uma

proposta de pesquisa de mestrado. No grupo noturno, conversamos, discutimos e acordamos

que a escola onde a pesquisa deveria ser realizada seria a “Escola de Nilo”, por possuir

elevado número de matrícula de alunos com necessidades educacionais especiais.

Diante dessa “problemática”, poderíamos interpretar de forma equivocada a tendenciosidade

da proposta de um estudo acadêmico ser realizado nessas condições, por profissional da

Secretaria de Educação (historicamente visto como propositor e supervisor de ações

executadas por outros). Diante dessa questão, trazemos a contribuição de Barbier (2004) e o

conceito de implicação por ele desenvolvido já em 1977.

Começamos a apreender esse conceito na pesquisa partindo da reflexão que o autor faz sobre

sua perspectiva de trabalho. A crença do autor é a de que “[...] a posição de cada um, na

divisão social do trabalho, desempenha um papel muito importante no modo pelo qual as

150

pessoas se envolvem em uma atividade de conhecimento” (BARBIER, 2004, p. 101). A

posição, favorável a construção de um conhecimento próprio de sua atividade, questiona o

“[...] espírito da engenharia social que [...] quase sempre não aprecia a crítica institucional”.

Aliás, essa se configura como “[...] uma razão a mais para mantê-la sob vigilância” (p. 101).

Barbier (2004, p. 102) considera por implicação o “[...] sistema de valores últimos (que ligam

a vida), manifestados em última instância, de uma maneira consciente ou inconsciente, por

um sujeito em interação na sua relação com o mundo, e sem a qual não poderia haver

comunicação”.

O conceito de implicação desenvolvido pelo autor “[...] sugere que o processo de construção

de conhecimento não se efetiva sob a égide exclusiva de uma determinada racionalidade” (p.

9) antes reconhece que a possibilidade de

[...] conhecer se estabelece a partir de outros vários planos: das motivações mais profundas do pesquisador (inconscientes?), de seus desejos, de suas projeções pessoais, das suas identificações, de sua trajetória pessoal etc. Nesse sentido, podemos dizer que a relação entre sujeito e objeto propicia tanto o desvelamento do objeto como o desvelamento do sujeito (MARTINS, 2000, p. 9).

A idéia de implicação trabalhada por Barbier é desenvolvida por Martins (2000). A

interpretação desse autor do conceito barbieriano assume que o conhecimento se produz na

intersubjetividade,

[...] o que significa reconhecer que a produção de conhecimento implica um processo de “negociação” entre [...] o conjunto das representações de cada indivíduo envolvido no processo, ou seja, o conhecimento se produz a partir da heterogeneidade implícita nas relações que se estabelecem no campo da pesquisa (MARTINS, 2000, p. 9).

Dessa forma, Martins (2000) considera que a construção do conhecimento é envolta por

dimensões circunscritas “[...] pela ordem do psíquico, do desejo, da vontade, [...] que

emergem durante a construção do conhecimento” (p. 10). Continua alertando que, “[...]

muitas vezes as informações provenientes deste tipo de experiência são registradas em nossas

anotações, em nossos cadernos de campo, e ‘lapidadas’ e ‘re-elaboradas’ sob o prisma da

razão” (p. 10).

Feitas essas considerações, os dados colhidos na “Escola de Nilo” envolveram toda a escola,

tendo maior expressão os dados do trabalho desenvolvido por cinco professoras dessa unidade

de ensino que, concomitantemente, participavam das discussões no grupo de formação

151

noturno, e uma especial que não compunha o grupo de formação noturno, mas que se

envolveu bastante na proposta.

São muitos os dados coletados em campo e nem todos foram utilizados neste estudo. Assim,

para a discussão dos dados do contexto escolar, elegemos os trabalhos desenvolvidos pelas

professoras Vânia, Jade e Telma.

152

7 A CONTRIBUIÇÃO DOS DOCENTES NO DELINEAMENTO E ELABORAÇÃO

DE AÇÕES GOVERNAMENTAIS DE FORMAÇÃO

7.1 OS DADOS DO GRUPO DE FORMAÇÃO NOTURNO: MÚLTIPLOS OLHARES

SOBRE A QUESTÃO DA INCLUSÃO ESCOLAR

O grupo de formação continuada criado pelo Núcleo de Educação Especial da Secretaria

Municipal de Educação teve seus encontros organizados em períodos quinzenais no turno

noturno, em um espaço próprio destinado à formação docente no município. Esse grupo foi

composto por 15 unidades de ensino do Sistema Municipal eleitas por apresentarem um

número significativo de alunos que apresentavam necessidades educacionais especiais. Para

cada escola participante, o Núcleo de Educação Especial disponibilizou quatro inscrições no

grupo de estudo que deveriam ser sorteadas ou acordadas, conforme melhor organização da

instituição.

Inicialmente, traremos os dados que caracterizarão esse grupo de professores. Dados estes

colhidos por meio de questionário de perguntas fechadas, com o objetivo de mostrar certa

identidade do grupo: quem são, o que fazem, há quanto tempo e assim por diante.

Os dados desta etapa mostram, respectivamente:

a) Caracterização profissional dos participantes envolvidos no processo de formação

continuada naquele ano de 2005: o Gráfico 1 mostra que a grande maioria dos participantes

do processo de formação continuada era composta por professores de classe comum, seguido

pelos professores de Educação Especial e pelos pedagogos. Os assessores são profissionais

pedagogos ou professores atuantes na Secretaria Municipal de Educação que acompanham e

orientam o trabalho desenvolvido pela escola e pelo professor de Educação Especial nas

escolas do Sistema. Contamos, também, com a participação dos profissionais de uma escola

especial do município que tem seus professores cedidos pela administração municipal. E,

finalmente, um profissional da área clínica do CRAPNEE que participou do processo de

formação durante todo o ano. Vale ressaltar que esse profissional possui formação no

magistério em nível médio.

153

Gráfico 1: Profissionais envolvidos no processo de formação continuada Fonte: Almeida e Borges (2005)

b) Tempo de atuação desses profissionais no magistério: os dados do Gráfico 2

demonstram o tempo de atuação profissional dos participantes do processo. Pode-se observar

que a grande maioria possui mais de dez anos de atuação profissional. Esse dado enriquece o

processo de formação continuada, uma vez que o confronto e a junção entre a prática

profissional vivenciada e a teorização dessa mesma prática dá novos contornos aos saberes

educacionais.

Gráfico 2: Tempo de atuação no magistério Fonte: Almeida e Borges (2005)

0

2

4

6

8

10

12

14

1 a 5anos

6 a 10anos

11 a 15anos

16 a 20anos

21 a 30anos

mais de30 anos

Tempo de atuação no magistério

Profissionais envolvidos no Processo de Formação Continuada/2005

16%

45%

25%

8% 1% 5%

Pedagogos

Professores de SalaComum

Professores de EducaçãoEspecial

Assessores de EducaçãoEspecial

Fisioterapeuta

Profissionais da EscolaEspecial

154

c) Tempo de atuação no Sistema de Ensino Municipal: os dados do Gráfico 3 demonstram

a recente renovação do corpo docente do Sistema Municipal com a efetivação de professores,

por via de concurso público realizado no ano de 2003.

Gráfico 3: Tempo de atuação no Sistema Municipal de Ensino de Vila Velha

Gráfico 3: Tempo de atuação no Sistema de Ensino Municipal Fonte: Almeida e Borges (2005)

d) Formação acadêmica dos profissionais envolvidos no processo de formação

continuada – 2005: o Gráfico 4 retrata os níveis de formação acadêmica dos professores

participantes, sendo a maioria profissionais formados em nível de graduação.

Gráfico 4: Formação Acadêmica Fonte: Almeida e Borges (2005)

0

5

10

15

20

25

30

35

1 a 12meses

1 a 5anos

6 a 10anos

11 a 15anos

16 a 20anos

21 a 30anos

mais de30 anos

Tempo de atuação no Sistema Municipal de Vila Velha

Formação Acadêmica

10%

25%

42%

23%

Magistério (2ºgrau)

Graduando

Graduado

Pós-Graduação(emandam./concluído)

155

e) Envolvimento pessoal no processo de formação continuada – 2005: os dados deste

gráfico traduzem o grau de envolvimento pessoal nas discussões e ações emergidas pela via

do processo de formação continuada vivenciado pelos professores. Muitos revelam seu bom

envolvimento no processo e fica reservado a uma minoria nenhum envolvimento por

considerarem desinteressantes as temáticas e as metodologias utilizadas.

Gráfico 5: Auto-análise de envolvimento Fonte: Almeida & Borges (2005) Gráfico 5: Auto-análise de envolvimento no processo de formação continuada Fonte: Almeida e Borges (2005)

Percebemos, nas falas dos docentes, registradas em diário de campo, e nas avaliações

preenchidas no final do dia, suas concepções a respeito do movimento de inclusão

educacional e suas expectativas quanto à discussão dessa temática. Dessa forma, cada opinião,

ação e compartilhamento evidenciam a crença ou a descrença na atividade constante de busca

ou na demonstração da impotência diante da problemática a ser enfrentada, respectivamente.

Também vimos demonstrações de coragem ou a falta dela, a motivação e o entusiasmo da

tentativa ou o cansaço e o desânimo de uma vida dedicada a um fazer, às vezes, desprovido de

esperança.

Pois bem, sentindo de diferentes formas, o grupo avançou em busca de caminhos que

trouxessem respostas para as mais variadas situações vivenciadas na escola e foi de primordial

importância que discutíssemos, inicialmente, a crença de cada um sobre os aspectos da

inclusão. Daí que surgiram as primeiras falas: 36

Existe no mundo alguma escola totalmente inclusiva? [...] A inclusão escolar é utopia em países subdesenvolvidos (PROFESSORA – Educação Especial). Luiz Braille foi incluído em 1830. Se o professor tiver boa vontade, dá pra fazer (PROFESSORA – Educação Especial).

36 Ao trazer no texto as falas das professoras envolvidas com a pesquisa, optamos por recuá-las como forma de obter maior destaque desse recurso.

0

5

10

15

20

Muito bom Bom Regular Nenhum

Analise seu envolvimento no processo

156

Esses são os extratos de apenas duas falas que retratam um pouco da vivência desse grupo.

Uma que expressa a descrença na atuação da escola e da impossibilidade de países

subdesenvolvidos em prestar educação de qualidade e outra reveladora da ingenuidade

solidária que crê em toda e qualquer possibilidade desde que seja para benefício do outro.

Diante desses dois extremos, os docentes apontaram que o processo de busca de

conhecimento pelos investimentos governamentais em formação continuada é um grande

passo para a discussão criteriosa e democrática da proposta de educação inclusiva que

permeará cada escola, porém consideram que

[...] o investimento na formação de professores é insuficiente para que os mesmos exerçam uma prática mais condizente com a realidade do alunado (PROFESSORA GRAÇA - Séries iniciais).

A fala da professora Graça soma-se a outras que enxergam, no processo de inclusão

educacional, a exigência de um emaranhado de ações e investimentos governamentais. Ações

essas que não eximem a responsabilidade dos docentes no aprimoramento de seu fazer diário,

atribuindo às suas posturas questões que dizem respeito à sua profissionalidade em suas

instâncias mais profundas: o ser professor e suas implicações políticas e ideológicas. É na

reflexão sobre o seu fazer diário que o professor pode encontrar respostas para grande parte de

suas inquietações a respeito do aprimoramento de sua ação com vistas ao alcance da

aprendizagem de todos os alunos.

Baseado na premissa de análise e da criação de possibilidades de inclusão escolar de alunos

com necessidades educacionais especiais, a partir da prática docente diferenciada, o grupo

segue suas produções. Para melhor aproveitamento de nossas análises, faz-se necessário

retomar as temáticas discutidas durante esse processo de formação continuada com os

professores do Sistema Público Municipal de Ensino, como forma de melhor encaminhar as

discussões emergidas dos dados coletados nesses momentos de formação.

Dessa forma, as temáticas desenvolvidas no grupo de estudos tratavam, inicialmente, de

entender a educação da pessoa com deficiência dentro de uma perspectiva histórica e social

que ficaram caracterizados na temática “Valores sociais e perspectivas – o tratamento dado à

pessoa com deficiência ao longo da história”, discussão embutida nos princípios que

fundamentam a “Inclusão: como um movimento social”. Arrastada pela discussão histórica,

157

torna-se necessária a delimitação de conceitos importantes que envolvem o trabalho com

pessoas com necessidades educacionais especiais. Dessa maneira, o grupo discutiu o conceito

de diversidade no trabalho com a temática “Diferença significativa e deficiência:

reconstruindo o conceito de diversidade”.

Dado o assentamento histórico e o trabalho com os conceitos que envolvem o trato com a

diversidade, o grupo caminhou para a análise de diferentes concepções que permeiam o

processo de inclusão educacional. Assim, discutimos “Diferentes concepções de inclusão

educacional no Brasil e no mundo”, concepções essas que, literalmente, determinam outro

foco de análise, a saber, as “Políticas públicas de educação voltadas para inclusão

educacional”.

Com esses direcionamentos já pontuados, tornou-se necessária a discussão sobre as bases

teóricas e filosóficas que fundamentam os “Princípios da escola inclusiva”, que, no caso desse

período de formação, estiveram intimamente relacionadas com as concepções de “Currículo

inclusivo”, considerando a suma importância do planejamento sistematizado na

ressignificação do processo de ensino-aprendizagem.

Percebemos que as temáticas desenvolvidas seguem certa “ordem” como um efeito cascata.

Cada assunto descoberto revela outros que estão interligados, fazendo emergir da atuação

pedagógica aspectos teóricos norteadores das práticas desenvolvidas pelos docentes.

Dessa forma, o processo desencadeado obriga o grupo a analisar a atuação da escola quanto

aos caminhos que ela tem percorrido no movimento de inclusão na educação. Esse

movimento levou os participantes do grupo ao estudo mais aprofundado no/do contexto

escolar sobre alguns aspectos presentes nas avaliações realizadas pelos professores, ao final

de cada temática. Partindo desse movimento, esse estudo fez emergir a temática sobre

“Avaliação investigativa e formativa”.

Esse momento para estudo e discussão de textos foi previsto pelos coordenadores do grupo

como um momento de minicurso sistematizado por meio da leitura prévia de textos e por

palestras ministradas pelos profissionais do Núcleo de Educação Especial da Secretaria

Municipal de Educação.

158

Os temas atenderam suas expectativas?

83%

12% 5%

SIM

EM PARTE

NÃO

f) Expectativas docentes a respeito das temáticas estudadas: os dados do gráfico revelam o

contentamento dos docentes quanto às temáticas estudadas.

Gráfico 6: Expectativas docentes a respeito das temáticas estudadas no processo de formação

continuada Fonte: Almeida e Borges (2005)

Quando perguntamos sobre as suas expectativas a respeito das temáticas estudadas, os

docentes, em registros avaliativos preenchidos ao final de cada encontro, sempre se

reportavam ao estudo da prática pedagógica. Em todos os momentos possíveis, reivindicavam

o caráter prático do grupo de estudos. Assim, suas falas pontuavam uma característica que

arremetia o grupo ao necessário estudo e reflexão sobre as práticas diárias dos docentes. Por

vezes, essa reivindicação apareceu em nossos dados carregada de uma característica

imediatista de resolução dos problemas vividos na escola. Esse fenômeno ocorre não pela

comodidade que um manual de atuação possa nos trazer, mas pela urgência da escola em

desempenhar o seu papel social. Papel esse que enxerga, nas instituições escolares, a

possibilidade de ampliação das

[...] capacidades humanas, a fim de habilitar as pessoas a intervir na formação de suas próprias subjetividades e a serem capazes de exercer poder com vistas a transformar as condições ideológicas e materiais de dominação em práticas que promovam o fortalecimento do poder social e demonstrem as possibilidades de democracia (GIROUX; SIMON 1995, p. 95).

Na busca dessa intenção, a escola e seus profissionais debatem-se e tentam assegurar a

concretização desse objetivo também com os alunos que apresentam necessidades

educacionais especiais na luta a favor de uma escola que transforme e não apenas reproduza

as condições de desigualdade estampadas nas relações sociais estabelecidas em nossa

sociedade. A luta em favor desses princípios tem, historicamente, imbuído os profissionais da

159

educação de uma “[...] cultura da resistência gerada como resposta à violência do poder”

(FREIRE, 2003, p. 122) que, massificando a ação dos homens, promove o saber desprovido

de seu sentido mais humano: o de compreender as intenções e interesses acortinados nas

relações estabelecidas entre os diferentes sujeitos sociais determinados por suas condições

materiais de vida.

Como já era previsto no segundo semestre, o grupo de estudo tomou um direcionamento que

privilegiou o estudo e as análises das práticas docentes. Assim, as temáticas recorrentes dessa

demanda apresentaram-se dentro de discussões teóricas sobre “Práticas pedagógicas

inclusivas - ensino em multiníveis e projeto educativo”, “Adaptações curriculares”,

“Pedagogia diferenciada” e, finalmente, “Avaliação e os instrumentos avaliativos”.

Clarificado o rumo das discussões, a organização dos dados que se seguem foi estabelecida

com base na voz dos docentes e de suas expectativas quanto ao processo de formação. As

vozes e as expectativas às quais fazemos referência aparecem explícitas nos dados de diário

de campo e nos instrumentos de avaliação do processo de formação continuada preenchidos

ao término de cada encontro quinzenal. Esses registros e avaliações nos servem como

instrumentos para coleta de dados e suas análises nos revelaram que as falas dos docentes,

constantemente, giram em torno de alguns eixos de discussão que apresentaremos aqui e

discutiremos em seguida. São eles:

a) o estudo e análises das práticas docentes: a contribuição da formação continuada:

• a prática vista como aprimoramento técnico de uma fazer composto por normas a

serem seguidas;

b) o processo de formação continuada pautado na análise da prática pedagógica.

160

7.2 O ESTUDO E ANÁLISE DA PRÁTICA DOCENTE: A CONTRIBUIÇÃO DA

FORMAÇÃO CONTINUADA

As discussões fomentadas no grupo de formação quinzenal noturno giraram em torno do

processo de escolarização das pessoas com necessidades educacionais especiais, geradas, na

grande maioria das vezes, por uma deficiência específica. A própria organização das

temáticas dada pelo grupo de coordenação do Núcleo de Educação Especial da Secretaria de

Educação priorizava a discussão a respeito das necessidades especiais vinculadas a uma

deficiência.

Essa ênfase, presente ao longo da trajetória do ensino especial em nosso país e longe de ser

reprovada por esta análise, trouxe uma característica forte aos dados coletados: a característica

de um ensino especial, específico, composto por métodos, técnicas e procedimentos próprios e

distintos, ministrado exclusivamente por profissionais especialistas. É esse conjunto de

habilidades e procedimentos técnicos que os docentes vêm denominando de práticas.

Essa característica revela a tentativa e o anseio do professor não especialista em se apropriar

do conhecimento do especialista, vendo, assim, no processo de formação continuada a

oportunidade de apreender técnicas e métodos de ensino para aplicação em sala de aula

aprimorando sua prática.

Essa necessidade surge de um movimento maior que enxerga, no movimento de inclusão

educacional, a tentativa de democratização do acesso desses alunos aos conteúdos e

programas ensinados pela escola, ou seja, estar na escola, vivenciar as relações da escola e

aprender na escola.

Na busca pelo aprimoramento profissional que garanta as possibilidades de inclusão

educacional desses alunos, as falas dos professores apontam seus anseios em se apropriar de

um conhecimento que garanta a solução, se não de todos, de grande parte dos problemas que

eles enfrentam em suas salas de aula, no que concerne às questões dos alunos com

necessidades educacionais especiais.

161

Esse princípio norteia a fala dos docentes que expressam a esperança de que a socialização de

práticas docentes bem-sucedidas apontará caminhos mais fecundos na busca pela eficácia do

ensino produzido em sala de aula.

Dessa forma, procuramos analisar os fundamentos nos quais repousam as falas, tão presentes

nos momentos de registro de avaliação dos encontros noturnos, dos docentes, a respeito das

práticas de ensino. Assim dizem os docentes nos dados coletados, via instrumento de

avaliação37 dos encontros noturnos acontecidos no período de março a julho de 2005:

Como é o primeiro ano de trabalho com alunos de necessidades educacionais especiais, espero que a formação nos respalde com práticas e técnicas para trabalhar com os mesmos (PROFESSORA MARIA). Sendo esse um curso de formação continuada, estou sentindo falta de um direcionamento à praticidade do ensino especial através de textos que ajudem-nos a trabalhar com o nosso aluno especial com atividades práticas (PROFESSORA JOSEFINA). Testes para o professor diagnosticar em qual deficiência o aluno está inserido (PROFESSORA MARIETA). Gostaria que o curso oferecesse mais sugestões práticas que atendam às necessidades do professor no cotidiano escolar e, principalmente, na adaptação do currículo escolar para os alunos com necessidades educacionais especiais (PROFESSORA SULAMITA).

Diante das falas dos docentes, percebemos que a obviedade de suas demandas formativas se

encontra atravessada por um conceito de ciência, conhecimento científico, técnicas e

procedimentos legitimados por um status científico que garante a “eficácia” do ato educativo.

Essa concepção, fortemente assentada sob os pilares de uma ação racional teleológica

(HABERMAS, 1968), apresenta-se, diante do processo educacional, sob bases atenuantes,

frágeis e pouco solidificadas perante a multiplicidade de fatores que caracterizam a

aprendizagem das pessoas. A fala dos docentes reivindica o acesso às práticas de domínio

técnico expresso em metodologias de ensino diretivas e detentoras de um status de

cientificidade incapaz de considerar as diferentes formas de ser e estar dos diferentes alunos

no processo educativo, tornando-se, assim, condicionadas à manutenção de uma ordem que

responsabiliza o próprio sujeito por sua não aprendizagem.

Isso porque os alunos, com ou sem necessidades educacionais especiais, das escolas públicas

ou particulares, no Brasil ou no exterior, em suma, os alunos, as pessoas que freqüentam a

37 Em anexo B: Instrumento A - sugerido em 16-05-2005.

162

escola com o objetivo de tomar posse de um conhecimento sistematizado pela humanidade e

também possuidor de um status de cientificidade, trazem consigo demandas, vivências,

necessidades que, sem dúvida, influenciarão a apreensão dos conteúdos por esses sujeitos.

Isso acarreta pensar que a forma como a escola ensina, os contextos que ela prioriza, as

demandas que seu ensino atende e a consideração e o compromisso com o qual assume o

processo educacional de seus alunos podem fazer mais e melhor por eles do que a

demonstração de técnicas de ensino que não atendam às reais demandas de seu alunado.

Dessa forma, vimos que os docentes consideram a prática educativa aprimoramento técnico

de uma fazer composto por normas que, quando seguidas, levam a uma ação bem-sucedida.

Em um contraponto a essa concepção, uma produção grande vem se dedicado ao estudo da

prática docente vinculada à pesquisa educacional, como vimos na discussão a respeito dos

modelos de formação. Assim, longe de ser considerado um emaranhado de técnicas e

procedimentos prontos para serem postos em prática, os conhecimentos do professor a

respeito dos seus fazeres diários devem pautar-se na pesquisa de suas práticas

contextualizadas, das quais podem emergir critérios e apontamentos para a ação consciente,

politizada e carregada de um significado próprio que considera todos os sujeitos envolvidos.

Tais características evidenciam que é necessário que o professor estabeleça um vínculo entre

questões teóricas, críticas, criativas, contextuais e suas ações diárias.

Nesse sentido, Freire e Shor (1986) consideram a tríade ensino, pesquisa, produção de

conhecimento como um forte aliado na construção de práticas mais fecundas imbuídas de uma

vertente crítica e emancipadora. Nessa perspectiva, o próprio ensino passa a ser alvo da

pesquisa feita pelo professor e as relações estabelecidas com seus alunos, a partir dessas

análises, geram conhecimento sistematizado sobre seu fazer diário. A riqueza dessa produção

está na concepção que emerge da escola. Nesse movimento, essa instituição deixa de

consumir a pesquisa feita por outros, externos a seu contexto, e propõe a construção de um

saber compartilhado entre profissionais de ensino e pesquisadores externos. Essa atuação

conjunta favorece a construção de um conhecimento novo e nega uma característica histórica

de transmissão do saber. Nesse movimento, os professores se vêem conhecendo novamente

aquilo que um dia pensaram que conheciam (FREIRE; SHOR, 1986).

163

O discurso hegemônico, priorizado, privilegiado e fundamentado sob a perspectiva de uma

racionalidade técnica de instrumentalização do trabalho docente, bastante presente na

tendência dos modelos técnicos de formação, vem sendo veiculado, em nossa sociedade

capitalista, como alternativa aos problemas educacionais enfrentados pelos sistemas de ensino

em todo o País, principalmente diante da tentativa de democratização do ensino vivenciada no

Brasil, na década de 80. Sem sombra de dúvida, essa foi a estratégia governamental de muitos

países que, na segunda metade do século XX, se debateram com as questões que envolviam a

ampliação de seus sistemas de ensino ao atendimento de uma parcela maior de sua população.

Diante desse quadro, ressaltamos:

De fato, a introdução por diversas vias, de modelos racionalistas de ensino constituiu a resposta possível em face da expansão dos sistemas educativos na segunda metade do século XX. Tratou-se de uma resposta útil, mas simplista [...], pois reduz a profissão docente a um conjunto de competências e de capacidades, realçando essencialmente a dimensão técnica da ação pedagógica [...]. Hoje sabemos que a vida, em toda sua complexidade, reintroduz-se sempre nos lugares humanos, sobretudo nas escolas, já que grande parte dos atores educativos encara o convívio como um valor essencial e rejeita uma centralidade exclusiva na aprendizagem dos conteúdos escolares (NÓVOA, 1997, p. 31).

Apesar de apresentar-se como alternativa possível ao momento histórico vivenciado, a adesão

por uma perspectiva de formação privilegiadamente técnica caracterizou o universo

pedagógico de certa “debilidade”. Citando Habermas (1968, p. 54), “[...] enquanto universo

de meios, a técnica pode tanto debilitar como aumentar o poder do homem. No estágio

presente o homem é talvez mais impotente do que nunca perante seu próprio aparelho”.

É nessa adequação ao aparato técnico que o trabalho pedagógico e o serviço do professor

perdem sua essência vital: a criação de um saber pensar.

Com isso também não podemos considerar que o ensino de um aparato de atuação técnica não

deva ser disseminado sob a pena de formar professores que não estejam aptos a exercer seu

papel. Porém o ensino da técnica não pode ultrapassar os limites de um pensamento

verdadeiro a respeito dos reais fatores determinantes das problemáticas vivenciadas pela

escola atualmente. Nesse sentido, o olhar sobre a formação docente deve considerar que

[...] ciência e tecnologia não podem escapar às implicações políticas e ideológicas com que são produzidas e com que são postas em prática [...] [logo] a formação técnico-científica não pode ser reduzida ao treinamento mecânico de técnicas ou a memorização não menos mecânica de princípios científicos (FREIRE, 2003, p. 152).

164

A formação técnico-científica envolve, de um lado, a capacidade técnica, de outro a apreensão da razão de ser da própria técnica. Mais ainda, a formação técnico-científica não pode prescindir, sob pena de mutilar-se e mutilar-nos, da incessante busca de criação de um saber pensar, de um pensar certo, de um pensar crítico. Pensares e saberes que não se contentando com a ‘fonologia’ e a ‘morfologia’ da tecnologia ou da ciência, se alongam até sua ‘sintaxe’ (FREIRE, 2003, p. 152).

Realizadas essas considerações, podemos instaurar um ponto de equilíbrio entre essas

questões. Isso porque a reivindicação docente por uma formação que garanta um aparato

técnico e científico de atuação é absolutamente legítima. O que precisa ser considerado é o

fato de que “[...] a formação técnico-científica não é antagônica à formação humanista dos

homens, desde que a ciência e a tecnologia, na sociedade revolucionária, devem estar a

serviço de sua libertação permanente e de sua humanização” (FREIRE, 2005b, p. 181).

Esse movimento de humanização devolve à humanidade seu papel de agente permanente de

suas ações no mundo servindo como estratégia negadora de um fazer mecânico, conduzido e

induzido pela cultura da produção em massa, seriada e acéfala.

Alguns autores estão inseridos no contexto dessa problemática. 38 A produção acadêmica vem

dirigindo seus esforços no intuito de gerar pressupostos de formação docente fundamentados

sob os princípios de uma epistemologia da prática baseada na pesquisa do fazer docente.

Dessa forma, a perspectiva de formação do professor pesquisador fundamenta-se “[...] na

dimensão política e epistemológica que propõe a ressignificação do papel do professor e da

escola e a emergência da reinvenção de formas de poderes e saberes” (VENTORIM, 2006, p.

116).

A respeito da característica da pesquisa e da reflexão sobre a ação docente, Freire (2003)

considera que a reflexão sobre a própria prática caracteriza um saber vantajoso. A vantagem

por ele referida diz respeito ao fato de que

Este saber a que venho me referindo jamais foi uma aderência a mim, algo que viesse de fora e perifericamente a mim fosse justaposto. Pelo contrário, este saber veio sendo

38

A problemática educacional no Brasil e no mundo vem despertando, ao longo dos últimos 20 anos, a produção acadêmica quanto à necessidade de trilhar outros caminhos, no que diz respeito à formação do professor, dando a formação desse profissional contornos distintos que envolvem precisamente a junção entre prática educacional, pesquisa científica e reflexividade docente. Nesse sentido, autores brasileiros, como Freire (1986, 1996, 2003), André (1999), Pereira (2002), Geraldi (2003) e, no exterior, Zeichner (2002, 2003) Carr e Kemmis (1988), Nóvoa (1992, 1997), têm dedicado suas produções ao delineamento científico de teorias que envolvem o estudo sistemático da prática docente e a produção de conhecimento novo a partir dessa prática.

165

produzido em minha prática e na reflexão crítica sobre ela, como na análise da prática dos outros. O pensar sobre a minha própria prática e a dos outros me conduzia, por ter sido um pensar crítico, profundamente curioso, a leituras teóricas que iam, pela iluminação da prática em análise explicando ou confirmando o acerto ou o erro cometido nela (FREIRE, 2003, p. 120).

A palavra do autor, ao afirmar que seu saber de experiência feito não poderia ser conjugado

como uma “aderência a ele”, explicita as relações estabelecidas na tênue relação teoria e

prática. Dessa forma, o fecundo saber docente apropriado pelo sujeito construtor de sua

prática, a partir da reflexão sobre ela, se forja e produz em “[...] processo, na tensa relação

entre teoria e prática” (FREIRE, 2003, p. 120).

Nessa relação dialética, “[...] a prática precisa da teoria a teoria precisa da prática, assim como

o peixe precisa da água despoluída” (FREIRE, 2003, p. 145). A dialeticidade desse

movimento está na constatação de que

A prática sozinha, que não se entrega à reflexão crítica, iluminadora, capaz de revelar, embutida nela, sua teoria, indiscutivelmente ajuda o seu sujeito a, refletindo sobre ela, melhorá-la. Mesmo sem se submeter à análise crítica e rigorosa, que permitiria a seu sujeito ir mais além do “senso comum”, a prática lhe oferece, não obstante um certo saber operativo. Não lhe dá, contudo, a razão de ser mais profunda do que o próprio ser (FREIRE, 2003, p. 145).

No sentido de encontrar a razão de ser de sua prática é que o autor submeteu “[...] sempre a

prática de que participava e a de outros a uma indignação que não se satisfazia com as

primeiras respostas” (p. 145). O questionamento severo que leva o sujeito indagador a leituras

“necessárias” que lhe permitiam “compreender melhor o que fazia”. Leituras que levavam à

confirmação do “[...] acerto de certo procedimento ou que ajudavam a retificá-lo” (FREIRE,

2003, p.145). Leituras de textos que lhe “[...] ofereciam fundamentos para, de um lado,

continuar a leitura do contexto; de outro, para nele intervir”. Essa relação mostra o necessário

aprendizado recorrente da “[...] tensa relação teoria e prática” (p. 146).

Diante dessas considerações, as análises de Paulo Freire e Ira Shor (1986) nos revelam uma

tríade fomentadora de conhecimento gerado na e a partir da escola. Dessa forma, os autores

consideram que o ensino baseado na pesquisa tem um “[...] grande valor prático” [pois] educa

o professor” (p. 21).

Observando os pressupostos da obra de Freire e Habermas a respeito dos princípios

norteadores de uma perspectiva de formação técnica, é que consideramos ser os processos de

166

formação continuada de professores, inseridos em uma perspectiva de formação crítica, ou

seja, negadora de “[...] um manual de habilidade técnica [constituindo-se em] uma perspectiva

crítica sobre a escola e a sociedade” (1986, p. 25), como um espaço/tempo de produção de

conhecimento novo a respeito das demandas tão atuais vivenciadas pelas instituições de

ensino no Brasil e no mundo. Conhecimento esse, de acordo com Freire e Shor (1986),

calcado sob as bases de uma tríade que envolve ensino, pesquisa e produção de conhecimento

novo.

A problemática desencadeadora dessa perspectiva de conhecimento da realidade tem sua

origem no pensamento simplista e dicotômico a respeito dos processos de ensino e de

aprendizagem. Essa lógica se faz presente quando “[...] separamos o produzir conhecimento

do conhecer o conhecimento existente” (FREIRE; SHOR, 1986, p. 19), transformando, assim,

a escola em “[...] espaços de venda de conhecimento” (p. 19). Dessa forma, a escola se

encontra no cômodo papel de transmitir o conhecimento existente e totalmente desobrigada a

desenvolver pensamento crítico e autônomo a respeito dos conteúdos trabalhados. Essa lógica

está diretamente ligada ao ofício do professor, uma vez que, “[...] inicialmente formado [põe

em prática o conhecimento] produzido longe das salas de aula, por pesquisadores,

acadêmicos, escritores de livros didáticos e comissões oficiais de currículo, mas não é criado

e recriado pelos estudantes e professores nas salas de aula” (p.19).

Essa ótica de atuação dicotomiza o ensino da pesquisa, logo da produção de conhecimento.

Assim, o oficio do professor pesquisador é considerar a possibilidade de “[...] re-conhecer

aquilo que pensou que conhecia” (FREIRE; SHOR, 1986, p. 19). A perspectiva de ensino-

pesquisa traz consigo um grande valor prático, pois “educa o professor”. Transforma-o no

“[...] primeiro pesquisador da sala de aula” (p. 19), pois investiga seus alunos. Essa premissa

aparece na fala de uma professora do grupo noturno. Ela pontua

Através das reflexões tenho a oportunidade de repensar sempre minha prática, rever como, quando e onde ela pode ser melhorada. Muitas vezes erramos por não ter tido a oportunidade de conhecer, de ter acesso ao saber. Quando estamos predispostos e aptos, sem medo a mudar, a formação continuada nos ajuda a crescer, não apenas nas atividades profissionais, mas também com a mudança de olhar (PROFESSORA FERNANDA – séries iniciais).

O conhecimento emancipatório produzido por essas salas de aula traria às aprendizagens dos

sujeitos envolvidos uma produção autônoma carregada de uma estratégia que confirmaria a

167

tese de que “[...] se professores e alunos exercessem o poder de produzir conhecimento em

classe, estariam então reafirmando seu poder de refazer a sociedade” (FREIRE; SHOR, 1986,

p. 21). Então, o primeiro passo para a construção dessa prática, no contexto escolar, talvez

fosse romper e “[...] enfrentar uma poderosa e antiga tradição de transferência de

conhecimento” (p. 22).

Diante desse necessário processo de pesquisa docente caracterizado como estratégia de

construção e sistematização de conhecimento por meio da análise da própria prática

pedagógica, é que lançamos outro fundamento dessa discussão: desvendar, por meio da

reflexão crítica, a teoria embutida em toda e qualquer prática. Acrescê-la, sublinhá-la, pautá-

la, desvendá-la, aprofundá-la, discuti-la, retificá-la, reiterá-la na discussão com os outros e na

reflexão coletiva.

Esse é um exercício contínuo que desafia pesquisadores e professores, uma vez que muitos

são os cenários da educação deste país e grande parte deles não tem sistematizadas essas

oportunidades de construção. Esse também é o contexto que cerca a pesquisa na escola, com

os professores.

Mesmo assim, os encontros noturnos nos trouxeram essa possibilidade ainda que cheia de

limitações, uma vez que as situações “ideais” conclamavam todos os sujeitos envolvidos no

contexto escolar para discutir tais questões. No encontro noturno, contávamos com um grupo

formado por profissionais de 15 escolas com três, às vezes, quatro representantes de cada

uma.

Dessa forma, seguimos as discussões do grupo que, a respeito das práticas pedagógicas,

assinalou possibilidade de refletir sobre o fazer docente. Reflexão esta capaz de descobrir,

discutir, criar, desvendar, construir e reconstruir, pelos processos de formação continuada,

estratégias didáticas que pudessem facilitar a dinâmica do processo de ensino dos alunos com

necessidades educacionais especiais. Isso ficou claro nas falas dos docentes.39

Tenho refletido muito sobre minhas atitudes, sobre como tenho trabalhado e como avaliar sempre as minhas atividades, bem como minhas atitudes procurando sempre o melhor para os alunos (PROFESSORA LUISA – séries iniciais).

39 Em anexo C: Instrumento B - sugerido em 30-5-2005.

168

O processo de formação continuada enriquece minha prática educacional, fazendo-me refletir a postura ‘correta’ do professor (PROFESSORA LUANA – séries iniciais). Acredito que todo o momento de estudo/reflexão é parte de nossa prática. É difícil nos desvencilharmos do vivido/construído. Seremos diferentes após cada experiência nova que vivenciarmos (PROFESSORA IVETE – séries iniciais).

Ainda destacando as falas dos docentes, percebemos que o movimento presente em suas

formulações, a respeito da reflexão alcançada pela via dos processos de formação continuada,

é que gerou o aprimoramento das práticas. Dessa forma,

A oportunidade de aprimoramento e aprofundamento do conteúdo nos desperta e enriquece nosso trabalho, pois as questões que emergem no grupo são questões que interferem em nossa prática. No dia-a-dia, estamos vivenciando grande parte delas. Isso é importante, estamos aliando teoria e prática (PROFESSORA SUZANA – séries iniciais). Sempre que posso irei fazer os estudos. É uma forma para o conhecimento ser sempre renovado, para um desenvolvimento reflexivo voltado para as necessidades dos alunos (PROFESSORA DAYANA – séries iniciais). A formação continuada é imprescindível para repensarmos a nossa prática utilizando os conhecimentos adquiridos para tematizar a prática e tentar alguma proposta que profissionalize mais o espaço da escola (PROFESSORA DEYSE – séries iniciais).

Diante das considerações dos docentes acerca dos benefícios trazidos pela formação

continuada, somados à reflexão da prática pedagógica, na análise dos dados, aparecem, de

forma bastante dinâmica e pontual, alguns pontos que merecem nossa consideração, devido à

sua grande relevância no processo educacional de alunos com necessidades educacionais

especiais. Nesse sentido, os docentes apontam ser também o processo de formação continuada

responsável por:

a) Desencadear a valorização de planejamento diferenciado ao atendimento das

necessidades específicas:

Nas minhas práticas diárias, tenho a preocupação de trabalhar com atividades diversificadas e uma atenção especial, quando possível, aos alunos que necessitam de um apoio especial (PROFESSORA LAURA - séries iniciais). Maior aceitação desse aluno atendido na sala de aula e buscando percursos diferenciados para atender melhor esse aluno, atuando em equipe com outros professores (PROFESSORA ZÉLIA – séries iniciais).

b) Pontuar outras/novas habilidades dos alunos com necessidades educacionais especiais:

A formação continuada tem feito diferença, pois os conhecimentos adquiridos ajudam a complementar a nossa prática e ainda pensar e repensar que nossos alunos

169

possuem várias habilidades/potencialidades que devemos descobrir além daquelas vislumbradas pela escola (PROFESSORA DANÚBIA – séries iniciais).

c) Promover conhecimento a respeito do fazer docente garante suporte seguro de

atuação:

O processo de formação tem orientado, diante da teoria e da ‘lei’, oferecendo suporte à prática. A partir do momento que conhecemos estudos na área e a legislação, ficamos mais conscientes do nosso trabalho e das nossas limitações e, conseqüentemente, mais seguros ou instigados a melhorar (PROFESSORA ROSITA – séries iniciais). O processo de formação continuada [...] me trouxe maior segurança, quando reúno os professores para discutir assuntos relacionados com nossos alunos, inclusive os especiais. Os professores que não tiveram a oportunidade de participar do curso se beneficiaram de informações obtidas no planejamento de aulas, passadas de uma forma segura por mim (PEDAGOGA MARIANA – séries iniciais).

d) Considerar a complexidade dos contextos:

Esse processo tem sido importante porque, na complexidade que nós, educadores, vivenciamos, enfrentamos uma realidade de falta de tempo para reflexão de nossa prática pedagógica que necessita de reestruturação, mudança, renovação dos métodos, técnicas, instrumentos e aumentarmos nossos sabres e práticas melhorando nossa atuação nesse processo [...]. A realidade, nas escolas onde estou atuando este ano, apresenta desafios, surpresas, que se tornam importantes, porque somos nós, esses profissionais, que poderemos fazer a diferença de forma positiva, favorecendo oportunidades de trocas de experiências, ajudando aos demais professores que ainda não conseguem e muitas vezes não querem aceitar o processo de inclusão na sua realidade escolar (PROFESSORA JANAÍNA – Educação Especial).

Esses foram os pontos mais presentes nas falas dos docentes, no registro final de avaliação de

um dos encontros noturnos, a saber, o referente ao dia 30-5-2005. Igualmente importante e um

outro dado traz à tona todo o referencial analítico deste texto. Trata-se da consideração a

respeito da emergência da comunicabilidade ou de um agir comunicativo (HABERMAS,

2003) e da instauração do diálogo40 (FREIRE, 2005b) nos contextos escolares.

Habermas (2003, p. 164) trabalha a ação de comunicabilidade calcada na perspectiva de um

agir comunicativo extremamente caracterizado como aquele “[...] orientado para o

entendimento mútuo”.

A questão do agir comunicativo está diretamente ligada à característica das ações a serem

executadas. Neste ponto, retornamos a Habermas (1968, p. 57), que analisa, por um lado, o

40 O leitor pode constatar, nas referências do texto, que constam duas obras do pensamento freireano datadas de 2005. São elas: Pedagogia do oprimido e Conscientização: teoria e prática da libertação. Ambas serão citadas neste trecho, a fim de buscar fundamentação teórica a respeito do diálogo fecundo, emancipatório e autônomo.

170

conceito de ação instrumental teleológica ou ação estratégica, caracterizada pela execução de

procedimentos, meios e técnicas específicas, com vistas a atingir objetivos determinados; por

outro, o conceito de ação comunicativa orientado segundo as demandas de um contexto

estabelecido, seguindo a definição de expectativas recíprocas do grupo de sujeitos envolvidos.

O sentido de tal orientação é sempre objetivar a comunicação lingüística cotidiana

possibilitando a construção coletiva de estratégias de ação, visando a atingir os objetivos

demandados pelo contexto.

Crendo ser os mecanismos de ação comunicativa aqueles mais adequados aos contextos de

atuação dos profissionais em questão, no caso, profissionais do ensino, juntamente com o

texto habermasiano, lançamos mão da obra de Paulo Freire, que, já em 1967,41 trazia, por

meio de seu pensamento, as considerações a respeito do poder do diálogo, logo da

importância do estabelecimento da palavra como verbo de transformação dos homens e do

mundo.

Esses princípios fazem-se presentes nas falas dos docentes que acreditam encontrar, na

discussão pública e politizada das demandas escolares, uma possibilidade fecunda de

ampliação dos conceitos, visualizando, assim, melhores horizontes de enfrentamento da

problemática educacional. Suas falas42 refletem esse pensamento:

Todas as problemáticas que envolvem práticas educativas quando discutidas em grupo, proporcionam visões diferentes e soluções diversas das que enfrentamos no dia-a-dia da escola. Com certeza, os textos estudados, as discussões em grupo, o apontar de caminhos colaboram sobremaneira para a melhoria de nossa práxis. Tudo isso se reflete na sala de aula, tornando o aluno o maior beneficiado com nossos estudos de formação. Tomara que eles nos sejam oferecidos em todas as áreas durante todo o ano (PROFESSORA CASSIANA – séries iniciais). A formação continuada, quando é abordada e discutida com o coletivo, torna-se interessante e compreendida com mais clareza. Todas as informações novas são conhecimentos que adquirimos para estar abordando na prática educacional com mais clareza e segurança no fazer pedagógico (PROFESSORA HELENA – séries iniciais). A possibilidade de nos reunirmos [...] para discutirmos e trocarmos idéias já é considerada por mim uma ótima oportunidade de melhorar nossa prática educacional. Sendo o tema inclusão o alvo de nossas discussões, acredito ser de grande importância para nós, educadores, nos aprofundarmos nesse tema tão discutido e necessário cada vez mais no nosso dia-a-dia (PROFESSORA ADÁLIA – séries iniciais).

41 Ano da primeira edição de Pedagogia do oprimido. A versão do texto que utilizamos se trata da 44ª edição do ano de 2005. 42 Em anexo C: Instrumento B – Sugerido em 30-5-2005

171

As falas acima perpassam um eixo fundamental de discussão da nossa problemática: a questão

da necessária comunicação que se faz presente a todo o momento nas dinâmicas que

envolvem os mais diversos contextos educacionais. Comunicação esta capaz de instaurar

dinâmicas próprias de intervenção coletiva e que não dependem unicamente da orientação de

órgãos ou sujeitos externos a seu espaço na determinação de suas diretrizes.

Diante dessa necessidade, é que trazemos a contribuição dos autores destacados. Dessa forma,

Habermas (1968) em seu mecanismo de diferenciação das ações, atribui a uma ação

comunicativa uma interação orientada ao entendimento mútuo e a um agir estratégico uma

ação instrumental orientada, exclusivamente, por regras técnicas que garantam o sucesso de

seu percurso objetivo.

As ações coordenadas sob as bases de um agir estratégico dependem diretamente “[...] da

maneira como se entrosam os cálculos de ganho egocêntrico” (HABERMAS, 2003, p.165),

ou seja, visando ao ganho e às satisfações individuais dos sujeitos envolvidos. Nesse sentido,

“[...] o grau de cooperação e estabilidade resulta então das faixas de interesse dos

participantes” (p.165). O avesso desse processo ganha corpo em um agir direcionado a uma

ação comunicativa em que os sujeitos envolvidos tratam de “[...] harmonizar internamente

seus planos de ação e de só perseguir suas respectivas metas sob a condição de um acordo

existente ou a se negociar sob a situação e as conseqüências esperadas” (HABERMAS, 2003,

p.165). Diante dessas considerações, é necessário diferenciar que

[...] o modelo estratégico de ação pode se satisfazer com a descrição de estruturas do agir imediatamente orientado para o sucesso, ao passo que o modelo do agir orientado para o entendimento mútuo tem que especificar condições para um acordo alcançado comunicativamente (HABERMAS, 2003, p.165).

Os princípios do pensamento habermasiano trazidos neste texto nos fazem refletir sobre o

contorno das ações executadas atualmente, em nossas escolas, em nossos sistemas de ensino e

em nossas salas de aula. Se considerarmos esses princípios como base para problematizarmos

também a questão da formação continuada de professores, pode-se considerar que, sob uma

ótica, privilegiadamente estratégica, os efeitos dessa formação podem ser considerados

danosos em longo prazo.

172

Quando orientados sob os princípios de uma ação comunicativa que objetive a

problematização das questões vivenciadas, buscando alternativas possíveis de resolução por

meio de uma ação pensada e executada coletivamente, as respostas aos problemas

educacionais surgem orientadas sob a perspectiva de entendimento mútuo pautado sob os

princípios filosóficos de

uma educação que esteja [...] adaptada ao fim que se persegue: permitir ao homem chegar a ser sujeito, constituir-se como pessoa, transformar o mundo, estabelecer com os outros homens relações de reciprocidade, fazer a cultura e a história [...]. Se queremos que o homem atue e seja reconhecido como sujeito; se queremos que tome consciência de seu poder de transformar a natureza e que responda aos desafios que esta lhe propõe; se queremos que o homem se relacione com os outros homens - e com Deus - com relações de reciprocidade; [...] se pretendemos, sinceramente, que se insira no processo histórico e que descruzando os braços renuncie a expectativa e exija a intervenção; se queremos, noutras palavras, que faça a história em vez de ser arrastado por ela; [...] se é todo o anterior o que desejamos, é importante preparar o homem para isso por meio de uma educação autêntica: uma educação que liberte, que não adapte, domestique ou subjugue (FREIRE, 2005a, p. 45).

É nesse contexto que localizamos os modelos críticos de formação docente. É calcada em uma

perspectiva crítica de atuação que a formação trará sua contribuição significativa ao contexto

educacional brasileiro. Nessa perspectiva, as ações formativas de cunho estratégico, “[...]

enquanto forças de imobilização e de fixação, não reconhecem os homens como seres

históricos” (FREIRE, 2005a, p. 94). Por outro lado, as ações de cunho comunicativo, unindo

“[...] teoria e prática críticas tomam como ponto de partida a historicidade do homem. [Dessa

forma] “a educação considera os homens como seres em devir, seres inacabados, incompletos

em uma realidade igualmente inacabada” (p. 94). É na consciência de sua incompletude que

os homens encontram as raízes “[...] da educação como fenômeno puramente humano. [Essa

característica do inacabamento] e o caráter evolutivo da realidade exige que a educação seja

uma atividade contínua. A educação é desse modo, continuamente refeita pela práxis” ( p.

95).

Diante da possibilidade de ações desencadeadas a partir de uma ação comunicativa que tem

como prioridade a reciprocidade das relações e o estabelecimento de ações coletivas, o

diálogo freireano se mostra como alternativa possível e capaz de desempenhar esse papel na

constituição de ações compartilhadas e caracterizadas pela vivência tipicamente humana.

Assim, conceituamos o diálogo como “[...] o encontro entre os homens, mediatizados pelo

mundo, para designá-lo” (FREIRE, 2005a, p. 96). Essa definição caracteriza os homens como

173

seres de ação, ou seja, “[...] seres do quefazer exatamente porque seu fazer é ação e reflexão.

É práxis. É transformação do mundo” (FREIRE, 2005b, p. 141). Nesse ponto, o diálogo

ganha forma na possibilidade de transformação por meio da práxis humana nos processos de

“[...] reflexão e ação incidindo sobre a as estruturas a serem transformadas” (FREIRE, 2005b,

p. 142). Atualmente, os necessários processos de transformação das possibilidades

educacionais de crianças e jovens alunos da escola pública brasileira não podem ser

efetivados, se temos a participação docente nesse processo “[...] reduzida ao puro fazer”

(FREIRE, 2005b, p. 142).

Na exposição das últimas falas das professoras, fica evidente a necessidade da discussão

coletiva, da problematização e da reflexão a respeito das dificuldades enfrentadas. Ao

evidenciar esse aspecto do fazer diário da escola, elas realçam a necessidade de que esses

momentos aconteçam no contexto de sua ação. Historicamente, essa demanda não tem sido

correspondida. Queremos dizer com isso que a ausência de sistematização do diálogo

fecundo, no interior das instituições de ensino, impede seus atores de “[...] autenticamente

admirar o mundo, denunciá-lo, questioná-lo, transformá-lo para sua humanização” (FREIRE,

2005b, p. 143), antes permite “[...] adaptar-se a realidade do dominador. O quefazer deste não

pode, por isso mesmo, ser dialógico [...] problematizante dos homem-mundo ou dos homens

em suas relações com o mundo e com os homens” (FREIRE, 2005b, p. 143).

Esse diálogo, como exigência radical da revolução, responde a outra exigência radical – a dos homens como seres que não podem ser fora da comunicação, pois que são comunicação. Obstaculizar a comunicação é transformá-los em quase ‘coisa’ e isso é tarefa e objetivo dos opressores, não dos revolucionários (FREIRE, 2005b, p. 145).

Na teoria habermasiana, a reciprocidade desponta como característica de uma ação

comunicativa. No pensamento freireano, a co-laboração é a característica fundamental da ação

dialógica. Ambas as características não podem existir “[...] a não ser entre sujeitos” (FREIRE,

2005b, p. 193) e somente se concretizam por intermédio da livre comunicação.

A ação comunicativa expressa no movimento dialógico gera reflexão capaz de promover

atuação diferenciada, a fim de atender a diferentes e múltiplos contextos. Porém é necessário

considerar que a ação dialógica não se concretiza fora da práxis (FREIRE, 2005b). Ao

considerarmos a práxis, “[...] a teoria do saber” (2005b, p. 146), como uma relação dialética

entre teoria e prática, encontramos, nos processos de formação continuada, uma possibilidade

174

de disparar o movimento de reflexão e busca pela sistematização do saber, ou melhor, da

práxis docente. A ação pedagógica postulada sobre esses princípios e, constantemente, sólida

e segura, aponta caminhos na direção de ações governamentais que garantam esse movimento

de estudo e reflexão no interior das instituições escolares.

A formação continuada de professores, neste contexto, remete-nos a uma concepção de agir

comunicativo, uma vez que não estabelece relação entre problemas e soluções prontas.

Obrigatoriamente, os atores envolvidos nessa problemática devem lançar mão de um

movimento em que prevaleça a interação entre pares, no intuito de gerar emancipação e

autonomia da escola em frente às problemáticas vividas por essa instituição e seus

profissionais. Na tentativa de solidificar essa premissa, é que acreditamos ser “[...] somente o

diálogo, que implica um pensar crítico, é capaz, também, de gerá-lo. Sem ele não há

comunicação e sem esta não há verdadeira educação” (FREIRE, 2005b, p. 96).

O exercício da livre comunicação conquistado por uma ação comunicativa ou por uma ação

dialógica, no contexto da escola, é reivindicação dos docentes desta pesquisa. Assim,

passemos a outro ponto de análise eleito pelos docentes.

7.3 O DELINEAMENTO DADO PELOS DOCENTES Á ORGANIZAÇÃO E CONTEÚDO

DOS PROCESSOS DE FORMAÇÃO CONTINUADA

Continuamos nesta etapa realizando a análise dos dados do grupo de formação noturno.

Durante o processo, foram sugeridos ao grupo outros instrumentos sobre os quais eles

pudessem opinar sobre a organização que melhor atendesse às demandas dos docentes nos

processos de formação continuada. Com essa proposta realizada, percebemos que os docentes

propuseram a respeito:

a) do conteúdo temático a ser discutido e estudado nos processos de formação

continuada;

b) do aprimoramento da estrutura organizativa do grupo de formação, levantando

questões que envolviam a freqüência dos encontros, local e horários na tentativa de que,

com novos arranjos e em outros momentos, o grupo pudesse contar com a participação

mais efetiva dos docentes, atuando, assim, como um importante veículo de

aprimoramento para os próximos momentos de formação a serem fomentados.

175

Diante da demanda apontada pelos docentes, avançam as análises deste estudo na tentativa de,

conjuntamente com eles, traçar outras possibilidades de organização de processos de

formação continuada.

Assim, nutrida pela esperança, transformamos as demandas docentes em “concretude

histórica”. Concretude essa que garante a impossibilidade de haver “[...] esperança na pura

espera, nem tão pouco se alcança o que se espera na espera pura, que vira assim espera vã”

(FREIRE, 1992, p. 11). No ato de fazer, pensar, dialogar e transformar, a esperança toma

forma na ação autêntica, no discurso autônomo e no fazer emancipatório.

As discussões a respeito do conteúdo estudado aparece nos dados do estudo com grande

freqüência revelando faces do mesmo processo, porém vivenciado de maneiras diferentes por

de seus atores. Esses apontamentos aparecem nos instrumentos de coleta de dados ora de

maneira propositiva, ora de maneira direcionada e específica, mas o que mais chama a

atenção, nesse movimento de ouvir o professor buscando contemplar seus interesses

formativos, é que, de uma forma ou de outra, a fala dos docentes “[...] explicita o quanto as

concepções sobre o que ensinamos articula-se aos modos como organizamos nossa tarefa de

ensinar” (LEAL, 2006, p.73).

Essas contribuições revelam a grande importância da explicitação e análise dos princípios

teórico- práticos que servem de fundamento para a ação docente. Princípios esses que, uma

vez adormecidos diante da dinâmica e mecanização do ato de ensinar, impedem que a prática

pedagógica sirva como referência para a produção de conhecimento docente. Partimos dessa

colocação para dar continuidade à difícil tarefa de pensar e problematizar a formação

continuada de professores.

Pensando a organização do grupo de estudos continuados que nos servem de referência, é

importante ressaltar que, desde o início do processo, os docentes tiveram acesso às temáticas a

serem desenvolvidas no grupo, porém a previsão era de que, dependendo do caminhar do

grupo, poderia existir a possibilidade de flexibilizar essa estrutura para atender à demanda dos

docentes.

176

Dessa forma, no último encontro do primeiro semestre,43 os docentes mais uma vez

contribuíram preenchendo as avaliações44 que compreendiam um instrumento utilizado

organizado no formato de um questionário avaliativo. Nele aparecem a opinião dos

professores a respeito do atendimento de suas expectativas iniciais quanto à formação

continuada sobre o andamento do grupo até aquele momento e duas foram as questões que

nos suscitaram esta análise: as expectativas dos docentes quanto às temáticas desenvolvidas e

suas sugestões com referência à organização do grupo de estudos.

Na ocasião, um número significativo de professores revelou uma boa expectativa quanto às

temáticas desenvolvidas, demonstrando que a formação continuada, configurada em uma

oportunidade sistemática de estudo, acarretou uma ampliação dos conhecimentos a respeito da

educação especial e do movimento de inclusão educacional, proporcionando um

aprimoramento do fazer diário e uma reflexão constante sobre suas práticas. Isso fica claro

nos fragmentos de fala que revelam as considerações docentes a respeito das contribuições

dos processos de formação continuada. Dessa forma, compreendem as professoras:

O processo de formação continuada tem me ajudado através dos textos estudados, das informações obtidas e das reflexões feitas (PROFESSORA SIMONE – Educação Especial - séries iniciais). A formação continuada veio em um momento em que nós, professores, estávamos perdidos, nos proporcionando um conhecimento ampliado e nos incentivando a caminhar juntos na escola como um todo (PROFESSORA CARMEM – séries iniciais).

A fala das professoras revela que, por meio dos processos de formação continuada, existe a

possibilidade de encontrar caminhos mais seguros de atuação com os alunos que apresentam

necessidades educacionais especiais. Atuação segura pelo fato de estar diretamente ligada à

reflexão contínua do fazer diário que, a partir desse movimento, deixa de ser saber mecânico,

estéril e ganha vida na ação.

Dentro dessa análise, possibilitamos a discussão de duas opiniões contraditórias a esse

respeito. Analisaremos as respostas dadas à seguinte pergunta: as temáticas atenderam às suas

expectativas?

43 O último encontro do primeiro semestre realizou-se no dia 13-7-2005. Nessa ocasião, foi sugerido aos docentes um instrumento avaliativo do processo até aquele momento. 44 Em anexo D: Instrumento C – Sugerido em 13-07-2005.

177

Sim. Está sendo um momento de reflexão já que a mudança é processo. Posso dizer que há um novo olhar no que se refere à minha prática (PROFESSORA LUZIANA – séries iniciais). Sim. O processo de formação foi muito bom, os temas atenderam às necessidades das escolas (PROFESSORA LUCIA – Educação Especial).

A margem de 95% de respostas afirmativas reflete e confere grande importância à necessária

articulação entre teoria e prática na ação do professor, dando a esse movimento uma

característica unificada, não dicotômica, em que se separam os momentos de aprendizagem da

teoria e os momentos de execução do que foi aprendido.

Outros docentes, cerca de 5% do total, responderam da seguinte forma:

Não. Foi importante a parte teórica, mas esperava que houvesse mais abertura para trocar e compartilhar experiências com outros professores (PROFESSORA ZAIA – séries iniciais). Em parte. Poderíamos contar com oficinas, intervenções direcionadas a necessidades específicas (hiperatividade, DM, DA) (BIANCA – pedagoga). Em parte. Faltou um pouco mais de especificidade e exemplos mais concretos (PROFESSORA LUISA – Educação Especial).

A demanda explícita nas falas dessas professoras encontra fundamentos no próprio modelo

tradicional e histórico de ensino baseado na absorção de conteúdos descontextualizados

incorporados em exemplificações práticas, como se o ato educativo pudesse ser reproduzido

em contextos e com indivíduos diferentes.

Quanto aos modelos de formação oficiais, muitos têm tentado atender a essa demanda

docente, trazendo esse conteúdo trabalhado em forma de oficinas pedagógicas, “[...] que

caracteriza geralmente uma modalidade de formação em que os professores vivenciam

atividades trabalhadas pelos formadores” (LEAL, 2006, p. 76). Ainda seguindo a reflexão

suscitada pela autora, ela continua alertando para o fato de que,

Mesmo quando há teorização sobre tais atividades, há carência de reflexão sobre as experiências dos próprios professores. Ou seja, eles não refletem sobre os conhecimentos já construídos na prática diária ou sobre suas próprias estratégias de ensino. Há, na realidade, uma descrença quanto ao que o professor pode resgatar de seu próprio percurso profissional e uma imposição das estratégias de ensino propostas pelos que se responsabilizam pela formação docente (LEAL, 2006, p. 76).

178

Dessa forma, a autora ainda aponta, como desafio para a organização dos processos de

formação continuada de professores, a garantia de que “[...] os professores possam ser agentes

de seu próprio processo de formação e [...] que as situações não se restrinjam a uma mera

troca de experiências, sem teorização da prática”.

Nesse sentido, ao se propor tematizar a prática docente em processos de formação continuada

de professores, deve-se considerar a necessidade de que a temática não se configure como

reflexão sobre a prática dos outros, restando uma prescrição a ser seguida. No intuito de não

cair nesse equívoco, “[...] os programas de formação continuada deveriam ser considerados

como uma estratégia ativa de desenvolvimento, tanto da imaginação pedagógica quanto da

consciência auto-reflexiva social e crítica dos professores” (FREITAS, apud LEAL, 2006,

p.77). Na tentativa de contemplar esse interesse, “[...] a reflexão é alçada, simultaneamente, à

condição de objetivo e conteúdo do processo de formação” (p. 77). Dessa forma, configura-se

como objetivo da formação continuada efetuada sobre esses princípios “[...] a interação

inteligente, criadora e autônoma do docente com os problemas singulares e complexos da sua

sala de aula, abordados através de um diálogo reflexivo com determinadas situações

problemáticas” (p.77).

Considerado sob essa ótica, o estudo e a reflexão sobre prática docente delineiam

outras/novas formas organizativas desses processos. Diante disso, passemos a outro ponto de

nossa análise referente a organização de processos de formação continuada que vem se

configurando em outra problemática tanto para os docentes quanto para os sistemas de ensino

que reconhecem a importância e a necessidade desses processos formativos.

Na tentativa de avaliar e aprimorar a organização do processo de formação continuada

vivenciado pela pesquisa, foi que, no instrumento avaliativo descrito no item anterior,

constava outra questão referente a esse item. Tratava-se da seguinte questão: faça uma análise

do formato desse processo de formação continuada. Você teria uma sugestão para melhorá-lo?

Assim, as sugestões dos professores podem ser categorizadas em quatro grupos distintos:

aqueles que sugerem mudanças referentes à periodicidade dos encontros; os que oferecem

sugestões a respeito da construção compartilhada entre diferentes atores; os que sugerem

mudança no lócus de formação; e, finalmente, os que sugerem mudanças no horário destinado

à formação continuada. Passemos à discussão de cada um deles.

179

O quesito periodicidade foi bastante questionado pelos docentes que fizeram parte desse

processo naquele momento. Dessa forma, os professores que sugeriam mudanças na

periodicidade dos encontros buscavam sistematizar uma freqüência maior de realização do

grupo de estudos e formação continuada. A preocupação dos docentes, em um primeiro

momento, estava em garantir que essa fosse uma proposta do Sistema de Ensino Municipal e

que se efetivasse anualmente, ou seja, se instituísse como um direito garantido ao docente:

“Estou gostando muito. Minha sugestão é que esse processo de formação continuada aconteça

todos os anos (PROFESSORA ANA – séries iniciais).

Outros profissionais abordaram também a temática da periodicidade na busca de garantir

maior tempo de formação:

Achei o curso ótimo. Gostaria que continuasse dessa forma. Uma sugestão seria os dias alternados (PROFESSORA LETÍCIA – Educação Especial). Que continuasse a ter com mais freqüência e que todos os professores da escola regular tivessem envolvidos para que o trabalho da Educação Especial não fosse criticado e sim respeitado (PROFESSORA FERNANDA – Educação Especial).

Outro ponto explícito nos dados analisados foi a aprovação do formato organizativo do

processo de formação continuada que envolvia o professor de Educação Especial, professor

comum e o pedagogo:

O curso de formação continuada está sendo ótimo, pois, além dos professores de Educação Especial, envolve também professores de sala regular e pedagogo, levando à prática escolar o que está sendo proposto e estudado (PROFESSORA RUBIANE – Educação Especial).

Tomando como referência a fala desses docentes, podemos observar que, ao apontar essa

questão de forma positiva, eles sustentam a possibilidade de que a formação continuada

oferece viabilização de uma proposta de construção compartilhada entre diferentes atores.

Construção essa capaz de criar respostas mais efetivas às problemáticas surgidas e

vivenciadas no contexto escolar.

O trabalho conjunto entre professor de Educação Especial, professor do ensino regular e

pedagogo, na fala dos docentes, gera maior segurança das ações porque são compartilhadas.

No quadro a seguir, percebemos as bases organizativas, as atribuições e as expectativas desse

compartilhamento ao qual os professores fazem referência.

180

Escola Papel do professor de sala regular Papel do professor de educação especial Papel do pedagogo A Detectar as dificuldades procurando

resolver o que lhe for possível e encaminhando para os profissionais de apoio aqueles que fugirem de competência

Provocar discussões e elo de ligação entre os problemas apresentados pelos professores e a busca de soluções Tornar-se responsável pela formação dos professores das salas regulares, oferecendo-lhes subsídios e apoio para trabalharem com os alunos portadores de necessidades especiais Criar estratégias que ajudem os professores a lidar com seus alunos Ajudar os professores a superarem seus medos e limitações à resposta da Educação Especial

Assumir o papel de orientador do trabalho pedagógico, atuando como elo de ligação entre os profissionais do ensino regular, os de Educação Especial e as famílias dos alunos Ajudar e orientar as adaptações curriculares quando necessário, bem como ser o coordenador pedagógico da construção do PPP de escola, que tenha a inclusão como base para uma escola que realmente respeite e valorize as diferenças.

B Desenvolver trabalhos de integração na comunidade Respeitar as diferenças individuais de cada aluno Colocar em prática a inclusão Valorizar a diversidade dos alunos

Desenvolver estratégias e atividades que atendam aos alunos com necessidades especiais Ser criativo, inovador e reflexivo Desenvolver expectativas positivas em relação aos alunos com necessidades especiais Planejar conjuntamente com o professor da sala regular

Articular para que o trabalho seja realizado em equipe Oferecer apoio pedagógico Proporcionar aos professores momentos para reflexão coletiva da prática pedagógica

C Proporcionar ao aluno estratégias com vistas a conseguir que todos os alunos compartilhem o assunto, alguns com mais, outros com menos dificuldades, mas que todos tenham a oportunidade de aprender Planejar suas atividades respeitando as peculiaridades de todos os alunos, suas diferenças, seus momentos Estar sempre avaliando suas intervenções, observando se elas estão realmente apresentando resultados positivos Avaliar sempre sua prática

Estar sempre presente na sala de aula, onde pode ajudar o professor da sala regular na atuação com alunos que apresentam n.e.e. Planejar atividades das quais todos os alunos possam participar ativamente Retirar os alunos que demandem uma atenção mais individual para um atendimento separado (em alguns momentos) Trabalhar sempre com o professor da sala regular e com o pedagogo, procurando estratégias de ensino que atendam a todos os alunos

Estar sempre presente em todo o movimento da escola Participar plenamente do planejamento do professor, preocupando-se sempre em observar se as estratégias de ensino estão dando certo, se os resultados são favoráveis, se o aluno está conseguindo crescer com as intervenções do professor Apresentar sugestões de aulas mais motivadoras, com ações extraclasse Procurar integrar todos os alunos na escola, fazendo com que a escola se modifique em razão do aluno

(continua)

181

Escola Papel do professor de sala regular Papel do professor de educação especial Papel do pedagogo D Deve conscientizar-se de que

tem o papel e a necessidade de realizar um trabalho em equipe, para que usufruam das experiências vividas. Dessa forma o professor poderá efetuar adaptação curricular com o intuito de dar iguais oportunidades àquele aluno que, por algum motivo, não acompanhe o aprendizado da turma

Desenvolver projetos educativos diversificados com o professor de sala de aula, bem como sua inclusão na turma Participar de eventos que ocorram em sala de aula, trabalhando em prol de sua socialização, pois assim haverá uma troca, na qual ocorrerá interação teórica e prática

Ser o elo entre o professor de sala regular e o de Educação Especial, contribuindo para que seja dado andamento nos projetos propostos, oferecendo subsídios e estratégias que realmente ajudem os professores em suas práticas pedagógicas

E Ser mediador da aprendizagem levando o aluno a construir o conhecimento a partir da intervenção do professor, levando em consideração o conhecimento prévio Respeitar as diferenças e diversidade

Ajudar o professor da sala de aula regular no aprendizado dos alunos com necessidades especiais planejando coletivamente as aulas com orientações e experiências vividas em outras situações do cotidiano de sala de aula

Deve ser articulador de todos os processos da escola, principalmente dos professores da sala regular com o professor da Educação Especial Orientar os professores em sua prática em sala de aula

F Integrar o aluno com necessidades educativas especiais com a turma Propor atividades diferenciadas Avaliar de forma diferenciada

Atender as necessidades específicas o aluno Realizar um trabalho com o professor da sala de aula, visando à integração do aluno por meio de uma adaptação curricular Realizar avaliações pedagógicas Auxiliar o pedagogo em atendimentos à família

Realizar planejamentos periódicos com os professores Elaborar avaliações e relatórios dos alunos com auxilio dos professores

(conclusão)

Quadro 4: Atribuições dos diferentes atores no contexto escolar com vistas à inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais Fonte: Instrumento sugerido em 30-05-2005

Neste instrumento de coleta de dados,45 as falas dos docentes estão caracterizadas por cores

distintas. O uso da forma em negrito busca apontar os momentos em que os professores se

referem às ações compartilhadas ou a um trabalho coletivo. É preciso esclarecer também que

esse instrumento foi levado às escolas participantes do processo de formação continuada pelos

profissionais que estavam envolvidos no processo, para que fosse respondido com a

contribuição de todos os profissionais que compunham o contexto escolar.46

45 Em anexo E: Instrumento D – Sugerido em 30-5-2005. 46 Faz-se necessário retomar, neste momento do texto: 15 unidades de ensino estavam envolvidas no processo de formação, porém três, em alguns casos quatro profissionais de cada escola, compunham o grupo de formação. Essa limitação do número de participantes por escola foi uma orientação do Núcleo de Educação Especial da Secretaria Municipal de Educação, devido à quantidade insuficiente de profissionais formadores atuantes no processo de formação.

182

Podemos observar que, logo na primeira escola caracterizada, quando sugerimos aos

professores que opinassem a respeito do papel dos diferentes profissionais na execução da

proposta de trabalho coletivo, os docentes “responsabilizaram” por essa ação o professor de

Educação Especial e o pedagogo da escola. O professor de sala regular tem a atribuição de

“[...] detectar as dificuldades procurando resolver o que lhe for possível e encaminhando para

os profissionais de apoio aqueles que fugirem de competência”. Essa colocação retira do

professor de sala regular qualquer responsabilidade quanto ao trabalho a ser desenvolvido

com alunos com necessidades educacionais especiais matriculados na escola, pois oferece a

prerrogativa de encaminhar ao profissional de apoio aquilo que não é de sua “competência”

intervir. Podemos perceber, também, que essa é a única colocação que não confere ao

professor de sala regular nenhuma ação quanto ao trabalho com esses alunos. Dessa forma,

podemos considerar um avanço que outros profissionais, de modo tão abrangente, já

considerem a própria responsabilidade na atuação com alunos que apresentam necessidades

educacionais especiais.

Considerando os outros aspectos apresentados no instrumento sugerido e respondido,

percebemos que os apontamentos realizados atribuem a todos os membros da escola a

responsabilidade partilhada e o papel de cada um no processo de atuação favorável ao

desenvolvimento escolar dos alunos com necessidades educacionais especiais. Uma ação

caracterizada dessa forma só pode ser orientada mediante os princípios de uma racionalidade

no marco institucional, ou seja, uma racionalidade comunicativa que pode ser também

caracterizada pelo “[...] decrescente grau de rigidez” (HABERMAS, 1968, p. 88) que

favoreceria o aumento das oportunidades de atuação individual autêntica mais adequada as

interações cotidianas. Permitiria também um “[...] distanciamento relativo aos papéis e uma

atuação flexível de normas internalizadas, porém suscetíveis à reflexão” (p. 88). Encontra-se

aqui o exercício reflexivo dos docentes, ao flexibilizarem as atribuições individuais na busca

por responder, de forma mais autônoma e emancipada, ao seu contexto latente.

Diante dessas colocações, que podemos considerar como avanços na atuação do ensino

regular com alunos que apresentam necessidades educacionais especiais, devemos esclarecer

que, na tentativa de reunir todos os profissionais para a confecção do instrumento, os

profissionais das escolas relatam os entraves encontrados na execução dessa atividade que

183

parece simples. Entraves esses que direcionaram a discussão47 do grupo para os níveis de

organização do trabalho pedagógico e coletivo da escola, como se pode ver no Quadro 5.

ESCOLA RELATO

A Relata dificuldades em conseguir reunir/encontrar os colegas para realizar a atividade proposta. Aponta a estrutura organizativa da escola como principal entrave, no entanto se propôs a articular contatos com as demais professoras no momento de recreio e de planejamento individual

B Relata que, na educação infantil, foi fácil fazer devido à organização dessas unidades para realizar planejamento no horário das 11h00min às 12h00min todos os dias da semana

C Relata que encontraram dificuldade em reunir todo o grupo para preencher o instrumento. Então sentaram a professora de Educação Especial, a professora de sala regular e a pedagoga, totalizando três pessoas, e realizaram a tarefa

D Relata as dificuldades que encontrou além das já citadas anteriormente. A escola esteve fechada durante uma semana, devido às fortes chuvas que atingiram o bairro. Consultou a pedagoga se poderia intervir com o grupo de professores no momento de recreio – foi impedida. Como alternativa, a pedagoga se prontificou a passar de porta em porta no momento das aulas para registrar a contribuição dos professores. Nessas condições ninguém opinou. Não trouxeram o instrumento respondido

E Relata que fez a proposta de elaboração conjunta com os profissionais da escola que não concordaram em participar, pois a obrigação em construir as respostas era do grupo que estava em formação que seria devidamente certificado para isso. Diante da recusa, não trouxeram o instrumento respondido48

Quadro 5: Relato das dificuldades encontradas na organização de um espaço/tempo de diálogo coletivo Fonte: Diário de campo

Com essa análise dos dados, podemos considerar que a proposta de trabalho coletivo, baseada

na perspectiva de ações coletivas e compartilhadas, tem sua atuação extremamente

comprometida diante da organização do sistema escolar que, inflexível, impede a articulação

necessária a uma proposta de trabalho como está sistematizada pela escola e apresentada no

Quadro 4. Diante da mesma dificuldade, encontramos os relatos da tentativa de construção

conjunta de uma proposta de trabalho que resultaria na discussão coletiva a respeito da

problemática vivenciada pela escola no atendimento das demandas de alunos com

necessidades educacionais especiais. Esse movimento de não comunicabilidade é visto por

Habermas (1968) como impedimento ao alcance do nível de racionalização institucional. Na

concepção do autor, uma racionalização elevada ao nível de marco institucional só se

concretizaria em meio “[...] a interação linguisticamente mediada, a saber, pela destruição das

restrições da comunicação” (p. 88). Somente diante da destituição das restrições de

comunicação, é possível encontrar uma discussão pública não restritiva e nem coerciva capaz

de questionar as estratégias atreladas ao progresso dos subsistemas de ação racional dirigida a

fins. Uma comunicação, nesses moldes que alcance todos os níveis dos processos políticos e

47 Discussão realizada em 06-6-2005 no encontro quinzenal noturno e registrada em diário de campo da pesquisadora. 48 Os profissionais das escolas D e E apresentaram em outro momento o instrumento respondido por um número restrito de seus professores.

184

dos processos novamente politizados de formação da vontade, é o único meio pelo qual é

possível dotar “[...] os membros de uma sociedade com oportunidades de uma mais ampla

emancipação e de uma progressiva individuação” (HABERMAS, 1968, p. 88).

Dessa forma, a dinâmica de entraves suscitados pelos docentes, no que diz respeito às

dificuldades encontradas na instituição da comunicação e do diálogo na escola, atende aos

princípios de uma ação racional dirigida a fins pouco comprometida com a emancipação e

viabilização de ações construídas por sujeitos autônomos, críticos, co-responsáveis e

participantes ativos da tomada de decisões que envolvem suas ações e o próprio contexto de

sua atuação. Antes busca manter ações isoladas, compartimentadas e pouco imbuídas do

aparato humanístico, privilegiando os meios técnicos em detrimento das percepções humanas,

o que se torna um indicativo grave dentro do campo de atuação das ciências humanas como,

neste caso, a educação.

No desenvolvimento das discussões a respeito das sugestões dos professores para melhoria

dos processos de formação continuada, a maior parte dos participantes ateve-se à questão da

periodicidade, outra parte à questão do trabalho coletivo entre os diferentes profissionais,

como forma de garantir maior segurança à atuação com alunos com necessidades

educacionais especiais. Um dado que chamou a atenção foi que, em um total de 43

instrumentos respondidos, apenas um fez referência ao lócus da formação e também somente

um citou a possibilidade de a formação ocorrer no horário de serviço.

Nesse sentido, uma professora sugere mudança no lócus da formação, alertando para a

necessidade de levar a formação para o contexto da escola, com o intuito de

discutirmos diversas necessidades, pois muitos dentro da escola não sabem ou não querem trabalhar com esses alunos com necessidades (PROFESSORA NATÁLIA – séries iniciais).

Pode-se considerar que a possibilidade de a escola firmar-se como espaço de formação

continuada docente se deve, provavelmente, a “[...] esse sistema mais orientado pelo discurso

teórico predominante com relação à importância do coletivo e do cotidiano escolar nos

processos de formação continuada” (CARVALHO, 2003, p. 59).

185

Influenciados ou não por uma tendência teórica, é importante considerar que os processos de

formação continuada de professores, quando se efetivam em seu contexto próprio, são

capazes de estabelecer um vínculo teórico-prático com a ação dos docentes, fecundando,

assim, de forma significativa, os processos de ensino e aprendizagem tanto de professores

quanto de alunos.

A contribuição dos docentes a respeito do formato organizativo dos processos de formação

continuada nos alerta para o fato de que eles têm dado tanto valor, têm demonstrado tanta

vontade e necessidade de aperfeiçoamento que tem brigado para participar desses momentos,

mesmo que estes não contemplem a organização “ideal”. Esse grupo compareceu

quinzenalmente, no período noturno, depois de uma ou duas jornadas de serviço, ao estudo a

respeito da atuação do professor com alunos com necessidades educacionais especiais. Uma

das professoras revela:

Com certeza, a formação é importante. O que tenho observado é que estamos no caminho certo, não é ainda o ideal, mas é o certo. A formação nos proporciona argumento inclusive para convencer os colegas que ainda não acreditam ou não aceitam a inclusão. Essa é para mim a maior diferença (PROFESSORA ROBERTA – séries iniciais).

Ainda consideramos que as dificuldades encontradas pelos docentes, no estabelecimento de

momentos para reflexão conjunta, se deve à organização escolar. Torna-se necessário

esclarecer que

A escola moderna assumiu uma forma de organização que, entretanto, não é a única possível, mas, apenas, a que historicamente lhe foi dada, baseadas em relações impessoais, formais e burocráticas, visando à individualização dos papéis e/ou dos atores sociais e produzindo a alienação do professor com relação aos fins do seu trabalho. Assim, uma socialização escolar baseada sistematicamente no individualismo, na competição, na falta de solidariedade, implica uma especialização estreita do acadêmico-profissional, como um obstáculo, quase intransponível, para a percepção e a compreensão do conjunto dos processos sociais e produtivos (CARVALHO, 2003, p. 61).

7.4 A PESQUISA COM OS PROFESSORES: A CONTRIBUIÇÃO DO CONTEXTO

ESCOLAR

Neste momento inicial, optamos por, sucintamente, situar o contexto e apresentar as etapas da

coleta de dados na escola. Sobre a escola eleita para realização da pesquisa, trata-se de uma

Unidade Municipal de Ensino Fundamental, situada no município de Vila Velha. A escola

oferta a Educação Básica seriada de 1ª a 4ª séries no período matutino, de 5ª a 8ª séries no

período vespertino e educação de jovens e adultos no período noturno. A respeito do número

de matrículas, a escola conta com 276 alunos matriculados no turno matutino, 329 no turno

186

vespertino e 225 no noturno. Neste estudo, sempre que nos referirmos à escola com a intenção

de nomeá-la, faremos considerando-a a “Escola de Nilo”. A seguir, apresentaremos as etapas

da coleta de dados para, então, dar continuidade à discussão a partir das situações vivenciadas

na escola pelos seus profissionais e por nós, pesquisadora. As situações eleitas, que poderiam

ser visualizadas como das mais diversas, inesperadas e, portanto, caracterizadoras do

organismo vivo e latente que é a escola, envolvem diretamente o processo de formação

continuada de professores, como possibilidade de redimensionamento da prática didático-

pedagógica docente, com vistas ao atendimento de alunos com necessidades educacionais

especiais.

Buscando situar o leitor no contexto da pesquisa, faz-se necessário pontuar que a escola onde

se deu o estudo foi eleita49 pelo Núcleo de Educação Especial, para compor o quadro de

escolas participantes do processo de formação continuada noturno proposto pela Secretaria

Municipal de Educação. Compunham o quadro de profissionais da escola participantes da

formação ofertada pela Secretaria de Educação: cinco professores regentes, da Educação

Básica, dentre os quais uma professora de Educação Física, uma de segunda série e duas de

primeira série e a professora de Educação Especial atuante na escola. O grupo foi composto

pelas pessoas que tinham interesse e disponibilidade de tempo em participar, porém as vagas

foram limitadas por escola. Em nosso caso, apenas cinco. Outros profissionais tinham

interesse em participar e não conseguiram restando a esses se envolverem com a pesquisa,

participando das discussões, no grupo de planejamento realizado no próprio contexto escolar.

A proposta do grupo de planejamento já existia na escola, porém esses momentos

apresentavam-se pouco sistematizados. A proposta desse grupo girava em torno da busca de

momento para planejar coletivamente a formação continuada, mas muitas foram as vezes em

que esse momento se perdeu, devido à não sistematização adequada das ações e à necessidade

de responder às questões imediatas da escola (festas, programações, passeios, jogos, entre

outras). A dificuldade no aproveitamento desse tempo/espaço de formação na escola talvez

persistisse devido à “[...] cultura de freqüentar cursos. [A esse respeito] percebe-se o quanto é

difícil para o professor articular-se com os colegas na proposta que prevê a HTP – hora de

49 A escola foi eleita, assim como as outras 14, para participar do grupo de formação noturno, seguindo o critério de maior número de matrículas de alunos com alguma necessidade educacional especial oriunda de deficiências. Esse também foi o critério utilizado para que a pesquisa fosse realizada nessa escola.

187

trabalho pedagógico – como tempo/espaço para a validação do projeto de escola que inclui

sua formação continuada” (BARBIERI et al.,1995, p. 31).

Mesmo diante dessa dificuldade, o cronograma para os encontros de planejamento, que

aconteciam quinzenalmente, com duração de uma hora e meia, existia e foi organizado pelo

profissional responsável na escola, no caso, a pedagoga. Podemos perceber que, mesmo

dentro do cronograma previsto, houve momentos em que o grupo não se reuniu.

Quadro 6: Cronograma para planejamento coletivo na escola Fonte: Diário de campo Independente do cronograma de planejamento coletivo, previu-se, com os professores

envolvidos, tempos e espaços para reunir-se com a pesquisadora e a professora de Educação

Especial em seus momentos de planejamento individual. Dessa forma, os planejamentos

individuais aconteciam obedecendo à seguinte organização:

Quadro 7: Cronograma para planejamento entre pesquisadora, professora de Educação Especial e professoras do ensino regular na escola Fonte: Diário de campo

CRONOGRAMA DE PLANEJAMENTOS QUINZENAIS

Horários: 09h50min às 11h30min

14-9-2005 (quarta-feira) Planejamento realizado Setembro

30-9-2005 (sexta-feira) Planejamento não realizado

Outubro 17-10-2005 (segunda-feira) Planejamento realizado

11-11-2005 (sexta-feira) Planejamento realizado Novembro

22-11-2005 (terça-feira) Planejamento não realizado

Dezembro 07-12-2005 (quarta-feira) Planejamento não realizado

DIA HORÁRIO PROFESSOR SÉRIE 2ª 07h00min às 09h30min Telma/pesquisadora Educação Especial

3ª 07h00min às 07h50min Jade/pesquisadora/ed. especial

1ª série

3ª 07h50min às 08h40min Milena/pesquisadora/ed.especial

1ª série

3ª 08h40min às 09h30min Vania/pesquisadora/ed.especial

1ª série

5ª 07h00min às 09h00min Graça/pesquisadora Educação Física

6ª 09h50min às 11h30min Planejamento coletivo

188

Dessa forma, pretendíamos delimitar os espaços e tempos dos momentos de planejamento

coletivo e individual na escola. O planejamento coletivo era o momento de reunião do grupo

para discussão de questões administrativas e funcionais da escola. Poucas foram as vezes em

que esse espaço foi utilizado para estudo e formação. Dessa forma, restavam-nos os

momentos de planejamento individual do professor para que, junto com a pesquisadora e a

professora de Educação Especial, buscássemos leituras a respeito das problemáticas

vivenciadas. Além desses momentos de planejamento individual das professoras, a discussão

dos problemas da escola ampliava-se à luz dos referenciais discutidos no grupo noturno.

Esse mapa de ações formativas na escola surge no trabalho como tentativa de mostrar ao leitor

a estrutura de organização dos momentos de planejamentos. Esses momentos aparecem nos

dados da pesquisa reivindicados pelos professores como espaço/tempo de formação

continuada. A reivindicação docente surge na pesquisa porque, mesmo com a previsão dos

espaços formativos na escola, as ações de formação não se concretizam, pois não são

priorizadas, como já dissemos. Diante dessa (im)possibilidade, buscamos compreender quais

são as expectativas docentes quanto à organização desses momentos e como os professores

buscam interferir nessa organização a fim de consolidar suas expectativas de formação como

grupo da escola.

A expectativa da escola, desde o momento de apresentação da proposta de pesquisa que foi

discutida com os profissionais envolvidos, foi expressa de forma bastante espontânea por um

aluno da escola: “Você veio tomar conta de Nilo?”.

Foi essa a pergunta que recepcionou o estudo que propomos aos profissionais de uma das

UMEFs no município de Vila Velha. Foi partindo dela e do contexto de sua inserção que

iniciamos a intervenção, por via da pesquisa, com os professores da “Escola de Nilo”.

O início da pesquisa e a chegada da figura do pesquisador trouxeram ao contexto escolar um

sentimento de esperança. Num primeiro momento, esperança caracterizada como espera.

Esperou-se que o pesquisador e a pesquisa apontassem um rumo, um caminho, um horizonte a

ser seguido. Dessa forma, em um determinado momento, a expectativa dos protagonistas

desse contexto esteve voltada ao propósito de encontrar, no saber acadêmico, soluções

práticas para seus problemas ou justificativas que legitimassem suas ações diante dos

problemas vivenciados.

189

Essa expectativa se torna compreensível, uma vez que a escola eleita, como qualquer outra,

vivenciara momentos de bastante dificuldade na adequação de seu trabalho aos alunos com

necessidades educacionais especiais, matriculados naquele ano de 2005, e que estavam, pela

primeira vez, experienciando o contexto de uma escola regular. Esta, por sua vez, também,

pela primeira vez, defrontrou-se com a responsabilidade e o dever legal de repensar toda sua

organização e fazeres para receber os alunos com necessidades especiais naquele ano.

Desafios postos a ambas as partes, o da escola, longe de ser apenas uma questão teórica ou

prática, tomava forma a cada dia na (im)possibilidade didático-pedagógica dos docentes

diante das emergentes demandas “especiais” e na inadequação do conteúdo e do formato

organizativo da escola para o desenvolvimento de propostas que envolviam o ensino, a

aprendizagem, o lazer, a interação, a troca, o compartilhamento e as vivências coletivas

necessárias a todas as crianças.

Não há como negar que o formato desse contexto assume uma forma plausível e consciente

neste texto que procura revelar a situação vivenciada por aqueles alunos e profissionais.

Infelizmente, o texto, por mais fidedigno ao seu propósito, impede o leitor de experienciar a

situação descrita e vivida. Até mesmo o pesquisador, inserido neste contexto por um tempo

determinado, não consegue vivenciá-lo da mesma forma como as pessoas ligadas diretamente

a esse processo. O que queremos pontuar aqui é o fato de que a pesquisa busca capturar o

contexto com a intenção de transformá-lo, os sujeitos alunos com a intenção de experiência-

los e, finalmente, os sujeitos docentes com a responsabilidade em assumi-los em toda a sua

problemática, responsabilizando-se por seu desfecho. Nesse emaranhado de

responsabilidades, são múltiplos e com pesos diferenciados os sentidos que cada sujeito

produz a respeito de uma mesma problemática.

A participação diária na vida da escola propiciou à pesquisadora a coleta de dados, utilizando

um diário de campo e outros instrumentos sugeridos aos professores, como questionários,

entrevistas e registros de discussões em grupo.

Os dados emergidos dos momentos de planejamento revelaram a necessidade de discutir com

a escola as dificuldades enfrentadas por essa instituição, no que diz respeito a duas demandas

bastante pontuais, cuja discussão foi pertinente no grupo: a mudança na estrutura organizativa

da escola a fim de propiciar processos de formação continuada de professores que, nos dados,

190

surgem como dispositivos de aperfeiçoamento da prática docente e a necessária instituição do

diálogo crítico e coletivo na escola.

Quando propomos a necessária instituição do diálogo, não o fazemos apenas para demonstrar

a equivalência entre a opção do referencial teórico eleito e as demandas apresentadas pelo

estudo proposto. Suscitar esse debate faz-se necessário pela realidade presente nas escolas do

município campo da pesquisa que, de acordo com o próximo relato, encontra, na

desvalorização do diálogo coletivo, um grande entrave para uma melhor organização do

trabalho escolar:

No início do ano, os pedagogos de toda a rede foram convocados a comparecerem a uma reunião inicial no prédio da Secretaria Municipal de Educação. O grupo presente propôs a Secretaria à elaboração de uma proposta de planejamento coletivo nas escolas, proposta essa pensada pelo grupo de pedagogos que se reuniria durante todo o ano de 2005. Diante dessa abertura, os pedagogos de toda a Rede Municipal estruturaram, em uma semana de encontro, possibilidades de planejamento coletivo nas escolas, que atendessem as diversas demandas dos mais diversificados contextos. Propostas que, depois de discutidas e acatadas pelo grupo, foram novamente levadas ao setor responsável da Secretaria de Educação que, surpreendentemente, não acatou a construção coletiva feita por esses profissionais e determinou que o planejamento nas escolas fosse de uma hora e meia em período quinzenal (PEDAGOGA – séries iniciais).

Diante de tamanha desvalorização, o relato dos profissionais nas entrevistas realizadas, nos

questionários sugeridos como instrumentos de coleta de dados ou ainda nos registros de diário

de campo da pesquisadora, sugere a intensa necessidade de sistematização do diálogo

autônomo, fecundo e produtivo no contexto escolar. Diálogo esse que, na fala dos

profissionais envolvidos, proveria a escola de uma organização mais coerente ao atendimento

de suas demandas.

Na busca desse diálogo e acrescentando a essa discussão a contribuição do pensamento

habermasiano, podemos dizer que

Somente por uma análise da comunicação será possível resgatar a reflexão como prática histórica, constituída pela realidade social e, ao mesmo tempo, constitutiva das relações sociais. É por intermédio da comunicação que nós estabelecemos relações com o mundo. É através da comunicação que nós podemos adotar uma relação reflexiva diante do mundo e é essa relação reflexiva que permite uma perspectiva crítica em relação ao mundo (BANNELL, 2006, p. 55).

Ao discutir e contribuir com processos de formação crítica docente, acreditamos que

A aprendizagem dos educandos tem a ver com a docência dos professores e professoras, com sua seriedade, com sua competência científica, com sua amorosidade, com seu humor, com sua clareza política, com sua coerência, assim como todas essas qualidades tem que ver com a maneira mais ou menos justa ou

191

decente com que são respeitados ou não. Por tudo isso dávamos grande atenção à formação permanente das educadoras (FREIRE, 2003, p. 126).

Toda esta discussão leva-nos a alguns pontos que envolvem a ação educativa, a formação

continuada e as políticas norteadoras dessas ações. Assim, podemos descrever quatro pontos

que se destacam nesta discussão: o primeiro parte da premissa de que politizar não é

doutrinar, da mesma forma como ensinar não é transmitir conhecimento. Do ponto de vista

crítico, Freire (1986, p. 26) nos alerta que “[...] não é possível negar a natureza política do

processo educativo quanto negar o caráter educativo do ato político”. A questão fundamental

dessa relação dialética entre ato e processo reside na clareza das questões políticas emanadas

da ação educativa: “[...] a favor de quem e do quê, portanto contra quem e contra o quê,

fazemos a educação e de a favor de quem e do quê, portanto contra quem e contra o quê,

desenvolvemos a atividade política” (p. 27).

Baumel (2003) considera de fundamental importância que os processos de formação de

professores, não sejam dissociados dos processos de desenvolvimento organizacional da

escola. Segundo trata a autora “[...] pensar em transformação da escola e, mais, das práticas

escolares está em paralelo com os objetivos da formação (em especial a continuada) dos

professores” (p.30).

Talvez o terreno mais legítimo de previsão dos dispositivos formativos fosse o espaço das

políticas públicas de educação. A ausência desses dispositivos legais não compromete as

políticas governamentais a uma ação séria, no sentido de apropriar os docentes desses

aspectos de sua formação. Tal desapropriação vem deformando a relação entre a instituição

escolar e seus partícipes, sejam eles alunos, sejam professores. Essa discussão ganha forma

quando tomamos a contribuição crítica dos professores a respeito da organização dos

espaços/tempos escolares.

Buscando a contribuição docente, propusemos aos profissionais da escola, em um dos

momentos de planejamento coletivo, que registrassem as dificuldades e desafios encontrados

no atendimento a alunos com necessidades educacionais especiais, assim como suas propostas

e alternativas para essa problemática.

192

Atendendo ao desafio de repensar a estrutura organizativa com vistas ao atendimento

satisfatório de alunos com necessidades educacionais especiais, os docentes apontam os

desafios à organização escolar e propõem alternativas (Quadro 8). Assim temos:

DESAFIOS PROPOSTAS

Redução do número excessivo de alunos por turma Observar a lei municipal que determina limites para o número de alunos matriculados em cada sala de aula, de forma a possibilitar ao professor e aos alunos condições favoráveis ao ensino e à aprendizagem

Existência de estrutura física adequada e de recurso pedagógico para a realização de trabalho pedagógico

Investir em estrutura física e recursos pedagógicos sem os quais não se efetivam condições favoráveis ao desenvolvimento de nenhuma criança

Elaboração de calendário próprio de cada unidade de ensino

Investir de forma maciça na formação continuada de professores

Abertura do calendário escolar para sistematização de processos de formação continuada na escola

Acompanhar e dar suporte pedagógico às escolas ofertado por técnicos da Secretaria de Educação, na área de Educação Especial. Suporte esse caracterizado pela presença dos profissionais da Secretaria na escola para colaborar com ela e não apenas para fiscalizá-la

Flexibilidade que possibilite o planejamento conjunto entre professor comum e especialista

Conferir abertura e autonomia às unidades de ensino para efetivar calendário próprio de funcionamento, respeitando as diretrizes vigentes para os sistemas de ensino brasileiros

Parceria com instituição de ensino superior para efetivação de grupo de estudo permanente

Propiciar vínculo com faculdades de educação como dispositivo de aprimoramento do fazer pedagógico inclusivo no ensino regular

Abertura para discussão coletiva e opinião a respeito das ações governamentais na escola

Promover debates na escola com sindicatos, universidade, comunidade e sociedade civil organizada, como artifício para fazer a escola ser ouvida nas políticas públicas de educação

Abolição da implementação de propostas pedagógicas importadas, empacotadas e advindas de outros contextos

Flexibilizar a estrutura organizativa do trabalho do professor no intuito de que a ele seja possibilitado a interagir com outros colegas no momento de planejamento das ações de ensino

Surgimento de uma organização própria e colegiada por meio da discussão coletiva baseada no compromisso da escola e do educador no delineamento de ações que visem à melhor atuação pedagógica com alunos com necessidades educacionais especiais

Quadro 8: Desafios e propostas ao contexto escolar Fonte: Diário de campo

193

A reflexão que surge a partir dessas demandas reporta-nos a uma análise da escola e de sua

organização. Tomando por princípio a fala dos docentes a respeito da estrutura organizativa

da escola, cabe-nos a pergunta: afinal, o que é a escola?

É sabido que, neste texto, já discutimos as características e possibilidades da escola mediante

seu papel formador de indivíduos sociais. Ainda assim, poderíamos considerar algumas

definições de escola. Para auxílio dessa reflexão, tomamos por base aos estudos de Canário

(2002), autor português que discute e analisa questões referentes à organização escolar.

Canário (2002), em suas análises a respeito da escola, observa que são múltiplas as respostas à

pergunta anterior e considera que, apesar disso, não há dúvida de que a escola se apresenta

como uma invenção histórica da modernidade que, contemporânea da dupla revolução,

industrial e liberal, introduziu três novidades: o surgimento de uma instância educativa

especializada que separa o aprender do fazer, a criação de uma relação social inédita, a

relação pedagógica que supera a dualidade entre mestre e aluno e, finalmente, uma nova

forma de socialização, a escolar, que viria, progressivamente, tornar-se hegemônica.

Equivalentes ao surgimento dessas três categorias, Canário (2002, p. 143), define a escola

como forma, organização e instituição.

Segundo esse autor, o formato organizativo da escola corresponde aos princípios de

concepção da aprendizagem. A partir desse formato, a escola passa a conceber a

aprendizagem em uma concepção dualista, instaurando a ruptura dos processos de aprender e

fazer. Esses processos contínuos de aprendizagem “[...] atrelada à experiência e de imersão

social que prevaleceram anteriormente são abandonados. [...] Essa forma escolar de conceber

o processo de aprender constitui-se progressivamente como a forma tendencialmente única de

conceber a educação” (CANÁRIO, 2002, p. 144), o que acarreta duas conseqüências

fundamentais: “[...] conferir à escola o quase monopólio da ação educativa, desvalorizando os

saberes não adquiridos por via escolar [e] contaminar as modalidades educativas não

escolares, modificando-as a sua imagem e semelhança” (p. 144). Essa padronização

impossibilitou a escola de basear-se em referenciais exteriores a ela. Referências que lhe

permitissem criticar-se e transformar-se.

A escola corresponde também a uma nova organização: a escolar conferida pela inserção da

relação pedagógica em seu contexto. Essa relação se estrutura na transição de modelos

194

individualizados (um professor para um aluno) para modelos simultâneos (um professor para

uma classe) que em muito viabilizaram a urgente ampliação dos sistemas modernos de ensino.

Essa organização corresponde a um aparato que condiciona modos específicos de organização

dos tempos e espaços de aprendizagem escolares e determina as formas de trabalho de

professores e alunos. Tal organização constitui-se naquela que menos promove o debate e

suscita polêmica.

A maneira histórica de organização do aparelho escolar surge atrelada a um processo de

naturalização que lhe confere um caráter comum, certo, inquestionável. Esse processo de

naturalização acarreta uma confortável estabilidade à escola. Assim,

O fato de ter sofrido um processo de naturalização torna a dimensão organizacional relativamente ‘invisível’ e contribui para a estabilidade da escola porque constitui uma matriz que, em simultâneo, condiciona a ação dos atores educativos e condiciona o pensamento crítico e transformador da escola. O processo de naturalização desarma os educadores para uma perspectiva de compreensão crítica do modo como exercem sua profissão. Os debates e projetos de mudanças sobre a dimensão organizacional respeitam, em regra, os limites impostos pelo modo existente e essa invariância organizacional condena a ineficácia as queixas sobre os métodos pedagógicos (CANÁRIO, 2002, p. 144).

Finalmente, percebida pelo autor como “[...] uma instituição [...] a escola funciona como uma

fábrica de cidadãos” (2002, p. 144) desenvolve essa perspectiva de atuação da escola na

sociedade, partindo da perspectiva durkheimiana de “[...] prevenir a anomia e preparar a

inserção na divisão social do trabalho” (p. 144). A perspectiva histórica dessa análise vê a

escola como detentora do papel de “[...] unificação cultural, lingüística e política, afirmando-

se como instrumento fundamental na construção dos modernos Estados Nação” (p. 144).

No contexto histórico no qual se insere o mundo moderno atrelado a seus aspectos sociais,

políticos e econômicos, podemos situar a escola ocupando uma ótica legitimadora da inserção

ou não de indivíduos sociais a esses contextos mais amplos da vida em sociedade. Nessa

perspectiva, Canário (2002) concebe a produção escolar atrelada a uma nova ordem social,

política e econômica.

Em uma perspectiva de ação política,

[...] a escola moderna significou subtrair à Igreja a tutela sobre o ensino, a partir da criação de um sistema nacional de escolas apoiado num corpo de funcionários libertos das tutelas locais. A escola tornou-se instrumento de uma nova religião laica, de importância decisiva na construção de sociedades baseadas no liberalismo político (CANÁRIO, 2002, p. 145).

195

Já em uma perspectiva de ação econômica,

A escola participa historicamente da construção de uma sociedade industrial, tendo como referência o capitalismo livre concorrencial tal como o teorizaram os economistas clássicos. A cobertura do território nacional por uma rede de escolas baseava-se numa concepção de homogeneidade e uniformidade deste mesmo território e era tributária da mesma concepção ‘desterritorializada’ que prevalecia na esfera econômica. Essa desterritorialização, que, no caso da escola, representa um nascimento em ruptura com o local, favorece o processo de ‘destruição criadora’ das solidariedades comunitárias, características do antigo regime e que se constituíam como um entrave à emergência de uma lógica de mercado (CANÁRIO, 2002, p. 145).

Em uma perspectiva de ação social,

A escola participa da construção de um novo tipo de laço social, construído em torno da relação salarial, contribuindo para acelerar o declínio rural tradicional, a transferência de população para as zonas urbanas industriais, proletarizando-as. A escola é chamada, por um lado, a desempenhar um papel importante na produção de força de trabalho disciplinada e capaz de se integrar em modalidades de crescente racionalidade da organização do trabalho, baseada na hierarquia, na segmentação das tarefas e na dissociação entre o trabalhador e o produto de seu trabalho. Essa transformação implica a construção social de uma outra visão de mundo, em que o lazer e o trabalho se dissociam e a precisão e quantificação do tempo, com base no relógio, passa a regular a vida cotidiana, na fabrica e na escola. A escola é também chamada a desempenhar um papel na regulação da conflituidade social, prevenindo os eventuais excessos das ‘classes perigosas’ (CANÁRIO, 2002, p. 145-146).

A reflexão realizada até aqui nos auxilia no reconhecimento de que “[...] não temos prestada a

devida atenção às formas de organização do trabalho escolar” (NÓVOA, 2002, p. 256). Ainda

segundo Canário (2002), pensamos em uma série de pontos importantes ao ensino, à

aprendizagem, à formação profissional, mas pouco se tem interrogado a respeito da

organização do trabalho da escola: definição dos espaços e dos tempos letivos, agrupamento

de alunos e das disciplinas e muitos outros aspectos da vida escolar, porém nos tem faltado

um esforço de teorização e sistematização quando nos referimos à organização da escola.

Citando Perrenoud (2003), Nóvoa esclarece que “[...] a forma escolar implodirá se não

conseguir romper com a organização convencional do trabalho escolar” (NÓVOA, 2002,

p.257).

Outra questão suscitada por Nóvoa (2002) é que, enquanto o trabalho da escola sofre com a

escassez de produção a respeito de sua organização, a pesquisa também não tem prestado a

devida atenção à organização do trabalho do professor. Organização promotora de

aprendizagem coletiva, o que Nóvoa denomina “competência coletiva” que, longe de ser a

soma das competências individuais, é promotora da “[...] organização de espaços de

196

aprendizagem inter-pares, de troca e de partilha. Não se trata de simples colaboração, mas da

possibilidade de inscrever os princípios de coletivo e de coletividade na cultura profissional

dos professores” (p. 257). A essas duas necessidades, o autor denomina saber organizar e

saber organizar-se e, por meio delas, procura salientar a “[...] necessidade de repensar o

trabalho escolar e o trabalho do professor” (NÓVOA, 2002, p. 257).

Pensar a organização escolar faz-se necessário, pela constatação de que essa organização “[...]

é um produto da história. Não é preciso ser muito arguto para perceber que, tendo mudado o

contexto, devia ter mudado a escola” (ALARCÃO, 2002, p. 266). Mesmo diante dessa

constatação clara, percebe-se que a escola

[...] pouco mudou na sua organização, mantendo como princípio a existência de tempos e espaços, consagrados e sagrados, que determinam relações com o saber, condicionam relações interpessoais e estabelecem uma organização do trabalho que obedece aos princípios da uniformidade e da estabilidade. E tudo isso como se educar e ensinar não fosse uma tarefa única, complexa, estável, flexível, altamente contextualizada. E nessa incongruência nós vamos vivendo [...] (ALARCÃO, 2002, p. 266).

Imbuídos dessas colocações, os registros docentes apontam alguns dos desafios a serem

enfrentados na escola rumo a uma nova organização escolar. Retomando-os brevemente, os

docentes apontam: a necessária redução do número excessivo de alunos por turma; existência

de estrutura física adequada e de recurso pedagógico para realização das atividades escolares;

elaboração de calendário próprio de cada unidade de ensino; abertura do calendário escolar

para sistematização de processos de formação continuada na escola; flexibilidade e previsão

de espaços/tempos que possibilitem o planejamento conjunto entre o professor comum e o de

Educação Especial; parceria com uma instituição de ensino superior para efetivação de grupo

de estudo permanente; abertura para discussão coletiva e opinião a respeito das ações

governamentais na escola; abolição da implementação de propostas pedagógicas importadas,

empacotadas e advindas de outros contextos; surgimento de uma organização própria e

colegiada por meio da discussão coletiva, baseada no compromisso da escola e do educador,

no delineamento de ações que visem à melhor atuação pedagógica com alunos que

apresentam necessidades educacionais especiais.

Diante dessas demandas, enxergamos como possibilidade para efetivação dessas discussões os

processos de formação continuada como dispositivo de reflexões, diálogos e mudança sobre o

movimento de inclusão educacional

197

A fala anterior remete-nos à possibilidade de fomentar mudanças na escola pela via da

formação continuada de professores, tendo como seu lócus privilegiado a escola. No entanto,

a escola onde se espera efetivar essa proposta deve existir como

[...] detentora de um projeto coletivamente construído e assumido, onde o diálogo construído seja a norma e não a exceção, onde a análise de situações, processos e resultados e a aprendizagem em contínuo se alicercem na responsabilidade social e no espírito de iniciativa colegial, e ao mesmo tempo, os desenvolvam (ALARCÃO, 2002, p. 268).

Uma escola capaz de gerir uma estrutura baseada no diálogo autônomo e colegiado só existe

diante de uma “[...] liderança dialógica, capaz de estimular os professores para que aprendam

a trabalhar juntos [...], a sistematizar conhecimento [...] e a divulgar o resultado de práticas e

reflexões” (ALARCÃO, 2002, p. 268). Uma escola que estabelece essa intenção como

princípio organizacional “[...] precisa encontrar tempos e espaços de formação em que os

professores possam, também eles, educar e desenvolver sua autonomia na responsabilidade”

(p. 268).

A escola eleita pela pesquisa não conseguiu, de forma efetiva, organizar-se atendendo aos

pressupostos que trazemos no parágrafo anterior e desenvolvidos por Alarcão (2002). As

tentativas existiram, porém as amarras pareciam ser maiores. Poderíamos listar algumas

amarras que surgiram nos dados como entraves a uma organização favorável ao princípio de

mudança pela via da formação continuada em contexto. Esses entraves poderiam ser

polemizados nas situações que caracterizaremos como situações de espera, de repreensão,

imediatistas e, finalmente, de comprometimento.

No contexto da escola, as situações de espera são muitas e motivadas também por muitos

motivos. Isso fica claro no relato de uma das professoras da escola50 e participante do grupo

de formação:

O questionamento a respeito da estrutura organizativa da escola existe há muito tempo, só que não muda. Toda vez que há encontro, formação continuada, nós falamos disso, mas ninguém muda. Não muda porque não depende só da escola, nem só dos professores. A decisão tem que vir de cima. Há quanto tempo que se fala isso? Você mesma, (pesquisadora) quantas vezes você tentou sentar para fazer planejamento e viu que conseguir reunir todo mundo e discutir, fazer formação é difícil? (PROFESSORA LUCIENA – séries iniciais).

A contribuição da professora traduz o estado de espera da escola. Esse trecho revela que a

instituição espera do Poder Público a institucionalização desse espaço/tempo formativo, mas 50 Fala da professora em instrumento sugerido – entrevista.

198

para, além disso, espera-se que essa institucionalização ocorra seguindo os princípios do

coletivo escolar. A professora ressalta o seguinte: o processo formativo deve ocorrer pela via

de uma política pública que o viabilize em sua organização temporal e espacial dentro da

escola e que essa operacionalização seja discutida com os profissionais envolvidos nesse

processo, ou seja, que a política pública se torne a expressão da vontade do coletivo envolvido

no processo formativo. Parece óbvio, mas não o é. As políticas públicas de formação, ou

mesmo as ações governamentais promovidas pelos sistemas de ensino, têm sido postuladas a

quem da discussão com seus maiores envolvidos: os docentes.

Esse horizonte caracterizado pela falta de um diálogo recíproco entre as proposições políticas

e as demandas coletivas dos docentes encobre uma finalidade instrumentalista proposta para a

formação de professores. Formação essa que, em âmbito das políticas formativas, vem sendo

concebida como aperfeiçoamento técnico das práticas de profissão decente. Não propomos

com isso, de maneira alguma, desconsiderar a importância do conhecimento técnico e

científico na constituição dos saberes dos professores, muito pelo contrário. O que se

questiona é em que medida a prevalência dessa categoria de conhecimento não limita a ação

consciente, autônoma e, até mesmo, a habilidade pessoal de compreender e lidar com pessoas.

Habermas (1968, p. 49) nos esclarece que a ciência e seus métodos que garantem o domínio

cada vez mais eficiente da natureza proporcionou também os instrumentos para uma “[...]

dominação cada vez mais eficiente dos homens sobre os homens”. Essa dominação amplia-se

hoje sob a forma da “[...] tecnologia que proporciona legitimação ao poder político expansivo,

que assume todas as formas de cultura” (p. 49). Finalmente, nesse emaranhado de relações a

“[...] tecnologia proporciona a grande racionalização da falta de liberdade do homem”,

demonstrando sua impossibilidade técnica de ser autônomo. Nesse sentido, a racionalidade

presente nas proposições governamentais, principalmente no que diz respeito às reformas

educacionais promovidas na década de 90, sob a tutela do Banco Mundial, objetiva resguardar

“[...] a legalidade da dominação em vez de eliminá-la e o horizonte instrumentalista da razão

abre-se a uma sociedade totalitária de base racional” (HABERMAS, 1968, p. 49).

A atividade estatal, orientada sobre os princípios de regulação, estabilidade e crescimento

econômico, toma pra si os princípios de uma racionalidade técnica, com o objetivo de cortar

gastos e diminuir custos. A racionalidade presente nessa ação se estabelece ainda sob os

princípios do ordenamento político, uma vez que, ocupando um papel regulador na sociedade

199

capitalista, “[...] a política estatal assume um caráter negativo: orienta-se para a prevenção das

disfuncionalidades e para o evitamento dos riscos que possam ameaçar o sistema; portanto a

política visa não à realização de fins práticos” (HABERMAS, 1968, p.70), como desejo

revelado na fala da professora, antes se preocupa com a “resolução de questões técnicas” que

garantam a funcionalidade do sistema.

A atuação que classificamos aqui como estado de espera desencadeia outra série de estados. A

espera desesperançosa leva à repreensão. No caso relacionado com a pesquisa, o estado de

repreensão na escola deu origem a uma ação docente pautada sob os princípios de

normatização. A censura, uma vez existindo na condução do trabalho da sala de aula,

estendia-se às demais instâncias escolares. Questionada sobre a organização da escola, uma

professora relata que as normas de atuação são estendidas à ação do professor nas salas de

aula:

Eu falei que [...] não vou dar aulas de cópia, porque de cópias eles sabem, vou dar minha aula de alfabetização. Peguei uma música onde eles vão tocar um instrumento musical, vão bater um ritmo, do ritmo vão fazer a leitura, ler novamente, ler outra vez, daí cortar as palavras, montar o texto, entendeu? Eles não vão copiar. Não é o tipo de alfabetização que a escola faz. O tipo de alfabetização que a escola faz é A-E-I-O-U / BA-BE-BI-BO-BU. EDUARDO DEU O NÃO SEI O QUE LÁ PRA NÃO SEI QUEM. Tudo com a letra D. Gente, meu Deus do Céu, que fazer com isso? Por que tenho que me adaptar ao ensino da escola, se não é o que eu acredito? Matemática no papel não é no que eu acredito, mas, se eu não fizer, significa que não estou dando nada. Se eu não fizer isso, eu não estou dando aula, porque, ano passado, eu sofri com isso. As pessoas diziam que eu não dava aula. Não dar aula é brincar, é fazer jogo com as palavras, quebra-cabeça, isso é não dar aula (PROFESSORA MARIANA – séries iniciais).

A fala da professora demonstra sua inquietação diante da organização escolar que censura o

fazer docente por se caracterizar como uma prática da pergunta e da indagação com seus

alunos. Ainda no momento da entrevista, ela relata um episódio.

Certa vez fiz um teste com a minha turma. Comecei o dia de aula com uma cópia no quadro e uma série de questões a serem respondidas. Eles copiavam no mais absoluto silêncio. Ao perceber o impressionante silêncio que se abatia sobre minha turma, um dos coordenadores replicou: ‘Se você soubesse antes que era tão fácil, heim professora! Até que enfim.’ ( PROFESSORA MELISSA- séries iniciais).

O relato da professora tem grande relevância na nossa discussão. A repreensão e o silêncio

que dela decorrem surgem ligados a uma vertente de não comunicação, ao que Freire (2005b)

chamaria de fundamento de uma ação antidialógica. Nas palavras do autor, para que se

mantenha o domínio sobre os indivíduos de uma sociedade, não existe outro caminho senão

negar-lhes a práxis verdadeira por meio da negação do direito de dizer sua palavra, de pensar

200

certo. Assim o relato da professora mostra que, nessa situação, não lhe cabe o direito de “[...]

autenticamente admirar o mundo denunciá-lo, questioná-lo, transformá-lo para sua

humanização, [...]. O que fazer deste não pode ser dialógico (FREIRE, 2005b, p.143). No

momento em que se fizesse dialógico e problematizante não atenderia mais aos princípios de

dominação.

É sabido que essa ação repressora, por vezes, surge embasada de um estado de inconsciência

desse fenômeno e das finalidades que ele acarreta. As gerações formadas pela escola têm

pagado um preço muito alto por esse seu estado de inconsciência. Inconsciência essa

traduzida diante das ações não dialógicas, reprimidas, represadas, incapazes de dar voz e vez

ao outro, impossibilitada de propiciar novas formas e meios de aprendizagem mais

significativos tanto para alunos como para os docentes atuantes em seu interior. Ações que

não permitem a problematização das dificuldades e o enfrentamento de questões vivenciadas

pela escola, simplesmente porque não permitem a problematização da própria vida humana

em sua condição social mais ampla.

Inserida nesse contexto de censura, os apoios ligados à escola acabam por suprir questões

imediatistas. Esse movimento se configura da seguinte forma: fechada em sua estrutura rígida,

portanto impossibilitada de acionar outros mecanismos de organização, mesmo que se tenha

unicamente o nobre objetivo de melhorar o atendimento que se presta ao aluno, a escola acaba

por se debater diante dos problemas enfrentados. No caso deste estudo, a maior problemática

enfrentada pelos profissionais da Escola de Nilo era justamente sua adequação para receber

alunos com necessidades educacionais especiais.51 Esse problema não foi discutido na escola.

Simplesmente, como antídoto a essa questão, foi levado ao contexto escolar o professor de

Educação Especial.

A chegada do profissional da Educação Especial não foi em momento algum problematizada

com/pelo grupo atuante na escola. Logo, inserido no contexto da escola, o professor da

Educação Especial começou suas atividades de emergência:

‘Nilo saiu da sala’ – vai o professor de Educação Especial atrás. ‘Nilo está muito agitado’ – vai ficar com o professor de Educação Especial durante, todo o período de aula daquele dia. ‘Nilo está subindo a cerca elétrica’ – chama o

51 Para receber esses alunos, a escola contou com a atuação de um professor de Educação Especial.

201

professor de Educação Especial – esteja onde estiver (TELMA – Professora de Educação Especial).

Necessário é esclarecer que, apesar de essa ser uma prática corrente, passou a existir na escola

a sistematização do trabalho do professor de Educação Especial. Sistematização essa

construída pelo professor de Educação Especial e pesquisador externo conforme (Quadro 9).

Horários 2ª feira 3ª feira 4ª feira 5ª feira 6ª feira

1º Planejamento com

pesquisadora

Planejamento conjunto com

professora da 1ª série A

Intervenção na 1ª série B

Intervenção na 1ª série C

Intervenção na 1ª série A (sala de Nilo)

2º Planejamento com

Pesquisadora

Planejamento conjunto com

professora da 1ª série B

Intervenção na 1ª série B

Intervenção na 1ª série C

Intervenção na 1ª série A (sala de Nilo)

3º Intervenção na 4ª série A

Planejamento conjunto com

professora da 1ª série C

Intervenção na 2ª série A

Intervenção na 2ª série B

Intervenção na 4ª série B

4º e 5º Intervenção na 1ª série A (sala de

Nilo)

Intervenção na 1ª série A (sala de

Nilo)

Intervenção na 3ª série A

Intervenção na 3ª série B

Planejamento coletivo com todos

os professores

Quadro 9: Organização do trabalho do professor de Educação Especial. Escola de Nilo / Ano: 2005 Fonte: Diário de campo

Apesar da existência de um cronograma de ação, o trabalho do professor de Educação

Especial, por vezes, se configurou em zelar pelo aluno com necessidades educacionais

especiais. Isso porque, apesar de a organização do trabalho existir, esta, constantemente, era

abandonada devido à “urgência” do atendimento à necessidade de guardar a segurança e o

bem-estar de Nilo, como vimos exposto na fala do professor de Educação Especial.

Analisando essa questão, podemos perceber que não poderia ocorrer de forma diferente, visto

que a sistematização do trabalho foi pensada e realizada por membro externo ao contexto

escolar. A escola não participou diretamente da sistematização do trabalho. Dessa forma, não

compreendeu seus fundamentos, não absorveu suas idéias, não questionou suas limitações,

não concebeu sua ação. Logo, não teria como e por que compreender a dinâmica e a

organização do trabalho da Educação Especial realizado com aqueles alunos.

Considerando esses fatores, um processo de formação continuada, com vistas ao

aprimoramento do fazer docente junto a alunos com necessidades educacionais especiais,

202

deve instigar e capacitar os professores a pensarem possibilidades de sistematização para o

atendimento desses alunos. Formação essa que fundamente, teoricamente, as ações para o

atendimento de alunos com necessidades educacionais especiais.

Espera-se que esse fundamento possibilite uma ação não imediatista e baseada nos

pressupostos de aprendizagem do aluno e não nos pressupostos de cuidados e assistência.

A mudança no foco da atuação pedagógica, inicialmente voltada à assistência e ao bem-estar,

e agora baseada nos pressupostos de aprendizagem do aluno, faz emergir o comprometimento

necessário à atuação pedagógica. Comprometimento esse presente na intenção da escola em

promover aos indivíduos aprendizagens possibilitadoras de um pensar certo carregado de um

sentido político e contextualizado, problematizador de sua condição social e política e

revelador de sua atuação consciente no mundo.

O comprometimento presente na ação das professoras atuantes neste estudo foi que geriu o

processo de transformação das práticas pedagógicas no contexto escolar em favor daqueles

que, em algum momento, se encontraram à margem delas por algum motivo. Dessa forma o

processo de formação continuada surge como elemento motivador de práticas pedagógicas

diferenciadas.

O movimento de aperfeiçoamento do próprio fazer diário emergido pela via dos processos de

formação continuada embasou muitas experiências positivas na escola onde a pesquisa foi

realizada.

Neste tópico da análise dos dados, pretendemos mostrar a trajetória construída por três

professoras envolvidas com o processo de pesquisa, a saber Telma (professora de educação

especial), Vânia (professora da 1ª série) e Jade (professora da 1ª série). As experiências eleitas

surgiram na escola de Nilo motivadas pelo processo de formação continuada. As professoras

que vivenciaram as práticas nesse momento tiveram participação ativa no processo de

formação continuada e possuíam matrícula de alunos com necessidades educacionais

especiais em suas turmas.

203

As experiências trazidas foram impulsionadas por desafios postos a ambas as partes

envolvidas nesse processo: o desafio da pesquisa foi colaborar com os docentes e com a

escola na reflexão daquele que se configurou como desafio maior aos professores:

[...] organizar atividades de ensino capazes de desencadear, reforçar e acompanhar esse processo colaborando nele. É um desafio que o leva a escolher determinados [...] recursos didáticos, assim como a encontrar dispositivos que o ajudem a julgar o grau de eficácia de sua ação docente (ANDRÉ; DARSIE, 1999, p. 30).

7.4.1 A experiência de Vânia

A professora Vânia atuava no Sistema de Ensino há oito anos em regime de contratação

temporária. Nesse ano de 2005, ela encontrava-se à frente de uma turma de 1ª série, com 25

alunos matriculados, dentre os quais três eram considerados com necessidades educacionais

especiais.

A turma da 1ª série B possuía características muito próprias. Na fala da professora

Eles são muito agitados. Eu não conto com a colaboração de todas as famílias. Quando a família é mais presente, ajuda um pouco nesse lado da disciplina. Os alunos que eu preciso incluir em minha sala são três: Marcos e Lucas a gente nota que tem um déficit, não conseguem acompanhar. Agora o Felipe é indisciplinado e tem um histórico familiar complexo (PROFESSORA VÂNIA – séries iniciais).

Movidas pelas discussões a respeito da avaliação de alunos com necessidades educacionais

especiais suscitadas no grupo de estudo, as professoras de sala regular e de Educação

Especial, respectivamente, se propuseram, junto com a pesquisadora, a enfrentar o desafio de

(re)pensar os processos de avaliação realizados em sua sala de aula de modo a tentar incluir,

nessa dinâmica avaliativa, a produção de Marcos, Lucas e Felipe.

A idéia de trabalhar essa temática partiu da professora Vânia, de uma necessidade dela. Ela

contou com a colaboração da professora de Educação Especial. Podemos dizer que ambas

foram generosas em permitir à pesquisa participar desse momento de aprendizado do qual

ambas se tornaram protagonistas e com o qual a pesquisa pôde colaborar, intensificar e

valorizar, atribuindo a devida importância à atitude das professoras.

Esse projeto surgiu da necessidade de desenvolver atividades diárias na turma da 1ª série, que

atendessem a todos os estilos e formas de aprendizagem. Seus objetivos eram os de propiciar

ao aluno com necessidades educacionais especiais a oportunidade de participar de igual modo

dos processos de avaliação propostos em classe e o de possibilitar a esses alunos as mesmas

204

condições avaliativas dos demais alunos da turma, tentando, dessa maneira, criar uma

consciência coletiva de que todos são capazes.

Essas foram preocupações constantes da professora regente da classe que então procurou a

professora de Educação Especial e a pesquisadora para que, nesse grupo, pensassem juntas

metodologias que considerassem as diferentes formas de aprender e de demonstrar o que se

sabe. Daí, então, surge a necessidade de pesquisar sobre as questões que envolviam essa

diferenciação. Optamos por iniciar essas mudanças pela da avaliação.

Assim, planejamos juntas e entramos juntas na sala de aula, não só com o objetivo de

diferençar a avaliação realizada pela escola, mas, antes, para acompanharmos os processos de

aprendizagem dos alunos, diagnosticando suas maiores dificuldades, as limitações das

intervenções por nós realizadas e, principalmente, com a finalidade de discutir,

posteriormente, de quais estratégias poderíamos lançar mão no intuito de promover

aprendizagens mais significativas para toda a turma, contemplando e incluindo os alunos com

necessidades educacionais especiais.

Diante desse desafio, propusemos à professora que, em seus horários de planejamento,

pudéssemos discutir esse assunto à luz de um referencial teórico específico e em conjunto

com o professor de Educação Especial. Dessa maneira, aliamos pesquisa e ensino, na tentativa

de otimizar o processo de avaliação na sala de aula de Vânia.

Buscando fundamentar essa proposta de trabalho, as docentes delimitaram um aporte teórico e

legal como forma de tornar legítima e responsável a avaliação que desenvolviam.52 Nesse

sentido, tomaram a contribuição de Baumel (apud JACINTO; MARON, 2005), quando

apontam a exigência de uma revisão profunda, no que se refere as “[...] intervenções

desenvolvidas junto aos escolares, as concepções do ensino, da aprendizagem e até da

avaliação. É nesta última que, em geral, emergem os mecanismos da exclusão - centrados na

seleção e autoritarismo”.

52 Jacinto e Maron (2005) - Proposta de avaliação diferenciada para alunos com necessidades educacionais

especiais incluídos no ensino regular. Trabalho apresentado em formato pôster no I Seminário de Educação Inclusiva: A prática pedagógica voltada para a diversidade realizado pelo Núcleo de Educação Especial da Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Esportes de Vila Velha (SEMECE).

205

No que diz respeito à legislação, as docente tomaram a Resolução nº. 2 do CNE/CEB, que

aponta, em seu art. 8º, a necessidade de

[...] flexibilizações que considerem o significado prático e instrumental dos conteúdos básicos, metodologias de ensino, recursos didáticos diferenciados e processos de avaliação adequados ao desenvolvimento dos alunos que apresentam necessidades educacionais especiais (BRASIL, apud JACINTO; MARON, 2005).

Nossa maior preocupação, com referência a essa proposta, era não cometer o equívoco de

pensar que este é um tema simples de lidar em uma escola seriada. Até por termos a clareza

de que “[...] a revisão das práticas avaliativas não é tarefa simples, nem vai se dar de um dia

para o outro” (ANDRÉ; DARSIE, 1999, p. 28). Pelo contrário, “[...] é uma tarefa complexa,

que vai exigir mudanças profundas nas relações escolares, no projeto pedagógico da escola e

nas interações de sala de aula” (p. 28).

Nesse sentido, quando pensamos em dar outro significado à avaliação desenvolvida na sala de

aula da professora Vânia, tínhamos a clareza de que nosso desafio tinha como base a tentativa

de

[...] constituir uma oportunidade real de demonstrar o que os sujeitos sabem e como o sabem. Somente assim o professor poderá detectar a consistência do saber adquirido e a solidez sobre a qual vai construindo seu conhecimento. Quando este se manifesta, o professor poderá intervir inteligentemente, seja para reorientá-lo, seja para estimulá-lo ou assegurá-lo, seja para corrigi-lo e valorizá-lo (MÉNDEZ, 2002, p. 82).

Nesse sentido, buscamos discutir com as professoras alguns pontos que nos serviriam de

partida para pensar a avaliação desenvolvida na escola. Pontos esses destacados em Borges

(2005), referentes aos objetivos que uma avaliação formativa busca atingir. Dessa forma,

pensamos uma avaliação que permitisse ao professor:

a) observar dificuldades;

b) modificar metodologias e práticas cotidianas;

c) analisar qualidade das aprendizagens;

d) verificar o desempenho de seus alunos;

e) planejar aulas futuras baseadas nos registros dos alunos;

f) atender aos interesses de seus alunos;

g) propor atividades que superem o nível de conhecimento existente;

h) rever conteúdos que não foram desenvolvidos satisfatoriamente;

i) investigar seu próprio ensino.

206

Considerar a avaliação realizada pela escola sob as perspectivas aqui listadas configurou-se

como uma tentativa de possibilitar a todos os alunos, e não somente àqueles com necessidades

educacionais especiais, o acesso aos conteúdos ministrados na 1ª série e aos instrumentos

avaliativos desenvolvidos em sala de aula. Dessa forma, discutimos a possibilidade de criar

uma avaliação que atendesse ao nível de conhecimento de cada aluno, possibilitando aos

professores maior e melhor aproveitamento de seu trabalho escolar. Essa proposta justificou-

se pela necessidade de ressignificação das práticas pedagógicas e avaliativas existentes, uma

vez que elas não atendiam às necessidades educacionais dos educandos.

Tomamos como pressupostos, para a construção dessa avaliação, aqueles desenvolvidos por

André e Darsie (1999, p. 31-32). Estes seriam então pressupostos embasadores da proposta de

avaliação que conduziríamos:

1. Por meio da avaliação, o professor pode acompanhar o processo de aprendizagem dos alunos e, ao mesmo tempo, monitorar o seu ensino realizando uma investigação didática; 2. A avaliação indica ao aluno seus ganhos, sucessos, dificuldades no que se refere às distintas etapas pelas quais passa durante a aprendizagem e ao mesmo tempo indica ao professor como se desenvolve o processo de aprendizagem e, portanto, de ensino, explicitando os aspectos bem-sucedidos e os que precisam ser modificados [...] por um lado é impulsionadora da aprendizagem do aluno, e, por outro, é promotora da melhoria do ensino; 3. A avaliação da aprendizagem como investigação didática deve auxiliar na busca de respostas a questões como: Como a criança está desenvolvendo sua aprendizagem? Por que ela não aprende? Quais suas dificuldades? Por que a criança comete determinados erros? Como trabalhar com o erro da criança? Que atividades devem ser propostas para a superação de suas dificuldades? A resposta a essas perguntas nos leva à análise não só do produto da aprendizagem, mas, sobretudo do seu processo, sem perder de vista que esse processo é construído por erros e acertos. 4. A avaliação como investigação didática é desencadeadora de reflexões e autocorreção do processo de ensino, tendo em vista a aprendizagem dos alunos.

Baseada nesses princípios, a proposta de avaliação elaborada partiu da concepção inicial de

que as avaliações, até então realizadas, não atendiam aos objetivos da professora e também

impediam os próprios alunos de demonstrar toda a potencialidade de suas aprendizagens.

Dessa forma, permanecemos em um processo de busca teórica, com o intuito de fomentar

outros instrumentos avaliativos que atendessem a dois critérios:

a) que fossem legítimos a uma estrutura seriada;

207

b) que assegurassem aos alunos com necessidades educacionais especiais um tratamento

mais igualitário.

Procurando atender a essas prerrogativas e em contato com a proposta de ensino em

multiníveis (ALMEIDA, 2004), nosso grupo começa, então, a elaborar a primeira proposta de

avaliação diferenciada a ser compartilhada com a turma.

Pensando nos pressupostos trazidos por André e Darsie (1999), o grupo envolvido nesse

planejamento, ou seja, a pesquisadora, a professora Vânia da 1ª série e a professora Telma de

Educação Especial, deu início ao trajeto a ser percorrido com aquela turma. O primeiro passo

foi consultar os companheiros de viagem, a saber, os próprios alunos, a respeito do que lhes

seria mais interessante estudar nas aulas de Português da próxima semana.

As contribuições foram muitas e das mais diversas possíveis e a temática vencedora foi a

contação de história. Com esse indicativo em mãos, passamos ao planejamento das aulas de

Português envolvendo essa dinâmica de ensino. Segue o planejamento conforme exposto no

décimo quadro.

Data: 28-9-2005 Tempo: 1 hora e 30 minutos Objetivo Envolver todo o grupo de alunos, inclusive aqueles que apresentam necessidades educacionais especiais, em uma atividade lúdica que os motive a atuar de forma ativa na aula, com participação oral e, principalmente, com registro das atividades sugeridas. Recursos

• Aparelho de CD • Papel cenário • Pincel atômico • Papel ofício

Desenvolvimento Na sala de aula, propomos aos alunos que escutem a história. Passada essa etapa inicial, solicitamos que eles registrem, da forma como julgarem melhor, o que compreendeu sobre a história. Cada um expõe ao grupo. Avaliação As atividades foram poucas. O horário após o recreio não foi bom para o desenvolvimento da proposta. As crianças ficaram muito agitadas. A aula que tinha previsão de acontecer em 90 minutos durou 35, no máximo.

Quadro 10: Planejamento de aula de português. Proposta de trabalho colaborativo Fonte: Diário de campo

O momento de avaliação da proposta foi muito delicado e bastante positivo. Existia uma

expectativa muito grande quanto à presença do pesquisador. Presença essa que acompanhou,

sugeriu, mas que não intimidou os alunos a se agitarem muito. Quando sentamos as três para

avaliar nossa experiência, chegamos à conclusão de que erramos quando:

208

a) inserimos o contexto da aula planejada sem nenhuma modificação no ambiente da sala

de aula, ou seja, os alunos permaneceram enfileirados e sentados em suas carteiras

enquanto ouviam a história;

b) escolhemos o horário de muita agitação, após o recreio, e exigimos uma atividade de

escuta “passiva”;

c) não inserimos a turma no contexto da aula que eles mesmos haviam sugerido, ou seja,

não fizemos com os alunos uma retrospectiva daquele momento para o qual eles

haviam sido consultados.

Esses foram os pontos mais complexos da nossa vivência inicial juntas em sala de aula. Na

fala da professora regente, a aula que iniciamos em conjunto foi assim descrita:

Tivemos muitos problemas com a nossa primeira experiência. Realmente eles estavam muito agitados e nosso planejamento não considerou, em nenhum momento, a agitação da turma que é quase que constante. Quando me lembro que mantivemos a turma sentada, cada um no seu lugar naquela agitação toda....

O registro de diário de campo aborda o desenvolvimento da aula

A aula foi bastante difícil. [...]. Os meninos, muito agitados brigavam entre si a ponto de trocar socos e pontapés. Enfim, conseguimos ouvir a história e a professora orientou que as crianças fizessem o registro. Infelizmente, diante de tantos atropelos, não atingimos um resultado positivo: faltou um planejamento mais amplo que considerasse todo o contexto da turma.

No trabalho apresentado pelas professoras,

As atividades sugeridas à turma, por si só, não garantem a construção do conhecimento pela criança, elas requerem do professor/professores planejamento numa perspectiva de provocar curiosidade e interação sujeito-conhecimento e sujeito-sujeito [...]. Consideramos também que este é um dos primeiros passos em busca de uma avaliação verdadeiramente ressignificada e que traga consigo a garantia de acompanhamento dos percursos utilizados pelos alunos na constituição de suas aprendizagens (JACINTO; MARON, 2005).

Diante desse “fracasso inicial”, o grupo motivou-se a planejar novamente revendo as falhas

para poder traçar novas estratégias de intervenção. Segue reelaboração de planejamento

conforme 11º quadro.

209

Data: 07-10-2005 Tempo: 1 hora e 30 minutos - 07h30min às 09h da manhã Objetivo Envolver todo o grupo de alunos, inclusive aqueles que apresentam necessidades educacionais especiais, em uma atividade lúdica que os motive à participação ativa na aula por meio de atividades orais e, principalmente, pelo registro das tarefas sugeridas.

Recursos

• Aparelho de CD • Papel cenário • Pincel atômico • Papel ofício • Fantoches • Saco colorido

Desenvolvimento

• Dispor do mobiliário da sala de forma a beneficiar a participação dos alunos.

• Contextualizar a proposta de trabalho para que percebam que eles fazem parte daquele momento agora e que também fizeram parte de seu planejamento.

• Ouvir a história. • Motivar sua exteriorização por meio de tarefas contidas no saco colorido que, ao final da história, vai

passar de mão em mão na roda durante a música da história. Quando a música parar, o aluno que estiver com o saco na mão tira, de dentro do saco, uma tarefa para realizar dentre as que envolvem: imitar um personagem, contar a parte de que mais gostou e dizer por que gostou, rebolar até o chão, desenhar no quadro um trecho da história para os colegas adivinharem, escrever uma palavra da história, escolhida pela turma etc.

• Numa conversa informal, a professora questiona a turma:

o Quem eram os personagens da história? o Onde se passava a história? o Quem foi o personagem principal? o E a autora? Quem é? o O que vocês consideram importante fazer com a história que ouvimos?

• Em papel cenário, o professor, com a turma, faz o registro da história contada pelos alunos.

• Divididos em grupos, os alunos realizam as atividades específicas que se seguem: Grupo A - lêem e escrevem com fluência

a) Escreva o nome dos personagens do texto? b) Diga quem é o personagem principal e por quê? c) Como você imagina o personagem principal do texto? d) Escreva o trecho da história que mais lhe agradou? e) Em sua opinião, as trocas feitas pelo menino foram úteis? Por quê?

Grupo B - lêem e escrevem com algumas dificuldades

a) Quem são os personagens que fazem parte da História da Coca? b) Quem é o personagem mais importante? c) Como é esse personagem? d) Desenhe a parte da história que você mais gostou e escreva frases sobre ela. e) O que o menino fazia com as coisas que ganhava? Você concorda com essa atitude?

(continua)

210

Grupo C – iniciantes no processo de alfabetização

a) Conte a história para os colegas de sua turma. b) Desenhe os personagens da História da Coca? c) Usando o alfabeto móvel, escreva os nomes dos personagens que você desenhou e registre em seu

caderno. Ainda com o alfabeto móvel, construa outras palavras com as sílabas que utilizamos.

De volta ao grupo maior, cada grupo específico expõe o trabalho realizado e todos são aplaudidos.

Avaliação As atividades foram contextualizadas o que expressou um sentido mais coerente para os alunos. A participação foi boa. A escolha do horário foi acertada e as atividades mais elaboradas. Os alunos com necessidades educacionais especiais participaram mais ativamente e tiveram seus registros reconhecidos pelo grupo.

(conclusão) Quadro 11: Novo planejamento para aula de português. Proposta de trabalho colaborativo Fonte: Diário de campo

As reflexões surgidas, após a primeira tentativa de intervenção, auxiliaram o grupo a

problematizar as situações vivenciadas e a procurar alternativas a elas. Dessa forma, o grupo

de professoras, em conjunto com a pesquisadora, buscou focar seus equívocos iniciais para,

partindo deles, aperfeiçoar sua intenção. Esse movimento trouxe uma nova perspectiva sobre

a avaliação que a escola faz, ou seja, mostrou que

[...] assim como descobrimos que o insucesso da proposta ocorreu devido a uma falha em nosso planejamento, podemos pensar que alguns fracassos de nossos alunos se dão por conta de uma avaliação equivocada que fazemos do processo de aprendizagem na escola (PROFESSORA VÂNIA – séries iniciais).

A concepção que utilizamos como referência para essa intervenção entende que a atuação em

níveis diversificados implica:

a) identificação dos principais conceitos que têm de ser ensinados numa aula;

b) determinação duma variedade de formas por meio das quais os alunos possam

exprimir a sua compreensão e desenvolvimento de meios de avaliação que

correspondam aos diferentes níveis de desempenho (PORTER, 1997).

Considerando esses pressupostos e por meio desta perspectiva de atuação é que

sistematizamos atividades que cobraram de todos os alunos os mesmos conteúdos, porém com

níveis de elaboração diferenciados, sempre correspondentes, indo ao encontro do nível de

conhecimento de cada um.

211

Essa foi a primeira etapa do processo que desencadeou nas adaptações das avaliações para os

alunos que apresentavam alguma necessidade educacional especial. Desde o início, esse foi o

foco escolhido tanto pela professora Vânia como pela professora de Educação Especial.

Com a estratégia de avaliação diversificada, as professoras buscaram “[...] incluir no processo

avaliativo as crianças com necessidades educacionais especiais [...] possibilitando-as mostrar

o conhecimento que sabiam, da forma como sabiam e se utilizando do mesmo instrumento

avaliativo do restante da turma” (JACINTO; MARON, 2005).

Essa experiência deu início à elaboração de novos contornos para as avaliações que a escola

promovia. Contorno esses baseados nos princípios do que podemos chamar:

a) adequação: Mantoan (2002) nos faz pensar nessa avaliação e nas práticas

pedagógicas emergentes desse contexto, que não é linear, nem previsível. Não

temos fórmulas mágicas e unificadas de atuação. Procuramos encontrar a

forma mais adequada para cada caso, construindo, artesanalmente, com as

escolas as respostas que mais lhe convêm.

b) formação: na proposta de adaptação das avaliações realizadas pela turma, as

professoras buscavam a essência de uma avaliação formativa que lhes

garantisse a possibilidade de refletir sobre a avaliação como um ponto

imbricado à prática pedagógica que tem sido realizada na escola e, finalmente,

construir outras possibilidades de avaliação.

Diante desses pressupostos, Esteban (1999) argumenta em favor da idéia de transformar a

avaliação de prática classificatória para uma prática de investigação. Como prática

investigativa, a avaliação insere, na prática pedagógica, o fomento da ação coletiva e contribui

para que o(s) professor(es) reflitam sobre seu contexto e sobre o processo de ensino e

aprendizagem de seus alunos, sobre seu trabalho docente e sobre sua própria construção do

conhecimento.

Com essa perspectiva, buscamos tornar a avaliação uma etapa do processo educativo que

garanta o aprendizado tanto do aluno quanto do professor, uma vez que, “[...] por meio da

avaliação, o professor pode acompanhar o processo de aprendizagem dos alunos e, ao mesmo

tempo, monitorar o seu ensino, realizando uma investigação didática” (ANDRÉ; DARSIE,

1999, p. 31).

212

Sabemos que a grande maioria das práticas avaliativas cotidianas de nossas escolas não

contemplam os propósitos discutidos aqui. As práticas cotidianas nos revelam que estamos

longe de construir, a partir da prática avaliativa, uma escola promotora de relações de

igualdade, respeito e liberdade. Constatamos isso porque ainda não temos o hábito crítico de

questionar nossa prática pedagógica. Faz-se necessário conscientizar-se de que nossa prática

tanto pode ser promotora de liberdade, quanto de desigualdade.

7.4.2 A experiência de Jade

No trabalho com a primeira série, a professora Jade enfrentou alguns desafios com relação aos

alunos com necessidades educacionais especiais incluídos naquele ano de 2005. A chegada da

pesquisa serviu para salientar esses desafios que já estavam postos à professora e à escola.

A professora Jade atuava há dois anos no Sistema de Ensino de Via Velha em um cargo

efetivo. Naquele ano de 2005, trabalhou com uma primeira série, com 26 alunos. Destes, três

manifestavam alguma necessidade educacional especial das quais uma foi bastante específica.

Tratava-se de Nilo: aluno da primeira série, com sete anos e diagnóstico de TDAH.53 Sua

chegada à escola, naquele ano de 2005, não foi sua primeira experiência escolar. Ele já havia

sido aluno de uma unidade de educação infantil do próprio município e, anteriormente a essa

experiência, já tinha freqüentado aulas em quatro instituições particulares das quais a família

foi gentilmente convidada a retirar a matrícula.

Consideramos importante fazer um aparte para que, minimamente situemos o leitor a respeito

da condição de Nilo. Cremos que, como em qualquer escola, alunos que possuem diagnóstico

de TDAH são vistos como aquelas crianças “[...] que não param quietas, perturba a classe

porque se levanta, mexe com os colegas, não consegue terminar as tarefas, é distraída e

frequentemente uma criança agressiva” (SUCUPIRA, 1985, p. 32). Por se tratar de crianças

que representam problemas para a classe e dificuldades em aprender, “[...] é comum os

professores chamarem os pais e indicarem a necessidade de procurar o pediatra, neurologista

ou psicólogo para que seja feito eletrocefalograma” (p. 32).

Por sua vez, a Medicina caracteriza a criança hiperativa como aquela que

53 Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade.

213

[...] apresenta um conjunto variável de comportamentos inadequados, como movimentação física excessiva e despropositada, dificuldades para se concentrar em tarefas propostas, agressividade difusa e não justificada, associados a queixa de mau rendimento escolar. [...] a longo prazo essas crianças tenderiam a apresentar problemas de adaptação social, com comportamentos anti-sociais, dificuldades escolares e abuso de álcool e drogas principalmente na adolescência (SUCUPIRA, 1985, p. 32).

Todas essas considerações clínicas levam ao contexto escolar e de suas famílias certa

tolerância, uma vez que existe uma identificação patológica para os problemas apresentados,

isentando, assim, o sujeito de culpa pelo comportamento inadequado. É nesse ponto que

queremos chegar, pois, apesar de levar certa tolerância ao contexto da escola e até ao próprio

professor, o rótulo da hiperatividade “[...] na prática tem servido para justificar o mau

rendimento escolar, desmotivando o professor para investir naquele aluno” (SUCUPIRA,

1985, p. 33).

Vivenciando essa situação com Nilo, a professora Jade passava por um momento de muita

dificuldade, quando a pesquisa chegou à escola. O primeiro contato de Jade com a pesquisa

foi em uma conversa informal, em sua própria sala de aula, durante o planejamento. Nessa

conversa, estavam presentes a pesquisadora e também a professora de Educação Especial.

Inicialmente, Jade demonstrou sua preocupação com relação a Nilo, aluno de sua turma com

necessidades educacionais especiais. Fez questão de deixar claro que essa preocupação é

anterior à chegada da pesquisa, pois, neste primeiro momento, ela já trazia intervenções

anteriores feitas por ela, na tentativa de possibilitar a esse aluno maiores oportunidades de

interação e aprendizagem.

Diante dessa conversa, propusemos à professora aliar à sua preocupação uma organização

mais sistematizada das atividades docentes e a inter-relação dessa organização com o material

lido e discutido nos momentos de formação continuada. É dessa maneira que surge a

sistematização de uma proposta de trabalho colaborativo entre professor de sala regular e

professor de Educação Especial, objetivando auxiliar o processo de inclusão do aluno Nilo no

grupo da 1ª série A.

A proposta de ação colaborativa que propusemos a essas professoras ganha seus contornos em

um trabalho conjunto entre professor de ensino regular e professor de educação especial.

Buscamos o espaço de planejamento coletivo entre a pesquisadora, a professora de Educação

214

Especial e a professora regente da classe como espaço/tempo necessário para a elaboração das

intervenções que favoreceriam a proposta de trabalho colaborativo, objetivando ganhos

significativos no processo de inclusão de Nilo.

A construção dessa proposta de trabalho busca romper com o modelo de atuação do professor

de Educação Especial marcado pela ação pedagógica individualizada e fora do contexto da

sala de aula comum que, na maioria das vezes, segrega do convívio com a “normalidade” as

diferenças humanas. Uma proposta de atuação inclusiva deve conceber o espaço da sala de

aula como lugar de aprendizagem e ensino por meio e a partir das diferenças de seus

membros. Isso porque entendemos ser a sala de aula o local mais importante da escola, se não

por ela e seus membros, a escola não existiria. Nessa perspectiva, ninguém deve ser excluído

da possibilidade de aprender nesse espaço e de vivenciá-lo em sua dinâmica de troca,

colaboração, reconhecimento, produção e vida (BORGES, 2005).

Ainda sob essa ótica, percebemos que, para possibilitar uma atuação significativa tanto de

docentes como de alunos nesse espaço, toda a comunidade escolar deve trabalhar em prol

dele, colaborando para que ele se efetive. Os membros da comunidade escolar devem

trabalhar em conjunto para prestar apoio direto ao trabalho fecundo da sala de aula, o que, no

dizer de Jesus (2002), se efetiva por meio do:

Apoio direto ao professor de sala que pode desdobrar-se em diferentes formas, dentre elas destacamos: a) apoio direto dentro de sala de aula – [...] professores de apoio (sala de recursos); pedagogos (coordenadores pedagógicos etc.) partilham com os professores momentos do ato de ensinar, observando/intervindo/demonstrando, no sentido da transposição didática. b) apoio direto no planejamento e acompanhamento regular da atividade docente em sala de aula, considerando o conjunto da turma e a presença de aluno(s) com necessidades especiais na turma, tanto pelo especialista [...], quanto da coordenação pedagógica. c) sessões específicas de apoio/orientação/demonstração no estudo/planejamento/avaliação/acompanhamento de casos específicos que demandem um projeto educativo muito diferenciado. Via de regra conduzidos pelos especialistas do laboratório, com a presença da coordenação pedagógica (JESUS, 2002, p. 12).

O apoio à sala de aula vem norteando uma proposta de educação inclusiva baseada no

princípio de que “[...] os professores não devem trabalhar sozinhos, mas sim em equipes,

compostas por um grupo de indivíduos cujas propostas ou funções são derivadas para uma

filosofia comum e alcance de objetivos mútuos” (MENDES, 2005, p.10).

215

Essa concepção de atuação colaborativa é definida por Friend e Cook (1990, apud MENDES,

2005, p.10) como

[...] um estilo de interação entre, no mínimo, dois parceiros equivalentes, engajados num processo conjunto de tomada de decisão, trabalhando em direção a um objetivo comum. De acordo com esses autores as condições necessárias para que ocorra colaboração são: a) existência de um objetivo comum; b) equivalência entre os participantes; c) participação de todos; d) compartilhamento de responsabilidades; e) compartilhamento de recursos; f) voluntarismo.

Neste trabalho, a perspectiva de colaboração que estamos ressaltando envolve diretamente o

trabalho conjunto entre o professor do ensino regular e o professor de Educação Especial.

Diante dessa proposta, enxergamos que sua efetiva viabilização

[...] envolve compromisso dos professores que estarão trabalhando junto, dos gestores e da comunidade, além de envolver tempo, apoio, recursos, acompanhamento e acima de tudo, persistência. Porém o assunto chave é tempo para planejar, desenvolver, avaliar, e isto implica que os sistemas educacionais devem planejar um processo de ensino colaborativo assegurando que todos os recursos estejam disponíveis, inclusive tempo, dinheiro, e apoio profissional (MENDES, 2005, p. 10).

A intenção dessa proposta de trabalho colaborativo na escola de Nilo surge em meio a uma

cultura escolar que preza pela compartimentalização dos corpos, dos saberes, das idéias e que

promove um isolamento profissional historicamente constituído. Isolamento esse considerado

também físico, pois surge acentuado pela própria estrutura arquitetônica dos prédios escolares

e também intelectual, no que diz respeito às idéias, formulações e leituras docentes. Tal

isolamento garante aos docentes “certo grau de proteção”, distanciando-os de possíveis

avaliações questionadoras de seu potencial profissional. No entanto, os habituais receios que

fazem com que os docentes não exponham suas convicções e o embasamento de suas ações

limitam o acesso a novos conceitos e a soluções melhores (FULLAN; HARGREAVES,

2000).

De forma sensata, os autores acima citados reconhecem que “[...] o problema do isolamento

tem raízes bastantes profundas. A arquitetura costuma dar apoio a ele. O horário é um

elemento de reforço. A sobrecarga de trabalho dá sustentação. A história o legitima” (p. 21).

Diante dessa afirmação, avançam na perspectiva de mudança dessa prática histórica

apontando a falta de uma ação que garanta oportunidade e encorajamento para que docentes

216

“[...] trabalhem em conjunto, aprendam uns com os outros e melhorem suas habilidades” (p.

21).

A questão do isolamento emerge diante da necessária busca por uma vertente mais qualitativa

do ensino trazida pela constatação de que o ato de ensinar se modificou no movimento da

história da educação. O ensinar agora surge envolvido em um emaranhado de questões

complexas que desafiam os profissionais da educação, as escolas e os sistemas escolares.

Questões como: o contexto e a condição social e política que invade a escola junto com a vida

dos alunos, a presença de alunos com necessidades educacionais especiais e a intensificação

das políticas públicas garantidoras dessa modalidade de ensino, a disciplina, a complexidade

presente na composição de um currículo emancipatório, diferenças sociais (FULLAN;

HARGREAVES, 2000, p.18), listadas pelos autores e outras acrescentadas em nosso contexto

de país pobre: violência urbana, pobreza, miséria, fome, condições mínimas de assistência à

saúde, tráfico de drogas etc.

Considerar esses fatores significa abarcar a idéia de que as históricas relações individualistas

entre docentes encontram um de seus motivos nas “[...] expectativas exageradamente elevadas

que muitos professores estabelecem para si, em um trabalho com limites pouco definidos”

(FULLAN; HARGREAVES, 2000, p. 60). Essas pressões e expectativas surgem em meio a

uma gama de responsabilidades:

[...] integrar alunos da educação especial; trabalhar com estudantes que apresentam diversidade étnica e lingüística; individualizar programas para estudantes, desde os deficientes até os bem dotados; enfrentar as quantidades cada vez maiores de ‘assistência social’ que passa a ser parte do seu papel e lidar com toda a preparação e com todo o serviço burocrático que surgiram na esteira da responsabilização, são algumas das pressões que os professores atualmente enfrentam (FULLAN; HARGREAVES, 2000, p. 60).

Todas essas expectativas comprometem a possibilidade de realização de uma proposta de

trabalho coletivo na escola, uma vez que, em nome do excesso de atividades, “[...] os

professores não têm tempo para a colaboração” (FULLAN; HARGREAVES, 2000, p. 61),

dito de outra forma, o tempo para cooperar é subtraído em nome do tempo de atendimento

frenético das demandas listadas e tantas outras possíveis. Diante dessa situação a, “[...]

cooperação torna-se arriscada”, uma vez que o profissional se encontra preso à necessidade de

atender a todas essas demandas, acreditando não fazer o suficiente. Dessa forma, como

poderão colaborar com outras pessoas e, mais ainda, como irão expor essa limitação sem

217

correr o risco de serem avaliados e julgados? Sob essas circunstâncias, “[...] fica difícil

confiar nos próprios conhecimentos e ser percebido pelos outros como tendo algo a oferecer”

( p. 61).

Na contramão dessa perspectiva, podemos analisar alguns princípios referentes às

possibilidades de organização de uma proposta de trabalho colaborativo até mesmo como

forma de fundamentar a proposta de colaboração realizada na escola.

Partindo de leituras que nos levaram a essas análises, buscamos uma maior sistematização da

proposta de trabalho colaborativo entre as professoras e a pesquisadora. Foi diante do

conhecimento teórico e das formulações das docentes sobre essa proposta de atuação que elas

descobriram os benefícios de uma atuação colaborativa. Na fala da professora da classe

comum,

A princípio, saber que em minha classe de alfabetização, com 32 alunos na lista de chamada, teria um aluno com necessidades educacionais especiais foi pavoroso. Os primeiros dias foram uma sucessiva tentativa de acertos que só resultavam em erros. Nenhum planejamento dava certo, os alunos agrediam o aluno especial que também os agredia. Estava perdida, sem saber por onde começar e tendo a certeza de que eu não conseguiria chegar a um bom resultado no final do ano. Enganei-me. Neste processo, a presença da professora de Educação Especial e os constantes diálogos que mantínhamos foram um dos alicerces que me deram força para tentar sem medo e para entender que o erro era previsível e até necessário para que eu não me estagnasse e me sentisse desafiada a tentar de outra forma (PROFESSORA JADE – séries iniciais).

A fala da professora nos revela indícios preciosos de uma postura colaborativa. Quando ela

faz referência aos diálogos que mantinha com a professora de Educação Especial, está nos

dizendo de uma ajuda recíproca, livre de julgamentos e cobranças. Assim, o

compartilhamento das duas

[...] era parte da busca comum de aperfeiçoamento contínuo. Ter colegas como apoiadores e comunicar-se mais com eles acerca do que fizeram levou esses professores a uma maior confiança, a uma maior certeza quanto ao que estavam tentando conseguir e quanto à maneira positiva com a qual estavam evoluindo (FULLAN; HARGREAVES, 2000, p. 63).

Nesse sentido, o momento de diálogo das professoras surgiu como “[...] um encontro no qual

a reflexão e a ação, inseparáveis daqueles que dialogam, orientam-se para o mundo que é

preciso transformar e humanizar” (FREIRE, 2005a, p. 96). De forma conjunta, ambas

colaboravam com as aprendizagens constituídas naqueles momentos de estudo, planejamento

e intervenção. Esse diálogo recíproco “[...] não pode reduzir-se a depositar idéias nos outros”

218

(p. 96), mas deve constituir-se de forma que “[...] aqueles que dialogam se comprometam com

o pensamento crítico” (FREIRE, 2005a, p. 96), logo emancipatório.

O diálogo freireano, a partir das considerações habermasianas, poderia ser encarado como

instrumento com a capacidade de favorecer os membros da sociedade com oportunidades de

vasta emancipação por meio de uma comunicação livre, marcada pela discussão pública,

irrestrita e sem coações, sobre a conveniência dos princípios e normas orientadoras da ação,

ou seja, o diálogo crítico exige que as ações sejam protagonizadas pelos sujeitos, respeitadas

suas individualidades e autonomia, sem que sejam obrigados a dispor apenas de

conhecimentos e aparatos técnicos reproduzidos mecanicamente, sem que, de forma

obrigatória, sirvam de depósito para a inserção de técnicas e procedimentos. A livre

comunicação em Habermas subjuga o aparato técnico à autonomia humana (FREIRE, 2005b;

HABERMAS, 2003).

Nessa configuração, os diálogos que o grupo mantinha e a colaboração das professoras trazia

o benefício de reduzir a sensação de impotência aumentando as possibilidades de produção de

conhecimento a respeito da realidade estudada.

A proposta de trabalho colaborativo entre as professoras e a pesquisadora trouxe em seu cerne

“[...] uma responsabilidade compartilhada, um comprometimento e aperfeiçoamento

coletivos”. Porém isso não é o suficiente para a sustentação de uma proposta colaborativa que

auxilie e favoreça novas aprendizagens ao professor. Desse modo, tal sustentação deve buscar

formas mais fortes e eficientes, o que implica dizer que é preciso “[...] criar condições para

que os professores possam trazer e discutir questões críticas e intrigantes” (FULLAN;

HARGREAVES, 2000, p. 66). Essas condições podem surgir com a formação contínua de

seus protagonistas. Aliás, “[...] as culturas de cooperação estão também abertamente

comprometidas com o aperfeiçoamento contínuo e com a descoberta de melhorar a prática”

(FULLAN; HARGREAVES, 2000, p. 71).

Tomando essa perspectiva de atuação, traremos parte do trabalho desenvolvido

colaborativamente pela pesquisadora, pela professora de ensino regular e pela professora de

Educação Especial. Esse trabalho foi realizado pela via da participação ativa da pesquisadora

no planejamento dessas professoras e na proposição de estudo coletivo de referencial

219

específico a respeito dessa temática também nos momentos de planejamento que, no caso

desse grupo, aconteciam duas vezes por semana.

Foi dessa forma que, nesses encontros envolvendo estudo e planejamento, as professoras, em

colaboração, traçaram o projeto de trabalho54 (NUNES; MARON, 2005) e os objetivos a

serem atingidos a partir da intervenção no contexto da sala de aula de Nilo:

a) expressar de maneira autônoma as suas necessidades físicas, seus desejos e sentimentos,

solicitando ajuda quando necessário;

b) participar ativamente das atividades em grupo e individuais.

A metodologia utilizada nas intervenções com o aluno com necessidades educacionais

especiais em sala de aula lançava mão de recursos, como jogos de encaixe, quebra-cabeças

simples, pareamento de figuras e rótulos, alinhamentos, seleção de objetos, músicas, softwers

educacionais, além de percursos diferenciados aos conteúdos curriculares aplicados na turma

da 1ª série regular. Dentro desses percursos, foram incluídos ainda:

a) experiência de vida (ver, ouvir, observar, experimentar, repetir, praticar, participar etc.);

b) raciocínio (avaliar a situação, julgar a ação, tomar decisões, fazer escolhas.);

c) instrução e intuição (permitir que o aluno use sua intuição sem ser forçado, mas

incentivado a pensar de outro modo que não o seu naquele momento).

Dentro da proposta de trabalho desenvolvida com/pelas professoras que atuaram em regime

de colaboração, objetivamos:

a) ampliar as expectativas de intervenções bem-sucedidas a partir da perspectiva de trabalho

colaborativo;

b) propiciar intervenções conjuntas em sala de aula;

c) apoiar e trabalho desenvolvido pelo professor de sala de aula regular com o aluno com

necessidades educacionais especiais, colaborando intencionalmente com ele.

A proposta de trabalho colaborativo, mais tarde apresentada em formato pôster, possibilitou

as professoras

54 Maron e Nunes (2005) - Possibilitando oportunidades. Trabalho apresentado em formato pôster no I Seminário de Educação Inclusiva: A prática pedagógica voltada para a diversidade, realizado pelo Núcleo de Educação Especial da Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Esportes de Vila Velha (SEMECE).

220

[...] inovar nossos conhecimentos, no sentido de construir uma metodologia de atenção à diversidade e de adaptação aos diferentes ritmos e capacidades de trabalho e de aprendizagem dos alunos em seu ambiente escolar buscando assim maior sensibilidade e criticidade a respeito de nossa prática (NUNES; MARON, 2005).

Ainda sobre a proposta de trabalho colaborativo, as professoras concluem que a experiência

lhes fez enxergar que

[...] o grande desafio, a princípio, é identificar as possibilidades desse aluno e respeitá-lo enquanto ser humano para então abrir espaços significativos de aprendizagens dentro da escola. Assim entendemos que a entrada do aluno com necessidades educacionais especiais na Unidade de Ensino Regular deve se caracterizar como o início de um percurso no seu desenvolvimento pessoal e acadêmico uma vez que as possibilidades existentes no contexto escolar são infindas, fecundas e enriquecidas de um significado capaz de constituir histórica e socialmente as diferenças (NUNES; MARON, 2005).

No trabalho desenvolvido, a tentativa da pesquisa foi de se deixar levar pelo protagonismo das

professoras buscando “[...] reconhecer o propósito do professor e a ele dar espaço”. Esse

processo de reconhecimento fez emergir, do contexto das aulas e dos momentos de estudo,

uma comunicação livre, alicerçada sob relações de “[...] segurança que permite a discussão

aberta e o desacordo temporário, na certeza de que as relações não estão ameaçadas por eles”

(FULLAN; HARGREAVES, 2000, p. 67).

Diante da proposta de trabalho colaborativo desenvolvida na Escola de Nilo, tornam-se

necessários alguns apontamentos ao nosso leitor, de acordo com os autores que nos serviram

de referência (FULLAN; HARGREAVES, 2000) para a sistematização desta proposta.

Necessário se faz reconhecer que as culturas de colaboração não surgem espontaneamente ou

completamente por si sós. Antes, elas necessitam de “[...] intervenções que se caracterizem

pelo apoio e pela facilitação as quais criem oportunidades para os professores trabalharem

conjuntamente, no horário escolar” (FULLAN; HARGREAVES, 2000, p. 78). Cremos ser

esse o papel da ação governamental na normatização dessas esferas de atuação docente, tendo

o zelo e a preocupação em compor, constituir com os docentes uma política pública que

atenda a essa premissa, negando, assim, um possível processo de implantação de idéias e

concepções impostas. Chamamos a atenção para esse cuidado, para evitar a criação de

exigências rotineiras sem a participação dos profissionais envolvidos, dando início a um

desgastante e infrutífero processo de fracasso da proposta.

221

PARA SEMPRE INCONCLUSOS

Este trabalho nos proporcionou conhecer vertentes teóricas que vem influenciando a formação

de professores no Brasil atualmente, discutir aspectos dessa formação nas políticas públicas

de formação de professores e, de forma bastante específica, discutir as proposições

governamentais na formação continuada de professores para o atendimento de alunos com

necessidades educacionais especiais no município de vila Velha-ES.

Com esta finalidade buscamos a clareza necessária ao discutir política pública trazendo

inicialmente os princípios norteadores das atuais políticas de formação continuada de

professores bem como considerações a respeito da garantia desses processos nas políticas

públicas brasileiras.

Na tentativa de recorrer a uma fundamentação que sustentasse tais discussões, lançamos mão

das obras de Habermas e Paulo Freire buscando contextualizar as propostas políticas dentro

de nosso contexto social capitalista e ainda discutindo as possibilidades de uma ação docente

autônoma e dialógica frente à ordem massificadora da produção.

Diante dessas discussões abrem-se novos horizontes na busca por repensar as bases e

premissas da formação continuada de professores diante dos fundamentos das obras de Paulo

Freire e Habermas.

De forma mais específica, iniciamos nossas análises no município sede da pesquisa. Esse

momento do texto caracteriza a cidade de vila Velha e seu Sistema de Ensino público, faz

emergir as diretrizes da educação especial dentro do Sistema de Ensino bem como suas

vertentes de atuação.

Diante desse quadro, o estudo volta-se para o grupo de formação continuada existente no

município, visto como implementação da política de formação continuada de professores bem

como para a escola lócus de atuação dos docentes participantes desse grupo.

Esse movimento garante às discussões desse trabalho a contribuição dos docentes no

delineamento das ações governamentais na formação continuada de professores para o

atendimento de alunos com necessidades educacionais especiais.

222

Essas considerações iniciais mostram alguns caminhos que outros, com a obrigação de

aprofundá-los depois de mim, poderão trilhar.

Propor-se pensar as questões educacionais neste movimento de inclusão educacional implica

considerar um contexto complexo e articulado a instâncias mais amplas de ordem social,

econômica e política. Qualquer tentativa de reflexão que desconsidere esses contextos

acarretará explicações simplistas ou até mesmo simplórias a respeito dos fenômenos

educativos emergidos nesses “tempos de inclusão”.

Tempos esses caracterizados pela inserção de crianças, alunos com alguma dita necessidade

educacional especial, no contexto da escola chamada regular, constituída histórica e

socialmente no decorrer dos últimos séculos. Essa ação, atrelada ao movimento maior de

inclusão social enviesado pelos princípios de universalização do acesso e de qualidade do

ensino, caracteriza os princípios de um discurso que necessita ser absorvido plenamente pela

política nacional de inclusão escolar, na busca de ultrapassar a garantia do acesso efetivando a

permanência e a qualidade de ensino a essa população.

Aqui reside, talvez, a necessidade de maior avanço da política nacional de inclusão

educacional: garantir o acesso por meio da matrícula é um ponto que, se não vencido, se

consolida a cada dia. A popularização dessa ação desvia a atenção das discussões a respeito

dos fundamentos do movimento de inclusão educacional e as direciona a suas formas de

efetivação (MENDES, apud PIETRO, 2002). A partir daí é conclamado, necessário e urgente

o investimento em estrutura, apoios e formação profissional, ambos pontos contemplados pela

legislação vigente no País.

É nesse contexto urgente e emergente que a escola pública se encontra. Dentro de suas sólidas

estruturas históricas, tem-se debatido diante da nova população de alunos, com a insuficiência

do investimento público e com o dilema da formação.

Na convicção ciente de que não basta garantir escola para todos pela via da universalização de

matrículas, Pietro (2001, p. 2) propõe a “[...] discussão de alguns indicadores, construídos a

partir de investigações sobre sistemas municipais de ensino”. Dentre eles, listado pela autora,

encontra-se o item correspondente às condições de trabalho do professor, garantindo que “[...]

dentre várias condições a serem asseguradas ao professor, o domínio do seu saber para que

223

seu fazer seja consciente, planejado e seguro pode ser um fator dos mais relevantes para a

melhoria da qualidade do ensino brasileiro”(p. 2 ).

Quando elegemos pensar sobre a formação docente, pensamos fazê-lo no intuito de levar ao

contexto da escola o dispositivo da formação continuada como aporte as ações educacionais

com alunos que apresentam necessidades educacionais especiais. Diante da nossa

despretensiosidade, pudemos perceber que a ação didática do professor com o aluno especial

reflete a problemática do professor que dispõe de uma formação técnica que não se aplica aos

novos modos de ser dos alunos, os mais recentes, os alunos deste século com ou sem

necessidades educacionais especiais.

Essa observação revela que o movimento de inclusão educacional nos mostrou que o

problema do aluno especial não está na sua especificidade, seja ela qual for. O problema dele

está na escola secular que não reconhece seus alunos deficientes, negros, pobres, sujos,

trabalhadores, órfãos, vítimas da violência, dos maus-tratos, dos abusos, da pobreza, da fome,

da falta de oportunidade...

A racionalidade presente na escola, na sua concepção, na sua formação e nos seus formadores

a impedem de emancipar-se. A escola precisa se emancipar, pensar, imbuir-se de um espírito

de responsabilidade por seus atos, pela formação das futuras gerações e pelo seu próprio

reconhecimento de lugar legítimo de saber.

A escola tomou proporções tão grandes como instituição social padronizada que se esqueceu

de que deveria ser diferente de acordo com cada contexto, que poderia pensar sem ser

direcionada intencionalmente por outros, que poderia ensinar o considerado subversivo, que

rompe com as normas ditadas.

Na tentativa de negar esse contexto, este estudo buscou extrair da escola indicadores de

mudança. Chamamos de indicadores

Os sinais que chamam a atenção sobre determinados comportamentos de um sistema. A temperatura do corpo é um indicador do estado de saúde do paciente [...]. Os indicadores de ensino deveriam funcionar do mesmo modo e dar, assim, uma informação precisa e aceitável sobre o estado de saúde dos sistemas escolares e sobre os resultados dos investimentos educacionais. Uma escolha calibrada de indicadores deveria permitir aos usuários da escola, às famílias, aos docentes [...]

224

adquirir, rapidamente, uma idéia correta sobre a qualidade da escola e do ensino (BOTTANI, 1998, p. 2).

A construção desses indicadores pode se realizar mediante o conhecimento (PIETRO, 2001):

a) da demanda escolar;

b) dos equipamentos da rede pública de ensino disponíveis na escola;

c) do conjunto de profissionais da escola.

A importância em conhecer os indicadores que a escola mostra está em considerar que uma

política educacional efetiva tem de conhecer suas demandas e saber especificá-las.

No caso específico da formação continuada de professores, esta deve pautar-se “[...] na

análise e interpretação dos indicadores qualitativos e quantitativos que possam caracterizar as

necessidades dos sistemas de ensino” (PIETRO, 2001, p.7). Assim, as ações formativas

devem, num primeiro momento, “[...] provocar reflexões, envolvendo todos os profissionais

ligados direta ou indiretamente à atividades de ensino”. Dentre os indicadores a serem

considerados, podemos listar:

[...] a situação funcional dos profissionais que atuam na rede pública; os critérios que ao longo dos anos foram sendo adotados para sua admissão, ou seja, se foram contratados a partir de concurso público ou não e, no caso afirmativo, se esses concursos incluíram conhecimentos em educação especial; qual a formação acadêmica dos profissionais, nível e local, e se tiveram alguma formação em educação especial; as concepções de ensino/aprendizagem que adotam na sua atuação educacional; quais representações sociais têm de necessidades educacionais especiais; o que indicam para compor o planejamento de programas de capacitação continuada (PRIETO, 2001, p.7).

O não reconhecimento de premissas como essas têm levado a escola a somar experiências de

fracasso em seu papel social. Esse fracasso tem suas origens nas propostas e ações

governamentais caracterizadas pela negação da contribuição que a escola poderia dar à

política educacional. Eis algumas das razões do fracasso da política pública:

• A complexidade dos problemas e a dificuldade em solucioná-los, considerando os recursos disponíveis; • O imediatismo daqueles que elaboram as políticas públicas; • As tendências a modismos e a soluções rápidas; • As soluções estruturais (por exemplo, a redefinição do currículo, o aumento as avaliações e dos testes) costumam ser as preferidas, embora não envolvam questões subjacentes de Instrução e desenvolvimento dos professores; • Sistemas de apoio subseqüentes para a implantação das iniciativas políticas não são oferecidos (FULLAN; HARGREAVES, 2000, p. 29).

Essas razões demonstram que, geralmente, as políticas públicas não têm mobilizado os

professores e ainda não prevêem condições para essa mobilização. Essa premissa é bastante

225

contraditória, uma vez que a responsabilidade pela mudança e pelo aperfeiçoamento nas

escolas, em última instância, recai sobre os ombros dos professores. Mesmo que as propostas

de mudança e de aperfeiçoamento apresentem objetivos, fundamentação, vertente teórica,

adequação e, ainda, seriedade, “[...] elas nada representam se os professores não as adotam em

suas próprias salas de aula e se não as traduzem em uma prática profissional efetiva”

(FULLAN; HARGREAVES, 2000, p. 30).

Diante disso, podemos considerar que

Uma mudança educacional que não envolva os professores e que não tenha seu apoio costuma terminar como uma mudança para pior ou para nada. Basicamente, é o professor em sala de aula quem deve identificar e promover aperfeiçoamentos. O professor é o elemento chave da mudança, sem dúvida alguma. Uma liderança que não compreende nem envolve o professor está fadada ao fracasso (FULLAN; HARGREAVES, 2000, p. 30).

Uma tentativa significativa de envolvimento dos docentes em uma discussão mais ampla,

quanto à sua participação e responsabilidade no necessário processo de mudança inerente à

escola, neste momento histórico, talvez fosse encontrada na valorização do lócus de atuação

docente, ou seja, no envolvimento e valorização da escola como lugar de “[...] crescimento

individual e cooperativo dos professores” (FULLAN; HARGREAVES, 2000, p. 55). A escola

deve ser compreendida como o elemento central de qualquer política pública que busque gerar

todo e qualquer movimento de mudança e transformação da escola que temos.

Desse modo, no que tange à formação continuada dos professores, surgem do contexto da

escola pesquisada, como perspectivas importantes a serem consideradas por uma possível

política de formação docente:

a) as concepções a respeito dos fundamentos das atuais diretrizes para a formação de

professores;

b) o conhecimento sobre as oportunidades de aprimoramento no contexto da escola;

c) o que a escola indica a respeito da organização do trabalho escolar e dos processos de

formação continuada;

d) as representações docentes a respeito trabalho coletivo no interior da escola.

Um processo continuado de formação que consiga garantir o levantamento dessas e outras

perspectivas qualitativas que emergem do contexto escolar e das necessidades de seus

protagonistas (alunos e professores) poderia efetivar “[...] a construção de conhecimentos em

educação especial, tais como as características do desenvolvimento e aprendizagem dos

226

alunos com necessidades educacionais especiais, os métodos e adaptações possíveis e

necessárias, a utilização de materiais e equipamentos específicos” (PRIETO, 2001, p.7).

Em outras palavras, processos de formação continuada assim fundamentados poderiam

redimensionar o conhecimento e a prática em Educação Especial na atualidade. Devido a seu

novo lócus de atuação, o conhecimento da Educação Especial também foi modificado. Como

este conhecimento não mais está segregado a instituição especial, outros atores têm a

obrigação de estabelecer seus novos contornos. Percebemos que a universidade tem a árdua

tarefa de colaborar nessa construção, mas essa é também uma tarefa da escola regular que,

diante de todas as suas dificuldades, em última instância, tem o dever de educar os indivíduos

de uma sociedade.

Enfim, a escola e seus professores precisam produzir conhecimento a respeito da sua clientela

especial, sob a pena de não conseguirmos efetivação desse saber. À universidade cabe ouvir a

escola e colaborar com ela. Aos Sistemas de Ensino cabe prover as condições seguras de

atuação docente, garantir uma organização diferenciada e atender às demandas formativas de

seus professores, com a garantia de políticas de formação efetivas; à escola cabe o

compromisso de não fugir da responsabilidade de construir conhecimento a respeito desses

alunos em sua vida acadêmica. Essa é a maneira de consolidar sua autonomia e autoridade

diante das demais instâncias sociais.

Vivenciamos um momento histórico em que se faz ouvir a escola, suas dificuldades e os

apontamentos que ela nos dá na construção de uma educação de maior qualidade para todos.

Ouvir a escola indica a concretização de uma educação construída sobre bases sólidas e

democráticas, a partir de políticas públicas que considerem seus principais atores sociais, ou

seja, aqueles que nela atuam e que nela aprendem. Tão importante quanto a disposição em

ouvir a escola é a oportunidade histórica que a escola tem de mostrar o seu saber, firmar-se

como instituição produtora de conhecimento.

227

REFERÊNCIAS

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10 BARBIER, R. A pesquisa ação. Brasília: Líber Livro Editora, 2004, v.3.

11 BARBIERI, M. R.; CARVALHO, C. P.; UHLE, A. B. Formação continuada dos profissionais de ensino: algumas considerações. Cadernos Cedes, Educação Continuada. São Paulo, Campinas, v. 36, 1995. 12 BARBOSA, R. L. L. (Org.). Formação de educadores: desafios e perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 2003.

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13 BAUMEL, R.C.R; RIBEIRO, M.L.S.R. (org.). Educação especial: do querer ao fazer. São Paulo: AVERCAMP, 2003)

14 BORGES, D. C. P. Proposta de trabalho colaborativo e o registro de diários como prática avaliativa nas salas de apoio da Prefeitura Municipal de Via Velha. Artigo produzido como requisito de avaliação na disciplina Tópicos em Educação Especial. Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, 2005.

15 BOTTANI, N. Ilusão ou ingenuidade? Indicadores de ensino e políticas educacionais. Revista Educação e Sociedade. Campinas, v. 19, n. 65, 1998. Disponível em: <www.scielo.com.br/scieloorg/php/articlexml>. Acesso em 15 nov.2004.

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20 BUENO, J. G.; FERREIRA, J. R. (Coord.). Políticas regionais de educação especial no Brasil. In: REUNIÃO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, 26., 2003, Poços de Caldas. Anais... Poços de Caldas: ANPED, 2003. 1 CD-ROM, GT 15.

21 BUENO, M. B. O. et al. O desenvolvimento de um modelo “construtivo colaborativo” de formação continuada centrado na escola: relatório de uma experiência. Cadernos Cedes, Educação Continuada. São Paulo: Campinas, v. 36, 1995.

22 CANARIO, R. Escola: crise ou mutação?. NÓVOA, A. Espaços de educação: tempos de formação. Textos da conferencia internacional.Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 2002.

23 CARR, W.; KEMMIS, S. Teoria critica de la ensenanza: la investigación-acción en la formación del profesorado. Tradução de J. A. Bravo. Barcelona: Ed. Martinez Roca, 1988. 24 CARVALHO, J. M. O não-lugar dos professores nos entrelugares da formação continuada. Cadernos de Pesquisa em Educação/Universidade Federal do Espírito Santo. Centro Pedagógico, Programa de Pós-Graduação em educação, Vitória, v. 9, n.17, dez. 1995.

25 CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO/ Resolução nº. 9, de 17 de maio de 2005. Fixa diretrizes da Educação Especial no Sistema Municipal de Ensino. 2005.

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26 COLLARES, C.A.L, MOYSÉS, M. A. A. Construindo o sucesso na escola: uma experiência de formação continuada com professores da rede pública. Cadernos Cedes, Educação Continuada, São Paulo: Campinas, n. 36, 1995.

27 COMDEVIT. Conselho Metropolitano de Desenvolvimento da Grande Vitória. Região metropolitana da Grande Vitória (RMGV). Sistema gestor de informações básicas. Vitória: IPES, 2005.

28 CORREA, N. M; OLIVEIRA, F. M. G. S; KASSAR, M. M. Construção da educação inclusiva: a situação de Campo Grande (MS) In: REUNIÃO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, 27., 2004, Caxambu. Anais... Caxambus: ANPED, 2004. 1 CD-ROM, GT 15.

29 DORNELLES, Beatriz. Laboratórios de aprendizagem: funções, limites e possibilidades. In: MOLL, J. (Org.). Ciclos na escola, tempos na vida: criando possibilidades. Porto Alegre: Artmed, 2004. p. 209-217.

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31 FERREIRA M. C. C; FERREIRA J. R. Sobre inclusão, políticas públicas e práticaspedagógicas. In: GÓES, M.C. R.; LAPLANE, A. L. F. Políticas e práticas de educação inclusiva. Campinas, S.P: Autores Associados, 2004.

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33 FRANCO, M. A. S. Pedagogia da pesquisa-ação. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 483-502, set./dez. 2005.

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39 FREIRE, A. M. (Org.). A pedagogia da libertação em Paulo Freire. São Paulo: Editora UNESP, 2001.

40 FUSARI, J. C; RIOS. T. A. Formação continuada dos profissionais do ensino. Cadernos Cedes, Educação Continuada. São Paulo: Campinas, v. 36, 1995.

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88 SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. Núcleo de educação especial. Ofício nº0051/2006. Estabelece a composição do Núcleo de Educação Especial do município, Vila Velha, 2006.

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91 TENÓRIO, F. Flexibilização organizacional: mito ou realidade? Rio de Janeiro: FGV, 2000.

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/RAE8531.pdf+nuevo+rol+docente:+qu%C3%A9+modelo+de+formaci%C3%B3n+para+q

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abr.2005. 94 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO, DA CIÊNCIA E DA CULTURA. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Salamanca, 1994. 95 VENTORIM, S. Formação de professores com, na e par a educação inclusiva. In: X SEMINÁRIO CAPIXABA DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA: 10 ANOS DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA NO ESPÍRITO SANTO: DIVERSIDADE, COMPROMISSO E FORMAÇÃO. 10., Anais... Vitória, ES: UFES, 2006.

96 VILA VELHA. Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Esporte. Plano

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97 ______. Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Esporte. Projeto de Implantação Centro de Referencia ao Aluno Portador de Necessidades Educacionais Especiais (CRAPNEE), 2001. 98 ______. Lei Nº. 4.100/2003. Institui o Sistema Municipal de Ensino do Município de Vila Velha, Estado do Espírito Santo e disciplina seu funcionamento. 2003. 99 ______. Lei Orgânica Municipal. 1990.

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100 ZEICHNER, K. et.al. A pesquisa dos educadores como estratégia para a construção de modelos críticos de formação docente. In: PEREIRA, J; ZEICHNER, K. A pesquisa na formação e no trabalho docente. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

101 ______ . Para além da divisão entre professor pesquisador e pesquisador acadêmico. In: GERALDI, C. et al,. Cartografias do trabalho docente: professor(a)-pesquisador(a). São Paulo: Mercado das Letras, 2003.

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236

ANEXOS

237

ANEXO A: Instrumento levado a escola por assessor técnico da Secretaria Municipal de Educação.

PREFEITURA MUNICIPAL DE VILA VELHA ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, CULTURA E ESPORTE NÚCLEO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL

NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS

UNIDADES MUNICIPAIS DE

ENSINO

DISCENTES

SÉRIE

DF Surdo

DM DV CT D. Múltipla

PC

Outras

Com

Laudo

Sem

Laudo

Professor

de Educação Especial

01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14

01 ALGER RIBEIRO BOSSOES

15

238

ANEXO B: Instrumento sugerido A

Formação Continuada em Educação Especial – 2005

Data: 16-05-2005

Para que possamos realizar um trabalho de qualidade e que atenda as reais demandas do

grupo, gostaríamos que refletissem sobre os pontos destacados:

1) Metodologia e recursos empregados

( ) Muito bom

( ) Bom

( ) Regular

( ) Ruim

2) Temas discutidos no dia

( ) Muito bom

( ) Bom

( ) Regular

( ) Ruim

3) Seu envolvimento neste processo de formação

( ) Muito

( ) Regular

( ) Pouco

Sugestões e comentários

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

239

ANEXO C: Instrumento sugerido B

Data: 30-05-2005

Professor

Sua contribuição ao nosso trabalho é de extrema importância. Por isso contamos com a

sua colaboração avaliando o nosso e o seu desempenho profissional frente às questões que

discutimos nesses encontros.

1) Descreva como o processo de formação continuada tem possibilitado melhorias,

aproveitamento e sistematização de suas práticas educacionais diárias.

2) Fale da sua postura diante da formação destacando, ou não, a importância desse

processo na sua atividade profissional. A formação continuada tem feito diferença no

seu fazer pedagógico diário?

240

ANEXO D: Instrumento sugerido - C

Formação continuada/ 2005: Construindo uma prática diferenciada pela via da formação

continuada.

1ªfase

Avaliação do processo

Data: 13.07.05

Parte 1 – Dados pessoais / profissionais

1. UMEF que atua:____________________________________________________

2. Função que ocupa: __________________________________________________

3. Tempo de atuação nesta UMEF: ________________________________________

4. Tempo de atuação no Sistema Municipal de Ensino de Vila Velha: _____________

5. Tempo de atuação no magistério:________________________________________

6. Formação acadêmica ( ) magistério em nível médio

( ) Curso superior. Qual? _______________________

( ) Pós-graduação. Curso_______________________

( ) Outros cursos _____________________________

Parte 2 – Sobre o processo de formação

1. As temáticas atenderam suas expectativas?

2. Faça uma análise do formato deste processo de formação continuada? Você teria

alguma sugestão para melhorá-lo?

3. Analise seu grau de envolvimento nesse processo?

4. Analise qual o seu grau de responsabilidade no processo de transformação das práticas

vigentes na escola. Você se sente responsável por transformá-la?

241

ANEXO E: Instrumento sugerido - D

Data: 30-05-2005

Definição de papéis na escola

Com base nas reflexões desenvolvidas neste encontro e em debate com o grupo de sua escola,

aponte caminhos de atuação conjunta dos profissionais especificando o papel de cada um na

construção de práticas pedagógicas mais eficazes.

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PAPEL DO PROFESSOR

PAPEL DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL

PAPEL DO PEDAGOGO