a educação é um fato social

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 1 OBJETIVOS DA APRENDIZAGEM INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA PARAÍBA AULA 2 Leandro José dos Santos Josali Amaral Sociologia da Educação A educação é um fato social   Aprender o conceito de fato social;   Conhecer a Sociologia de Durkheim;   Discutir a educação numa perspectiva funcionalista.

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 1 OBJETIVOS DA APRENDIZAGEM

INSTITUTO FEDERAL DEEDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIAPARAÍBA

AULA 2

Leandro José dos SantosJosali Amaral

Sociologia da Educação

A educação é um fato social

  Aprender o conceito de fato social;

  Conhecer a Sociologia de Durkheim;

 

Discutir a educação numa perspectiva funcionalista.

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A educação é um fato social

2 COMEÇANDO A HISTÓRIA

Disponível em: http://artebetopiccolo.blogspot.com.br/2012/01/tempo-

de-pecar.html

Caro aluno,

Na charge acima, temos a representação do que se convencionou chamar de

sete pecados capitais, os quais são assim intitulados porque são geradores

de outros tipos de pecados. Observando os itens de cada quadro, é possível

explicar a organização e o funcionamento da nossa sociedade? Esses pecados

são criados por determinação divina ou são frutos da educação? O pecado é

um fenômeno universal?

Como se vê, a tirinha revela um imenso cabedal de questionamentos, cuja

quantidade e grau de profundidade podem variar em detrimento das concepções

pessoais, formação acadêmica, visões de mundo, fé, etc. Apesar da complexidade

do tema, não trouxemos a tirinha para discutirmos religião. Porém, para os

objetivos desta aula, ela será de grande valia.

Você deve ter ficado ansioso em saber o que discutiremos desta vez. Mas tenhacalma, pois uma análise científica da realidade social jamais pode ser feita às

pressas. Todavia, para diminuir a sua inquietude, saiba que, nas próximas linhas,

será mostrado como as questões mais complexas para a vida social, tais como a

religião, a educação, a economia, a política, etc., foram tomadas pela ciência e

viraram objeto de estudo da Sociologia. Para alcançarmos os nossos objetivos,

apresentaremos o criador da Sociologia, o francês Émile Durkheim.

Mas, antes de continuarmos, façamos uma pausa para um resumo do que foi visto

na aula anterior. Esperamos que você não tenha esquecido! Durante a primeira

Figura 1

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AULA 2

aula, nós problematizamos o conceito de educação. De acordo com a definição

que adotamos, sabemos, então, que as palavras educação e socialização podem

ser utilizadas como sinônimo. Na aula anterior, verificamos que ambas as palavras

evidenciam as maneiras pelas quais a sociedade apresenta aos seus membros

os seus valores e as suas regras de convivência. É por intermédio da educaçãoque se aprende a dominar e gerenciar recursos tecnológicos, como também é

por meio dela que se transmitem as crenças e as formas de organização política

e econômica adotadas por determinados grupos.

Sabemos que é a partir das diferentes formas de socialização que conhecemos

e aprendemos as diferentes maneiras de pensar, de ser e de fazer no mundo.

Diferentes sujeitos, submetidos a distintos processos de socialização,

consequentemente, tenderão a ver o mundo de maneiras diferentes, opostas

ou até mesmo contrastantes entre si.

Na aula 1, também caracterizamos a educação como fato social e argumentamos

que ela é um fenômeno presente em todas as instâncias de nossas vidas. Naquela

ocasião, realizamos uma análise comparativa entre as ideias de educação

apresentadas pela Sociologia e pelo senso comum. Vimos que, apesar de o

significado socialmente partilhado sobre a educação não divergir da perspectiva

sociológica, ele é demasiadamente restritivo e não comporta a imbricada rede

de relações concernentes aos processos socializadores.

3 TECENDO CONHECIMENTO

Feita a retrospectiva do conteúdo da aula anterior, chegamos ao momento em

que a seguinte pergunta deve ser feita: você sabe o que é um fato social? 

Aparentemente sim, pois, quando ouvimos essa pergunta, temos a tendência

de dizer que os fatos sociais são os fenômenos que acontecem na sociedade.

Mesmo que a sua resposta não tenha sido essa, é provável que você tenha

pensado em algo parecido. Entretanto, independentemente da resposta que você

tenha dado, pensemos um pouco mais sobre o assunto, tal como procedemos

na aula passada.

Pois bem, assim como a educação, tão presente em nossas vidas que acreditamos

conhecê-la em profundidade, o fato social é, também, um dos elementos que nos

é apresentado como algo dado, como se já fosse um fenômeno conhecido. Esse

caráter fenomênico do fato social nos faz crer que ele não carece de explicações.

Uma das razões para crermos que sabemos o que são os fatos sociais está na

confusão que se faz entre aquilo que leva a legenda de “social” e a concepção

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sociológica de “fato social”. Por isso, ao longo desta aula, veremos que um termo

não é sinônimo do outro, ou seja, “social” e “fato social” não são a mesma coisa.

Se você fez a pesquisa que sugerimos na primeira aula, já deve saber que a

Sociologia tem uma marca identitária que resulta das crises políticas e econômicas

que assolavam o mundo no século XIX. Disso resulta que a preocupação com a

“questão social” é uma característica inerente ao fazer sociológico, ainda que os

teóricos respondam a esse problema de modo diferente e com objetivos diferentes.

Vimos que Karl Marx se interessava pela compreensão da forma como a sociedade

se organiza e pretendia que seus estudos pudessem fundamentar as lutas pela

transformação da sociedade. Já Durkheim buscava entender o funcionamento

da sociedade e enfatizou o estudo das tensões relativas ao fortalecimento de

uma ciência da moral, com base nos princípios de coesão e integração social.

Mais adiante veremos que Max Weber valoriza a interpretação dos processos

de racionalização fundamentados no trabalho e numa ética especificamente

edificada nas sociedades capitalistas (SCAVONE, 2005).

Realizada a sua pesquisa, você pode arrematar dizendo que o significado de “social”

configura o próprio campo de atuação da Sociologia. Isto é, você pode interpretar

“social” como o lugar onde são gestados, se desenvolvem e se configuram os

“fatos sociais” estudados pela Sociologia. Esse arremate te conduz a duas outras

conclusões: a primeira é que “social” diz respeito à vida em sociedade e a segunda

é que os fatos sociais são o objeto de estudo da Sociologia.

No que tange às duas conclusões acima, outra elucidação ainda se faz necessária.

Trata-se de uma ideia relacionada ao discurso corrente, que tende a equiparar

“o social” à política pública de combate à miséria. Note-se, mais uma vez, que

novamente estamos diante do reducionismo próprio do senso comum. Mas, no

caso em tela, a redução cria uma disparidade no entendimento que devemos

ter sobre a sociedade e o social, como se o termo “social” fosse um fenômeno

desprezível, oposto e distante das pretensões da sociedade. De acordo com o

professor Renato Janine Ribeiro (2000), essa oposição se realiza porque tanto no

discurso dos governantes quanto no discurso dos economistas, “a sociedade”parece designar um conjunto de indivíduos ativos que detêm o poder econômico,

ao passo que “o social” é utilizado como se fosse sinônimo de pobreza, de inércia,

de carência e passividade.

Feitas essas observações, estamos prontos para avançar sobre a caracterização

do fato social. Entretanto, você, que dispensou um bom tempo na realização da

pesquisa sobre as origens da Sociologia, poderia argumentar que, considerando

os clássicos do pensamento sociológico, nunca foi consenso dizer que o fato social

é, por excelência, o objeto da Sociologia. Você poderia dizer, por exemplo, que,

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AULA 2

para Max Weber, não são os fatos sociais os objetos da Sociologia, mas a ação

social. Você poderia também sugerir que, na ótica de Karl Marx, o que estudamos

são as relações de produção e o conflito de classes. E você está perfeitamente

correto nessas colocações, mas deixaremos esse debate para a próxima aula.

Sabemos que as suas ponderações são legítimas, mas, da mesma maneira,

também sabemos que os resultados da sua pesquisa vão igualmente revelar

que, quando falamos em fatos sociais, estamos nos referindo, principalmente,

à produção acadêmica de Émile Durkheim, que foi o primeiro pensador que se

interessou em fundamentar o pensamento sociológico e dispor a Sociologia

como uma ciência da sociedade. Nesse caso, você saberá que foi Durkheim quem

definiu que os fatos sociais devem ser qualificados de um modo específico e que

cada ciência se aplica à compreensão de um objeto particular. Em razão disso, as

reflexões iniciais de qualquer cientista devem incluir a definição – a mais precisa

possível – do seu objeto de estudo.

A sua pesquisa deve ter mostrado que, como Durkheim estava criando uma nova

área de atuação da ciência, ele foi buscar, nas ciências naturais, principalmente

na Biologia, as referências para a criação de uma metodologia que pudesse ser

especificamente aplicada ao estudo dos fenômenos da sociedade. Analisando a

maneira como os cientistas atuavam nas áreas da Biologia, da Física e da Química,

Durkheim percebeu que, do ponto de vista científico, os seus objetos eram sempre

claros e bem definidos. Ademais, observou Durkheim que, por intermédio das

propriedades intrínsecas aos métodos científicos, os objetos das outras ciênciaseram observados com o distanciamento necessário, o que permitia ao cientista

elencar todas as suas particularidades. No entanto, compreendia Durkheim que,

no caso das humanidades, as coisas não eram tão simples, pois nem tudo que

acontece em sociedade pode ser classificado como fato social. Por outro lado,

as características dos fatos sociais não são perceptíveis à primeira aproximação,

muito menos se revelam a olho nu.

Pensemos! Se fatos sociais fossem qualquer coisa que acontece em sociedade,

como poderíamos distinguir um fato histórico ou psíquico de um fato social? Todos acontecem em sociedade, contudo, apresentam características bem

diferentes. O primeiro deve ser analisado por historiadores e se caracteriza

como algo que ocorreu no tempo passado. Já o segundo ocorre no interior da

mente dos indivíduos e costuma ser objeto de estudo da Psicologia. O terceiro,

por sua vez, é definido pelas relações que se configuram entre os indivíduos e

instituições sociais, e a ciência que se põe a estudá-lo é a Sociologia.

Ao se preocupar com o estatuto de cientificidade da Sociologia, Durkheim percebeu

que a nova ciência deveria se debruçar no estudo de um objeto específico, que

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não pudesse ser confundido com o objeto da História, da Psicologia, nem com o

objeto de quaisquer outras ciências. Nesse sentido, ele mostra que o fato social,

enquanto objeto de análise da Sociologia, tem características muito próprias e

que devem, necessariamente, ser observadas quando o pesquisador pretende

analisar os acontecimentos sociais.

Como dissemos anteriormente, Émile Durkheim é considerado o fundador da

Sociologia científica. Novamente, se você fez a pesquisa que lhe foi sugerida,

 já sabe que a Sociologia é filha da Filosofia, pois também possui a marca das

reflexões universais e generalizadoras; e prima da História, da Literatura e da

Economia Política, pois as suas teorias também estão marcadas por explicações

abalizadas por representações globais da realidade. Mas o fato de ter sido Durkheim

o fundador da Sociologia não quer dizer que ninguém tenha se preocupado

com as questões de ordem social (VIANA, 2006). Antes do século XIX, vários

pensadores tentaram compreender o funcionamento da sociedade e planejar

formas melhores de se viver em comunidade. Desde Platão, com A República, até

Rousseau, com O Contrato Social , muitos foram os intelectuais que empreenderam

reflexões sobre questões políticas, econômicas, pedagógicas, religiosas, etc., na

tentativa de encontrar regularidades e de analisar os mecanismos de reprodução

social, temas próprios da Sociologia.

Apesar de ter sido Durkheim o defensor da Sociologia científica, oficialmente,

foi Augusto Comte, pensador positivista, o primeiro a sugerir que a Filosofia não

conseguiria dar conta dos inúmeros fenômenos que brotavam em meio ao caosinstaurado pelas revoluções econômicas, políticas e científicas do século XIX.

Comte considerava que a antiga Filosofia já não mais contribuía com o avanço do

conhecimento gestado na modernidade e, inspirado pelo desenvolvimento das

ciências naturais, considerava que a sociedade deveria ser analisada por métodos

tão eficientes quanto aqueles que a elas eram aplicados. Chamou então a ciência

da sociedade de “Física Social”, uma ciência que deveria descobrir as regras de

funcionamento da sociedade e aplicá-las em favor do progresso.

Agora que já sabemos que foi Comte quem sugeriu a criação da nova ciênciae que foi Durkheim quem se ocupou em delinear o objeto e fundamentar o

primeiro método sociológico, estamos prontos para acompanhar os raciocínios

apresentados em As regras do método sociológico, obra na qual Durkheim define

o que é fato social e apresenta algumas regularidades da organização social.

Não obstante, veremos que a educação ocupa um lugar privilegiado na obra

desse autor.

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AULA 2

3.1 O que é fato social?

Você já parou para prestar atenção na forma como você e as pessoas à sua volta

se vestem, falam e se comportam? Se você prestar bastante atenção, notará que

há um padrão. Este não é determinado apenas pela língua que falamos ou porocuparmos o mesmo espaço físico e/ou cultural. Por mais que um indivíduo se

considere diferente dos demais, há uma série de traços que eles compartilham

entre si. Mesmo quando esse indivíduo escolhe uma roupa para ir ao trabalho

pela manhã ou quando as suas preferências musicais se distanciam das dos

outros, as suas escolhas, de alguma forma, estão condicionadas a pressões sociais

às quais esse indivíduo está submetido.

Imaginemos uma sala cheia de jovens entre 16 e 18 anos de idade. Essa é a

faixa etária na qual os indivíduos estão mais propícios a manifestar ou mesmoimpor sua individualidade, o que significa “ser diferente”, ou se apresentar como

diferente. Mas, se deixarmos de lado as comparações que tendemos a estabelecer

com os padrões de comportamento adulto e prestarmos atenção na maneira

como esses jovens se comportam, veremos que eles também obedecem a um

padrão: a maioria veste calça jeans, camiseta e tênis, possui cabelos compridos

e desgrenhados ou estilizados (conforme a moda), é fã de grupos musicais

barulhentos da atualidade (conforme o nicho social) e utiliza um vocabulário que

desafia a estrutura formal da linguagem. Assim, a diferença que a maioria dos

 jovens faz questão de manifestar são detalhes, acessórios: a cor ou minudênciasda calça, a estampa da camiseta, a cor do esmalte das meninas, o penteado mais

ou menos arrojado, a marca do tênis, etc.

Do mesmo modo, se observarmos o comportamento das pessoas num escritório,

ou no ambiente familiar, veremos que há padrões de vestimenta, de gestos, de

modos de falar etc.

E se, de repente, em qualquer desses grupos, alguém resolvesse quebrar as regras?

Como reagiriam os demais que pertencem àquele grupo? Ponha-se a imaginar...

Interrompemos sua divagação para voltarmos ao cerne de nosso problema e

tentarmos identificar uma resposta que seja digna do aplauso de Durkheim.

Agindo dessa maneira, podemos dizer que o cerne do fato social não é o simples

acontecer do fenômeno em sociedade, mas a existência de um determinado

padrão, que regula o comportamento social. Na mesma toada, é certo dizer

que, em todas as sociedades, comunidades ou grupos, há um conjunto de

regras que se impõem aos indivíduos e que determinam sua forma de agir,

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independentemente de sua vontade. Dada a nossa resposta, vamos compará-la

à de Durkheim, para quem os fatos sociais são:

[...] maneiras de agir, pensar e sentir exteriores ao indivíduo,

e dotadas de um poder coercitivo em virtude do qual se lhe

impõem. Por conseguinte, não poderiam ser confundidos comos fenômenos orgânicos, visto consistirem em representaçõese ações; nem com fenômenos psíquicos, por estes só existiremna consciência dos indivíduos, e devido a ela. Constituem,pois, uma espécie nova de fatos, aos quais deve atribuir-se ereservar-se a qualificação de sociais. (DURKHEIM, 1983, p. 88).

Talvez você se pergunte por que Durkheim menciona a expressão “uma espécie

nova de fatos”, já que o comportamento por ele descrito é comum e sempre

fez parte da vivência humana. Para responder a essa inquietação, você deve se

lembrar do que dissemos anteriormente: Durkheim estava definindo o objeto da

Sociologia, além de tentar estabelecer a suas peculiaridades frente às preocupações

das demais ciências. É nova no sentido de configurar um novo objeto de estudo.

É nova também no sentido de tomar para a ciência nascente a responsabilidade

pelo estudo, explicação e possíveis saídas para uma espécie nova de problemas

sociais que surgiam na cidade e no campo (economia baseada na indústria,

ética do trabalho e desemprego, êxodo rural, formas de organização política,

reforma religiosa, etc.).

Da definição de Durkheim é preciso destacar que o fato social se caracteriza por

sua generalização, ou seja, por ser um padrão observável em toda a sociedade.

Seja na escola, nas organizações religiosas, no ambiente de trabalho, no shopping

ou no supermercado, a forma de agir dos indivíduos está condicionada por

uma série de regras que determinam a sua aceitação social. Ainda conforme

a definição desse autor, a segunda característica do fato social é que ele é

componente objetivo, portanto, exterior ao indivíduo, o que significa dizer que

a sua manifestação não depende das escolhas ou vontades individuais. Pois, na

perspectiva durkheiminiana, os padrões da ação humana não são escolhidos

livremente pelos indivíduos, mas direcionados pelo grupo a que eles pertencem.

Por fim, o fato social é regido pela força coercitiva do grupo social, o que significa

que o indivíduo se submete à escolha do grupo, mesmo que inconscientemente

tenha a sensação de que optou livremente por agir daquela maneira. Em resumo,

fato social são as maneiras se ser, pensar e agir estimuladas no interior de uma

sociedade. Conforme Durkheim, um fenômeno só pode ser considerado um

fato social se ele atender, necessariamente, às três características relativas a ele:

coletividade, exterioridade e coercitividade.

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AULA 2

Vamos refletir um pouco, caso você pense que a liberdade de ação é a característica

mais determinante do ser humano. Estudamos, em História da Educação,

que a lei determina que todas as crianças com 6 anos de idade devem estar

matriculadas na escola e que os pais são responsáveis pela educação escolar delas.

Automaticamente, uma família, quando concebe uma criança, já começa a refletirsobre o tipo de educação escolar que dará a esse filho (se pública ou privada,

religiosa ou laica). Várias de suas opções poderão ser livremente determinadas,

mas uma, em essencial, não: ofertar a educação escolar a seus filhos. Imagine

se uma família que visitou uma comunidade indígena do norte do Brasil e que

percebeu que a educação não se restringe à escola resolve não educar os seus

filhos por meio da pedagogia escolar e não os matricula em nenhuma escola

da rede? Afora o fato de ser contra a lei, você já deve ter imaginado que isso

causaria indignação entre seus vizinhos e parentes, não é verdade? Essa família

poderia, inclusive, ser denunciada na delegacia de polícia, na vara da infância e juventude ou no conselho tutelar de sua cidade.

Esse espanto da comunidade de entorno deve-se ao fato de que a sociedade

ocidental, ao longo do século XX, estruturou a educação na forma escolar e tornou

isso um padrão para a aceitação social. Desse modo, qualquer indivíduo que se

recuse ou a quem lhe seja negado esse tipo de socialização será marginalizado

pelo sistema. Pelo que estamos vendo, a ação de matricular as crianças na

rede escolar oficial não deriva de uma escolha pessoal dos pais, mas de uma

pressão que o grupo exerce sobre a família. Ademais, quanto mais elitizado eintelectualizado for o subgrupo a que essa família pertence, os condicionantes

da escolha se tornam mais específicos (escolas preparatórias, escolas religiosas,

internatos, escolas de alto padrão etc.).

Com esse exemplo, podemos, então, dimensionar o entendimento de Durkheim

sobre fato social: a) quando tornado padrão de aceitação social, as regras de

comportamento valem para todos (coletividade); b) a escolha desse padrão não

depende unicamente do que pensa o indivíduo, ela é uma realidade objetiva

(exterioridade); c) ao identificar comportamentos desviantes, o grupo exerce

pressão para que o indivíduo cumpra as regras (coercitividade).

Antes de passarmos para o próximo tópico, lembre-se de que, apesar dos esforços

de Comte em tentar definir os contornos de uma nova ciência da sociedade,

foi Durkheim quem deu à Sociologia um caráter mais técnico e a reputação de

disciplina científica. Com esse autor, vimos que, ao ganhar o status de ciência, a

Sociologia adquiriu um objeto de estudo (o fato social).

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3.2 As regras do método sociológico e o lugar da educação

Diante desse novo objeto de estudo, argumenta Durkheim que o cientista social

deve buscar teorias e métodos de análise que contemplem a abrangência e

as especificidades dos fatos sociais. Conforme a leitura de  As regras do método

sociológico, podemos afiançar que a análise minuciosa dos fenômenos sociais,

primeiramente, obriga o sociólogo a considerar os fatos sociais como coisas.

Do ponto de vista da teoria durkheiminiana, considerar os fatos sociais como

coisa não significa que a educação, a política, o pecado, a violência urbana,

etc. sejam objetos palpáveis ou que sejam eventos sem importância. Com essa

primeira regra do método sociológico, Durkheim quer dizer que, durante o

estudo da sociedade, o cientista social deve desenvolver um estado de espírito

semelhante ao dos físicos e químicos, quando se aventuram no estudo de umaregião ainda inexplorada de seu domínio científico.

Essa primeira regra carrega a mensagem de que o trato com o social deve ser

feito com cautela, pois, diferentemente do que ocorre com as outras ciências, o

objeto da Sociologia sempre faz parte da rotina, do cotidiano e da subjetividade

do pesquisador, criando a falsa ilusão de que se trata de algo já conhecido.

Desse modo, considerar o fato social como coisa consente ao estudioso adotar

uma postura questionadora e distanciada do objeto em questão, permitindo

que estude o fato social da maneira mais objetiva possível. Nessa questão da

objetividade, reside outro postulado das regras do método sociológico proposto

pelo nosso autor.

O esforço para considerar fato social como coisa, tomando-o como uma realidade

objetiva e externa ao indivíduo, deve vir acompanhado da tentativa de afastamento

sistemático das pré-noções. Com esse terceiro postulado, sustenta Durkheim

que é dever do sociólogo despir-se das concepções restritivas criadas pelo senso

comum que, frequentemente, produzem interpretações fragmentárias, parciais

e pré-concebidas sobre os fenômenos sociais.

Por fim, está obrigado o sociólogo a definir previamente os fenômenos tratados,

a partir dos caracteres exteriores que lhe são comuns. Isso significa que explicar

os fenômenos sociais também implica descortinar as relações de causa e efeito

que se estabelecem entre os diferentes fatos sociais. Do mesmo modo, não pode

o sociólogo esquecer que um fenômeno social só pode ser explicado por outro

fenômeno social (explicar o social pelo social). Em síntese, é atribuição dessa

ciência da sociedade apontar as causas dos fatos sociais, pois, na perspectiva de

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AULA 2

Durkheim, descobrindo-se as causas de determinadas patologias sociais, pode

o sociólogo contribuir para a identificação do melhor remédio.

Para finalizar as reflexões desta aula, ainda precisamos delinear o lugar que a

educação ocupa na Sociologia de Durkheim. Antes disso, porém, precisamos

retomar o contexto do século XIX. Como dissemos antes, ao criar a Sociologia,

Durkheim se espelhou no método utilizado pelas ciências naturais. Assim sendo,

tal como um biólogo apreciava um organismo vivo, Durkheim mirava a sociedade.

Por isso, ao olhar para o grupo, Durkheim não via as células (indivíduos), ele

enxergava o organismo em sua totalidade (sociedade), constituído de seus

respectivos órgãos (instituições sociais), cada qual realizando uma função no

interior de um sistema. Ou seja, para o nosso autor, a sociedade é concebida como

um sistema social ou, se você preferir, subsistemas, cujas funções respondem às

respectivas necessidades sociais (educação, espiritualidade, economia, etc.). Em

razão disso, a perspectiva sociológica adotada por esse autor é uma perspectiva

funcionalista.

Nesse sentido, importa ao sociólogo estudar a função que cada um dos subsistemas

exerce com vistas a manter o organismo funcionando. Para entender o que

queremos dizer, pense na estrutura e no funcionamento do seu próprio corpo.

Como você já deve saber, só é possível ter uma vida saudável se todas as partes

do seu corpo funcionarem com suficiente grau de homogeneidade. Caso essa

homogeneidade seja ameaçada, o seu sistema imunológico entra em ação e

tentará estabelecer a normalidade.

Se você ainda não esqueceu as lições que aprendeu nas aulas de Biologia, saberá

que, no momento do nascimento, cada célula do seu corpo já vem programada

para realizar funções previamente determinadas. Desse modo, ao analisar a

comparação que Durkheim estabelece entre a sociedade e um organismo vivo,

você pode dizer que o mesmo não acontece com as pessoas. Pois, diferentemente

das células e da maioria dos animais, os seres humanos não nascem programados

para manter a ordem social. Mas, se você fez uma leitura atenta tanto desta aula

quanto da anterior, já sabe que, do ponto de vista da Sociologia de Durkheim,o subsistema que garante a homogeneidade das partes e mantém a saúde e o

funcionamento do organismo social é a educação.

A educação perpetua e reforça essa homogeneidade,fixando, antecipadamente, na alma da criança as alianças

fundamentais exigidas pela vida coletiva. A educação é a açãoexercida pelas gerações adultas sobre aquelas que não estão

ainda maduras para a vida social. Tem por objeto suscitar edesenvolver na criança um certo número de estados físicos,intelectuais e morais, que requerem dela, tanto a sociedade

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A educação é um fato social

política em seu conjunto, quanto o meio especial ao qual elaé mais particularmente destinada (...) Resulta da definiçãoacima que a educação consiste em uma socialização metódicada jovem geração. (DURKHEIM, 2011, p. 53).

Como se pode ver na citação, é por intermédio da educação que um ser individualse transforma num ser social. Por isso mesmo, na perspectiva adotada por

Durkheim, a socialização da criança deve ser uma atividade cotidiana, metódica.

Para esse autor, é com a educação que a sociedade pode assegurar as bases de

suas condições de existência e perpetuamento.

Feitas as reflexões desta aula e as da aula anterior, já estamos suficientemente

informados para podermos sustentar que não há dúvida de que a educação é um

mecanismo que opera em todas as esferas da nossa vida. Desde o nascimento, no

seio da família, passando pela escola e pela universidade, onde um conjunto de

saberes nos é transmitido de forma sistematizada, sabemos agora que é a educação

a responsável pela continuidade social, pois é ela que garante a transmissão dos

valores, das normas e dos saberes necessários à vida em sociedade.

Exercitando

Depois de ler atentamente o material desta aula, pesquise a finalidade da Lei de

Diretrizes e Bases da Educação e avalie seus objetivos com base na concepção

de educação feita por Durkheim. A proposta é que você reflita sobre o tipo

de sociedade que se espera ser produzida por nós, bem como as respectivasestratégias para que ela seja perpetuada. Feitas as suas reflexões, produza um

texto e envie para o seu tutor. Caso queira, você pode discutir o assunto no

fórum da disciplina com seus colegas.

4 APROFUNDANDO SEU CONHECIMENTO

Para facilitar a compreensão dos conteúdos discutidos nesta aula e dos que

abordaremos na aula seguinte, sugerimos que você assista a um conjunto devídeos produzidos pela Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp). Eles

são editados pela Univesp TV e publicados no ambiente virtual da Universidade,

na internet. Os vídeos aos quais você vai assistir fazem parte da disciplina de

Sociologia da Educação do curso de Pedagogia da Unesp/Univesp.

Trata-se de três vídeos de curta duração, mas cujo conteúdo é de grande valia

para o nosso componente curricular. Neles, serão discutidos os conceitos dos

pensadores clássicos da Sociologia: Durkheim, Marx e Weber.

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AULA 2

O primeiro vídeo aborda a Sociologia de Émile Durkheim. Nele se discute o

conceito de fato social, que abordamos nesta aula, como também se analisa

a maneira como as pessoas se ligam umas às outras, por meio dos laços de

solidariedade. Como vimos, o pensamento desse autor é de grande importância

para compreendermos o poder que as instituições e a sociedade exercem sobreos indivíduos.

Noutro vídeo, os aspectos sociológicos do pensamento de Karl Marx são

apresentados com base numa entrevista ao sociólogo Gabriel Cohn e na

caracterização, in loco, da economia de uma pequena cidade paulista, na qual

a situação descrita por Marx no século XIX, de alguma maneira, ainda se mantém.

Por fim, o vídeo referente ao sociólogo Max Weber, que também é um autor

clássico-fundador da Sociologia. Como veremos na aula seguinte, Weber é um

intelectual cuja influência, para além da Sociologia, se estende à Economia, aoDireito, à Ciência Política e à Administração. Alguns de seus estudos objetivaram

a compreensão da sociedade capitalista e do processo de racionalização

oriundo das sociedades modernas. Os escritos de Weber são importantes para

compreendermos a burocracia, a estrutura e o funcionamento das instituições

sociais modernas.

Os vídeos estão disponíveis nos links a seguir:

 à Émile Durkheim: https://www.youtube.com/watch?t=2&v=f-rYZI3zR8I

 à Karl Marx: https://www.youtube.com/watch?v=I2AZAbg1rLw

 à Max Weber: https://www.youtube.com/watch?v=TgtlQUoVIWI

5 TROCANDO EM MIÚDOS

Nesta aula, estudamos as contribuições de Émile Durkheim para a construção do

saber sociológico. Preocupado em definir o objeto da Sociologia e diferenciá-lo

dos fatos históricos e psicológicos, Durkheim constrói o conceito de fato social.

Vimos que não podemos interpretar a palavra social no sentido do senso comum,normalmente associado às práticas sociais ou a situações de pobreza. Para

Durkheim, o fato social apresenta 3 características: é coletivo, ou seja, obedece

a uma regularidade; é objetivo, o que significa que é exterior ao indivíduo e não

está subordinado às disposições subjetivas; e é coercitivo, isto é, supõe que os

indivíduos agem conforme um conjunto de determinações, ou regras de conduta,

pelas quais a sociedade se mantém coesa e que são condição da aceitação social.

Concebido desse modo, o fato social torna-se um objeto de observação científica,

passível de ser estudado objetivamente. Isso significa dizer que o pesquisador

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A educação é um fato social

social pode distanciar-se dos acontecimentos e analisá-los cientificamente, ou

seja, questioná-los e afastá-los do entendimento do senso comum para melhor

compreendê-los. Inspirado no método da Biologia, o autor interpreta a sociedade

como um organismo vivo, cujas partes devem estar integradas para o seu

funcionamento. Nesse sentido, Durkheim vê a educação como um subsistemaque tem a função de preparar as crianças para o cumprimento das regras sociais,

devendo ser metódica para assegurar a continuidade da sociedade.

6 AUTOAVALIANDO

Após a leitura desta aula, a fim de confirmar o entendimento do conteúdo aqui

apresentado, reflita sobre os questionamentos a seguir, tentando responder a eles:

  Consigo estabelecer a diferença entre a concepção de “social”, utilizada pelo

discurso do senso comum, e conceito de fato social, adotado pela Sociologia?

  Sou capaz de reconhecer os conceitos básicos da Sociologia durkheiminiana?

  Consigo discutir como a educação é vista na perspectiva funcionalista?

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AULA 2

REFERÊNCIAS:

DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. In: GIANNOTTI, José Artur.

Émile Durkheim. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983 (Coleção os Pensadores).

DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. Petrópolis: Vozes, 2011.

RIBEIRO, Renato Janine. A sociedade contra o social. São Paulo: Companhia

das Letras, 2000.

SCAVONE, Lucila. Dos clássicos aos contemporâneos. Cadernos de Campo,

Araraquara, n. 11, p. 9-16, 2005.

VIANA, Nildo. Introdução à Sociologia. São Paulo: Autêntica, 2006.

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