educação como direito social público

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  -1- A educação no Brasil: direito social e bem público.  Aluno pesqui sador: Raquel Motta Calegari Monteiro* Orientador:  Prof.Dr. Pedro Goergen Linha Pesquisa:  Ensino Superior  A educação, enquanto dever do Estado e r ealidade social, não foge ao controle do Direito. A Constituição Federal a enuncia como direito de todos, dever do Estado e da família, com a tríplice função de garantir a realização plena do ser humano, inserí-lo no contexto do Estado Democrático e qualificá-lo para o mundo do trabalho. A um só tempo, a educação representa tanto um mecanismo de desenvolvimento pessoal do indivíduo, como da própria sociedade em que ele se insere. Se faz necessário o entendimento das normas que regulam a educação, pois a existência de direitos subjetivos relacionados ao tema, coloca-se como importante elemento de afirmação dos direitos do cidadão frente ao Estado, garantindo, um meio de conferir efetividade dos preceitos constitucionais. O direito à educação está inserido no contexto dos direitos sociais, econômicos e culturais, os chamados direitos de 2ª dimensão, no âmbito dos direitos fundamentai s. Os direitos f undamentai s de segunda dimensão determinam a proteção à dignidade da pessoa humana, enquanto os de primeira dimensão, anteriormente tinham como preocupação a liberdade em contrapartida ao poder de imperium do Estado. Ou seja, a segunda dimensão visa não uma abstenção estatal, mas uma atuação positiva (ação) do Estado.

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educação e concurso

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    A educao no Brasil: direito social e bem pblico.

    Aluno pesquisador: Raquel Motta Calegari Monteiro*

    Orientador: Prof.Dr. Pedro Goergen

    Linha Pesquisa: Ensino Superior

    A educao, enquanto dever do Estado e realidade social, no foge ao controle do

    Direito. A Constituio Federal a enuncia como direito de todos, dever do Estado e da

    famlia, com a trplice funo de garantir a realizao plena do ser humano, inser-lo no

    contexto do Estado Democrtico e qualific-lo para o mundo do trabalho. A um s tempo, a

    educao representa tanto um mecanismo de desenvolvimento pessoal do indivduo, como

    da prpria sociedade em que ele se insere.

    Se faz necessrio o entendimento das normas que regulam a educao, pois a

    existncia de direitos subjetivos relacionados ao tema, coloca-se como importante elemento

    de afirmao dos direitos do cidado frente ao Estado, garantindo, um meio de conferir

    efetividade dos preceitos constitucionais.

    O direito educao est inserido no contexto dos direitos sociais, econmicos e

    culturais, os chamados direitos de 2 dimenso, no mbito dos direitos fundamentais.

    Os direitos fundamentais de segunda dimenso determinam a proteo dignidade

    da pessoa humana, enquanto os de primeira dimenso, anteriormente tinham como

    preocupao a liberdade em contrapartida ao poder de imperium do Estado. Ou seja, a

    segunda dimenso visa no uma absteno estatal, mas uma atuao positiva (ao) do

    Estado.

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    As prestaes positivas exigidas pela populao visavam a efetividade das

    liberdades pleiteadas pela primeira dimenso dos direitos fundamentais, posto que sem

    qualidade de vida, educao, sade e igualdade ftica ocorreria instabilidade nos direitos

    fundamentais consagrados anteriormente (primeira dimenso).

    O direito educao previsto na Constituio Federal de 1.988, est ligado ao

    reconhecimento da dignidade da pessoa humana, bem como, seus objetivos: construo de

    uma sociedade livre, justa, solidria, erradicao da pobreza, da marginalidade e reduo

    das desigualdades sociais.

    Por fim, o tratamento dado educao est ligado busca do ideal de igualdade

    que caracteriza os direitos de 2 dimenso.

    No Brasil este direito apenas foi reconhecido na Constituio Federal de 1988,

    sendo que, antes disso, o Estado no tinha a obrigao formal de garantir a educao de

    qualidade todos os brasileiros, o ensino pblico era tratado como uma assistncia, um

    amparo dado queles que no podiam pagar. Durante a Constituinte de 1988 as

    responsabilidades do Estado foram repensadas e promover a educao fundamental

    passou a ser seu dever.

    A Constituio Imperial de 1824 estabeleceu entre os direitos civis e polticos a

    gratuidade da instruo primria para todos os cidados e previu a criao de colgios e

    universidades.

    A Constituio Republicana de 1891, preocupou-se em discriminar a competncia

    legislativa da Unio e dos Estados em matria educacional. Coube Unio legislar sobre o

    ensino superior enquanto aos Estados competia legislar sobre o ensino primrio e

    secundrio, embora tanto a Unio quanto os Estados pudessem criar e manter instituies

    de ensino superior e secundrio. Esta Constituio determinou a laiscizao do ensino nos

    estabelecimentos pblicos.

    A Constituio de 1934 (no seu artigo 149) que foi a pioneira a tratar de educao,

    priorizando a constitucionalizao de direitos econmicos, sociais e culturais. Ficou

    estabelecida a competncia legislativa da Unio para traar diretrizes da educao nacional.

    A educao ento, passa a ser definida como direito de todos e dever da famlia e dos

    poderes pblicos.

    Apresentava um plano nacional de educao e competncia do Conselho Nacional

    de Educao, para elabor-lo, havia a garantia de imunidade de impostos para

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    estabelecimentos particulares, de liberdade de ctedra e de auxilio a alunos necessitados e

    determinao de provimento de cargos do magistrio mediante concurso.

    Na Constituio Federal de 1937 houve um retrocesso. No havia a preocupao

    com o ensino pblico, havia a previso de competncia material e legislativa privativa da

    Unio em relao s diretrizes e bases da educao nacional, sem referncia aos sistemas

    de ensino dos estados, como pela prpria rigidez do regime ditatorial.

    A Constituio de 1946 retoma os princpios das Constituies de 1891 e 1934. A

    competncia da Unio define-se s diretrizes e bases da educao nacional, a dos Estados

    garantida pela competncia residual. Prevalece a ideia de educao pblica, o ensino

    primrio torna-se obrigatrio e gratuito, liberdade de ctedra e concurso para seu

    provimento; houve a criao de institutos de pesquisa.

    No perodo da Constituio de 1967, ressalta-se o fortalecimento do ensino

    particular, da necessidade de bom desempenho para a garantia da gratuidade do ensino

    mdio e superior aos que comprovarem insuficincia de recursos, diminuio de receitas

    vinculadas manuteno do ensino.

    Somente a partir da Emenda Constitucional n 1, de 1969, comea-se a tratar da

    educao como um dever do Estado (OLIVEIRA, 2001, p. 23), em seu art. 176 (A educao,

    inspirada no Princpio da Unidade Nacional e nos ideais de liberdade e solidariedade

    humana, direito de todos e dever do Estado, e ser dada no lar e na escola).

    Na sua redao atual, a Constituio Federal de 1988 enuncia o direito educao

    como um direito social no artigo 6, especifica a competncia legislativa nos artigos 22, XXIV

    e 24, IX, ainda, dedica toda uma parte do ttulo Ordem Social para responsabilizar o Estado

    e a famlia, tratar do acesso e da qualidade, organizar o sistema educacional, vincular o

    financiamento e distribuir encargos e competncias para os entes da federao.

    Alm do regramento minucioso, a grande inovao do modelo constitucional de

    1988 em relao ao direito educao decorre de seu carter democrtico, especialmente

    pela preocupao em prever instrumentos voltados para sua efetividade (Ranieri, 2000,

    p.78).

    O papel primordial do Estado, em conjunto com a famlia, mas na ordem do art.

    205 encontra-se clara a obrigatoriedade da atuao deste, que dever no somente

    fornecer a educao gratuitamente nos estabelecimentos oficiais, como estabelecer polticas

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    pblicas visando a ampliao desse sistema, possibilitando a colaborao com a sociedade.

    A relao entre o Estado e as instituies particulares prevista pelos arts. 209 e 213, mas

    explcita a vinculao atual da educao como um dever do Estado, maior do que ocorria

    nas Constituies anteriores, o que relevante em termos de anlise do direito educao

    e do papel do Estado neste campo. A explicitao do dever do Estado no art. 208, somada

    aos mecanismos jurdicos presentes na atual Constituio, instrumentalizam o direito

    educao de forma marcante a partir de 1988.

    Artigo 205 da Constituio Federal:

    A educao, direito de todos e dever do Estado e da famlia, ser

    promovida e incentivada com a colaborao da sociedade, visando ao

    pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exerccio da

    cidadania e sua qualificao para o trabalho.

    E ainda, o artigo 206, da Constituio Federal, tratou desses princpios, in verbis:

    Art. 206. O ensino ser ministrado com base nos seguintes

    princpios:

    I. igualdade de condies para o acesso e permanncia

    na escola;

    II. liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o

    pensamento, a arte e o saber;

    III. pluralismo de ideias e de concepes pedaggicas e

    coexistncia de instituies pblicas e privadas de ensino;

    IV. gratuidade do ensino pblico em estabelecimentos

    oficiais;

    V. valorizao dos profissionais do ensino, garantindo, na

    forma da lei planos de carreira para o magistrio pblico, com

    piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por

    concurso pblico de provas e ttulos;

    VI. gesto democrtica do ensino pblico, na forma da lei;

    VII. garantia de padro de qualidade.

    Embora se considere que os princpios do artigo 206 da CF se apliquem ao ensino,

    as questes da universalizao e da gratuidade do ensino, no se aplicam ao ensino

    superior, posto que, no considerado nvel obrigatrio de ensino, havendo a necessidade

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    de se tornar pblica a forma e os critrios de seleo utilizados, tanto em relao s

    instituies pblicas, quanto s privadas (Lei 9394/96- Lei de Diretrizes e Bases da

    Educao Nacional, artigo 44, inciso II e Decreto 2207/97, artigo 12).Deve-se garantir a

    igualdade de acesso, a que fazem referncia os artigo 5 e 206, I da CF.

    A atuao do Estado nesse campo necessria para a formao de quadros

    qualificados, levando-se em considerao como nico critrio de ingresso nas universidades

    pblicas a questo da intelectualidade, sendo o compromisso de desenvolver mecanismos

    para possibilitar esse acesso, um compromisso do poder pblico, maior ainda, em relao

    s universidades pblicas (MALISKA, 2001, p.233).

    Nesse contexto, o Estado compromete-se com a educao superior, no limite da

    capacidade intelectual individual, levando em conta a isonomia constitucional e os

    processos legtimos previamente disciplinados em leis e nos estatutos das universidades

    (art. 51 da LDB). O vestibular torna-se a principal forma de ingresso na universidade, pois

    o meio de auferir o conhecimento do candidato e a legitimidade de assento em um banco

    universitrio pblico.

    Ressaltam-se entre os princpios previstos como inovao a questo da gratuidade,

    previso anteriormente existente, mas restrita ao perodo de escolarizao compulsria. A

    ampliao do alcance da gratuidade apresenta-se como peculiar, conforme Oliveira (2001).

    Ressalta-se porm, que para o ensino mdio, anteriormente exceo e declarando

    expressamente a gratuidade do ensino superior, em estabelecimentos oficiais, passou-se

    tambm a incorporar a educao infantil nestas disposies. Sublinha o autor que estes

    nveis de ensino j eram gratuitos nos estabelecimentos oficiais, apesar da inexistncia de

    disposio legal nesse sentido no mbito federal; entretanto, um dos principais alvos dos

    conservadores em suas crticas Constituio de 1988. (OLIVEIRA, 2001, P. 23).

    Entretanto, apesar da garantia existente no referido artigo, a instrumentalizao prevista no

    artigo 208 de certa forma reduziu a garantia ao regular a atuao estatal no campo da

    educao, atravs da seguinte forma:

    Art. 208 O dever do Estado com a educao ser efetivado

    mediante a garantia de

    I - ensino fundamental obrigatrio e gratuito, assegurada,

    inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele no

    tiveram acesso na idade prpria;

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    II - progressiva universalizao do ensino mdio gratuito:

    III - atendimento educacional especializado aos portadores de

    deficincia, preferencialmente na rede regular de ensino;

    IV - atendimento em creche e pr-escola s crianas de zero a

    seis anos de idade:

    V - acesso aos nveis mais elevados de ensino, da pesquisa e

    da criao artstica, segundo a capacidade de cada um;

    Vl - oferta de ensino noturno regular adequado as condies do

    educando;

    VII - atendimento ao educando no ensino fundamental atravs

    de programas suplementares de material didtico-escolar,

    transporte, alimentao e assistncia sade.

    1 O acesso ao ensino obrigatrio e gratuito direito pblico

    subjetivo:

    2 O no-oferecimento do ensino obrigatrio pelo Poder

    Pblico, ou sua oferta irregular importa responsabilidade da

    autoridade competente;

    3 Compete ao Poder Pblico recensear os educandos no

    ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos

    pais ou responsveis, pela frequncia escola.

    Nota-se que o nvel obrigatrio e gratuito somente para o ensino fundamental,

    prevendo-se em relao ao ensino mdio sua progressiva universalizao (com a redao

    alterada aps a Emenda Constitucional n 14 de 1996, pois originalmente o artigo referia a

    progressiva extenso da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino mdio) e o ensino

    superior no referido especificamente no mesmo artigo, somente tratando-se do acesso

    aos nveis mais elevados de ensino, deduzindo-se portanto a diferenciao de tratamento

    em relao ao ensino fundamental e mdio. Tambm ressaltado que a garantia da

    gratuidade estendeu-se queles que no tiveram acesso educao na idade prpria

    (inciso I), inovando em relao s previses constitucionais anteriores, que restringiam a

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    obrigatoriedade e gratuidade apenas a determinada faixa etria (no caso da Emenda

    Constitucional de 1969, dos 7 aos 14 anos), e possibilitavam a restrio do atendimento

    queles indivduos fora desta faixa etria (OLIVEIRA, 2001, p. 26).

    A obrigatoriedade da prestao estatal, declarada expressamente, muito

    significativa, pois remete aos mecanismos capazes de garantir os direitos presentes na

    Constituio de 1988, como o mandado de segurana coletivo, o mandado de injuno e a

    ao civil pblica. A possibilidade de responsabilizao da autoridade competente no caso

    de no- oferecimento do ensino obrigatrio ou sua oferta irregular pelo Estado soma-se a

    esses mecanismos, reforando a previso do pargrafo primeiro.

    Assim, a justia social expressa-se atravs da educao e no se restringe ao

    chamado ensino fundamental, agrega a possibilidade de atender pessoa desde a

    educao infantil, educao bsica ou fundamental educao para o ensino mdio,

    educao de jovens e adultos at a educao do ensino superior.

    A educao como direito social se contrape a ideia de educao como

    mercadoria, ou seja, aquela que beneficia apenas aos que podem pagar. E ainda, se no

    compreendida como bem pblico, a educao atender aos indivduos a aos seus

    interesses exclusivos, jamais ter qualidade compromissada com a sociedade.

    A qualidade tem uma irrecusvel dimenso social e pblica. O correlativo da ideia

    de educao como bem pblico e direito social dever do Estado de garantir amplas

    possibilidades de oferta de educao de qualidade a todas as camadas sociais (Dias

    Sobrinho, 2009).

    Segundo DIAS SOBRINHO O conhecimento e a

    capacidade de aprender e de aplicar, potenciados pela

    conectividade universal, tornaram-se a base da

    competitividade e a educao superior adquire uma

    enorme importncia como instncia produtora das fontes

    de riqueza, geradora e disseminadora dos conhecimentos,

    da capacidade de utilizar os saberes adquiridos e de

    aprender ao longo de toda a vida.

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    A educao se reflete em questes democrticas, desigualdade, excluso e

    incluso social, ou seja, no basta as oportunidades de acesso e criao de vagas, alm da

    incluso de pessoas carentes economicamente, necessrio que lhes sejam garantidos

    meios de permanncia e de condies adequadas para os estudos.

    Por fim, diante de todo o exposto, valorizar a educao, oferecer condies de

    aprendizado, reforar os direitos do homem e das liberdades fundamentais, gerar no

    somente a formao do cidado consciente, que concretiza a democracia, mas do cidado

    tolerante, que contribui para a paz e o entendimento entre os povos, do cidado produtivo

    economicamente e culturalmente, que favorece o desenvolvimento da sua comunidade, de

    seus cocidados e de si prprio.

    Palavras chaves: Educao, Constituio Federal, Bem Pblico.

    MALIKA, M.A. O Direito Educao e a Constituio. Porto Alegre: Srgio Antnio Fabris

    Editor, 2001 .

    DIAS SOBRINHO, Jos. Educao superior, globalizao e democratizao. Qual

    universidade. Revista Brasileira de Educao, Campinas, n. 28, p. 164-172, jan./abr. 2005.

    OLIVEIRA, R. P. de. O direito Educao. In: OLIVEIRA, R. P.; ADRIO, T. (Org.).

    Gesto, financiamento e direito educao: anlise da LDB e da Constituio Federal. So

    Paulo: Xam, 2001. p. 15-43

    RANIERI, Nina. Educao Superior, Direito e Estado: Na Lei de Diretrizes e Bases (Lei

    9394/96). So Paulo: Edusp, 2000.