a economia das doenças raras- teoria, evidências e políticas públicas

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  • 7/21/2019 A Economia Das Doenas Raras- Teoria, Evidncias e Polticas Pblicas

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    Universidade Federal do Rio Grande do SulFaculdade de Cincias Econmicas

    Departamento de Cincias Econmicas

    Ramon Wiest

    A Economia das Doenas Raras:

    Teoria, Evidncias e Polticas Pblicas

    Porto Alegre

    2010

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    Ramon Wiest

    A Economia das Doenas Raras:

    Teoria, Evidncias e Polticas Pblicas

    Monografia apresentada ao Departamento deCincias Econmicas da Faculdade de CinciasEconmicas da Universidade Federal do Rio Grandedo Sul, como requisito parcial para a obteno dottulo de bacharel em Economia.

    Orientador: Prof. Dr. Gicomo Balbinotto Neto

    Porto Alegre2010

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    Ramon Wiest

    A Economia das Doenas Raras:

    Teoria, Evidncias e Polticas Pblicas

    Monografia apresentada ao Departamento deCincias Econmicas da Faculdade de CinciasEconmicas da Universidade Federal do Rio Grandedo Sul, como requisito parcial para a obteno dottulo de bacharel em Economia.

    Aprovado pela Banca Examinadora em Porto Alegre, 15 de dezembro de 2010.

    Prof. Dr. Gicomo Balbinotto Neto / UFRGSOrientador

    Profa. Dra. Janice Dornelles de Castro / UFRGS

    Prof. Dr. Paulo de Andrade Jacinto / PUCRS

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeo primeiramente ao professor Dr. Gicomo Balbinotto Neto, pela confiana,

    estmulo e orientao constante. Seu incentivo e sua contribuio foram fundamentais para a

    elaborao deste trabalho. Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Faculdade de

    Cincias Econmicas pelo ensino de qualidade proporcionado.

    Gostaria de agradecer tambm a todos os amigos e familiares que, de diversas

    maneiras, participaram desta trajetria. Mesmo na minha ausncia foram capazes de se mantersempre prximos e, junto comigo, propiciaram momentos de lazer e descontrao. Agradeo

    em especial ao meu primo e padrinho, Carlos Augusto Scholl, pelas viagens e pelo apoio nas

    mudanas constantes.

    Por fim, quero agradecer minha namorada, Franciele Cipriani, por estar sempre ao

    meu lado, disposta a me ajudar. Tua ajuda foi fundamental para a elaborao do projeto que

    culminou com esta monografia de concluso de curso. Foste fundamental durante toda estajornada.

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    RESUMO

    As doenas raras so um problema de sade pblica que atingem milhes de pessoas no

    mundo. O objetivo deste trabalho realizar uma reviso terica e emprica da economia das

    doenas raras e das drogas rfs buscando analisar suas implicaes econmicas. Atravs de

    evidncias empricas apresentadas na literatura o trabalho pretende identificar qual a

    magnitude do problema, sua importncia atual e descrever os principais incentivos e

    instrumentos governamentais para o desenvolvimento de um tratamento para doenas raras.

    considerada rara a doena que apresenta baixa prevalncia em uma determinada populao.

    So em geral degenerativas, cronicamente debilitantes e necessitam de tratamento contnuo,

    afetando as capacidades fsicas, mentais, sensoriais e comportamentais do paciente. Drogasrfs so medicamentos usados para o diagnstico, preveno e tratamento das doenas raras.

    A raridade dos casos implica dificuldades para a comprovao da eficcia clnica destes

    medicamentos. Sero apresentados dados sobre as doenas raras e drogas rfs no Brasil e no

    mundo, alm das principais consideraes econmicas relacionadas. Sero apresentados os

    sistemas de regulao para doenas raras vigente nos Estados Unidos e na Unio Europeia e a

    influncia que estes mecanismos exercem sobre o desenvolvimento de medicamentos rfos.

    Concluiu-se que os mecanismos de regulao so capazes de estimular o desenvolvimento dedrogas rfs e que necessrio intensificar o debate sobre as doenas raras no Brasil, uma vez

    que no existe uma poltica pblica voltada para esta problemtica no pas.

    .

    Classificao no JEL: I18

    Palavras-Chave:Economia da Sade. Doenas Raras. Drogas rfs. Regulao em Sade.

    Direito e Economia. Direito e Sade.

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    ABSTRACT

    Rare diseases are a public health problem that affects millions of people around the world.

    The aim of this paper is to review theoretical and empirical economics of rare diseases and

    orphan drugs trying to analyze the economic implications. Through empirical evidence

    presented in the literature, the paper aims to identify the magnitude of the problem, its current

    importance and describe the government incentives and tools for developing a treatment for

    rare diseases. Rare disease is a ill that presents a low prevalence in a given population. They

    are usually degenerative, chronically debilitating and require long-term treatment, affecting

    the physical, mental, sensory and behavioral patient. Orphan drugs are medicines used for

    diagnosis, prevention and treatment of rare diseases. The rarity of cases implies difficulties forproof of clinical efficacy of these medicines. Data is presented on rare diseases and orphan

    drugs in Brazil and around the world, even the key economic considerations related. Will

    present the regulatory systems for rare diseases in the United States and the European Union

    and the influence of these mechanisms on the development of orphan drugs. It was concluded

    that the regulatory mechanisms are able to stimulate the development of orphan drugs and the

    need to intensify the debate on rare diseases in Brazil, since there isnt a public policy issue

    facing in this country.

    JEL Classification:I18

    Keywords:Health Economics. Rare Diseases. Orphan Drugs. Health Regulation. Law and

    Economics. Law and Health.

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    LISTA DE ILUSTRAES

    Figura 2.1Fases da produo de medicamentos ................................................................... 36

    Figura 2.2Drogas rfs como parcela do mercado de medicamentos ................................. 39

    Figura 3.1Linha do tempo para legislaes de incentivo ..................................................... 61

    Figura 3.2Mecanismos de incentivos previstos no ODA e naRegulation EC n 141/200063

    Quadro 2.1Drogas rfs e seu custo aproximado por paciente. ........................................... 47

    Quadro 3.1Comparao entre as polticas para drogas rfs................................................ 67

    Quadro 3.2Polticas aplicadas para RD e OD nos pases membros da comunidade Europeia

    e outros pases at o ano de 2009 ............................................................................................. 71

    Quadro 3.3Polticas aplicadas para RD e OD nos pases membros da comunidade Europeia

    e outros pases at o ano de 2009 ............................................................................................. 74

    Quadro 3.4Polticas locais de incentivo a demanda por drogas rfs. ................................. 77

    Quadro 3.5Formas de atuao dos incentivos ...................................................................... 86

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    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1.1Evoluo das despesas com sade como percentual do PIB ............................... 14

    Tabela 1.2Evoluo das despesas per capita com sade em US$ a preos correntes e PPP

    para os pases da OCDE (2000 a 2007) .................................................................................... 15

    Tabela 1.3Definio de doena rara segundo o critrio de prevalncia ............................... 17

    Tabela 2.1 Definio de doena rara pelo critrio de prevalncia e critrio alternativo porpas ............................................................................................................................................ 29

    Tabela 2.2 Nmero de pacientes utilizados para a aprovao do medicamento, com

    respectiva doena e prevalncia dos casos ............................................................................... 44

    Tabela 3.1Total de autorizaes e designaes na Unio Europeia por ano ........................ 77

    Tabela 3.2Autorizaes de mercado por rea teraputica na Unio Europeia ..................... 80

    Tabela 3.3Total de autorizaes e designaes nos Estados Unidos por ano ...................... 81

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    LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1.1 Evoluo percentual do gasto em sade e com medicamentos do Ministrio da

    Sade do Brasil ......................................................................................................................... 16

    Grfico 1.2 Medicamentos para o tratamento de doenas raras nos EUA: Designaes e

    Aprovaes ............................................................................................................................... 20

    Grfico 1.3 Medicamentos para o tratamento de doenas raras na EU: Designaes e

    Aprovaes ............................................................................................................................... 21

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    SUMRIO

    1 INTRODUO .................................................................................................................. 11

    2 DOENAS RARAS E DROGAS RFS........................................................................ 24

    2.1 Doenas Raras ................................................................................................................... 24

    2.2 Drogas rfs .................................................................................................................... 35

    2.3 Doenas raras e drogas rfs no Brasil.......................................................................... 472.4 Doenas raras e drogas rfs: aspectos econmicos ...................................................... 50

    2.5 Doenas raras e drogas rfs: relevncia atual............................................................. 53

    3 INCENTIVOS E MECANISMOS DE REGULAO.................................................... 58

    3.1 O Orphan Drug Act nos Estados Unidos e a Regulation EC n 141/2000 na Unio

    Europeia .................................................................................................................................. 583.2 Mecanismos de regulao e incentivos econmicos....................................................... 60

    3.3 Interpretao econmica dos incentivos de regulao.................................................. 82

    4 CONCLUSO ...................................................................................................................... 90

    REFERNCIAS .................................................................................................................... 95

    ANEXO A - Regulation EC No 141/2000...........................................................................102

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    1 INTRODUO

    O objetivo deste trabalho realizar uma reviso terica e emprica da Economia

    das Doenas Raras e das Drogas rfsbuscando analisar as implicaes econmicas destes

    tipos de doenas e dos medicamentos utilizados para trat-las. Atravs de evidncias

    empricas apresentadas na literatura o trabalho pretende identificar qual a magnitude do

    problema, sua importncia atual e descrever os principais incentivos e instrumentos

    governamentais para o desenvolvimento de tratamento medicamentoso.

    As doenas raras so um problema de sade que atinge aproximadamente de 6% a 8%

    da populao da Europa e dos Estados Unidos, equivalente a cerca de 55 milhes de pessoas.

    O grande nmero de diferentes doenas caracterizadas como raras faz com que haja um

    elevado montante de pessoas portadoras de alguma destas patologias. Devido raridade, o

    reduzido mercado consumidor torna difcil, caro e arriscado o desenvolvimento de pesquisas

    que viabilizem a produo de medicamentos para o seu tratamento, fazendo com que esta

    questo passe a ser no apenas um problema de sade pblica, mas tambm um problemaeconmico e social. (HEEMSTRA, 2008b, p. 545).

    A importncia deste trabalho justifica-se pela relevncia cientfica e social que as

    doenas raras e as drogas rfs representam no mundo, uma vez que cada pas possui uma

    abordagem diferente sobre o assunto. A relevncia do tema recebe destaque pela necessidade

    de desenvolver no Brasil uma regulao que defina de forma clara alguns aspectos

    relacionados a doenas raras e incentive o desenvolvimento de tratamentos a partir demedicamentos rfos, com o objetivo de atender a cura, reduo dos sintomas e melhora da

    morbidade dos pacientes. Mesmo sem a pretenso de esgotar o trabalho, buscar-se- destacar

    os aspectos de ordem econmica, abordando questes chaves relacionadas ao tema em seus

    mais diversos aspectos, tais como os incentivos e polticas para a produo deste tipo de

    medicamento.

    O presente trabalho, portanto, tem por finalidade abordar definies e contextualizar o

    assunto doenas raras e drogas rfs a partir de diferentes pontos de vista e apresent-los de

    forma harmnica, coordenada e informativa, destacando as principais implicaes

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    econmicas. Ser utilizado o mtodo de compilao, no qual se procura levantar, compilar e

    criticar ordenadamente a maior parte da bibliografia relacionada, procurando exp-la de modo

    claro e objetivo numa viso abrangente sobre o tema em seus mais distintos aspectos (ECO,

    2008). O estudo no pretende comprovar qualquer teoria ou apresentar uma abordagem

    indita ou original, to pouco causar qualquer tipo de ruptura no paradigma atual, pretende-se

    apenas compilar uma srie de estudos anteriorescom o propsito de definir a magnitude do

    problema do ponto de vista econmico, ver como a economia pode contribuir para o

    entendimento do tema e analisar as polticas pblicas relacionadas.

    Segundo a Organizao Mundial da Sade (OMS), sade definida como um estado

    de completo bem-estar fsico, mental e social e no constitudo somente da ausncia de uma

    doena ou enfermidade (WHO, 2003, traduo nossa).

    Na maioria dos Estados democrticos, o direito sade constitucionalmente

    assegurado, sendo atribuio do governo garantir o acesso igualitrio populao1. O direito

    de proteo sade considerado um dos princpios fundamentais dos Estados modernos.

    O artigo 25.1 da Declarao Universal dos Direitos Humanos prev, por exemplo, quecada cidado tem direito sade e assistncia mdica. Assim, cabe ao governo assegurar

    condies para o desenvolvimento de um tratamento efetivo para os pacientes, atravs de

    medidas que garantam a avaliao segura de novas drogas, bem como seu fornecimento e

    distribuio junto ao mercado. O governo, como garantidor da ordem social, tem o papel de

    administrar o conflito entre os interesses econmicos e os interesses de mdicos, pacientes e

    as instituies de financiamento, a fim de estabelecer medidas que garantam os direitos

    fundamentais dos indivduos. Para isso, decises das autoridades devem ser tomadas nointuito de zelar pela sade pblica sem conflitar com os interesses dos demais agentes, como a

    indstria farmacutica e os profissionais da sade. (LAVANDEIRA, 2002, p. 194).

    No Brasil o artigo 196 da Constituio Federal afirma que a sade direito de todos e

    dever do Estado, garantido mediante polticas sociais e econmicas que visem reduo do

    risco de doena e de outros agravos e ao acesso universal igualitrio s aes e servios para

    sua promoo, proteo e recuperao (BRASIL, 2010b). Portanto, est expressamente

    1Vanssay, X. et al. (1994).

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    institudo pela constituio que papel do Estado brasileiro prover a populao com

    assistncia sade e que isto deve ser realizado atravs de medidas tanto econmicas quanto

    sociais, no podendo haver qualquer forma de discriminao ou favorecimento a um

    determinado setor ou classe social.

    Para contextualizar a questo das doenas raras quanto aos aspectos econmicos e de

    sade pblica, sero apresentados alguns fatos estilizados relacionados ao assunto abordado, a

    fim de ilustrar de forma mais clara a dimenso do problema:

    a) Fato 1: Aumento nos gastos com sade.

    Nas ltimas dcadas, tem-se verificado um aumento dos gastos com sade nos

    principais pases membros da Organizao para Cooperao e Desenvolvimento Econmico

    (OCDE2). Nos Estados Unidos, por exemplo, os gastos com sade como parcela do PIB no

    chegavam a 6% em 1960, o que correspondia a apenas US$ 1,00 gasto no setor de sade a

    cada US$ 20,00 gastos em bens e servios finais na economia. Contudo, esta realidadeapresentou-se bastante modificada em 2006, visto que as estimativas de participao da sade

    no PIB chegaram a 15,9%, o que significa dizer que de cada US$ 7,00 gastos na economia,

    US$ 1,00 foi destinado ao consumo de sade (FOLLAND, 2008, p. 32). Assim, a partir destas

    evidncias, verifica-se que as despesas com sade apresentaram no apenas crescimento

    absoluto, mas tambm crescimento relativo.

    A Tabela 1.1 ilustra a evoluo anual das despesas com sade como percentual do PIBpara os pases membros da OCDE. Ratificando a informao contida em Folland, (2008, p.

    32), verificou-se que praticamente a totalidade dos pases apresentou crescimento relativo nos

    gastos com sade, com destaque para os Estados Unidos, cujo percentual do PIB passou de

    14,3% em 2001 e atingiu 16,0% em 2007. A evoluo mdia dos pases, apesar de bastante

    2OCDEOrganizao para Cooperao e Desenvolvimento Econmico: rene pases comprometidos

    com a democracia e o desenvolvimento da economia de mercado, tendo como objetivos o apoio aodesenvolvimento sustentvel, a elevao do padro de vida da populao, a manuteno da estabilidadefinanceira, o auxlio ao desenvolvimento econmico e do crescimento do comrcio mundial (OECD, 2010,traduo nossa).

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    inferior ao patamar norte-americano, tambm apresentou crescimento significativo, passando

    de 8,1% em 2001 para 9,0% em 2007.

    Tabela 1.1Evoluo das despesas com sade como percentual do PIB.

    Pases Membros 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

    Alemanha 10,4 10,6 10,8 10,6 10,7 10,5 10,4Austrlia 8,4 8,6 8,5 8,8 8,7 8,8 8,9ustria 10,1 10,1 10,3 10,4 10,4 10,2 10,1Blgica 8,7 9,0 10,2 10,5 10,3 10,0 10,2Canad 9,3 9,6 9,8 9,8 9,9 10,0 10,1Coria do Sul 5,2 5,1 5,3 5,3 5,7 6,0 6,3Dinamarca 8,6 8,8 9,3 9,5 9,5 9,6 9,8

    Eslovquia 5,5 5,6 5,8 7,2 7,0 7,3 7,7Espanha 7,2 7,3 8,1 8,2 8,3 8,4 8,5Estados Unidos 14,3 15,1 15,6 15,6 15,7 15,8 16,0Finlndia 7,4 7,8 8,1 8,2 8,5 8,3 8,2Frana 10,2 10,5 10,9 11,0 11,1 11,0 11,0Grcia 8,8 9,1 9,0 8,7 9,4 9,5 9,6Holanda 8,3 8,9 9,8 10,0 9,8 9,7 9,8Hungria 7,2 7,6 8,3 8,0 8,3 8,1 7,4Inglaterra 7,3 7,6 7,8 8,1 8,2 8,5 8,4Irlanda 6,9 7,1 7,3 7,5 7,3 7,1 7,6

    Islndia 9,3 10,2 10,4 9,9 9,4 9,1 9,3Itlia 8,2 8,3 8,3 8,7 8,9 9,0 8,7Japo 7,9 8,0 8,1 8,0 8,2 8,1 ..Luxemburgo 6,4 6,8 7,5 8,1 7,7 7,3 ..Mxico 5,4 5,6 5,8 5,8 5,8 5,8 5,9

    Noruega 8,8 9,8 10,0 9,7 9,1 8,6 8,9Nova Zelndia 7,8 8,2 8,0 8,4 8,8 9,2 9,0Polnia 5,9 6,3 6,2 6,2 6,2 6,2 6,4Portugal 8,8 9,0 9,7 10,0 10,2 9,9 ..Repblica Tcheca 6,7 7,1 7,4 7,4 7,2 7,0 6,8Sucia 9,0 9,3 9,4 9,2 9,2 9,1 9,1

    Sua 10,6 10,9 11,3 11,3 11,2 10,8 10,8Turquia 5,6 5,9 6,0 5,9 5,7 .. ..OCDE 8,1 8,5 8,8 8,9 8,9 8,9 9,0

    Fonte:OECD (2009a).

    J a Tabela 1.2 apresenta a evoluo anual das despesas per capita com sade a dlares

    norte-americanos correntes para os mesmos pases membros da OCDE. Apenas a Hungria

    teve uma reduo no dispndio per capita com sade, e isto ocorreu apenas em 2007 de forma

    pouco significativa. Todos os demais pases apresentaram aumento, novamente com destaque

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    aos Estados Unidos, onde o gasto por habitante superou os US$ 7.000,00, mais do que o

    dobro apresentado pela mdia da OCDE, ou seja, US$ 3.083,00.

    Tabela 1.2Evoluo das despesas per capita com sade em US$ a preos correntes

    e Paridade Poder de Compra (PPP) para os pases da OCDE (2000 a 2007).

    2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

    Alemanha 2 671 2 808 2 937 3 088 3 160 3 348 3 464 3 588Austrlia 2 263 2 383 2 558 2 664 2 870 2 979 3 167 3 357ustria 2 824 2 874 3 057 3 200 3 392 3 472 3 608 3 763Blgica 2 377 2 484 2 685 3 059 3 272 3 301 3 356 3 595Canad 2 516 2 734 2 876 3 066 3 220 3 464 3 696 3 895

    Coria do Sul 809 951 997 1 068 1 155 1 296 1 491 1 688Dinamarca 2 378 2 521 2 696 2 832 3 055 3 152 3 357 3 512Eslovquia 603 665 730 792 1 058 1 139 1 322 1 555Espanha 1 536 1 636 1 745 2 017 2 126 2 267 2 466 2 671Estados Unidos 4 704 5 053 5 453 5 851 6 194 6 558 6 933 7 290Finlndia 1 853 1 967 2 144 2 254 2 459 2 590 2 709 2 840Frana 2 542 2 718 2 922 2 985 3 115 3 303 3 423 3 601Grcia 1 449 1 755 1 965 2 029 2 092 2 352 2 547 2 727Holanda 2 337 2 555 2 833 3 099 3 310 3 450 3 611 3 837Hungria 852 970 1 114 1 284 1 305 1 411 1 457 1 388Inglaterra 1 833 2 003 2 190 2 324 2 557 2 693 2 885 2 992

    Irlanda 1 805 2 128 2 367 2 521 2 753 2 831 3 001 3 424Islndia 2 736 2 845 3 156 3 196 3 335 3 304 3 207 3 319Itlia 2 052 2 214 2 223 2 271 2 399 2 536 2 673 2 686Japo 1 967 2 080 2 137 2 224 2 337 2 474 2 581 ..Luxemburgo 2 553 2 737 3 081 3 580 4 080 4 021 4 162 ..Mxico 508 551 584 629 670 724 777 823

    Noruega 3 039 3 265 3 629 3 837 4 079 4 301 4 507 4 763Nova Zelndia 1 605 1 708 1 842 1 846 2 043 2 180 2 398 2 454Polnia 583 642 733 748 808 857 920 1 035Portugal 1 509 1 568 1 657 1 823 1 912 2 098 2 150 ..

    Repblica Tcheca 980 1 082 1 195 1 339 1 422 1 477 1 535 1 626Sucia 2 283 2 508 2 697 2 829 2 950 2 958 3 124 3 323Sua 3 217 3 428 3 673 3 779 3 938 4 015 4 165 4 417Turquia 432 456 483 502 576 618 .. ..OCDE 1 961 2 110 2 279 2 425 2 588 2 706 2 920 3 083

    Fonte:OECD (2009b).

    O Brasil, apesar de possuir um comportamento caracterstico e um pouco divergente

    dos pases membros da OCDE, tambm apresentou crescimento nos gastos totais com sade,

    principalmente em decorrncia do aumento das despesas com medicamentos.

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    16

    O Grfico 1.1 mostra a evoluo percentual dos gastos totais com sade e dos gastos

    totais com medicamentos no Brasil at 2006, em relao ao ano de 2002. Pde-se verificar

    que os gastos totais com sade no perodo analisado tiveram um acrscimo de apenas 9,64%,

    sendo que em 2003 houve uma significativa queda no dispndio com sade. Por outro lado, o

    comportamento das despesas com medicamentos cresceu ainda mais acelerado, sendo em

    2006 apresentou-se 123,90% superior ao montante apresentado inicialmente.

    0,00

    16,36

    66,07

    78,05

    123,90

    0,00

    -12,21

    -1,80 2,009,64

    -20

    0

    20

    40

    60

    80

    100

    120

    140

    2002 2003 2004 2005 2006

    Ano

    %Crescimento

    Medicamentos Sade

    Grfico 1.1Evoluo percentual do gasto em sade e com medicamentos do Ministrio da Sade do

    Brasil

    Fonte:Vieira e Mendes (2007, p. 11).

    A partir dos dados analisados foi possvel constatar uma tendncia mundial deaumento dos gastos com sade. Alm disso, para os pases membros da OCDE pode-se,

    inclusive, verificar que houve crescimento relativo destes gastos, indicando que a participao

    do setor de sade na economia destes pases tem aumentado.

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    17

    b) Fato 2: O critrio de prevalncia diferente entre os pases.

    No existe definio nica para uma doena rara, contudo, a maioria das legislaes

    vigentes utiliza o critrio de prevalncia3, ou seja, baseada no nmero de casos de

    determinada doena para cada 100.000 habitantes. Na Tabela 1.3 possvel verificar o critrio

    para cada pas, bem como a lei que o instituiu.

    Tabela 1.3Definio de doena rara segundo o critrio de prevalncia.

    Pases

    Prevalncia

    em 100.000 Origem da Designao

    Estados Unidos 66 Orphan Drug Act1983

    Unio Europeia 50 Regulation EC n141/2000

    Japo 40 Orphan Drug Act1993

    Austrlia 11 Orphan Drug Program1997

    Sucia 10 Swedish National Board of Halth and Welfare

    Frana 50 Regulation EC n 141/2000

    Holanda 50 RegulationEC n 141/2000

    OMS 65 Organizao Mundial da Sade

    Fonte: Denis, (2009, p.10).

    Pode-se verificar que as legislaes, nos diversos pases apresentados, foraminstitudas ao longo dos ltimos 30 anos, sendo o caso norte-americano pioneiro, datado do

    incio da dcada de 1980. Isso evidencia que este tema passou a ser tratado recentemente, no

    sendo, at ento, o foco das polticas pblicas. Alm disto, a inexistncia de uma definio

    nica quanto prevalncia implica no poder estimar ao certo qual o nmero total de doenas

    no mundo, visto que os critrios diferem de pas para pas. Portando, no h consenso quanto

    ao nmero total de doenas consideradas como raras..

    3 Prevalncia: mede a proporo de pessoas numa dada populao que apresentam uma especficadoena ou atributo, em um determinado ponto no tempo. No clculo daprevalncia o numerador abrange o totalde pessoas que se apresentam doentes num perodo determinado (casos novos acrescidos dos j existentes). Porsua vez, o denominador a populao da comunidade no mesmo perodo.

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    c) Fato 3: Apesar de a doena ser rara, o nmero total de doenas com estas

    caractersticas elevado.

    Dados do National Institutes of Health (NIH) e do Office of Rare Diseases (ORD)

    apresentados em Vasquez (2008, p.2) destacaram a existncia de 6.819 doenas raras

    registradas nos Estados Unidos em janeiro de 2008, afetando cerca de 25 milhes de cidados

    norte-americanos. Segundo este estudo, h evidncias de que 250 novas doenas so

    catalogadas por ano no pas.

    Garau e Ferrandiz (2009, p. 2) estimaram que existem entre 5.000 e 8.000 doenasraras distintas nos 27 pases da Unio Europeia, atingindo de 6% a 8% da populao total da

    regio, o que corresponde a aproximadamente 36 milhes de pessoas.

    Ratificando esta informao, dados da Eurordis evidenciaram que, apesar de

    apresentarem uma prevalncia individualmente baixa, o elevado nmero de doenas raras faz

    com que o montante total de pacientes seja bastante significativo. Segundo a entidade, cerca

    de 30 milhes de pessoas so portadoras de uma doena rara nos 27 pases da UnioEuropeia, o que corresponde a um percentual entre 6% a 8% total de habitantes. Para ilustrar

    a gravidade da situao, o montante equivalente soma das populaes da Holanda, Blgica

    e Luxemburgo. (EURORDIS, 2005, p. 3).

    Heemstra (2008b, p. 545) mostraram a existncia de mais de 55 milhes de pessoas

    portadoras de alguma doena rara na Europa e nos Estados Unidos. Estas pessoas sofrem por

    no haver, na grande maioria dos casos, tratamentos disponveis. Por outro lado, o alto custode desenvolvimento de medicamentos para o tratamento destas doenas, agravado pela

    dificuldade de conduzir ensaios clnicos numa populao extremamente pequena de pacientes,

    evidenciaram que o assunto pode ser caracterizado como um problema de sade pblica

    (BUCKLEY, 2008; SOUZA et al., 2007).

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    d) Fato 4: No apenas o doente que sofre com uma doena rara

    No que diz respeito a doenas raras identificadas na Unio Europeia, a Direo Geral

    da Sade de Portugal informa que:

    (...) cerca de 80% tm natureza gentica. Em cada semana, estima -se que sejam

    descritas cinco novas doenas a nvel mundial. A maioria delas ( 65%) tem uma

    expresso clnica grave e incapacitante, tem aparecimento precoce (66% antes dos

    dois anos de idade), causadora de dor aguda, intensa e crnica (um em cada cinco

    doentes) e associa deficincia motora, sensorial ou intelectual (50% dos casos, 33%

    dos quais com um grau de incapacidade que reduz a autonomia). O prognstico ,

    em geral, desfavorvel, sendo as doenas raras responsveis por 35% da mortalidade

    antes da idade de 1 ano, 10% entre os 1 e 5 anos e 12% entre os 5 e os 15 anos.

    (PORTUGAL, 2008, p. 3).

    Estes dados alertam para o impacto que as doenas raras causam na sociedade como

    um todo. O relatrio da Eurordis (2005, p. 4) destaca um aspecto chamado paradox of

    rarity4segundo o qual (...) even though the diseases are rare, rare diseases patientes are

    many.5 Isto no significa dizer que seja comum ser portador de uma doena rara, ou ser

    afetado por ela. Na verdade, o que ocorre que a famlia do paciente acaba sendo afetada, de

    uma ou de outra maneira. Por tratar-se de doenas de cunho gentico, comum encontrar

    algum caso em antepassados, assim como ser comum que alguma gerao vindoura

    apresente tais transtornos.

    e) Fato 5: Incremento na produo de medicamentos para o tratamento de doenas

    raras.

    Vasquez et al. (2008, p. 3) apresentaram dados para produo de medicamentos nos

    Estados Unidos. Entre 1967 e 1983, estimou-se que 58 novas drogas foram desenvolvidas

    para o tratamento das doenas de baixa prevalncia. J entre 1983 e 2007, perodo no qual

    4Traduo: paradoxo da raridade.5Traduo: (...) ainda que as doenas seja raras, pacientes destas doenas so muitos.

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    20

    entrou em vigor o Orphan Drug Act (ODA),aFood and Drugs Administration(FDA) listou

    1793 produtos em fase de desenvolvimento com a designao para este fim e 322

    medicamentos aprovados para comercializao, proporcionando uma alternativa para o

    tratamento de 238 doenas diferentes.

    0

    15

    30

    45

    60

    75

    90

    105

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    1982

    1983

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    1985

    1986

    1987

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    1990

    1991

    1992

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    1997

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    1999

    2000

    2001

    2002

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    2004

    2005

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    Ano

    NmerodeDes

    ignaes

    0

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    10

    15

    20

    25

    NmerodeAprovaes

    Designaes Aprovaes

    Grfico 1.2 Medicamentos para o tratamento de doenas raras nos EUA: Designaes e

    Aprovaes.

    Fonte:Adaptao de Vasquez et al. (2008, p. 3)

    O Grfico 1.2 evidencia o fato de que a partir de 1983 ocorreu um incremento na

    produo de medicamentos para o tratamento de doenas raras. Os dados anteriores a este ano

    equivalem a estimativas, no havendo disponibilidade de dados seguros para anlise. Por esta

    razo, partiu-se do princpio de que no perodo de 16 anos, compreendido pelos anos de 1967

    a 1983, foram desenvolvidas, em mdia, 3,625 designaes/aprovaes por ano. Desta forma,

    o ano de 1982 representa a mdia do perodo exatamente anterior a 1983, evidenciando o

    comportamento das variveis a partir desta data. Percebe-se, a partir do grfico, que a

    tendncia de crescimento tanto das designaes quanto das aprovaes para

    comercializao, indicando que aspectos legais e institucionais tm efeitos significativossobre o desenvolvimento e a comercializao de drogas para doenas raras.

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    Dados para o desenvolvimento de tratamento para doenas raras na Unio Europeia

    foram apresentados por Airey (2008, p. 10) e indicaram que at o ano 2000 nenhum

    medicamento havia sido designado para o tratamento de doenas de baixa prevalncia pela

    European Agency for the Evaluation of Medicinal Products (EMEA). J nos anos

    compreendidos pelo perodo 2000 a 2007, perodo no qual entrou em vigor a Regulation EC

    n 141/2000, ocorreu um incremento tanto nas designaes quanto nas aprovaes para a

    comercializao de medicamentos para o tratamento destas condies.

    0

    10

    20

    30

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    2000

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    2005

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    Ano

    N

    merodeDesignaes

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    14

    NmerodeAprovaes

    Designaes Aprovaes

    Grfico 1.3Medicamentos para o tratamento de doenas raras na EU: Designaes e Aprovaes.

    Fonte:Adaptao de Airey (2008, p. 10).

    Destaca-se que no ano 2000, ano que iniciou a vigncia da regulao, a Comunidade

    Europeia, apesar de aprovar designaes, no autorizou a comercializao de medicamentos

    para o tratamento das doenas raras. No Grfico 1.3 possvel observar a tendncia de

    crescimento, tanto no comportamento do nmero de designaes quanto no comportamento

    do nmero de aprovaes para comercializao, que no perodo totalizaram 526 e 44,

    respectivamente.

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    A partir dos fatos apresentados, pode-se chegar a algumas concluses preliminares

    capazes de ratificar a justificativa deste trabalho. Analisando o primeiro fato, ficou

    caracterizado que a participao do segmento sade nos gastos nacionais vem nos pases

    membros da OCDE, permitindo, portanto, observar que houve uma elevao da importncia

    relativa da sade. No Brasil observou-se um aumento significativo nos gastos com

    medicamentos.

    O segundo fato foi capaz de evidenciar a inexistncia de uma definio nica para uma

    doena rara e de introduzir o aspecto da relevncia social. A dificuldade em questo que,

    no havendo um consenso quanto definio de doena rara, improvvel que se possam

    adotar polticas pblicas coesas e eficientes para resolver o problema.

    Os fatos trs e quatro destacaram aspectos relacionados a problemas de sade pblica.

    Apesar de individualmente raras, essas doenas so muito numerosas, o que faz com que o

    montante total de pessoas atingidas seja elevado. Associado a isto, pelas caractersticas

    intrnsecas dessas doenas, os familiares acabam sofrendo consequncias dos sintomas,

    aumentando o custo social e os impactos da mesma. Por fim, o quinto fato mostrou que j

    esto em andamento na Europa e nos Estados Unidos polticas para as doenas raras quepossibilitaram alternativas viveis para os pacientes e seus familiares.

    Diante deste contexto, no decorrer do trabalho buscar-se- responder de forma

    sistemtica algumas questes sobre as doenas raras utilizando uma abordagem econmica:

    a) Como so definidas as doenas raras e quais as implicaes disto para a

    formulao de polticas pblicas?b) Por que as doenas raras so consideradas um problema de sade pblica?

    c) O que so drogas rfs? Por que produz-las?

    d) Quais os incentivos econmicos para sua produo?

    e) Quais so os efeitos e implicaes das legislaes vigentes, em especial o Orphan

    Drug Act(ODA) de 1983 nos Estados Unidos e a Resolution EC n 141/2000na

    Unio Europeia? Elas tm sido efetivas?

    Para isso, alm desta introduo, o presente trabalho ser composto por mais trs

    captulos. O primeiro deles apresentar a definio de doenas raras e drogas rfs, bem como

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    as principais implicaes econmicas e sociais relacionadas que fazem necessria uma

    interveno governamental neste mercado. Uma seo ser destinada a apresentar a questo

    das doenas raras e drogas rfs no Brasil e outra para os aspectos econmicos de avaliao

    de tecnologias em sade, assunto intimamente relacionada a avaliao de medicamentos

    rfos. Por fim, ser discutida a relevncia atual da questo das doenas raras a partir da

    abordagem dada ao tema em pases que possuam uma legislao especfica sobre o assunto.

    O terceiro captulo abordar os incentivos e os mecanismos de regulao, em especial

    o ODA de 1983 nos Estados Unidos e a EC Regulation N 141/2000 na Unio Europeia. Em

    um primeiro momento ser realizada uma pequena anlise histrica para compreender os fatos

    que deram origem a este tipo de legislao, bem como analisar quais so as iniciativassemelhantes que vem sendo implementadas no mundo. A partir da, ser realizada uma anlise

    especfica do ODA e da EC Regulation n 141/2000apresentando os principais mecanismos

    de regulao para, em seguida, verificar de que forma tais incentivos interferem na deciso

    das indstrias em investir no desenvolvimento de medicamentos para as doenas raras.

    Para finalizar, a concluso apresentar as consideraes finais do estudo, tendo como

    base os argumentos e informaes discorridas ao longo do trabalho. Como j foi destacadoanteriormente, no se pretende com este trabalho esgotar o assunto, mas sim, incentivar o

    aprofundamento da discusso sobre o tema estudado.

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    2 DOENAS RARAS E DROGAS RFS

    O objetivo deste captulo ser definir o conceito de doenas raras e de drogas rfs e

    analisar as suas principais implicaes. Para isso, primeiramente, sero apresentados os

    critrios epidemiolgicos utilizados para a definio de uma doena rara, bem como as

    instituies legais que deram origem as mais variadas denominaes. Alm disto, a fim de

    relacionar estes aspectos com a relevncia do tema, sero levantadas as principais implicaes

    destas doenas. Em seguida, ser abordado o desenvolvimento de produtos destinados ao

    tratamento das doenas raras, os chamados medicamentos rfos, a partir da perspectivaepidemiolgica e econmica. A terceira seo tratar da questo das doenas raras e drogas

    rfs no Brasil. Posteriormente, haver um tpico no qual ser introduzida a questo

    econmica relativa a drogas rfs, bem como alguns aspectos bsicos relacionados

    avaliao de tecnologias em sade. A ltima seo ser reservada para destacar a relevncia

    atual do problema a partir de trabalhos que discutem o caso das doenas raras em pases como

    Estados Unidos, Canad e na Unio Europeia para, finalmente, apresentar algumas discusses

    e crticas relacionadas ao acesso aos medicamentos rfos.

    2.1 Doenas Raras

    Nesta seo pretende-se apresentar a definio de doena rara a partir da perspectiva

    de vrios autores, bem como suas principais implicaes. Ser realizada uma reviso dosprincipais conceitos contidos na literatura analisada a fim de contextualizar tais aspectos a

    fatores de ordem econmica e social. Como j citado anteriormente, no existe uma definio

    nica para o termo e nem mesmo a Organizao Mundial da Sade foi capaz de instituir um

    significado nico a ser adotado por seus pases membros, contudo, de forma ampla,

    considerada rara toda condio anormal, dano ou alterao no estado de sade que no

    comum, ou seja, que no ocorre com frequncia.

    Castell et al. (2000, p. 141) apresentaram uma definio bastante intuitiva sobre o

    que vem a ser uma doena rara. Segundo eles (...) a rare disease is a rare medical condition

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    that affects fewer than one in a thousand people; diagnosis is difficult and no methods of

    prevention or treatment exist.1

    Os autores mostraram que foi identificado um elevado nmero de diferentes doenas

    raras no mundo, das quais cerca de 80% teriam origem gentica, geralmente so mal

    diagnosticadas ou, em muitos casos, nem mesmo chegam a ter diagnstico. Por atingir uma

    pequena parcela da populao, estas doenas no recebem a devida ateno dos agentes

    pblicos. A indstria farmacutica apresenta extrema relutncia para desenvolver

    medicamentos para estas doenas. Segundo Castell et al. (2000, p. 141) (...) the market is so

    small that investment in research and devolopment is not productive and consequently there is

    no incentive to bring such drugs to the market.2

    Doena rara, tambm chamada doena rf, o termo que identifica uma doena que

    ocorre com baixa frequncia na populao em geral.

    Rare diseases are characterised by their low prevalence (less than 1/2,000) and theirheterogeneity. They affect both children and adults anywhere in the world. Becauserare disease patients are a minority, there is a lack of public awareness; thesediseases do not represent a public health priority, and little research is performed.

    The market is so narrow for each disease that the pharmaceutical industry is reticentto invest in research and to develop treatments for rare diseases. There is therefore aneed for economic regulation, such as national incentives, as rovided for in the ECOrphan Drug Regulation.3 EUROPEAN ORGANISATION FOR RAREDISEASES (EURORDIS, 2005, p. 6).

    Devido a sua raridade, estas doenas so extremamente difceis de serem

    diagnosticadas, alm disto, caracterizam-se por serem graves, crnicas, degenerativas,

    progressivas, constiturem risco de morte e necessitam de um tratamento contnuo (BOY e

    SCHRAMM, 2009). Por esta razo, tanto o paciente quanto seus familiares acabam setornando social, econmica e psicologicamente vulnerveis, tendo que enfrentar o

    preconceito, a marginalizao e a falta de um tratamento adequado. (SOUZA et al., 2007).

    1Traduo: uma doena rara uma rara condio mdica que afeta menos de uma a cada mil pessoas;seu diagnstico difcil e no existem mtodos de preveno ou tratamento.

    2 Traduo: o mercado to pequeno que investimentos em pesquisa e desenvolvimento no solucrativos e, conseqentemente, no h incentivos para trazer estas drogas para este mercado.

    3 Traduo: "Doenas raras so caracterizadas por sua baixa prevalncia (menos de 1/2.000) e suaheterogeneidade. Elas afetam tanto adultos quanto crianas em qualquer lugar no mundo. Visto que pacientescom doenas raras so uma minoria, h uma carncia de recursos pblicos; estas doenas no representam uma

    prioridade de sade pblica, e poucas pesquisas so realizadas. O mercado to restrito para estas doenas que aindstria farmacutica reticente para investir em pesquisa e para desenvolver tratamentos para doenas raras.H ento uma necessidade de regulao econmica, atravs de incentivos nacionais, como prope a EC OrphanDrug Regulation.

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    Lavandeira (2002, p. 195) definiu como rara aquela doena que constitui um problema

    de sade cuja origem pode ser a mais diversa, apresentando-se na maioria dos casos de forma

    incomum e com baixa frequncia na populao. De modo geral no possuem um tratamento

    disponvel para cura ou controle dos sintomas. Destaca-se a baixa frequncia com que cada

    tipo de doena ocorre, visto ser este o principal critrio de discriminao utilizado para sua

    definio. Alguns indivduos sofrem de doenas muito raras ou ultra-raras, fazendo com que

    seus respectivos familiares apresentem alguns problemas de ordem social, encontrando-se

    geralmente isoladas e vulnerveis, sendo vtimas de preconceito por parte da comunidade em

    geral. Tanto o nmero total de doenas quanto o nmero total de pacientes varia de acordo

    com a definio utilizada, razo pela qual existem diferentes maneiras de quantificar os casos.Segundo o autor, cabe ao Estado intervir no mercado de maneira a garantir a disponibilidade

    de tratamentos com qualidade, segurana e eficcia.

    A Eurordis4 (2010a) destacou que o nmero total de doenas raras pode chegar a

    8.000, dependendo do critrio utilizado para sua denominao. Cerca de 50% da incidncia5

    ocorre em crianas e aproximadamente 80% so de origem gentica, sendo o restante

    resultante de infeces virais ou bacterianas, ou at mesmo originrias de alergias ou causasambientais. Em geral so crnicas, progressivas, degenerativas e apresentam risco de morte,

    causando perda considervel na qualidade de vida ao paciente.

    Segundo a Orphanet6(2010a) h registros da existncia de 6.000 a 7.000 doenas raras

    e aproximadamente cinco novas doenas so descritas na literatura mdica a cada semana.

    So em sua maioria causada por disfunes genticas, mas tambm podem ser ter origem

    infecciosa, como as doenas auto-imunes, ou atravs de contato com material txico.

    4 Eurordis (Organizao Europia para Doenas Raras): uma organizao no-governamental

    organizada por pacientes e indivduos ativos na rea das doenas raras. Tem o objetivo de melhorar a qualidadede vida de todas as pessoas que vivem com doenas raras na Europa (EURORDIS, 2010b).

    5 Incidncia: expressa o nmero de casos novos de uma determinada doena durante um perodo detempo definido, numa populao sob o risco de desenvolver a doena.

    6 Orphanet (Base de Dados de Doenas Raras e Medicamentos rfos): um banco de dados deinformao sobre doenas raras e medicamentos rfos para todos os pblicos. Seu objetivo contribuir para amelhoria do diagnstico, cuidados e tratamento de pacientes com doenas raras (Orphanet, 2010b, traduonossa).

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    J aNational Organization for Rare Disorders7(NORD, 2010)considera a existncia

    de pelo menos 6.000 doenas raras nos Estados Unidos. Segundo a instituio, que fornece

    apoio e informaes aos pacientes, cerca de 25 milhes de norte-americanos seriam afetados

    por alguma dessas doenas.

    Dando destaque inexistncia de uma definio nica para doena rara, Hughes;

    Tunnage e Yeo (2005, p. 829) apresentaram dois grupos distintos de doenas de baixa

    prevalncia. O primeiro grupo seria constitudo pelas doenas raras, que nos Estados Unidos,

    Unio Europeia e Japo corresponderam, respectivamente, quelas com 7, 5 e 2,5 casos para

    cada 10.000 habitantes. O segundo grupo seria o das doenas ultra-raras, descritas de acordo

    com o critrio estabelecido na Inglaterra como doenas que apresentaram uma prevalnciainferior a 1 caso para cada 50.000 indivduos.

    Uma vez estabelecido o critrio de prevalncia, Brasil (2010a) defendeu que a

    nomenclatura correta para esse tipo de patologia seria doena rf ou doena negligenciada.

    Isto porque a indstria farmacutica no tem incentivos econmicos para desenvolver

    medicamentos para ao tratamento de doenas de baixa prevalncia devido, principalmente, ao

    custo elevado de produo ocasionado pelo mercado consumidor restrito e pela dificuldade deencontrar um nmero grande o suficiente de pacientes para realizar ensaios clnicos. Assim, o

    fato de no haver um tratamento disponvel ou no haver nem mesmo interesse por parte da

    indstria de investir em pesquisa para seu desenvolvimento do a este tipo de doena a

    alcunha de rf. Esta nomenclatura, apesar de menos utilizada, pode ser considerada como a

    designao estabelecida pelo critrio econmico de classificao da doena, visto que

    considera apenas os aspectos relacionados impossibilidade de gerao de lucro com o

    desenvolvimento destes medicamentos. Por fim, todas aquelas doenas que no recebemateno ou esto esquecidas por parte das instituies de pesquisa, sem uma busca efetiva por

    novos tratamentos, tambm so chamadas de rfs.

    Em geral, uma doena considerada rf quando constitui em uma alterao incomum

    no estado de sade e se apresenta com baixa frequncia em uma dada populao. Denis et al.

    (2009, p. 9) buscaram responder quando uma doena pode ser chamada rara. Sendo assim, a

    7NORD (Organizao Nacional para Doenas Raras): uma organizao norte-americana de sadepblica voluntria dedicada a ajudar pessoas com doenas rfs ou raras. Est comprometida com a

    identificao, tratamento e cura destas doenas atravs de programas voltadas para a educao, defesa e

    pesquisa(NORD, 2010, traduo nossa).

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    principal caracterstica que as difere das demais doenas a sua baixa prevalncia,

    representada pela existncia de uma quantidade reduzida de casos a cada 100.000 habitantes.

    De forma ampla, dependendo da legislao vigente no pas, uma doena considerada rara

    quando sua prevalncia de 11 a 66 casos a cada 100.000 pessoas. Apesar da raridade,

    algumas doenas costumam ser mais comum do que outras, fazendo com que haja uma

    diferena entre doenas raras e doenas ultra-raras, que geralmente so aquelas que atingem

    menos de 10.000 pessoas em uma populao de 300 milhes de indivduos, o que

    corresponderia a 3 casos a cada 100.000 indivduos. Na Inglaterra, por exemplo, ficou

    definido como ultra-rara uma doena que apresenta menos 2 casos a cada 100.000 habitantes

    (HUGHES; TUNNAGE E YEO, 2005, p. 829).

    Parte da bibliografia analisada utilizou a definio de doena rara de acordo com o

    critrio estabelecido pela legislao comum da Unio Europeia e a legislao norte-

    americana.

    A Regulation EC n 141/2000 o marco legal europeu que define o conceito de

    doena rara utilizando apenas o critrio de prevalncia. A Tabela 2.1 apresenta estes dados

    para os pases da regio, considerando rara toda a doena que atinge at 50 em cada 100.000cidados. Em termos absolutos, esta proporo corresponde a 250.000 casos em todo o

    territrio do bloco. J o ODA nos Estados Unidos, utiliza ambos os critrios, tanto o de

    prevalncia quanto o critrio alternativo, definindo como rara toda a doena que atinge at 66

    indivduos a cada 100.000 ou aquela que atinge at 200.000 cidados norte-americanos no

    territrio nacional.

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    Tabela 2.1Definio de doena rara pelo critrio de prevalncia e

    critrio alternativo por pas

    Pases Prevalncia Alternativo Origem da definiopor 100.000 N total

    Alemanha 50 --- Regulation ECn141/2000Austrlia 11 2.000 casos Orphan Drug Program 1997ustria 50 --- Regulation ECn141/2000Blgica 50 --- Regulation ECn141/2000Bulgria 50 --- Regulation ECn141/2000Chipre 50 --- Regulation ECn141/2000Crocia 50 --- Regulation ECn141/2000

    Dinamarca --- 500 casos National Board of HealthEslovquia 50 --- Regulation ECn141/2000Eslovnia 50 --- Regulation ECn141/2000Espanha 50 --- Regulation ECn141/2000

    Estados Unidos 66 200.000 casos Orphan Drug Act1983Estnia 50 --- Regulation ECn141/2000

    Finlndia 10 --- Regulation ECn141/2000Frana 50 --- Regulation ECn141/2000Grcia 50 --- Regulation ECn141/2000

    Holanda 50 --- Regulation ECn141/2000

    Hungria 50 --- Regulation ECn141/2000Inglaterra 2 1.000 casos National Commissioning Group

    Irlanda 50 --- Regulation ECn141/2000Itlia 50 --- Regulation ECn141/2000Japo 40 50.000 casos Orphan Drug Act1993

    Letnia 50 --- Regulation ECn141/2000Litunia 50 --- Regulation ECn141/2000

    Luxemburgo 50 --- Regulation ECn141/2000Malta 50 --- Regulation ECn141/2000

    Noruega 10 500 casos Norwegan Directorate of HealthPolnia 50 --- Regulation ECn141/2000Portugal 50 --- Regulation ECn141/2000Romnia 50 --- Regulation ECn141/2000Sucia 10 --- National Board of HealthSua 50 --- Regulation ECn141/2000

    Repblica Tcheca 50 --- Regulation ECn141/2000Turquia 1 --- Ministry of Health

    Unio Europeia 50 --- Regulation ECn141/2000

    Fonte: Adaptao de European Union Committee of Experts on Rare Disease (2009, p. 35-137).

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    A partir dos dados da tabela, pode-se verificar que, assim como os Estados Unidos,

    outros pases adotam o critrio de prevalncia somado a um critrio alternativo, constitudo

    pelo nmero total de casos no territrio nacional. Como exemplo, pode ser citado o caso da

    Austrlia, que alm do critrio de prevalncia considera rf as doenas que apresentam

    menos de 2.000 casos na populao. Estados Unidos, Inglaterra, Japo e Noruega tambm

    utilizam um critrio alternativo de designao, considerando rara a doena que atinge

    respectivamente um total de 200.000, 1.000, 50.000 e 500 casos na populao em geral. Por

    outro lado, a Dinamarca no utiliza a prevalncia para designar a raridade de uma doena

    sendo o nico pas listado no qual utilizado apenas o critrio alternativo. Segundo o

    National Board of Health do pas so considerados raros os casos que atingem at 500

    cidados dinamarqueses (EUROPEAN UNION COMMITTEE OF EXPERTS ON RAREDISEASE, 2009, p. 51).

    A diversidade de critrios de definio de doena rara tornou-se uma dificuldade para

    desenvolvimento de benefcios comuns para os pacientes. Para ilustrar de forma clara a

    existncia de problemas que decorrem dos diferentes critrios de definio, o Ministrio da

    Sade da Turquia considera rara aquela doena que atinge a prevalncia correspondente a

    menos de 1 indivduo a cada 100.000. Segundo os padres ingleses, por exemplo, istocorresponderia a uma doena ultra-rara, podendo estar sujeita, naquele pas, a outro tipo de

    legislao ou polticas de incentivos. Este aspecto faz com que seja muito difcil desenvolver

    polticas conjuntas para combate e preveno das doenas raras. Para reduzir a incerteza

    quando a definio, alguns pases de bloco europeu que ainda utilizam um critrio prprio

    esto aderindo gradualmente ao estabelecido pela regulao n141/2000, como pretende a

    Dinamarca a partir de 2009. (EUROPEAN UNION COMMITTEE OF EXPERTS ON RARE

    DISEASE, 2009, p. 51; 122; 135).

    Portanto, as doenas raras apresentam uma base de pacientes to pequena que a grande

    parte das companhias farmacuticas e institutos de pesquisa tm dificuldade para realizar os

    testes para conhecer de forma mais aprofundada os fatores de causa e efeito das doenas, ou,

    at mesmo, realizar ensaios clnicos para comprovar o funcionamento de um medicamento

    sendo este um fator determinante para aprovao e posterior lanamento do produto no

    mercado. Estes aspectos resultam numa barreira para as evidncias cientficas, que implicam

    dificuldades na gerao de uma poltica de sade pblica apropriada. Uma provvel soluo

    para este problema seria desenvolver acordos de cooperao internacional para pesquisas

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    cientficas, que proporcionaria um aumento do nmero de indivduos e maior interao entre a

    comunidade cientfica (WSTFELT et al., 2006). Contudo, o fato de no haver uma definio

    nica para doena rara dificulta a realizao de eventuais acordos de cooperao, uma vez

    que, em alguns pases uma doena pode estar sendo tratada como rara, enquanto que em

    outros esta mesma doena no designada desta forma.

    Portanto, uma doena considerada rara por apresentar uma prevalncia bastante

    baixa no total da populao de uma determinada regio ou pas. Foram apresentados os mais

    diversos critrios de definio para que fosse possvel gravitar em torno de uma qualificao

    que possa ser considerada padro. Por outro lado, este aspecto evidenciou a inexistncia de

    uma definio nica. A seguir sero verificadas quais as implicaes da raridade da doena noque se refere aos sintomas fsicos e seus aspectos scio-econmicos.

    2.1.1 Doenas raras: principais implicaes

    As doenas raras apresentam uma diversidade de sintomas fsicos que muitas vezesimplicam vulnerabilidades scio-econmicas. Estas caractersticas so comuns na grande

    maioria dos casos. A seguir, cada um destes aspectos ser apresentado de forma sistemtica,

    tendo como base os relatrios da European Medicines Agengy (2007, p. 1-2); Commission of

    the European Communities (2008, p. 1-5); European Organisation for Rare Diseases (2005,

    p.3-8) e Comisso Europeia (2008, p. 2-8). O objetivo ser verificar, a partir dos mais

    diversos pontos de vista, quais so as implicaes das doenas raras.

    a) Especificidade, etiologia8e incidncia da doena.

    Quanto especificidade, as doenas raras apresentam diferentes graus de gravidade e

    expresso. No existem sintomas nicos ou especficos, de forma que estes variam de acordo

    com a etiologia da doena. Contudo, a manifestao das mesmas se d de forma severa a

    8Etiologia: origem ou causas da doena, fatores que contribuem para a sua ocorrncia.

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    muito severa, proporcionando uma reduo significativa da esperana de vida do paciente.

    Portanto, independente dos sintomas apresentados, as doenas raras so em geral

    degenerativas, cronicamente debilitantes e necessitam de tratamento contnuo.

    Como resultado, a maioria dos pacientes acaba impossibilitada de ter uma vida

    normal, pois a manifestao dos casos afeta suas capacidades fsicas, mentais, sensoriais e

    comportamentais. Estes problemas fazem com que o indivduo aumente o seu grau de

    dependncia, geralmente associando as suas aes ao acompanhamento de algum parente ou

    profissional especializado. Por consequncia, seu convvio social tambm acaba sendo

    reduzido e/ou prejudicado.

    Quanto aos fatores que determinam a sua ocorrncia, cerca de 80% do total de casos

    so constitudos por causas genticas, envolvendo uma ou vrias anomalias cromossmicas

    ou at mesmo mutaes em genes. Este aspecto bastante importante, pois revela o grau de

    complexidade relacionado ao estudo e desenvolvimento de tratamentos efetivos, que

    resultariam no controle dos sintomas ou at mesmo na cura da doena. Os 20% restantes

    podem ser ocasionados por infeces virais ou bacterianas, ou at mesmo por alergias. Alguns

    casos podem ter como origem uma combinao de fatores genticos e ambientais, comoexposies a elementos qumicos e radioativos, ou at mesmo por complicaes raras de

    doenas comuns.

    Em geral, a grande maioria das doenas genticas considerada rara, mas nem todas

    elas so causadas por tais distrbios. H inmeros casos de doenas raras infecciosas, auto-

    imunes, bem como as mutaes causadas por contato com material txico, disfunes

    endcrinas

    9

    e metablicas

    10

    .

    Por outro lado, para muitas doenas raras o mecanismo de causa e os fatores que

    determinam a sua ocorrncia no podem ser identificados devido ao desconhecimento ou a

    carncia de pesquisas e estudos. Isto decorrente da raridade da doena, ou seja, como uma

    parcela extremamente pequena da populao sofre desta anomalia, mtodos de diagnsticos

    9Endcrina: relativo a secrees internas ao organismo ou a glndulas que produzem tais secrees,conduzidas a outras partes do organismo atravs da corrente sangunea.

    10Metablica: referente a mudana qumica de natureza dos corpos. Fisiologicamente corresponde atransformao de substncias alimentcias em suas transformaes dentro do organismo.

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    ainda no foram desenvolvidos e mdicos especialistas em doenas raras ainda no foram

    treinados, de forma que as causas acabam desconhecidas ou pouco conhecidas.

    No que diz respeito incidncia, cerca de 50% dos primeiros sintomas fsicos se

    manifestam logo aps o nascimento ou durante a primeira infncia. A idade reduzida limita a

    possibilidade de testes, o que implica em dificuldades adicionais para um diagnstico rpido e

    preciso e, consequentemente, um tratamento eficaz ainda no estgio inicial da doena.

    Manifestaes como a atrofia muscular infantil, doenas de depsito lisossomal e at mesmo

    a fibrose cstica podem ser citadas como exemplo.

    O restante dos casos ocorre na fase adulta dos pacientes, etapa da vida no qual oindivduo socialmente estabelecido e independente. As manifestaes crnicas e

    degenerativas acarretam em perda na qualidade de vida com frequentes danos a autonomia,

    gerando necessidades especiais. Exemplos desses casos so os mais diversos tipos de cncer e

    a leucemia.

    b) Carncia de polticas pblicas, de investigao e de pesquisa

    Com relao implementao de polticas de sade pblicas, a questo das doenas

    raras um tema que passou a ser discutido apenas recentemente, mostrando que a busca por

    uma forma adequada de suporte ao paciente foi ignorada durante um perodo muito longo de

    tempo. Para caracterizar este fato, pode-se destacar que a regulao europeia que definiu a

    questo das doenas raras foi adotada somente a partir do ano 2000. O Japo aprovou alegislao a parir de 1993 e a Austrlia a partir de 1997. Uma exceo o caso dos Estados

    Unidos, que foram pioneiros no desenvolvimento destas polticas, visto que o ODA passou a

    vigorar a partir de 1983.

    Contudo, o atraso para a adoo de polticas para as doenas raras acarretou numa

    completa falta de confiana no sistema pblico de sade por parte de pacientes e familiares.

    Atualmente, devido aos crescentes debates da comunidade cientfica sobre a questo da

    produo de medicamentos para diagnstico, controle e cura destes casos, bem como o

    aumento das discusses em torno do papel no governo na assistncia a estes indivduos, esta

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    situao est apresentando mudana e proporcionando o aumento na esperana de tratamento

    para os pacientes e seus familiares.

    Em condies normais, o mercado extremamente limitado resulta na relutncia da

    indstria farmacutica em destinar gastos para a pesquisa e desenvolvimento de

    medicamentos. Por outro lado, a pesquisa encontra-se dispersa entre os poucos laboratrios

    que produzem esse tipo de droga, o que aumenta a carncia de conhecimento cientfico e

    informaes sobre a doena, diminuindo a possibilidade de desenvolvimento de uma

    estratgia teraputica eficiente.

    c) Carncia de tratamento efetivo e a questo scio-econmica

    Conforme destacado na seo anterior, as doenas raras apresentam diferentes graus

    de gravidade e expresso, podendo acarretar em implicaes scio-econmicos que

    restringem a insero do paciente e seus familiares na sociedade. Associado a falta de um

    tratamento apropriado decorrente da carncia de pesquisa por parte da indstria e a falta deuma poltica pblica adequada, as doenas raras podem representar um pesado problema

    psicossocial. Pacientes e familiares passam a ser fonte de discriminao por parte da

    sociedade como um todo, principalmente devido estigmatizao da doena. Isto traz

    implicaes nas mais diversas reas da vida dos indivduos, como a impossibilidade de

    convvio com amigos ou a j citada falta de oportunidades profissionais, o que desencadeia

    uma sensao de isolamento deixando os indivduos socialmente vulnerveis.

    Nos casos que ocorrem na fase adulta do indivduo, severos sintomas que se

    manifestam durante a evoluo da doena podem afetar suas capacidades fsicas e mentais,

    tornando-o dependente ou at mesmo incapaz de realizar aes corriqueiras do dia a dia,

    executveis de forma simples para indivduos saudveis. Por outro lado, quando detectado

    durante a infncia, pode reduzir o convvio social do paciente e retardar o seu

    desenvolvimento. Em ambos os casos, a manifestao da doena resulta na reduo das

    oportunidades educativas e profissionais do paciente, correspondendo ao que pode ser

    chamando de implicaes scio-econmicas. Contudo, em alguns casos, quando

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    diagnosticados a tempo e tratados de forma correta, os sintomas podem ser controlados, a

    ponto de proporcionar ao paciente uma vida social normal.

    Foram apresentados nesta seo o que so doenas raras e quais as principais formas

    de definio contidas na literatura analisada. As implicaes decorrentes da raridade foram

    descritas de forma sistemtica a partir dos relatrios European Medicines Agengy (2007, p. 1-

    2); Commission of the European Communities (2008, p. 1-5); European Organisation for Rare

    Diseases (2005, p.3-8) e Comisso Europeia (2008, p. 2-8) que tratam do assunto de forma

    bastante clara. A seguir, ser utilizada uma abordagem semelhante para as drogas rfs, para

    posteriormente discutir sua relevncia a partir da anlise de alguns artigos relacionados ao

    tema.

    2.2 Drogas rfs

    Um medicamento uma substncia prescrita como agente teraputico, aplicado ou

    ingerido para atenuar ou tratar algum mal fsico ou doena. Segundo a Agncia Nacional deVigilncia Sanitria (ANVISA)11, medicamento um produto farmacutico, tecnicamente

    obtido, com finalidades profilticas12, curativas, paliativas ou para fins de diagnstico

    (ANVISA, 2003),ou seja, aquele produto destinado preveno, tratamento e controle dos

    sintomas de determinadas doenas.

    Segundo Ekdom (2006, p. 19) a produo de um medicamento deve necessariamente

    atender a trs premissas bsicas: ser produzido de uma forma que possibilite sua utilizao,atender a uma necessidade teraputica e ser lucrativo do ponto de vista econmico. Para que

    se possa entender o processo, analisaremos individualmente as fases que compem o

    desenvolvimento de um medicamento.

    11ANVISA: sua finalidade institucional promover a proteo da sade da populao por intermdio do

    controle sanitrio da produo e da comercializao de produtos e servios submetidos vigilncia sanitria,inclusive dos ambientes,dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados. (ANVISA, 2009).

    12Profiltico: que preserva contra determinadas doenas, principalmente as contagiosas. Remdio oupreparado destinado a evitar uma determinada doena.

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    Figura 2.1Fases da produo de medicamentos.

    Fonte: Adaptao de Ekdom (2006, p. 20).

    A Figura 2.1 descreve o processo de desenvolvimento de um medicamento. A fase 1

    leva cerca de 2 anos e corresponde ao perodo no qual identifica-se o produto ou doena

    alvo para conduzir as pesquisas de ordem bsica. Na fase 2 ocorre a delimitao do estudo e

    o incio dos ensaios pr-clnicos, nos quais os princpios ativos so testados em animais paraverificar sua eficcia e segurana. Esta fase leva entre 3 a 6 anos para ser desenvolvida. A fase

    3 leva de 6 a 7 anos e corresponde ao perodo no qual ocorrem os ensaios clnicos, ou seja, o

    produtos passam a ser testados em seres humanos. J na fase 4, que decorre em

    aproximadamente 2 a 4 anos, so verificados os ensaios realizados na fase anterior. Caso o

    resultado tenha sido positivo, a indstria farmacutica busca o registro e a autorizao para a

    comercializao junto s autoridades de sade. Por fim, a fase 5 trata da introduo deste

    medicamento no mercado de fato. Destaca-se que todo o processo leva em torno de 14 anos, oque evidencia a sua complexidade e a necessidade de um elevado dispndio de capital

    humano e monetrio para sua concluso. (EKDOM, 2006, p. 20).

    De acordo com Aronson (2006, p. 244) an orphan drug can be defined as one that is

    used to treat an orphan disease.13A definio apresentada, apesar de bastante simplificada,

    no atende aos objetivos deste trabalho. Por esta razo pretende-se, a partir de estudos

    13Traduo: "uma droga rf pode ser definida como uma droga usada par o tratamento de uma doenarf.

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    relacionados a esta rea de estudo, definir de forma mais clara e detalhada o que so as drogas

    rfs a ponto de compreender melhor qual a real dimenso do termo e suas implicaes.

    O trabalho realizado por Binns e Driscoll (2000, p. 218) apresentou duas definies de

    drogas rfs adotadas pela Unio Europeia, sendo que ambas podem ser utilizadas

    individualmente ou em conjunto para designar esse tipo de medicamento. O primeiro deles

    estabelece que esta designao ser atribuda ao frmaco utilizado para o diagnstico 14,

    preveno15 e tratamento16 de uma debilidade crnica que necessita de acompanhamento

    contnuo e que atinge menos de 5 a cada 10.000 pessoas. O segundo critrio declara que ser

    considerada rf a droga utilizada para diagnosticar, prevenir e tratar doenas debilitantes,

    graves e crnicas que no possuem incentivos especficos para serem produzidas por noapresentarem retorno financeiro que justifique a sua produo por parte da indstria

    farmacutica. Isto significa dizer que, apesar de no apresentarem uma baixa prevalncia,

    conforme estabelecido no primeiro critrio, medicamentos que no so economicamente

    viveis podem ser considerados rfos pelo segundo critrio. Contudo, para que isso possa

    ocorrer, tais drogas devero ser aprovadas pelo Committee for Orphan Medicinal Products

    (COMP), que composto por 15 especialistas de diferentes pases europeus, 3 representantes

    da EMEA e mais 3 representantes de grupos de proteo dos pacientes com doenas raras.Caso determinado medicamento seja aprovado e receba o status de medicamento rfo, este

    poder usufruir os benefcios previstos na regulao.

    Por outro lado, Vasquez et al. (2008, p. 2) definiram as drogas rfs segundo o critrio

    norte-americano para doenas raras. Segundo eles, em um primeiro momento, mais

    precisamente no ano de 1983, era considerado rfo aquele medicamento cujas vendas no

    mercado norte-americano no eram suficientes para cobrir os custos de desenvolvimento eproduo. Um ano depois, em 1984, essa definio foi expandida para os medicamentos

    destinados ao tratamento de doenas ou condies que afetassem menos de 200.000 pessoas

    nos Estados Unidos. Cabe ao Office of Orphan Products Development (OOPD), rgo

    subordinado a FDA, aprovar o chamado Orphan Designation, que corresponde a designar

    determinado medicamento como rfo para que ele possa usufruir os incentivos previstos em

    14Diagnstico: determinao da doena do paciente entre duas ou mais suspeitas atravs da comparao

    sistemtica dos sintomas apresentados.15Preveno: ato ou efeito de prevenir ou evitar qualquer mal ou doena.16Tratamento: conjunto de meios teraputicos, cirrgicos e at mesmo higinicos ou sanitrios de que

    lana mo o mdico para cura ou alvio do doente.

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    lei. A partir de 1988, esta designao pode ser solicitada pelo fabricante em qualquer fase de

    desenvolvimento do medicamento. A partir desta anlise dos autores, pode-se verificar que,

    num primeiro momento, o objetivo da legislao era considerar como rfo aquele

    medicamento de alto custo que no possua um mercado consumidor suficientemente grande

    para cobrir os custo de produo e que, apenas num segundo momento, decidiu-se beneficiar

    tambm os medicamentos destinados aos pacientes portadores de doenas raras (BREWER,

    2009, p. 314-315).

    As definies apresentadas so relevantes para que seja possvel conhecer os

    principais aspectos econmicos que envolvem a produo de medicamentos rfos. Sendo

    assim, a literatura pesquisada define como rf aquela droga que destinada ao diagnstico,preveno e tratamento de uma doena de baixa prevalncia, cuja produo no

    economicamente vivel devido ao mercado consumidor estritamente pequeno. Estas drogas

    so, em sua grande maioria, ineficientes em termos de custos, de maneira que os sistemas de

    sade pblica, em geral, no se dispem a fazer o pagamento desse tipo de tratamento

    (RASCATI, 2010, p. 67).

    Zitter (2005, p. 52 e 57) destacou que as drogas rfs so em sua maioria agentesbiolgicos e injetveis tem a designao de droga rf. Este fato se faz relevante porque os

    medicamentos rfos esto geralmente associados ao seu alto custo, de forma que a despesa

    de tratamento com esse tipo de produto pode variar de US$ 10.000,00 a US$ 250.000,00 por

    ano. Apesar destes agentes biolgicos e injetveis serem utilizados por apenas 0,2 % da

    populao norte americana, foram destinados cerca de 8 % do total dos custos a estes

    medicamentos, o que representou, segundo o autor, uma despesa a nvel nacional de US$ 26

    bilhes. O autor sugeriu que o controle e gerenciamento de custos aplicados para a maioriados demais produtos farmacuticos no vlido para esse tipo de droga, principalmente

    porque no h tratamento alternativo. Contudo, devido ao crescimento do nmero de

    tratamentos a base de medicamentos biolgicos e injetveis foi proposta aos tomadores de

    deciso em polticas pblicas que a gesto dos recursos precisava ser desenvolvida de forma

    mais ativa. O autor tambm sugeriu que o processo atual de gerenciamento para drogas rfs

    e ultra-rfs apropriado, e que aplicar uma administrao mais ativa para um nmero menor

    de doenas seria pouco produtivo.

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    Medicamentos para Doenas Ultra-Raras

    Figura 2.2Drogas rfs como parcela do mercado de medicamentos

    Fonte: Adaptao de Zitter (2005, p. 57).

    De acordo com as principais agncias reguladoras da Unio Europeia e dos EstadosUnidos, alguns tipos de drogas so considerados diferentes dos demais medicamentos, o que

    possibilita o desenvolvimento de uma regulao especfica para elas. Denis (2009, p. 11)

    apresentou duas justificativas para este fato. Segundo o autor, algumas doenas ocorrem com

    uma frequncia to baixa na populao que os custos para o desenvolvimento e

    comercializao de medicamento para tratamento, diagnstico e preveno de doenas raras

    so tais que a expectativa das vendas no suficiente, em condies normais de mercado,

    para garantir algum tipo de lucro para a empresa, reduzindo consideravelmente apossibilidade de criao e desenvolvimento de novos tratamentos. Por outro lado, mesmo

    Todos os Tipos de Medicamentos

    Drogas rfs

    MedicamentosBiolgicos/Injetveis

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    sofrendo destas condies raras, tais indivduos necessitam da mesma qualidade de tratamento

    que recebem os pacientes que sofrem de doenas mais comuns. Sendo assim, necessrio que

    estes casos sejam devidamente identificados e que sejam implementados estmulos para que a

    indstria farmacutica seja capaz de desenvolver e comercializar drogas para seu tratamento.

    Villa et al. (2008, p. 4 e 6) mostraram que a designao de um medicamento como

    rfo deve atender a dois critrios distintos. O primeiro deles o critrio epidemiolgico que

    atribui esta caracterstica a drogas utilizadas para o tratamento de doenas com baixa

    prevalncia, denominadas raras. Algumas legislaes adicionam a este critrio os

    medicamentos utilizados em debilidades crnicas que requerem tratamento durante toda a

    vida do paciente, ou aquelas que apresentem um custo adicional to elevado que nojustificam a sua utilizao em relao aos benefcios gerados. O segundo o critrio

    econmico que atribudo a produtos que, apesar de no serem destinados ao tratamento de

    doenas raras, no apresentam possibilidade razovel para a indstria recuperar os

    investimentos de pesquisa e desenvolvimento, ou seja, os custos de produo, atravs das

    vendas no mercado. Drogas rfs so todas aquelas drogas que no conseguem reverter a sua

    vendas em lucros, tornando-se economicamente inviveis. importante destacar que estes

    critrios no so excludentes, de forma que a manifestao de ambos ou de apenas um delesfaz com que o medicamento possa ser designado como rfo.

    Segundo Garau e Ferrandiz (2009, p. 3) um produto adquire o statusde rfo quando

    atende a quatro critrios distintos. O primeiro deles o critrio da severidade, ou seja, todo

    medicamento destinado a tratamento de uma doena crnica, que represente uma ameaa de

    morte ao paciente e exija que o mesmo se mantenha em tratamento ao longo de toda a sua

    vida. O segundo o critrio da necessidade no atendida, que corresponde s doenas cujainexistncia de mtodos satisfatrios de diagnsticos, preveno ou tratamento do a este

    frmaco a alcunha de rfo. O terceiro trata da questo da prevalncia, que institui que todo

    aquele medicamento desenvolvido para o tratamento de doenas que atingem menos de 5

    pessoas a cada 10.000 indivduos. Por fim, o quarto critrio corresponde ao retorno financeiro

    esperado, que trata do medicamento cujas vendas no apresentem expectativa de cobertura

    dos custos inicias de pesquisa e desenvolvimento.

    Algumas caractersticas inerentes aos medicamentos rfos dificultam seu acesso ao

    mercado. Uma vez desenvolvido um tratamento eficaz, estes aspectos se tornam grandes

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    desafios para a sua comercializao. A seguir, a partir da abordagem de Stokl (2006, p. 746),

    sero tratados individualmente quatro aspectos de grande relevncia para a questo das drogas

    rfs.

    2.2.1 O desafio na avaliao da relevncia clnica

    Iniciaremos esta reflexo a partir de Folland (2008, pg. 3940) que apresentaram uma

    anlise sobre a alocao e distribuio dos recursos no setor de sade. Podemos destacar

    quatro aspectos econmicos distintos quanto anlise econmica na sade: a escassez derecursos na sociedade, o pressuposto da tomada de deciso racional, o conceito de anlise

    marginal e o uso de modelos econmicos de avaliao.

    Partindo-se do princpio de que existe escassez de recursos e que h um oramento

    limitado, os agentes econmicos necessitam abrir mo de algum tipo de recurso para

    conseguir outro, ou seja, para que seja alocado determinado montante de capital numa

    tecnologia para o tratamento de doenas raras, necessrio que seja destinado menos recursosao tratamento de uma doena de maior prevalncia. Neste momento, apresenta-se o conceito

    de custo de oportunidade, que corresponde dizer que necessrio deixar de fazer algum tipo

    de assistncia para que seja possvel direcionar recursos para a assistncia de outro tipo de

    problema.

    Seguimos para o pressuposto da tomada de deciso racional, que trata da questo de

    como alocar os recursos de forma mais eficiente possvel diante de um contexto de restriooramentria. Isto implica alocao dos recursos de maneira a favorecer a maior parte da

    populao, maximizando a gerao total de sade. Associado a isto, pode-se desenvolver o

    conceito de anlise marginal, que permite compreender quais os custos e os benefcios

    incrementais da unidade adicional de recurso destinada para determinado tratamento. Sendo

    assim, necessrio que a deciso seja racional a ponto de maximizar o estado de sade geral

    da populao, de forma que a adio de uma unidade monetria em detrimento de outra eleve

    o bem estar geral da populao.

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    A fim de subsidiar essa tomada de deciso, foram desenvolvidos modelos econmicos

    abstratos capazes de descrever a matria em anlise e compreender melhor o funcionamento

    do mercado. O modelo utilizado para a avaliao da alocao de recursos em medicamentos

    a anlise custo-efetividade, que consiste em verificar o desfecho clnico do tratamento em

    termos de custo monetrio. Os valores aplicados ao custo de seu desenvolvimento so

    facilmente mensurveis, visto os controles contbeis que so realizados pela prpria indstria

    farmacutica. O problema decorre da necessidade de avaliar qual o desfecho real do

    tratamento. Segundo Rascati (2010, p. 76) h uma diferenciao bsica entre eficcia e

    efetividade. Para determinar se um medicamento eficaz, ou seja, verificar se ele capaz de

    funcionar em condies ideais, so realizados ensaios clnicos randomizados, considerados o

    melhor padro de avaliao. Tais ensaios so exigidos pelas agncias reguladoras como pr-requisito para a implementao da tecnologia, seja medicamentosa ou no, para sua posterior

    comercializao (BUCKLEY, 2008). Contudo, os ensaios farmacoeconmicos de maior

    relevncia esto associados efetividade do tratamento e no apenas a sua eficcia. Dessa

    forma, necessrio verificar se o frmaco funciona efetivamente em condies normais, o que

    dificultado pelas caractersticas das doenas raras.

    Mesmo para as drogas rfs, a metodologia utilizada para avaliao tambm aanlise de custo-efetividade. A implicao disto que, uma vez desenvolvido o tratamento e

    verificada a sua eficcia, ser extremamente difcil avaliar a sua efetividade, j que a maioria

    destes medicamentos no consegue transpor de forma plena a fase experimental. Isto ocorre

    devido a populao de pacientes ser extremamente restrita dificultando a realizao de testes

    seguros de efetividade, o que causa uma demora considervel na autorizao do medicamento

    para comercializao (WEINSTEIN, 1991).

    Joppi; Bertle e Garattini (2006, p. 357-360) avaliaram a qualidade metodolgica que

    envolve a aprovao de medicamentos rfos. Segundo os autores, o processo apresenta

    vrias limitaes, como a carncia de estudos que comprovem o benefcio clnico do

    tratamento, um controle inadequado dos estudos que decorre do nmero insuficiente de

    pacientes para a realizao de ensaios clnicos. Segundo o estudo necessrio que fique claro

    que em uma pequena populao de pacientes difcil ter a comprovao da segurana quanto

    eficcia do medicamento, visto que as reaes adversas so expressas com relativa raridade.

    Dessa forma, no possvel ter com absoluta certeza e segurana qual o resultado clnico do

    tratamento. Para ilustrar o caso, apresentamos a Tabela 2.2 que evidencia o nmero de

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    pacientes utilizados para a realizao dos testes clnicos na Unio Europeia, bem como o

    frmaco aprovado, a doena em questo e a prevalncia dos casos.

    Os dados da Tabela 2.2 mostram que, para algumas doenas, a prevalncia dos casos

    to reduzida que existem menos de um caso a cada 10.000 habitantes, com destaque

    hipertenso arterial pulmonar, cuja faixa de prevalncia varia entre 0,005 e 0,07 casos a cada

    10.000 indivduos. Em sete casos o nmero de pacientes estudados foi inferior a 60

    indivduos, outras cinco drogas foram testadas em uma base que varia de 100 a 200 pacientes

    e apenas dois casos foram testados em mais de 200 indivduos. Este fato apresenta a

    dificuldade de constatar a eficincia clnica dos medicamentos destinados ao tratamento de

    condies raras. Isto implica dificuldades para encontrar um ponto de equilbrio entre anecessidade urgente de drogas para os pacientes portadores de doenas raras e a garantia de

    fornecer medicamentos seguros, com qualidade e eficcia comprovadas.

    A questo bsica da discusso est relacionada ao uso de novas tecnologias em sade

    de forma vivel para o sistema de sade como um todo, a ponto de assegurar a universalidade,

    a equidade e a qualidade do atendimento populao. O papel da economia neste processo :

    encontrar solues socialmente aceitveis entre as infinitas necessidades dos indivduos e acapacidade limitada da sociedade em responder a estas demandas(SECOLI, 2005p. 289).

    Dessa forma tratamentos inovadores para as doenas raras necessitariam de uma

    abordagem diferenciada por parte dos tomadores de deciso do sistema pblico de sade.

    Caso contrrio sua recomendao para comercializao ser dificultada ou at mesmo

    impossibilitada, devidos aos aspectos relacionados raridade.

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    Tabela 2.2Nmero de pacientes utilizados para a aprovao do medicamento, com respectiva doena e prevalncia dos casos.

    Frmaco Doena Prevalncia a cada 10.000 Numero de Pacientes (n)

    Agalsidase Alpha Fabry disease 0,25 41

    Agalsidase Beta Fabry disease 0,25 56

    Arsenic triozide Acute promyelocytic leukaemia No disponvel 52

    Bosentan Pulmonary arterial hypertension 0,005-0,07 32

    Busulfan Conditioning haematopoieticprognito cell transplantation 0,66 104

    Carglumic acidN-acetyl glutamate syntahsedeficiency

    0,00125 20

    Cladribine Hairy cell leukaemia No disponvel 120

    IbuporfenPatent ductus arteriosus in pretermnewborn infants

    No disponvel 131

    Iloprost Primary pulmonary hypertension 0,005-0,07 203

    Laronidase Mucopoly-saccharidosis MPS-1 0,18-05 45

    Miglustat Gaucher diseases type 1 0,025 28

    Pefvisomant Resistant acromegaly 0,5-0,7 112

    Perfimer sodium Dysplasia in Barrett-s oesophagus 2,3 208

    Zinc acetate dihudrate Wilson's disease 0,6 148

    Fonte:Adaptao de Joppi; Bartele e Garantini (2006, p. 358-359).

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    2.2.2 Carncia de conhecimento e o acesso s tecnologias em sade

    Apesar de ter havido um grande progresso no desenvolvimento de medicamentos para

    doenas raras, um grande nmero de casos que continua sem tratamento efetivo. Stolk;

    Willemen e Leufkens (2006, p. 746) destacaram o aspecto de que, quando o tratamento existe,

    h outros obstculos que dificultam o acesso aos medicamentos. A falta de conhecimento

    sobre os medicamentos disponveis e a carncia de treinamento adequado para os

    profissionais da sade faz com que muitas informaes disponveis no sejam conhecidas.

    Dessa forma, a falta de qualificao dos profissionais no permite o desenvolvimento de um

    sistema de diagnstico preciso, uma vez que em alguns casos no existem nem mesmoprotocolos definidos, o que causa problemas significativos quanto validade dos testes e o

    acesso s tecnologias disponveis. Como resultado prtico, o perodo entre o aparecimento dos

    primeiros sintomas e a identificao da doena muito grande, o que acaba por aumentar os

    riscos ao paciente e reduzir a possibilidade de cura ou at mesmo de controle da doena. A

    partir disto, tem-se a dificuldade para desenvolver ferramentas, estratgias teraputicas e,

    consequentemente, produtos para tratamento.

    Uma sugesto para minimizar o problema da difuso da informao relacionada s

    drogas rfs, bem como otimizar o acesso s tecnologias em sade disponveis est no

    trabalho da Commission of the European Communities (2008). Trata-se da criao de uma

    base de dados munida de um servio eletrnico on-line. Esta ferramenta seria capaz de pr em

    contato pacientes dos mais div