doenças raras de a a z

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40 médicos portugueses apresentam 47 doenças raras Doenças de A a Z

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40 médicos portugueses apresentam 47 doenças raras

Doençasde A a Z

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Este livro que a FEDRA (Federação de Doenças Raras de Portugal), constituída o ano passado, decidiu organizar, com a colaboração dos melhores especialistas nesta área, é apenas mais um passo no caminho difícil que muitas almas de boa vontade têm percorrido, com persistência, para aumentar o nosso conhecimento sobre pa-tologias raras.

Doenças raras de A a Z. Talvez, de ajudar a entender até zelar pelo seu tratamento.

As patologias raras devem também ser-nos preciosas porque exi-gem muito de nós.

Eu própria fui atraída para a causa das doenças raras através de uma pessoa, (com quem quis de imediato entrar em contacto), im-pressionada pela dedicação que senti nesse envolvimento.

Com a Dra. Paula Costa, fundadora da Associação Raríssimas, aprendi que a causa era uma doação, um acto de amor.

Prefácio

Tudo o que é raro atrai a nossa particular atenção. Raro é precioso.

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Porque dos fracos não reza a história e é importante dar a nossa força aos que amamos e são mais fracos do que nós.

Ao longo destes tempos, em que, ajudada por muitas outras pessoas, tenho tentado dar voz e visibilidade aos problemas e necessidades das pessoas atingidas por patologias raras e suas famílias, o que mais tenho aprendido é o valor inalienável da vida. Vida frágil, vida difí-cil, mas vida que é sempre preciosa e rara, para quem a ama.

Tenho a certeza que este livro, que agora é posto à disposição de todos os que se interessam pela causa das doenças raras e rarís-simas, vai ser uma grande ajuda para desbravar estas patologias ainda envoltas em enormes dificuldades de diagnóstico, enormes dificuldades de tratamento.

Janeiro 2009

Maria Cavaco silva

Como todas as missões, não admitia desistências perante as dificuldades.

Que eram muitas. São sempre muitas. Mas não de molde a quebrar os ânimos.

Vida que acorda o que de melhor temos dentro de cada um de nós.

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A Acondroplasia é a forma mais frequente de baixa estatura desproporcionada de ori-gem genética nas crianças e adultos, atingindo ~ 1 em 15.000 recém-nascidos vivos.Há uma grande variabilidade no grau de gravidade e semelhança com outras condro-displasias, tornando o diagnóstico diferencial por vezes difícil, sobretudo no recém- -nascido e crianças, pelo que deve ser sempre consultado um perito. A inteligência e longevidade são normais. As etapas das aquisições motoras (controle da cabeça, sentar, gatinhar, andar…) podem ser mais atrasadas.As características físicas mais frequentes são a baixa estatura desproporcionada, com en-curtamento dos 4 membros a nível da raiz (rizomélico) provocando pregas da pele redun-dantes; tronco de dimensões aproximadamente normais, com cifose (encurvamento da coluna para fora) dorsal no lactente e hiperlordose (encurvamento da coluna para dentro) lombar após aquisição da marcha; cabeça grande (macrocefalia) com fronte alta e proe-minente (bossas frontais); face com hipoplasia da zona média e nariz de base achatada; limitação na extensão dos cotovelos; mãos pequenas com configuração em tridente e de-dos curtos (braquidactilia), tórax estreito sobretudo nos lactentes; pernas arqueadas (genu varum) = varismo; hipotonia (diminuição da força muscular) no lactente. A estatura final nos homens varia entre 120-145 cm e nas mulheres entre 115-137 cmA observação cuidadosa do doente faz habitualmente suspeitar do diagnóstico logo ao nascimento, confirmando-se, depois, através de radiografia do esqueleto que mos-tra, entre outros sinais, os membros curtos rizomélicos com metáfises (extremidades) alargadas, o perónio alongado em relação à tíbia, a bacia com ilíacos quadrados com acetábulos planos e espinhas esquiáticas diminuídas, o característico estreitamento ou manutenção da distância interpedicular na coluna lombar, as vértebras cubóides com pedículos curtos, bem como as alterações nas mãos e no crânio. O diagnóstico diferencial com Hipocondroplasia e outras displasias pode ser difícil.

AcondroplasiaHá uma grande variabilidade no grau de gravidade e semelhançacom outras condrodisplasias, tornando o diagnóstico diferencial

por vezes difícil, sobretudo no recém-nascido e crianças,pelo que deve ser sempre consultado um perito.

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Existem actualmente normas de orientação clínica para estes doentes, que devem ser vigiados em consultas multidisciplinares que podem envolver Pediatria, Ortope-dia, ORL, Neuropediatria e Neurocirurgia, Fisiatria, Estomatologia, Genética, etc. O apoio de equipas de estimulação precoce motora pode ser útil.É essencial a vigilância de eventual compressão medular por estenose do canal cér-vico-medular (Foramen Magnum), sobretudo nas crianças pequenas, que pode con-dicionar, por exemplo, a hipotonia e outras alterações neurológicas, hidrocefalia e apneias de sono. Deve haver cuidados especiais aquando das anestesias e evitar a pos-sibilidade de riscos de impacto (desportos violentos, trampolim, certos exercícios de ginástica, ski, hóquei, rugby, patinagem, etc.). Esta situação pode levar a risco de vida, com necessidade de intervenção cirúrgica urgente de descompressão. Nos adultos, a queixa mais frequente é a estenose espinal lombar L1-L4 sintomática.Os doentes com Acondroplasia têm maior risco de desenvolver otites serosas. Há também maior risco de complicações ortopédicas. O crescimento deve ser vigiado em tabelas próprias de percentis e deve haver especial atenção à evolução do perímetro craniano. A obesidade é um risco importante. O tratamento com Hormona de Crescimento é controverso e os seus resultados limita-

O EspecialistaMargarida Maria Fernandes Reis Lima

Licenciada em Medicina pela Universidade do Porto, em 1977

Estágio na Child Development Unit do Children’s Hospital de Boston, USA

Estágio no Serviço de Neuropediatria do Guy’s Hospital e no Child Development

Newcomen Centre, Londres

Especialista de Pediatria Médica

Especialista em Genética Médica

Chefe da Unidade de Consulta do Instituto de Genética Médica Jacinto Magalhães

Adjunta da Directora do Instituto de Genética Médica Jacinto Magalhães de 2002 a 2008

Coordenadora Nacional da ORPHANET (Base de Dados online sobre Doenças

Raras e Medicamentos Órfãos)

Coordenadora da Genética Médica no Hospital Privado da Boavista (Grupo HPP)

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Para saber mais www.orpha.net

www.genetests.org

www.rarediseases.org

www.emedicine.com/ped

dos, pelo que habitualmente não é aconselhado, devendo ser discutido caso a caso. A cirurgia de alongamento ósseo já é actualmente acessível no nosso país.A Acondroplasia é uma doença monogénica de transmissão autossómica dominan-te (manifesta-se desde que haja um gene com mutação), com 100% de penetrância, causada por mutações no gene FGFR3, situado no cromossoma 4p, e que codifica o receptor 3 do factor de crescimento fibroblástico da cartilagem. Em 98% dos casos trata-se da mutação G1138A e em 1% dos casos a mutação é a G1138C.O estudo molecular permite a confirmação do diagnóstico nos casos de dúvida, per-mite o aconselhamento correcto e o acesso a diagnóstico pré-natal específico.A maioria dos doentes – mais de 80% – tem pais de estatura normal, pelo que a doença é esporádica e resultou de uma mutação “de novo” que ocorreu pela primeira vez no próprio. Há um risco evidente associado à idade paterna avançada (mais de 40 anos).Os pais de estatura normal têm um risco muito baixo de ter outro filho afectado – cerca de 0,02% – pois as mutações gonadais são raras.Se um dos pais tem Acondroplasia (um gene com mutação), há um risco de 50% de ter um filho afectado em qualquer gravidez futura. Se os dois pais tiverem Acondroplasia, há um risco de 25% de ter um filho de estatura normal , um risco de 50% de ter um filho Acondroplásico (1 gene com mutação) e um risco de 25% de ter um filho com Acondroplasia Homozigótica ( 2 genes com muta-ção). Esta situação é muito grave e provoca habitualmente morte no período neonatal por problemas respiratórios.É possível fazer diagnóstico pré-natal ecográfico, mas este é tardio (3º trimestre). É possível efectuar diagnóstico pré-natal molecular, através de amniocentese ou biópsia das vilosidades, estando habitualmente reservado para situações específicas.Os riscos, as vantagens e desvantagens do diagnóstico pré-natal, devem ser sempre dis-cutidos e planeados em consulta de aconselhamento genético, antes de nova gravidez.

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A Acromegalia é uma doença rara, ocorrendo 3 a 4 novos casos por milhão, por ano. A designação provem de “acro” – extremidades “megalo” grande, traduzindo o crescimento dos tecidos moles do organismo que torna as características faciais mais rudes e grosseiras e causa aumento do tamanho de mãos e pés. Resulta da se-creção excessiva de somatotrofina (ST) ou hormona de crescimento. A causa mais frequente é um tumor benigno (adenoma) das células da hipófise produtoras de ST. Estas células da hipófise anterior, localizada na região do meio da cabeça abai-xo do cérebro. Desenvolve-se muito gradualmente e pode ser diagnosticada após a doença estar presente há vários anos (7-8 anos). A Acromegalia pode provocar complicações graves e mesmo a morte, se não tratada. A maioria dos doentes pode, no entanto, ser tratado com sucesso.Como se manifesta a Acromegalia? O excesso de ST estimula a produção de ou-tra hormona denominada IGF-1 ou somatomedina por mediar a acção da ST. O IGF-1 estimula o crescimento da pele, tecido conjuntivo, cartilagem, osso, órgãos e outros tecidos do organismo. A Acromegalia pode também apresentar-se por manifestações resultantes da compressão das estruturas adjacentes. A diminuição dos campos de visão terá sido a razão pela qual o pequeno David se conseguiu aproximar do gigante Golias, sem ser visto e, com uma pedrada atingiu este por-tador de um tumor produtor de ST.O crescimento exagerado dos tecidos moles, cartilagem e ossos da face, mãos e pés são as manifestações mais importantes: o nariz, os lábios, as orelhas e a fronte são grosseiras, a língua aumenta, os espaços entre os dentes aumentam, a mandíbula cresce causando uma dificuldade de articulação da mandíbula e o queixo proeminente. As cefaleias podem estar presentes. O excesso de pelo pode ser particularmente significativo na mulher. O crescimento dos tecidos moles da

AcromegaliaA esperança de vida destes doentes pode ser reduzida

em aproximadamente 10 anos. A boa notíciaé que a normalização dos níveis de ST associa-se a uma

esperança de vida idêntica à da população em geral.

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garganta pode causar voz rouca e apneia do sono (situação em que uma pessoa pára temporariamente de respirar durante o sono, causando níveis inferiores de oxigénio e perturbando o sono). As mãos e os pés aumentam, obrigando ao uso de anéis, luvas e sapatos maiores. O aumento dos tecidos do punho pode causar compressão dos nervos das mãos e causando adormecimento e formigueiros dos dedos (síndrome de canal cárpico).A sudação excessiva com cheiro característico é frequente. O crescimento das extremidades ósseas, em particular das cartilagens, pode causar artrose. Os do-entes podem ter outros tumores benignos como fibromas do útero ou pólipos do cólon. As doenças do coração, como a hipertensão e o alargamento do coração com disfunção (cardiomiopatia), e a insuficiência cardíaca são mais frequentes. A diabetes é igualmente mais frequente e pode ser de difícil controlo. A esperança de vida destes doentes pode ser reduzida em aproximadamente 10 anos. A boa notícia é que a normalização dos níveis de ST associa-se a uma esperança de vida idêntica à da população em geral.Se se suspeitar de Acromegalia, de acordo com as modificações do aspecto, o dia-gnóstico é confirmado pelo doseamento de IGF-1 e/ou de ST. O doseamento

O EspecialistaDavide Carvalho

Endocrinologista

Professor Agregado da Faculdade de Medicina do Porto

Chefe de Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo do Hospital de S. João

Membro do Executive Board of the Mediterranean Group for the Study of Diabetes

Membro do Consensus Conference Panel on Acromegaly (4th, 5th, 6th, 7th)

Vice-Presidente da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade

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Para saber mais www.spedm.org

www.athip.org

de ST pode exigir um perfil de múltiplas colheitas ou colheita após a ingestão de uma solução com glicose. Comprovado o excesso de ST, a Ressonância Magnética permitirá identificar um adenoma em 99% dos casos. Os objectivos do tratamento são normalizar os níveis de ST e IGF-1. O tratamento com sucesso induz uma regressão dos tecidos moles ao longo de vários meses. Por vezes, o tratamento inicial não é inteiramente eficaz e é necessário um tratamento complementar. Há 3 formas de tratamento: cirurgia, medicamentos e radiotera-pia. A cirurgia oferece a hipótese de curar se a remoção do adenoma for completa. Tal é previsível quando o adenoma não ultrapassa os limites da hipófise. A cirur-gia habitualmente é feita por via nasal. Há 3 classes de medicamentos usados para tratar a Acromegalia: os análogos da somatostatina (octreotido ou lanreotido); os agonistas dopaminérgicos, especial-mente a cabergolina e o antagonista dos receptores da somatotrofina (pegviso-mante). Os análogos da somatostatina inibem a secreção da ST pelas células do adenoma. O octreotido (Sandostatina®) e o lanreotido (Somatulina® Autogel) têm formulações de administração de 4 em 4 semanas, conseguindo a normalização da ST em cerca de 50% dos indivíduos. O antagonista do receptor da somatoto-trofina (Somavert®) bloqueia os efeitos da ST por ligação ao receptor e diminui a produção de IGF-1 em cerca de 95% dos doentes. Os agonistas dopaminergicos inibem a secreção de ST para valores normais em cerca de 1/3 dos doentes. A radioterapia foi usada durante várias décadas e pode ser administrada por uma de várias vias: acelerador linear, bomba de cobalto ou ciclotron (feixes de pro-tões). A grande desvantagem é a lentidão da redução dos níveis de ST, podendo alguns doentes exigir 10 a 15 anos para se observar a sua eficácia. A nota final é de esperança: a terapêutica da Acromegalia é bastante eficaz na normalização dos níveis de ST.

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Angioedema hereditário é uma doença rara que se caracteriza por crises agudas de edema localizado à pele e/ou mucosas. As manifestações desta doença são de edema (angioedema) de qualquer parte do corpo e/ou edema das mucosas nomea- damente das vias aéreas superiores (edema da glote) ou tubo digestivo (dor ab-dominal e vómitos e, por vezes, diarreia). As queixas abdominais podem simular uma situação clínica de abdómen agudo, podendo alguns doentes ser submetidos a intervenções cirúrgicas (laparotomias brancas). Na maioria dos doentes, é uma doença hereditária e deve-se a um défice C1-inibidor esterase (enzima de controle de activação do complemento), que conduz a aumento de um mediador, a bradiquinina que condiciona vasodilatação e exsu-dação, o que explica o aparecimento do angioedema. A doença pode manifestar-se na infância ou adolescência mas alguns doentes iniciam as suas manifestações da doença apenas na vida adulta.As crises agudas podem surgir de forma espontânea ou na sequência de stress emo-cional, traumatismo, infecções, manipulações médico-cirúrgicas (dentárias, otorrino-laringológicas e ginecológicas) ou induzidos por medicamentos (anticoncepcionais e inibidores de enzima de conversão da angiotensina). Existem 3 tipos de doença: – Tipo I ou défice quantitativo (C1-inibidor existe em pouca quantidade); – Tipo II ou défice qualitativo (C1-inibidor existe mas não funciona); – Tipo III também conhecido como estrogénio-dependente, afecta apenas as mulheres e não cursa com alterações quantitativas ou quali- tativas do C1-inibidor esterase.

O tratamento do Angioedema hereditário divide-se em dois aspectos importan-tes, isto é, a prevenção das crises agudas e tratamento das crises agudas.

Angioedema Hereditário As crises agudas podem surgir de forma espontâneaou na sequência de stress emocional, traumatismo,

infecções, manipulações médico-cirúrgicas ou induzidospor medicamentos.

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A prevenção das crises é feita com terapêutica androgénica como o danazol (Da-natrolTM) ou estanazolol (WinstrolTM, na dose mínima necessária para controle da sintomatologia. Nalguns doentes, o controle pode ser obtido com os inibidores da fibrinólise como ácido aminocapróico (EpsicapromTM). No tratamento de crises agudas sem risco de vida, para além da vigilância clínica, aumenta-se a dose de androgénio e, se necessário, faz-se a administração de ácido amino-capróico ev. Alguns doentes respondem a doses elevadas de metilpred-nisolona ev, mas a adrenalina e anti-histamínicos não se têm mostrado eficazes.No tratamento das crises agudas com risco de vida, isto é, com envolvimento das vias aéreas superiores ou envolvimento gastrointestinal está preconizada a administração de concentrado de C1-inibidor (Berinert PTM). Este concentrado também está indicado na profilaxia das crises nas manipulações cirúrgicas.Recentemente foi introduzido na Europa um novo fármaco, antagonista dos re-ceptores do tipo 2 da bradiquinina (icatibant), comercializado com o nome Fi-razyirTM, indicado para o tratamento das crises agudas com risco de vida com a vantagem de ser administrado por via sub-cutânea.O seguimento dos doentes com Angioedema hereditário é efectuado pela Espe-

O EspecialistaAmélia Spínola Santos

Especialista de Imunoalergologia

Desempenha funções de Assistente Hospitalar Graduada no Hospital Santa Maria

(HSM), onde coordena a Consulta Externa de Imunoalergologia

Responsável pelo seguimento dos doentes com diagnóstico de Angioedema He-

reditário no HSM e pela coordenação do centro de Imunoterapia Específica

Exerce funções de secretária do grupo de Interesse de Alergénios e Imunoterapia

específica da Sociedade Portuguesa de Alergologia Imunologia Clínica

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Para saber mais www.aedaf-es.com

www.hereditaryangioedema.com

cialidade de Imunoalergologia. Existem vários centros de referência nosso país (Hospital Santa Maria e Hospital Dona Estefânia em Lisboa, Hospitais da Univer-sidade de Coimbra em Coimbra e Hospital de São João no Porto). Estes hospitais, para além do seguimento dos doentes, dispõem de tratamento específico das crises agudas de Angioedema com ameaça de vida, como o edema da glote, podendo evitar entubação ou traqueostomia para manutenção da per-meabilidade das vias aéreas.

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A Síndrome de Bernard-Soulier é uma doença hemorrágica hereditária rara devida a uma diminuição da capacidade de adesão das plaquetas, o que compromete o início da formação do coágulo. É caracterizada por uma redução moderada no número de pla-quetas e pela presença de plaquetas gigantes. A anomalia da adesão plaquetar é devida à diminuição ou ausência do complexo GPIb-V-IX na sua membrana. Nestes doentes têm sido encontradas mutações nos genes GP1BA, GP1BB e GP9.A transmissão é autossómica recessiva e os portadores são, em geral, assintomáticos.

Bernard-SoulierCom frequência estes doentes são incorrectamente

diagnosticados de Púrpura Trombocitopénica Idiopática (PTI),que também cursa com um número reduzido de plaquetas,

mas tem uma abordagem terapêutica diferente.

O EspecialistaMaria Letícia de Sousa Ribeiro

Licenciatura em Medicina pela Universidade de Coimbra

Graduação em Consultor de Hematologia Clínica

Especialista de Hematologia no CHC

Responsável pela Unidade de Hematologia Molecular – Anemias Congénitas, do

Centro Hospitalar de Coimbra (CHC)

“Research Fellow” no Department of Biochemistry and Molecular Biology, Medical

College of Georgia (MCG)

Directora do Serviço de Hematologia do CHC, EPE

Directora do Departamento de Hematologia do CHC,EPE

Presidente da Sociedade Portuguesa de Hematologia

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Um casal de portadores tem, em cada gravidez, 25% de probabilidade de ter um filho com a Síndrome de Bernard-Soulier.Os doentes com Bernard-Soulier têm maior tendência para hemorragias das mucosas. O diagnóstico é feito habitualmente nos primeiros anos de vida na sequência do apareci-mento de equimoses, epistaxis ou hemorragias gengivais ou, mais tarde, por hemorragias abundantes após extrações dentárias, traumatismos, cirurgias ou por menorragias abun-dantes ou na sequência de estudos familiares. O diagnóstico é feito com base na história clínica e familiar, hemograma com esfregaço de sangue periférico, para observação da morfologia plaquetar, estudo da coagulação, que é normal, e testes da função plaquetar.O teste de PFA® é anormal e o diagnóstico é confirmado por ausência de agregação induzida pela ristocetina. Por técnicas de Citometria de fluxo é possível demonstrar as anomalias da membrana das plaquetas. Estes testes só estão disponíveis em Serviços de Hematologia com experiência clínica e laboratorial em patologia da hemostase.O diagnóstico diferencial é feito com outras disfunções plaquetares, nomeadamente, com a Trombastenia de Glanzman que é mais frequente e tem um curso clínico e uma abordagem terapêutica semelhantes. Com frequência estes doentes são incorrectamente diagnosticados de Púrpura Trombocitopénica Idiopática (PTI), que também cursa com um número redu-zido de plaquetas, mas tem uma abordagem terapêutica diferente. A simples observação do volume e da morfologia das plaquetas permite suspeitar de Síndrome de Bernard-Soulier. Não há um tratamento específico para a Síndrome de Bernard-Soulier. Devem ser evita-dos medicamentos que interfiram com a função plaquetar, como a aspirina, o ibuprofeno e o naproxeno. As hemorragias das mucosas, ligeiras a moderadas, poderão ser controla-das com antifibrinolíticos ou, em alguns doentes, com DDAVP. Nas hemorragias graves ou num pré-operatório, é necessário administrar Factor VII activado. As transfusões de plaquetas podem desencadear a formação de anticorpos antiplaquetares e só deverão ser administradas em hemorragias catastróficas ou se não houver FVII activado disponível.Para evitar a anemia por falta de ferro, os doentes com hemorragias frequentes devem fazer suplementação com ferro. O transplante de progenitores hemato-poiéticos pode ser equacionado em doentes com um quadro clínico muito grave. O exercício físico não deve ser violen-to, à semelhança de outras patologias hemorrágicas, sobretudo em doentes moderados a severos. Em alguns do-entes o quadro hemorrágico diminui a severidade com a idade.

Para saber mais www.bernardsoulier.org

www.chc-hematologia.org

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A Doença de Behçet (leia-se “bedjet”) é uma vasculite sistémica de natureza des-conhecida, caracterizada pela forma tão particular como afecta o organismo, com especial relevo para as estruturas muco-cutâneas e oculares.Em Portugal, o estudo mais alargado sobre a sua prevalência mostra a existência de 2,4 casos/100.000 habitantes, com uma distribuição masculino/feminino de 1/1. Porém, levantamentos mais recentes dão conta de que a sua prevalência é crescente e de que se está a tornar mais frequente no sexo feminino.O seu diagnóstico é baseado em critérios exclusivamente clínicos que, de acor-do com o International Study Group for Behçet’s Disease (ISGBD), são definidos pela presença indispensável de aftose oral de repetição (AOR ≥ 3 aftas por ano) associada a mais 2 de 4 critérios: aftose genital, lesões oculares (inflamação de qualquer segmento do globo ocular ou dos vasos da retina), lesões cutâneas (pseudo-foliculite, eritema nodoso, pápulo-pústulas) e teste de patergia positivo (aparecimento de pápula ou pústula cerca de 48 h após picada asséptica da pele).Com expressão variável, ainda que sem carácter diagnóstico, encontram-se, também, manifestações articulares (mecânicas, inflamatórias ou mistas com as localizações e formas de expressão mais diversas), vasculares (tromboflebites, tromboses, aneurismas e outras), manifestações do sistema nervoso central, gas-trointestinais, pulmonares e, até, de outros aparelhos e sistemas, para além de sintomas e sinais gerais.Não existe qualquer exame analítico que auxilie no diagnóstico desta Síndrome, ainda que a presença do alelo HLA-B51 possa traduzir maior susceptibilidade para o desenvolvimento de lesões oculares.Na sua etiologia sabemos existir uma actividade imunitária aberrante (excessiva) desencadeada pela estimulação das células da imunidade inata e desencadeada

BehçetEm Portugal, o estudo mais alargado sobre a sua prevalência mostra a existência

de 2,4 casos/100.000 habitantes, com uma distribuição masculino/femininode 1/1. Porém, levantamentos mais recentes dão conta de que a sua prevalência

é crescente e de que se está a tornar mais frequente no sexo feminino.

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pela exposição a um agente infeccioso (habitualmente bacteriano), alimentar, químico, hormonal ou até ao próprio stress, em indivíduos com predisposição genética para o seu aparecimento.Para que possamos considerar o seu diagnóstico terão de ser excluídas outras afecções que se podem manifestar com sintomas semelhantes. É o caso da Doença Inflamatória Intestinal e, muito em particular, da Doença de Crohn. Em Portugal, sabemos que cerca de 6% dos doentes de Crohn e 4% dos que apresentam colite ulcerosa, têm critérios que os permitem incluir nesta síndrome. Outras patolo-gias como o lúpus eritematoso sistémico, o pênfigo, o herpes, a sífilis ou a SIDA, entre outras, devem também ser excluídas. Por outro lado, a AOR isolada é uma manifestação muito comum, afectando cerca de 20% da população. As pessoas dela portadoras devem estar atentas ao aparecimento dos outros sintomas que definem DB.Quanto à terapêutica das aftas, na sua fase aguda, devem ser utilizados desinfec-tantes locais e, quando as queixas o justificarem, corticóides de acção tópica. Por vezes, quando as crises são exuberantes, torna-se necessário utilizar corticóides sistémicos por curto espaço de tempo. Quando a AOR se repete com incómodo,

O EspecialistaCarlos Jorge Vidal de Vilhena Magalhães Crespo

Licenciatura pela Faculdade de Medicina de Lisboa

Assistente Hospitalar Graduado do Serviço de Medicina III dos Hospitais da

Universidade de Coimbra

Orientador de estágios dos Internatos Geral, do Internato do Ano Comum e do

Internato Complementar de Medicina Interna

Membro do Núcleo de Estudos de Doenças Auto-Imunes (NEDAI) da Socieda-

de Portuguesa de Medicina Interna

Coordenador Nacional do Grupo de Estudos Sobre Doença de Behçet

Sócio da International Society for Behçet’s Disease (ISBD)

Presidente da XII International Conference on Behçet’s Disease

Secretário-Geral da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna

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utilizamos fármacos como a colchicina, a dapsona ou a pentoxifilina. A talidomi-da é uma alternativa de 2ª linha muito eficaz. No envolvimento ocular, os corticói-des tópicos são suficientes para as uveítes anteriores. Quando existe compromisso da câmara posterior, torna-se indispensável a utilização de corticóides sistémicos a par de fármacos como a ciclosporina A, a azatioprina, o interferon α ou até agentes biológicos como o infliximab.De registar, por fim, o aparecimento da Behçet em Portugal – “Associação Portu-guesa da Doença de Behçet”, cujos membros têm demonstrado enorme empenho na divulgação e partilha de informações sobre esta doença.

Para saber mais http://behcetemportugal.blogspot.com

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A Síndrome de Cornelia de Lange (CdLS) é uma patologia associada a malformações congénitas e atraso do desenvolvimento psicomotor com uma prevalência de cerca de 1:10.000. O CdLS apresenta um espectro de leve ou moderado a grave. As características físicas típicas são o atraso de crescimento pré e pós natal, atraso do desenvolvimento psi-comotor, microcefalia, baixa estatura e hipertricose. Os doentes têm dismorfia facial ca-racterística, com sinófrio (sobrancelhas unidas ao centro), pestanas longas, lábio superior fino, comissuras labiais inclinada para baixo, narinas antevertidas e filtro liso. Anomalias dos membros superiores vão desde mãos pequenas até malformações graves como ausência de dedos ou da mão; é frequente a sinostose rádio-cubital. São muito fre-quentes as alterações esofagogástricas, particularmente o refluxo gastroesofágico (RGE), estenose pilórica e hérnia do hiato, que aumentam a predisposição para pneumonias de aspiração. Podem estar presentes anomalias oculares (ptose palpebral, miopia, nistagmo,

Cornelia de LangeO seguimento deve ser feito por uma equipa multidisciplinar

que inclua Pediatria de Desenvolvimento, Genética, Neuropediatria, Gastrenterologia Pediátrica, Oftalmologia, ORL e Estomatologia,

além de equipa de estimulação global, terapia da fala e fisioterapia.

O EspecialistaCristina Dias

Licenciada em Medicina pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Uni-

versidade do Porto

Realizou o Internato Geral no Hospital Geral de Santo António, Porto

Internato de Especialidade em Genética Médica no Centro de Genética Médica

Doutor Jacinto Magalhães, Porto.

Realiza investigação clínica na área da Síndrome de Cornélia de Lange

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estenose do ducto lacrimal), genitourinárias (criptorquidia, malformações do tracto uri-nário), cardiopatia congénita estrutural e alterações do sistema nervoso central. Até 80% tem surdez e muitos doentes têm alterações do comportamento.O CdLS é uma doença hereditária autossómica dominante, na maioria dos casos espo-rádica, com um risco de recorrência de 1,5%. Verificam-se alguns casos com heredita-riedade ligada ao X. Até 50% dos doentes com um diagnóstico clínico tem mutações no gene NIPBL (localizado no cromossoma 5, em 5p13.1). Muito menos frequentes são as mutações nos genes SMC1A (localizado no cromossoma X em Xp11.2) e SMC3 (10q25). O diagnóstico de CdLS é clínico; a não identificação de uma mutação não exclui o diag-nóstico. Recomenda-se a referenciação a Consulta de Genética e Neuropediatria, assim como observação por Oftalmologia e outras especialidades médicas de acordo com os achados clínicos. Ao diagnóstico é efectuado ecocardiograma, ecografia renal, avaliação auditiva, hemograma e RX dos membros superiores. Deve ser feita uma avaliação das dificuldades alimentares e sinais/sintomas de RGE, com referenciação a Gastrenterologia e Nutrição. A criança deve ser prontamente referenciada para uma equipa de interven-ção precoce para avaliação do desenvolvimento e início de programa de estimulação. O seguimento dos doentes com CdLS deve ser feito por uma equipa multidisciplinar em centro de referência que inclua Pediatria de Desenvolvimento, Genética, Neuropediatria, Gastrenterologia Pediátrica, Oftalmologia, ORL e Estomatologia, assim como equipa de estimulação global, terapia da fala e fisioterapia. Neste momento, vários grupos europeus (incluindo um multicêntrico dos Serviços de Genética em Portugal) e internacionais estão a estudar o CdLS em várias perspectivas. Procuram-se outros genes responsáveis por esta síndrome e tenta-se compreender melhor como os genes envolvidos contribuem para o fenótipo. Estudos clínicos decorrem no sentido de conhecer melhor a história natural e a prevalência das diferentes complicações de forma a oferecer o melhor seguimento e cui-dados antecipatórios a estes doentes.

Para saber mais www.rarissimas.pt

www.cdlsworld.org

www.cdls.org.uk

www.cdlsusa.org

www.genetests.org

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A Síndrome de Costello foi descrita, pela primeira vez, nos anos setenta por um mé-dico neozelandês com esse nome. É uma situação polimalformativa rara caracterizada por face típica, alterações cutâneas e musculo-esqueléticas, anomalias cardiovascula-res, atraso mental e predisposição tumoral.A face típica resulta da combinação de cabeça grande, nariz pequeno e bulboso, bo-chechas cheias e uma grande boca com lábios grossos e língua grande. Os aspectos cutâneos característicos consistem em cabelo esparso e encaracolado, pele escura e redundante com pregas palmares e plantares profundas e papilomas. As alterações musculo-esqueléticas incluem encurtamento de tendões, o de Aquiles em particular, hipermobilidade das articulações das extremidades, e (cifo) escoliose. As anomalias cardíacas compreendem malformações congé-nitas, cardiomiopatia hipertrófica e alterações do ritmo cardíaco. A neoplasia mais frequente nestes doentes é o rabdomiossarcoma, seguido do neuroblasto-ma e do carcinoma de células de transição da bexiga. O atraso mental é variável, mas quase sempre significativo.

CostelloA neoplasia mais frequente nestes doentes

é o rabdomiossarcoma, seguido do neuroblastoma e do carcinoma de células de transição da bexiga. O atraso mental é variável,

mas quase sempre significativo.

O EspecialistaAna Berta Sousa

Doutorada em Genética

Especialista em Genética Médica

Assistente Hospitalar no Serviço de Genética Médica do Hospital de Santa Maria

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A história natural é também muito típica e consiste em polihidrâmnios, peso elevado ao nascer, história pós-natal de dificuldades alimentares e atraso de crescimento gra-ve. Os problemas gastrointestinais são tão importantes que muitas crianças precisam de uma sonda nasogástrica, ou mesmo uma gastrostomia, para se alimentar durante os primeiros anos de vida. Habitualmente, estes problemas resolvem-se até aos 6 anos de idade. Além das dificuldades alimentares, nos primeiros anos, é frequente haver alterações do sono e um feitio difícil, mas estes problemas costumam desaparecer com os alimentares. Depois disso, estes meninos são, regra geral, simpáticos, sociáveis e cheios de sentido de humor.No final de 2005, foram identificadas mutações germinais no gene HRAS em doentes com o diagnóstico clínico de Síndrome de Costello. Mutações somáticas nos genes RAS são frequentes nos cancros humanos. Sabe-se hoje que mutações germinais em genes da via de sinalização Ras são responsáveis por uma família de Síndromes que inclui a Síndrome de Noonan, a Síndrome de LEOPARD, a Síndrome Cardio-Facio- -Cutâneo e a Síndrome de Costello.As proteínas Ras são pequenas GTPases que actuam como interruptores molecu-lares, assumindo uma conformação activa (ligada ao GTP) ou inactiva (ligada ao GDP). A vasta maioria dos doentes com Síndrome de Costello, estudados até à data, apresenta uma mutação no codão 12 ou 13 de HRAS. Mutações nestas posições bloqueiam a proteína na conformação activa e são responsáveis pela activação de efectores a juzante em vias de transdução de sinal responsáveis pela regulação da proliferação e diferenciação celulares. As mutações foram encontradas em hetero-zigotia e ocorreram de novo em todos os casos em que os progenitores puderam ser estudados, o que está de acordo com a ocorrência habitualmente esporádica e o baixo risco de recorrência noutros filhos do casal.

Para saber mais www.news.costellokids.com

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As Distrofias Musculares são um grupo de mais de 60 doenças, todas elas raras, com uma evolução diferente entre si mas que têm em comum a atrofia e a fraqueza muscu-lar. Esta fraqueza é variável em intensidade e distribuição, entre os diferentes tipos de distrofias e, em menor grau, dentro do mesmo tipo de distrofia.Foi em 1868 que Duchenne, um neurologista francês, descreveu uma doença muscu-lar que afectava apenas rapazinhos e era fatal antes dos vinte anos, introduzindo pela primeira vez o conceito de distrofia muscular – a um quadro clínico de fraqueza mus-cular progressiva ao longo de anos correspondia uma biópsia muscular com necrose, infiltração gorda e substituição fibrosa. Ao longo do Século XX foi-se estabelecendo a definição de três grandes grupos de distrofias musculares – as Distrofias Musculares Congénitas, presentes à nascença, e pouco ou mesmo não progressivas, e as Distrofias de Duchenne/Becker e das Cintu-ras, progressivas, mas com hereditariedades e idades de início diferentes.A identificação do gene da distrofia de Duchenne, em 1987, e a posterior identificação da proteína que esse gene codificava, a que os investigadores chamaram distrofina, inaugurou uma nova era no conhecimento destas doenças. Veio a verificar-se que a distrofina é apenas uma peça de um vasto conjunto de proteínas que se articulam entre si e constituem um esqueleto fundamental da célula muscular. Algumas doenças musculares que, em tempos idos, pela semelhança do quadro clínico, também receberam o nome de distrofia, como a Distrofia Miotónica, a Distrofia Facioescapuloumeral e a Distrofia Oculofaríngea, não são verdadeiras distrofias musculares, segundo esta definição clínico-patológica. Por isso não fa-laremos delas.São sempre doenças causadas por erros genéticos, ou seja, defeitos no material bioló-gico que transporta a informação que passa dos pais para os filhos, os genes.

Distrofias MuscularesSão sempre doenças causadas por erros

genéticos, ou seja, defeitos no material biológicoque transporta a informação que passa dos pais

para os filhos, os genes.

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Há formas diferentes de transmissão destes problemas: – distrofias autossómicas recessivas, em que o defeito vem dos dois proge- nitores, que são portadores de um erro mas não são doentes; quando o erro herdado dos dois se encontra em dose dupla (homozigotia) num filho ou filha, este manifesta a doença; – distrofias autossómicas dominantes, em que o erro é herdado só de um dos progenitores (que também é doente) e provoca doença no filho ou filha; – distrofias de hereditariedade ligada ao sexo em que a mãe é portadora sem doença e transmite o defeito aos filhos rapazes (quase exclusivamen- te), que manifestam a doença.

A alteração no gene leva à deficiência ou mesmo à ausência de certas proteínas fun-damentais para o correcto funcionamento das células musculares que vão progres-sivamente sendo destruídas e substituídas por células de gordura e tecido fibroso cicatricial. Em fases precoces da doença, os músculos podem parecer aumentados de volume e com uma consistência de borracha muito característica (a chamada pseudo hipertrofia) mas com o progredir da destruição muscular vai instalar-se

O EspecialistaManuela Santos

Neuropediatra

Coordenadora da Consulta de Doenças Neuromusculares, Hospital Maria Pia,

Centro Hospitalar do Porto

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uma atrofia marcada, com substituição do músculo por cordões fibrosos que provo-cam retracções e imobilizações articulares. A sintomatologia das distrofias musculares é dominada pelas consequências da des-truição dos músculos esqueléticos que varia muito consoante a idade em se instala, os grupos musculares que atinge e a velocidade com que progride. Apesar de, em regra, se falar da fraqueza dos membros (inferiores e superiores), todos os músculos podem estar envolvidos, incluindo os músculos da face ou os músculos da deglutição, os músculos que sustentam o pescoço ou toda a coluna. Nos casos mais graves pode também haver envolvimento do músculo cardíaco e dos músculos respiratórios. Destacamos os principais grupos de distrofias musculares de acordo com o grupo etário em que aparecem os primeiros sintomas:

– Distrofias musculares congénitasNeste tipo de doenças existem sinais ou sintomas, que surgem muito precocemente, alguns até mesmo na vida intra-uterina, tais como poucos movimentos fetais durante a gravidez ou um aumento do liquido amniótico. Contudo, habitualmente, é após o nascimento que os pais ou o médico se preocupam. Quando nasce, o bebé é hipotóni-co, isto é “molinho”, “mexe-se pouco”, apresenta artrogripose, isto é, limitação da mo-bilização das articulações ou pode ter dificuldades em respirar ou em mamar ou em engolir os alimentos. Nalguns casos os sintomas só são notados ao longo do primeiro ano de vida. A criança não tem o desenvolvimento motor esperado, como por exem-plo, não sustenta a cabeça, não se senta, ou não se coloca de pé, na idade habitual.Alguns doentes têm uma grave incapacidade e nunca chegam a conseguir andar, ou mesmo a sustentar a cabeça Alguns têm, mesmo, compromisso ventilatório. Outros têm um desenvolvimento mais lento mas vão sempre melhorando. Aliás, duma forma geral, esta doença não é progressiva, ao contrário de outras distrofias musculares que aparecem mais tarde. Algumas destas distrofias congénitas associam-se a doença do sistema nervoso cen-tral, havendo um défice cognitivo.São, em regra, doenças autosómicas recessivas, e são vários os defeitos genéticos já conhecidos que podem causar estas doenças.

– Distrofias de início na infância Nestas formas de apresentação na infância, a criança desenvolve-se dentro dos parâ-metros normais. Por vezes, os pais notem que a criança é “um pouco mais lenta” do

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que os outros meninos, mas vai conseguindo progredir no seu desenvolvimento. Em determinada idade, que varia conforme o tipo de distrofia, a criança deixa de fazer progresso e começa a regredir do ponto de vista motor. Esta regressão é devida a uma fraqueza muscular que surge, em regra, inicialmente, nos membros inferiores e que depois vai progredindo, envolvendo de forma variável toda a musculatura. A distrofia muscular com maior prevalência nesta faixa etária é a distrofia de Duchenne.

– Distrofia de DuchenneA distrofia de Duchenne tem uma hereditariedade ligada ao X. Em cerca de metade dos casos, a alteração do gene surge espontaneamente, sendo o primeiro caso da fa-mília. Considera-se que esta doença ocorre num em cada 3500 nascimentos do sexo masculino. Nalgumas crianças é o facto da marcha surgir só aos 18-19 meses e ser uma marcha com baloiço (a chamada marcha de “pato”) que alerta os pais para a existência de um problema. Noutros casos a descoberta é acidental por serem detectadas aumentos de transaminases, uma análise que está alterada nas doenças do fígado, mas que está igualmente elevada nas doenças musculares. Na maioria dos casos, a criança tem um desenvolvimento normal e pelos 2-3 anos começa a ser notada uma dificuldade em subir escadas, uma incapacidade em correr e quedas frequentes. Mais tarde a fraqueza é notada também a nível dos membros superiores. Pelos 8 a 12 anos a criança deixa de conseguir andar. O envolvimento da musculatura cardíaca e da musculatura respi-ratória surgem ao longo da segunda década de vida. A escoliose é um dos problemas que necessita de atenção no final da primeira e no início da segunda décadas de vida. Ao longo de toda a evolução surgem frequentemente problemas nutricionais quer de obesidade quer de emagrecimento. Alguns destes doentes têm associado um atraso mental que se manifesta na primeira década com dificuldade na aprendizagem.

– Distrofias de início na adolescência e idade adultaQuando a distrofia muscular surge na adolescência ou idade adulta os sintomas são dominados pela perda de força, primeiro nos membros inferiores e depois nos mem-bros superiores. Na maior parte dos casos, os músculos mais atingidos são os mús-culos proximais: os doentes queixam-se de dificuldade de se levantar da posição de sentados, sobretudo se estiverem em assentos baixos e de dificuldade de subir escadas e quando os braços começam a fraquejar, não conseguem pentear-se ou tirar objectos de armários altos. Com o progredir da doença o doente deixa de poder andar e de me-

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xer as mãos e músculos tão importante como os músculos respiratórios podem tam-bém começar a falhar, obrigando à utilização de máquinas para apoio da respiração. Nalgumas destas doenças o coração também é afectado, noutras não. Neste grupo de doenças com início nestas faixas etárias inclui-se a distrofia de Becker, uma distrofinopatia com hereditariedade ligada ao cromossoma X e erro genético localizado no mesmo gene da distrofia de Duchenne mas com início mais tardio e menor gravidade clínica e inúmeras doenças incluídas no grupo das Distrofias das Cinturas, algumas, poucas, com hereditariedade autossómica dominante, e muitas outras com hereditariedade autossómica recessiva, com defeito genético já conhecido, outras com defeitos genético ainda por identificar.

Quando a observação clínica levanta a hipótese de se tratar de uma distrofia muscular, o exame de diagnóstico fundamental é a biopsia de músculo, porque para além de confirmar o diagnóstico clínico é fundamental para orientar o diagnóstico genético. O estudo genético efectua-se, em regra, no sangue. Por vezes, é necessário efectuar este estudo no músculo. Em casos particulares, como em distrofias com história familiar em que o erro genéti-co está já bem caracterizado, o médico pode dispensar a biopsia e pedir directamente um estudo genético numa amostra de sangue. A análise da biopsia pode ou não mostrar qual a proteína que está deficiente. Se mos-trar podemos prosseguir para o estudo genético. Se nem a biopsia, nem a clínica de-rem qualquer pista, não é possível prosseguir os estudos genéticos e o doente ficará sem um diagnóstico preciso, pelo menos nesse momento. Por vezes são necessários alguns anos até que seja descoberto qual o defeito genético que causou a doença.Actualmente, já conseguimos chegar a um diagnóstico genético em mais de 75% dos casos, permitindo pelo menos estabelecer um prognóstico e oferecer aconselhamento genético à família.São doenças sem tratamento curativo, o que não quer dizer que não seja importante fazer muita coisa para melhorar as condições de vida dos doentes e prolongar a sua sobrevida.Evitar as retracções, melhorar a postura e a funcionalidade, adaptar as ajudas técnicas às várias fases da doença, impedir a desnutrição ou o excesso de peso, corrigir cirurgi-camente a escoliose, prevenir as infecções respiratórias, tratar a insuficiência cardíaca e respiratória são alguns dos aspectos importantes. O apoio psicológico e social, ao doente e à família e a ligação à escola e à formação profissional são outros aspectos

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Para saber mais www.apn.pt

www.treat-nmd.eu/home.php

que não podem ser descuidados. O seguimento dos doentes deve ser multidisciplinar, conjugando a intervenção de várias valências clínicas e sociais. Uma equipa de Neurologia, Medicina Física, Car-diologia, Pneumologia/Ventilação, Nutrição, Ortopedia, Psiquiatria e Serviço Social constitui a equipa básica de seguimento e apoio destes doentes.A corticoterapia tem sido usada em várias distrofias. Na Distrofia de Duchenne, a corticoterapia é usada em quase todos os casos. Os esquemas são variáveis podendo ser usados diariamente ou de forma descontinuada. Os objectivos são os de melho-rar a capacidade física da criança e retardar a perda da marcha. Contudo, a resposta ao tratamento é variável e pode ser necessário suspender a medicação devido aos efeitos secundários. A comunidade científica está a desenvolver estratégias novas de tratamento, alguns deles já em fase de utilização em ensaio clínico no homem. Em muitos casos, procu-ram-se terapêuticas que resultem em determinados tipos de defeitos genéticos. Actualmente, a nível da Comunidade Europeia, foi criada uma rede TREAT NMD, para doentes neuromusculares e profissionais clínicos ou investigadores, de forma a desenvolver uma melhoria no diagnóstico, cuidados e no tratamento destes doentes cujo sítio pode ser visitado em www.treat-nmd.eu/home.php.Esta rede permitirá que, assim que exista uma terapêutica nova, o doente com um determinado defeito genético específico, passível dum tratamento, seja imediata-mente localizado nessa grande base de registos e seleccionado para rapidamente iniciar o tratamento.Para diagnóstico, mas também para seguimento, os doentes devem ser encaminhados para os Serviços de Neuropediatria e Neurologia que dispõem de Consultas de Doen-ças de Doenças Neuromusculares.

Com a colaboração da Drª Teresa Coelho, Neurologista e Coordenadora da Consulta de Doenças Neuro-

musculares do Hospital de Santo António, Centro Hospitalar do Porto

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A Drepanocitose (anemia de células falciformes) é uma anemia hemolítica hereditá-ria que cursa com vaso-oclusão dos capilares, provocando lesões isquémicas acom-panhadas de dores muito violentas. As manifestações são predominantemente a nível ósseo, pulmonar, renal, esplénico, sistema nervoso central e genital (priapismo) e tra-duzem lesões multiorgânicas.O diagnóstico é, em geral, no 1º ano de vida, num lactente que chora, está irritado, tem edema dos pés e das mãos e uma anemia hemolítica com células falciformes

DrepanocitoseO diagnóstico é, em geral, no 1º ano de vida, num lactente

que chora, está irritado, tem edema dos pés e das mãose uma anemia hemolítica com células falciformes (drepanócitos)

no esfregaço de sangue periférico.

O EspecialistaMaria Letícia de Sousa Ribeiro

Licenciatura em Medicina pela Universidade de Coimbra

Graduação em Consultor de Hematologia Clínica

Especialista de Hematologia no CHC

Responsável pela Unidade de Hematologia Molecular – Anemias Congénitas, do

Centro Hospitalar de Coimbra (CHC)

“Research Fellow” no Department of Biochemistry and Molecular Biology, Medical

College of Georgia (MCG)

Directora do Serviço de Hematologia do CHC, EPE

Directora do Departamento de Hematologia do CHC,EPE

Presidente da Sociedade Portuguesa de Hematologia

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(drepanócitos) no esfregaço de sangue periférico. A severidade clínica é heterogénea, dependendo de factores genéticos e socio-económicos. A Hemoglobina (Hb) S é fre-quente nos Africanos, mas também existe nos Portugueses caucasianos.A Drepanocitose é devida à presença de uma Hb anormal – Hb S, que polimeriza, quando há baixa tensão de O2, deforma os eritrócitos que ficam rígidos, lesam o en-dotélio vascular e provocam obstrução dos capilares. O diagnóstico é feito por um estudo de Hbs (HPLC), ou por electroforese Hbs, onde se detecta Hb S e Hb F e Hb A2 em pequenas quantidades. O teste de solubilidade confirma o diagnóstico. A maioria dos doentes com Drepanocitose tem homozigotia para a Hb S (SS), mas também podem ser SC, SD, SO-Arab ou S/β-talassemia. Os portadores de Hb S (AS) não têm a doença e têm parâmetros hematológicos normais. Um casal em que ambos os elementos são AS, ou um é AS e o outro tem outra variante de Hb ou β-Tal, tem, em cada gestação, 25% de probabilidade de ter um filho com Drepanocitose. A este casal deve ser oferecido o aconselhamento genético e, se indicado, o diagnóstico pré-natal.Quando é detectada uma HbS deve ser feita a identificação de outros portadores na fa-mília, em idade de ter filhos. O cônjuge deve fazer um hemograma e um estudo de Hbs. Devido às múltiplas complicações, os doentes com Drepanocitose devem ser tratados em Centros especializados, com equipas multidisciplinares.O diagnóstico precoce é importante para iniciar a prevenção das infecções, que deve ser feita até aos 5 anos de idade. O calendário vacinal deve incluir a vacina anti-hemó-filos, anti-pneumococos, anti-meningococos e anti-hepatite A e B. Os principais factores desencadeantes dos fenómenos de vaso-oclusão são as infec-ções, a febre, a desidratação e as mudanças bruscas de temperatura. Os doentes devem ser bem informados para evitar estas situações. Nos episódios dolorosos deve ser ins-tituída, de imediato, uma analgesia eficaz e administrados líquidos em abundância. As infecções devem ser prontamente tratadas, tendo em atenção que estes doentes de-senvolvem hipoesplenismo por fibrose do baço. A transfusão de eritrócitos tem indi-cações muito estritas e, na maioria delas, devem ser feitas transfusões permuta. Todos os doentes devem tomar ácido fólico. O tratamento com Hidroxiureia reduz o número e a gravidade dos fe-nómenos vaso-oclusivos. Os casos mais graves podem beneficiar de transplante de progenitores hematopoiéticos.

Para saber mais www.scinfo.org

www.enerca.org

www.orphanet.pt

www.chc-hematologia.org

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A Síndrome de Ehlers-Danlos (SED) é o nome dado a um grupo de anomalias herda-das através de mutações genéticas que interferem com a produção de colagénio, uma proteína fibrosa que confere resistência e elasticidade ao tecido conjuntivo – pele, tendões, ligamentos, cartilagem e paredes de órgãos e vasos sanguíneos. É uma situação rara ocorrendo em 6 subtipos principais. Todos afectam as articula-ções e, a maioria, a pele. Os sintomas mais frequentes reflectem a fragilidade do tecido conjuntivo, tais como hipermobilidade articular e fragilidade e laxidão cutânea. Ou-

Ehlers-DanlosAlém da história clínica e do exame físico, existem meios complementares de diagnóstico tais como testes genéticos, biopsia de pele e ecocardiograma. A maioria dos doentes tem uma vida relativamente normal, embora com

algumas restrições à actividade física. A inteligência não é afectada.

Licenciado em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade

Nova de Lisboa

Especialista de Pediatria Médica, dedicado à área de Imuno-Hematologia

Assistente Hospitalar Graduado do Hospital Dona Estefânia, exercendo funções

de Chefe de Serviço

Assistente Convidado de Clínica Pediátrica da Faculdade de Ciências Médicas da

Universidade Nova de Lisboa

O EspecialistaAntónio Manuel Bessa de Almeida

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tros são hérnias, luxações, fraqueza/hipotonia muscular, atraso do desenvolvimento motor, escoriações frequentes e de difícil cicatrização, anomalias das válvulas cardía-cas e ruptura espontânea de artérias, aneurismas ou órgãos ocos. A forma de hipermobilidade (ex-tipo III) é a mais frequente (1 em 10000-15000 pes-soas) com predomínio de manifestações articulares, tendo como consequência prin-cipal a artrose precoce. A forma clássica (ex-tipos I e II) atinge 1 em 20000-40000 pessoas. Além das manifestações articulares, afecta também significativamente a pele e é causadora de hérnias e envelhecimento precoce da pele.A forma vascular (ex-tipo IV) é especialmente grave. Afecta 1 em 250000 pessoas. A sua gravidade prende-se com a ruptura de vasos sanguíneos e órgãos ocos, sendo causa frequente de doença grave ou morte (esperança média de vida 48 anos).A transmissão é genética, sendo a forma mais frequente a autossómica dominante, ou seja, um doente tem 50% de hipóteses de transmitir a doença à descendência.Além da história clínica e do exame físico, existem meios complementares de dia-gnóstico tais como testes genéticos, biopsia de pele e ecocardiograma.A maioria dos doentes tem uma vida relativamente normal, embora com algumas restrições à actividade física. A inteligência não é afectada.A gravidez conduz a um risco de parto prematuro e, em casos graves, hemorragia e ruptura. Em alguns casos é desaconselhada.Não existe tratamento curativo para a doença. O tratamento assenta no alívio dos sintomas e na prevenção de complicações. Em caso de cirurgia, esta condição deve ser comunicada à equipa médica. A analgesia é basilar, assim como a protecção de modo a evitar luxações ou feridas. A fisioterapia de fortalecimento dos músculos periarticu-lares tem um papel importante.Deve ser procurado aconselhamento genético no caso de se desejar ter filhos, para esclarecimento dos padrões de trans-missão e dos riscos inerentes.Encarar a doença implica um auto- -conhecimento da patologia, na par-tilha de experiência e em redes de suporte. As crianças com esta doen-ça devem ser tratadas de forma tão normal quanto possível e as rotinas devem ser adequadas para reduzir os riscos de lesão.

Para saber mais http://sindromedeehlersdanlos.blogspot.com

http://apeslfb.wordpress.com/sindrome

-de-ehlers-danlos

www.mayoclinic.com/health/ehlers-danlos

-syndrome/DS00706

www.ehlers-danlos.org

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Em 1880, Bourneville atribuiu pela primeira vez o nome de Esclerose Tuberosa a uma as-sociação de características descritas mais tarde, em 1908, por Voigt. Face à variabilidade de achados clínicos e à evidência de uma causa genética heterogénea, esta patologia é também conhecida como o complexo da esclerose tuberosa. Corresponde a uma doença autossó-mica dominante com uma incidência de 1 em 8000-23000 nados-vivos, podendo estar envolvidos os genes nos cromossomas 9q34 e 16p13.3. Clinicamente, a esclerose tuberosa pode manifestar-se por crises convulsivas, angiofibromas faciais, fibromas ungueais, mácu-

Esclerose TuberosaAs complicações mais preocupantes são aquelas

que afectam o sistema nervoso central, nomeadamenteas crises convulsivas (88-93%), o atraso mental (60-80%)

e as calcificações intracraneanas (56%).

O EspecialistaCoordenação Técnica de Ana Campos

Licenciada em Ciências Farmacêuticas pela Universidade de Lisboa

Posgraduação em Toxicologia Genética e Toxicogenómica pela Faculdade de Ci-

ências Médicas de Lisboa

Especialização em Bioética em Biotecnologia e Psicologia da Saúde, pela Universi-

dade Católica Portuguesa (UCP)

Desenvolve desde 2005 projectos com a Raríssimas, sendo actualmente coorde-

nadora de projectos entre DGS-Raríssimas, no âmbito de serviços de informação

sobre doenças raras e medicamentos órfãos

Colaboração em projectos com o Laboratório de Farmacologia da FMUL e Infarmed

Colaboração com os grupos ENCePP (3rd WG) EMEA, ICORD (III and IV WG)

e a Pastoral da Saúde (Setúbal)

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las hipopigmentadas e tumores do coração, dos rins e do sistema nervoso central (cérebro e retina). Como em muitas outras situações estas características ocorrem, também, em outras doenças, que devem ser diagnosticadas adequadamente. As complicações mais preocupan-tes são aquelas que afectam o sistema nervoso central, nomeadamente as crises convulsivas (88-93%), o atraso mental (60-80%) e as calcificações intracraneanas (56%). As convulsões iniciam-se precocemente, em 20% dos doentes antes dos 3 meses de vida, em 46% entre os 3-7 meses e em apenas 4% depois dos 5 anos de idade. As crises mais frequentes são as tónico-clonicas (41%) e os espasmos infantis (30%). As alterações do comportamento são frequentes, particularmente a hiperactividade (28%), o relacionamento social pobre (43%), os comportamentos repetitivos (25%), a agressividade (25%) e a auto-mutilação (29%). Os tumores cerebrais ocorrem em 6-14% desta população de doentes, sendo os tumores car-díacos mais frequentes (30-67%). Estes tumores afectam o músculo cardíaco e, em muitos casos, regridem com o tempo, mas a mortalidade é alta quando sintomáticos. Os problemas endócrinos são raros. A doença pulmonar quística predomina nas mulheres e causa sinto-mas após a 3ª década de vida. Alguns doentes têm tumores da retina, mas é raro o défice visual. Os ossos dos dedos e menos frequentemente os ossos longos podem ter alterações quísticas assintomáticas. Apesar do conjunto de critérios da esclerose tuberosa estar bem definido, algumas das características descritas não se manifestam durante a infância e, como tal, o diagnóstico nesta fase poderá ser apenas provável ou suspeito, implicando uma vi-gilância periódica. As medidas preventivas visam a avaliação precoce dos vários sistemas afectados por esta doença. Quando diagnosticada no período neo-natal, deve-se recorrer à ecocardiografia e à imagiologia cerebral a fim de determinar a presença/ausência de tumo-res. Sempre que se constatarem alterações do comportamento, um aumento de perímetro cefálico e sintomatologia compatível com hipertensão intracraneana, é fundamental excluir um tumor cerebral. A epilepsia requer o apoio da neuropediatria e, em casos refractários, de tratamento cirúrgico. O atraso mental implica uma abordagem multidisciplinar, particular-mente da terapia da fala, a fisioterapia e a terapia ocupacional. A avaliação ecográfica dos rins deve ser realizada aquando do diagnóstico com reavaliações periódicas. A possível ocorrên-cia de doença pulmonar quística nos adultos justifica a realização regular de radiografias do tórax. Estes doentes têm 50% de risco de transmitir a doença aos seus filhos. Sendo uma doença autossómica dominante, e como alguns portadores são assintomáticos, é im-portante investigar os pais destas crianças a fim de se poder realizar o aconselhamento genético adequado.

Para saber mais www.tsalliance.org

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A Doença de Fabry (DF), é uma patologia genética de transmissão recessiva, ligada ao cromossoma X, envolvendo uma alteração genética que leva ao défice de uma enzima lisossomal (alfa-galactosidase A) fundamental para o metabolismo dos glucoesfin-golipídios. A DF pertence ao grupo das Doenças Lisossomais de Sobrecarga DLS. O defeito enzimático conduz a uma acumulação do substrato (GL3) não degradado nos tecidos e no plasma. Esta acumulação é muito semelhante ao processo de ateroscle-rose que acontece em indivíduos sem DF numa idade mais avançada. Na sua forma clássica, a doença afecta de modo mais grave o homem (o homem tem apenas um cromossoma X e por isso a doença manifesta-se mais precocemente). Nestes, os sinais clínicos da doença começam a despontar durante a infância, incluindo dores nas ex-tremidades e sinais dermatológicos (angioqueratomas). Paralelamente, desenvolve- -se uma doença de sobrecarga multi-visceral, que se manifesta com sintomas cardía-cos apresentando hipertrofia ventricular esquerda, sintomas neurológicos que se ma-nifestam por acidente vascular cerebral (AVC), sintomas de hipoacúsia (diminuição da audição) e alterações renais que, inicialmente, podem restringir-se à proteinúria mas evoluem posteriormente para insuficiência renal. Têm também sido descritos casos, entendidos como variantes da doença, em que o doente revela apenas uma das características sintomáticas, só doença cardíaca ou renal. A mulher tem 2 cromosso-mas X e, como a doença é recessiva, é portadora da DF e geralmente, apresenta uma forma menos grave. Estima-se que a incidência desta doença seja de 1 caso em 40 mil nados-vivos. A idade de início dos sintomas é muito variável e tanto podem surgir na infância ou na adolescência como, mais tardiamente, na segunda ou terceira décadas de vida. De toda a maneira, a acumulação de GL3 nos tecidos vai progredindo ao longo da vida dos doentes e, por exemplo, um AVC num jovem, pode constituir a apresentação inaugural da DF.

FabryOs sintomas iniciam-se na infância, por episódios febris

e manifestações neurológicas: acroparestesias nos membros,anidrose, intolerância às variações térmicas,

exercício físico, e hipotensão.

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Os sinais precoces de DF incluem crises de dor aguda intensa nas extremidades com sensação de queimadura (acroparestesia) e/ou crises de dor mais generalizadas, dores das articulações, musculares ou abdominais, por vezes acompanhadas de febre, crises essas que duram alguns minutos até alguns dias e que se vão tornando mais espaçadas à medida que o doente avança na idade adulta. São muitas vezes catalogadas como “dores de crescimento”. As lesões cutâneas apresentam a forma de pequenas pápulas de cor vermelha escura ou negra, com pele mais espessa, situando-se preferencial-mente à volta do umbigo e nas nádegas. Pode também ocorrer uma diminuição da transpiração (hipohidrose) ou, em casos mais excepcionais, o doente simplesmente não transpira (anidrose). São também frequentes os problemas oculares, que ocorrem sob a forma de opacidade da córnea e cataratas.Na terceira e quarta década, a evolução da doença leva ao aparecimento de problemas cardíacos decorrentes da insuficiência do ventrículo esquerdo, alterações das válvulas cardíacas e da circulação.Surgem também problemas renais, que são a principal causa de morte em indivíduos jovens. Inicialmente, o doente pode ter proteinúria (albumina na urina) e ser assin-tomático mas, posteriormente, desenvolve insuficiência renal crónica. Ao nível do

O EspecialistaLuís Brito Avô

Licenciatura em Medicina

Assistente Hospitalar Graduado de Medicina Interna do Hospital de St Maria (HSM)

Especialista em Medicina Interna

Chefe de Unidade Assistencial e de Equipa de Serviço de Urgência do HSM

Tutor da Faculdade de Medicina de Lisboa

Membro da International Society of Internal Medicine

Membro da European Federation of Internal Medicine

Membro da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna

Coordenador do Núcleo de Estudos de Doenças Raras da Soc. Port. de Med. Interna

Membro do Conselho Científico da Associação Raríssimas

Membro do Conselho Científico da Associação de Doenças Lisosomais

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sistema nervoso, a principal consequência é o AVC, com tromboses, tonturas, dores de cabeça e alterações de comportamento. Esta situação decorre, ainda, pelo facto destes doentes terem geralmente hipertensão, além de ureia e creatinina plasmáticas elevadas. Existem variantes atípicas no homem, sendo as mais conhecidas as variantes cardíacas, devido às quais, o sintoma inicial tardio da presença da DF se materializa numa cardiomiopatia ou num enfarte do miocárdio. Estas variantes apresentam uma actividade residual da alfa Galactosidase A, contrariamente ao observável nas pessoas com DF típica. Na mulher, as variantes apresentam uma sintomatologia muito redu-zida. 70% apresentam opacidades da córnea e 30% apresentam angioqueratomas: No entanto os quadros clínicos mais graves, que apresentam problemas renais e cardía-cos, são extremamente raros, ficando provavelmente a dever-se a uma inactivação incompleta do cromossoma X que apresenta a mutação. O diagnóstico no homem faz-se verificando o défice de alfa Galactosidase A através de uma análise de sangue enquanto o estudo da sobrecarga de GL3, na urina e no sangue é mais interessante para o estudo das variantes da DF com actividade enzimática residual. Na mulher, a avaliação da actividade da alfa Galactosidase A revela-se por vezes insuficiente, pelo que é importante fazer o estudo da mutação genética.A questão do diagnóstico diferencial surge quando o quadro sintomático se apre-senta incompleto e, como se trata de uma doença rara, não estará entre as primeiras hipóteses diagnósticas colocadas. É difícil diagnosticar DF num estado febril re-corrente associado a dores nas mãos e nos pés, dado que pode ser encarado como reumatismo articular. Até dentro do grupo das LSD pode existir dificuldade em diagnosticar a DF porque existem outras patologias que igualmente se associam a opacidade da córnea. Os an-gioqueratomas também podem surgir noutras patologias.Desde 2001, existe terapêutica específica para a DF que consiste na substituição da en-zima deficiente (terapêutica de Substituição Enzimática) com proteína recombinante.Sem terapêutica, a doença é progressiva, envolve vários órgãos e sistemas e condicio-na uma redução importante tanto da qualidade de vida como da esperança de vida das pessoas afectadas. O diagnóstico precoce é fundamental para permitir uma instituição precoce da tera-pêutica e, assim, evitar a ocorrência de lesões irreversíveisAs medidas de suporte incluem terapêutica da Dor, cirurgia valvular cardíaca e di-álise ou transplante renal. A terapia genética é uma outra opção para ser ponderada no futuro.

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Para saber mais www.rarissimas.pt

www.aplisosoma.org

www.orpha.net

www.eurordis.org

www.ninds.nih.gov/disorders/fabrys

www.rarediseases.org

www.fabrycommunity.com

www.focusonfabry.com/patients.aspx

A entidade oficial responsável pela confirmação do diagnóstico e pelo seguimento das pessoas afectadas pela DF é o Centro Nacional Coordenador para o Diagnóstico e o Tratamento das Doenças Lisossomais de Sobrecarga, que funciona no Centro de Genética Médica Dr. Jacinto de Magalhães, um dos pólos do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge.Já foram identificadas cerca de 200 mutações no gene GLA do cromossoma X (Xq22). O estudo da família da pessoa com DF é da maior importância tanto para o diagnósti-co de outros membros afectados como para o aconselhamento genético (nas famílias já estudadas é possível fazer diagnóstico pré-natal).

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A Fibrose Quística (FQ) é a doença genética e hereditária mais frequente na raça caucasiana. Estudos populacionais alargados, realizados em diferentes países apon-tam para incidências muito variáveis entre Países e raças. Dos estudos Europeus, a incidência oscila entre 1:2000 a 1:15000 recém-nascidos, enquanto que nos EUA é de 1:3500 nos caucasianos, 1:14000 na raça negra e 1:25500 na amarela. Estima-se que a nível mundial existam 7 milhões de pessoas portadoras da anomalia genética da fibrose quística e cerca de 65.000 com a doença. Em 1938, Dorothy Anderson des-creveu, pela primeira vez, a doença como “cystic fibrosis of the pancreas”. Em 1946, definiu-se o carácter genético da doença e, no início dos anos 80, foi estabelecido que a principal anomalia subjacente à FQ, era um deficiente transporte de cloreto e água, a nível das células epiteliais. Em 1987/1989 foi localizado e isolado o gene responsável pela doença. Normalmente, é diagnosticada nos primeiros anos de vida através da prova de suor e estudo genético. Na década de 60, raramente os doentes atingiam a idade adulta. Actualmente, para uma criança nascida nos anos 90, calcula-se uma sobrevida média predictível de 40 anos. No Centro de Fibrose Quística do Hospital de Santa Maria, actualmente com 102 doentes em seguimento regular, cerca de 45% são adultos. A doença caracteriza-se pela disfunção das glândulas de secreção exter-na dos orgãos onde o gene tem maior expressão: glândulas sudoríperas, brônquios, intestinais, pâncreas, fígado, órgãos reprodutores etc. Estas glândulas, normalmente, produzem secreções que fluem facilmente pelos canais das glândulas até ao exterior. Na FQ estas secreções são francamente mais espessas, mais viscosas, por a anomalia genética provocar alterações no funcionamento das trocas de água e de sal nas células destas glândulas, resultando um muco com menos água do que o normal. Estas secre-ções vão provocar fenómenos de obstrução a vários níveis do organismo produzindo as diferentes manifestações da doença,a nível do pulmão, do pâncreas, das glândulas

Fibrose QuísticaEstima-se que a nível mundial existam 7 milhões de pessoas

portadoras da anomalia genética da fibrose quística e cerca de 65.000 com a doença. Normalmente é diagnosticada nos primeiros anos

de vida através da prova de suor e estudo genético.

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sudoríparas e do aparelho reprodutor. O pulmão que, ao nascer, parece normal vai ser cronicamente infectado por patogénios particulares da FQ. O doente apresenta sintomas mais ou menos persistentes ou graves como tosse persis-tente, expectoração espessa, dificuldade respiratória. Os períodos de agudização pulmo-nar são caracterizados por agravamento destes sintomas e/ou aparecimento de outros.As alterações pancreáticas, provocam défice dos enzimas pancreáticos em 80-95% dos doentes. Os sintomas gastrointestinais de diarreia de fezes abundantes, gordurosas, de cheiro fétido, são a manifestação clínica do défice enzimático. A má absorção, so-bretudo, das gorduras é, sem dúvida, o factor major da má nutrição na FQ. Com a idade há uma diminuição da produção de insulina pelo pâncreas e aparecimento de diabetes relacionada com a FQ. A nível das glândulas sudoríparas produz-se suor com concentração de sódio e cloreto elevada, pelo que o suor é mais salgado. Com base nesta observação foi desenvolvida a principal prova diagnóstica – a prova de suor. No sexo masculino, surge a chamada azoospermia obstrutiva, causa da esterilidade masculina em 97-98% dos doentes. No sexo feminino a fertilidade está diminuída, devido à presença de muco cervical espesso. As investigações no campo da genética permitiram em 1985 localizar no cromossoma 7 o gene responsável pela FQ e, em

O EspecialistaMaria Celeste Canha Coelho Barreto

Licenciada na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

Assistente Hospitalar de Pediatria Médica na Clínica Pediátrica Universitária do

Hospital Santa Maria (HSM)

Chefe de Serviço de Pediatria Médica

Pós-graduação em Gestão de Serviços de Saúde no Instituto Superior de Ciên-

cias do Trabalho e da Empresa

Responsável pela Consulta Especializada Pediátrica de FQ do HSM

Coordenadora do Centro Especializado de Fibrose Quística

Sócia fundadora da Associação Portuguesa de Fibrose Quística (APFQ)

Consultora Científica e sócia fundadora da Associação Nacional de Fibrose

Quística (ANFQ)

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1989, identificá-lo. O gene codifica a síntese de uma proteína, designada por Cystic Fibrosis Transmembrane Conductance Regulator (CFTR), que funciona como canal de cloreto na membrana apical das células epiteliais dos órgãos om expressão do gene. No gene FQ podem ocorrer centenas de mutações diferentes, tendo sido identificadas mais de 1600 mutações, capazes de provocar a doença. No entanto, a mutação mais frequente é a chamada F508del. A doença transmite-se de modo recessivo, isto é, para que um indivíduo manifeste a doença é necessário herdar duas cópias do gene FQ, um de cada progenitor. Os pais, que não têm qualquer sintoma, têm sempre um gene FQ normal e outro anormal, sendo designados por portadores de FQ (heterozigotia). Como cada progenitor transmite um dos seus dois genes ao filho, este pode herdar uma das três combinações possíveis, com as seguintes probabilidades: 25% de herdar 2 genes normais; 50% de herdar 1 gene normal e 1 gene FQ; 25% de herdar 2 genes FQ e, portanto, vir a desenvolver a doença.As probabilidades de estado de homozigoto (com os dois genes anormais) em famílias de risco, são de 1:4, 1:50 e 1:200 respectivamente para irmão, meio-irmão e primo em primeiro grau. Este risco aumentado obriga a aconselhamento genético. Segue-se normalmente a procura de mutações nos dois genes FQ do doente, através da análise do respectivo DNA obtido a partir de sangue periférico. A avaliação clínica é contudo fundamental para o diagnóstico da FQ. Hoje em dia, existe também já uma série de metodologias laboratoriais resultantes da investigação nesta doença que dão contri-butos importantes para um diagnóstico mais fundamentado da FQ. Não existindo cura, a intervenção terapêutica tem uma tripla finalidade: controlar as manifestações pulmonares, promover uma nutrição adequada e permitir uma vida tão normal quan-to possível. A cinesioterapia respiratória é realizada por regra duas vezes por dia, com a finalidade de mobilizar e drenar as secreções brônquicas. A terapêutica antibiótica na FQ, tem sido fulcral para o prognóstico, contribuindo sem dúvida, para o aumento da sobrevida. São necessários esquemas de terapêutica agressivos para controlo da destruição pulmonar progressiva. Apesar de terapêutica médica optimizada, muitos destes doentes progridem para insuficiência respiratória global. O transplante pulmo-nar constitui uma alternativa terapêutica válida para o estádio terminal desta doença. Mercê dos avanços registados nas duas últimas décadas, os resultados têm vindo a ser progressivamente melhores. Em Portugal, no ano de 2004, foi transplantada com sucesso, a primeira doente com FQ. A correlação entre uma boa nutrição e um melhor prognóstico, obriga terapêutica de substituição com as enzimas pancreáticas e dieta hipercalórica. Apesar dos avanços terapêuticos registados nas últimas duas décadas, a

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FQ continua a representar uma limitação da sobrevida, embora com esperanças mé-dias de vida sucessivamente prolongadas, melhoria franca da qualidade de vida e de novas potencialidades nestes doentes: educação universitária, emprego, constituição de família e descendência. Actualmente, a investigação está dirigida para as terapêu-ticas cujo alvo é o defeito na CFTR, nomeadamente com fármacos que possam subs-tituir a função deficitária desta proteína e a terapêutica genica. A actual equipa de in-vestigação, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge Universidade de Lisboa, coordenada pela Prof.ª Margarida Amaral, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, tem realizado projectos científicos com abordagens multidisciplinares e in-tegradas no sentido duma melhor compreensão dos mecanismos moleculares e celu-lares da FQ. A Rede Temática Europeia sobre FQ no âmbito do 5º Programa-Quadro (5PQ) da União Europeia (proposta e em parte liderada pela Prof.ª Margarida Ama-ral) tem proporcionado enquadramento internacional para o trabalho desenvolvido, facilitando a troca e o acesso à informação em áreas relacionadas com a FQ.A promoção e a protecção da saúde dos doentes, que sofrem de doenças raras, como é o caso da Fibrose Quística (FQ), é um dos maiores desafios actuais aos sistemas de saúde. Está sobejamente demonstrado que o seguimento destes doentes, em Centros de Fibrose Quística Pediátricos e de Adultos, por equipa multidisciplinar, tem sido a grande determinante para a maior sobrevida e melhor qualidade de vida. O Registo Europeu de Fibrose Quística, que está em curso, possibilitará conhecer melhor os doentes com Fibrose Quística (FQ) em cada país da Europa, permitindo planear e melhorar os cuidados a prestar a cada um dos doentes.

Para saber mais www.anfq.pt

www.dqb.fc.ul.pt/docentes/mdbotelho/

Research.htm

www.ecfs.eu

www.cff.org

www.cfnetwork.be

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A Doença de Gaucher (DG) é de origem genética e a mais comum de um grupo de doenças raras designadas por Doenças Lisossomais de Sobrecarga (DLS). As DLS caracterizam-se pela alteração de um gene (mutação) que leva à produção deficiente de uma proteína (enzima) que deixa de processar um determinado composto (substrato) normalmente produzido pela célula. O lisossoma é um organelo da célula onde cada substrato é processado por acção da sua enzima específica e, caso esta esteja ausente ou em quantidade insuficiente, o substrato acumula-se, o lisossoma vai dilatando e toda a célula acaba por ficar preenchida por estes organelos repletos de substrato e muito volumosos, o que acabará por condicionar a normal actividade celular. Na DG, a mutação dá-se no gene GBA do cromossoma 1 (1q21) levando a níveis insuficientes da enzima β-glucocerebrosidase, cuja função é processar o subs-trato glucocerebrosido (uma substância natural do organismo, constituída por açúcar e gordura) que é produzido predominantemente no fígado, baço, osso e, ocasionalmente, nos pulmões, rins e intestino. Observadas ao microscópio, as células com os lisossomas completamente sobrecarregados de glucocerebrosido têm um aspecto característico e são designadas células de Gaucher.A DG é autossómica recessiva – para que uma pessoa seja afectada, é necessário que ambos os progenitores tenham uma mutação do gene GBA (estão descritas mais de 100 mutações); a incidência da DG é de 1 caso em cada 100 000 habitan-tes mas é muito mais frequente (1 para 450) nos Judeus Ashkenazi (originários da Europa Central e do Leste). Em todo o mundo poderão existir cerca de 10 000 pessoas afectadas. Gaucher, o médico francês que, no século XIX ,descreveu pela primeira vez esta doença, dá-lhe o nome.

GaucherA acumulação de glucocerebrosido no baço,

no fígado e no osso causa sintomas de gravidadevariável que podem surgir em qualquer altura,

desde a infância até à idade adulta.

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GAs manifestações clínicas da DG são muito variáveis e é clássico descrever 3 ti-pos principais. O tipo 1, é o único que não tem alterações neurológicas; o tipo 2 é uma forma neuropática aguda grave que surge na criança; o tipo 3, uma forma neuropática crónica. Quando falamos de DG, geralmente referimo-nos ao tipo 1 que é o mais frequente (95% dos casos). A acumulação de glucocerebrosido no baço, no fígado e no osso causa sintomas de gravidade variável que podem surgir em qualquer altura, desde a infância até à idade adulta. A DG é uma doença inflamatória crónica e multisistémica. O aumento de volu-me do fígado (hepatomegalia) e do baço (esplenomegalia) causam distensão e dor abdominal, sensação de enfartamento e diarreia.Dor nos ossos e nas articulações, crises ósseas com dor muito intensa, fracturas frequentes e lesões/deformidade dos ossos são os mais debilitantes e incapaci-tantes da DG: A doença óssea é causada por alterações da circulação na medula óssea que está repleta de células de Gaucher. Os sintomas de carácter geral são a palidez, falta de ar, fadiga, falta de forças, palpitações, devido à diminuição do número de glóbulos vermelhos (anemia);

O EspecialistaIsabel Firmino

Licenciada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Universidade Clássica

de Lisboa

Bacharelato em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Calouste Gulbenkian

de Lisboa

Mestrado em Medicina Escolar pela Faculdade de Medicina de Universidade

Clássica de Lisboa

Pós graduação em Infecção HIV/ SIDA pelo Instituto de Educação Médica da

Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa

Responsável pelo Departamento Médico da Genzyme Portugal SA

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tendência para sangrar facilmente, hemorragia pós-parto, período menstrual abundante, nódoas negras frequentes – devido à diminuição do número das plaquetas (trombocitopenia); aumento do risco de infecções, infecções respira-tórias repetidas – devido à diminuição do número de glóbulos brancos (leuco-penia); dificuldade em ganhar peso; a criança pode ter atraso de crescimento e puberdade tardia. No tipo 1 não existe envolvimento do Sistema Nervoso.A história pessoal e familiar determina o diagnóstico. O método mais fiável é o teste da actividade da enzima β-glucocerebrosidase, que pode ser realizado através de uma análise de sangue – as pessoas afectadas revelam uma actividade enzimática até 30% da actividade normal. As alterações dos constituintes do sangue detectam-se em análises de rotina e pode existir suspeita após uma aspiração de medula óssea (mielograma) que mos-tre células de Gaucher – este exame é por vezes efectuado em caso de anemia crónica, trombocitopenia, e/ou aumento de volume do baço (esplenomegalia).Na investigação da doença óssea, as radiografias dos membros podem revelar alterações características. O estudo Genético das pessoas com DG tem especial importância para o ras-treio e aconselhamento genético das famílias.Existe terapêutica específica para a Doença de Gaucher desde os anos 90 do século passado e, para que o benefício seja máximo, é importante que seja indi-vidualizada e instituída antes que surjam lesões nos órgãos. Existem marcadores bioquímicos muito úteis no controlo da eficácia da terapêutica e as medidas de suporte incluem transfusões, analgésicos e tratamentos ortopédicos. Na DG como em todas as DLS é conveniente uma abordagem multidisciplinar.

Sem tratamento, a DG é progressiva.A entidade oficial responsável pela confirmação do diagnóstico e pelo seguimento das pessoas afectadas pela DG é o Centro Nacional Coordenador para o Diagnóstico e o Tratamento das Doenças Lisossomais de Sobrecarga que funciona no Centro de Genética Médica Dr. Jacinto de Magalhães, um dos pólos do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge.

Para saber maiswww.rarissimas.pt

www.aplisosoma.org

www.orpha.net

www.eurordis.org

www.gaucherdisease.org

www.rarediseases.org

www.gauchercare.com

Page 49: Doenças raras de A a Z

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G

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O Gist, cujo nome vem da sua designação em Inglês, representa um tipo de cancro raro e pouco conhecido do tubo digestivo. O Gist pertence a uma classe de doenças chamadas “sarcomas”, com origem no tecido conjuntivo, que inclui gordura, múscu-los, vasos sanguíneos, tecidos cutâneos profundos, nervos, ossos e cartilagens. O Gist pode aparecer ao longo do tubo digestivo, cerca de 50% no estômago, 25% no intestino delgado, 10% no cólon e 15% noutros locais do tubo digestivo.Trata-se de um tipo de cancro que pode ocorrer em qualquer idade, entre os 40 e

Gist

O EspecialistaMaria Margarida Cunha Damasceno

Licenciada em Medicina, pela FMUP

Especialista de Medicina Interna no H. S. António e pela OM

Especialista de Oncologia Médica pela OM

Directora do Serviço de Oncologia do H. S. João

Chefe de Serviço de Oncologia Médica

Coordenadora do Grupo de Patologia Oncológica do SNC do H. S. João

Membro efectivo da SPO, fazendo parte da direcção da SPS e do Grupo Portu-

guês de Investigação Oncológica do Tubo Digestivo

Presidente do Grupo de Trabalho Nacional para elaboração das orientações

terapêuticas do carcinoma colo-rectal

Presidente da Associação Portuguesa de Neuro-Oncologia

Trata-se de um tipo de cancro que pode ocorrerem qualquer idade, entre os 40 e 80 anos, sem preferência

por sexo. Não existem factores de risco conhecidospara o seu aparecimento.

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G80 anos, sem preferência por sexo. Não existem factores de risco conhecidos para o seu aparecimento.O Gist parece ser causado por uma alteração específica no ADN celular, com uma mutação da enzima Kit (CD117) das células normais. Esta enzima é uma tirosino-cinase, responsável pelo crescimento celular. A sua mutação permite o crescimento descontrolado das células tumorais. Recentemente concluiu-se que todos os Gist, in-dependentemente do seu tamanho ou localização, têm capacidade de invasão. Mesmo após ter sido removido através de cirurgia, o Gist pode reaparecer no mesmo local ou metastizar à distância.O doente com Gist pode apresentar enfartamento pós-prandeal, hemorragia diges-tiva, vaga dor ou desconforto abdominal. Raramente o doente manifesta obstrução intestinal. Por vezes, o doente pode palpar um tumefação abdominal.O Gist pode também apresentar-se com evidência de metastização (principalmente no fígado). A sintomatologia deste tipo de cancro é pobre pelo que, não raramente, o tumor já é grande na altura do diagnóstico.O diagnóstico inclui análises e avaliação por TAC, mas o diagnóstico definitivo faz-se por biopsia. Quando o patologista identifica características de Gist, efectua estudos por imu-nocitoquimica, com anticorpos específicos para a molécula CD117 (também conhecida por c-kit). 95% dos Gist são c-kit positivos. O tipo de mutação do c-kit, pode permitir pre-ver a resposta ao tratamento. As mutações mais frequentes são nos exons 11, 9 e raramente 13 e 17, podendo esta última ser responsável pela resistência ao tratamento. A maioria dos Gist com menos de 5cm apresentam um índice mitótico baixo, são pouco agressivos, pelo que a cirurgia é, normalmente, suficiente.Os Gist com mais de 5cm, apresentam um índice mitótico alto, pelo que são mais agres-sivos. Podem invadir os tecidos vizinhos ou metastizar à distância, principalmente, para o fígado e peritoneu. Até há pouco tempo atrás, não havia tratamento específico para estes doentes. O aparecimento de novas moléculas, nomeadamente, os inibidores da ti-rosino-cinase, melhorou significativamente o prognóstico do Gist. O imatinib (Glivec), é um tratamento oral que controla a doença em 80% dos casos. Nos casos de resistência ao Glivec, os doentes podem beneficiar de tratamento com Sunitinib (Sutent).

Para saber maiswww.ensemblecontrelegist.org

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Esta doença caracterizada por um conjunto de anomalias (Síndrome) deve o seu nome ao facto de os recém-nascidos afectados por ela terem um choro inconfundível que se as-semelha ao miar de um gato. Trata-se duma doença rara descrita pela 1ª vez em 1963 por Lejeune e colegas, cuja incidência mencionada na literatura varia entre 1/15.000 e 1/20.000, mas estes números podem pecar por defeito. A Síndrome do miar do gato é uma doença genética de hereditariedade (origem) cromossómica causada pela perda (delecção) de par-te do material genético localizado no braço p (braço curto) do cromossoma 5. Na maioria

Grito de Gato

O EspecialistaMaximina da Conceição dos Santos Rodrigues Pinto

Os indivíduos afectados por esta Síndrome apresentam,para além do choro característico causado por um desenvolvimento

anormal da laringe e que tende a desaparecer antes do 1º ano de vida, um peso baixo ao nascer e um atraso de crescimento.

Licenciada em Medicina pela Universidade de Lourenço Marques

Especialista em Genética Médica

Citogeneticista e Geneticista Clínica no South African Institute for Medical Research,

School of Pathology, University of Witwatersrand

Médica geneticista, com funções de Chefe da Unidade de Citogenética do Institu-

to de Genética Médica Jacinto Magalhães

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Gdos casos (+/- 85%) esta perda de material genético é de natureza esporádica, tendo os pais cromossomas (cariótipo) normais e não se sabe o que originou essa perda – nestes caso trata-se duma situação de novo com um risco de recorrência em futura descendência que é muito próximo do da população geral. Nos restantes casos (+/- 15%) existe uma alteração cromossómica num dos progenitores com riscos acrescidos para a futura descendência e, eventualmente, até para outros familiares. O tamanho da delecção, ou seja, a quantidade de material genético perdido do 5p, é variável de doente para doente, podendo a mesma ser facilmente visualizada num estudo cromossómico convencional (cariótipo) na maioria dos casos, enquanto que noutros essa delecção é tão pequena que só pode ser detectada recor-rendo a técnicas mais sofisticadas como, por exemplo, FISH, MLPA ou array CGH. Já estão devidamente identificadas e mapeadas as regiões críticas responsáveis pelas diferentes ca-racterísticas físicas desta Síndrome (banda 5p15 e sub-bandas) e a ausência das mesmas é compartilhada por todos os doentes afectados. A maioria dos estudos na literatura favore-cerem a existência de uma correlação entre o tamanho da delecção e a gravidade da doen-ça, nomeadamente, no que diz respeito ao atraso mental. Os indivíduos afectados por esta Síndrome apresentam, para além do choro característico causado por um desenvolvimento anormal da laringe e que tende a desaparecer antes do 1º ano de vida, um peso baixo ao nascer e um atraso de crescimento. O atraso no desenvolvimento psicomotor e, mais tarde, o atraso mental são uma constante mas o grau de gravidade é variável. Ao nascer, a grande maioria apresenta hipotonia (falta de força muscular) que progride para um desenvolvi-mento da massa muscular diminuída. As características físicas incluem uma microcefalia (cabeça pequena), uma face redonda (em lua cheia) que tende a alongar-se à medida que os anos passam, um hipertelorismo (olhos afastados), fendas palpebrais orientadas para baixo e uma micrognatia (queixo pequeno) que tende a desaparecer com a idade. Cerca de 1/3 dos doentes tem anomalias cardíacas e, ocasionalmente, existem anomalias do foro oftal-mológico, renal, esquelético, etc. Complicações respiratórias e dificuldade de alimentação são frequentes nas crianças mais pequenas. Infelizmente, os tratamentos que existem são apenas sintomáticos. O desenvolvimento intelectual beneficia duma estimulação precoce e apoio de educação especial com um suporte essencial no meio familiar. Não existe uma prevenção primária desta doença, poden-do aparecer no seio de qualquer família. Existe uma prevenção secundária através do aconselhamento genético e do diagnós-tico pré-natal quando a história familiar ou uma gravidez anormal assim o justifique.

Para saber maiswww.orpha.net

www.nord.org

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A Hipertensão Pulmonar (HP) era, até há bem pouco tempo, uma entidade obs-cura, frequentemente não identificada, porque omissa nos procedimentos co-muns de diagnóstico e tratamento. Por consenso, considera-se HP quando a pressão média na artéria pulmonar (PMAP) é superior a 25 mmHg. A elevação da PMAP pode ocorrer como resulta-do de aumento da resistência vascular pulmonar (RVP) no território pré-capilar e é designada por Hipertensão Arterial Pulmonar (HAP), ou por aumento da pres-são venosa pulmonar, geralmente como consequência de doença cardíaca esquer-da (valvulopatia mitral ou disfunção ventricular esquerda). No primeiro caso, a pressão de encravamento capilar pulmonar (PECP) é normal (< 15 mmHg), no segundo está elevada.A doença cardíaca esquerda é a principal causa de HP e deve ser sempre despis-tada. A doença pulmonar crónica com hipoxemia e a tromboembólica pulmonar são as causas mais frequentes de HAP. Entre nós, as cardiopatias congénitas com shunts intra-cardíacos são também causa frequente de HAP. Quando, após um estudo etiológico sistematizado para as diversas situações clí-nicas apontadas, não é encontrada nenhuma das doenças referidas, dizemos estar perante uma HAP Idiopática (HAPI). Esta pode ter um carácter familiar e, nes-te caso, estaremos perante uma HAP Hereditária (HAPF). Estas duas entidades acompanham-se frequentemente de alterações genéticas, hoje bem identificadas.A HAPF e HAPI são doenças raras, com uma incidência e prevalência de 2 a 5 e 20 a 30 casos/milhão de habitantes, respectivamente; são doenças crónicas, com mau prognóstico e com sobrevidas médias curtas (2 a 3 anos), quando não tratadas.

Hipertensão ArterialPulmonar

Os sinais e sintomas da HP são inespecíficos, estão muitas vezes mascarados, sendo frequentemente interpretados como pertencendo ao quadro clínico

da doença de base associada. O diagnóstico exige, por isso, um baixo limiar de suspeita e uma abordagem sistematizada das manifestações clínicas.

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Os sinais e sintomas da HP são inespecíficos, estão muitas vezes mascarados, sen-do frequentemente interpretados como pertencendo ao quadro clínico da doença de base associada. O diagnóstico exige, por isso, um baixo limiar de suspeita e uma abordagem sistematizada das manifestações clínicas. Na HP devida a doença cardíaca ou pulmonar a clínica é dominada pela patologia de base. A suspeita é eminentemente clínica e baseia-se na conjugação de sinais e sintomas (fadiga, dispneia, aperto torácico, síncope ou pré-síncope com o esforço), sobretudo, quando em contexto de doença potencialmente associada a HAP e na ausência de patologia cardíaca esquerda ou pulmonar que, por si mesmas, justi-fiquem a clínica. Na HPTEC a história pessoal ou familiar de tromboembolismo venoso ou de factores de risco para o mesmo é fundamental para a suspeita clínica.Dispneia de esforço e fadiga estão presentes na maioria dos doentes, decorrendo da incapacidade para responder ao esforço com aumento do débito cardíaco. Dor torácica relacionada com o esforço (angina) e síncope aparecem com o desenvol-vimento de falência ventricular direita. A congestão hepática passiva, por insu-ficiência ventricular direita, pode causar anorexia e dor no hipocôndrio direito.O sinal mais precoce de HP é o aumento da intensidade do componente pulmonar

O EspecialistaAbílio Óscar da Silva Reis

Licenciatura em Medicina

Especialista em Medicina Interna

Assistente Graduado de Medicina Interna

Consultor de Medicina Interna

Chefe de Serviço de Medicina Interna

Professor Associado Convidado do ICBAS

Fundador e responsável pelo Gabinete de Técnicas Pneumológicas e consulta-

doria em Doenças Respiratórias do ex-Serviço de Medicina 1

Responsável pela Unidade de Doentes Respiratórios do Departamento de Me-

dicina do CHP – Hospital de Santo António

Fundador e responsável pela Consulta de Hipertensão Pulmonar do HSA-CHP

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do segundo som (S2p). Pode aparecer um sopro de ejecção sistólico ou, na doença avançada, um sopro diastólico de regurgitação pulmonar. O aparecimento de um S4 ventricular direito e de lift para-esternal esquerdo ou sub-xifoideu, traduz o desenvolvimento de hipertrofia ventricular direita. A falência ventricular direita leva a hipertensão venosa sistémica que se manifesta por distensão venosa jugular patológica, hepatomegalia, pulsatilidade hepática, edemas periféricos e ascite. A cianose central só surge nas fases avançadas da doença, excepto na HAP associada a shunts sistémico-pulmonares, onde pode aparecer precocemente.A telerradiografia (Rx) do tórax e o electrocardiograma (ECG) são anormais em 80-90% dos casos e podem reforçar a suspeita clínica. Os sinais radiológicos mais comuns de HP são, o alargamento das áreas corres-pondentes às artérias pulmonares centrais e a atenuação da rede vascular perifé-rica, resultando em campos pulmonares oligoémicos. O alargamento do bordo direito da silhueta cardíaca traduz dilatação da aurícula direita. Nas incidências de perfil, pode observar-se diminuição do espaço retrosternal por dilatação do ventrículo direito. As alterações radiológicas descritas, embora específicas, são pouco sensíveis. O Rx de tórax pode, no entanto, ajudar a determinar a etiologia, quando mostra alterações sugestivas de doença pulmonar crónica (enfisema ou fibrose pulmonar). A sensibilidade (55%) e especificidade (70%) do ECG são insuficientes para o recomendar como método de rastreio. As alterações mais frequentemente en-contradas são sinais de sobrecarga e/ou hipertrofia ventricular direita e dilatação auricular direita (desvio direito do eixo, R>S em V1, bloqueio completo ou in-completo de ramo direito e aumento da amplitude da onda P em DII). A presença destas alterações obriga a despistar HP. A estratégia terapêutica da HP depende da classe clínica.

Com a colaboração dos Drs Rui Barros, Alfredo Martins e Nelson Rocha.

Para saber mais www.who.int/ncd/cvd/pph.htm

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Centros de referência para HAP em Portugal

Porto HSA – CHP Medicina Abílio Reis VN Gaia CHGaia Pneumologia Teresa Shiang Coimbra HUC Cardiologia Graça Castro Lisboa HSMarta Cardiologia Ana Agapito Lisboa Santa Maria Cardiologia Nunes Diogo

Lisboa Pulido Valente Cardio/Pneumologia Nuno Lousada/Carvalheira Santos Almada Garcia de Orta Cardiologia Carlos Cotrim

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A Doença de Huntington, antes conhecida como Coreia de Huntington caracteriza-se por perda neuronal selectiva e progressiva, associada a alterações motoras, cognitivas e comportamentais. É uma doença genética, causada por uma mutação no gene que codifica a proteína huntingtina, que resulta numa cadeia mais longa do aminoácido glutamina numa das extremidades desta proteína. É uma doença hereditária, com transmissão dominante; há uma probabilidade de 50% desta mutação ser transmitida a cada filho ou filha.

HuntingtonA sintomatologia varia de pessoa para pessoa e podeincluir disartria e disfagia, rigidez, défice cognitivo

e perda progressiva de memória, depressão, agressividadee perturbações do sono, entre outros.

O EspecialistaEliana Marisa Ramos

Licenciatura em Bioquímica pela Universidade do Porto

Membro da Rede Europeia da Doença de Huntington (EHDN)

Colaboração no Módulo de Epidemiologia Genética do Programa de Mestrado

em Saúde Pública

Realização de diversos trabalhos de investigação na área da Genética Molecular

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Em Portugal, a prevalência da doença é de 5-10 doentes em cada 100 000 pessoas.O principal sintoma é a coreia, que consiste em movimentos involuntários, bruscos e irregulares. A sintomatologia varia de pessoa para pessoa e pode incluir disartria (difi-culdades na fala) e disfagia (dificuldades na deglutição), rigidez, défice cognitivo e perda progressiva de memória, depressão, agressividade e perturbações do sono, entre outros. Os primeiros sintomas podem surgir em qualquer idade. Contudo, é muito mais co-mum o seu aparecimento entre os 30 e 50 anos. A idade de início está correlaciona-da inversamente com o comprimento da cadeia de glutaminas. Cadeias mais longas conduzem a sintomas mais precoces, podendo, por vezes, surgir antes dos 20 anos (juvenil). A duração da doença varia também muito, sendo a esperança de vida, em média, de 10 a 15 anos. A Doença de Huntington não é fatal mas, à medida que os sintomas progridem, aumenta o número de complicações associadas, tais como lesões provocadas por quedas, desidratação, desnutrição ou infecções. Esta doença não tem, até ao momento, nenhum tratamento específico, sendo a medi-cação escolhida em função dos sintomas observados, de forma a aliviá-los e a prevenir algumas complicações. Podem ser usados anti-psicóticos (para alucinações, deliríos, agressividade), anti-depressivos (depressão, comportamento obsessivo-compulsivo), tranquilizantes (ansiedade, coreia), estabilizadores do humor (mania, bipolaridade), entre outros. É também importante providenciar apoio e assistência social a estes do-entes e aos seus familiares, para além de uma boa nutrição ser fundamental. Existe um teste genético que permite confirmar o diagnóstico clínico e que pode também ser usado como teste preditivo ou pré-natal, nos familiares em risco que o pretenderem fazer.Tratando-se de uma doença debilitante, ainda sem cura, as principais linhas de in-vestigação têm-se centrado na compreensão do mecanismo que causa a patologia e a sua instabilidade genética, assim como na procura de modificadores associados à neurodegeneração, que poderão permitir o desenvolvimento de novas terapias e levar, eventualmente, à descoberta de uma cura. Modelos animais e celulares têm sido utilizados para melhor se compreender a doença e testar potenciais terapias, tais como o silenciamento do gene da hunting-tina, transplantes de células estaminais que, hipoteticamente, substituirão os neurónios danificados, e a adminis-tração de vários compostos em ensaios clínicos.

Para saber mais www.cgpp.eu

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As Ictioses são doenças da queratinização, caracterizadas por pele dura, seca, com escamas (Grego ichthys/ikhthus, peixe), sem envolvimento mucoso e com envol-vimento sistémico variável. São divididas em formas genéticas (ictioses primá-rias), um número de sindromas ictiosiformes raros e casos individuais que não se encaixam em qualquer das categorias, para além de ictioses adquiridas, que são uma complicação de doenças graves sistémicas ou malignas. São um grupo, clínico e geneticamente heterogéneo, resultando em dificuldade considerável na sua classificação. A Ictiose Lamelar (IL) é uma ictiose autossómica recessiva, em-bora tenha sido descrito um padrão de hereditariedade dominante. A incidência é cerca de 1 em 300 000 nados-vivos. Existe em todo o mundo. É facilmente re-conhecível na sua forma mais grave, mas o diagnóstico é difícil no período neo- -natal, quando se confunde com outras ictioses que se manifestam como o bebé colódio. A diferenciação epidérmica terminal e a constituição lipídica do estrato córneo estão alteradas, condicionando o compromisso da função barreira da pele. Os estudos genéticos nas formas graves de IL revelaram linkage ao cromossoma 14q11 – gene da transglutaminase 1 (TGM-1), identificando-se várias mutações que reduzem ou inibem a sua função. Há, contudo, marcada heterogeneidade biológica (ligação a diferentes cromossomas, casos autossómicos dominantes). A IL manifesta-se à nascença, habitualmente por um bebé colódio, recém-nascido envolvido por uma membrana amarelada aderente. Há eversão labial (eclabium) e palpebral (ectropion), com risco de lesão ocular. A membrana sofre fissuração e começa a destacar-se nos primeiros dias de vida até às primeiras semanas. Pode ser localizada nalguns bebés e pode refazer-se por um período de 12 semanas. Há complicações potencialmente letais como hipotermia, sepsis, eritrodermia, insu-ficiência renal e sequelas neurológicas da desidratação hiponatrémica. Têm risco

Há complicações potencialmente letais como hipotermia, sepsis,eritrodermia, insuficiência renal e sequelas neurológicas da desidratação

hiponatrémica. Existe risco aumentado de nascimento prematuro,bem como da morbilidade e mortalidade perinatais.

Ictiose Lamelar Congénita

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aumentado de nascimento prematuro, bem como da morbilidade e mortalidade perinatais. Ao longo do tempo, formam-se escamas espessas, aderentes no cen-tro, destacadas à periferia, fazendo lembrar armaduras. Nos membros a escama é separada por fissuração superficial, conferindo à pele um aspecto de leito de rio ressequido. Nos casos mais graves a escama espessa e rígida destaca-se inter-mitentemente, provocando fissuras profundas e dolorosas, especialmente à volta das pregas e dos dedos, palmas e plantas. Pode haver limitação da mobilidade. Por vezes, há eritema variável mas não se verifica eritrodermia. Ocasionalmente, ocorre queratodermia palmo-plantar, alopécia cicatricial, ectropion persistente e hipoplasia das cartilagens nasais e auriculares. A sudorese está seriamente com-prometida. Não há alterações mucosas nem das hastes capilares. O crescimento e as capacidades intelectuais não são afectados. As formas graves tendem a persistir ao longo da vida. Os problemas psicológicos relacionados com o aspecto cosméti-co são importantes – perturbação da auto-estima, isolamento social e mau desem-penho escolar. O objectivo do tratamento é a redução das escamas e a hidratação e lubrificação da pele. Nas formas ligeiras, obtém-se através da aplicação regular de emolientes e queratolíticos (ureia, ácido salicílico, entre outros) mas o seu uso é limitado pela irritação e absorção sistémica. Recentemente, foi descrito o bene-

Licenciatura em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Univ. Nova de Lisboa

Especialista em Dermatologia e Venereologia

Assistente Hospitalar de Dermatologia

Assistente Hospitalar Graduado de Dermatologia

Clínico na Clínica CUF Alvalade

Membro da Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia

Membro da International Society of Dermatopathology

Membro da European Society of Dermatology

Membro do Grupo Português de Dermatopatologia

Faz parte do Comité Científico da Raríssimas

O EspecialistaRui Jorge Ramalho Bajanca

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fício com derivados da Vitamina D3 e com um novo retinóide de aplicação tópica, o gel de Tazaroteno. Nas formas severas devem ser ponderados os retinóides orais que conferem benefício significativo, reduzindo o eritema, as escamas e o pruri-do, permitindo uma participação mais activa nas actividades diárias. Utiliza-se a Acitretina numa dose inicial mais elevada reduzindo-se de acordo com a resposta, até à menor dose que demonstre eficácia. Devido à possibilidade de toxicidade e à cronicidade da doença, prefere-se a terapêutica intermitente. Os principais efeitos secundários são a secura, a descamação palmo-plantar em grandes retalhos (difi-culta a marcha e é dolorosa), a possibilidade de elevação dos lípidos séricos e das enzimas hepáticas e a toxicidade óssea. Os estudos na infância reforçaram a segurança da terapêutica. A teratogenicidade é outro dos efeitos secundários graves, devendo ser efectuada uma contracepção eficaz nas doentes em idade fértil.

Para saber mais ����������������

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A Síndrome de Joubert (JS) é uma doença autossómica recessiva, caracterizada por hipotonia, ataxia, atraso, apraxia oculomotora e alterações respiratórias neonatais. O seu marcador neurorradiológico é uma malformação complexa da junção ponto- -mesencefálica que tem o aspecto de um dente molar – sinal do dente molar, “molar tooth sign” (MTS). Resulta da associação de uma hipoplasia do vermis cerebeloso, de uns pedúnculos cerebelosos superiores grossos e horizontalizados e de uma fossa interpeduncular grande e profunda. O MTS foi identificado noutras síndromes, com características clínicas adicionais. Existe uma variabilidade de atingimento de outros órgãos (olho, rim e fígado) e uma associação com outras malformações do sistema nervoso central (anomalias do corpo caloso, polimicrogíria, hidrocefalia e encefalomeningocelo) que permitem identificar um largo espectro de síndromes, chamadas Joubert syndrome related disorders (JSRDs). Seis loci associados a JSRDs foram identificados:

JoubertExiste uma variabilidade de atingimento de outros órgãos – olho,

rim e fígado – e uma associação com outras malformações do sistema nervoso central – anomalias do corpo caloso, polimicrogíria,

hidrocefalia e encefalomeningocelo.

O EspecialistaClara Barbot

Serviço de Neurologia Pediátrica, Centro Hospitalar do Porto

Doutoramento em Ciências Médicas, ICBAS, Universidade do Porto

Licenciatura, Faculdade de Medicina, Universidade do Porto

Directora do Serviço de Neurologia Pediátrica , Centro Hospitalar do Porto

Investigadora, IBMC (UnIGENe)

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– JBTS1 (9q) É uma forma de JS clássica, com atingimento cerebeloso e ponto-mesencefálico; raramente da retina ou rim; – JBTS2 (11p) ou Síndrome cerebelo-oculo-renal (CORS2). O atingimento é multi-orgânico e grave, incluindo o olho (colobomas, microftalmia e re- tinopatia), o rim (quistos renais e nefronoptise), o fígado e ainda uma dis- morfia facial e uma polidactilia;

– JBTS3 (6q) Há malformações extensas do sistema nervoso central e uma epilepsia associada. A patologia da retina é frequente (retinite pigmentar/ amaurose de Leber). Mutações do gene AHI1 parecem ser uma causa fre- quente de JSDRs com atingimento da retina e outras anomalias cerebrais. Este gene codifica uma proteína, a jouberina, cujo papel no desenvolvi- mento cortical e cerebeloso não é bem conhecido. O gene AHI1 pode tam- bém estar associado a nefronoptise;

– JBTS4 (2q) Delecções do gene NPHP1, um gene habitualmente res- ponsável pela nefronoptise juvenil isolada (rins polimicroquísticos com insuficiência renal progressiva), estão associadas a JSRDs com atingi- mento renal e cerebral moderado.

– JBTS5 (12q) Estão identificadas mutações no gene CEP290 / NPHP6 em associação com uma Síndrome cerebelo-retiniano ou cerebelo-renal;

– JBTS6 (8q) O encefalocelo occipital e a polidactilia, características clíni- cas do síndrome de Meckel-Gruber (MKS), foram descritos no JS associa- dos ao gene MKS3/TMEM67.

Recentemente foram identificadas mutações no gene ARL13B associadas à forma clássica de JS e no gene RPGRIP1L associado ao fenótipo cerebelo-renal. Os JSRD estão incluídos num grupo de doenças em permanente expansão, as ciliopatias. A investigação visa melhorar a correlação fenótipo-genótipo do grande espectro dos JSDRs e aperfeiço-ar a classificação clínico-genética.

Para saber mais www.jsfrcd.org

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A Síndrome de Kabuki tem uma prevalência de 1/32.000 a 1 por 86.000. Foi des-crita pela primeira vez em 1981 em 10 crianças japonesas e a sua designação tem origem no teatro tradicional japonês. Até 2001 já tinham sido publicados mais de três centenas de casos com múltiplas origens geográficas. A causa da Síndrome de Kabuki é desconhecida. Em 2003 foi descrita a presença de uma duplicação no braço curto do cromossoma 8 (8p22-8p23.1) em seis doentes mas esta alteração não foi posteriormente confirmada em nenhum outro caso, continuando a existir

Kabuki

O EspecialistaJorge Manuel Saraiva

As manifestações predominantes são uma baixa estatura pós-natal,deficiência cognitiva habitualmente ligeira a moderada e as características

faciais, esqueléticas e dos dermatoglifos. As anomalias mais frequentes são as renais, as cardiopatias congénitas e a fenda palatina.

Professor Catedrático Convidado da Faculdade de Medicina da Universidade de

Coimbra

Director do Serviço de Genética Médica do Centro Hospitalar de Coimbra EPE

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investigação nesta área. A quase totalidade dos casos é esporádica (há apenas um indivíduo afectado em cada família) sendo possível que se trate de uma situação de hereditariedade autossómica dominante, em que a quase totalidade dos casos ocorra por neo-mutação. Não existem critérios de diagnóstico universalmente aceites nem um teste laboratorial que permita confirmar ou excluir a situação. As manifestações predominantes são uma baixa estatura pós-natal (83%), deficiên-cia cognitiva habitualmente ligeira a moderada (92%) e as características faciais, esqueléticas e dos dermatoglifos. As anomalias mais frequentes são as renais (em 40 a 50%), as cardiopatias congénitas (em 30 a 58% dos casos) e a fenda palatina (40%). Há ainda alterações dentárias com frequência (em mais de 60%, habitual-mente hipodontia dos incisivos e prémolares). O envolvimento oftalmológico ocorre em 30 a 50% dos doentes e manifesta-se em regra por ptose ou estrabismo. 60% dos doentes têm uma maior susceptibilidade para infecções, embora, em regra, não seja identificada nenhuma deficiência imu-nitária específica. O padrão de crescimento habitual consiste numa velocidade baixa com início no primeiro ano de vida que se acentua subsequentemente, com obesidade na segunda década de vida e microcefalia. Pelo contrário, a hipotonia e a hipermobilidade articular tendem a melhorar com a idade. A utilidade das intervenções terapêuticas deve ser adequada a cada doente. As mais utilizadas são a fisioterapia, a medicação anti-epiléptica (necessária em 10 a 40% dos caso) e in-tervenções cirúrgicas por surdez (presente em mais de 50% e habitualmente neu-rossensorial). A hormona de crescimento foi utilizada esporadicamente. Não está a decorrer nenhum ensaio terapêutico nem há nenhum medicamento específico disponível. Existem registos regionais e nacionais de doentes em alguns países europeus bem assim como associações de doentes, à semelhança de Portugal.

Para saber mais www.orpha.net

www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez

www.chc.min-saude.pt/servicos/genetica

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A Doença de Kawasaki é uma vasculite aguda, descrita em 1967 por Tomisaku Ka-wasaki, no Japão. É, actualmente, a primeira causa de doença cardíaca adquirida nas crianças dos países desenvolvidos. A etiologia é desconhecida mas, a sua ocorrência por surtos aparentemente epidémicos, sazonais e regionais, a natureza autolimitada e os sinais de inflamação aguda, sugerem uma origem infecciosa. Cerca de 80% das crianças afectadas têm menos de 5 anos de idade. Em Portugal, a incidência anual é de 3-5 casos/ 100000 crianças com idade inferior a cinco anos.

Kawasaki

O EspecialistaAnabela Paixão

Licenciada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Lisboa

Chefe de Serviço de Cardiologia Pediátrica do CHLC – Hospital de Santa Marta

Presidente da Comissão de Coordenação da Qualidade do CHLC – Hospital de

Santa Marta

Membro do Gabinete de Administração Clínica do Hospital de Santa Marta

Membro da Sociedade Portuguesa de Pediatria

Membro da Associação Europeia de Cardiologia Pediátrica

Membro da Sociedade Portuguesa de Cardiologia

Membro da Sociedade Latina de Cardiologia Pediátrica;

Membro da Sociedade Europeia de Cardiologia

As lesões cardíacas atingem cerca de 25% dos doentese constituem a principal causa de mortalidade e morbilidade.A gravidade é variável, desde um pequeno aneurisma único,

até aneurismas gigantes, múltiplos, afectando várias artérias coronárias.

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A lesão dos vasos sanguíneos que caracteriza esta doença é atribuída a uma cascata de fenómenos relacionados com a resposta imunitária a uma agressão de provável etiologia infecciosa. As lesões cardíacas atingem cerca de 25% dos doentes e constituem a princi-pal causa de mortalidade e morbilidade. A gravidade é variável, desde um pequeno aneu-risma único, até aneurismas gigantes, múltiplos, afectando várias artérias coronárias. O diagnóstico é baseado num conjunto de critérios clínicos, em que febre persistente durante um período mínimo de cinco dias, é associada a quatro de cinco sinais clínicos: – Alterações das extremidades com eritema e edema das mãos e dos pés, na fase inicial, seguidos de descamação em placas; – Exantema polimórfico do tronco e das extremidades; – Conjuntivite bilateral não exsudativa; – Alterações dos lábios e da cavidade oral, com lábios vermelhos e fissurados, língua em framboesa e hiperémia da orofaringe; – Adenomegalias cervicais, frequentemente unilaterais. Um nódulo tem, obrigatoriamente, um diâmetro >1.5 cm.

Existem quadros incompletos ou atípicos, mais frequentes em lactentes com idade in-ferior a seis meses, em que a febre, associada apenas a um ou dois dos critérios clínicos, basta para estabelecer o diagnóstico, desde que se evidenciem aneurismas das artérias coronárias por ecocardiografia. Em 50% dos doentes, os aneurismas pequenos regri-dem nos primeiros 18 meses de evolução, ao contrário dos grandes aneurismas que tendem a permanecer, condicionando um pior prognóstico. O diagnóstico diferencial inclui outras doenças febris e exantemáticas, nomeadamente, escarlatina, reacções me-dicamentosas, Síndrome de Stevens-Johnson, exantemas víricos, Síndrome de choque tóxico, Síndrome da pele escaldada, riquetsiose, artrite sistémica juvenil e leptospirose.O tratamento precoce com γ-globulina e ácido acetilsalicílico em dose anti-infla-matória visa o controlo dos fenómenos inflamatórios, para evitar o aparecimento de aneurismas das coronárias e minimizar o risco de complicações. Nas crianças que ti-veram aneurismas, recomenda-se a prescrição de ácido acetilsalicílico em dose antia-gregante plaquetária, por tempo prolongado, para prevenir a ocorrência de trombose coronária. Nos casos mais graves, está indicada a cirurgia de revascularização coronária ou a transplantação cardíaca. O enfarte agudo do miocárdio é a princi-pal causa de mortalidade tardia.

Para saber mais www.spp.pt/conteudos/default.asp?ID=147

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As Leucemias são cancros das células sanguíneas que habitualmente afectam os glóbulos brancos. A causa da maioria dos tipos de leucemia ainda é desconhecida. São doenças oncológicas do sangue, em que uma população de células malignas infiltra e “asfixia“ a medula óssea, impedindo a produção normal de células do sangue. A sua origem reside numa das células da medula que sofre uma altera-ção e começa a multiplicar-se de forma descontrolada. Como consequência dá- -se a acumulação de células anormais que constituem a leucemia. No caso das

LeucemiasA Leucemia Aguda é uma doença com alto potencial

de cura, com tratamentos intensivos de quimioterapia,por vezes associada à radioterapia ou através

de transplante de medula óssea.

O EspecialistaHerlander Marques

Licenciado em Medicina e Cirurgia pela Faculdade de Medicina do Porto

Especialista em Medicina Interna

Especialista em Oncologia Médica

Estágio no Institut Gustave Roussy, Viljuiff, França, em Hematologia Oncológica

Mestre em Oncologia pela Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar

Assistente Hospitalar no H. São João, Porto, no Instituto Português de Oncologia,

Porto e, actualmente, no H. São Marcos, Braga

Membro da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, da Sociedade Portuguesa

de Hematologia, da European Haematology Association

Pertence à Direcção da Associação Portuguesa de Leucemias e Linfomas

Faz parte do Conselho Consultivo do GHOP – Grupo Hemato-Oncológico Português

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LLeucemias Agudas as células leucémicas têm uma multiplicação muito superior e rapidamente conquistam o espaço utilizado pelas células normais, levando à diminuição do seu número. Esta proliferação anárquica das células anormais faz com que se estendam inicialmente na medula óssea e posteriormente ao sangue e, por vezes, a outros órgãos (gânglios, baço, fígado, amígdalas, timo, entre outros). Presentemente, a Leucemia Aguda é uma doença com alto potencial de cura, com tratamentos intensivos de quimioterapia, por vezes associada à radioterapia ou através de transplante de medula óssea. A gravidade da doença varia de doente para doente, dependendo quer das características particulares de cada Leucemia quer das características próprias do doente. As leucemias crónicas têm evolução indolente, na maior parte dos casos, per-mitindo sobrevivências longas com qualidade de vida. Para algumas destas leu-cemias surgiram avanços terapêuticos recentes impressionantes no contexto das doenças oncológicas.

Para saber mais www.apll.org

www.abrale.org.br

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Linfomas são cancros ou tumores malignos dos gânglios e tecidos linfóides. Têm origem nas células do sistema imunológico constituído por um tipo de glóbulos brancos especializados, chamados linfócitos. Estas células circulam pelos vasos sanguíneos e linfáticos estando presentes em todos os órgãos incluindo a medula óssea. No entanto, localizam-se principalmente nos gânglios e em agrupamentos linfóides de alguns órgãos como pulmões, ossos e sistema gastrointestinal. Os sinais de alerta ou sintomas mais comuns dos Linfomas não são específicos

LinfomasPara um diagnóstico exacto de linfoma e do sub-tipo de linfoma

é necessário realizar uma biopsia, isto é, a extracção de fragmentosde tecidos ou órgãos que são examinados sob microscópio.

O EspecialistaHerlander Marques

Licenciado em Medicina e Cirurgia pela Faculdade de Medicina do Porto

Especialista em Medicina Interna

Especialista em Oncologia Médica

Estágio no Institut Gustave Roussy, Viljuiff, França, em Hematologia Oncológica

Mestre em Oncologia pela Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar

Assistente Hospitalar no H. São João, Porto, no Instituto Português de Oncologia,

Porto e, actualmente, no H. São Marcos, Braga

Membro da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, da Sociedade Portuguesa

de Hematologia, da European Haematology Association

Pertence à Direcção da Associação Portuguesa de Leucemias e Linfomas

Faz parte do Conselho Consultivo do GHOP – Grupo Hemato-Oncológico Português

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(podendo ocorrer em doenças simples como infecções). Embora o sinal mais fre-quente da doença seja um aumento do tamanho dos gânglios, este sinal pode, também, surgir noutras doenças, nomeadamente, de origem infecciosa e auto- -imune. Os sintomas incluem os suores nocturnos, a perda de peso, fraqueza, falta de apetite, cansaço e fadiga fora do comum, coceira persistente, entre outros.Para um diagnóstico exacto de linfoma e do sub-tipo de linfoma é necessário rea-lizar uma biopsia, isto é, a extracção de fragmentos de tecidos ou órgãos que são examinados sob microscópio. Esta biopsia permite, em geral, a distinção de ou-tras doenças com sintomas semelhantes, que podem também originar o aumento do gânglio linfático (mononucleose infecciosa, toxoplasmose, citomegalovírus, leucemia, sarcoidose, tuberculose, sida, entre outras). É importante determinar a extensão da doença através de exames específicos. Os Raio X, biópsia (exame histológisco), ecografia, tomografia computadorizada (TAC), análise ao sangue e urina, recolha de amostra da medula óssea, entre ou-tros, são alguns dos possíveis exames pedidos pelo médico.Em geral, o tratamento é baseado na quimioterapia (medicamentos “citostáticos”), normalmente usados em fase mais avançada da doença; a radioterapia (uso de Raios X de alta energia) usada habitualmente em casos de diagnóstico precoce (fase inicial da doença ou quando está localizada e não disseminada) ou mesmo em combinação coordenada entre os dois tipos de tratamento. O transplante de medula óssea pode ser uma alternativa para algumas pessoas com linfomas e, em situações particulares específicas, mesmo para casos em fase avançada da doença.

Para saber mais www.apll.org

www.abrale.org.br

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A Doença de Machado-Joseph (DMJ) é uma doença neurodegenerativa do sis-tema nervoso central, que se caracteriza clinicamente por ataxia cerebelosa pro-gressiva, oftalmoparésia externa progressiva, nistagmus, sinais piramidais e extra-piramidais, retracção palpebral, atrofias musculares, fasciculações da face e da língua.A elevada variabilidade clínica da doença justificou a classificação dos doentes em três tipos clínicos: Tipo 1 – Caracterizado por síndrome extra-piramidal e piramidal (hiper- reflexia, espasticidade, Babinski +) muito marcado. A idade de início dos sintomas é mais precoce e a gravidade dos mesmos é também maior. Tipo 2 – Caracterizado apenas por sintomas do Sistema Nervoso Central; modo de início em todos os doentes (sem/com evolução para os tipos 1/3). A idade de início dos sintomas e a gravidade são “inter- médias”.

Machado-JosephA manifestação da doença está dependente de uma mutação

dinâmica (expansão instável do tripleto CAG) no gene ATXN3. A identificação e clonagem do gene foi feita por Kawagushi

e colaboradores em 1994.

O EspecialistaTeresa Taylor Kay

Geneticista Clínica

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Tipo 3 – Caracterizado por sinais periféricos, sobretudo atrofias mus- culares de predomínio distal. A idade de início dos sintomas é mais tardia e a gravidade dos mesmos é mais ligeira.

Entre as ataxias espinocerebelosas, a DMJ é a mais prevalente (Prevalência das ataxias espinocerebelosas – 3:100000). A manifestação da doença está dependente de uma mutação dinâmica (expansão instável do tripleto CAG) no gene ATXN3, localizado em 14q32.1. A identificação e clonagem do gene foi feita por Kawa-gushi e colaboradores em 1994. Existe instabilidade na transmissão que, normal-mente, se traduz num aumento dos números de repetições (CAG) entre as gera-ções, o que está associado ao fenómeno de antecipação. A presença de um alelo expandido (>61 repetições) implica que a proteína resultante ganhe uma função neurotóxica, conduzindo à morte neuronal.A descoberta da alteração genética abriu novas possibilidades para a realização de: – teste pré-sintomático; – diagnóstico pré-natal; – diagnóstico pré-implantatório.

Em 1996 foi criado o Programa de Aconselhamento Genético e Teste Preditivo na DMJ que incluiu a avaliação multidisciplinar das valências de Neurologia, Psi-cologia e Genética Clínica, faseada em várias consultas, a todos os candidatos à realização do referido teste.Na Região Autónoma dos Açores, entre 1996 e 2008, o nível de adesão ao referido Programa foi de 47%, sendo este valor um dos mais elevados verificados na apli-cação de um protocolo de teste preditivo em todo o mundo.

Para saber mais www.aaadmj.com

www.apahe-pt.com

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A Síndrome de Marfan é uma doença do tecido conjuntivo de transmissão autossó-mica dominante com uma incidência estimada de 1/5000-10000 nados-vivos. É uma doença genética, com transmissão autossómica dominante, mas cerca de 27% dos casos devem-se a mutações esporádicas. O gene envolvido na forma mais comum é o FBN1, que se localiza no braço longo do cromossoma 15. Codifica a síntese da proteína fibrilina 1, componente essencial do tecido conjuntivo. Estão identificadas mais de 500 mutações, o que torna difícil a confirmação genética. O diagnóstico deve ser clínico, segundo os critérios de Ghent revistos em 1996.Os principais sistemas atingidos são o cardiovascular, músculo-esquelético e ocular. Os doentes apresentam geralmente estatura alta, com membros longos e aracnodacti-lia (caracteristicamente diminuição da razão entre o segmento superior e inferior do

MarfanA utilização de β-bloqueadores reduz a progressão

da dilatação da aorta e o risco de dissecção.O risco de ruptura da aorta é particularmente elevado

durante a gravidez e trabalho de parto.

O EspecialistaLuísa Farinha Pereira

Assistente Hospitalar Graduada de Pediatria

Trabalha na Unidade de Pneumologia Pediátrica do Hospital de Santa Maria, in-

tegrando as equipas de Pneumologia Pediátrica, Fibrose Quística, seguimento de

Crianças Dependentes de Tecnologia (ventilação e oxigenoterapia no domicílio)

e Tuberculose infantil (de que é responsável).

Como parte do seu trabalho em Pneumologia Pediátrica tem seguido crianças e

adolescentes com Síndrome de Marfan com complicações respiratórias.

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tronco e entre a estatura e a envergadura).As anomalias cardiovasculares são as principais responsáveis pela mortalidade. Con-sistem mais frequentemente na dilatação da aorta ascendente, associada ou não a re-gurgitação da válvula aortica ou dissecção da aorta ascendente, no prolapso da válvula mitral que ocorre em cerca de 75% dos casos, com ou sem regurgitação, dilatação da artéria pulmonar ou calcificação do anel mitral. A dilatação da raiz da aorta é a principal causa de morbilidade e mortalidade. A utilização de β-bloqueadores reduz a progressão da dilatação da aorta e o risco de dissecção. O risco de ruptura da aorta é particularmente elevado durante a gravidez e trabalho de parto. As alterações do sistema músculo-esquelético são das mais características e incluem tórax escavado ou em quilha, escoliose grave, extensão reduzida a nível do cotovelo além de mobilidade anormal do pulso.A nível ocular a subluxação do cristalino pode resultar em miopia grave e descolamento da retina. Pode ocorrer pneumotórax espontaneo, por vezes recidivante, associado a bolhas subpleurais apicais. No conjunto a apresentação clínica é muito variável.Os doentes com Síndrome de Marfan devem evitar a prática de desportos e activida-des que proporcionem embates, nomeadamente desportos de contacto, exercícios ex-tenuantes e desportos de competição, pelo grande risco que comportam quer a nível cardio-vascular quer ocular. No entanto, podem e devem praticar outros desportos mais calmos, como a caminhada ou o golf, por exemplo.Todos estes doentes devem ser seguidos por uma equipa experiente nesta doença, incluindo cardiologista e oftalmologista para vigilância da evolução, e antecipa-ção/prevenção dos problemas que poderão surgir. Os doentes e famílias deverão reconhecer os sintomas das principais complicações como dissecção da aorta, descolamento da retina e pneumotórax, e saber como procurar ajuda atempada-mente. As famílias de doentes com Marfan deverão também ter apoio por uma equipa de genética clínica para prever a probabilidade de repetição da situação em gravidezes subsequentes; poderá ser possível um diagnóstico pré-natal.

Para saber mais www.marfan.org

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Um Mieloma é uma forma de tumor maligna de plasmócitos. Geralmente de-senvolve-se na medula óssea. Por razões ainda desconhecidas, surgem alterações genéticas nos plasmócitos que evoluem para uma doença maligna, o Mieloma múltiplo. O grupo de células “anormais” (clone) multiplica-se excessivamente, formando tumores na medula óssea e produzindo uma grande quantidade de an-ticorpos anormais que se acumulam no sangue e na urina.O número crescente de células plasmáticas anormais invade e lesa vários tecidos e

MielomaÉ comum em pessoas mais velhas (menos frequente antes

dos 40 anos), afecta habitualmente mais homens do que mulheres e tem maior incidência na população de raça negra. Ocupa o segundo lugar no ranking das leucemias.

O EspecialistaHerlander Marques

Licenciado em Medicina e Cirurgia pela Faculdade de Medicina do Porto

Especialista em Medicina Interna

Especialista em Oncologia Médica

Estágio no Institut Gustave Roussy, Viljuiff, França, em Hematologia Oncológica

Mestre em Oncologia pela Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar

Assistente Hospitalar no H. São João, Porto, no Instituto Português de Oncologia,

Porto e, actualmente, no H. São Marcos, Braga

Membro da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, da Sociedade Portuguesa

de Hematologia, da European Haematology Association

Pertence à Direcção da Associação Portuguesa de Leucemias e Linfomas

Faz parte do Conselho Consultivo do GHOP – Grupo Hemato-Oncológico Português

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órgãos. Como estas células e os anticorpos que produzem não são normais (imu-noglobulinas anómalas), não protegem o corpo das infecções e, por consequência, os doentes estão muito mais expostos a infecções. Não se pode identificar uma causa concreta para a origem do Mieloma múltiplo. Entre as diversas possibili-dades encontra-se a diminuição do sistema imunológico, factores genéticos, con-tacto com determinadas substâncias químicas, exposição a radiações ou vírus. Na grande maioria dos casos, os doentes de Mieloma múltiplo não exibem factores de risco claros, podendo, por isso, ser um resultado de vários factores. É comum em pessoas mais velhas (menos frequente antes dos 40 anos), afecta habitualmente mais homens do que mulheres e tem maior incidência na popu-lação de raça negra. Ocupa o segundo lugar no ranking das Leucemias. É uma doença maligna rara, originária da proliferação de células plasmocitoides, onde há tumores ósseos e tumores extra-ósseos. Provocam micro-fracturas nos ossos, podendo, por vezes, desenvolver-se noutras áreas fora dos ossos, com perturba-ções bioquímicas do sangue (hiperglobulinemia) e uma proteína anormal na uri-na (albumosúria de Bence-Jones). O doente pode apresentar dor localizada (dores ósseas – osteoporose), sobretudo na coluna ou costelas, provocada pela presença de substâncias osteoclásticas (que retiram o cálcio dos ossos), enfraquecendo-os, pelo que se fracturam facilmente. Entre os sintomas, estão ainda a hipercalcemia (cálcio elevado no sangue), provo-cada pela libertação de cálcio dos ossos danificados e que entra na circulação san-guínea; as massas amiloides (principalmente na língua), um dos principais sinais de diagnóstico da doença, em que a mandíbula é a mais afectada. Pode também causar confusão mental provocada pelo afluxo inadequado de sangue no cérebro, podendo originar sintomas neurológicos, problemas visuais e dores de cabeça.Outro sintoma é a dificuldade da circulação do sangue (Síndrome de hipervico-sidade), porque o sangue fica muito espesso (pela presença de grande quantidade de macroglobulinas). Apresentam uma redução do fluxo sanguíneo na pele, nos dedos das mãos, dos pés, no nariz. O sangue espesso também agrava o estado cardíaco e causa um aumento da pressão no cérebro, podendo provocar vertigens ou, mesmo, levar ao coma.

Para saber mais www.myeloma-euronet.org

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A Neurofibromatose tipo 1 (NF1, OMIM nº 162200 e 162210) é uma doença neurocutânea e multisistémica, que se caracteriza pela presença de múltiplas manchas “café-com-leite” (MCL), sardas nas regiões axilares e inguinais, nó-dulos de Lisch (hamartomas da íris) e neurofibromas múltiplos, em várias lo-calizações.Podem ocorrer complicações, de maior ou menor gravidade clínica, como dificuldade de aprendizagem, escoliose e outras complicações ortopédi-cas, glioma óptico e do sistema nervoso central e outros tumores. O diagnóstico de Nf1 realiza-se com base em critérios clínicos, acordados numa Conferência de Consenso que se realizou em 1987 (NIH Consensus Conference). Estes cri-térios ainda permanecem válidos e são de grande utilidade para o diagnóstico médico. Nesta conferência foram identificados 7 critérios, dos quais pelo menos 2 devem estar presentes: 1 – Seis ou mais manchas “café-com-leite”, com pelo menos 5mm de diâmetro antes da puberdade, ou 15mm posteriormente; 2 – Duas ou mais neurofibromas de qualquer tipo ou um neurofibro- ma plexiforme; 3 – Sardas nas regiões axilares ou inguinais; 4 – Glioma óptico; 5 – Dois ou mais nódulos de Lisch; 6 – Uma complicação óssea característica, como displasia do esfenói- de ou estreitamento da cortical dos ossos longos, com ou sem pseu- do-artrose; 7 – Um familiar em primeiro grau (progenitor, irmão ou filho) com critérios clínicos de NF1.

Neurofibromatose tipo 1A Neurofibromatose tipo 1 (NF1) é uma doença neurocutânea

e multisistémica, que se caracteriza pela presença de múltiplas manchas “café-com-leite” (MCL), sardas nas regiões axilares e inguinais,

nódulos de Lisch (hamartomas da íris) e neurofibromas múltiplos.

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O diagnóstico pode ser difícil em crianças ao nascer ou nos primeiros anos, quando não existe história familiar da doença e as manifestações clínicas são escassas, por vezes apenas algumas MCL. Nestes casos, é necessário vigiar e registar as manifestações que possam surgir ao longo dos anos para confirmar ou excluir a NF1. As lesões cutâneas aumentam de número e dimensões com a idade (95% dos doentes), os nódulos de Lisch estão presentes em 70% aos 10 anos e na adolescência surgem os neurofibromas (nódulos cutâneos ou sub- -cutâneos). O estudo genético do gene NF1 (localizado em 17q11.2 e que co-difica a proteína neurofibromina) permite o diagnóstico pela identificação de uma mutação em heterozigotia. A realização do estudo genético é necessário apenas raramente, para o que contribui o gene NF1 ser muito extenso e estarem identificadas inúmeras mutações. A probabilidade de se identificar uma mu-tação patológica num doente com critérios clínicos depende da metodologia laboratorial que foi usada, e pode atingir 80% a 90%. A NF1 é uma doença com transmissão autossómica dominante, pelo que 50% dos descendentes de um do-ente irão manifestá-la (penetrância elevada e expressão clínica muito variável, incluindo na mesma família). Em cerca de 50% dos doentes, a doença resulta

O EspecialistaLuis Nunes

Responsável da Especialidade de Genética Médica do CHLC – Hospital Dona

Estefânia

Coordenador do Departamento de Genética do Instituto Nacional de Saúde

Dr. Ricardo Jorge

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de uma mutação de novo no gene NF1, estando o risco de recorrência limitado aos seus filhos. É sempre necessário avaliar os progenitores de um doente para que o médico se assegure se está presente perante um caso familiar ou não. O diagnóstico diferencial realiza-se com outras doenças como a neurofibromatose tipo 2, e os síndromes de Noonan e Watson.O aconselhamento genético pode ser obtido nos Serviços de Genética Médica em Lisboa (Hospital Santa Maria e Hospital Dona Estefânia), em Coimbra (Hos-pital Pediátrico) e no Porto (Centro de Genética Médica Jacinto de Magalhães).O teste genético não se realiza ainda em Portugal, quando necessário o exame pode realizar-se no estrangeiro.De acordo com as complicações da doença, os doentes podem recorrer a con-sultas especializadas hospitalares de Ortopedia, Neurologia e Neurocirurgia, Cirurgia, Oftalmologia ou outras.

Para saber mais www.orpha.net

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Trata-se de uma doença relativamente rara que é transmitida geneticamente, na maioria dos casos, de pais para filhos, ainda que a forma e a gravidade da apresen-tação possa diferir da dos pais. Nalgumas crianças, nenhum dos progenitores tem Osteogenesis Imperfecta, constituindo nestes casos uma mutação expontânea. A ecografia fetal pode mostrar, nos casos graves, múltiplas fracturas que levantam a suspeita de “osteogenesis imperfecta”. É, todavia, através dos testes genéticos que podemos confirmar o diagnóstico. Na maioria dos casos é a história clínica de múl-tiplas fracturas que ocorrem com pequenos ou mesmo sem traumatismo que le-vantam a suspeita do diagnóstico. Nas pessoas com OI, um dos genes responsáveis pela formação do osso e, em particular, de um tipo de proteína está defeituoso. Esta proteína (Tipo I colagénio) é um dos componentes fundamentais do tecido conjun-tivo do aparelho esquelético, sendo essencial na formação dos ligamentos, dentes e na esclerótica dos olhos. Como resultado deste defeito genético a proteína não é produzida em quantidade suficiente ou a sua qualidade não é a ideal. Em qualquer dos casos os ossos tornam-se mais frágeis quebrando com facilidade mas cicatri-zando a uma velocidade normal. Existem várias formas de apresentação podendo estar associadas a outras características como a baixa estatura, uma face triangular, problemas respiratórios e perda de audição. Existem 4 tipos de OI segundo a classi-ficação de Sillence (a mais conhecida) que, ultimamente, foi reclassificada em oito tipos em função das alterações genéticas: Tipo I – Tem Colagénio de qualidade normal mas produzido em quantidade insuficiente: – Fracturas frequentes; – Escoliose moderada; – Hipermobilidade articular;

Osteogenesis Imperfecta A Osteogenesis Imperfecta (OI), também conhecida pela

“doença dos ossos de vidro”, quer dizer “imperfeição na formaçãodo osso” e caracteriza-se por uma maior fragilidade

dos ossos com risco de múltiplas fracturas.

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– Tónus muscular reduzido; – Escleróticas azuis. Este facto é devido às escleróticas serem mais finas mostrando o plexo venoso subjacente; – Perda de audição – surdez; – Pequena protusão dos olhos.

Pode ainda dividir-se em tipo A e B consoante têm associadas alterações da dentição (dentinogenesis imperfecta – ausente no Tipo A e presente no Tipo B)

Tipo II – O colagénio não é de qualidade suficiente nem em quantidade adequada: – A maioria das crianças morre antes do nascimento ou no primeiro ano de vida devido a insuficiência respiratória ou hemorragia intra-cerebral; – Graves problemas respiratórios por atrofia pulmonar; – Graves deformidades ósseas e baixa estatura.

O Tipo II pode ainda subdividir-se em A, B e C consoante as deformidades dos ossos longos e costelas. O Tipo IIA mostra ossos longos largos e curtos e costelas largas. O

O EspecialistaManuel Cassiano Neves

Licenciado em Medicina pela Faculdade de Medicina de Lisboa

Responsável pelo Serviço de Urgência do Hospital de Santa Maria (HSM)

Direcção da Unidade de Ortopedia Infantil no HSM

Responsável pelo Serviço de Ortopedia do CHLC – Hospital Dona Estefânia

Membro do Member of European Board of Orthopaedics and Trauma (EBOT)

Presidente da Sociedade Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

Membro da Sociedade Europeia de Ortopedia Infantil

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Tipo IIB mostra ossos longos largos e curtos e costelas finas. O Tipo IIC mostra ossos longos finos e curtos associados a costelas finas e em rosário. Tem prognóstico grave.

Tipo III – O colagénio tem quantidade suficiente mas não qualidade suficiente: – Ossos fracturam-se facilmente, às vezes, mesmo antes do nascimento; – Ossos deformados, por vezes, de forma grave; – Possíveis problemas respiratórios; – Pequena estatura associada a escoliose e deformidade torácica em forma de barril; – Hipermobilidade articular; – Hipotonia muscular; – Escleróticas azuis; – Possível surdez.

Caracteriza-se como a “forma progressiva” com uma forma simples à nascença e que se vai agravando progressivamente com o crescimento. Tipo IV – O colagénio tem quantidade suficiente mas não tem uma qualidade extrema: – Ossos fracturam com facilidade especialmente antes da puberdade; – Pequena estatura associada a escoliose e deformidade torácica em forma de barril; – As deformidades ósseas variam de pequenas a moderadas; – Possível surdez; – Escleróticas normais.

Similar ao tipo I, pode ser subclassificada em Tipo A (ausente) e B (presente) em função da associação com a dentinogenesis imperfecta.

Tipo V – Possui as mesmas características clínicas do tipo IV. Distingue-se histologi-camente por um osso tipo “rede”. Clinicamente associada à “Triade Tipo V” – banda radio-opaca adjacente às cartilagens de crescimento, hipertrofia do calo ósseo e calcifi-cação da membrana inter-óssea radio-cubital. Nunca é devida a uma mutação genética.

Tipo VI – As mesmas características clínicas do tipo IV. Distingue-se histologicamen-te por um osso tipo “escama de peixe”.

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Tipo VII – Descrita em 2005, é uma forma recessiva e ligada a um determinado tipo de população do Quebec. Uma mutação no gene CRTAP é a causa desta forma de doença.

Tipo VIII – OI causada pela mutação do gene LEPRE1.

Não existe cura para a OI, mas existem algumas terapêuticas que podem ajudar a me-lhorar a qualidade de vida da criança e com um efeito positivo durante o crescimento. O tratamento deve ser individualizado, de acordo com a gravidade da doença e em função da idade, e deve ser ministrado por uma equipa vocacionada para esta patologia. Na maio-ria dos casos, o tratamento é médico pela administração de bifosfonatos. Esta terapêutica incide sobre a reabsorção do osso que é diminuída pela acção dos medicamentos. Nas crianças com formas graves de OI, a terapêutica com bifosfonatos diminui o número de fracturas bem como as dores ósseas. Esta terapêutica deve ser acompanhada por pessoal especializado requerendo uma monitorização cuidada. Os resultados a longo prazo da terapêutica com bifosfonatos não estão ainda comprovados pelo que antes de ser iniciada qualquer terapêutica esta deve ser discutida com a equipa médica bem assim como a sua duração. As fracturas são tratadas da mesma forma como as fracturas das crianças com estrutura óssea normal através de talas ou gessos sendo de encorajar o mais cedo possível a utilização do membro de forma a reduzir o risco de outras fracturas. Os pais não devem ter medo de pegar nas crianças com OI mas devem ser alertados para a maneira correcta de pegar nos bebés. Nunca se deve pegar uma criança por baixo dos braços ou pelos pés quando se muda a fralda. A criança deve estar apoiada por uma mão entre as pernas e sob a nádega e outra mão dando apoio à região dos ombros, pescoço e cabeça. Devido ao risco de fracturas muitas famílias podem ser acusadas de “maus tratos”. O tratamento cirúrgico está indicado no caso de fracturas de repetição, deformidades ou má consolidação das fracturas. O tratamento mais indicado consiste na introdução de cavilhas metálicas no canal medular dos ossos longos, dando-lhes assim maior resistência. Estas cavilhas devem ser preferencialmente telescópicas de forma a acompanhar o crescimento ósseo, evitando assim múltiplas cirurgias de substituição durante o período de crescimento. A escoliose na OI pode pôr problemas complexos visto que o tratamento com coletes é ineficaz e a cirurgia é a única terapêutica possível. Na maioria das crianças o número de fractu-ras vai decrescendo com a idade mas a OI pode tornar-se novamente activa depois da menopausa ou dos 60 anos nos homens.

Para saber mais www.freewebs.com/aposteogeneseimperfeita

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As Porfírias constituem um conjunto de entidades que têm em comum correspon-derem a uma alteração de enzimas responsáveis pela biossíntese do heme. A altera-ção enzimática pode ser adquirida ou de origem genética.Deste grupo salientamos a Porfíria Aguda Intermitente que, apesar de rara, é, de entre o grupo das Porfírias congénitas, a mais frequente e a que cursa com quadros clínicos de maior gravidade.A Porfíria Aguda Intermitente é uma doença de transmissão genética autossómica dominante, também conhecida por Porfíria Sueca uma vez que a incidência mais elevada de casos sintomáticos ocorre nos países nórdicos e no Reino Unido.Na Europa calcula-se que a forma sintomática desta doença tenha uma prevalência de um a dois casos por 100.000 habitantes. A doença é mais frequente em doentes portadores de doença psiquiátrica grave. Num estudo realizado na Finlândia em doentes hospitalizados em hospitais psiquiá- tricos a prevalência aumentou para um caso em quinhentos doentes.Os casos sintomáticos de Porfíria Aguda Intermitente são mais frequentes no sexo feminino, iniciando-se os sintomas habitualmente após a puberdade.Os sintomas mais frequentes, sobretudo na fase inicial da doença e, simultanea-mente, os mais graves correspondem a quadros de dor abdominal generalizada ou localizada, frequentemente associada a outros sintomas tais como náuseas, vómitos, alteração do trânsito intestinal, quer sob a forma de diarreia quer sob a forma de obstipação, ou mesmo simulando um íleus paralítico. A intensidade dos sintomas coloca problemas difíceis a nível de diagnóstico diferencial com quadros de abdó-men agudo que requerem terapêuticas cirúrgicas.Para além dos sintomas gastrointestinais as doentes desenvolvem quadros de hiper-tensão durante as crises que, com o evoluir da doença, tendem a tornar-se perma-

Porfíria Aguda IntermitenteAs Porfírias são doenças raras, complexas, constituindo

um conjunto fascinante de doenças metabólicas, quer do ponto de vista da investigação, quer na prática clínica

pelos desafios diagnósticos que colocam.

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nentes, sendo também frequente apresentarem durante as crises taquicardia, suda-ção, tremores, ansiedade e, por vezes, alterações neurológicas como diminuição da força muscular.Um sinal típico da doença, nem sempre presente, mas que quando se verifica as-socia-se a situações de crises graves, é a alteração da cor da urina que se apresenta vermelha.Com o evoluir da doença as doentes podem desenvolver quadros psíquicos, tais como depressão, psicose, agitação, delírio e alteração do estado de consciência.Na mulher adulta as crises são frequentemente desencadeadas no período pré- -menstrual, sendo conhecida a relação entre a administração de estrogéneos sinté-ticos e de progesterona e o desencadear das crises.As crises de Porfíria podem ter vários factores desencadeantes tais como fármacos. Para além das hormonas acima referidas são vários os fármacos que podem causar crises, nomeadamente, os indutores do citocromo P450. Dietas de baixo valor ca-lórico, hábitos tabágicos e alcoólicos, stress emocional ou físico estão, entre outros, factores responsáveis pelo desencadear das crises.Nos portadores de Porfíria Aguda Intermitente deve ter-se em consideração o des-

O EspecialistaMaria Perpétua Gomes Rocha

Licenciada em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

Chefe de Serviço de Medicina Interna do Quadro do Pessoal Civil do Exército/

Hospital Militar Principal

Especialista em Gastrenterologia

Presidente da Assembleia Geral da Associação dos Médicos da Indústria Farma-

cêutica “AMPIF”

Presidente do Conselho de Administração da ONG “Fundação Portuguesa A Co-

munidade Contra a SIDA”

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piste precoce do carcinoma hepato-celular, uma vez que esta entidade apresenta prevalência elevada nestes doentes.A terapêutica dos doentes com Porfíria Aguda Intermitente compreende várias me-didas tendentes a evitar o desencadear das crises, tais como a eliminação de hábitos tabágicos e alcoólicos, a não administração dos fármacos contra-indicados, o dia-gnóstico precoce e terapêutica de qualquer situação de infecção, a adopção de uma dieta equilibrada com adequado valor calórico.A administração de cimetidina e de hematina para profilaxia das crises não é consen-sual, no entanto, alguns AA recomendam a sua utilização. A hematina tem-se mos-trado particularmente útil na profilaxia das crises de Porfíria Aguda Intermitente. A hematina tem-se mostrado, também, eficaz para redução da intensidade e con-trolo das crises. Nestas, é fundamental a administração de quantidades elevadas de hidratos de carbono, sendo, por vezes, necessária a administração de alimentação parentérica, o controlo das naúseas e vómitos, o controlo da dor bem como da hi-pertensão arterial.O apoio psiquiátrico é fundamental para diagnóstico precoce das patologias associadas.O apoio psicológico dos doentes e a terapia familiar são igualmente fundamentais para permitir que as portadoras desta doença possam desenvolver a sua vida com o máximo de normalidade.

Para saber mais www.porfiria.org

www.porphyriafoundation.com

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A Púrpura Trombocitopénica Imune (PTI) é uma doença em que existe diminui-ção da contagem das plaquetas devido a um mecanismo imunológico. O curso clínico da PTI é heterogéneo e imprevisível. O seu início pode ser insidioso, com o diagnóstico a realizar-se no decurso da identificação de trombocitopenia numa análise de rotina. Em contraste, alguns doentes têm como primeira manifestação clínica a ocorrência de discrasia hemorrágica grave associada a trombocitopenia significativa, que obrigam a hospitalização. Em contraste com as crianças, em que a PTI é maioritariamente uma doença aguda e auto-limitada, a doença nos doen-tes adultos têm um curso clínico crónico que evolui ao longo de muitos anos. No adulto, a PTI é uma doença que ocorre maioritariamente em mulheres de idade fértil. Satia et al estimam que a incidência média de PTI no Reino Unido, Alema-nha e Holanda seja de 3, 2.7 e 1.9 por 100000 habitantes, respectivamente. Por seu lado, o estudo dinamarquês encontrou uma incidência de 1.94 e de 4.62 por 100000 habitantes por ano em indivíduos com, respectivamente, menos e mais de 60 anos de idade. Na população adulta parece existir uma correlação com a idade, tendo vários estudos documentado um aumento da incidência de PTI acima dos 60 anos.A maioria dos estudos publicados descreve um aumento significativo da inci-dência da PTI em indivíduos do sexo feminino em comparação com os do sexo masculino. O ratio pode variar entre 1.2 e 2.6 mulheres para 1 homem afectado pela doença.Tradicionalmente, sempre se considerou que a PTI era uma doença originada pela destruição de plaquetas no baço quando acopladas a um anticorpo especí-

Púrpura Tombocitopénica Imune

Em contraste com as crianças, em que a PTIé maioritariamente uma doença aguda e auto limitada,

a doença nos doentes adultos têm um curso clínico crónicoque evolui ao longo de muitos anos.

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fico, presumindo-se que a síntese de novas plaquetas não estava diminuída. No entanto, dados mais recentes sugerem também outros mecanismos de doença, tal como uma trombopoiese ineficaz, o que pode justificar novas opções terapêuticas até à data não disponíveis. A contagem das plaquetas circulantes na PTI depende do balanço entre a ve-locidade da destruição e a capacidade da medula óssea aumentar a sua síntese. Estudos recentes sugerem que um número importante de doentes com PTI tem megacariopoiese inadequada face ao ritmo de destruição de plaquetas. Os níveis circulantes de trombopoietina e de factor de crescimento derivado dos megaca-riocitos encontra-se normal ou ligeiramente elevado nos doentes com PTI, quan-do comparados com o grande aumento dos níveis de trombopoietina encontrados em doentes com falência da medula óssea. Estudos in vitro demonstraram tam-bém que soro de doentes com PTI pode inibir a proliferação de magacariócitos na medula óssea.Em conjunto, estes dados sugerem que, em muitos doentes com PTI, a síntese de novas plaquetas pela medula óssea é inadequada.É bem conhecido que a fagocitose plaquetária por macrófagos desempenha um

O Especialista MccccOO EEspeciialliisttaOO EEsEspeciiaialliiistattata

MccccMccccO EspecialistaJoão Forjaz Lacerda

Licenciado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

Realizou especialidade de Hematologia Clínica no Hospital de Santa Maria, em

Lisboa, e no Memorial Sloan-Kattering Cancer Center, em Nova Iorque

Assistente Graduado de Hematologia Clínica no Hospital de Santa Maria

Professor de Hematologia

Director da Clínica Universitária de Hematologia da Faculdade de Medicina da

Universidade de Lisboa

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papel importante na PTI. É um fenómeno mediado pelo receptor FcγIIA macro-fágico que capta plaquetas com anticorpos anti-GPIIb/IIIa na sua superfície, des-poletando as vias de transdução de sinal intracelulares que culminam com a des-truição da plaqueta. Pensa-se que este fenómeno ocorra primariamente no baço.Os principais alvos antigénicos para os anticorpos anti-plaquetários são GPIIb/IIIa e GPIb/IX. Uma vez que os testes de pesquisa de anticorpos anti-plaquetários dão resultados negativos em doentes com o diagnóstico de PTI, os mesmos não foram incluídos nas recomendações actuais. A detecção de anticorpos anti-pla-quetários correlaciona-se com um curso clínico mais agressivo, com hemorragias mais frequentes e necessidade de terapêutica mais intensiva.O quadro clínico é muito variável e depende da gravidade da trombocitopenia. É raro que contagens de plaquetas superiores a 30000/mcl se acompanham de he-morragias espontâneas. Em regra, os doentes com contagens de plaquetas maiores do que 30000 a 50000/mcl mantêm vigilância periódica sem necessidade de tera-pêutica específica, a não ser que exista uma necessidade pontual de aumentar a contagem de plaquetas (intervenção cirúrgica, traumatismo, parto, etc). Em con-traste, os doentes com contagens plaquetárias inferiores têm necessidade de tera-pêutica específica, que tem por objectivo fazer subir o número de plaquetas como prevenção de hemorragias espontâneas ou após traumatismos minor. A principal complicação hemorrágica é a discrasia cutâneo-mucosa, que se manifesta como epistáxis, gengivorragias, menorragias, petéquias e equimoses. Os doentes idosos têm um risco acrescido de complicações hemorrágicas. A PTI Aguda é, primariamente, uma doença da criança. Embora muitos casos sejam auto-limitados e evoluam favoravelmente sem terapêutica, a maioria dos hematologistas inicia terapêutica com contagens plaquetárias inferiores a 10000- -20000/mcl. As opções disponíveis nesta fase da doença são a corticoterapia, a infusão intravenosa de imunoglobulina polivalente ou de imunoglobulina anti-D.Os doentes adultos têm, como já foi mencionado, uma forma crónica de PTI. A maio-ria dos doentes recebe inicialmente corticoterapia e imunoglobulina intravenosa. No entanto, cerca de 30% dos doentes não conseguem manter contagens de plaquetas acima de 30000/mcl após 6 a 12 meses de terapêutica standard, sendo considerados refractários. Muitos agentes imunossupressores foram estudados de forma não con-trolada neste contexto, incluindo azatioprina, ciclofosfamida, vincristina, ciclospori-na, micofenolato de mofetil, com resultados variáveis. Nesta fase, também se consi-dera a esplenectomia. O Rituximab também pode ser utilizado nesta fase da doença.

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Recentemente, foram introduzidos no mercado novos agonistas dos receptores da trombopoietina, que estimulam a produção de plaquetas. Nesta classe destacam- -se o eltrombopag e o romiplostim. O eltrombopag é um pequeno péptido ago-nista do receptor da trombopoietina administrado por via oral, tendo apresenta-do resultados preliminares promissores. O romiplostim é o primeiro dos agen-tes trombopiéticos de 2ª geração a entrar em ensaios clínicos. Trata-se de uma proteína recombinante que se liga ao receptor da trombopoietina, estimulando a megacariopoiese. O romiplostim é administrado por via subcutânea e apresenta taxas de resposta superiores a 75% em doentes com PTI crónica refractários à terapêutica convencional, incluindo a esplenectomia.

Para saber mais www.itpsupport.org.uk

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A Febre Q é uma doença provocada pela infecção pela Coxiella Burnetii (família das Rickettsiaceae), através da inalação de partículas biológicas – lã, placenta e líquido amniótico, urina, fezes – ou de ingestão de leite não pasteurizado proveniente de ani-mais infectados (vacas, cabras, carneiros).Os órgãos envolvidos incluem os pulmões, fígado, medula óssea e baço. Os factores de risco são os contactos com animais infectados, especialmente em situações endémicas.A Febre Q apresenta um quadro agudo e um quadro crónico, com manifestações

Q FebreO período de incubação é, em média, de 20 (14-39) dias e os doentes

apresentam habitualmente sinais e sintomas de infecção aguda (tipo gripe), com arrepios, febre e cefaleias, combinados

com sintomas de pneumonia e hepatite.

O EspecialistaAntónio Vaz Carneiro

Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência

Faculdade de Medicina de Lisboa

Membro do Grupo de trabalho para o Estudo da Agenda de Investigação em

Saúde

Membro do American College of Physicians.

Especializado em Nefrologia, fez parte da Comissão Nacional para as Terapêuti-

cas Não Convencionais e foi membro do Conselho Nacional para a Prevenção

das Doenças Cardiovasculares.

Diplomado em cuidados intensivos, foi director do Serviço de Urgência do Hos-

pital da Cruz Vermelha Portuguesa

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Q

discretas durante o surto epidémico.A Febre Q é uma doença rara, com 60-70 casos reportados ao CDC americano duran-te os anos de 2001-2003. Uma epidemia na Alemanha em 2003 detectou 299 casos, com uma taxa de ataque clínico e 20% em adultos e 3% em crianças.O período de incubação é em média de 20 (14-39) dias e os doentes apresentam ha-bitualmente sinais e sintomas de infecção aguda (tipo gripe), com arrepios, febre e cefaleias, combinados com sintomas de pneumonia e hepatite. O exame objectivo pode detectar erupção cutânea com petéquias, icterícia, hepato- -esplenomegalia e sinais de condensação pneumónica. Estas manifestações, que cons-tituem a doença aguda, variam segundo a localização geográfica.Os doentes com um quadro clínico de Febre Q com duração superior a 6 meses (1-5% dos infectados) são classificados como tendo doença crónica, que pode cursar com endocardite, aneurismas vasculares, osteoartrites e osteomielite e, em casos raros, fi-brose intersticial pulmonar, pseudotumor pulmonar, pseudo-linfoma, amiloidose e crioglobulinémia mista.O prognóstico varia do quadro completamente assintomático a uma doença cróni-ca debilitante. Especialmente importante é a infecção durante a gravidez, que pode provocar um quadro de cronicidade com complicações obstétricas variadas: abortos espontâneos, atrasos de crescimento uterino, morte in útero, prematuridade.O diagnóstico da infecção por Coxiella burnetii baseia-se, para além de alterações bioquímicas inespecíficas (VS aumentada, trombocitopénia em 25% dos casos, e aumento dos enzimas hepáticos na grande maioria), na detecção da seroconversão por imunofluorescência, 7-15 dias após o início dos sintomas (90% dos doentes têm anticorpos detectáveis às 3 semanas), com pico às 4-8 semanas e desaparecimento progressivo até aos 12 meses. As técnicas de PCR e de cultura directa do organismo, embora eficazes, não são uti-lizadas de rotina. O fármaco de escolha para a doença aguda é a doxiciclina (100 mg po 2 vezes/dia durante 2 semanas), podendo, em alternativa, utilizar-se também o cloranfenicol e a fluoroquinolona. Para a endocardite da Febre Q utiliza-se uma combinação de doxiciclina com hidroxicloroquina durante, pelo menos, 18 meses.O sucesso terapêutico mede-se pelo do-ente ficar apirético normalmente nos 7 dias seguintes e a hepato-esplenomega-lia desaparecer nas 2-12 semanas após o início do tratamento.

Para saber mais www.cdc.gov/ncidod/dvrd/qfever

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A Síndrome de Rett corresponde a uma desordem neurológica progressiva e severa que afecta o desenvolvimento do sistema nervoso central. Está associado a uma muta-ção espontânea no gene MeCP2, que codifica a proteína de ligação metil-CpG2 e que está localizado no braço longo do cromossoma X, na região Xq28.Afecta em maior proporção crianças do sexo feminino (1 caso em 15.000 meninas nascidas vivas na União Europeia), sendo que as primeiras manifestações clínicas ocorrem entre os 6 e os 30 meses de idade, sob a forma de deficiência mental severa

RettApesar de não existir tratamento disponível, é fundamental uma abordagem multidisciplinar que inclua o tratamento sintomático através, por exemplo, do uso de anticonvulsivos para controlo dos ataques epilépticos, melhorar

o estado de alerta e o controlo nutricional especialmente de aporte de cálcio.

O EspecialistaCoordenação Técnica de Ana Campos

Licenciada em Ciências Farmacêuticas pela Universidade de Lisboa

Posgraduação em Toxicologia Genética e Toxicogenómica pela Faculdade de Ci-

ências Médicas de Lisboa

Especialização em Bioética em Biotecnologia e Psicologia da Saúde, pela Universi-

dade Católica Portuguesa (UCP)

Desenvolve desde 2005 projectos com a Raríssimas, sendo actualmente coorde-

nadora de projectos entre DGS-Raríssimas, no âmbito de serviços de informação

sobre doenças raras e medicamentos órfãos

Colaboração em projectos com o Laboratório de Farmacologia da FMUL e Infarmed

Colaboração com os grupos ENCePP (3rd WG) EMEA, ICORD (III and IV WG)

e a Pastoral da Saúde (Setúbal)

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associada a um quadro clínico de hipotonia, microcefalia (perímetro craniano nor-mal ao nascimento com desaceleração do crescimento da cabeça entre 6 meses e 4 anos de vida), movimentos das mãos estereotipados e repetitivos com perda do uso funcional, regressão precoce das actividades comportamental, social e psicomotora (perda das habilidades previamente adquiridas), manifestação de disfunção da comu-nicação e de sinais de “demência”, irregularidades respiratórias, ataxia e convulsões. São critérios de exclusão de Síndrome de Rett, o atraso no crescimento intra-uterino, visceromegalia, retinopatia ou atrofia óptica, microcefalia no nascimento, existência de desordens metabólicas ou outras de origem neurológica progressiva (resultado de infecção ou trauma, por exemplo).O padrão evolutivo desta doença permite diferenciar 4 estágios: estágio I ou “estágio de desaceleração precoce” (entre os 6 e os 18 meses) – caracterizado por estagnação no desenvolvimento, hipotonia, desaceleração do crescimento da cabeça, desinteresse por jogos; estágio II ou “estágio rapidamente destrutivo” (entre 1 e 3 anos) – caracteriza-do por rápida regressão e deterioração comportamental e linguística, perda de uso das mãos e movimentos estereotipados, crises convulsivas, manifestações autistas, insónia; estágio III ou “estágio pseudo-estacionário” (entre 2 e 10 anos) – em que se observa uma regressão dos traços autistas, atraso mental severo, melhoria da interacção social, ataxia, apraxia, disfunções respiratórias; estágio IV ou “Estágio de deteriorização motora tar-dia” (após os 10 anos) – assiste-se a perda de funções motoras, ausência de linguagem, atraso no crescimento, manifestação de sintomas piramidais e extrapiramidais, redução das crises epilépticas, melhoria do contacto visual, rigidez, atrofia muscular, que duram por vários anos.Apesar de não existir tratamento farma-cológico disponível, é fundamental uma abordagem multidisciplinar que inclua o tratamento sintomático através, por exemplo, do uso de anticonvulsivos para controlo dos ataques epilépticos, melho-rar o estado de alerta e o controlo nutri-cional especialmente de aporte de cálcio. Estudos revelam que a fisioterapia, hi-droterapia e reabilitação são fundamen-tais para a melhoria das competências e da qualidade de vida destas crianças.

Para saber mais http://anpar.planetaclix.pt

www.syndrome-de-rett.org

www.rett.de

www.orpha.net/data/patho/Pro/en/Rett-FRenPro91.pdf>

www.unifesp.br/dneuro/neurociencias/vol12_2/rett_hi-

dro.htm>

www.ncbi.nlm.nih.gov/sites

www.enfermedades-raras.org

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A Síndrome de Rubinstein-Taybi é uma síndrome de anomalias congénitas múl-tiplas associadas a atraso mental, cujas principais alterações fenotípicas são uma aparência facial específica, polegares e primeiros dedos dos pés grandes e lar-gos, baixa estatura e atraso cognitivo que pode ser de moderado a grave. As ca-racterísticas faciais típicas são fendas palpebrais orientadas para baixo, pestanas longas, ponta do nariz (columela) proeminente em relação às narinas, palato arqueado e uma expressão facial muito própria – quando sorriem, os doentes

Rubinstein-TaybiAs características faciais típicas são fendas palpebrais

orientadas para baixo, pestanas longas, ponta do nariz (columela)proeminente em relação às narinas, palato arqueado

e uma expressão facial muito própria.

O EspecialistaMaria Teresa Lourenço

Formada no Hospital de Egas Moniz, onde se especializou em Medicina Interna

Serviço de Genética Médica do Hospital de Egas Moniz , tendo obtido os graus

de Assistente de Genética Médica da Carreira Médica Hospitalar, de Especilista

em Genética Médica

Serviço de Genética Médica do CHLC – Hospital de Dona Estefânia, continuan-

do a assegurar a sua actividade assistencial na área da Genética Médica

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com esta síndrome semicerram as pálpebras, dando a impressão que riem com os olhos fechados. As curvas de crescimento pré-natal são geralmente normais; contudo, verifica-se um atraso de crescimento de instalação pós-natal, logo nos primeiros meses de vida. Mais tarde, em particular na adolescência, podem ficar obesos. Outras alterações que podem estar presentes são anomalias oculares (glaucoma, coloboma), anomalias congénitas cardíacas, renais e ou esqueléticas. O diagnóstico de SRT baseia-se essencialmente na observação das característi-cas clínicas e de fenótipo específicas desta síndrome. Até agora, os únicos ge-nes identificados e referidos como sendo responsáveis pela doença são os genes CREBB e EP300. O estudo citogenético molecular por FISH detecta microdele-ções em cerca de 10% dos doentes com SRT. O estudo molecular de pesquisa de mutações permite identificar mutações no gene CREBB em cerca de 30 a 50% dos indivíduos afectados. As mutações no gene EP300 são detectadas em cerca de 3% dos doentes.O SRT não tem um tratamento específico. No entanto, estão recomendados pro-gramas de intervenção precoce, adequados a cada caso. É fundamental que estas crianças sejam acompanhadas por equipas médicas multidisciplinares, de modo a poderem beneficiar da realização de testes de detecção precoce (surdez, anoma-lias oculares, patologia articular, entre outros), que muitas vezes são detectados já tardiamente. É, pois, importante conhecer a história natural da doença.A SRT pode ser herdada de forma do-minante. Em geral, ocorre como uma mutação de novo. Na maioria dos ca-sos, os pais de um indivíduo com SRT não são afectados. Neste caso, o risco de recorrência para os irmãos do in-divíduo com a doença é muito baixo (aproximadamente 0,1%). Embora seja muitíssimo raro que estes indivíduos tenham descendência, o risco teórico para a descendência é de 50%.

Com a colaboração da Drª Márcia Rodrigues.

Para saber mais www.ommbid.com

www.apart-pt.org

www.rts.freeservers.com/rts.html

www.artsbrasil.org.br

www.rtscanada.org

www.rubinstein-taybi.dk

www.rubinsteintaybi.org

www.rubinstein-taybi.org

www.afsrt.com

www.rtsyndroom.nl

www.rtsuk.org

Page 102: Doenças raras de A a Z

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Descrito em 1986 por Smith e Magenis, esta síndrome (SSM) apresenta fácies característico, atraso cognitivo moderado e de desenvolvimento, com alterações de comportamento. O diagnóstico é baseado nos achados clínicos e confirmado pela existência de uma delecção intersticial no braço curto do cromossoma 17. Esta síndrome tem uma prevalência de 1/25 000 nascimentos, com distribuição idêntica em ambos os sexos e em todas as etnias. Os indivíduos com SSM apresen-tam alterações faciais, que se tornam mais marcadas com a idade, e que incluem

Smith-MagenisOs indivíduos com SSM apresentam alterações faciais

que se tornam mais marcadas com a idade, e que incluem braquicefalia, hipoplasia da face média e prognatismo. Também é habitual a baixa

estatura, a perda de audição progressiva e anomalias oculares.

O EspecialistaMaria Purificação Valenzuela Sampaio Tavares

Licenciada em Medicina e Cirurgia pela FMUP

Professora Catedrática de Genética Médica da FMDUP

Fundadora do CGC, 1º laboratório privado de Genética Médica

Responsável pelo 1º Programa de Rastreio Pré-Natal em Portugal

Especialista em Genética Médica

Membro da Direcção do Colégio de Genética Médica da Ordem dos Médicos

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braquicefalia, hipoplasia da face média e prognatismo. Também é habitual a baixa estatura, a perda de audição progressiva e anomalias oculares. As alterações de comportamento são evidentes desde cedo. Com intensidade variável, poderão ser ainda observados perturbações do sono (dificuldade em adormecer e em dormir por longos períodos seguidos), atenção reduzida com ou sem hiperactividade, algumas estereotipias típicas desta síndrome, hiporeflexia, comportamentos vio-lentos e auto-mutilatórios. O diagnóstico da SSM é realizado com base no diagnóstico clínico e confirmado com técnicas de citogenética (bandas GTG e FISH) para detectar a delecção do fragmento 17p11.2, onde se situa o gene RAI1, gene responsável pela maioria das características desta síndrome. A sequenciação deste gene é também possível. A delecção 17p11.2 ocorre habitualmente de novo, <1% tem outras etiologias.As manifestações clínicas desta síndrome durante a infância são subtis o que, por vezes, dificulta o diagnóstico precoce. Uma vez diagnosticada esta patologia, os indivíduos devem ser acompanhados por uma equipa médica multidisciplinar. Também, precocemente, deve ser instituído um programa específico para avalia-ção e terapia do desenvolvimento e do comportamento. Convém aqui salientar a importância de grupos de apoio e de associações de doentes.

Para saber mais www.orphanet.pt

www.genetests.org

www.rarissimas.pt

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A Síndrome de Smith-Lemli-Opitz é uma doença genética rara, com uma incidên-cia estimada em 1/15 000 nascimentos na população caucasiana. É caracterizada por atraso de desenvolvimento psicomotor e anomalias congénitas. As principais características clínicas são: – Atraso de desenvolvimento global, alterações do comportamento como hiperactividade, perturbação do espectro autista, auto-agressividade e alterações do sono; – Atraso de crescimento com microcefalia, que pode ter início pré-natal, associado, frequentemente, a dificuldades alimentares nos primeiros meses de vida; – Dismorfia craniofacial incluindo ptose palpebral, pavilhões auriculares de implantação baixa e rodados posteriormente, nariz de ponte achatada e narinas antevertidas, cantos da boca virados para baixo, fenda do palato/ úvula bífida e micrognatia; – Anomalias dos membros, mais frequentemente sindactilia cutânea entre o 2º e 3º dedos dos pés e polidactilia pós-axial. Pode também ocorrer hi- poplasia do polegar, clinodactilia e camptodactilia – Cardiopatia congénita, habitualmente comunicação interauricular ou interventricular; – Anomalias genitais no sexo masculino, como hipospádias e criptor- quida; nos casos mais graves ocorre feminização dos genitais mascu- linos; – Malformações do sistema nervoso central, nomeadamente hipoplasia do corpo caloso, hipoplasia do cerebelo e holoprosencefalia; – Fotossensibilidade cutânea, nomeadamente à radiação UVA.

Smith-Lemli-OpitzA variabilidade clínica é grande, desde casos muito

graves com malformações múltiplas e morte precoce,incluindo in útero, a casos leves com anomalias minor

e atraso ligeiro do desenvolvimento.

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A variabilidade clínica é grande, desde casos muito graves com malformações múltiplas e morte precoce, incluindo in útero, a casos leves com anomalias minor e atraso ligeiro do desenvolvimento. As alterações bioquímicas que ocorrem nesta síndrome são diminuição do coles-terol total sérico, embora esta alteração não ocorra em todos os doentes, e níveis de 7-dehidrocolestereol (7-DHC) sérico aumentado. O doseamento de 7-DHC no sangue é o método bioquímico de rastreio e confirmação da doença em casos clinicamente suspeitos.Esta síndrome é causado por mutações no gene DHCR7, que codifica para a en-zima 7-dehidrocolesterol redutase. Tem hereditariedade autossómica recessiva, os progenitores de um indivíduo afectado são portadores obrigatórios e têm um risco de 25% de recorrência da doença na sua descendência. O diagnóstico pré-natal pode ser efectuado em situações de risco aumentado, que podem incluir gestações de casais com uma criança anterior afectada ou gestações em casais sem história familiar, na qual são detectadas anomalias fetais sugestivas deste diagnóstico.Esta doença não tem um tratamento curativo, existindo indicação para efectuar tratamento com suplementos de colesterol. Este tratamento parece ser bem tole-rado e ter efeitos benéficos na evolução do crescimento, melhoria da fotossensibi-lidade e eventualmente melhoria das alterações do comportamento.As dificuldades de evolução ponderal e de alimentação poderão necessitar de apoio nu-tricional ou medidas cirúrgicas, como colocação de gastrostomia nos casos mais graves.

O EspecialistaMaria Gabriela Oliveira Reis Soares

Licenciada em Medicina pela Universidade do Porto – Instituto de Ciências

Biomédicas Abel Salazar

Especialidade em Genética Médica por frequência do Internato em Genética

Médica no Instituto de Genética Médica Jacinto de Magalhães

Exerce funções como Assistente de Genética Médica na Unidade de Genética

Médica do Centro de Genética Médica Jacinto de Magalhães – Porto

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Para saber mais www.smithlemliopitz.org

www.orpha.net

A fotossensibilidade, quando significativa, justifica a utilização de protecção solar.O atraso de desenvolvimento implica recurso a medidas de suporte como fisiote-rapia, estimulação global e apoio educacional.O acompanhamento médico deverá ser multidisciplinar, incluindo especialidades cirúrgicas de acordo com as anomalias congénitas presentes, Pediatria do Desen-volvimento e Doenças Metabólicas. Os doentes e seus familiares deverão também ser vistos em consulta de Genética Médica para aconselhamento genético e pro-gramação de eventual diagnóstico pré-natal em gestações subsequentes.

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A Spina Bífida (SB) é o mais frequente defeito do tubo neural (DTN). Consiste no não encerramento do arco posterior de algumas vértebras, com possibilidade de hernia-ção da medula ou raízes nervosas. Em cerca de 80% dos casos a SB acompanha-se de hidrocefalia por malformação ce-rebral associada (malformação de Arnold Chiari II e/ou estenose do Aqueduto de Sylvius).Os doentes com SB têm compromisso motor e sensitivo, malformações ortopédicas, ausência de controlo de esfíncteres, complicações renais secundárias à bexiga neu-rogénia, além de complicações da hidrocefalia, traduzidas frequentemente por difi-culdades de aprendizagem, atraso mental, perturbações do equilíbrio e da marcha e problemas oftalmológicos. A prevalência da SB tem vindo a descrescer nos países desenvolvidos, sendo actual-mente cerca de 0,1 / 1000 nado-vivos. A etiologia é multifactorial com um componen-te genético e outro ambiencial. O tubo neural desenvolve-se nas primeiras 4 semanas da gravidez, quando a maioria das mulheres ainda desconhece que está grávida. Está provado que suplementos orais de ácido fólico na dose de 4mg/dia, 3 a 4 meses antes da concepção e ao longo do primeiro trimestre da gravidez, reduzem o risco de SB e outros defeitos do tubo neural em 50-70%.Quanto mais elevado for o nível da lesão maior a probabilidade de ocorrência de hidrocefalia e maior o grau de incapacidade motora e de complicações secundárias. A lesão medular e/ou das raízes nervosas é a responsável pela paraplegia mais ou menos grave, pelo compromisso das sensibilidades com risco de úlceras de pressão e queima-duras, pelas malformações e deformações ortopédicas, pela ausência de controlo dos esfincteres vesical e anal e pelas complicações nefro-urológicas.A medula ancorada é uma complicação frequente da SB. Traduz-se por deterioração

Spina BífidaHá menos de três décadas, poucos bebés com SB sobreviviam ao seu 1º ano de vida. Hoje, graças a um melhor tratamento, que passa não só por uma

sofisticação das técnicas disponíveis mas também por uma forte aposta na prevenção das complicações secundárias, 90% atingem a idade adulta.

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da marcha, agravamento da disfunção nefro-urológica com aumento da frequência de infecções urinárias e maiores dificuldades na continência espontânea ou social e desenvolvimento de escoliose. O tratamento da SB já é possível iniciar-se durante a gravidez, com a cirurgia fetal. O encerramento do mielomeningocelo (MM) in útero vai diminuir a probabilidade de desenvolver hidrocefalia mas parece não melhorar muito a funcionalidade dos membros inferiores. Após a criança nascer, o encerramento do mielo ou do meningocelo deve realizar-se, por neurocirurgião, nas primeiras 24 a 72 horas de vida, num bloco operatório isento de látex.A hidrocefalia pode estar presente logo ao nascimento (em cerca de 15% MM) e a derivação ventrículo-peritoneal (DVP) pode colocar-se em simultâneo com o encer-ramento do MM. Na maioria dos casos, a hidrocefalia torna-se aparente 2 a 3 semanas depois de encerrar o DTN, necessitando grande parte delas serem derivadas, colocan-do um tubo flexível no sistema ventricular cerebral (geralmente no ventrículo lateral direito) para drenar o excesso de LCR para o peritoneu. A maior parte das crianças com SB precisa de apoios para a sua mobilidade – talas, canadianas e/ou cadeiras de rodas.

O EspecialistaEulália Calado

Chefe de Serviço de Neurologia Pediátrica Directora do Serviço de Neurologia Pedi-

átrica do CHLC – Hospital D. Estefânia

Coordenadora do Núcleo de Spina Bífida do CHLC – Hospital D. Estefânia

Membro do Conselho Científico do Instituto Científico de Formação e Investigação

da FAPPC (Federação das Associações Portuguesas de Paralisia Cerebral)

Consultora de Neurologia Pediátrica do Centro de Paralisia Cerebral Calouste

Gulbenkian

Investigadora da SCPE (Surveillance of Cerebral Palsy in Europe)

Membro do Conselho Científico da Associação Raríssimas.

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A ausência de sensibilidade favorece o aparecimento de escaras, feridas ou queimadu-ras nas zonas afectadas, devido à inexistência de dor. A sua cicatrização é lenta e obri-ga, muitas vezes, à imobilização prolongada e a longos internamentos hospitalares.Outro dos factores condicionantes do prognóstico da SB e causa frequente de mortali-dade são as complicações (obstrução, infecção) das DVP, colocadas para resolução da hidrocefalia. Mesmo as hidrocefalias sem válvula necessitam de vigilância periódica, pois existe sempre a possibilidade da sua descompensação, com repercussões a nível cognitivo, visual e motor. Grande parte da população com SB tem alterações vesicais e intestinais (bexiga e in-testino neurogénios), que desde cedo deverão aprender a controlar e a tratar, de modo a evitarem complicações renais e a obter, sempre que possível, uma continência social.Há menos de três décadas, poucos bebés com SB sobreviviam ao seu 1º ano de vida. Hoje, graças a um melhor tratamento, que passa não só por uma sofisticação das técnicas actualmente disponíveis mas também por uma forte aposta na prevenção das complicações secundárias, 90% atingem a idade adulta.

Para saber mais www.asbihp.pt

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A espécie humana é cromossomicamente diplóide, com um complemento de 23 pares de cromossomas. Cada par resulta de um cromossoma herdado do pai e do cromossoma homólogo herdado da mãe. Assim, um ser humano normal tem 46 cromossomas.Por mecanismos diversos, podem ocorrer alterações do número de cromossomas, surgindo as cromossomopatias, geralmente associadas a malformações congéni-tas múltiplas e atraso mental. Em conjunto, as cromossomopatias causam metade

Trissomias

O EspecialistaFernando J. Regateiro

Professor Catedrático da Faculdade de Medicina de Coimbra, onde rege a disci-

plina de Genética

Presidente do Conselho de Administração dos Hospitais da Universidade de

Coimbra

Presidente da Assembleia Municipal de Mira e da Assembleia da Comunidade

Intermunicipal do Baixo Mondego

A Trissomia 21 é a mais frequente, sendo a prevalênciade 1/660 RN atingida em gravidezes a termo a partir dos 31 anos,

e aumentando com o avanço da idade materna (o risco é de 1em 28 RN aos 45 anos e de 1 em 6 RN aos 50 anos).

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TU

VW

XY

Z

dos abortos espontâneos, ocorrendo estes em cerca de 20% das gravidezes conhe-cidas. Entre as alterações cromossómicas mais frequentes em abortos espontâneos contam-se as Trissomias, em cerca de 50% dos casos. A prevalência das cromosso-mopatias nos RN ronda os 0,6%.As Trissomias resultam da existência de um cromossoma supranumerário. Divi-dem-se em autossómicas quando envolvem um cromossoma dos pares 1 a 22 e heterocromossómicas quando envolvem o cromossoma X ou Y.

As Trissomias do X ou do Y são menos severas do que as autossómicas, devido à inactivação que normalmente ocorre na maior parte de um dos cromossomas X, ou de dois no caso das Trissomias, o que compensa o efeito de dosagem génica. Não havendo inactivação de um cromossoma autossómico a mais, a severidade é maior. A Trissomia 21 é a mais frequente, sendo a prevalência de 1/660 RN atingida em gravidezes a termo a partir dos 31 anos, e aumentando com o avanço da idade materna (o risco é de 1 em 28 RN aos 45 anos e de 1 em 6 RN aos 50 anos).Na Trissomia 21, como nas restantes, algumas das anomalias físicas não estão presentes em 100% dos doentes, podendo ocorrer noutras patologias, ou mesmo em indivíduos normais. A probabilidade de uma mulher voltar a ter um filho com Trissomia 21, em nova gravidez dentro do casal, é habitualmente muito baixa, ressalvados casos familia-

Trissomias

Autossomopatias Frequência Heterocromossomopatias Frequência Trissomia 21 1/660 Trissomia XXY 1/600 RN (S. de Down) Recém-nascidos (S. de Klinefelter) sexo masculino Trissomia 18 1/8.000 Trissomia XXX 1/1.000 RN (S. de Edwards) Recém-nascidos sexo feminino Trissomia 13 1/10.000 Trissomia XYY 1/1.000 RN (S. de Patau) Recém-nascidos sexo masculino

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Para saber mais www.trisomy.org/index.php

www.appt21.org.pt

res identificáveis por cariótipo. Quando existe risco acrescido para Trissomia, são feitos diversos exames que podem culminar na amniocentese, pelas 15 semanas de gestação, e estudo do cariótipo fetal. No quadro seguinte sintetizam-se as manifestações mais significativas das Trissomias.

Síndrome Manifestações

Trissomia 21 Face redonda de perfil achatado, braquicefalia, fendas palpebrais oblíquas (S. de Down) para cima e para fora, nariz pequeno e achatado, boca aberta e protusão da língua, prega palmar única, baixa estatura, atraso mental, malformações internas.

Trissomia 18 Dolicocefalia, micrognatia, esterno curto, cavalgamento do 2º dedo sobre o (S. de Edwards) 3º e do 5º sobre o 4º, atraso mental grave, atraso de crescimento, malformações internas graves, sobrevivência rara para além dos 6 meses.

Trissomia 13 Holoprosencefalia, microcefalia, microftalmia, fenda labial e/ou palatina (S. de Patau) bilateral, polidactilia, malformações orgânicas graves, crescimento deficiente, sobrevivência rara para além dos 6 meses.

S. de Klinefelter Hipogonadismo, microorquidia, esterilidade, ginecomastia, aparência eunucóide. Ligeira dificuldade de aprendizagem e da fala.

Trissomia XYY Sem anomalias físicas relevantes, estatura acima da média, dificuldades de aprendizagem a nível da linguagem.

Trissomia XXX Sem anomalias físicas relevantes, problemas de aprendizagem frequentes.

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A Síndrome de Turner, ou de Ullrich-Turner, foi descrita pela primeira vez em 1938 mas a sua origem cromossómica apenas se descobriu em 1959. Corresponde a uma anomalia cromossómica associada à delecção parcial ou completa do cromossoma X, sendo estimada uma incidência de 1 caso em cada 5.000 nados-vivos, em que 1 caso em 2.500 ocorre em crianças do sexo feminino. A frequência do cariotipo 45, X é cerca de 13% no momento da concepção sendo que 99% dos casos sofre um aborto espontâneo, que representa entre 5-10% do total de abortos.

TurnerDurante a gestação, malformações típicas podem

ser diagnosticadas por ultrasom, mas formas mais ligeirassão descobertas acidentalmente após amniocentese realizada

por outros motivos.

O EspecialistaCoordenação Técnica de Ana Campos

Licenciada em Ciências Farmacêuticas pela Universidade de Lisboa

Posgraduação em Toxicologia Genética e Toxicogenómica pela Faculdade de Ci-

ências Médicas de Lisboa

Especialização em Bioética em Biotecnologia e Psicologia da Saúde, pela Universi-

dade Católica Portuguesa (UCP)

Desenvolve desde 2005 projectos com a Raríssimas, sendo actualmente coorde-

nadora de projectos entre DGS-Raríssimas, no âmbito de serviços de informação

sobre doenças raras e medicamentos órfãos

Colaboração em projectos com o Laboratório de Farmacologia da FMUL e Infarmed

Colaboração com os grupos ENCePP (3rd WG) EMEA, ICORD (III and IV WG)

e a Pastoral da Saúde (Setúbal)

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É provável que os genes implicados no fenotipo de Turner sejam genes associados ao cromossoma X que escapam à inactivação. Menos de 50% dos casos correspondem a um cariotipo 45, X, e os restantes correspondem a casos de moisacismo 45, X e/ou anomalias no cromossoma X ou Y; menos frequentes são os casos 45,X/46,Xj(X) ou fragmentos 45,X/46fra.Durante a gestação, malformações típicas podem ser diagnosticadas por ultrasom, mas formas mais ligeiras são descobertas acidentalmente após amniocentese realiza-da por outros motivos. Embora exista uma grande heterogeneidade de manifestações clínicas, as anomalias físicas características podem ser graves ou, por outro lado, ausentes. É característico destas crianças uma baixa estatura, infantilismo sexual e outras manifestações visce-rais (anomalias ósseas, linfoedema, surdez, comprometimento gastrointestinal, car-diovascular e da tiróide) que são menos comuns, mas que devem ser pesquisadas e que permanecem durante a adolescência e a idade adulta.A qualidade de vida e a integração social são mais positivas quando a puberdade não é induzida tardiamente e quando não existe doença cardíaca ou surdez associada que, por sua vez, pode conduzir a dificuldades de aprendizagem. Nestes casos, também a esterilidade pode ter um efeito negativo na qualidade de vida.O aconselhamento pré-natal é fundamental após o diagnóstico. As medidas de intervenção incluem terapia com hormona de crescimento, que conduz a um cres-cimento significativo, bem como um seguimento contínuo, pois o prognóstico depende da presença de doença cardíaca, obesidade, hipertensão arterial ou os-teoporose associada.

Para saber mais www.turnersyndrome.org

www.orpha.net/data/patho/Pro/fr/

Turner-FRfrPro44.pdf

www.enfermedades-raras.org

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A Síndrome de Usher engloba características genéticas que implicam a perda auditi-va e alterações visuais provocadas pela presença de retinose pigmentar. O distúrbio pigmentar caracteriza-se por um arranjo de pigmento negro em forma de osteócitos, iniciando na periferia em direcção ao centro e seguindo frequentemente um padrão perivascular. É transmitida hereditariamente através de um carácter autossómico re-cessivo que afecta tanto o sexo masculino como o feminino e tem uma taxa de pre-valência de 1/30,000.

UsherO defeito ciliar é comum a qualquer dos tipos de Usher

e está presente em vários tecidos de diferentes órgãos tais como:receptores auditivos, células vestibulares, epitélio respiratório

e cauda dos espermatozóides.

O EspecialistaCoordenação Técnica de Ana Campos

Licenciada em Ciências Farmacêuticas pela Universidade de Lisboa

Posgraduação em Toxicologia Genética e Toxicogenómica pela Faculdade de Ci-

ências Médicas de Lisboa

Especialização em Bioética em Biotecnologia e Psicologia da Saúde, pela Universi-

dade Católica Portuguesa (UCP)

Desenvolve desde 2005 projectos com a Raríssimas, sendo actualmente coorde-

nadora de projectos entre DGS-Raríssimas, no âmbito de serviços de informação

sobre doenças raras e medicamentos órfãos

Colaboração em projectos com o Laboratório de Farmacologia da FMUL e Infarmed

Colaboração com os grupos ENCePP (3rd WG) EMEA, ICORD (III and IV WG)

e a Pastoral da Saúde (Setúbal)

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Existem quatro tipos da Síndrome de Usher: Tipo I – caracterizado por surdez profunda desde o nascimento e retinose pigmentar e cegueira nocturna com perda de equilíbrio; Tipo II – surdez ligeira a moderada, não progressiva, com retinose pig- mentar com início da puberdade, cegueira nocturna e com perda de equi- líbrio, na maioria dos casos na fase adulta; Tipo III – surdez neurosensorial congénita progressiva. Apresentam re- tinose pigmentar e cegueira nocturna que se manifesta na infância, com perda de equilíbrio; Tipo IV – é o tipo mais raro, afectando apenas 10% da população com Síndrome de Usher.

O defeito ciliar é comum a qualquer dos tipos de Usher e está presente em vários teci-dos de diferentes órgãos tais como: receptores auditivos, células vestibulares, epitélio respiratório e cauda dos espermatozóides. Apesar da perda da acuidade visual abaixo de 0,5 ocorrer mais cedo na vida nos pacientes com o tipo I em relação ao tipo II, ambos os subgrupos detêm uma apreciável oportunidade de manutenção da acuidade central até a quinta ou sexta décadas de vida. Os portadores do tipo I têm uma maior probabilidade de desenvolvimento de lesões foveais atróficas ou císticas do que os pacientes portadores do tipo II. O diagnóstico precoce assume extrema importância já que a doença compromete os dois sentidos considerados primordiais, acabando por levar o indivíduo à cegueira total, na maioria dos casos, na fase adulta (a cegueira nocturna só aparece com maior intensidade na infância e/ou na adolescência). Otorrinolaringologia, oftalmologia e genética são as especialidades presentes para um correcto diagnóstico da Síndrome de Usher. Através de um diagnóstico precoce e acompanhamento multidisciplinar os pacientes têm a possibilidade de pronto benefício dos recursos diagnóstico-tera-pêuticos em constante avanço, obtendo consequentemente uma melhoria na sua qualidade de vida.

Para saber mais www.retinacv.onored.com

www.retinaportugal.org.pt

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A Doença de Vogt-Koyanagi-Harada é uma patologia inflamatória multissistémica rara. Conhecida há mais de 1000 anos, o seu nome provém dos três médicos que, independentemente, estudaram e descreveram as diferentes fases da doença, poste-riormente integradas na mesma patologia.Em termos epidemiológicos sabe-se que afecta mais frequentemente indivíduos de origem asiática e hispânica, entre os 20 e 50 anos, sendo mais prevalente no sexo feminino.

Vogt-Koyanagi-Harada

O EspecialistaEliana Rute Balbino Neto

Licenciatura em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

Internato Complementar de Oftalmologia

A instituição precoce do tratamento conduz à resoluçãodo quadro neurológico e ocular apesar das alterações

dermatológicas serem persistentes. Reduz ainda a probabilidadede doença crónica ou recorrente.

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Apesar da intensa investigação realizada, a fisiopatologia da doença ainda não está totalmente esclarecida. Pensa-se que resulte de uma resposta imunológica anómala mediada por linfócitos T e dirigida às células que contêm melanina, existentes no olho, ouvido interno, meninges e pele. Clinicamente inicia-se por febre e alterações neurológicas tais como cefaleias intensas e rigidez da nuca, acompanhadas de zum-bidos, surdez e vertigem. Algumas semanas depois, a perda da visão bilateral habitu-almente é rápida e profunda, surgindo associada a dor ocular e fotofobia. Na fase de convalescença, semanas a meses depois dos sintomas oculares, são evidentes áreas de despigmentação cutânea na cabeça, pálpebras e tronco (vitiligo) e despigmentação do cabelo, sobrancelhas e pestanas (poliose), além de queda do cabelo (alopécia).O diagnóstico é clínico, sendo baseado na constelação de sinais e sintomas oculares e extra-oculares. Dado o largo espectro da doença, o Comité Internacional de No-menclatura definiu 3 categorias clínicas (VKH completo, incompleto ou provável) mediante a presença de todos ou parte dos critérios de diagnóstico (manifestações oculares, neurológicas, auditivas e cutâneas). O envolvimento ocular bilateral é obrigatório e secundário a inflamação uveítica anterior e/ou posterior. Em todas as formas de apresentação há que excluir história de traumatismo ou cirurgia ocular prévios, além de evidência clínica ou laboratorial que sugira outro diagnóstico. Apesar de não existirem exames laboratoriais específicos, a realização de punção lombar com análise do líquido cefalorraquidiano e a avaliação oftalmológica por angiografia fluoresceínica, ultrassonografia e tomografia de coerência óptica, são uma ferramenta de apoio ao diagnóstico e/ou seguimento clínico destes doentes.O tratamento é dirigido à modulação da resposta auto-imune, baseando-se na cor-ticoterapia sistémica em altas doses e por longos períodos. Em casos de corticorre-sistência ou efeitos secundários intoleráveis dos corticóides, os imunossupressores (ciclosporina, azatioprina) são uma forma de terapêutica adjuvante ou alternativa.A instituição precoce do tratamento conduz à resolução do quadro neurológico e ocular apesar das alterações dermatológicas serem persistentes. Reduz ainda a probabilidade de doença crónica ou recorrente.Sendo um facto que o prognóstico destes doentes tem vindo a melhorar nas últimas décadas, investigações actuais decorrem no sentido de identificar o alvo preciso do ataque imunológico e assim deter-minar o protocolo terapêutico mais adequado.

Para saber mais www.uveitissociety.org/pages/index.html

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A Doença de Wilson deve seu nome a Samuel Wilson que, pela primeira vez, a descreveu, em 1912, como “degenerescência lenticular progressiva”: uma doença neurológica familiar e letal, acompanhada de doença hepática crónica que conduz à cirrose. É, também, denominada como degenerescência hepatolenticular.Trata-se de uma doença rara, afectando 1 em 30.000 a 100.000 indivíduos, heredi-tária, de transmissão autossómica recessiva, associada a perturbação do metabo-lismo do cobre, que resulta do defeito na excreção deste metal pela bile, levando à sua acumulação, inicialmente, no hepatócito e, posteriormente, em diversos órgãos e tecidos, particularmente, cérebro, córnea e rins. O gene envolvido, localizado no cromossoma 13, foi identificado em 1993 e desig-nado como ATP7B. Estão descritas mais de 200 mutações neste gene e é reconhe-cido que a maioria dos doentes apresenta estado de heterozigotia composta, com uma mutação diferente em cada alelo, tornando muito complexo o diagnóstico baseado na genética. O gene ATP7B codifica uma proteína transportadora de cobre, que se expressa sobretudo a nível dos hepatócitos e funciona como bomba de cobre. A absorção do cobre proveniente da dieta excede as quantidades diárias necessárias. A sua excreção pelos hepatócitos na bile é essencial para a manutenção da homeostasia deste metal. A função diminuída do ATP7B reduz a excreção hepática de cobre e causa a acumulação deste metal. A deficiente excreção está associada a insuficien-te incorporação daquele metal na ceruloplasmina, de que resulta maior degrada-ção desta glicoproteína e consequente diminuição da concentração plasmática, o que tem servido como marcador diagnóstico. Quando a capacidade de acumulação de cobre no fígado é excedida ou quando há lesão hepatocelular, há libertação deste metal na circulação e o seu nível sérico

WilsonAs lesões hepáticas precedem, em cerca de 10 anos,

a doença neurológica, ocorrendo em geral o seu diagnóstico na infância ou adolescência.

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não ligado à ceruloplasmina torna-se elevado. O cobre circulante deposita-se em tecidos extra-hepáticos.As manifestações clínicas da Doença de Wilson, relacionadas sobretudo com o fígado e sistema nervoso central, são extremamente variáveis. As lesões hepáticas precedem, em cerca de 10 anos, a doença neurológica, ocorrendo em geral o seu diagnóstico na infância ou adolescência. O seu espectro vai desde simples eleva-ção das transaminases (assintomática) até cirrose e falência hepática fulminante. As manifestações clínicas neurológicas podem, em alguns casos, ser a forma de apresentação da doença, mais frequentemente na 3ª década de vida. Os sinais e sintomas mais comuns são anormalidades motoras, representadas por distúrbios do movimento tais como distonia, tremor (postural ou repouso), rigi-dez, bradicinesia, coréia, ataxia e instabilidade postural. A fala e a marcha estão frequentemente afectadas. Invariavelmente, os doentes com quadro neurológico têm doença hepática avançada. Em até 20% dos casos, os pacientes podem ter sintomas exclusivamente psiquiá-tricos, designadamente, depressão, fobias, comportamento compulsivo, agressi-vo ou anti-social. A Doença de Wilson pode causar lesão renal (nefrocalcinose,

O EspecialistaFilipe Calinas

Assistente Hospitalar Graduado de Gastrenterologia do Centro Hospitalar de Lis-

boa Central

Coordenador do Hospital-de-Dia Polivalente do CHLC – Hospital de Stº António

dos Capuchos

Responsável da Consulta de Hepatologia do CHLC – Hospital de Stº António dos

Capuchos

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hematúria, aminoacidúria), hemólise, hipoparatiroidismo, artrite, osteoartrose, cardiomiopatia e arritmias. Entre as manifestações oftalmológicas, é mais comum a deposição de cobre na membrana de Deçemet da córnea, conhecido por anel de Kayser-Fleischer. Este pode estar ausente em até cerca de 50% dos casos com manifestações exclusivamente hepáticas, instaladas na infância ou adolescência. Quase sempre o anel está presente nas formas neurológicas. A Doença de Wilson deve ser especialmente considerada em doentes jovens com sin-tomas extrapiramidais, em doentes com doença psiquiátrica atípica e naqueles com hemólise inexplicada ou manifestações de doença hepática sem outra causa aparente. O diagnóstico é feito pelo cruzamento dos achados clínicos e laboratoriais. São indicadores da doença, além dos sintomas referidos, a presença de anel de Kayser-Fleisher, ceruloplasmina sérica baixa e excreção urinária de cobre elevada. Na suspeição da doença, em particular quando atingimento hepático, deve ser realizada biopsia do fígado e, nesta, avaliada a concentração de cobre. A ressonân-cia magnética, indicada nos casos com manifestações neurológicas, pode mostrar alterações localizadas com predilecção para os gânglios da base. O diagnóstico ge-nético é complexo, como antes referido, pela possibilidade de múltiplas mutações envolvidas. O estudo genético tem interesse, apenas, no rastreio dos familiares de primeiro grau, procurando nestes mutações do gene ATP7B semelhantes às verificadas naquele que se sabe ter Doença de Wilson.A Doença de Wilson, se não tratada, acarreta grande morbilidade e morte, inexo-rável e precoce. Se diagnosticada e tratada precocemente, é possível prevenir ou reverter algumas das manifestações da doença. As estratégias disponíveis para o tratamento consistem na redução da absorção do cobre, a promoção da sua elimi-nação e, em casos extremos, a transplantação hepática.A dieta com restrição de alimentos ricos em cobre não é suficiente para causar o balanço negativo daquele metal no organismo. Mesmo assim, devem ser evitados, entre outros, marisco, fígado, chocolate, cogumelos, nozes, avelãs e castanhas. O tratamento farmacológico é baseado em quelantes e sais de zinco. Os quelantes são a penicilamina e a trientina, que agem removendo e detoxificando o cobre intra e extracelular, ao ligarem-se e formarem complexos estáveis que são excreta-dos predominantemente na urina. Os quelantes estão particularmente indicados nos doentes com sintomatologia aguda e em que se mostra crucial uma rápida detoxicação inicial. A penicilamina, usada desde 1956, é aquela que reúne maior experiência. Diversas reacções adversas podem obrigar a reduzir as doses ou a

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suspender este quelante. A trientina está reservada para os casos de intolerância à penicilamina. Com ambas, pode ocorrer agravamento da síndrome neurológica na fase inicial do tratamento. O acetato (ou sulfato) de zinco age bloqueando a absorção intes-tinal de cobre. A vantagem, face aos quelantes, é a ausência de efeitos colaterais. O zinco induz a síntese de metalotioneína, uma proteína com elevada afinidade para o cobre e que se liga a ele no interior dos enterócitos. Com a descamação da mucosa intestinal, o cobre acaba sendo eliminado nas fezes. Os sais de zinco podem ser usados, mas sem grande vantagem, em associação aos quelantes. A utilização em monoterapia está indicada no tratamento de manuten-ção, após expoliação eficaz do cobre no tratamento inicial com quelantes e nos casos de interrupção destes por reacção adversa. O uso pode ser considerado nas fases iniciais da doença assintomática. A Doença de Wilson pode ter um excelente prognóstico se diagnosticada preco-cemente, se tratada apropriadamente e se houver aderência do doente à terapêu-tica ao longo da sua vida.

Para saber mais www.enfermedaddewilson.org

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Em 1961, Hirschhorn e Cooper descreveram o aparecimento de defeitos de fusão da linha média em associação com uma delecção de um cromossoma do gru-po B. Em 1965, Wolf et al documentaram um caso idêntico, que publicaram em conjunto com o original de Hirschhorn, criando assim uma entidade clínica que designaram por Síndrome de Wolf-Hirschhorn (SWH), associada a uma delecção do braço curto do cromossoma 4. Esta síndrome tem uma prevalência estimada de 1/50 000 nascimentos, com in-

Wolf-Hirschhorn

O EspecialistaMaria Purificação Valenzuela Sampaio Tavares

Licenciada em Medicina e Cirurgia pela FMUP

Professora Catedrática de Genética Médica da FMDUP

Fundadora do CGC, 1º laboratório privado de Genética Médica

Responsável pelo 1º Programa de Rastreio Pré-Natal em Portugal

Especialista em Genética Médica

Membro da Direcção do Colégio de Genética Médica da Ordem dos Médicos

O diagnóstico pré-natal é possível através do estudodos cromossomas fetais, recorrendo a biópsia das vilosidadescoriónicas (10 a 12 semanas de gestação) ou a amniocentese

(14 a 18 semana de gestação).

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cidência no sexo feminino duas vezes maior do que no sexo masculino. Com elevada mortalidade pós-natal, 1/3 dos recém-nascidos não resiste aos primeiros 12 meses devido a complicações cardíacas e/ou a infecções.Os indivíduos com SWH têm marcado atraso de crescimento intra-uterino. As al-terações crânio-faciais são características e incluem microcefalia, fronte alta com glabela proeminente, hipertelorismo, epicanto e sobrancelhas arqueadas. Estas alterações tornam-se menos evidentes com a idade. Habitualmente, o desenvolvi-mento é lento, com atraso cognitivo moderado a grave, hipotonia e convulsões. As crianças com esta patologia podem ainda apresentar malformações esqueléticas (60 a 70%), patologia cardíaca congénita (50%), defeitos estruturais a nível cere-bral (33%) e perda de audição (30%). O diagnóstico é sugerido pelas características fenotípicas e confirmado pela de-lecção da região crítica da Síndrome de Wolf-Hirschhorn (4p16.3), através de bandas GTG e FISH (taxas de detecção de 60-70% e >95% respectivamente). A maioria dos indivíduos (75%) apresenta uma delecção de novo, i.e., constitui o primeiro caso na família. Outros mostram anomalias citogenéticas diversas como o cromossoma 4 em anel (12%) ou translocações não equilibradas resultantes de um progenitor equilibrado (13%).Num casal em que um dos progenitores seja portador de uma anomalia cromos-sómica complexa que possa resultar numa delecção da região 4p16.3 num des-cendente, as gestações são consideradas de risco para a SWH. O diagnóstico pré- -natal é possível através do estudo dos cromossomas fetais, recorrendo a biópsia das vilosidades coriónicas (10 a 12 semanas de gestação) ou a amniocentese (14 a 18 semana de gestação). O aconselhamento genético é importante na informação às famílias quanto ao risco, consequências e implicações desta anomalia genética, e orientações futuras.O estabelecimento de um programa de acompanhamento e/ou reabilitação, de forma a melhorar as capacidades motoras, cognitivas e sociais destas crianças, deve ter início o mais precocemente possível. Convém ainda salientar a importância dos grupos de apoio, bem como de as-sociações de doentes e seus familiares, na informação e suporte a portadores desta patologia.

Para saber mais www.orphanet.pt

www.genetests.org

www.rarissimas.pt

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A Síndrome X-frágil é uma das causas mais frequentes de deficiência mental. A deficiência mental que afecta cerca de 2 a 3% da população é constituída por uma multiplicidade de situações genéticas e não genéticas. A Síndrome X-frágil repre-senta apenas cerca de 2% dos indivíduos com atraso mental.Esta doença resulta de uma mutação genética no gene FMR1 (as iniciais de Fragile X Mental Retardation) que se situa no cromossoma X. Este gene codifica uma proteína (a proteína FMR1) que desempenha importantes funções ainda incom-pletamente conhecidas na comunicação entre as células do Sistema Nervoso. A mutação X-frágil caracteriza-se por um aumento do tamanho de uma parte deste gene, o que interfere com o seu normal funcionamento. Além da mutação completa, ou seja a situação em que o gene tem uma dimen-são anormalmente maior, existe uma situação intermédia chamada premutação. A transmissão à descendência por uma mãe afectada por uma premutação leva probabilisticamente a que 50% dos descendentes do sexo masculino irão herdar esta anomalia. No processo de transmissão deste gene de mãe para filho ocorre uma “expansão” adicional do gene, uma mutação.A Síndrome X-frágil manifesta-se, assim, tipicamente em rapazes. As mães porta-doras de uma premutação são habitualmente normais, embora um pequeno nú-mero possa ter ligeiras dificuldades intelectuais.Algumas características físicas, habitualmente presentes, sugerem esta doença. As dimensões da cabeça são grandes, geralmente acima da média. A face é alongada, o queixo é um pouco procidente e as orelhas são grandes e têm uma posição de rotação anterior. As mãos e os pés manifestam uma flexibilidade excessiva (“laxi-dão ligamentar”). Estas características físicas não são óbvias nos primeiros anos de vida e tornam-se mais aparentes na infância tardia e adolescência.

X-FrágilAs crianças são habitualmente escolarizáveis mas com aprendizagens

escolares limitadas. Inicialmente, pelo menos, integramo contexto escolar normal com apoios individualizados

e um curriculum adaptado às suas necessidades educativas.

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A aquisição da linguagem é tardia, mais na capacidade para falar, do que na com-preensão da linguagem. O próprio processo de aquisição da linguagem é atípico e não raramente há tendência, no processo de aquisição da linguagem, para repetir frases que são aprendidas de cor (“ecolália”). Estas crianças mostram uma tendên-cia para evitar o contacto visual e têm, frequentemente, maneirismos e estereoti-pias motoras como abanar as mãos no contexto de excitação e uma dificuldade ou aversão por circunstâncias sociais inabituais, o que sugere, associado à ausência de linguagem, o diagnóstico de autismo. São frequentemente também impulsi-vas e hiperactivas. Num pequeno número (menos de 10%) de rapazes a quem é diagnosticado, nos primeiros anos de vida, autismo verifica-se subsequentemente terem a mutação X-frágil. A evolução intelectual é habitualmente a de uma deficiência mental moderada (QI médio de 50) embora para alguns a deficiência seja menos grave.São habitualmente escolarizáveis mas com aprendizagens escolares limitadas. Ini-cialmente, pelo menos, integram o contexto escolar normal com apoios individu-alizados e um curriculum adaptado às suas necessidades educativas.Um pequeno número (cerca de 10%) dos portadores da mutação X-frágil terá

O EspecialistaJosé Pedro Vieira

Especialista de Pediatria e de Neurologia Pediátrica pela Ordem dos Médicos

Consultor de Neurologia Pediátrica do CHLC – Hospital D. Estefânia e de várias

Instituições Hospitalares que prestam cuidados de Saúde em Pediatria

Autor ou co-autor de diversas Comunicações em Reuniões Médicas e de trabalhos

publicados na área de Neurologia Pediátrica

Revisor ad hoc para Neurologia da Acta Pediátrica Portuguesa.e do “Journal of Pe-

diatric Neurology”

Membro do Scientific Advisory Council para a área de Neurologia da CDLS Foundation

(Fundação Internacional Síndrome de Cornélia de Lange)

Membro do Comité Cientifico da Raríssimas (Associação Portuguesa de Doenças

Raras)

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convulsões mais frequentemente na idade escolar ou na adolescência, que não são habitualmente difíceis de tratar.É importante reconhecer este diagnóstico porque a família é aconselhada quanto aos riscos de repetição (nomeadamente a probabilidade de ocorrer um novo caso numa gravidez de uma mãe portadora de premutação).É importante também para o caso identificado porque serão necessárias diversas intervenções: 1 – Terapia da Fala; 2 – Medidas educativas especiais destinadas a compensar as dificulda- des da criança; 3– Intervenção Psiquiátrica para os problemas de comportamento e de adaptação; 4 – Tratamento de epilepsia, excepcionalmente.

Para saber mais www.xfragil.org.br

www.familyvillage.wisc.edu/lib_frgx.htm

www.orpha.net/consor/cgi-bin/OC_Exp.

php?Lng=GB&Expert=908

www.fraxa.org

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A Síndrome de Klinefelter (XYY) descreve um grupo de desordens cromossómi-cas nas quais há acréscimo de, pelo menos, um cromossoma X ao cariótipo nor-mal (46,XY). Os cariótipos variantes, com mais de uma cópia extra do cromos-soma X ou cópias extras de ambos os cromossomas X e Y (48,XXYY; 48,XXXY; 49,XXXXY), têm incidências inferiores às da síndrome clássica (47, XXY). Os indivíduos afectados têm características fenotípicas variáveis e, na infância, está apenas descrito um pequeno aumento da incidência de criptorquidia. O peso, a altura e o perímetro cefálico têm uma evolução normal. É na puberdade tardia que a decrescente concentração do testosterona tem tradução clínica. A dimi-nuição da produção do androgéneo implica uma involução testicular e o desen-volvimento de um hipogonadismo hipergonadotrópico. As características sexuais secundárias não completam o seu desenvolvimento e a aparência eununcóide tem maior probabilidade de ocorrer. A ginecomastia transitória surge, também, com maior frequência mas raramente permanece até a idade adulta.Foi documentado em vários indivíduos uma diminuição do QI em 10 a 15 pontos e aproximadamente dois terços apresenta dificuldades de leitura e discurso. A sua

XYY

O EspecialistaTeresa Taylor Kay

Geneticista Clínica

Foi documentado em vários indivíduos uma diminuição do QI em 10 a 15 pontos e aproximadamente dois terços apresenta dificuldades de

leitura e discurso. A sua personalidade é variada mas, com frequência, existe imaturidade e comportamento introvertido.

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X

personalidade é variada mas, com frequência, existe imaturidade e comportamen-to introvertido.Na vida adulta tendem a ser mais altos (186 cm vs 177 cm) e têm risco ligeiramen-te aumentado de desenvolverem diabetes mellitus, osteoporose, patologia cardio-vascular, respiratória e do aparelho digestivo. O cancro da mama é mais comum em homens 47,XXY em relação aos homens 46,XY (risco relativo de 20), mas o risco total (3%) permanece inferior ao do sexo feminino. A fertilidade da grande maioria dos indivíduos é nula. A reprodução medica-mente assistida através da Injecção Intracitoplasmática com Fertilização in vitro (ICSI) conferiu paternidade biológica a raros indivíduos.O cromossoma extra deste cariótipo resulta de um defeito esporádico da meiose na gametogénese ou da mitose no desenvolvimento do zigoto. Existe um efeito significativo relacionado com idade materna avançada, mas o risco de recorrência global é baixo (<1%).A confirmação diagnóstica poderá surgir no decurso de: – Estudo pré-natal; – Estudo pós-natal, para esclarecimento do atraso no desenvolvimento da linguagem; – Investigação da infertilidade masculina na idade adulta.

Na descendência pode haver maior risco de aneuploidia, quer para os cromos-somas sexuais, quer para a Trissomia 21. Assim, o diagnóstico pré-natal deve ser oferecido nas futuras gestações.O conhecimento diagnóstico permite um acompanhamento especializado com a monitorização do crescimento e do nível hormonal do adolescente. A terapêutica atempada com testosterona poderá trazer benefícios na auto-estima, aumento da libido e prevenção da osteoporose.

Com a colaboração da Drª Tânia Serrão,

Interna do Internato Médico de Genética Médica

Para saber mais www.unitask.it/portale

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A forma entérica causa uma enterite ulcerosa com linfadenite necrosante local, cujos principais sintomas são muitas vezes associados a artrites e/ou a um eritema nodoso. Muitas vezes, aparece em crianças e os sintomas mimetizam os da apen-dicite mas a evolução pode ser breve ou prolongar-se durante meses. Os agentes deste tipo de Yersiniose transmitidos através dos alimentos são a Yersi-nia enterocolitica e a Y. pseudotuberculosis, que provocam gastroenterites, sendo a Y. enterocolitica o agente mais frequente desta infecção. Estas bactérias podem encontrar-se na natureza, na carne (sobretudo de suíno), no leite e na água. Os suí- nos são considerados os reservatórios primários dos serotipos patogénicos para os humanos. A Yersinia cresce entre 25ºC e 37ºC, mas também consegue crescer a temperaturas de refrigeração.As infecções por Y. enterocolitica, geralmente, não necessitam de tratamento pois são autolimitadas mas quando surgem complicações recorre-se a antibióticos.Em 2005 foram reportados 630 casos humanos por 21 Estados Membros da União Europeia. A taxa de incidência foi de 2,6 casos por 100 mil habitantes, sendo, sobretudo, importante nos países mais frios. Em Portugal o número de casos re-portados é muito baixo, apenas cerca de 10 a 20 casos/ano.A forma respiratória (mais grave) é uma doença conhecida desde a antiguidade sendo também conhecida como peste bubônica ou peste negra. Os principais sintomas da doença são inflamação nos gânglios linfáticos, peté-quias e septicemia.Esta doença é causada pela bactéria Yersínia pestis e a transmissão é feita de roe-dor para roedor ou de roedor para o homem, através da picada da pulga Xenop-sylla cheopis. Evitar o contacto com roedores e erradicá-los das áreas de habitação é a única protecção eficaz.

YersimioseConhecem-se duas formas clínicas diferentes de doenças causadas pelo género bacteriano Yersinia sp (yersinioses): uma que causa infecções entéricas, muitas vezes, com complicações para além desta localização e uma que causa infecções

respiratórias graves (conhecida por peste bubónica).

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Y

O diagnóstico é feito por recolha de amostras de líquido dos bubões, pús ou san-gue e cultura em meios de nutrientes para observação ao microscópio e análise bioquímica. A peste é fatal nos roedores. As pulgas abandonam os animais mor-tos, parasitam outros roedores e, até, mesmo, o homem. Neste caso podem causar os grandes surtos epidémicos.O tratamento destes casos efectua-se recorrendo a antibióticos. Estes revolucio-naram o tratamento da peste, tornando-a de agente da morte quase certa em do-ença facilmente controlável. Normalmente, utiliza-se a estreptomicina, tetracicli-nas, cloranfenicol gentamicina e a doxiciclina.A peste é de comunicação obrigatória às autoridades. Contactos de indivíduos afectados ainda hoje são postos em quarentena durante seis dias.A peste negra já vitimou milhões de pessoas em várias partes do mundo, princi-palmente na Ásia, Europa e África, não existindo casos reportados em Portugal.

Para saber mais http://kidshealth.org/parent/infections/bacterial_viral/

yersinia.html

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A Síndrome de Zellweger e as suas variantes menos graves, como a adrenoleucodistrofia neo-natal e a doença infantil de Refsun, constituem um continuum clínico de doenças do Espectro de Zellweger. Pertencem ao grupo das doenças da biogénese do peroxisoma (DBP) doenças muito graves, autossómicas recessivas, clínica e geneticamente heterogéneas.São causadas por mutações em, pelo menos, 11 genes diferentes (PEX), que codificam proteínas, as peroxinas, necessárias para a biogénese normal do peroxisoma. Caracteristi-camente afectam a síntese do plasmalogeneo e a beta oxidação dos ácidos gordos de cadeia muito longa (VLCFA) levando à sua acumulação nas membranas das células neuronais e contribuindo para a lesão neurológica. A existência de várias mutações e polimorfismos contribuem para a heterogeneidade fenotípica observada nestes doentes. A sindrome cé-rebro-hepato-renal de Zellweger, representa o fenótipo mais grave deste espectro e pode ser

ZellwegerA adrenoleucodistrofia neo-natal e a doença infantil

de Refsum são formas mais leves no Espectro Zellweger,havendo uma sobreposição clínica bioquímica e genética

entre estes três fenótipos.

O EspecialistaMaria Teresa Cardoso

Médica especialista em Medicina Interna, graduada em Chefe de Serviço

Coordenadora da Unidade M1 do Serviço de Medicina Interna do H. S. João

Responsável pela Consulta de Doenças Hereditárias do Metabolismo do Adulto

do Hospital de S. João no Porto

Coordenadora do Núcleo de Estudos da Doença Vascular Cerebral da Socieda-

de Portuguesa de Medicina Interna

Faz parte do Grupo de Estudo da Doença Vascular Cerebral do H. S. João

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Z

considerada o arquétipo das DBP. Ocorre em 1/25000-1/50000 nados-vivos. Os indivíduos afectados apresentam, ao nascer, dismorfias craniofaciais (macrocefalia, testa alta, fontanela anterior alargada, prega de epicanto, lobos auriculares deformados com implantação auri-cular baixa), hipotonia grave, convulsões neonatais, atraso psicomotor, hepatomegalia com disfunção hepática, icterícia prolongada, quistos renais, calcificação das epifises e defeitos de migração neuronal. Referida retinopatia pigmentar e cataratas com alterações da visão e surdez neurosensorial. A adrenoleucodistrofia neo-natal e a doença infantil de Refsum são formas mais leves no Espectro Zellweger, havendo uma sobreposição clínica bioquímica e genética entre estes três fenótipos. A primeira, de apresentação neonatal, tem uma sobrevida até aos 3 a 5 anos, a segunda, de apresentação mais tardia entre o 1º e o 6º mês, apresenta sobrevidas até à adolescência. Nesta, as alterações dismórficas são ligeiras ou ausentes, a de-terioração neurológica é mais lenta e os doentes podem andar, embora com ataxia. Algumas formas mais leves podem ter sobrevidas até à fase adulta com um quadro clínico de atraso do desenvolvimento e psicomotor moderado a grave, com retinopatia e surdez neurosensorial. Bioquimicamente caracterizam-se por aumento dos VLCFA, dos ácidos pristánico, fitánico e pipecolico no plasma e fibroblastos e por níveis de plasmalogéneo baixo nos eritrócitos. O diagnóstico do defeito genético primário (análise de DNA) é crucial para o aconselha-mento genético, para a detecção de portadores e para o diagnóstico pré-natal.O diagnóstico pré-natal pode ser conseguido através da avaliação da concentração dos metabolitos do peroxisoma, através da actividade das enzimas peroxisomais ou por téc-nicas de rastreio molecular. A análise de VLCFA em cultura de amniócitos ou de células das vilosidades coriónicas é o método mais frequentemente usado. Conhecido o defeito molecular, o diagnóstico deve ser confirmado por análise da mutação.A detecção por RMN do padrão característico com polimicrogiria, alteração da mieliniza-ção e pseudocistos cerebrais periventriculares facilita o diagnóstico pré-natal. O aumento da translucência da nuca por ultrasonografia e a diminuição dos movimentos fetais podem sugerir o diagnóstico. Neste momento o tratamento é, essencialmente, de suporte com ad-ministração oral de ácidos biliares e dieta pobre em ácido fitánico e pristánico. Intervenções terapêuticas visando os defeitos bioquímicos e suas repercussões clínicas ainda não estão demonstradas. Está em investigação o tra-tamento com o ácido docosahexaenoico etil ester (DHA) com efeitos benéficos na fun-ção hépatica, na visão e no tonus muscular, mais notórios quando o tratamento se inicia antes dos 6 meses de vida.

Para saber mais www.eimaep.org/spdm/index.htm

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MZÍNDICEWOLJBHUWRTYSFGHCVAUN

02

2224

3842

60

7072

84

98100

118

128132

Cornelia de langeCostello

FabryFibrose Quística

Ictiose Lamelar Congénita

LeucemiasLinfomas

Osteogenesis Imperfecta

RettRubinstein-Taybi

Usher

X-FrágilXYY

Prefácio

Porfíria Aguda IntermitentePúrpura Tombocitopénica Imune

Distrofias MuscularesDrepanocitose

GaucherGist Grito de Gato

Joubert

Machado-JosephMarfanMieloma

Smith-MagenisSmith-Lemli-OpitzSpina Bífida

Vogt-Koyanagi-Harada

Yersimiose

AcondroplasiaAcromegaliaAngiodema Hereditário

040812

2632

465052

64

747678

8892

102104108

120

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Bernard-SoulierBheçet

Ehlers-DanlosEsclerose Tuberosa

Hipertensão Arterial PulmonarHuntington

KabukiKawasaki

Neurofibramatose tipo 1

Q Febre

Trissomias Turner

WilsonWolf-Hirschhorn

Zellweger

1618

3436

5458

6668

80

96

112116

122126

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SNAOLXSIVFJSOMZPEPUEJLAROTBCGGQ

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TítuloDoenças Raras de A a Z

ProjectoCompanhia de Ideias

CoordenaçãoPaula Brito e Costa

Apoio à EdiçãoAna Cruz

Marina Caldas

Arte e Design da CapaAna Figueiredo

Hugo AmaralSusana Garrucho

RevisãoMaria Miranda

ProduçãoJoyce Alberti

Edição DigitalEspiral Conhecimento, Lda

Coordenação EditorialPaula Simões

Impressão

Depósito legal

1ª EdiçãoLisboa, Março de 2009

ParaFedra – Federação das Doenças Raras de Portugal

PublicaçãoCompanhia de Ideias

Av. Ant.º Augusto Aguiar, 150 F, 2º Esq 1050-021 Lisboa

reservados todos os direitos

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