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A droga e a vida na rua: armadilhas e invenções PATRICIA MAIA VON FLACH Belo Horizonte, 16 de março de 2013

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Page 1: A droga e a vida na rua: armadilhas e invenções PATRICIA MAIA VON FLACH Belo Horizonte, 16 de março de 2013

A droga e a vida na rua:

armadilhas e invenções

PATRICIA MAIA VON FLACH

Belo Horizonte, 16 de março de 2013

Page 2: A droga e a vida na rua: armadilhas e invenções PATRICIA MAIA VON FLACH Belo Horizonte, 16 de março de 2013

Por que os humanos usam drogas?

“(...) chega-se ao sofrimento determinado pela hominização e sua inevitável conseqüência, o reconhecimento do tempo e da morte, sendo o encontro com a substância psicoativa a primeira alternativa para o sofrimento humano... Assim, concluo que, fundamentalmente os humanos usam drogas porque se tornaram humanos.”(NERY FILHO, 2010))

A DROGA

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A DROGA

• “E se são humanos, haveremos de considerar outras duas dimensões – a dimensão social e a própria substância, pois que cada humano consumirá esta ou aquela substância na medida das suas necessidades subjetivas e sociais... são os humanos que fazem as drogas, ou se dissermos de outro modo, em função dos buracos/faltas que constituem a estrutura de nossas histórias... (NERY FILHO, 2010)

• Nossos nascimentos não são garantias inelutáveis de destino, mas portam a semente do que poderemos ser.(NERY FILHO, 2010)

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Os humanos usam drogas para viver, não para morrer! (Gey Espinheira)

A DROGA

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“(...) não são as drogas os problemas a serem enfrentados, mas as disposições para usá-las e a intensidade dos usos levada por essas disposições internalizadas.” (ESPINHEIRA, 2009, p14)

São disposições que têm haver com o coletivo, mas só podem ser entendidas na singularidade

que marca cada humano...

A DROGA

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A VIDA NA RUA

Uma questão de desigualdade e injustiça social

Privação - fome, abandono, exclusão, violência legitimadas, pobreza, desproteção, discriminação, preconceito, subalternidade, não representação (legitimidade) pública, exploração, limpeza etnica- morte de individuos considerados denecessários sociais. No caso dos usuários de drogas são “sujeira humana”.

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Dimensão subjetiva do sofrimento.

•O sofrimento é a dor mediada pelas injustiças sociais. É o sofrimento de estar submetido à fome e à opressão. O sofrimento que abrange o corpo, mas também a alma. (SAWAIA, 2009)

•O sofrimento retrata a vivência cotidiana das questões sociais que mutilam a vida de diferentes formas; a dor de ser tratado como alguém inferior, subalterno, sem valor... Da impossibilidade de apropriar-se da produção material, cultural e social, bem como de se movimentar pelos diversos espaços públicos, de sentir-se pertencendo, de sonhar, construir projetos de vida... (SAWAIA, 2009)

•“ O descrédito atormenta os excluídos tanto quanto a fome“ (Paugam)

A VIDA NA RUA

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A VIDA NA RUA E A DROGA

• A rua representa um lugar de risco a vida – limpeza social

• Mas a rua (e a droga) também representa uma possibilidade de existir

• “O grupo” pode ter a função de proteção e uma certa função afetiva: caso Paulo; alguns moradores são conhecidos em instituições, fazem amizade com donos de restaurante, pessoas caridosas, moradores, trabalhadores. caso Michael

Page 9: A droga e a vida na rua: armadilhas e invenções PATRICIA MAIA VON FLACH Belo Horizonte, 16 de março de 2013

• Desconsiderar a trama discursiva que silencia as questões sociais subjacentes ao abuso de drogas.

• Desconsiderar a dimensão subjetiva e intersubjetiva

que envolve o uso e os usuários. • Simplificar o fenômeno centralizando na

substância e responsabilizando o usuário pela violência consequente ao tráfico.

• Encobrir a função do usuário e da droga

enquanto produto e condição para o funcionamento do sistema e da economia das drogas e fazer acreditar que soluções mágicas e heróicas podem resolver o “problema”.

ARMADILHAS

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ARMADILHAS

Desconsiderar que “[...] a própria sociedade se "droga” com as “drogas”, criando sua toxicomania, buscando escapar, sobretudo, de problemas socioestruturais-culturais muito profundos, assim como de angústias existenciais, desemprego, miséria, guerras internas e externas, conflitos geracionais, mudanças velozes na cultura, dentre outras questões...Por vezes, tem-se a impressão de que nada mais acontece na sociedade a não ser a droga, a violência e suas conseqüências (MINAYO, 2003,p.20).

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Não são as drogas os verdadeiros problemas a serem enfrentados, mas o preconceito, a marginalização, a exclusão/inclusão perversa, a miséria, a falta de possibilidades de sonho, de vida com esperança e dignidade.

A verdadeira luta é contra a trama discursiva que parece justificar a morte de tantos jovens considerados sujeira humana.

ARMADILHAS: QUAL O REAL PROBLEMA A SER ENFRENTADO?

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“ A desmoralização, no sentido mais comum do termo, dos usuários de crack requer, como prevenção ou intervenção, a moralização desse sujeito tornado sujeira humana...” (Espinheira, 2002: 14)

As intervenções no campo da saúde, para além da implementação de serviços e estruturação da aclamada rede, passam pela desconstrução deste discurso de combate as drogas e aos usuários e, principalmente, pela moralização desses sujeitos.

ARMADILHAS: QUAL O REAL PROBLEMA A SER

ENFRENTADO?

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Quem seria, afinal, o verdadeiro inimigo do homem - este sim a ser

investido, no interesse da humanidade e dos direitos do homem, como alvo de um combate mais nobre e mais ético

do que aquele dirigido, aparentemente, às drogas e aos seus mitos? BUCHER, R. & OLIVEIRA, S. R. M,

1994)

ARMADILHAS: QUAL O REAL PROBLEMA A SER ENFRENTADO?

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São os moralistas que sustentam os traficantes e o tráfico, a alta criminalidade do momento e a corrupção epidêmica. As drogas são coisas químicas, não são problemas, são

parte da solução de problemas”

(ESPINHEIRA, 2009:19) 

“[...] E A CONCLUSÃO INEVITÁVEL É ESSA.

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INVENÇÕES: O PONTO DE ENCONTRO“(...) neste Ponto de Encontro, estas pessoas encontram

mãos dispostas  a tocá-las, encontram um café, um banho, encontram ouvidos sensíveis e muita, muita consideração

pelo fracasso, numa sociedade cada vez mais exigente, competitiva e orientada pelo ter em lugar do ser...

Acabo de falar longamente com a Coordenadora do Ponto de Encontro; fico sabendo que pouco mais de uma dezena de pessoas, aquelas que não têm mais do que a violência

para lidar com o mundo, apareceu no serviço, alguns alcoolizados, provocadores, outros, mais cordatos,

querendo “encarar os problemáticos” fisicamente; os moradores convocaram a polícia; um proprietário queixou-

se que sua família estava refém daquelas pessoas e se fazia porta-voz da insatisfação pela convivência com uma gente meio-animal, meio-bandida, meio-drogada e, só um pouco, ainda gente. Na voz de minha colega Diretora, um quase desespero, um quase pedido de socorro, um quase

sofrimento explícito, mas, e isto foi o que me animou, havia também em sua voz uma forte determinação de continuar buscando soluções técnicas “de lutar a boa

luta”. Decidi que vou ficar menos silencioso.

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INVENÇÕES: O PONTO DE ENCONTROQuerido Nery, o ponto de Encontro é um lugar muito especial, pois

essa gente, só um pouco ainda gente, lá é gente de verdade; compartilham suas histórias e nos fazem sofrer junto com elas;

quantas vezes fiquei a pensar como são fortes, como suportam a dor de existir, talvez apenas por mais um dia. O amanhã não existe, mas existe o Ponto de Encontro. Esse lugar mágico que se tornou o lugar para onde ir para quem não tinha nenhum lugar. A cada dia chegam mais pessoas, meio gente, buscando ser gente… e eles são tantos, e tão feios, e tão mal vestidos, e tão mal educados, e tão sem sonhos,

que amedrontam a comunidade, que diz: vocês trouxeram essas pessoas para cá! Mas, onde andavam essas pessoas se não por lá,

invisíveis que tornaram-se visíveis pois que agora estão juntos, cozinhando juntos, conversando juntos, aprendendo a ser gente e

lutando para que este lugar continue sendo o seu lugar para onde ir. O nosso desafio hoje é fazer com que a comunidade do Santo Antonio,

esse lugar lindo, cheio de gente bonita, acolha essa gente feia e junto conosco venham “lutar a boa luta”, mostrando ao mundo que interná-

los, prendê-los, dispersá-los ( a exemplo do Rio e São Paulo ) é uma medida que está fadada ao fracasso. Não temos mais como continuar a

esconder os invisíveis que se multiplicam em todos os espaços da cidade. Torná-los gente junto com a gente é justo, é digno, é humano.

Obrigado por nos ensinar a “lutar a boa luta”.

Page 17: A droga e a vida na rua: armadilhas e invenções PATRICIA MAIA VON FLACH Belo Horizonte, 16 de março de 2013

Oi Paty, como havia te falado no telefone a reunião da Frente foi um sucesso, tenho me impressionado com a participação dos usuários. Hoje fui para a Faculdade de filosofia e ciências humanas e apresentei o PE

junto com Joao, foi um momento belissimo, um dos momentos mais lindos que este serviço pode me proporcionar. Joao foi aplaudido de pé e passou o resto do dia contando para os outros usuários que ele estava

''palestrando'' para os doutores. Quando ele disse que o governo deveria aprender com a gente como é que se trabalha, ao invés de

pensar em internação compulsória, foi lindo. Dentre outras coisas ele contou a historia da entrada dele no serviço e como ele conseguiu se ''ajustar'' e ''conviver melhor'', relatou que o seu grande problema era lidar com as pessoas, que ele ficava muito nervoso e chegou a tratar

muito mal com as técnicas do serviço, na sua fala ele diz que aprendeu a conviver e hoje está bem mais tranquilo. 

Depois quando já estávamos no PE ele me peguntou se poderia fazer isso mais vezes comigo, porque ele sente que poderia ''pregar'' esta

''ídeia'', do Ponto de Encontro em vários lugares. No meio da tarde ele me ajudou a fazer a sessão de cinema, onde discutimos o filme

'Quebrando o Tabu'' com mais 8 usuários, seguido de intensa discussão sobre uso terapêutico da maconha e consumo de heroína. Hoje foi sem dúvidas um dos melhores dias no PE, estou

empolgadissima e cheia de idéias! Fico muito feliz e realizada por esta acompanhando de perto um projeto tão bonito!

bjos afetuosos!

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INVENÇÕES: O PONTO DE ENCONTRO

Oi Patrícia e equipe, segue uma mensagem de Alessandro, morador e responsável pelo Restaurante Vegetariano em relação ao trabalho do Ponto de Encontro. Acreditamos que respostas desta natureza reforça ainda mais o empenho de todos vocês, desafiantes do sistema.

"O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de

deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e

o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço" (Ítalo Calvino).

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PONTO DE ENCONTRODe um grande e secular casarão

Com a cor da maciez da rosaSurgiu de um lugar de oração

Onde o encontro de todos faz a vida em verso e prosa.

A arte, a cultura, a atençãoFaz-nos sentir mais genteE com muito mais emoção

Faz de quem frequenta mais contente 

O amor está no doarNo ser e no estar

É a harmonia que na sabedoriaNos faz voar na sabedoria

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PONTO DE ENCONTROO Ponto de encontro

É na verdadeUm verdadeiro de fadas um conto

É só felicidade 

Este projeto sem arquitetoQue de um velho casarão

Faz a esperança renascer sob um forte tetoÉ uma mistura de emoção

Aqui é um lugar de pazDe harmonia, de felicidade

É onde está cheio de gente capazAtendendo a todos não em porta a idade

 

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PONTO DE ENCONTRO Foi o lugar mais importante que encontrei

Onde me acho genteTem respeito, tem carinho, sou rei

Quando estou aqui me vejo contente

Quero agradecer ao governoE a Deus pela oportunidadeMe sentia um reles enfermo

Hoje sou celebridade  

Luiz Augusto – 15.10. 12Usuário do Ponto de Encontro