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Page 1: a dinâmica dos processos de aprendizagem em uma atividade de

A DINÂMICA DOS PROCESSOS DE APRENDIZAGEM EM UMA

ATIVIDADE DE INVESTIGAÇÃO

Ronaldo Abrão Pimentel – Puc Minas, Fea Fumec - [email protected]

Maria José de Paula – Rede Municipal de BH, Puc Minas [email protected]

Grupo de Pesquisas Investigativas em Educação Matemática – PINEM, do

Departamento de Matemática e Estatística da Puc Minas.

Introdução

Este trabalho aborda a investigação Matemática sob o ponto de vista da

dinâmica dos processos de aprendizagem desenvolvidos pelos alunos durante uma

atividade de investigação. Pretendemos analisar uma experiência de atividade

investigativa em sala de aula que acreditamos, tenha se aproximado da idéia de “fazer

Matemática”, na perspectiva de D’Ambrosio (1993), Abrantes (1999), Skovsmose

(2000), Ponte (2003).

Segundo Abrantes (1999) a idéia de que aprender matemática é “fazer

matemática” está cada vez mais difundida entre os educadores desta área do

conhecimento. Pressupõe-se uma identificação entre aprender matemática e

compreender a sua natureza, idéia que se traduz nas perspectivas atuais de que aprender

é sempre produto de uma ação, de um fazer. Uma tentativa de ruptura com o paradigma

da transmissão do conhecimento.

Nosso interesse na abordagem das investigações Matemáticas visa traduzir para

o ensino, a discussão e a análise da matemática como uma área de pesquisa e

investigação. Beatriz D’Ambrosio já advertia, no princípio dos anos noventa, que assim

como, no processo de construção da matemática como disciplina, a essência é a

pesquisa, na construção do conhecimento, a essência também deveria ser a pesquisa.

Nossos estudos sobre o como criar um ambiente para se “fazer Matemática” em

sala de aula, como proporcionar aos estudantes legítimas experiências matemáticas,

conduziram-nos a pensar em uma atividade que proporcionasse ações como:

experimentar, interpretar, visualizar, inferir, conjecturar, abstrair, generalizar e enfim

demonstrar. Colocá-los para agir, diferentemente de seu papel passivo, frente a

apresentação formal do conhecimento.

Page 2: a dinâmica dos processos de aprendizagem em uma atividade de

A experiência tenta expressar essa possibilidade. Tentamos criar uma atividade

que desafiasse a capacidade cognitiva dos estudantes, possibilitando-lhes tornarem

autores de descobertas que dão sentido ao conhecimento matemático. Levá-los a

experimentar um caminho parecido ao do matemático profissional, onde o

conhecimento é construído a partir de investigação e exploração, e a formalização é

simplesmente o coroamento desse trabalho.

A tarefa consistia na exploração de uma tabela de números e de um kit com

figuras geométricas. Os alunos deveriam observar relações entre os números dessa

tabela através das figuras geométricas, descobrir padrões levantar conjecturas e

sistematizar suas observações.

Optamos por elaborar uma tarefa investigativa que inicialmente era mais

dirigida - mais estruturadas, numa tentativa de permitir que o aluno não acostumado a

uma postura mais ativa em sala de aula iniciasse sua atividade enquanto se ambientava.

Aos poucos, a tarefa tornou-se mais livre -menos estruturada, uma vez que o aluno já se

sentia mais seguro para conduzir o trabalho de forma mais autônoma.

Trabalhamos com categorias de análise que nos permitiram evidenciar os

processos de descobertas e criações desenvolvidos pelos alunos enquanto exploravam os

padrões na tabela de números.

As explorações propostas, livres ou guiadas, levavam os alunos a tecerem

intuições, inferências e conjecturas que ao serem sistematizadas produziam novas

inferências e conjecturas em outro nível de elaboração, que necessitavam de novas

sistematizações mais sofisticadas que, por sua vez, levavam a novas inferências...., num

processo recorrente. Uma multiplicidade de situações, criações e aprendizagem

emergiram desse processo.

A importância das investigações matemáticas

No final do séc. XIX e início do séc. XX o formalismo, movimento dos

matemáticos que teve em Hilbert seu maior expoente, concebe e refina a Matemática

como a ciência das deduções formais e rigorosas procurando afastá-la de qualquer

conotação intuitiva, coroando a ênfase iniciada mesmo antes de Euclides, da lógica

dedutiva.

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Page 3: a dinâmica dos processos de aprendizagem em uma atividade de

A influência desse refinamento científico é, na maioria das vezes, levada de

forma equivocada para a Matemática escolar1 que passa a ser vista como uma

“disciplina de resultados precisos e procedimentos infalíveis, cujos elementos

fundamentais são as operações aritméticas, procedimentos algébricos, definições e

teoremas geométricos” (D’AMBROSIO , 1993, p.35). Esta forma de enxergar a

Matemática torna a sua prática pedagógica, na maioria das vezes, reduzida ao

treinamento baseado na repetição e memorização, e conseqüentemente, à crença de que

para aprendê-la basta resolver muitos exercícios, baseando-se na lógica da transmissão

do conhecimento.

Acreditamos que ao proporcionar aos estudantes vivências com atividades de

investigação, possamos aos poucos mudar a visão sobre esta área de conhecimento e,

revelar para os estudantes uma Matemática que evoluiu junto com o “processo humano

e criativo de geração de idéias e subseqüente processo social de negociação de

significados, simbolização, refutação e formalização. Na sua gênese, o conhecimento

matemático evolui da resolução de problemas vindo da realidade ou da própria

construção matemática” (D’AMBROSIO, 1993, p.35).

Não pretendemos que os alunos se transformem em matemáticos profissionais,

mas acreditamos que pensar matematicamente passa pela socialização de processos e

formas de raciocínio características da atividade própria dos matemáticos. Trata-se de

um trabalho que envolve um percurso de tentativa e erro, de formulação e testagem de

conjecturas, de análise, de analogias, de reflexão, de crítica e de sistematização.

O que é uma atividade de investigação?

Uma atividade investigação consiste em, a partir de uma tarefa de investigação,

criar condições para que o aluno arrisque descobrir relações entre elementos

matemáticos e identifique propriedades que permeiam estes elementos e suas relações.

Ponte e outros (1998) propõem que uma investigação matemática comece com

uma situação que precisa ser compreendida ou um conjunto de dados que precisam ser

organizados e explicados em termos matemáticos. Observar as informações que se tem,

colocar questões pertinentes, arriscar-se a formular conjecturas, testá-las, usar

1Moreira e Soares (2005, p.15), fazem uma diferenciação entre o conjunto de significados que a comunidade científica dos matemáticos identifica com o nome de Matemática, e o conjunto de saberes especificamente associados à educação matemática escolar.

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Page 4: a dinâmica dos processos de aprendizagem em uma atividade de

argumentos plausíveis e provas formais para confirmar ou rejeitar essas conjecturas

constitui a essência da atividade de investigação .

Propor uma tarefa que possibilita aos estudantes socializar os processos e formas

de raciocínio, falar sobre a seqüência das ações desenvolvidas, comunicar as idéias que

vão surgindo, usar diferentes canais de comunicação – a fala, um desenho, um

diagrama, um gesto, propicia o envolvimento dos mesmos, estimulando as discussões. E

o “pensamento relacional/conceitual que na concepção de Skemp (1976) e Hiebert e

Lefèvre (1986) ”é desejável para que aconteça uma aprendizagem significativa. Além

de tudo isso, é um momento importante para que os alunos percebam a importância de

saber justificar suas afirmações para que possam ser entendidos e aceitos (ou não) por

seus pares.

Ao interagirem com colegas e professores, confrontando conjecturas e

justificativas diversas, estabelece-se no grupo um arquétipo de uma mini comunidade

científica onde o conhecimento matemático se desenvolve como um empreendimento

comum, Ponte e outros (1998).

Ernest (1996) também, defende a investigação matemática como método de

ensino. Segundo ele, as investigações têm como paradigma2 “o indivíduo como criador

ativo do conhecimento e na natureza temporária de suas criações”(p.31). Isto é, criam-se

condições para a compreensão da Matemática como uma ciência que evolui com o

passar do tempo e que também é passível de falhas, como qualquer criação humana. O

autor ressalta que [...] a investigação está relacionada com um processo de inquirição

matemática, [...] a investigação matemática tem uma forma especial, com

suas próprias componentes características de abstração, representação,

modelação, generalização, demonstração e simbolismo.” (ERNEST, 1996,

p.31).

Skovsmose (2000) amplia a discussão apontando que atividades investigativas

podem, não somente contribuir para o desenvolvimento da aprendizagem matemática,

mas também favorecer o desenvolvimento crítico do educando para que ele atue na

sociedade criando relações calcadas na valorização do ser humano e da vida. A prática

educativa centrada no “Paradigma do Exercício”, se alterada para um trabalho com

situações provocativas de práticas de investigação e de reflexões dos educandos,

transforma a sala de aula num “Cenário de Investigação”. 2 Por paradigmas entendemos que não são teorias: são antes maneiras de pensar ou pautas para a investigação que, quando se aplicam, podem conduzir ao desenvolvimento da teoria.

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Page 5: a dinâmica dos processos de aprendizagem em uma atividade de

A proposta de trabalho nos cenários de investigação não só questiona algumas

referências explícitas no paradigma do exercício mas também as complementa. O

educador sai do centro e se filia ao grupo dos educandos construindo assim a

dialeticidade entre aprender e ensinar. Quebra-se a lógica da transmissão e da

reprodução e ressalta-se a idéia de construção e produção de seu próprio conhecimento,

tentando garantir a formação do educando na sua íntegra, e não somente a informação

de determinado conteúdo.

A Atividade de Investigação

O presente trabalho foi gestado e desenvolvido a partir de estudos e discussões

feitas no Grupo de Pesquisas Investigativas em Educação Matemática – PINEM, do

Departamento de Matemática e Estatística da PUC-Minas.

A tarefa de investigação aqui abordada foi elaborada a partir da leitura do artigo

de nome Cenários para Investigação, do pesquisador dinamarquês Ole Skovsmose

(2000) e desenvolvida com estudantes de um curso de especialização em Educação

Matemática. O tempo gasto com a realização da atividade foi de quatro aulas de

cinqüenta minutos. Estavam presentes na sala vinte e três estudantes, todos licenciados

em Matemática e já atuando como professores dessa disciplina.

Faz-se necessário esclarecer que era uma aula acadêmica normal, ministrada por

um dos pesquisadores, que foi utilizada para pesquisa sobre uma a investigativa. A aula

foi iniciada fazendo-se a apresentação da pesquisa e justificando, com isso, a presença

de uma professora pesquisadora na sala. Ela iria fazer registros e observações sobre a

atividade que seria desenvolvida naquela manhã. Os estudantes foram orientados para

formarem grupos com quatro componentes e, passou-se a apresentar a proposta de

trabalho. Formaram-se cinco grupos – que chamaremos de G1, G2, G3, G4 e G5 - e

cada aluno recebeu o roteiro da atividade a ser desenvolvida.

Segundo Ponte e outros (2003) as investigações matemáticas envolvem

habitualmente (a) a introdução da tarefa, em que o professor faz a proposta à turma,

oralmente e por escrito; (b) a realização da tarefa, durante a qual o professor interage

com os alunos individualmente ou em pequenos grupos; e (c) a apresentação e discussão

dos resultados dos alunos, incluindo a análise das estratégias usadas e seus resultados e,

eventualmente, questões para futura investigação. Esta foi a estrutura básica da aula.

5

Page 6: a dinâmica dos processos de aprendizagem em uma atividade de

Foi pedido que cada grupo fizesse um relatório, dos raciocínios matemáticos

surgidos, das descobertas de regularidades, das conjecturas feitas e testadas ou não e,

das generalizações.

Foram distribuídos:

1) Um roteiro de atividades no qual introduzíamos o assunto a ser tratado,

sugestões para investigação e uma tabela de números como a que vem a seguir:

2) Um kit com uma calculadora e várias figuras geométricas feitas de acetato

transparente para serem sobrepostas – uma de cada vez - aos quadrados numerados da

tabela.

Por exemplo:

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

11 12 13 14 15 16 17 18 19 20

21 22 23 24 25 26 27 28 29 30

31 32 33 34 35 36 37

38 39 40

41 42 43 44 45 46 47 48 49 50

51 52 53 54 55 56 57 58 59 60

61 62 63 64 65 66 67 68 69 70

71 72 73 74 75 76 77 78 79 80

81 82 83 84 85 86 87 88 89 90

91 92 93 94 95 96 97 98 99 100

6

ba

cd

1

Retângulo – chamado de retângulo 1 – que se sobrepõe a seis quadrados da tabela distribuídos em duas linhas e três colunas. Os quadrados internos situados nos vértices dos retângulos foram nomeados de a, b, c e d, sempre na ordem em que aparecem na figura, ou seja, a situa-se no vértice inferior esquerdo, b no vértice inferior direito, c no vértice superior direito e d no vértice superior esquerdo. Chamaremos, portanto, de número a ao número que estiver situado no vértice inferior esquerdo do retângulo quando este se sobrepuser à tabela. .

Page 7: a dinâmica dos processos de aprendizagem em uma atividade de

O retângulo 2 tinha esse desenho.

Havia também várias outras peças com vistas a explorações mais livres, como as

mostradas abaixo:

Descobertas e estratégias de raciocínio desenvolvidas pelos alunos

Pretendíamos com a atividade observar a dinâmica de funcionamento dos grupos

durante a realização das investigações, analisar se aconteciam, e como aconteciam

descobertas de padrões e regularidades, como seriam feitas as sistematizações das

informações obtidas, e se a partir dessas sistematizações havia criação de novos

padrões, ou a descoberta de novas relações. Aprender Matemática não é simplesmente compreender a Matemática já feita,

mas ser capaz de fazer investigação de natureza matemática (ao nível adequado

a cada grau de ensino). Só assim se pode verdadeiramente perceber o que é a

Matemática e a sua utilidade na compreensão do mundo e na intervenção sobre

o mundo. Só assim se pode realmente dominar os conhecimentos adquiridos.

[...] Aprender Matemática sem forte intervenção da sua faceta investigativa é

como tentar aprender a andar de bicicleta vendo os outros andar e recebendo

informação sobre como o conseguem (BRAUMANN, 2002, citado em PONTE

e outros, 2003)

Tínhamos também um olhar para a perspectiva cognitiva do estudante. As

informações obtidas através das primeiras leituras dos dados da pesquisa nos levaram a

perceber que havia um movimento de vai-e-vem entre descobertas feitas e as

7

d

a

c

b

2

Page 8: a dinâmica dos processos de aprendizagem em uma atividade de

sistematizações dessas descobertas. Ao fazer a sistematização, novas descobertas

emergiam, exigindo por sua vez, novas sistematizações, num movimento contínuo e

profícuo.

Trabalhamos com as categorias de análise listadas abaixo estabelecidas por

Frota e Pimentel no artigo “Investigações na sala de aula de Matemática: Ampliando

possibilidades de análise” - 2007 – (no prelo):

1) intuições, inferências e conjecturas que decorrem das explorações livres e

guiadas;

2) sistematização de resultados decorrentes das inferências e conjecturas

levantadas;

3) novas explorações decorrentes da sistematização de resultados que, por sua vez,

geram novas intuições, inferências e conjecturas

Esses movimentos se dão em caráter recorrente, num “moto contínuo” que se

auto-alimenta. Esperamos que, descritas dessa forma, as categorias possam esclarecer

ao leitor qual foi o nosso olhar ao realizar esse trabalho.

Atividades exploratórias livres e atividades exploratórias guiadas

A atividade constava de tarefas exploratórias que classificamos de duas formas,

dependendo do seu grau de estruturação: Tarefas exploratórias guiadas quando o

elemento desencadeador da exploração era mais dirigido; e tarefas exploratórias livres

quando o aluno era instigado a investigar de forma mais autônoma. Baseamos-nos, ao

elaborar as tarefas dessa forma, em classificações desenvolvidas por Ernest(1996) e

Ponte (2003).

Eis aqui alguns exemplos de atividades guiadas.

Foram indicadas algumas operações que os alunos deveriam fazer com os

números a, b, c e d do retângulo 1, que chamaremos de funções, tais como:

1) . O resultado de é sempre igual a zero, qualquer que seja o

retângulo usado e em qualquer lugar que seja sobreposto à tabela, apesar desta

informação não ter sido dada aos alunos.

2) . O valor de é constante para um mesmo retângulo, qualquer que

seja a posição que ele ocupe na tabela. Mas se altera quando muda o retângulo. Esta

informação também não era passada aos alunos.

8

Page 9: a dinâmica dos processos de aprendizagem em uma atividade de

Nesses dois casos pedia-se aos alunos que calculassem o valor da função para o

retângulo 1 em uma posição específica e depois tentassem em outras posições e com

outros retângulos. Sugeria-se então que comparassem os resultados de cada uma das

funções e tentassem encontrar padrões e similaridades e que os registrassem. Vale

observar que os alunos não tinham que, necessariamente, chegar aos resultados

pretendidos por nós e nem eram obrigados a trabalhar com essas funções. Como se pode

perceber, as orientações eram estruturadas e podemos caracterizá-las como atividades

exploratórias guiadas.

Gradativamente as tarefas iam se alternando entre explorações guiadas e livres,

como por exemplo: perguntava-se de que maneira o valor de dependia das dimensões

de cada retângulo, ou então, na tentativa de levá-los a tecerem conjecturas - apesar do

tempo escasso - os alunos eram solicitados a explicarem o que acontecia e por que

acontecia determinado padrão observado. Esse tipo de tarefa já era menos estruturada, o

que deixava os alunos mais livres para tomarem seus próprios rumos.

Enquanto os grupos desenvolviam as tarefas, os dois professores-pesquisadores

acompanhavam os trabalhos, ora incentivando as inquirições, ora respondendo às

perguntas com outras perguntas. As observações feitas pelos professores durante o

desenrolar das tarefas eram anotadas em um caderno de campo. Os alunos, por sua vez,

anotavam todos os seus passos nos relatórios a serem entregues ao final da aula, e que

serviram de documentos para análises posteriores.

Faltando cinqüenta minutos para o final da aula foi proposta a socialização, onde

cada grupo expôs suas principais descobertas e inquirições. Trocaram idéias enquanto

os professores orientavam as discussões e anotavam as questões mais importantes.

Várias descobertas dos alunos aconteceram durante esse momento da aula, após

ouvirem as falas dos colegas.

Confirmando Ponte(2003), pode-se sempre programar o modo de começar uma

investigação, mas nunca se sabe como ela irá acabar. A variedade de percursos que os

alunos seguiram nos surpreenderam, ocorreram avanços, recuos e divergências. Erros

conceituais emergiram, numa rica multiplicidade de situações.

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Page 10: a dinâmica dos processos de aprendizagem em uma atividade de

Descobertas comuns

Nas duas atividades exploratórias guiadas todos os grupos chegaram às mesmas

conclusões já explicitadas por nós pesquisadores.

Observaram que a função era sempre igual a zero para qualquer

retângulo e em qualquer posição. Veja um exemplo, quando se trabalha com o retângulo

1:

Todos os grupos observaram que a função se mantinha constante para

um mesmo retângulo, qualquer que fosse a posição que ele ocupava na tabela. Veja um

exemplo com o Retângulo 2:

Mudando a posição do Retângulo 2, o valor de não se altera:

10

ba

cd

132 33 34

42 43 44

d

a

c

b

244 45 46 47

54 55 56 57

a d

cb

59 60

69 70

79 80

89 90

2

Page 11: a dinâmica dos processos de aprendizagem em uma atividade de

Caso houvesse mudança nas dimensões do retângulo, haveria mudança no valor de .

Basta verificar com o Retângulo 1

O G4 chegou a uma generalização digna de nota, a de que todos os polígonos para

os quais as funções e não se alteram tem uma propriedade geométrica em comum:

são paralelogramos. Testou com polígonos que não eram paralelogramos e confirmou a

conjectura. Não desenvolveu, e nem havia tempo para tal, uma justificativa para a

conjectura.

Essa foi a primeira experiência com explorações guiadas, na qual os alunos foram

mais devagar, desconfiados e alguns até mesmo reticentes. Após as primeiras

explorações os estudantes sentiram-se confiantes e começaram a fazer explorações

livres que os levaram a criar outras funções, numa profusão de fórmulas, tais como:

e

e

Dois fatos merecem atenção em relação a essas fórmulas encontradas pelos

alunos: o primeiro é que essa atividade foi realizada em um contexto específico de aulas

de geometria, com o professor que aplicou a atividade de investigação. Temos indícios

para crer que alguns alunos, na tentativa de responderem àquilo que acreditavam ser

uma demanda do professor, tentaram “geometrizar” várias das fórmulas encontradas.

Desenvolveram conceitos equivocados quando chamaram as fórmulas

e , por exemplo, de área e de perímetro respectivamente ou as

fórmulas e respectivamente de base e altura do Retângulo usado.

O outro fato é que nem todos os grupos usaram os módulos como aparecem

aqui, mas os resultados usados por eles eram modulares e resolvemos então colocar as

funções de acordo com a forma com que foram usadas, ou seja, em módulo.

Como nosso foco de investigação não estava nessas questões, achamos por bem

não nos atermos a elas e dedicarmos nossa atenção às questões ligadas aos processos

matemáticos desenvolvidos.

11

Page 12: a dinâmica dos processos de aprendizagem em uma atividade de

O importante, no nosso ponto de vista, foi a profusão de novas funções que

apareceram, sem que isso tivesse sido solicitado aos alunos. A partir de experimentos

mais dirigidos eles adquiriram autoconfiança suficiente para prosseguirem de forma

mais autônoma.

A dinâmica dos processos evidenciada durante a investigação

O G1, ao trabalhar com a função , calculou-a para vários retângulos,

e percebeu que o valor de estava relacionado, não apenas com a forma ou com as

dimensões do retângulo, mas também com o número de quadrados da tabela aos quais

ele sobrepunha a figura de acetato do kit. Ocorre aqui a descoberta de um padrão que

vai além daquilo sugerido na atividade. Uma criação do grupo advinda da exploração

guiada mas que começa a tomar rumos próprios. O grupo usou, inclusive, outros

retângulos que não constavam do kit. Podemos perceber aqui de forma clara a passagem

de uma exploração guiada para uma exploração livre.

Numa primeira tentativa de sistematização o grupo resolveu fazer uma tabela

onde relacionava o número de quadrados do retângulo com o valor de :

O processo de elaboração da tabela trouxe consigo novas observações e análises,

que acabaram por levar o grupo a descobrir uma nova função que lhe dará sempre o

valor igual ao de , que o grupo descreve como , onde é o número de

quadrados do retângulo.

Aqui podemos perceber a recorrência do movimento “inferências, conjecturas

sistematização novas inferências e conjecturas. O movimento feito pelo grupo, ou

seja, o processo desenvolvido por ele é o que caracterizaríamos como o “realizar uma

experiência matemática”. Enquanto explora uma situação, descobre padrões, organiza-

os e, nesse movimento de exploração, organização, inquirições e análises, acaba

descobrindo novos padrões que vão levantar novas inquirições, inferências e

12

Número de quadrados do retângulo

Valor de

4 106 208 3010 4012 5014 60

Page 13: a dinâmica dos processos de aprendizagem em uma atividade de

conjecturas, requerer novas sistematizações que, por sua vez, levarão a novas

descobertas.

O G3, o G4 e o G5 fizeram uma conjectura que merece atenção. Após as

explorações guiadas com a função , os três grupos, na idéia de “geometrização” da

exploração, criaram a função que chamaram, inapropriadamente, de

área de um retângulo. Independentemente do nome dado à função, o interessante é

observar que, no movimento de experimentar o valor de para vários retângulos e de

sistematizar os resultados obtidos, verificaram que esse valor era sempre o mesmo de

. E essa coincidência foi encontrada de forma diferente, através de caminhos distintos,

pelos grupos. Tentaram ainda tecer conjecturas a respeito do assunto, mas não

conseguiram devido à exigüidade do tempo.

Também nessas situações percebemos a passagem dos alunos das descobertas

guiadas para as explorações livres, mais autônomas, e que acabam por provocar novas

descobertas que, por sua vez levam a novas conjecturas, inferências, novas

sistematizações....

Conclusão

Essa atividade nos traz a percepção da importância da experimentação do fazer

matemático por parte do aluno. Concordamos com Abrantes quando diz que “É através

de atividades matemáticas intencionais, das experiências que vive, que um indivíduo

consolida, descobre ou inventa conhecimento” (ABRANTES, 1999. p.3) .

Os processos de aprendizagem e de criação pelos quais o estudante passa quando

está investigando são de uma riqueza que merecem ser mais explorados por professores

e pesquisadores quando da preparação de uma investigação aplicada na escola. É muito

rica essa dinâmica de descoberta-sistematização-nova descoberta. Acreditamos ser essa

uma experiência vivida pelos matemáticos quando do seu processo de criação, como

destaca D’Ambrósio (1993), e que presenciamos o aluno vivenciar.

Por fim, a gradação na estruturação das tarefas a serem propostas ao estudante –

de experiências guiadas para experiências livres – podem ser um auxílio na construção e

constituição de sua autoconfiança.

Quando partimos de um sistema educacional que em geral não privilegia o

estudante como sujeito e sim como “objeto de aprendizagem” em sua passividade, e o

13

Page 14: a dinâmica dos processos de aprendizagem em uma atividade de

conduzimos para um ensino que o coloca no centro do processo, como elemento atuante

e criador, temos que lhe dar condições para isso.

A passagem da atividade guiada para a atividade livre seria a ponte que tornaria

possível ao aluno a passagem da heteronomia para a autonomia.

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Page 15: a dinâmica dos processos de aprendizagem em uma atividade de

Referências Bibliográficas

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