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LINGUAGEM, INTERAÇÃO E PROCESSOS DE APRENDIZAGEM ANDRÉA DA SILVA AVANZE O PROFESSOR ALFABETIZADOR NA ERA DO HOMO ZAPPIENS Porto Alegre, 2011

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  • LINGUAGEM, INTERAÇÃO E PROCESSOS DE APRENDIZAGEM

    ANDRÉA DA SILVA AVANZE

    O PROFESSOR ALFABETIZADOR NA ERA DO HOMO ZAPPIENS

    Porto Alegre, 2011

  • 2

    LINGUAGEM, INTERAÇÃO E PROCESSOS DE APRENDIZAGEM

    ANDRÉA DA SILVA AVANZE

    O PROFESSOR ALFABETIZADOR NA ERA DO HOMO ZAPPIENS

    Dissertação de Mestrado apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras. Área de Concentração: Linguagem, interação e processos de aprendizagem, no Centro Universitário Ritter dos Reis - UniRitter, sob a orientação da Prof. Dr. Regina da Costa da Silveira.

    Porto Alegre, 2011

  • 3

    TERMO DE APROVAÇÃO

    ANDRÉA DA SILVA AVANZE

    O PROFESSOR ALFABETIZADOR NA ERA DO HOMO ZAPPIENS

    Dissertação de Mestrado apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Letras - Área de Concentração em Linguagem, interação e processos de aprendizagem, no Programa de Pós-Graduação em Letras do Centro Universitário

    Ritter dos Reis - UniRitter, pela seguinte banca examinadora:

    ____________________________ Prof. Dr. Regina da Costa da Silveira

    Centro Universitário Ritter dos Reis - UniRitter

    ____________________________

    Prof. Dr. Noeli Reck Maggi Centro Universitário Ritter dos Reis - UniRitter

    ____________________________

    Prof. Dr. Sandra Vidal Nogueira Escola Superior de Teologia – EST

    Porto Alegre, 2011.

  • 4

    Dedico este trabalho aos profissionais da educação, como inspiração para que reflitam sobre suas práticas diante da alfabetização e

    do letramento.

  • 5

    AGRADECIMENTO

    Agradeço, primeiramente, a Deus, pela oportunidade da vida.

    Aos meus pais, Airton (in memorian) e Leocádia, por terem acreditado e

    investido na minha formação enquanto educadora.

    Ao meu querido irmão, Airton Avanze Júnior (in memorian). Por ele e para ele

    me tornei educadora, ávida por fazer a diferença na vida daqueles que estão na

    escola.

    À minha família, que sempre ajudou, mesmo na desconstrução de teorias

    longamente estudadas.

    À minha querida amiga-irmã, Amanda Vinhola, que SEMPRE esteve ao meu

    lado, me incentivando a seguir em frente. Como ela mesma diz, temos uma conexão

    humana inexplicável. Ela esteve comigo em todos os desafios do curso de Mestrado,

    como o aprendizado, em três meses, de inúmeras teorias da área de letras e

    diversas outras demandas. Muito obrigada! Quero te ver no Mestrado muito em

    breve!

    À minha orientadora, Professora Regina da Silveira, que sempre, com muito boa

    vontade, indicou bibliografias, explicou teorias e ajudou na construção desta

    dissertação.

    À minha primeira orientadora, ainda na graduação em Pedagogia, Professora

    Sandra Vidal Nogueira, que me fez acreditar que é possível alcançar os caminhos

    almejados, e me incentivou a seguir no mestrado.

    Ao UniRitter, que me incentivou na busca e na realização deste aperfeiçoamento

    acadêmico tão significativo e que me trouxe tanto aprendizado.

    Aos meus maravilhosos colegas de aula, que com as amplas bagagens de

    conhecimento e vivencia tornaram tão prazerosas as nossas aulas. Em especial à

    minha amiga Dirce, por todo o apoio e pela amizade maravilhosa.

    Aos meus queridos alunos, que foram meu laboratório de ensino e

    aprendizagem.

  • 6

    A todos aqueles que, de alguma forma contribuíram para minha exitosa

    caminhada, deixo registrado meu mais sincero e profundo agradecimento.

  • 7

    "[...] A minha contribuição foi encontrar uma explicação segundo a qual,

    por trás da mão que pega o lápis, dos olhos que olham, dos ouvidos que escutam,

    há uma criança que pensa." Emília Ferreiro

  • 8

    FICHA CATALOGRÁFICA

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    A946p Avanze, Andréa da Silva

    O professor alfabetizador na era do homo zappiens / Andréa da Silva Avanze. – 2011.

    97 f. ; 30 cm. Dissertação (mestrado) – Centro Universitário Ritter dos Reis,

    Mestrado em Letras: linguagem, interação e processos de aprendizagem, Porto Alegre, 2011.

    Orientadora: Profª. Dr. Regina da Costa Silveira.

    1. Socioconstrutivismo. 2. Professor alfabetizador. 3. Alfabetização. 4. Aprendizagem. I. Título. II. Silveira, Regina da Costa.

    CDU 37

    Ficha catalográfica elaborada no Setor de Processamento Técnico da Biblioteca

    Dr. Romeu Ritter dos Reis

  • 9

    RESUMO

    O presente trabalho tem por objetivo refletir sobre a postura do professor alfabetizador em relação à nova realidade educacional em ascensão, que exige a prática do que a teoria do socioconstrutivismo há tanto tempo busca implantar: a contextualização do conteúdo curricular na bagagem trazida pelo aluno ao ingressar na educação formal numa época denominada de “era do homo zappiens”. Na busca por essa inserção, o professor precisa lidar com o pensamento tradicional da escola, dos pais e da comunidade escolar, que não raro repelem as estratégias inovadoras de ensino, priorizando a ideia de que o caderno cheio de escrita é o sinal de que o aluno estava evoluindo da oralidade para a escrita com significativa aprendizagem. Busca-se a teoria de Emilia Ferreiro, Paulo Freire, Lev Vygotsky, Roxane Rojo e Wim Veen entre outros autores renomados e experientes na temática em pauta, para embasar os conceitos de alfabetização, letramento, aprendizagem e gênero. Utiliza-se, ainda, como referências legais, as disposições da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e os Parâmetros Curriculares Nacionais, que amparam e incentivam a interdisciplinaridade e o socioconstrutivismo como estratégias eficazes e recomendadas para elevar a qualidade do ensino. O trabalho incita a discussão sobre as consequências da alteração das etapas do processo de alfabetização e a proposição de questionamentos para que o professor possa atenuar os conflitos envolvendo pais, escola, alunos e a si mesmo, apresentando atividades que suportem a teoria estudada e que atestem a importância e a eficácia da contextualização do seu trabalho à realidade de sua turma. PALAVRAS-CHAVE: Professor alfabetizador. Oralidade. Alfabetização. Socioconstrutivismo. Homo Zappiens.

  • 10

    ABSTRACT

    This paper aims to propose a reflection on the behavior of literacy teachers facing new rising educational reality, which demands the practice of what social constructivism theory always wanted to make happen: contextualizing the curriculum content with the background of formal education newcomers. Attempting to this insertion, teachers must deal with the traditional thinking adopted by school, parents and school community, which do not repel the innovative teaching strategies, but still requires the maintenance of the old education system, which considered the full notebook as a good sign that the student was progressing in learning. It was researched the theory of Emilia Ferreiro, Paulo Freire, Lev Vygotsky, Wim Veen and Roxane Rojo, among other renowned authors and experts on the, to base the concepts of literacy, learning and gender. It also provides some legal references, as the provisions of Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional and Parâmetros Curriculares Nacionais, supporting and encouraging interdisciplinarity and social constructivism as effective strategies and recommendations to improve the quality of teaching. The thesis also discusses the consequences of changing stages of literacy and proposes solutions for the teacher to mitigate conflicts involving parents, school, students and himself, with activities that support the studied theory and demonstrate the importance and effectiveness of contextualization of his work to the reality of his class.

    KEYWORDS: Literacy teacher. Orality. Literacy. Social construtivism. Homo Zappiens.

  • 11

    SUMÁRIO

    1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 13

    2 O QUE É ALFABETIZAR NA ERA DA INTERNET? .................................... 17

    2.1 O conceito de alfabetização por Vygotsky e Ferreiro ........................... 19

    2.2 A LDB e a alfabetização ........................................................................... 26

    2.3 PCNs e gênero dentro do processo de alfabetização ........................... 28

    2.4 Etapas da alfabetização ........................................................................... 32

    2.4.1 Oralidade ................................................................................................. 35

    2.4.2 Ler-escrever ............................................................................................ 37

    2.4.3 A história da escrita ................................................................................. 38

    2.4.4 A história do alfabeto ............................................................................... 40

    2.4.5 O que a escrita representa e não representa .......................................... 41

    2.5 Considerações sobre a leitura ................................................................ 42

    2.6 Alfabetizar letrando .................................................................................. 45

    2.6.1 Sociedade Letrada/Sujeito Letrado ......................................................... 49

    2.7 O papel do educador no letramento ....................................................... 50

    3 AS CONSEQUÊNCIAS DA ALTERAÇÃO DE ETAPAS DO PROCESSO DE

    ALFABETIZAÇÃO ........................................................................................... 53

    3.1 A alfabetização e a era informacional .................................................... 53

    4 REFLEXÕES SOBRE O CONSTRUTIVISMO NA PERSPECTIVA DA

    ALFABETIZAÇÃO ........................................................................................... 55

    4.1 Socioconstrutivismo ................................................................................ 55

    5 PROPOSIÇÃO DA TOMADA DE CONSCIÊNCIA DOS ENVOLVIDOS NO

    PROCESSO ..................................................................................................... 57

    5.1 A implantação de um trabalho construtivista na escola ....................... 57

    5.1.1 Sanduíche da Maricota como exemplo de atividade construtivista ......... 58

    5.2 A conscientização e a orientação aos pais ............................................ 60

    5.2.1 Sugestão de palestra ............................................................................... 61

    6 CONCLUSÃO ............................................................................................... 64

    REFERÊNCIAS ................................................................................................ 67

  • 12

    APÊNDICE A ................................................................................................... 70

    APÊNDICE B ................................................................................................... 82

    APÊNDICE C ................................................................................................... 88

    APÊNDICE D ................................................................................................... 92

  • 13

    1 INTRODUÇÃO

    Uma das grandes polêmicas atuais acerca da educação, principalmente no

    Brasil, diz respeito ao crescente número de profissionais leitores incipientes

    cibernética e tecnologicamente despreparados. Esse despreparo não leva em

    consideração apenas as questões ortográficas e gramaticais; pelo contrário, uma

    das maiores deficiências jaz, especificamente, na semântica. O tão conhecido

    sistema comunicativo, em que um emissor envia uma mensagem ao receptor, há

    tempo não funciona mais de forma tão simples. Agora, existe um emissor que envia

    uma mensagem, mas o conteúdo dessa mensagem pode receber diversas

    interpretações, dependendo do ponto de vista do receptor e do próprio emissor. Essa

    evolução nos eventos de comunicação ocorreu rápida e naturalmente com o advento

    da internet, que despeja diariamente milhares de megabytes carregados de

    informação. O adulto de hoje, na medida do possível, tenta se adaptar a essa nova

    realidade para sobreviver na era digital e para continuar ativo no mercado de

    trabalho, que se torna cada vez mais competitivo. Já a criança de agora não tem

    qualquer dificuldade em operar um mouse, em abrir uma página da internet e em

    conversar com seus amigos pelas páginas de relacionamento. Apesar dessa larga

    vantagem, a criança precisa de orientação. Os pais devem fiscalizar o conteúdo

    acessado pelos filhos e a escola deve buscar inserir as novas demandas no seu

    ambiente para manter seus alunos interessados. Entretanto, nesse cenário, ninguém

    sinalizou ao professor a necessidade de adaptação, que, hoje, salta aos olhos de

    qualquer pessoa que tenha interesse pela temática da educação.

    É lógico que os professores de todas as séries precisam encarar as

    mudanças e, à medida do possível, incorporá-las à sua metodologia de ensino, mas,

    inevitavelmente, a responsabilidade maior recai sobre os ombros do professor

    alfabetizador. Afinal, é ele quem vai receber os pequenos aprendizes, cheios de

    curiosidade e de energia canalizável. Ele será o responsável por promover a

    interação e a transformação daqueles indivíduos em um grupo. Ele vai ouvir,

    diariamente, as histórias de quem viu um desenho novo na televisão, de quem se

  • 14

    transformou em super-herói ou em monstro no dia anterior e de quem não entendeu

    o que aquele personagem quis dizer com determinada frase nunca antes ouvida. Se

    não estiver antenado, o professor perderá chances valiosíssimas de captar o

    interesse e a atenção incondicionais de seus alunos, as quais seriam imensamente

    superiores à simples reprodução de conteúdo, anualmente reproduzida pela ainda

    maioria dos educadores. Há que se considerar que, se a própria escola ainda

    considera o método tradicional de ensino como padrão, os pais também

    compreendem-no como o único meio de aprendizagem e o professor, que utiliza a

    mesma metodologia há anos, ou que descobriu nela uma forma mais fácil de

    “ensinar”, não pode ser considerado o único responsável pela formação de pessoas

    linguisticamente incompetentes. Todavia, ele não pode aceitar que, por não ser o

    instaurador do sistema, não tenha o direito de mudá-lo.

    Tendo como pano de fundo os fatos citados acima, as dúvidas que surgem, no

    que tange à alfabetização nas séries iniciais, são as seguintes: Quais as

    consequências, na aprendizagem dos alunos, frente à interferência de pessoas não

    ambientadas às teorias construtivistas da alfabetização e letramento nos anos

    iniciais? Quais serão os problemas enfrentados pelos alunos se o professor ceder a

    essas diferentes e conservadoras interferências? Qual deve ser a postura do

    docente em relação a essas demandas? De que modo o professor pode reverter

    esse quadro, aproximando esses agentes adversos de seu trabalho e tornando-os

    parceiros ativos no processo de aprendizagem dos alunos?

    As questões acima citadas serão aclaradas partindo-se da teoria de

    pensadores como Vygotsky e Ferreiro, buscando identificar, analisar e discutir as

    fases da alfabetização e realizar um contraponto entre as etapas apresentadas e a

    normativa apresentada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a qual

    afirma que o grande desafio não está na garantia da educação gratuita, e sim em

    garantir a permanência do aluno nos bancos escolares e o seu êxito escolar.

    Pretende-se, com isso, identificar os problemas que podem ser causados pela

    alteração da orientação estabelecida no processo de alfabetização, tanto para o

    aluno como para o docente.

    A temática aqui desenvolvida se justifica plenamente por considerar-se que o

    processo de alfabetização tem grande importância no desenvolvimento do aluno.

  • 15

    Acredita-se que esse diálogo entre docente, discente, escola e família seja uma

    possibilidade de construção de conhecimento, visto que todos têm papel

    fundamental no processo educativo do cidadão. É importante salientar que, com o

    advento da internet e a mobilização para sua inclusão em todas as esferas sociais, o

    aluno adquire conhecimento livre e informal, na maioria das vezes, sem a orientação

    adequada. O papel do professor, nesse âmbito, é o de realizar a conexão entre o

    conhecimento prévio do aluno e o conteúdo ministrado em aula; a mediação entre a

    oralidade e a escrita.

    A pesquisa parte de uma investigação bibliográfica previamente realizada,

    baseada em autores como Emília Ferreiro e Lev Vygotsky, visto que busca associar

    os conceitos de aprendizagem, alfabetização e letramento, contextualizando-os em

    uma época em que a escola recebe, frequentemente, um aluno iniciado na hoje

    propalada cibercultura, denominado, por Wim Veen, de homo zappiens. Assim, além

    de buscar o conhecimento, a pesquisa conceitua e exemplifica os termos essenciais

    implicados neste estudo, buscando chegar a conclusões qualitativas sobre o tema

    em questão.

    Faz-se importante salientar aqui a experiência da autora, que precede o

    Mestrado em Letras e que foi sendo enriquecida durante este mesmo curso e posta

    em exercício em quase dois anos de prática docente. Nesse âmbito, será elaborada

    uma proposta de trabalho que valorize o conhecimento prévio do aluno e torne

    prazeroso o ambiente de estudo, com atividades próprias ao nível de

    desenvolvimento de cada idade. Utiliza-se como exemplo de atividade

    interdisciplinar para favorecer a alfabetização em sala de aula o projeto de literatura

    denominado de “Sanduíche da Maricota”, que será apresentado como proposta de

    trabalho no decorrer desta pesquisa. Espera-se que o resultado reitere a premissa

    de que o professor deve priorizar um trabalho que parta do interesse de seus alunos

    e promover a interdisciplinaridade trazida pelas redes de comunicação e de

    informação da internet.

    Pretende-se, também, reavivar as etapas do processo de alfabetização

    demonstrando que, para a sua efetividade, não se pode ter como parâmetro a ampla

    produção escrita proveniente dos alunos.

  • 16

    Nessa direção, esta dissertação se serve de Veen (2009) e do inevitável uso

    da internet, repleta de informação, na contemporaneidade. Nesse sentido, o

    professor deve, desde cedo, preocupar-se com a produção do conhecimento a partir

    das informações em rede. A noção de contexto é imprescindível para que as

    palavras possuam significados, visto que o isolamento dos signos pode causar a

    distorção do real sentido atribuído ao conteúdo. Dessa forma, o trabalho do

    professor é o de contextualizar imagens e palavras, ampliando-lhes os significados.

    Do ponto de vista prático, o trabalho ainda prevê a realização de oficinas para

    estudantes e professores sobre o tema da dissertação, a apresentação de

    comunicações em eventos nas áreas de Letras e de Pedagogia e a publicação de

    artigos. Propõe-se, portanto, a integração entre a escola, o professor, os alunos e os

    pais, promovendo a ampla participação de todos os envolvidos no processo de

    alfabetização, de forma que tal processo tão importante para a vida do aluno

    obedeça às etapas adequadas, para que os pais e a escola percebam a eficácia

    destas etapas e para que o professor mantenha seu foco de trabalho, questionando-

    se sobre as suas ferramentas para reavaliar seus métodos de ensino, numa época

    em que a cibernética põe em processo o método tradicional.

  • 17

    2 O QUE É ALFABETIZAR NA ERA DA INTERNET?

    O dicionário Aurélio (2008) define o verbo alfabetizar como “ensinar ou

    aprender a ler e a escrever”. Trata-o, também, como a habilidade de “transmitir ou

    adquirir capacidade ou hábito da comunicação e expressão pela escrita”, assim

    como “dar a (alguém) ou adquirir os conhecimentos gerais básicos (inclusive leitura

    e escrita), a instrução primária”.

    Conforme o professor holandês Wim Veen retrata na obra intitulada Homo

    Zappiens: educando na era digital, percebe-se o surgimento de um novo perfil de

    aluno nas escolas, conceituado pelo autor como homo zappiens. Fazendo uma

    analogia com a educação no passado, cabe lembrar que todos os meios de

    comunicação já passaram por críticas excessivas a ponto de serem considerados

    nocivos à educação, como as histórias em quadrinhos e a própria televisão.

    Atualmente, com o uso da internet, enfrenta-se o mesmo cenário de recusa ao uso

    da tecnologia por uma parte considerável da comunidade escolar. Trata-se de um

    problema com o que o professor alfabetizador se depara, pois:

    Com a evolução constante deste novo mundo, poderemos acompanhar a evolução de um novo homem, o nativo digital ou Homo Zappiens (VRAKKING & VEEN, 2008), uma geração de seres humanos que cresceram em meio às tecnologias digitais, e que aprenderam desde muito cedo que tais tecnologias lhes permitem acessar de forma rápida uma gama imensa de informações e se comunicar com pessoas. Eles "zapeiam" entre as diversas informações que julgam interessantes ou úteis, da mesma forma como ficam mudando de canal no aparelho de televisão. Esta possibilidade de mudar rapidamente o foco da atenção de acordo com os interesses, de acordo com os autores, pode ser observada também no ambiente escolar, onde é cada vez mais difícil despertar-lhe a atenção. Os professores que irão trabalhar com estes alunos precisam ter ciência destas características de uma nova geração que aprendeu a "cooperar em redes e negociar sobre as informações e confiança", aceitam as novas tecnologias sem medo, porém ainda necessitam que lhes indiquem caminhos para tais benefícios sejam utilizados de forma reflexiva e autônoma. Este é o grande desafio da educação de hoje, encontrar formas de fazer mesclar o poder de reflexão, inteligência,

  • 18

    construção e destreza com a tecnologia desta nova geração, em outras palavras, mesclar o Homo Sapiens com o Homo Faber e estes dois com o HomoZappiens.(FREITAS,2009).

    Eis que o papel fundamental do professor deve ser o de nortear, de ensinar

    seus alunos a filtrar o que serve para pesquisa e aprendizado, de modo que as

    informações sejam seguras e confiáveis, principalmente em se tratando da utilização

    cotidiana das redes sociais. Nesse sentido, Veen assinala que tal recusa pelo novo é

    um processo natural, mas distante da tecnologia, como aporte significativo na

    construção do conhecimento, urge ao professor e à comunidade escolar a

    adaptação aos novos recursos que são propulsores de modificações importantes e

    indispensáveis no cenário da educação.

    Para pensar na aprendizagem de indivíduos que bem cedo se deparam com a

    interação proposta pelas redes na internet, é que os autores Wim Veen e e Bem

    Vrakking (aluno e pesquisador na área de Educação e Tecnologia da Universidade

    de Tecnologia de Delft, na Holanda, Países Baixos) propõem que a educação e a

    tecnologia devam formar um binômio consistente para que se efetivem os processos

    de mudança. Mas o que geraria a recusa por parte dos professores e dos pais frente

    à geração do homo zappiens, isto é, crianças nascidas depois dos anos 80, que faz

    da tecnologia lógica e linguagem próprias?

    Para a professora do Centro Universitário de Belas Artes, de São Paulo,

    Izabel Patrícia Meister, o que os autores propõem é uma estrutura básica de como

    lidar com o conhecimento, levando em conta que aprender é uma atividade para a

    vida toda, não restrita à escola. E, para isso, são lançados três padrões. O primeiro

    leva em conta o conceito de homo zappiens e o modo como ele se comporta; o

    segundo questiona se as atividades lúdicas do homo zappiens relacionam-se à

    aprendizagem; e, por último, surge a necessária pergunta: O que a escola pode

    fazer?

    O que pode hoje ser visto na educação é uma luta; uma luta para encaixar a nova tecnologia em um velho modelo; uma luta até mesmo para servir às demandas de mudança da sociedade no modelo existente. E essa luta não está obtendo resultados. Com isso, não estou dizendo que não haja muitos exemplos de implementação exitosa de ambientes de aprendizagem eletrônica (ELEs) ou de treinamento baseado em computador (CBT). Com certeza, há muitos exemplos de professores que ainda dão aulas muito

  • 19

    interessantes. E a maior parte das escolas tem seu modode lidar com a presença inevitável da internet e da riqueza das informações a partir da internet em vez de utilizarema biblioteca da escola. É provavelmente verdade que toda escola hoje tenha um ou mais computadores. Contudo, isso é muito pouco, e muito lento (VEEN, 2009, p. 90).

    Para definir homo zappiens já o professor se depara com necessidades que

    vão desde o vocabulário até as relações fluidas. Como alfabetizar, então, pelos

    métodos antigos de preenchimento de caderno com palavras e expressões soltas e

    descontextualizadas? Pessupõe-se que a escola deva ter flexibilidade para acolher

    a diversidade no processo de aprendizagem, sobremaneira na etapa da

    alfabetização dessa geração conectada e ligada em rede. Para tal geração

    “emergente” do homo zappiens, “ ‘a percepção do mundo ’ ” dá-se como um quadro,

    em que a distância física não representa problema ou restrição à comunicação, sob

    o signo da não-linearidade” (MEISTER, 2010, p. 62). A autora ainda aproxima a

    questão ao

    Princípio de inteligência coletiva propagada por Pierre Levy (2004) como resultado da apropriação das estruturas comunicacionais e de produção do saber estabelecidas na cibercultura: ele pensa em redes e de maneira mais colaborativa do que as gerações anteriores (LÉVY, 2004, p. 46 apud MEISTER, 2010, p.63).

    De fato, alfabetizar é ensinar, e ensinar, conforme aqui se assinalou, entende-

    se como a habilidade de transmitir ou adquirir capacidade ou hábito da comunicação

    e expressão pela escrita.

    Com o advento da era do homo zappiens, o pressuposto de que a

    alfabetização é o primeiro contato formal do aluno com o mundo em que vive passou

    a ser questionado nesta era da internet, visto que a criança não é mais alheia às

    informações que surgem da internet.

    2.1 O conceito de alfabetização por Vygotsky e Ferreiro

    Pensando na perspectiva de que a alfabetização é o processo de

    formalização da linguagem, organiza-se a sua estruturação como algo que provém

    da composição das fases do desenvolvimento humano, atribuído à integração entre

    pensamento e linguagem. Ambos se desenvolvem de modo independente, mas se

    integram em dado momento do desenvolvimento, conforme nos afirma Vygotsky

  • 20

    apud Oliveira (2006, p. 43): "O pensamento e a linguagem têm origens diferentes e

    desenvolvem-se segundo trajetórias diferentes e independentes, antes que ocorra a

    estreita ligação entre esses dois fenômenos”.

    Baseando-se na teoria de Vygotsky, é possível afirmar que a linguagem se

    desenvolve numa perspectiva de intercâmbio social e pensamento generalizante, o

    que significa ser necessário compreender um método de comunicação entre as

    pessoas, ou seja, um dialeto comum ao local em que se realiza o contato por meio

    da linguagem. O pensamento generalizante é o processo de identificar os gêneros

    das coisas e iniciar o ensaio com as primeiras palavras ditas por meio da linguagem

    abstraída pelo bebê em sua fase de desenvolvimento, conforme se confirma através

    do trecho extraído da ideia de Vygotsky apud Oliveira:

    Vygotsky trabalha com duas funções básicas da linguagem. A principal função é a de intercâmbio social: é para se comunicar com seus semelhantes que o homem cria e utiliza os sistemas de linguagem. (...) fenômeno que gera a segunda função da linguagem: a de pensamento generalizante. A linguagem ordena o real, agrupando todas as ocorrências de uma mesma classe de objetos, eventos, situações, sob uma mesma categoria conceitual. (OLIVEIRA, 2006, p.42-43)

    Os autores em questão demonstram o seguinte modo de estruturação entre

    pensamento, linguagem e a integração de ambas:

    Fonte: Vygotsky apud Oliveira (2006), p. 47.

    Em dado momento da maturidade biológica o ser humano organiza o seu

    pensamento e transforma-o em comunicação verbal, utilizando-se do sistema de

    Fase Pré-linguística do Pensamento

    - utilização de instrumentos

    - inteligência prática

    Pensamento Verbal e Linguagem Racional

    - transformação do biológico no sócio-histórico

    Fase Pré-intelectual da Linguagem

    - alívio emocional

    - função social

  • 21

    signos com o qual se constrói a história social do indivíduo, significada pela

    linguagem. Sustenta-se essa afirmação com Vygotsky apud Oliveira:

    O surgimento do pensamento verbal e da linguagem como sistema de signos é um momento crucial no desenvolvimento da espécie humana, momento em que o biológico transforma-se no sócio-histórico (p. 47).

    Diante da estruturação das fases de desenvolvimento já relatadas, é possível

    confirmar o que Magda Becker Soares afirma sobre a função da escola no que

    concerne à alfabetização: “a escola não alfabetiza, mas dá continuidade a um

    processo de alfabetização já em pleno desenvolvimento” (2004, p. 23).

    Sobre as estruturas linguísticas que são assimiladas pela criança, SILVA

    (2006) remete-nos ao que ele considera principal na tese apresentada por Vygotsky:

    Buscando as raízes genéticas da linguagem e do pensamento, o psicólogo soviético vai concluir que o discurso interior se desenvolve “graças a um lento processo cumulativo de operações funcionais e estruturais”. Este discurso, diga-se, só se separa da linguagem exterior da criança num momento preciso e muito sensível: quando “ocorre uma diferenciação das funções sociais e egocêntricas da linguagem”. Finalmente, convém destacar que as estruturas linguísticas que a criança vai assimilando “tornam-se estruturas fundamentais do seu pensamento”. A par destas considerações finais concorre um outro facto fundamental, que mostra que o desenvolvimento do pensamento se efectua através da presença de três factores interligados: “da linguagem, dos meios de expressão do pensamento e da experiência sócio-cultural da criança”. O pensamento da criança depende, deste modo, “da aquisição dos meios sociais do pensamento, isto é, da linguagem” e esta é a tese principal deixada pelo trabalho de Vygotski. Para se chegar a esta demarcação final foi preciso comparar, por um lado, “o desenvolvimento da linguagem e do intelecto” e, por outro, “o desenvolvimento do discurso interior e do pensamento linguístico”. Estas comparações ocorrem em linhas distintas de actuação, “quer no mundo animal, quer nos estádios mais precoces da infância”. Mais uma vez, as componentes biológicas e sociais do desenvolvimento humano brotam do fundo teórico vygotskiano. Para o autor, no entanto, “os dois tipos de desenvolvimento não são um prolongamento imediato um do outro; pois é outro tipo de desenvolvimento que muda – passa de biológico a histórico-social”. O pensamento linguístico possui assim leis e propriedades específicas que já não podem ser encontradas nas formas naturais do pensamento e da linguagem. Aquele pensamento é já “uma modalidade sócio-histórica”. A solução preconizada por Vygotski passa assim por uma mutação, uma transformação que ocorre num momento preciso, do biológico para o social, de uma modalidade natural para uma outra de índole histórica e social. (SILVA, 2006, p. 30-31)

  • 22

    Retomando a questão da alfabetização à luz da pedagogia, pode-se dizer

    que, em decorrência do analfabetismo funcional, surgiram de forma resumida os

    termos e significações sujeito alfabetizado e sujeito letrado, abordados

    principalmente por Ferreiro: um é capaz de decodificar e de interpretar o outro e

    vice-versa. Então, compreendendo-se a leitura como um processo de atribuição de

    sentido a qualquer sistema de sinais, fica evidente a possibilidade de desenvolver a

    capacidade de ler antes do início da alfabetização formal. Para isso, é importante

    utilizar o conhecimento prévio da criança, o que ela sabe sobre o mundo e o que

    dele pode ser representado por sinais.

    Conforme Ferreiro:

    A criança que cresce em um meio “letrado” está exposta à influência de uma série de ações. E quando dizemos ações, neste contexto, queremos dizer interações. Através das interações adulto-adulto, adulto-criança e crianças entre si, criam-se as condições para a inteligibilidade dos símbolos. A experiência com leitores de textos informa sobre a possibilidade de interpretação dos mesmos, sobre as exigências desta interpretação e sobre as ações pertinentes, convencionalmente estabelecidas. Aqueles que conhecem a função social da escrita dão-lhe forma explícita e existência objetiva através de ações inter-individuais. A criança se vê continuamente envolvida, como agente e observador, no mundo “letrado” (FERREIRO, 2001, p. 59).

    De acordo com a ideia acima, ser leitor não é apenas conhecer as letras e

    seu valor sonoro, mas sim ser capaz de construir significados. Para entender um

    texto é importante dominar o contexto e as várias convenções da língua escrita:

    saber como ela funciona é mais importante do que apenas identificar letras e

    sílabas.

    Pensar a questão da alfabetização tem sido um grande desafio aos

    educadores, pois se trata de um processo complexo que abarca vários fatores,

    conforme elucida Ribeiro:

    Alfabetização é o processo pelo qual se adquire o domínio de um código e das habilidades de utilizá-lo para ler e escrever, ou seja: o domínio da tecnologia – do conjunto de técnicas – para exercer a arte e ciência da escrita. Ao exercício efetivo e competente da tecnologia da escrita denomina-se Letramento que implica habilidades várias, tais como:

  • 23

    capacidade de ler ou escrever para atingir diferentes objetivos (2003, p. 91).

    O docente alfabetizador, dentro de uma perspectiva construtiva, precisa se

    interessar pela lógica dos erros cometidos pelos alunos, pois estes conflitos são

    necessários para o processo de aprendizagem. Desses conflitos surge a evolução

    no processo da aquisição da língua escrita.

    A autora Ferreiro (2001) afirma que a teoria construtivista se preocupa com o

    tipo de ideias que a criança constrói mentalmente sobre o que está escrito. E são

    nestas construções que a criança, ao produzir algo escrito, necessita fazer uma

    interpretação do que foi lido. A autora se refere a este ato como o mais completo, o

    ato da escrita obriga a criança a pensar parte por parte para formar as sílabas e

    depois palavras; por isso, esta tomada de decisão durante a escrita é progressiva: é

    ai que se dá o processo de construção.

    Dentro da perspectiva da alfabetização e do letramento cabe ressaltar a

    importância da função social da escrita, fazer o uso da escrita de maneira

    significativa como forma de interação do sujeito com o mundo letrado e não só do

    conhecimento do código (letras, silabas, palavras identificadas mecanicamente).

    Segundo Ferreiro (2008), alfabetização, sem aplicação de contexto, significa

    uma ação de quem alfabetiza, de quem “ensina a ler e a escrever”. O verbo

    alfabetizar, assim como o substantivo, constitui-se em tornar o indivíduo capaz de ler

    e escrever. É a ação de alfabetizar, de tornar "alfabeto", o que tem origem também

    nas letras provenientes do grego: alfa, beta, gama, etc.

    Na opinião de Ferreiro (2001), em uma investigação sobre o tema

    alfabetização, a qual produziu grandes transformações na alfabetização escolar, a

    questão crucial da alfabetização é de natureza conceitual, e não perceptual.

    Ferreiro inicia sua análise na origem da psicogênese da língua escrita com

    uma descrição do processo através do qual a escrita se constitui em objeto de

    conhecimento para a criança, transferindo, assim, o foco de investigação do “como

  • 24

    se ensina” para o “como se aprende”, colocando a escrita no lugar que lhe cabe – de

    objeto sociocultural de conhecimento, reconstruindo a ideia de que a escola

    alfabetiza sozinha. A autora introduziu uma nova didática da língua, na qual a

    alfabetização é uma construção do conhecimento, e não um lugar de acúmulo de

    informações sem significado para a criança.

    Percebe-se no trabalho diário com as crianças em fase de alfabetização que

    alguns fatores colaboram para que a aprendizagem ocorra com êxito e de modo

    significativo:

    ü O fortalecimento da comunicação gestual e oral entre educadores e

    crianças;

    ü A organização do espaço físico, que permite interagir com seus pares,

    criando diferentes formas de manifestações através das brincadeiras;

    ü O contato com livros de histórias infantis;

    ü A expressão corporal através da música, das dramatizações e do faz -

    de conta, etc. das salas de aula e espaços externos, que se constituem

    em espaços textualizados, elaborados com a cumplicidade das

    crianças;

    ü Da escrita, que pode aparecer com significado e funcionalidade para as

    crianças de varias maneiras: na receita do bolo, nas cartas para os

    amigos, no jornal que esta sendo elaborado, nos bilhetes e avisos, nos

    convites diversos, nos jogos de palavras, nos bingos de letras;

    ü Nas visitas diversas ao museu, à biblioteca, ao supermercado, na

    criação de textos de todos os tipos, etc;

    ü Explorando o mundo imaginário da criança.

  • 25

    O professor possui papel ativo e importante no processo de ensino-

    aprendizagem da alfabetização, pois considera que a aprendizagem estimula o

    desenvolvimento e não é apenas o resultado final pretendido, o trabalho do docente

    é baseado no auxílio à criança em compreender as peculiaridades do sistema

    escrito, seu caráter simbólico e sua função social, criando situações de ensino que

    possibilitem tal aquisição da linguagem formal da escrita.

    Com o avanço da tecnologia, as escolas também precisaram se adaptar

    incluindo esta ferramenta que auxilia e motiva a aprendizagem. Eis um grande

    desafio em acompanhar a demanda de constantes mudanças de dimensões tempo e

    espaço.

    Olson ressalta que “nossa compreensão do mundo, nossa ciência, nossa

    compreensão de nós mesmos, são subprodutos da maneira como interpretamos e

    criamos textos escritos, isto é, da maneira como vivemos num mundo em que está

    no papel” (1997, p.35-36).

    Crianças pequenas devem estabelecer uma relação afetiva com os livros, de

    forma que o representado esteja interligado ao que é vivenciado. Por isso, é

    importante que falem sobre as histórias presentes nas obras e comparem-nas com

    suas experiências. Os dados textuais confrontados com a vivência oferecem material

    suficiente para que as crianças executem uma série de operações mentais que

    constituem a base do pensamento reflexivo: relações espaciais e temporais,

    relações de ação e agente, de causa e efeito, etc.

    Nessa perspectiva, de acordo com Sandroni:

    Falando diretamente à imaginação e à sensibilidade, o texto literário, sem compromisso com a realidade, mas referindo-se continuamente a ela, pode, por sua força criadora, levar à comunicação leitor-texto que caracteriza o ato de ler. No mundo maravilhoso da ficção, a criança encontra, além de diversão, alguns dos problemas psicológicos que a afligem resolvidos satisfatoriamente; percebe em cada narrativa formas de comportamento social que ela pode aprender e usar no processo de crescimento em que se encontra, informações sobre a vida das pessoas em lugares distantes, descobrindo, dessa forma, que existem outros modos de vida diferentes do seu (1991, p.10).

  • 26

    Com base no argumento acima, percebe-se que o ato de ler é um dos meios

    mais eficazes para o desenvolvimento da linguagem e da personalidade. Desde os

    primeiros contatos da criança com o livro, torna-se importante que o mediador (mãe,

    pai, professor) esclareça que se lê por vários motivos: pelo prazer de encontrar com

    coisas e pessoas familiares, pelo desejo de fugir da realidade, para buscar

    compreender o mundo, pela necessidade de expandir o “eu”, pela busca de

    autoafirmação, ou simplesmente, pelo entretenimento.

    Ainda sobre o tópico acima, Sandroni afirma:

    As crianças pequenas aceitam com muita naturalidade histórias sobre aventuras impossíveis vividas por bichos ou pessoas. Tudo o que é fantástico vai alimentando sua imaginação e entrando no seu mundo, onde os limites entre o real e o imaginário ainda estão sendo estabelecidos. [...] O amor pelos livros não é coisa que apareça de repente. É preciso ajudar a criança a descobrir o que eles lhe podem oferecer. Cada livro pode trazer uma ideia nova, ajudar a fazer uma descoberta importante e ampliar o horizonte da criança. Aos poucos, ela ganha intimidade com o objeto-livro (1991, p.16).

    Ferreiro (1999, p.47) pontua, ainda, que “a alfabetização não é um estado ao

    qual se chega, mas um processo cujo início é, na maioria dos casos, anterior à

    escola e que não termina ao finalizar a escola primária”. O professor precisa ter essa

    ideia em mente para que seu trabalho seja cada vez mais condizente com a

    realidade e com as possibilidades de seus alunos.

    2.2 A LDB e a alfabetização

    A LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional foi promulgada em

    20 de dezembro de 2006, estabelecendo, como o próprio nome sugere, as

    normativas que norteiam a educação no Brasil. Partindo desta normativa, pode-se

    pensar que toda a fundamentação no que tange a educação refere algo

    indubitavelmente significativo para a vida do aluno.

    Art. 1º. A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem

  • 27

    na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. § 1º. Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias. § 2º. A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social. Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

    A proposta do Ministério da Educação, diante da lei sancionada pelo

    presidente da república, com a formulação do currículo por áreas de

    conhecimento e a proposição do trabalho com temas transversais, é um avanço

    no sentido de preparar os profissionais da educação na formulação de um novo

    currículo, voltado, de fato, para as necessidades de todos. Contudo, é preciso ter

    a certeza de que neste espaço de interação humana não ocorra uma

    subordinação alienada, sob pena da perda do valor do processo, eis que os

    sintomas de alienação proposital ou forçada ocasionarão uma perda de

    estratégia no que prevê a legislação.

    Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância; V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII - valorização do profissional da educação escolar; VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino; IX - garantia de padrão de qualidade; X - valorização da experiência extra-escolar; XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.

    Ao refletirmos sobre a LDB, percebe-se que, em se tratando de alfabetização,

    já existe previsão de funcionamento das normativas que orientam sobre a existência

    da necessidade de mudança. Há tempos estuda-se e pesquisa-se em prol de uma

    alfabetização mais eficiente, mas pouco divulgada em virtude do comodismo.

    Art. 12º. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e

  • 28

    as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de: I - elaborar e executar sua proposta pedagógica; II - administrar seu pessoal e seus recursos materiais e financeiros; III - assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aula estabelecidas; IV - velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente; V - prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento; VI - articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola; VII - informar os pais e responsáveis sobre a frequência e o rendimento dos alunos, bem como sobre a execução de sua proposta pedagógica.

    À época da publicação da LDB, há quinze anos, o ensino tradicional ainda

    imperava no Brasil. Entende-se, aqui, “tradicional” como o formato tão conhecido de

    transmissão de conhecimento: o professor enche o quadro de conteúdos vazios, o

    aluno copia o mesmo conteúdo, não capta o contexto e não consegue encontrar a

    ligação daquelas palavras desencontradas com o seu cotidiano. Esse abismo entre o

    que o professor tem para ensinar e o que o aluno pode aprender, remetendo-o à sua

    realidade, hoje em dia é considerado um método antiquado e incapaz de produzir

    qualquer resultado prazeroso para ambas as partes envolvidas. Ai está a

    caracterização de “tradicional”, visto que não se conhecia (ou não se queria

    conhecer) outra forma de ensino à época. Felizmente, nos dias de hoje, o

    construtivismo foi exaltado e defendido pelos estudiosos que permeiam as teorias da

    educação, fornecendo meios sutis e eficientes para que os professores possam

    desempenhar melhor seu papel. Uma dessas ferramentas será estudada no próximo

    item.

    2.3 PCNs e gênero dentro do processo de alfabetização

    Refletindo sobre gêneros de aprendizagem no processo de alfabetização,

    pode-se ter a noção da micro e da macroestrutura enquanto diferentes gêneros

    necessários para uma aprendizagem significativa, conforme Freire (1989) evidencia:

    [...] tomando distância dos diferentes momentos em que o ato de ler se veio dando na minha experiência existencial. Primeiro, a “leitura” do mundo, do pequeno mundo em que me movia; depois, a leitura da palavra que nem sempre, ao longo de minha escolarização, foi a leitura da “palavramundo” (p. 25).

  • 29

    Freire ainda sugere que o docente deve dar conta dos gêneros em que o

    aluno está inserido, pois a aprendizagem precisa ter sentido dentro dos gêneros que

    ele conhece e utiliza no cotidiano. Ou seja, o conhecimento de mundo é o ponto de

    partida para o ensino.

    Roxane Rojo (2005) destaca que nas disciplinas de língua portuguesa e

    estrangeira tem-se trabalhado a importância de considerar as características de

    gêneros na leitura e na produção de textos. Isso ocorre a partir dos novos

    referenciais apresentados nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino

    Fundamental em torno do estudo de gêneros.

    Em consideração aos PCNs de Língua Portuguesa, no que diz respeito aos

    gêneros textuais, principalmente no ensino fundamental, entende-se que seja de

    suma importância que todos os envolvidos no processo ensino-aprendizagem

    utilizem-se das atividades linguísticas com êxito a fim de preparar o aluno para as

    futuras atualizações sobre o assunto na progressão dos seus estudos, destacando

    sempre que a linguagem oral difere da escrita e que existe uma forma culta para a

    escrita, com o intuito de permitir que ele seja compreendido em qualquer espaço,

    com o uso proficiente da língua materna e/ou estrangeira.

    O gênero textual é conceituado sob o ponto de vista teórico, diferentemente

    do gênero do discurso, que tem um ponto de vista de aplicação. Considerando que

    texto e discurso não devem ser confundidos, Rojo (2005, p. 189) pontua:

    [...] pode-se dizer que texto é uma entidade concreta, realizada materialmente e corporificada em algum gênero textual. Discurso é aquilo que um texto produz ao se manifestar em alguma instância discursiva. Assim o discurso se realiza nos textos.

    Para um entendimento sobre as relações entre os elementos da situação da

    comunicação, as práticas de linguagem e gêneros do discurso podem ser ilustradas

    conforme o esquema abaixo:

  • 30

    Fonte: ROJO, 2005, p.198

    Diante da necessidade humana da comunicação e da evolução dos meios de

    informação no meio social desde a teorização educacional acerca do construtivismo,

    é sabido que a formação educacional das pessoas está mais voltada ao saber

    pesquisar e desenvolver as atividades do que ao ato de decorar conteúdos, visto

    que muda o objetivo de ensinar, aliando as tecnologias disponíveis e as que ainda

    estão por vir. Conforme afirma Veen (2009):

    Adquirir conteúdo deixará de ser a meta principal da educação, que dará a maior ênfase ao que é significativo e relevante. Como consequência, as escolas não mais serão instituições que treinam as crianças para a certeza; em vez disso, as escolas facilitarão a aprendizagem para uma geração que sabe viver e trabalhar em organizações e instituições nas quais o conhecimento é intenso e onde tal geração terá de depender da flexibilidade e da adaptabilidade para lidar com condições e situações que estão em constante mudança (p. 14).

    O mundo mudou consideravelmente nos últimos tempos. Com o advento das

    novas tecnologias, as pessoas também mudaram. As crianças, principalmente, estão

    se adaptando a cada nova tecnologia. Em classes escolares de educação básica,

    faz-se necessário que os professores busquem aperfeiçoamento para atender às

    novas demandas, para satisfazer a curiosidade natural de seus alunos frente às

    constantes novidades, quase sempre provenientes da internet. O professor deve ter

    a consciência de que precisa manter a atualização e o seu próprio interesse em

    descobrir quais são os principais assuntos, jogos ou filmes do momento, os quais

    chamam atenção de seus alunos, e preparar atividades que envolvam esses tópicos,

    cativando ainda mais a atenção e o interesse deles. O professor que se recusa a

  • 31

    aceitar essa necessidade está sentenciado a permanecer no mesmo patamar de

    ensino tradicional, mantendo seus alunos à distância e fadado à eterna falta de

    criatividade.

    Pensávamos, como educadores, que havíamos elaborado, com cuidado e de maneira planejada, um currículo relevante e que preparasse para a educação futura. Embora soubéssemos, por nossa própria experiência, que muito do conteúdo que aprendemos na escola não nos serviu muito durante a vida, ainda consideramos nosso currículo nacional algo relevante. As crianças de hoje pensam de modo diferente e dizem que o conteúdo é irrelevante para suas vidas futuras e mesmo para seus estudos de hoje. Será que não devemos ouvi-las e começar a pensar de outro modo sobre a obrigatoriedade de um currículo padronizado para todos? (VEEN, 2009, p. 47).

    Veen, na reflexão acima, sugere que seja criada uma nova forma de ensino,

    que fuja do padrão utilizado até hoje nas escolas e que é há muito tempo

    ultrapassado. Embora não haja uma “receita de bolo”, é importante que haja a

    preocupação com o contexto no qual se está inserido, para que, ao invés de

    promover a aprendizagem pelos mesmos métodos antiquados e ineficientes de

    antigamente, seja possível criar estratégias de ensino condizentes com as etapas da

    criança e que, na medida do possível, a criatividade do professor condiga com a

    relevância dos conteúdos a serem abordados. Em outras palavras, o que Veen

    sugere é que se pense a respeito da consideração do perfil atual da infância e que

    se abandone os métodos tradicionais de ensino, buscando formas mais simples e

    eficazes de mediação entre o aluno e o conhecimento a ser adquirido, sem que para

    isso seja necessário sucumbir entre cadernos e livros cujo conteúdo já não diz mais

    respeito à atualidade.

    Em síntese, sugere-se que os educadores utilizem na sua prática docente a

    base trazida nos PCNs, bem como o aporte teórico sobre gêneros textuais, com

    atenção especial no que diz respeito à contextualização do ensino da língua, e que

    tornem a metodologia de ensino cada vez mais próxima da prática do uso da língua

    exercida pelo cidadão.

  • 32

    2.4 Etapas da alfabetização

    Em seu ambiente cultural, a criança percorre o mesmo caminho de

    desenvolvimento percorrido pela humanidade na organização do conhecimento:

    inicia a representação do mundo pelo gesto ou pelo desenho e chega ao símbolo e

    às regras sistemáticas reconstruindo o código linguístico utilizado na sua

    comunidade. A criança descobre muito cedo a função simbólica da escrita e percorre

    um caminho progressivo até que, por volta dos 6 a 7 anos, domina uma combinação

    satisfatória de sinais e significados.

    A alfabetização trabalhada no chamado “método tradicional” tem como ponto

    de sustentação uma sistematização priori e um material – a cartilha – que

    desenvolve um método (global, silábico, fonético, etc). O que geralmente ocorre é o

    uso de uma linguagem padronizada e irreal. Esse fato, associado a uma ênfase

    excessiva no treino da ortografia e da gramática nas séries iniciais do Ensino

    Fundamental, leva a criança a acreditar que a linguagem da escola é diferente da

    linguagem cotidiana, viva e real. Nesse sentido, o estudo de Emília Ferreiro e de

    seus colaboradores possibilitou o desvio do centro de trabalho, que era o professor,

    para o que se pretende – a criança – e sua relação com a aprendizagem.

    O professor que conhece as concepções desenvolvidas pelas crianças a

    respeito da língua escrita tem a chance de se tornar um mediador, propondo

    atividades e questionamentos que levem a criança a duvidar de suas ideias, a

    colocar em conflito suas certezas sobre os símbolos escritos e, comparando e

    refletindo, a elaborar uma nova hipótese linguística.

    Na aprendizagem da leitura e da escrita, a criança tem como ponto de partida

    o sentido do mundo e dos objetos que a cerca. Ela aprende pensando,

    estabelecendo relações sobre as características da linguagem que estão presentes

    ao seu redor. A vinculação fala/escrita é imprescindível, já que a fala é representada

    por sinais gráficos convencionais (as letras). Para os adultos parece óbvio que uma

  • 33

    palavra, que nada mais é do que um agrupamento de sinais gráficos, corresponda

    aos sons da fala. As crianças, entretanto, precisam “reinventar” esse processo para

    caminhar na reconstrução do código linguístico.

    É na relação com a escrita e com a intervenção dos colegas e do professor

    que o conhecimento do sistema de escrita vai sendo construído pelos alunos. Para

    alfabetizar é preciso compreender a funcionalidade da escrita, atribuindo significado

    a ela e percebendo sua representação. Nessa perspectiva, a aprendizagem deixa de

    ser centrada nos processos de codificação e decodificação do sistema e passa a ser

    um processo que propicie a descoberta do conhecimento, a criatividade e a

    expressividade, capacitando a criança para a leitura e escrita em todos os seus

    aspectos.

    O processo de alfabetização, que consiste na aprendizagem da leitura e da

    escrita, inicia muito antes do começo da vida escolar, pois a escrita, por possuir uma

    função fundamentalmente social, já integra o cotidiano dos alunos. Ou seja,

    nenhuma criança entra na escola sem algum conhecimento prévio sobre a escrita e

    a leitura.

    Ferreiro e Teberosky (1999) destacam, dentre todas as hipóteses de

    construção externadas pelas crianças, quatro hipóteses fundamentais para

    compreensão de como as crianças adquirem a linguagem escrita. São elas:

    · Pré-silábica - caracterizada pela fase icônica, na qual a criança acredita que

    escrever é desenhar o objeto. Aparecem tentativas da criança de correspondência

    entre a escrita e o objeto referido (realismo nominal), associando, por exemplo, o

    nome de uma pessoa a idade que ela tem, portanto a quantidade de letras deverá

    estar de acordo com esses critérios. Outras características principais dessa fase

    são: os diferentes estilos de escrita das crianças na fase inicial da escrita; as

    problemáticas quanto à orientação espacial da escrita; ora a escrita é representada

    por letras, ora por desenhos, ou com ambos, há grande dificuldade em estabelecer

  • 34

    diferença entre as atividades de escrever e desenhar; a quantidade mínima de

    caracteres exigidos e a variedade desses caracteres.

    · Silábica - É o início da fonetização da escrita, ou seja, a criança escreve

    relacionando as unidades da escrita às unidades da fala. Ela descobre que a escrita

    representa os sons da fala e passa a escrever uma letra para cada sílaba,

    controlando a quantidade necessária de sílabas para cada palavra. Algumas

    crianças podem apresentar uma escrita silábica sem valor sonoro, pois observam a

    quantidade, mas não a qualidade das letras. Por exemplo, pode escrever RAFI, para

    borboleta, que apresenta quatro sílabas ou PTA para camelo, que tem três sílabas.

    Quando aprendem o valor convencional das letras do alfabeto, as crianças utilizam,

    para cada sílaba, uma letra (vogal ou consoante) com valor convencional, ou seja,

    descobre que o importante não é apenas a quantidade, mas também a qualidade

    das letras.

    · Silábico-alfabética - essa fase é de transição entre a hipótese silábica e a

    hipótese alfabética. A criança abandona a primeira hipótese e descobre que

    necessita analisar outras possibilidades de escrita, uma vez que ela vai além da

    sílaba pelo conflito entre a hipótese silábica e a quantidade mínima de letras, além

    do conflito entre as formas gráficas que o meio lhe impõe e a leitura dessas formas

    com base na hipótese silábica.

    · Alfabética - é a etapa final da evolução, pois a criança, ao chegar nessa

    hipótese, compreendeu que cada um dos caracteres da escrita corresponde a

    valores sonoros menores que a sílaba e realiza sistematicamente, uma análise

    sonora dos fonemas das palavras que necessita escrever. As dificuldades a partir

    dessa hipótese não serão mais conceituais e sim ortográficas, pois a criança ficará

    exposta às dificuldades próprias do sistema ortográfico da língua materna.

  • 35

    2.4.1 Oralidade

    É evidente que, nos dias de hoje, os atos de falar e escrever estão cada vez

    mais intimamente ligados e o limite entre oralidade e escrita nem sempre se

    estabelece de modo nítido para leitores em potencial. Por isso, a diferenciação entre

    eles se torna confusa. Afinal, há poucas décadas, havia contradição ao conceituar a

    relação entre oralidade e letramento. A escrita era considerada como algo inerente à

    utilização da língua, e ignorava-se a questão da influência social nela. Felizmente,

    nos dias atuais, oralidade e letramento andam juntos, pois há a compreensão de que

    a escrita sofre modificações conforme a fala, e não o contrário. É possível

    exemplificar a modificação da língua através dos tempos utilizando o pronome de

    tratamento “você”. Antigamente, o termo original para se referir à pessoa com quem

    se fala era “vossa mercê”. O termo sofreu um processo semelhante ao de

    aglutinação, transformando-se em “vossemercê”; logo depois, foi reduzido a

    “vosmecê” e, finalmente, chegou ao que utilizamos hoje. Como a língua é dinâmica e

    continua em processo de adaptação, frente às necessidades do usuário e à cultura

    de cada diferente região em que ela é utilizada, pode-se imaginar que, daqui a

    alguns anos, motivada pela evolução das redes de comunicação, principalmente o

    que chamamos de “internetês” (a língua adaptada à internet), a palavra você sofra

    mais uma contração natural e torne-se “vc”. Obviamente, esta é apenas uma

    suposição, encorajada pela liberdade proporcionada pela fala, que, mais cedo ou

    mais tarde, atinge também a escrita.

    Em se tratando especificamente sobre a escrita, pode-se afirmar que ela foi o

    grande legado das culturas mais antigas. Afinal, quem a domina, tem o poder da

    comunicação, sobrevive no mundo moderno, em que tudo é feito para quem, além

    de identificar as letras e combiná-las aos sons, consegue fazer bom uso do todo, ou

    seja, abstrai o significado daquilo que está escrito. Nesse sentido, outras questões

    são importantes, como os significados – avaliando a relevância do contexto para a

    produção de sentido – de cada palavra em uma frase ou em um texto.

  • 36

    Apesar de a escrita ser uma importante ferramenta na evolução do sujeito, a

    oralidade é irrefutavelmente anterior a ela. Entretanto, se a fala leva vantagem

    cronológica sobre a escrita, esta última tem seu valor elevado em relação à primeira

    nos primórdios da civilização, visto que a memória humana, apesar de irrestrita, não

    consegue (ainda) armazenar todas as informações sem auxílio. Dadas as suas

    primazias, o que realmente deve ser priorizado é a combinação desses dois modos

    de uso da língua, além da desejável proficiência do usuário em ambas.

    Há que se perceber, todavia, a diferença entre aquisição da escrita e

    letramento. Pessoas que não sejam consideradas letradas podem perfeitamente ter

    adquirido a língua de maneira satisfatória, utilizando-a por meio da fala e superando,

    por vezes, indivíduos letrados que tenham tido problemas de aquisição.

    No que concerne à escrita, é importante distinguir os conceitos de três

    termos, geralmente utilizados como se fossem sinônimos: Letramento,

    alfabetização e escolarização. Enquanto o último se configura essencialmente na

    prática institucional de formação de pessoas, com base em projetos pedagógicos e

    propostas de ensino fundadas no conhecimento em geral, a alfabetização é

    considerada um dos atributos da escolarização, visto que tem início nas séries

    iniciais do Ensino Fundamental e, embora não pareça, estende-se até o final do

    Ensino Médio, ao mesmo tempo em que o letramento é a inserção da pessoa no

    mundo das letras, a prática de ensinar a leitura e a escrita.

    Em suma, o que deve ser lembrado é o fato de que a língua, independente de

    sua forma de expressão, é o retrato da organização de cada sociedade. A escrita é a

    forma mais usada – e também a mais confiável – de registro da cultura, das normas

    sociais, das descobertas e das memórias da espécie humana. Ela preserva o

    conhecimento, a evolução da sociedade, possibilitando às gerações vindouras a

    ciência dos fatos históricos, científicos, culturais, etc. que ocorreram há décadas,

    séculos anteriores à sua existência. E, partindo-se do pressuposto de que, para que

    esses fatos pudessem ser registrados, era necessário que houvesse proclamações,

    diálogos ou filosofia, a fala tem papel imprescindível, ao lado da escrita, na produção

  • 37

    dos registros acima citados. Assim, não é possível afirmar qual das duas – fala ou

    escrita – é a mais importante ou a mais utilizada. Na verdade, essa disputa não faz

    sentido, pois o fascinante é justamente a interação entre elas e causada por elas.

    Desde que o sujeito aprenda a utilizar essas duas formas de expressão a seu favor,

    o estudo aprofundado das teorias pode ser dispensado.

    2.4.2 Ler-escrever

    Os processos de leitura e escrita são complexos. A aquisição da leitura e da

    escrita são fatores essenciais e favorecem os conhecimentos futuros, pois é a

    principal ferramenta para proporcionar as demais aquisições. Além disso, serve de

    apoio para a interação pessoal, para a comunicação e leitura de seu mundo, seja ele

    interno ou externo.

    É inegável que o ato de leitura e o de escrita são intimamente ligados. Quem

    escreve um texto espera que ele seja lido por uma ou mais pessoas; quem lê,

    dispõe de suas habilidades semânticas para chegar a um objetivo, o qual, não

    necessariamente, é o previsto pelo autor do texto. Na verdade, o foco do autor ao

    produzir um texto é a clareza, a produção de sentido. A expectativa do leitor,

    igualmente, é compreender o sentido desse texto.

    A eficácia dos sujeitos nos processos acima referidos, independente da

    relação entre os significados alcançados, indicará o sucesso na comunicação

    estabelecida por meio do texto.

    O que a escrita representa, conforme Olson (1997, p.81-84) pode ser

    conceituado da seguinte forma:

    · A escrita é um recurso gráfico destinado à transcrição da fala;

    · Rever nossa ideia sobre a relação entre fala e escrita dá exatamente a

    pista que precisamos para abordar de modo diferente a relação entre

    escrita e cognição;

  • 38

    · Os sistemas de escrita se desenvolveram com objetivos mnemônicos

    (memória) e comunicativos, mas, como são “lidos”, acabam fornecendo

    um modelo para a linguagem e para o pensamento; explicamos

    introspectivamente a linguagem e a mente em termos de categorias

    preconizadas por nossos sistemas de escrita.

    · A evolução das escritas, inclusive o alfabeto, é simplesmente a

    consequência de tentar usar um sistema gráfico inventado para ser “lido”

    em uma língua, a qual se ajusta razoavelmente, para transmitir

    mensagens que vão ser “lidas” em outra língua para a qual não é

    apropriado. Em cada caso, o desenvolvimento de um modo funcional de

    comunicar por meio de marcas visíveis foi, ao mesmo tempo, uma

    descoberta das estruturas da fala passíveis de representação. Neste

    sentido, alguns autores radicais têm dito que a escrita é anterior à fala.

    2.4.3 A história da escrita

    A escrita iniciou, conforme Cagliari (1998, p. 15), de forma autônoma e

    independente, aproximadamente no ano 3300 a.C. Possivelmente, esse processo

    tenha se repetido no Egito, alguns anos depois. Na América Central, os maias

    inventaram um sistema de escrita sem sequer saber que alguém já havia pensado

    em criar esse método. Os demais sistemas de escrita, entretanto, foram inventados

    por pessoas que tiveram, de uma maneira ou de outra, contato com algum sistema

    de escrita.

    Antigamente, a alfabetização consistia em aprender a ler algo escrito e,

    depois, copiar. Iniciava-se com palavras soltas e, depois, utilizava-se textos

    conhecidos, que eram estudados de forma exaustiva. Após, passava-se à produção

    de textos. Nesse sentido, a alfabetização era basicamente o trabalho de leitura e

    cópia. A alfabetização não ocorria na escola, como nos dias de hoje. A transmissão

    de conhecimento era de quem sabia escrever para quem queria aprender.

    Acreditava-se, ainda, que o segredo para aprender a escrever era apenas dominar a

    leitura, ou seja, se o sujeito sabia ler, a escrita era algo que vinha como

  • 39

    consequência.

    Os semitas criaram o princípio acrofônico: o som inicial do nome da letra é o

    som que ela representa. O princípio acrofônico permitiu a redução do número de

    letras e trouxe a forma óbvia do procedimento para ler e escrever. Uma vez

    identificada a letra pelo nome, já havia um som para ela. Juntando os sons das

    letras das palavras em sequência, tinha-se a pronúncia de uma dada.

    Os gregos, apesar de manterem o princípio acrofônico, adaptaram os nomes

    das letras para a sua língua. Para eles, a alfabetização acontecia de maneira

    semelhante à dos semitas, com a diferença de que os gregos tinham de detectar, na

    fala, não apenas asconsoantes, mas também as vogais, para escreverem

    alfabeticamente.Quando os gregos passaram a usar o alfabeto, aprender a ler e a

    escrever tornou-se algo possível para todos.

    Os romanos assimilaram tudo o que puderam da cultura grega, inclusive o

    alfabeto. Acharam interessante o princípio acrofônico do alfabeto grego, mas

    perceberam que as letras não precisavam ter nomes especiais. Era mais simples ter

    como nome da letra o próprio som dela. Foi assim que alfa, beta, gama, delta,

    épsilon, etc. transformaram-se em a, bê, cê, dê, e, etc.

    A alfabetização, na Idade Média, ocorria menos nas escolas do que na vida

    privada das pessoas. Quem sabia ler ensinava a quem não sabia, mostrava o valor

    fonético das letras do alfabeto em determinada língua, a forma ortográfica das

    palavras e a interpretação da forma gráfica das letras e suas variações. Aprender a

    ler e a escrever não era uma atividade escolar. Nessa época, como as crianças já

    não iam mais à escola, as que podiam eram educadas em casa pelos pais, por

    alguém da família ou até mesmo por alguém contratado para essa tarefa.

    Com o uso cada vez maior da escrita na sociedade e com a produção

    crescente de livros escritos à mão, o alfabeto passou a ter um problema a mais:

    foram surgindo formas variantes de representação gráfica das letras (sem modificar

  • 40

    o alfabeto em si). Isso fez com que uma letra passasse a ser apenas um valor

    abstrato do alfabeto, que podia ser representado por muitas formas gráficas, as

    quais o usuário do sistema de escrita tinha de conhecer. A primeira manifestação

    desse fato aconteceu quando das letras capitais surgiram as letras minúsculas com

    forma gráfica diferente das antigas, que passaram a se chamar maiúsculas. Agora, o

    usuário da escrita precisava saber que “A” e “a” são a mesma letra e que, portanto,

    “BOLA” equivale a “bola”. Isso trouxe um problema novo e complicado para a

    alfabetização e para os leitores em geral. Não bastava saber o alfabeto, seu

    princípio acrofônico e a ortografia: era preciso, também, reconhecer a que categoria

    pertence cada letra encontrada nas diferentes manifestações gráficas da escrita.

    2.4.4 A história do alfabeto

    A figura abaixo é conhecida como Pedra da Roseta, um pedaço de basalto

    negro onde foi gravado um texto em grego, hieróglifos e demótico.

    Fonte: BUDGE, Ernest A.. The Rosetta Stone (1904; reimpr. 1976).

    Este passado pré-histórico remete ao princípio do símbolo, ou aquilo a que

    comumente se designa por imagem simples, cujas manifestações mais significativas

    podem ser encontradas nas pinturas rupestres.

    Sobre a relação entre a "linguagem simbólica" – expressa através de

    símbolos abstratos pintados – e a sua intenção, pode-se dizer que foi por meio

    destas imagens que o homem entendeu que podia fazer passar uma mensagem, um

    pensamento, o seu estado de espírito, etc.

  • 41

    2.4.5 O que a escrita representa e não representa

    Baseado no capítulo anterior, conclui-se que a escrita passa a ser tomada

    como modelo para a fala. Tudo que é representado na escrita se torna objeto de

    conhecimento ou de percepção para a pessoa nela proficiente.

    Nas culturas onde existe a escrita, ela se torna um meio preferido em muitos domínios, devido à sua permanência. Mas o que a escrita ganha em permanência perde em abrangência. A “morte do autor” literal leva a que ele não possa ser consultado sobre como interpretar o texto. A escrita preserva as propriedades léxicas e sintáticas da fala, mas perde as qualidades de voz de quem fala, inclusive o acento frasal e a entonação, assim como a “linguagem silenciosa” que se revela em sinais de uma linguagem corporal manifestados pelos olhos, mãos e postura, e também o contexto compartilhado cognitivamente elementos que, nos contextos orais indicam como receber uma expressão (OLSON, 1997, p.127).

    O esquema abaixo demonstra relações de sobreposição, enfatizando o

    crescimento das funções de como interpretar um texto:

    Fonte: Autoria própria, baseada no entendimento obtido nos capítulos 4 e 5 de OLSON, 1997.

  • 42

    2.5 Considerações sobre a leitura

    O primeiro contato que a criança tem com a leitura não é feito por ela própria,

    mas sim por alguém que lê para ela. Ao ouvir, a criança atribui um sentido ao texto

    lido, transportando-se para o universo da história.

    Uma leitura oral sempre exige expressividade, musicalidade para que os

    ouvintes sintam as emoções que o texto quis transmitir. Ela sensibiliza o ouvinte e

    estimula novas experiências. É, portanto, de extrema importância que o clima para a

    leitura seja o mais favorável e agradável possível. O manuseio frequente de livros, a

    leitura de ilustrações, a leitura do texto pelo professor vão provocando no aluno o

    interesse para a leitura e a escrita.

    O ato de ler é o processo de “construir significado” a partir do texto. Isso se

    torna possível pela interação dos elementos textuais com os conhecimentos do

    leitor. Quanto maior for a concordância entre eles, maior a probabilidade de êxito na

    leitura.

    A interação que se estabelece entre o texto escrito e o leitor é diferente

    daquela estabelecida entre duas pessoas quando conversam, por exemplo. Nessa

    última situação estão presentes, além das palavras, muitos aspectos, como

    gesticulação, expressão facial, entonação da voz, repetições e perguntas que dão

    significado à fala.

    Na leitura, o leitor está diante de palavras escritas por um autor que não está

    presente para completar as informações. Por isso, é natural que o leitor forneça ao

    texto informações enquanto lê. Contudo, o texto também atua sobre os esquemas

    cognitivos do leitor. Quando alguém lê algo, aplica um determinado esquema,

    alterando-o ou confirmando-o, ou ainda tornando-o mais claro e exato. Assim, duas

    pessoas lendo o texto podem entender mensagens diferentes porque seus

  • 43

    esquemas cognitivos, ou seja, as capacidades já internalizadas e o conhecimento de

    mundo de cada umasão diferentes.

    É necessário fazer uma distinção entre ler e aprender a ler. Ler é estabelecer

    uma comunicação com textos impressos, por meio da busca da compreensão. A

    aprendizagem da leitura constitui uma tarefa permanente, que se enriquece com

    novas habilidades, na medida em que se manejam adequadamente textos cada vez

    mais complexos. Por isso, a aprendizagem da leitura não se restringe ao primeiro

    ano da vida escolar. Atualmente, sabe-se que aprender a ler é um processo que se

    desenvolve ao longo de toda a escolaridade e de toda a vida.

    Quando chega à escola, a criança já é uma “boa” leitora do mundo, pois,

    desde muito nova, começa a observar, antecipar, interpretar e interagir, dando

    significado a seres, objetos e situações que a rodeiam. E são estas as mesmas

    estratégias de busca de sentido para compreender o mundo letrado que utilizará.

    Essa aprendizagem natural da leitura deve ser considerada pelo professor e

    incorporada às suas estratégias de ensino, com o fim de melhorar a qualidade desse

    processo contínuo, iniciado no momento em que a criança é capaz de captar e

    atribuir significado às coisas do mundo. Assim, a ação de ler o mundo é enriquecida

    na medida em que a criança enfrenta numerosos e variados textos.

    O trabalho de leitura na escola tem por objetivo levar o aluno à análise e à

    compreensão das ideias dos autores e buscar no texto os elementos básicos e os

    efeitos de sentido. É muito importante que o leitor se envolva, emocione-se e

    adquira uma visão dos vários materiais portadores de mensagem presentes na

    comunidade em que vive.

    Os alunos em fase de alfabetização já tentam interpretar os diferentes

    portadores de textos com os quais entram em contato e que estão comumente ao

    seu redor – cartazes, outdoors, placas, embalagens, imagens transmitidas pela

    televisão, logotipos, livros, revistas, slogans – enfim, o que o mundo oferece. Isso

  • 44

    ocorre quase sempre muito antes de a criança ser um leitor propriamente dito.

    Portanto, esses portadores de textos devem fazer parte do universo escolar, da

    mesma forma que eles fazem parte do meio, da vida, do cotidiano de cada um.

    O espaço da sala de aula deve ser rico desses materiais para diferentes

    formas de exploração: interpretação de ícones, leitura incidental (ler do jeito que

    sabe), manuseio e exposição de material de propaganda, notas de compras,

    formulários, figurinhas, documentos variados, vinhetas de televisão, etiquetas de

    roupa, rótulos e embalagens.

    Outras linguagens facilitam a prática da leitura, em especial aquelas que

    permitem a expressão oral, gestual, plástica, musical, etc. Trabalhar com essas

    linguagens enriquece a experiência dos leitores: A mímica, os gestos e a

    dramatização representam muitas vezes a descrição de uma situação. A imitação

    favorece o desempenho da criança que está sendo estimulada a desenvolver o

    gosto pela leitura. Imitar um repórter ao ler uma notícia, um vendedor ao ler um

    rótulo de produto, um repórter esportivo ao narrar uma partida, etc.

    Diante dos diferentes tipos de textos produzidos, a leitura também revela

    diferentes desempenhos: uma leitura informativa é diferente de uma leitura narrativo-

    descritiva. Enquanto a primeira é objetiva, sucinta, a segunda é minuciosa,

    detalhada. Procurar uma enciclopédia para conseguir uma informação exige que a

    atenção do leitor seja dirigida e específica ao que se quer aprender. Assumimos

    procedimentos diferentes ao ler uma história, um conto, uma narrativa, quando

    nossa atenção passa a ser global do texto, da mesma forma que o levantamento de

    características físicas, de fala de determinada personagem, ou a consulta a um

    dicionário exige um comportamento diferenciado em relação ao texto e à informação

    que se quer obter. Exemplo: um dicionário respeita a ordem alfabética, a mensagem

    informativa é breve e pouco contextualizada, a leitura é rápida e se relaciona quase

    sempre com o esclarecimento do significado de um termo que desconhecemos.

  • 45

    Os estímulos à leitura podem e devem ser dirigidos com vistas a despertar no

    aluno a observação mais ampla do mundo. Além de ter um ambiente favorável

    organizado na própria sala de aula (como as bibliotecas de classe, o clube do livro, o

    correio, o jornal mural, enfim, um espaço de leitura próprio e sugestivo, criado pelo

    professor com a ajuda dos alunos), o aluno deve ser encaminhado a explorar

    materiais que quase sempre estão presentes na vida diária: os jornais, as revistas, a

    televisão, a Internet, enfim, todo o material que faz parte do mundo fora da escola.

    As leituras feitas em sala de aula pelos alunos ou pelo próprio professor

    permitem diferentes tipos de exploração: leitura em voz alta, em silêncio, em jogral,

    em dupla, em coro, etc. No decorrer dessas leituras, o professor pode ajudar no

    esclarecimento do vocabulário desconhecido ou então solicitar que seja feita uma

    pesquisa para a compreensão dos termos mais difíceis e pouco usuais. A

    compreensão do que se leu é uma etapa importante, que não deve ser esquecida.

    Comentários espontâneos são sempre bem recebidos. Deve-se manter em mente

    que a leitura é sempre o ponto de partida para outras práticas, em especial a de

    produção de texto.

    2.6 Alfabetizar letrando

    Os sujeitos que vivem numa sociedade letrada (estruturada em torno da

    escrita) estão imersos no mundo da escrita, fazendo uso desse objeto de

    conhecimento de diferentes formas, lendo e escrevendo diferentes tipos e

    portadores de textos (livros literários, placas de ônibus, jornais, revistas, cartazes,

    propagandas, textos científicos, etc.) que servem a diferentes usos e funções

    sociais. Nesse processo aprendemos que a escrita serve para a interação social,

    quando o interlocutor está ausente para registrar e documentar informações, possui

    usos práticos/instrumentais, é veículo de notícias e é usada como apoio à memória.

    Essas mudanças sociais e culturais em torno da escrita afetam diretamente a

    escola, que tem, entre outras funções, a de possibilitar a socialização e a formação

  • 46

    dos sujeitos inseridos em um determinado contexto sociocultural. Assim, não se

    pode negar que a demanda cultural em torno da alfabetização, do ensino da leitura e

    da escrita hoje é bastante diferente do que foi há três décadas. A escola hoje teria

    como uma das funções alfabetizar na perspectiva do letramento. Nesse sentido,

    altera-se o foco do tratamento pedagógico da leitura e da escrita, que é, como se

    vem retomando constantemente, tradicional. Torna-se fundamental considerar os

    diferentes usos e funções sociais da escrita como norte para a prática escolar.

    A relação dos sujeitos com a leitura e com a escrita é diferenciada de acordo

    com o contexto sociocultural em que estamos inseridos (urbano, rural, periferia das

    grandes cidades) e com as mudanças e transformações que ocorrem no contexto

    social mais amplo. Ou seja, esta não é uma relação neutra, homogênea,

    descontextualizada, desvinculada da realidade na qual estamos imersos. Usa-se a

    leitura e a escrita de acordo com a necessidade, definidas por pelos sujeitos, mas

    também de acordo com as demandas que o meio social impõe. Assim, utiliza-se a

    leitura e a escrita de diferentes formas, em diferentes contextos no trabalho, na

    família, na escola e em outros espaços com os quais o indivíduo convive.

    De acordo com as constatações de Soares (1998), é a partir das mudanças e

    transformações sociais em torno do uso e das funções da escrita na sociedade que

    surge o conceito de “letramento” para indicar e explicar um fenômeno para além da

    alfabetização, como domínio do código da escrita, por meio do processo de

    codificação e decodificação. Isto é, surge a necessidade de se fazer uso adequado

    das mudanças em torno da leitura e da escrita, praticá-lo socialmente, aprender a

    encontrar a informação no material escrito e posicionar-se criticamente em torno

    dele.

    O conceito de letramento começou a ser pensado e elaborado no Brasil

    recentemente. O termo apareceu pela primeira vez pela linguista Mary Kato em

    meados da década de 1980, na obra No mundo da escrita: uma perspectiva

    psicolinguística, a qual passou a significar um referencial no discurso da educação. A

  • 47

    partir daí, tem sido definido de diferentes formas. O termo se originoue de uma

    versão feita da palavra da língua inglesa literacy, com a representação etimológica

    de estado, condição ou qualidade de ser literate, e literateé definid