a crítica de eça de queirós
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7/24/2019 A Crtica de Ea de Queirs
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A crtica de Ea de Queirs ao clero e sociedade lisboeta oitocentista. Eloi Andre Trinks [pgina 1/9]
Nau Literria: crtica e teoria de literaturas seer.ufrgs.br/NauLiterariaISSN 1981-45! ""#-L$%-&'(#S "orto )legre *ol. +8 N. + ,ul/de +1Dossi: Literatura Portuguesa Sculos XX!XX
A crtica de Ea de Queirs ao clero
e sociedade lisboeta oitocentista
Eloi Andre Tinks*
Resumo:Anlise da vida do escritor portugus Ea deQueirs e de suas obras, O Primo Baslio e O Crimedo Padre Amaro, com nfase nos personagensprincipais; o clero e a sociedade portuguesa do sculoXIX; a presena de traos autobiogrficos; e ainfluncia do romanceMadame Bovaryde Flaubert na
construo do papel de Luisa de O Primo Baslio.Anlise dos dois romances e de textos crticos que sepropuseram a examinar os referidos romances, a vidae a obra do autor. H considerveis evidncias demarcas da experincia de sua vida pessoal nas criticassobre o comportamento adltero feminino e tambmao desregramento e falncia de valores morais dasociedade burguesa lusitana oitocentista. Semelhanaspodem ser atestadas na comparao da construo dosdois romances em anlise. Apesar da certeza dadedicao de Ea nos estudos sobre a obra Madame
Bovary, de Flaubert, no h muitas semelhanas nopapel de Luisa e Ema Bovary, mesmo que os
adultrios cometidos pelas duas tenham chocado asociedade portuguesa e francesa contemporneas publicao dos romances.
Palavras-chave: crtica, comportamento, adultrio,clero, feminino, oitocentista
Abstract: The article proposes a critical analysis ofthe Portuguese writer Ea de Queirs life and hisnovels O Primo Baslioand O Crime do Padre
Amaro,with emphasis on the main characters; theclergy and the Lisbons nineteen century's society invision of the author; the presence of autobiographical
marks; and and the influence of the novel MadameBovary, written by the French author GustaveFlaubert, in the construction of the role of Luisa in thenovel O Primo Baslio. In search of arguments tosupport this claims by analysing the two novels andcritical texts that sought to analyse them, as wellas the life and work of the author, it is possible toconclude that there are strong evidence of marks ofpersonal life experiences in the critics of theadulterous women behaviour and also to thelawlessness and moral bankruptcy of the nineteencentury Lusitanian's society. Some similarities can bedemonstrated in the comparison of these two novels
construction. Despite the assurance of the authorsdedication to study the Madame Bovary novel (writtenby Flaubert) there are not many similarities betweenthe roles of Ema Bovary and Luisa, and even thoughthe two adulterous cases have shocked the French andPortuguese contemporary societies when these novelswere publicized.
Keywords:critical, behavior, adultery, clergy, female,nineteen-century
Ao nascer em 1845, a vida do pequeno Ea logo assumiria rumos no convencionais.
Aps batizado, um ms depois do seu nascimento, foi educado por uma modesta famlia de
Vila do Conde. Seus pais o visitavam frequentemente, mas s foi legitimado como filho aps
o casamento que ocorreu em 1849, mesmo assim, no foi morar com eles. Alguns anos
depois, foi levado casa dos avs paternos. Aos dez anos, aps a morte dos avs, foi
internado no colgio da Lapa, no Porto. Em 1861, ingressou na faculdade de Direito em
Coimbra, com passagem apagada durante o curso.
*Graduando em Letras (UFRGS).
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Formado em 1866, retornou a Lisboa, vindo a residir na casa dos pais. Escreveu para
diversos peridicos, revelando desde logo o pendor para as letras. Sua postura crtica
provavelmente iniciou-se nos primeiros anos de vida em que foi educado na ausncia dos
pais. A ateno dedicada pelos seus tutores no o impediu de meditar sobre as razes que
teriam vedado seu convvio com os pais, diferentemente das outras crianas. Aprofundou
essas anlises mais tarde quando residia com os avs paternos, sem que para isso recorresse
aos quem dele cuidavam, mas atravs do sua aguada capacidade de observao. Perspicaz,
aprendeu desde logo e com discrio a ler as falsidades que pairavam sob as aparentes
verdades, sentimento que o aconselhara a postura sempre defensiva. As curiosidades j se
vinham acompanhadas de apreenso sobre o que poderia vir tona. Essa capacidade de
observar com ateno se intensificou na universidade em Coimbra. Aprendeu a descobrir as
verdades por si mesmo, tendo, assim, desvendado os segredos que ocultavam os fatos dos
seus primeiro anos de vida desde o nascimento at a consumao do casamento dos pais
quatro anos depois. Essas descobertas sobre sua infncia, a rejeio dos pais, acercaram-no
agora como adulto, de incertezas e inseguranas. Tais experincias devem ter contribudo para
que nele aflorasse o veio crtico presente desde suas primeiras produes editoriais, aps a
concluso do curso de direito em Coimbra, na direo do jornal de oposio poltica, O
Distrito de vora.
Seus primeiros textos literrios so folhetins publicados de 1866 a 1867 na Gazeta de
Portugale compilados posteriormente em 1893 no volume Prosas Brbaras. Percebe-se um
intervalo na produo desses folhetins entre janeiro e outubro de 1867, perodo no qual se
dedicou a redao doDistrito de vora, deixando de lado a ateno ao lirismo e humor, e
focando sua produo integralmente na atividade crtica e doutrinria de cunho democrtico,
para defender os assalariados, denunciar a demagogia eleitoreira, entre outros setores. De
forma mais irnica, atravs da fico e crnicas mordazes, criticou a sociedade portuguesa do
sculo corrente.A imprecisa personalidade permitia-lhe transitar em diversas ocupaes conforme lhe
era exigido. No teatro, pde dar forma a diferentes papis, ora opulento, ora nobre, revezando
com traos de aldeo entre outros. As encenaes teatrais aos poucos o aproximaram da
literatura.
O jovem Ea, aos 21 anos, abandona Coimbra e se instala em Lisboa, trazendo
consigo os traos de personalidade que permeiam seu comportamento da para adiante. As
leituras e os contatos com renomados autores em Coimbra o influenciam em Lisboa. Nacapital, encontra uma execrvel realidade, uma sociedade contaminada, desencaminhada,
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viciada em maus hbitos. Encontra nela as condies propcias para se embrenhar no
Realismo.
As leituras e sua timidez fizeram-no desconfiar da sinceridade da mulher. Mais tarde,
seu senso analtico lhe mostrou no ter nascido para despertar acaloradas paixes nas
mulheres. Essas lhe causavam uma agitao nervosa, ele as via com expresses carregadas de
sarcasmo. Tentava mostrar uma postura de desprezo diante delas.
Marcas de experincias da sua vida real podem ser presenciadas na escolha da cidade
de Leiria como palco da trama de O Crime do Padre Amaro,uma vez que ele prprio havia
desempenhado a funo de administrador da cidade e cuja burocracia civil conhecia
profundamente. Por isso, pode descrever seu funcionamento em cenas recheadas de ironia.
Ao rejeitar o filho ilegtimo com Amlia, mandando entreg-lo a uma senhora
conhecida por fazer desaparecer crianas no desejadas, reproduziu, de forma inequvoca, o
tratamento que recebera dos pais. Logo aps vir ao mundo, foi entregue a outra famlia para
ser criado por ser tambm uma criana nascida de pais cuja unio no era legtima.
Ainda em Leiria, Ea hospedara-se numa casa de famlia que muito lhe valera na
produo de O Crime do Padre Amaro, pois a referida casa era frequentada por padres e
beatas, assunto que recebeu muitas pginas no romance. Teceu uma crtica mais contundente
na colaborao com Ramalho Ortigo nos anos de 1871/72 em As Farpas, no qual, seu
primeiro texto criticava a vida social portuguesa.
O primeiro texto queirosiano para As Farpas, em junho de 1871, uma radical
condenao de todos os aspectos da vida social portuguesa do tempo, em que apenas se
verificara (LOPES; SARAIVA, p. 862): o progresso da decadncia desde o sistema
parlamentar da Carta aos partidos, religio burocratizada pelo Estado, Coroa, a um
funcionalismo hipertrofiado.
Sua crtica teve como alvo praticamente todos os setores da sociedade lisboeta da
poca. Alm dos mencionados, no escapam tambm a imprensa, a poesia, o romancesentimental, o teatro, os agentes econmicos. Mostrou especial preocupao com a deficiente
educao das mulheres da burguesia lisboeta, segundo ele, s preparadas para o casamento
rico, a ociosidade no reduto do lar, cujos encargos cabiam totalmente s criadas ou amas;
beatice e s fantasias sentimentais, sendo esse tema no apenas objeto do primeiro artigo, mas
de outros posteriores, o que determinar a importncia que o adultrio ou desatino feminino
teria na literatura queirosiana.
O clero receber especial ateno de sua crtica no romance O Crime do Padre Amaro.
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Ea, aps a edio inicial desse romance, publicou duas novas verses com
substanciais alteraes. Na terceira verso, Ea atribui s personagens principais certa aurola
de sentimentos ntimos que o prprio narrador usa para justificar as transgresses morais e
atenuar ou desprezar esses atos que atentam ao que seria o comportamento politicamente
correto esperado das personagens.
Em todas as verses, configura-se uma contundente crtica ao clero catlico, de
recorrente presena nos lares burgueses, tema explorado em As Farpas e em outros livros.
Explora essa situao em O Crime do Padre Amaro, no qual se testemunha o Cnego Dias
frequentando diariamente a casa da S. Joaneira, ao qual se junta o Padre Amaro, assim que
chega em Leiria, onde se tornaria proco.
Avulta no O Crime do Padre Amaro ingredientes explcitos de stira anticlerical como
no banquete que rene padres de toda a regio circunvizinha de Leiria. Nesse encontro de
religiosos, Amaro, ainda novo na cidade, se depara com as mais indignas manifestaes dos
presentes: cinismo, insensibilidade desumana, violncia inquisitorial. Aps alguns generosos
goles de vinho, o verbo se solta entre os clricos, cada um relatando experincias diversas
para obter favores e dinheiro para sua parquia. No meio dessa animada conversa que causa
estranheza e assombro ao Padre Amaro, o Padre Natrio conta como usa a confisso para
arrecadar alguns fundos (QUEIRS, 2004, p. 105): O que eu quero dizer que um meio de
persuaso, de saber o que se passa, de dirigir o rebanho aqui ou para ali..e quando para o
servio de Deus uma arma..
Machado de Assis publicou um texto crtico sobre O Crime do Padre Amaro e O
Primo Baslio. O expoente maior da nossa literatura se pronunciou sobre o personagem do
Padre Amaro, corroborando a viso crtica de Ea, ao comentar: o Padre Amaro vive numa
cidade de provncia, no meio de mulheres, ao lado de outros que do sacerdcio s tem a
batina e as propinas... (MACHADO DE ASSIS, 1986, p. 904).
A postura de Ea em relao vida social pode ser vista na construo daspersonagens nos seus primeiros romances realistas: O Crime do Padre Amaro e O Primo
Baslio.
Em sua primeira novela, Ru Tadeu, Ea j d sinais de como v a evoluo de um
casamento, descrevendo as etapas que fatalmente levaro a esposa a buscar a liberdade:
Uma mulher, depois de um ms casada, pede ar, abafa, sufoca: vai janela, olha toda a cidade,desaperta o colar, sente-se esmagada, escravizada, comprada: e se passar na rua, nessemomento, um homem com os olhos mais lindos que os do marido, chama-os para seu seio...
(SACRAMENTO, 2002, p. 57)
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Percebe-se a o que mais tarde se torna o tema principal de O Primo Baslio: Luisa,
sentindo-se entediada, enfastiada, corre aos braos do seu primo; tambm a traio ao celibato
por Amaro deu-se por estar vestindo a batina sem ter vocao ao sacerdcio e por se sentir
deslocado dentro dos quadros clericais. Amaro torna-se padre sem vocao para tal; Luisa
casa com Jorge sem am-lo; os remorsos de Luisa so insuficientes para evitar a continuao
dos encontros com Baslio; e Amlia e Amaro tambm no se sentem culpados a ponto de
resistir tentao e a seus impulsos.
Tanto Luisa como Amlia so desocupadas, e o tempo ocioso acaba contribuindo e
favorecendo o envolvimento em romances proibidos por fora do impulso sexual.
Nas personagens religiosas edificadas por Ea, transbordam habilidades
argumentativas para justificar aos interlocutores, e a si mesmos na suas introspeces,
qualquer atitude como autorizada por Deus ou pelas leis da Igreja. Amlia, por sua vez,
fruto de um meio em que prevalece a ociosidade de afazeres, a devoo a Deus como modo
de vida, a crena na palavra dos religiosos. Ea confere a Amlia todos os atributos que a
tornam objeto de desejo de Amaro, que desde a infncia j experimenta momentos de
curiosidade libidinosa diante de mulheres com as quais convive. A fragilidade das convices
religiosas de Amaro torna-o presa fcil dos impulsos carnais despertados ao primeiro contato
com Amlia. A jovem filha da viva S. Joaneira, sustentada por dois clrigos, convive com a
presena diria do cnego Dias, que se considera membro da famlia. A proximidade com o
Cnego, as intimidades desse com sua me criam o ambiente para que simpatize com o jovem
e atraente Padre, recentemente chegado cidade e mais precisamente em sua casa.
Amlia a personificao dos desejos sexuais reprimidos em Amaro: bela, simples,
despida de formao moral mais slida, tem como exemplo a me, cuja conduta no nada
edificante aos olhos da moral. A falta de prticas modeladoras da comportamento e sua frgil
formao de personalidade fazem-na escrava dos desejos da carne, que diante das reflexes de
sentimento de culpa se agigantam, suplantando as ltimas. Seus argumentos introspectivoscontra a tentao de se entregar aos braos de Amaro so sempre frgeis: ser amada por um
padre, chamaria sobre ela o interesse, a amizade de Deus (QUEIRS, 2004, p. 284), mais
frgeis dos que lhe empurravam adiante em busca dos desejos da carne: Vivia com os olhos
nele, numa obedincia animal, tinha s a curvar-se quando ele falava (QUEIRS, 2004, p.
282).
Ea constri o caminho propcio ao enlace carnal de Amaro e Amlia, aliando a
sagacidade argumentativa do padre, que nas suas reflexes sempre encontra justificativas queanulam as tentativas contrrias s transgresses pessoais contra regras eclesisticas: O seu
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amor era pois uma transgresso cannica, no um pecado da alma:... ; E o senhor Bispo se
nao fosse to velho, faria o mesmo; e o Papa faria o mesmo! (QUEIRS, 2004, p.136)
pela sua eficiente e convincente retrica que submete Amlia inteiramente aos seus desgnios.
No desfecho do romance, Ea seguiu uma tradio presente nos chamados romances
do adultrio feminino: o destino dos homens envolvidos nos escndalos de transgresses da
moral e dos bons costumes era sempre sereno, sem maiores punies, em mais uma forma de
reforar sua posio em relao ao agravamento conferido aos desvios de conduta por parte
das mulheres. Apesar de reconhecer que as mulheres da sociedade portuguesa oitocentista
eram mal preparadas para o relacionamento com os homens, no as poupava nos finais dos
romances como no O Crime do Padre Amaro e em O Primo Baslio: no primeiro, Amlia
morre tragicamente aps dar luz, como soluo situao de constrangimento que se criaria
se viesse a tona o fato que havia gerado um filho do sacerdote; no segundo, Luisa morre de
desgosto aps ter sido abandonada por Baslio. Nos dois romances, os homens envolvidos
nessas condutas imprprias saem ilesos, sendo que, em O Crime do Padre Amaro, o
protagonista, alguns anos aps a morte de Amlia e do seu filho, encontrado em Lisboa,
conduzindo serenamente uma nova parquia. E, em O Primo Baslio, este segue viagem para
Paris, onde leva sua vida sem maiores atribulaes, pelo menos no pela morte de Luisa e
pelos transtornos que causara na sua famlia.
O adultrio aparece em muitos romances de todas pocas e culturas. No entanto, os
romances do sculo XIX descrevem-no de maneira indulgente e raramente na situao de
tema central das obras. O Crime do Padre Amarose constitui exceo, uma vez que trata de
membros da Igreja. Ea, provavelmente, antes de pretender escrever um romance de adultrio
masculino, intencionava fazer uma crtica veemente ao clero.
OPrimo Baslio tinha como objetivo primeiro pintar um pequeno quadro domstico,
extremamente familiar tpico da burguesia lisboeta. Luisa faz uma senhora sentimental, com
deficiente educao para viver como esposa nos moldes da famlia burguesa. Sua personagem marcada por flagrante pobreza espiritual, sem preocupao de sanes morais, lrica,
excitada no temperamento pela ociosidade, luxuriosa, entre outras caractersticas comuns nas
esposas das famlias da sociedade urbana de Lisboa no sculo XIX.
Segundo Mario Sacramento, Ea no nos faz sentir importante em Luisa o devaneio
sentimental. Entende a personagem bem convicta da sua condio de esposa de Jorge. O que a
acomete o abatimento resultante do tdio enquanto o marido est no Alentejo a trabalho, o
que justifica a traio ao marido. Luisa se caracteriza pela ausncia de conscincia moral,segundo o prprio Ea.
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Pela falta de marcas de personalidade e at de sentimentos da protagonista, podemos
considerar O crime do Padre Amarocomo verdadeiro romance de adultrio.
Nota-se na personagem de Luisa, de O Primo Baslio, influncia de Ema Bovary, do
romanceMadame Bovaryde Flaubert.
Ea lera Flaubert quando escrevia para a Gazeta. Naquela poca, via nele um dos
poetas do mal (SACRAMENTO, 2002, p. 76): Era com Poe e Baudelaire, o artista e
vingador de odiosa materialidadee que, para manifestar ao mundo sua indignao, escrevera
Madame Bovary . Ea revelava que lera Madame Bovary , pois as referncias feitas no
folhetimA Gazeta,no poderiam ser resultado de mera imaginao. Publicou sobre a obra de
Flaubert alguns comentrios ensasticos, sendo que em um deles descreveu Ema como ( 2002,
p.77) um pobre ser humano em quem uma falsa educao despertou o desejo ridculo de ter
asas. Percebia-se, nesse comentrio, a crtica maneira como as mulheres eram
influenciadas pelo pensamento ps-revoluo francesa. Apesar de dedicar linhas no seu
folhetim a Madame Bovary, esse romance pouca interesse lhe causara; porm, aos poucos
deixa-se embeber no esprito de Flaubert.
Para Ea, os chamadospoetas do mal mostravam a luta contra a sociedade em que o
esprito era abafado pelos acontecimentos. Viam nesse tema apenas um produto da qual
nascia sua arte. Para Ea, aps esse frenesi crtico, a maioria dos escritores se refugiou dos
problemas do seu tempo, sendo que o nico a manter-se na linha de frente era Flaubert ( 2002,
p. 98): Flaubert toma uma posio mais curiosa: de triste refugiado do mundo, desce arena
vestido de mais fulgente armadura.. Passou a ver nele uma luz, um exemplo de homem
comprometido com o combate pelo justo, belo e verdadeiro. Ea comenta sobre Madame
Bovary, (2002, p. 99): o adultrio aparece-nos a, pela primeira vez debaixo de sua forma
anatmica, nu, retalhado e descosido fibra a fibra.
Agora v em Flaubert o verdadeiro defensor da virtude do casamento que buscou,
atravs da crtica aos maus costumes, a indissolvel harmonia pelo belo, pelo justo e peloverdadeiro, colaborando para o ressurgimento de uma sociedade esquecida dos seus
mandamentos fundamentais. V nele um exemplo de revolucionrio e criador do Realismo.
Segundo Ea, o realismo a base filosfica para as concepes de esprito. Pela exaltao que
faz a Flaubert e sua obra revolucionria, verifica-se que escreve O Primo Baslio sob
influncia dos pensamentos do autor francs.
Ea perseguia os sistemas morais e, ao construir o papel de Luisa, conseguiu atribuir-
lhe uma personagem pautado pelo tdio que, para viver uma experincia excitante, se entregaa Baslio. A protagonista representa a fase que se segue a do Crime do Padre Amaro, e est
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para Ea como Ema est para Flaubert. No entanto, a personagem de madame Bovary oscila
entre dois polos, incapaz de repouso. Ema desde o casamento fantasia uma vida ao lado de um
conceituado mdico, o que por si s j a satisfaria, pois o que busca uma posio social
prestigiada ao lado de um marido, um profissional de sucesso. Charles queria impressionar a
esposa com procedimentos cirrgicos que lhe trariam notoriedade, tanto que se lana numa
aventura complexa e para a qual no estava preparado, mas apostava reverter a situao com
Ema:
O pobre Bovary assim levado a sua aventura cirrgica; Ema aguarda com toda confiana dosseus sonhos o resultado da interveno: e quando a experincia fracassa, a decepo que a tomaenche-a de razo: ai do vencido.. ( 2002, p. 139)
Luisa, por sua vez, navega conforme as ondas: ora se entrega languidamente aos
braos pecadores de Baslio, ora recebe seu marido que retorna de viagem como se estivessecom o desejo sexual a flor da pele (2002, p. 139): Quando est com o amante, pensa no
marido: e quando este retorna do Alentejo, recebe-o com alvoroo de uma nova aventura.
Fica bem caracterizado nessa passagem que Luisa no v o casamento como um compromisso
que exija comportamento de fidelidade, como se desconhecesse os compromissos de lealdade
de uma mulher casada.
No podemos desconsiderar que as sociedades parisienses e lisboetas tivessem as suas
particularidades. O projeto de Flaubert visava mostrar que a mulher no era desprovida degenialidade, de vontade prpria, enquanto que Ea pretendia mostrar as mazelas da sociedade
lisboeta, traduzindo na personagem de Luisa o que via nos ncleos familiares da pequena
burguesia oitocentista. O escritor portugus tencionava denunciar o comportamento quase que
leviano da sociedade da capital portuguesa, antes que infligir o remorso s pessoas que
cometiam adultrio nas famlias.
Analisando as personagens de Ema Bovary e de Luisa, encontramos mais contrastes
que pontos comuns. Contudo, Ea impregnou-se do Bovarismo que pairava nos ares europeus
aps a publicao deMadame Bovary, principalmente por haver evidncias de que Ea no s
leu o romance de Flaubert, como tambm o comentou criticamente nos folhetins da Gazeta.
Ea provocou muita polmica com a personagem de Luisa, pois mereceu uma ateno
crtica de Machado de Assis.
Machado no poupou crticas aos dois primeiros romances de Ea, dedicando mais
ateno a personagem de Luisa, assim qualificada: Luisa um carter negativo, e no meio da
ao idealizada pelo autor, antes um ttere do que uma pessoa moral. (MACHADO DE
ASSIS, 1986, p. 904). Em muitos aspectos, Machado estava com a razo, ao caracterizar a
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protagonista de OPrimo Baslio. No entanto, parece tambm haver alguns exageros de sua
parte, ao rebaixar a forma como Ea conduziu o andamento do romance. Causa estranheza a
crtica ao episdio das cartas de que a empregada Juliana se apossa para chantagear a patroa.
Alega que Ea valeu-se de um artifcio deslocado e incoerente. Poderia at parecer
inverossmil que Juliana se apoderasse das cartas para pressionar Luisa, se ao longo do
romance no mostrasse sua insatisfao com o mau tratamento recebido.
O leitor de Machado no pode ignorar que os dois escritores possuem posicionamentos
diferentes diante do assunto adultrio.Em Quincas Borba, no fica explcito ter havido traio
por parte da esposa de Palha; se houve, foi imaginrio. Em Dom Casmurro, o caso de Capitu
gera dvida at hoje. Nos romances de Ea, no h preocupao do autor em atribuir s
personagens de Padre Amaro, Amlia ou Luisa qualidades morais que os fizessem se remoer
de arrependimentos por causa de suas condutas imorais.
H algumas semelhanas na conduo dos romances de O crime do Padre Amaro e O
Primo Baslio, alm da crtica sociedade e ao clero portugus. Nas personagens de Amlia e
Luisa, verifica-se a habilidade em tocar piano, o que parece ser uma marca da burguesia da
poca. Em ambos os livros, exibem-se as condies deprimentes dos cmodos nos quais
ocorrem os relacionamentos carnais entre os pecadores: a casa pauprrima do sineiro da
parquia de Amaro e o paraso que serve de palco para Baslio e Luisa. Os dois romances
mantm afastadas as pessoas dos locais onde ocorre o desatamento dos ns principais: durante
a gravidez, at o parto de Amlia, sua me e todos os conhecidos da famlia esto na praia,
alheios aos acontecimentos em Leiria. Em O Primo Baslio, Jorge e Luisa assistem a uma
pera, enquanto so recuperadas, de forma no amistosa, das mos de Juliana, as cartas
comprometedoras. Amaro torna-se padre sem vocao para tal; Luisa casa com Jorge sem
am-lo e no sente remorso suficiente para evitar a continuao dos encontros com Baslio; o
peso da conscincia tambm no evita que Amaro e Amlia continuem se encontrando. Tanto
Luisa como Amlia so desocupadas, e seu tempo ocioso as induz a se envolver em romancesproibidos.
Referncias
MACHADO DE ASSIS, J. Maria. Obra Completa. So Paulo: Nova Aguilar. 1986. Volume III.
QUEIRS, Ea de. O Primo Baslio. 10. ed. So Paulo: tica, 1989.
QUEIRS, Ea de. O Crime do Padre Amaro. So Paulo: Martin Claret, 2004.
SACRAMENTO, Mrio. Ea de Queirs: Uma esttica da ironia. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda,2002.
SARAIVA, A. J.; LOPES, Oscar.Histria da Literatura Portuguesa. 17. ed. Porto: Porto, s.d.
SARAIVA, Juracy A.Nos Labirintos de Dom Casmurro. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005.