a construção do cérebro

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A Construção do Cérebro Cientistas mostram que as experiências durante a infância alimentam os circuitos nervosos e determinam o futuro da inteligência. Pesquisadores de diversas partes do mundo estão descobrindo que há etapas definidas para o desenvolvimento do cérebro das crianças, e informam que a inteligência, a sensibilidade e a linguagem podem e devem ser aprimoradas na escola, no clube e, especialmente, dentro de casa. E maior surpresa: o gosto pela ciência, pela arte e pelas línguas ocorre muito mais cedo do que se imaginava. Os 400 gramas de massa cinzenta de um recém-nascido guardam os neurônios de toda uma vida. As conexões, entretanto, ainda não estão totalmente desenvolvidas. As fibras nervosas capazes de ativar o cérebro têm de ser construídas, e o são pelas exigências, pelos desafios e estímulos a que uma criança é submetida, a maior parte entre o nascimento e os 4 anos de idade. “As primeiras experiências da vida são tão importantes que podem mudar por completo a maneira como as pessoas se desenvolvem”, disse o neuropediatra Harry Chugani, Professor da Universidade de Wayne EUA. Conclusão: o cérebro precisa de estímulos. Sem isso, por mais rica que seja a herança genética recebida, nada feito. Os testes clínicos mostraram que bebês que passaram a maior parte de seu primeiro ano de vida dentro de um berço, sem maiores contatos físicos, têm um desenvolvimento anormal. Pouco estimuladas, não desenvolveram os sentidos de equilíbrio e localização corporal, escreveu a neorobiologista Carla Shatz, professora da Universidade da Califórnia.

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Há etapas definidas para o desenvolvimento do cérebro das crianças. A inteligência, a sensibilidade e a linguagem devem ser aprimoradas na escola, no clube e, especialmente, dentro de casa.

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A Construo do Crebro

A Construo do Crebro

Cientistas mostram que as experincias durante a infncia alimentam os circuitos nervosos e determinam o futuro da inteligncia.

Pesquisadores de diversas partes do mundo esto descobrindo que h etapas definidas para o desenvolvimento do crebro das crianas, e informam que a inteligncia, a sensibilidade e a linguagem podem e devem ser aprimoradas na escola, no clube e, especialmente, dentro de casa. E maior surpresa: o gosto pela cincia, pela arte e pelas lnguas ocorre muito mais cedo do que se imaginava.

Os 400 gramas de massa cinzenta de um recm-nascido guardam os neurnios de toda uma vida. As conexes, entretanto, ainda no esto totalmente desenvolvidas. As fibras nervosas capazes de ativar o crebro tm de ser construdas, e o so pelas exigncias, pelos desafios e estmulos a que uma criana submetida, a maior parte entre o nascimento e os 4 anos de idade.

As primeiras experincias da vida so to importantes que podem mudar por completo a maneira como as pessoas se desenvolvem, disse o neuropediatra Harry Chugani, Professor da Universidade de Wayne EUA. Concluso: o crebro precisa de estmulos. Sem isso, por mais rica que seja a herana gentica recebida, nada feito.

Os testes clnicos mostraram que bebs que passaram a maior parte de seu primeiro ano de vida dentro de um bero, sem maiores contatos fsicos, tm um desenvolvimento anormal. Pouco estimuladas, no desenvolveram os sentidos de equilbrio e localizao corporal, escreveu a neorobiologista Carla Shatz, professora da Universidade da Califrnia.

A partir dessas constataes, os neurobiologistas comearam a estudar o que chamam de janelas de oportunidades. Da mesma forma que o sentido da viso depende de conexes feitas at os dois anos, e que os circuitos da linguagem se consolidam at um mximo de dez anos, eles julgaram lcito cogitar que outros dons podiam ter tambm janelas de oportunidades que, uma vez exploradas conduziriam a adultos com determinadas capacidades.

Confirmado. Musicalidade, raciocnio lgico-matemtico, inteligncia espacial, capacidades relativas aos movimentos do corpo, entre outras, dependem de circuitos que so plugados logo na primeira infncia, poca em que a criana aprende a aprender. O tempo essencial. No se pode ultrapassar a idade de maturao cerebral, afirma o neuropediatra Mauro Muszkat, professor da Universidade Federal de So Paulo. Imagens tomogrficas de crebros de crianas desde o nascimento at os 12 meses de vida mostram esse esforo emocionante que as crianas fazem para amadurecer.

Desde o nascimento, a massa enceflica vai acelerando seu nvel metablico e intensifica-se a atividade mental. As mesmas imagens, quando coletadas num adulto de 28 anos, porm, mostram que o tempo joga contra. O dnamo cerebral de uma criana de 1 ano mais carregado do que do adulto, mesmo que ela mal consiga balbuciar pap e mam enquanto o adulto se delicia com alta literatura.

A msica um dos estmulos mais potentes para ativar os circuitos do crebro. A janela de oportunidades musical abre-se aos 3 e fecha-se aos 10 anos. No por acaso, conhecem-se to poucos concertistas que tenham iniciado no aprendizado musical depois de iniciada a adolescncia. Em outubro de 1995, pesquisadores da Universidade de Konstanz, Alemanha, estudaram o crebro de nove msicos destros, do naipe de cordas de uma orquestra local. Graas ao exame de ressonncia nuclear magntica, perceberam que as pores cerebrais relacionadas aos movimentos do polegar e do dedo mindinho da mo esquerda eram maiores do que entre os no msicos. Nessa diferena, no importava a quantidade de horas dedicadas no estudo musical, e sim, em que idade eles haviam sido apresentados aos instrumentos sempre cedo.

Mas a msica no serve apenas para incentivar as crianas a ler uma partitura, apreciar um concerto mais tarde e, quem sabe, evitar que se tornem metaleiras insuportveis. capaz de imprimir no crebro a compreenso da melodia das prprias palavras. Aos 8 anos, o poeta ingls W.H. Auden (1907-1973) era submetido a sesses opersticas intensas por sua me, Constance Rosalie. Ela gostava especialmente de Tristo e Isolda, de Wagner, e reproduzia com Auden os duetos da obra. Estaria a uma possvel explicao para a extraordinria musicalidade dos poemas de Auden, feitos mais para ser lidos em voz alta.

A diviso meldica das obras clssicas exige um tipo de automatismo matemtico acurado. Essa seria a razo porque as conexes nervosas acionadas ao se executar uma pea estejam to prximas do crtex cerebral esquerdo, daquelas usadas ao se fazer uma operao aritmtica ou lgica. A msica relaciona-se ainda a outros dons, como a capacidade de percepo de sons sutis. O professor neurologista Luiz Celso Vilanova j observou que os alunos de medicina habituados a ouvir msica clssica tm maior facilidade para auscultar coraes e pulmes. Gordon Shaw e Frances Rauscher, da Universidade da Califrnia, num trabalho com dezenove pr-escolares, descobriram que, aps oito meses de aulas de piano e canto, as crianas se saram muito melhor na cpia de desenhos geomtricos do que as que no tiveram aulas de msica. Os pequenos msicos eram melhores na percepo espacial e muito mais eficientes, por exemplo, no jogo de quebra-cabea. Mozart neles, ento. E rpido.

De todas essas pesquisas, a concluso inevitvel que quanto mais se expuser a criana a estmulos benficos, mais ela poder aproveitar as potencialidades de seu crebro. A influncia do ambiente domstico conta. A histria emocional da criana, idem. Mas preciso cuidado. As conseqncias da estimulao exagerada podem ser desastrosas. Respeite os ritmos da criana.

Seria errado supor que possvel programar um crebro infantil a partir de uma seqncia infalvel de estmulos dados por pais e professores. Se fosse, quem quisesse fazer de seu filho um msico s teria o trabalho de entreg-lo a um professor de piano desde cedo. A frmula deu certo com um gnio como Mozart, mas ningum lembra que o mesmo tratamento foi dado a sua irm Maria Anna, chamada carinhosamente pelo compositor de Nannerl. Ningum pode garantir que determinado estmulo gere um comportamento especfico. Para ficar no exemplo do pequeno Auden, cantando rias de Wagner: como nesses ensaios o futuro poeta fazia o papel de Isolda, e sua me o de Tristo, talvez esteja a a explicao no s para a musicalidade de Auden, mas para o seu homossexualismo.

Fonte: Revista Veja Especial, 20/03/96