a concepção socialista da reforma universitária - julio antonio mella

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A concepção socialista da Reforma Universitária Julio Antonio Mella 1 Muito se fala de "Reforma Universitária". O mal- estar e a inquietude existentes entre os estudantes faz com que se ouçam os balbucios de um discurso revolucionário. Em Tren Blindado e em práticas públicas trataremos de desenvolver as bases sociais desse movimento, seus antecedentes históricos, seus princípios fundamentais e tudo aquilo que seja necessário para sua melhor compreensão pela multidão estudantil. O que, primeiramente, precisamos definir é o conceito real da reforma universitária. Há muito palavreado liberal e vazio sobre reforma universitária, uma vez que os elementos que em muitas partes participaram desse movimento eram da burguesia liberal. Mas, se a reforma vai se realizar com seriedade e com espírito revolucionário, não pode ser realizada senão com o espírito socialista, o único espírito revolucionário do momento. As universidades, como outras tantas instituições do presente regime, estão feitas para sustentar e ajudar o domínio da classe que está no poder. Crer que os intelectuais, ou as instituições de ensino não têm vinculação com a divisão sociológica em classes de toda sociedade é uma ingenuidade dos míopes políticos. Nunca uma classe sustentou uma instituição, nem muito menos instituições de educação, se não é para seu benefício. É nas universidades, em todas as instituições de ensino, onde se forja a cultura da classe dominante, de onde saem seus servidores no amplo campo da ciência que ela monopoliza. As universidades dos países capitalistas modernos criam advogados, engenheiros, técnicos de toda natureza, para servir aos interesses econômicos da classe 1 Julio Antonio Mella (1903-1929) foi um dos mais importantes líderes estudantis da reforma universitária em Cuba. Junto com Mariatégui, foi um dos primeiros teóricos a impulsionar o marxismo latino-americano criador. O presente artigo foi originalmente publicado pelo autor na revista Tren Blindado, ano I, N° I, de setembro de 1928.

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A concepo socialista da Reforma Universitria

Julio Antonio Mella [footnoteRef:1] [1: Julio Antonio Mella (1903-1929) foi um dos mais importantes lderes estudantis da reforma universitria em Cuba. Junto com Mariatgui, foi um dos primeiros tericos a impulsionar o marxismo latino-americano criador. O presente artigo foi originalmente publicado pelo autor na revista Tren Blindado, ano I, N I, de setembro de 1928.]

Muito se fala de "Reforma Universitria". O mal-estar e a inquietude existentes entre os estudantes faz com que se ouam os balbucios de um discurso revolucionrio. Em Tren Blindado e em prticas pblicas trataremos de desenvolver as bases sociais desse movimento, seus antecedentes histricos, seus princpios fundamentais e tudo aquilo que seja necessrio para sua melhor compreenso pela multido estudantil.O que, primeiramente, precisamos definir o conceito real da reforma universitria. H muito palavreado liberal e vazio sobre reforma universitria, uma vez que os elementos que em muitas partes participaram desse movimento eram da burguesia liberal. Mas, se a reforma vai se realizar com seriedade e com esprito revolucionrio, no pode ser realizada seno com o esprito socialista, o nico esprito revolucionrio do momento.As universidades, como outras tantas instituies do presente regime, esto feitas para sustentar e ajudar o domnio da classe que est no poder. Crer que os intelectuais, ou as instituies de ensino no tm vinculao com a diviso sociolgica em classes de toda sociedade uma ingenuidade dos mopes polticos. Nunca uma classe sustentou uma instituio, nem muito menos instituies de educao, se no para seu benefcio. nas universidades, em todas as instituies de ensino, onde se forja a cultura da classe dominante, de onde saem seus servidores no amplo campo da cincia que ela monopoliza.As universidades dos pases capitalistas modernos criam advogados, engenheiros, tcnicos de toda natureza, para servir aos interesses econmicos da classe dominante: a burguesia capitalista. Se se considera que os mdicos poderiam ser uma exceo, cair-se-ia em um erro grave. Os mdicos que se graduam, em sua imensa maioria, fazem-no para servir em instituies de benefcio coletivo ou para ingressar na burguesia profissional individualista e exploradora? Que muitos mdicos no triunfem, pelas mesmas injustias do presente regime, no indica que a aspirao do grmio no seja essa.Assentado isso, que no necessita ampliar-se para qualquer um que possua uma mdia cultura social, diremos que a reforma universitria deve se realizar com o mesmo conceito geral de todas as reformas dentro da organizao econmica e poltica atual. No h nenhum socialista honesto que suponha factvel reformar toda essa velha sociedade paulatinamente at tirar dela uma nova e flamejante, como nas velhas utopias. A condio primeira para reformar um regime - e isto o h demonstrado sempre a histria - a tomada de poder pela classe detentora dessa reforma. Atualmente, a classe detentora das reformas sociais a classe proletria. Tudo deve convergir a essa finalidade. Mas o fato de que a soluo definitiva seja, nisso, como em outras mil coisas, a revoluo social proletria, no indica que se deva ser alheio s reformas no sentido revolucionrio da palavra, j que no so antagnicos esses conceitos.Uma concepo socialista da luta por melhorar a universidade similar concepo do proletariado em sua ao para melhorar as condies de sua vida e seu meio. Cada avano no uma meta, mas sim um degrau, para seguir ascendendo, ou uma arma a mais que se ganha do inimigo para venc-lo na "luta final".Lutamos por uma universidade mais vinculada com as necessidades dos oprimidos, por uma universidade mais til cincia e no s castas plutocrticas, por uma universidade na qual a moral e o carter dos estudantes no se moldem nem no velho princpio do "magister dixit", nem no individualismo das universidades republicanas da Amrica Latina ou EUA. Queremos uma universidade nova que faa no campo da cultura o que no campo da produo faro as fbricas do porvir sem acionistas parasitrios nem capitalistas exploradores. Sabemos que no o vamos conseguir imediatamente. Mas na simples luta pela obteno desse ideal da universidade do porvir vamos obter um duplo triunfo: agitar conscincias jovens, ganhando redutos na frente educacional contra os inimigos do povo trabalhador, e provar, ante todos os revolucionrios sinceros, que a emancipao definitiva da cultura e de suas instituies no poder ser feita seno conjuntamente com a emancipao dos escravos da produo moderna que so, tambm, os tteres inconscientes do teatro cmico dos regimes polticos modernos.