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1 A Comunicação na Formação Inicial de Professores de Matemática Explicação e Negociação de Significados na Sala de Aula Doutoranda: Kátia Maria de Medeiros Orientador: Profº Doutor João Pedro Mendes da Ponte Sumário 1. Introdução 2 Problema e questões de investigação 2 2. Elementos do quadro teórico 3 A comunicação na sala de aula de Matemática 3 Discurso, concepções e prática lectiva do candidato a professor de Matemática 4 O conhecimento didáctico de Matemática 5 3. Metodologia de Investigação 6 Caracterização 6 Recolha de dados e participantes 6 Análise dos dados 7 4. O Estudo do Caso de Júlia 8 4.1. Apresentação 8 4.2. A comunicação na sala de aula 14 4.2.1.Comunicação e regulação 14 Regras de contrato didáctico, normas sociomatemáticas e regulação 19 4.2.2. Comunicação e desenvolvimento de significados 22 As concepções e práticas de explicação 22 As concepções e práticas de negociação de significados 26 4.2.3. Aulas de Júlia 29 Aula 1: Representando funções 30 Síntese da primeira aula 39 Aula 2: Proporcionalidade: mudando de representação 39 Síntese da segunda aula 48 Aula 3: Proporcionalidade, triângulos, planos nas prateleiras, quilóme- tros e milhas 48 Síntese da terceira aula 65 Aula 4: Lugares geométricos 65 Síntese da quarta aula 79 Síntese do estudo do caso de Júlia 80 Referências 82 Anexo - Categorias de análise 84

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A Comunicação na Formação Inicial de Professores de Matemática

Explicação e Negociação de Significados na Sala de Aula

Doutoranda: Kátia Maria de Medeiros Orientador: Profº Doutor João Pedro Mendes da Ponte Sumário 1. Introdução 2 Problema e questões de investigação 2 2. Elementos do quadro teórico 3 A comunicação na sala de aula de Matemática 3 Discurso, concepções e prática lectiva do candidato a professor de Matemática 4 O conhecimento didáctico de Matemática 5 3. Metodologia de Investigação 6 Caracterização 6 Recolha de dados e participantes 6 Análise dos dados 7 4. O Estudo do Caso de Júlia 8 4.1. Apresentação 8 4.2. A comunicação na sala de aula 14 4.2.1.Comunicação e regulação 14 Regras de contrato didáctico, normas sociomatemáticas e regulação 19 4.2.2. Comunicação e desenvolvimento de significados 22 As concepções e práticas de explicação 22 As concepções e práticas de negociação de significados 26 4.2.3. Aulas de Júlia 29 Aula 1: Representando funções 30 Síntese da primeira aula 39 Aula 2: Proporcionalidade: mudando de representação 39 Síntese da segunda aula 48 Aula 3: Proporcionalidade, triângulos, planos nas prateleiras, quilóme-

tros e milhas 48 Síntese da terceira aula 65 Aula 4: Lugares geométricos 65 Síntese da quarta aula 79 Síntese do estudo do caso de Júlia 80 Referências 82 Anexo - Categorias de análise 84

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Este documento compõe-se de duas partes. Na primeira, Introdução, faço uma

breve apresentação do problema e questões de investigação, quadro teórico e metodolo-

gia deste estudo. Na segunda, apresento o caso de Júlia.

1. Introdução

Problema e questões de investigação

Esta investigação tem como objectivo estudar o modo como o candidato a pro-

fessor encara a comunicação na sala de aula, como regula essa comunicação, os aspec-

tos do conhecimento didáctico de Matemática emergentes de sua prática de comunica-

ção e os factores que influenciam a sua prática de comunicação. As questões decorren-

tes deste objectivo e às quais me proponho responder, são as seguintes:

i. Como o candidato a professor regula a comunicação na sala de aula? Como se processa a regulação nas suas aulas?

ii.Que padrões de interacção se evidenciam nas práticas lectivas do profes-sor de Matemática em formação inicial?

iii.Como é que este professor vê o processo de explicação de ideias mate-máticas? Como se processa a explicação nas suas aulas?

iv.Como o professor de Matemática em formação inicial vê a negociação de significados na sala de aula? Como se processa a negociação nas suas aulas?

v.O professor de Matemática em formação inicial ajusta a sua prática de comunicação às características dos seus alunos? Como?

vi.Quais os factores que influenciam as práticas de comunicação do profes-sor de Matemática em formação inicial?

vii.Quais aspectos do conhecimento didáctico de Matemática do professor emergem de sua prática de comunicação? Como estes aspectos se rela-cionam com sua prática de comunicação?

Formar um professor de Matemática é diferente de formar um matemático. No

entanto, em muitos países, a diferença nos dois processos de formação é ainda muito

pequena. Como formadora de professores de Matemática preocupa-me o problema da

natureza dos processos formativos que podem proporcionar a necessária preparação ao

futuro professor. Além disso, interessa-me conhecer mais sobre a formação inicial do

professor de Matemática, analisando possíveis alternativas ao que ocorre correntemente

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no Brasil, país onde a maior parte dos cursos está ainda baseada no modelo da raciona-

lidade técnica justamente criticado por Schön (1983).

Decidi centrar a minha atenção num aspecto particular da formação inicial do

futuro professor e escolhi para o efeito o tema da comunicação. Esta escolha deve-se ao

facto de a comunicação, embora seja um tema importante desde há muito no campo das

línguas, é tradicionalmente pouco valorizado no ensino de Matemática, cuja imagem de

marca é, muitas vezes, o silêncio, representando a ausência de comunicação. A reduzida

quantidade de pesquisas que focam a comunicação, nomeadamente na formação inicial,

instigou-me a elegê-la como aspecto particular a pesquisar, neste momento da formação

do professor de Matemática.

Ao conhecer diferentes perspectivas teóricas e epistemológicas sobre a comuni-

cação, situo-me, nesta investigação, naquela que atribui aos processos interactivos

desencadeados na sala de aula papel fundamental no desenvolvimento do significado

matemático. Neste sentido, a aprendizagem da condução da comunicação na sala de

aula por parte do futuro professor ocorre, fundamentalmente, através da sua participação

nas interacções verbais com os outros alunos. Esta aprendizagem pode ser mais ou

menos profunda conforme as práticas lectivas do professor e também conforme as opor-

tunidades de reflexão sobre estas interacções existentes no seu processo de formação.

Assim, a comunicação na formação inicial do professor de Matemática é o tema desta

investigação, mas o seu foco é o candidato a professor.

2. Elementos do quadro teórico

A comunicação na sala de aula de Matemática. A comunicação matemática,

constitui um elemento fundamental do trabalho na sala de aula, merecendo cada vez

maior atenção da comunidade de educação matemática (Bishop & Goffree, 1986; Sfard,

2002; Yackel & Cobb, 1996). Longe de ser encarada apenas de modo operacional, como

ocorre no ensino directo (Ponte, 2005), ela é cada vez mais vista como elemento inte-

grante da essência do processo educativo (Sierpinska, 1998).

A comunicação matemática pode ser encarada como objectivo curricular

(NCTM, 1991; PCNEM, 2002; Ponte et al., 2007) e também como elemento do proces-

so de ensino-aprendizagem (NCTM, 2007). Na verdade, muitos autores consideram a

comunicação na sala de aula de Matemática como um factor decisivo deste processo

(por exemplo, Bishop & Goffree, 1986; Lampert & Cobb, 2003; Pimm, 1996; Sfard,

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2002; Yackel & Cobb, 1996). Para Ponte et al. (2007) a comunicação pode também ser

usada como meio de regulação, caso em que não se refere directamente à aprendizagem

da Matemática.

Através da comunicação na sala de aula é possível identificar aspectos funda-

mentais do ensino-aprendizagem, como o papel do professor, o papel do aluno, as con-

cepções de conhecimento de um e de outro (Brousseau, 1996; Machado, 2005), as nor-

mas sociomatemáticas (Yackel & Cobb, 1996) e o contrato didáctico (Brousseau, 1996;

Medeiros, 2001), os quais permitem a interpretação das interacções que ocorrem na sala

de aula.

Nessas interacções, podemos identificar a explicação de ideias matemáticas, que

pode ser feita pelo professor (Bishop & Goffree, 1986) ou pelo aluno (Yackel & Cobb,

1996). De acordo com Bishop e Goffree (1986), para o candidato a professor de Mate-

mática explicar é frequentemente igual a “dizer”. No entanto, para esses autores, expli-

car é mais que isso. É expor conexões, num processo sem fim de representar conexões

entre a ideia que está sendo explicada e outras ideias. Para o estabelecimento dessas

conexões e melhor se comunicar com os alunos, o candidato a professor pode utilizar

metáforas e analogias, pois estes recursos de linguagem podem contribuir para o aluno

compreender melhor a explicação feita por ele. Uma outra interacção que pode emergir

na sala de aula, segundo Bishop e Goffree (1986) é a negociação de significados. Para

estes autores, a negociação de significados é uma interacção dirigida para um certo

objectivo. Quando aluno e professor concordam com a validade dos exemplos, das

conexões, das metáforas e das analogias, referentes a um conceito matemático, apresen-

tadas por cada um na interacção verbal, estão negociando o significado deste conceito.

Discurso, concepções e prática lectiva do candidato a professor de Matemática.

A Matemática pode ser considerada como uma forma de discurso e o discurso como um

indicador de aprendizagem matemática. Isso implica que a aprendizagem individual se

desenvolve na comunicação com os outros e é dirigida pela necessidade de ajustar seu

modo discursivo ao de outras pessoas. O lugar da aprendizagem é entre as pessoas

(Sfard, 2002).

Em duas pesquisas, uma realizada por Nicol (1999) e outra por Brendefur e Fry-

kholm (2000), o discurso, as concepções e a prática lectiva do candidato a professor de

Matemática são sublinhados como elementos importantes na promoção ou limitação da

aprendizagem dos alunos. Na investigação realizada por Nicol (1999), a autora, em

colaboração com dois colegas, desenhou e ensinou uma disciplina que denominou C & I

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(Currículo e Investigação), tendo em vista levar os candidatos a professor de Matemáti-

ca a aprender a ensinar melhor e de um modo diferente de como aprenderam como alu-

nos. Os investigadores queriam que os candidatos a professor reflectissem criticamente

sobre aspectos de sua prática, problematizassem seu ensino e considerassem o que

poderia e deveria ser feito. Nesta investigação, a comunicação matemática assumiu um

lugar relevante. A autora detalha as tensões desses candidatos a professor de Matemáti-

ca para engajar os alunos no pensamento e comunicação matemática, tendo usado as

categorias questionando, ouvindo e respondendo, para analisar as interacções entre os

candidatos a professor e os alunos na sala de aula.

Pelo seu lado, Brendefur e Frykholm (2000), realizaram um estudo em que iden-

tificaram as concepções e práticas de dois candidatos a professor de Matemática relati-

vas à comunicação na sala de aula. Como ponto de partida distinguem entre comunica-

ção univocal e dialógica, isto é, o monólogo protagonizado pelo professor e o diálogo

entre professor e aluno. Propõem assim quatro construtos para analisar a comunicação

na sala de aula: (i) comunicação unidireccional; (ii) comunicação contributiva; (iii)

comunicação reflexiva; e (iv) comunicação instrutiva. Destes constructos os três últimos

referem-se a diferentes formas de comunicação dialógica. Os resultados empíricos deste

estudo mostram que os dois participantes, embora tenham tido a mesma formação ini-

cial, apresentam concepções e práticas de comunicação contrastantes. Brad, acredita na

comunicação unidireccional. Para ele, os alunos aprendem melhor assistindo à apresen-

tação de exemplos e ouvindo explicações, ao invés de explorando as suas questões no

diálogo com os outros. Back, pelo contrário, não segue um ensino baseado na comuni-

cação unidireccional e chega a desenvolver na sua prática uma comunicação reflexiva.

O conhecimento didáctico de Matemática. Ter um sólido conhecimento matemá-

tico não é suficiente para o professor ter habilidade para ajudar os alunos a desenvolver

uma compreensão conceptual ou relacional da Matemática (Ponte & Chapman, 2008).

Por outro lado, não basta possuir conhecimentos pedagógicos para realizar a actividade

docente de modo satisfatório. Ensinar Matemática exige um amplo conjunto de saberes

e competências designados por conhecimento didáctico de Matemática. Shulman

(1996), afastando-se da tendência que valorizava excessivamente os conhecimentos

pedagógicos, sublinha a necessidade de o professor conhecer bem os conteúdos que

ensina, embora não do mesmo modo do cientista. Para o autor, a actividade do professor

consiste em tornar os conteúdos relevantes e compreensíveis para o aluno. Parte do pro-

blema deste estudo, focaliza o conhecimento didáctico de Matemática relativo à prática

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de comunicação, analisando em que consiste, delimitando a sua natureza, o seu conteú-

do e o modo como se desenvolve.

Ponte (1999) refere que o conhecimento didáctico de Matemática é um conhe-

cimento orientado para a acção e que está presente em quatro grandes domínios: (i) O

conhecimento dos conteúdos de ensino, estando inseridas as suas relações internas e

com outras disciplinas, as suas formas de raciocínio, de argumentação e de validação;

(ii) O conhecimento do currículo, inserindo as finalidades e objectivos e as suas articu-

lações vertical e horizontal; (iii) O conhecimento do aluno, do modo como ele aprende,

dos seus interesses, das suas dificuldades e necessidades mais frequentes, além disso,

dos aspectos culturais e sociais que podem influenciar o seu desempenho escolar; e (iv)

O conhecimento do processo instrucional, na preparação, na realização e na avaliação

da prática lectiva. Este conhecimento, segundo o autor, não está isolado, mas relaciona-

se de modo muito próximo com diversos aspectos do conhecimento pessoal e informal

do professor na vida quotidiana, como o conhecimento do contexto, da escola, da

comunidade, da sociedade e o autoconhecimento do professor.

3. Metodologia de Investigação

Caracterização. O presente estudo segue uma metodologia qualitativa e inter-

pretativa, com um design de estudo de caso (Yin, 2003). São realizados quatro estudos

de caso. Em cada um deles procurarei compreender o modo como o candidato a profes-

sor de Matemática, na fase final da sua formação inicial, encara o processo de comuni-

cação na sala de aula, o modo como gere a comunicação, os aspectos do conhecimento

didáctico de Matemática relacionados com a sua prática de comunicação e quais os fac-

tores que influenciam o processo de comunicação. A unidade de análise é assim o

jovem candidato a professor de Matemática nas suas concepções e práticas de comuni-

cação. O estudo de caso constitui uma abordagem adequada dada a natureza do proble-

ma e as questões de investigação, que envolve perguntas “como” e “por que” (Merriam,

1988; Yin, 2003) – particularmente como o candidato a professor promove a explicação

e a negociação de significados matemáticos e porque razão o faz de certa forma.

Recolha de dados e participantes. Nesta investigação, o campo empírico tem

papel fundamental, sendo a sala de aula de Matemática o local privilegiado para a reco-

lha de dados. Os participantes são dois candidatos a professor de Matemática da Facul-

dade de Ciências da Universidade de Lisboa e dois candidatos da Escola Superior de

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Educação de Lisboa. No primeiro semestre de 2008 uma candidata da Escola Superior

de Educação de Lisboa, participou como integrante do estudo piloto, que tinha como

objectivo ajustar os instrumentos e procedimentos de recolha de dados.

Os dados estão sendo recolhidos principalmente por observação e por entrevis-

tas e são complementados por uma tarefa envolvendo interpretação de situações de

ensino referentes à prática lectiva do candidato a professor. As observações são regista-

das através de videogravações e notas de campo. Nas entrevistas estão sendo usadas

audiogravações para o registro, nas conversas, que são entrevistas pedindo às candidatas

as professoras que comentem fragmentos das videogravações de suas aulas. Foram usa-

das audiogravações e o registro escrito das candidatas a professoras, com sua interpreta-

ção do fragmento assitido. Nas interpretações de situação de ensino, pedi para que as

candidatas a professoras escrevessem sobre sua interpretação sobre fragmentos de

videogravação de aulas de outro professor.

Análise dos dados. A análise de dados será feita ao longo de todo o processo de

investigação. Para isso, adopto o modelo de análise interactivo sugerido por Miles e

Huberman (1994). Desse modo, a recolha e a análise de dados são feitas em sintonia,

podendo inclusive, uma ser reformulada em função da outra. Utilizo um conjunto pre-

liminar de categorias de análise (ver anexo).

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O Estudo do Caso de Júlia

Apresentação

Júlia é uma candidata a professora de Matemática com cerca de 23 anos. É sol-

teira e mora com os pais. Ama a escola, desde os tempos de aluna pensava em continuar

nela, quando escolhesse uma profissão. De sua experiência como aluna, recorda que

sempre quis ser professora, uma vez que “ (…) adorava a escola eu adorava a escola,

adorava estar na escola, estar nas aulas, ficava triste às sextas-feiras, porque ia ficar dois

dias sem ir à escola. Desde pequenina eu sempre pensei em qualquer profissão que vou

seguir, vou continuar na escola até o fim (…) (TEJ11)”. Afirma que gostava de todas as

disciplinas enquanto aluna. Demorou a decidir se seria professora de Português ou de

Matemática, uma vez que adorava a poesia, a interpretação de texto, a fala, a língua

portuguesa. No entanto, depois que decidiu pela Matemática, fê-lo em primeira opção.

Ao se referir à sua formação inicial, Júlia a separa em dois momentos distintos: o

primeiro relativo ao período de três anos iniciais no qual cursou as disciplinas da Mate-

mática pura e o segundo, no 4.º ano, no qual cursou as disciplinas pedagógicas. Em

relação ao primeiro período, Júlia diz:

Na Faculdade é a Matemática pura, você tem que saber o porquê das coisas, demonstras os resultados. No ensino básico, pareces que estás a enganar os teus os alunos. Tu dizes que as raízes quadradas não existem, dizes que uma série de coisas não existem, na função contínua tu dizes que a função não é contínua porque não levantas o lápis do papel, não demonstras nada, é uma ideia muito intuitiva, e eu tava habituada àquela prática até o 12.º ano e quando chegas à Faculdade é tudo tão mais abstracto e no secundário tu não vês esse lado da Matemática. Foi um grande choque pra mim os três anos da Matemática pura, os dois primeiros anos então… Foi um grande choque as disciplinas, não conseguia fazê-las, (…) Depois comecei a perceber, eu que-ro mesmo é dar aulas, então eu tenho que passar por isso… (TEJ1).

Ela enfatiza as dificuldades com as disciplinas da Matemática pura, nomeada-

mente consequentes do modelo de ensino adoptado pelos professores destas disciplinas,

considerando-as integrantes de um período menos positivo do curso, mas reconhece a

utilidade das mesmas em sua formação.

1 TEJ1: Abreviatura para Transcrição de Entrevista Júlia 1.

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A parte inicial do curso, os três anos de Matemática. Não é que tenha de ser negativa. É claro que tenho que ter uma formação matemática e tenho que saber muito mais Matemática do que vou ensinar. Pode ser que na parte do Departamento de Matemática, muitas vezes falha a articulação com as dis-ciplinas ao ensino, na forma de avaliar, a forma de dar as aulas é muito oposto ao que vamos fazer na prática. São as aulas teóricas, em que o pro-fessor dá uma aula no quadro, no anfiteatro, a explicar a matéria, depois uma hora e meia em que nós vamos fazer exercícios. Portanto, é mesmo a forma como as aulas de Matemática se desenrolam no Departamento de Matemática são o oposto daquilo que nós vamos ter que fazer lá fora no ensino secundário. Porque eu não vou poder fazer aulas assim expositivas. E essa parte foi menos positiva. Não foi negativa, porque eu entendo a utilida-de. (TEJ1).

Apesar das dificuldades com as disciplinas da Matemática pura, Júlia sublinha

que, embora algumas vezes, tenha pensado em desistir, iria para outro curso, na área de

educação, mas que não a permitia ensinar até onde desejava, como declarou:

OK, vou desistir do curso de Matemática pura e depois irei pra um outro. Na Escola de Educação há um curso que dá acesso pra dar aulas até o 6.º ano de escolaridade e eu queria dar aulas até o 12.º ano. O primeiro curso permite dar aulas até o 12.º ano e o outro curso só permite dar até o 6º. Então conti-nuei com o curso ( … ) (TEJ1).

Superadas as dificuldades com a Matemática pura, Júlia passou ao segundo

momento de sua formação inicial, no 4.º ano do curso, com as disciplinas pedagógicas.

No que refere a este momento, afirma:

E depois foi o ano das pedagógicas, que eu adorei, tivemos óptimos profes-sores, tivemos a […], professores que nos fizeram ver a Matemática que nós iríamos fazer. Porque quando estávamos nas Matemáticas nós damos uma Matemática que nós não vamos ensinar. As integrais, as demonstrações, a álgebra, a mecânica racional, todas essas disciplinas nós não vamos ensinar como eu aprendi, é muito abstracto, afastava-se muito daquilo que vou fazer na prática. O ano passado, foi o ano das pedagógicas não, aproximou-se muito mais daquilo que vou fazer, tivemos contacto com tarefas giríssimas que se pode fazer com os alunos, desenvolver aquilo que eu sentia falta. Depois aquilo é que eu sentia falta depois que entrei para a Faculdade eu sentia falta de uma Matemática mais abstracta no ensino básico e no secun-dário, nós aprendemos que isso é possível, é possível começar com algumas demonstrações, a pedir aos alunos tentarem provar porque é que todos os múltiplos de 2 são pares, este tipo de coisa. Pra não dizer que todos os múl-tiplos de 2 são pares porque sim (TEJ1). (…) Mas o ano passado foi um ano que eu trabalhei imenso e o que mais valeu não foi a nota que eu ia ter no

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final do ano, mas sim aquilo que eu ia aprender durante o ano. Eu fiz sempre as coisas pensando: eu tenho que aprender o máximo possível, porque eu só tenho um ano. Por que não temos essas cadeiras por mais tempo? Por que é só um ano? E coisas tão novas. Para mim foram tão novas. (…) E úteis, muito úteis. Nós vamos aplicar. Não é só teoria. É muito bom. (TEJ1)

Júlia afirma que cursando as disciplinas pedagógicas, percebeu ser possível ini-

ciar demonstrações, mostrar a Matemática como é aos alunos, ao invés de “fazer de

conta” que é de um certo modo.

Era essa ideia que depois passava pelos nossos professores na escola e na Faculdade aprendi que não. É possível fazer tarefas que ponham os alunos a pensar o porquê das coisas serem assim, na Matemática tudo faz sentido, tudo é coerente e por que e tentar provar as coisas, o sentido de provar as coisas, não basta dizer que é assim, não basta olhar um boneco e dizer que está lá um ângulo recto porque vemos, é preciso provar por que o ângulo é recto e por aí a fora… E o ano passado foi muito giro. (TEJ1).

Segundo Júlia, foi no 4.º ano que ficou convicta de sua vocação para o ensino da

Matemática:

E a forma de ensinar, de propor tarefas aos alunos, para serem eles a chega-rem lá, o contacto com novas formas de ensinar, novas metodologias. Eu adorei o ano passado, o ano passado tive a convicção do que queria fazer (…) Não errei naquilo que queria fazer (…) Exactamente, não errei mesmo, pensei isso ano passado, não errei, tô mesmo no sítio que gosto e este ano no Estágio estou a ver que sim, gosto. (TEJ1).

Apesar de sublinhar a satisfação com as disciplinas pedagógicas e toda a apren-

dizagem que estas lhe propiciaram, Júlia declara ter dificuldades em lidar com a indisci-

plina em algumas turmas: “tem umas turmas mais complicadas, aquela turma (…)”

(TEJ1). Ela ressalta suas limitações em resolver problemas relativos ao comportamento

dos alunos:

Muito complicada, não a parte matemática, mas a parte comportamental. E como não tenho experiência, às vezes tomo opções erradas. Todos os dias eu e minha colega Teresa temos sempre muitos momentos de reflexão enquanto chegamos à casa, o que é que aconteceu na aula? E falamos sobre isso e debatemos, estamos sempre a procurar estratégias para melhorar. (TEJ1).

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Ao identificar a indisciplina como um factor que influencia sua prática de comu-

nicação, Júlia apresentou como estratégia para tentar contornar esta dificulda-

de,,organizar as condições didácticas, explorando os trabalhos em grupo, em pares e

tarefas diversificadas, uma vez que, como afirma, os alunos não prestam atenção às suas

aulas expositivas. Afirma que, sem a indisciplina, as coisas flúem melhor, é possível por

em prática o que aprendeu nas disciplinas pedagógicas do 4.º ano, de modo muito mais

eficiente.

É tudo muito melhor, e há alunos que têm dificuldade na Matemática e eu peço: explica como é que se faz? Eles ficam envergonhados. Não stora eu não consigo. Se disser algum disparate não faz mal eu também digo e eles ficam… E é tão giro…” (TEJ1).

A candidata a professora ressalta a importância do 4.º ano na modificação de sua

concepção sobre a prática lectiva da Matemática, que podemos depreender do seguinte

relato:

Eu gostei imenso do 4.º ano no Departamento de Educação. Aprendi imen-so. Eu tinha uma ideia preconcebida do ensino, a minha ideia de como ensi-nar era aquilo que eu tinha visto do ensino até então e ali eu aprendi que há uma nova forma de ensinar, por exemplo essas aulas em grupo, em que são eles a descobrirem as coisas, as tarefas, a serem os alunos a descobrir determinados conceitos matemáticos, eu nunca tinha tido aulas assim, nem sabia que isso era possível. Para mim uma aula era o professor explicando e eu a ouvir muito atentamente e a seguir faça exercícios. As minhas aulas eram assim e eu achava que era o que fazia sentido. E o ano passado eu fui confrontada com uma nova forma de ensinar Matemática, uma nova meto-dologia, diferente e em que eu realmente acredito e que realmente funciona (TEJ1). (…) Depois fizeram nos pensar muito, foi uma luta, fez pensar e por em causa tudo aquilo que nós tínhamos para trás, nossas ideias do ensino pra trás. Para por em causa tudo. E essa revista a professora deu-nos um tra-balho que era tínhamos que escolher dois artigos, tínhamos que ler uma série de artigos dessa revista para depois tínhamos que escolher um tema, nós escolhemos a resolução de problemas. Houve colegas nossos que esco-lheram o discurso da sala da aula, as tarefas da sala da aula, uma série de temas. (…) É para ficarmos a saber mais sobre a resolução de problemas, ficarmos a saber mais sobre mais sobre o discurso (…). Mas em compensa-ção estão doze anos em que eu estive na escola onde aprendi Matemática de uma maneira completamente diferente, então eu estava sempre em luta e foi extraordinário, foi muito lindo esse trabalho que ela pediu pra fazer, depois eu fiz uma reflexão acerca dos artigos da revista (…). (TEJ1)

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O trabalho em grupo, como Júlia refere acima, surgiu como um novo modo de

trabalho na sala de aula, que ela poderia explorar em suas aulas, no entanto, ela afirma

que nem sempre os alunos sabem trabalhar deste modo:

O que acontece muitas vezes é que cada um vai fazendo o seu e vão falando, de vez em quando. Não trabalham em grupo verdadeiramente. Fazem um trabalho individual e no fim juntam. Não é um trabalho em grupo. Há outros que eles conversam uns com os outros, têm diferentes pontos de vista e comunicam uns com os outros e aí vão aperfeiçoando uma ideia, o que é muito mais produtivo. Eu quando insisto muito para eles trabalharem em grupo, eu deveria explicar porque quero que eles trabalhem em grupo. Eu vou dizendo o que é trabalhar em grupo: Trabalhar em grupo não é cada um faz o seu e juntar no fim. É estar sempre a juntar e a construir. Eu vou dizendo como é que é, só que ainda não disse por que que é que eu quero que eles trabalhem em grupo, se calhar, qualquer dia digo. Por que é muito mais produtivo para cada um deles, porque ao falar com os outros das ideias que eles têm e os outros não concordarem, eles passam a ter outros pontos de vista, e pensar: mas, porque ele não concorda comigo? E talvez come-cem, vão pesquisando num livro e talvez consigam perceber o ponto de vista correcto. (TECJ1)2

As relações entre a formação inicial e a prática lectiva, segundo Júlia, surgem

quando ela buscava, em algumas disciplinas, elementos que contribuíssem para uma

prática lectiva mais instigadora. Essa expectativa, no entanto, foi frustrada ao cursar a

disciplina História da Matemática, como percebemos no extracto a seguir:

(…) Mesmo uma disciplina que nós tivemos, que era a História da Matemá-tica, eu achava que ia hummm não foi nada hummmm, eu achava que nós íamos fazer trabalhos sobre os matemáticos, sobre a História da Matemática, mas de uma forma que qualquer pessoa pudesse entender, como se fosse uma história de encantar. Contar uma história, contar quem foi Pitágoras, tudo, como é que ele chegou aos teoremas, como é que investigou, todo o resto. E não, foi tudo maçador, trabalhos maçadores, cada aluno apresenta um trabalho, depois fazem as actividades, depois alguns alunos não iam às apresentações dos outros, perdeu-se muita coisa, o objectivo da cadeira acho que se perdeu da forma como foi dada. Acho que uma cadeira tão gira, onde poderíamos aprender tanto (…) Eu estudei a história dos logaritmos, gostei muito. (…) Mas mesmo assim, da forma como eu fiz… Eu não posso fazer da mesma maneira comos meus alunos do secundário. (…) Eu achava que essas aulas iam ser mais interessantes, mais entusiasmadas e toda a gente ia ficar empolgado quando ouvir e contar essas histórias aos alunos e a disci-

2 Abreviatura para Transcrição de Entrevista Curta Júlia 1.

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plina foi uma pena, porque não aconteceu assim. Aquela disciplina tinha tudo para se adequar muito a uma aula no secundário, uma aula no básico e não aconteceu. (TEJ1)

Ao cursar outras disciplinas do curso, no entanto, essas expectativas, desta vez,

não foram frustradas. Segundo Júlia, as relações entre a sua formação inicial e a sua

prática lectiva podem ser mais proveitosas, se ela aproveitar o que aprendeu no 4.º ano,

nas disciplinas pedagógicas. No entanto, para ela, é curto o tempo do curso dedicado a

essas disciplinas. Os aspectos mais significativos de sua formação inicial para sua práti-

ca lectiva, ocorreram nas disciplinas de Seminário da Educação, na parte pedagógica e,

na parte Matemática, em Seminário de Matemática.

Em Seminário de Matemática, Júlia ressalta aspectos importantes e específicos

desta disciplina, mas lamenta o pouco tempo dedicado a elas:

Só há duas disciplinas de Matemática […] onde funcionavam trabalhos de grupo onde nós tínhamos que explicar aos nossos colegas de curso, é dar uma aula como se os colegas de curso fossem nossos alunos e funcionou muito bem. Tínhamos os professores matemáticos connosco onde o rigor matemático tinha que estar sempre presente, as nossas explicações tinham que ser muito rigorosas. Essas disciplinas funcionaram muito bem. Uma em particular em que a professora era extraordinária, a mim não preocupava o ensinar, preocupava o estilo dos professores, um curso de Matemática, em que os professores sempre foram professores de Matemática pura, eles nun-ca deram aula no ensino secundário nem no ensino básico, então olham pra Matemática com outros olhos e perdem-se a disciplina pedagógica, o padrão de professor, eles são matemáticos que estão a transmitir os conhecimentos que eles têm. Portanto, a minha formação inicial foi muito curta, foi o 4.º ano pedagógico e essas duas disciplinas do curso de Matemática, dos semi-nários de Matemática. (TEJ1)

Júlia sublinha que a disciplina Seminário de Educação foi a que mais a marcou

durante o 4.º ano. Afirma ter aprendido imenso. A comunicação na sala de aula foi

abordada no âmbito desta disciplina, nos capítulos referentes ao discurso da sala de aula

e à comunicação.

Por fim, Júlia afirma que neste momento da sua formação inicial, o Estágio, sen-

te-se mais professora que aluna, apesar de saber que tem muitas coisas a aprender “Eu já

me sinto mais professora. Tenho muitas coisas a aprender. Tenho que aproveitar este

14

ano para fazer muitas experiências nas aulas, montar muitas estratégias pra ver quais

funcionam melhor” (TEJ1). Além disso, revela sua satisfação com este momento:

Por isso esta minha formação inicial foi muito intensa, fartei-me de traba-lhar o ano passado, nos fartamo-nos de fazer trabalhos, mas foi tão enrique-cedor, tão bom, portanto, valeu muito a pena. (…) Gostei muito mais do que aprendi no ano passado do que tudo pra trás, embora eu tenha gostado de aprender, de ter dado as disciplinas que dei, de ter que aprender Matemática. Mas gosto muito mais da parte pedagógica, da parte onde vamos ver a práti-ca. (TEJ1)

Essa adesão da candidata a professora de Matemática, às concepções de ensino,

conhecidas no decorrer do 4.º ano, poderão implicar de modo decisivo em sua prática

lectiva.

4.2. A comunicação na sala de aula

Nesta secção, abordo a comunicação na sala de aula de Matemática, presente nas

concepções e práticas de Júlia. Na primeira parte, sublinho os aspectos referentes à sua

regulação, utilizando o contrato didáctico e as normas sociomatemáticas para interpretá-

los. De seguida considero a comunicação e o desenvolvimento de significados, sendo

estes interpretados através da explicação de ideias matemáticas e da negociação de sig-

nificados de conceitos matemáticos.

4.2.1. Comunicação e regulação

Ao se referir ao modo como encara a comunicação na sala de aula, Júlia aponta,

em princípio, aspectos reguladores desta comunicação, através do estímulo às interac-

ções comunicativas entre os alunos, que ocorrem em suas explicações, como podemos

ver de seguida:

A comunicação é com a turma toda. Não sou eu que estou a dar a matéria e os alunos a ouvir. Eu adoro ver na sala da aula todo mundo explicarem uns aos outros é a parte que eu mais gosto, em que mais sinto é a comunicação. Normalmente o que há em algumas aulas sou eu a falar e os alunos a ouvir, aí não há comunicação, há uma comunicação que não é favorável à aprendi-zagem. Enquanto que são os alunos que têm uma dúvida e outro que vai explicar e o outro, ‘não mais eu acho que é assim’ e vão todos comunican-do, vão apresentando os pontos de vista deles, aí eu acho que a comunicação

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funciona bem. Aquela aula que eu falei há pouco das funções, foi uma aula em que eles entenderam realmente o conceito de função e comunicaram entre eles, foi giríssimo, quando eles me chamavam e tinham uma dúvida e que chegava lá e perguntava: então já discutiram uns com os outros? ‘Ah não! Ele não me deixa ler o livro!’ Só quando vocês lerem tudo e falarem uns com os outros é que eu vou aí. Mas às vezes eu já nem precisava eu ir lá. Eles já tinham falado uns com os outros e esclarecido uns aos outros. (TEJ1)

Podemos inferir do extracto acima, que a comunicação, nomeadamente a expli-

cação dos alunos, na referida aula foi uma estratégia de aprendizagem,,e pode ser inter-

pretada como uma regra de contrato didáctico relativa à regulação da comunicação,

utilizada por Júlia. Nesta regulação, a referida regra de contrato didáctico também tinha

a função de coibir a indisciplina:

Estamos a ver onde os alunos trabalhem mais, apostar nesses trabalhos em grupo, nos trabalhos a pares, para eles comunicarem, pra serem eles a che-garem aos resultados. Porque nessa turma onde o comportamento é muito, muito complicado, eles não têm paciência pra me ouvir. As aulas expositi-vas, em que estou eu no quadro a explicar uma matéria qualquer e a seguir eles fazem exercícios, não funciona porque eles não me ouvem. (…) Ponto final não funciona. Portanto, agora uma outra forma foi fazermos tarefas, nós fazemos fichas, damos um evento escrito, depois damos uma série de perguntas, do evento, para serem eles agora a fazer e fazemos isto em pares e isto funciona (TEJ1).

Uma outra regra de contrato didáctico, presente na comunicação de Júlia, pode

ser identificada quando ela se mostra preocupada com o aluno que fica calado, sem ter

compreendido o que está sendo ensinado na aula. Ela afirma perceber este aspecto nos

alunos e intervir, almejando a participação deles na aula, através da comunicação oral.

“Eu insisto, por acaso eu não tô a lembrar “ (…) Sim, tem uma rapariga que tem muitas,

muitas dúvidas e eu fiz uma pergunta qualquer, como é que…” (…) (TEJ1). Conta, a

propósito, um episódio ocorrido em uma de suas aulas:

Como é que se faz e não sei quê… ah stora (…). Há não stora, não mande ao quadro. Eu ajudo, faz aqui no quadro e eu ajudo. E ela foi ao quadro e eu fui ajudar. Então, e agora? E agora como é que faz? Acho que vamos encon-trar uma equação. Pois, quando muda de membro, o que é que acontece? E ela foi fazendo as coisas e eu disse: não foi tão mal assim ter vindo ao qua-dro? E ela disse: não, não stora, ajudou. (…) Eu achei graça porque toda vez que eu pedia para ela vir ao quadro ela dizia: mas a stora ajuda. Eu ajudo (…). Porque em Matemática ela sempre teve negativa. Ela tem muitas difi-

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culdades em Matemática. Ela tem mesmo muitas dificuldades em Matemá-tica. E ela tem consciência disso, então ela não quer ir ao quadro, porque a turma, em regra geral é uma turma com poucas dificuldades, com uma aprendizagem muito rápida, eles aprendem as coisas, eles gostam e ela, comparativamente com a turma é muito mais fraquinha. Só que eu não pas-so essa ideia. A ideia que eu passo é que ela não é menos que os outros e que nós temos que trabalhar mais, não podes desistir, quando não estais a perceber alguma coisa tens que me chamar, não podes ficar com dúvidas (…). (TEJ1)

Além de insistir na participação dos alunos que ficam calados, mas com dúvi-

das, Júlia também se preocupa com aqueles que estão apenas fisicamente na aula, mas

com as ideias muito distantes da mesma. Ela relata isso de seguida:

(…) E eu tenho estado muito à vontade com eles. Também tem outro, que é muito lento e muito distraído. (…) Sim, mas é um doce. Eu tô a dizer qual-quer coisa e ele tá completamente na Lua. Aí eu faço: uuu, chamo o nome dele, uuuu, chamo-o à Terra e ele …(…) (TEJ1)

A utilização dessas atitudes e regras de contrato didáctico na regulação da

comunicação oral de Júlia, têm por objectivo, como ela refere, motivar os alunos, o que

pode propiciar a aprendizagem significativa de mais alunos:

Esses alunos que têm mais dificuldades eu nunca desisti deles. Sempre pro-curei puxar por eles desde o início. Estou sempre a brincar com eles, de uma maneira muito descontraída: mesmo que vocês digam disparates, não há problema nenhum. E quando alguém diz: ah, seu burro! É o fim do mundo, eu paro a aula, ninguém é burro, ninguém chama nomes a ninguém. Eu falo assim com eles e eles nunca mais chamam nomes uns aos outros. Quando alguém diz ao colega: tu és burro! Aí é o fim, ele nunca mais vai dizer nada, porque tem medo que lhe chamem de burro, ele vai continuar cheio de dúvidas e não as vai querer tirar por isso. Então é a pior coisa que se pode fazer. Então eu tô sempre, não chamem isso. E quando de vez em quando sai qualquer coisa, eu faço uma cara de má, que normalmente estou muito bem disposta e eles percebem logo. E pedem lodo, desculpa! Desculpa! Desculpa. E não fazem mais. Mas é giro, porque esses alunos que têm mais dificuldade que por norma não dizem as dúvidas que têm e têm vergonha, eu começo a puxar por eles e já às tantas já dizem. Eles ficam lá no final e dizem: stora explique-me isso que eu não percebi. E é tão giro, sinto-me tão bem, quando acaba uma aula e eles ficam lá, numa disciplina onde sempre têm negativa. O discurso quando fazemos o teste e tê mais uma negativa, e as negativas têm vindo a subir, embora baixas, já está muito melhor, subis-tes imenso e motivo imenso. Agora, como é que vai ser? Só falta um boca-dinho assim. Falta só um bocadinho assim. Tá quase, quase. E quando eles, já aconteceu de terem, quando um aluno teve a primeira positiva, pois eu digo em voz alta pra toda a turma, o não sei quanto está de parabéns, tem a

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primeira positiva e valorizar em vez de só valorizar os bons alunos, tento valorizar os alunos que por norma não são. E eles ficam todos, todos conten-tes e muito mais motivados. É giríssimo (…). (TEJ1)

Um outro aspecto regulador, que emergiu na análise das aulas de Júlia, foi a

utilização da avaliação do comportamento, escrevendo no quadro, no canto superior, o

nome dos alunos que estavam utilizando a comunicação oral para se referir a outros

temas distintos do conhecimento matemático. A referência a este recurso aparece em

diferentes momentos das aulas da candidata a professora:

OK, portanto, meninos… Eu posso saber o porquê deste atraso, posso saber onde vocês estiveram a vinte minutos atrás? E depois desapareceram? Por-tanto, Luísa, vá pra sua ilha. E Sílvia vá pra sua ilha, que é aqui ao lado da Isabel e da Elisa. Sofia, Márcia Costa, Sílvia e Luísa têm falta de atraso hoje. (…) … e diâmetro 6. … Pedro. Ponho aqui o c, c é a falta de compor-tamento. Próximo a falar … Toda a gente já escreveu o 2.3? Quem é que não percebeu isso? Diga. Quem não percebeu o que é uma circunferência, digam. (…) Meninos, as faltas de comportamento não tão esquecidas. Tá em pé, por que? Meninos, tomem atenção. Meninos, xiu. (Júlia anotou uma fal-ta de comportamento no quadro). Tá aqui o ponto Q, tá aqui a circunferência com raio 3 (…) Agora, Raul, xiu, xiu, xiu, Raul, leia (…) …é o círculo. (Júlia anota no quadro no lugar das anotações referentes à disciplina). Mediatriz do segmento AB (Júlia anota no quadro no lugar das anotações referentes à disciplina e depois volta a escrever sobre o tema da aula) O segmento AB é o lugar geométrico dos pontos que estão à mesma distân-cia… (TAJ4)3

Ela refere que questionou um aluno que sabia ter dificuldades com a visualiza-

ção espacial, a fim de aproveitar seu erro para ajudá-lo a aprender e para coibir sua par-

ticipação perturbadora:

Sim, ao Lucas. Eu pedi ao Lucas, porque ele teve dificuldades, na visualiza-ção espacial. Portanto, eu pedi para que por acaso ele dissesse algum dispa-rate, eu detectasse e pudesse ajudá-lo a pensar melhor. E também era pra despertá-lo, acorda pra vida porque, era pra ele tomar atenção à aula. Era a dupla intenção, uma que ele aprendesse Matemática e a outra que ele se calasse. (TC2J3)

Júlia sublinha este aspecto das interacções na sala de aula “hoje batemos os

recordes no vosso comportamento. Posso apagar aqui na mediatriz?” (TAJ4).

3 Abreviatura para Transcrição de Aula de Júlia 4

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Ao focalizarmos o trabalho em grupo, nas aulas de Júlia, encontramos alguns

elementos importantes referentes à regulação da comunicação. Na regulação das activi-

dades onde utiliza este modo de trabalho, Júlia opta por não deixar os alunos dos gru-

pos escolherem quem ia falar, no momento de apresentar a resolução de todos os mem-

bros do grupo. Ela refere:

Portanto, aqui, o que eu fiz foi precisamente para desenvolver a comunica-ção matemática, eles tinham feito em grupo, eles não sabem quem vai falar, só eu quem escolho, na hora. A partida isso é feito pra que eles todos traba-lhem da mesma forma, porque eles não sabem quem vai falar, não são eles quem vão escolher. Você tem que saber as coisas, mas é claro que mesmo assim, o facto de eles não saberem quem é que vai representar o grupo não faz com que todos eles trabalhem na mesma, assim com outro aluno que não faz nada, não faz trabalho de grupo, não sei por que. Talvez porque não faz de nenhuma maneira, se calhar. Aqui enfim, pra dizer se era função ou não e por que. (TC1J1)4

Ela fez isso para estimular que todos falassem e participassem durante o proces-

so de resolução. Segundo Júlia, esta foi uma estratégia para desenvolver a comunicação

entre os alunos. Com esta atitude, a candidata a professora está regulando a comunica-

ção nos grupos, é um uso positivo do controlo dela sobre os alunos, uma vez que, se

não agisse assim, em nome de uma pseudo-autonomia dos alunos, poderia acontecer de

muitos não trabalharem na tarefa. A atitude de Júlia explora as potencialidades do tra-

balho nos grupos.

Quando os alunos trabalhavam nos grupos, também pudemos identificar com-

portamentos, expressos no discurso de Júlia, que podem ser interpretados como regras

de contrato didáctico para a regulação da comunicação nos grupos, como podemos per-

ceber de seguida:

Meninos, já escreveram muita coisa no quadro… Agora, ficha de trabalho. Quero, vai ser o seguinte: uma ilha lê, um aluno que eu peço, vão ler todos e vão fazer todos. Portanto, uma ilha lê e a outra responde, uma lê e a outra responde. Portanto, Lucas, qual foi a primeira questão da ficha? Depois o Felipe vai responder. (…) E Felipe podes ler a 4.3? Faz favor. Meninos, cada ilha lê uma pergunta… Felipe, por favor, leia a 4.3. e eu gostava que os demais da turma pudesse ouvir, gostava muito. Hoje é a última vez que vocês vão ficar juntos. Eu estou a informar, Silvia! Felipe, faz favor, vamos ler a 4.3. xiu! (TAJ4)

4 Abreviatura para Transcrição de Conversa 1 Júlia Aula 1.

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Regras de contrato didáctico, normas sociomatemáticas e regulação

No decorrer das aulas e entrevistas curtas de Júlia, pudemos identificar alguns

comportamentos dela em relação aos alunos, que podem ser considerados regras de con-

trato didáctico referentes à regulação da comunicação matemática. O primeiro que iden-

tificamos foi pedir aos alunos que levantassem o dedo para intervir oralmente na aula

“se vocês quiserem falar, dedo no ar, não é stora, stora” (TAJ4). Outra dessas regras, era

chamar-lhes atenção, oralmente, para a necessidade de cumprir os prazos na entrega das

actividades:

Bem, na primeira parte em que eu dei aquele ralhete, ahhh… A comunica-ção como é que foi? A comunicação foi eu a dar-lhes o ralhete, e eles a des-culpar a dizer que não tinha dado, que não tinha feito. E nessa altura eu tinha uma ficha que tinha entregado em 25 de Janeiro e muitos não entrega-ram no dia 25 de Janeiro e prolonguei o prazo e eles continuaram sem me entregar, pronto. Eu achei que eles deviam ser confrontados com isso, tive-ram mais tempo que os colegas e mesmo assim não entregaram. Aquela par-te da Directora de Turma era só para que eles ficassem um bocadinho preo-cupados, eu ia dizer que eles não tinham feito o trabalho de casa. (TC1J1) Há meninos que terão um valor a menos, porque não fizeram o trabalho de casa. Eu não tô a brincar, houve meninos que não tiveram positiva, por cau-sa do trabalho de casa. (TAJ4)

No decorrer das explicações de Júlia, podemos identificar algumas atitudes que

também podem ser consideradas regras de contrato didáctico referentes à regulação da

comunicação. Uma dessas atitudes é dizer que o aluno, interessado em participar da

interacção verbal, deve fazer a pergunta após a explicação dela, como ocorreu no

extracto:

E agora vamos ver as funções afim. São as funções lineares que são rectas, certo? Agora vamos ver o que é uma função afim, função linear. São rectas. Portanto, vou escrever. (agora Júlia passa a escrever novamente no quadro, após apagar o que estava escrito nele). Eu quando tenho rectas, consoante elas passam na origem ou não, são afins ou lineares, certo? Todas as funções afins são funções que não vão passar na origem. Por exemplo, esta função, certo? Para nós percebermos, através daquela tabela, que havia uma relação entre o ponto que elas cruzavam o eixo dos y, ordenada b, coordenada na origem e depois a quantidade de y associada às imagens de cada objecto. O Victor no mês de Janeiro tinha 3, no mês de Fevereiro tinha 4,4, depois era 5,5, depois 5,8 e ia somando 1,4. A essa soma de 1,4 eu chamo declive.

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Então eu vou chegar a fazer uma pequena síntese. Portanto, há um kapa nes-ta função. Todas as funções que são rectas que não passam na origem, têm uma expressão geral que é y igual a kapa x mais b. Este kapa que multiplica o x é o declive da recta e o b vai ser a ordenada na origem. Portanto, todas essas funções são rectas que passam no ponto 0, b. Precisamente o b é a ordenada na origem. Este ponto tá no eixo dos y… Deixe-me acabar, depois vocês fazem a pergunta, faz favor. Este ponto que corta o eixo dos y nas coordenadas 0,b, certo? Não tá certo? (TAJ3)5

As explicações de Júlia também podiam ser interrompidas para chamar a aten-

ção do aluno acerca de algum aspecto referente à participação dele na aula que ela con-

siderava inadequado, sendo esta também uma regra de contrato didáctico presente na

regulação da explicação. Podemos perceber isso na explicação de seguida:

(…) Vamos cá ver, num triângulo, esta pergunta, pra responder agora esta parte a exclusão do c, não é pra recorrer a cálculos. Tem que pensar em algo, que vocês já estudaram antes, que se chama Desigualdade Triangular. Célia, o que acabei de dizer? Célia, o que acabei de dizer? Não percebeste ao usar o verbo errado? Não ouviste? Percebeste, eu tinha que perceber, dis-seste uma gracinha, qualquer pessoa percebe! Tu não me ouviste! (Júlia pas-sa a explicar escrevendo no quadro) Vamos cá ver meninos, a Desigualdade Triangular diz-me que num triângulo, por exemplo se eu tiver aqui um lado e for 10 cm, tiver outro com 3e outro com 7, eu não vou conseguir construir nenhum triângulo com esses lados. Aqui tem 10, certo? Se eu tentar inclinar este aqui, o 3 e tentar inclinar este aqui, o 7, eles não vão unir, porque esses dois juntos são precisamente o 10, se eu tentar levantar esses lados, já não há triângulo. Agora temos que pensar… Diz? Quem levantou… Agora se for menos, se tiver aqui 1 cm? (TAJ3)

Em outro momento desta aula podemos, mais uma vez, ver esse comportamento

em Júlia, na regulação da explicação:

E agora para ter certeza que eu posso converter milhas pra quilómetros, bas-ta esta expressão, a fórmula que me dá os quilómetros. É! Pedro! Não me percas com coisas que não interessam! Portanto, eu pra achar o número de quilómetros, tenho que fazer o número de milhas a multiplicar por 8/5, estão a perceber? Se eu quiser saber quantos quilómetros são 5 milhas, tem que fazer, o quê? (TAJ3)

Um outro comportamento apresentado por Júlia durante as aulas, era caminhar

pela sala, sublinhando modos de agir que considerava importantes para os alunos:

5 Abreviatura para Transcrição de Aula de Júlia 3.

21

(Júlia se dirige a uma dupla de meninas) … parem de rir! É pra trabalhar, não se rir! (Júlia se dirige a uma dupla de meninos) como estão fazendo? E pra ler antes, pensei que já tinhas lido! É pra fazer a lápis, meninos. …olha é assim, André, Raul, …já fizeste o 1.1 e 1.2, aliás, já leste. Pára de dobrar a folha, é pra ler e é pra fazer. (Júlia circula pela sala de aula enquanto os alu-nos trabalham nas duplas). (Júlia fica um pouco em uma dupla explicando sobre rectas coplanares) …Silvia, explique-me por que está virada pra trás? (TAJ3)

Podemos considerar esse comportamento como integrante do contrato didáctico

referentes à regulação da comunicação matemática estabelecido entre a candidata a pro-

fessora e os alunos desta classe.

Quando passamos a analisar aspectos normativos de discussões matemáticas nas

aulas de Júlia, pudemos identificar, em seu discurso, a valorização da participação dos

alunos na construção do que é considerado uma justificação matematicamente aceitável,

uma norma sociomatemática. Essa construção é referida no discurso de Júlia, de segui-

da:

Construir a justificação, acho que fi-lo sempre com a participação dos alu-nos. Desde a primeira aula de função, que tu não gravaste, foi só eles a lerem, a primeira aula eles leram as páginas do livro que explicava o que era uma função e depois todos os grupos tinham que explicar uns aos outros. Essa aula foi muito gira, essa aula foi muito gira, tinha sido uma boa aula pra ti, foi só comunicação entre os alunos. (TC1J1)

Em outro momento, durante a terceira aula, dois alunos interagem verbalmente

sobre a validade da nomenclatura usada para objectos e imagens nas funções, como

podemos ver no diálogo:

Júlia sublinha a necessidade de usar a representação adequada, ao corrigir o alu-

no, ela refere-se a uma justificação matematicamente aceitável, diferente da apresenta-

A5: então se tivesse os objectos com nome e as imagens sem nome, por exemplo, batatas, laranjas e não sei que mais, se não tivesse nome, então não era função.

A21: era! ALS: (falam ao mesmo tempo, está inaudível). Júlia: meninos, nós estamos aqui a desviar do objectivo. Se eu quiser, Pedro, fazer um

referencial com batatas, laranjas e não sei quê, não vou usar o referencial que tá aqui, há outras formas melhores de fazer essa representação.

(TAJ3)

22

da pelo aluno. Esta atitude da candidata a professora, reafirma a necessidade de as

explicações e justificações serem matematicamente aceitas.

4.2.2. Comunicação e desenvolvimento de significados

As concepções e práticas de explicação

Quando passamos a focar como Júlia concebe e pratica a explicação de ideias

matemáticas, encontramos, em seu discurso, elementos que apontam para uma preocu-

pação específica com esta dimensão da comunicação, no momento em que ela lembra

que dá explicações de Matemática em casa, diz:

Eu dou explicações de Matemática em casa. É particular. Eu dou a um alu-no, é completamente diferente (…) Não é uma sala da aula, são aulas priva-das. Isto ajudou muito a explicar conceitos matemáticos da forma mais clara de se perceber. As explicações me ajudaram muito neste sentido de expli-car… (…) Uma forma mais clara … (TEJ1).

Na sala de aula, o seu modo de encarar a explicação também revelou-se muito

positivo e recorrendo ao uso de uma metáfora, para facilitar a compreensão dos alunos,

como vemos de seguida:

Eu adoro, eu adoro explicar, eu adoro Matemática e tento ser o mais clara possível e em casa fico sempre a treinar, a ver qual é a melhor maneira, a antecipar alguns erros que eles possam fazer e dou muita ênfase. Quando são eles a explicar, quando são eles a descobrir as coisas por eles próprios, tenho sempre muita atenção a lembrar-lhes dos erros que eu cometia, fatal-mente fazia errado quando estava na escola e depois com as minhas explica-ções vou percebendo erros comuns. Por exemplo, quando estamos a fazer equações, se temos o sinal menos atrás de uma fracção, em uma soma, ou entre uma soma e um número qualquer, então eu faço coisas deste género: o sinal menos atrás da fracção ‘perigo!, perigo!, perigo! Eles riem-se imenso, mas eu faço este tipo de coisa: ‘perigo!, perigo!, perigo! Tem algum atrás da fracção? E eu ‘perigo!, perigo!, perigo! Nas ideias-chave em que eles erram, muito, eu percebo que a grande parte dos alunos quando chega a determina-da matéria dá sempre os mesmos erros. (…) Esta história do perigo, perigo, eu tenho a certeza que toda a vez que eles verem o sinal menos atrás da fracção vão lembrar do perigo, perigo e vão ter que mudar o sinal. (TEJ1)

23

Ela afirma possuir vários recursos, além do apresentado acima, para chamar a

atenção dos alunos, facilitando a compreensão da explicação que estiver realizando. O

conhecimento dos alunos é um dos aspectos integrantes do conhecimento didáctico de

Matemática. Este conhecimento revela-se na prática de comunicação de Júlia, através da

utilização desses recursos. Um desses outros recursos é a modificação do enunciado de

um problema oralmente, contextualizando-o em uma situação significativa para os alu-

nos, como diz:

Sim, tem muitos, por exemplo, eu tenho um problema que era: O Manuel foi ao bar da escola e gastou 1 euro e 65 num sumo e numa torrada. A torrada foi mais cara que o sumo 15 cêntimos. Quanto custou a torrada e quanto custou o sumo? Eu li este problema de outra maneira: O Manuel foi ao bar da escola e disse, faz favor, dê-me um sumo e uma torrada. A senhora lhe serviu a torrada e ele disse: quanto é a torrada. Ela disse: 1 euro e 65. Ele olhou para o talão e disse: A torrada é mais cara que o sumo 15 cêntimos! Fui roubado! A torrada é mais cara que o sumo 15 cêntimos. Eu ponho o problema com uma história… (TEJ1)

Júlia atribui grande importância ao modo como o professor explica, propondo

que este precisa estar atento ao seu modo de explicar e, modificá-lo, ajustando a sua

prática de comunicação, se os alunos não estiverem o compreendendo:

Nas ideias-chave em que eles erram, muito, eu percebo que a grande parte dos alunos quando chega a determinada matéria dá sempre os mesmos erros. E esse o professor dá todos anos, por que que não mudam isso? Faz assim que é igual aos outros, aquilo não é mais difícil, na realidade aquilo não é muito diferente do anterior, mas para eles é mais difícil, mas eles dizem que é a mesma coisa. (…) Só tem é que dar mais ênfase àquele problema e de uma forma divertida que os marque (…). (TEJ1) Este ajuste, para a candidata a professora, ocorre porque o professor conhece os

alunos e percebe quando estes não compreendem a sua explicação ou reduz o controlo

sobre estes, a ponto de permitir que eles verbalizem suas dificuldades de compreensão.

Essa concepção de Júlia sobre aspectos da prática de comunicação, nomeadamente a

explicação, pode ser encontrado quando ela interpretou as aulas videogravadas de um

outro professor. Na Situação 1, segunda parte, Júlia afirma que, apesar de ter havido

uma maior interacção entre o professor e os alunos, que estavam distribuídos em día-

des, do que na primeira parte, esta se desenvolve, como refere:

24

(…) Mas por iniciativa do professor. Quando o professor se dirigia a uma díade e dava uma sugestão orientadora do trabalho dos alunos, alguns con-tribuíam com respostas curtas. No entanto, considero que o grande comuni-cador é o professor e os ouvintes os alunos. (ISEJ)6

Há, neste fragmento, o predomínio do padrão IRE de comunicação, uma vez que

é o discurso do professor que prevalece e, através deste discurso, ele controla as interac-

ções verbais. O mesmo ocorreu na segunda parte da Situação 2, em um fragmento de

aula videogravada, no qual o professor explica, esta explicação é considerada por Júlia

importante, porque depois dela o aluno começou a fazer a construção geométrica em

questão. No entanto, ela enfatiza:

(…) Embora sejam os alunos a escrever a resposta é o professor que chega a eles e é o professor que tira conclusões dele. No entanto, este trabalho deve-ria ser feito, não pelo professor, ma sim pelos alunos. Dado que na altura de dar uma resposta, o aluno esperou que o professor a dissesse. Concluo que a explicação do professor não foi suficiente. (ISEJ)

Na Situação 3, há mais uma reafirmação de sua concepção sobre a explicação na

sala de aula de Matemática:

Mais uma vez, o professor domina a interacção verbal, fazendo com que os alunos esperem pelas suas respostas para continuar. Acho que o professor deveria dar mais espaço aos alunos para estes tentarem responder às ques-tões. Embora sejam os alunos a escrever a resposta é o professor que chega a ele e é o professor que tira conclusões dele. No entanto, este trabalho deveria ser feito não pelo professor, mas sim pelos alunos. Dado que na altura de dar uma resposta, o aluno esperou que o professor a dissesse, con-cluo que a explicação do professor não foi suficiente. (ISEJ)

Das respostas de Júlia, podemos inferir que uma explicação feita, pelo professor,

é suficiente, na medida em que o aluno é capaz de dar uma resposta autonomamente.

Na sala de aula, Júlia também revela uma valorização da explicação dos alunos,

inclusive na introdução de um novo conceito matemático, conta, a propósito disto, um

episódio ocorrido em uma de suas aulas, no início do estágio, na introdução do conceito

de função:

6 Interpretação de Situação de Ensino Júlia.

25

(…) A última aula sobre as funções sobre o conceito de função. Até agora essa aula foi a aula que eu mais gostei, eu optei por juntar a turma em gru-pos de 4 e pedi pra eles abrir o livro e disse: hoje eu não vou explicar nada, vou vos dar matéria nova, mas são vocês que vão descobrir. Teve um aluno que disse: então a stora não vai nos explicar nada? Ficaram a ler algumas páginas do livro, explicavam o que era uma função e dava exemplos. Dei-lhes algum tempo pra ler e depois disse que todos os grupos vão explicar uns aos outros o que é uma função e os outros grupos têm a oportunidade para acrescentar alguma coisa que acharam sobre o que apresentaram. Foi giríssimo, eles todos a explicarem uns aos outros. Depois havia um aluno que não percebia o que era o conceito de função e o colega de lá: então não percebeste? Então não percebeste que o carro anda o dobro? Não percebi nada. Com o colega André é que eu percebi melhor. Eu gostei mais da explicação da Catarina. E foi tão giro isso e ontem fiz um teste de avaliação e a pergunta em que era para eles dizerem o que era função ou não ninguém tenha errado. É a primeira vez que a turma inteira, os 30, entenderam mes-mo aquilo. Entenderam mesmo o conceito. Quando é eu a explicar os bons alunos entendem sempre e os maus alunos… Ás vezes há coisas que dis-traem-se. Desta forma, sendo eles a explicarem uns aos outros eles chega-ram a entender o que era uma função. (…) E depois foi engraçadíssimo todos eles a darem exemplo do dia-a-dia do que era uma função. Eles diziam por exemplo, então a correspondência entre mim e a minha altura é uma função (TEJ1).

Júlia relata, nesta aula, a sua atitude diante dos alunos, que não foi de omissão,

mas de propiciar a explicação do conceito nos grupos, interferindo, quando necessário,

sem responder directamente, como afirma no extracto:

Eu andava a passear e eles dentro de cada grupo eles tinham que explicar uns aos outros e se estivessem com um ponto de vista diferente aí chama-vam pra eu desempatar. Eu chegava e então já perguntaram aos vossos cole-gas, ah! E não sei que… Ia-me embora. Depois ia outra vez, então já perce-beram? Sim. Explicavam uns aos outros e foi tão giro e eu só andava a orientar o trabalho, eu fazia perguntas pra o ar, para eles responderem, por exemplo, a correspondência que associa a cada pessoa o seu telemóvel, se era uma função. Uns diziam que sim outros diziam que não. E eles ficavam, enfim é função por que? Eles começavam a explicar e depois chegavam que afinal não é. Eu nunca dizia não é assim, eram eles que iam…Tem certeza? Concordam com ele? (TEJ1).

Ainda afirma que não foi necessário formalizar, uma vez que o desenvolvimento

nos grupos foi muito positivo, ela apenas acrescenta que não deixou no ar e deu mais

um exemplo, a fim de também participar da interacção, através de seu discurso.

Em outras circunstâncias, Júlia reafirma a sua concepção e prática referente à

explicação dos alunos, para introduzir outros conceitos, como o de equação do 1.º grau.

Essa concepção, como ela já referiu antes, foi desenvolvida a partir do 4.º ano do curso.

26

(…) Nós lembramos de umas aulas com a professora […] em que a profes-sora defendia que todas as aulas, todos os temas eram possíveis os alunos a lá chegarem e tínhamos muita confusão, como é que eu explico? Como é que os alunos vão chegar sozinhos ao conceito de equação? Como é que eles vão sozinhos perceber como é que se faz uma equação? E a professora […] defende que tudo é possível? Qualquer tema é possível encontrar uma tarefa que faça com que os alunos cheguem lá. Em Álgebra há as equações. E nós achávamos que era impossível. E há o método da balança (…). (TEJ1)

Na situação referida acima, Júlia sublinhou a dificuldade de trabalhar com a

metáfora da balança, para a introdução do conceito de equação do 1.º grau, porque este

instrumento já não faz parte do dia-a-dia de seus alunos. No entanto, isso não foi um

obstáculo que a impediu de utilizar esta ideia, mesmo que um pouco modificada, como

diz:

(…) Mas antes de fazer isto das balanças, a Teresa leu um artigo muito per-tinente, dizia que o método da balança funciona muito bem quando os alu-nos sabem o que é uma balança de dois pratos. Os alunos hoje em dia não sabem o que é uma balança de dois pratos. Então o que é que nós vamos fazer? Nós vamos à Internet … (…) Eu me lembro de ver nas frutarias, mas já não vejo. E muitos de meus alunos nunca viram uma balança de dois pra-tos. Então o que é que nós vamos fazer? Nós vamos à Internet, interactiva e depois tem lá uns sacos de tomate e vamos por uns sacos de tomates, que é pra eles terem noção de como é que funciona uma balança de dois pratos. Primeiro vamos fazer isso com eles, depois é o quadro interactivo, eles vão ao quadro e vão mexer naquilo e vão ver como é que funciona a balança de dois pratos, pra depois isso ter algum sentido pra eles. Se nós fazemos uma coisa dessas, eles não percebem que isto é que mantém o equilíbrio. (TEJ1)

As concepções e práticas de negociação de significados

Quando passamos a analisar o modo como Júlia encara a negociação de signifi-

cados de conceitos matemáticos e como esta interacção se processa em suas aulas,

encontramos diferentes aspectos da mesma. No momento em que a candidata a profes-

sora refere-se, a uma negociação de significados sobre o conceito de recta paralela no

plano, percebemos que ela sublinha algumas dificuldades específicas que puderam ser

identificadas neste momento:

27

Eu entendo a dificuldade deles. Eles não concebem a ideia de algo transpa-rente e infinito. Não é? É algo que tá aqui, aquilo baralha. Portanto, eles associam sempre, a ideia a face de um cubo está em um plano. A face não é o plano, mas para simplificação de linguagem, se calhar saem algumas vezes o plano ABCD e, portanto, a face, não o plano. Portanto, eles acham, a ideia deles é que o plano são coisas finitas. (…) Exactamente, uma tábua, uma folha de papel, um quadro. Eles não entendem que o plano é algo infi-nito que passa por ali. (…) É. A explicação deles dá pra perceber que não há plano, porque não há prateleira nenhuma ali. As prateleiras tão todas assim. Não há plano e não há prateleiras. Foi isso que eu percebi. Portanto, o que eu expliquei é que tá cá um plano. Eu acho que expliquei mau também. (TECJ3)

No depoimento de Júlia, podemos identificar uma postura de compreensão das

dificuldades do aluno, na comunicação do significado do conceito negociado, que é uma

característica de um professor negociador. Em outro momento, a candidata a professora

analisou mais esta interacção e também considerou que houve limitações de sua parte:

Eu devia ter desenvolvido mais, devia ter perguntado mais por que. Eu per-cebi, portanto, eu pedi pra vir ao quadro, pra ser ele a explicar aos colegas. Acabou por não ser muito, me deu um exemplo de uma recta paralela e depois eu dei. Aí era não sei quantas e ele disse aquilo que eu tava à espera, não é paralela. Como não tava na mesma prateleira, passou muito aquela ideia que os planos têm que estar nas prateleiras. Tem que ser horizontais e se for assim oblíquos, tem que tá ali uma prateleira. Eles não têm a ideia de serem infinitos e imaginários. (…) Essa parte eu devia ter desenvolvido mais. Não é? Então não é por que? Eu devia ter feito com que eles chegas-sem ao plano que eu indiquei, que é o plano que parte oblíquo. Eu falhei um bocadinho, eu devia ter puxado mais por ele, ao ponto de ser ele a explicar, de ser ele a chegar à conclusão que sim, senhora, afinal há mais planos do que aqueles que se podem ver, há mais planos do que há prateleiras. Mas ouve alguma comunicação. (TC2J3)7 No início deste extracto, Júlia, mais uma vez, apresenta uma concepção de profes-

sora negociadora, que para ela precisa, na prática, encorajar os alunos a exteriorizar os

seus conhecimentos. Apesar de se mostrar muito exigente consigo mesma, neste

momento das interacções com os alunos, assim como em outros anteriores, Júlia con-

firmou que o aluno disse o que ela esperava dele, uma vez se tratar de um aluno muito

inteligente, como ela refere:

Sim. Mas aquele aluno é muito inteligente, ele percebe as coisas e depois gosta de tá ali a perguntar, a perguntar, ele percebeu, mas gosta de estar a

7 Abreviatura para Transcrição Conversa 2 Júlia Aula3.

28

levar até o limite pra ver se há algum erro, alguma falha pelo caminho. Eu percebo que ele entende à partida, mas gosta de estar ali a explorar, a explo-rar. Portanto, eu tenho certeza que ele entendeu que sim, que há mais prate-leiras, há mais planos do que as prateleiras. Se calhar ele entendeu, só que não deixa de ser novidade, então põe em causa. Eu devia ter puxado um bocadinho mais, devia ter …(TECJ3)

Este conhecimento do aluno, integrante do conhecimento didáctico de Matemá-

tica, é um elemento importante na negociação de significados, pois através dele a candi-

data a professora pode ajustar a sua prática de negociação, permitindo melhores apro-

ximações do conceito. Ainda em relação a estas interacções acima, Júlia sublinha que

ficaram aquém de suas expectativas no que refere à abstracção dos planos oblíquos e

rectas paralelas:

Sim, depois eu ia pedir que outros alunos dessem exemplos de rectas parale-las e eles deram exemplos de rectas paralelas que estavam no mesmo plano visível, não era? Eu tava à espera que eles dessem exemplos mais, de rectas que estivessem em planos que não estivessem na mesma prateleira. Eu esta-va à espera desses exemplos, que não deram, deram só exemplos daqueles mais comuns. Portanto, eu fiquei com a sensação que se calhar não ficaram muito convencidos que há rectas paralelas em planos oblíquos, que não se vêm. (TC2J3)

Ela refere que questionou um aluno que sabia ter dificuldades com a visualiza-

ção espacial, a fim de aproveitar seu erro para ajudá-lo a aprender:

Sim, ao Lucas. Eu pedi ao Lucas, porque ele teve dificuldades, na visualiza-ção espacial. Portanto, eu pedi para que por acaso ele dissesse algum dispa-rate, eu detectasse e pudesse ajudá-lo a pensar melhor. E também era pra despertá-lo, acorda pra vida porque, era pra ele tomar atenção à aula. Era a dupla intenção, uma que ele aprendesse Matemática e a outra que ele se calasse. (TC2J3)

Essa concepção sobre o erro do aluno, foi revelada por Júlia desde a primeira

entrevista. A dimensão metacognitiva do erro dos alunos é explorada por ela e também

é um elemento que pode ser usado a favor das aproximações do conceito, na negociação

de significados como refere de seguida no extracto:

Eu entendo o erro deles. Eu quero que eles percebam por que eles estão errados. É giro quando estão eles todos, porque quando é em grupo eu dou tempo para eles se reunirem uns com os outros e conversarem e perceberem

29

por que está errado. Depois os outros grupos vão apresentando… (…) (TEJ1).

Em uma outra interacção, na qual um aluno afirmava que podia encontrar uma

propriedade para mostrar que o quadrado é um lugar geométrico, Júlia encarou a respos-

ta do aluno como uma hipótese e a testou com classe-inteira, até refutá-la. Ao referir-se

a esta interacção, Júlia a encarou de modo positivo:

Sim. Ainda mais com aquele exemplo que o Pedro deu do quadrado, se o quadrado era um lugar geométrico. Aí é que foi engraçado, eu puxar muito pra eles, fazer perguntas, fazer com que eles pensassem, mas eles conse-guem dizer numa só condição o que é que é um quadrado, porque não con-seguem, né? Eles iam sempre parar à circunferência e o círculo. Mas isso levou a uma outra questão, que foi: será que só a circunferência e o círculo que são lugares geométricos? O que foi muito giro. Depois uns diziam que iam ser rectas, outros diziam que não, que sim, que não e depois mais à frente chegaram a perceber que sim, que uma mediatriz não é um lugar geométrico. (TECJ4)

Quando consideramos, a negociação de significados de conceitos matemáticos,

como a mais difícil das componentes usadas para descrever as interacções na sala de

aula, essas concepções e práticas da candidata a professora são de considerável relevân-

cia.

4.2.3. Aulas de Júlia

Esta secção será dedicada à análise das quatro aulas de Júlia. Todas elas ocorrem

em turmas do 8.º ano. Estavam presentes na sala, em todas as aulas, além de Júlia, a

orientadora de estágio Célia e a estagiária Teresa. Na primeira aula, o tema central foi a

representação de funções. A segunda aula teve como tema a mudança de representação

na proporcionalidade directa. A aula seguinte, referiu-se à correcção das actividades,

usando o projector de slides e uma ficha de revisões. Os conhecimentos matemáticos a

que se referiram no decorrer da aula foram a proporcionalidade, a desigualdade triangu-

lar, a geometria espacial e a relação entre quilómetros e milhas. Por fim, na quarta aula

analisada, ocorreu a exploração dos lugares geométricos.

30

Aula 1: Representando Funções A Aula Começamos por uma aula, ministrada por Júlia, no 8.º ano, sobre a representação

de funções, no dia 8 de Fevereiro de 2008. Esta aula pode ser dividida em três partes:

introdução, na qual ocorreu a chamada dos alunos e a cobrança das tarefas anteriores;

prática de explicação, na qual ocorreu a correcção do TPC, com o uso do livro didáctico

e o uso de fichas com tarefas escritas distribuídas nos grupos por Júlia e a parte final, na

qual a candidata a professora escreve no quadro o que será o TPC.

Na primeira parte da aula, Júlia fez a chamada dos alunos e passou à cobrança

das tarefas anteriores. Nesta parte da aula, a professora monopolizou o discurso, que

possuía uma função reguladora, em princípio, verificando os alunos presentes à aula e,

de seguida, reafirmando uma regra de contrato didáctico, explícita em suas aulas, que é

trazer prontas as tarefas marcadas em aulas anteriores. O não cumprimento deste acor-

do, integrante explícito do contrato didáctico, foi motivo de um “ralhete” a que a candi-

data a professora referiu-se na secção regras de contrato didáctico, normas sociomate-

máticas e regulação.

Na segunda parte desta aula, podemos destacar dois momentos, o primeiro refe-

rente à correcção de questões do TPC e, o segundo momento, referente a questões de

uma ficha. Nos dois momentos é possível destacarmos a prática de explicação de Júlia,

que vai gerindo a comunicação, dirigindo-se aos grupos e, vai variando os grupos, à

medida que muda as questões explicadas e, além disso, questiona os alunos chamando-

os pelo nome, sendo esta também uma regra de contrato didáctico identificada nesta

aula.

A candidata a professora corrigiu três questões referentes ao TPC, que estavam

no livro didáctico. A primeira questão refere-se à representação de uma função por dia-

gramas, que depois passa a ser também representada no plano cartesiano, a segunda

questão aborda um gráfico de função que relaciona tempo e temperatura e a terceira

questão é referente ao gráfico que representa o esvaziamento de um lagar de azeite.

As interacções verbais na correcção da questão da representação de uma função

por diagramas, começam a partir do momento no qual Júlia relembra que esta questão já

estava na metade da correcção, quando terminou a última aula. No episódio seguinte,

31

podemos perceber aspectos de sua prática de explicação, antecedida por perguntas, diri-

gidas a diferentes alunos:

Episódio A

De seguida, a candidata a professora passou a explicar a questão utilizando a

representação gráfica, no plano cartesiano. O episódio a seguir traz o início desta expli-

cação.

Episódio B

Júlia: agora, vamos fazer a correspondência pra gráficos. Vamos pra perto. O C,

grupo da Márcia Silva e Raul. É uma função? (Júlia desenha os eixos x e y no quadro, enquanto explica) o eixo x, o eixo y, eixo das abcissas, eixo das orde-nadas (Júlia desenha o gráfico no quadro) os dois juntos é que são as coorde-

Júlia: Grupo da Silvia, da Elisa. É tudo em grupo, certo? E eu escolho o porta-voz, certo? E vocês confirmam. Exercício 5 página 53. Primeiro, Silvia, o diagrama A é função ou não e por que? É toda agente a ouvir, faz favor! Depois toda a gente a escrever as respostas. Não se portem mau, senão fico com vocês no final da aula. Silvia, achas que é função, por que?... Eu não consigo ouvir.

A7: todos os membros do grupo A … Júlia: É o que? Diz, diz. Diz lá Silvia, que não percebi. Todos os membros do grupo

A, o que? Ok. Como é que é a forma correcta de dizer grupo A? A8: grupo de partida. Júlia: não é grupo, é conjunto de partida. E os elementos do conjunto de partida

correspondem a um e um só elemento do conjunto e chegada, certo? Certo? Certo?

ALS: certo, certo. Júlia: agora o grupo da Sofia, da Márcia e da Renata. O B é função ou não e por

que? A9: não porque, não porque, porque o elemento do conjunto de chegada está corres-

pondendo a dois. Júlia: esse é um problema. Um elemento do conjunto de chegada ter mais que um

correspondente. Uma correspondência vai ser uma função, uma correspondên-cia vai ser uma função, uma correspondência vai ser uma função, tomem aten-ção, a cada elemento do conjunto de partida, neste caso será o C, no primeiro conjunto (Júlia está apontando para a figura no livro) o conjunto de partida. Todos os elementos aqui só se podem corresponder a um e só um elemento do conjunto de chegada, não esquecer. Olhando acontece a todos os elementos, de cada elemento só pode sair uma correspondência de todos tem que sair uma, percebes? O que acontece aqui neste é que tanto o 5 como o 7, correspondem-se a dois. O 7 corresponde a 1 e o 7 do D e o 5 corresponde ao 1 e ao 5 do D, percebes? Um elemento do conjunto de partida não corresponde-se a um, cor-responde-se a dois, portanto não é função. Bastava ter um deles que corres-pondesse a dois elementos, já não era uma função, certo? Portanto, a corres-pondência B não é uma função. Toda gente está a perceber isso?

ALS:

32

Ao se referir à compreensão dos alunos às duas diferentes representações de uma

função, Júlia sublinha que houve uma maior dificuldade de compreensão quando esta

passou a ser feita no plano cartesiano, como diz:

Para mim é mais abstracto, eles entendem muito bem uma correspondência através de diagramas, seja função ou não. No referencial é mais complicado, porque no diagrama eles vêem os elementos. Cada elemento do conjunto de partida a se corresponder com um elemento do conjunto de chegada e por aí a fora. No referencial cartesiano é mais complicado eles perceberem que o conjunto de partida é o eixo x e y o conjunto de chegada e perceberem os pares ordenados, perceberem o que é que representa cada par ordenado, o que é que implica se é função ou não. Eu senti que para alguns deles não foi claro o que é que é uma função. Não foi claro quando é que um gráfico é função. Acho que foi claro eles verem quando é que não é. Não é, eles per-cebem. Quando é e ainda por cima vão os ramos pro infinito, são conceitos que eles não estão habituados. É muita abstracção pra eles. Eu percebo isso. Mas, com o tempo, não é? … Foi a primeira, foi o segundo dia que eles entraram em contacto com funções nos referenciais cartesianos. Por isso, espero que com o tempo as dificuldades vão passando. (TECJ1)

Um modo encontrado por Júlia para propiciar uma melhor compreensão dos

alunos do que significa uma função, no plano cartesiano, e contornar a dificuldade do

aluno, foi relacionar esta representação com a representação por diagramas.

Episódio C

Júlia: exacto. Se vocês traçarem rectas verticais, ela intercepta o gráfico uma só vez.

Cada elemento do eixo dos x só tem uma imagem. Essa mesma, já reparara. Quando o gráfico é uma recta horizontal (Júlia desenha o gráfico no quadro) cada elemento do eixo do x a sua imagem, a sua imagem, a imagem deste ele-mento x é o 2, a imagem deste elemento também é o 2, a imagem deste tam-bém é o 2. Portanto, cada um só tem uma imagem e todos têm a mesma ima-gem. Se eu pensasse num diagrama, seria alguma coisa desse género: aqui o 2 o 3 e o 4 e aqui 1, 2, 3 e 4. O 1 ia pró 2, o 2 ia pró 2, o este ia pró 2 e este ia pró 2. Isto é uma função, certa? É a representação gráfica deste diagrama. Todos os elementos do conjunto de partida fazem corresponder os mesmos elementos do conjunto de chegada. Estão a perceber, Luíza, Graça e Tiago?

A10: coordenadas. Júlia: Então tá, em uma correspondência cada elemento do conjunto de partida só

se fazem corresponder a um elemento do conjunto de chegada, certo? E vocês podem olhar pra o conjunto de partida como se fosse o eixo do x, o conjunto de chegada o eixo do y e cada elemento da correspondência é um para ordenado ( Júlia desenha o gráfico no quadro, enquanto explica). Por exemplo, esse par tem coordenadas, esse ponto vai ter coordenadas. As coordenadas desse ponto, qual será? Qual será as coordenadas desse ponto?

33

A dificuldade do aluno é um factor que influencia a prática de comunicação de

Júlia. No episódio acima, no entanto, podemos identificar padrão IRE de comunicação,

um dos indicativos da dificuldade dos alunos em compreender o conceito aqui aborda-

do, em outra representação.

Quando passou à correcção do exercício seguinte, no qual apareceu um gráfico

que relacionava tempo e temperatura, (Figura 4.1) Júlia explicou o que é variável

dependente e independente, contextualizando, neste momento, as relações entre essas

variáveis no estudo de um fenómeno estudado nas Ciências Físico-Químicas “(...) Por-

tanto, este outro gráfico possui factores matemáticos, mas também factores de outras ciên-

cias, certo? (...)”(TAJ1)8.

Figura 4.1 – Gráfico utilizado para explicar variável dependente e independente

Na explicação de Júlia sobre o que significa variável dependente e independen-

te, essa contextualização foi um recurso importante, como podemos ver de seguida, no

episódio:

8 Abreviatura para Transcrição Aula de Júlia 1.

A15: sim. Júlia: é função ou não? ALS: é. Júlia: é função, por que? (Júlia desenha o gráfico no quadro enquanto questiona a classe-inteira).

34

Episódio D

A atitude de Júlia, relacionando os conhecimentos do conteúdos de ensino, com

as Ciências Físico-Químicas, é outro aspecto do conhecimento didáctico de Matemática,

revelado na prática da candidata a professora. Na explicação acima podemos também

identificar que Júlia recorreu ao uso de uma analogia, quando abordou a questão do

tempo que os alunos gastariam para chegar em casa, neste caso, foi o tempo e a distân-

cia as grandezas envolvidas. Ainda no referido episódio, apesar da explicação de Júlia

possuir as características mencionadas, o padrão de interacção com o aluno, é o padrão

IRE.

Júlia: ok, exercício 7, grupo de Cristina, João, Márcia e Lucas. Lucas … olha aqui Matemática e Ciências Fisíco-Químicas (Júlia mostra o livro para a classe-inteira) Silvia, esse gráfico relaciona o tempo que está descrito no eixo dos x, com a tempe-ratura em graus. Portanto, o tempo que está medido em segundos, o tempo tá medi-do em segundos no eixo dos x, a temperatura da medida em graus no eixo dos y e agora observamos o gráfico de como se comporta uma quantidade de água durante o aquecimento. Vamos ver como é que se comporta a água durante o aquecimento, certo? Qual é a variável independente ao valor? A17: é o tempo. Júlia: é o tempo a variável independente. A18: a temperatura tá dependendo do tempo. Dependendo dos eixos. Júlia: Dependendo dos eixos. Exactamente. Primeiro, sempre que tivermos uma

função num referencial, a variável independente está sempre no eixo dos x. Pensem nesta experiência, a temperatura, o tempo vai passando independen-temente da temperatura que a água tem, o tempo passa. Portanto, a tempera-tura é que vai dependendo. Existe uma temperatura em cada instante. A tem-peratura depende do tempo, certo? Normalmente, sempre com experiências, não quer dizer que sempre, mas a maior parte das vezes com as experiências que envolvem tempo e outra coisa qualquer, o tempo normalmente é a variá-vel independente, porque o tempo passa independentemente do que vocês estejam a fazer. Vocês estão a fazer uma função entre o tempo que demoram pra chegar a casa de não sei quem. Portanto, a medir o tempo e a distância, certo? Independentemente da distância que vocês percorrem ao longo do tempo, o tempo vai passando, ou seja, o que vocês percorrem depende do tempo e não o tempo depende do que vocês percorrem, certo? Estão a perce-ber? O tempo é independente daquilo que vocês fazem. Normalmente nas questões que envolvem tempo, o tempo será a variável independente. Faz sentido, não é? Outra forma de ver seria então a variável independente corre sempre no eixo dos x, certo? E a variável dependente é exactamente aquilo que vocês tão a estudar. A variável independente é mesmo o tempo. Tem que escrever tempo, certo? A variável dependente é a temperatura (Júlia escreve no quadro o que está falando).

35

O uso da analogia ocorreu, mais uma vez, quando a candidata a professora

explicou os estados físicos da água, utilizando o gráfico como recurso. O exemplo do

frigorífico indica o uso da analogia, como podemos ver no episódio:

Episódio E

A mudança para a resolução do terceiro exercício desta parte da aula, o proble-

ma do lagar de azeite, (Figura 4.2) começa com uma interacção verbal entre Júlia e

vários alunos de um grupo, na qual, mais uma vez, encontramos o padrão IRE.

Júlia: Elisa, qual é a imagem do objecto 3? (Júlia fala e escreve no quadro) aqui é a imagem e aqui é o objecto, objecto é 3. No eixo x encontra o 3 aqui e já encon-traram a função, o que significa que a imagem é zero. Ok, agora, Sara, Márcia Costa, João e Joaquim, a partir de quantos segundos a água se encontra no esta-do líquido? …

A20: depois é 100. Júlia: depois é 100. E passa ao estado gasoso, portanto, a água está em estado sólido

quando está em temperaturas negativas, no caso do frigorífico, a temperatura é negativa. O gelo, água está em estado sólido, até os 0 º, a partir dos 0º entra no ponto de fusão e passa a estado líquido e permanece em estado líquido se a tem-peratura estiver entre 0º e 100º. Quando passa aos 100º entra no ponto de ebuli-ção e passa ao estado gasoso. Lembram-me disso de físico-química?

9. O lagar

Um lagar de azeite cheio leva 15 000 litros de azeite. O gráfico mostra o seu esva-

ziamento.

9.1. Trata-se de uma função? Justifica?

9.2. Indica a variável independente e a variável dependente.

36

Figura 4.2 – Problema do lagar de azeite

Vejamos o episódio:

Episódio F

De seguida, Júlia passa a questionar outro grupo, como em outros momentos da

aula, esses questionamentos provocam respostas de diferentes alunos, como no episódio

anterior. O padrão IRE, no entanto, não é mais a única forma de comunicação identifi-

cável, pois nem toda vez, após o discurso de um aluno, Júlia intervinha, avaliando-o e

concluindo a interacção verbal. Há um momento, no qual um dos alunos responde erra-

do e a professora não nega sua resposta, corrigindo-a, mas pergunta aos outros alunos, e

vai explicando a um grupo o que ocorre, até chegar à resposta certa e, novamente, per-

gunta à aluna que respondeu errado, se agora compreende “…ao fim de 100 minutos ele

esvazia-se, certo? Entendido Cristina? Agora grupo do Pedro. Ao fim de 50 minutos, quanto

azeite havia no lagar? ” (TAJ1). Neste caso, ocorreu uma comunicação contributiva, nes-

Júlia: agora o exercício 9 da página 55. Grupo da Elisa, Iara e por aí a fora. A21: de novo! Júlia: Trata-se de uma função? Sim ou não, Iara. A22: sim. Júlia: sim, a Iara disse que trata-se de uma função, vocês concordam? A23: sim. Júlia: alguém não concorda? Diga agora ou se cale para sempre. Agora, o que é que

é a variável dependente e a variável independente? Grupo da Graça, Clara, Jorge e Luíza. Qual é a variável independente, Laura?

A24: é o tempo. Júlia: tempo. A variável dependente, Jorge? A25: é o azeite. Júlia: são os metros de litros de azeite, exactamente. (…)

9.3. Quantos litros de azeite tinha o lagar quando começou a se esvaziar?

9.4. Quanto tempo demorou a esvaziar o lagar?

9.5. Ao fim de 50 minutos, quanto azeite ainda havia no lagar?

9.6. Ao fim de quanto tempo podemos afirmar: “Já só falta esvaziar um terço do

azeite”?

9.7. Com os dados do gráfico, completa a tabela:

TEMPO (minutos) 0 60 100

AZEITE (litros) 2500

37

te modo de comunicação, apesar de haver maior protagonismo dos alunos, identificado

em um maior número de interacções, o que representa uma mudança quantitativa, não

há uma troca em termos qualitativos nessas interacções. Ainda está implícita a perspec-

tiva de conhecimento como algo que a candidata a professora deve transmitir aos alu-

nos.

A parte final da resolução deste exercício, consistiu numa mudança de represen-

tação, através do preenchimento de uma tabela, com resultados encontrados na fase

anterior. As interacções verbais, no entanto, não mudaram, podendo ser classificadas

como unidireccional, com o padrão IRE, ou contributiva, com maior participação quan-

titativa dos alunos.

Com a resolução do problema do lagar, encerrou-se a correcção do TPC e come-

çou o segundo momento, referente a questões de uma ficha. Este momento teve início

com o uso de fichas com tarefas escritas distribuídas nos grupos por Júlia. A tarefa da

banheira foi a primeira apresentada. A partir do questionamento de um aluno, a candi-

data a professora desenvolve uma explicação na qual sublinha o facto de a tarefa conter

um raciocínio diferente das outras questões, uma vez que é para dizer por que não esco-

lheu as outras respostas. De seguida, podemos saber como Júlia percebeu a recepção

dos alunos a esta tarefa:

Eu percebi que eles foram uma surpresa, foi a primeira vez que fizemos este tipo, foi a primeira vez que fizemos isso. Eles analisarem os gráficos. O da banheira eu decidi fazer em grande grupo, porque, como isso é novidade, eles vão ter que pensar num acontecimento físico e passar para um gráfico. É algo muito abstracto. Portanto, aconteceu o que eu estava esperando acon-tecer, que eles dissessem que era o gráfico C. Porque o que é natural que eles pensem é: a torneira tem o fluxo constante, então eles podem ter lido que o gráfico relaciona o tempo com a altura da banheira, mas eu acho que eles relacionaram o tempo com a quantidade de água que entra, aí sim a função era essa (linear). Eu acho que foi isso que eles pensaram. Eles não priorizaram o que estava errado ao que estão a estudar. Enche a banheira, à medida que o tempo passa a água quente da banheira é a mesma. Não é isto que está a ser estudado, é a altura da banheira. Exacto, depois a seguir é natural que pensassem no gráfico A, porque se pensares, o gráfico a é pare-cido com a banheira! (...) não é? A banheira faz uma borda igual. Eu tava pensando lá em baixo, que eles cometessem esses erros. E então, foi isso que aconteceu. E tentei usar isso da melhor maneira para perceber. Para eles ficarem primeiro chocados, por que que não é. E depois, por que que não é e por que que é o B e não podia ser outro. Eu acho que foi um exercício sur-presa, que eles não tão habituados, mas causou alguma motivação, acho que eles ficaram motivados para fazer o resto. Tanto que eu vi: esses miúdos

38

ficam mais entusiasmados com as aulas do que outros. Mas eu vi muitos miúdos a fazer a composição do segundo exercício depois. (TECJ1)

Do extracto acima, podemos depreender que, a utilização das fichas foi uma

novidade para os alunos. A interpretação que eles fazem dos gráficos ainda foi pouco

apurada, o que concretizou as expectativas de Júlia. É importante enfatizar a capacidade

de prever os erros alunos que a candidata a professora apresentou, sendo este mais um

dos importantes aspectos de seu conhecimento didáctico de Matemática.A análise pré-

via, feita por ela, foi muito pertinente, uma vez que se confirmou na maioria dos alunos.

Ela aproveitou isso para provocar a surpresa que, como refere, tornou-se motivadora.

Essa capacidade de antecipar possíveis erros dos alunos para explorar na expli-

cação, é coerente com o que Júlia declarou antes, quando disse que compreendia o erro

dos alunos, na secção referente à explicação, o erro é utilizado, neste caso, com uma

função metacognitiva.

Na segunda tarefa apresentada nas fichas, o problema da idade, sua explicação

também conteve elementos importantes nas interacções com os alunos nos grupos,

quando sublinha a necessidade de pensar na vida para compreender o significado do

problema:

(Júlia está em um dos grupos observando o modo de os alunos resolverem, a seguir passa a outros grupos). (Júlia está agora explicando para dois grupos, que a ouvem atentamente) … e não pára de crescer e cresce e decresce e crescemos todos da mesma forma. Até os 10 anos cresce da mesma forma, dos 10 aos 20 continuo a crescer, dos 20 aos 30 continuo a crescer, dos 30 aos 40 continuo a crescer e até aos 70 anos eu não paro de crescer e até os 80 anos eu não paro de crescer … isso é um mito. Algumas pessoas quando crescem ficam marrecas precisamente. Aquele mito que a pessoa cresce … é um mito. Por que o que acontece? As pessoas a uma certa idade começam a ficar marrecas, apesar de que se elas se endireitarem a altura delas é a mes-ma que era a 10 anos atrás. A altura a partir de um certa idade, a partir dos 30 anos já não vou crescer mais, a minha altura é a mesma há muitos anos, estão a perceber? Crescemos muito até os 18 anos, 19 anos, 20 anos, a partir dos 20 anos, aliás a partir dos 18. Pensem na vida, este é um problema, pen-sem na vida. O que é que este gráfico diz. Este gráfico diz-vos que no momento em que vocês nascem têm uma altura e quando têm 50 anos têm a mesma altura. Quer dizer que do 0 aos 50 anos têm 50 centímetros. (Júlia passa agora para outro grupo) meninos, no 3 e no 5 assinala com um x a conclusão à hipótese que chegaram. Leiam as opções todas. (Júlia passa agora para outro grupo, após um aluno tê-la chamado). Meninos, quem é que ainda não acabou? (TAJ1)

O aspecto que mais agradou Júlia nesta tarefa, foi a pergunta:

39

E alguém nasce com 0 centímetros? Quando eles ouviram essa, perceberam exactamente onde é que eu ia chegar. E foi giro eles perceberem onde é que eu queria chegar. Mas perceberam que o gráfico não podia começar na ori-gem. (TECJ1)

Sua satisfação justifica-se porque, através desta pergunta, os alunos compreende-

ram o significado do problema.

Na parte final da aula, a candidata a professora escreveu no quadro o que seria o

TPC e entregou aos grupos uma ficha referente à avaliação.

Síntese da Primeira Aula

Na primeira aula de Júlia, podemos identificar três diferentes aspectos que carac-

terizam a sua prática de comunicação, da qual sobressai a explicação de ideias matemá-

ticas. O primeiro destes aspectos, o surgimento de padrões de interacção, nomeadamen-

te o padrão IRE, revelam uma comunicação que avança da uni-direccional para a con-

tributiva. O segundo aspecto, referente aos factores que influenciam a prática de comu-

nicação da candidata a professora, identificamos a dificuldade de compreensão de um

aluno, revelada através de um questionamento, como desencadeadora de uma explica-

ção da candidata a professora, que sublinha o raciocínio diferente exigido na resolução

do problema. Este facto, revela o terceiro aspecto de sua prática de comunicação, nesta

aula, e faz Júlia ajustar a sua prática de comunicação, nomeadamente de explicação, a

um aluno questionador.

Aula 2: Proporcionalidade: mudando de representação A Aula A segunda aula ministrada por Júlia, no 8º Ano, referiu-se à proporcionalidade

directa e ocorreu no dia 15 de Fevereiro de 2008. Nesta aula, devido a um problema

com a videocâmera, não pude usá-la, mas gravei o áudio e anotei tudo que a candidata a

professora escreveu no quadro. Esta aula pode ser dividida em três momentos: o primei-

ro é a introdução, na qual ocorreu a chamada dos alunos e a cobrança das tarefas ante-

riores; o segundo, a prática de explicação, dividida em correcção da ficha e depois a

utilização do livro didáctico e o terceiro momento foi a parte final, na qual a candidata a

professora escreve no quadro e explica o que será o TPC.

40

No primeiro momento da aula, Júlia fez a chamada dos alunos e passou à

cobrança da tarefa. A tarefa estava em uma ficha, elaborada para o estudo da proporcio-

nalidade directa, em diferentes representações. Ao se referir a esta ficha, Júlia declara:

Portanto, essa ficha foi toda construída, primeiro pra proporcionalidade directa, constante e o contexto neste exercício, depois a expressão algébrica sobre esta função, depois perceber por que é aquela função, depois é a representação gráfica e depois eles perceberem, ao unir os pontos, que eles vão ter uma recta que passa pela origem. Portanto, aqui eles estão a relacio-nar todos os aspectos que é suposto relacionar com a proporcionalidade directa. (…) Essa ficha tava bem conseguida nesse sentido, pra eles relacio-narem bem as coisas, mas só acontece se no fim fizerem uma síntese, como eu fiz. (TECJ2)9

No segundo momento da aula, a candidata a professora iniciou a correcção da

ficha. Os alunos estavam organizados em grupos de quatro alunos. Em princípio, os

alunos estavam muito calados, ao contrário da aula anterior, Júlia atribuiu isso ao facto

de já terem feito a ficha em casa, como refere:

Sim, porque eu tinha pedido, na última aula, pra eles fazerem esta ficha em casa, portanto eles tinham feito a ficha, a grande maioria da turma tinha fei-to a ficha em casa. E proporcionalidade directa eles já deram no ano passado e já deram no ano anterior. Eles sabem. (TECJ2)

De seguida, as interacções verbais entre a candidata a professora e os alunos vão

se desenvolvendo, ela inicia a comunicação oral com uma explicação sobre o enunciado

do problema. Nesta explicação, mais uma vez, como ocorreu no decorrer da primeira

aula, ela chama os alunos pelo nome, o que identificamos como uma regra de contrato

didáctico. Os questionamentos que ela faz aos alunos, corrigindo-os em suas interven-

ções, dão origem ao padrão IRE de comunicação. Como podemos perceber no episódio

seguinte:

9 Abreviatura para Transcrição Entrevista Curta Júlia 2.

41

Episódio A

Na interacção com A3, o padrão IRE foi interrompido, quando Júlia corrigiu a

aluna e dá a resposta certa, partindo, de seguida, para outra pergunta.

Número de Paco-

tes

0

1

2

3

4

5

Custo em

euros

0

1,5

3

4,5

6

7,5

Figura 4.3 - a tabela a que Júlia se refere, que também foi escrita no quadro por ela.

O modo de interacção presente no Episódio A pode ser considerado uma comu-

nicação contributiva, uma vez que havia uma maior quantidade de participações orais

dos alunos, que não se enquadram no padrão IRE, mas que ainda é a candidata a profes-

sora a protagonista principal da atribuição de significados ao conhecimento matemático

apresentado. Mais adiante, em uma das explicações de Júlia, podemos perceber que ela

estimula o surgimento de outra solução, o que pode ser interpretado como uma norma

sociomatemática, uma solução matematicamente diferente.

Júlia: (Júlia escreveu no quadro uma tabela (Figura 4.2) que relaciona o número de pacotes com o custo em euros) … e agora? Vamos cá ver. O número de pacotes, quanto mais pacotes eu compro, mais tenho que pagar, certo? Ana Renata, certo? Luíza? Tava distráida? Vamos cá ver, aqui estão preenchidas, nomeadamente, quando eu compro, o número de pacotes é zero, o que significa o número de pacotes ser zero?

A1: não se paga nada. Júlia: não se paga nada. Não compra nada, não paga nada, certo? Eu não vou pagar se

não for comprar, não faz sentido, certo? Agora, o número de pacotes indica o quanto vou pagar. Luíza, quanto é que vou pagar se comprar um pacote?

A2: um e meio. Júlia: … agora, se eu comprar dois pacotes? ALS: 3. Júlia: agora, se eu comprar 3 pacotes? ALS: 4,5. Júlia: se eu comprar quatro pacotes? Márcia Costa? A3: 7. Júlia: Quatro pacotes são seis? Não são sete? E cinco pacotes? A4: sete euros e meio. Júlia: sete euros e meio. …

42

Episódio B

A resposta da aluna A3, possibilitou, além do surgimento de uma solução dife-

rente, o aparecimento de mais padrões IRE, na comunicação entre Júlia e os alunos,

como podemos perceber.

Todas essas interacções verbais entre a candidata a professora e vários alunos,

propiciou relacionar diferentes modos de abordar o problema, ressaltando as relações de

multiplicação e divisão presentes, bem como a constante de proporcionalidade. A expli-

cação de Júlia que segue a estas partes da aula, e estão presentes no Episódio C, enfatiza

o significado da constante de proporcionalidade:

Episódio C

Júlia: sim, então … 1,5 vezes 2 é 3, sim senhora, certa? Portanto, o que é que acon-tece? Toda vez que tem proporcionalidade directa, significa à medida que eu aumento a proporção em que eu aumento a variável, a primeira variável, a mesma proporção aumenta a segunda variável, certo? Quanto eu multiplico pra chegar ao 3? Do 1,5 pra chegar ao 4,5? Se eu multiplicar por 3, dá 4,5? Se eu multiplicar 1,5 por 3 dá 4,5? Certo? Isto é uma forma de obter-se a proporcionalidade directa. Outra, mais organizada,…

A3: é dividirmos uma variável pela outra. Júlia: exactamente. É dividirmos uma variável pela outra e obtermos um número

constante. Então vamos lá ver, dividir os pares ordenados e obter uma cons-tante. O custo dividido pelo pacote em cada caso. Vai dar sempre o mesmo valor. (Júlia vai escrevendo no quadro explicando e perguntando. Vamos cá ver, 1,5 dividido por 1. Agora 3 a dividir por 2, até agora dá tudo 1 e meio. Agora 4,5 dividido por 3? Quanto é que dá?

A4: dá 1,5. Júlia: dá 1,5. Então continua a correr bem. 6 dividido por 4? ALS: dá 1,5. Júlia: dá 1,5. 7,5 dividido por 5? ALS: dá 1,5. Júlia: dá 1,5, espectáculo. Então é proporcionalidade directa ou não é proporciona-lidade directa? ALS: é.

Júlia: eu quero que vocês pensem, eu quero que vocês pensem o que significa a constante. Toda vez que é proporcionalidade directa eu tenho que dividir uma variável pela outra variável. Neste caso as variáveis em causa são o custo e o número de pacotes. Sempre que eu divido custo pelo pacote, o custo pelo pacote, o custo pelo pacote, acho esse número, certo? Se acontecer isso, se o resultado for sempre igual, temos a proporcionalidade directa. E esse número que é sempre igual dou-lhe o nome, chamo-lhe de constante de proporcionali-dade directa, certo?

43

A questão seguinte da ficha, aborda a representação algébrica da relação entre o

número de pacotes de batata, n e o custo c. Os alunos precisavam saber qual expressão

algébrica representa a fórmula correcta para isso. Nas interacções entre Júlia e os alu-

nos, mais uma vez, sobressai o padrão IRE. Nessas interacções, ela sublinha a relação

entre a representação feita na tabela e a representação algébrica e desta passa para as

interacções verbais que conduziram à representação gráfica. Em relação a essas mudan-

ças de representação, Júlia refere, a partir das interacções verbais com os alunos:

isso é uma grande dificuldade, passar dessa representação na tabela pra aqui. exacto, pois não. (...) eles acham coisas distintas, o que está representado aqui, não é a mesma coisa que está representado no referencial. Eles acham que o que tá representado na tabela, eles entendem melhor a tabela do que o gráfico. Porque eles já usam a tabela há muitos anos, o gráfico, só no ano passado é que eles lhe deram com o referencial cartesiano. No 7º Ano de escolaridade eles aprendem a marcar pontos, agora gráficos eles viram este ano, portanto, ainda é muito abstracto. Eles entendem muito bem o que é uma função através de uma tabela, através de um diagrama sagital, mas se for através da representação gráfica com o referencial cartesiano, já é muito abstracto, eles têm muita dificuldade em ver se vai ser uma função se não, e perceber que esse ponto de coordenadas 2 e 3, significa que dois pacotes de batata custam 3 euros e que é evidente, 2 pacote custam 3 euros, entenda. (…) pois, eles não fazem isso. (TECJ2)

Além do padrão IRE, mais uma vez, podemos identificar, neste momento, no

Episódio D, a seguir, podemos perceber, no discurso de Júlia, a ênfase na necessidade

de generalizar, isso vai justificando a mudança na representação, da tabela para o gráfi-

co no plano cartesiano.

ALS: certo. Júlia: se eu não tivesse aqui nada, fosse só essa tabela, ia ser proporcionalidade

directa? A constante ia ser 1,5. Mas, nesse caso, essa tabela surgiu desta figura, que eu tinha aqui em outro contexto, certo? Este 1,5 neste problema real, aqui das senhoras que vão ao supermercado comprar batatas fritas, o que essa cons-tante de proporcionalidade tem a ver com o caso?

A8: eu. É o preço de cada pacote. Júlia: exactamente. Portanto, o significado da constante é o preço de cada pacote.

Um pacote é 1,5. A constante de proporcionalidade em qualquer situação de proporcionalidade directa é sempre o preço de um, ou se não for o preço, a constante é sempre relativo a cada um. (Júlia escreve no quadro, enquanto fala) A constante de proporcionalidade é 1,5 e representa o número de cada pacote ou de um pacote. Vocês conseguiram perceber? Tá tudo bem?

A8: Tá tudo bem.

44

Episódio D

As interacções verbais entre Júlia e os alunos, na explicação sobre a representa-

ção algébrica e o que é uma função, permanecem apresentando o padrão IRE e a comu-

nicação contributiva. A resolução da ficha com as diferentes representações da propor-

cionalidade directa, terminou após uma aluna responder no quadro à questão, referente à

representação gráfica da proporcionalidade directa (ver Figura 4.3). A comunicação

entre a candidata a professora e os alunos continuou com as mesmas características

anteriores.

Júlia: então agora, 1.3? Agora, o custo, então Lucas, o custo c em euros, pode ser relacionado com o número de pacotes n, por meio de uma fórmula, assinale com x a expressão que representa essa fórmula. (Júlia escreve no quadro, enquanto fala) Temos três fórmulas: c igual a 1,5 + n, c igual a 1,5 vezes n e c é igual a 1,5. O que é que eu ponho aqui e por que?

A9: ahmm. Júlia: vamos lá ver, dá pra perceber como é que escrevia, tem escrever como é que é

este c e como é que é este n. Vamos lá ver, o que é que é este c? A9: é o custo. Júlia: Lucas, o que é que é o c? A9: é o custo em euros. Júlia: exacto. E o n? A9: o n é o número de pacotes. Júlia: é o número de pacotes. Então vamos cá ver, eu quero uma fórmula que me dê,

que me calcule o custo às custas do número de pacotes. Pra qualquer número de pacotes, mil pacotes, qual é a operação que eu faço, para comprar mil paco-tes, tenho um custo?

A9: multiplica o custo em euros … Júlia: Lucas, como é que preenche esta tabela? A tabela dá-vos o n, certo? Vocês

iam achar o custo c, exactamente o que eu quero agora, certo? Mas aqui em meu n, o que vocês fizeram pra preencher essa tabela? Pra chegar aqui do 4, como é que fizeram pra chegar ao 6? Elisa?

A10: multiplica …

45

Figura 4.4 - Gráfico de proporcionalidade directa elaborado por uma aluna no quadro.

Na segunda parte da prática de explicação, teve lugar a correcção do exercício

do livro didáctico (ver a Figura 4.4).

Figura 4.5 - Gráfico da questão do livro didáctico

O exercício apresenta um gráfico, sobre o qual ocorrem as interacções verbais.

Nestas, Júlia ficou à frente da classe-inteira, e a questionava sobre o gráfico da questão.

46

Nas primeiras interacções verbais, identificamos o padrão IRE, a candidata a professora

estimula a comunicação oral por parte dos alunos, mas as respostas não avançam para

outros padrões de interacção, como percebemos no episódio:

Episódio E

De seguida, houve mais comunicação contributiva, até o momento no qual Júlia

explicou a questão, usando a tabela, nesta explicação, mais uma vez, chamou uma aluna

pelo nome, uma regra de contrato didáctico para a explicação:

…guê de x é a função, guê de x é a função das minhas imagens, certo? Guê de x, guê de x, o x são os objectos que estão no eixo dos x. O guê de x, o guê de x vão ser as minhas imagens, que estão no eixo do y, certo? Então o que é que eu sei? Quando x é -1, a imagem é -2,5, certo? Então eu posso escrever isso do seguinte modo, a imagem é o -1, quando x é -1, a imagem é -2,5, certo? Isto, esta forma de escrever, é mais ou menos parecido com esta tabela. Escrever y igual a -2,5, Silvia, isto na tabela é a mesma coisa, certo? Vocês têm que se habituar, guê de -1 é a imagem de -1, portanto, -1 é um objecto. Qual é a imagem de -1? É -2,5, certo? Ao mesmo tempo na tabela, onde x é -1 e a imagem é 2,5 pode escrever dessa forma, certo? Certo, certo? Então agora, escreve a expressão algébrica do que é esta função. A expres-são algébrica de uma proporcionalidade directa é Y= kx, certo? … sim é proporcionalidade directa, então, se é proporcionalidade directa a expressão algébrica vai ser Y= kx, o que é que eu faço?

Até a penúltima explicação desta parte da aula, as interacções verbais entre Júlia

e os alunos, seguiram o padrão IRE, embora a candidata a professora, em diversos

momentos, tenha questionado os alunos, em um desses momentos, uma aluna não res-

pondeu ao seu questionamento e, em outro, só um aluno ia respondendo. A resposta

Júlia: … eu quero chegar lá. Lucas. Vamos lá outra vez, observe a figura. Diz que vocês observem, um gráfico, eu observo o referencial cartesiano, eixo do x, eixo do y, certo? (Júlia escreve no quadro enquanto fala) eixo dos x é o eixo das abscissas, o eixo dos y é o eixo das ordenadas, certo? Lucas, agora tenho aqui uma recta desenhada neste referencial, certo? …Lucas, esta recta é uma função?

A9: é. Júlia: por que? A9: porque … Júlia: … por que quando eu apanho a função, se eu traçar rectas verticais, …o eixo

dos x é onde está a variável independente, certo? Essa abscissa, por exemplo, … a função é esta recta. Então qual é a imagem? É esta aqui. Este objecto tem mais do que uma imagem?

A13: não.

47

deste aluno, antecede a explicação da candidata a professora e altera as características

da comunicação entre eles como podemos perceber no Episódio F:

Episódio F

Essa alteração na comunicação oral, entre Júlia e o aluno, ocorre, como vemos,

porque este aluno afirmou não compreender a diferença entre as notações usadas para

representar a imagem de uma função. A comunicação oral foi usada para compreender a

comunicação escrita. A dificuldade do aluno com a comunicação escrita fez Júlia, em

sua explicação, sublinhar a necessidade de ter cuidado com as letras que vai usar, para

evitar confusão, evitar a incompreensão no uso da comunicação matemática escrita “ela

só pode se chamar ou f ou g ou h ou i ou j ou k ou o que eu quiser, n pode ser o que qui-

ser. Pode ser n de x, i de x, f de x, só não podemos chamar x de x e y de x, precisamen-

A19: …é o f de não sei quê. Júlia: o f, é este f aqui que te chateia, não é? Isto é outra forma do y, das imagens. O

f de x continua a ser as imagens. Pra ficar y de x, não sabe que é f de função, mas isto é igual a y, certo? Y de x é que não, porque, por esta razão, se tiver f de x, eu digo que a função se chama f. Se eu chamar y vai ser uma confusão, uma função f, tá certo? Isto é o eixo do y, isto é o eixo do x, eu tenho uma fun-ção que se chama y. É uma confusão. Ela não pode se chamar y, ela só pode se chamar ou f ou g ou h ou i ou j ou k ou o que eu quiser, n pode ser o que qui-ser. Pode ser n de x, i de x, f de x, só não podemos chamar x de x e y de x, pre-cisamente, porque essas letras já são usadas no referencial. O eixo chama-se x, o eixo chama-se y e a recta chama-se y também, é uma confusão, tão a perce-ber? … então vamos cá ver. Qual é a imagem do -5 g, Silvia?... é uma propor-cionalidade directa, eu já sei que qualquer imagem vai ser a constante vezes o objecto, certo? Como aquela fórmula do número de pacotes, tínhamos que saber o preço de um pacote, que é constante, vezes o número de pacotes, certo? Então y, que é a variável independente, vai ser igual à constante vezes a variá-vel dependente, que é o próprio x, certo? E aqui que a minha constante, neste caso, é 2,5, certo? E o y é igual a 2,5 vezes x, certo? Mas minha função tem nome, g de x. Eu já sei g de x igual ao y, certo? Eu posso substituir o y por g de x, tá bem? É só um nome. Qual é a imagem de -5 por meio de g? É fácil, g de -5.

A19: mas qual é a diferença, se é o y ou o g? Júlia: não há diferença nenhuma. A19: … é confuso. Júlia: … com o tempo deixa de ser confuso. É um nome, certo? É um nome, certo? A19: por que que precisa ser g? Júlia: porque o g é um nome. Se vocês quiserem achar o g de -5, vocês perguntam

qual é a imagem de -5 por meio de g, podemos escrever isso dessa forma, se fosse com y não posso escrever isso. Vocês tem que se habituar a escrever isso, com o tempo se habituam, certo?

ALS: certo.

48

te, porque essas letras já são usadas no referencial”. Em sua explicação, fez uma analo-

gia com uma situação anterior, que estava na ficha e, mesmo assim, percebemos que o

aluno ainda não compreendeu o significado por trás das diferentes notações. Diante da

situação exposta, a candidata a professora terminou recorrendo ao “tempo” e à necessi-

dade de os alunos “terem de se habituar”, para alcançarem a compreensão.

Com a conclusão da correcção desta questão do livro didáctico, teve início o

terceiro e último momento da aula, a parte final, na qual Júlia escreveu no quadro e

explicou o que seria o TPC.

Síntese da Segunda Aula

Nesta segunda aula de Júlia, a sua prática de comunicação apresenta a comuni-

cação contributiva, com o padrão IRE, nas interacções verbais sobre as diferentes repre-

sentações da proporcionalidade directa (por tabela, por expressão algébrica, por gráfi-

co). A dificuldade de compreensão das ideias matemáticas apresentadas pelos alunos,

mais uma vez, aparece como um factor que influencia a prática de comunicação da can-

didata a professora. Nesta aula, esta dificuldade surgiu na compreensão da utilização das

diferentes notações usadas para representar a imagem de uma função. Júlia recorreu à

comunicação escrita para contribuir na superação da dificuldade do aluno. Diante de um

aluno questionador, que não compreendia a representação da imagem de uma função, a

candidata a professora explica muito, mas não alcança êxito. Por fim, na busca de ajus-

tar a sua prática de comunicação à característica questionadora do aluno, Júlia posterga

a compreensão deste, deixando para o “tempo” e para o “hábito” o alcance desta com-

preensão.

Aula 3: Proporcionalidade, triângulos, planos nas prateleiras, quilómetros e milhas A Aula A terceira aula ministrada por Júlia, no 8º Ano, referiu-se ainda à proporcionali-

dade directa, sendo esta representada pelas funções lineares e afim, uma questão refe-

rente à relação quilómetros/milhas e geometria espacial e ocorreu no dia 25 de Feverei-

ro de 2008. A referida aula pode ser dividida em dois momentos: o primeiro é a introdu-

ção, no qual ocorreu a chamada dos alunos, a cobrança dos trabalhos de casa e o resumo

da aula passada. No segundo momento, desenvolveu-se a prática de comunicação, divi-

49

dida em correcção das actividades referentes à função, usando o projector de slides e

correcção da ficha das revisões. Esta ficha tinha por objectivo revisar conceitos que

poderiam surgir no teste.

No momento referente à prática de comunicação, pude identificar diferentes

formas de comunicação, desenvolvidas nas interacções entre o professor e os alunos e

entre os alunos. Essas formas de comunicação foram os diálogos, a comunicação con-

tributiva, a explicação de ideias matemáticas e a negociação de significados de concei-

tos matemáticos.

No primeiro momento, a introdução, Júlia fez a chamada dos alunos e, pediu

para que começassem a entregar os trabalhos de casa:

Meninos, portanto, o trabalho de casa era o exercício 2 da ficha. …Eu hoje não vou recolher nada. Calma, ainda. Portanto, eu vou ver esse trabalho de casa e vou devolver o exercício 12, da página 57. …Ainda por cima 4 meni-nos nesse dia faltara (…) (Júlia está com os materiais sobre uma mesa, em frente à classe-inteira, e vai chamando os alunos para entregar os trabalhos de casa). Barbara Coelho, trabalho de casa. Silvia, trabalho de casa. Raul, trabalho de casa. Elisa, o trabalho de casa. Luíza, trabalho de casa. Felipe, o exercício 12, da página 56. O exercício 12, da página 56. Tá muito baru-lho!... Agora, Frederico, o trabalho de casa. Trabalho de casa, exercício 12, página 56. Cristina, trabalho de casa. Agora, João Melo. João de Assis, tra-balho de casa. Trabalho de casa. Madalena, trabalho de casa. Madalena, tra-balho de casa. Catarina, trabalho de casa. Pedro, trabalho de casa. Claúdia, trabalho de casa. Graça, trabalho de casa. Cintía, trabalho de casa. (TAJ3)

Nesse momento, podemos identificar o uso da comunicação como regulação,

feito por Júlia, para coibir as participações perturbadoras:

Tá muito barulho! O que é isso! Eu não posso fazer chamar chamada! Preci-sa eu tá a gritar pra vocês calarem, não sabem tá sossegados! Sofia, o traba-lho de casa. Tiago, o trabalho de casa! Bem, Márcia Silva! Lucas, trabalho de casa. Tá em pé, porque? Pediu a alguém pra se levantar? (TAJ3)

De seguida, Júlia aborda brevemente o resumo da aula passada:

agora, vamos fazer o resumo da aula passada, faz favor. A aula vai começar. Então vamos lá, meninos. Na última aula, trabalhamos aquela ficha que tra-balhava função afim e função linear. Eu não falei e não vou falar do teste. …Eu vou começar. (TAJ3)

50

Júlia anuncia o que será abordado na aula, antes de iniciar a sua prática de

comunicação “Portanto, vamos fazer a revisão da função afim, já falei na última aula e

depois da função linear e depois fazer exercícios, certo?” (TAJ3) Na correcção das acti-

vidades referentes à função afim, ela começa usando um projector de slides para isto.

Neste início da comunicação na sala de aula, directamente relacionada à aprendizagem

dos alunos, podemos perceber o surgimento do padrão IRE de interacção, seguido de

um diálogo, como vemos no Episódio A:

Episódio A

A afirmação pelo aluno, o seu pensar alto, no diálogo do Episódio A, apesar de

errada, propicia uma breve interacção, na qual Júlia aproveita o erro dele para reafirmar

o que disse na explicação anterior.

No Episódio B podemos ver mais riqueza em um diálogo entre a candidata a

professora e o mesmo aluno.

Episódio B

Júlia: então vá. Primeiro, uma função afim é quando eu tenho uma função do tipo f(x) = kx + b. Ao invés de f(x) eu posso escrever simplesmente y, certo? (Júlia vai explicando e mostrando o que está escrito no projector de slides). Y igual a kapa x mais b. Onde f(x) representa as imagens da função e x representa o quê?

ALS: os objectos. Júlia: os objectos. No eixo dos x eu vou representar os objectos e no eixo dos y eu

vou representar as imagens. O f(x) é o y. F(x) é só uma maneira de eu escrever y, dando mais informação. Y é as imagens. As imagens de quem? Do x. F(x) são as imagens de x na função que se chama f ou na função que se chama g.

A5: o f é substituído pelas imagens. Júlia: não é o f. O x vai ser substituído pelos objectos e o resultado vai ser o valor da

imagem. A5: mas não é o f? Júlia: o f é apenas um nome da função.

Júlia: vamos continuar com a conversa? Toda a gente percebe esta frase? Tenho aqui minha função f. Se eu for ao eixo dos x e encontrar o objecto 2, vou ver que sua imagem nesta função é 3, certo? Outra forma que eu tenho pra escrever tudo isso, é dizer…

A5: posso dizer? F de 2. Júlia: e tem que por entre parênteses. A5: é igual a 3. Júlia: dá pra perceber? Não? A5: o kapa é 3.

51

Neste Episodio B, podemos perceber que o aluno está se referindo à representa-

ção da função e, Júlia, à imagem do objecto. Os dois estabelecem contacto, como o uso

de uma question tag (ou palavra de adesão). Ela percebe que o aluno está apresentando

respostas erradas, entretanto, em nenhum momento, diz que o aluno está errado, ela vai

aproveitando o que ele diz para posicionar-se e dizer que está se referindo à imagem.

De seguida a este diálogo, Júlia passou a explicar a diferença entre função afim e

função linear, usando em princípio o quadro e depois o slide, como podemos depreender

do extracto:

E agora vamos ver as funções afim. São as funções lineares que são rectas, certo? Agora vamos ver o que é uma função afim, função linear. São rectas. Portanto vou escrever. (Júlia passa a escrever novamente no quadro, após apagar o que estava escrito nele). Eu quando tenho rectas, consoante elas passam na origem ou não, são afins ou lineares, certo? Todas as funções afins são funções que não vão passar na origem. Por exemplo, esta função, certo? Para nós percebermos, através daquela tabela, que havia uma relação entre o ponto que elas cruzavam o eixo dos y, ordenada b, coordenada na origem e depois a quantidade de y associada às imagens de cada objecto. O Victor no mês de Janeiro tinha 3, no mês de Fevereiro tinha 4,4, depois era 5,5, depois 5,8 e ia somando 1,4. A essa soma de 1,4 eu chamo declive. Então eu vou chegar a fazer uma pequena síntese. Portanto, há um kapa nes-ta função. Todas as funções que são rectas que não passam na origem, têm uma expressão geral que é y igual a kapa x mais b. Este kapa que multiplica o x é o declive da recta e o b vai ser a ordenada na origem. Portanto, todas essas funções são rectas que passam no ponto 0, b. Precisamente o b é a ordenada na origem. Este ponto tá no eixo dos y …deixe-me acabar, depois vocês fazem a pergunta, faz favor. Este ponto que corta o eixo dos y nas coordenadas 0,b, certo? Não tá certo? (TAJ3)

Apesar da candidata a professora ter pedido para os alunos esperarem ela con-

cluir a explicação, para fazer perguntas, sendo esta uma regra de contrato didáctico

Júlia: o kapa tem a ver com o caso particular de funções que são rectas, não é o caso de isto é uma recta. Em qualquer função isto representa sempre um ponto. Um ponto que tem este objecto e que tem essa imagem.

A5: esta função se quizéssemos ficava f de x igual … Júlia: não. Isto é uma recta. Isto é uma coisa, uma função qualquer. Eu não tô aqui a pedir expressão nenhuma. Só tô a pedir a imagem de um determinado objecto. (Júlia

vai apontando para o projector de slides, enquanto fala).

52

identificada em outras aulas, não surgiram perguntas destes, neste momento da aula.

Júlia prosseguiu explicando sobre a função que tem equação 2x + 1. Desta explicação,

podemos inferir que há uma clareza quando ela se refere ao significado do 1, a ordenada

na origem, no entanto, ao se referir ao 2, o kapa, ela própria sublinha (…) “Agora o

kapa, o kapa é um bocadinho mais difícil. Vocês têm que saber que o kapa é o valor que

o y aumenta toda vez que o x aumenta 1”(…) (TAJ3)

O declive da recta, representado pelo kapa, é o conceito sobre o qual Júlia dialo-

ga com um aluno, no diálogo do Episódio C.

Episódio C

O aluno demonstra, através de seu discurso, insipiência na relação entre a repre-

sentação algébrica e geométrica da recta. Em relação a esta perspectiva do aluno, Júlia

refere:

Eu percebi, que na última aula já tínhamos falado sobre isso. Não foi total-mente novidade, eles já tinham umas ideias do que tinham que dizer, depois eu comecei a perceber que eles estavam a perceber, quando eu comecei a ver: ah! Este ah! Finalmente, percebi. Porque já falamos nisso a alguns dias. E eu tenho sentido que não está a ser fácil, que muitos deles estão com algumas dificuldades. Hoje percebi que alguns deles perceberam. Quando eles chegaram naquela parte, a recta intercepta o eixo do Y nesta ordenada, já dito algumas vezes. Porque eu não consigo dizer isto de outra maneira.

Júlia: (Júlia passa a explicar no quadro, enquanto desenha o gráfico) por exemplo, tentem descobrir a equação. Vou tentar por aqui.

A5: mas pra ter o declive a stora não pode ter a recta. Júlia: eu posso ter a recta. A5: mas com a recta a stora não sabe os pontos. Júlia: sei que este ponto tá na recta, tem coordenadas 0,1. Sei que este ponto tá na

recta, tem coordenadas 1,3. A5: mas qualquer ponto nessa recta pode ter coordenadas. Júlia: pode ser uma recta no sentido de ter infinitos pontos e todos os pontos têm

coordenadas. A5: mas aí obviamente a stora ao fazer a recta fez os pontinhos só que ligou a recta,

pra saber o declive tem que saber só os pontinhos, não preciso da recta pra mais nada. Com a recta é ainda mais difícil.

Júlia: vamos lá ver se deu pra perceber. (Júlia vai desenhando mais no gráfico que já estava no quadro, aumentando as rectas). Vocês têm, então meninos, vamos cá ver. A esta recta posso chamar l.

A5: pode. Júlia: então vai ser a recta l de x é igual, certo?

53

Portanto, eu já tinha dito isto, só que eles ainda não tinham percebido exac-tamente o que eu queria dizer. Hoje, eu senti que grande parte a turma per-cebeu o que eu queria dizer. Em relação ao declive, senti que algumas pes-soas perceberam. No caso da linear, acho que a turma inteira percebeu. Acho. (…) Porque quando eu pergunto, quando eu perguntei. Eles disseram porque eu perguntei, eles dizem em princípio que estão a pensar da forma correcta. Quando eu fiz o outro exemplo ali, dava -3, parte da turma tam-bém percebeu: ah! Então 10 menos 3. Quando eles fazem aquele ah! Tentam dizer, acho que sim. (TECJ3)10

Apesar desta positividade em relação à compreensão do declive da recta, pelo

menos no caso linear, Júlia aponta algumas limitações nesta compreensão dos alunos,

revelada também através da comunicação oral:

(…) Eu não diria bom. Foi mediano. Porque é uma matéria muito recente é muito abstracta pra o que eles estão habituados a fazer. Muitos deles acha-vam que era função é da forma kx. Eles não entendem que o k vai ser parti-cularizado em cada recta. Pra cada recta há um k, mas o x é genérico o x representa todos os objectos. Vai representar as abcissas de todos os pontos, que são infinitos. Eles não têm… (…) Eles não têm essa percepção. Portan-to, muitos deles disseram que ficava 2k, que a variável era o k e não o x. O x é que é variável. Eu sinto que isto ainda …é pena porque essa matéria eu gostava de estar mais tempo a trabalhar com eles. Mas segundo o programa só tem mais duas ou três aulas a falar sobre isto, acho que é pouco. Acho que eu precisava batalhar mais, porque é natural. Eu sinto e percebo que é natural a dificuldade deles, porque é uma abstracção muito grande pra o que eles estão habituados. Eles estão habituados a particularizar, com números. E pensar ainda uma expressão da forma kx é só letras. (…) Muito difícil. Em que o x vai ser sempre x e o k vai mudando números. (TECJ3)

As dificuldades acima referidas pela candidata a professora são, nomeadamente,

o infinito e a generalização. No Episódio D, podemos corroborar as dificuldades dos

alunos, sobre o declive da recta:

10 Abreviatura para Transcrição Entrevista Curta Júlia 3.

54

Episódio D

Júlia, mais adiante, explica o significado do declive da função linear:

(Júlia vai explicando usando o projector de slides) Uma função linear ou uma função de proporcionalidade directa. É da forma f de x igual a kapa x, ou seja, é a mesma coisa que tá aqui mais zero. O que é que acontece? Nes-sas funções a ordenada na origem vai ser zero, ou seja, corta o referencial na origem, é uma recta que passa na origem. Portanto, é uma recta que passa na origem do referencial. Aquele kapa, nas funções de proporcionalidade direc-ta, nas funções lineares, o kapa além de ser o declive da recta é a constante de proporcionalidade directa e a imagem do objecto 0, porque é a imagem do objecto 1. Por exemplo, eu tenho aqui uma função, que é uma recta que passa na origem, toda a gente concorda? (TAJ3)

Apesar de, erroneamente, em seu discurso, falar em “imagem do objecto 0”, e

depois em imagem do objecto 1, o que poderia causar dificuldade na compreensão dos

alunos, um pouco mais adiante, em sua interacção verbal com eles, Júlia explica como

escrever a expressão algébrica da função, o que permite clarificar a dificuldade anterior,

No final desta explicação, podemos identificar o início de uma negociação do significa-

do da expressão algébrica da função, como vemos no Episódio E:

Júlia: então o kapa é este 1 que eu subo. A5: se subir 2 é 2. Júlia: se subir 2 é 2. Por exemplo, se a recta fizesse assim, sei lá … A5: stora Júlia: diz. A5: mas aí pode subir 1 e se for um ponto aí no meio sobe menos. Júlia: não querido, se eu sei aqui do meio e se eu andar 1 pra direita vou subir exac-

tamente 1 outra vez para chegar à recta. Seja qual for o ponto que tu escolhes, ao andar pra direita, se há um ponto em que tu tens que andar pra direita para chegar à recta, em todos os pontos isto tem que acontecer.

A5: se a stora andar 2, também chega lá. Júlia: não, mas o declive é quando x aumenta 1, o x tem que aumentar 1, quanto é

que aumenta o y? Se o y é 2, o kapa 2, o y é 3, o kapa é 3, menos 1, o y desce menos 4, o kapa é menos 4. Quando o x é 1, anda 1 pra direita, depois sobe ou desce pra chegar lá em cima. Pra descer a recta eu vou tentar desenhar uma que desce. (Júlia apaga o quadro). O x é sempre pra direita. (Júlia apaga o qua-dro e desenha o gráfico com quadriculados). Tá aqui a origem do referencial, certo? Por exemplo, se estiver aqui esta recta. Esta recta vou chamar o que? G?

55

Episódio E

De seguida, Júlia passou à correcção de mais uma questão do livro didáctico

(reproduzida na Figura 4.5). Nesta questão, a comunicação escrita, usando a língua

materna para escrever sobre Matemática, contribuiu para o surgimento, durante a aula,

do diálogo oral com base em textos escritos.

Figura 4.6- A questão livro didáctico

A correcção desta questão propiciou o diálogo do Episódio F:

Júlia: logo, pra eu escrever a expressão algébrica desta função, basta fazer o valor do declive vezes x. Acontece que aqui o declive da função é também a cons-tante de proporcionalidade directa e é a imagem do objecto 1. Então o que é que eu faço? No valor de x eu localizo o objecto 1, o ponto de ordenada 1 qualquer coisa. É este ponto, porque o eixo do x tem a imagem do objecto 1, portanto, objectos no eixo do x, objecto 1 tá aqui, a imagem é 2, certo? Então qual é a expressão algébrica desta função?

A9: f de … Júlia: a expressão tem que ser genérica, pra qualquer x. A10: f de x igual a 2. Júlia: f de x igual a kapa x. Kapa é que eu substituo pelo valor do declive, da

constante, da imagem do objecto 1. A11: 2x. Júlia: exacto.

56

Episódio F

Podemos ver que Júlia, no primeiro momento estabelece contacto com uma das

alunas, através de uma pergunta, mas não confirma se está certa ou errada, passa aos

outros alunos, a responsabilidade pela confirmação ou negação da resposta da aluna.

Com a confirmação dos outros alunos, a candidata à professora faz a mesma pergunta a

outra aluna, uma vez que a resposta da primeira aluna está incompleta. A outra aluna

completa o que faltava e Júlia junta as duas respostas das alunas em seu discurso, para

passar novamente à turma a responsabilidade pela validade da mesma.

Na questão seguinte, apresentada no slide, Júlia começa referindo-se ao gráfico

abaixo (Figura 4.6). As interacções verbais, na primeira parte desta correcção, estão no

Episódio G.

Figura 4.7 - Gráfico da correspondência g apresentado no slide.

1 2 3 4 5

1

2

3

4

x

y

Júlia: agora, página 62, número 1, o exercício 59. Tá escrito. Meninos, eu quero Cristina no primeiro. Toda a gente já tem o exercício? Observem atentamente os gráficos. Numa pequena composição explica porque o primeiro não é pro-porcionalidade directa. Cristina por que que o primeiro não é proporcionalida-de directa?

A12: por que não é uma recta. Júlia: por que não é uma recta, vocês concordam? ALS: sim. Júlia: agora Márcia Costa, por que que o primeiro não é proporcionalidade directa? A13: porque passa na origem do referencial. Júlia: porque passa na origem do referencial. Porque passa na origem do referencial,

precisamente, sempre que é proporcionalidade directa tem que ser uma recta e tem que passar na origem, certo?

ALS: certo.

57

Episódio G

Na primeira parte desta interacção verbal, podemos identificar Júlia referindo-se

ao gráfico da correspondência g (Figura 4.6) e estabelecendo contacto com uma das

alunas para, de seguida, passar a referir-se, em seu discurso, à correspondência g. Após

sua pergunta, acerca de g ser ou não uma função, as respostas deixam de ser apenas de

uma aluna e se ampliam a outros alunos, quatro alunos. Cada um desses alunos, apro-

veita a resposta de seu par, para compor seu próprio pensamento, expresso em seu dis-

curso. Trata-se, portanto, de um discurso multivocal.

De seguida, às interacções acima referidas, Júlia passou a explicar, usando o

slide, a correspondência g, sublinhando o que é necessário para esta ser uma função:

Aqui cada um só pode ter uma imagem, mas pode haver elementos que são ponto, que não tenham imagem, dá pra perceber a diferença? Se eu tiver um diagrama, no conjunto de partida, todos têm que se fazer corresponder. Todos têm uma correspondência e só pode ter uma. Minha questão é quem tem só pode ter uma. No caso dum gráfico, quando eu represento uma fun-ção no referencial, o que importa é que cada abcissa só se faça corresponder a uma ordenada, certo? (TAJ3)

No Episódio H, temos um diálogo referente ao conceito que Júlia estava expli-

cando acima.

Júlia: portanto, o próximo. Vamos considerar esta correspondência que eu chamei g, tá bem? Presta atenção, faz favor. Célia.

A15: diga professora. Júlia: tá sempre tão distraída que não percebe nada. Meninos, toda agente está a

olhar bem pra correspondência g? A16: sim. Júlia: posso? A16: pode. Júlia: portanto, primeiro, primeira pergunta, Silvia, trata-se de uma função? Justifi-

ca. A17: sim. Júlia: sim, porque? (alguns alunos levantam a mão para falar) A17: os numerozinhos de baixo. Júlia: os numerozinhos de baixo, alguém ajuda a Silvia a recordar como é que cha-

ma os numerozinhos de baixo? A18: os objectos. A19: os objectos que tem uma imagem A20: que têm uma e só uma imagem.

58

Episódio H

No primeiro momento do diálogo, o aluno faz uma analogia entre os números do

eixo das abcissas, os objectos, e nomes de times de futebol. O aluno está percebendo o

que a candidata a professora explicou há poucos minutos e, através de seu discurso,

busca mais esclarecimento. Júlia confirma a ideia deste aluno e desenvolve uma expli-

cação onde também aproveita nomes de times de futebol, em uma analogia. Na próxima

participação do aluno no diálogo, ele posiciona-se, afirmando “então se tivesse os

objectos com nome e as imagens sem nome, por exemplo, batatas, laranjas e não sei que

mais, se não tivesse nome, então não era função” (TAJ3). Após muitos alunos falarem

ao mesmo tempo, a candidata a professora reformula o posicionamento do aluno

“meninos, nós estamos aqui a desviar do objectivo. Se eu quiser, Pedro, fazer um refe-

rencial com batatas, laranjas e não sei quê, não vou usar o referencial que tá aqui, há

outras formas melhores de fazer essa representação” (TAJ3). Por fim, Júlia corrobora a

Júlia: estão a perceber? O importante é ver quem tem. O 3 só tem imagem 1. A5: stora, em vez de estar 1, 2, 3, 4, Lisboa, Porto, Aveiro e Coimbra, se Coimbra

não tivesse já não era função. Era? É? Júlia: é. ALS: (falam ao mesmo tempo, está ináudivel). Júlia: péra, ouçam lá, meninos, prestem atenção. (Júlia explica usando projector

de slides) Normalmente, se eu quero usar o referencial de uma determinada função, o que eu vou pegar são números, não são nomes, se quiser fazer uma correspondência e considerar seja lá o que for, vou usar diagramas, vou usar tabelas, vou usar um gráfico, porque num gráfico é eixo do x é a recta real, eu vou usar números reais, eu pego os números que eu quiser no eixo dos x e vou a outros números. No referencial zero, ao zero eu associo o Porto e ao 20 eu associo o Coimbra. Os números que estão todos no eixo, não é Porto, Coimbra, Aveiro, é 0, 1,2,3,4, por fora e eu os associo a um nome.

A5: então se tivesse os objectos com nome e as imagens sem nome, por exemplo, batatas, laranjas e não sei que mais, se não tivesse nome, então não era fun-ção.

A21: era! ALS: (falam ao mesmo tempo, está ináudivel). Júlia: meninos, nós estamos aqui a desviar do objectivo. Se eu quiser, Pedro, fazer

um referencial com batatas, laranjas e não sei quê, não vou usar o referencial que tá aqui, há outras formas melhores de fazer essa representação.

A5: tá bem. Júlia: tá bem? Portanto, toda a gente a pensar, trata-se de uma função, porque

cada objecto possui uma e uma só imagem, certo? Agora, Sofia, me diga o domínio e o contradomínio da função.

59

necessidade de usar os termos matemáticos na representação oral das funções, sendo

isto o que a torna uma justificação matematicamente aceitável, uma norma sociomate-

mática, explicitada pela candidata a professora, em resposta a uma hipótese de um alu-

no.

Nas interacções verbais que seguem nesta aula, entre Júlia e os alunos e entre os

alunos, podemos identificar uma comunicação contributiva. Esta comunicação ainda é

referente ao domínio, à imagem e ao contradomínio da correspondência g. Concluída a

correcção das actividades, utilizando o projector de slides, Júlia passou à correcção da

ficha das revisões. Esta ficha tinha por objectivo revisar conceitos que poderiam surgir

no teste. Os alunos ficaram organizados em duplas para resolver as questões da ficha. A

candidata a professora deu-lhes 10 minutos para este trabalho.

Júlia deslocava-se pela sala, atendendo aos chamados dos alunos nas duplas, que

queriam tirar dúvidas ou avaliar a pertinência de suas respostas. A primeira questão da

ficha, referente à medida do comprimento da hipotenusa de um triângulo rectângulo,

provocou algumas interacções presentes no diálogo do Episódio I:

Episódio I

Os alunos também demonstraram lembrar-se da Desigualdade Triangular, para

justificar a eliminação do 10, como hipotenusa do triângulo rectângulo de lados 3 e 6,

como referiu a aluna A15 “Ela eliminou o 10, porque a hipotenusa não pode ser maior

que a soma dos dois catetos” (TAJ3). Essa resposta da aluna levou Júlia a explicar aos

Júlia: os 5 quilómetros. (Júlia circula pela sala de aula enquanto os alunos traba-lham nas duplas, a seguir ela passa a corrigir e vai escrevendo no quadro explicando). No 2, no 1.2, A Maria não conseguiu calcular toda a vida, ela não fez contas, ela olhou pra lá (aponta para o retroprojector) e conseguiu eliminar cada uma das etapas. Ela fez em partes. Agora indica uma razão pela qual a Maria possa ter eliminado o 5? Márcia Costa.

A13: ela eliminou porque o comprimento, não pode, tem que ser maior na hipotenu-sa.

Júlia: vamos cá ver, ela quer a hipotenusa, certo? (Júlia escreve no quadro). A5: a hipotenusa tem comprimento sempre maior do que cada um dos catetos. Júlia: do que cada um dos catetos. Precisamente, se um cateto é 3 e o outro é 6, a

hipotenusa vai ser definitivamente maior que 6, porque a hipotenusa é o maior dos lados. Um é 3 outro é 6, a hipotenusa tem que ser maior que 6. Portanto, 5 nunca poderia ser e a raiz de18 também não, porque na calculadora a raiz de 18 dá 4 vírgula qualquer coisa, que é menor que 6. Tá fora de questão. Agora, por que que ela eliminou o 10? O 10 é maior que 6, Célia?

60

alunos o conceito de Desigualdade Triangular, embora eles já tenham estudado isso

anteriormente, no 6º e no 7º Ano, uma vez que o currículo é em espiral:

(Júlia desenhou no quadro um triangulo rectângulo de lados 6, 3 e h) agora meninos, vamos cá ver. Em qualquer triângulo, meninos! Meninos, não! Atenção, faz favor! Em qualquer triângulo, qualquer triângulo, não tem que ser rectângulo. …não estavas a trabalhar! Foi só impressão minha, tu esta-vas a rir? Foi impressão minha, não foi Célia? Estavas a trabalhar. Vamos cá ver, num triângulo, esta pergunta, pra responder agora esta parte a exclusão do c, não é pra recorrer a cálculos. Tem que pensar em algo, que vocês já estudaram antes, que se chama Desigualdade Triangular. Célia, o que acabei de dizer? Célia, o que acabei de dizer? Não percebeste ao usar o verbo erra-do? Não ouviste? Percebeste, eu tinha que perceber, disseste uma gracinha, qualquer pessoa percebe! Tu não me ouviste! (Júlia passa a explicar escre-vendo no quadro) Vamos cá ver meninos, a Desigualdade Triangular diz-me que num triângulo, por exemplo se eu tiver aqui um lado e for 10 cm, tiver outro com 3 e outro com 7, eu não vou conseguir construir nenhum triângu-lo com esses lados. Aqui tem 10, certo? Se eu tentar inclinar este aqui, o 3 e tentar inclinar este aqui, o 7, eles não vão unir, porque esses dois juntos são precisamente o 10, se eu tentar levantar esses lados, já não há triângulo. Agora temos que pensar … diz? Quem levantou … Agora se for menos, se tiver aqui 1 cm? (…) então não vai dá, este tem 3 cm, aquele tem 7, então não vai dá. Então o que é que acontece? Os outros dois juntos têm que ser maior que este, maior, certo? (…) os dois juntos, os outros dois, por exem-plo, (Júlia apaga o quadro parcialmente) por exemplo, se este aqui tivesse 4 cm, já ia dar. Tenho aqui um com 10, este agora tem 4 e este aqui vai ter 7. Tá muito baixinho, mas vai dar de certeza, estão a perceber? Portanto, os outros dois juntos têm que ser maior do que este, ou seja, qualquer lado tem que ser inferior, o que é que aconteceu aqui? (…) meninos, portanto, qual-quer lado do triângulo tem que ser menor que os outros dois juntos, certo? Eu tenho aqui um lado mais outro. Dois lados têm que ser maior que o ter-ceiro e este 6 mais o 3 dá 9, certo? A hipotenusa tem que ser menor que 9. Se for 9 já não vai dar triângulo nenhum, estão a perceber? Portanto, a hipo-tenusa tem que ser maior que 6, mas tem que ser menor que 9. Tem que ser maior que 6 por causa do Teorema de Pitágoras e tem que ser maior que 9 por causa da Desigualdade Triangular. Não podia ser 10, porque 10 não há triângulo nenhum, percebe? Se este aqui medir 6, este aqui vai medir, este aqui mede 10, certo? Este aqui vai medir 3? O outro mede 6. Eles não che-gam a unir. Quanto mais se eles levantar, se eles levantar. Se eu levantar este vai parar aqui e eles nunca se vão unir, dá pra perceber? Os outros um é 3 e o outro é 6 não chega, não podia ser 10, nem 9, se fosse 9 eles se unem em linha …maior que 6 e menor que 9, certo? Portanto, a opção c não pode ser, porque num triângulo de lados 3 e 6 o terceiro nunca podia ser 10, …tinha que ser menor do que 9, certo? Mas também não podia ser 9, tinha que ser imediatamente inferior a 9 (…). (TAJ3)

61

Referindo-se ao modo como encarou essa explicação, Júlia revela que o conhe-

cimento do currículo, um dos aspectos do conhecimento didáctico de Matemática,

influenciou a sua explicação, como afirma:

Exacto, portanto, a minha descrição não foi brilhante, tenho consciência dis-so, mas para relembrar uma ideia que eles já sabiam, achei que era necessá-rio pegar, dar contra-exemplos, dizer quando é que não funciona. Portanto, a minha explicação não foi brilhante, tenho consciência disso, mas também era só uma questão de lhes contar, porque muitos deles não tinha se lembra-do. O nome, muitos deles não se lembra de desigualdade triangular nada. Alguns deles, os alunos mais aplicados, lembraram-se, ah! Desigualdade triangular, ouvi isso de um ou outro aluno, a maioria da turma não se lem-brava do nome, mas certamente devem se lembrar que em um triângulo não posso ter quaisquer, não é quaisquer três lados que formam um triângulo. (TECJ3)

Para a candidata a professora, portanto, essa explicação teve um carácter de revi-

são, de relembrar aos alunos um conceito já visto anteriormente e que agora era impor-

tante para justificar a exclusão de um item de uma questão.

Na questão 2 da ficha de revisões, era necessário o conhecimento de geometria

espacial. Na interacção entre Júlia e um aluno, podemos encontrar a uma negociação de

significados sobre o conceito de recta paralela no plano e no espaço, quando se referiam

às prateleiras da estante (Figura 4.7). O Episódio J, mostra a interacção:

Figura 4.8- Estante da questão 2 da Ficha de Revisões

62

Episódio J

De seguida, ainda prosseguem a comunicação referente às rectas paralelas e pla-

nos paralelos, em um diálogo apresentado no Episódio L.

Episódio L

Júlia: há infinitos planos. Meninos isto é importante!! Um plano não tem que ser uma tábua ou uma folha de papel, eu o imagino a passar por vários pontos. Eu posso imaginar quando passa aqui.

A5: então neste caso todos esses são paralelos? Júlia: exactamente. Esses quatro são paralelos. A5: todos esses que estão na horizontal, são paralelos? Júlia: sim. Exactamente. Vamos me dizer outra recta paralela a FG. A27: JK.

Júlia: próxima questão, exercício 2. Então eu tenho aqui, o Paulo, para ordenar a sua colecção de livros resolveu colocar em sua casa uma estante em metal igual à da figura. Então vamos cá ver uma recta paralela a esta aqui.

A5: eu sei. Júlia: Pedro quer vir aqui? A5: mas eu quero fazer a outra. Júlia: venha cá. A5: tá bem. (o aluno aponta as rectas paralelas da figura do retroprojector). Júlia: onde é que tá a FG? (o aluno aponta na figura do retroprojector). Toda a gente

tá a ver o FG? Toda agente localizou a FG no desenho? ALS: sim. Júlia: Ô Pedro há uma recta paralela a FG? EH (o aluno aponta na figura do retro-

projector). Toda a gente concorda? ALS: sim. Júlia: por exemplo, MP, MP. A5: MP. Não é paralela. Júlia: não é paralela a quê? A5: é coplanar. Júlia: é coplanar, é? Eu posso imaginar o plano que passa aqui. A5: ah, então é paralela.

63

A última questão da ficha de revisões, foi referente a uma equação que relacio-

nava quilómetros e milhas e, embora Júlia a tenha encarado negativamente, em princí-

pio, como refere:

Aqui foi péssimo. Esta aula foi horrível, eu que fui muito parvinha, enfim, eles tavam, a ideia intuitiva deles é uma milha são quilómetros, milha, milha, milhar, por aí. E eu não tava a perceber, por acaso eles não tavam a entender daquela forma. Eu achava aquela forma muito simples, kapa é igual a oito quintos de m. Portanto, quilómetro é igual a oito quintos de milhas. Eu achava que isso ia ser muito simples pra eles. (…) E depois nada correu bem. Aquela parte ali muito apertadinha, aquele quadro muito pequenino, muito em cima dos miúdos. Eu queria algo mais interactivo, em que a rapariga que tava no quadro deveria tá a explicar porque fez e não foi. Ela fez o exercício e foi sentar e perdeu-se tudo, foi uma desgraça, foi uma desgraça. Depois aquele aluno, mas é verdade, é verdade, eles ficaram tão convencidos que haveria de ser mil, por causa do nome, que quando tava ali kapa igual a oito quintos de m, eles acharam que aquilo era uma mentirinha, que era uma forma que eu inventei pra fazer uma conta. Um quilómetro é 1,6 qualquer coisa, é quase oito quintos, é praticamente oito quintos. Uma milha é, e pronto, eles acabaram por perder o contexto real da coisa e não a coisa em particular. Enfim, em relação à comunicação, portanto, mais uma vez, não houve assim tanta comunicação, relativamente. Pronto, eles tinham dúvida e expressavam as dúvidas para eu esclarecer. (TC2J3)

Esta questão propiciou Júlia a oportunidade de utilizar a comunicação oral,

como um recurso importante para favorecer a aprendizagem significativa dos alunos.

Vejamos o Episódio H.

Episódio H

Júlia: jota kapa, vocês concordam? ALS: sim. Júlia: outra recta, Lucas, paralela a FG. A3: a FG? JK. Júlia: JK a colega acabou de dizer, eu quero outra. A3: BC. Júlia: BC, toda a gente concorda? ALS: sim.

Júlia: Meninos, então vamos lá. Agora, meninos, equação kapa igual a 8/5 de m, onde kapa representa quilómetros. (Júlia apaga o quadro). Então, vamos lá, quem é que quer vir ao quadro fazer?

64

Júlia ao perceber que os alunos confundiam milha com mil, pode agir para con-

tribuir na compreensão deles. Ela percebeu essa confusão que os alunos faziam através

das respostas orais deles “oito quilómetros são quantas milhas? Eles disseram, são oito

A5: eu, eu! Júlia: outro. A5: eu,… Júlia: (uma aluna vem ao quadro). Meninos, o que é que tem que trazer na próxima

aula? O exercício 12, da página 56. Então meninos, na equação kapa igual a, (Júlia fica olhando para a classe-inteira, que está conversando muito), na equação kapa igual a 8/5 de m, onde kapa representa o número de quilóme-tros e m o número de milhas, esta equação, Pedro e Lucas, é muitas milhas terrestres em quilómetros, certo? Agora respondam, quantos quilómetros dão cinco milhas terrestres? Quantos quilómetros são cinco milhas. Eu sei que, repare que o kapa são os quilómetros, m são as milhas. Como é que isso aqui kapa são quilómetros, vai ser igual a 8/5 vezes as milhas, estão a perceber? (enquanto Júlia está explicando a aluna vai escrevendo no quadro)

ALS: sim. Júlia: portanto, se eu quiser quantos quilómetros tem em 5 milhas, o que é que eu

tenho que fazer? A5: não são 5 quilómetros? Júlia: eu não sei. A5: então é 1000. Júlia: milhas é uma unidade que eu não uso em Portugal! Milhas é uma unidade de

comprimento que eu não uso em Portugal! 1 quilómetro são 8/5 de 1 milha. Cristina, põe a cabeça pra funcionar! Posso falar! Tá sempre a me interrom-per! Deixa ver se eu entendo, 1 milha não são 1000 quilómetros. A unidade de comprimento que eu conheço em Portugal são milímetro, centímetro, decímetro, metro, hectómetro, decâmetro, quiilómetro. Vocês conhecem milhas? Vocês tão a falar em milhas quando tão a ver filmes americanos ou do Reino Unido, em que lá a unidade de medida de comprimento são as milhas.

A5: a stora tem certeza que são 8/5? Júlia: E agora para ter certeza que eu posso converter milhas pra quilómetros, basta

esta expressão, a fórmula que me dá os quilómetros. É! Pedro! Não me per-cas com coisas que não interessam! Portanto, eu pra achar o número de qui-lómetros, tenho que fazer o número de milhas a multiplicar por 8/5, estão a perceber? Se eu quiser saber quantos quilómetros são 5 milhas, tem que fazer, o quê?

A5: kapa igual a 8/5 vezes x. Júlia: exactamente. (Júlia explica mostrando os cálculos escritos pela aluna no qua-

dro). Agora, eu preciso do número de milhas e fazer contas de multiplicar. 8 vezes 5, 40, 40 dividido por 5, 8. Então vamos cá ver, 5 milhas são 8 quiló-metros, estão a perceber? Não são 1000. Se eu ouvir milhas, se ver um filme com milhas, já sei que estão a referir a 8 quilómetros. Estão a perceber ou não?

ALS: sim.

65

mil, eles estavam a multiplicar por mil por causa da palavra.” (TC2J3) Nessa descoberta

do que estava atrapalhando a compreensão de uma relação entre grandezas que, como

ela afirmou acima, lhe parecia “simples”, a comunicação oral teve um importante papel,

como ela sublinha no extracto “sim, sim. A comunicação oral me permitiu perceber a

dúvida deles”. (TC2J3)

No final deste momento da aula, Júlia deixou a conclusão da resolução da ficha

de revisões, como trabalho de casa.

Síntese da Terceira Aula Na terceira aula de Júlia, mais uma vez o padrão IRE, presente na comunicação

contributiva, emergiu nas interacções verbais entre a candidata a professora e os alunos,

referindo-se ao domínio, à imagem e ao contradomínio da correspondência g. A dificul-

dade de compreensão do aluno, desta vez para representar a função afim, foi um factor

que impeliu Júlia a recorrer à generalização, o que propiciou o surgimento de uma

negociação de significados da expreesão algébrica de uma função. No problema da con-

versão de quilómetros para milhas, a dificuldade de compreensão dos alunos, expressa

através da comunicação oral foi, mais uma vez, um factor que propiciou a Júlia um ajus-

te na sua pratica de comunicação, visando o alcance desta compreensão. Nesta aula, as

intervenções orais dos alunos fizeram a candidata a professora ajustar a sua prática de

comunicação, a alunos que tinham a característica de serem questionadores. Este ajuste,

em algumas situações, propiciou o surgimento de negociação de significados.

Aula 4: Lugares Geométricos A Aula

A quarta aula ministrada por Júlia, no 8º Ano, referiu-se lugares geométricos e

ocorreu no dia 31 de Março de 2008. A referida aula pode ser dividida em dois momen-

tos: o primeiro é a introdução, na qual ocorreu a chamada dos alunos e a escrita do

sumário no quadro. No segundo momento, desenvolveu-se a prática de comunicação,

que ocorreu em torno da correcção das actividades de uma ficha de trabalho. No

momento referente à prática de comunicação, pude identificar diferentes formas de

comunicação, desenvolvidas nas interacções entre a candidata a professora e os alunos e

entre os alunos. Essas formas de comunicação foram os diálogos, a comunicação con-

66

tributiva, a explicação de ideias matemáticas e a negociação de significados de concei-

tos matemáticos.

Concluída a entrega das fichas, nos grupos de quatro alunos, e após alguns ajus-

tes referentes à disciplina, Júlia iniciou seu discurso referente ao tema da aula, questio-

nando os alunos sobre o que é um lugar geométrico:

Se vocês quiserem falar, dedo no ar, não é stora, stora. Tudo doido! ... Ago-ra meninos, agora vamos passar pra o que eu vou escrever no quadro. Tá aqui. (Júlia escreve no quadro). Meninos, toda a gente, alguém tem uma ideia, se alguém tiver diz faz favor, alguém tem uma ideia do que é que será um lugar geométrico? Se tiver alguma ideia, um nome. Quem tiver alguma ideia põe o dedo no ar. Portanto, um lugar geométrico, reparem, vocês fala-ram figura geométrica, mas não é. Dêem um exemplo de figura geométrica … (TAJ4)

O questionamento de Júlia sobre o conceito de lugar geométrico, a fez compará-

lo ao de figura geométrica, uma vez que alguns alunos tinham feito essa associação. A

dificildade do aluno em compreender o conceito fez Júlia explicar mais sobre lugar

geométrico, ajustando a sua prática a esta dificuldade do aluno, visando dirimir as dúvi-

das dos alunos em relação a este conceito, como vemos no extracto:

Pronto, um triângulo, é uma figura geométrica. Só que um lugar geométrico não é uma figura geométrica. Um lugar geométrico é um sítio, como o Pedro disse, onde estão vários pontos que satisfazem uma mesma proprie-dade, certo? Por exemplo, deixe-me cá ver um exemplo de um lugar geomé-trico, se eu disser assim: todos os pontos em linha recta que estão a 2 cm deste ponto, estão a 2 cm deste ponto. Por exemplo, este ponto aqui, corres-ponde a essa distância, daqui a aqui são 2 cm. Este ponto tá num lugar geo-métrico que satisfaz à condição de estar a 2 cm deste. Eu vou dar um nome a este ponto, chama-se P, eu digo que este aqui, o A é um ponto que está num lugar geométrico que satisfaz à condição de estar a 2 cm do P. Ele está ou não está a 2 cm do P? (…) Portanto, para já um lugar geométrico é um con-junto de pontos, toda gente a escrever, (Júlia vai falando e escrevendo no quadro) conjunto de pontos que satisfazem uma determinada, conjunto de pontos que satisfazem uma determinada condição. Vamos ver mais depois. Pra já vocês só precisam saber o que é que é um lugar geométrico. Não é uma figura geométrica. Agora toda gente tá a saber o que é que é um lugar geométrico. (TAJ4)

Júlia encarou estas explicações iniciais, sobre lugar geométrico, como pouco

satisfatórias, uma vez que permitiram aos alunos, iniciarem a compreensão do conceito:

67

Ah, primeiro porque não foram só as respostas deles, foram as perguntas que eles foram fazendo. Se bem me lembro, eu comecei a explicar o que era um lugar geométrico, depois dei exemplo. Eles podem não ter ficado a per-ceber no início, mas depois ao final da aula, eles ficaram a perceber exacta-mente o que é que era um lugar geométrico. Mas sim, acho que, com as res-postas deles e depois com as dúvidas deles, depois de esclarecidas, acho que … (TECJ4)11

De seguida, o discurso de Júlia e dos alunos, passa a referir-se à resolução da

primeira questão da ficha de trabalho (Figura 4.8).

Figura 4.9 - Construção do canteiro na ficha de trabalho

Os questionamentos de Júlia sobre o modo como procederam os jardineiros,

propiciaram diferentes interacções verbais entre a candidata a professora e os alunos e

entre os alunos. Nestas interacções, podemos identificar, no discurso dos alunos e de

Júlia, diferentes modos de expressar a resolução da questão. No Episódio A, temos um

desses modos:

Episódio A

11 Abreviatura para Transcrição Entrevista Curta Júlia 4.

Júlia: Felipe, como procedeu o jardineiro? Toda a gente leu o enunciado. (Júlia apaga o quadro) … então vá, Felipe, como é que procederam os jardineiros?

A3: esticaram a corda e deram a volta. Júlia: O que é que eles fizeram? Colocaram uma estaca na terra, certo? Prenderam,

suponhamos que este giz é a estaca e a corda de 2 metros de comprimento faz de conta que é meu braço. Portanto, toda a gente concorda que ela faz isso, certo? Toda a gente percebeu o procedimento. Toda a gente a escrever, um minuto? Os jardineiros colocaram uma estaca na terra, esticaram a corda e andaram à volta.

68

Em um outro modo, podemos também identificar o surgimento de diferentes

alunos respondendo à Júlia e aproveitando o discurso do outro aluno, num discurso mul-

tivocal, como podemos perceber no Episódio B.

Episódio B

Ao se referir a esses momentos da aula, Júlia relata que encarou positivamente a

comunicação entre os grupos:

Essa parte foi giríssima. Um grupo fazia uma pergunta e o outro grupo a seguir respondia e depois ia dando a volta. E eu tava a me controlar imenso pra não dar eu as questões, tinha um grupo a ler e depois, Ana Renata, qual é a resposta? E ela ficou calada. Esperei um bocadinho, contei 5 segundos, então vá Tiago, repete lá a pergunta, ela podia não ter ouvido, podia tá dis-traída. E pronto, foi giríssimo ver os alunos, um lia, os outros todos doidi-nhos pra responder, e eu nunca dizia, só na hora de escrever no quadro é que

Júlia: Pedro, como é que tem que fazer? Eu quero ouvir o Pedro! O que tem que fazer? Eles fizeram este canteiro que tá aqui na figura.

A6: eles colocaram a estaca … Júlia: o que eles fizeram? A6: eles esticam a corda e de fininho vão passando a estaca à volta. Júlia: então escreves. A6: olha ele esqueceu stora. Júlia: (Júlia apaga o quadro) agora, 1.2. 1.2. diz assim: Tiago, leia lá o que é que diz

assim. A7: Completa, no terreno ficou desenhada uma linha curva chamada … Júlia: Olga, Olga não, Ana Renata, chamava, repete Tiago, Tiago repete pra mim. A7: No terreno ficou desenhada uma linha curva chamada … Júlia: Ana Renata, …., toda a gente concorda? Ouviram a Ana Claúdia, o que é que

ela disse? Ana Renata faz favor de repetir, faz favor! A8: que vai limitar o canteiro. Júlia: A resposta é da 1.2…circunferência. (Júlia escreve no quadro) circunferência

com acento circunflexo no e. Acento circunflexo. Agora, Raul, xiu, xiu, xiu, Raul, leia. Toda a gente, toda a gente a marcar o ponto P, a vossa escolha, no vosso caderno. O ponto P, não é muito difícil, pin.

ALS: pin!

ALS: ahhh! A3: esticaram a corda e deram a volta. Júlia: com a corda esticada no máximo. Vocês perceberam, então escreve. Já pode

apagar o quadro? Portanto, isto é a estaca (mostra o compasso à turma), isto é a estaca e estes são dois metros, depois, e agora, fizeram isto (desenha um arco de circunferência no quadro).

69

eu dizia, é o que? Concorda com Ana Renata? O que é que ela disse? Depois perguntei àqueles que estavam distraídos mesmo, aqueles que eu vi que estavam distraídos pedi então pra eles repetirem pra ver se tinham ouvi-do ou não e eles disseram que não e eu podia perfeitamente ter dito, ok, a Ana Renata disse isto, mas não eu queria que fossem eles a falar uns com os outros, portanto, aqui acho que a comunicação correu muito bem. (TC2J4)12

Na questão seguinte da ficha de trabalho, podemos encontrar uma comunicação

contributiva, uma vez que há vários alunos participando oralmente das respostas à esta

questão, mas é Júlia que tem as respostas válidas, está implícita a ideia, neste momento

da aula, que é a candidata a professora que transmite o conhecimento.

Nesta aula, foi possível, mais uma vez, identificar a negociação de significados

de um conceito matemático. O conceito negociado foi o de lugar geométrico e a interac-

ção surgiu a partir do momento em que Júlia relembrou o sumário, no qual lugar geo-

métrico é abordado no plural “Era no plural. Circunferência não era o único, não senhor.

Circunferência não é o único lugar geométrico, mas é muito conhecido”(…) (TAJ4). No

Episódio C podemos ver os detalhes desta interacção:

Episódio C

12 Abreviatura para Transcrição Conversa 2 Júlia Aula 4

Júlia: (…) O que é que eu disse que era lugar geométrico? Era um conjunto … A11: É um conjunto de pontos que satisfazem a uma determinada condição. Júlia: ok, portanto, o quadrado, é esta linha, certo? A circunferência é um lugar geo-

métrico que eu consigo arranjar uma condição, pra construir este lugar geométri-co, que é todos os pontos estão à mesma distância do P. Todos os pontos que estão a 3 cm do P, são os pontos da circunferência. Portanto, todos os pontos que estão numa circunferência, satisfazem uma condição que é estar a 3 cm do ponto P, certo? Esta é a condição, portanto, este é o lugar geométrico. Tenho que encontrar pontos, que tenham em comum a mesma propriedade. Num quadrado é mais complicado fazer isso. (Júlia desenha um quadrado no quadro, enquanto explica).

A6: eu fiz aqui, stora. Júlia: Pedro, este ponto, este e este e este, estão à mesma distância daqui de um pon-

to. E os outros? Como é que estão os outros? Não é a mesma. Tu tens que me dar uma condição que seja comum a todos os pontos.

A3: três ou mais. Júlia: Três ou mais. Não reparem, se daqui a aqui é três, daqui a aqui é menos. A3: sim é menos. Júlia: mas este ponto está a menos de 3 cm deste e já não tá no quadrado. Vocês têm

que encontrar uma condição que faça com que todos os pontos deste quadrado.

70

Podemos perceber, no discurso do aluno A6, uma curiosidade em saber se

há mais lugares geométricos, além da circunferência, e quando a candidata a pro-

fessora diz não ser possível com o quadrado, o aluno começa a investigar e, em

princípio, afirma que consegue arranjar uma propriedade para o quadrado ser con-

siderado também um lugar geométrico, até o momento em que Júlia testa a hipó-

tese, refutando-a.

A6: consigo. Júlia: Qual? A6: São todos os pontos ponto que têm que ser 2 cm. Sim. Júlia: Daqui a aqui é 3. A6: são menos 2. Júlia: menos 2. Se daqui aqui é 3, o lado deste quadrado vai ser … vai ser … vai ser

… raíz de três meios. Mas vamos cá ver, por que tem que ser 2? Vai ser assim, suponha que este quadrado tenha lado 2. Qual é a condição que todos os pontos que tem aqui tenham? Ver se vocês conseguem encontrar uma. Todos a mais de 2 cm deste, não é verdade, porque aqui, com mais de 2 cm, é isso? Esse ponto tá a mais de 2 cm e ainda não tá no quadrado.

A6: é na circunferência. Júlia: Todos os pontos que estão a 3 cm estão na circunferência, de certeza. Não há

nenhum ponto que esteja a 3 cm que não esteja aqui nesta linha. Pensem, tão a perceber? Não há nenhuma falha, eu digo: todos os pontos que estão a 3cm deste ponto. Todos vão tá aqui na circunferência, de certeza. Daqui a aqui são 3 cm, daqui a aqui são 3 cm, daqui a aqui são 3 cm, e eu vou desenhar os infinitos pon-tos que estão nesta linha e isso não há em nenhuma condição que eu consiga fazer com o quadrado. Estão a perceber, ou não? Uma coisa que vocês podem fazer, se não tiverem convencidos, vão dando condições e vão tentando desenhar e vão vendo que nunca vai dar um quadrado.

A6: Com 1,5 vai dá. Júlia: Não vai não. Eu vou inventar, tá bem? Faz de conta que aqui e aqui é 1,5. Tá a

1,5 desse que eu vou chamar P. Eu posso por, esse aqui é 1,5, mas já não tá no quadrado. Suponha que esta fosse a condição, vai dar uma circunferência, mas de raio 1,5. Isto é 1,5 e agora unir todos estes pontinhos e agora uma circunfe-rência. O quadrado tá inscrito na circunferência. Mas não é o quadrado, é uma circunferência de raio 1,5.

A6: então não há mais nenhum? Júlia: O quadrado não é um lugar geométrico é uma figura geométrica. A6: então não há mais nenhum lugar geométrico? Júlia: Há, há muitos, vocês vão ver.

71

Um outro momento da comunicação em sala de aula, referente a lugar geométri-

co, foi um diálogo sobre o significado do conceito de lugar geométrico. Neste diálogo, o

aluno relaciona o conceito à ideia que tem de lugar, no dia-a-dia, como vemos de segui-

da, no Episódio D. Júlia, mais vez, sublinha o conceito de lugar geométrico, a fim de

esclarecer o aluno:

Episódio D

Uma outra questão relacionada ao conceito de lugar geométrico, que surgiu nas

interacções verbais entre Júlia e os alunos e entre os alunos, foi a diferença entre círculo

e circunferência. Ela surgiu durante a correcção da questão 3. A candidata a professora

afirmou que, num desses momentos, estava esperando o erro do aluno para esclarecer

melhor a diferença entre os dois conceitos:

Principalmente quando o Frederico, quando eu pedia, qual é o lugar geomé-trico dos pontos que estão a uma distância igual ou inferior a 3 cm do ponto O. Ele disse, é só desenhar a circunferência de centro O e raio 3. E eu per-guntei: concordam com o que o Frederico disse e eles, sim, sim, sim, sim. E vai um e diz: não, não concordo. Não concordas por que? Então por que uma circunferência é um círculo. E aí foi óptimo. Eu tava mesmo à espera que algum aluno dissesse que a circunferência é o mesmo que círculo, pra eu pegar e pra esclarecer. Acho que foi, aquele que errou, percebeu clara-mente a diferença entre círculo e circunferência. Mas os outros, eu penso que sim. Não posso ter a certeza porque não tô dentro da cabeça deles, mas tenho a certeza que sim, que acho que tava, acho que, chamei a atenção e se é igual é circunferência. E depois não só isso, depois dei o exemplo, se qui-serem calcular a área, só calculem a área do círculo. Calcular a área da cir-cunferência não faz sentido. Portanto, acho que … (TECJ4)

Júlia: meninos, o que foi que você disse Frederico? A16: Uma linha pode ser um lugar geométrico? Júlia: Sim. A circunferência é um lugar geométrico. Sim, vamos falar isso a seguir. A6: mas não pode ser um lugar. Júlia: Não? A6: Uma linha não tem … Júlia: Um lugar matemático não é um lugar do dia-a-dia, não é uma aldeia. Mate-

maticamente, um lugar geométrico é um conjunto de pontos, então, … (…)

72

Além disso, Júlia também considerou satisfatória a sua explicação relativa à

diferença entre circunferência e círculo, nesta explicação, o erro do aluno teve uma fun-

ção metacognitiva e contribuiu para a compreensão dos alunos. Este uso do erro do alu-

no, para tornar a sua explicação mais esclarecedora para o aluno, revela, mais uma vez,

o conhecimento do aluno, um dos aspectos do conhecimento didáctico de Matemática,

como refere:

Sim, acho que sim. A minha explicação, depois do erro deles. Se eu tivesse explicado a diferença entre círculo e circunferência, antes de um erro, eles tinham ouvido, mas não tinham interiorizado, mas como foi através de um erro, que ouviram a explicação, acho que funciona muito melhor. (TECJ4)

As interacções verbais entre os alunos e entre eles e Júlia, também foram positi-

vas quando se referiam ao conceito de coroa circular, como podemos depreender do

diálogo no Episódio E, apresentado de seguida:

Episódio E

Júlia: agora continua, Rodrigo. A16: …pinta a azul os pontos que estão a uma distância inferior ou igual a 5 cm do

ponto Q. Júlia: toda a gente, um minuto, o que vocês vão ter de desenhar? O que vocês vão

ter de desenhar? A16: outra circunferência. De centro no ponto … A6: Discordo A16: Por que que discorda? Júlia: O enunciado diz pinta a azul todos os pontos que estão a uma distância igual

ou inferior a 5 cm do ponto Q. Vamos desenhar uma circunferência de centro em P e raio 5.

A6: não, discordo é um círculo. Júlia: Muito bem! A16: temos a circunferência, depois pintamos e é o círculo. Júlia: ah! A totalidade chamamos círculo. Não teria circunferência quando estão lá

dentro. Isso é um círculo, então vá. Agora toda agente a desenhar o círculo, de centro em P e raio 5. Vocês vão perceber a diferença entre círculo e circunfe-rência. Podem fechar o compasso. Meninos, pintem em azul (Júlia desenha no quadro uma circunferência e apaga o quadro). Meninos, as faltas de compor-tamento não tão esquecidas. Tá em pé, por que?

Júlia: e aquela parte de, professora, posso levantar? Toda gente já desenhou o círcu-lo de centro Q e raio 5 cm?

73

Júlia considerou que as respostas e perguntas dos alunos, referentes à coroa cir-

cular, como indicativos de uma compreensão do conceito, como sublinhou no extracto:

Porque no início dessa aula, eu expliquei o que era um lugar geométrico. Era um conjunto de pontos, que tinham uma determinada propriedade em comum. E depois a da coroa circular, tá entre uma circunferência e outra, portanto, também há uma propriedade ali, não é uma figura como eu tô habituada, não é uma circunferência, não é um círculo, é uma parte de um círculo, mas acho que eles ficaram a perceber o que é um lugar geométrico. Tanto que perguntaram: então os lugares geométricos são todos só com formas circulares? (TECJ4)

As metáforas usadas pelos alunos, também foram parte importante na comunica-

ção das ideias relativas à coroa circular, como Júlia sublinhou “passam bastante tempo a

desenhar, está fora de, é maior, que a circunferência pequena, é a que tá dentro. Está

compreendido entre duas circunferências. Eles vinheram falar do donauts, eu acho que

eles ficaram …” (TECJ4) Esta metáfora referia-se a um doce muito conhecido por eles.

A candidata a professora refere que, ao perguntar o nome da coroa circular, eles logo

lembraram deste doce:

é um bolo redondo que tem buraco no meio. Eles falaram que o donauts é a coroa circular e eles fizeram a relação que foi engraçado. Eu perguntei qual é o nome da coroa circular. Que nome vocês acham que isso tem? E todos eles disseram donauts. (TECJ4)

Um outro momento relevante na compreensão do conceito de coroa circular,

ocorreu durante as interacções verbais referentes à resolução da questão 4, no item 4.2.

Neste momento, não é uma metáfora que auxilia a comunicação, para a com-

preensão do conceito, mas a utilização de cores diferentes, ocorrendo um diálogo oral

sobre a representação pictórica, na indicação dos lugares geométricos. No Episódio F

encontramos os detalhes destas comunicações:

A16: já, sim senhora. Júlia: pronto, tá aqui o centro Q e agora, centro Q e raio 5….Meninos, já acabou!

Toda gente já desenhou o círculo de raio 5 e centro em Q? ALS: sim.

74

Episódio F

Júlia: óptimo. Agora, faz favor, Madalena lê a 4.2. Meninos, vocês responderam? Ago-ra eles lêem, eles respondem, … A seguir, lêem, respondem, vocês já leram e já responderam, agora, Madalena lê, faz favor.

A17: pinta a amarelo os pontos que estão a 3 cm do ponto P. Júlia: ok, meninos, agora, xiu, Tiago, Tiago não, Graça, o que é que é pra fazer? A16: Pra pintar os pontos amarelos que estão a uma distância superior ou igual a 3 cm. Júlia: meninos, então eu quero todos os pontos que estão a uma distância superior ou

igual a 3cm. O que é que eu faço agora? A6: eu posso dizer? Júlia: podes. A6: então eu vou desenhar uma circunferência com raio 3 cm e vou pintar a amarelo a

distância. Júlia: Esses 3 cm, pode ser aqui? A6: Não dentro, com raio de 3 cm, com centro em Q … Júlia: com centro em Q. A6: Vou pintar a distância que está entre a circunferência de raio 3cm e a circunferência

de raio igual a 5 cm. Júlia: toda a gente concorda? A18: não. A6: igual ou superior a 3. Júlia: então vá meninos, toda a gente a desenhar primeiro a circunferência de centro Q e

raio 3. Meninos, vocês dizem raio 3 e a circunferência é infinita, eu posso dese-nhar aqui na testa da Márcia Gonçalves e o raio é 3. Mas não é a circunferência com centro na testa da Márcia Gonçalves, é a com centro em Q, tá bem? Tá bem, estava a brincar. (Júlia desenha uma coroa circular no quadro). Meninos, amarelo e azul dá que cor?

A17: verde. A7: laranja. A18:Azul. A7:Cor de laranja. A2: amarelo e azul, não é verde e azul. Júlia: Meninos, tomem atenção. Meninos, xiu. (Júlia anotou uma falta de comporta-

mento no quadro). Tá aqui o ponto Q, tá aqui a circunferência com raio 3, Pedro, e tá aqui a circunferência com raio 5, tá bem? Além disso, vou pintar a amarelo, isto aqui (pinta o interior do círculo menor). Quem é que discorda e por que, põe o dedo no ar, Carla.

A18: Porque está a 3 cm. Júlia: Exactamente, eu vou pintar tudo que não é isto, eu vou pintar tudo pra fora. Por-

tanto, meninos, o que vai acontecer é a azul vai estar isso, tem esse tracejado. A a amarelo vai ficar isto cá pra fora, certo? E agora, o que é que acontece? O amarelo e o azul só vão aparecer aqui dentro e aqui vai ficar verde, que amarelo e azul dá verde, certo? Portanto, supostamente toda a gente neste momento deveria ter esta parte aqui a verde, certo?

ALS: certo.

75

Neste item, as referências às cores, relacionadas aos lugares geométricos, moti-

vou respostas orais dos alunos. A coroa circular foi obtida através da mistura do azul e

do amarelo, resultando no verde. Cada uma dessas cores estava associada a uma das

duas condições de obtenção desta coroa circular que, uma vez satisfeitas, produziria

uma terceira cor, o verde, representando este lugar geométrico.

De seguida, Júlia concluiu a correcção desta questão da ficha de trabalho, intera-

gindo com os alunos, através de perguntas sobre o aspecto da coroa circular e obteve

como respostas, mais uma vez, a metáfora do doce donauts. Além disso, surgiram novas

metáforas: a do folar e da broa. Essas apresentadas pelos alunos, em seu discurso, refe-

rem-se a objectos com volume, como Júlia enfatizou “Ó meninos, o donauts tem volu-

me, não dá pra perceber nada, tem volume…” (TAJ4) No entanto, ela não contribuiu

para que os alunos apresentassem uma analogia com um objecto plano, o que estaria

mais próximo da coroa circular. Ao invés disso, diz “um folar, não é bem um folar, é

mais uma coroa” (TAJ4).

Na quinta questão, Júlia e os alunos estão referindo-se, em seu discurso, a um

problema (Figura 4.9) de encontrar um lugar geométrico, cuja resolução requeria o uso

dos materiais de desenho geométrico, para encontrar as medidas precisas. Esta exigên-

cia do uso de materiais geométricos, pode ser considerada uma regra explícita de con-

trato didáctico.

Figura 4.10 - Problema da questão 5

A necessidade de utilização dos materiais de desenho geométrico foi sublinhada,

no discurso da candidata a professora de Matemática “não, não! isso é aldrabice! Mate-

maticamente, isso é aldrabice. É pra fazer os desenhos com régua e compasso. (…)

(TAJ4)

76

A comunicação contributiva pode ser identificada nas interacções verbais,

durante a resolução deste problema. Encontramos muitas participações dos alunos, atra-

vés da comunicação oral, respondendo à candidata à professora, em um padrão IRE ou

após a fala de outro aluno. No decorrer dessas interacções, podemos perceber que a

resolução desta questão, respondeu a uma indagação de um dos alunos, em uma questão

anterior, na qual o aluno queria saber se só havia lugares geométricos em forma circular.

Ao encontrar a Mediatriz, como resolução do problema, ele pode encontrar uma

recta que é um lugar geométrico.

Ao referir-se à importância das interacções verbais para a compreensão do con-

ceito de Mediatriz, Júlia sublinhou a importância da interpretação do enunciado e o fac-

to de os alunos terem explicado o que é a Mediatriz, mesmo sem nomeá-la, a partir de

sua atitude de valorizar essas explicações deles, como podemos ver no extracto:

Porque, aquilo da casa, eu pedir sugestões, o que é que tínhamos de fazer, ele fingia, aliás a essa altura, eu fiz com que eles, melhorassem a comunica-ção matemática, porque eu tava, então o que é que eu faço? E eles, um pega na régua e que é que eu faço com a régua? Ponho na cabeça? Não é pra medir a distância entre A e B. em que me interessa saber que a distância pra eles é 5 cm? Então agora divide por 2, tá bem, dá 2,5 e depois? O que é que isso me dá? Só dá o ponto médio. Não é? O ponto que está a 2,5 cm do A e do B é o ponto médio. Eu marquei o ponto médio e depois voltei a ler a per-gunta. Então mas a pergunta não pede um ponto, pede a distância. Então foi giríssimo eles começarem a fazer a mediatriz. Então é a recta perpendicular e eu tracei uma recta qualquer. Eu puxei particularmente nessa altura da aula, porque vi acontecer a comunicação matemática. Eu puxava e via-os a pensar. À medida que iam tentando explicar, eles próprios iam pensando na mediatriz, sem se aperceberem que estavam a pensar na mediatriz. Sem lhe dar um nome, mas estavam a pensar na mediatriz, porque é a única recta que …(TECJ4)

A última questão da ficha de trabalho, a questão oito, também se referia à cons-

trução de um lugar geométrico que não tinha forma circular (Figura 4.10).

A6: Ô stora, então todos os lugares geométricos têm forma circular. Júlia: ainda não, só esses três, a seguir vamos ver outro aspecto e amanhã vamos mostrar outros, que têm outros aspectos …

77

P

Figura 4.11-Figura do Problema 8

As interacções verbais entre Júlia e os alunos, no decorrer da resolução deste

problema, podem ser interpretadas em um diálogo, com a participação de quatro alunos.

Neste diálogo, encontramos dois momentos: o primeiro, no qual os alunos, após a expli-

cação do problema, feita pela candidata a professora, vão levantando hipóteses sobre a

resolução e os instrumentos de desenho geométrico necessários para isto. Durante as

interacções verbais com os alunos, Júlia sublinhou, mais uma vez, a necessidade de usar

os materiais de desenho geométrico “É o do meio. Como é que eu desenho o do meio?

Ó meninos, eu não posso desenhar a olho. Com a capacidade que eu tenho pra desenho,

se eu fizer a olho, não vai ficar bem, de certeza. (TAJ4) Com isso, podemos considerar

essa também uma regra explícita de contrato didáctico, presente neste momento da aula.

O Episódio G mostra este momento da aula:

Episódio G

Júlia: portanto, vamos traçar, o que é que acontece? O Paulo vai à procura da sua irmã e então tenta encontrar a sua irmã e vai ter que percorrer uma distância, vai ter que percorrer uma trajectória, de tal forma que esteja a mesma distância desses dois lados.

A16: É o do meio. Júlia: É o do meio. Como é que eu desenho o do meio? Ó meninos, eu não posso dese-

nhar a olho. Com a capacidade que eu tenho pra desenho, se eu fizer a olho, não vai ficar bem, de certeza.

A12: com um transferidor. Júlia: Não há transferidor, só há réguas e compassos no trabalho de casa. A16: já sei! Divido ao meio …

78

O segundo momento do diálogo inicia-se quando, após ouvir várias ideias dos

alunos sobre o modo de resolver, Júlia inicia a construção da bissectriz, a semi-recta que

é um lugar geométrico e solução deste problema. Neste momento, podemos encontrar o

discurso revoicing, apresentado no Episódio H.

Júlia: xiiii! Espera, é a Iara que vai responder tá aqui o ponto P, que é do Paulo e ago-ra ele procura sua irmã e para encontrar a sua irmã, tem que andar sempre à mesma distância desses dois lados. Onde é que ele tem que tá? Pra ficar à mes-ma distância desses dois lados?

A23: No meio? Júlia: No meio. Mas o quê do meio? Um pontinho do meio? Ele vai ter que correr, vai

ter que andar um bocadinho. Uma recta que passa no meio, certo? Visualmente será assim com esse aspecto? (Júlia desenha no quadro e explica) Assim, mais ou menos.

A16: mais ou menos. Júlia: mais ou menos. Bastam ver, não tá bem, pois aqui tá é menos do que aqui. A

olho não funciona, pois não? A23: não. Júlia: então Iara, explica lá aos teus colegas como é que faz. Ah, mas não é a Iara! A16: é a Elisa. Júlia: são vocês. …Rita, um, dois, três, quatro, cinco, Olga, há meninos, vá lá, como é

que faz isso? xiu! Ouve! Aprende a ouvir! A12: Eu não sei, acho que tem que passar naqueles dois pontos. Júlia: assim? Aqui? (Júlia usa uma régua no quadro para tentar entender a ideia da

aluna) Há meninos, mas ninguém nos garante que isso une, pode dar isto, certo? Não tó a gostar do início desse raciocínio, não me parece que é por aí. Deixe-me cá por isso direito que tá muito torto.

A16: Eu também vou fazer torto. Júlia: Eu posso fazer torto, vocês não, tá? Portanto, Iara, Carla, se vocês vêm uma

coisa que dá muito trabalho e a medir ponto a ponto, é batota de certeza. Iara. A23: professora, mede-se do ponto P, mede-se, mede-se … Júlia: até onde? A23: 1cm, não sei. 1 ou 2cm. Júlia: tá aqui 1 cm, chega? Pronto, o que é que vem? A23: E depois vem e mede-se o outro também Júlia: menino, isso é batota outra vez. A6: com o compasso. Pode desenhar um monte. Júlia: (Júlia pega o compasso e vai ao quadro) É batota de certeza. Se eu começo a

desenhar um monte, é batota. A6: professora, a professora quando desenha ali ao fundo. Júlia: aqui qualquer coisa. A6: É isso que eu tô a dizer!

79

Episódio H

Após a explicação do que é a bissectriz e questionar os alunos sobre a com-

preensão do conceito, obtendo respostas positivas, Júlia passou ao último momento de

comunicação oral da aula, referente às recomendações sobre o TPC. Ao referir-se ao

modo como encarou sua explicação e a aula, Júlia também revela uma concepção posi-

tiva de sua explicação e da aula, como declara:

percebi que a ter efeito porque eles tavam fazendo e foram fazendo bem e as dúvidas que eles me colocavam eram dúvidas pertinentes eram de quem tava a perceber aquilo e tava com vontade de perceber mais, portanto, essa era uma aula que me deu particularmente bem. (TC2J4)

Síntese da Quarta Aula

Na quarta aula de Júlia, mais uma vez encontramos o padrão IRE, no âmbito da

comunicação contributiva. Uma outra dificuldade de compreensão dos alunos, nesta

aula, sobre o que é um lugar geométrico, o qual estavam confundindo com figura geo-

métrica, foi um factor que influenciou a prática de comunicação da candidata a profes-

sora, que buscou dirimir as dúvidas dos alunos em relação a este conceito. Júlia intera-

giu verbalmente com um aluno que afirmava conseguir mostrar que o quadrado é um

lugar geométrico. Esta afirmação iniciou uma negociação de significados sobre o con-

ceito de lugar geométrico. Os alunos também apresentaram dificuldade em compreen-

der a diferença entre circunferência e círculo, nesta situação, o erro do aluno, propiciou

o ajuste da prática de explicação de Júlia. Quando os alunos nos grupos faziam pergun-

tas uns aos outros, Júlia também ajustava sua prática de comunicação, deixando-os inte-

Júlia: ponho aqui o compasso e faço assim. A6: É isso que eu tô a dizer! Júlia: e agora? A6: Agora une os dois pontos. Júlia: se eu puser o centro num … A6: exactamente. Júlia: e faço assim e agora a mesma coisa e, e assim. O ponto então se encontra, de

certeza absoluta que a meio. Mas se eu unir o ponto P a este, aqui sim de certeza. Meninos, o que eu ei de fazer neste tempo?

A6: dividi o ângulo ao meio. Júlia: bisseteio, ou seja, tracei a bissetriz de um ângulo A6: e como faz?

80

ragir verbalmente. Nesta mesma situação, havia alunos distraídos, que não participavam

da comunicação oral e a candidata a professora pedia, em seu discurso, para que estes

repetissem o que tinham ouvido.

Síntese do Estudo do Caso de Júlia

Júlia começa o estágio declarando, na primeira entrevista, o intuito de explorar

um novo modo de trabalho em sala de aula, que conheceu na sua formação inicial: o

trabalho em grupo. Este modo de trabalho, assim como o trabalho a pares, também é

usado pela candidata a professora como instrumento de regulação da comunicação, para

prevenir a indisciplina. Além desses modos de trabalho, Júlia afirma também usar, com

este fim, tarefas diversificadas.. O convite aos alunos calados para participarem oral-

mente da aula, juntamente com a avaliação do comportamento são outros instrumentos

que usa na regulação da comunicação. Regras de contrato didáctico também podem ser

identificadas, no seu discurso, para a regulação da comunicação, entre elas a de os alu-

nos terem de levantar o dedo para intervir oralmente na aula e o cumprimento dos pra-

zos para a entrega das actividades. Essas regras servem para o aluno interessado em

participar na interacção verbal, que deve fazer a pergunta, como ela refere em suas

aulas, após a sua explicação. No trabalho em grupo, a candidata a professora escolhe

quem vai falar, sendo esta uma regra de contrato didáctico, estabelecida explicitamente

por ela, para que todos os alunos trabalhem no grupo. Uma outra regra de contrato

didáctico identificada, neste modo de trabalho, era dirigir-se aos grupos e ir variando os

grupos à medida que muda as questões explicadas. Ainda no trabalho em grupo, houve

outra situação na qual a regra de contrato didáctico para regular a comunicação oral era

um grupo ler e o outro responder. Em suas aulas Júlia também caminhava pela sala de

aula, sublinhando modos de agir que considerava importantes para os alunos. A candi-

data a professora questionava os alunos, chamando-os pelo nome, visando regular a

comunicação oral. Nesta regulação, Júlia também usou, além de regras de contrato

didáctico, uma norma sociomatemática, uma justificação matematicamente aceitável.

Júlia, valoriza muito a explicação do professor, considerando-a fundamental

para a aprendizagem significativa do aluno. Em sua prática de explicação, emergiu o

padrão IRE, no âmbito da comunicação contributiva. Durante as suas explicações, uti-

liza as metáforas e analogias, para que o aluno compreenda melhor o conceito explica-

do por ela. Com o mesmo intuito, relaciona o conhecimento das Ciências Físico-

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Químicas no estudo de funções e muda oralmente o enunciado de um problema, con-

textualizando-o numa situação significativa para os alunos. Duas regras de contrato

podem ser identificadas em sua prática de explicação. A primeira, os alunos devem

explicar. A segunda, é a mudança na explicação da sua parte, se os alunos não estive-

rem compreendendo. Além dessas regras de contrato didáctico, emerge uma explicação

matematicamente diferente, como normasociomatemática, presente na sua prática de

comunicação.

Ao negociar os significados matemáticos com os alunos, o padrão IRE também

emerge em sua prática de comunicação, Júlia desencadeia esta interacção com uma

pergunta, em duas aulas, mas também o faz ao ajustar sua prática de comunicação às

características de um aluno questionador. Nestas interacções, sublinha, durante as con-

versas referentes aos trechos destas aulas, as dificuldades dos alunos em compreender o

significado do conceito negociado e o uso do erro do aluno como elemento importante

no êxito da interacção. A capacidade de prever e entender o erro dos alunos, revelou-se

de modo bastante apurado na prática de negociação, na primeira entrevista e nas con-

versas referentes às negociações de significados. O aproveitamento do erro, durante a

negociação de significados, pode ser identificado como regra de contrato didáctico.

Aproveitar o exemplo do aluno e, através de sua refutação, reafirmar o conceito nego-

ciado, é uma outra regra de contrato didáctico, usada nesta interacção. Uma solução

matematicamante diferente, foi a normasociomatemática emergente.

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Anexo - Categorias de análise

1- Comunicação e regulação

Aqui registo o modo como o candidato a professor de Matemática encara o processo de regulação da comunicação estabelecido por ele na sala de aula. De sua prática de regu-lação enfatizo: — Os instrumentos usados para regular essa comunicação; — As regras de contrato didáctico usadas na regulação da comunicação; — As normas sociomatemáticas presentes na regulação da comunicação.

2- Comunicação e desenvolvimento de significados

Registo as concepções e práticas de explicação do candidato a professor de Matemática. De sua prática referente à explicação enfatizo: — Os padrões de interacção que emergem da sua prática de explicação. — As conexões no conhecimento matemático realizadas durante a explicação; — Recursos usados na explicação; (pensar no facto do recurso usado fazer parte do conhecimento didáctico de Matemática) — Os aspectos do conhecimento didáctico de Matemática emergentes durante a expli-cação; — As regras de contrato didáctico estabelecidas para a explicação; — As normas sóciomatemáticas presentes na explicação. Registo as concepções e práticas de negociação de significados do candidato a professor de Matemática. De sua prática referente à negociação de significados enfatizo: — Os padrões de interacção que emergem da prática de negociação de significados do candidato a professor de Matemática. — O que diz para desencadear a negociação de significados; — As respostas do aluno à acção do professor para negociar significados; — O conceito que está sendo negociado; — Os padrões de interacção que emergem da sua prática de negociação de significados; — Os aspectos do conhecimento didáctico de Matemática emergentes durante a nego-ciação de significados; — As regras de contrato didáctico usadas na negociação de significados; — As normas sóciomatemáticas presentes na negociação de significados.