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A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NA TV: UMA VISÃO PSICOSSOCIAL DO
PROGRAMA “CASOS DE FAMÍLIA”
RESUMO O presente trabalho tem o objetivo de analisar a atuação de uma psicóloga em programa televisivo. Para tanto, fundamenta-se no campo da Psicanálise, da Psicologia Sócio-Histórica e das teorias da comunicação que abarcam aspectos relacionados à mídia televisiva. O estudo de caso é o nosso referencial metodológico e, escolhemos o programa Casos de Família, do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), como objeto de estudo. Por meio da descrição do contexto do programa e da transcrição da fala da psicóloga participante, identificamos os núcleos de significação, de forma a desvelar os significados e sentidos atribuídos ao discurso. Os resultados mostram a interferência das seguintes categorias na fala da profissional de Psicologia: tempo; generalização e senso comum; aconselhamento; reducionismo; espaço público/privado; necessidade imediatista. A diferença do tempo televisivo para o psicológico e a incompatibilidade da linguagem científica com aquela que é utilizada na TV são os fatores de maior predominância em nossa análise, influenciando os demais. Palavras-chave: Televisão; Psicologia Social; Programa Casos de Família.
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A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NA TV: UMA VISÃO PSICOSSOCIAL DO
PROGRAMA “CASOS DE FAMÍLIA”
LILIAN CONCHETTA PALOPOLI
Banca Examinadora Orientadora: Profª. Dra. Maria Izabel Calil Stamato Examinadora: Profª. Dra. Gisela Vasconcellos Monteiro Coordenadora de TCC do curso de Psicologia: Profª. Dra. Daisy Inocência Margarida de Lemos
SANTOS
2008
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1-INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA
O processo de produção de um Trabalho de Conclusão de Curso é, certamente, um
grande desafio para o estudante universitário que, apesar de estar na reta final de sua
graduação, encontra-se exatamente no início de sua carreira profissional.
A Psicologia nos proporciona um grande leque de temas e abordagens para estudo.
Dentre eles, optamos por relacionar a Psicologia com a Comunicação, dentro do universo
da televisão. Apesar de ainda não haver uma disciplina acadêmica que trate
especificamente da Psicologia e Comunicação, acreditamos que essa é uma área
extremamente importante para o psicólogo, além de apontar um futuro promissor.
Assim, este estudo pode contribuir com as atuais e crescentes discussões dos
psicólogos sobre suas participações na televisão. Apesar de alguns profissionais estarem
inseridos no contexto televisivo há certo tempo, a preocupação e movimentação de órgãos
como o Conselho Regional de Psicologia (CRP) e o Conselho Federal de Psicologia (CFP)
é relativamente recente, e tem resultado em encontros e seminários para discutir Mídia e
Subjetividade, campanhas pedindo o fim da renovação automática das concessões de rádios
e TVs, incentivos para que a televisão ajude a desconstruir preconceitos relacionados à
profissão de psicólogo, entre outros.
Além disso, o trabalho tem grande relevância pessoal, pois abrange duas áreas do
conhecimento que nos interessam e que estamos cursando: a primeira é a Psicologia e a
segunda a Comunicação Social (Jornalismo). Desta forma, este tema nos permite estudar
ambas as áreas de maneira complementar, fornecendo subsídios para o trilhar destas duas
carreiras.
Atualmente é muito comum ligarmos a televisão e constatarmos a presença do
psicólogo nos mais variados tipos de programas, expondo suas opiniões sobre determinados
assuntos ou comentando a respeito de comportamentos alheios. É certo que este espaço
destinado ao profissional de Psicologia, principalmente pela televisão, que tem uma
considerável abrangência no território brasileiro, facilita a transmissão de informações
relacionadas à Psicologia para um público mais amplo. No entanto, é preciso ser cauteloso
neste ‘processo informativo’, para que o público realmente compreenda a informação e
para que a Psicologia não seja vista de forma distorcida, como uma área ‘milagrosa’ que,
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com apenas algumas palavras e em pouco espaço de tempo, consiga ‘transformar’ ou
‘solucionar’ a vida de alguém.
Neste sentido, a cautela é necessária tanto para preservar a Psicologia enquanto
Ciência como para não ‘iludir’ ou informar de forma errônea a sociedade que, pelos mais
diversos motivos, está contando com o ‘auxílio’ do psicólogo.
A linguagem televisiva é muito dinâmica e o tempo concedido para os programas,
além de curto, é severamente controlado. Assim, as falas do psicólogo convidado pelo
programa Casos de Família têm um tempo restrito. Este estudo justifica-se pela análise do
conteúdo das falas e do agir do psicólogo em um programa televisivo, com o intuito de
observar se, ao invés de esclarecer assuntos que envolvam o campo psicológico, ele não
estaria reproduzindo apenas um modelo de comunicação que, no final das contas, acaba
tendo, ainda que intrinsecamente, um papel mercadológico.
Apresentamos o texto deste trabalho em primeira pessoa do plural, pois
concatenamos com a brilhante colocação de Furtado (2006) em sua tese de doutorado de
que “não existe conhecimento individual, mas sempre falamos com múltiplas vozes, como
algo resultado de um processo de interação complexa” (p. 18).
Para a abordagem do tema proposto, o trabalho está estruturado em quatro capítulos
após a introdução, e é encerrado com considerações finais acerca da pesquisa e com o
referencial bibliográfico utilizado.
O primeiro capítulo distingue conhecimento científico do senso comum; abrange os
últimos estudos de Freud sobre sociedade – O Mal-estar na Civilização e Psicologia de
Grupo –; apresenta a visão de Vygotsky e outros autores sobre a Psicologia Sócio-
Histórica, principalmente no que diz respeito à linguagem, significado e sentido; trata sobre
as várias faces que a Psicologia pode assumir, dependendo do seu referencial teórico; e
traça um breve panorama dos últimos acontecimentos e estudos sobre Psicologia e mídia.
A seguir, o segundo capítulo abarca as teorias da comunicação; trata a televisão
como um veículo de comunicação de massa, analisando suas implicações; descreve o
contexto em que o programa Casos de Família, objeto de nosso estudo, está inserido.
O capítulo três corresponde à nossa metodologia, aos procedimentos utilizados na
coleta de dados e descreve a edição do programa selecionada para nossa análise.
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A construção dos fundamentos teóricos descritos acima, juntamente com a gravação
de uma edição do programa em DVD, sua transcrição e nossa visita ao SBT, para
conhecermos o estúdio em que são feitas as gravações e entrevistarmos a psicóloga
convidada, possibilitou a realização de nossa análise no quarto e último capítulo.
Mediante a identificação de núcleos de significação na fala da psicóloga, apontamos
categorias que influenciam a atuação da profissional de Psicologia no contexto midiático
estudado. O que se tornou mais evidente nos resultados, diz respeito à diferença do tempo
televisivo (necessidade imediatista) para o psicológico e à incompatibilidade da linguagem
científica com aquela que é utilizada na TV.
Para que nosso trabalho pudesse se adequar às exigências de tamanho e conteúdo do
Prêmio Silvia Lane, alguns capítulos mencionados acima foram suprimidos, o que não
redundará em prejuízo para a finalidade que se propõe.
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2-PROBLEMA E OBJETIVO
O presente trabalho tem por objetivo analisar de que maneira ocorre a participação
de psicólogos na televisão dentro da realidade brasileira atual. A escolha do estudo de um
programa de televisão, o Casos de Família, do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), se
deu ao fato de facilitar a compreensão de todas as variáveis que possam influenciar nesta
participação: emissora, público, linguagem televisiva, índice de audiência, etc. A análise
será embasada nos estudos psicanalíticos sobre sociedade, na Psicologia Sócio-Histórica e
nas teorias de comunicação, uma vez que a comunicação é um fenômeno social e que a
televisão faz parte do cotidiano do homem. É nesta interação que nossa sociedade vai se
formando e transformando.
No site do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), a emissora divulga que o objetivo
do programa Casos de Família é “[...] orientar e até mesmo solucionar os casos
apresentados contando com a participação de um profissional especializado em
comportamento” (SBT, 2008). Desta forma, podemos notar que a atuação do psicólogo é
voltada para a orientação e solução dos casos expostos. Ora, como em aproximadamente
uma hora de programa, o psicólogo é capaz de ‘solucionar’ algum caso apresentado?
Assim, partimos da hipótese de que as intervenções do psicólogo no programa
Casos de Família ocorre de maneira pouco formal e não-científica.
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3-PROCEDIMENTOS
No início de julho entramos em contato telefônico com a emissora SBT, que produz
e transmite o programa Casos de Família. Mediante o envio de fax, esclarecendo a
finalidade desta pesquisa, obtivemos autorização da produção do programa para visitarmos
e assistirmos as gravações.
Em 31 de julho de 2008 visitamos o complexo televisivo (Av. das Comunicações, 4
– Osasco – SP) para presenciar o processo de gravação do programa. Fomos recebidos no
estúdio 2 pelo produtor que explanou sobre os três temas a serem gravados naquele dia:
• “Meu pai não gosta de mim”;
• “Quero sair de casa”;
• “Não agüento mais as brigas dos meus pais”.
Segundo a produção, os temas são escolhidos pela própria equipe do programa.
Após a definição, o assunto é transmitido aos ‘captadores’ de casos, indivíduos que vão até
as comunidades periféricas de São Paulo e Grande São Paulo buscar pessoas que tenham
histórias correspondentes ao tema escolhido. Para confirmar que o caso é real, são
realizadas várias entrevistas com a produção, além de uma checagem do cotidiano das
pessoas convidadas. Também é verificado se as pessoas são comunicativas e se realmente
querem participar do programa.
Enquanto aguardávamos na ante-sala do estúdio o início das gravações,
conversamos com as pessoas que iriam participar da platéia. Constatamos que a grande
maioria era do sexo feminino, com idade superior a trinta anos e faziam parte de caravanas
formadas em seus bairros ou cidades da Grande São Paulo, por meio de agenciadores.
Observamos que muitas são freqüentadoras assíduas de diversos programas da emissora e
que o transporte, a alimentação e o ingresso são gratuitos.
Ao entrarmos no estúdio fomos posicionadas na ala de convidados e, após toda a
platéia se compor, entrou um orientador para explicar o que era o programa e como todos
deveriam se comportar: postura reta com poucos movimentos, pois seriam filmados;
silêncio; não uso de celular e máquinas fotográficas quando a gravação estivesse ocorrendo.
Também foi explicado que no momento em que os assistentes de palco fizessem sinais com
as mãos, todos deveriam bater palmas e quando um cartaz com a palavra ‘perguntas’ fosse
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levantado, quem desejasse fazer alguma pergunta para os participantes deveria levantar a
mão e se dirigir a um ponto da platéia marcado com ‘x’ no chão.
Regina Volpato, a apresentadora do programa, entrou no estúdio e conversou
informalmente, deixou-se fotografar, agradeceu a presença de todos, descontraiu a platéia e
iniciou a gravação.
O programa “Meu pai não gosta de mim” foi gravado em 45 minutos, sem nenhuma
pausa. Foi ao ar em 21/08/08. Ao término da gravação deste programa, a apresentadora e a
psicóloga saíram do estúdio para trocar de roupa. A platéia também teve um intervalo e foi
orientada a retornar em 20 minutos e sentar em lugar distinto do primeiro programa.
De forma semelhante, um orientador instruiu a todos e depois a apresentadora
entrou dando início ao segundo tema: “Quero sair de casa”, porém esta edição foi abortada,
pois quando estava sendo gravada, uma entrevistada relatou que participara de um
programa de outra emissora, e como tal fato não é permitido pelas normas do Casos de
Família, a gravação foi suspensa.
Um dos diretores pediu desculpas à platéia e explicou os motivos para descartar a
gravação. Pediu que todos permanecessem nos mesmos lugares para dar início ao terceiro
tema do dia: “Não agüento mais as brigas dos meus pais” – apresentado em 08/08/08, o
qual escolhemos para a nossa análise.
Após a gravação, tivemos a oportunidade de conversar no camarim com a psicóloga
que participou do programa naquele dia. Ela assinou o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido que permite a divulgação em meio científico da entrevista (o termo encontra-se
anexo). O conteúdo desta conversa está inserido ao longo de nossa análise, porém, não
temos a transcrição da mesma, uma vez que a profissional de Psicologia não autorizou que
gravássemos.
No dia em que o programa “Não agüento mais as brigas dos meus pais” foi ao ar,
gravamos em DVD para facilitar o controle das imagens e sons e, posteriormente,
transcrevemos todas as falas do programa.
A visita ao estúdio facilitou nosso entendimento acerca de como ocorre a montagem
do cenário, e como a televisão cria a cena que será transmitida por meio de efeitos
imagéticos.
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3.1-Sujeito
O principal sujeito analisado é a psicóloga que participa do programa Casos de
Família, na edição selecionada para estudo. Também contextualizamos a participação da
âncora Regina Volpato, dos entrevistados e da platéia.
3.2-Resumo do programa escolhido para análise
O programa escolhido para nossa análise tem como tema “Eu não agüento mais as
brigas dos meus pais”. A apresentadora Regina Volpato inicia o programa falando sobre o
assunto e logo chama a primeira convidada, Luana de vinte anos, que já está sentada no
palco, e é apresentada com o seguinte depoimento: “O meu pai jogou o carro numa
ribanceira porque a minha mãe ameaçou se separar dele”.
Regina Volpato inicia a entrevista perguntando se a jovem estava no carro com os
pais quando foi jogado na ribanceira. Daí em diante a apresentadora ‘guia’ as falas da
entrevistada focando o relacionamento de seus pais. Em seguida, Nilda, a mãe de Luana, é
convidada para comparecer ao palco onde sua filha permanece sentada, de frente para a
apresentadora e para a platéia. Nilda é recebida com palmas e música de fundo, e anunciada
com a seguinte frase: “Eu fiz uma tatuagem com o nome do Edson e gostaria que ele
fizesse o mesmo por mim”.
Nilda é questionada sobre sua relação com o marido e, em alguns momentos, Luana
participa da conversa, que em sua maior parte trata do descontentamento de Nilda, que fez
uma tatuagem para homenagear o marido, mas que não foi ‘retribuída’, pois desejava que o
cônjuge fizesse o mesmo. Volpato, então, chama Edson, marido de Nilda, para responder
tal questão. Novamente com palmas e com a mesma música de Nilda, Edson é recebido. A
apresentadora lê a seguinte frase: “Para as nossas discussões acabarem, é só a Nilda parar
de pegar no meu pé”.
Regina mais uma vez conduz a entrevista, indagando sobre a tatuagem, o carro na
ribanceira e as brigas com a esposa. Um participante da platéia expõe sua opinião sobre o
caso e os entrevistados comentam o que foi dito pela platéia. Em seguida, outra participante
da platéia faz suas considerações sobre a família e, novamente, há uma resposta para o que
foi falado.
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A apresentadora anuncia o comercial e, no segundo bloco, chama Patrícia, de
dezoito anos: “Os meus pais brigam tanto que eu resolvi sair de casa”. A jovem é recebida
com palmas e com a música de abertura do programa, e senta-se ao lado dos participantes
do caso anterior. Volpato pergunta sobre sua saída de casa e as agressões de seus pais. Em
seguida, convida a mãe de Patrícia, Maria José, a entrar no palco. Ela também é recebida
com aplausos e com uma música diferente a do caso anterior. “O José é um bom marido,
mas o ciúme e a ignorância me fazem gostar cada vez menos dele”. É com esta frase que a
mulher é apresentada.
Maria José acomoda-se ao lado da filha e é questionada desde quando ocorrem as
brigas com seu marido e quais os motivos. Patrícia também participa da conversa. Então,
José, marido de Maria José, é chamado ao palco com a frase: “O grande problema do meu
casamento é que a Maria não liga mais pra mim”. Novamente a platéia aplaude e é tocada a
mesma música da entrada de Maria José.
Volpato pergunta ao entrevistado o motivo da ‘falta de atenção’ da mulher. Ele
conta sobre as brigas e a conversa é interrompida várias vezes por Maria José e por Patrícia,
que reclamam da falta de educação de José. Quando a conversa fica um pouco mais
agitada, a apresentadora chama o intervalo do programa.
O terceiro bloco começa com uma mensagem sobre amor e ciúmes, de uma
participante da platéia, para o primeiro caso, e é comentada por Edson, Nilda e Luana. Em
seguida, Volpato pergunta a uma senhora da platéia se ela agüentaria uma vida como a da
Maria José. A senhora responde que não, que é insuportável. Regina Volpato agradece e
chama a Talhissa, de dezenove anos: “Apesar de morarem 14 pessoas na minha casa, os
meus pais não se importam e discutem na frente de todo mundo”.
Talhissa é recebida com palmas, com a música de abertura do programa e senta-se
ao lado de José. Regina pergunta se a jovem está grávida, e obtendo uma resposta positiva,
questiona como é para uma gestante viver no meio de tanta briga. Talhissa fala sobre o
ciúme de seu pai e as brigas por causa da bebida. Posteriormente, a apresentadora chama
Lucimar, mãe da jovem, com a frase: “O Cleodon e eu discutimos, porque ele não gosta
que eu cuide da minha aparência, nem tampouco saia à rua”.
Aplaudida e recebida com uma música diferente do primeiro e do segundo caso,
Lucimar acomoda-se ao lado da filha. Regina pergunta o motivo pelo qual ela não pode
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ficar bonita e porque briga com o marido. Em seguida, chama o marido de Lucimar,
Cleodon: “Eu viveria melhor com a Lucimar se conversássemos mais e se ela me
obedecesse”.
Com a mesma música de entrada da esposa e com palmas, Cleodon senta-se ao lado
de Lucimar. A apresentadora quer saber se ele acha que a mulher deve obediência ao
marido e se há diferença entre ser marido e dono de alguém. Depois, ela pede licença e
chama mais um intervalo.
O quarto e último bloco é iniciado com a pergunta de uma participante da platéia
sobre as conseqüências que as brigas dos pais podem causar aos filhos. Maria José, do
segundo caso, responde que se sente mal com as brigas, mas que não consegue agüentar
desaforos do marido. Outra moça da platéia fala para José, do caso dois, que a mulher dele
não é empregada.
Regina pergunta se mais alguém quer falar e, Edson, do primeiro caso, diz que
sempre foi ciumento, e acha que sua mulher o provoca. Assim que ele termina, Volpato
passa a palavra para a psicóloga, que fala dos três casos de forma geral. Ela diz que a casa
deveria ser um lugar de paz e que as brigas de marido e mulher precisam ser resolvidas
intimamente, sem o envolvimento dos filhos. Para as filhas, diz que elas devem buscar
independência e se isolar das brigas dos pais. Aponta o descontrole emocional, a falta de
respeito e reflexão dos pais como principais causadores das brigas.
A apresentadora agradece à psicóloga e encerra dizendo que o modelo de casamento
que foi mostrado no programa não pode ser considerado normal, não deve ser imitado, e
que existem relacionamentos em que as pessoas são felizes. Por fim, agradece a todos que
assistiram o programa, manda um beijo carinhoso e deseja que fiquem com Deus.
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4-RESULTADOS E DISCUSSÃO
4.1 Visão psicanalítica e da dinâmica de grupo do programa Casos de Família
Nove pessoas comparecem ao palco de um programa televisivo para expor sua
história de vida e, mais precisamente, um determinado ‘problema’, compatível com o
assunto escolhido pela produção. Primeiramente este programa é gravado na frente de uma
jornalista, uma psicóloga, equipe técnica e de produção e platéia de aproximadamente 140
pessoas. Posteriormente, tal gravação é transmitida com edições em rede nacional para
milhares de telespectadores.
Essas pessoas expõem suas histórias em busca de ajuda para a diminuição dos seus
sofrimentos. A platéia, a apresentadora e a psicóloga têm a possibilidade de aconselhar os
participantes que desejam voltar para casa ‘diferentes’. Sabemos, no entanto, que o tempo
do programa é muito curto, e seria ilusão pensar que tudo pode ser resolvido tão
rapidamente. Parece ocorrer mais uma catarse do que uma real resolução.
Em nossa conversa com a produção do programa, soubemos que as pessoas
convidadas para expor seu caso normalmente são de classe social baixa e recebem um
determinado cachê por sua participação. Utilizamos a descrição de Nina Rosa Furtado
(2006) para as classes sociais, chamando de ‘baixa’ as classes C e D, com renda familiar de
aproximadamente um a dois salários mínimos.
Podemos traçar um paralelo entre os conceitos de Freud (1974) sobre a função das
religiões, e o programa televisivo Casos de Família, afirmando que, a partir da necessidade
primitiva de obter uma proteção e um apoio, as pessoas vão buscar, neste programa, auxílio
para seus anseios e sofrimentos, deparando-se com figuras ‘superiores’ à sua condição de
público, de grande massa, que é a da jornalista apresentadora e da psicóloga convidada.
A dinâmica do programa se estrutura sempre em grupos, isto é, um grupo de
pessoas com situações de vida semelhantes se expõe para os grupos: da produção
(incluindo jornalista, psicóloga, técnicos de som e imagem, maquiadores, etc), da platéia e
dos telespectadores. Le Bon e McDougall (apud FREUD, 1976) explicam sobre o
‘princípio da indução’ que ocorre nos grupos, por conta do contágio emocional e da
interação mútua, e que leva os indivíduos a se tornarem mais suscetíveis, por perderem seu
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poder de crítica. Podemos supor que a ‘coragem’ de se expor publicamente é oriunda da
inserção dos participantes num grupo e, se eles contam em público sua história pessoal de
vida, outros indivíduos também o fazem.
Le Bon (apud FREUD, 1976) afirma que as pessoas, quando inseridas num grupo,
são influenciadas mais facilmente pelas palavras, que adquirem um caráter ‘mágico’ e são
internalizadas como verdade absoluta. É assim que a apresentadora consegue o tempo todo
guiar as falas dos entrevistados e, no momento em que a psicóloga se expressa, o silêncio
reina no palco e as câmeras mostram os convidados acenando positivamente com a cabeça,
demonstrando que estão concordando com o que está sendo falado. Além disso, as falas da
apresentadora e da psicóloga se revestem de excessiva responsabilidade, uma vez que no
contexto em que os participantes estão, encontram-se mais suscetíveis a acreditar
totalmente no que é exposto.
“Inclinado como é a todos os extremos, um grupo só pode ser excitado por um
estímulo excessivo” (LE BON apud FREUD 1976, p. 24). Neste sentido a TV mostra o
programa utilizando sons, luzes, certo ângulo de imagem e determinadas palavras, como se
fosse um espetáculo, um estímulo excessivo para prender a atenção dos telespectadores que
também formam um grupo.
Continuamos nossa análise no próximo tópico a partir de uma visão da teoria sócio-
histórica.
4.2 Uma visão sócio-histórica do programa Casos de Família
De acordo com a teoria de Vygotsky (apud OLIVEIRA, 1997), o homem é um ser
‘biológico-social-histórico’, que desenvolve suas relações utilizando sistemas simbólicos
construídos ao longo de sua história e numa determinada cultura. A linguagem é o principal
deles e tem duas funções básicas: intercâmbio social e pensamento generalizante. É pelo
intercâmbio social que todas as pessoas participantes do programa conseguem se
comunicar. Já o pensamento generalizante permite, por exemplo, que a psicóloga agrupe
em conceitos o conteúdo transmitido pelas famílias e os externalize (socialização do
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pensamento). Tal interação social ocorre somente porque todos os participantes e
telespectadores do programa compartilham um mesmo conjunto de signos.
Freud (1974) e Vygotsky (apud OLIVEIRA, 1997), a partir de referenciais distintos,
enfatizam que o trabalho propicia o desenvolvimento das relações sociais. Tomando
emprestado o título de uma revista do Conselho Federal de Psicologia, Psicologia Ciência e
Profissão, podemos fazer uma breve reflexão acerca da psicóloga no exercício de sua
profissão.
Na entrevista que fizemos no camarim, a psicóloga afirmou que atua na área clínica
e utiliza-se de uma linha existencialista, além de técnicas psicodramáticas. Sabemos que a
Psicologia divide-se em diferentes abordagens, mas de forma geral, todas buscam
compreender e superar as perspectivas mecanicistas e deterministas. No entanto, em
qualquer que seja a linha de trabalho, a pessoa do psicólogo é imprescindível (é um
instrumento) para sua atuação profissional. Cada pessoa possui linguagem, valores e
crenças característicos. Nesse sentido, a atuação do profissional de Psicologia encontra-se
extremamente relacionada com juízo de valores e, conseqüentemente, questões de cunho
ético. Nem sempre o parecer do psicólogo sobre um determinado assunto é o melhor para o
sujeito que o está ouvindo, ainda mais em se tratando de um parecer que deve conter uma
linguagem simples e rápida, já que vai abranger um grande público, como é o caso da
televisão.
Em um momento de seu discurso, a psicóloga afirma que os responsáveis pelas
brigas conjugais dos casos apresentados, são o ‘descontrole emocional’ e a ‘falta de
respeito’. Tais conceitos transmitidos em forma de linguagem foram construídos pela
organização de seu pensamento. Podemos supor que eles são resultado de seu
conhecimento da ciência psicológica, de seu entendimento acerca das falas dos convidados
e de todo seu contato anterior (memória) com os temas. Portanto, é por meio do sistema
simbólico e da linguagem que a psicóloga interpreta as situações do mundo real (expostas
nos casos das três famílias) e verbaliza seu pensamento para os convidados e, por se tratar
de um programa televisivo, para os telespectadores.
A fala é formada por uma complexa união entre pensamento e linguagem, e
composta por significado e sentido. O primeiro, diz respeito aos conceitos formados pela
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relação social, pela palavra, enquanto que o sentido refere-se ao individual, e neste caso, ao
contexto e às vivências afetivas da psicóloga. Por exemplo, para um adolescente que
sempre escuta sua mãe falando que entrar em algum lugar sem pedir licença é ‘faltar com
respeito’, este termo adquire um sentido que provavelmente será diferente daquele que um
homem escuta quando sua mulher diz que exigir que ela faça todas as suas vontades é
‘faltar com respeito’. Ou seja, para cada pessoa e em cada situação, o ‘faltar com respeito’
adquire sentido diferenciado.
Stewart (1972) afirma que o sentido é algo que existe na mente das pessoas e que
nem sempre elas conseguem se fazer entender da forma que desejam. Assim, a finalidade
da comunicação, que é propiciar significados com sentido, nem sempre é atingida,
principalmente quando se trata do âmbito de mediação abstrata, que é o tipo de
comunicação utilizada em nosso objeto de estudo.
O SBT (2008) divulga em seu site que a intenção do programa Casos de Família é a
de orientar e até solucionar os casos apresentados. De acordo com Vygotsky (apud
OLIVEIRA, 1997), aprendizagem e desenvolvimento estão intrinsecamente relacionados,
pois uma gera a outra. A mudança de desempenho de um indivíduo (aprendizagem) ocorre
pela interferência do outro (interação social) e, se as condições ambientais não forem
propícias, o desenvolvimento do indivíduo será prejudicado. Portanto, para que uma pessoa
que procura o programa consiga compreender as orientações recebidas e até ‘solucionar’
seu caso, ela precisa aprender e desenvolver algo novo, e isso só acontecerá se o meio for
propício.
Ao tratar de conceitos relacionados ao desenvolvimento e aprendizagem, Vygotsky
(apud OLIVEIRA 1997) aborda três importantes processos psicológicos: percepção,
atenção e memória. A percepção é entendida pelo autor como um processo complexo, que
varia com o desenvolvimento humano e se relaciona fundamentalmente com as
experiências culturais, os significados e conceitos que lhe são atribuídos. Logo, a percepção
que cada participante ou telespectador vai ter sobre o programa vai depender de seu
contexto social. Por exemplo, num ambiente em que a ajuda do psicólogo é bem recebida, a
aceitação do público será melhor do que naquele em que o psicólogo é visto como alguém
que trata de ‘loucos’.
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A atenção, da mesma forma que a percepção, fica à mercê da mediação simbólica e
do que o indivíduo acredita que seja relevante para ele (significados que atribui de acordo
com o meio em que está inserido). Este é um ponto importante para compreendermos o tipo
de público do nosso objeto de estudo, ou seja, só presta atenção e freqüenta o programa
quem quer, quem acredita que os conteúdos são relevantes para si.
Quanto à memória, ela age tanto na participação dos convidados, isto é, eles contam
suas histórias baseados em suas memórias (também são conduzidos pela apresentadora,
como veremos mais à frente), quanto na atuação da psicóloga, que analisa o que sua
memória registrou dos fatos apresentados, embasada em conhecimentos anteriores
armazenados na memória.
Ainda segundo Vygotsky (apud OLIVEIRA, 1997), a imitação é uma reconstrução
individual de um determinado modelo, de acordo com as possibilidades do indivíduo, e não
somente uma cópia. Essa afirmação nos leva a pensar que o programa utiliza-se do
depoimento das três famílias convidadas para fornecer, aos telespectadores de todo o país
(já que é transmitido em rede nacional), um modelo de ‘orientação’ e ‘solução’ para o
público que tenha algum problema semelhante àqueles que estão sendo mostrados.
A atuação do psicólogo no programa ocorre por meio da comunicação, pelo uso da
linguagem que sofre muitas interferências, como a presença de diversas pessoas, de
câmeras, e de regras previamente estabelecidas pelo programa, para que nada destoe do
padrão televisivo (que está sempre preocupado em buscar e manter sua audiência). Por
conseguinte, o entendimento por parte dos participantes do que está sendo falado pela
psicóloga é determinado por todos estes fatores (condições ambientais do meio, que é a
TV), que podem prejudicar sua adequada compreensão.
Portanto, a linguagem do programa precisa ser de fácil acesso para que o
telespectador não se frustre, pois se ele não se identificar e compreender os dramas
narrados, possivelmente irá mudar de canal, gerando uma conseqüente queda de audiência
da emissora.
Para facilitar o entendimento acerca da comunicação e da linguagem previamente
discutida aqui, o tópico abaixo relaciona nosso objeto de estudo com as teorias da
comunicação.
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4.3 O programa Casos de Família e as teorias da Comunicação
Wolton (1996) nos traz a idéia de que a televisão pode contribuir para evitar uma
forte quebra social. “Poder ‘encontrar’ a sua própria experiência, seja ela a mais pobre, em
um programa de televisão, constitui um meio de socialização. Seja como for, é um meio de
evitar a espiral do silêncio e da exclusão simbólica” (p. 165).
Esta perspectiva de contribuição da televisão pode ser encontrada na entrevista que
fizemos com a psicóloga. Ela nos contou que seu objetivo é ajudar as pessoas, mesmo que
seja em pouquíssimos minutos. Para tanto, busca humanizar os conceitos, com o intuito de
que a Psicologia seja popularizada, atingindo classes sociais mais baixas, visando sempre à
saúde mental. Um fato por ela narrado e que está alinhado com a afirmação de Wolton é
que a maioria das pessoas que lhe procuram, não são os convidados do programa, mas sim
os telespectadores que a viram na televisão e vão buscar algum tipo de ‘conselho’ para seus
problemas. Com isto, vemos quão grande é a influência televisiva.
Braga (1997) nos ajuda a entender a intenção da fala da psicóloga. Ele parte do
pressuposto de que toda fala pretende resolver problemas de ordem imediata e que “toda
fala é uma interpretação interessada de uma situação-problema, complexamente composta
de fatos de natureza social, fatos físicos, questões psicológicas” (p. 111). O autor ainda
afirma que “[...] o sentido não depende das intenções do autor, mas da inserção de sua fala
em estruturas significativas” (BRAGA, 1997, p. 116).
Para muitas pessoas, a TV representa uma verdadeira estrutura significativa. Ela
substitui uma companhia ausente que seria uma possibilidade de diálogo e representa um
importante instrumento de informação, cultura e distração. Por exemplo, o programa Casos
de Família pode ser visto pelo público como uma possibilidade de ajuda para solucionar os
problemas. Porém, o conteúdo televisivo também pode acarretar no isolamento das pessoas
e na ilusão de que elas estão participando de seu ambiente, quando na verdade é apenas
imaginação.
A televisão é uma modalidade de linguagem e o entendimento de seu conteúdo
envolve a questão da subjetividade. Nem sempre o que se comunica é de fato
19
compreendido. Esta linguagem possui dois elementos centrais: o áudio e a imagem. Wolton
(1996) considera que o fundamental na televisão é a imagem e o laço social. “O
divertimento e o espetáculo remetem à imagem, isto é, à dimensão técnica. O laço social
remete à comunicação, isto é, à dimensão social. Tal é a unidade teórica da televisão:
associar duas dimensões, a técnica e a social” (WOLTON, 1996, p. 12).
Nesta associação de duas dimensões, uma complementa e reforça a outra, porém
algumas vezes podem ser contraditórias. Por exemplo, a apresentadora do programa conduz
a fala de todos os participantes e a imagem que mais aparece é ela bem vestida e maquiada,
sentada numa cadeira maior, no centro do cenário e com uma altura mais elevada. Tais
imagens reforçam sua posição de ‘líder’ do programa. Já a psicóloga, aparece apenas no
final do programa, sentada na primeira fileira central da platéia, também bem vestida e
maquiada, chamada o tempo todo de ‘doutora’. Podemos supor que o fato dela estar sentada
na platéia pode remeter tanto à idéia de hierarquia, ou seja, está num nível abaixo da
apresentadora, quanto à noção de que ela está assistindo ao programa na mesma ótica que o
público. Essa última nos soa contraditória ao restante do contexto do programa.
As imagens televisivas podem também, em algum momento, nos remeter ao
silêncio, isto é, o que está sendo mostrado nem sempre é falado, e aqui reside um grande
perigo, uma vez que os telespectadores têm o costume de compreender os fatos
apresentados na televisão como verdadeiros e incontestáveis. Assim, o programa e
principalmente a apresentadora e a psicóloga têm uma grande responsabilidade pública ao
se manifestarem, pois de acordo com Juremir Silva (1997), os telespectadores aceitam
qualquer conteúdo sem criticar ou analisar se é bom ou não.
Prosseguiremos contextualizando e verificando de que maneira o programa se
desenrola.
4.4 Análise da dinâmica do programa
20
Segundo o site do SBT, Casos de Família, é um talk show (programa de entrevistas)
que retrata a vida de cidadãos comuns, trazendo temas do cotidiano que ressaltam as
emoções dos participantes presentes no palco, da platéia convidada e dos telespectadores.
De acordo com Scott (1996), os Talk Shows são shows que misturam informações
variadas, psicologia, auto-ajuda, comédia e entrevista. Dependendo do formato do
programa, tem-se mais ou menos diversão, mas ela está sempre presente no gênero. Como
exemplo pode-se citar o programa Jô Onze e Meia.
Com vários formatos, horários e públicos, Scott (1996) divide este gênero em quatro
grandes tipos: “Shows de notícias/informação; Shows de variedade/comédia/entrevista;
Shows relacionamento, auto-ajuda, psicologia e da vida cotidiana; e Talk Shows,
específicos, para nichos especiais de audiência” (FURTADO, N.R., 2006, p. 36).
“A intenção é orientar e até mesmo solucionar os casos apresentados contando com
a participação de um profissional especializado em comportamento” (SBT, 2008).
Mediante esta definição do programa feita pela sua própria produção, podemos entender
que o tema “Eu não agüento mais as brigas dos meus pais” representa um assunto cotidiano
que ressalta a emoção dos participantes do palco, da platéia e dos telespectadores. Tendo o
objetivo de orientar e até solucionar os casos apresentados, toda a dinâmica do programa é
voltada a esta finalidade.
O psicólogo é denominado de profissional especializado em comportamento e sua
figura transmite a idéia de que ele é o responsável pela orientação e solução dos casos
apresentados. Portanto, ao aceitar participar do Casos de Família, o profissional de
Psicologia já deve estar ciente da sua função de ‘orientador e solucionador’, fato este que
induz toda a sua escuta, uma vez que muitas pessoas (apresentadora, convidados, platéia,
telespectadores) exigirão o ‘cumprimento’ deste papel previamente estabelecido. Isto
significa que o formato do programa define uma posição prévia de atuação do psicólogo.
Os casos apresentados representam um recorte da vida daquelas famílias, que não
são concluídos, pois os participantes apenas contam suas histórias, sem mostrar uma
perspectiva de resolução diante do exposto. Neste sentido, as palavras da psicóloga e da
apresentadora, que são as últimas falas do programa, vão representar a ‘solução final do
problema’, para que a idéia do ‘viveram felizes para sempre’, típica do meio televisivo, e
principalmente das telenovelas, seja transmitida ao telespectador.
21
Apesar de ser um programa de entrevistas, poderíamos enquadrá-lo também na
categoria de entretenimento, porque busca transformar a realidade em ficção, mostrando os
fatos de maneira teatral, isto é, resumidos a cenas, para que não caiam na monotonia da
vida cotidiana.
A presença do auditório auxilia esta encenação dos casos. Em determinadas
posturas dos convidados, os assistentes de palco incentivam a platéia a interagir com o que
foi exposto, aplaudindo, vaiando, gritando ou rindo.
Os tópicos abaixo abordam outras características que fazem parte da dinâmica do
programa.
4.4.1 Modelo Jornalístico
Casos de Família chega às tardes da televisão brasileira para inovar o formato dos ‘talk shows’, que já fazem sucesso na televisão mundial há mais de 30 anos. Um programa forte, que vai mexer com a opinião do público telespectador (SBT, 2008).
A edição analisada traz num primeiro momento a filha que comenta sobre as brigas
dos pais, em seguida, chama a mãe e encerra o caso com o depoimento do pai. Tal
seqüência faz com que o público tenha uma visão das três partes envolvidas no caso. Esta
dinâmica segue um importante procedimento jornalístico, que é o de escutar todas as partes
em uma determinada situação. Com esta visão do todo (ainda que com tempo
extremamente reduzido), torna-se mais fácil para o telespectador entender e, quem sabe,
opinar a respeito dos casos apresentados. Sua identificação com o programa será facilitada,
assim como a transferência para sua vida pessoal das opiniões levantadas no talk-show.
Cada vez que convida um participante para entrar no palco, Regina Volpato lê uma
frase relativa a algum acontecimento da vida da pessoa, para que o público fixe uma idéia
referente àquele convidado. Tal fato pode ser comparado aos títulos das matérias
apresentadas nos telejornais. O objetivo deste título é prender a atenção do telespectador
para o que será apresentado, além de criar personagens dentro do tema previamente
delimitado pela produção, fazendo com que o foco não seja perdido.
4.4.2 Cenário
22
O cenário do programa é bastante colorido e iluminado. As cores predominantes são
o vermelho e o bege. Nas paredes podemos ver vários quadros, janelas e estantes com vasos
e enfeites. No palco há um grande tapete com cadeiras para todos os convidados, que
sentam de frente para a platéia. A apresentadora acomoda-se numa cadeira maior e mais
alta, posicionada no centro do palco, porém um pouco mais próxima da platéia e de costas
para a mesma. Os convidados entram por duas portas que se encontram no fundo do
cenário.
Toda a decoração transmite a idéia de casa, ou seja, é como se os convidados
estivessem dentro de suas próprias casas falando sobre seus problemas familiares. Isto
também facilita a identificação dos telespectadores com o conteúdo transmitido, é como se
eles estivessem entrando na casa dos convidados.
Outra parte importante é a platéia, composta por cerca de 140 cadeiras plásticas.
Antes do início da gravação, as pessoas são orientadas para que mantenham uma postura
reta, não se movimentem muito e sempre olhem para quem está falando, e não para a
câmera ou para o monitor. Com isso, é passada para o público a idéia de que aqueles
indivíduos estão prestando atenção no conteúdo que está sendo falado, como se fosse um
modelo para o telespectador seguir.
4.4.3 Músicas
Com exceção da primeira filha que já estava no palco ao ser anunciada, percebe-se
que quando as filhas do segundo e terceiro caso foram apresentadas ao público, a música de
fundo foi o tema do programa. Porém, no momento em que os pais eram chamados para
entrar, outras músicas foram tocadas.
Para o primeiro casal foi colocada a música Entre Tapas e Beijos, de autoria de
Nilton Lamas e Antonio Bueno. A letra completa está transcrita abaixo e o trecho colocado
no programa encontra-se sublinhado.
Perguntaram pra mim Se ainda gosto dela
23
Respondi tenho ódio E morro de amor por ela
Hoje estamos juntinhos
Amanhã nem te vejo Separando e voltando
A gente segue andando Entre tapas e beijos
Eu sou dela ela é minha
E sempre queremos mais Se me manda ir embora
Eu saio lá fora Ela chama pra trás
Entre tapas e beijos
É ódio, é desejo É sonho, é ternura
Um casal que se ama Até mesmo na cama
Provoca loucuras
E assim vou vivendo Sofrendo e querendo
Esse amor doentio Mas se falto pra ela
Meu mundo sem ela
Também é vazio
Neste primeiro caso, o depoimento da família tem como assuntos principais o carro
jogado na ribanceira, resultante de um ataque de ciúme do marido com relação à esposa, e o
fato de ela ter feito uma tatuagem para homenageá-lo, exigindo que ele fizesse o mesmo.
Assim, a estrofe da música em questão é pertinente ao que foi exposto pelo caso, ou seja, os
cônjuges vivem entre ‘tapas e beijos’.
Já para o segundo casal, a música de entrada chama-se Por que brigar assim?,
composta por Nelsinho Rodrigues. Destacamos as partes que aparecem no programa.
Por que brigar assim comigo meu bem Se eu só quero te amar
Só quero te amar Por que fazer da nossa vida um inferno?
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Se toda noite eu só quero te amar Parei de beber pra ficar com você
Pra ficar com você Pra ficar com você
Parei de fumar pra ficar com você Pra ficar com você Pra ficar com você
Não ligue meu bem para o que essa gente diz A gente vive tão feliz
Eu amo você, ô,ô,ô O nosso caso é um caso especial Briga de casal é coisa tão normal
Eu amo você
No momento em que Maria José, a esposa do segundo caso, foi chamada para entrar
no palco, Regina Volpato leu a seguinte frase: “O José é um bom marido, mas o ciúme e a
ignorância me fazem gostar cada vez menos dele”. Relacionando com a parte destacada da
música, podemos supor que as brigas com esse ‘bom marido’, que ela ‘só quer amar’, estão
transformando a vida do casal em um ‘inferno’. Quando José é convidado para comparecer
ao palco, a frase pronunciada diz respeito à falta de amor de sua esposa para com ele. Este é
exposto como o grande problema de seu casamento. Portanto, podemos relacionar que ele
‘só quer amá-la’ (música) enquanto ela não ‘liga’ para ele.
Para o terceiro e último caso é colocada a música Casal sem vergonha, de Arlindo
Cruz e Acyr Marques. Grifamos o trecho apresentado no programa:
A minha vida
A minha vida é um mar de rosa Em tua companhia
Brigamos mil vezes ao dia Mas depois das brigas
Retorna a harmonia Às vezes ela é dengosa
Às vezes é bicho de peçonha Sem vergonha
Somos um casal sem vergonha Sem vergonha
Somos um casal sem-vergonha
Nós brigamos por ciúme Costume, queixume
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Ou coisas banais Não quero que ela fume Ela quer que o perfume
Que eu use não cheire demais Brigamos quando sou bravo
Brigamos até quando banco o pamonha Eu já disse porque meu bem
Sem vergonha Somos um casal sem vergonha
Às vezes ela provoca, às vezes sou eu o provocador Quando fazemos as pazes
Nós somos os ases na arte do amor Mesmo brigando esperamos
Por muitas visitas à Dona Cegonha Eu já disse porque meu bem
Aqui, Lucimar, a esposa do terceiro caso, é apresentada com a mensagem de que
seu marido não gosta que ela cuide de sua aparência e saia à rua. Já seu esposo é chamado
com a frase “Eu viveria melhor com a Lucimar se conversássemos mais e se ela me
obedecesse”. Em ambas as frases, é passada a idéia que a música sugere, ou seja, que eles
brigam por ‘coisas banais’, que o marido é ‘bravo’ e exige a obediência da mulher e que até
mesmo um simples ‘perfume’ pode ser um estopim para os desentendimentos.
Ao lermos as letras das três músicas apresentadas no programa, podemos notar que
elas reforçam a idéia de briga conjugal, que é o assunto em pauta nesta edição. Este é mais
um recurso – o áudio – que o meio televisivo utiliza para passar um assunto previamente
delimitado como tema do programa naquele dia.
4.5 Análise do discurso da psicóloga
Neste tópico, nossa análise irá se ater ao conteúdo do discurso da psicóloga. É
interessante citar que quando fomos assistir a gravação do programa, não pudemos gravar,
mas cronometramos a fala da psicóloga, que resultou num total de 3’ (três minutos).
Quando o programa foi ao ar, esta fala foi editada e resumida a 1’34” (um minuto e trinta e
quatro segundos).
26
Abaixo está a transcrição da fala na íntegra que foi exibida na televisão e que
gravamos em DVD para facilitar nosso estudo:
“Ah... bom... em primeiro lugar, eu acredito que o lugar melhor para a gente ter
paz, deveria ser na nossa casa, e quando acontece o que a gente vê nos casos de hoje,
realmente fica complicado para os filhos né... anh... briga entre marido e mulher é uma
coisa que tem que ser resolvida entre quatro paredes ou num momento de intimidade, ou
sai para conversar ou até para discutir. Discussão na frente de filho é uma coisa que tem
que ser evitada. Para o filho, não interessa o problema que vocês têm. Filho não tem que
saber da intimidade do casal, né. Eu acho que existem problemas plausíveis que merecem
ser estudados, o ciúme, essa coisa da desobediência, não me ama mais, só que isso é um
problema do casal, para as filhas, eu diria que vocês têm realmente que ir à luta, buscar
independência, se isolar disso, porque não dá, não dá para consertar, não dá para se
meter, não dá para mudar ninguém, tá. Agora, para os casais, alguns disseram “ah, o
responsável por isso é o ciúme, ou o desamor, ela não liga mais pra mim, ou ela não me
obedece”. Não, eu acho que o responsável por isso é o descontrole emocional com que
vocês lidam com essa situação, é a falta de respeito com que vocês se tratam e tratam as
pessoas que convivem com vocês. Acho que tá faltando realmente uma reflexão por parte
de vocês que são mais velhos, que são autoridade, né, deveriam ser autoridade e passar um
bom exemplo, precisa reflexão, tá?”.
4.5.1 Tempo
O programa tem a seguinte estrutura:
• Fala inicial da apresentadora: duração de 26”;
• Vinheta de abertura: duração de 28”;
• Primeiro Bloco: duração de 15’51”;
• Primeiro Comercial (anunciante do programa + comercial): duração de
6’31”;
27
• Vinheta de Passagem: duração de 2”;
• Segundo Bloco: duração de 10’52”;
• Segundo Comercial (anunciante do programa + comercial): duração de
6’52”;
• Vinheta de Passagem: duração de 2”;
• Terceiro Bloco: duração de 11’06”;
• Terceiro Comercial (anunciante do programa + comercial): duração de
7’31”;
• Vinheta de Passagem: duração de 2”;
• Quarto Bloco: duração de 4’38”;
• Vinheta de Encerramento: duração de 4”.
Elaboramos a tabela abaixo com o tempo total de fala da apresentadora, da
psicóloga, dos casos apresentados e da platéia, juntamente com a porcentagem equivalente.
TEMPO DAS FALAS
NOME/CASO TEMPO TOTAL PORCENTAGEMRegina Volpato (apresentadora) 11’50” 30,52% Psicóloga 1’34” 4,04% Luana (caso 1) 4’32” 11,70% Nilda (caso 1) 3’55” 10,10% Edson (caso 1) 3’33” 9,15% Total do caso 1 12’ 30.95% Patrícia (caso 2) 2’03” 5,27% Maria José (caso 2) 2’09” 5,54% José (caso 2) 2’21” 6,06% Total do caso 2 6’33” 16.87% Talhissa (caso 3) 2’20” 6,00% Lucimar (caso 3) 1’28” 3,80% Cleodon 1’08” 2,92% Total do caso 3 4’56” 12.72% Total da Platéia 1’53” 4,90%
Tempo total das falas: 38’46”
28
Os convidados fazem seus depoimentos conduzidos pela apresentadora, de acordo
com a ordem de entrada. Entre os casos, há a participação da platéia com perguntas ou
comentários referentes ao que foi exposto. Os participantes que já foram apresentados
podem responder para a platéia. Já a psicóloga fala somente no final do programa. Não há a
possibilidade de fazer observações entre os depoimentos dos convidados.
De todas as pessoas que tiveram a oportunidade de falar, a psicóloga foi a que teve o
menor tempo de participação (os cinco participantes da platéia juntos falaram mais que a
profissional de Psicologia), que corresponde a aproximadamente 4% de todo o programa.
Nesta edição do programa, cada participante teve de 4’32” a 1’08” para contar sua
história. Este curto tempo das entrevistas não fornece elementos suficientes para
comentários por parte da psicóloga. Um minuto é muito pouco para entender a dinâmica da
vida de uma pessoa e conseguir opinar sobre a mesma.
Desta forma, temos a questão do tempo como um dos elementos centrais de nossa
análise, uma vez que os aspectos que serão analisados abaixo esbarram na incoerência entre
o tempo televisivo e o tempo psicológico. A TV trabalha imitando o tempo, ou seja, torna o
tempo real mais rápido para que se adeque às exigências dos telespectadores, enquanto que
a Psicologia necessita de um determinado tempo (muito superior ao fornecido pelo
programa), para compreender uma pessoa e poder trabalhar sua parte psicossocial, ainda
que na forma de aconselhamento.
4.5.2 Apreensão dos sentidos do discurso da psicóloga
Para compreendermos o que é dito pela profissional de Psicologia do programa
Casos de Família precisamos ir além das aparências de seu discurso, levando-se em conta
as características do contexto sócio-histórico em que está inserido.
Segundo Vygotsky (2001), o pensamento se realiza na palavra, e quando isso não
ocorre, termina em fracasso. Portanto, para assimilarmos o movimento do pensamento,
devemos analisar o significado e o sentido da palavra, pois na relação
pensamento/linguagem, um constitui o outro.
29
“Os significados referem-se, assim, aos conteúdos instituídos, mais fixos,
compartilhados, que são apropriados pelos sujeitos, configurados a partir de suas próprias
subjetividades” (AGUIAR e OZELLA, 2008). Já os sentidos, representam a articulação
singular dos eventos psicológicos, produzido pelo sujeito frente à determinada realidade.
Aguiar e Ozella (2008) afirmam que o processo de apreensão dos sentidos nos
apresenta indicadores das formas de ser do sujeito. Para tanto, elencamos um conjunto de
palavras apresentadas no discurso da psicóloga e que julgamos como úteis para chegarmos
aos indicadores.
Pré-indicadores 1 Paz 2 Casa 3 Filhos 4 Briga entre marido e mulher 5 Resolvida 6 Quatro paredes 7 Intimidade do casal 8 Discutir 9 Evitada (discussão na frente de filho) 10 Estudados (problemas) 11 Ciúme 12 Desobediência 13 Não me ama mais 14 Problema do casal 15 Ir à luta 16 Buscar independência 17 Se isolar 18 Desamor 19 Não liga mais para mim 20 Responsável (motivo) 21 Descontrole emocional 22 Falta de respeito 23 Reflexão 24 Velhos 25 Autoridade 26 Bom exemplo
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Aglutinando estes pré-indicadores por similaridade ou complementaridade, temos
uma relação de indicadores.
Pré-indicadores Indicadores 4-Briga entre marido e mulher; 8-Discutir; 11-Ciúme; 12-Desobediência; 13-Não me ama mais; 14-Problema do casal; 18-Desamor; 19-Não liga mais para mim; 20-Responsável (motivo); 21- Descontrole emocional; 22-Falta de respeito.
1- Fatores responsáveis pelas brigas (desentendimento)
11-Ciúme; 18-Desamor; 21- Descontrole emocional.
2- Problemas de ordem pessoal
4-Briga entre marido e mulher; 8-Discutir; 12-Desobediência; 13-Não me ama mais; 14-Problema do casal; 19-Não liga mais para mim; 22-Falta de respeito.
3- Problemas de ordem conjugal
2-Casa; 3-Filhos; 4-Briga entre marido e mulher; 6-Quatro paredes; 7-Intimidade do casal; 14-Problema do casal; 24- Velhos; 25- Autoridade.
4-Relações familiares
1-Paz; 15-Ir à luta; 16-Buscar independência; 17-Se isolar; 23-Reflexão; 25-Autoridade; 26-Bom exemplo.
5- Sugestões para os filhos
1-Paz; 5-Resolvida; 8-Discutir; 9-Evitada (discussão na frente de filho); 10-Estudados (problemas); 23-Reflexão; 26-Bom exemplo.
6- Sugestões para os casais
“[...] os indicadores, só adquirem algum significado se inseridos e articulados na
totalidade dos conteúdos temáticos apresentados, ou seja, na totalidade das expressões do
sujeito” (AGUIAR e OZELLA, 2008). Com esta articulação, temos a formação de núcleos
de significação, que expressam os pontos centrais e fundamentais do discurso do sujeito.
Indicadores Núcleos de Significação 1- Fatores responsáveis pela brigas
2- Problemas de ordem pessoal 3- Problemas de ordem conjugal
4-Relações familiares
1- Problemas que geram as brigas familiares
5- Sugestões para os filhos 6- Sugestões para os casais
2- Possíveis soluções para os casos
31
Para que um discurso seja compreendido de maneira satisfatória, precisamos
articulá-lo com o contexto em que o sujeito se encontra, isto é, “[...] olhar a realidade
singular à luz da totalidade social, ou seja, não esquecer-se das determinações históricas e
sociais” (AGUIAR e OZELLA, 2008).
Quando articulamos as falas da psicóloga em dois núcleos de significação, pudemos
notar que ela se resume a elencar problemas e levantar soluções para os mesmos (causa ⇔
conseqüência). Assim, o modo de agir da psicóloga é baseado nas exigências do meio –
televisivo – em que se encontra.
Os próximos subitens tratam de aspectos que relacionam a conduta da psicóloga
com o contexto. Todos têm relação com os núcleos de significação aqui explicitados.
4.5.3 Generalização e senso comum
A fala da psicóloga ocorre num tempo muito curto e não fornece condições para que
as idéias sejam mais explicadas e detalhadas, resultando em falas generalizadoras, isto é, a
relação concreta com os objetos é rompida. As falas partem dos depoimentos dados pelos
convidados do programa, mas focam categorias mais amplas, como “[...] briga entre
marido e mulher é uma coisa que tem que ser resolvida entre quatro paredes ou num
momento de intimidade ou sai para conversar ou até para discutir. Discussão na frente de
filho é uma coisa que tem que ser evitada. Para o filho, não interessa o problema que vocês
têm. Filho não tem que saber da intimidade do casal, né [...]”. Neste caso, a psicóloga
refere-se a marido, mulher e filhos numa visão generalizada, e não focada nas três famílias
que estão no programa. É preciso também ter cuidado para que a explicação da psicóloga
sobre brigas conjugais não se resuma como a única plausível para o assunto.
A condução da apresentadora nos depoimentos facilita as generalizações. Não há
espontaneidade, a apresentadora convida cada participante para entrar no programa com
uma frase aparentemente dita pelo convidado e que vai caracterizá-lo ao longo do
programa. Quando a câmera fecha no rosto do apresentado, aparece na tela uma frase que
‘define a identidade’ do participante.
32
Além disso, a fala da psicóloga resume-se ao fim do programa, não há interferências
da profissional de Psicologia entre um caso e outro. Tal aspecto reforça a generalização dos
casos, pois acaba aglutinando as três situações em uma só fala.
Generalizar favorece a utilização do senso comum, que é o oposto do científico, e
conseqüentemente, da ciência psicológica. Citamos Bock, Furtado e Teixeira (1999) que
explicam que a ciência deve ser expressa “[...] por meio de uma linguagem precisa e
rigorosa” (p.19). Para estes autores, os conhecimentos obtidos requerem uma organização
sistemática, programada e controlada.
Desta forma, encontramos uma incompatibilidade da ciência com a emissora que
transmite o programa (cujas características foram expostas no capítulo dois). Barbero
(2002) afirma que para um programa de TV ter audiência, seu público alvo deve se
identificar com o conteúdo que é mostrado. Sabemos que o público do nosso objeto de
estudo é de classe popular e que nem sempre tem fácil acesso a material científico.
Portanto, utilizar uma linguagem científica implicaria na dificuldade de identificação do
telespectador com o programa, ao mesmo tempo em que usar apenas termos do senso
comum implica na descaracterização da Psicologia enquanto ciência.
4.5.4 Aconselhamento
Outro ponto observado na fala da psicóloga refere-se ao aconselhamento. Scheeffer
(1964) define o aconselhamento psicológico como “[...] uma relação face a face de duas
pessoas, na qual uma delas é ajudada a resolver dificuldades de ordem educacional,
profissional, vital e a utilizar melhor os seus recursos pessoais” (p. 14). A autora também
frisa a necessidade de compreender o indivíduo em sua totalidade. Carl Rogers (apud
SCHEEFFER, 1964) conceitua o aconselhamento como “[...] uma série de contatos diretos
com o indivíduo com o objetivo de lhe oferecer assistência na modificação de suas atitudes
e comportamento” (p.13).
Portanto, o processo de aconselhamento pressupõe a existência de mais de um
contato direto com o aconselhado, para que seja possível a compreensão de sua totalidade.
A rapidez exigida pela mídia televisiva atrapalha a ocorrência destes contatos, o que
implica na perda da essência do aconselhamento.
33
Apesar de ter apenas um breve contato com os participantes do programa, o que
dificulta a compreensão da totalidade dos indivíduos, a fala da psicóloga volta-se para a
tentativa de ajudar os convidados a resolver suas dificuldades aparentes, aponta possíveis
soluções para os casos, conforme descrevemos nos núcleos de significação. Ela aconselha
os pais a evitarem discussões na frente dos filhos; aconselha as filhas a buscar
independência e não interferirem nas brigas dos pais; aconselha os pais a refletirem sobre
suas atitudes: “[...] Discussão na frente de filho é uma coisa que tem que ser evitada [...]”;
“[...] para as filhas, eu diria que vocês têm realmente que ir à luta, buscar independência,
se isolar disso, porque não dá, não dá para consertar, não dá para se meter, não dá para
mudar ninguém, tá [...]”; “[...] Acho que tá faltando realmente uma reflexão por parte de
vocês que são mais velhos, que são autoridade, né, deveriam ser autoridade e passar um
bom exemplo, precisa reflexão, tá?”.
Tais falas procuram mostrar um caminho para os convidados percorrerem. Por ser
detentora de um conhecimento científico, legitimado pela sociedade, a psicóloga tem a
‘autoridade’ de aconselhar os convidados, e sua fala é respeitada e transmitida em rede
nacional. Ademais, além de credibilidade à sua fala, o caráter científico traz a idéia de que
o convidado e o telespectador estão tendo a oportunidade de adquirir conhecimentos do
campo psi. Também podemos notar que a psicóloga é o tempo todo chamada de ‘doutora’,
termo que reforça a idéia relativa ao seu ‘grande conhecimento’. Para a nossa sociedade,
doutor é um indivíduo com muita experiência e, normalmente, associamos a palavra com
médicos ou advogados, isto é, pessoas que podem ‘resolver’ nossos problemas.
Ao ser questionada sobre seu papel no programa Casos de Família, a psicóloga
afirma, na entrevista, que pelo pouco tempo e pela incompatibilidade do contexto do
programa com um setting terapêutico, ela acaba agindo como uma conselheira. A intenção
é fazer uma ‘chamada de consciência’ do convidado, e não a de realizar uma ‘terapia pela
televisão’. “Aconselhamento não é terapia”, enfatiza a psicóloga na entrevista.
É também interessante citar que a mídia televisiva pode, por si só, ser conselheira.
Muitas vezes os telespectadores vão buscar respostas ou ajuda para suas questões pessoais,
a partir do que é exposto na TV.
4.5.5 Reducionismo
34
Ao longo de sua fala, a psicóloga utiliza-se de formas reducionistas do discurso.
Novamente relacionamos este fenômeno ao fator tempo (ela precisa tratar de uma grande
quantidade de tópicos em um tempo muito restrito), e aos núcleos de significação, ou seja, a
necessidade de apontar os problemas e as soluções. Explicaremos nos exemplos abaixo.
“Ah... bom... em primeiro lugar, eu acredito que o lugar melhor para a gente ter
paz, deveria ser na nossa casa [...]”. Aqui, diversos elementos podem ser percebidos. O
trecho “[...] em primeiro lugar, eu acredito que o lugar melhor [...]”, nos transmite a idéia
de ordem cronológica (se há um primeiro lugar, então deve haver um segundo, terceiro e
assim por diante) e um grau de hierarquização, ou seja, dentro do ‘primeiro lugar’ há um
‘melhor’ lugar. Além disso, existe uma associação da palavra ‘paz’ com ‘casa’. Deixando
de ser nômade, o homem construiu sua casa, que representa no imaginário das pessoas um
lugar de refúgio, de paz. No entanto, não é necessariamente isto que ocorre na prática, a
famosa frase ‘lar doce lar’ nem sempre pode ser aplicada. Para muitas famílias, a casa pode
ser um lugar de brigas diárias, que se distancia desta noção de paz expressa no discurso da
psicóloga.
No trecho “[...] Não, eu acho que o responsável por isso é o descontrole emocional
com que vocês lidam com essa situação, é a falta de respeito com que vocês se tratam e
tratam as pessoas que convivem com vocês [...]”, podemos notar que toda a situação de
brigas e conflitos existentes nas relações conjugais apresentadas no programa é reduzida a
apenas dois fatores: o ‘descontrole emocional’ e a ‘falta de respeito’. Tal explicação nem
sempre está relacionada à verdade do entrevistado, já que ele não foi ouvido o suficiente
para que esta opinião seja colocada como ‘única verdade’. Aspectos de grande relevância,
como condição econômica e modelos internalizados de relacionamentos familiares, foram
descartados do hall de determinantes da situação. Portanto, para afirmar com precisão, seria
necessária uma análise minuciosa do contexto familiar de cada caso.
Neste outro fragmento, “[...] vocês que são mais velhos, que são autoridade, né,
deveriam ser autoridade e passar um bom exemplo [...]”, a figura dos pais é reduzida à
autoridade adquirida pela experiência e pelo tempo de vida maior que a dos seus filhos.
Questões como carinho, educação, atenção, que são de suma importância no
relacionamento de pais e filhos, são omitidas na fala da psicóloga, que se reduz ao âmbito
da autoridade.
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Para Machado (apud TOURINHO, NETO e NENO, 2004) e Tourinho (apud
TOURINHO, NETO e NENO, 2004), a Psicologia deve ser vista como um triângulo
epistêmico, por articular, no seu interior, conhecimentos reflexivos, aplicados e empíricos.
Porém, o reducionismo observado nos trechos acima, demonstra que o lado empírico
adquire um peso maior, pois as informações dos participantes são fragmentadas e as
explicações da psicóloga restringem-se aos fatos, em detrimento do embasamento teórico.
4.5.6 Espaço público/privado
Para Wolton (1996), a TV tem a característica de oferecer uma participação
individual dentro de uma atividade coletiva. Assim, neste veículo, a relação público/privado
é bastante delicada, principalmente quando analisamos um programa público, como o
Casos de Família que, conforme o próprio nome indica, trata de questões familiares e,
portanto, de foro íntimo.
Bucci (2004) critica o fato de que a TV é debatida apenas como uma transportadora
de conteúdos, o que camufla a função principal dos meios de comunicação que é o de
construir o espaço público.
Segundo Maria Aparecida Baccega (1997), em estudo sobre Televisão e escola, o espaço público começa e termina nos limites da TV: ‘[...] o que não saiu na televisão não aconteceu’. Convém salientar que a televisão não pode ser considerada uma mera observadora do que acontece; ao contrário, ela hoje forma parte do acontecimento” (FURTADO, N.R., 2006, p. 26).
Ao falar que “[...] briga entre marido e mulher é uma coisa que tem que ser
resolvida entre quatro paredes ou num momento de intimidade [...]”, a psicóloga está nos
mostrando um grande paradoxo acerca da questão público/privado. Os cônjuges estão num
veículo televisivo, que transmite seu conteúdo em rede nacional, ou seja, num espaço
público. Porém, estão tratando de assunto privado, que são as brigas do casal e o
descontentamento da filha com a situação.
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Ao falar que estas brigas deveriam ser resolvidas entre quatro paredes, a psicóloga,
de certa forma, discorda com a posição do casal de expor seu problema num espaço muito
mais amplo que as ‘quatro paredes’.
O próprio cenário do programa é paradoxal. Todas as suas características remetem à
sala de uma casa, transmitindo a idéia de que os casos de família devem ser resolvidos em
casa. Podemos levantar uma hipótese de que este cenário com aspectos residenciais deixa
os indivíduos mais à vontade para contar suas histórias.
4.5.7 Necessidade Imediatista
Conhecer o que realmente acontece, quais os aspectos emocionais envolvidos não é possível num programa de televisão. Mas é uma exigência dos veículos de comunicação de massa que os conteúdos apresentados tenham a aparência de um saber sem lacunas, algo já pronto para um consumo imediato na forma de informações úteis (SILVA, S.T., 1999, p. 32;33).
Esta necessidade imediatista, característica dos veículos de comunicação de massa,
e que esbarra novamente na questão do tempo, exige da psicóloga uma ‘solução’ para o
caso, uma fala que de certa forma tenha um caráter conclusivo.
[...] os meios de comunicação destroem nossos referenciais de espaço e tempo, constituintes da percepção, e instituem-se a si mesmos como espaço e tempo – o espaço é o ‘aqui’ sem distâncias, sem horizontes e sem fronteiras; o tempo é o ‘agora’ sem passado e sem futuro (BUCCI e KEHL, 2004, p. 7).
Bucci e Kehl (2004) denominam nossa sociedade de ‘sociedade do espetáculo’, e
colocam a visibilidade imediata como uma característica fundamental, ou seja, tudo deve
ser ‘resolvido’ aqui e agora.
É assim que a psicóloga afirma que “[...] vocês que são mais velhos, que são
autoridade, né, deveriam ser autoridade e passar um bom exemplo, precisa reflexão, ta?”.
É óbvio que se eles são pais, eles são mais velhos que os filhos e, se há brigas conjugais,
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faz-se necessária uma reflexão acerca da situação. Tal fala da psicóloga acaba não dizendo
nada de novo, está no âmbito do senso comum.
Quando entrevistamos a psicóloga no camarim do programa, esta questão foi
exposta por ela. No momento em que afirma que sua função é tornar acessível aos leigos
(leigos no sentido de que não conhecem a ciência psicológica) os conceitos psicológicos, o
senso comum acaba se misturando com conceitos psicológicos. Assim, percebemos que, no
contexto geral do programa, o senso comum acaba predominando.
Podemos também relacionar esta necessidade de explicar todo o conteúdo do
programa de forma rápida e simples com a preocupação em manter a audiência e,
conseqüentemente, os anunciantes da emissora. Quando descrevemos o tempo do
programa, percebemos que a duração total, incluindo os comerciais é de aproximadamente
uma hora e cinco minutos. O que nos chamou a atenção é que, em média, vinte e um
minutos são de comerciais, que certamente auxiliam na manutenção financeira do
programa.
4.6 Análise da atuação da apresentadora
No site do SBT encontramos a seguinte descrição da apresentadora:
A experiente jornalista Regina Volpato, conduz o bate-papo com uma postura sóbria e imparcial. Usando o bom senso, ela opina, interage com a platéia e conversa sobre os casos com o especialista convidado pelo programa. [...] Agora, Regina Volpato decide dar um giro de 180 graus em sua carreira ao assumir a condução de um 'talk show'. Sua experiência como jornalista, sua sensibilidade como mãe e a sua maturidade são destaques na condução do bate-papo entre os convidados e trazem para a televisão brasileira um novo conceito na discussão de temas do cotidiano (SBT, 2008).
Segundo Marcondes Filho (2000), o modelo de entrevista em televisão “[...]
pressupõe não um diálogo, mas um autêntico monólogo. Em vários programas, o
apresentador, que é o mestre-de-cerimônias, se sobrepõe ao entrevistado, transformando-o
em um mero espelho do apresentador” (p. 70). É isto que podemos notar no programa
Casos de Família. A apresentadora conduz o programa de forma que ele não saia de um
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molde, de um gabarito previamente estabelecido pela produção. Isto ocorre tanto em
relação aos convidados quanto à psicóloga.
Ao término da fala da psicóloga, Volpato encerra o programa dando sua opinião
sobre os casos, transmitindo ‘conselhos’ e exemplos aos participantes, como se estivesse
‘complementando’ e ‘traduzindo’ o que foi dito anteriormente. A maneira enfática e a
clareza do discurso da apresentadora fazem parecer que ela é detentora do mesmo
conhecimento científico da psicóloga. Enquanto ‘comandante’ do programa, sua
participação é muito central e suas palavras parecem adquirir um caráter de ‘verdade
absoluta’, superior até que as da própria profissional de Psicologia, uma vez que a
apresentadora pode falar antes ou após a psicóloga, porém essa não tem a mesma
oportunidade.
Na tabela de tempo de falas (na página 71 deste trabalho), pudemos notar que
30,52% das falas de todo o programa são da apresentadora e, portanto, ela é quem mais
fala. A palavra ‘apresentadora’ nos remete à idéia de ‘pessoa que apresenta algo’; porém na
prática, a apresentadora fala mais do que as pessoas que ela apresenta.
Quando alguma situação fica difícil de ser compreendida por uso de vocabulário
difícil, ausência ou excesso de palavras, a apresentadora tem a função de explicar ao
público o que foi dito. Como jornalista, e ciente do conhecimento das técnicas televisivas,
Regina Volpato age como um guia, um roteiro para o depoimento do entrevistado. Sua
postura e perguntas fazem com que ele aborde situações específicas relativas ao tema do
programa, evitando que o foco seja perdido e que o assunto torne-se cansativo ou
incompreensível para o telespectador, que pode vir a mudar de canal. Além disso, suas
características (roupas, maquiagem, discurso, postura) definem o perfil do programa e
facilitam a familiarização do público com todo o contexto.
Toda a dinâmica do Casos de Família demonstra a importância central da
apresentadora, afinal, ela é uma ‘celebridade’, uma pessoa famosa no meio televisivo. O
final do programa sugere que as palavras da psicóloga forneceram subsídios ‘técnicos’
(ainda que com uma linguagem do senso comum, porém utilizando o caráter científico da
Psicologia) para que a apresentadora ‘conclua’ o assunto, como se fosse uma sentença final,
um veredicto que vai ‘mudar’ a vida dos participantes e quiçá dos telespectadores.
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Assim, o programa é encerrado com a seguinte fala de Regina Volpato: “[...]
Relacionamentos nos quais as pessoas só se agridem, no qual as pessoas só se ferem e
colocam em risco a própria vida, num acidente de carro e tal, não é um relacionamento a
ser imitado e é possível a gente viver uma vida a dois de um jeito diferente. Muito obrigada
a todos vocês que nos assistiram em casa, muito obrigada pela companhia, um beijo muito
carinhoso e fique com Deus”.
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5-CONCLUSÃO
O presente trabalho é denominado de ‘Trabalho de Conclusão de Curso’ (TCC), no
entanto, em toda nossa pesquisa acerca do tema escolhido, notamos que nada pode ser
concluído, pois concluir implica em encerrar um assunto. Tratando-se de Psicologia e
Televisão, percebemos que as informações aqui expostas representam um pequeno passo de
um vasto caminho que ainda precisa ser trilhado e desbravado.
Os conhecimentos adquiridos nos enriqueceram bastante e aumentaram nossa
curiosidade exploratória, tarefa esta que deve ser constante na vida de pesquisadores e,
agora, com responsabilidade ainda maior que é a de iniciante na carreira profissional de
Psicologia.
Como muito discutimos nos capítulos, o homem é um ser em constante modificação
e nós, enquanto profissionais que temos como ‘matéria-prima’ de trabalho o homem,
devemos estar em contínua atualização e aprendizado.
Ao longo da realização deste trabalho, sempre tivemos como meta tratar o campo da
Psicologia e da Comunicação de uma forma crítica, com o intuito de apontar caminhos que
visem à melhor compreensão de ambas as áreas. Em toda nossa pesquisa teórica e prática
sobre o assunto, percebemos que a divulgação da Psicologia em meios de comunicação é de
grande valia, principalmente para pessoas que, por barreiras econômicas, não têm acesso a
este tipo de informação.
Porém, esbarramos com questões relacionadas à diferença do tempo televisivo para
o psicológico e à incompatibilidade da linguagem científica com aquela que é utilizada na
TV. Estes fatores podem comprometer a condição da Psicologia enquanto ciência.
Nossa maior preocupação relaciona-se à visão que o contexto televisivo pode
transmitir sobre a Psicologia, pois no programa analisado ela parece ser mágica e ‘resolver
problemas em cinco minutos’. O fato de o profissional de Psicologia em pouco tempo dizer
o que a pessoa deve fazer com seus problemas e sugerir uma solução para seu sofrimento
deixa implícito que tudo é muito fácil de resolver e que a psicóloga é detentora de uma
‘fórmula da felicidade’.
A intenção do nosso objeto de estudo, o programa Casos de Família, é a de auxiliar
as pessoas na resolução de seus anseios, o que é muito positivo em uma sociedade com
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grande demanda de problemas, principalmente os de ordem familiar. Porém, a necessidade
imediatista da televisão pode, ainda que de maneira não intencional, identificar a Psicologia
com um palpite, um ‘achismo’.
Encerramos este trabalho com uma sensação de ambigüidade e explicamos o
porquê. Nas aulas do curso de graduação, aprendemos que o local mais apropriado para a
comunicação do psicólogo com as pessoas é num contexto terapêutico. Isso nos faz
questionar se a participação do psicólogo realmente é importante no programa, já que ela
precisa adaptar-se aos requisitos da produção, à linguagem televisiva e ao curto tempo que
lhe é proporcionado. Ademais, as informações fornecidas pelos participantes são
fragmentadas, implicando em explicações restritas aos fatos, em detrimento do
embasamento teórico. Será que tantas distorções da postura de psicólogo não atrapalham
mais do que ajudam?
Por outro lado, conforme a própria psicóloga nos informou, a proposta do programa
é popularizar a Psicologia, mostrando interesse pela saúde mental. Assim, o simples fato de
as pessoas terem a oportunidade e um espaço (ainda que num curto período de tempo) para
serem ouvidas, já representa algum alívio e até esperança por parte dos telespectadores, que
também podem conseguir amenizar suas angústias. Portanto, de alguma forma, o programa
representa um benefício para seu público, ainda que seja apenas por um efeito catártico.
Nassif (apud JORNAL DE PSICOLOGIA CRP SP, 2007) afirma que a mídia faz
parte de nossa cultura. Dessa forma, é essencial que o psicólogo se aprofunde no
entendimento de como os meios de comunicação de massa influenciam a opinião pública,
as ações sociais e a organização das instituições.
Levando em conta as palavras de Nassif (apud JORNAL DE PSICOLOGIA CRP
SP, 2007), sugerimos um maior estudo e aprofundamento dos profissionais da área psi e da
comunicação, para que a relação Mídia/Psicologia seja mais harmoniosa e benéfica para
ambos os lados.
Por fim, citamos mais uma vez um trecho da tese de doutorado de Furtado (2006),
que muito contribuiu com nosso trabalho: “[...] temos consciência que este estudo não tem
final, conclusões definitivas ou paradigmas imutáveis. Ele é inesgotável e repleto de
desconhecimento e dúvidas; por isso mesmo, atraente. Deve continuar, visto que ‘vivemos
no gerúndio’ ” (p. 153).
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