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A Arte de APRENDER Shiatsu 8 Dicas rápidas para quem quer evoluir muito no Shiatsu Por Arnaldo V. Carvalho* Acostumados com a forma padrão de se aprender – salas de aula cheias, ilustrações demonstradas através de retroprojetores, datashows e lousas, onde a prática e a teoria não encontram a devida integração, o estudante por vezes encontra grande dificuldade de compreender os fundamentos principais do Shiatsu, uma vez que estes dependem da visão do todo, do Uno entre teoria e prática. Uma vez formado, esse praticante repete o modelo de ensino que lhe foi imposto, quando ocasionalmente torna-se um professor. Assim, professor e aprendiz muitas vezes encontram-se caídos na cilada da pedagogia visual, despida da sensorialidade necessária para técnica que envolve o corpo, o toque, a sensibilidade extra-intelectual. Isso torna a aprendizagem mais lenta, confusa, e por vezes desanimadora, impedindo que muitos praticantes avancem. Afinal, qual é a melhor maneira de aprender Shiatsu? Como tornar essa aprendizagem efetiva? O que fazer para obter profunda compreensão da sabedoria por trás da teoria? E, finalmente, como aprender o “algo a mais” que parece existir nas sessões de alguns poucos praticantes? Nem sempre a solução é querer mudar o sistema, ou sair do curso, que pode inclusive ser ótimo. No final das contas, é o aluno que comanda seu próprio processo de aprendizagem, e com algumas atenções especiais, ele poderá aproveitar muito mais o seu curso, e aprender muito além dele. Elencaremos aqui alguns tópicos úteis – dicas positivas – para quem quer tornar o aprendizado do Shiatsu mais efetivo. Bom proveito! Não tem fim Esse tópico poderia se chamar: “não se iluda”. O aprendizado do Shiatsu é infinito, podendo acontecer a cada instante de sua

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A Arte de APRENDER Shiatsu

8 Dicas rápidas para quem quer evoluir muito no Shiatsu

Por Arnaldo V. Carvalho*

Acostumados com a forma padrão de se aprender – salas de aula cheias, ilustrações demonstradas através de retroprojetores, datashows e lousas, onde a prática e a teoria não encontram a devida integração, o estudante por vezes encontra grande dificuldade de compreender os fundamentos principais do Shiatsu, uma vez que estes dependem da visão do todo, do Uno entre teoria e prática. Uma vez formado, esse praticante repete o modelo de ensino que lhe foi imposto, quando ocasionalmente torna-se um professor. Assim, professor e aprendiz muitas vezes encontram-se caídos na cilada da pedagogia visual, despida da sensorialidade necessária para técnica que envolve o corpo, o toque, a sensibilidade extra-intelectual. Isso torna a aprendizagem mais lenta, confusa, e por vezes desanimadora, impedindo que muitos praticantes avancem.

Afinal, qual é a melhor maneira de aprender Shiatsu? Como tornar essa aprendizagem efetiva? O que fazer para obter profunda compreensão da sabedoria por trás da teoria? E, finalmente, como aprender o “algo a mais” que parece existir nas sessões de alguns poucos praticantes?

Nem sempre a solução é querer mudar o sistema, ou sair do curso, que pode inclusive ser ótimo. No final das contas, é o aluno que comanda seu próprio processo de aprendizagem, e com algumas atenções especiais, ele poderá aproveitar muito mais o seu curso, e aprender muito além dele.

Elencaremos aqui alguns tópicos úteis – dicas positivas – para quem quer tornar o aprendizado do Shiatsu mais efetivo. Bom proveito!

Não tem fim

Esse tópico poderia se chamar: “não se iluda”. O aprendizado do Shiatsu é infinito, podendo acontecer a cada instante de sua vida. Ele está além do que dizem os livros, do que mostram os vídeos, do que diz o seu professor. Para ilustrar a dimensão disso, vale a pena falar de um do chinês de nome impronunciável que simplesmente era chamado onde morava de Johnny. Ele era um mestre das terapias orientais, tido como “milagroso” por leigos, outros profissionais ligados a MTC e mesmo médicos alopatas na cidade. As notícias do sucesso de seus tratamentos eram mesmo entusiasmantes: doenças, dores, lesões tratadas por vezes em uma única sessão, com resultados impressionantes e algumas vezes definitivos. Ansioso por aprender, fui a seu encontro, e embora ele não tivesse me aceito como seu aluno – Johnny não dava aulas, acabou tornando-se uma referência para mim, e o aprendizado veio de muitas outras maneiras que não a formal. Certa vez eu o perguntei (e nessa altura ele tinha 73 anos) quantos anos havia levado para que aprendesse tudo o que sabe. Ele voltou os olhos ao passado, e suspirando, disse em seu português mal falado:

- Eu estudei por 43 anos com meu mestre. – Johnny parecia realmente olhar para um outro tempo e um outro lugar nesse momento, absorto em pensamentos. Acompanhei-o no silêncio,

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refletindo sobre 43 anos ser, naquela altura, ser quase o dobro da minha vida, e eu achava que já era experiente no Shiatsu e nas terapias naturais, já praticava tanta coisa há uns bons anos... Rompi então a quietude do momento com uma pergunta que foi respondida sem rodeios ou reticências:

- Mas… como seu mestre, após 43 anos, soube que você já “estava pronto”?

- Ele morreu.

Impressionado, ainda tentei compreender melhor a situação de um aluno que estudara com um mestre único por tanto tempo:

- E depois da morte do seu mestre… você não quis outro mestre? Não queria aprender mais?

- Sim, muito. Procurei outros mestres, mas acabei descobrindo que já sabia tanto ou mais que eles. Então entendi que estava pronto, era eu comigo mesmo.

Sabemos que a aprendizagem não tem fim, e está atrelada ao refinamento contínuo do espírito do próprio terapeuta.

Perca os olhos

Vivemos em uma sociedade condicionada a aprender através do recurso da visão. Numa terapia onde é o tato o sentido dominante, talvez seja necessário romper com o modelo que nos foi imposto. Aprender utilizando o sentir das mãos, em detrimento da memorização de mapas, pode tornar o profissional mais hábil e pronto para tratar diferentes pessoas com igual Qualidade. Se aprendemos por exemplo sobre o trajeto de um meridiano apenas memorizando um mapa, é mais difícil transportá-lo para o corpo humano que por ventura não corresponda em proporções ao “corpo padrão” que decoramos nos mapas. Uma pequena variação nesse trajeto poderá não ser percebida pelo praticante, e a verdade é que tira-se o espaço do sentir, o que sem dúvida não contribui para a aprendizagem. Ao treinar o seu Shiatsu, experimente fechar os olhos. Faça o trecho da seqüência de olhos abertos, e depois de olhos fechados. Assim, aos poucos, você começará a transportar a mente de uma sabedoria visual, para a tátil.

Leve a teoria para o dia a dia

Shiatsu não começa nem termina quando estamos no ambiente da prática. É, sobretudo, tema do dia a dia. Ser observador, gostar de observar a si mesmo em diferentes circunstâncias, observar os outros, suas posturas, a maneira como utilizam sua energia no dia a dia, como perpetuam cargas de tensão sobre segmentos do corpo, o modo como a tríade corpo-mente-energia se integra; Perceber como observar a natureza e seu ritmo oferece pistas sobre o funcionamento do ser humano, e vice-versa.

Desracionalize

Em visita a outra de minhas mestras e grande amiga, a argentina Mercedes Avellaneda, pude lhe fazer Shiatsu. Sabendo do alto nível de minha interagente, esforcei-me para usar as melhores técnicas que conhecia. Ao final, ela agradeceu sem muito entusiasmo. Alguns dias

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depois, porém, em momento não esperado, em que algum desequilíbrio lhe apareceu, ofereci-lhe novamente, e entreguei-me com o desejo intenso de vê-la recuperada. Agi por impulso, sem pensar. Minhas mãos iam onde meu Ser sentia ser necessário, eu estava agindo por instinto, despertado pela circunstância. Ao final, ela agradeceu com um brilho novo no olhar, e recuperada me disse: “esse sim é seu trabalho; esse sim é você”. Compreendi naquele momento que não se pode ser quem não se é no Shiatsu; A técnica subsidia a alma a expressar-se e essa talvez seja sua única verdadeira função. Descobrir-se no Shiatsu, permitir-se ser, transcendendo as limitações da racionalidade é, sem dúvida, passo maior a aprendizagem da técnica.

Descubra o seu Shiatsu

A compreensão do movimento como expressão do interior nos leva a descoberta de nós mesmos através do Shiatsu, e ao mesmo tempo, a descoberta do próprio Shiatsu que existe em nós. Na medida em que se amadurece, em que se amplia a alma e se expande a consciência, o Shiatsu cresce. A verdade é que você pode escolher pensar se em seu Shiatsu não cabe nada mais do que aquilo que és, ou se o seu Shiatsu é tudo aquilo que tu és. Parece o mesmo mas não é.

Conheça sua força

Nunca esqueci o meu primeiro curso com o Prof. Marco Duarte, que reverencio como um de meus grandes mestres. Eu já praticava o Shiatsu há tempos, mas fui levado ao seu curso por uma série de diferenciais a que propunha. Marco é de fato extraordinário, um dos melhores do país. Os anos se passaram e eu demorei a ter uma nova oportunidade de aprender com ele. Um dia, ao longo do treinamento, tive a oportunidade de apresentar meu Shiatsu a ele, que aceitou recebê-lo. Ao concluir meu trabalho, o professor, bastante relaxado, me trouxe como feedback: “nossa, como você cresceu. Seu Shiatsu, era bom tecnicamente, mas bruto”.

De onde vem a força que será utilizada no Shiatsu? Ao treinar, observe isso. Se a força está apenas nas mãos, ou mesmo só nos braços, algo precisa melhorar. A aprendizagem do Shiatsu confere ao praticante a integração corpo-mente. Enquanto pratica, o objetivo é deixar-se levar, e perceber seu corpo operando como uma estrutura única. A pessoa a receber seu Shiatsu percebe que cada toque traz a força do todo, que estás inteiro ali. E o seu corpo funcionará exatamente assim: a energia é transmitida das pernas, da cintura, da cabeça, dos braços, e tudo isso se combina por fim na mãos a aplicar o toque to Shiatsu.

O praticante Ary Bon, aluno avançado do Shiatsu Emocional, trouxe para a rotina de treinamentos um equipamento especial, projetado por ele inicialmente para músicos desenvolverem a independência dos dedos. Consiste numa caixa rasa de areia, onde o praticante precisa criar graus de diferentes de toque para tocar marcando mais ou menos a areia. Utiliza-se isso em todos os dedos, Outro exercício que constituiu até agora um segredo de nossos cursos mais avançados foi o exercício na água. Parecido com o da caixa de Bom, em ambiente aquático (piscina, banheira, ofurô), fazem-se diversos exercícios envolvendo o toque na água.

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Receba muito

Muitas vezes, é preciso viver o lado de quem se deita e recebe o toque das mãos no Shiatsu – o interagente yin. É importante sentir no corpo a qualidade da energia empregada, os efeitos sobre as diferentes partes do corpo, os diferentes segmentos dos meridianos; Quanto mais acessamos sensações e sentimentos no Shiatsu, mais nosso sentido empático, que nos conecta com aqueles a quem oferecemos nossas práticas, amadurece e torna-se pronto a oferecer ao Outro uma interação harmônica, capaz de despertar, igualmente, os diversos sentidos que o Shiatsu é capaz de proporcionar. Quem recebe bastante Shiatsu aprende mais sobre como aplica-lo.

Ofereça a quem sabe

Com os exemplos dados nos outros tópicos, você já deve ter entendido que a melhor coisa que pode acontecer ao aprendiz é haver um professor seu ou colega que você sabe ser bem experiente disponível/disposto a receber um Shiatsu seu. Pouca gente poderia lhe conferir um feedback mais acertado acerca do que estás transmitindo; com a experiência do fazer e do receber, essa pessoa sentirá em seu próprio corpo como está a sua postura, seu nível de ansiedade, como você executa os movimentos das mãos, como você lida com cada parte do corpo do outro. E aí é que está o ganho maior.

* Arnaldo V. Carvalho é educador, estudante de pedagogia, e membro da Associação Brasileira de Shiatsu. Começou a aprender e praticar Shiatsu em 1995 e não parou desde

então.