maria inês laranjeira - da arte de aprender ao ofício de ensinar

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DA ARTE DEAPRENDERAO OFÍCIO

DE ENSINARRELATO, EM REFLEXÃO, DE UMA TRAJETÓRIA

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Coordenação EditorialIrmã Jacinta Turolo Garcia

Assessoria AdministrativaIrmã Teresa Ana Sofiatti

Assessoria ComercialIrmã Áurea de Almeida Nascimento

Coordenação da Coleção EducarLuiz Eugênio Véscio

educar

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DA ARTE DEAPRENDERAO OFÍCIO

DE ENSINARRELATO, EM REFLEXÃO, DE UMA TRAJETÓRIA

Maria Inês Laranjeira

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Direitos de publicação reservados àEDITORA DA UNIVERSIDADE DO SAGRADO CORAÇÃO

Rua Irmã Arminda, 10-50CEP 17044-160 - Bauru - SP

Fone (0XX14) 235-7111 - Fax 235-7219e-mail: [email protected]

Laranjeira, Maria InêsDa arte de aprender ao ofício de ensinar: relato, em

reflexão, de uma trajetória / Maria Inês Laranjeira. - -Bauru, SP : EDUSC, 2000.

129p. ; 21cm. - - (Coleção educar)

ISBN 85-86259-98-5

1. Educação brasileira. I. Título. II. Série.

CDD 370.981

Copyright© EDUSC - 2000

L318d

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Eis que agora, deste pouco, dedico tudo,

aos que se deram sempre, de todo, a mim:

As minhas raízes,

Antonio e Celeste;

e os meus frutos,

Gustavo,

Vinícius,

e Henrique.

dedicatória

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Agradecimentos

Apresentação

Introdução: A trajetória, o sujeito e o objeto

Capítulo 1: Do contexto, o caminho do texto

Capítulo 2: Sob o objeto indireto, o sujeitooculto

Capítulo 3: Do todo, de parte a parte

Capítulo 4: Quem aprende, como aprende

Capítulo 5: Quem ensina, como aprende

Conclusão: No texto, um caminho no contexto

Bibliografia

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sumário

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Este espaço é onde reside, a um só tempo, a oportunidadeimperdível para o registro do agradecimento e o risco inevitá-vel para o exercício da ingratidão.

Entretanto,submeto-me a tal risco para permitir-me agra-decer, em especial:

À Professora Virgínia Farha,a quem tive, em todos os anos de construção

da história que resulta neste trabalho, não ao meu lado, mas àminha frente, “inventando” chaves que me abrissem portas.

Aos professores da jurisdição da DRE/CARH/Bauru, osquais, sendo “personagens principais” desta minha história defazer e de pensar, me ofereceram suas perguntas e suas respos-tas, e, por vezes, em sacrifício da vaidade, até mesmo, comoamigos e confidentes, suas mais íntimas dúvidas.

Ao Professor Hélio Requena,um “espanhol” que, de há muito, vem me socorren-

do com sua imprescindível amizade e com seu impecável“português”.

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agradecimentos

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Quero, ainda, revelar que, nesta dificuldade em que mevejo na circunstância do agradecer - referindo-me à quase umadécada de relações -, considero a cooperação e o conflito comoparceiros do crescimento, e, assim, lembro-me de Rui Barbosa:“Por mais desagrestes que sejam os contratempos da sorte e asmaldades dos homens, raro nos causam mal tamanho, que nãonos façam ainda maior bem”

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Este livro trata da formação continuada de professoresnuma escola de formação de professores.Traz um relato acom-panhado de sólida reflexão sobre o trabalho que sua autora,Ma-ria Inês Laranjeira, realizou durante quase dez anos, como asses-sora pedagógica,na Divisão Regional de Ensino e como coorde-nadora e docente, no Centro de Aperfeiçoamento de RecursosHumanos (CARH), unidade regional de Bauru, Estado de SãoPaulo, vinculado à Secretaria da Educação desse Estado. É preci-so informar desde já o leitor que esse Centro infelizmente jánão existe. Ficou este livro, para usufruto dos pesquisadores ede gestores interessados no tema da formação continuada, por-que a experiência contada aqui foi exemplar.

O tema que perpassa todo o livro é bastante familiar hojeaos pesquisadores e profissionais do ensino – a formação con-tinuada e seus sujeitos, os professores – mas sua difusão era res-trita até a primeira metade dos anos 90, período em que MariaInês realizou o trabalho objeto desta reflexão. Os problemasque se punham à sua análise eram,como continuam sendo,cru-ciais. No Estado de São Paulo, por volta de 1987, havia o desafio

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apresentação

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de reavaliar a experiência do ciclo básico e a formação dos pro-fessores em função das exigências postas pela perspectivaconstrutivista que então se adotava. Havia, também, as outrasdemandas de preparação profissional, implicando decisões epráticas de formação continuada tanto de professores como dediretores, supervisores, coordenadores pedagógicos.

Foi para esse contexto que se fazia necessária uma orien-tação pedagógico-didática das atividades do Centro de Desen-volvimento de Recursos Humanos para quem tinha a missão decoordená-lo. O livro é um pouco das conquistas e das vicissitu-des dessa trajetória. Os capítulos vão seguindo o rumo das pró-prias descobertas da autora, nessa forma de narrativa da expe-riência pessoal e profissional acompanhada da reflexão sobre aprática. Das questões relacionadas com o aluno que aprende -“não se trata de um sujeito enquanto aluno, mas de um alunoenquanto sujeito” – a autora passa a se perguntar sobre a pró-pria condição do professor enquanto aluno, portanto também“um aluno enquanto sujeito”. Esta temática foi, a meu ver, a cul-minância da reflexão,o forte do livro,pois como ajudar um pro-fessor a aprender a ensinar sem recorrer à sua própria expe-riência de aprendiz, de vítima de práticas de ensino inadequa-das? Mas, também, como ajudá-lo a apropriar-se da teoria de ummodo autônomo? Para lidar com essas perguntas, ela partiu deuma constatação quase dramática:“um professor que tenha tidouma história de objeto, não pode ter ainda plenas condições detomar seu aluno por sujeito”.

Que fazer, então? Ela começa por recomendar:“a mesmanecessidade da qual carece o professor, isto é, saber como o alu-no aprende para saber como lhe ensinar, deve estar pressupos-ta por um programa de educação continuada, ou seja, sabercomo o professor aprende para saber lhe ensinar”.

As perguntas presumidas para abordar estas questões sãosumamente relevantes a todos os formadores de professores. Épossível os professores mudarem suas idéias, suas representa-ções, suas práticas, sobre o ensinar? Se queremos que os profes-sores ajudem seus alunos a reelaborar conhecimentos como,antes disso, torná-los reelaboradores do seu conhecimento?Como os professores aprendem a resolver problemas profissio-nalmente? Qual é a real condição de exercício cognitivo do pro-

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fessor? Se a aposta epistemológica era o construtivismo,que sig-nificado os professores estariam atribuindo a esse termo? Se asperguntas são relevantes, não são fáceis as respostas. Com efei-to, se sabemos razoavelmente como as crianças aprendem, sa-bemos pouco como aprendem adultos escolarizados.Além domais, espera-se que os professores internalizem uma atitudeconstrutivista quando não passaram por uma aprendizagempropriamente construtivista. Uma atitude assim supõe da partedo professor uma produção do próprio conhecimento. Masesse habitus terá sido desenvolvido no seu processo de apren-dizagem? Estas questões, no entanto, situam-se no terreno daaprendizagem do professor, um terreno que permanece aindano âmbito do psicológico. Na perspectiva da autora, isso não ésuficiente para se entender esse intercâmbio de múltiplas facesentre o professor-aluno e o professor formador. Novas aprendi-zagens implicam processos internos do pensar, mas também asituação concreta de vida do professor, os seus limites e possi-bilidades, sua inserção no contexto histórico-cultural da escolae da sociedade. É preciso, então, investir também na dimensãopessoal, profissional e organizacional da formação.

Maria Inês é licenciada em Psicologia mas ver-se-á o quan-to foi capaz de trazer a Psicologia para a Didática, porque seufoco de estudo está ligado à qualidade das aprendizagens quepode ser assegurada pelas práticas de ensinar. Ou, dizendo deoutro jeito, práticas de ensinar que suscitam o bem aprender.Quer dizer, ela se apropria da Psicologia e de outros campos doconhecimento para formular saberes pedagógicos, a partir dopróprio fazer do professor e de seus alunos. Com isso, traz umacontribuição para a modificação da relação com a Didática daschamadas ciências da educação, pela qual se requisita da Psico-logia, da Sociologia, da Política que, quando relacionadas ao en-sino, partam das necessidades pedagógicas postas pelo real, su-perando seus esquemas apriorísticos e freqüentemente distan-ciados das demandas da prática. Com isso, transformam-se emdisciplinas pedagógicas.

O livro é um subsídio e um alerta aos formadores de pro-fessores em vários lugares: nas Faculdades de Educação, noscursos licenciatura, nos Institutos Superiores de Educação, noscursos de capacitação no local de trabalho, nos congressos e

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encontros,nas reuniões pedagógicas das escolas,na educação adistância. Sugere reflexões e modalidades de trabalho em açõesde formação continuada e, ao mesmo tempo, aponta as preocu-pações e os cuidados que se devem ter numa escola para pro-fessores, e em todos os lugares em que alguém está aprenden-do a ser professor.

Os conteúdos deste livro – saberes, procedimentos, ati-tudes e valores – serão,portanto,de grande valia em vários con-textos de formação profissional de professores. Nas escolas deformação inicial, em algum momento do currículo haverá umadisciplina que contemple o tema da aprendizagem do professore dos processos de formação continuada. Mas poderão ser inse-ridos, também,nos programas de Didática,de Prática de Ensino,de Psicologia da Aprendizagem. Nas ações de formação conti-nuada será sempre oportuno um trabalho que enfoque os pro-cessos de formação e de aprendizagem do professor que já atuana sala de aula. Também os gestores de sistemas de formaçãocontinuada no âmbito das Secretarias de Educação,que pensamos processos formativos dos professores em exercício, poderãorecorrer às idéias deste livro. Minha aposta é que em todos es-ses lugares, os formadores de professores sejam contagiados doentusiasmo da autora pela idéia de que a formação continuadarepresenta uma condição indispensável para a melhoria da qua-lidade cognitiva e afetiva dos processos de ensino e aprendiza-gem na escola básica. Qualidade esta que é, a meu ver, a pedrade toque da democratização do ensino hoje.

José Carlos Libâneo, em Goiânia, outubro de 1999

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A TRAJETÓRIA , O SUJEITO E O OBJETO

Esta investigação insere-se no conjunto da problemáticada formação dos professores, que desdobra-se no conjunto daproblemática da educação continuada. Ambas as dimensõestêm sido alvo de estudos de diferentes autores,em diferentes lu-gares e a partir de diferentes referenciais de análise.A definiçãodessa nossa temática, justifica-se em razão de uma experiênciainstitucional,no Estado de São Paulo,onde pelo período de qua-se uma década, na Divisão Regional de Ensino de Bauru e noCentro de Aperfeiçoamento de Recursos Humanos - CARH/Bau-ru, lidamos com preocupações e responsabilidades afeitas àquestão da educação continuada.

Consideramos as dificuldades impostas à atuação dos pro-fessores como possivelmente resultantes da conjugação dos li-mites interpostos pela sua formação com a precariedade e in-constância do atendimento à sua necessidade de atualização.Cremos isto especialmente grave, num momento histórico emque substanciais mudanças de paradigmas conflitam-se com an-tigos valores e “verdades cristalizadas”. Postulamos, portanto, o

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introdução

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investimento na constituição e consolidação de uma escolapara professores, como uma tarefa inadiável e, para a qual, comeste trabalho, desejamos contribuir.

Postarmo-nos numa relação interativa que nos situasse nainterseção do dispormo-nos a serviço da ciência, tendo em vis-ta que dela necessitamos a nosso serviço,constitui razão de pri-meira importância a responder pela iniciativa de elaboração dopresente trabalho.

Quanto ao seu teor, o que iremos analisar ou sobre o queiremos refletir, resulta de uma história demarcada pela consti-tuição de ideais sustentados pelo afã do crescimento pes-soal/profissional as quais iam gerando a confrontação de obje-tivos nascidos da percepção de necessidades, com as dificulda-des oriundas da circunscrição das fronteiras da nossa compe-tência que, a todo momento, denunciava-se estreita e exigia-sealargar.

Tanto era esta uma questão de construção do aprender,como, também,uma questão de construção do ensinar.E, se am-bas as questões eram de construção,por certo o que chamamosde “arte” de aprender, não se pode confundir com um aflorarespontaneísta do espírito humano, e, nem sequer, o que chama-mos de “ofício” de ensinar confunde-se com uma ocupação daqual se desincumbe pela prática mecanizada que pode aperfei-çoar-se pela mera constância de sua repetição.

O fazer do aprender e do ensinar construídos implicam am-bos o pensar. E, em se tratando do pensar do professor, esta análi-se reflexiva cumpre, do pensamento prático, uma terceira dimen-são, de acordo com os dizeres de Angel Pérez Gómez, ao afirmar:“A reflexão implica a imersão consciente do homem no mundoda experiência, um mundo carregado de conotações, valores, in-tercâmbios simbólicos, correspondências afetivas, interesses so-ciais e cenários políticos.”E,na seqüência, utilizando uma catego-rização produzida por Shön, continua:

Para compreender melhor este importante e complexo compo-nente da atividade do profissional prático é necessário distinguirtrês conceitos diferentes que integram o pensamento prático nasua acepção mais lata: conhecimento-na-ação, reflexão-na-ação ereflexão sobre a ação e sobre a reflexão. (in Nóvoa,1992,p.103 e104).

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Delimitando o enredo dessa história, situamo-la: no seucontexto, no processo de educação continuada dos profissio-nais da educação; no seu espaço, a começar na Divisão Regio-nal de Ensino de Bauru e a terminar no Centro de Aperfeiçoa-mento de Recursos Humanos (CARH/Bauru) e; no seu tempo,do ano de 1986 até o ano de 1994.

Ao cumprirmos o intento de antecipá-la, anunciandocomo seus marcos os confrontos – a que acima nos referimos-entre as necessidades apreendidas e as dificuldades para o seusuprimento, devemos identificá-la no seio de um trabalho deequipe que se compunha,buscando otimizá-las,das identidadese diferenças da formação profissional e dos papéis a serem de-sempenhados pelos seus membros.

Incorporando, na Divisão Regional de Ensino de Bauru, aEquipe Técnica de Supervisão Pedagógica que atuava sob a coor-denação da sua Diretora, tínhamos por papel assistir aos profis-sionais de sua jurisdição, no âmbito da prática pedagógica.

Nossa integração a esse trabalho se deu,então,em meadosde 1986, momento em que o desafio daquela equipe estava re-presentado no estudo e na consolidação de uma diretriz peda-gógica que havia sido implantada por decreto, em 1984.

Tratava-se do Ciclo Básico que, compreendendo as duasséries iniciais da escolaridade regular, destinava-se a substituiruma escada de dois degraus por uma “rampa”, buscando reexa-minar, neste aspecto, a passagem de uma série para outra, pas-sagem esta que, vista sob uma nova ótica da educação, vinhaapresentando inadequados parâmetros de avaliação e insusten-táveis índices de retenção e evasão.

Assumia,para tanto,mudanças substanciais de paradigmasda educação - os quais foram, a partir de 1987, também admiti-dos pela perspectiva pedagógica que orientou a revisão de to-das as demais propostas curriculares vigentes na rede públicaestadual paulista. Assentava-se, em especial, na assunção da ati-tude construtivista, com a alocação do aluno como sujeito doseu processo de construção de conhecimento, oposta à aloca-ção do mesmo na condição de objeto. A configuração efetivada “rampa”,exigia, ainda,que a avaliação assumisse caráter diag-nóstico, contrário à sua histórica função classificatória.

A denúncia contida na observação permitida pela expe-riência dos dois anos decorridos da sua implantação dava con-

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ta de dificuldades enfrentadas pelos professores e justificadaspela distância que se impunha entre a qualidade de sua forma-ção profissional e as exigências contidas no cumprimento danova diretriz pedagógica.

Como marco inicial da nossa trajetória, aí estava um pri-meiro confronto que se estabelecia entre a convicção da perti-nência da diretriz do Ciclo Básico e as dificuldades detectadasna atuação dos professores, apontando para a necessidade deque a Equipe de Supervisão Pedagógica projetasse uma inter-venção na forma de uma proposta de educação continuada. Eraa vez de nos defrontarmos com nossos próprios limites, osquais,a construção do projeto que ficou rotulado de Suporte deOperacionalização Suplementar, cuidou de nos apresentar maisclaramente.

No que se referia em específico à área do conhecimentoque estudávamos, a Psicologia, podemos localizar o desafio na-quilo que constituiu-se em darmo-nos conta da necessidade desubsidiar os professores na tarefa de conduzir o aluno no pro-cesso de construção de conhecimentos, o que nos levou a pro-por como uma das ações do projeto, aquela que chamamos deO Sujeito da Alfabetização: Desenvolvimento Cognitivo e Pro-cesso de Aprendizagem. Naquele momento, a consciência deque os elementos que compunham o cerne do que teríamosque discutir com os professores, estavam ainda, com sua con-fluência a ser construída,uma vez que,em nossa própria forma-ção, também, tais dimensões haviam sido tratadas em diferentescompartimentos. Tivemos de compreender o arcabouço quecontinha a relação desenvolvimento/aprendizagem. Pelo en-frentamento da situação, felizmente, foi possível detectarmosque o próprio rótulo da ação já se constituía em denúncia de li-mite: o advérbio de ligação, nele contido, representava o senti-do de adição que estávamos dando ao que em verdade exigiainteração.A questão,em verdade, não se prendia em analisar o“Desenvolvimento Cognitivo e o Processo de Aprendizagem”,mas, isto sim, o desenvolvimento cognitivo no processo deaprendizagem.

Tínhamos assim, a percepção clara, tanto pela identifica-ção permitida pela experiência pessoal como pelas impressões

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manifestas dos professores com os quais lidávamos,de que umadas dívidas contraídas conosco, pelo cunho da nossa formação,estava na fragmentação entre a teoria e a prática. E que a pri-meira vinha sofrendo um processo de desvalorização em favordo valor maior dado à segunda. Sabíamos, portanto, que preci-sávamos valorizar a teoria enquanto holofote para a constitui-ção e revisão da prática.Em função disso,a metodologia do pro-jeto de educação continuada que desenvolvíamos, partia do es-tudo de pressupostos teóricos,na direção de auxiliar o reexameda prática.

Após algum tempo,entretanto,nossa experiência trazia in-dícios de que as decorrências desta postura, na atuação do pro-fessor, implicava um processo longo até o domínio dos constru-tos teóricos complexos, de forma que chegassem a modificarsubstancialmente a prática docente. Concluímos que ela deve-ria ser repensada, no sentido de encurtarmos o caminho que sehavia de percorrer.

O repensar da nossa ação nos conduziu à concepção deum novo projeto que emergia da execução e análise do ante-rior, e no qual cuidaríamos, em especial, da revisão metodológi-ca, propondo, desta feita, que as ações do programa de educa-ção continuada partissem de uma proposta de prática,na formado exemplo,que após a aplicação pelos professores viesse a seralvo de um estudo que explicitasse os pressupostos teóricosque a sustentavam.

Estávamos nesse estágio de reelaboração da prática, noque diz respeito à metodologia que devesse melhor servir a umprograma de educação continuada, quando do advento de umanova medida da política educacional vigente: a instalação doCentro de Aperfeiçoamento de Recursos Humanos (CARH), jun-to à Divisão Regional de Ensino de Bauru.A medida, em suma,institucionalizava, e, assim, melhor garantia nossas possibilida-des de intervenção no campo do desenvolvimento dos profis-sionais da educação que atuavam sob a jurisdição dessa DivisãoRegional.

O aumento e a regularização da destinação de recursos,tan-to no que se referia à alocação de verbas, como no concernenteà estruturação de espaço físico apropriado e à disposição deequipamentos adequados, nos permitiram - no ciclo da sua exis-

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tência que se estendeu de julho de 1992 a dezembro de 1994 -a programação, considerando-se apenas a concebida no nívelregional,1 de 411 ações entre cursos de extensão, palestras, se-minários, oficinas e “orientações técnicas”.

O enriquecimento da nossa experiência, assim revestido,conduziu-nos, também, à ampliação da reflexão que já fazíamosquanto à abordagem metodológica das ações de educação con-tinuada. A dualidade em que estávamos presos, representadapela opção de trabalhar com adultos, a partir da teoria ou a par-tir da prática, logo pode colocar-se à nossa consciência,com suatônica maniqueísta, permitindo-nos compreender a teoria e aprática num bojo efetivamente processual e aí, então, o âmbitodas modificações que propúnhamos ficava por conta de desco-brir formas que favorecessem a apropriação do conhecimentopelo professor, fundadas na busca de conhecer as característi-cas da sua atividade cognitiva, que nos parecia transitar pelaconfluência entre alguma necessidade, ainda, do concreto e al-guma possibilidade, já, do abstrato.

Como exemplo do encaminhamento dado ao procedi-mento acima relatado, tivemos,no último semestre de exercíciodo CARH/Bauru, o desenvolvimento de uma programação cujatemática abarcava questões pedagógicas comuns à atuação deprofessores de quaisquer séries e quaisquer disciplinas, direto-res de escola e supervisores de ensino.A população alvo foi pro-positadamente agrupada pela área do conhecimento que socia-lizavam - no caso dos professores - e pela função de coordena-ção da atividade docente - no caso dos supervisores e diretoresde escola.Além da situação em comum no participar das pales-tras, o favorecimento das interseções entre o que fosse especí-fico e o que fosse geral, prevíamos pelo estabelecimento detempo para plenárias que, a cada sessão, reunia a todos e que,

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1 .O órgão a que nos referimos era uma instância regional daFundação para o Desenvolvimento da Educação, ao qual cabia,além de conceber e executar seus próprios projetos, tambémexecutar ações de educação continuada que eram programadasem nível central pela citada FDE, instituição vinculada àSecretaria de Estado da Educação.

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inclusive, na maior parte das ações, contava com a presença,também, dos palestrantes.

A atividade dos participantes centrava-se em leitura e re-dação de textos que, começando a partir das palestras, desen-volviam-se com a ajuda de experientes professores de professo-res,no papel de “monitores”de grupos,e iam na direção da bus-ca de maior autonomia na compreensão e produção de textos.Tal experiência nos colocou possíveis algumas percepções arespeito do referido processo, dentre as quais, chamou-nos aatenção,no concernente à produção de textos pelos participan-tes, a que apontava para uma seqüência qualitativa dessa produ-ção: os textos, inicialmente, caracterizavam-se, mais amplamen-te, como meras reproduções das idéias ouvidas e lidas. O estí-mulo e a orientação a produções mais próprias dos grupos departicipantes terminavam por representar-se em textos,cuja ca-racterística mais marcante denunciava uma espécie de “subjeti-vidade coletiva” dos grupos, que parecia exigir, para a contex-tualização desses textos, que os seus possíveis leitores fossem,apenas,os seus próprios escritores.Considerávamos,então,nes-se momento, tanto o avanço, provavelmente obtido, quanto anecessidade de fazê-lo ascender ao nível de uma redação quedevesse se circunstanciar pela presunção de um suposto leitor,para além deles próprios - os integrantes dos grupos.

Se, nesta hora, omitíssemos a confissão do nosso desapon-tamento frente a interrupção dessa nossa experiência, julgamosque estaríamos a comprometer o resguardo da índole de since-ridade com que desejamos marcar este relato em reflexão.

Imaginando que possamos haver noticiado, até aqui, qualo conteúdo, alvo deste trabalho, pretendemos, agora, tratá-loquanto à sua forma de construção,na categoria de um relato emreflexão de uma trajetória.

Evidentemente, sem ignorar a necessidade e a riqueza per-tinentes ao processo objetivo e intencional de coleta e trata-mento de dados, optamos por investir no que consideramosuma das formas de produção de conhecimento, aquela que estáem dispor à análise e reflexão, a própria experiência, no senti-do de recuperá-la, trazendo-a a um estágio mais pleno de cons-ciência que, ao mesmo tempo em que permita fazer reincidirsobre ela maior apuro de avaliação própria, cria a oportunidade

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de oferecê-la, pela sua formalização, à análise e à crítica dos tan-tos que já suplantaram o degrau de consistência em que elapossa se encontrar.

Não julgaríamos possível que se escondesse, sequer denós mesmos, o caráter prepotente que poderia assumir essanossa opção,caso não a tivéssemos já percebido também,na di-mensão em que ela nos expõe por inteiro - afinal, o conteúdo eo método do pensamento de cada um de nós é integrante da in-timidade de cada um de nós-, à evidência e ao apontamento dasnossas limitações e/ou incorreções. Entretanto, o que de maiorvalia se nos coloca é justamente a possibilidade de obtenção dereferenciais que, advindos de uma avaliação qualitativa externa,nos sirva para, na detecção de limites e equívocos, proceder àscorreções que pudermos alcançar.Além disso, as possíveis ade-quações e/ou inadequações resultantes do nosso processo deelaboração do pensamento, estando disponíveis à análise, seoferecem, como a contrapartida inerente à socialização.

Esquivando-nos do espontaneísmo a que tal decisão pu-desse nos conduzir, buscamos amparo, em especial, nos princí-pios metodológicos sustentados por Vygotsky, indicados para apesquisa em Psicologia do Desenvolvimento, o que, ao seu con-junto, rotulou de método “desenvolvimento-experimental”, jus-tificando:“no sentido em que provoca ou cria artificialmente,um processo de desenvolvimento psicológico.”(1984,p.71).Como nossa opção não se prendeu a criarmos “artificialmente,um processo de desenvolvimento”, demos tratamento à refle-xão de como o desenvolvimento da nossa trajetória, se viu pro-vocado.

Os princípios metodológicos postulados por Vygotsky(1984), propõem que se detenha em: analisar processos e nãoobjetos, ao que almejamos atender pelo recompor do processoem que se deu nossa trajetória; explicar e não apenas descre-ver, ao que intentamos atender pelo expor de conjecturas, dian-te do experienciado, e; por fim, enfrentar o problema do “com-portamento fossilizado”, ao que nosso trabalho pretendeu cui-dar de observar, fora e dentro de nós próprios, pelo recorrer aorepensar dos nossos pensares na suas origens, cuja tarefa desig-namos por “higienização de valores”que geram posturas produ-zidas e mecanizadas as quais, assumindo “ares de naturais”, ten-dem a favorecer à perpetuação de equívocos.

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A lógica de exposição de que nos utilizamos, nos levou aorganizar este trabalho, que tem em vista a reflexão sobre aconstrução de uma experiência em educação continuada,na di-mensão do estudo do saber docente, de forma a constituir,como seu Capítulo 1, a definição de uma perspectiva de rela-ções entre as duas principais áreas do conhecimento que nossubsidiariam: a Psicologia e a Didática, detendo-nos fundamen-talmente na contribuição da primeira, à constituição do corpode conhecimentos exigidos pela especificidade da segunda.

Tendo esta nossa análise nos conduzido à conclusão deque à Psicologia caberia essencialmente oferecer à Didáticauma perspectiva de aprendizagem que subsidiasse uma pers-pectiva de ensino - objeto de estudo da Didática -, e, tendocomo perspectiva de aprendizagem o processo de construçãodo conhecimento, indagávamo-nos em que medida, à vista daproblemática da formação dos professores, esses estariam já,podendo favorecer um processo pelo qual não haviam passado.Disto resulta a discussão desenvolvida no Capítulo 2, que porsua vez, toma o professor como sujeito e, buscando aclarar oprocesso de sujeição que o envolveu, caminha para a discussãosobre a imprescindibilidade da reconstrução do seu papel, nointerior de ações coletivas.

Partindo, então, da aposta na necessidade de que tal papelse visse inserido no contexto de relações, no Capítulo 3, cuida-mos de analisá-lo, no intuito de identificar sua especificidade edela abstrair o caráter da competência que lhe cabe, aquela di-mensão na qual parte dos subsídios estar-lhe-iam sendo forneci-dos pelo domínio do conhecimento sobre os métodos dacognição.

Ao Capítulo 4, coube, por conseguinte, desenvolver a aná-lise de uma perspectiva do “como se aprende”, na direção deconsiderá-la como indispensável à definição do “como se ensi-na”. Concluindo pela pertinência de se aplicar, no caso de umaescola para professores, essa mesma lógica, no Capítulo 5 dedi-camo-nos à reflexão sobre a constituição do saber docente, nointuito de conjecturar sobre o aprender do professor.

Essa trajetória, assim delineada, termina por propor algunselementos constitutivos de um projeto de escola paraprofessores.

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No caminho de concluir esta etapa inicial do trabalho, di-rigimo-nos, sobre a forma da pesquisa, mais uma vez, às oportu-nas teorizações de Vygotsky: “Estudar alguma coisa historica-mente significa estudá-la no processo de mudança; este é o re-quisito básico do método dialético.”(1984,p.74). Foi esse o mo-vimento que elegemos para ir ao encontro da nossa pretensãodeclarada de contribuir com a reflexão sobre o desenvolvimen-to profissional dos professores, e, mais especificamente, no quese refere ao estudo do saber docente, como instrumental parao repensar da didática apropriada ao processo de educaçãocontinuada.

Esta nossa análise reflexiva refere-se, enfim, ao desenrolarde uma prática refletida que aqui explicita-se em suas carênciase suficiências, temores e audácias, frustações e satisfações e, en-fim e primordialmente,explicita-se em suas descobertas de per-guntas e conjecturas de respostas.

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DO CONTEXTO, O CAMINHO DO TEXTO

Ir à escola é uma tarefa na vida, cuja importância, cadaqual ao seu modo - os que puderam e os que não puderamcumpri-la - jamais chegam realmente a negar.Entretanto, cunhá-la de apenas boa, ou de tão somente má, não parece de todofiel. Nela, tive aulas com o poder de questionar a existência darealidade objetiva - eu não via o tempo passar -; vozes que meenchiam de medo- eu não as queria escutar -; ordens que me fa-ziam menor - eu não as sabia cumprir -. Ela, tinha um hino en-cantado, do que eu nunca me esqueci. No desejo de que o "diada prova" não existisse, eu a odiei. No orgulho suado que mo-lhava seu emblema gravado na camisa do time de basquete, eulhe declarava minha paixão. Como a maioria dos demais quepor ela passam, exultei com os feriados e me aborreci com asférias.Estou ainda assim: com a escola incrustrada no âmago daminha vida. Jamais consegui dela me separar, nem em gesto,nem em pensamento.

E porque estudei Psicologia, também pensando em esco-la, logo, me atraiu a Didática.Tornou-se então inevitável com-preendê-las num mesmo corpo de referências.

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capítulo 1

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Para atender ao propósito de explicitar um entendimentosobre o estabelecimento das relações entre a Psicologia e a Di-dática, julguei oportuno desenhar um trajeto que, embora mar-cado pelos limites da minha compreensão, se obrigasse, porpremissa, a formular perguntas que me permitissem circunstan-ciar e delimitar a questão.

Obriguei-me, ainda, a superar o receio da obviedade, paraque este não me negasse o direito de refazer as perguntas que,ao longo do tempo, me foram sendo impostas pela análise exi-gida no âmbito de uma lida profissional que, há mais de vinteanos, situa-se na convergência Psicologia/Didática.

O trabalho desenvolvido no interior de cursos de forma-ção de professores para as séries iniciais, de licenciaturas emPsicologia e programas de educação continuada, conduzia sem-pre ao topo das preocupações, a definição do papel da Psicolo-gia na atuação do professor.

A partir de um pressuposto, a princípio tão incisivo comovazio, pensava ser a Psicologia, "muito importante" para o pro-fessor. Imaginava, assim, justificar sua presença no quadro curri-cular da formação. Ora, um professor, é óbvio, precisa " ter psi-cologia".A superficialidade de tal alegação revelou sua fragilida-de diante de uma reflexão mais séria, que incitava o surgimen-to de uma primeira e desafiadora pergunta:

Quaisquer conhecimentos da Psicologia servem,de igual maneira, como contribuição à Didática?

Responder a essa questão seria necessário para que nãoterminasse por entender que, para ser um bom professor, seriapreciso que, antes de tudo, se fosse um bom psicólogo.Ora,nãoseria também esse argumento,bem posto para a Sociologia,a Fi-losofia, a História, enfim, para todas as áreas do conhecimentoque estejam a compor o quadro curricular dos cursos para asua formação?

A Psicologia, tanto quanto outras áreas do conhecimento,tem imprescindível e específica contribuição a oferecer para aconstituição do corpo de conhecimentos exigidos pela configu-ração da Didática , uma vez que esta, pelo objeto que lhe é pró-prio, utiliza-se dos construtos teóricos produzidos por aquelas.

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Para justificar o caráter de imprescindível quanto à con-tribuição da Psicologia, é preciso, necessariamente, argumentarcom fundamento no objeto de estudo da Didática: o ensino. Oensino é um processo que assume seu real significado à medi-da que, efetivamente, promove a aprendizagem. A aprendiza-gem é atividade do aluno, o qual deve estar situado como sujei-to no processo de aquisição de conhecimento. Sendo o alunoum sujeito e estando as atividades do sujeito na composição doobjeto de estudo da Psicologia, torna-se, portanto, inegável queà Didática seja necessário recorrer à Psicologia.

A assertividade que recobre a reflexão que se acaba de fa-zer, não obsta, entretanto, os equívocos que podem resultar dabusca inadequada de tal convergência.

Situam-se as dificuldades pertinentes às relações entre aPsicologia e a atuação dos professores,no conjunto das preocu-pações manifestas por Henry Wallon, há mais de meio século:

Falar de psicologia no que respeita à formação de professoresnão será, para um psicólogo, correr o risco de uma crítica mui-tas vezes merecida pelos especialistas, cada um dos quais preco-nizando a sua especialidade como um remédio indispensável?Deste fato singular, resulta, freqüentemente, que problemas deeducação são transformados em questões de programa.Cada umreclamando a parte que lhe diz respeito, os programas sobrecar-regam-se, dividem-se e tornam-se num mosaico desconexo, ondese perde a espontaneidade intelectual e o poder unificante dareflexão."(1938).Wallon socializava tais idéias em um artigo inti-tulado "A Formação Psicológica dos Professores", veiculado ini-cialmente em 1938 e, significativamente,novamente inserido emsua obra Psicologia e Educação na Infância, esta publicada jáem 1973.

Faz-se importante observar que, embora transcorrido tan-to tempo, permanecem vigentes tais limites assim apontados.

Estudando, em publicações recentes, a posição de Libâ-neo,quanto à questão das relações da Didática com outras áreasdo conhecimento, é possível denotar que sua análise coincidecom o observado por Wallon. Colocando em questão a conota-ção dada ao termo educação, por diferentes áreas do conheci-mento que estejam voltadas para o fenômeno educativo, assimse manifestou:

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É inevitável que ocorram entendimentos parcializados devido aoviés das várias áreas do conhecimento que se ocupam do fenô-meno educativo, das diversas instituições que lidam com ques-tões educacionais ou das experiências vividas na prática. Não éde estranhar que sociólogos, psicólogos, administradores escola-res, professores, costumem abordar questões da educação ape-nas sob o prisma de sua formação acadêmica ou de suas expe-riências em instituições específicas. Os problemas surgem quan-do estes especialistas pretendem generalizar conclusões de estu-dos ou suas opiniões para as instâncias da prática educativa.(Libâneo, 1992).

Não persistindo dúvidas sobre a importância e antigüida-de do problema, resta que se busquem caminhos para a sua su-peração, resistindo à intimidação que sua complexidade podesuscitar.

Pondo-me a pensar sobre as razões pelas quais resvalammuitas vezes em prepotência, cada área do conhecimento dian-te das demais, considero que talvez não fosse inadequado per-cebê-las como fruto, ou da "malícia" própria de uma aparenteconvicção que esconde a consciente fragilidade do argumentorepresentada por aqueles que, sabendo desconhecer o traçadodas suas próprias fronteiras, invadem as cercanias sem maiorpudor -- ou da "ïnocência" própria dos inflamados juízos, per-mitidos pelos reducionismos -- representada pelos que se jul-gam num espaço onde estão sempre a conter, sem que jamaispossam estar contidos.

A aplicação da Psicologia, assim como da Didática sofremuma influência por vezes prejudicial, em razão de serem áreasdo conhecimento cujo intramuros, não raro, se vê invadido porleigos que atribuem conotações diversas aos seus "termos técni-cos",de forma a contaminar com o senso comum muitos de seuspostulados sistematicamente elaborados. Isso interfere na con-ceituação que se dissemina sobre a identidade real dessas áreas.É comum ouvirmos declarações como: "aquele professor nãotem didática",ou, "esse aluno não é inteligente".A primeira,podeestar obstando, sob a alegação falsa da inexistência, uma análisecrítica mais conseqüente que permita a identificação e possívelsuperação de entraves na atuação docente.A outra pode estar, ir-responsavelmente, justificando dificuldades de ensino como sefossem tão somente de aprendizagem.

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Quando se perde de vista relações de pertença,quando sedesconsidera especificidades que definem categorias, corre-seo risco de tomar por detalhe a essência e na decorrência, em-preender uma trajetória a caminho do equívoco.

Justificam-se assim, as discussões que hoje permeiam aconformação da Didática -- situando-se no âmbito do seu cam-po e do seu objeto -- para que a mesma, ao invés de amalgama-da no bojo das outras áreas, assuma seu real espaço. Justificam-se também assim, as intenções do presente trabalho.

Na busca de configurar a relação Psicologia/Didática, evi-tar os "psicologismos", exige-se definir a dimensão da contribui-ção a partir da fixação do foco da análise na Didática, garantin-do, assim, que se resguarde a sua especificidade.

O específico da Didática é o ensino e o ensino tem comopapel precípuo "assegurar o processo de transmissão e assimi-lação dos conteúdos do saber escolar e, através desse processo,o desenvolvimento das capacidades cognoscitivas dos alunos"(Libâneo, 1991). É, portanto, resultante desse intrincamento deidéias, a definição do papel da Psicologia para com a Didática,que assim estará necessariamente dimensionado pelo papel doensino.

Nova pergunta se interpõe e, desta feita, exigindo a deli-mitação de um papel específico para a Psicologia.

Quais conhecimentos do campo da Psicologiamelhor servem aos propósitos da Didática?

Se,através do ensino,se pretende,além da transmissão dosconteúdos escolares, favorecer sua assimilação ativa por partedo aluno, então é necessário que se estimule suas capacidadescognoscitivas.

Desenvolver, através do ensino, as capacidades cognosciti-vas dos alunos,é tarefa que o professor só desempenhará com su-cesso se dominar o conhecimento sobre o processo de desenvol-vimento do pensamento, ou seja, os métodos da cognição.

Após defender o caráter da imprescindibilidade da Psico-logia com relação à Didática, segue-se justificar agora o caráterda sua especificidade.

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Ao explicitar os métodos da cognição estar-se-á definindouma concepção de aprendizagem e esta seria, então, do pontode vista da abrangência dessa análise, a melhor contribuição daPsicologia à Didática.

Não é permissível, na seqüência desta reflexão, sob penade comprometer seu desenrolar, deixar de considerar como as-pecto absolutamente relevante, as condições específicas emque se dá a aprendizagem na escola. Situações diversas no coti-diano geram lições e promovem aprendizagens. É óbvio quenão se aprende só na sala de aula. Entretanto, é óbvio, também,que a aprendizagem na escola assuma características próprias,seja pelos objetivos que lhe são próprios, pela categoria de sa-ber que ela socializa ou pela prática de ensino que lhe é pró-pria.A aula é, enfim, um espaço onde ocorre uma dada relaçãoensino/aprendizagem.

De considerar a aula como a atividade fim da escola, de-corre o reconhecimento da importância da relação dialética es-sencial que produz a conexão entre os processos de ensino ede aprendizagem e, conseqüentemente,a admissão de que parase ensinar bem é preciso saber bem como se aprende.

Em que pese a simplicidade do raciocínio aqui exposto, afarta literatura sobre o fracasso escolar e até mesmo a mera ob-servação direta da realidade permitem ou, talvez melhor dizen-do, exigem que nos façamos a seguinte pergunta:

Como os cursos de formação de professorestêm tratado a unicidade do ensino/aprendizagem?

Nem os cursos para professores das séries iniciais, nem aslicenciaturas, na maior parte dos casos, têm dado conta de pro-mover a necessária articulação entre as teorias de ensino e asteorias da aprendizagem, até porque não têm, em seu próprioprocesso de ensino, cumprido uma de suas tarefas precípuas: aestimulação do exercício das capacidades cognoscitivas dosseus próprios alunos, os futuros professores.

Dispostos, ambos os grupos de teorias, de forma refratáriano quadro curricular, têm tido sua compartimentação garantidapela prevalência de um exercício incipiente de memória nãomediada, em que não se instiga a articulação entre idéias.

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A assimilação ativa, como forma de aprendizagem que en-volve o exercício de processos intelectuais superiores, emboravenha sendo defendida pela face de contemporaneidade queinvade o discurso e a vasta produção literária sobre a formaçãode professores, com certeza não se consolidou ainda como prá-tica efetiva e constante, sequer nas aulas das disciplinas que adiscutem.

Esta reflexão pede considerações sobre como a Didáticatem sido alocada no âmbito dos cursos de formação.Parece cla-ro que duas posições extremas a têm estigmatizado.

Por um lado, assume caráter de "perfumaria" no contextodas licenciaturas que, historicamente, subestimam seu valordiante do papel da área do conhecimento específico que este-ja sendo objeto da graduação. Por outro lado, há, no posiciona-mento de alguns "didatistas", a pretensão de que, como pana-céia, a Didática se apresente como única e cabal solução para asuperação do fracasso escolar.

No primeiro caso, é facilmente observável que para o alu-no que cursa a licenciatura em Química, por exemplo, as aulasdas disciplinas no campo da Química,ou a ele relacionadas, têmimportância substancialmente maior do que as disciplinas des-tinadas a subsidiar sua atividade enquanto professor.Tal percep-ção do aluno parece estar apoiada na constituição do quadrocurricular que, contemplando as primeiras com uma carga ho-rária extremamente maior do que a destinada às últimas,podepromover, explícita e/ou implicitamente, diferença entre elas,no que tange ao grau de importância, ao "status" de cada qual.2

Ao lado disso apóia-se, também, numa questão de responsabili-dade da própria condução da disciplina uma vez que não nosescapa a percepção quanto à forma reducionista que muitas ve-zes lhe é dada pelo próprio profissional que a ministra, ao res-

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2. Severino (1991), em A Formação Profissional do Educador:Pressupostos Filosóficos e Implicações Curriculares, tratandoda análise curricular da formação de professores, da relação deprivilégio do Bacharelado sobre a Licenciatura, termina por abor-dá-la, tanto por conta da carga horária que se destina aos com-ponentes curriculares que a caracterizam, como pela visão ina-dequada presente na sua constituição.

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tringi-la em seu papel, por entendê-lo tão somente, como o tra-tamento dos diferentes "jeitos de ensinar".

Observa-se, então, um quadro em que tanto inferiorizam aDidática, quanto a Didática inferioriza-se, terminando por intro-jetar uma dimensão de mera coadjuvante..

É da reflexão no interior dessa complexa teia de relações,permeada por posições deterministas e cristalizadas, que have-remos de ultrapassar o nível das justaposições estagnadoraspara produzirmos os intrincamentos necessários e adequados.

A Psicologia teve sempre um papel de inconteste signifi-cação na justificativa da opção que se faz no conjunto dos mé-todos de ensino. Com seus postulados, defendidos por dife-rentes correntes de pensamento, com diferentes pressupostos,ela tem marcado ao longo do tempo, o tratamento dado na es-cola à cognição do aluno. Cabe-nos então, na sequência dessanossa reflexão, uma nova pergunta:.

Como podemos qualificar as influências da Psico-logia no exercício da prática pedagógica?

Estará na dependência dos princípios contidos na aborda-gem psicopedagógica, na forma de conceber o ensino, a manei-ra pela qual se provoca a atividade intelectual do aluno na salade aula.

A prática pedagógica pode mover-se dentro de um arcoque se estabelece, desde a redução e amoldamento da cogni-ção, quando se busca prevalentemente a mera reprodução dedados e conceitos, até a efetiva construção do conhecimento,quando se opta pelo desafio à descoberta,pelo aventar de hipó-teses, enfim, pela assimilação ativa.

Anda pelos meandros desses dois extremos, a resultanteheteronomia ou autonomia, em diferentes graus, impregnadasna postura dos alunos diante das tarefas de aquisição e de pos-sibilidades de aplicação dos conhecimentos veiculados pela es-cola.Não podemos permitir que nos escape a percepção da im-portância que esta questão assume,num momento em que a es-cola tanto propala seu objetivo de interceder como instrumen-to para a formação de um sujeito capaz de exercer plenamentea sua cidadania. Não só a Ciência, mas também a Ética exige,

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para seu apuro, que o homem possa usufruir do saber, na formaque pode lhe conferir isso, a autonomia cognitiva. Henry Tho-mas, em A História da Raça Humana através da Biografia,afirma: "O saber para Sócrates era o começo da virtude. Se opovo procede mal, não é por vício, mas por ignorância". Embo-ra cientes de que não caberia apenas ao domínio de conheci-mentos do cidadão dar conta das graves questões morais queestão a interferir na qualidade de vida da nossa população, te-mos claro a relação intrínseca existente entre tais fatores.

Tratar o aluno desta ou daquela maneira, reflete uma con-cepção de homem. Esta se define como pressuposto de umaconcepção de aprendizagem, a qual, por sua vez, implica naconstituição de uma concepção de ensino.

No intuito de situar a relação Psicologia/Didática, torna-seentão uma exigência desvelar para se saber qual homem a esco-la quer formar, quem é o homem para a escola que assim querformá-lo.

Uma breve passagem pela história das concepções de ho-mem que foram, ao longo do tempo, sendo formalizadas, pode,sem dúvida, nos servir de instrumental de análise para essaquestão.

A admissão do fator ambientalista ou do fator nativista, to-mando ou um ou outro como único responsável pela definiçãodo desenvolvimento humano, caracterizava como radicais asconcepções que acreditavam no determinismo da experiênciaimediata - as ambientalistas - ou no determinismo genético - asnativistas.

Na Antigüidade, o entendimento da criança como sendoum adulto em miniatura, evidenciava uma concepção ambien-talista,uma vez que as atividades da criança estavam circunstan-ciadas pelas atividades do adulto. Ignorando ser a infância umperíodo de características naturalmente diferentes da idadeadulta, levava-se a criança, logo após adquirir um mínimo de in-dependência - em torno dos sete anos de idade -, a misturarem-se aos adultos no trabalho e no lazer.Faziam-na assim,participarda "vida violenta, libertina da época; inclusive na escola eramextremadamente desordenados, desobedientes e violentos"(Mussen, Kagan, Conger, 1969).

Sob a influência da força da religiosidade que marcou aIdade Média, a preocupação com a moral e o pecado trouxe

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uma nova visão sobre a infância. Da idéia da necessidade deproteger a criança da "degradação dos costumes", origina-se oconceito da "inocência" como característica da natureza infan-til. Esse período, segundo os pensadores da época, era de "pri-mitivismo", "irracionalismo" e "prelogicismo" naturais, o queconfigurava o pressuposto exclusivamente nativista na explica-ção do desenvolvimento e uma aposta básica na incompetênciada criança.

Tomar a criança como "adulto pequeno" ou como "tola"parecem ser conceitos ainda hoje arraigados em nós adultos.Naescola, por exemplo, via de regra se impõe a ela a disciplina, osilêncio e a imobilidade que sequer o adulto pode suportar deforma "saudável", ignorando condições e características que sãopróprias desse período do ciclo vital.Ao mesmo tempo, as au-las são, em geral , dirigidas de maneira a "profetizar" a incapaci-dade das crianças quanto à possibilidade de aventar hipótesesou resolver problemas sem que lhe ofereçam tudo já pensado eresolvido, apenas para que ela memorize. Ao ignorar o que jálhe seja possível realizar sozinha,deixa de transformar o espaçoda aula em um espaço privilegiado para a ajuda estimuladora.

Embora possamos constatar, pela observação da realida-de, na postura de muitos de nós, tais princípios ainda "congela-dos", em tese os estudos de há muito avançaram.

John Locke, filósofo inglês, iluminista, do final do séculoXVII, transpõe os limites da visão nativista e contraria os cer-ceamentos da liberdade impostos pelo pensamento medieval.Desacreditando da idéia da incapacidade absoluta da criança,defende a tese da "tábula rasa", considerando que a aprendiza-gem depende exclusivamente do ensino, ou seja, do ambiente.Em Ensaio Sobre o Entendimento Humano, postula:

Suponhamos, pois, que a mente humana é como dissemos: umpapel branco, desprovida de todos os caracteres, sem quaisqueridéias; como ela será suprida? De onde lhe provém este vasto es-toque que a ativa e que a ilimitada fantasia do homem pintounela com uma variedade quase infinita? De onde apreende todosos materiais da razão e do conhecimento? A isso respondo,numapalavra, da experiência. Todo o nosso conhecimento está nelafundado e dela deriva fundamentalmente o próprioconhecimento. (Livro II, Cap. 1, Sec. 2).

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A visão associacionista de Locke estava marcada pelaidéia da passividade como característica da natureza humana.O aprendiz seria um receptáculo sobre o qual haveriam de sederramar ensinamentos, supondo que, pela associação mecâni-ca entre os conhecimentos, ele obtivesse uma compreensão dotodo. Para as correntes associacionistas, o todo se constitui namera soma das partes.

O reconhecimento da infância, como sendo um períodoqualitativamente diferente da idade adulta, veio, num primeiromomento, apontando apenas para a incompetência da criança,considerando-a um ser pré-lógico e irracional. Em relação à vi-são anterior,promove o ganho de situar a infância como um pe-ríodo, no âmbito do ciclo vital, detentor de características pró-prias, reduzindo-a,entretanto, ao atribuir-lhe absolutos e insus-tentáveis limites.A superação desse pensamento pode ser iden-tificada na tese defendida por Locke,cujo avanço estava repre-sentado pela aposta, não mais na incapacidade da criança, massim na sua capacidade.Entretanto,o caráter essencialmente am-bientalista do pensamento de Locke desconsiderava que essacapacidade estaria circunstanciada por níveis, indicados, tam-bém, pelo caráter maturacional do seu desenvolvimento.

Em meados do século XVIII, Jean Jacques Rousseau trazsua contribuição para o entendimento do desenvolvimento dohomem.

Opondo-se à idéia de Locke, coloca a atividade como atri-buto da natureza humana, defendendo que o homem, em con-fronto com o ambiente, tende a colocá-lo a seu serviço.

Do estudo dos construtos de Rousseau, pode-se vislum-brar a transcendência do determinismo nativista ou ambienta-lista presente nas teses acima citadas. Ao defender que o ho-mem nasce bom e a sociedade o perverte,aponta para um dadode natureza do sujeito e um dado de intervenção social.No pen-samento de Rousseau, podemos encontrar, portanto, a sementede uma perspectiva de análise que rompe com essas percep-ções parciais e reducionistas sobre as condicionantes do desen-volvimento humano.

Ao caracterizar a sociedade como corruptora dos ho-mens, que originalmente são bons, promove novo confrontocom o associacionismo de Locke.A compreensão de tal propo-situra fica impossível se nos utilizarmos do conceito de todocomo simples soma das partes, pois, sendo a sociedade o cole-

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tivo dos homens, sob aquela ótica, deveria ser boníssima. Só oentendimento do todo como o resultado da articulação entre aspartes permite compreender os intrincamentos entre o sujeitoe o ambiente e este é um pressuposto básico da abordagem in-teracionista para a explicação do desenvolvimento humano.

Incluímos nesta análise o período durante o qual as teo-rias se construíam com caráter especulativo, na busca de apon-tar os arcabouços filosóficos sobre os quais a pesquisa na áreada Psicologia do Desenvolvimento se assentou, no processo deconstituição do seu corpo de conhecimentos uma vez que neleas influências de obras como as de Locke e Rousseau não po-dem ser ignoradas.

Discutir a qualificação das influências da Psicologia sobrea prática pedagógica exige a assunção de um posicionamentoclaro quanto à perspectiva do pensamento pedagógico quenorteia nossas conjecturas, e isto para que possamos eliminardessa reflexão um teor de indução sub-reptícia ou subliminar.

É em direção à tendência pedagógica que se rotularam decrítico-sociais os conteúdos que encaminhamos nossa percep-ção quanto à contribuição que a Psicologia deve oferecer à Di-dática. Neste contexto teórico da Pedagogia, a aprendizagemdeve se processar através da construção do conhecimento porparte do aluno.Assim sendo, ao professor cabe assumir, dianteda situação de aula, a atitude construtivista, que por sua vez en-contra sustentação,quanto aos métodos da cognição,na corren-te interacionista cujos representantes de maior envergaduratêm sido em especial Piaget,Vygostky e Wallon.

Não podemos ignorar que as obras de tais autores não seencontram ainda com plena difusão nos cursos de formaçãode professores. No caso de Piaget, sem dúvida, no que diz res-peito ao contato com a obra, o problema é menor, muito embo-ra não o seja quanto à pertinência do tratamento que lhe édado.Tais constatações nos impõem ainda maior zelo ao tomarseus construtos teóricos como referenciais para a definição dométodo de ensino. Por outro lado, os distanciamentos ou apro-ximações entre os trabalhos dos mesmos são sérios desafios,diante dos quais , em que pesem as dificuldades implícitas,pre-cisamos ousar. Quando os caminhos não se desenham ainda ab-solutamente claros,como ocorre com essa questão, torna-se im-

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prescindível que o receio do equívoco confesso não nos impe-ça de socializar experiências que explicitadas, adequadas ounão, servirão sempre, no mínimo, como subsídios de reflexãopara o surgimento de novas proposituras. É com esse espíritoque aqui fazemos um relato de experiência, na qual, neste mo-mento, estávamos presos à construção de resposta para maisuma questão:

Como conhecer e abordar a concepção de ho-mem e as condicionantes do desenvolvimento queestão constituídas no saber docente?

Partindo dos pressupostos da interação bio-psico-social eda natureza ativa do homem, durante ações dos programas deeducação continuada, buscávamos que os professores nos des-sem informações sobre como caracterizavam,de maneira geral,o aluno da escola pública de hoje. Interessava-nos saber, quaispressupostos estariam consolidando seu “conceito de aluno”.Adefinição do aluno através de características como: carência(tomada genericamente, incluindo insuficiências orgânicas, psí-quicas e culturais), desinteresse e indisciplina, era o que, demais presente, constituía a resposta à pergunta: quem é o alunoda escola pública, hoje? Ora, tais características, embora nãomentissem sobre a condição manifesta do aluno, davam contado conhecimento de uma dimensão do desenvolvimento-- a so-cial. O problema não se resumia apenas em enxergar o alunopela metade, mas a isso se somava estar enxergando-o apenasna sua pior metade, ou seja, aquela sobre a qual os efeitos daprecariedade socioeconômica mais fortemente se estabele-ciam. Dessa forma, como considerar suas "chances"? Não seriaum sujeito real, aquele possuidor de limites e possibilidades?Para considerarmos suas possibilidades reais -- e não as mera-mente "românticas", como: "é um ser humano", "precisamosacreditar nele" -- é que necessitamos conhecer as teorias quedão conta de explicar o processo de desenvolvimento do pen-samento que caracteriza a cognição humana.

Ultrapassar os limites impostos por uma aula dada para"meio aluno", passava a ser para o professor, diante desse quadrode reflexões, uma questão de grande interesse. Utilizávamo-nos,

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nesse momento, de um texto base que produzimos com a finali-dade de fomentar as discussões e consolidar os conceitos queos grupos de professores já haviam formalizado e que, a título dedar maior consistência para o relato, aqui transcrevemos:

"No campo da ciência psicológica,desde os primórdios dasua formulação, estudiosos posicionam--se quanto às questõesda hereditariedade ( potencial herdado ) e do ambiente ( meioem que o indivíduo se desenvolve ). Os posicionamentos pro-movem divergências quanto ao grau de influência de cada umdesses fatores na formação da personalidade do indivíduo, po-rém o que as leituras sobre o tema nos noticiam é que ambosos fatores têm uma força igual atuando no comportamento daspessoas .O radicalismo que atribui maior ou menor valor a cadaum dos fatores fica por conta da visão pessoal de mundo dosadeptos das diversas correntes psicológicas, ou seja: os geneti-cistas garantem que a força da hereditariedade suplanta a doambiente, enquanto que os ambientalistas asseguram que a for-ça do meio sobrepuja a força da hereditariedade.

Experimentos promovidos no seio de cada uma das cor-rentes comprovam a equivalência dessas forças: por maior queseja o potencial intelectual de uma criança, atuando num meiodesfavorável, não será explorado integralmente, da mesma for-ma que o ambiente especialmente estimulador não será sufi-ciente para fazer de um infra-dotado, um superdotado.

A criança, portadora de um potencial determinado geneti-camente depara-se com um meio que tanto poderá ser favorá-vel ou desfavorável ao seu desenvolvimento.Pensemos agora nacriança que se faz aluno da escola pública. Sabemos que advémde um meio sócio-econômico de condições adversas, impon-do-lhe limitações de ordem cultural, psicológica e orgânica,pois que a faz possuir uma visão de mundo limitada, causa-lheproblemas emocionais e compromete sua saúde física. Essequadro é sobejamente conhecido de todos nós, educadores daescola pública. O que talvez nos falte explorar é justamente aoutra força que atua no comportamento da criança: a heredita-riedade. Tomemos, portanto, sua possibilidade intelectual queserá a matéria prima a ser utilizada na construção do conheci-mento, dentro da escola: se não partirmos de uma premissa fal-sa de que "pobre é burro", fatalmente concluiremos que para

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aprender os conteúdos escolares "normais",de uma escola "nor-mal",bastará que tenhamos uma criança "normal".Os índices decomprometimento real do potencial intelectual, ou seja, a por-centagem de excepcionais infradotados na população mundial,segundo a Organização Mundial da Saúde, atinge no máximo3% e, excluindo-se desse percentual aqueles cuja profundidadeda lesão já não lhe permitiu ir à escola, restará uma parcela ain-da menor de incidência de tais casos dentre o alunado da esco-la pública.

Pensemos nisso. Pensemos também nos índices de reten-ção e evasão.Pensemos agora a quantos alunos poderíamos atri-buir a responsabilidade do fracasso, alegando sua falta de capa-cidade para aprender.

Pensemos ainda na constante ampliação do número declasses especiais que acontece na nossa rede de ensino e na ex-pectativa de muitos educadores de que esse tipo de atendimen-to prolifere.

Certo é que hereditariedade e ambiente são forçasequivalentes.

Certo é que todas as crianças "normais", normalmente de-vem aprender.

Certo é que se o aluno que temos não é o aluno que que-remos, é o aluno que temos.

Certo é que a educação não se faz sobre os dados dos so-nhos, mas sim, da realidade. Então, certo é que, como habitan-tes de um país que os pessimistas chamam de subdesenvolvidoe os otimistas de em vias de desenvolvimento, mas que todossabem que a maioria da população vive em condições de extre-ma distância das condições ideais, temos que aprender e ensi-nar a sobreviver na adversidade e isto significa não estarmos aserviço desta adversidade (o que fazemos quando a constata-mos e lamentamos), mas bem ao contrário, colocá-la a nossoserviço (o que fazemos quando a constatamos e buscamostransformá-la ).

Será que as condições adversas que circundam a maioriados alunos da escola pública,não lhes trazem,mesmo porque ne-nhum mal é absoluto,nenhuma vantagem? Cremos que sim.Ob-serve seu desempenho: criança pobre cria brinquedos, criançarica tem brinquedos que já se compram "brincados"; criança

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pobre diverte-se correndo, falando, fazendo; criança rica é pri-sioneira das paredes da casa, da tecla do vídeo game, da aridezdo computador, das algemas da "disciplina".

Não teríamos nós o que explorar da inventividade e habi-lidade motora do nosso aluno? Pegar no lápis com movimentode pinça é tão penoso para quem joga bola de gude com pon-taria certeira? Desenhar letras é tão doloroso para quem cons-trói pipas que voam tão alto?

O sistema, que nos habilitou para nossa majestosa função,fez conosco dívidas que provocaram, no orçamento da nossacompetência, rombos, dos quais nos ressentimos no exercíciode nossa profissão.A solução,agora, já que o mal está feito,é nósmesmos reinvestirmos na nossa capacitação, indo em busca doaperfeiçoamento de nossa prática, de forma a nos tornarmosmais felizes, pois, embora os mecanismos de defesa do nossoego nos apresentem mil e uma razões que justificam o fracassodo nosso aluno,em nosso peito mora um desconforto,uma frus-tração, um não sei o quê que não é bom, diante dos resultadosque obtemos.

Cada vez que nos acovardamos diante da dificuldade,cadavez que recuamos diante do obstáculo, cada vez que deixamospara os outros o que sabemos que não farão, estamos cada vezmais a serviço da manutenção desta situação de precariedade.

Tentam nos convencer de que a prática é mais importanteque a teoria. Essa idéia, veiculada pela tendência pedagógica tec-nicista, está a serviço da perpetuação no poder de um sistemaque julga que alguns - poucos - nasceram para pensar e que nós- muitos - nascemos para fazer. Se nós todos não pensarmos, fare-mos o que poucos pensaram.

A teoria desvinculada da prática é tão somente verbalis-mo. A prática desvinculada da teoria é tão somente ativismo.

A teoria se fundamenta na prática e esta há de estar nor-teada pela teoria ou estaremos jogando fora a experiência ante-rior, a história e nossos antepassados."(Maria Inês Laranjeira, Di-visão Regional de Ensino de Bauru, Projeto "Suporte de Opera-cionalização Suplementar - SOS Escola", 1986)

Evidentemente, o texto apresenta limites de ordem técni-ca que se justificam em função da sua antigüidade e das dificul-dades decorrentes dos limites da nossa própria compreensão

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que naquele momento contava com menos oito anos de estudoe experiência. Consideramos, entretanto, a sua exposição semretoques, um exercício da coragem necessária ao relato sinceroda experiência.

O intento principal na utilização do texto era "higienizar"a percepção dos professores,dos preconceitos promovidos porum freqüente discurso que nos habituamos a rotular de: "do so-cial pelo social", em virtude do seu conteúdo equivocado queincitava ao imobilismo e ao desestímulo, defendendo a tese docaráter irreversível da "privação cultural" que assolava a vida doaluno pobre da escola pública, conferindo-lhe um tal "déficitcognitivo".

As discussões geradas pela análise crítica do texto encami-nhavam a reflexão para o alinhavar de uma prática docenteque pudesse enfrentar o problema do fracasso das crianças noempenho de aprender, tendo assim, boa parte dos professores,já consolidado a idéia de que a "pobreza" do aluno pode dificul-tar sua tarefa, mas não basta para impedi-lo de aprender.A apa-rente sutileza da idéia esconde, na verdade, um forte argumen-to a estimular o interesse do professor em vencer seus próprioslimites. Uma clara diferença se estabelecia entre a disposiçãocom a qual encara o trabalho na sala de aula, aquele que estáconsciente das dificuldades a enfrentar e aquele que o crê inú-til.Daí por diante, a ação centrava-se no aluno como sujeito reale aqui se encontrava mais uma desafiadora pergunta:

À Psicologia basta tomar genericamente suas te-ses a respeito do desenvolvimento do pensamen-to do sujeito enquanto aluno e despejá-las sobre aprática de ensino?

Para a resposta a esta pergunta, retomamos o foco princi-pal desta reflexão: a específica contribuição da Psicologia paraa constituição do objeto de estudo da Didática: o ensino, e reto-mamos também o pressuposto de que a aprendizagem na esco-la tem características próprias. Fazemos isso no intuito de quea Psicologia não se posicione diante da Didática para favorecero entendimento do sujeito enquanto aluno, mas sim do alunoenquanto sujeito. O que pode parecer mero jogo de palavras

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constitui a assunção de posições essencialmente diferentes: aoolhar para o sujeito enquanto aluno, o foco da análise situa-separtindo de características genéricas do sujeito e buscandoaplicá-las, como tal, para a compreensão do aluno, sem conside-rar a especificidade do seu papel e conduzindo, não raro, à "psi-cologização" do ensino.

À Psicologia não cabe descaracterizar a Didática, o queocorre quando, atendendo-a a título de contribuição, venha adestituí-la do seu papel. Condenar tal posicionamento -- o dadescaracterização da Didática pela Psicologia -- não implica emestranhá-lo, pois, para entendê-lo como corrente, basta que re-flitamos sobre as dificuldades, inerentes à nossa cultura, enfren-tadas quando do empreendimento de ações coletivas,participa-tivas. O autoritarismo freqüente nas mais diversas relações so-ciais: na família, na escola, no trabalho, rouba-nos, em grandeparte, oportunidades de exercitar tomadas de decisões conjun-tas e,em decorrência, rouba-nos também a condição de análisescompartilhadas que conduzem às percepções mais contextuali-zadas. Cremos, portanto, que a visão fragmentada se traduzcomo um problema disseminado na nossa sociedade, o que exi-ge que todos nós nos empenhemos em superá-lo,no sentido denos afastarmos, tanto quanto possível, de ações de cunho cor-porativo ou paralelo.

Sob esta ótica, estivemos por algum tempo a trabalharcom a Psicologia, imaginando que ela devesse se posicionardiante da Didática,para tomar características genéricas do sujei-to, ignorando as especificidades da aula e, sem elas,deixando deconfigurar, de fato, o aluno. O estudo sobre a história da educa-ção no nosso país foi, talvez , o que melhor nos serviu para de-tectar o equívoco que vinhamos cometendo. Da análise de al-guns dos diferentes momentos dessa história, foi possível per-ceber que, tratando o sujeito enquanto aluno, ao invés do alunoenquanto sujeito, a Psicologia acabou por contribuir para a ins-talação de sérios desvios do papel da escola. Sustentou assim a"pedagogia da força", a "pedagogia da piedade" e a "pedagogiada mão de obra", com os subsídios que tentaremos explicitar aseguir:

A "pedagogia da força" sustentou com suas teorias associa-cionistas, fundadas no pressuposto da "tábula rasa" que se to-masse o aluno como "soldado raso",cuja "cabeça" seria mero re-

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ceptáculo, garantindo, assim, seu silêncio e sua submissão. Aoprofessor, caberia, portanto, o papel do inquestionável "gene-ral", senhor das únicas verdades.Vale lembrar que o sucesso doaluno estava na estreita dependência da sua fidelidade absolutaao reproduzir os textos dos conteúdos escolares em instrumen-tos de avaliação cujo papel restringia-se a classificá-lo, corrobo-rando com o papel elitista de uma escola feita para poucos.

À "pedagogia da piedade", na busca de um jeito novo defazer escola, a psicologia ofereceu a tese da "aceitação positivaincondicional" e implantou alma de cliente no corpo do alunoe idéia de terapeuta na cabeça do professor, dando suporte àmais malfazeja das pedagogias, aquela que, apostando com pe-sar na sua insuficiência, profetizava seu fracasso. Para assegurarsua postura piedosa, diluía, então, o fracasso num sistema deavaliação que postulava ver o aluno como um "ser total", paraassim permitir que seu esforço, sua participação, sua assiduida-de ou seu capricho, pudessem estar refletidos na sua nota, en-cobrindo, por exemplo, sua inconsistência quanto ao conheci-mento das matérias de ensino.Assim é possível obter notas mé-dias em Português, ainda que não saiba redigir, ou em Matemá-tica, ainda que não saiba calcular. Diferente da "pedagogia daforça" que, seletiva, a muitos dizia não, a "pedagogia da pieda-de", assistencialista, a muitos mentia que sim.

A "pedagogia da mão-de-obra" é fruto da busca de trans-mutação da escola em empresa ,quando teve na Psicologia umaaliada que dispunha de recursos trazidos por teses mecanicistasque embasavam propostas de estudo dirigido, impondo commaior sutileza e sofisticação, agora, a mesma submissão de ou-trora. Baseava-se na intensa ação do aluno, descolada da neces-sária reflexão. Basta que lembremos que se considerou -- se éque não me equivoco com o tempo do verbo -- como sendo in-terpretação, às respostas dadas à série de perguntas que suce-diam a textos e que eram obtidas pela identificação e reprodu-ção de parágrafos específicos: para o texto que dizia, por exem-plo, que João subiu na goiabeira, a pergunta, a título de provo-car a interpretação, era: onde subiu João?

O que, em síntese, então, é possível perceber, é que paraevitar o equívoco da "psicologização do ensino" que tem aju-dado a escola pública a formar o "dócil", "o carente" ou "o tare-

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feiro barato", é preciso, ratificamos, que o foco da análise da Psi-cologia sobre a Didática, tenha o zelo de não tomar simples-mente o sujeito, sem se lembrar do aluno. São as condições es-pecíficas sob as quais se dá o processo de aprendizagem na es-cola que, considerando o papel que caracteriza historicamentea instituição escolar e o aluno que ela necessita formar, devemconstituir os critérios fundamentais, a exigir um dado posicio-namento da Psicologia.

Se hoje,dadas as condições precárias de vida da maior par-te da nossa população, devemos tomar como consensual a de-tecção da necessidade histórico-cultural de que a escola se co-loque a serviço de um processo de reestruturação social, tam-bém devemos tomar como necessária a formação de um alunonão "dócil", não "carente", não "tarefeiro barato" mas, cidadão.Para tanto é indispensável que se forme um sujeito capaz de,exercendo sua própria lógica, sobrepor-se, quando necessário,à lógica do ambiente. Isso significa conquistar o poder de iden-tificar quais valores, quais rotinas, quais situações, que emborao infelicitem, estão resguardados sob a égide do "natural".

Será natural, porque comum, que os professores, sendoprofissionais do ensino, dêem aulas, ao invés de vendê-las? Seránatural, porque comum, que se ensine comunicação e expres-são, pedindo aos alunos que se calem? Será natural, porque co-mum,que os alunos estudem para tirar notas e não propriamen-te para adquirir conhecimentos? Será natural, porque comum,que a miséria se espalhe onde a riqueza se concentra? É fácilimaginar a infinidade de perguntas dessa ordem que devemosnos fazer. E é, saltando para além dos limites da lógica do am-biente, que podemos fazê-las e é, também, embora não somen-te, a escola um lugar privilegiado para incitá-las.

Com certeza, é indispensável que situemos as condições,pelas quais os alunos poderão conquistar status de co-autoresda própria história e, no estabelecimento das quais, que situe-mos a Psicologia assumindo seu importante papel.Todavia, esseseria um trabalho marcado pela inconsistência e pela ingenui-dade se nos permitíssemos ignorar as condições sob as quais aoprofessor se solicita uma prática pedagógica que se dirija aoaluno-sujeito. Sendo assim, nos vemos circunstanciados poruma nova pergunta:

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Como seria possível para um professor, com umpassado e um presente que o faz objeto, trabalharna direção de fazer do seu aluno sujeito? Objetofaz sujeito?

Talvez a necessidade de se tomar como foco de estudo osaber docente, jamais tenha sido tão emergente como nestemomento em que os rumos da educação estão sendo aponta-dos por paradigmas que nos reportam, inevitavelmente, à reto-mada da sua história.

Não estamos, desta feita, simplesmente, diante da constru-ção de uma antítese ou no bojo de um movimento radical decontracultura. O que parece claro é que estamos diante do de-safio da síntese. Não ignoramos as dificuldades que isto se nosimpõe.

Na dimensão da prática pedagógica, a complexidade setraduz pela necessidade de identificar, no conjunto das suascontradições, aquilo que pela reflexão, deva manter, modificarou extinguir. A apropriação de pressupostos que o permitamestá, na possibilidade de transcendência de um saber adquiridointuitivamente, para o domínio de um saber elaborado que osustente. O saber docente que nos importa conhecer e catego-rizar, tem a ver com a vida numa escola que não teve muito aver com a vida. É consensual que não se conhece um produtoa não ser pela análise do processo que o engendrou.Daí nos de-termos na direção de tal intento, na reflexão sobre a história deex-aluno, daquele que é hoje professor.

O professor,enquanto aluno, foi vítima da escola da prima-zia da memória e de um conceito de disciplina que erronea-mente a tomava como representada pelo silêncio. Com issoteve subtraídas as vantagens que teriam sido obtidas pelo exer-cício dos processos intelectuais superiores, pelos méritos dotrabalho coletivo e pelo ganho individual dado pela fala. Esta,enquanto atividade simbólica, foi brilhantemente redimensio-nada por Vygostky, em "A Formação Social da Mente", ao situá-la como cumpridora de "uma função organizadora específicaque invade o processo de uso de instrumento e produz formasfundamentalmente novas de comportamento". Isto significa di-

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zer que o silêncio deixa de ser virtuoso quando obsta a organi-zação e a reestruturação do pensamento.

Ao subestimar-se esse ex-aluno, agora professor, negou-sea ele a reflexão mais plena; não podemos, portanto, deixar dereconhecê-lo nas salas onde se desenvolvem os programas deeducação continuada, reproduzindo aquele mesmo quadro.Como já nos é sobejamente conhecido, os cursos de formaçãonão o trataram melhor.

O fazer pedagógico, que então se instala, caracteriza-se,em decorrência dessa trajetória, pela fragilidade da sustentaçãoem uma lógica dialética, conduzindo à assunção de um pensa-mento intuitivo que sincretiza, amalgamando diferentes óticas,de forma a compor, como se não fossem excludentes, concep-ções de homem, ora como indivíduo passivo, ora como sujeitoativo. Faz-se, assim, coexistirem, no mesmo plano de ensino deum mesmo professor, o objetivo de "formar o aluno capaz detransformar a sua realidade", com uma proposta de avaliaçãoclassificatória/reprodutivista. É como prometer o fomento dasua criatividade, enquanto se oferece a ele, prontas, todas asperguntas e todas as respostas.

Diante disso, qualquer empenho em melhorar a qualidadedo ensino, há de ter como trincheira básica, a implementaçãode programas de educação continuada que possam superaruma história de esparsos "cursinhos" que definem a populaçãoalvo aleatoriamente, selecionam conteúdos por critérios inci-dentais e se desenvolvem através de abordagens metodológicasque resultam, na avaliação dos professores, em ações de trans-missão de receituários ou simplesmente "muito teóricas".

É imperativo que busquemos respostas à pergunta:

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No âmbito de um programa de educação conti-nuada, como deveria se estabelecer a contribuiçãoda Psicologia à Didática?

Categorizar o saber docente para dispô-lo na direção dosaber elaborado é condição sine qua non para se projetar umprograma de educação continuada que tem, ao nosso ver, a ta-refa de promover, exatamente tal transcendência.

O sucesso ou fracasso desses programas terão, portanto,estreita dependência com a definição do "como" se dará a intro-dução de novos referenciais de análise que venham a sustentaro necessário repensar da ação docente.

Ao menos duas questões fundamentais parecem emergirdessa reflexão sobre o teor metodológico dos programas deeducação continuada: conhecer o conteúdo que responde pelacompetência pedagógica real do professor e conhecer sua realcondição de exercício cognitivo.

Quanto à primeira questão, que dá conta das idéias que oprofessor tem a respeito do processo ensino/aprendizagem, es-tas devem constituir-se em ancoradouros para o alicerçamentoda sua atitude construtivista diante do aluno,pois isto só se daráa partir da sua experiência de organizar, formalizando seu pró-prio saber, e da possibilidade que assim se abre para a detecçãoe superação dos possíveis limites encontrados num conheci-mento, do qual demanda sua prática.

Estamos seguros,pela nossa experiência no campo do tra-balho com professores, de que a razão maior que encontrampara o engajamento na continuidade dos estudos está,não raro,no seu próprio convencimento efetivo e específico sobre a ne-cessidade de revisão de paradigmas e sua conseqüente revisãode valores.

Imaginamos ser este um fator relevante a promover a rup-tura com um processo de educação continuada que está histo-ricamente marcado por um tímido rol de ações pulverizadas eimpregnadas de um caráter de receituário, digno dos que bus-cam perpetuar velhas estratégias de dominação asseguradaspela dependência cognitiva dos seus destinatários.

Podemos ratificar o que aqui expomos, pela análise doque chamamos de segunda grande questão, imposta pela refle-

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xão sobre a categorização do saber docente: sua condição deexercício cognitivo.

Há de aqui se retomar a história de um processo sistemá-tico de banalização das possibilidades intelectuais, ao qual fo-ram submetidos os sujeitos aprendizes que hoje se situamcomo "agentes", para outros, desse mesmo processo de apren-dizagem.

Ignorar a real natureza da atividade intelectual humana,seja por considerá-la inata, como condição apriorística, no con-texto de um modelo idealista, seja por tomá-la como mera de-corrência da ação social manipulativa sustentando-se num mo-delo mecanicista, é no mínimo fruto de um viés resultante doatraso e da inadequação em relação às conquistas claras dos es-tudos e pesquisas da Psicologia do Desenvolvimento. Ilustra eatesta tal inferência, o que foi postulado por Leontiev, em O de-senvolvimento do Psiquismo, obra cuja 1a. edição data de1959:

Os estádios de desenvolvimento do psiquismo da criança não secaracterizam unicamente por um conteúdo determinado da suaatividade dominante,mas igualmente por uma sucessão determi-nada no tempo, isto é, por uma relação determinada com a ida-de da criança. Nem o conteúdo dos estádios, nem a sua sucessãono tempo são todavia imutáveis, dados de uma vez para sempre.Com efeito, cada geração nova, tal como cada indivíduo de umadada geração, encontra já prontas certas condições de vida. Sãoelas que tornam possível tal ou tal conteúdo da sua atividade.Conseqüentemente,se bem que possamos identificar os estádiosdo desenvolvimento do psiquismo da criança, o seu conteúdonão é de modo algum independente das condições históricasconcretas em que se desenrola o desenvolvimento; dependemesmo, antes de mais, de todas estas condições.

Devemos,então,conjecturar a respeito das conseqüênciasdecorrentes de uma visão parcial, fragmentada, a respeito doprocesso de desenvolvimento: não seria o pressuposto do de-terminismo ambientalista que nos conduziria à conclusão deque o prejuízo daí decorrente seria irressarcível? E não seria opressuposto do determinismo nativista o indicador de que issoem nada pode nos haver afetado?

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A resultante inequívoca desse viés encontra-se no prejuí-zo cognitivo decorrente do desrespeito à capacidade real do su-jeito, promovendo sua fragilização em pelo menos duas dimen-sões: uma, no sentido da obstaculização do exercício pleno dapossibilidade intelectual presente, e outra, no sentido do com-prometimento das possibilidades futuras na direção de maiorcomplexidade. Se à inteligência que só pode atuar sobre o con-creto, só se oferece o abstrato, o apelo ao recurso da memóriacumpre a pseudo-aprendizagem que, não bem habilitando aoraciocínio concreto que antecede o abstrato, não irá tambémexplorar a este último, devidamente. Se à inteligência que jápode atuar sobre o abstrato, só se oferece o concreto, a minimi-zação da capacidade cognitiva cumpre o alijamento do sujeito,da conquista das benesses advindas do exercício de funções in-telectuais superiores.

Alexander R. Luria, no texto Diferenças Culturais do Pen-samento, teoriza o que aqui defendemos:

A presença de conceitos teóricos gerais, aos quais estão subordi-nados outros mais práticos, cria um sistema lógico de códigos. Àmedida que o pensamento teórico se desenvolve, o sistema tor-na-se cada vez mais complicado.Além das palavras,que assumemuma estrutura conceitual complexa e da sentença, cuja estrutu-ra lógica e gramatical permite que funcionem como base do juí-zo, este sistema inclui também "expedientes" lógicos e verbaismais complexos que lhe permitem realizar as operações de de-dução e inferência, sem nexo de dependência com a experiên-cia direta.

A importância das relações entre o concreto e o abstratono desempenho cognitivo estão também asseguradas por Pia-get que, na obra Psicologia da Inteligência, assim se expressa:

o papel da psicologia da inteligência consiste em estabelecer arelação das operações formais, em sua perspectiva real, e emmostrar que seriam desprovidas de significação mental se não seapoiassem em operações concretas, das quais recebem, ao mes-mo tempo, sua preparação e seu conteúdo (1958, p. 193).

A clareza,hoje inconteste,do pressuposto interacionista é,inegavelmente, o referencial possível para instruir nossa análisee, se cabe conferir adequação à presente análise, também cabe-rá dela deduzir como reais as dificuldades de exercício intelec-

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tual superior, sofridas pelos herdeiros dessa história. Se falamosem prejuízos ressarcíveis e dificuldades superáveis, eis que senos exige pensar caminhos que conduzam ao ressarcimento esuperação.

Uma política de educação continuada não se sustentaria,portanto, nem naquelas costumeiras tentativas esporádicas edescontextualizadas a que já assistimos nem, ainda, que de for-ma orgânica e contextualizada, numa oportunização do conta-to dos professores com a mais adequada e moderna literatura,ignorando a premência de um mediador.

A condição do saber docente, visto o professor como su-jeito real que aí está, exige a presença num programa de capa-citação, de um articulador que não esteja sob o domínio dosmesmos limites e que não esteja preso ao academicismo nadaincomum, que sobrevoa as questões da realidade sem podertocá-las.

A avaliação que os professores fazem com extrema cons-tância sobre os cursos que lhes são oferecidos a título de capa-citação é anúncio e denúncia de tal quadro. Os juízos de valormais freqüentes nos depoimentos dos professores categorizamtais ações como, "válidas pela troca de experiência" e/ou "mui-to teóricas".Ora,ambas as apreciações estão conectadas no sen-tido da impossibilidade da "conversa" entre o docente e o cur-sista. Na medida em que as ações valem apenas pela "troca deexperiências", estão a dispensar a presença do docente e, namedida em que as consideram "muito teóricas", estão a questio-nar o desempenho do docente. A similaridade configurada nosaber dos cursistas os coloca, tanto como parceiros entre si,quanto como estranhos diante do saber do articulador.

Ao julgar o curso "muito teórico", nos permite apreendernão só o que não foi mediado pelo suposto articulador, comotambém, que sozinho não tem podido exercer a capacidadecognitiva pela qual se aplica princípios. Sendo óbvio que a teo-ria configura sempre um dado jeito de pensar a prática, nadapode existir de "muito teórico", de forma a alienar-se de umaprática. O que se pode questionar é a aplicação ou não de umadada teoria e não seu vínculo com uma prática.

Para exemplificar esse nosso pensar a respeito da catego-rização do saber docente,podemos nos reportar a uma situaçãoconcreta vivida no Estado de São Paulo, no período de 1984 a

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1989. Desenvolveu-se nessa época o Projeto Ipê, destinado àeducação continuada dos professores da rede estadual paulista.Seus objetivos contemplaram a necessidade de intervençãonum momento em que se havia implantado, por decreto, o Ci-clo Básico, uma diretriz pedagógica cuja execução exigia trocade paradigmas e, portanto, o repensar da ação docente.A práti-ca dos professores, marcada pela "inocência pedagógica" que,geralmente não pressupunha o construto teórico que a deman-dava, justificava por completo o objetivo do Projeto. Os conteú-dos que foram veiculados consistiam instrumental pertinente àconsecução de tal objetivo: traziam seus vídeos e fascículos,dentre outras áreas do conhecimento, contribuições da Filoso-fia,Sociologia,Psicologia e História da Educação que serviam aointuito do necessário repensar.A rede gigantesca de escolas ofi-ciais paulista abarca um número de aproximadamente 250 milprofessores. Isso fez com que a estratégia do Projeto se susten-tasse no ensino à distância. Em todas as escolas, para todos osprofessores, era possível a participação.

O que poderíamos imaginar, como resultado de uma açãode capacitação que se considera adequada quanto aos fins equanto aos meios? Evidentemente, seu bom resultado haveriade emergir com extrema clareza. Entretanto, o Projeto Ipê nãoalterou substancialmente a prática dos professores. Queremosentão, ousar entender que foi justamente a ausência de um me-diador capaz de promover a ponte entre o saber docente e o sa-ber elaborado, seu único e fatal pecado. Se a estratégia tivessecontado apenas com textos, poderíamos conduzir a questão àTeoria da Informação e sustentar que a falta de ressonância te-ria sido superada com a adequação da função referencial dostextos.Todavia, os textos vinham acompanhados dos vídeos. Es-távamos, então, diante de uma leitura que já não exigia o domí-nio de uma linguagem que pudesse estar sendo tangida pelo ca-ráter extremado da técnica ou do requinte. A leitura das ima-gens gerava, de parte dos professores, uma reação que aponta-va para distância entre o modelo que se apresentava e a realida-de em que viviam. Colocavam tal distância como a inutilizar asmensagens do modelo, como se estas não fossem, de forma al-guma, passíveis de oferecer referencial para análise sobre a suaprática.

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A observação aponta para a dificuldade de flexibilidadecognitiva, inerente ao exercício da lógica dialética e, por conse-guinte, revela um desempenho intelectual ainda dependente deuma grande concretude, a ponto de dificultar até mesmo a for-mação de conceitos, o que é anterior, no processo do seu de-senvolvimento, à aplicação de princípios exigida por uma leitu-ra teórica da prática.

Co-autores que fomos da história construída pela DivisãoRegional de Ensino de Bauru no que concerne à concepção eexecução de projetos de educação continuada no período de1986 a 1994, tivemos a reflexão aqui exposta com o papel de cir-cunstanciar as decisões, colocando em destaque a questão daabordagem metodológica dos programas, uma vez que, como jáafirmamos, nosso trabalho esteve sempre voltado para a desco-berta da melhor forma de contribuição da Psicologia à Didática.

Pelo Projeto "O Educador e a Prática Pedagógica", inicia-mos um trabalho com a prevalência do estabelecimento da con-fluência teoria-prática.As reestruturações que foram sendo ne-cessárias, foram provocando o surgimento de subprojetos, quemodificavam os meios para a consecução deste mesmo fim.Num primeiro momento, o receio exacerbado de oferecer re-ceitas nos colocou a opção de partir sempre de teses genéricas,na busca de oferecer subsídios para que os professores revis-sem sua prática.

As observações que íamos fazendo no decorrer da expe-riência de execução do Projeto, não demoraram a nos mostrarque a escolha desse caminho como único precisaria ser revista.Tínhamos que encontrar um trajeto que encurtasse a distânciaque na cabeça do professor, estava separando a teoria da prática.

No reexame quanto ao nosso horror ao receituário -- quejustificamos, principalmente por entendê-lo como uma apostana incapacidade do professor -- pudemos compreender que ha-via um termo de equilíbrio entre esses extremos, ou seja, erapossível utilizarmos exemplos de atividades docentes que fun-cionassem como pivô no estabelecimento da relação teoria-prática. Passamos, então, a oferecer propostas de trabalho quepudessem ter,após aplicadas pelo professor,desvelados os pres-supostos teóricos que as sustentavam. A medida permitiu quetrabalhássemos na direção de colocar os professores diante de

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experiências mais consistentes, tanto de construção de concei-tos como de aplicação de princípios.

Nossa lida com professores, somada à nossa experiênciapessoal, demostra com clareza a importância de nos atermos àsquestões das dificuldades cognitivas decorrentes do "impérioda memória",que nos obriga hoje, já adultos,a ainda termos queconsolidar o exercício intelectual de categorizar, formar concei-tos, estabelecer relações de inserção de classes, empregar clas-sificações categóricas ou internalizar signos. Essas atividadesmentais, embora com rótulos diferentes, significam em suma oque foi explicitado por Luria, em Diferenças Culturais de Pen-samento: "a aquisição de códigos verbais e lógicos que lhes per-mitem abstrair os traços essenciais dos objetos e subordiná-losa classes", sendo esta a condição que abre caminho para o exer-cício de tarefas intelectuais mais complexas.A possibilidade deconstruir idéias gerais a partir da análise de particulares, antece-de à possibilidade de, tendo construído um sistema lógico decódigos, dele dispor já de forma independente da experiênciadireta.

Superar os limites da própria prática, exige transcendê-lapara poder vê-la à luz do domínio efetivo de novos referenciais.Só assim é que se pode deduzir o que dela deve ser mantido,excluído ou alterado. Esta é a tarefa que este momento históri-co vem exigindo do professor e é por isso que não podemos,sob pena de estarmos ratificando o "status quo", deixar de des-velar as condições reais das quais partimos na busca daquiloque,extrapolando a questão do mero gosto, se coloca como im-perativo: a autonomia cognitiva que nos faça autoridade.A con-quista dessa qualidade de autonomia é o que entendemos estarcircunstanciada tanto pela definição dos conteúdos que devemcompor o que precisamos saber, como pela identificação dascondições cognitivas de que dispomos para aprender.

Temos claro, portanto, que a mesma necessidade da qualcarece o professor: saber como o aluno aprende para sabercomo lhe ensinar, deve estar pressuposta por um programa deeducação continuada: saber como o professor aprende para sa-ber lhe ensinar.

O que mais nos importa explicitar, através das indagaçõese das experiências que em nome delas temos desenvolvido, são

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os argumentos que têm sustentado o eixo básico do nosso tra-balho:não nos colocaremos de fato diante do enfrentamento dofracasso escolar se tivermos um falso pudor que nos impeça dereconhecer que o professor, tendo tido uma história de objeto,não pode ter ainda plenas condições de tomar seu aluno por su-jeito. Faz-se então inevitável a pergunta:

Qual aluno poderá construir de fato seu conhecimento,numa aula em que o seu professor ainda não o haja, de fato,construído?

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SOB O OBJETO INDIRETO, O SUJEITO OCULTO

Auscultar o ruído do desconforto que soa no "por debaixo" de um silêncio fundamentalmente imposto que, em ver-dade, advém - como se fora omissão - da assunção de uma po-sição pelo receio de errar. Divisar o sonho coletivo que se ani-nha no "por de trás" de uma ação predominantemente subjeti-va que, em realidade, emana - como se fora egoísta - do solitárioesforço pelo desejo de acertar.Eis que se nos exige a compreen-são de que, embora a maior parte de nós, professores, queira egoste de sê-lo, dessa mesma maior parte cada qual sabe, muitobem, não ser ainda, exatamente, o professor que gostaria de ser.Não tarda a surgir, nas nossas freqüentes conversas sobre tãoimportante tema, em tom quase de angústia, a inevitável per-gunta:

Como, a partir das adversas condições em que sedá nosso trabalho, poderemos chegar a ser o pro-fessor que queremos ser?

A denúncia da frustração,para que se possa analisar,é pre-ciso, em primeiro lugar, superar o que costumamos chamar de"psicologia de almanaque". Referimo-nos ao entendimento de

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capítulo 2

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que todo desconforto é sempre negativo, e de que, para a nos-sa felicidade, é absolutamente necessário que todos os nossosdesejos estejam pronta e placidamente satisfeitos. Ora, se assimfosse, o que haveria de nos mover diante da vida, se tudo o quebuscamos é exatamente o que não temos? Coloquemo-nos, en-tão, a pensar, se sabemos exatamente o que temos e o que nãotemos e a partir daí, coloquemo-nos, também,a pensar com queluzes temos iluminado essa busca. O que primeiro nos parececlaro é a importância da aferição dos limiares da frustração, oque dimensiona, por sua vez, a potência da reação diante doobstáculo.

Produtos que somos de uma cultura marcadamente auto-ritária, cujo teor se revela por nos haver apresentado, em geral,a experiência como já experimentada e a conseqüência comojá acontecida, aprendemos, sem que necessariamente o quisés-semos, a temer o novo.Tornamo-nos misoneístas.A insistênciadas figuras de comando à nossa volta, em nos entregar prontoo enunciado dos problemas e suas soluções, seja pela intençãoclara em nome de nos proteger, seja pelo intuito, quase sempremenos evidente, de controlar nossos passos, nos ofereceu, porresultado, a perene submissão, tão parceira da incompetência.Aliás, não nos foge a certeza de que a última é mantenedora daprimeira. Da semeadura do "não conjecturar", brota o "não des-cobrir", árvore que, pondo "sombra no saber", oferece o frutodo "pedir".

Entendemos pertinente reiterar a importância da aferiçãodo limiar da frustração que dimensiona, por sua vez, agora jáqualificando a reação, a força do medo diante do obstáculo. Sa-bemos todos, que o sentimento de medo, dependendo do seuvolume, pode promover reações diametralmente opostas.

Podemos, por medo, nos atirar impulsivos na direção doobstáculo; podemos, por medo, recuar pusilânimes, declinandoda tarefa que nos aguarda. Em ambos os casos, aumentando asdificuldades. Há de existir, entretanto, outra postura possível.

Podemos nos deter diante da situação,equacioná-la,olhan-do-a atentamente, nas suas raízes, para que possamos definir noquadro dos nossos reais limites e das nossas verdadeiras possi-bilidades,quais aspectos,das suas faces e interfaces,comporiamo cerne da questão.Destes,quais se colocariam abordáveis à luz

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dos parâmetros do curto, médio e longo prazos. Para cada qual,quais caminhos, quais estratégias, quais recursos são exigidos?

A decisão de enfrentamento a que nos referimos não cabeaos que se vêem simplesmente como vitimados pelos acintesque lhes fazem os outros ou aos que estejam tão somente sujei-tos à vida que lhes acontece, mas cabe, isto sim, aos que, dese-jando ser autores dos próprios atos, não se esquivam da realida-de e optam por tomá-la, quando assim a vida exige, como inevi-tável desafio.

Não se trata, o que entendemos por necessário e possível,da ação "quixotesca", dos "ingênuos idealistas". Não se trata dehavermos lançado um olhar crédulo por sobre a rama dos pro-blemas mas, ao contrário, tal percepção resulta da consciênciadada pela experiência dos embates.A disposição para a luta,porcerto, tem berço num sentimento de credibilidade que conhe-cemos sempre que a busca da superação dos nossos próprioslimites se coloca na seqüência de os havermos identificado.

Isso nos tem colocado diante da necessidade de transitarentre a complexidade e beleza da arte de aprender e a dificul-dade e nobreza do ofício de ensinar. Isso nos tem colocadodiante, assim, de um problema cujo enunciado pede, para a so-lução, que se percorra a distância entre a captação do desen-canto e o exercício da esperança; entre a percepção do desâni-mo e a ação da coragem; entre a constatação da submissão e aconquista do poder; entre a detecção da dependência e o usu-fruto da autonomia.

Essa é a trajetória que nos exige o pensamento pedagógi-co comprometido com a implementação e consolidação deuma escola que, entrincheirada no seu papel específico, estejavoltada para as necessidades da sociedade e que para fazê-lo,háde se dispor à mudança, na direção do bem comum. Para tanto,é substrato fundamental, a superação de um estado de auto-es-tima combalida que, não raro, se vê contaminando a nossa mo-tivação para o trabalho. Isso é o que resulta, talvez da consciên-cia da exigência interna (a que nos fazemos) e externa ( a quenos vem sendo imposta) da necessidade de empreender umgrande esforço, e da consciência que também não nos escapa,de que têm sido frágeis os resultados do nosso trabalho; de quetem sido tanto explicitada quanto subsentida a negação da boa

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qualidade que a ele confere a sociedade e, finalmente, não nosescapa, ainda, a consciência do acinte representado no sistemaretribuitório que lhe tem cabido.

Não há espaço para dúvidas quanto à imprescindibilida-de do exercício da reflexão sobre a dimensão de uma prática ci-dadã/profissional que possa apontar caminhos na busca de suamais ampla competência. Em Educação, Ideologia e Contra-Ideologia,Antonio Joaquim Severino coloca como último pará-grafo, o que se segue:

A práxis dos educadores, se fundada em e coerente com uma vi-são crítica da realidade social, se desenvolvida com vistas a obje-tivos político-educacionais relacionados com os interesses reaisda universalidade da população despossuída e, finalmente,se ins-trumentada com o saber competente, poderá contribuir efetiva-mente para a transformação social e, conseqüentemente, para aconstrução,no Brasil,de uma sociedade mais justa. (1986,p.100).

Tratando de considerar a contribuição efetiva da práticadocente ao tão necessário como complexo processo de cons-trução da justiça social, a primeira condicionante apontada porSeverino, diz respeito à capacidade de produzir a caracteriza-ção da realidade na forma de um enunciado de problema com-posto tanto pelos dados da realidade educacional escolar comopelos dados resultantes da sua inserção na realidade mais amplaque a tem contida. A segunda condicionante põe em foco oajuste da abrangência e pertinência da sua intencionalidade, ouseja, a clareza do caráter - usando vocabulário do próprio Seve-rino - , interdisciplinar e transdisciplinar da sua ação que, se vis-ta em análise linear seria tão somente multidisciplinar. Por últi-mo, pondera o filósofo sobre a condicionante situada na apro-priação de um "saber competente", a respeito do qual, especial-mente no que concerne à competência para o demandado peladimensão da socialização do saber, nos ocupamos em discutirneste trabalho.

Na abordagem que temos proposto e executado em açõesde educação continuada, buscamos que a formulação do enun-ciado do problema seja, por princípio, tarefa dos professoresque estejam compondo os grupos, em cada momento . Nas nu-merosas vezes que o fizemos, mantendo o assunto e trocando apopulação alvo, os colocamos, no primeiro momento, diante dapergunta:

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Quais são os principais problemas enfrentados nolimite da sala de aula, situados sob o ângulo maisestrito da relação ensino/aprendizagem?

O caráter consensual das respostas, não nos surpreendia.Foram sempre unânimes ao localizá-los, no que se referia aosalunos, nas questões do interesse e da disciplina e, após discu-tirem mais amplamente,causas e conseqüências dos limites dosalunos, dentre um complexo conjunto de condicionantes, in-cluíam uma de parte deles próprios, a que chamavam de com-petência. Prosseguíamos a reflexão, promovendo a percepçãodo intrincamento entre tais questões. Suas íntimas relaçõeseram então detectadas e a nossa proposta conseqüente era ade tomarmos, dos ângulos do problema, aquele que, de imedia-to, passasse por nós. Isso exigia que a análise nem se transcor-resse do ponto de vista que nos fizesse estar como vítimas,nemdaquele que nos fizesse estar a vitimar, mas que nos víssemoscomo a um só tempo, determinantes e determinados e, aindamais, que nos víssemos, não diante de uma fatalidade, mas, istosim, diante de uma contingência que, como tal, seja passível detransformação.

Quanto a essa nossa condição de determinados/determi-nantes, importa lembrar o considerado por Thomas S. Popke-witz, em Profissionalização e Formação de Professores: algu-mas notas sobre a sua história, ideologia e potencial:

A pedagogia está relacionada com a seleção, organização e ava-liação do conhecimento. Por conhecimento, não entendo so-mente os "factos" e conteúdos que fazem parte do currículo.Alinguagem que utilizamos nos debates sobre o ensino (infância,individualidade, sociedade, etc.) não são apenas lentes cogniti-vas, mas também modos de pensar, de "ver" de sentir e de actuarno mundo. Neste sentido, é preciso encarar os actos de ensinocomo formas de regulação social,que selecionam os fenômenos,impondo-lhes fronteiras, classificando-os, distinguindo o essen-cial do acessório, sem esquecer que as fronteiras delimitam tam-bém o que deve ser omitido (in Nóvoa,1992, p.47).

A solicitação interposta por essa análise pede a identifica-ção da condição de submissão que atinge diretamente o profes-

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sor,mas cujo caráter de imposição se faz por instâncias queatuam com venal constância, indiretamente, ou seja, colocando-se fora do alcance da consciência do sujeito. É por isso que oentendemos como um sujeito que, como tal, fica oculto sob aprodução indireta de um objeto.

Dado que a emergência da confrontação com tais limitesficava, já, no andamento da reflexão com os professores, umainconteste verdade, passávamos a nos indagar:

Qual poderia ser o passo seguinte, a nos permitirsermos "sujeito de...", ao contrário de estarmosapenas "sujeitos à..."?

Suplantada a etapa da formulação do enunciado do pro-blema, recorrer às suas fontes, às suas raízes, sem dúvida, é o ca-minho que se aponta irrefutável. Cada qual de nós pode, comfacilidade, voltando-se ao próprio cotidiano, refletir sobre asconsequências que enfrentamos quando buscamos apenas neu-tralizar os efeitos dos nossos problemas. Quando assim proce-demos, estamos diante de pseudo soluções, cujo caráter efême-ro nos obriga ao encontro constante com as mesmas dificulda-des. São aquelas que acabamos por considerar crônicas ou ain-da, se é possível assim categorizá-las, endêmicas, por serem pró-prias de um dado lugar - aquele em que estivermos.

O distanciamento que não raro se obtém, entre o desejo,a intenção,o objetivo e as resultantes das ações que para tal em-preendemos, mostra com clareza a dependência intelectualcom que nos postamos diante da vida. Em sua obra, ConcepçãoDialética da Educação, Moacir Gadotti assim aponta para essaquestão:

Quem estuda a História da Educação verificará que educadorese pedagogos sempre conceberam a educação como um proces-so visando ao desenvolvimento do ser humano, respeitando apersonalidade de cada um. Enfim, poder-se-ia dizer que, na qua-se totalidade,os educadores sempre tiveram em mente desenvol-ver a autonomia do ser humano. Nenhum, dentre eles, reconhe-ce que seu trabalho visa a fazer escravos ou a domesticar ho-mens para a obediência e a submissão. (1984,p. 79).

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Recorrer à História da Educação, no propósito de melhorcompreender de onde vem e a quem servem muitos dos valo-res que nos pareceram sempre ter sido nossos e, que também,nos pareceram sempre, inegavelmente, bons para todos, faz-seum caminho imprescindível à elucidação dos determinantes doquadro de realidade em que nos inserimos.

Como ponto de partida nessa reflexão, procedemos aoresgate contextualizado dos fatos isolados que permanecerampresentes na nossa lembrança - resistindo ao tempo em quepese o caráter seletivo da memória não mediada - mas que, dis-postos ao acaso,desconectados, formam apenas um amontoadode "saberes" inócuos, com o papel inofensivo de reverenciar opassado. Esse comprometedor papel da História, que é o queestá impregnado na escola, faz um sentido nada inocente quan-do, compondo as estratégias de dominação assentadas na pseu-do pseudoneutralidade do conhecimento, corroboram com aformação de um indivíduo que termina por se postar como es-pectador, até mesmo da sua própria história. Se dessa forma épossível contribuir para a formação daquele que estará fadadoa ser "sujeito à...", é óbvio que o favorecimento de articulaçõescontextualizadas estará na direção oposta.

Temos cumprido a tarefa de busca das raízes do problemada nossa postura de sujeição - apoiando-nos em especial na sis-tematização produzida por Libâneo no texto: "Tendências Peda-gógicas na Prática Escolar", veiculado pela Revista da ANDE, no.6, às p. 11-19. Este trabalho, publicado em 1983, decorridos en-tão 12 anos, pede, evidentemente, uma leitura contextualizada,embora, do meu ponto de vista, não lhe caiba qualquer corre-ção. Em primeiro lugar, pela lucidez da análise e clareza na ex-posição, depois porque, para que se pudesse considerá-lo ex-temporâneo teria sido necessário que nas escolas, o conheci-mento, cuja apropriação ele permite, estivesse, já hoje, garanti-do. Sabemos todos que não é o que ocorre.

Inserindo as categorias de pensamentos pedagógicos ex-plicitadas por Libâneo, no bojo maior da História Geral, buscá-vamos,- num processo, cujo ritmo se fazia indubitavelmentelento dada a característica da "higienização" - desvelar os com-plexos mecanismos que, por fim, iam aclarando as "adoções"

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que, ingenuamente fazíamos, das idéias eivadas de valores quequase sempre não eram os nossos.A esse respeito, analisou Ci-priano Carlos Luckesi:

O envolvimento ideológico é um fato; ele já está largamente de-monstrado. Não há, pois, em educação como em qualquer outraatividade humana, agir sem que esteja envolvido em valores. Háuma condenação ontológica, radical, do ser humano a decidir eagir em função de valores.Assim sendo,até a definição de um po-sicionamento neutral, em si mesma, significa a assunção de umposicionamento valorativo: o da neutralidade.A conseqüência imediata dessa situação estrutural do ser huma-no é o fato de que quando um indivíduo não opta ideologica-mente, em consciência, por algum caminho, segue a opção deoutros, que se traduz, normalmente, pela opção da oficialidade.No campo da educação, tudo converge para que assim seja: nor-mas, leis, cursos de formação, reciclagens, meios de comunica-ção, materiais didáticos, etc..." (Revista Tecnologia Educacional65, p. 6-13)

Considerando, evidentemente, toda a cadeia de elementosque compõem o processo educacional escolar, voltávamos nos-so foco de atenção maior para os diferentes papéis que, ao lon-go da história, vieram sendo propostos para o professor, umavez que nosso declarado objetivo era o de tomá-lo como o su-jeito que estaria colocando a si próprio como objeto de análisee reflexão, tendo em vista a sua formação ideologicamente de-terminada que esteve sempre a ratificar os diferentes papéis da-dos à escola.

A constatação das contradições existentes na prática do-cente de cada um permitia a percepção clara de se haver aten-dido, ingênua e sinceramente, a valores e princípios epistemo-lógicos que, em "sã consciência", permanentemente combate-riam. O depoimento dos professores, diante dessa circunstân-cia, dava conta de um desconforto que, mesclando decepção eindignação, tomava a cor de desafio:

Se não fomos e não somos quem pensávamos,quem, então, temos sido?

Interessava, por manifesto, perceber a dimensão das de-corrências de uma história na qual foi solicitado como: autori-

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tário pelo modelo seletivo/elitista da escola tradicional; filantro-po pelo modelo pseudodemocrático/assistencialista da escolanova; tarefeiro pelo modelo mecanicista/burocrático da escolatecnicista e, por fim, desautorizado pelo modelo crítico/repro-dutivista das escolas libertadora e libertária. Conduzidos à aná-lise, tais papéis iam sendo vistos pelo professor, na dimensão dasua intencionalidade - ainda que não necessariamente presentena consciência daqueles que o cumpriam ou ainda cumprem -e, também, na dimensão da decorrência de cada uma das postu-ras, no papel que determinavam para o aluno. Por certo, sabe-mos todos que a ausência de uma consciência epistemológicaque pudesse sustentar a prática do professor na forma de umaassunção, clara e coerente, de posição, resulta na composiçãosincrética de "jeitos de ensinar".

Nossa intenção, já declarada, era a de provocar a reflexãosobre a prática através da percepção de que, no papel exercidohoje, encontram-se concepções cristalizadas e práticas mecani-zadas que, passíveis de análise, sob a ação do reexame, possamvir a ser: algumas extintas; outras, modificadas e, outras, ainda,mantidas, já não pela imposição do hábito, mas pela clareza doseu significado.Afinal, a empreita a que nos dispúnhamos, era ade desvelar o "sujeito oculto" que subsiste no "objeto indireto"em que fora transformado o professor.

Esse exercício permitia a detecção de que, para o modelopedagógico e para o próprio professor, cada qual desses diver-sos papéis atendia a necessidades e interesses diferentes.

Ousaremos aqui expor as conjecturas que fizemos, no in-tuito de que possam estar sujeitas, por declaradas, às adequa-ções que se fizerem pertinentes.

O caráter autoritário da ação pedagógica significava, parao modelo pedagógico da escola Tradicional, cumprir a designa-ção do modelo social Liberal Conservador. No entender do pro-fessor, convencido pela vigência de uma dada visão de educa-dor,para estar adequado ao seu papel,deveria conquistar a maisbem-sucedida imposição do silêncio e a mais hábil cobrança dareprodução fiel dos conteúdos escolares. Era o que significavamaior competência profissional.Assim, não se dava conta, mui-tas vezes, de estar cultivando no aluno, a mediocridade de ja-mais pensar o que ainda não fora pensado. Sua inobservância

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quanto ao destino de sua prática se comprova pelo seu sonhodeclarado, não raro, de que o aluno fosse "criativo".

O advento da "liberdade" no corpo constituído pelo pen-samento da Escola Nova,ainda que sem entrar propriamente nomérito dos seus valores, vinha na envergadura de um movimen-to social de contracultura que, clamando contra a rigidez dospadrões impostos pela escola Tradicional, rotulava-a de "velha"e propunha-se como "nova". Nesse sentido, com relação à tesedaquela, constituiu-se em antítese.Vinha sua "ideologia" embu-tida em máximas tais como: "o importante não é aprender,masaprender a aprender", daí ficava fácil menosprezar a importân-cia do cumprimento dos programas de ensino. O postulado deescola centrada no aluno - e mais propriamente em suas limita-ções -, justificava que a avaliação, por exemplo, incidisse sobreum "ser total", o que favorecia a assimilação, ainda que passiva,do pressuposto da corrente psicológica que a sustentava:a acei-tação positiva incondicional do "cliente". Era a apologia do"cada um é um" que aprimorava na escola,um processo de frag-mentação. No nosso entendimento como professores, benefi-ciários já de uma formação inconsistente, o certo, então, eraabandonar os padrões e individualizar o ensino, a ponto de sócomparando o aluno com ele mesmo, acabar por, em verdade,destituir o sistema seriado das escolas. Cada aluno, com base nasua própria realidade, ia com a aquisição do conhecimento atéonde desse. O "resto", salvávamos, quando dava, pelo seu com-portamento adequado, ou mesmo pelo seu esforço manifes-to.Fizemos a escola possível, quando queríamos a necessária. E,sabemos bem, aquela ficou sempre muito aquém desta.

Em dado momento - de triste lembrança - da história donosso país, essa tal "liberdade", vista exacerbada, justificou um"retomar das rédeas", o que para nós,na escola, estava represen-tado pelo pensamento pedagógico Tecnicista. Sua aposta emum aparato de recursos tecnológicos, dava-lhe um cunho demodernidade. Sua alma mecanicista, incorporada na "instruçãoprogramada", dava-lhe um relevo de "eficiência". Nós, professo-res, para que fôssemos bons, precisávamos aprender com e uti-lizar de: retroprojetores, slides, vídeos, como se tais recursos"pensassem" por si, a aula que, afinal, o livro didático já traziadada. E quanto a esses, cremos que se não houvesse já tantas

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provas a ratificar a extremada subestima legada ao professornesse momento,bastaria a nós que lembrássemos da instituiçãodo livro do aluno e do livro do professor, cuja diferença estavaem que, nos nossos, o mesmo tirano esquema de "completar la-cunas" de dimensões previamente definidas, vinham as respos-tas já dadas e, em vermelho.

Sob o domínio das "máquinas", nossa visão assim ofusca-da,não nos deu a conhecer que estávamos mais que nunca con-solidando uma perigosa ruptura entre o pensar e o fazer, acei-tando o acinte capitalista de que "alguns" - na verdade referin-do-se a muitos - nasceram para fazer. Inclusive nós própriosque,em tese,constituímos a classe intelectual deste país.Não é,portanto, imaginável que estivéssemos a fazer o que pensáva-mos estar fazendo. Corríamos o risco fatal de nos destruirmos,haja vista que, em muitas escolas tidas por boas e na "cabeça"de muitos intelectuais tidos por progressistas, o "circuito inter-no" e/ou o "ensino à distância", são considerados - em si e porsi - estratégias legítimas. Evidentemente, não estamos aqui pos-tulando corporativismos ou enfocando unicamente - o que jáseria bastante - o entrave ético da questão, mas sim, o equívococonceitual pedagógico que ela desnuda. A construção efetivado conhecimento só é possível,via relações interpessoais onde,verificando o que o aluno pode fazer sozinho, o professor o co-loca pela sua instigação, a um passo além. É o que nos ensinaVygotsky, com as implicações sócio-culturais perceptíveis noseu conceito de zona de desenvolvimento proximal, que maisadiante, por preciso, analisaremos.

Considerando claro que o conceito de erro não pode abar-car toda e qualquer hipótese que não seja a correta,consideran-do que erro é desviar-se do acerto, não se pode considerar erroa hipótese que mesmo não sendo ainda a melhor, se coloca acaminho dela. É nesse quadro de referência que queremos si-tuar, diante do pensamento da pedagogia Libertadora e da pe-dagogia Libertária, a distância que se pode ter estabelecido en-tre o desejo, a intencionalidade, o objetivo do professor e as re-sultantes das suas ações.

Pretendemos ressalvar que, dada a contemporaneidade desuas idéias, o que as coloca em processo de possíveis revisões,estaremos considerando as proposituras que chegaram a atingir

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a postura de parte dos professores e na forma como os vimosexplicitá-las.

Promovendo uma ruptura com a essência do pensamentopedagógico de até então, essas "pedagogias" propunham a aná-lise crítica da realidade como conteúdo e método da escola. Oobjetivo inconteste era o de colocá-la a serviço da transforma-ção da sociedade. Entretando, o horror à ideologia que subsi-diou as anteriores, as fazia exacerbar.

Ignorando o valor do saber elaborado na constituição dosconteúdos escolares, ficavam entre sua rejeição e sua inclusãoincidental. Contestando a instituição de toda e qualquer autori-dade, propunham que professor e aluno assumissem, posições"horizontais", ou seja, que não houvesse quem direcionasse oprocesso ensino/aprendizagem. Disso decorre que nós, profes-sores, entendemos que a aula devesse ser "dividida" com o alu-no, no sentido da sua condução, tanto no que se referisse à de-finição dos temas de abordagem como na perspectiva de avalia-ção que, centrada no grupo ou no próprio sujeito, colocava oslimites do objetivo, circunstanciados pelos limites de cada um.

Ao rejeitarmos os malefícios do autoritarismo,declinamosdo nosso papel, que supomos legítimo, de articuladores, numprocesso em que devemos decidir, pela simples razão de que,para socializarmos o conhecimento é preciso que já tenhamosdele nos apropriado.Assim sendo, nos cabe a responsabilidadede torná-lo posse, também do aluno.

O grande avanço ficou assim representado, ao nosso ver,apenas - o que não foi pouco, em vista do momento históricoem que esses pensamentos se situavam - pela metodologia quepressupunha o exame crítico da realidade.Ainda nesse contex-to,não estávamos fazendo exatamente o que desejávamos fazer.Reduzir o processo de transformação social à identificação, ain-da que contextualizada dos problemas, resultou na ausência depropostas claras de solução.Mergulhados por completo na nos-sa realidade,não adquiríamos "horizontes" para poder superá-la.Ficamos e fomos formando os "gritões afoitos" a quem faltava,já não, felizmente, a coragem para que o "grito saísse", mas ain-da assim, infelizmente, a consciência imprescindível do "dizeraonde chegar".

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Temos nessa exposição do caminho pelo qual envereda-mos na busca de desvelar o sujeito oculto no pseudo-objeto,seu relato e, também,certamente, a justificativa da opção que fi-zemos.

Apostamos na necessidade de que, por princípio, comofase inicial do processo de busca de autonomia, cada um devaenxergar-se como sujeito no contexto da produção social de in-trojeção de valores. Dessa forma, apostando ainda que, cada umpossa perceber-se determinado e determinante, acreditamosque a instrumentação exigida deva ocorrer principalmente emprocessos coletivos, uma vez que o problema da sujeição, la-mentavelmente, não é "privilégio" de poucos. Além disso, nãoserá possível ao professor rever o seu papel, desconectado dosdemais papéis que são exercidos no âmbito do sistema educa-cional escolar.

Em síntese, o desafio consiste no empreendimento deações coletivas desempenhadas pelos sujeitos, cujos esforçosisolados têm compartimentado seus bons resultados, ficandoesses submersos no vasto espaço que não conseguem atingir eno longo tempo que costuma decorrer entre as alterações daprática e a observação dos seus efeitos. Os pontuais esforçostêm, em geral, portanto, tido fragilizada sua intenção, pela des-crença na própria força o que, tem por raiz a impotência e porfruto o desânimo.

Quanto valerá sua força,se inserida no contexto das forçastodas, que querem ser fortes?

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DO TODO, DE PARTE A PARTE

Do horizonte que se divisa em cada trecho, só contar-se-áa verdadeira história do caminho se se puder sabê-lo todo. E,sabê-lo todo,exige compreendê-lo também,do horizonte de ou-tros trechos.

Cada homem,só saberá o que lhe seja contingente se,bemsouber o que lhe tenha continente. Só assim, cada parte, poden-do transitar de parte à parte,chega a transcender-se: referir-se ever-se referida no todo.

Pensando em cada um de nós professores e pensando nagrandeza da população que constituímos, imaginamos que, falarem nossa solidão possa causar estranheza. Por isso, gostaríamosde poder, arbitrando por sobre o terreno da semântica, idearchamá-la "sozinhez", buscando, assim, conotá-la como a "solidãoacompanhada". Por certo, a mais cruel solidão. Num dado senti-do, nos parece, estarmos juntos sem que nos enxerguemos. Ou,pelo menos, sem que cada um possa,em realidade,ver-se no ou-tro. Séculos impregnados da apologia à individualidade, sem dú-vida, fazem tal serviço. Não é por outra razão que julgamos, sehá nessa constatação espanto, seja ele por inocência ou por hi-pocrisia.

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capítulo 3

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No capítulo 1 deste trabalho, discutimos brevemente doisdiferentes conceitos que têm sido admitidos no entendimentodo que seja o todo. Observamos no âmbito das concepções as-sociacionistas, o sentido de que o todo resulta da soma das par-tes que o compõem. Denotamos que esse entendimento des-considera a importância do lugar de cada parte e a análise dasrelações que assim se estabelecem entre elas.Esse caminho ten-de a consolidar uma percepção de neutralidade que, enquantoa ideologiza sub-repticiamente,habilmente inocenta a definiçãoda configuração dada às estruturas, quanto à caracterização depapéis e sua conseqüente intervenção na qualidade das rela-ções que entre eles devam estabelecer-se, ou pior, que é "natu-ral" que se estabeleçam.

Tal análise fundamenta a compreensão de que as institui-ções postas numa dada formação social, ao contrário de seremo que podem parecer: instâncias de atendimento às necessida-des da sociedade, são quase sempre instrumentos a serviço deuma dada visão de mundo que necessariamente não represen-ta a aspiração da maior parte dos cidadãos. Assim, pode pare-cer, que a mídia é sempre sincera, a Igreja só quer o bem co-mum, ou, que a escola é sempre boa.

Reputamos adequado recorrermos, na apreciação dessetema, ao intessante embate de idéias entre Nicos Poulantzas eRalph Milliband que,tendo por objeto da discussão o Estado Ca-pitalista, busca, cada qual, alocar em fatores diferentes, os deter-minantes do paradigma social.O que para o primeiro está na es-trutura do Estado, para o outro está nas relações interpessoais.Em que pese a antigüidade do texto a que nos referimos - datade 1968 -, a boa qualidade das intervenções de cada um, permi-te, ainda hoje, sua otimização na direção de, frente à evidênciade visões parcializadas, nos colocarmos na busca da síntese. En-tendemos que,no momento em que este debate se desenrolou,esteve cada qual,com uma das metades de uma inteira verdade.

Como justificar, então, reputarmos adequada sua retoma-da? Alegamos resultar sua pertinência, do fato de nos darmosconta - sem para tal se exigirem grandes esforços -, de que narealidade objetiva, em termos das ações efetivas no interior daescola, nem todos já se despojaram da visão crédula da neutrali-dade das relações interpessoais e, principalmente, da visão cré-

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dula da neutralidade das posições que cada um ocupa no qua-dro das diferentes funções. Da mesma forma, nos damos contade que, parte dos que têm sido capazes de superar esse estágiode alienação, estão ainda como estiveram um dia, Poulantzas eMilliband.

Muitos de nós, encontramo-nos ainda, no que se refere aidentificar responsabilidades quanto ao encaminhar, desencami-nhar ou reencaminhar da nossa prática, presos unicamente à ta-refa de apontar,no quadro da realidade,os "réus" e "vítimas". Pos-suídos uns, pela idéia de depositar unicamente nos costados do"sistema" a "culpa" pelo "status quo",terminam por defender que,qualquer possibilidade de mudança estará subordinada a iniciar-se por alterações da estrutura do sistema. Com isso, resta-nosaguardar, já que a responsabilidade de cada um de nós fica assimprotegida, vitimados que somos, pela nossa presumida impotên-cia diante dos problemas. Outros, por outro lado, possuídos pelaidéia de depositar unicamente no costado dos sujeitos tal respon-sabilidade, ficam a exercitar o que Celestino (1984) tão bem no-minou de "ideologia da incompetência do outro".Também nessecaso, o caso é aguardar: o professor aguarda a mudança do dire-tor, que aguarda a mudança do supervisor que aguarda a mudan-ça do professor.Enquanto isso,o aluno,submetido institucional ecognitivamente o que poderá aguardar?

Entendemos que cada qual dos grupos de "possuídos pelaidéia" está detendo uma parte da verdade. Entendemos, ain-da,que havemos de suplantar o estágio de estarmos possuídospelas idéias, à medida que pudermos estar a possuí-las. Para tan-to, já que as partes não devem ser somadas,virá pela análise dasrelações entre elas, a impossibilidade de admitir diante do teci-do social que assim se estabelece, nem seu caráter meramenteneutral e sequer seu caráter meramente venal. Imaginamos, as-sim, a necessidade da obtenção de um salto qualitativo quantoao instrumental que deva estar disponível para o exercício danossa reflexão.

Entendemos, portanto, que nos darmos conta das forçasque atuam na configuração da vida em sociedade, é podermosdar expressão ao processo do qual demanda a articulação en-tre essas partes, considerando, sobretudo, as diferentes inten-cionalidades que nele podemos ver subjacentes.

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Quanto a isso, considera Libâneo:

Se atentarmos para o fato de que, na sociedade presente, as rela-ções são marcadas por antagonismos entre os interesses de clas-ses sociais e grupos sociais, que se configuram em relações depoder, não será difícil perceber que as funções da educação, so-mente podem ser explicadas partindo da análise objetiva das re-lações sociais vigentes,das formas econômicas,dos interesses so-ciais em jogo. Com base nesse entendimento, a prática educati-va é sempre a expressão de uma determinada forma de organi-zação das relações sociais na sociedade. Se, a par disso, vermoscada forma de organização social como resultado das ações hu-manas, portanto passível de ser modificada, também a educaçãoé um acontecimento sempre em transformação. (1992,p.75).

Ao que a leitura dessa posição de Libâneo nos conduz,dizrespeito à superação de posições radicalizadas. Isso interessaaos que se conduzem fundados na aspiração realista da mudan-ça concreta.Aos que, como Poulantzas, depositam na iniciativade fora de si, a responsabilidade da mudança, restará alhear-senum manso aguardar.Aos que, como Milliband crêem que caibaao indivíduo, a carga soberana da transformação, restará desva-necer-se no sonho contumaz.

A escola que se quer democrática precisa definir, a priori, umanova qualidade, que passa, dentre outras, pelas questões de orga-nização escolar - uma organização escolar que modifique a reali-dade que aí está, a partir dessa realidade encontrada." Pimen-ta,(1990,p.21)

Abstraímos da nossa percepção do quadro de contradi-ções do sistema, cada vez mais se fazendo significativas, a pos-sibilidade dentro de limites não ignorados, de que a lógica dossujeitos,especialmente dos que lutam para conquistar maior au-tonomia intelectual, possa estar se sobrepondo, paulatinamen-te, à lógica do ambiente.E,no alvo da consecução de promover,pela associação em torno do sonho comum, as mudanças estru-turais viáveis, que não se perca de vista que a vida se altera, defato, pelo lado de dentro da sua própria concretude.A idéia danecessidade de destruir para construir, nos parece carecer desubstância. Renascer, para os já nascidos, não passa de ser umabonita figura de linguagem.A nenhum de nós é possível, e se-quer útil ou ético, a amnésia propositada da experiência passa-

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da. Parece ser essa a representação implícita no convite à des-truição, pura e simples, do que se tem.

Presumindo possível e querendo alcançar a capacidadepara tal, estudamos e experimentamos, formas de fragilizar ostatus quo. Não fosse essa nossa convicção:

Como explicar a manutenção do nosso propósitoe do de tantos outros? Como dar sentido ao teordo presente trabalho?

Estando, os propósitos e o sentido, expressos na direçãoda análise da realidade objetiva, tendo em vista a superação desituações que apontam para a sujeição da maioria diante deuma minoria - essa,habilidosa na produção e utilização de estra-tégias de manutenção da subserviência-, empenham-se em de-senhar e praticar a necessária socialização das suas análises, ar-gumentos e ações. Em que pese termos tido nesse intento, emespecial nos últimos quinze anos, uma produção literária nacio-nal quantitativamente importante e qualitativamente substan-cial, sentimo-nos ainda impelidos a fazê-lo.Talvez pela necessi-dade de colocarmo-nos mais e mais em questão, de aventarmosdiferentes veios de reflexão e/ou ainda de estarmos propondoe/ou evocando saudáveis divergências.Postando-nos, enquantocamadas endógenas, buscamos cooptar força imputando-lhe oefeito centrífugo, até que dela nos contaminemos todos.

Nos impõe conjecturar sobre a difícil porém necessária epossível viabilização da ação coletiva. Esta se consolida no en-frentamento do desafio de, a partir do todo que habita o subje-tivo de cada um de nós, detectar o que, para tal, há de ser portodos nós e para todos nós objetivado. Podemos nos dispor àessa tarefa, nos propondo a seguinte pergunta:

Como subtrair do subjetivo de muitos, o que devasomar-se na conformação do objetivo de todos?

No seio das tantas diferenças e algumas indiferenças,há deser possível traçar eixos promotores de identidade.

O traçado de tais eixos, há de ser subtraído da identifica-ção dos elos de reciprocidade de influência, em que constitui-

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se a vinculação,na forma de múltiplas determinações, entre so-ciedade e escola nas dimensões inter e intramuros. E, no casoespecial dessa nossa análise, sob o olhar do professor.

De acordo com Severino (1991,p.34) "o educador precisa aindaamadurecer uma profunda consciência de pertença à humanida-de, ou seja, para bem desenvolver sua função educativa, é preci-so que se dê conta de que a existência humana não ganha seupleno sentido se não ultrapassar os limites da individualidade edo grupo social particular em que a pessoa se insere.

O vislumbre do caminho parece, então, apontar para a ur-gência de perceber melhor a si mesmo, como condição paraver-se no outro. Isso, faz supor a necessidade primordial de as-sumir, por primeiro, o combate ao que já chamamos de auto-es-tima combalida. Não cremos, que de saída, seja essa uma ques-tão, exclusiva e meramente, justificável em razão da razão, masantes, também e muito, em razão da emoção. Fica, essa última,desvestida pelo incômodo silêncio que tantas vezes vimos ins-talar-se nos grupos diante dos conflitos cognitivos que, por mé-todo de abordagem propúnhamos. Buscávamos vencê-lo e oconseguíamos, tomando a ele próprio, o silêncio, por tema. Ex-plorávamo-lo,na dimensão das "razões particulares" de cada umque, em verdade, eram, em geral, muito semelhantes às "razõesparticulares" de todos. Sentíamo-nos, por conta dessa constata-ção, irmanados em torno de "razões particulares comuns".

"O outro nos diz a respeito de nós mesmos - é na relaçãocom ele que temos oportunidade de saber de nós mesmos, deuma forma diversa daquela que nos é apresentada apenas peloviés do nosso olhar." Rios,(1994,p.52).

Os professores que menos temerosos, decidiam por falar,faziam o papel do espelho. Afinal, suas análises permitiam aosmais temerosos que se vissem representados e, por decorrên-cia, cada qual ia sentindo--se, então, menos agredido por suaprópria falta de coragem diante de ver exposto seu pensamen-to, no que tendia a imaginar-se único.

Por intermédio desse mesmo foco, passávamos da refle-xão sobre a produção social do nosso "emudecimento", para aidentificação mais geral das forças produtoras da submissão e,diante disso, da nossa inocente, porém, danosa cumplicidade.

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Pela consciência consensual da má qualidade de vida damaior parte da nossa população e, pelo resgate histórico de di-ferentes papéis na forma da detecção de que estiveram quasesempre a servir a interesses quase nunca explicitados, favore-cia-se, assim, mais amplamente, a compreensão de que o papelda escola, hoje, é o de estar, como qualquer outra instituiçãoposta na sociedade, comprometida com o processo da necessá-ria tranformação social, sem perder de vista que quanto à esco-la, o que lhe dá razão específica de ser é a tarefa de socializar acategoria do saber sistematizado. Isso é o que, só a ela, por pa-pel precípuo, é dado fazer. E é também o que, se ela não fizer,nenhuma outra instituição,por papel,o fará.Consideramos que,dos instrumentos de luta para a necessária transformação, aapropriação do saber elaborado, embora não figurando comoúnico, não deixa de figurar como imprescindível. Se há, nessenosso raciocínio, alguma pertinência, é possível conjugá-lo noroldão dos seus resultados.

Apontávamos,num momento anterior desta reflexão,parauma decorrência da nossa atividade que, suposta adequada, ter-minava por formar o "gritão afoito", aquele que, embora capazde protestar, estava ainda incapaz de contrapropor. Neste qua-dro em que inseríamos alunos, também se inserem professores.Sabemos,portanto,que não seremos fortes,não estaremos segu-ros se apenas soubermos quais papéis não queremos exercer.Instemo-nos agora, a perguntar:

Como delinear e caracterizar o papel que precisa-mos exercer?

O professor já não ignora o rótulo que vem sendo atribuí-do à sua tarefa. Sabe que há de ser mediador/articulador. Emmuitos casos, não creio que essas expressões possam, já hoje,estar lhe dizendo muito sobre a atividade cuja concretização es-tão a presumir.

Fazer-se articulador/mediador exige, de pronto, alocar-seno entremeio. De sua parte, o "alocar-se no entremeio" reclamademarcar o que esteja nas extremidades. Não estaria terminadoo percurso a caminho da elucidação do papel se não envere-

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dássemos, ainda, pela especificidade da articulação/mediação.Por fim, ou melhor, por princípio, haveríamos de situar tal fun-ção no panorama institucional, histórico e cultural que a temsubjacente.

O papel do professor, sujeito objeto desta análise, por de-sígnio da sua contextura, só pode estar deduzido do corpo dopapel da escola, e, por esse, então, circunstancia-se. Se a estacabe socializar o saber sistematizado, tendo em vista a capacita-ção do aluno para o papel de agente das necessárias alteraçõesda realidade objetiva, àquele cabe, como depositário da perso-nificação desse papel, cumpri-lo. Dominar, no que a cada umconcerne, uma dada área do conhecimento que lhe é dado so-cializar e estar de posse do instrumental que lhe garanta verda-deiramente socializá--lo, são, em suma, os atributos presumíveisao exercício competente da sua função.

Como de início já nos declaramos dispostos a superar oreceio da obviedade, não nos obrigaremos a subestimar aspec-tos desta nossa trajetória, os quais, embora em tese se possapressupor notórios ou auto-explicativos,na sua análise, em con-tato com os professores, os vimos complexos e nodais. Nessediapasão,não nos pouparemos de deter sob reflexão,o que sejae abranja, em verdade, a resposta à questão:

O que podem conter em si, no papel do professor,as categorias de domínio e socialização do saberelaborado?

Por domínio estamos entendendo sua apropriação, repre-sentada necessariamente pela sua efetiva inserção no repertó-rio de respostas que temos disponível para o cotidiano da vidareal,ou seja,compreendê-lo na dimensão do seu real valor e dis-ponibilidade no âmbito da prática social vigente e, ainda,de for-ma a poder estender sua continência, à projeção da prática so-cial que se deva engendrar.

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Como explicar a dificuldade, comum à maioria denós, quanto à utilização no contexto da vida forada escola, dos conhecimentos que obtivemos eque, inclusive, tivemos de "comprovar o domínio",durante os anos da nossa escolarização?

A questão que nos colocamos quer, em primeiro lugar, de-clarar-se contrária à desvalorização dos conteúdos escolares en-quanto subsídios para o enfrentamento dos problemas da reali-dade objetiva. O que nos importa é, através da identificação doinconteste limite, para o qual a questão busca apontar, poder-mos nos assegurar de que o valor social dos conteúdos escola-res há de ser conhecido e reconhecido pelos professores e pe-los alunos. Sem isso, perpetuaremos a reclusão da escola, a umcanto da vida. Sem isso, continuaremos a ter de "chamar o alu-no para a aula", sob a alegação já gasta e inócua, de que ele pre-cisa ir à escola "para ser alguém na vida".Difícil convencê-lo dis-so, enquanto não estivermos, primeiro nós próprios, claramen-te convencidos de que cada conteúdo que ensinamos tem seupapel na vida.

Somos obrigados a admitir que se não temos claro o valorsocial dos conteúdos escolares, é principalmente porque, quan-do os aprendemos, não pudemos, pela forma que os recebe-mos, disso nos dar conta. Essa constatação pode explicar nossapresente dificuldade,embora,por certo,não possa justificar suamanutenção, sob pena de estarmos conformados em estenderaos nossos alunos, o mesmo ônus que nos foi imputado: ver aescola separada da vida.

Não colocamos em dúvida que boa parte dos professoresque ensinam, por exemplo, a análise sintática, dominem, em si,o significado dos elementos que se analisa,permitindo isso,quese caminhe até a dissecação de um texto.Não nos olvidamos daabsoluta importância do estudo da gramática. O que julgamosdigno de questionamento é, em que medida tal domínio, de persi, permite tanger o contexto. Promover a apropriação de umconhecimento sistematizado na direção do estudo da funçãodas palavras na oração e da função da oração nos períodos,constitui-se em instrumental de leitura competente da prática

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social vigente? Qual, nesse sentido, seria sua função específica,a ponto de justificar-se sua inclusão dentre os conteúdos esco-lares? O que, além disso, lhe caberia assumir, em desempenho,no processo de assunção de uma prática social transformadora?

No ângulo do domínio de todo e qualquer conteúdo quese venha a socializar, poder responder a tais questões, é obriga-ção inalienável de todo aquele que esteja se dispondo,por meioda ação docente, à prática cidadã/profissional. Cremos ser a for-ma de impedir que as matérias de ensino continuem a cumpriro marginal papel de veicular os valores da classe dominante.Aliás, foi o que conferiu razão em dado momento, para que fos-sem rejeitadas, por se incorporarem do desígnio da invasão cul-tural. O equívoco do pensamento pedagógico que se investiudessa razão esteve em não aventar a apropriação de caráter"histórico crítico" ou, "crítico social", dos conteúdos escolares.

Por socialização estamos entendendo a extensão da apro-priação, ao aluno, nas mesmas dimensões ora explicitadas parao professor.Na abrangência deste trabalho,essa é a categoria decomposição do papel do professor, na qual mais nos interessadeter a reflexão, enfocando-a, dentre a conjuntura que repre-senta, enquanto definição de métodos de ensino, especialmen-te, no ângulo da sua sustentação em métodos da cognição.

De posse apenas do instrumental subsidiário que permitaao professor entender-se competente quanto ao domínio do sa-ber sistematizado, não estará, evidentemente, ainda, "pronto"para o exercício pleno da sua função. Ela só se viabiliza, efetiva-mente competente, se, através da aula, o aluno puder estar to-mando, como seu próprio, o conhecimento que fora antes ape-nas do professor. Pensamos que o alcance democrático da açãopedagógica docente resida exatamente no cumprimento dessemister.

O propósito da socialização do conhecimento, na formada definição de métodos de ensino, faz supor ser decorrência,segundo Libâneo, "de uma concepção de sociedade, da nature-za da prática humana no mundo, do processo de conhecimen-to e, particularmente, da compreensão de uma prática educati-va numa determinada sociedade". Destacando os indicadoresde bilateralidade e reciprocidade do processo de ensino, consi-dera, ainda, que a escolha de métodos de ensino "implica o co-

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nhecimento das características dos alunos quanto à capacidadede assimilação conforme idade e nível de desenvolvimentomental e físico e quanto às suas características sócio-culturais eindividuais."(1991,p.151 e153).

Reafirmando o ajuste do foco da análise a que nos dispo-mos, situamos na relação ensino/aprendizagem, conforme oponderado no capítulo primeiro para, na conexão dialética in-trínseca do binômio, alegar o cunho de premência da respostaà pergunta:

Será possível saber ensinar bem, sem saber bem como seaprende?

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QUEM APRENDE, COMO APRENDE

Aprender é desprender dos grilhões da ignorância a razãoque entende a vida. É exercer o poder de desatá-la de um ames-quinhado feixe de fragmentos e nos prendermos à grandeza desua totalidade. É, assim, desencarcerar os olhos que vêem suasnuances;os ouvidos que captam seus ritmos;as mãos que tateiamseus contornos; os pés que perfazem seus caminhos e, enfim, aspalavras que anunciam suas verdades. Dessarte, é o saber, tantomais inteiro, ferramenta maior na forja da liberdade.Se pensamosque é esse de agora, o tempo que dele prescinde, é porque sóagora pudemos sabê-lo. E se, então, não formos agora ao seu en-contro, haveremos de conformar nossa vida à mera sina, renun-ciando ao que de mais fundamental distingue o humano.

Refletir sobre o aprender dos homens é tomá-los por re-ferências que se situem para além de um modelo botânico ouzoológico, como tão bem classificou Vygotsky, as perspectivasde análise que pretendam nos ver como meras extensões dosvegetais ou dos animais.

Em ação interdisciplinar do programa de educação conti-nuada, desenvolvido pela Divisão Regional de Ensino de Bauru,

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capítulo 4

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demos forma a um encadeamento de reflexões, que tinha porobjetivo subsidiar a constituição de métodos de ensino no ân-gulo em que esses devem estar sustentados em uma dada con-cepção de aprendizagem.Ainda com o mesmo propósito de so-cializar, formalizando a experiência refletida, tomamos seusveios principais para procedermos ao seu relato.

Para que tratássemos da questão do "como aprende", já deinício foi necessário que nos reportássemos, na dimensão deum modelo humano, à questão das relações desenvolvimen-to/aprendizagem, pela exigência de procedermos, também naconsideração desta questão, à sua necessária contextualização.Essa,por sua vez,pedia considerar uma concepção de desenvol-vimento humano, sob a qual se abrigasse nossa análise. Só des-ta forma estaríamos subsidiando claramente a opção assumidaquanto a um dado entendimento a respeito do processo de de-senvolvimento do pensamento, ou seja, da trajetória do exercí-cio do pensar pelos métodos da cognição.

Podemos nos servir, no intuito da construção deuma prática social transformadora, do mesmo con-ceito de desenvolvimento que produz a prática so-cial que rejeitamos?

Como já está suficientemente sabido, no desejo de proje-tar uma prática social mais digna à especificidade do humano emais justa à maioria dos homens, para que assuma concretude,há de se pensá-la por sobre a análise da prática social vigente.

Tendo em vista o atendimento a essa condicionante bási-ca, foi preciso que, para tal, explicitássemos: os pressupostos, adecorrência de sua aplicação e o seu conseqüente traçado con-cebido na abrangência do ciclo vital. Isso referindo-se tanto aonosso entendimento da concepção de desenvolvimento da qualé emergente a prática vigente, quanto daquela onde se ancoraa prática que se busca engendrar. Disso depende a possibilida-de de qualificar a visão que se tem da realidade atual e da pro-positura que a ela se faz, quanto à origem, ao destino e à traje-tória que dela se depreende e que, a partir dela, se dará ao pro-cesso da sua transformação. Foi preciso, ainda, que nos situásse-

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mos, em especial, no que concerne à escola e nela, no que setraduz como um dos seus instrumentos fundamentais: o desen-volvimento das capacidades cognoscitivas dos alunos.

O tratamento da questão dos métodos da cognição, há deatravessar, portanto, e primeiramente, a seara das diferentesconcepções de desenvolvimento e das relações entre desenvol-vimento e aprendizagem.

Tomávamos a realidade atual na sua explícita concepçãode desenvolvimento, enquanto um processo que, divisando ociclo vital, descreve para o homem uma trajetória desenhadapor uma linha curva, pressupondo--o em crescimento, platô edeclíneo.Entendíamo-la,assim,profetizando períodos,nos quaisse dá, necessariamente, uma evolução, sua estagnação e poste-rior involução.

Um olhar a essa questão, pela rama, poderia considerá-lanatural.Afinal,poderia parecer correto pressupor um estágio decrescimento, composto pelos períodos da infância e da adoles-cência,um estágio de estabilização,o da idade adulta,e,por fim,um estágio de declíneo, referindo-se à velhice.

Entretanto, era mister observar que, do ponto de vista dalógica do ambiente cultural e ideológico onde se engendra talprocesso, também se depreende que tal traçado resulta da con-sideração valorativa atribuída a cada um desses estágios.

Ao nos perguntarmos sobre a percepção contumaz que a"vida" tem tido da criança e do adolescente, não ficava possívelque nos escapasse o sentido de um ainda "vir a ser" que lhes vemsendo imposto. Costuma-se tomar a criança por "ainda tola" e oadolescente por "ainda problemático". Recomenda-se cuidardeles em função de serem representantes do futuro, ou seja, doque ainda virá. Eis que se consolida a idéia de que, em verdade,ainda "não são". Não seria esta, a justificativa implícita no paga-mento a menor, destinado àqueles que ministram aulas às crian-ças e adolescentes? Quanto ao último estágio, o da velhice, essenão sofre a "síndrome" do "ainda não", mas sofre a do "já não".Não seria esta, a justificativa implícita na diferenciação do ganhoentre os da "ativa" e os da "passiva"? Num mundo onde os ho-mens estão demarcados pelo "econômico", sem dúvida, é da aná-lise deste fator que podemos ver subjazer o real valor que lhestem cabido.

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Em síntese, apreendíamos que a concepção de desenvol-vimento na qual se ancora boa parte das tarefas que nos temrestado cumprir, diz respeito à introjeção de valores ao longodo ciclo vital,determinados pelo parâmetro da "produtividade",compreendendo, esta, apenas as atividades que resultem em"mais valia".Os que "ainda não" as cumprem,assim como os que"já não" as estejam cumprindo,serão sempre secundarizados noque se refira a "investimentos". Embora estejam sempre priori-zados pelo "discurso politicamente correto". Quanto à velhice,por exemplo, essa percepção tem podido ser ainda mais clara.Afinal, diante do critério do econômico, desse período nadamais se espera. Com isso, a preocupação efetiva tem estado re-sumida na busca de instituir-lhe uma denominação pretensa-mente "despoluída", tal como: "terceira idade" e na busca depropiciar-lhe apenas formas de "lazer sectário", como a reafir-mar, sofisticando, uma convicção da sua inutilidade. É a másca-ra que pretende ocultar, eufemizando, a postura inaceitável dodescarte.

Ora, conjecturarmos sobre uma prática transformadora,não permitiria prescindir da revisão de tal conceito de desen-volvimento.

Nos propúnhamos a tomá-lo, na dimensão do ciclo vital,por uma linha em ascendência, deixando, portanto, de profeti-zá-lo em seus desenhos de estagnação e de declíneo. Havíamos,desta forma,de compreender seus diferentes períodos como se-qüências de um todo, entre as quais não se admitisse aceitarclássicas e danosas rupturas,como decorrências "naturais",mas,sim, como realmente o são, verdadeiras produções ideológicasa serviço da manutenção do status quo.

No âmbito de um novo conceito de desenvolvi-mento, como situar a relação desenvolvimen-to/aprendizagem?

A relação desenvolvimento/aprendizagem,na qual situáva-mos nossa análise sobre os métodos da cognição, deveria estarcircunstanciada, então, por este conceito de desenvolvimentoque aqui expomos e, pelo pressuposto, como já asseguramosanteriormente, de um modelo humano que não assentasse a re-

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lação desenvolvimento/aprendizagem, nem no caráter aprioris-ta, próprio do modelo botânico, nem no caráter empirista, pró-prio do modelo zoológico. Questionávamos essas posições, nosutilizando especialmente da proposta de que os professores,olhando cada um para o seu próprio cotidiano, refletissem so-bre a pertinência de se compreender absolutos, ditos popula-res, tais como: "filho de peixe, peixinho é" e "diz-me com quemandas,dir-te-ei quem és".De pronto se davam conta da meia ver-dade que estava contida em cada um dos ditos. Então, se o de-senvolvimento não resulta apenas do "aflorar" de capacidadesgeneticamente determinadas e, nem sequer, apenas do acúmu-lo das experiências imediatas pelas quais, simplesmente, se"passa", há de resultar ele, em verdade, da interação entre os fa-tores bio-psico-sociais.

É, dessa forma, no âmbito da perspectiva interacionista,que alocávamos a nossa compreensão sobre a relação desenvol-vimento/aprendizagem e, por conseguinte, o entendimento doexercício dos métodos da cognição.Tomávamos essas posiçõescomo instrumentais, no intuito de atender ao traçado, para oprocesso de desenvolvimento, de uma linha em ascendência.

Defendíamos, para tal, a utilização dos construtos teóricosdos interacionistas, Piaget e Vygotsky.

Quais as possibilidades de assegurar consistência auma tarefa de aproximação entre as teorias de Pia-get e Vygotsky?

Não desconhecíamos as dificuldades e riscos que pode-riam significar uma proposta de aproximação entre a produçãoteórica desses autores.Não desconhecíamos, também,a existên-cia de distâncias conceituais entre ambos.Entretanto, tendo emvista perguntas essenciais interpostas pela prática docente, de-fendemos a necessidade e possibilidade de uma dada composi-ção para a obtenção de respostas mais consistentes do queaquelas que foram possíveis, a cada um deles, em separado.As-sim, decidimos por enfrentar as dificuldades e correr os riscosque julgamos inerentes a tal tarefa.

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Entendemos necessário especificarmos e explicitarmosnossa comprensão em torno de algumas das distâncias que vêmsendo apontadas entre ambos, especialmente no que concerneao apontar de inconsistências resultantes de algumas interpre-tações acerca da proposta de Piaget. Dentre elas encontramos:sua definição inclusa no campo das concepções aprioristas; aalegação de que o autor comprova o abandono do fator socialna sua análise do desenvolvimento, quando a propõe na formade estágios, o que a faria assumir um caráter de universalidadee, ainda,que tais estágios, compartimentados, estariam fragmen-tando a visão do desenvolvimento.

Após,então,havermos passado,quanto ao conceito de de-senvolvimento, pela identificação do atual e propositura do ob-jetivado; quanto à relação desenvolvimento/aprendizagem,pela reflexão sobre suas diferentes percepções, havíamos per-corrido um trajeto inicial, que julgávamos necessário a um en-tendimento mais amplo sobre a questão do "como se aprende".

Da construção do conceito de interacionismo e da aloca-ção nessa corrente de pensamento, dos trabalhos desenvolvi-dos por Piaget e Vygotsky, o que, então, constituía-se em umaprimeira identidade entre ambos, prosseguíamos pela análisedas suas idéias.

Aventávamos a possibilidade de que parte das divergên-cias apontadas entre eles, em algumas análises de terceiros, po-deriam estar abrigadas em leituras contaminadas por conota-ções de cunho ideológico.Afinal, o trabalho de Piaget provinhada sua inserção no mundo capitalista enquanto que o deVygotsky colocava-se na direção da consolidação do modelo so-cialista. Entretanto, não poderia perder-se de vista que amboshaviam escolhido enfrentar o mesmo obstáculo: superar o apri-sionamento da ciência psicológica, tanto ao idealismo aprioris-ta quanto ao mecanicismo empirista. Ambos postulavam a ad-missão do homem enquanto "sujeito ativo" e, portanto, capazde, no exercício de uma lógica própria, construir seu próprioconhecimento. Isso, sem dúvida, circunstanciado pela sua inte-ração com o social.

É na questão do papel da ação social sobre o sujeito queresidem os argumentos mais efusivos, não apenas a distanciar,mas, não raro, a colocar como opostas, as posições de Piaget eVygotsky.

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Quanto a isso, julgamos inevitável buscar respaldo, nãopropriamente nas biografias, mas, sim, nos textos de cada umdeles, que, em última instância, acabam por ser as mais fiéis de-clarações de resultados das "andanças" de cada um, à medidaque denunciam suas visões de mundo.

Assim sendo, encontramos em Vygotsky:

Podem-se distingüir, dentro de um processo geral de desenvolvi-mento, duas linhas qualitativamente diferentes de desenvolvi-mento, diferindo quanto à sua origem: de um lado, os processoselementares, que são de origem biológica; de outro, as funçõespsicológicas superiores, de origem sócio-cultural. A história docomportamento da criança nasce do entrelaçamento dessasduas linhas. (1924/34;edição brasileira:1991,p.52).

Em Piaget, encontramos:

há interdependência do organismo e de todo o universo,de umaparte objetivamente, porque aquele resulta deste, completando-o e transformando-o; de outra parte subjetivamente, porque aadaptação do espírito à experiência supõe uma atividade que in-gressa, a título de componente, no jogo das relaçôes objetivas", econclui: "a realidade concreta nada mais é do que o conjunto dasrelacões mútuas do meio e do organismo, isto é, o sistema de in-terações que os torna mutuamente solidários. (1936;edição bra-sileira:1987,p. 351 e 352).

Não obstante reiteradas afirmações do próprio Piaget,quesequer podem ser consideradas "revisões de postura" visto quesurgem já nas suas publicações iniciais sobre o tema, persisteuma tendência de interpretação, a considerá-lo apriorista, cujaconcepção, ele próprio, na mesma obra acima citada, assim ca-tegoriza:

Para o preformismo, as estruturas têm uma origem puramenteendógena, atualizando-se as variações virtuais, simplesmente, nocontato permanente com o meio, que assim exerce apenas umpapel de "detector". É raciocinando da mesma maneira que as di-versas doutrinas epistemológicas e psicológicas que poderemosagrupar sob o rótulo de apriorismo consideram as estruturasmentais anteriores à experiência, fornecendo-lhes esta, simples-mente, uma ocasião de se manifestarem sem explicá-las. (p.25).

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Imaginando que tais conjecturas pudessem, por premissa,colocar a ambos como, de fato, interacionistas cognitivistas, ouseja, ambos entendendo o homem como ser ativo e seu proces-so de construção do conhecimento como resultante das intera-ções bio-psico/sociais,nos inteiramos,em seguida,da necessida-de de diferenciá-los, quanto à ênfase dada a cada um desses fa-tores.

Não duvidamos de estarmos diante de interacionistas queatribuíram pesos diferentes ao biológico e ao social. Enquantode Piaget se detecta uma tendência "mais biológica", deVygotsky se depreende uma tendência "mais social". Faz-se tãoinadequado, por isso, considerar Piaget inatista, como postulan-te de um determinismo nativista, quanto far-se-ia inadequado,por isso,considerar Vygotsky empirista,como postulante de umdeterminismo ambientalista.Aliás, quanto a Vygotsky, sem dúvi-da mais isento das atuais críticas da "academia", também se vêclassificado - sem fundamentos consistentes,cremos, - como umneo-behaviorista. Essas radicalizações nos pareceram sempreestar a resultar na consolidação de impasses, ao contrário de seinvestir na busca de superá-los.

Se enxergamos suas diferenças, não nos disporíamos, porcerto,a produzir, "misturando" suas propostas,uma massa amal-gamada e disforme, assim como não poderíamos nos permitirdispô-las, "encaixando-as", à semelhança de um mosaico no qualsó a delimitação da moldura pudesse estar justificada.

Ainda que se constate consistência, não se faznecessário apontar para a pertinência de talaproximação?

Analisando o quadro da realidade em que vivemos, perce-bemos que o fracasso escolar - nosso inimigo maior,quando nosdispusemos a estas reflexões - resulta de uma verdadeira teiade produção social que, ignorando os limites e as possibilidadesreais dos sujeitos, promove, segundo suas conveniências ouinobservâncias, ora sua submestima, ora sua superestima. Decerto, peca sempre mais pela primeira, embora não possamosinvalidar as decorrências danosas quando se delega ao sujeito a

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execução de atividades intelectuais, para as quais ainda não es-teja "pronto". Em síntese, esta produção social sustenta-se nodesrespeito à capacidade real do sujeito. Se assim é, resta nospreocuparmos em perceber a qualidade da produção socialcomo reversível, o que significa contestar a atual lógica do am-biente. Obter sucesso nesse enfrentamento significa, através daotimização das capacidades reais do sujeito, favorecer que sualógica suplante àquela. Para tanto, é preciso conhecer os reaislimites e as reais possibilidades do sujeito.

Exigimo-nos, ainda, antes da exposição da forma pela qualconjecturamos a aproximação Piaget/Vygotsky, usando do atri-buto da fidelidade à verdade, situar os reais limites e as reaispossibilidades de que dispomos nós próprios e, também, osprofessores com os quais desenvolvemos essa propositura.

Queremos, ao apontarmos para isso, assegurar que háuma considerável distância neste momento, entre o que esta-mos sendo capazes de fazer e a efetiva consolidação de umaprática pedagógica capaz de, em resultados absolutos, nos colo-car já na conquista definitiva do nosso sonho de "formar o cida-dão crítico competente". Não podemos crer úteis os trabalhosque, ignorando essa realidade, se proponham simplesmentecomo "ideais". A necessidade de contruirmos alguns alicercesprioritários, para que sobre eles caminhemos até onde já sabe-mos ter de chegar, nos parece óbvia.

Sem dúvida, necessitamos envidar muitos esforços a fimde que nossos passos possam ir, cada vez mais, se alargando.Contudo, eles terão de estar ajustados à dimensão e flexibilida-de do nosso próprio andar, evitando possíveis "distenções", asquais nos colocariam impotentes para a difícil trajetória que po-demos vislumbrar.Além do mais, como deverá ficar explícito naseqüência do relato das nossas reflexões, isso seria contrapor-seà perspectiva da interação desenvolvimento/aprendizagem,proposta pelo próprio Vygotsky e que se constitui no argumen-to inicial da aproximação que configuramos.

A posição que Vygotsky assume sobre a relação desenvol-vimento/aprendizagem está declarada no seu conceito de zonade desenvolvimento proximal, através do qual,nos oferece commagistral clareza, o que temos chamado de "desenho da aula",uma vez que nos aponta os limites e possibilidades nos quais

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devemos apoiar nossa tarefa de articulação/mediação.Situa o campo da postura do social para com o sujeito,

considerando uma esfera de desenvolvimento real - a que com-porta o que o sujeito pode fazer sozinho -, como ponto de refe-rência para a esfera de desenvolvimento potencial - a que deli-mita sua possibilidade de atuar com ajuda - e, considera, então,o espaço compreendido entre as duas esferas, a zona de desen-volvimento proximal. Com isso permite que, nós professores,apreendamos, também, o que não é aula, ou seja, não estaremoscumprindo nosso papel com relação ao aluno, nem se estiver-mos trabalhando no interior da primeira esfera - o que fazemos,por exemplo, quando utilizamos a aula para fazê-los retornar aoconcreto palpável, em realidades que já lhes são conhecidas -,nem sequer, se o fizermos no exterior da segunda esfera - o quefazemos, por exemplo, quando propomos que apliquem tesesgerais em casos específicos, em situações nas quais, ainda, aconstrução de conceitos não está garantida. Contudo, a aula es-tará bem posta se a alocarmos entre ambas, ou seja, se não esti-vermos a subestimar nem a superestimar a capacidade real dosujeito.

Temos, então, que nos subsidiar de uma proposta de de-senvolvimento cognitivo para, assim, termos um referencial cla-ro para atuar, no que se refere à prática docente, no espaçocompreendido pela zona de desenvolvimento proximal. Preci-samos poder hipotetizar sobre o que o sujeito já pode fazer so-zinho, o que pode fazer com a nossa ajuda e o que não pode fa-zer ainda, sequer com a nossa ajuda. Exatamente nesse aspectoé que julgamos a pertinência de lançarmos mão dos construtosde Piaget que, nesse ângulo, estão mais completos e didatica-mente melhor dispostos de que os deixados por Vygotsky, mui-to provável e, lamentavelmente,em função da sua morte prema-tura e dos entraves nada incomuns de tradução/interpretaçãoda sua obra.

Resgatamos, aqui, nossa argumentação sobre a necessida-de de nos atendermos, a nós próprios, de forma a não nos si-tuarmos nem dentro da esfera do já vencido, nem também paraalém das nossas possibilidades potenciais.

Buscando fazer uso dessa aproximação, partimos, então,de tomar o "construtivismo interacionista" como é categorizada

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a proposta de Piaget, numa leitura "sócio interacionista" comoé categorizada a proposta de Vygotsky.

Isso exige, reiteramos, uma releitura de Piaget, cuja obra,com raras exceções, tem sido alvo de interpretações apoiadasem uma lógica linear que tem permitido, pela compreensãofragmentada do pensamento do autor, a banalização de seusmais densos conceitos. Se não, como entender à adaptaçãocomo uma tarefa meramente biológica e com o propósito deamoldamento, se ela, por Piaget, resulta da interação e se efeti-va em "negociações" sujeito/ambiente.

Tal entendimento denota que nos olvidamos de premissasbásicas declaradas pelo autor, denunciando seu entendimentodo homem como ser ativo e do meio social como seu co-cons-trutor:

O ser humano, desde o seu nascimento, se encontra submersoem um meio social que atua sobre ele" e, afirma ainda, "a socie-dade transforma o indivíduo em sua própria estrutura, porquenão somente o obriga a reconhecer fatos, mas lhe fornece umsistema de signos completamente construídos que modificamseu pensamento". Na seqüência do tratamento dessa questão, as-segura: "Cada relação entre indivíduos (mesmo entre dois) osmodifica efetivamente e já constituem então uma totalidade, detal sorte, que a totalidade formada pelo conjunto da sociedade émenos uma coisa, um ser ou uma causa, que um sistema de rela-ções. (1958,edição brasileira,p.201).

Pelo menos mais uma questão, como já elencamos, de ve-rossímel importância quanto às restrições a Piaget,nos apresen-ta como imprescindível à discussão nessa nossa tarefa. Referi-mo-nos à consideração de que uma proposta como a dele, apre-sentada na forma de estágios, estaria comprometida com a uni-versalidade dos dados, o que o afastaria de uma perspectiva só-cio-interacionista. Ora, quando se busca compreender um pro-cesso, torna-se inevitável compô-lo em suas etapas. Isso estácorroborado pelo próprio Vygotsky quando socializa, porexemplo, os experimentos comandados por Leontiev sobre aoperação com signos em crianças e cujo resultado é oferecidona forma de composição em estágios (Formação Social daMente,Cap.3). Não se pode dizer, por isso, que seus resultadosestivessem a ignorar a necessária contextualização, quando dasua aplicação em qualquer outra realidade histórico-cultural.

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Também, não podemos imaginar que tais resultados não servis-sem de referencial ou, então, teríamos de admitir que a publica-ção dos resultados fosse algo de inservível.Teriam servido ape-nas àquela hora e àquele lugar? Serviriam a qualquer hora e aqualquer lugar?

Um outro aspecto de uma proposta de estágios mereceainda considerações.O caráter estanque e compartimentado decada uma das etapas nos impediria de percebê-las na direção deprovocar a superação dos seus limites. Não é o que ocorre pelaleitura de Piaget.A reflexão sobre as diferentes etapas permitea detecção clara dos elos entre elas, que identificam os saltosqualitativos pressupostos, garantindo-lhes a condição de ele-mentos articulados entre si.

Ousamos, ainda, aproximar os resultados obtidos porLeontiev nesse mesmo experimento que acabamos de citar,dosresultados obtidos por Piaget, na intenção de apontar para suaconvergência.

Ao tratar os dados obtidos, segundo Vygotsky, concluiu-seque, quanto ao papel das operações com signos na atenção vo-luntária e na memória, a criança em idade pré-escolar (1º está-gio), "não é capaz de controlar seu comportamento pela orga-nização de estímulos especiais" e que, "embora agindo como es-tímulo, eles não adquirem a função instrumental"(p.50). Se for-mos até Piaget, sobre a idade pré-escolar, que situa no períodopré-operacional, encontramos:

Uma relação intuitiva resulta, sempre, de uma "centração" dopensamento em função da atividade própria, por oposição ao"agrupamento" de todas as relações em jogo: assim, a equivalên-cia,entre duas séries de objetos, só é admitida com relação à pró-pria ação,que as coloca em correspondência e se perde tão logoesta ação seja substituída por outra. (1958,edição brasilei-ra:p.205).

Quanto ao papel das operações com signos, na idade esco-lar, os experimentos citados permitiram a seguinte inferência:"Nesse estágio predominam os signos externos.O estímulo auxi-liar é um instrumento psicológico que age a partir do meio ex-terior."(p.51).Em Piaget,o período correspondente,chamado deoperações concretas, está, por ele próprio, assim categorizado:

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O pensamento, então, não mais se liga aos estados particularesdo objeto, mas limita-se a acompanhar as transformações suces-sivas, conforme todos os rodeios e retornos possíveis. Não maisprocede de um ponto de vista particular do sujeito, mas simcoordena todos os pontos de vista distintos, num sistema de re-ciprocidades objetivas. (p.184)

Quanto ao desempenho dos adultos,conclui o experimen-to de Leontiev: "Ocorre o que chamamos de internalização; ossignos externos, de que as crianças em idade escolar necessi-tam, transformam-se em signos internos, produzidos pelo adul-to como um meio de memorizar."(p.51). Em correspondência,encontramos no período de operações formais, postulado porPiaget,com o exercício do raciocínio hipotético dedutivo:"sãoinacessíveis à criança e parecem constituir um domínio autôno-mo: o do pensamento "puro", independente da ação."(p.192).

Nossos estudos à medida que iam, então, nos conduzindoà detecção de algumas importantes convergências entre essasteorias, fortaleciam a nossa impressão sobre a viabilidade deuma composição e indagávamo-nos:

Quais subsídios teóricos de Piaget e de Vygotskypoderiam estar sendo alvo de uma proposta deaproximação?

Das nossas conjecturas diante da análise, à vista dessasponderações e do que nos pareceu explicitado por Piaget eVygotsky, foi que nos atrevemos a dispor de elementos da pro-dução do primeiro, na perspectiva do segundo.

Tomando a proposta de desenvolvimento cognitivo dePiaget numa direção sócio-interacionista, tivemos, evidente-mente, de fazer sobre ela incidir um exercício de lógica dialéti-ca que nos permitisse tê-la,não na condição de receituário mas,unicamente, como referencial. Seu grau de completude favore-ce, no patamar em que se encontra a nossa prática, uma com-preensão mais clara dos métodos de que faz uso a cognição.

A assunção do pensamento de Piaget, numa perspectivasócio-interacionista, exige sua inserção no quadro deste nossomomento histórico, de forma a poder dele dispor, a partir de

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um entendimento do papel de estímulo que ele atribui aomeio. Compreendendo o estímulo como um desafio e, com-preendendo como desafio, a provocação de um conflito cogniti-vo passível de superação pelo aluno com a ajuda do professor,aproximamos essa abordagem, do conceito de zona de desenvol-vimento proximal.A isso equivale dizer que não o tomaríamossem a flexibilidade que nos levasse a priorizar,em detrimento dospressupostos intervalos de faixa etária, a análise da qualidade doexercício cognitivo que ficasse evidenciado pelos sujeitos reais,alvos da nossa ação.Pela retomada do conceito da zona de desen-volvimento proximal, podemos, agora mais claramente, expor aadequação que entendemos quanto à utilização dos recursos àsua operacionalização, encontrados na epistemologia de Piaget.

A possibilidade aberta pelo referido conceito fica explicita-da pelo próprio Vygotsky: "Com o auxílio de uma outra pessoa,toda criança pode fazer mais do que faria sozinha - ainda que serestringindo aos limites estabelecidos pelo grau de seu desenvol-vimento." e afirma ainda: "O que a criança é capaz de fazer hojeem cooperação, será capaz de fazer sozinha amanhã."(1989:p.89). Isso aparece à nossa compreensão, não como umaexclusão da visão de Piaget,mas como uma proposta de visão emperspectiva, sobre a perspectiva proposta por Piaget.

Tendo disponível um trajeto do desenvolvimento da cogni-ção, tal qual o oferecido por Piaget, pode-se obter a apropriaçãodo conhecimento sobre os "limites estabelecidos pelo grau deseu desenvolvimento". Imaginamos poder estar o professor, as-sim, sendo equipado com pressupostos que favorecem seu traba-lho de identificação do "espaço cognitivo" compreendido pelazona de desenvolvimento proximal.O domínio de tais pressupos-tos, nessa dimensão, pode levar a aula a cumprir um papel dife-rente do diagnosticado por Vygotsky:

Por algum tempo, as nossas escolas favoreceram o sistema "com-plexo" de aprendizado que, segundo se acreditava, estaria adap-tado às formas de pensamento da criança. Na medida em queoferecia à criança problemas que ela conseguia resolver sozinha,esse método foi incapaz de utilizar a zona de desenvolvimentoproximal e de dirigir a criança para aquilo que ela ainda não eracapaz de fazer. O aprendizado voltava-se para as deficiências dascrianças, ao invés de voltar-se para os seus pontos fortes, encora-jando-a, assim, a permanecer no estágio pré-escolar do desenvol-vimento. (1989:p.89/90)

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Ultrapassar esses limites, tão claramente apontados porVygotsky,numa prática docente que se recuse a negligenciar a in-contestável contribuição de Piaget, exige apreender, também aeste, reafirmamos, na sua dimensão sócio-interacionista. Equivaleessa proposta a entendermos o desempenho cognitivo do aluno- tal como foi "desenhado" por Piaget -, como apoiado da sua pos-sibilidade real e o desempenho mediador do professor - tal comofoi "desenhado" por Vygotsky -,como promotor do seu avanço nadireção da concretização da sua possibilidade potencial.

Colocamo-nos, assim, diante da constatação de que ambosos autores concordam quanto à necessidade de se tomar comoreferencial, para a consolidação do processo de aprendizagem,o desenvolvimento real do aluno, ou seja, o que para ele já seconfigure possível.Atender a tal necessidade implica, portanto,em preocupar-se com o que, de fato, possa significar a máximaemergente na literatura contemporânea sobre a ação docente,expressa em: partir da realidade do aluno.

Na reflexão que nos prende à questão de considerar a rea-lidade do aluno, em se pensando na escola pública e na maiorparte do seu alunado como pertencente à classe dos despossuí-dos, surge, não raro, a seguinte indagação:

Considerar a realidade do aluno significa "baixar" aqualidade do ensino?

Ignorar a realidade do aluno é inviabilizar o seu processode construção de conhecimento,é,portanto,alijá-lo da conquis-ta do poder que é dado pelo saber. Só é possível que ele saibamais, a partir do que já sabe, senão, seu pretenso conhecimen-to, sem ter onde se fundar, o fará afundar-se cada vez mais, nasagruras da sua realidade.

Responder sim a essa indagação é estar contaminado pe-los valores elitistas da classe dominante que,ciosa do seu poderde "ditar regras", faz confundir, como se fossem sinônimos, osconceitos de diferente e inferior. Posta-se, assim, como a porta-dora dos únicos padrões "corretos" de concepções e de condu-tas, não admitindo os demais como só diferentes, mas tambéme fundamentalmente, como inferiores. Propaga, dessa forma,

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sem evitar estratégias subliminares, a atribuição de um caráterde "naturalidade" aos preconceitos culturais.

Ultrapassar a realidade desses alunos não deve significarnegá-la, mas sim, superá-la, tanto no sentido que cabe tambémaos alunos de classes abastadas,ou seja,promovendo seu desen-volvimento na direção de conquistar sempre maior competên-cia para enfrentar os problemas e aperfeiçoar o quadro da rea-lidade - atributo útil a qualquer ser humano -, quanto no senti-do de fazê-lo apropriar-se de um instrumental que é inerente aodomínio do conhecimento, recurso esse que, historicamentetem sido reservado para uma minoria privilegiada.

Observa-se que a orientação de partir da realidade do alu-no talvez não se tenha afastado ainda completamente do viésque a acompanhou de início, revelado pelo entendimento deque isso estaria significando: manter-se na realidade do aluno.

Tal entendimento ficou bastante explícito, na forma deuma das leituras que se fez da proposta curricular de Portu-guês, construída e implantada no Estado de São Paulo desde1987. Defendendo o pressuposto de que a linguagem oral dosalunos oriundos das camadas sociais desfavorecidas apresenta-va-se diferente - o que não significa, ratificamos, de per si infe-rior -, quando comparadas às normas cultas de linguagem, reco-mendava a proposta, que se respeitasse o repertório real dascrianças,como forma de permitir-lhes a inserção na seara do sa-ber elaborado e, assim também,em decorrência,no "mundo" danorma culta. Esta não poderia, evidentemente, ser-lhe negada,sob pena de dificultar-lhe a obtenção de respeitabilidade sociale ascenção no próprio "mundo" do trabalho, uma vez que seuvalor a maior está amplamente introjetado pela sociedade.

O viés a que nos referimos implicava, tanto na recusa à ci-tada proposta - que enquanto percebida apenas pela metade so-fria críticas por parte dos que desvalorizavam a linguagem ha-bitual daqueles alunos -; como na sua aplicação equivocada -que permitia imaginar o domínio da norma culta de linguagemcomo dispensável ao exercício pleno da cidadania. Não é nadadifícil pressupor as dificuldades impostas pela realidade objeti-va àqueles, cuja expressão falada ou escrita se distancia das taisnormas cultas.

Como esse viés compromete em absoluto o real sentidoque se há de ter, faz-se indispensável atentarmos novamente

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para o conceito de zona de desenvolvimento proximal,na razãoem que, aplicá-lo, exige andar para um passo além da possibili-dade real do aluno. Para tanto, é preciso que se saiba qual é suapossibilidade real e quanto é estar a um passo para além dela.Faz-se cabível, ainda, salientar que Vygotsky, ao contrário dos as-sociacionistas, demonstra não crer, levando em conta cada mo-mento de desenvolvimento do sujeito, na infinitude dessa pos-sibilidade potencial, uma vez que a representa por um círculoque, embora maior que a possibilidade real, está delimitando opotencial e, exatamente a partir do real.

Respeitar, então, a realidade do aluno, é parte da posturaconstrutivista do professor e, como tal, uma tarefa que exige,diante do nosso objetivo, a análise de pelo menos dois ângulosda sua abrangência: o conhecimento sobre a realidade que secompõe pelas idéias que os alunos já possuam a respeito doconteúdo que se vai ensinar e a realidade que se compõe pelaspossibilidades cognitivas que os alunos já possuem para, a par-tir dessas duas dimensões, organizar a socialização do saber sis-tematizado. Fincados na realidade, estaremos isentos das indis-farçáveis "profecias auto-realizadoras" que nos têm guiado na di-reção da subestima da capacidade real dos nossos alunos.

Em síntese, bem ao contrário do que a indagação inicialsugere, podemos, então, concluir que, considerar a realidade doaluno, significa elevar a qualidade do ensino.

Fazer frente às dificuldades que hoje estão postas peloexercício da ação docente, pede que exploremos a produçãode conhecimento já elaborada, de forma que a busca da confi-guração dos caminhos a serem assumidos se afaste do esponta-neísmo e do caráter meramente intuitivo que rondam nossastentativas de acerto.

Nesse sentido, cabe que nos perguntemos:

Dentre as teorias de ensino já sistematizadas,como identificar o que seria adequado que utilizás-semos na revisão da nossa prática?

Os instrumentos fundamentais para essa identificação en-contram-se no domínio e na convicção clara da pertinência, deuma dada perspectiva de aprendizagem que possa nos orientar

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na avaliação de propostas de ensino, de forma a viabilizar umaanálise capaz de nos levar a decidir excluí-las,modificá-las ou in-cluí-las em nossa prática.

A questão básica que nos conduziu às reflexões constan-tes deste capítulo, apontava para a necessidade de assumirmosuma proposta de ensino que estivesse assentada em uma dadaproposta de aprendizagem, uma vez que o nosso problema pri-mordial de investigação enunciava-se pela expressa dúvida so-bre a possibilidade de se estar ensinando bem, sem saber bemcomo se aprende.

Como está revelado já, ao longo deste trabalho, temosapoiado nossos estudos sobre a questão do ensino, especial-mente na produção de Libâneo e é dela que vamos nos subsi-diar, então, no que se refere ao específico do objetivo do pre-sente tópico. Recorremos, neste momento, à sua exposição so-bre os princípios básicos do ensino e, destes, selecionamosaquele que, como dissemos, atende ao interesse precípuo destareflexão, ao qual Libâneo situou como sendo o: "Assentar-sena unidade ensino-aprendizagem"(1991,p.157-159).

Após propor a substituição da adoção da máxima "Apren-der fazendo", pela "Aprender pensando naquilo que faz", o au-tor organiza, no intuito de atender ao referido princípio, algu-mas recomendações práticas que,ao nosso ver,sintetizam o quedeva ser essencial na constituição desse atributo da natureza dotrabalho docente. Suas recomendações estão na direção de ga-rantir que se parta da realidade do aluno, exatamente nas di-mensões que entendemos substanciais, ou seja, tanto no que serefere às idéias que o aluno já possua sobre o conteúdo escolara ser socializado, quanto no que se refere à sua capacidade cog-nitiva.Ambas as dimensões objetivam convergir para o postula-do de Vygotsky no conceito de zona de desenvolvimento pro-ximal. No tratamento dado por Libâneo, se pressupõe, provocaro aluno, através do processo de ensino, a dar um passo paraalém da realidade em que já se encontre.

Adotando por pressuposto, as idéias que aqui expusemose admitimos como adequadas para uma melhor compreensãosobre o processo de ensino-aprendizagem, temos, dentre ou-tras, assumido na nossa própria prática e sugerido, através donosso trabalho aos professores, a utilização de algumas das pro-

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posituras encontradas na obra de Ausubel(1968:edição brasilei-ra,1980). Selecionamos, fazendo uso dos instrumentos acimadeclarados fundamentais, alguns dos postulados de Ausubel queentendemos convergir para os nossos interesses com relação àefetiva construção do conhecimento por parte do aluno. As-sim, justificamos a adoção e sugestão de uso dos seus conceitossobre "idéias de esteio" e "organizadores prévios".

De acordo com sua Teoria da Assimilação, tese que incluino campo das teorias cognitivistas,Ausubel desenvolve,em con-traposição aos princípios da aprendizagem mecânica,um corpoteórico que rotulou de Aprendizagem Significativa. O funda-mento essencial, sobre o qual estrutura suas propostas,pode-mos ver compreendido pela afirmativa que o autor explicita nafolha de rosto da obra a que nos referimos: "Se tivermos que re-duzir toda a psicologia educacional em um único princípio, di-ríamos:o fator singular mais importante que influencia a apren-dizagem é aquilo que o aprendiz já conhece.Descubra isto e en-sine-o de acordo."

Não nos escapa que Ausubel ao reduzir a Psicologia Edu-cacional a um só princípio, está tomando apenas uma, das duasdimensões que entendemos que sua redução deva conter. Alémdo conhecimento, incluímos como categoria básica do princí-pio essencial dessa área do conhecimento, na sua relação coma Didática, a influência da possibilidade cognitiva de que o alu-no esteja dispondo. Entretanto, para o aspecto que Ausubel re-leva, sua proposta de abordagem do aluno nos parece extrema-mente consistente. É exatamente neste aspecto que se situamseus conceitos, cujo uso adotamos e recomendamos.

Ausubel, subentendendo o estabelecimento da significân-cia do material de estudo a ser aprendido, como elemento im-prescindível à qualidade de incorporação do conhecimento,classifica-a em:significância lógica - sendo esta exterior ao sujei-to que aprende - a que diz respeito à ordenação seqüencial dosconteúdos e, significância psicológica - sendo esta própria dosujeito que aprende - a que diz respeito ao assentamento dasidéias a serem aprendidas numa base de ideias que já se possua.

É no sentido de atender à significância psicológica, quetrabalha o conceito do que chamou de "idéias de esteio", asquais define como: "idéia relevante estabelecida (proposição ou

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conceito) na estrutura cognitiva com a qual novas idéias são re-lacionadas e em relação à qual os seus significados são assimila-dos no decurso de aprendizagens significativas.Como resultadodesta interação, elas próprias são modificadas e diferencia-das."(p.524). Compreendendo, então, que ao professor cabe olevantamento dessas idéias, propõe que a aula pressuponha aestruturação daquilo que nominando de "organizadores pré-vios", assim os considerou:

material introdutório apresentado num grau mais elevado de ge-neralidade, inclusividade e abstração, do que a própria tarefa deaprendizagem, e explicitamente relacionado tanto com as idéiasrelevantes existentes na estrutura cognitiva quanto à própria ta-refa de aprendizagem; destinado a promover a aprendizagem su-bordinativa ao oferecer um arcabouço ideacional ou um esteiopara a tarefa de aprendizagem e/ou ao aumentar a discriminali-dade das novas idéias a serem aprendidas em relação com asidéias já existentes na estrutura cognitiva, isto é,preencher o hia-to entre aquilo que o aprendiz já sabe e aquilo que ele precisasaber para aprender o material de aprendizagem mais rapida-mente. (p.525)

Conduzindo tais idéias para o campo da construção do co-nhecimento, traduzimo-las como recursos verdadeiramenteúteis à tarefa do professor, ao qual cabe, pela mediação, criarcondições para que o conhecimento do aluno transcenda o ní-vel do senso comum e ascenda ao nível do conhecimento ela-borado.

Encontramos ainda, na teoria de Ausubel, no sentido quedeu ao que rotulou de "aprendizagem subordinativa" e que ca-tegorizou em "subordinação derivativa" e "subordinação corre-lativa", a apresentação sistematizada de um recurso/sugestãoque vínhamos dirigindo aos professores e que havia sido frutode uma estratégia de leitura que,há muito tempo e de forma ex-ploratória, acabamos por constituir.

A constituição dessa estratégia resultou da imposição quenos ficou explícita pela constatação dos resultados sofríveis,do processo de alfabetização pelo qual havíamos passado. E foi,à medida que denotávamos que esses males não configuravamdificuldades exclusivas, para nós em particular, que decidimospor incluir o recurso que havíamos criado, dentre as sugestõesde prática aos professores.

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O processo de alfabetização pelo qual passamos, conside-rando os limites para a autonomia na escrita e para a compreen-são da leitura que ele nos impôs, configurou-se fragmentado efragmentário. Quanto à leitura, começamos por identificar a di-ficuldade de nos atermos ao que fosse a idéia central dos textosque líamos o que nos induzia à formatação, como se fora resu-mo,de segmentos semi-aleatórios,cuja conecção entre si, se tor-nava, com certeza, duvidosa.

O teor deste nosso trabalho justifica que acrescentemosneste relato o momento em que tal constatação nos ficou maisexplícita. Foi exatamente quando iniciamos o exercício profis-sional na docência. Demo-nos conta, então, de que aquela leitu-ra deficiente havia, entretanto, sido considerada suficiente, pelaescola que nos formou.

A busca de superação dessa condição de dependência in-telectual, nos levou a "criar um método" de leitura que consis-tia em diagramar as idéias do texto, distribuindo-as pelas suasrelações de abrangência, no sentido da identificação de conte-rem ou estarem contidas - subordinação derivativa - e, pelassuas relações de correlação, no sentido da inter-relação deideias, nos seus níveis de abrangência - subordinação correlati-va -.Dessa forma,mapeávamos os conceitos presentes no texto,para que pudéssemos relacioná-los ao contexto. Tempos de-pois, estudando as proposituras de Ausubel, percebemos queessa nossa busca,que houvera sido difícil e sofrida, já havia sidosistematizada e apresentada. Esse foi mais um forte argumentoa nos convencer, desde então, do valor extremado de buscar noconhecimento já produzido, os referenciais para a constituiçãode novos caminhos.

Nossos estudos e conjecturas, que aqui socializamos naforma de análises e propostas, é o que nos leva à conclusão deque, ao definirmos a ação docente que se possa ajustar à pre-sunção dos pressupostos dos processos de desenvolvimento eaprendizagem aqui explicitados, não fica admissível ignorar oestágio atual em que se postam as dimensões do saber docen-te, tanto no quadro do conhecimento que de fato domina sobrea relação ensino/aprendizagem - tendo em vista, especialmenteo que lhe foi legado/negado pelo seu curso de formação -,quan-to no quadro do desempenho cognitivo que hoje lhe tem sido

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possível - tendo em vista, especialmente, o que lhe foi viabiliza-do/banalizado pela sua história de aluno. Cabe, portanto, que, acontinuar essa nossa reflexão, temos de nos empenhar na cons-trução de respostas às perguntas que assim se colocam:

É possível pressupor o desenvolvimento das capacidadescognoscitivas dos alunos, sem considerar que historicamente sedesconsiderou o desenvolvimento das capacidades cognosciti-vas dos que estão professores?

Quanto à sua própria condição de aprendizagem, comoconsiderar o professor?

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QUEM ENSINA, COMO APRENDE

Pela tarefa de professor de professor que desenvolvíamosem ações de educação continuada, inteirávamo-nos do seu cu-nho de seriedade, com o zelo de não infringirmos na sisudezque lhe roubasse a alegria; perfazíamos seu trajeto como lida,sem experimentarmos a exaustão que lhe arrefecesse o espíri-to; defrontávamo-nos com seus obstáculos, sem aventar o sub-terfúgio do contorno que lhe subtraísse a ousadia.Assim,permi-tíamo-nos aninhar, no aconchego da emoção boa e lúcida, a exi-gência do rigor peculiar do saber elaborado.

A constatação do forte vínculo já consolidado,entre traba-lho e desgaste foi o que nos levou a considerar, na forma deabordagem a ser assumida, a importância inconteste de preocu-parmo-nos com a busca de um caminho que favorecesse, aocontrário, o vínculo entre obrigação e prazer. O respeito ao ca-ráter científico tanto não pode se ausentar de tais circunstân-cias, quanto não exige custar-lhes a imposição de um clima dearidez.Aliás, termina por ser paradoxal e infiel estampar coma figura do desgosto, o gosto inerente à aquisição de conheci-mento.Afinal, poderá haver quem desgoste de ser "sabido"?

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capítulo 5

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A resistência oferecida pelos professores às situações deaprendizagem só poderia ser explicada a partir da análise deuma história de freqüência em ações de capacitação que, namaior parte das vezes, ignorando a realidade objetiva, reprodu-zia o já instaurado, descumprindo seu papel essencial de supe-ração do status quo. Como a aula poderia postar-se mais inte-ressante para o aluno se sua pretensa revisão crítica ficava porconta de provocar desinteresse? O que de muito grave disso re-sulta é a equivocada consciência de que a aula é, naturalmente,algo penoso.

Se ali estávamos diante da incumbência de contribuir coma necessária revisão da prática pedagógica em especial no quea faz tanger a Psicologia, e nisso situa-se também o "clima" nasala de aula, não cremos que nos estivesse sendo permitidoafrontar o grupo de professores com a evidência da falta de co-nexão entre o discurso e a ação.

Como, então, constituíamos as "aulas" no nossopapel de professor de professor?

Com espírito lúdico, tomávamos nossos lugares na sala.Sem que tivesse havido nenhum ensaio, sem que se tivesse lidonenhum script, iniciávamos uma espécie de dramatização, cari-caturando posturas inadequadas de professores em reação aposturas inadequadas de alunos, aproveitando-nos, sempre quepossível, das próprias situações presentes na sala: as conversasparalelas do início do trabalho;o desconforto de estarem duran-te horas sentados; o silêncio diante das perguntas.

Procurávamos representar tanto aquelas situações co-muns, como as menos usuais ou mesmo insólitas, que sabemospresentes no interior das salas de aula. Dessa forma de aborda-gem o que fora presumido, estava na direção do estabelecimen-to imediato de um dado grau de identidade pessoal/profissionalno grupo. Seria isso necessário, diante do óbvio de que éramostodos professores? Descobrimos que sim. Éramos todos profes-sores, entretanto, além da referida insipidez histórica associadaà situação de aula, também a arrogação da pecha da incompe-tência, se não já introjetada, rondava já os sentimentos da maiorparte dos componentes dos grupos.A insegurança diante da si-

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tuação de publicar opiniões, manifestava-se em difícil, porém,não estranha postura. Percebíamos que muitos eram levados aquerer escudar-se, uns atrás dos outros, a cada momento emque a participação estivesse, explicita ou implicitamente, sendosolicitada.

No "jogo" de construção em que nos empenhávamos, aposição de "personagem", fazendo o papel do escudo, liberavaa reação na forma do riso geral, seguido de comentários no mes-mo tom.Não tardávamos a conhecer uma interface importante,derivada da obtida identidade e promotora de um subseqüentebem-estar. Os limites que cada qual só via melhor em si mesmo- o que os tornava sempre mais avolumados - quando declara-dos comuns, minimizavam a auto-repressão. Essa proposta deabordagem sustenta-se no mais elementar dos princípios da te-rapia de grupo, cuja especificidade garante a presença de dife-rentes "espelhos", fundamentais no processo de busca de iden-tidade.O trabalho coletivo há de ter por princípio a otimização,tanto da dimensão do que exista de comum entre os elementosdos grupos, quanto da dimensão das suas diferenças.

Enquanto estávamos a refletir sobre tal abordagem, nãonos escapou a preocupação de que pudéssemos estar expondo-nos ao perigo de banalizar sérias questões da prática escolar.En-tretanto, a previsão de reaparição no decorrer da ação, dessasmesmas situações dramatizadas, fá-las-iam higienizadas do seupossível "ar jocoso", uma vez que estariam sendo conduzidas aassumir sua real caracterização, por virem envoltas num corpoteórico que as explicava em suas origens e as discutia em suasconseqüências.

Tendo tomado o professor como sujeito, quais fa-tores deveriam circunstanciar nosso enfoque?

Sendo o objetivo do programa de educação continuadaaperfeiçoar o conhecimento do professor, tomando-o como su-jeito, em todas as ações a ele destinadas e, sendo o objetivo des-ta nossa ação, refletir sobre uma proposta de aprendizagem quesubsidiasse a revisão da sua ação de ensino, as principais dire-ções do trabalho buscavam ir ao encontro do conteúdo do sa-ber docente quanto à relação ensino/aprendizagem, ao mesmo

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tempo em que procurava operacionalizar, no decorrer da ação,a proposta defendida no capítulo anterior: promovíamos aaprendizagem do professor, buscando o desenvolvimento dassuas capacidades cognoscitivas.

Quanto ao enfoque do saber docente a respeito do binô-mio ensino/aprendizagem, amparamos nossa reflexão na leitu-ra do livro A Epistemologia do Professor de Fernando Becker(1993).34 Seu importante trabalho objetiva a categorização doconhecimento que o professor possui, sobre o que seja o pró-prio conhecimento, como objeto de estudo. Esta obra preen-che uma lacuna na direção da solidificação de um terreno poronde precisamos andar com maior firmeza, na direção de cons-truir um conhecimento mais consistente e mais conseqüente,sobre a questão do saber do docente.

Pelo grau de identificação que pudemos encontrar na aná-lise da nossa experiência, com e pelas conclusões apresentadaspor Becker, julgamos adequado citá-lo:

É comum a estranheza do docente às perguntas a respeito do co-nhecimento. O professor cotidianamente ensina conhecimento,mas reage ao convite à reflexão sobre isso como alguém que estáalmoçando, jantando ou bebendo um copo d’água e se lhe per-gunta por que está comendo ou bebendo." e complementa:"Neste contexto de ausência de reflexão epistemológica o pro-fessor acaba assumindo as noções do senso comum. (1993:p.37)

Havemos de nos posicionar agora, numa direção que, pre-tendendo conjugar-se com essa,visa assumir um ângulo que lheseja complementar. Até porque o indicativo abstraído do nossotrabalho aponta para o fato de que o obtido por Becker deveconstituir-se em ponto de partida.Tomar por base suas conclu-sões no que concerne à assunção pelo professor, de noções de-marcadas pelo senso comum, quando sabemos que a essênciado seu trabalho é a socialização do saber elaborado, é razão su-ficiente para que sustentemos a importância de nos colocar-mos ainda mais próximos da construção de um conhecimentomais amplo sobre o aprender do docente. Referimo-nos ao en-caminhamento do estudo no sentido de podermos aliar à bus-ca da elucidação sobre o que o professor sabe, a busca de me-lhor saber como ele aprende.

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Frente às inferências formalizadas por Becker e a necessi-dade que para além delas apontamos, é possível que possamosnos perguntar:

A diagnosticada assunção pelo professor de noçõesdo senso comum não estaria denunciando, afora a ca-rência de reflexão epistemológica, alguma dificuldadedevida à negligência de que foi alvo o seu próprio pro-cesso de construção de conhecimento?

Cremos admissível tal conjectura, em especial por poder-mos assentá-la nos princípios do sócio-interacionismo que nosvêm respaldando. Quando sabemos todos da fragilidade de quefoi cercada, no conjunto da nossa história, a tarefa social, tam-bém de responsabilidade da escola, de promover o desenvolvi-mento das capacidades cognoscitivas dos cidadãos,parece pou-co legítimo esquivarmo-nos da consignação das suas possíveisdecorrências. O quadro por aí avistado soma-se ao amontoadocomplexo da dívida social contraída pelo equívoco e pelo des-caso no trato de sérias questões, o que é emergente, principal-mente, de uma visão de mundo que fixando-se num horizonteno qual se descortina como finalidade as coisas, toma,como ins-trumentos, as pessoas.

Em alguns momentos da nossa ação, cuja análise e refle-xão vem sendo alvo desse trabalho, cremos encontrar claros in-dicadores da pertinência dessa pergunta que nos fazemos.

Como já anunciamos, partimos da identificação de algu-mas noções de senso comum, explicitadas pelos professores ebuscamos proceder à sua análise através da exploração das cir-cunstâncias em que as mesmas se constroem, na intenção dediagnosticar se sua origem se explicaria apenas pela "ausênciade reflexão espistemológica" ou se poderiam, além disso, estarsendo sustentadas pela qualidade da competência cognitivaque, sem ajuda, estar-lhes-á sendo possível exercitar.

Na assunção de uma postura que provocasse a construçãodo conhecimento por parte dos professores, levantávamos suasidéias sobre os temas a serem discutidos, através de questiona-

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mentos na forma de perguntas que, assim como suas respostas,eram literalmente registradas no quadro negro, para facilitar oprocesso de identificação dos possíveis limites e a propositura deconflitos cognitivos que permitissem sua superação.

Ao buscarmos refletir, por exemplo, sobre o processo deavaliação educacional escolar que desenvolvem,o que fazíamossob a proteção da sistematização já produzida por Luckesi, nosdávamos conta de que a análise de seus pressupostos concei-tuais configurava-se como parâmetro indispensável à revisão daprática.A abordagem de que então fazíamos uso para a discus-são desse tema consistia-se inicialmente em propor aos gruposa construção de resposta a duas questões assim formuladas: "Oque é avaliação?" e, "Para que serve a avaliação?".Observávamosque, em qualquer dos grupos com os quais trabalhávamos, osprofessores apresentavam respostas de conteúdo igual para asduas questões, ou seja, os professores davam a mesma respostapara atender ao "o que é" e ao "para que serve" a avaliação.

Como estavam expostas no quadro negro as perguntas eas respostas, o teor idêntico das últimas ficava evidente.Ao "oque é", respondiam: " é dar a medida do conhecimento"; "é to-mar a decisão sobre promoção e retenção"; " é verificação doaprendizado" e " é diagnóstico do processo".Ao "para que ser-ve" respondiam: "para medir o conhecimento adquirido"; "paratomar decisão sobre a promoção e retenção"; "para diagosticaro conhecimento adquirido". Ora, bastava, nesse momento, quesolicitássemos o retorno da atenção às perguntas para que pu-déssemos,categorizando-as,perceber que a primeira tinha o cu-nho de produzir o conceito e a segunda, de operacionalizar oconceito produzido.

Detectava-se, dessa forma, a dimensão de teoria e prática,de idéia e ação, de pensar e fazer, que estava contida em cadaqual das perguntas. Detectava-se, também, que essa única res-posta, sem questionar ainda o valor próprio do seu conteúdo -mas unicamente sua forma -, atendia apenas à segunda pergun-ta. Atendia, portanto, tão somente à dimensão da prática, daação, do fazer, desconectada da dimensão da teoria, da idéia, dopensar.

Para a análise desta nossa percepção, que acrescenta à in-ferência de Becker uma questão de desempenho cognitivo, épossível encontrar respaldo na produção de Vygotsky:

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É fato bem conhecido que até os primeiros anos da idade esco-lar os significados funcionais têm um papel muito importante nopensamento infantil. Quando se pede a uma criança que expli-que uma palavra, ela responde dizendo o que o objeto designa-do pela palavra pode fazer, ou - mais freqüentemente - o quepode ser feito com ele. Mesmo os conceitos abstratos são em ge-ral traduzidos para a linguagem da ação concreta:“sensato querdizer que estou com calor mas não me exponho a uma correntede ar”. (1989, p.67).

A busca de explicação para a manifestação de uma dimen-são do desempenho cognitivo do professor, numa análise dopensamento infantil, não nos pareceu indevida, visto que o co-tidiano da escola que freqüentou, não dava conta de estimularsuas capacidades.

Essa nossa abordagem explicitava os efeitos de uma pos-tura muito difundida na escola, sob a égide da fragmentação "fa-bricada" entre o pensar e o fazer que é tão própria à naturezado pensamento da pedagogia tecnicista, quão imprópria à natu-reza da atividade humana. Ao "plantar" a difusão das máximas"Teoria é blá blá blá." ou "O que importa é a prática." se conse-guia que o homem se dispusesse, sem que o soubesse, a abrirmão do que lhe distingue enquanto espécie: poder pensar so-bre o fazer. Essa capacidade é a que, com relação à construçãodo conhecimento elaborado, como primeira instância, nos per-mite formular conceitos.

Em razão do tipo de abordagem que propúnhamos, tínha-mos muitas outras evidências do que acabamos de afirmar.To-mávamos, para analisá-las, a posição de Vygotsky diante do pro-cesso de construção de conceitos, sobre o que, assim se decla-rou:" Na verdadeira formação de conceitos,é igualmente impor-tante unir e separar: a síntese deve combinar-se com a análi-se."(1989,p. 66). Sobre a mesma questão, posiciona-se da mes-ma maneira Piaget, referindo-se à construção de conceitoscomo um processo de classificação que exige as operações deunião e separação, a que designou de "conservação" e "reversi-bilidade", o que, em suma, implica a identificação de igualdadese diferenças.

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Ilustramos o acima exposto com a demonstração dos limi-tes evidenciados através do exercício constante que fazíamoscom os professores, de construção de conceitos. O processo deconstrução dos conceitos que definiriam o papel da escola e opapel do professor, constituem-se em exemplos claros da difi-culdade cognitiva a que nos queremos referir.As respostas ini-ciais compunham-se de definições que freqüentemente conti-nham abrangências genéricas tais como: "o papel da escola é deformar o cidadão" e, "o papel do professor é de ensinar". Semdúvida, como assinalou Becker, estávamos diante de definiçõesde senso comum.

Entretanto, para onde nossa análise pretende nos condu-zir, extrapolando esta constatação, exige o estudo da constitui-ção cognitiva de tais respostas. Cremos que a dificuldade esta-va em perceber que esses papéis, assim definidos, arrolavam in-diferentemente o papel da escola como o papel de toda e qual-quer instituição posta na sociedade de hoje, assim como o pa-pel do professor como o papel de todo e qualquer educador.Ora, a ausência de categorias que permitissem especificaçõesdenunciava tanto a capacidade de exercício da operação deunião - percepção de igualdades entre diversas categorias deinstituições e diversas categorias de educadores -, quanto a difi-culdade de exercício da operação de separação - percepção dediferenças que especificam cada qual dos papéis de diferentesinstituições e cada qual dos papéis de diferentes educadores. Éinteressante observar que tanto Piaget como Vygotsky apontampara o fato de que a operação de identificação de semelhançasé menos complexa - e, portanto, anterior -, à operação de iden-tificação de diferenças,embora ambas sejam imprescindíveis aoe integrantes do processo de construção de conceitos.

Caminhar na direção da construção efetiva de tais concei-tos nos levava, então, necessariamente, à instigação de que talpercepção se concretizasse. Isto fazíamos, partindo do levanta-mento, no grupo, do rol de diferentes instituições e da propos-ta de comparação entre elas, o que fazia emergir suas diferen-ças. O papel específico do professor, por certo, só poderia estardeduzido do papel específico da escola, instituição na qual estáinserido.

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A pertinência da preocupação que rege nossa análise, embuscar caminhos de superação desse limite cognitivo, pode serexpressa pelo sério risco que se corre no processamento de ge-neralizações assim configuradas. Quanto à defeituosa constru-ção de conceitos como as que, sobre as quais, em particular,aqui refletimos, o risco é o de contribuir, sem que o saiba, como desvio de funções, o que, aliás, tem marcado a história da es-cola no nosso país.

Quando se ignora seu papel precípuo de socializar o sabersistematizado, é que se pode justificar o espontaneísmo a que aescola se sujeitou, desde o advento da Escola Nova, quando,considerando o espontâneo "interesse do aluno" como determi-nante da inclusão ou não,dentre os conteúdos escolares,da ca-tegoria do conhecimento elaborado, fez com que a presençadestes, na aula, não passasse da condição de incidental. Comisso tem-se permitido a transmutação do papel da escola comomera extensão do papel: da família - um lugar onde os pais "de-positam" os filhos imaginando que devam estar sendo substituí-dos pelos professores, diretores ou inspetores de alunos; daigreja - um lugar onde o ensino religioso deva ocupar, na cargahorária e no quadro curricular, o espaço de área do conheci-mento sistematizado; da assistência social - um lugar onde ascrianças "carentes" devam receber alimentos, tratamento odon-tológico, fonoaudiológico, psicológico, etc. Se considerarmos acrise econômica a que estamos submetidos e, assim,considerar-mos necessário que a escola comporte tais papéis, mesmo as-sim, só podemos admiti-los lícitos se não estiverem a desviá-lado seu papel essencial.

É possível, ainda, estender nossa análise a muitas outrasquestões que podem ser respondidas, dentre outros fatores,também pela dificuldade de construção de conceitos e de apli-cação de princípios. Não estariam aí situadas as equivocadasconsiderações sobre o construtivismo que compreendem des-de sua transformação em panacéia, até seu reducionismo ao ati-vismo empírico? Temos visto o tratamento da atitude constru-tivista, como se fora um método. Temos visto categorizar-secomo construtivista, por exemplo, a mera disposição da classeem grupos ou, a prática de laboratório, cuja execução de expe-riências se dá com todos os passos previstos e todos os resulta-

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dos pressupostos, o que elimina o processo de conjecturas edescobertas, características da construção efetiva do conheci-mento.

Os exemplos de que fizemos uso agrupam-se todos na for-ma de uma constituição de conceitos presos apenas a adiçõesde semelhanças que promovem generalizações e que, na ausên-cia das necessárias subtrações de diferenças que pudessem pro-mover as especificações, fazem-se exacerbadas,podendo,assim,distorcer e/ou banalizar o entendimento das categorias que sesubmetem a tais análises.

Como a construção do conhecimento, na categoria de sa-ber sistematizado, na escola, há de se dar com o propósito deque sua apropriação permita, evidentemente, sua utilizaçãodiante das questões que se colocam pela realidade objetiva, ficaimprescindível pressupor a relação dialética entre a particulari-zação/generalização/particularização, na correspondência coma ação/reflexão/ação que caracterizam o processo que viabili-za a consciência da dimensão social dos conteúdos escolares.No limite entre a formação de conceitos e aplicação de princí-pios, encontramos a transcendência entre o partir da análise departiculares para constituir idéias gerais, e o partir de idéias ge-rais já constituídas, para sua aplicação em situações particula-res. Isto coloca a última dependente da primeira e, como apon-tamos para as dificuldades na formação dos conceitos, é decor-rência, a dificuldade na aplicação de princípios.

Sobre isso, encontramos em Vygotsky:

Parece-nos óbvio que um conceito possa submeter-se à cons-ciência e ao controle deliberado somente quando começa a fa-zer parte de um sistema.Se a consciência significa generalização,a generalização, por sua vez, significa a formação de um concei-to supra-ordenado que inclui o conceito dado como um caso es-pecífico. Um conceito supra-ordenado implica a existência deuma série de conceitos subordinados, e pressupõem tambémuma hierarquia de conceitos de diferentes níveis de generalida-de.Assim, o conceito dado é inserido em um sistema de relaçõesde generalidade. (1989,p. 80).

Piaget dá o mesmo sentido ao que chamou de relação deinserção de classes. Sendo assim, na situação concreta que utili-zamos como exemplo, a definição do papel do professor só se

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torna competente se estiver inserida na definição do papel daescola que, por sua vez, deverá estar inserida na definição dasua relação com a sociedade e, esta com o seu contexto históri-co-cultural.

Nossa análise se deteve até então nos exemplos de dificul-dade para a construção de conceitos o que, num exame menosacurado, pode se ocultar sob a assunção, por parte dos profis-sionais do ensino, de um discurso "apreendido" do verbalismoque hoje está incorporado pela área da educação. Por conta denão nos escapar essa possibilidade, nas ações que desenvolve-mos, diante das questões que propúnhamos, sempre que as res-postas constituíam-se dos jargões atuais, como: "socialização dosaber sistematizado"; "partir da realidade do aluno"; "o professoré um mediador"; "a prática tem que ser construtivista",ou "a ava-liação deve ser diagnóstica", passávamos a solicitação de queisso fosse posto em situações do cotidiano da escola o que erasuficiente para que denotássemos a inocuidade prática dessesconceitos.

Podemos, ainda, nos situar quanto à observação nesta nos-sa experiência, da dificuldade de fluência cognitiva para a apli-cação de princípios que,como sabemos,é parte de elaboraçõesintelectuais mais complexas do que a formação de conceitos.Tal limite se evidenciava especialmente quando os professoresdeclaravam seu descrédito em análises que alegavam estarmosfazendo,sem conhecer seus alunos - os sujeitos específicos comos quais cada um trabalhava. Estava implícita nesta alegação, adefesa da necessidade de estarmos aprisionados ao mais abso-luto concreto, para que possamos apreender a realidade.

O desconhecimento da riqueza advinda do relativismocognitivo que nos permite escapar da pobreza do absolutismomaniqueísta, revelava a um só tempo, tanto a dificuldade para oexercício de atividades intelectuais que viabilizam tomar aapropriação do conhecimento de teorias como instrumentalpara a reflexão sobre a prática - enquanto não se davam contada intrínseca relação teoria/prática-, quanto a ausência da bus-ca de superação deste limite - enquanto confessavam conside-rar irreal tal possibilidade cognitiva. Somamos aqui tanto asconstantes solicitações de modelos práticos, que têm levado osprofessores à busca de receitas de aula, como as observaçõesque já fizemos anteriormente, sobre os professores considera-

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rem alguns "cursos" como "muito teóricos", numa denúncia dadificuldade que se implantou pela produção da ruptura entre opensar e o fazer.

Nosso raciocínio, portanto, diante do exposto, nos levou àconclusão de que: é tanto na ausência de um contexto de refle-xão epistemológica como na ausência de um contexto de exer-cício cognitivo de construção de conceitos e aplicação de prin-cípios, que o professor pode estar sendo levado a assumir no-ções do senso comum.

Na fronteira entre esse momento da nossa reflexão e seudesfecho no capítulo seguinte, queremos ratificar a indisfarçá-vel necessidade de ousarmos na direção de, mergulhando nosproblemas da realidade, dela emergirmos com propostas de so-lução. Entendemos esta, como a tarefa específica deste momen-to histórico, em razão da constatação de que, após termos es-tado durante, pelo menos duas décadas - as dos anos 60 e 70-,cassados em pensamento e linguagem, foi compreensível quegastássemos toda a década de 80, desafogando-nos em apontarpara os problemas da realidade objetiva, nos restringindo quaseque por completo ao ramo das denúncias. Entretanto, não cre-mos compreensível que a década presente não se dedique aoapontar de caminhos para soluções dos problemas, muitos de-les já suficientemente conhecidos de todos nós. É da clarezacom que essa exigência se nos apresenta que devemos nos in-dagar:

Diante da tarefa improrrogável do presente, quais cami-nhos podemos propor na direção da construção de uma escolapara professores que se faça contemporânea, tendo em vista asuperação dos equívocos e dos limites do passado e que se façaprecursora, tendo em vista o enfrentamento das exigências edesafios do futuro?

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NO TEXTO, UM CAMINHO NO CONTEXTO

Abstrair do contexto o caminho do texto e projetar notexto um caminho no contexto é cumprirmos uma tarefa denatureza essencialmente humana. No decurso da história e nointerior da cultura, o privilégio de pensar sobre o fazer é o queconduz à conquista dos conhecimentos que devem permitir aocoletivo dos homens compreender-se na vida, como princípioe como fim. Desta forma, o poder que é dado pelo saber, se nãose concretiza como direito de todos,disvirtua-se no despotismode poucos, fazendo com que estes se tornem capazes de dispordos demais como meio. Cremos ser este um dos sérios fulcrosdo desequilíbrio que tem destemperado o sabor da vida para osmuitos, aos quais se tem anunciado a mentira da igualdade deoportunidades, desvelada pela verdade da desigualdade de con-dições.

A projeção, neste texto, a caminho do contexto, está paranós representada na pretensão de contribuir com a discussãoque tem estado situada na questão da educação continuada,tema cujo desenvolvimento está posto como uma exigência in-conteste e inadiável para todos os que pleiteiam uma melhor

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conclusão

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qualidade de ensino. Para tanto, queremos expor à análise e àcrítica, a sistematização de alguns subsídios que nos foi possívelconstruir, na forma de elementos constitutivos para a concep-ção de uma escola para professores.

A experiência que tivemos a oportunidade de vivenciar, seenriqueceu tanto do papel de docente em programas de educa-ção continuada - alvo do relato que até então fizemos -, quantodo papel da coordenação da unidade regional de Bauru do Cen-tro de Aperfeiçoamento de Recursos Humanos - CARH.

É do teor reflexivo desta última posição que agora quere-mos nos ocupar, uma vez que foi esta, a que nos permitiu pro-ceder, no âmbito da concepção e execução da programação re-gional, à incorporação de alguns pressupostos básicos, de cujapertinência estávamos convictos.

Tendo em vista a discussão com a qual abrimos o presentecapítulo,a preocupação mais fundante que a função que nos cou-be no CARH/Bauru suscitava-nos,era a de lidarmos com o que senos apresentava como paradoxal:dirigir um Centro que se propu-nha a aperfeiçoar recursos humanos, enquanto entendíamos queao humano não se pode e não se deve tratar como recurso. Nos-sa responsabilidade nessa função se asseverava pelo exercício daautonomia que lhe era conferida na dimensão da programação re-gional,onde,então,a nossa convicção de que ao homem não cabea posição de meio, mas, sempre, de princípio e fim, deveria estarsendo cuidada como diretriz, refletindo-se no estabelecimentodos objetivos,na configuração do corpo de temas a priorizar e naabordagem metodológica a assumir. Daí, nos colocarmos comoessencial, o seguinte questionamento:

Se numa escola para alunos, o lícito é que estedeva ser sujeito ao invés de estar sendo sujeitado,é ético pensarmos uma escola para professores,onde esses devessem ser considerados recurso?

A obviedade da resposta a essa questão não tem,de per si,garantido a inclusão do seu conteúdo como premissa na histó-ria da educação continuada. Desta forma, a busca de "aperfei-çoamento de recursos humanos", postulamos que deva ser

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substituída pela busca de aperfeiçoamento dos recursos dos hu-manos. É recurso dos humanos o uso da inteligência reflexiva,geradora de outros recursos, tais como, a produção e apropria-ção do conhecimento, a autonomia para a identificação e análi-se dos seus próprios limites e o alastrar das suas possibilidadesde superação. Assim, é recurso dos humanos a promoção detransformações da realidade que se façam adequadas à melho-ria das suas condições de vida, o que o homem só é capaz deconseguir, exatamente, quando não se submete à condição derecurso.

As ações que desenvolvíamos e o corpo de ações que pro-púnhamos tinham, então, o cunho de tomar o professor por su-jeito, o que fazíamos aumentando, na programação, o espaçodestinado às questões pertinentes ao processo de revisão e “hi-gienização” de valores, o que nos parecia demandado pela mu-dança de paradigmas apontada pela concepção de educaçãoque hoje se faz necessária. Privilegiávamos, fortalecendo, assim,as discussões em torno da existência e de qualificação das rela-ções que se estabelecem entre educação e sociedade, escola erealidade, conhecimento e autonomia.

Evidentemente, não seria possível que se impregnasse opropósito do programa, da visão do professor na sua categoriade sujeito, se a ele não se propusesse, como relatamos no Capí-tulo 2, o desvelamento do sujeito oculto, sob o objeto indiretoem que fora transformado. Concretizar esse intento significavacriar condições para que o professor reconhecesse, na sua pró-pria história, que a posição de objeto que ocupamos, não sen-do "natural", havia sido produzida e, tendo sido produzida, exis-tia nela, numa certa dimensão, a figura da "vítima consentida".Era a consciência que imaginávamos,até por permitir a indigna-ção, abrir o espaço para a conquista de autonomia.

Uma outra questão a que nos propúnhamos circunstan-ciar, à vista do que já se sabia sobre as características da educa-ção continuada no nosso país, era a da consolidada fragmenta-ção do conhecimento, que conduzia à oferta de ações estan-ques, que tratavam de temas pontuais.

Sob a ótica da discussão pela qual passamos no Capítulo3, a respeito do conceito do todo como mera soma das partes,o que está pressuposto pelas concepções associacionistas no

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terreno da Psicologia, observávamos a inconveniência, pelas dis-torções que é capaz de gerar,do fato de se ver a vida aos pedaçose de se tentar compô-la pela adição pura e simples desses seuspedaços. Isto porque a percepção adequada do contexto exige adetecção das relações que se definem entre suas partes.Como re-sultante de tais inferências, perguntávamo-nos, então, se:

A própria aceitação do entendimento do homemcomo recurso não seria decorrência de uma análi-se descontextualizada, na qual a própria desconti-nuidade, que caracteriza o processo de desenvolvi-mento na nossa cultura, estaria refletindo uma vi-são parcial e equivocada do lugar do homem nomundo?

Quando pressupúnhamos, para a revisão do processo deaprendizagem, a necessidade de analisar o conceito de desen-volvimento humano a que nossa vida se submete,o que fizemose justificamos pelo contido no Capítulo 4,estávamos,certamen-te, a desvelar a inadequação de uma visão distorcida que preco-niza tarefas para o homem ao longo do seu ciclo vital, instituin-do-lhe padrões de conduta de forma a ignorar a vida como umprocesso contínuo e que, ao fazê-lo propõe e impõe que viven-ciemos súbitas e graves rupturas: enquanto crianças, na condi-ção de "ainda incapazes", devemos ser submissos; enquantoadultos, na condição de tutores , devemos ser autoritários. Noseio radical e determinista desta dualidade residem os mais in-trincados problemas dos adolescentes. Ora, quem apenas hajatido oportunidade de ser incapaz e problemático, que condi-ções pode haver reunido para assumir-se tutor?

Diante disto, dispor as ações de uma escola para professo-res,com um caráter processual e contínuo - se é que dito assim,não se incorre num pleonasmo -, apresenta-se como uma injun-ção e não propriamente como uma questão de gosto ou pontode vista.

Sobre esta questão, julgamos oportuno citar o que sugereGarcia:

mais de que aos termos aperfeiçoamento, reciclagem, formaçãoem serviço, formação permanente, convém prestar uma atenção

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especial ao conceito de desenvolvimento profissional dos pro-fessores, por ser aquele que melhor se adapta à concepção atualdo professor como profissional do ensino.A noção de desenvol-vimento tem uma conotação de evolução e de continuidade quenos parece superar a tradicional justaposição entre formação ini-cial e aperfeiçoamento de professores. (in Nóvoa,1992,p.55)

Fazia, ainda, parte das preocupações que explicitamos noCapítulo 4, a definição de uma concepção de homem que pu-desse superar os limites dos radicais determinismos nativista eambientalista.A consecução de uma visão de desenvolvimentohumano que pudesse romper com a parcialidade e insuficiên-cia dessas visões de homem,exigia tomar por parâmetro sua na-tureza bio-psico-social. Gera, esta reflexão, pensando na escolapara professores, uma nova pergunta:

Além da necessidade de considerarmos a figura doprofessor no seu papel de sujeito, respeitar sua na-tureza não seria também considerar a categoria dopapel de ser social que esta lhe confere?

Negar-se a ver o professor como recurso por respeitar oque lhe está legado pela sua natureza de pessoa, de sujeito, im-plica vê-lo também como alguém que se constrói no interior dacoletividade, daí termos de imaginar sempre as ações de umprograma de educação continuada, como um corpo de açõescoletivas capaz de fazer emergir identidades pessoais/sociais,que resultem no fortalecimento da sua própria categoria profis-sional. Na consideração deste aspecto, foi que buscamos desen-volver todas as ações que tratavam de temas comuns, reunindoprofessores de quaisquer séries e quaisquer disciplinas e ainda,diretores de escola e supervisores de ensino. Isso, além de favo-recer, pelo conhecimento de que o "específico do outro" nãoera excludente do "específico de todos", a construção de pon-tes entre os diversos tipos de "particularidades" favorecia, ain-da, a intervenção contrária às fragmentações coorporativas queterminam por aglutinar, segmentando e fragilizando a categoriaprofissional como um todo.

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Faz-se imprescindível combater, nos programas de educa-ção continuada, a evidente dificuldade no empreendimento deprojetos coletivos, a qual, no decorrer deste trabalho considera-mos como um limite cultural resultante da apologia ao indivi-dualismo, bandeira-mor do modelo social Liberal, mentor danossa história de instituição de padrões de comportamento.

Para tanto,é preciso que possamos constituir as atividadese os conhecimentos que sejam inerentes à ação e à reflexão dequaisquer professores, no corpo de uma base comum e na for-ma de programas que possam estar sempre promovendo, entrediferentes professores de diferentes disciplinas e diferentes sé-ries, oportunidades de construir a aproximação que lhes per-mita detectar o que os une e, assim, perceber, cada um, o seureal papel com os demais.

Para evidenciarmos uma outra inquietação que desafiavanossa capacidade no intento de desatar os nós que víamos difi-cultar a implantação de uma proposta de desenvolvimento pro-fissional dos professores, queremos fazê-lo, a partir da retoma-da e articulação das primeiras indagações da presente conclu-são. Sendo o professor uma pessoa que, como tal não pode serrecurso e, havendo de ter sua preparação profissional, o cunhode desenvolvimento que como tal não pode separar-se do seucotidiano de responsabilidades pessoais/sociais e, ainda, tendoisto posto diante do que expusemos no Capítulo 5 sobre o quese refere ao conteúdo e método do saber docente, parece nãohaver como nos esquivarmos de uma nova pendência:

Não será necessário que nos voltemos para o de-senvolvimento de "uma didática" apropriada àemergência de uma circunstância em que o sujeito,que ainda aprende a ensinar, é também um sujeitoque já ensina outros sujeitos?

Se reconhecemos importância nesta indagação, podemos,utilizando-nos da sustentação básica desta nossa reflexão, con-cluir sobre o quanto vale enveredar, hoje, aqueles que se ocu-pam da questão da educação continuada,pelo aprofundamentodo conhecimento sobre a qualidade do saber docente. É abso-

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lutamente incongruente que fiquemos - nós que nos propomosa ser professores de professores -, a apontar para os outros pro-fessores a necessidade de ensinar conforme se aprende,ao mes-mo tempo em que, no mesmo palco, o mesmo ator, pode estarobrigando-os a assistir a um espetáculo que ignora isso.

Sobre esta questão, quando concluímos pela sua dificulda-de de construir conceitos e aplicar princípios na seara do co-nhecimento sistematizado, evidentemente, não estávamos ima-ginando que teríamos, então, de usar uma prática à semelhançada recomendada para as crianças. Se tivéssemos sucumbido atal equívoco, por certo estaríamos deixando de considerar queé a escola, o lugar na vida, que mais dela se separou, criandopara si uma aura de majestade, em torno da qual e no interiorde onde as coisas do mundo não têm o direito de entrar, poisque viriam a maculá-la. Não tem sido este o destino da matemá-tica que as crianças aprendem na feira? Aprendem a somar, asubtrair, a dividir e a multiplicar, utilizam-se disto na vida real erepetem de ano por não dominar as operações matemáticasfundamentais.

À medida que a escola para professores estiver tambémsintonizada com a vida real dos professores,poderá levá-los a selibertarem dessas suas dificuldades e, só assim, instrumentalizá-los para atuar numa escola que possa conduzir seus alunos tam-bém à superação das próprias dificuldades.Para onde esta ques-tão nos reporta, no que concerne em especial à escola pública,nos defrontamos com toda sorte de responsabilidades:

• as que dizem respeito à toda a sociedade civil, da qual ozelo com a educação é um dever e para a qual a posse da esco-la é um bem indispensável,mas que,em verdade,pela introjeçãode valores culturais que se sustentam no paternalismo desmobi-lizador do estado e na fragilidade de ações coletivas organizadas,tem se postado como espectadora do próprio destino.

• as que dizem respeito aos poderes públicos, que devemgerar e gerir condignamente a canalização dos recursos mate-riais e técnicos que de há tanto vêm sendo necessários,mas queainda hoje, pelo viés neo-liberal, insiste-se em considerar a sal-vaguarda da economia como anterior ao atendimento das ne-cessidades interpostas pelo patamar onde se encontra a educa-ção nacional.

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• as que dizem respeito às entidades de classe dos profes-sores que parecem, na sua maioria, sustentar o equívoco histó-rico de separar salário de competência profissional, como se adeterioração desta última não tivesse sido precursora da dete-rioração do primeiro. Há um paradoxo cristalizado no seu dis-curso que,ao mesmo tempo que alega sempre o descaso do po-der público com a qualidade da educação, não se dispõe a utili-zar nenhuma parcela dos recursos advindos da contribuiçãodos professores, na direção de promover a melhoria da qualida-de do seu desempenho.

• as que dizem respeito aos próprios professores que,constituindo a classe intelectual do país, têm se conformado,em grande número e, muitas vezes, com o estigma da vítima, aquem não cabe aprender sobre o direito de exigir, senão sobreo dever de esperar.

E, por fim e por primeiro, no que respeita a nós na Univer-sidade temos,direta ou indiretamente,sido cúmplices da manun-tenção dos descaminhos da educação, na medida em que temosconvivido dentro da própria Universidade, como se ela não fos-se eminentemente uma escola, até mesmo com a idéia absurdade que os professores, que não pertencem aos departamentosde educação, não seriam profissionais da área da educação.

No tripé do seu papel formal vislumbra-se o desequilíbrioque tem dificultado seu caminhar, levando-a a claudicar: o ensi-no tem sido,das suas funções, a mais desmerecida.Da sua estru-tura emergem órgãos que, bem ou mal, promovem a avaliaçãosobre a pesquisa e de uma forma ainda mais rudimentar, da ex-tensão, mas nada avalia a qualidade da docência, submetendo atodos às conseqüências que já lhe ficam distantes, na forma dosucesso ou do fracasso dos seus ex-alunos.

A ausência de avaliação da docência produz, em últimainstância, irresponsavelmente, o exercício de uma liberdade de-samparada que tem compactuado com a elaboração e desenvol-vimento de planos e práticas de ensino que se podem espalharpelos terrenos do anacronismo com a sedimentação de princí-pios e com conceitos carcomidos - como a renegar o avanço naprodução do conhecimento -, do desencontro com as necessi-dades atuais reais dos profissionais que formam - como a estra-

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nhar os reclamos da sociedade contemporânea -, da comparti-mentação entre teoria e prática - como a desconhecer sua pro-cessual indissociabilidade - e, até mesmo, do desenlace entrediscurso e ação - como a desrespeitar a capacidade de percep-ção do aluno e o valor da coerência dado pela conquista da pró-pria autonomia cognitiva.

Cremos que o pensar numa escola para professores este-ja, hoje, absolutamente dependente da definição da abrangên-cia que esta deva ter. Não podemos nos ater em restringir seupapel ao desenvolvimento de práticas docentes mais conse-qüentes, sem que nos preocupemos com os limites e com aspossibilidades inerentes às pessoas dos professores de hoje,nem sem que nos preocupemos com as relações de pertençaque produzem a teia, em meio à qual,hoje, se emaranham as au-las e que também criam distância entre as aulas que temos e asque devemos ter.

Neste sentido, muito contribuem os estudos de Nóvoa(1992), ao propor, na forma de âmbitos de atuação, que o pro-cesso de formação de professores há de se dar pelo

• desenvolvimento pessoal: "A formação não se constróipor acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas),mas sim através de um trabalho de reflexibilidade crítica sobreas práticas e de (re)construção permanente de uma identidadepessoal. Por isso é tão importante investir a pessoa e dar um es-tatuto ao saber da experiência."(p.25)

• desenvolvimento profissional: "Práticas de formaçãocontínua organizadas em torno dos professores individuais po-dem ser úteis para a aquisição de conhecimentos e de técnicas,mas favorecem o isolamento e reforçam uma imagem dos pro-fessores como transmissores de um saber produzido no exte-rior da profissão. Práticas de formação que tomem como refe-rência as dimensões coletivas contribuem para a emancipaçãoprofissional e para a consolidação de uma profissão que é autô-noma na produção dos seus saberes e dos seus valores."(p.27)

• desenvolvimento organizacional: "A mudança educacio-nal depende dos professores e da sua formação. Depende tam-bém da transformação das práticas pedagógicas na sala de aula.Mas hoje em dia nenhuma inovação pode passar ao lado deuma mudança ao nível das organizações escolares e do seu fun-

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cionamento.Por isso, falar de formação de professores é falar deinvestimento educativo dos projetos de escola."(p.29)

Dadas as qualidades de amplitude, clareza e atualidadeque se revelam no pensamento de Nóvoa, atribuímos a ele, emespecial duas virtudes das quais podemos nos servir no desfe-cho deste trabalho. Trata-se da possibilidade que ele cria, deidentificação de limites e de construção de referenciais parasua superação. Isto se efetiva através de uma avaliação diagnós-tica, na qualidade em que a considera Luckesi, já que, pelo pa-drão ideal de educação continuada que o autor apresenta, tor-na-se possível estabelecermos um juízo de valor sobre a práticaque nesta área construímos, tendo em vista o desenrolar futurodo nosso trabalho.

Buscando, então, reexaminar, reelaborando numa nova sín-tese nosso trabalho,à luz das referências oferecidas por Nóvoa e,na direção da busca de maior adequação, pensando num projetode construção de uma escola para professores, propomos:

Quanto à dimensão pessoal:• que sua escola, se destinando ao desenvolvimento de re-

cursos dos humanos, se obrigue a vê-los sujeitos históricos, his-toriados, inclusive, pelo seu próprio processo de construção deconhecimento, nas formas que lhes assegurem através de res-sarci-los das dívidas do passado e equipá-los para os desafios dofuturo, em particular, com a condição de assim verem, tambémos seus alunos, para a consecução plena, a um só tempo, doexercício da sua própria cidadania e da garantia do exercício ci-dadão aos seus alunos;

Quanto à dimensão profissional:• que sua escola, se destinando ao desenvolvimento do

exercício do seu papel identificado dentre os demais e sintoni-zado com as necessidades sócio-culturais atuais que devem de-finir o papel da própria escola, se obrigue a dispor-lhes os sub-sídios que lhes permitam o exercício autônomo da efetiva so-cialização do saber sistematizado, na forma de ações coletivas eprocessuais, que lhes assegurem, em especial, pela presunçãode uma base pedagógica comum, o domínio do “como se apren-de” como referência indispensável à definição do “como se ensi-

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na”,para a consecução plena,a um só tempo,do exercício da suacompetente autoridade e consciente identidade profissionais;

Quanto à dimensão organizacional:• que sua escola, se destinando ao desenvolvimento da

educação formal em seu caráter institucional, se imponha comoinstância de avaliação,produção e disseminação de “projetos deescola”, assegurando-lhes espaço, tempo, e palavra, na forma desituá-los, pessoal e profissionalmente, como um promotor depropostas, para a consecução plena, a um só tempo, do exercí-cio do seu status de profissional/intelectual e da vinculação daspolíticas educacionais à realidade das escolas.

Se, por fim, pudermos atribuir pertinência às descobertasde perguntas e conjecturas de respostas que aqui expusemos,ao longo deste trabalho, também desejamos inferir que:

se a escola que o professor precisa, precisa ter vínculocom a vida real dos professores, então, precisa se ater ao cará-ter de continuidade dos seus estudos;

se o professor que o professor precisa,precisa saber comoele aprende, então, precisa se ater à necessidade de construçãode uma didática assim contextualizada; e,

se uma escola para professores é uma premente necessi-dade, a intervir na defesa da “não fossilização”do seu comporta-mento, então, havemos, ainda, de nos perguntar:

Qual poderá ser o real sentido a se dar ao investi-mento na melhoria das escolas regulares para alu-nos, sem que se regularize uma escolarização con-tínua para seus professores?

Contribuir com a constituição da resposta à essa questão,é o que, definirá o “espírito” das nossas próximas tarefas e é oque a oportunidade de vê-la respondida também pelo ponto devista de outros, em papéis de diferentes dimensões, seria, ver-dadeiramente, obter em privilégio, para nós, uma contribuiçãoenriquecedora.

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Sobre o livro

Formato: 14x21cmMancha: 16.5x34 paicas

Tipologia: Garamond Book (texto)Gill Sans (encabeçamento)

Papel: xerox 75g/m2 (miolo)

Equipe de realização

Coordenadora ExecutivaLuzia Bianchi

RevisãoMariza Inês Mortari Renda

Projeto GráficoCássia Letícia Carrara Domiciano

Criação da CapaValter Antonio Noal Filho

Sobre ilustração de João Luiz Roth

CatalogaçãoValéria Maria Campaneri

DiagramaçãoCarina Cristina do Nascimento