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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ FERNANDA AURÉLIA MALC PEREIRA A APLICAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL NOS CASOS DE ABANDONO AFETIVO AO MENOR CURITIBA 2016

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

FERNANDA AURÉLIA MALC PEREIRA

A APLICAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL NOS CASOS DE

ABANDONO AFETIVO AO MENOR

CURITIBA

2016

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FERNANDA AURÉLIA MALC PEREIRA

A APLICAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL NOS CASOS DE

ABANDONO AFETIVO AO MENOR

Projeto de trabalho de conclusão de curso apresentada ao curso de direito da faculdade de ciências jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof.Dr. Eduardo Oliveira Leite.

CURITIBA

2016

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FERNANDA AURÉLIA MALC PEREIRA

A APLICAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL NOS CASOS DE

ABANDONO DE MENOR

Essa monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de Bacharel no

Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

Aprovado em ___/____/____

____________________________________

Prof. Dr. Eduardo Oliveira Leite

Coordenador do Núcleo de Monografia

BANCA EXAMINADORA

____________________________________

Orientador Prof. Dr. Eduardo Oliveira Leite

____________________________________

Prof. (a) Dr. (a)

____________________________________

Prof. (a) Dr. (a)

Curitiba

2016

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, que iluminou meu caminho durante esta

caminhada.

A toda minha família, em especial aos meus pais, Josilene e Gilson pelo

amor e apoio incondicional e pela minha madrasta Cristina.

As minhas irmãs, Isabela e Cecília pelo amor e carinho e que me fazem

buscar ser sempre melhor a cada dia.

Ao meu namorado por todo carinho e paciência, que esteve presente nos

momentos difíceis e que sempre me incentivou e que me apoiou para a realização

deste e tantos outros sonhos.

Ao meu orientador, professor Eduardo Oliveira Leite, pela disposição,

gentileza, atenção e compreensão na condução deste trabalho.

Aos meus colegas do curso de graduação, em especial Bárbara, Camila,

Evanir, Jennifer e Nathália, amigos que conquistei durante a faculdade e quero levar

para a vida.

E a todos que direta ou indiretamente, fizeram parte da minha formação, o

meu muito obrigado.

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“Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever”

(Nancy Andrighi)

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RESUMO

O tema responsabilidade civil por abandono afetivo é um tema muito atual e

que enseja inúmeras discussões. O objetivo deste trabalho é demonstrar que cuidar

de um filho não se resume ao pagamento de uma pensão de caráter alimentar, há

também necessidades de amparo psicológicos, moral, afetivo e social para que uma

criança cresça e se desenvolva, que quando não prestado pode ensejar danos de

ordem emocional que necessitem de reparos. Apesar de existir teorias divergentes

sobre a aplicação de indenização aos casos de abandono afetivo do menor, há um

crescimento considerável de decisões favoráveis a aplicação de uma indenização

pecuniária, afirmando que o cuidado ao menor também é um dever legal que deve

ser respeitado.

PALAVRAS-CHAVE: Família; Direito de Família; Poder Familiar; Responsabilidade

Civil; Abandono Afetivo; Dever de Indenizar;

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ABSTRACT

The liability issue by emotional abandonment is a very current topic which

entails numerous discussions. The purpose of this study is to demonstrate that caring

for a child is not limited to the payment of a food pension, there is also psychological,

moral, emotional and social supportneeds for a child to grow and develop, when not

provided may give rise damage of emotional order requiring repairs. Although there

are divergent theories on the application of compensation in cases of children

emotional abandonment, there is a considerable growth of decisions favorable to

impose a financial compensation, claiming that the care the minor is also a legal duty

that must be respected.

KEYWORDS: Family; Family right; Family power; Civil responsability; Abandonment

Affective; Duty to indemnify;

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SUMÁRIO

1.INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 8

2. A EVOLUÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA NO BRASIL ....................................... 10

3. RESPONSABILIDADE CIVIL ..................................................................................... 13

3.1 CONCEITO .................................................................................................................. 14

3.2. CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL .............................................................. 15

3.3. TEORIA OBJETIVA E TEORIA SUBJETIVA ........................................................ 15

3.4 ELEMENTOS ............................................................................................................... 16

3.5 CONDUTA .................................................................................................................... 16

3.6 DANO ............................................................................................................................ 16

3.7. NEXO DE CAUSALIDADE ....................................................................................... 17

4. O DANO MORAL .......................................................................................................... 19

4.1. DANO MORAL NAS RELAÇÕES DE FILIAÇÃO ................................................. 20

5. APLICAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DE FAMÍLIA ..... 22

6. OS EFEITOS DA AFETIVIDADE E DO ABANDONO PERANTE A

LEGISLAÇÃO BRASILEIRA. ......................................................................................... 25

7. A RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DOS DANOS AFETIVOS ................................ 30

8. O VALOR DA COMPENSAÇÃO................................................................................ 33

8.1. PREMISSAS FAVORÁVEIS AO DEVER DE INDENIZAR NA RELAÇÃO

PATERNO-FILIAL. ............................................................................................................. 33

8.2 PREMISSAS NEGATIVAS AO DEVER DE INDENIZAR NA RELAÇÃO

PATERNO-FILIAL. ............................................................................................................. 34

8.3. POSICIONAMENTO DO STJ .................................................................................. 36

9. CONCLUSÃO ................................................................................................................ 37

10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ....................................................................... 40

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1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo analisar a problemática do abandono

afetivo nas relações familiares, em especial ao abandono afetivo de menores por

seus genitores.

O direito de família sofreu constantes alterações no decorrer dos anos,

principalmente após a Constituição de 1988 e o Código Civil de 2002, que definiram

como elemento principal da entidade familiar o afeto.

Em nossa sociedade há uma grande incidência de casos de abandono

afetivo do menor por parte de seus genitores. Ainda que seja de conhecimento

comum os danos que este ato pode gerar a uma criança e um adolescente, são

crescentes os casos de abandono afetivo no Brasil.

A filiação é a relação jurídica que liga os genitores aos seus filhos também é

a base sobre todas as regras da estrutura do parentesco consangüíneo, por ser a

mais próxima e a mais importante.

A relação de afeto nas relações entre pais e filhos é de suma importância,

sendo fundamental para a formação moral, social e intelectual da criança e do

adolescente. Todavia, existem várias situações e motivos que levam um pai a deixar

de estabelecer qualquer relação com seus filhos, colocando-os, assim, em uma

situação de desamparo afetivo, sejam por causa de um divórcio complicado ou a

necessidade de morar em outro país.

A aplicação da responsabilidade civil por abandono afetivo do menor é uma

questão bastante complexa e ainda muito polêmica na jurisprudência e em nossa

sociedade.

Existem doutrinadores que defendem que a falta de afeto viola o dever

jurídico de cuidado que é imposto aos pais em relação aos seus filhos (art. 277 da

Constituição Federal), gerando a responsabilidade daquele que não cumpre com o

preceito constitucional. Por outro lado, há quem defenda a impossibilidade de

aplicação da responsabilidade civil em decorrência de sua peculiaridade.

É fato incontroverso que a falta de afeto gera conseqüências de ordem

psicológica aos filhos, gerando em determinados casos a necessidade de uma

intervenção do poder judiciário, pois é de conhecimento comum que é no meio

familiar que uma criança ou adolescente desenvolve as suas potencialidades

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emocionais e intelectuais e ocorre que não são todos os pais que se preocupam em

cuidar e educar os seus filhos de uma maneira equilibrada.

São inúmeros os traumas psicológicos de natureza irreparável que podem

surgir em uma criança que não teve uma convivência saudável com seus genitores,

no período de sua formação e desenvolvimento psicológico e social.

É importante ressaltar que uma boa formação familiar não repercute apenas

em um único indivíduo, mas na sociedade como um todo, ao passo que a sociedade

nada mais é do que uma união de várias famílias.

O afeto à criança e ao adolescente dentro do meio jurídico vai muito além de

ser apenas um sentimento, ele está diretamente ligado à noção de responsabilidade

e de cuidado.

O presente projeto visa analisar a responsabilidade civil dos genitores por

abandono afetivo do menor e a intervenção do Poder Judiciário. Para tanto, será

abordada a evolução do direito de família, a responsabilidade civil, o princípio da

dignidade da pessoa humana e o direito ao convívio familiar.

Para a elaboração deste trabalho, dividiu-se o presente estudo em 08

capítulos, iniciando com a análise da evolução do direito de família no Brasil e a

responsabilidade civil. Aprofundando na aplicação da responsabilidade civil no

direito de família, abordando a existência do dano moral, seus elementos

caracterizadores, da ilicitude, da culpa, nexo causal e do valor sobre a

compensação. Encerrando com posicionamentos a favor e contra e o entendimento

do STJ e conclusão.

O método utilizado para a elaboração do presente estudo foi a análise

bibliográfica, artigos científicos, doutrinas, legislação e jurisprudência relativos à

responsabilidade civil aplicada ao abandono afetivo do menor.

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2. A EVOLUÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA NO BRASIL

Ao longo da História da humanidade, a família sofreu e vem sofrendo

inúmeras transformações, gerando casos que necessitam de amparo jurisdicional. O

Direito de Família não pode ficar inerte a essas transformações, porém ainda há

casos como o abandono afetivo paterno-filial que não possuem um entendimento

consolidado em leis, sendo portando de fundamental importância abordar o conceito

da entidade familiar para a compreensão da presente monografia.

A palavra família é de origem romana, fumulus, que significa escravo, o

termo família representava um conjunto de escravos e servidores que viviam sob a

autoridade de um pater famílias. Do período entre a Antiguidade e a Modernidade a

noção fundamental da entidade familiar se dividia em uma idéia de subordinação, e

de poder e de mando.

A família é o primeiro agente socializador do ser humano, uma sociedade

natural, sagrada e necessária, formada por indivíduos que são unidos pelo vinculo

sanguíneo, os descendentes, e de afinidade, os cônjuges e parentes que se

agregam à entidade familiar em decorrência do casamento.

O Direito de Família por meio de um conjunto de normas e princípios

regulamenta as relações familiares e tem como finalidade solucionar seus conflitos,

com o intuito de ajudar a sua manutenção para que o indivíduo possa existir como

cidadão, desenvolvendo-se em suas relações interpessoais e sociais de forma

saudável.

A família, assim como o seu dever jurídico, mudou com o passar dos anos e

cabe ao Estado, Poder Legislativo e Poder Judiciário acompanhar, implementando

medidas necessárias para a constituição, desenvolvimento e solução de conflito das

famílias.

Nesse mesmo sentido Maria Berenice Dias (2015, p. 31) defende:

“A família é tanto uma estrutura pública como uma relação privada, pois identifica o indivíduo como integrante do vínculo familiar e também como participe do contexto social. O direito das famílias, por dizer respeito a todos os cidadãos, revela-se como o recorrente da vida privada que mais se presta ás expectativas e mais está sujeito a críticas de toda sorte. ”

O Código Civil de 1916 limitava o conceito de família ao matrimônio. Foi a

Constituição Federal de 1988 que passou a alterar este conceito, baseando-se no

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princípio do pluralismo das entidades familiares, reconhecendo a formação de outras

formas estruturais de se constituir uma família.

Entre o Código Civil de 1916 e o de 2002, sofreu mudanças em decorrência

da evolução natural dos costumes da sociedade, sendo responsáveis pelo fim da

indissolubilidade do casamento e a extensão do poder familiar à mulher, temos a

Constituição Federal de 1988 onde o Direito de Família Brasileiro introduziu a união

estável, reduziu para dois anos o tempo do divórcio direto e determinou a igualdade

aos filhos, independendo se gerados dentro de um casamento ou não, ou se são

adotados.

O princípio da igualdade entre os filhos, que garante os mesmos direitos e

qualificações para eles, está previsto no artigo 1.596 do Código Civil de 2002: “os

filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos

direitos e qualificações, proibidas quais queres designações discriminatórias

relativas à filiação”.

Também com o advento do Código Civil de 2002, que passou a ser

considerada a existência das famílias monoparentais, gerando proteção às suas

relações, inclusive de forma patrimonial. Mas o maior marco histórico no Direito de

Família foi a promulgação da Constituição Federal de 1988, denominada como

“Constituição Cidadã” por promover mudanças na estrutura social e familiar.

A desvinculação da família ao matrimônio deu origem a uma nova realidade

afetiva para o Direito de Família, que passou a ser guiado pelos princípios sócio

afetivos, a família não é apenas aquela formada por mãe, pai e filhos.

Neste mesmo sentido define Maria Berenice Dias (2015, p.29):

“A própria organização da sociedade se dá em torno da estrutura familiar. Foi o intervencionismo estatal que levou à instituição do casamento: nada mais é do que uma convenção social para organizar os vínculos interpessoais. A família formal era uma invenção demográfica, pois somente ela permitiria à população se multiplicar. A sociedade em detrimento do momento histórico, institui o casamento como regra de conduta. Essa foi a forma contratada para impor limites ao homem, ser desejante que, na busca do prazer, tende a fazer do outro um objeto. É por isso que o desenvolvimento da civilização impõe restrições à total liberdade, e a lei jurídica exige que ninguém fuja dessas restrições. ”

A família deixou de ser um fim em si mesma, e de ser interpretada como

uma mera instituição jurídica, passando a ser um instrumento para a promoção da

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personalidade humana, de acordo com a Constituição Federal e o princípio da

dignidade da pessoa humana.

É importante ressaltar que ninguém nasce com o dever de constituir uma

família, o núcleo familiar é um lugar privilegiado, no qual temos um lar afetivo, onde

a pessoa nasce e se desenvolve, em busca de sua felicidade.

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3. RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade civil vem despertando cada vez mais interesse dos

Tribunais, por estar presente no dia a dia de todos.

A responsabilidade civil é declarada como uma sanção, que pode assumir o

caráter compensatório, indenizatório ou de reparação, tendo como finalidade de

restabelecer o “status quo ante” daquele que tenha sido prejudicado em decorrência

de uma ação ou omissão praticado por outrem.

O Direito admite que aquele que dê causa a um prejuízo material ou moral a

outrem, repare o dano em razão da sua ação ou omissão.

A responsabilidade civil é uma matéria viva e muito dinâmica, que passou

por uma grande evolução ao longo do século XX, podendo ser considerada a área

da ciência jurídica que sofreu mais alterações; mais do que o próprio Direito de

Família, inclusive.

Os casos de reparação civil moral não são fáceis de mensuração ou

valoração, ao passo que as relações humanas estão em constante desenvolvimento,

originando assim novos conflitos, que requerem soluções mais adequadas. Por este

motivo, a aplicação da responsabilidade civil se desenvolve em diversos campos da

vida em sociedade, sendo ilimitada a sua incidência e repercussão em todas as

atividades humanas.

A Constituição Federal garante o direito à liberdade, a todos os indivíduos,

porém, todos estão sujeitos a agir em conformidade com o ordenamento jurídico,

devendo obedecer às regras de convívio social, sendo possível uma

responsabilização quando ocorrer um ilícito.

A aplicação da responsabilidade civil no Direito de Família, principalmente

nos casos de abandono de menores, possui posições ainda muito divergentes, na

doutrina e na jurisprudencial, porém, visam o reconhecimento do direito do menor,

resguardando aquele que tenha sido prejudicado na esfera cível e pela aplicação de

uma sanção no âmbito civil ao agente causador do dano.

Com o objetivo de estabelecer a harmonia da sociedade, os Tribunais se

sentiram na obrigação de regulamentar situações como esta, tendo em vista que

não há lei que aborde o tema, para que este dano fosse definitivamente reparado de

forma eficaz e que impedissem a ocorrência de novos casos de abandono parental.

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A responsabilidade civil visa, portanto, reestabelecer o equilíbrio social, a fim

de que aquele que se sentiu lesado não tenha que suportar os prejuízos que foram

causados por um terceiro.

3.1 CONCEITO

O ordenamento jurídico tem como principal objetivo proteger as relações

lícitas e reprimir as ilícitas. Toda ação ou omissão que acarretar em prejuízo a

outrem deverá ser reparado, baseado na responsabilidade civil, pois tem como

objetivo restaurar a harmonia e o equilíbrio moral e patrimonial que tenha sido

prejudicado em razão do dano ocorrido, devendo o causador do prejuízo restaurar

ao “status quo ante”.

O Código Civil em seu artigo 927 (Parte Especial, Livro I, Título IX), define o dever de indenizar como uma obrigação:

“Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

Os artigos 186 “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligencia ou

imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral,

comete ato ilícito” e o 927 “Aquele que por ato ilícito (artigos. 186 e 187), causar

dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”, também definem a responsabilidade civil.

E neste mesmo sentido afirma Gonçalves (2012, p.01):

Toda atividade que acarreta prejuízo traz em seu bojo, como fato social, o problema da responsabilidade. Destina-se ela a restaurar o equilíbrio moral e patrimonial provocado pelo autor do dano. Exatamente o interesse em restabelecer a harmonia e o equilíbrio violados pelo dano constitui a fonte geradora da responsabilidade civil.

Conceitua também Maria Helena Diniz (2011, p.51):

Aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ator por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa à ela pertencente ou por simples imposição legal.

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Podemos concluir, portanto que a aplicação da responsabilidade civil é a

obrigação de reparação prevista em lei, a qual impõe ao sujeito que por culpa ou

omissão tenha gerado um dano a um terceiro. A responsabilidade civil é considerada

como uma sanção, que pode assumir caráter compensatório, indenizatório ou de

reparação.

A responsabilidade civil consiste em uma obrigação de reparar um dano,

quando possível. Passamos então a analisar a finalidade da responsabilidade civil,

que visa reestabelecer o status quo ante ao dano e na sua impossibilidade indenizar

por seus prejuízos.

A responsabilidade civil pode ser dividida em contratual e extracontratual.

3.2. CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL

A responsabilidade civil é dividida em contratual e extracontratual. Um

contrato que é estabelecido entre as partes, onde o dano surja de um

descumprimento por uma das partes, é uma responsabilidade contratual e não

dependerá de comprovação de culpa do agente, por ser presumida. Já a

responsabilidade extracontratual, decorre de uma lei, e necessita de comprovação

de culpa e dano sofrido.

3.3. TEORIA OBJETIVA E TEORIA SUBJETIVA

O elemento subjetivo de culpa é que faz a distinção entre estas duas

espécies de responsabilidade.

A culpa ou dolo é requisito essencial para configurar o dever da

responsabilidade civil subjetiva. Já na objetiva dispensa-se esse elemento, não

sendo necessário, sendo indiferente a presença de culpa.

Sergio Cavalieri Filho (2009, p. 135 e 136) define: “O causador do dano, até

provar em contrário, presume-se culpado, cabendo-lhe elidir essa presunção, insto

é, provar que não teve culpa, o que, sem dúvida, favorece sobremaneira a posição

da vítima.”.

Para o estudo da aplicação da responsabilidade civil no Direito de Família,

deve ser analisada a responsabilidade subjetiva, a qual pressupõe a violação de um

dever, de não causar dano a alguém.

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3.4 ELEMENTOS

Para analisar a responsabilidade civil subjetiva é necessário analisar seus

quatro elementos: a ação ou omissão, a culpa (sentido “lacto senso”), o dano e o

nexo causal.

É essencial a análise de todos estes elementos na aplicação da

responsabilidade subjetiva, pois a falta de um deles descaracteriza o dever de

reparar, sendo necessário, portanto, a presença de todos os seus elementos.

3.5 CONDUTA

Não é possível falar de responsabilidade civil subjetiva sem a existência de

um ato ilícito, seja uma ação ou omissão que cause dano a outrem e contrarie o

ordenamento jurídico.

De acordo com Sergio Cavalieri Filho (2009, pg. 24):

A ação é a forma mais comum de exteriorização da conduta, porque fora do domínio contratual, as pessoas estão obrigadas a abster-se da prática de atos que possam lesar o seu semelhante, de sorte que a violação desse dever geral de abstenção se obtém através de um fazer.

A ação é facilmente analisada, pois é uma exteriorização de uma conduta

humana, diferente da omissão.

A responsabilidade por omissão só pode ser aplicada a quem tiver o dever

jurídico de agir, por exemplo, um pai que deixa de alimentar seu filho respondera

civil e criminalmente por esta omissão.

Conforme Sergio Cavalieri Filho (2009, pg. 24):

“(...) a omissão adquire relevância jurídica, e torna o omitente responsável, quando este tem dever jurídico de agir, de praticar um ato para impedir o resultado, dever, esse, que pode advir da lei, do negócio jurídico ou de uma conduta anterior do próprio omitente, criando o risco de ocorrência do resultado, devendo, por isso, agir para impedi-lo. ”

3.6 DANO

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O dano é essencial para a aplicação da responsabilidade civil, pois não há

que se falar em indenização ou dever de ressarcimento sem a existência de um

dano, que pode ser patrimonial e extrapatrimonial.

O dano patrimonial é aquele que atinge os bens integrantes do patrimônio da

vítima, ele é susceptível de avaliação pecuniária, podendo ser reparado de forma

direta, pela restauração natural estabelecendo o “staus quo ante”, ou indiretamente,

por meio de uma indenização.

Cabendo ao autor o ônus da prova, a constatação do dano é de suma

importância para a aplicação da responsabilidade civil, seja ele patrimonial ou moral.

O dano moral está presente na Constituição Federal no artigo 5º V e X e no

Código Civil no artigo 186, definindo como uma lesão de âmbito psíquica, que fere o

indivíduo em seu foro íntimo, gerando transtornos mentais por aquele que feriu os

seus direitos de personalidade.

Conforme Sergio Cavalieri Filho (2009, pg. 80 e 81):

“À luz da Constituição vigente, podemos conceituar o dano moral por dois aspectos distintos. Em sentido estrito, dano moral é a violação do direito à dignidade. E foi justamente por considerar a inviolabilidade da intimidade, da vida privada da honra e da imagem corolário do direito à dignidade que a Constituição inseriu em seu art. 5º, V e X, a plena reparação do dano moral. (...) em sentido amplo, envolve esses diversos graus de violação dos direitos da personalidade, abrange todas as ofensas à pessoa, considerada está em sua dimensão individual e social, ainda que sua dignidade não seja arranhada.”

O dano moral é uma ofensa à dignidade da pessoa humana que pode ser

com ou sem uma reação psíquica da vítima, como dor, vexame e sofrimento,

admitindo, assim, o reconhecimento do dano moral a todas as pessoas que tenham

ou não discernimento, exemplo, doentes mentais.

3.7. NEXO DE CAUSALIDADE

O nexo de causalidade é o primeiro ponto a ser analisado na solução de

qualquer caso que envolva a responsabilidade civil, antes de definir a culpa ou não

do agente, deve-se apurar se ele deu causa ao resultado.

Este conceito decorre das leis naturais e não jurídicas. É um requisito lógico,

pois não basta que o agente tenha sofrido um dano é necessário que este dano

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tenha sido causado pela conduta ilícita do outro agente, existindo assim uma relação

de causa e efeito.

Sergio Cavalieri Filho (2009, pg. 46) discorreu sobre o tema:

“A relação casual, portanto, estabelece o vínculo entre um determinado comportamento e um evento, permitindo concluir, com base nas leis naturais, se a ação ou omissão do agente foi ou não causa do dano. Determina se o resultado surge como consequência natural da voluntária conduta do agente. ”

Silvio de Salvo Venoza (2007, p. 46) discorre sobre o tema:

“O que importa é estabelecer em face do direito positivo, que houve uma violação de direito alheio e um dano, e que existe um nexo causal, ainda que presumido, entre um e outro. Ao juiz cumpre decidir com base nas provas que ao demandante cumpre produzir. ”

Pode-se afirmar que o nexo de causalidade é indispensável para aanálise de

qualquer espécie de responsabilidade civil, pois pode haver responsabilidade

objetiva sem culpa, porém não sem nexo de causalidade.Conclui-se, portanto, que

para se configurar dano, deverá estabelecer a ligação do abandono culposo e o

dano sofrido, ainda que seja comprovada a culpa do genitor que assume a conduta

omissiva e o dano do filho que foi abandonado.

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4. O DANO MORAL

A idéia de reparação do dano moral surgiu com o advento da Constituição

Federal de 1988: Anteriormente, o Poder Judiciário não apreciava o dano moral sob

a alegação de não ter legislação reguladora ou sobre a dificuldade de auferir a

pretiumdoloris. Havia uma postura patrimonialista em que não existia a

compreensão a respeito sobre os danos pessoais subjetivos.

Em que pese a influência histórica do Código de Napoleão, que influenciou o

nosso estatuto civil, a jurisprudência e a doutrina começaram a aceitar aos poucos a

relação dos danos extrapatrimoniais, ao passo que nenhuma matéria pode ser

excluída da tutela do Estado uma vez que o seu objetivo é alcançar o equilíbrio

sobre as relações sociais humanas.

O dano moral é o dano que atinge o ofendido como pessoa, não lesando

necessariamente o seu patrimônio. Possui previsão legal no artigo 5º da

Constituição Federal de 1988 e está fundamentado no princípio constitucional da

dignidade da pessoa humana. Atualmente existem inúmeras definições doutrinas a

respeito, Carlos Roberto Gonçalves (Gonçalves, 2015, p. 388) define:

“Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1, III, 5, V e X da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação”.

A jurisprudência, que anteriormente negava a reparação do dano moral ou

que admitia apenas quando houvesse reflexo de ordem econômica, passou a

acolher reparação do dano moral de forma pura, por entender que uma afronta à

determinada espécie de direito não poderia deixar de receber a necessária resposta

por parte da ordem jurídica.

A Constituição Federal não impôs parâmetros e nem limitações quanto à

fixação da quantificação do dano moral, restando tal responsabilidade aos

Magistrados um arbitramento em valor, avalizando o grau de culpa e a extensão do

dano sofrido. Devem os Magistrados respeitar o artigo 4º da Lei de Introdução ao

Código Civil Brasileiro, que determina: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o

caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”.

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Os Magistrados ao analisarem um caso de dano moral, devem observar

além da condição econômica das partes, a proporcionalidade em relação agravidade

do ofendido, e cuidando para definir o valor da indenização para não ser um valor

muito baixo e nem muito alto e que expresse a ideia de reparação de caráter

punitivo e compensatório.

Não estão incluídos no campo do dano moral os meros aborrecimentos, que

fazem parte da normalidade do nosso cotidiano, situações que embora

desagradáveis não são intensas e nem duradouras, e que não geram um transtorno

psicológico no indivíduo de forma relevante.

Podem ingressar com a ação de reparação de dano moral, além do próprio

ofendido, seus herdeiros, cônjuges ou companheiros e membros de sua família, que

possuam vínculo afetivo. No caso dos incapazes e relativamente incapazes, cabe ao

seu representante legal ingressar com a ação, ainda que não entendam o significado

do dano que lhes foi causado por ora, sendo necessário ser analisado cada caso de

modo especial, tendo em vista que cada um reage e sente de formas diferentes.

4.1. DANO MORAL NAS RELAÇÕES DE FILIAÇÃO

O Código Civil de 1916 já previa a indenização a título de dano moral nos

casos em que houvesse lesão corporal, que gerasse um dano irreparável ou que

fosse cometido contra a mulher solteira ou viúva ainda capaz de casar, como ofensa

a sua honra, promessa de casamento, rapto, sedução, calúnia e outros. O valor

prefixado para o cálculo da indenização era o da multa criminal prevista para cada

hipótese.

O Código Civil de 2002, em decorrência da Constituição Federal de 1988,

prevê a reparação do dano moral em seu artigo 186: “Aquele que, por ação ou

omissão voluntária, negligencia ou imprudência, violar direito e causar dano a

outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

A família passou a se basear na ideia de igualdade entre seus membros,

cônjuges e conviventes, atribuindo a dignificação dos direitos da personalidade e

que são titulares de forma distinta do núcleo familiar. Há uma necessidade maior de

se alcançar o respeito mútuo entre aqueles que formam o mesmo núcleo familiar, o

poder familiar não tem mais um caráter absoluto.

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É de responsabilidade dos genitores a criação de seus filhos, não sendo

suficiente apenas a prestação de alimentos. Assim define Carlos Roberto Gonçalves

(capítulo V. 2008):

“Poder familiar é um conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, no tocante à pessoa e aos bens dos filhos menores.” “O intuito em apreço resulta de uma necessidade natural. Constituída a família e nascidos os filhos, não basta alimentá-los e deixá-los crescer à lei da natureza, como os animais inferiores. Há que educá-los e dirigi-los”.

O poder de família ou também chamado de pátrio poder ou poder paternal,

faz parte do estado da pessoa, não pode ser alienado nem renunciado, delegado ou

substabelecido. Qualquer abdicação deste poder, sendo pelo pai ou pela mãe, é

nulo. A perda do poder familiar só é possível na forma e nos casos expressos na lei,

cuja necessidade será avaliada pelo juiz.

Em nosso Poder Judiciário há um número crescente de demandas, em que

um filho ingressa com ação indenizatória contra um ou ambos os genitores em

decorrência do seu abandono afetivo, ou seja, por eles não terem prestado com

seus deveres, decorrentes do poder de família.

A responsabilidade civil como instrumento de pacificação social sofre

transformações ao longo dos tempos e não é diferente nas relações familiares, que

não se contentam apenas com a reparação de lesão puramente econômica, uma

vez que o ser humano é visto de forma mais ampla, na qual se destacam seus

valores intrínsecos, elevando-se a dignidade humana à categoria de direito

fundamental, previstos nos direitos que são inerentes à personalidade.

A responsabilização tem dois objetivos: o de compensar aquele que sofreu a

agressão moral e de repreender aquele que agiu de forma ilícita. É de suma

importância afastar a idéia de que a aplicação da responsabilidade civil no âmbito

das relações familiares pode ser um risco à instituição familiar, pelo temor de romper

os seus vínculos afetivos.

No Direito de Família, a responsabilização civil possui caráter preventivo e

educador, por meio de uma sanção individual com reflexo em toda a sociedade, sem

que se tema a “patrimonialização” que pode decorrer deste instituto, que

impossibilitam a penalidade da violação dos deveres morais, presentes no direito de

personalidade e na formação do filho.

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5. APLICAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DE

FAMÍLIA

A família possui proteção jurídica especial em nosso ordenamento, por ser

um instituto fundamental, tendo disposição legal em diversos artigos com a

finalidade de regulamentação.

O Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, previsto no

artigo 1º, III da Constituição Federal de 1988 é a base legal da reparação por dano

moral, juntamente com o artigo 186 do Código Civil 2002, defendem os valores da

pessoa humana, sem elevar a subordinação delas aos interesses familiares.

Não há leis que obriguem um pai a amar seu filho, embora isso devesse

ocorrer de forma voluntária. Porém o dever de cuidar é garantido pelo Superior

Tribunal de Justiça, como podemos analisar no REsp 1.159.242/SP:

“Vê-se hoje nas normas constitucionais a máxima amplitude possível e, em paralelo, a cristalização do entendimento, no âmbito cientifico, do que já era empiricamente percebido: o cuidado é fundamental para a formação do menor e do adolescente: ganha o debate contornos mais técnicos, pois não se discute mais a mensuração do intangível – o amor – mas, sim, a verificação do cumprimento, descumprimento, ou parcial cumprimento, de uma obrigação legal: cuidar. (STJSP 3ª Turma Recurso Especial nº 1.159.242/SP (2009/0193701-9) Rel. Min. Nancy Andrighi).

Ao conceberem um filho, os pais agem por escolha, por meio de um ato

volitivo. Com o nascimento desta criança, estabelece-se uma relação de filiação,

gerando direitos e deveres que são inerentes ao Poder de Família.

A obrigação decorrente do Poder Familiar não é apenas do pai ou da mãe, e

sim da família em seu contexto sócio afetivo, cabendo aos pais adotivos, madrasta

ou padrasto, avós, tios e aqueles que convivem de forma direta com a criança ou

adolescente.

A aplicação da responsabilidade civil no Direito de Família tem como objetivo

estabelecer uma indenização pecuniária como um meio de suprir um dano causado

em decorrência do abandono afetivo parental. A inobservância do regramento

jurídico, acarreta, portanto em um ilícito civil.

O artigo 186 do Código Civil de 2002 dispõe: “aquele que, por ação ou

omissão voluntária, negligencia ou imprudência, violar direito e causar dano a

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outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”, sendo complementado

pelo artigo 927 do mesmo código “aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem

fica obrigado a repará-lo. ”.

Não há previsão legal para o abandono afetivo, e nem estipulações punitivas

neste sentido, a negligência dos pais está no âmbito de sua liberdade. Porém, em

decorrência das conseqüências do abandono, que podem ser bastante prejudiciais

ao indivíduo, devem estar cientes de que deverão arcar com a responsabilidade por

suas condutas.

O abandono afetivo gera um desamparo por parte do agente passivo e é tão

prejudicial quanto o abandono material, pois a carência material pode ser suprida

com a dedicação de um dos genitores, porém o afeto não.

A psicologia defende que as relações entre pais e filhos geram reflexos

diretos no desenvolvimento pessoal da criança, sendo os primeiros anos de vida

cruciais para o desenvolvimento emocional, e a família a principal responsável por

desenvolver pessoas saudáveis emocionalmente, felizes e equilibradas ou pessoas

inseguras, deprimidas e desequilibradas. Afinal, é a família que socializa uma

criança, inserindo-a na sociedade. Uma convivência sadia com a família é quesito

indispensável para formar o temperamento e o caráter de uma pessoa, portanto, o

segredo de uma estrutura social é uma sólida estrutura familiar.

O abandono da família assim como a sua desestruturação é fonte de

carências afetivas, que geram danos materiais e morais a uma criança.

O dano moral é a violação do direito à dignidade do indivíduo, e é

perfeitamente cabível no Direito de Família. Este é o entendimento de Bernardo

Castelo Branco (2006, p. 116):

“Havendo violação dos direitos da personalidade, mesmo no âmbito da família, não se pode negar ao ofendido a possibilidade de reparação do dano moral, não atuando esta como fator desagregador daquela instituição, mas de proteção da dignidade de seus membros. A reparação, embora expressa em pecúnia, não busca, neste caso, qualquer vantagem patrimonial em beneficio da vitima, relevando-se na verdade como forma de compensação diante da ofensa recebida, que em sua essencial é de fato irreparável, atuando ao mesmo tempo em seu sentido educativo, na medida em que representa uma sanção aplicada ao ofensor, irradiando daí seu efeito preventivo. ”.

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A Constituição Federal regulamenta os deveres parentais, assim como o

Poder Familiar com base nos direitos fundamentais, pautando-se na proteção e

dignidade da pessoa humana, e assegurando o dever de cuidado do menor.

É o dever de cuidado que torna possível a aplicação da responsabilidade

civil, no âmbito das relações familiares quando os pais se eximirem de suas funções

ou causarem danos à dignidade e à personalidade da criança e do adolescente.

A espécie de reparação é a de ordem moral, decorrente do abandono

afetivo, por se tratar de um prejuízo que não se encontra na esfera patrimonial, por

envolver sentimentos.

O dano moral decorre de uma ofensa ao sentimento interior de cada um,

sendo caracterizado pelo abalo emocional, que pode desencadear transtornos de

ordem psicológica. É importante frisar que não é qualquer sofrimento que necessita

de uma reparação por danos morais, pois é certo que qualquer pessoa pode vir a se

decepcionar, sofrer com coisas do cotidiano de uma família. Para estes sofrimentos

suportáveis, as pessoas deverão buscar a solução por si próprias, sem necessitar da

intervenção do poder judicial.

Para analisar se há dano moral ou não no caso concreto, deve-se compará-

lo ao patamar mediano, analisando se aquela dor é suportável ou não. Deve-se levar

em consideração que as pessoas são diferentes entre si, e têm necessidades

próprias; o que pode ser aceitável para uma, pode não ser para outra. Como isso é

preciso estabelecer que somente aqueles danos que têm relevância merecem a

atenção do Poder Judiciário.

É possível, portanto, constatar que o abandono afetivo parental preenche os

requisitos de aplicação da responsabilidade civil, tornando possível o egresso de

ações judiciais para aquele que se sentiu lesado em decorrência da ausência na

presença paterna ou materna. Em que pese não seja sua função punir o agente

causador do dano, função esta exclusiva do Direito Penal, a responsabilidade civil é

uma espécie de sanção civil destinada ao agente, com a finalidade de desestimular

a sua prática e reparar o prejuízo sofrido pelo lesado.

A indenização deverá ser aplicada na exata proporção do dano sofrido. Os

danos morais são de difícil mensuração, porém não podem deixar de ser analisados

como ocorria anteriormente, mudança que está presente na Constituição de 1988.

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6. OS EFEITOS DA AFETIVIDADE E DO ABANDONO PERANTE A

LEGISLAÇÃO BRASILEIRA.

A Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente adotam a

posição de proteção integral, ao definirem que a criança e ao adolescente são

sujeitos de direitos e os protegendo de toda forma de negligência. O Direito

Brasileiro repudia o abandono, seja material ou moral, do menor, ainda que não

tenha previsão expressa neste sentido e nem punição para quem o faz. A

Constituição Federal prevê em seu artigo 227, caput:

“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à

criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o

direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à

profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a

convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de

toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,

crueldade e opressão”

Os pais são os principais responsáveis pela formação dos

filhos.Independentemente de sua situação conjugal, sua boa relação contribui de

forma significativa para o seu crescimento e desenvolvimento como pessoa, como

exposto no artigo 1.634, I do Código Civil. E o seu descumprimento pode acarretar

na suspensão ou perda do poder familiar.Recentemente, o STF abrangeu as

sanções, incluindo a responsabilização civil do genitor pelo dano moral.

O abandono moral do menor pressupõe ausência de vínculos afetivos entre

os pais e seus filhos. O sentimento de abando fere a parte subjetiva do ser, aquele

que foi abandonado se sente menosprezado como ser humano. A falta de recursos

materiais não constitui motivos suficientes para a perda do poder familiar e nem para

responsabilização civil, assim como a prestação de alimentos por si só não

demonstra a participação do pai na vida de seu filho.

Segundo José Luiz Mônaco da Silva:

“O contrário sensu, se os pais forrem irresponsáveis, omissos, não cumpridores do mínimos encargos legais, ai sim perderão não

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apenas a guarda do filho mas também o pátrio poder, complexo de direitos e obrigações que recai sobre a pessoa e os bens dos filhos. É que, in casu, à insuficiência de recurso aliou-se uma outra causa: na inaptidão para o exercício das obrigações previstas tanto no Estatuto da Criança e do Adolescente quanto no Código Civil. ”(apud Valter KenjiIshida, 2015, pg 59)

O abandono dos genitores é a situação mais freqüente para a destituição do

poder familiar. Configura-se abandono a partir da conduta omissiva, de forma

intencional ou culposa, diante da assistência material e psicológica ao menor. É

utilizado o conceito do direito penal, exigindo a habitualidade, ou seja, a reiteração

da conduta pode ensejar a sanção civil de perda do poder familiar. É importante

frisar que a perda do poder familiar ainda que a maior sanção que um pai pode

receber, não afasta a possibilidade de uma responsabilização civil pelos seus atos

praticados contra o menor.

As crianças e adolescentes não possuem maturidade psicológica suficiente

para lidar e até mesmo entender o fato de serem abandonados por seus pais,

aqueles que deveriam lhes dar proteção e cuidados. O fato de terem que conviver

com a rejeição e a indiferença geram inúmeros danos de ordem emocional, pois é

nesta fase da vida que eles mais sentem a necessidade de terem relações com seus

pais, de se sentir amados e protegidos por eles.

É possível observar que, atualmente, em decorrência das mudanças de

padrões familiares e de suas novas representações sociais, é crescente o número

de casos em que pais não reconhecem e também não assumem assuas

responsabilidades, no desenvolvimento, na formação e até mesmo na convivência

com seus filhos.

A psicanalista Anna Freud relata que para uma criança a realidade física de

sua concepção não é causa direta para uma ligação emocional, sendo resultado da

atenção às suas necessidades de cuidado, alimentação e afeto. Apenas os pais que

estão presentes de forma ativa no cotidiano de seus filhos constroem um

relacionamento psicológico, tornando-se, assim, “pais psicológicos”. Pais biológicos

que não estão presentes no cotidiano da criança se tornam pessoas estranhas a ela.

Anna Freud ressalta, ainda, que melhor do que possuir um pai biológico distante é

ter um pai psicológico presente.

Para Gabriel Chalita, em sua obra Educação – A solução está no afeto:

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“A preparação para a vida, a formação da pessoa, a construção do ser são responsabilidades da família. É essa a célula-mãe da sociedade, em que os conflitos necessários não destroem o ambiente saudável. ”

As crianças se desenvolvem de acordo com as influências que possuem em

casa, que tem um convívio direto com ela. As capacidades intelectuais, emocionais

e morais se desenvolvem dentro do âmbito familiar, e refletem em suas relações

sociais, na medida em que as crianças que crescem juntas de seus pais tem uma

maior autonomia, um melhor desenvolvimento intelectual e apresentam um

percentual menor de depressão.

A família deve ser o porto seguro para uma criança. Os pais que dedicam

uma parte de seu tempo livre proporcionando lazer, educação e uma série de

atividade culturais enriquecem a educação de seus filhos, e essa base familiar

envolve as atividades que os acompanham para vida.

Não basta ser pai biológico e prestar alimento ao seu filho, pois o sustento é

apenas uma parcela de seus deveres, é preciso que um pai arque com suas

responsabilidades em um âmbito geral, no seu sustento, guarda, amor e educação.

A educação não é limitada à escolaridade, mas também ao convívio familiar,

pequenas atividades como dar um passeio no parque, brincar, buscar na escola

estabelecem laços afetivos que ajudam o desenvolvimento da criança.

O abandono afetivo por parte de um dos genitores é um sofrimento que

nunca será suprido. O dever de indenizar traduz o fato de que o dano sofrido pelo

menor é baseado na negligência de seu genitor, tendo em vista que configurou uma

espécie de dano moral em decorrência da ofensa ao direito de personalidade da

criança.

Outro aspecto relevante no que se refere ao descumprimento dos deveres

parentais é a perda do poder familiar como forma de punição aos pais que

descumprem a obrigação de criação dos filhos, prevista no artigo 1.638, II do Código

Civil de 20021. Nestes casos, não é possível afastar a possibilidade de indenização

ou compensação, uma vez que a indenização visa resguardar a integridade do

menor, enquanto a responsabilidade visa a compensação dos prejuízos oriundos da

inobservância do dever de cuidado e assim reprimir tal conduta.

1Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: [...] II- deixar o filho em

abandono.

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Conclui-se que para uma criança ter um bom desenvolvimento psicológico é

necessário que ela tenha um bom desenvolvimento familiar, sob pena de

interferência na sua personalidade. É necessário buscar assegurar a dignidade do

menor, suprindo suas necessidades básicas, não apenas as financeiras, mas

também as psíquicas, pois o afeto é fundamental para o desenvolvimento de forma

sadia, e cabe aos pais o encargo de passarem a seus filhos os valores, do que é

certo e errado, proteger e se fazer presente e acompanhar o seu crescimento e

amadurecimento.

São inúmeros os casos de crianças que se isolam do convívio social com

outras crianças por se acharem indignas de ter uma companhia, por se sentirem

rejeitadas e abandonadas pelo fato de não terem afeto e assistência psicológica de

seus pais, apresentando assim distúrbios emocionais e de comportamento.

Crianças e adolescentes que convivem com seus pais têm estímulo para

prosperarem, aprenderem coisas novas, além de se sentirem mais confiantes do

que as outras. Para elas é muito importante ter alguém que acompanhe o seu

desenvolvimento pessoal, que elogie o seu progresso, que lhes incentive e dê

segurança, para que continuem aprendendo e evoluindo.

O abandono afetivo por parte dos pais é um fenômeno social muito

preocupante, por gerar consequências terríveis, como o aumento de delinquência

juvenil e o aumento de crianças na rua. O Promotor Miguel GranatoVeslasquez, em

seu artigo HECTOMBE X ECA:

“O abandono e a negligência familiar e a falta de afeto e diálogo também são problemas comuns que afligem os jovens, não sendo de espantar que mais de 90% dos adolescentes infratores internados provenham de famílias bastante desestruturadas, marcadas por agressões físicas e emocionais, problemas psiquiátricos e pela ausência das figuras paterna e materna, seja pela rejeição pura e simples, seja pela morte ou doença, muitas vezes causadas também pela violência urbana”.(Velasquez, 2010).

É importante reforçar que uma mãe ou um pai podem criar seus filhos

sozinhos, dando-lhes amor, carinho, sustento e suprindo a ausência do outro. Mas o

abandono afetivo por um de seus pais é configurado quando a criança tem a

consciência de que seu pai/mãe está vivo e mesmo assim não está presente na vida

de seu filho, o rejeitando/renegando, gerando assim sofrimento, onde ele se sente

desprezado e sendo possível gerar um trauma afetivo.

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Ainda que o outro genitor se esforce para suprir a ausência, é impossível

que o fato da criança ter sido abandonada não acarrete em sofrimento. Sempre há o

questionamento do porquê ter sido abandonado, o que ocorre geralmente em datas

comemorativas, como o dia dos pais ou das mães, em que a criança espera que ele

ou ela compareça ao evento em sua escola ou até mesmo uma ligação.Tais

situações geram uma expectativa, ansiedade na espera de uma demonstração de

afeto gerando assim uma decepção e frustração. Para cada omissão e ausência dos

pais aumenta o sentimento de desprezo e solidão, aumentando assim os danos

psicológicos. A indiferença por parte dos genitores é causa para inúmeros

transtornos psicológicos, por exemplo, baixa autoestima.

O artigo 1.638, II do Código Civil prevê que em caso de descumprimento do

Poder Familiar cabe a punição aos pais, com a perda do poder familiar. A perda do

poder familiar não afasta a possibilidade de indenização ou compensação, tendo em

vista que esta medida busca resguardar o melhor interesse do menor, enquanto a

indenização visa uma compensação aos prejuízos que lhe foi causado.

A Constituição Federal não obriga ninguém a amar o outro, porem garante

que o genitor além de prestar alimentos, fornecendo cuidados à sua prole. A

população de modo geral sabe das consequências do abandono afetivo, mesmo

assim, algumas pessoas parecem não se importar, inibem-se das responsabilidades

da paternidade/materna e desinteressam-se pela vida e futuro de seus próprios

filhos.

A criança ou adolescente que,em decorrência do abandono afetivo,

apresentou diversas dificuldades para se desenvolver de forma saudável tem o

direito de ser ressarcida por seus danos morais, pelos ofensores, não os obrigando

a dar afeto, mas respondendo por suas omissões, através da reparação dos

prejuízos de ordem moral, com o objetivo de minimizar os danos sofridos pelo

menor.

É de suma importância assegurar a dignidade da criança e do adolescente,

suprindo suas necessidades físicas e psíquicas, sendo que a violação dos direitos e

garantias fundamentais gera um dever de reparação.

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7. A RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DOS DANOS AFETIVOS

A família representa uma das estruturas mais importantes da nossa

sociedade e, ainda que depois de inúmeras transformações em sua configuração,

possui uma proteção especial do Poder Judiciário.

Aos genitores cabe a responsabilidade de educar, criar e cuidar seus filhos,

garantindo, assim, a eles a dignidade da pessoa humana. Neste mesmo sentido

Munir Cury (2002, p.23):

“(...). Se a família for omissa no cumprimento de seus deveres ou se agir de modo inadequado, poderá causar graves prejuízos à criança ou ao adolescente, bem como a todos os que se beneficiariam com seu bom comportamento e que poderão sofrer os males de um eventual desajuste psicológico ou social.”

Não há lei que obrigue alguém a amar, ainda que seja de um pai amar o seu

filho. Porém, a Constituição e o Poder Judiciário de um modo geral preveem a

prestação de cuidados como um dever dos genitores.

Pois no momento do nascimento de uma criança se estabelece a relação de

filiação, entre pai e filhos, gerando com isso, a responsabilização civil, que

pressupõe direitos e deveres,os quais são inerentes ao Poder de Família. A sua

inobservância gera um ilícito, que quando reconhecido o nexo causal da culpa com

os danos sofridos geram uma responsabilização civil e o dever de reparação. Neste

mesmo sentido, prevê o artigo 186 do Código Civil, “Aquele que, por ação ou

omissão voluntária, negligencia ou imprudência, violar direito e causar dano a

outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” e o artigo 927 também

do referido diploma, “Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a

outrem fica obrigado a repará-lo”.

Há de se reconhecer que não há proibição em nosso ordenamento jurídico

ao reconhecer o dano moral no direito de família, bem como a necessidade de

responsabilização civil como forma de reparação, pois a omissão e negligência por

parte dos genitores, em face de sua relevância e gravidade são passíveis de serem

indenizadas civilmente.

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A Constituição Federal, em seu artigo 5º, incisos V e X2 assegura os direitos

fundamentais do ser humano, nos quais se baseia o princípio da proteção integral e

dignidade da pessoa humana, que regulam os direitos e deveres do Poder Familiar.

É plenamente possível que um filho recorra ao Poder Judiciário para pleitear

reparação civil em decorrência de danos morais face ao abandono afetivo, não

sendo necessária a existência de dano patrimonial.

É importante relembrar que não é qualquer sofrimento que gera um dano

moral e nem a necessidade de reparação, pois é certo que todos irão se

decepcionar e sofrer. Portanto, os sofrimentos suportáveis do cotidiano não devem

ensejar uma demanda judiciária.

Para identificar se há dano moral no caso concreto, o dano deverá ser

comparado ao patamar mediano, verificando se a dor sofrida é considerada

suportável ou não. As pessoas são diferentes, sentem de forma diferente, ou seja, a

dor que para uma pessoa é suportável pode não ser para a outra, por este motivo

devemos estabelecer que somente os danos relevantes mereçam a atenção jurídica.

Assim reconhece André Gustavo de Andrade (2009, p.35):

“Procurando adentrar o próprio conteúdo dessa espécie de dano, parte da doutrina apresenta definições que têm, em comum, a referência ao estado anímico, psicológico ou espiritual da pessoa. Identifica-se, assim, o dano moral com a dor, em seu sentido mais amplo, englobando não apenas a dor física, mas também os sentimentos negativos, como tristeza, a angustia, a amargura, a vergonha, a humilhação. É a dor moral ou o sofrimento do indivíduo. ”

A responsabilização civil que decorre do dano moral tem como objetivo

proteger não aqueles direitos que possuem cunho econômico e nem a dor física,

mas sim aquela íntima e intrínseca ao ser humano. Aquele sentimento negativo de

grande proporção e repercussão, a que envolve o sujeito, modificando a sua

personalidade.

Passada a análise de existência do dano moral e a sua intensidade, devem

ser analisados os efeitos causados ao filho que sofreu o abandono afetivo e a culpa

do genitor.

2 Art. 5º:[...] V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por

dano material, moral ou à imagem; VI - [...]; VII – [...]; IX – [...]; X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; [...]

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A conduta danosa do genitor, seja por uma ação ou omissão, só é

indenizável se for de forma consciente, ou seja, é preciso que aquele pai saiba da

existência de seu filho e que depois disso tenha deixado de cumprir com as suas

responsabilidades de genitor.

Podemos concluir, portanto que é indispensável a presença do nexo causal,

entre a conduta, dano e culpa para demonstrar a necessidade da aplicação da

responsabilidade civil no dano moral.

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8. O VALOR DA COMPENSAÇÃO

O dano moral como forma de reparação tem como finalidade compensar um

mal-estar de um dano de ordem psicológica, que atinge a esfera extrapatrimonial,

sem buscar aferir riqueza ou vantagem patrimonial em benefício da vítima. E como

forma de sanção, repreender aquele que agiu de forma ilícita, o que gera reflexos

para toda sociedade e não apenas para quem cometeu o ato ilícito.

Sendo assim, a indenização por danos morais não possui a mesma função

daquela exercida pelos danos patrimoniais, não podendo ser aplicados os mesmos

parâmetros para a sua qualificação.

A fixação do valor indenizatório em decorrência de dano moral deve analisar

a condição econômica da vítima e a capacidade do agente causador do dano.

Pode-se concluir, portanto, que a compensação de ordem moral, ainda que

pecuniária,não tem o objetivo de auferir vantagem patrimonial à vitima, e sim

educativa, na medida em que aplicar uma sanção ao ofensor gera reflexos em toda

população, evitando a incidência de novos casos de abandono.

8.1. PREMISSAS FAVORÁVEIS AO DEVER DE INDENIZAR NA

RELAÇÃO PATERNO-FILIAL.

A corrente positiva defende que a indenização não tem como finalidade

impor o amor ou restabelecê-lo. Por não haver amor nas relações à penalidade

geradora desta obrigação de indenizar não vai acrescentar amor ao pai que

abandonou um filho, mas apenas reparar a configuração da omissão voluntária que

foi prejudicial à formação psicológica desse menor que foi abandonado.

De acordo com a decisão da Sétima Câmara Cível na apelação cível nº

408.550-5 do Tribunal de Alçada de Minas Gerais:

“INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS – RELAÇÃO PATERNO-FILIAL –

PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – PRÍNCIPIO DA AFETIVIDADE. A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana. ”

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No caso supracitado, em decorrência da separação do casal, a guarda do

filho de seis anos ficou com a mãe. O pai cumpriu com as obrigações de prestar

alimentos, porém, não genitor esteve presente na vida do filho. Apesar dos pedidos

da mãe e do filho, o genitor os ignorou, acreditando que o pagamento da pensão

alimentícia seria suficiente para cumprir com o papel de pai. No entanto, o abandono

trouxe ao filho consequências danosas bastante consideráveis, de ordem moral e

psíquica, sendo comprovado nos autos por meio de depoimentos de pessoas que

conviviam com a criança, a existência do dano moral.

É importante ressaltar que os casos de aplicação da responsabilidade civil

no abandono devem ser analisados em suas peculiaridades, sob pena de infringir o

princípio constitucional da razoabilidade.

8.2 PREMISSAS NEGATIVAS AO DEVER DE INDENIZAR NA

RELAÇÃO PATERNO-FILIAL.

O artigo 5º, inciso II da Constituição Federal prevê que “ninguém será

obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”. De

acordo com este dispositivo, poder-se-ia concluir pela impossibilidade de aplicar

punição aquele que não demonstre o afeto aos seus filhos, já que não existe lei que

imponha o dever de amar.

Há posicionamentos que defendem que a condenação de um pai ao

pagamento de uma prestação pecuniária em decorrência de sua ausência/abandono

impedirá que ele se reaproxime daquele filho, de forma que não há contribuição

pedagógica o pagamento de uma indenização para suprir o afeto. Afinal de contas,

uma ação judicial poderia aumentar conflito, impossibilitando qualquer perspectiva

de perdão, compreensão e aceitação.

Para Francisco Alejandro Horne em seu artigo “O não cabimento de Danos

Morais por abandono afetivo do pai” defende a idéia de que não se pode exigir amor

e nem a sua quantificação, ainda que seja configurada a rejeição, isso porque, “o

princípio da liberdade afetiva se sobrepõe a qualquer outro princípio para a

realização da dignidade, visto que não pode exigir afeto.”.

A liberdade afetiva é considerada superior aos princípios da dignidade

humana, pela corrente negativa defendendo, ainda, que a indenização por dano

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moral é abusiva, uma vez que o pagamento em dia da pensão alimentícia já é

demonstração suficiente de afeto e respeito ao seu filho.

Outro posicionamento desfavorável é de que apenas as alegações de

ofensa grave merecem ser analisadas, já que a falta de um pai biológico não é

motivo para o não crescimento profissional e pessoal do filho, uma vez que a

rejeição não necessariamente lhe causará grandes danos, não merecendo ser

indenizada.

O Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº

757.411 – MG afastou por maioria de votos o direito do filho em obter indenização

em decorrência de dano moral:

“RESPONSABILIDADE CIVIL. ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO.

DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE. 1. A indenização por dano

moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à

aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o

abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária. 2. Recurso

especial conhecido e provido. ”

No presente caso, após o divórcio do casal o filho ficou sob a guarda de sua

mãe, e após o nascimento da segunda filha de seu pai com a sua segunda esposa,

passou a descumprir com a assistência psíquica e moral do menor, ainda que

cumprisse com a sua obrigação de prestar alimentos. Foi impedido de conhecer e

ter convívio com a sua meia-irmã, além de não ter contato com seu pai. O caso em

primeira instância foi julgado improcedente por não ter sido comprovado que o

afastamento paterno causou danos de ordem psicológica. Inconformado com tal

decisão o autor apelou, sendo conhecido e julgada procedente a demanda

condenando o réu ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$

44.000,00 (quarenta e quatro mil reais), entendendo-se que o ato de abandono por

parte do pai lhe gerou danos de ordem moral. Porém, a indenização foi afastada

pelo Superior Tribunal de Justiça na data de 29 de novembro de 2005.

De acordo com o Ministro Fernando Gonçalves, a aplicação da indenização

em decorrência do dano moral encerra de maneira definitiva o afeto entre pai e filho,

ainda que há um longo prazo. Para ele, não seria possível alcançar um resultado

positivo com a aplicação de indenização, não cabendo ao Poder Judiciário obrigar

alguém a amar outro, ou manter uma relação afetiva.

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O Ministro Aldir Passarinho Junior defende que não há aplicação de

responsabilidade civil no Direito de Família, e que a sanção cabível no abandono

afetivo é a perda do pátrio poder.

8.3. POSICIONAMENTO DO STJ

Merece referência, no âmbito do abandono afetivo a sua repercussão

jurídica, o “caso Alexandre” (REsp 757.411/MG), pois o tema foi pioneiramente

discutido no Tribunal de Justiça de Minas Gerais e, em primeiro momento, a tese foi

negada e posteriormente reformada pelo STJ. O abandono não gerou indenização

pecuniária, apenas a perda do poder familiar.

Sucede que o STJ, posteriormente, passaria a admitir a tese da

responsabilidade civil por abandono afetivo (REsp 1159242/SP e REsp

1557978/DF).

O STJ tem sido cauteloso na aplicação da tese que exige a detida analise ao

caso concreto. Vale ressaltar que se trata de responsabilidade subjetiva (este é o

atual entendimento), cujos pressupostos, inclusive o dano e o nexo causal devem

estar provados.

O STJ tem entendido que antes do reconhecimento de paternidade, não há

que se falar em abandono afetivo.

E o prazo prescricional para se formular pretensão de reparação civil por

abandono afetivo começa a fluir quando o interessado atingir a maioridade, de

acordo com o artigo 206, § 3, V do Código Civil o prazo é de 3 (três) anos.

Merece referência ainda o PL 700/2007 (Senado), que pretende disciplinar a

responsabilidade civil por abandono afetivo, propondo a alteração do ECA, para

considerar como ato ilícito o abandono afetivo.

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9. CONCLUSÃO

O presente trabalho buscou demonstrar os aspectos da responsabilidade

civil nas relações familiares, em especial nos casos de abandono afetivo parental,

um tema bastante relevante e atual.

É possível afirmar que família tradicional, patriarcal e individualista foi

substituída aos poucos pela visão de família baseada no afeto. Os valores que antes

eram desconsiderados assumem grande relevância e necessitam da proteção do

nosso ordenamento.

Com o advento da Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002, o

afeto passou a ser o principal elemento caracterizador da entidade familiar, surgindo

o debate sobre a possibilidade ou não de responsabilizar civilmente os pais pelo

abandono afetivo dos menores. Ainda que exista posicionamento que considere a

impossibilidade jurídica dos danos morais no âmbito do Direito de Família, o

Superior Tribunal de Justiça vem reconhecendo o dano moral por abandono afetivo.

Acredita-se que esta será uma tendência nos tribunais.

A Constituição Federal reconhece a responsabilidade do Estado, sociedade

e da família, na garantia da preservação dos direitos das crianças e adolescentes,

pois a violação dos seus direitos não interfere apenas no indivíduo de forma

particular, uma vez que seus reflexos atingem a sociedade como um todo.

O posicionamento a favor da responsabilização defende em síntese: a) cabe

aos pais, além de assistência material, a assistência moral, sob pena de violar os

princípios básicos do Direito de Família; b) a perda do poder familiar não é suficiente

como punição aquele que gerou danos morais a seus filhos; c) o artigo 1.634, I do

Código Civil prevê que o dever de educação é de responsabilidade dos pais; e d) a

responsabilização sobre o abandono não tem como objetivo a quantificação do

afeto, e sim possui caráter pedagógico.

Já o posicionamento contra a responsabilização defende em síntese: a) só

há previsão legal no sentido de fornecer assistência material por parte dos pais; b) o

afeto não deve ser imposto ou convencionado pelas partes; c) impor a convivência

familiar é ineficaz e pode ser prejudicial à criança e ao adolescente; d) a perda do

poder familiar é a previsão legal para o abandono; e) não cabe ao Poder Judiciário

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obrigar alguém a amar outrem; f) o abandono afetivo não constitui ato ilícito, não

podendo gerar responsabilidade civil.

O ordenamento jurídico regula as relações jurídicas de filiação, prevendo

uma série de direitos e deveres inerentes do Poder Familiar, reconhece como papel

dos pais a promoção da dignidade humana, conduzindo o filho à sua formação e seu

desenvolvimento social.

A responsabilidade dos genitores pressupõe que estes assumam os deveres

que são inerentes a eles, a fim de garantir o bem-estar dos seus filhos, obtido

através da convivência familiar, onde se fortalecem os vínculos afetivos, cuidados,

educação e proteção.

A assistência material, na figura da pensão alimentícia não é suficiente para

o desenvolvimento saudável de uma criança e de um adolescente. O

descumprimento dos preceitos fundamentais por parte dos genitores tem o potencial

de ferir e gerar sérios prejuízos na formação do indivíduo, por ferirem os sentimentos

mais íntimos da pessoa e de difícil reparação.

Em razão da difícil quantificação da dor, os operadores do direito têm

dificuldades em determinar a reparação deste dano.

A lei, de fato, não obriga alguém a amar outro, mas no caso dos

ascendentes, o mínimo que se espera é a dedicação aos filhos, principalmente

quando menores, fornecendo a base moral que para eles é imprescindível. Mesmo

quem não tenha amor deverá ter cuidado, respeito e ser presente na vida do menor.

Não há omissão por parte da lei ao preceituar que os atos ilícitos, contrários

ao ordenamento jurídico que geram um dano, ainda que de ordem moral, são

passíveis de indenização. A indenização não tem como finalidade restabelecer o

“status quo ante”, mas sim minimizar e compensar os prejuízos sofridos,

responsabilizando as atitudes ilícitas, por meio de indenização por dano moral, como

forma de repressão, no sentido de alertar e contribuir na prevenção de novos

abandonos afetivos.

A indenização não deve ser interpretada como uma vingança ou uma forma

de enriquecimento, o objetivo é reparar os danos que foram causados pela conduta

voluntária dos genitores, além de ter função pedagógica, ao punir aquele que

comento o ilícito, advertindo os demais a não cometer os mesmos atos.

É de suma importância respeitar o direito à vida e a integridade física e

moral das crianças e adolescentes, dando condições mínimas para existência digna,

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assegurando, assim, a justiça. É fato incontroverso que a responsabilidade civil em

decorrência do abandono afetivo do menor deve ser aplicada de forma adequada e

sem abusos, evitando a vulgarização do instituto.

É possível aceitar a redução de prestação material ao cuidado de um menor,

ou que o poder de guarda seja apenas de um genitor, mas é inadmissível aceitar

limitações no que se refere ao afeto e à moral. Um genitor que é omisso na

formação de seu filho pode gerar um desenvolvimento prejudicial a ele e não só

pode como deverá ser punido, a fim de que se reestabeleça a ordem para aquele

que foi prejudicado de forma constante.

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