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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Denise Bragagnollo ELEMENTOS DA APLICAÇÃO DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA AOS AGENTES POLÍTICOS CURITIBA 2012

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Denise Bragagnollo

ELEMENTOS DA APLICAÇÃO DA LEI DE IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA AOS AGENTES POLÍTICOS

CURITIBA

2012

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Denise Bragagnollo

ELEMENTOS DA APLICAÇÃO DA LEI DE IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA AOS AGENTES POLÍTICOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em Direito. Orientador: Prof. Mestre Thiago Lima Breus

CURITIBA

2012

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ELEMENTOS DA APLICAÇÃO DA LEI DE IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA AOS AGENTES POLÍTICOS

CURITIBA

2012

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TERMO DE APROVAÇÃO

Denise Bragagnollo

ELEMENTOS DA APLICAÇÃO DA LEI DE IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA AOS AGENTES POLÍTICOS

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de Bacharel no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, ___ de _____________ de 2012.

___________________________________________

Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite Coordenador do Núcleo de Monografia

Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador: __________________________________________ Prof. Mestre Thiago Lima Breus Universidade Tuiuti do Paraná

Curso de Direito

Supervisor: __________________________________________ Prof. Universidade Tuiuti do Paraná

Curso de Direito

Supervisor:__________________________________________ Prof. Universidade Tuiuti do Paraná

Curso de Direito

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Dedico este trabalho monográfico a minha família, especialmente aos meus pais, que sempre estiveram ao meu lado, me apoiando em todos os momentos da minha vida, acreditando e proporcionando a concretização deste sonho.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço a Deus, pelo dom da vida, por estar sempre comigo e ter dado a

oportunidade de concluir mais uma etapa da minha vida.

Aos meus pais, pela educação que me concederam, na formação do meu caráter e,

ainda, ajudando de todas as formas que podiam, com muito amor.

Ao Mestre Thiago Lima Breus, meu orientador, que prontamente aceitou este encargo,

auxiliando-me com toda dedicação na construção deste trabalho de conclusão de curso.

A todos os Mestres que, no decorrer dos cinco anos do curso me propiciaram os

ensinamentos adequados para chegar até o presente, sempre me estimulando ao

aprendizado necessário.

Aos meus amigos e colegas de classe que me ajudaram, sempre estiveram comigo e que

muito me ensinaram e estimularam.

Agradeço a todos que fizeram parte da minha vida durante esta caminhada e que, de uma

forma ou outra, colaboraram para a realização deste.

Por fim, faço um agradecimento especial ao meu marido Cid Kaoru, pela paciência,

carinho e compreensão, nas minhas ausências e mudanças de humor e que, apesar

disto, se fez presente em todos os momentos que precisei, sempre me estimulando a

prosseguir.

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SUMÁRIO

RESUMO ................................................................................................................. 2

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 9

2 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E AGENTES PÚBLICOS ...................................... 11

2.1 CONCEITO E HISTÓRICO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ......................... 12

2.2 AGENTES PÚBLICOS (GÊNERO) .................................................................. 15

2.2.1 Servidores Estatais (Servidor Público, Empregado Público e Temporário) ... 16

2.2.2 Particular em Colaboração ........................................................................... 17

2.2.3 Agentes Honoríficos ...................................................................................... 17

2.2.4 Agentes Credenciados .................................................................................. 18

2.2.5 Agentes Políticos .......................................................................................... 18

3 A CONSTITUIÇÃO E A LEI 8.429/1992 ............................................................ 21

3.1 ASPECTOS RELEVANTES DO ART. 37 DA CF E DA LEI 8429/92 ................ 22

3.1.1 Princípio da Legalidade ................................................................................ 23

3.1.2 Princípio da Moralidade Administrativa ......................................................... 27

3.2 CRIMES DE RESPONSABILIDADE PREVISTOS NA CONSTITUIÇÃO E LEI

DE RESPONSABILIDADE..................................................................................... 29

4 LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ....................................................... 33

4.1 NATUREZA DAS SANÇÕES DA LEI 8.429/1992 ............................................ 33

4.2 ELEMENTOS DA IMPROBIDADE ................................................................... 36

4.2.1 Dano ............................................................................................................. 36

4.2.2 Dolo ou Culpa ............................................................................................... 37

4.2.3 Sujeito Passivo ............................................................................................. 38

4.2.4 Sujeito Ativo .................................................................................................. 39

4.3 ANÁLISE DA RECLAMAÇÃO 2138 NO STF ................................................... 40

CONCLUSÃO ........................................................................................................ 43

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 45

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RESUMO

O estudo da Administração Pública determina regras de conduta e padrões éticos que devem ser observados nas relações administrativas. Não obstante a necessidade de tutela dos interesses e dos bens públicos, por meio de princípios e regras específicas, as ferramentas para a valorização da moralidade se encontram previstas no texto constitucional (implícita e explicitamente, no caput do art. 37 e no § 4º do mesmo artigo da Constituição da República), bem como em leis específicas (Lei 1.079/1950 e 8.429/1992). Sem embargo, quanto maior o número de instrumentos capazes de garantir que a moralidade seja respeitada melhor é realizado o ordenamento, pois, assim serão tutelados os princípios e o erário. Ademais, quanto mais pessoas forem enquadradas em leis que protegem a moralidade melhor para toda a sociedade e para a própria Administração. Nesses termos, a aplicação da lei de improbidade administrativa também aos agentes políticos revela um tema de grande relevância para a diminuição da sensação de impunidade que envolve a Administração. Palavras-chave: Administração Pública. Agentes Políticos. Lei de Improbidade Administrativa. Lei de Responsabilidade.

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1 INTRODUÇÃO

O estudo da aplicação da Lei de Improbidade aos agentes políticos, exige,

primeiramente, a contextualização histórica e conceitual não apenas do tema em

específico, mas da abordagem que decorre do Direito Administrativo e do Direito

Constitucional. Para tanto, é preciso determinar quem são os agentes que se

consideram atingidos pela lei de responsabilidade, em detrimento da aplicação da

Lei de Improbidade. Esse enquadramento é de suma relevância porque permite que

seja observado o princípio da legalidade e o interesse público.

O Direito Administrativo, como ramo do direito público, satisfaz-se com base

na prevalência do interesse da coletividade, mister perceber que é a sociedade o

verdadeiro ente tutelado nos parâmetros administrativos, pois enquanto a

Administração Pública é protegida todos os seus bens e direitos também o são. Após

serem estabelecidas as características da Administração é importante apresentar os

agentes públicos, subdivididos em espécies, a saber, servidores estatais,

particulares em colaboração, agentes honoríficos, agentes credenciados e agentes

políticos.

A par de fatores sociais (evitar/diminuir corrupção), a descrição dos agentes

políticos e a discussão sobre a aplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa

(8.429/1992) aos governantes revela-se importante pela simples consignação de que

tais pessoas fazem parte da mais alta estrutura governamental e que, por conta

disso, devem ser vinculadas ao maior número de regras capazes de permitir o

controle de seus atos, os quais são exercidos com elevado plexo autonomia e

responsabilidade.

O regramento específico da Lei de Responsabilidade (1.079/1950) e da

Constituição de 1988, portanto, podem ser complementares à aplicabilidade da Lei

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de Improbidade aos agentes políticos, não devendo a Lei de Improbidade e a de

responsabilidade ser instrumentos que se excluam. Essa comunicabilidade dos

institutos tende a permitir um grande benefício para a população e para a

Administração, justamente porque garante mais meios de evitar o mau uso dos

recursos públicos e da afronta à moralidade administrativa.

Ademais, a moralidade administrativa, como princípio da Administração

Pública e estabelecida na Constituição Federal de 1988, ganhou contornos e meios

próprios de tutela, a exemplo da ação popular – instrumento capaz de proteger esse

princípio. Além da moralidade delineada no caput do art. 37 da CF o § 4º desse

mesmo artigo da Carta Maior determinou que os atos de improbidade (violação do

dever de lealdade, probidade e boa-fé) terão sanções específicas, sendo que tais

punições, advertidos os princípios da legalidade e da moralidade, devem

consubstanciar um universo probo nas relações administrativas.

Perfilhando essa mesma quadra de raciocínio é importante perceber que a

aplicação da lei de responsabilidade (regra especial) não pode evitar que a lei de

improbidade seja descartada. O cerne da discussão gira em torno da exclusão dos

agentes políticos no enquadramento e nas sanções disciplinadas pela lei de

improbidade administrativa, porque a interpretação do STF foi a de que ao agentes

políticos seriam consideradas apenas as tipificações e as penas estabelecidas pela

lei de responsabilidade (lei 1.079/1950) e pela Constituição da República.

Todas essas questões e conceituações conduzem a um estudo mais

detalhado da natureza e dos elementos da improbidade administrativa, sendo certo

que os grandes focos da contenda são a observância dos critérios e dos votos da

Reclamação 2138 no Supremo Tribunal Federal, bem como a verificação de quem

são os sujeitos passivos capazes de serem atingidos pelas ações de improbidade.

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2 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E AGENTES PÚBLICOS

Na atuação administrativa é fundamental que a finalidade da Administração

Pública seja justamente aquela expressão determinada em lei. A Administração

Pública, seja ela direta ou indireta, de qualquer das esferas de poder, apenas poderá

atuar segundo padrões de legalidade e de princípios que realizem a supremacia do

interesse público.

O conceito de Administração Pública pode assumir as mais variadas

perspectivas, entretanto, sob qualquer ângulo que se analise, será necessária a

incidência do regime da Administração. O Direito Administrativo é o ramo do direito

público que constitui normas, regras e princípios para a Administração Pública e para

as relações jurídicas que a envolvem.

É certo que a Administração é composta de sujeitos, e, essas pessoas,

quaisquer que sejam, que exercem funções próprias de Estado são consideradas

agentes públicos. O gênero agentes públicos engloba outras espécies estruturadas

na relação de quem representa a manifestação do Estado. Lúcia Valle Figueiredo

aponta que: “agente público, é destarte, o termo correto e que, na verdade, expressa

a atividade que esteja sendo exercida por alguém em nome do Estado”

(FIGUEIREDO, 2007. p. 597).

Cabe ressaltar, portanto, a relevância do estudo da Administração Pública e

dos seus agentes para a compreensão dos ensaios doutrinários e jurisprudenciais

que relacionam a aplicação ou não da Lei de Improbidade Administrativa (LIA) aos

agentes políticos, espécie do gênero de agentes públicos. A análise da aplicação da

LIA ou exclusivamente da lei dos crimes de responsabilidade, para o STF, encerra a

atuação livre e autônoma necessária para o desempenho das funções políticas que

essas pessoas exercem.

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2.1 CONCEITO E HISTÓRICO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O Direito Administrativo é a parte do ramo do direito público que cuida das

relações dos órgãos, entes e agentes estatais, sendo certo que o estudo da

dogmática administrativa pressupõe a análise da Administração Pública e de seus

agentes. Nos ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello o Direito

Administrativo é o ramo que aplica princípios e regras “como um conjunto de

limitações aos poderes do Estado” (MELLO, 2007. p. 42). Marcelo Alexandrino e

Vicente Paulo, compilando conceitos, definem o Direito Administrativo como:

O conjunto de regras e princípios aplicáveis à estruturação e ao funcionamento das pessoas e órgãos integrantes da administração pública, às relações entre esta e seus agentes, ao exercício da função administrativa, especialmente às relações com os administrados, e à gestão dos bens públicos, tendo em conta a finalidade geral de bem atender ao interesse público. (ALEXANDRINO et. PAULO, 2011. p. 3).

Nos ensinamentos de Fábio Medina Osório a história do Direito Administrativo

se desenvolve, historicamente, na Europa:

Como um conjunto de regras especiais que excepcionam as normas do Direito Civil para as relações em que a Administração Pública está presente, dentro de um processo de racionalização do poder político, cuja intensificação ocorre a partir do século XVIII, notadamente, a partir das grandes revoluções daquele período. (OSÓRIO, 2011. p. 64).

É possível compreender, ainda, que o Direito Administrativo guarda forte

relação com a noção de interesse público, pois a supremacia e a indisponibilidade

do interesse público são os princípios mais relevantes desse ramo. Assim, Fábio

Medina Osório preconiza que “o pilar do interesse público é a base do Direito

Administrativo” (OSÓRIO, 2011. p. 67). Além do mais destaca que:

[…] a base de toda a formação teórica do Direito Administrativo é o conceito de interesse público, razão de ser dos poderes administrativos, privilégios, sujeições e, consequentemente, limites aos quais estão submetidas as Administrações Públicas. Essa é a influência clássica da Revolução Francesa e do Direito Administrativo continental-europeu. (OSÓRIO, 2011.

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p. 66).

Fundamentalmente o Direito Administrativo pode ser definido como ramo do

Direito Público com normas e regras afetas à organização e comportamento da

Administração Pública, do Poder Executivo (em todas as esferas de atuação), das

relações administrativas dos demais Poderes, dos órgãos estatais e das relações

com os administrados, além de normas relacionadas à função materialmente

administrativa de qualquer entidade pública ou privada. Quanto às funções

administrativas impende destacar a seguinte ressalva:

[…] Não se olvide que as funções administrativas dos Poderes e instituições da República são igualmente tutelados pelo Direito Administrativo. Cabe dizer, ainda, que também funções típicas do próprio Poder Judiciário são enquadráveis no âmbito do Direito Administrativo, visto que tais funções podem apresentar-se processualmente pelo ângulo judiciário, e materialmente pelo ângulo administrativista, vale dizer, submetidos ao regime jurídico do Direito Administrativo. (OSÓRIO, 2011. p. 78).

Após essas breves considerações conceituais é imperiosa a descrição da

estrutura da Administração Pública. Para o desenvolvimento harmônico das relações

do Estado há que se considerar a Administração Pública em todos os sentidos

coligada à noção de pleno desenvolvimento dos princípios e regras do Direito

Administrativo. Objetivamente a Administração Pública é definida por Alexandre de

Moraes: “como a atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve para a

consecução dos interesses coletivos e subjetivamente como o conjunto de órgãos e

de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do

Estado.” (MORAES, 2010. p. 326).

Em síntese, a Administração Pública abrange os órgãos do governo que

exercem função política e também os órgãos e pessoas jurídicas que exercem

atividades administrativas relacionadas com o planejamento político. A percepção da

função pública revela o estabelecimento de metas e programas para a atuação do

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governo a fim de melhorar a vida dos cidadãos (políticas e ações públicas), já as

funções administrativas ligadas à noção de Administração Pública guardam relação

com o efetivo exercício desses planejamentos de governo.

Deve-se mencionar que na estrutura organizacional brasileira a Administração

Pública pode ser consubstanciada em sentido formal ou subjetivo, bem como em

aspectos materiais ou objetivos. A saber, o Brasil adota o critério formal de

Administração Pública, ou seja, apenas se considera Administração Pública aquela

que o direito afirmar que é, não importando qual é a atividade desempenhada pelo

órgão (administração direta, indireta e entes paraestatais).

Nesse sentido, é importante observar que a Administração Pública é

composta pelos órgãos da administração direta e pelas entidades da Administração

indireta (autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de

economia mista – no âmbito da administração pública federal a regulação é feita

pelo decreto-lei 200/67). No sentido material é considerada Administração Pública

aquela que exerce alguma atividade apontada de maneira funcional como pública.

São exemplos as atividades relacionadas à prestação de serviço público, polícia

administrativa, fomento e intervenção.

O certo é que, objetivamente, a Administração Pública deve ser estudada

visando melhor atender aos interesses públicos. Dessa feita, Osório ensina, em

suma, que o conceito de Administração Pública não deve ser restrito apenas à

Administração direta ou indireta, mas deve “abarcar a chamada Administração

descentralizada, além de alcançar o Estado em sentido amplo, quando se trate de

funções públicas não reconduzíveis aos esquemas típicos das funções judiciárias ou

legislativas.” (OSÓRIO, 2011. p. 69).

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2.2 AGENTES PÚBLICOS (GÊNERO)

O conceito de agente público e as classificações formuladas pelos principais

doutrinadores brasileiros fundamentam-se nos modelos indicados pela Constituição

e pela Lei 8.429/1992. O agente público pode ser definido como qualquer pessoa

física que exerce, em caráter permanente ou temporário, remunerada ou

gratuitamente, sob qualquer forma de investidura ou vínculo, função pública em

nome do Estado.

Impende destacar que a expressão “agentes públicos” abrange todas as

pessoas que, de qualquer modo, estão vinculadas ao Estado, alcançando desde os

mais importantes agentes (aqueles previstos no texto constitucional, como o

Presidente da República e os membros do Congresso Nacional), até aqueles que,

somente em caráter eventual, exercem funções públicas, como é o caso dos

mesários eleitorais e dos jurados.

A caracterização do gênero “agentes públicos” revela-se de maneira suficiente

pelo simples fato de a pessoa física estar atuando em nome do Estado. A Lei

8.429/1992 prevê a conceituação de agentes públicos em seu art. 2º, reputando que:

Todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função na administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual. (BRASIL, 2012).

O artigo 327 do Código Penal, também apresenta uma definição de agentes

públicos, em que pese a Constituição de 1988 ter abandonado o uso da expressão

funcionário público, na seara penal o Código utiliza-se da expressão antiga:

Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem,

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embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. § 1º. Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. (BRASIL, 2012).

Nos ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello a expressão agentes

públicos encerra com maior amplitude a designação de quem são os sujeitos que

servem o serviço público, com efeito, é um termo que constitui gênero que apresenta

espécies sub destacadas. O administrativista elucida que:

Quem quer que desempenhe funções estatais, enquanto as exercita, é um agente público. Por isto, a noção abarca tanto o Chefe do Poder Executivo (em quaisquer das esferas) como os senadores, deputados e vereadores, os ocupantes de cargos ou empregos públicos da Administração direta dos três Poderes, os servidores das autarquias, das fundações governamentais, das empresas públicas e sociedades de economia mista nas distintas órbitas de governo, os concessionários e permissionários de serviço público, os delegados de função ou ofício público, os requisitados, os contratados sob locação civil de serviços e os gestores de negócios públicos. (MELLO, 2007. p. 239).

Várias são as classificações sobre as categorias abarcadas na expressão

agentes públicos, mas, de qualquer sorte as classificações das mais vastas às mais

enxutas revelam, em síntese, as espécies que na sequência serão explicadas.

2.2.1 Servidores Estatais (Servidor Público, Empregado Público e Temporário)

Os servidores estatais ou agentes administrativos podem ser definidos como

aqueles que “exercem atividade pública de natureza profissional e remunerada,

sujeitos à hierarquia funcional e ao regime jurídico estabelecido pelo ente federado

ao qual pertencem.” (ALEXANDRINO et PAULO, 2011. p. 127). Dessa maneira,

pode-se entender que os servidores estatais são todos aqueles que mantêm com o

Estado ou com as entidades da Administração relação de trabalho de natureza

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profissional e caráter não eventual sob vínculo de dependência, podendo ser

classificados da seguinte maneira:

a) servidores públicos: são os agentes administrativos sujeitos a regime jurídico-administrativo, de caráter estatutário (isto é, de natureza legal, e não contratual); são os titulares de cargos públicos de provimento efetivo e de provimento em comissão; b) empregados públicos: são os ocupantes de empregos públicos, sujeitos a regime jurídico contratual trabalhista; têm “contrato de trabalho”, em sentido próprio, e são regidos basicamente pela Consolidação das Leis do Trabalhado – CLT (são, por isso, chamados 'celetistas'); c) temporários: são os contratados por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos do art. 37, IX, da Constituição; não tem cargo público nem emprego público; exercem uma função pública remunerada temporária e o seu vínculo funcional com a Administração Pública é contratual, mas se trata de um contrato de direito público, e não de natureza trabalhista (eles não têm o 'contrato de trabalho' propriamente dito, previsto na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT); em síntese, não são agentes públicos celetistas, nem propriamente estatutários, mas estão vinculados à Administração Pública por um regime funcional de direito público, de natureza jurídico-administrativa e não trabalhista. (ALEXANDRINO et PAULO, 2011. p. 127 e 128).

2.2.2 Particular em Colaboração

Nos ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello, os particulares em

colaboração com a Administração Pública são sujeitos que, sem perderem sua

qualidade de particulares exercem função pública, ainda que em caráter eventual.

Trata-se do caso dos agentes delegados: particulares incumbidos de exercer

atividade, obra ou serviço público (exemplos: empresas concessionárias e

permissionárias de serviços públicos e os que exercem serviços notariais e de

registro.).

2.2.3 Agentes Honoríficos

Os agentes honoríficos são cidadãos convocados, requisitados, designados

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que prestam serviço público de natureza relevante, em caráter temporário, ou seja,

exercem um munus público (colaboração cívica), tais agentes atuam sem qualquer

vínculo profissional com o Estado, e, em regra, não recebem remuneração. São

exemplos plausíveis de menção os jurados, os mesários eleitorais durante o período

eleitoral e os recrutados para o serviço militar obrigatório, que, em geral, não

possuem vínculo empregatício e não recebem remuneração.

2.2.4 Agentes Credenciados

Os agentes credenciados são aqueles que têm por incumbência a

representação da Administração Pública em alguma atividade específica (um

Congresso Internacional, por exemplo) ou na prática de algum ato determinado, com

remuneração, mas sem vínculo profissional, sendo considerados funcionários

públicos para fins penais. Além do mais, esses agentes apenas são considerados

agentes públicos enquanto estiverem exercendo as funções públicas para as quais

foram credenciados.

2.2.5 Agentes Políticos Os agentes políticos são os integrantes do mais alto escalão do Poder

Público, sendo certo que através deles será realizada a gestão da Administração

Pública sobre uma ótica globalizada. Bandeira de Mello tem por consideração um

conceito mais restrito de agentes políticos, porquanto afirma que:

São os titulares dos cargos estruturais à organização política do país, isto é, são os ocupantes dos cargos que compõem o arcabouço constitucional do estado e, portanto, o esquema fundamental do poder. Sua função é a de formadores da vontade superior do Estado. (MELLO, 2007. p. 241).

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Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo enumeram as principais

caracterizações dos agentes políticos, e, através da pontuação das atribuições dos

agentes políticos apresentadas no livro dos autores é possível estabelecer relações

de extrema relevância com o conceito atribuído por qualquer outro doutrinador.

Segundo o que preconizam os autores as principais características dos agentes

políticos são:

a) sua competência é haurida da própria Constituição; b) não se sujeitam às regras comuns aplicáveis aos servidores públicos em geral; c) normalmente são investidos em seus cargos por meio de eleição, nomeação ou designação; d) não são hierarquizados (com exceção dos auxiliares imediatos dos Chefes dos Executivos), sujeitando-se, tão somente, às regras constitucionais. (ALEXANDRINO et PAULO, 2011. p. 127).

Dessa feita, são agentes políticos os chefes do Poder Executivo (o Presidente

da República, os Governadores, os Prefeitos), seus auxiliares imediatos (Ministros e

Secretários) e os membros do Poder Legislativo (Senadores, Deputados e

Vereadores). Impende destacar que há discussões doutrinárias quanto ao

enquadramento dos magistrados e membros do Ministério Público na lista de

agentes políticos, há doutrinadores que os incluem e outros que os excluem do

referido rol. Importante destacar que os agentes políticos têm tratamento

diferenciado dos demais agentes públicos em decorrência do próprio texto

constitucional. Maria Sylvia Zanella di Pietro elucida que:

São, portanto, agentes políticos, no direito brasileiro, porque exercem típicas atividades de governo e exercem mandato, para o qual são eleitos, apenas os Chefes dos Poderes Executivo federal, estadual e municipal, os Ministros e Secretários de Estado, além de Senadores, Deputados e Vereadores. A forma de investidura é a eleição, salvo para Ministros e Secretários, que são de livre escolha do Chefe do Executivo e providos em cargos públicos, mediante nomeação. É necessário reconhecer, contudo, que atualmente há uma tendência a considerar os membros da Magistratura e do Ministério Público como agentes políticos. Com relação aos primeiros, é válido esse entendimento

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desde que se tenha presente o sentido em que sua função é considerada política; não significa que participem do Governo ou que suas decisões sejam políticas, baseadas em critérios de oportunidade e conveniência, e sim que correspondem ao exercício de uma parcela da soberania do Estado, consistente na função de dizer o direito em última instância. Nesse sentido, o STF, no Recurso Extraordinário 228.977/SP, em que foi relator o Ministro Néri da Silveira, referiu-se aos magistrados como “agentes políticos, investidos para o exercício de atribuições constitucionais, sendo dotados de plena liberdade funcional no desempenho de suas funções, com prerrogativas próprias e legislação específica” (DJ de 12-4-2002). Quanto ao vínculo com o poder público, é de natureza estatutária, regido pela Lei Orgânica da Magistratura. Quanto aos membros do Ministério Público, a inclusão na categoria de agentes políticos tem sido justificada pelas funções de controle que lhe foram atribuídas a partir da Constituição de 1988 (art. 129), especialmente a de “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia” (inciso II). No entanto, quanto à forma de investidura e aos vínculos com o Poder Público, sua situação iguala-se à dos servidores públicos estatutários, ainda que submetida a estatuto próprio. (DI PIETRO, 2012. p. 583).

Os agentes políticos, portanto, em resumo, são membros componentes do

Governo em seu mais alto escalão e exercem as mais variadas funções. As

atividades desempenhadas por tais agentes são designadas pela Carta Maior, e,

alguns desses sujeitos não dispõem de cargos, mas exercem mandato, atuando

com liberdade e autonomia funcionais. Por isso, a regra de responsabilização

funcional desses agentes também se caracteriza de forma diferente, pois, algumas

regras que se aplicam aos agentes públicos, em sentido amplo, não se aplicariam

aos agentes políticos (Lei 8.429/92).

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3 A CONSTITUIÇÃO E A LEI 8.429/1992

A estrutura do modelo brasileiro de defesa da moralidade administrativa

encontra-se indicativamente no art. 37 caput e § 4º da Constituição Federal e na

apresentação elucidativa dos preceitos erigidos na lei de improbidade administrativa.

A localização constitucional da probidade revela a preocupação do poder constituinte

na observância condicionante e delimitadora das regras relativas aos padrões de

gestão pública ética e proba.

Os princípios da Administração Pública encontram-se descritos no art. 37 da

Constituição Federal, bem como podem ser verificados implicitamente por toda a

extensão do texto constitucional. Todos os princípios que norteiam a atividade

administrativa são de suma relevância, contudo com a EC 19/1998 cinco princípios

passaram explicitamente a regular as relações da Administração Pública, a saber: a

legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência.

A discussão sobre a aplicabilidade da LIA e de seus princípios também aos

agentes políticos, nos exatos limites que a Constituição determina, consiste no fato

de que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação 2138, decidiu

que a Lei de Improbidade Administrativa, em regra, não se aplica aqueles agentes. A

reclamação foi ajuizada pela União contra decisão do juiz federal do Distrito Federal,

que condenou o então Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia às penas

previstas na Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92).

O STF afirmou que já existia uma lei específica para disciplinar as infrações

cometidas pelos agentes políticos (Lei 1.079/50, que trata dos crimes de

responsabilidade), e, portanto, a utilização concomitante da Lei 8.429/92

caracterizaria um bis in idem. Não se pode descartar a importância que tal discussão

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tem para o mundo jurídico, tanto em relações principiológicas, quanto da efetividade

da aplicação de leis àqueles agentes que descumprem os preceitos indicativos da

Lei 8429/1992.

3.1 ASPECTOS RELEVANTES DO ART. 37 DA CF E DA LEI 8429/92

O art. 37, § 4º da Constituição Federal determina que os atos de improbidade

administrativa importarão em algumas sanções específicas. Segundo Alexandre de

Moraes os atos de improbidade administrativa são aqueles que “ferem direta ou

indiretamente os princípios constitucionais e legais da administração pública”

(MORAES, 2010. p. 369). A tutela da moralidade trazida pelo art. 37, §4º da

Constituição guarda relação com a necessidade de a lei evitar que os agentes

públicos atuem de modo depreciativo ou que degrade o Estado.

A Lei 8.429 de 1992, ou, a Lei de Improbidade Administrativa (LIA), apesar de

antiga ainda suscita várias discussões doutrinárias e jurisprudenciais sobre sua

aplicação. O artigo 1º da lei 8.429/1992 estabelece que a improbidade administrativa

pode ser praticada por qualquer agente público, servidor ou não, contra a

administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos

Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de empresa incorporada ao

patrimônio público, entre outras. Trata-se da verificação de quem sofre com os atos

de improbidade.

Já o artigo 2º apresenta a definição de agente público, nos termos desse

artigo os agentes públicos são aqueles que exercem, ainda que de maneira

transitória ou sem remuneração, por qualquer forma de investidura ou vínculo,

alguma atividade em nome do Estado e das entidades mencionadas no artigo 1º. O

artigo 3º da LIA estabelece que as disposições da lei são aplicáveis também a quem,

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mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de

improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

As penas previstas no art. 37, § 4º da Constituição Federal importam penas

graves, sendo elas: a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a

indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, sem prejuízo de ação penal,

se for o caso. A gradação dessas penas é determinada pela LIA, que, com efeito,

segundo alguns doutrinadores e juristas não deve ser aplicada para punir meras

irregularidades administrativas ou transgressões disciplinares, porque se trata de lei

com o objetivo de resguardar os princípios da administração pública sob o prisma do

combate à corrupção, à imoralidade qualificada e à grave desonestidade funcional.

3.1.1 Princípio da Legalidade

Nas funções públicas ou nas regras de direito público o Estado possui o

poder-dever de agir de maneira imperativa para garantir a ordem social. A regência

democrática deve estabelecer os parâmetros segundo os quais a autoridade estatal

determinará as leis que melhor conduzirão a vida em sociedade, trata-se da

consecução da perene função de estabelecer o bem-comum.

A legalidade apresenta contornos evidenciados por um caráter complexo, pois

a resolução de uma contenda não é apenas a incursão do caso concreto à letra fria

da lei, muito pelo contrário, a realidade contextual deve ser sopesada com critério no

trato de questões relativas à gestão e à administração pública.

Historicamente, o princípio da legalidade surgiu como verdadeiro preconizador

do Direito Administrativo, eis que não há como pensar em um Estado de Direito

realmente democrático sem que a legalidade faça parte de todas as relações nas

quais participem o Poder Público e os particulares. Com efeito, sem a existência do

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Direito Administrativo e do Estado Democrático de Direito poderiam acontecer

arbitrariedades em prol da figura estatal. É importante ressaltar que, hodiernamente,

a legalidade apresenta-se, conforme leciona José Afonso da Silva:

Sujeita-se ao império da lei, mas da lei que realize o princípio da igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca da igualização das condições dos socialmente desiguais. Toda a sua atividade fica sujeita à lei, entendida como expressão da vontade geral, que só se materializa num regime de divisão de poderes em que ela seja o ato formalmente criado pelos órgãos de representação popular, de acordo com o processo legislativo estabelecido na constituição. É nesse sentido que se deve entender a assertiva de que o Estado, ou o Poder Público, ou os administradores não podem exigir qualquer ação, nem impor qualquer abstenção, nem mandar tampouco proibir nada aos administrados, senão em virtude de lei. (SILVA, 2010. p. 420).

O art. 5º da Constituição brasileira de 1988 preconiza em seu inciso II

que: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em

virtude de lei.” (BRASIL, 2012). Para além disso, o ordenamento jurídico nacional

apresenta o princípio da legalidade como alicerce para as relações com a

Administração Pública. (art. 37 da CF/88).

Importante diferenciar a legalidade no âmbito privado da legalidade

pública. A legalidade prevista no art. 5º, II, CF/88 prevê a legalidade privada (dos

particulares) permitindo a eles fazer tudo, salvo o que esteja proibido em lei. Já a

legalidade pública do art. 37, CF/88 aplicada aos entes estatais prevê que o Poder

Público nada pode fazer, salvo aquilo expressamente autorizado em lei. A soma dos

conteúdos dessas “duas” legalidades age como limitador da atuação pública.

Enuncia-se com o princípio da legalidade o próprio entendimento do que

seja o Estado de Direito, bem como das razões do surgimento do ramo

administrativista. Sobre tal princípio ensina Celso Antônio Bandeira de Mello:

[...] o da legalidade é específico do Estado de Direito, é justamente aquele que o qualifica e que lhe dá identidade própria. Por isso mesmo é o princípio basilar do regime jurídico-administrativo, já que o Direito

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Administrativo (pelo menos aquilo que como tal se concebe) nasce com o Estado de Direito: é uma consequência dele. É o fruto da submissão do Estado à lei. É, em suma: a consagração da idéia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade com a lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é atividade subegal, infralegal, consistente na expedição de comandos suplementares à lei. (MELLO, 2007. p. 97).

O princípio da legalidade informa que é permitida a atuação do agente

público, ou da Administração, apenas se houver permissão expressa pela lei, não

sendo permitido ao administrador qualquer atuação que não a previamente indicada

na lei. Ou seja, o Estado não possui liberdade desenfreada na administração dos

direitos alheios, já no que pertine ao direito privado a determinação é diferente, pois

ao particular é dado fazer tudo quanto não estiver expressamente proibido em lei.

A legalidade, portanto, nada mais encerra do que a tutela dos

administrados, nos termos de Bandeira de Mello: “administrar é prover aos

interesses públicos, assim caracterizados em lei, fazendo-o na conformidade dos

meios e formas nela estabelecidos ou particularizados segundo suas disposições.”

(2007. p. 102). Do contexto, então, percebe-se a relevância do princípio da

legalidade entendido como berço das regras administrativas.

Deveras, é na legalidade que haverão de ser consideradas as medidas do

próprio Estado de Direito e de observância da moralidade administrativa. Tal

enquadramento da conduta estatal também deve ser verificado com base no

postulado da moralidade previsto no art. 37 da Constituição Federal e na lei

8429/1992. Nos ensinamentos de Fábio Medina Osório “A legalidade é fator

condicionante das atividades públicas”. (OSÓRIO, 2007. p. 129). Segundo o mesmo

autor, “inexiste improbidade sem violação direta ou indireta à legalidade

administrativa.” (2007. p. 129).

Em resumo, é importante destacar a legalidade como verdadeiro

moderador das atividades públicas. Os agentes são condicionados a agir conforme

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os ditames da lei. O respeito à legalidade, portanto, nada mais é do que um dever

garantista de respeito à Constituição, assim:

É necessário um conjunto de ponderações a respeito dos matizes do dever de obediência à legalidade administrativa, prevista no art. 37, caput, da CF, com repercussões importantes na compreensão e estruturação do dever de probidade contemplado no art. 37, § 4º, da mesma Carta Magna e da própria LGIA. (OSÓRIO, 2007. p. 134).

Modernamente, em decorrência das mudanças ocorridas no Estado e na

sociedade, cada vez mais pode ser percebida a influência das normas

constitucionais para o bom funcionamento dos aparatos estatais e da vida em

sociedade. Nessa quadra de raciocínio, o princípio constitucional da legalidade e as

normas referentes aos agentes públicos são muito relevantes para o

desenvolvimento estatal:

Note-se que o dever de atender à legalidade é, ao mesmo tempo, um dever constitucional e um dever cívico democrático. A regra, pois, para os particulares é a liberdade de ação. As limitações, positivas ou negativas, deverão estar expressas em leis. Para os agentes públicos, entretanto, tal princípio é inverso, ou seja, a liberdade de ação encontra sua fonte legítima e exclusiva nas leis. Não havendo leis outorgando campo para mover-se, não haverá liberdade de ação. Os agentes públicos, ante a ausência das previsões legais para seus atos, ficariam irremediavelmente paralisados, inertes, impossibilitados de atuação. Teoricamente, os funcionários públicos gozam de escassa liberdade, assim vistas as coisas. (OSÓRIO, 2007, p. 130).

Dentro do Estado Democrático de Direito, a improbidade (gestão desonesta e

gestão ineficiente) tem relação com a violação do princípio da legalidade. Deveres

complementares à verificação da legalidade no âmbito da legalidade guardam

relação com o enlace de outros deveres a serem observados na gestão da coisa

pública. A título ilustrativo, a lealdade institucional, vista como a confiança que o

regime democrático proporciona, também se vincula à legalidade. Segundo Osório:

“O dever de lealdade institucional traduz a observância obrigatória de uma série de

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normas essenciais ao vínculo que o agente mantém com o setor público” (2007. p.

141).

Além da lealdade a honestidade administrativa também é regra relacionada à

legalidade. Trata-se de dever fundamental no setor público, e, nesses termos: “A

desonestidade ímproba passa, necessariamente, pela vulneração de normas legais

morais (administrativamente consideradas) e de lealdade institucional” (Ibid., 2007,

p. 145). Por fim, os deveres públicos elementares para a boa consecução da

atividade administrativa conduzem a um dever de obediência à legalidade

administrativa. Contudo, não se trata de um legalismo sem medidas e de um

positivismo taxativo de preceitos legais, mas há relação da lei interpretada e

compreendida sob o prisma de normas e princípios constitucionais adequados e

ponderados à realidade.

3.1.2 Princípio da Moralidade Administrativa

A ordem jurídica nacional instituiu a questão da moralidade no trato da coisa

pública como princípio fundamental para a concretização de preceitos como a

soberania e o desenvolvimento nacional baseados na fiel observância do interesse

público. A Constituição Federal conferiu à moralidade administrativa status de

princípio orgânico da Administração Pública fato que resta consignado na

apresentação do art. 37, § 4º da Carta Maior, o qual indica:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...] § 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos

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direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. (BRASIL, 2012).

O princípio da moralidade merece destaque no trato da questão da

improbidade, porque configura uma limitação da atuação dos agentes

administrativos pautada na conformidade com padrões éticos, de lealdade e de boa-

fé. O princípio da moralidade tem difícil conceituação, eis que o entendimento da

moral é muito ligado ao da legalidade, contudo o texto constitucional mencionou a

moralidade expressamente, visando dar-lhe conteúdo próprio.

A Lei 9.784/99 (lei do processo administrativo) prevê o princípio da moralidade

descrito em seu art. 2º, caput, bem como faz referência aos aspectos mais

relevantes quanto à moralidade. Com efeito, o inciso IV dispõe sobre a atuação

seguindo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé, aspectos que devem ser

considerados pilares da moralidade administrativa.

Por seu turno, a imoralidade administrativa, quando qualificada, configura ato

de improbidade, e não apenas ato imoral. A probidade administrativa está

relacionada ao princípio da moralidade e a tipificação dos crimes de improbidade se

encontra no rol descrito pela Lei 8.429/1992 que regulamenta as sanções aplicáveis

aos agentes públicos nos casos de improbidade administrativa. Segundo a

mencionada lei:

Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei. [...] Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição,

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nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior. (BRASIL, 2012).

Com efeito, da ilação do texto infraconstitucional correlacionado ao que

determina a norma inscrita no art. 37, § 4º da Carta Maior se verifica que os atos de

improbidade dos agentes públicos serão punidos de acordo com a lei 8.429/1992.

Contudo, não de hoje que questões de aplicação da lei de improbidade aos agentes

políticos são assuntos discutidos pelo Judiciário.

Inserir o dever de probidade no universo da moral administrativa equivale

reconhecer sua dimensão ética e, portanto, sua submissão a valorações pontuais. O

diagnóstico da enfermidade percorre um caminho lógico que vai da moralidade

administrativa até o dever de lealdade institucional, culminando na patologia da

improbidade administrativa. A legalidade, em todo caso, é o marco básico no qual se

movem as regras de probidade.

3.2 CRIMES DE RESPONSABILIDADE PREVISTOS NA CONSTITUIÇÃO E LEI DE

RESPONSABILIDADE

Os atos de improbidade administrativa, que guardam relação com os crimes

de responsabilidade, encontram-se na lei 1.079/50. A lei 1.079/50 regulamenta os

crimes de responsabilidade, bem como seu processo e julgamento. O art. 2º da

referida lei aduz, que:

Os crimes definidos nesta lei, ainda quando simplesmente tentados, são passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado Federal nos processos contra o Presidente da República ou Ministros de Estado, contra os Ministros do Supremo Tribunal Federal ou contra o Procurador Geral da República. (BRASIL, 2012).

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A aplicação da Lei de Improbidade aos agentes políticos é uma discussão

que coloca em frente a frente a Lei 8.429/1992 e a Lei 1.079/1950. Importante tecer

comentários acerca dos votos e do julgamento da Reclamação 2138, durante esse

julgamento o Supremo Tribunal Federal asseverou o seguinte no que se refere aos

agentes políticos e as ações de improbidade administrativa:

[...] Os atos de improbidade administrativa são tipificados como crime de responsabilidade na Lei n. 1.079/1950, delito de caráter político-administrativo. Distinção entre os regimes de responsabilização político-administrativa. O sistema constitucional brasileiro distingue o regime de responsabilidade dos agentes políticos dos demais agentes públicos. A Constituição não admite a concorrência entre dois regimes de responsabilidade político-administrativa para os agentes políticos: o previsto no art. 37, § 4º (regulado pela Lei n. 8.429/1992) e o regime fixado no art. 102, I, "c", (disciplinado pela Lei n. 1.079/1950). Se a competência para processar e julgar a ação de improbidade (CF, art. 37, § 4º) pudesse abranger também atos praticados pelos agentes políticos, submetidos a regime de responsabilidade especial, ter-se-ia uma interpretação ab-rogante do disposto no art. 102, I, "c", da Constituição. [...] Os Ministros de Estado, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade (CF, art. 102, I, "c"; Lei n. 1.079/1950), não se submetem ao modelo de competência previsto no regime comum da Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/1992). Crimes de responsabilidade. Competência do Supremo Tribunal Federal. Compete exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar os delitos político-administrativos, na hipótese do art. 102, I, "c", da Constituição. Somente o STF pode processar e julgar Ministro de Estado no caso de crime de responsabilidade e, assim, eventualmente, determinar a perda do cargo ou a suspensão de direitos políticos. Ação de improbidade administrativa. Ministro de Estado que teve decretada a suspensão de seus direitos políticos pelo prazo de 8 anos e a perda da função pública por sentença do Juízo da 14ª Vara da Justiça Federal - Seção Judiciária do Distrito Federal. Incompetência dos juízos de primeira instância para processar e julgar ação civil de improbidade administrativa ajuizada contra agente político que possui prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal, por crime de responsabilidade, conforme o art. 102, I, "c", da Constituição. Reclamação julgada procedente.” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2012.).

Nessa quadra de raciocínio, a tese vencedora nesse julgamento do

Supremo Tribunal Federal definiu que há dois regimes distintos de responsabilização

dos agentes públicos. O primeiro, regulado pelo art. 37, §4º da Constituição Federal

devidamente instrumentalizado pela Lei 8.429/92, que se encaixa para todos os

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servidores públicos, a exceção dos agentes políticos. O segundo regime refere-se

ao crime de responsabilidade, fixado pelo art. 102, I, “c”, da CF/88 e disciplinado

pela Lei 1.079/50. Com isso, os agentes políticos não respondem por improbidade

administrativa, com base na lei 8.429/92, mas apenas por crimes de

responsabilidade (penalidades mais brandas) em ação a ser proposta no STF.

A tese vencedora no Supremo Tribunal Federal, em suma, dispõe que a lei

8.429/1992 possui punições muito graves para serem aplicadas aos agentes

políticos, os quais atuam em cargos com alto grau de autonomia e de

responsabilidades. Dessa feita, tais agentes devem ser submetidos às regras de leis

específicas ou seria permitido, por exemplo, que o Presidente da República ou um

Ministro de Estado fosse afastado de suas funções por um juiz de 1º grau – sem que

essa decisão pudesse ser revista faticamente pela Corte máxima.

Contra tal entendimento o Ministro Joaquim Barbosa emitiu voto vencido, o

qual merece transcrição em parte:

A existência, no Brasil, de disciplinas normativas diversas em matéria de improbidade, as quais, embora visando à preservação da moralidade na Administração Pública, possuiriam objetivos constitucionais diversos: a específica da Lei 8.429/92, que disciplina o art. 37, § 4º, da CF, de tipificação cerrada e de incidência sobre um amplo rol de possíveis acusados, incluindo até mesmo pessoas que não tenham vínculo funcional com a Administração Pública; e a referente à exigência de probidade que a Constituição faz em relação aos agentes políticos, especialmente ao Chefe do Poder Executivo e aos Ministros de Estado (art. 85, V), a qual, no plano infraconstitucional, se completa com o art. 9º da Lei 1.079/1950. Esclarecia que o art. 37, § 4º, da CF traduziria concretização do princípio da moralidade administrativa inscrito no caput desse mesmo artigo, por meio do qual se teria buscado coibir a prática de atos desonestos e antiéticos, aplicando-se, aos acusados as várias e drásticas penas previstas na Lei 8.429/92. Já o tratamento jurídico da improbidade prevista no art. 85, V, da CF e na Lei 1.079/50, direcionada aos fins políticos, ou seja, de apuração da responsabilização política, assumiria outra roupagem, porque o objetivo constitucional visado seria o de lançar no ostracismo político o agente político faltoso, cujas ações configurassem um risco para o estado de Direito; a natureza política e os objetivos constitucionais pretendidos com esse instituto explicariam a razão da aplicação de apenas duas punições ao agente político: perda do cargo e inabilitação para o exercício de funções públicas por 8 anos. Dessa forma, estar-se-ia diante de entidades distintas que não se excluiriam e poderiam ser processadas separadamente, em procedimentos autônomos, com resultados diversos, não obstante desencadeados pelos mesmos fatos. Salientando que nosso ordenamento

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jurídico admitiria, em matéria de responsabilização dos agentes políticos, a coexistência de um regime político com um regime puramente penal, afirmava não haver razão para esse mesmo ordenamento impedir a coabitação entre responsabilização política e improbidade administrativa. Entendia que eximir os agentes políticos da ação de improbidade administrativa, além de gerar situação de perplexidade que violaria os princípios isonômico e republicano, seria um desastre para a Administração Pública, um retrocesso institucional. Por fim, considerava que a solução então preconizada pela maioria dos Ministros, ao criar nova hipótese de competência originária para o Supremo (CF, art. 102), estaria rompendo com a jurisprudência tradicional, segundo a qual a competência da Corte só poderia ser estabelecida mediante norma de estatura constitucional, sendo insuscetível de extensões a situações outras que não as previstas no próprio texto constitucional. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2012).

Administrativitas defendem que a Lei 8.429/1992 é aplicável também aos

agentes políticos, nos ensinamentos de Di Pietro a lei de improbidade deve ser

aplicada a essa espécie de agentes público (os políticos) porque o crime de

improbidade (lei 8429/1992) e o crime de responsabilidade (norma que estiver na

Constituição) são analisados em instâncias diferentes e têm objetivos diferentes.

Celso Antonio Bandeira de Mello afirma que:

[...] é equivocado o entendimento de que aos agentes políticos não se aplicam as regras comuns da Lei de Improbidade. A atribuição constitucional de competência originária ao Supremo Tribunal Federal para o julgamento de Ministros de Estado em razão de crimes de responsabilidade, significa tão-só que dentre as várias sanções a que estão sujeitos no âmbito da ação civil de improbidade (Lei nº 8.429, 02.06.92) não lhes são aplicáveis as de perda do cargo e suspensão de direitos políticos, que estas só lhes podem ser impostas pela Corte Suprema em julgamento de ação por crime de responsabilidade. (MELLO, 2010. p.3).

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4 LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

O histórico da moralidade no direito brasileiro ganhou muito com o advento da

Constituição de 1988, mas foi a Lei de Improbidade Administrativa (8.429/1992) que

estabeleceu novos rumos para a compreensão da relevância da ética e da

moralidade dentro da Administração Pública. A moralidade, sem dúvida, abarca o

padrão que deve ser observado pelos membros da sociedade em relação à tutela

dos interesses e bens públicos.

O princípio da moralidade administrativa relaciona-se à ideia de honestidade e

respeito à legalidade, sendo certo que esse princípio não deve ser observado

apenas pelo administrador, mas por toda e qualquer pessoa que se relacione com o

poder público. Di Pietro afirma que sempre que em matéria administrativa seja

verificado que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela

se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ”ofende a moral, os

bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de

equidade, a ideia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da

moralidade administrativa.” (DI PIETRO, 2012. p. 79). Dessa feita, nesse capítulo

serão abordados os elementos da improbidade e os aspectos conducentes à

aplicabilidade da LIA aos agentes políticos.

4.1 NATUREZA DAS SANÇÕES DA LEI 8.429/1992

Tratar da natureza jurídica e do alcance da Lei 8429/1992 aos agentes

públicos em muito auxilia na concepção do estudo do Direito Administrativo

sancionador. É cediço que, hodiernamente, as normas não possuem pureza e

unicidade, sendo aplicadas para apenas um ramo do direito, muito pelo contrário,

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cada vez mais a multidisciplinaridade e a interdisciplinaridade são utilizadas para

assegurar a mais justa e correta aplicação das normas e princípios legais.

A sanção administrativa e os atos de improbidade são tipificados no direito

pátrio, porém não há uma clareza no sistema quanto a natureza jurídica das

sanções aplicáveis aos agentes públicos. Com efeito, o autor Fábio Medina Osório

traduz alguns conceitos novos e interessantes acerca das sanções e suas

aplicações aos agentes públicos, focando, em especial, a normatização apresentada

pela Lei de Improbidade Administrativa, contudo, impende destacar que o próprio

autor afirma sobre a dificuldade na tratativa do tema:

Necessitamos, pois, retomar o tema do conceito de sanção administrativa no direito brasileiro, o que supõe, teoricamente, um trabalho quase autônomo, mas que se conecta ao coração da tese, já que a LGIA tem sanções judiciais cujo regime jurídico é de direito administrativo, mais especificamente de direito administrativo sancionador. A tarefa é necessária porque, repita-se, a melhor doutrina nacional não elucidou o tema, ficando silente em relação à natureza jurídica das sanções aos atos de improbidade. (OSÓRIO, 2007. p. 218)

O tema direito administrativo sancionador engloba uma ampla perspectiva,

porque se trata de uma parte do direito que cuida manutenção dos bens e interesses

públicos. A rigor, o direito administrativo sancionador é “um instrumento específico

para tutelar os ilícitos tipicamente administrativos” (OSÓRIO, 2007. p. 226).

O histórico desse ramo do direito revela que a institucionalização do poder

punitivo do Estado advém do direito romano época em que algumas condutas eram

punidas por atentarem contra bens jurídicos de toda a sociedade. No direito

moderno (a partir da Revolução Francesa) as teorias administrativistas determinam a

necessidade de separação das autoridades judiciais e administrativas, além do mais,

é importante mencionar que apesar da umbilicalmente ligados o direito penal e o

direito administrativo sancionador não constituem uma única expressão de um

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mesmo direito, uma vez que a especialização do poder sancionador não permite que

esse seja totalmente absorvido por determinação exclusiva do direito penal.

Duas são as vertentes pelas quais as sanções administrativas podem ser

conceituadas. Uma delas é a corrente formal e a outra material, sendo que na

verificação das sanções Osório aduz que essas devem ser alocadas sob o aspecto

material do direito administrativo:

[…] a sanção administrativista consiste em um mal ou castigo com alcance geral e potencialmente pro futuro, imposto pela Administração Pública, considerada materialmente, pelo Poder Judiciário ou por corporações de direito público, a um administrado(r), agente público, indivíduo ou pessoa jurídica, expostos ou não a relações especiais de sujeição com o Estado, como consequência de uma conduta ilegal, tipificada em norma proibitiva, com uma finalidade repressora, ou disciplinar, no âmbito de aplicação formal ou material do direito administrativo. (OSÓRIO, 2007. p. 227).

Sem embargo, após reconhecer que a análise das sanções administrativistas

devem passar por uma verificação de crivo material é possível aduzir que a

improbidade administrativa (inserida como tal no universo do direito punitivo) é

objeto de estudo específico do direito administrativo, contudo, há o reconhecimento

de que outros ramos do direito possam guardar relação com o tema. Mister elucidar

que um ato ilícito “pode, a um mesmo tempo, receber tipificação na LGIA e no

código Penal, devendo ser caracterizado antes como delito contra a Administração

Pública e, nessa dimensão, produzir efeitos de caracterização de improbidade

administrativa”. (OSÓRIO, 2007. p. 229). Além do mais, especificamente sobre a

improbidade administrativa é certo que ela:

[…] enseja incidências simultânea de vários ordenamentos repressivos, ante a gravidade dessa patologia, nos termos da normativa constitucional. As ações podem ser ajuizadas simultaneamente, portanto, respeitando-se os direitos de defesa, sem falar nas ações indenizatórias, que integram o espectro do direito das responsabilidades, em que se aninham medidas não-sancionadoras. (OSÓRIO, 2007. p. 229).

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Além a justificação moderna do direito administrativo sancionador impende

destacar que o ato de improbidade, apesar de inserido em um contexto do direito

administrativo sancionador, pode corresponder a um ilícito penal, pois o art. 37, § 4º

da Constituição determina 'in fine' que a lei estabelecerá a forma e gradação das

sanções por atos de improbidade “sem prejuízo da ação penal cabível”.

Por fim, importa destacar a natureza civil da improbidade administrativa, pois

os atos de improbidade podem ser direcionados aos particulares. A improbidade não

se aplica apenas às pessoas inseridas no conceito de agentes públicos, portanto, a

natureza civil se mostra pelo fato de que a Administração Pública não pode se valer

do das razões disciplinares do direito administrativo para punir um particular, porque

não há a subordinação pelo vínculo funcional. Assim, além da possibilidade de

aplicação da Lei de Improbidade ao mais amplo leque de pessoas (agentes ou não)

é possível perceber a multifacetada natureza dos atos de improbidade.

4.2 ELEMENTOS DA IMPROBIDADE

Para que seja caracterizado um ato de improbidade é necessária a

concomitância de alguns elementos básicos, ou seja, itens determinantes para a

ocorrência da improbidade administrativa. Tais elementos serão explicados na

sequência desse estudo, mas desde já são enumerados, sendo eles: a) ocorrência

de ato danoso à Administração em uma das modalidades previstas; b) o elemento

subjetivo consubstanciado pelo dolo ou culpa; c) sujeito passivo; d) sujeito ativo.

4.2.1 Dano

Os atos de improbidade compreendem três modalidades de dano, a saber, os

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atos de improbidade que importam enriquecimento ilícito e estão disciplinados no art.

9º da LIA que aduz a regra geral para os atos que importam o enriquecimento:

Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente […] (BRASIL, 2012).

A segunda espécie de ato de improbidade é a que causa prejuízo ao erário,

elencada, no art. 10 da LIA:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente [...] (BRASIL, 2012).

Por fim, a terceira modalidade de ato improbo é a que aduz sobre as atitudes

que atentam contra os princípios da Administração Pública, sendo que tal

modalidade de ato danoso se encontra estabelecida no art. 11 da LIA: “Constitui ato

de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração

pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade,

imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições” .

4.2.2 Dolo ou Culpa

Para enquadrar uma conduta na lei de improbidade administrativa deve-se

examinar que o ato se consagrou com um mínimo de desonestidade e má-fé. Essa

exigência mínima prevê a existência do dolo, já a modalidade culposa (art. 10 da

LIA) é prevista expressamente apenas na hipótese de prejuízo ao erário. A prática do

ato de improbidade, portanto, pressupõe a existência de dolo ou de culpa, não

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havendo responsabilidade objetiva em matéria de improbidade. Di Pietro ensina que:

A responsabilidade objetiva, além de ser admissível somente quando prevista expressamente destoa do sistema jurídico brasileiro, no que diz respeito à responsabilidade do agente público, a começar pela própria norma contida no art. 37, § 6º, da Constituição, que consagra a responsabilidade objetiva do estado por danos causados a terceiros, mas preserva a responsabilidade subjetiva do agente causador do dano. (DI PIETRO, 2012, p. 900).

Dessa feita, a presença dos elementos subjetivos (dolo ou culpa) é

relevante justamente pelo fato de que a Lei de Improbidade tutela a Administração

da desonestidade do agente ativo. Di Pietro aduz “ser objetivo primordial do

legislador constituinte o de assegurar a probidade, a moralidade, a honestidade

dentro da Administração Pública.” (DI PIETRO, 2012. p. 900).

4.2.3 Sujeito Passivo

O sujeito passivo é o prejudicado pelo ato de improbidade. Com efeito, a lei

8.429/1992, em seu art. 1º enumera quem são as pessoas que se adequam ao

conceito de agente passivo.

Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.

Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos. (BRASIL, 2012).

Através da leitura da redação do artigo supra, é possível enumerar que os

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sujeitos passivos podem ser: 1) as pessoas públicas políticas (União, Estados,

Distrito Federal e Municípios); 2) os órgãos dos três poderes; 3) a administração

direta e indireta; 4) empresas que pertençam ao Poder Público (mesmo que não

sejam da administração indireta); 5) empresas que o erário tenha contribuído com

mais de 50% do patrimônio ou receita anual; 6) empresas que recebam valores ou

incentivos de órgão público.

4.2.4 Sujeito Ativo

A Lei de Improbidade Administrativa considera como sujeito ativo o “agente

público (art. 1º) e o terceiro que, mesmo não sendo agente público, induza ou

concorra para a prática do ato de improbidade, ou dele se beneficie sob qualquer

forma direta ou indireta (art. 3º); (DI PIETRO, 2012. p. 891). É possível depreender

da leitura do dispositivo legal que o desejo da Lei de Improbidade é a tutela da

moralidade, sendo essa observada sob os mais amplos aspectos, ou seja, no

tocante ao sujeito ativo (aquele que prejudica a Administração Pública) pode e deve

ser responsabilizado.

O dano ao interesse e ao patrimônio público afeta a toda a coletividade e por

isso a punição aplicada deve abranger o mais amplo nicho de sujeitos,

independentemente da posição que esses detenham na Administração. A

determinação de que até mesmo terceiro pode ser considerado agente público para

fins de responsabilização revela a necessidade de tutela da moralidade perante

todos, inclusive perante os agentes políticos, uma vez que esses também se

submetem à legalidade.

Ora, se até mesmo quem não possui qualquer vínculo com a Administração

pode ser punido, nada mais justo do que atingir aqueles que possuem o dever de

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agir dentro de padrões morais por serem ligados ao poder público por lei. Os

agentes políticos possuem regulamentos autônomos e mais responsabilidades

perante a sociedade e a Administração, contudo, também devem ser

responsabilizados pelos atos que atentem contra o princípio constitucional da

moralidade.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro explica que “não é preciso ser servidor público,

com vínculo empregatício, para enquadrar-se como sujeito ativo da improbidade

administrativa. Qualquer pessoa que preste serviço ao Estado é agente público.” (DI

PIETRO, 2012. p. 891). A ressalva plausível no trato do tema dos agentes políticos

guarda relação com a inviolabilidade de opiniões, palavras e votos (imunidade

parlamentar), a qual assegura uma averiguação especial de responsabilidade,

inviabilizando a aplicação da Lei de Improbidade Administrativa. Para além dessa

verificação a improbidade e a lei de responsabilidade podem ser apuradas por um

mesmo fato, pois se tratam de instâncias diversas com objetivos distintos.

4.3 ANÁLISE DA RECLAMAÇÃO 2138 NO STF

O tema da aplicação da lei de improbidade administrativa aos agentes

políticos suscitou a manifestação do Supremo Tribunal Federal. Em suma, a

Reclamação 2138 julgada pelo Supremo tratou da diferenciação que o ordenamento

brasileiro estabelece quanto à responsabilização dos agentes políticos dos demais

agentes públicos. É importante colacionar a ementa referente ao mérito da demanda

para uma sútil consciência das razões da Suprema Corte:

II. 1. Improbidade administrativa. Crimes de responsabilidade. Os atos de improbidade administrativa são tipificados como crime de responsabilidade na Lei nº 1.079/1950, delito de caráter político-administrativo. II. 2. Distinção entre os regimes de responsabilização político-administrativa.

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O sistema constitucional brasileiro distingue o regime de responsabilidade dos agentes políticos dos demais agentes públicos. A Constituição não admite a concorrência entre dois regimes de responsabilidade político-administrativa para os agentes políticos: o previsto no art. 37, § 4º (regulado pela lei nº 8.429/1992) e o regime fixado no art. 102, I, “c”, (disciplinado pela Lei nº 1.079/1950). se a competência para processar e julgar a ação de improbidade (CF, art. 37, § 4º) pudesse abranger também atos praticados pelos agentes políticos, submetidos a regime de responsabilidade especial, ter-se-ia uma interpretação ab-rogante do disposto no art. 102, I, 'c', da Constituição. II. 3. Regime especial. Ministros de Estado. Os Ministros de Estado, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade (CF, art. 102, I, 'c'; Lei nº 1.079/1950), não se submetem ao modelo de competência previsto no regime comum da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992). II. 4. Crimes de responsabilidade. Competência do Supremo Tribunal Federal. Compete exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar os delitos político-administrativos, na hipótese do art. 102, I, 'c', da Constituição. Somente o STF pode processar e julgar Ministro de Estado no caso de crime de responsabilidade e, assim, eventualmente, determinar a perda do cargo ou a suspensão de direitos políticos. II. 5. Ação de improbidade administrativa. Ministro de Estado que teve decretada a suspensão de seus direitos políticos pelo prazo de 8 anos e a perda da função pública por sentença do Juízo da 14ª Vara da Justiça Federal – Seção Judiciária do Distrito Federal. Incompetência dos Juízos de primeira instância para processar e julgar ação civil de improbidade administrativa ajuizada contra agente políticos que possui prerrogativa de foro perante o Supremo tribunal Federal, por crime de responsabilidade, conforme art. 102, I, 'c', da Constituição (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2012).

O voto do Ministro relator, Nelson Jobim, elucida que o próprio texto

constitucional confere tratamento diferenciado aos agentes políticos, pois esses têm

prerrogativas e responsabilidades supremas de governo e de Administração, e,

essas garantias lhes são conferidas para preservar o livre exercício da função

política. Assim, por serem imensas as responsabilidades públicas dos agentes

políticos eles devem ser submetidos a um regime especial de responsabilização,

não se enquadrando na LIA, pois os atos de improbidade administrativa, enquanto

crimes de responsabilidade estão contemplados e devem ser processados segundo

a Lei 1.079/1950.

O Ministro Joaquim Barbosa, em oposição ao relator, exarou voto afirmando

que as tipificações da Lei 1.079/1950 são distintas da LIA e ambas podem ser

processadas separadamente sem se excluírem, pois, embora desencadeadas pelo

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mesmo fato os procedimentos e resultados são autônomos e absolutamente

distintos. Para o Ministro, a sanção política pode ser cumulada com a sanção

criminal, e, se a punição política pode se juntar à criminal não há razões para

separar a sanção política da administrativa.

Corroborando com o voto de Joaquim Barbosa, o Ministro Celso de Mello

afirmou que a forma de governo republicana “faz instaurar, portanto, um regime de

responsabilidade a que se devem submeter, de modo pleno, todos os agentes

públicos, inclusive aqueles que se qualificam como agentes políticos” (SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL, 2012). Assim, o Ministro concluiu que os agentes políticos

devem se submeter à ação de improbidade como forma de garantia do princípio

constitucional da moralidade, o que é correto.

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CONCLUSÃO

A expressão Administração Pública é comumente utilizada de forma a exarar

dois sentidos diversos. O primeiro refere-se ao sentido subjetivo, que designa os

entes que exercem a atividade administrativa (pessoas jurídicas, órgãos e agentes

públicos). Esse grupo exerce as funções destinadas à fluidez das atividades estatais

destinadas ao êxito das relações em que impera o interesse coletivo. A

Administração em sentido objetivo, por seu turno, pode ser definida como “a

atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve sob regime jurídico total ou

parcialmente público, para a consecução dos interesses coletivos.” (DI PIETRO,

2012. p. 57).

Mais se justifica, portanto, assegurar a eficácia das leis que fundamentam as

relações de qualquer pessoa com a Administração. Dentro de uma ponderação de

valores é possível perceber que o interesse de apenas um grupo não pode, muito

menos deve, prevalecer em detrimento dos interesses sociais e da observância dos

interesses e bens públicos. Com efeito, o legislador e até mesmo o constituinte não

estabeleceram distinção e incluíram um rol extenso de sujeitos que seriam

responsabilizados e punidos caso fossem enquadrados em alguma tipificação da lei

de improbidade administrativa.

Relevante perceber que o art. 1º da Lei 8.429/1992 aduz que são

considerados sujeitos ativos (capazes de ir contra a Administração e praticar um ato

improbo) o agente público e o terceiro. Ora, apenas da leitura desse dispositivo é

possível se depreender que até mesmo os agentes políticos podem sofrer as

sanções estabelecidas nessa lei. Duas são as verificações plausíveis: 1) os agentes

políticos são uma espécie do gênero agentes públicos e por isso são englobados e

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incluídos no rol de pessoas a serem enquadradas como sujeitos ativos da LIA, além

do mais, 2) se até mesmo terceiro pode ser responsabilizado por ato de improbidade

quem dirá os administradores do mais alto escalão, que gerenciam vultosas quantias

de dinheiro e de interesses públicos. A aplicação da lei de responsabilidade

(1.079/1950), portanto, não prejudica o enquadramento dos agentes políticos na Lei

de Improbidade Administrativa.

É importante ter em mente que quanto mais leis e instrumentos capazes de

tutelar a moralidade forem aplicados aos agentes políticos melhor será para a

população e o mesmo ocorre com o instituto da LIA. Uma irregularidade articulada

em nível político tende a desqualificar e a prejudicar várias pessoas e não apenas

quem pratica o ato ou a Administração Pública como entidade. Sem dúvida, não é

apenas através de punições que será criado um país melhor e livre de corrupção,

mas a inaplicabilidade da lei de improbidade aos agentes políticos tende a causar

uma sensação de impunidade perigosa e capaz de gerar graves problemas sociais.

Em resumo, a observância do princípio da moralidade e a aplicação da LIA

aos agentes políticos culminam em uma tentativa de efetivar mecanismos de tutela

não apenas da Administração Pública, mas da própria sociedade.

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