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PAULA GALBIATTI SILVEIRA A ADOÇÃO DA MELHOR TECNOLOGIA DISPONÍVEL NO LICENCIAMENTO AMBIENTAL BRASILEIRO NA PERSPECTIVA DO ESTADO AMBIENTAL Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do Grau de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Dr. José Rubens Morato Leite Florianópolis - SC 2016

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PAULA GALBIATTI SILVEIRA

A ADOÇÃO DA MELHOR TECNOLOGIA DISPONÍVEL NO

LICENCIAMENTO AMBIENTAL BRASILEIRO NA

PERSPECTIVA DO ESTADO AMBIENTAL

Dissertação submetida ao Programa de

Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa

Catarina para a obtenção do Grau de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. José Rubens Morato Leite

Florianópolis - SC

2016

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Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor

através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária

da UFSC.

Silveira, Paula Galbiatti

A adoção da melhor tecnologia disponível no licenciamento

ambiental brasileiro na perspectiva do Estado Ambiental /

Paula Galbiatti Silveira ; orientador, José Rubens Morato

Leite - Florianópolis, SC, 2016.

270 p.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa

Catarina. Programa de Pós-Graduação em Direito.

Inclui referências

1. Direito. 2. Direito Ambiental. I. Leite, José Rubens

Morato. II. Universidade Federal de Santa Catarina.

Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.

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PAULA GALBIATTI SILVEIRA

A ADOÇÃO DA MELHOR TECNOLOGIA DISPONÍVEL NO

LICENCIAMENTO AMBIENTAL BRASILEIRO NA

PERSPECTIVA DO ESTADO AMBIENTAL

Esta Dissertação foi julgada adequada para obtenção do Título de

Mestre, e aprovada em sua forma final pelo Programa de Pós-Graduação

em Direito.

Florianópolis-SC, 19 de fevereiro de 2016.

________________________

Prof. Dr. Arno Dal Ri Júnior

Coordenador do Curso

Banca Examinadora:

________________________

Prof. Dr. José Rubens Morato Leite

Orientador

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

________________________

Profª Drª Eliane Moreira

Universidade Federal do Pará (UFPA)

________________________

Profª Drª Carolina Medeiros Bahia

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

________________________ Profª Drª Letícia Albuquerque

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

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Aos meus pais, por tudo.

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AGRADECIMENTOS

A pesquisa exige muito esforço, dedicação e abdicação. Sem o

apoio incondicional da minha família, este trabalho não teria sido

possível.

Agradeço a meus pais, Paulo e Teresinha, e à minha irmã,

Natália, por todo o amor. Meus maiores exemplos de humildade,

trabalho e incentivo à educação.

À minha avó Lourdes, um exemplo de mulher que deixou

saudades imensas.

À minha avó Geracina, cujo amor e companhia sua partida

antecipada não me deixou desfrutar.

Ao Ahmed, meu amor e inspiração, pela força e ternura.

Ao Todd, Fred, Zizu e Boni, pela alegria e companheirismo.

Agradeço imensamente a meu professor orientador José Rubens

Morato Leite, modelo de orientador, professor e pesquisador, por todos

os ensinamentos ao longo desses anos e por confiar na minha

capacidade e no meu trabalho.

Ao professor Patryck de Araújo Ayala, pelas indicações

bibliográficas, empréstimo de livros e por ter despertado em mim o

amor pelo direito ambiental e pela pesquisa.

Aos professores Eliane Moreira e Rogério Portanova, pelas

preciosas contribuições na banca de defesa de projeto de dissertação.

A todos os professores do Programa, pelas lições aprendidas,

em especial à professora Cristiane Derani, ao professor Horácio

Wanderlei Rodrigues e à professora Letícia Albuquerque.

À Universidade Federal de Santa Catarina, ao Programa de Pós-

Graduação em Direito e a todos os funcionários pelo auxílio.

Às professoras membros da banca de defesa da dissertação,

Eliane Moreira, Carolina Medeiros Bahia e Letícia Albuquerque.

Aos professores suplentes Maria Leonor Paes Cavalcanti

Ferreira Codonho e Patryck de Araújo Ayala.

Às minhas amigas do Programa, Aline, Ana Paula, Jéssica,

Lyza e Mariah, que me auxiliaram nesta caminhada e cuja amizade foi

essencial para tornar a estadia em Florianópolis mais agradável.

Ao Mauro, companheiro de luta na defesa do meio ambiente. À amiga e professora Margot Eliane Gaebler, pela correção

final da metodologia e da língua portuguesa.

Ao GPDA e a meus colegas integrantes do Grupo, pelas

discussões e contribuições, indispensáveis para meu crescimento pessoal

e profissional.

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Ao Observatório de Justiça Ecológica, por me auxiliar a

encontrar fundamentos para defender os direitos dos animais.

À minha amiga Ana Paula e à minha amiga canina e sempre

hóspede Chanel.

À minha amiga Marina, parceira de estudos, sonhos e

realizações.

A todos os meus amigos, nos quatro cantos do Brasil e do

mundo.

Finalmente, agradeço a CAPES pelo financiamento desta

pesquisa.

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A folha

A natureza são duas. Uma,

tal qual se sabe a si mesma. Outra, a que vemos. Mas vemos?

Ou a ilusão das coisas?

Quem sou eu para sentir o leque de uma palmeira?

Quem sou, para ser senhor de uma fechada, sagrada

arca de vidas autônomas?

A pretensão de ser homem e não coisa ou caracol

esfacela-me em frente folha que cai, depois de viver

intensa, caladamente,

e por ordem do Prefeito vai sumir na varredura

mas continua em outra folha alheia a meu privilégio

de ser mais forte que as folhas.

(Carlos Drummond de Andrade)

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RESUMO

O tema da presente dissertação é o Estado ambiental e a melhor

tecnologia disponível, cuja delimitação se dá na obrigatoriedade de sua

adoção no licenciamento ambiental, como manifestação do dever desse

modelo de Estado de redução de riscos existenciais por meio do

condicionamento de liberdades, uso e acesso a bens ambientais. Neste

contexto, o problema de pesquisa analisado questiona: tendo como

pressuposto que o objetivo principal de um Estado ambiental é a

redução de riscos existenciais, é dever do Estado adotar a melhor

tecnologia disponível como suporte de decisão, no licenciamento

ambiental, em meio às incertezas científicas? Neste contexto, tem-se

como objetivo geral da presente dissertação verificar se é dever do

Estado a adoção da melhor tecnologia disponível no licenciamento

ambiental e quais seus critérios, tendo em vista que o conhecimento

científico cria incertezas e é dever do Estado ambiental reduzir riscos

existenciais criados pelo próprio avanço da tecnociência. Os objetivos

específicos do presente trabalho são: compreender a crise ambiental a

partir das sociedades de riscos; compreender a teoria do Estado

ambiental, com enfoque no ordenamento jurídico constitucional

brasileiro; discutir a relação do Direito com a tecnociência, em um

contexto de incertezas científicas; e demonstrar o dever do Estado em

adotar as melhores tecnologias disponíveis no licenciamento ambiental

no Brasil. A partir dos objetivos específicos formulados para o problema

apresentado, elaborou-se o plano de investigação em quatro capítulos,

cada um voltado ao objetivo respectivo. A metodologia segue o método

de abordagem dedutivo. O método de procedimento utilizado é o

monográfico, com ampla consulta em doutrinas, artigos científicos

nacionais e estrangeiros. A escolha dos autores foi feita nos marcos

teóricos sobre os temas e, em vista da escassa bibliografia sobre

ordenamento técnico no Brasil, utilizou-se literatura estrangeira. A

técnica de pesquisa utilizada é a bibliográfica e documental. Além disso,

realizou-se pesquisa jurisprudencial nos tribunais brasileiros em

determinados temas, em especial no Superior Tribunal de Justiça e no

Supremo Tribunal Federal.

Palavras-chave: Sociedades de riscos. Estado ambiental. Tecnociência.

Melhor tecnologia disponível. Licenciamento ambiental.

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ABSTRACT

The theme of this dissertation is the environmental State and the best

available technology. The delimitation of the theme is found on the

mandatory adoption in the environmental licensing, as a manifestation

of the duty of this model of State to reduce existential risks by

conditioning liberties, use and access to environmental goods. In this

context, the research problem is: from the assumption that the main

purpose of an environmental State is the reduction of existential risks, is

it the State's duty to adopt the best technology available as decision

support on the environmental licensing, considering the uncertainties of

the scientific knowledge? In this context, the general objective of this

dissertation is to verify if it is the State's duty to adopt the best

technology available in the environmental licensing and which are its

criteria, considering that the scientific knowledge creates uncertainties

and it is the duty of the environmental State to reduce existential risks

created by the progress of techno-science. The specific objectives of this

dissertation are: to understand the environmental crisis by the risk

society theory; to understand the theory of environmental State,

focusing on the Brazilian constitutional law; to discuss the relation

between Law and techno-science, in a context of scientific uncertainties;

and to demonstrate the duty of the State to adopt the best available

technologies in the environmental licensing in Brazil. From the specific

objectives formulated for the presented problem, the research was

structured in four chapters, each focusing on a specific goal. The

methodology follows the deductive method of approach. The procedure

used was the monographic method, on Brazilian and foreign doctrines

and scientific papers. The choice of the authors was made in theoretical

frameworks. Because of the scarce bibliography in Brazil, it was used

foreign literature as well. The research technique used is the literature

and the document research. Moreover, the dissertation used also

jurisprudential review in the Brazilian courts on specific themes,

especially in the Superior Court of Justice and on the Brazilian Supreme

Court.

Keywords: Risk societies. Environmental State. Technoscience. Best available technology. Environmental licensing.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Alguns desastres ambientais causados pelo homem no

século XX ..................................................................................

56

Quadro 2 - Alguns desastres e problemas ambientais do século XXI ......................................................................................

59

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas

ADI - Ação Direta de Inconstitucionalidade

AgRg - Agravo Regimental

BAT - Best Available Technology BACT - Best Available Control Technology

BREF - Best Available Techniques Reference Documents

CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior‎ CCAF - Comitê de Compensação Ambiental Federal

CFCA - Câmara Federal de Compensação Ambiental

CLT - Consolidação das Leis do Trabalho

CNUCD - Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e

Desenvolvimento

CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente

CONMETRO - Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e

Qualidade Industrial

DF - Distrito Federal

DJ - Diário de Justiça

EDcl - Embargos de Declaração

EIA-RIMA - Estudo de Impacto Ambiental - Relatório de Impacto

Ambiental

EPA - United States Environmental Protection Agengy

GEEs - Gases de efeito estufa

GO – Goiás

GPDA - Grupo de Pesquisa Direito Ambiental na Sociedade de Risco

IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos

Naturais Renováveis

ICMBio - Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

INMETRO - Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e

Tecnologia

IPCC - Intergovernmental Panel on Climate Change IUCN - International Union for Conservation of Nature

LAER - Lowest Achievable Emission Rate

LC - Lei Complementar LI - Licença de Instalação

LO - Licença de Operação

LP - Licença Prévia

LPNMA - Lei da Política Nacional do Meio Ambiente

MMA - Ministério do Meio Ambiente

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MS - Mandado de Segurança

MTD - Melhor Tecnologia Disponível

NBR - Normas Brasileiras

POPs - Poluentes Orgânicos Persistentes

RE - Recurso Extraordinário

REsp - Recurso Especial

RHC - Recurso em Habeas Corpus

SIAESP - Sindicato da Indústria de Açúcar no Estado de São Paulo

SIFAESP - Sindicato da Indústria da Fabricação do Álcool do

Estado de São Paulo

SISNAMA - Sistema Nacional do Meio Ambiente

SNUC - Sistema Nacional de Unidades de Conservação

SP - São Paulo

STF - Supremo Tribunal Federal

STJ - Superior Tribunal de Justiça

UFMT - Universidade Federal do Mato Grosso

UFPA - Universidade Federal do Pará

UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................... 21

2 A CRISE ECOLÓGICA NO CONTEXTO DAS SOCIEDADES DE RISCOS .....................................................

27

2.1 SOCIEDADES DE RISCOS E MEIO AMBIENTE .............. 28

2.1.1 Caracterização dos elementos das sociedades de riscos ... 32

2.2 CRISE ECOLÓGICA ........................................................ 38

2.2.1 Policrise e crise de percepção ............................................ 43

2.2.2 A relação cartesiana entre a humanidade e a natureza ... 48

2.2.3 Gerações de problemas ambientais .................................. 55

2.3 PERCEPÇÃO INTERNACIONAL DOS RISCOS ................. 62

2.4 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO MEIO AMBIENTE .... 67

2.5 A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE NA ORDEM CONSTITUCIONAL BRASILEIRA ...........................................

71

3 O ESTADO AMBIENTAL COMO CONSTRUÇÃO JURÍDICA NECESSÁRIA PARA REDUÇÃO DE RISCOS

75

3.1 TEORIAS DA ORIGEM DO ESTADO E DE SUA JUSTIFICAÇÃO ...................................................................

76

3.1.1 Do contrato social ao contrato natural .............................. 81

3.2 ESTADO AMBIENTAL ........................................................ 85

3.2.1 Elementos ............................................................................ 90

3.2.2 Meio ambiente como direito e dever fundamental ........... 95

3.2.2.1 Direito fundamental ao meio ambiente ............................. 95

3.2.2.2 Deveres de proteção .......................................................... 99

3.2.3 Princípios estruturantes ..................................................... 103

3.2.3.1 Princípio da precaução .............................................. 103

3.2.3.2 Princípio da cooperação .................................................... 107

3.2.3.3 Princípio da solidariedade .............................................. 110

3.2.3.4 Princípio da vedação do retrocesso ambiental .................. 112

3.2.3.5 Princípio do poluidor-pagador ..................................... 115

3.3 A SUSTENTABILIDADE COMO VALOR E META PRIMORDIAIS DO ESTADO AMBIENTAL ...........................

116

3.4 A ESSENCIALIDADE DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E

DA PARTICIPAÇÃO INFORMADA PARA A FORMAÇÃO DE UMA CONSCIÊNCIA AMBIENTAL .................................

120

3.5 O NOVO CONSTITUCIONALISMO LATINO-

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AMERICANO COMO PARADIGMA DE ESTADO

AMBIENTAL ...........................................................................

123

3.6 A BUSCA PELA JUSTIÇA ECOLÓGICA COMO

OBJETIVO DO ESTADO AMBIENTAL ..................................

128

3.7 A FALÊNCIA DO ESTADO BRASILEIRO NA PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE .....................................

132

4 DIREITO E TECNOCIÊNCIA: A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE FRENTE ÀS INCERTEZAS CIENTÍFICAS ....

137

4.1 A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO NO MUNDO MODERNO ...............................................................................

138

4.2 CONHECIMENTO CIENTÍFICO X CONHECIMENTO NÃO CIENTÍFICO ...................................................................

145

4.3 A CRISE DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO: A ERA

DAS INCERTEZAS .................................................................

152

4.4 A INSERÇÃO DA TECNOCIÊNCIA NA ESTRUTURA

JURÍDICO-POLÍTICA .............................................................

155

4.5 AS RELAÇÕES ENTRE O DIREITO E A TECNOCIÊNCIA NA PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE ......

161

4.5.1 O direito e o dever à pesquisa científica ........................... 167

4.5.2 A gestão dos riscos em contextos de incertezas científicas: as formas de remessa do Direito à tecnociência .....

172

5 A ADOÇÃO DA MELHOR TECNOLOGIA DISPONÍVEL NO LICENCIAMENTO AMBIENTAL ..................................

183

5.1 MELHOR TECNOLOGIA DISPONÍVEL – MTD ................. 186

5.1.1 A melhor tecnologia disponível no ordenamento jurídico

dos Estados Unidos da América e da União Europeia: origem e conceito .......................................................................................

191

5.1.2 A adoção da melhor tecnologia disponível no direito

ambiental brasileiro ....................................................................

196

5.2 A ADOÇÃO DA MELHOR TECNOLOGIA DISPONÍVEL

NO LICENCIAMENTO AMBIENTAL .....................................

205

5.2.1 Normas no licenciamento ambiental e nos estudos

ambientais relevantes para a adoção das MTDs ......................

208

5.2.2 Modificação das licenças ambientais conforme o estado

da técnica (cláusula rebus sic stantibus no licenciamento ambiental) ....................................................................................

216

5.2.3 A compensação ambiental prevista na Lei do SNUC ..... 224

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5.2.4 A adoção da MTD e a queima da palha da cana-de-

açúcar ...........................................................................................

230

5.3 A ADOÇÃO DA MELHOR TECNOLOGIA DISPONÍVEL

EM CONTEXTOS DE INCERTEZAS CIENTÍFICAS ................

239

6 CONCLUSÃO ........................................................................... 245

REFERÊNCIAS ........................................................................... 251

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21

1 INTRODUÇÃO

O desenvolvimento da tecnociência, gerado a partir de uma

visão de mundo ocidental e cartesiana de separação e de dominação

entre humano e natural, levou a que o objeto do conhecimento – a

natureza – fosse explorado até atingir um nível tão grande de

degradação que culminou em uma crise ecológica sem precedentes.

Esse avanço da tecnociência causou tanto benefícios e confortos

para a humanidade, eliminando ou reduzindo perigos naturais, quanto

inúmeros problemas ambientais, como os advindos da biotecnologia,

dos organismos geneticamente modificados, da nanotecnologia, dos

agrotóxicos, da poluição do ar, da água e do solo, de produtos perigosos,

entre outros, característicos da crise citada.

As sociedades causadoras dessa crise enfrentam riscos

existenciais, ou seja, que ameaçam projetos de vida e existência, até

pouco tempo inexistentes, causados pelo próprio avanço da

tecnociência, cujas consequências e impactos são muitas vezes

desconhecidos.

O percebimento inicial desses riscos levou a que essas mesmas

sociedades tivessem uma percepção sobre os impactos gerados pela

crise ecológica e buscassem um diálogo maior sobre o tema,

incorporando a proteção do meio ambiente como tema central nas

discussões políticas e também nas constituições.

Da necessidade de controlar, reduzir e extinguir esses riscos

existenciais e da constitucionalização do ambiente surge uma nova

teoria de modelo de Estado, que incorpora o meio ambiente como

objetivo de suas decisões e como novo elemento que, por sua vez,

modifica todos os demais da clássica teoria do Estado-Nação moderno e

da própria estrutura do contrato social, passando a ser um Estado

ambiental regido por um contrato natural.

Dos objetivos de um Estado ambiental podem decorrer

princípios, instrumentos e definições comuns no discurso jurídico.

Contudo, da tarefa primordial de reduzir os riscos existenciais,

decorrem, no plano jurídico, o condicionamento das liberdades

econômicas e a redução das intervenções sobre os bens ambientais,

mediante o condicionamento do uso e acesso a esses bens. Sob este aspecto, o ordenamento constitucional brasileiro

elevou o meio ambiente a direito e a dever fundamental, impondo

diversos deveres à coletividade e ao Estado, entre eles o de redução de

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22

riscos e de controle de técnicas, mediante o cumprimento dos dois

compromissos básicos acima referidos.

Esses compromissos básicos de um Estado ambiental

comprometido com a redução de riscos são concretizados hoje pelo

instrumento do licenciamento ambiental, o qual depende de estudos

técnicos e da análise de viabilidade e de alternativas tecnológicas para

que possa cumprir seu objetivo.

Diante deste complexo contexto de riscos exposto, o que se

verifica é uma ampliação da tecnociência e do ordenamento técnico em

áreas antes dominadas pela política e pelo Direito, o que abala as

estruturas jurídico-políticas de decisão do próprio Estado. Há, portanto,

uma ligação entre Direito e tecnociência, em especial no que se refere a

questões ambientais.

Contudo, como afirmado, a tecnociência tem um caráter

dúplice, pois traz benefícios e malefícios. Traz também a proteção

ambiental, que pode ser alcançada por meio do desenvolvimento das

tecnologias adequadas para tal, sob a ressalva de que não se pode

entender as ciências como o maior dos males que assolam a

humanidade, mas também não se pode permanecer com a fé e ideologia

de que produz verdades e é a salvadora da humanidade.

Deve-se ter uma visão crítica do conhecimento científico e da

tecnociência, de não os utilizar como ideologia, como instrumentos de

poder e como detentores de certezas sobre o mundo, já que as ciências

assumiram que são compostas de incertezas.

Tem-se, logo, como tema da presente dissertação, o Estado

ambiental e a melhor tecnologia disponível, cuja delimitação se dá na

obrigatoriedade de sua adoção no licenciamento ambiental, como

manifestação do dever desse modelo de Estado de redução de riscos

existenciais por meio do condicionamento de liberdades, uso e acesso a

bens ambientais.

Explicado o contexto do tema abordado na presente dissertação,

o problema de pesquisa analisado questiona: tendo como pressuposto

que o objetivo principal de um Estado ambiental é a redução de riscos

existenciais, é dever do Estado adotar a melhor tecnologia disponível

como suporte de decisão no licenciamento ambiental, em meio às

incertezas científicas? A hipótese a ser testada pela presente investigação é a de que o

Estado ambiental tem o dever de reduzir riscos existenciais, os quais são

produzidos pelo avanço da tecnociência, mas que também pode contê-

los e preservar o meio ambiente. Assim, deve o Estado adotar a melhor

tecnologia disponível para redução de riscos e proteção do meio

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23

ambiente, no instrumento do licenciamento ambiental, em especial

diante das incertezas científicas características do conhecimento

científico. Não se deve ignorar, contudo, a existência e importância de

outras formas de conhecimento, propiciando a participação popular na

tomada de decisões.

Neste contexto, tem-se como objetivo geral da presente

dissertação verificar se é dever do Estado a adoção da melhor tecnologia

disponível no licenciamento ambiental e quais seus critérios, tendo em

vista que o conhecimento científico cria incertezas e é dever do Estado

ambiental reduzir riscos existenciais criados pelo próprio avanço da

tecnociência.

Os objetivos específicos do presente trabalho são: compreender

a crise ecológica a partir da teoria das sociedades de riscos;

compreender a teoria do Estado ambiental, com enfoque no

ordenamento jurídico constitucional brasileiro; discutir a relação entre o

Direito e a tecnociência, em um contexto de incertezas científicas; e

investigar o dever do Estado em adotar as melhores tecnologias

disponíveis no licenciamento ambiental no Brasil.

A partir dos objetivos específicos formulados para o problema

apresentado, elaborou-se o seguinte plano de investigação:

No primeiro capítulo, busca-se compreender a crise ecológica a

partir da teoria das sociedades de riscos formulada por Beck (1995,

2011), marco teórico da presente dissertação. Neste momento, é feita

uma compreensão acerca dos principais elementos da teoria e são

apresentados alguns conceitos chave para a dissertação, como o de

riscos e o de crise. Estuda-se, como elementos da crise, o conceito de

policrise, a relação cartesiana entre a humanidade e a natureza, e as

gerações de problemas ambientais.

A partir desta compreensão inicial, estuda-se a percepção

internacional sobre esses riscos e sua consequente constitucionalização,

com foco na Constituição Federal brasileira de 1988.

Na sequência, já introduzido o leitor no contexto atual de crise e

de riscos complexos e de como foram inseridas essas questões no

ordenamento constitucional brasileiro, é estudada a teoria do Estado

ambiental, iniciando-se com o entendimento do que é o Estado e da

necessidade de modificação do contrato social para o contrato natural. Posteriormente, são estudados os principais elementos do

Estado ambiental, seus princípios estruturantes e deveres de proteção,

focando no instrumento do licenciamento ambiental, como o principal

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24

para redução de riscos, condicionamento de liberdades, uso e acesso a

bens ambientais.

Como paradigma de Estado ambiental, mediante a consideração

da natureza como sujeito de direitos, estudam-se as constituições latino-

americanas do Equador e da Bolívia, para demonstrar que este modelo

teórico é possível e vem sendo efetivado por diversas experiências. Por

fim, este capítulo aborda o tema da justiça ecológica, que perpassa todo

o sistema jurídico-político de decisão e é objetivo intrínseco de um

Estado, finalizando com uma crítica ao Estado brasileiro.

Apresentados os marcos teóricos da presente dissertação –

sociedades de risco e Estado ambiental – passa-se, no terceiro capítulo,

para a discussão do problema de pesquisa formulado, discutindo as

relações entre o Direito e a tecnociência, em contextos de incerteza

científica, para a proteção do meio ambiente.

Para tanto, inicia-se com uma breve reflexão sobre como se dá o

conhecimento no mundo moderno, para que seja possível compreender

o que é o conhecimento científico e sua diferenciação do não-científico,

como base para o entendimento das incertezas científicas.

Posteriormente, são discutidas as relações da tecnociência com o Estado

e com o Direito, por meio da modificação do direito à investigação

científica e das formas de remessa do ordenamento jurídico ao

ordenamento técnico, cuja melhor forma considerada é a da cláusula

técnica, na qual se insere a melhor tecnologia disponível.

No quarto e último capítulo é verificada a hipótese de pesquisa

acerca da adoção da melhor tecnologia disponível no licenciamento

ambiental. São avaliados a conceituação e os elementos da melhor

tecnologia disponível, sua origem e sua adoção pelo direito ambiental

brasileiro como instrumento de proteção ambiental.

Entendida a melhor tecnologia disponível como dever do

Estado no licenciamento ambiental, passa-se a demonstrar a capacidade

jurídica de sua imposição na eleição do método de proteção ambiental

em contextos de incerteza. É nesse momento que se unem os capítulos

precedentes, já que é avaliada a possibilidade e efetividade da imposição

da melhor tecnologia disponível para evitar, controlar e minimizar riscos

ambientais, em contextos de incertezas.

As dificuldades com a elaboração da dissertação foram várias, tanto em relação a aspectos metodológicos, buscando-se manter uma

coerência entre os conteúdos abordados, quanto, principalmente, na

escassa bibliografia sobre o tema do ordenamento técnico e da melhor

tecnologia disponível no Brasil, sendo a obra de Loubet (2014) a única

encontrada que se debruça de forma aprofundada e ampla sobre o tema.

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A metodologia segue o método de abordagem dedutivo, tendo

em vista que parte de aspectos gerais – crise ecológica e Estado

ambiental – para o estudo de um instrumento em específico: a adoção da

melhor tecnologia disponível no licenciamento ambiental.

O método de procedimento utilizado é o monográfico, com

ampla consulta em doutrinas, artigos científicos nacionais e

estrangeiros. A escolha dos autores foi feita nos marcos teóricos sobre

os temas e, em vista da escassa bibliografia sobre ordenamento técnico

no Brasil, utilizou-se literatura estrangeira.

A técnica de pesquisa utilizada é a bibliográfica e documental.

Foi escolhida esta técnica, pois são utilizadas doutrinas e publicações

avulsas, para abranger todo o tema a ser pesquisado. Além disso,

realizou-se pesquisa jurisprudencial nos tribunais brasileiros em

determinados temas, em especial no Superior Tribunal de Justiça e no

Supremo Tribunal Federal.

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2 A CRISE ECOLÓGICA NO CONTEXTO DAS SOCIEDADES

DE RISCOS

Considerando que o objetivo geral desta dissertação é verificar

como se dá a adoção da melhor tecnologia disponível no licenciamento

ambiental, tendo em vista que o conhecimento científico cria incertezas

e é dever do Estado ambiental reduzir riscos existenciais criados pelo

próprio avanço da tecnociência, é preliminar a compreensão do que

sejam estes riscos.

O avanço da tecnociência, proporcionado pela relação de

dominação que o homem estabeleceu com a natureza, trouxe diversos

benefícios, como será visto em momento oportuno, mas também criou

riscos capazes de autodestruir a humanidade e o planeta. Os problemas

ambientais advindos desta geração de riscos gerou uma crise ecológica

sem precedentes, que inclusive modificou a estrutura geológica da

Terra1.

A percepção pelos Estados e sociedades destes problemas levou

a que começassem a discutir meios de redução, gestão e controle desses

riscos, resultando na inclusão do bem ambiental nas constituições, o que

foi seguido pela Constituição Federal brasileira de 1988, que impõe

deveres de proteção do meio ambiente e dever de controle e gestão de

riscos.

Neste contexto, o presente capítulo visa abordar o primeiro

objetivo específico proposto para o presente trabalho, qual seja o de

compreender a crise ecológica a partir da teoria da sociedade de riscos.

A compreensão introdutória acerca do marco teórico da

sociedade de risco é considerada básica para o entendimento que se quer

expor sobre a crise ecológica advinda dos riscos criados pelas

sociedades, que não mais os conseguem controlar.

Assim, é abordada inicialmente a teoria da sociedade de riscos,

desenvolvida por Beck (1995, 2011), sua relação com o meio ambiente e

o estabelecimento do conceito de risco a ser utilizado.

O risco configura o próprio sistema jurídico, refletindo-se em

todos os setores do Estado, tanto na esfera legislativa, que deve regular a

1 Chamada de Antropoceno, termo cunhado inicialmente pelo

biólogo Eugene F. Stoermer, mas popularizado pelo químico vencedor

do Prêmio Nobel Paul Crutzen, é descrita por alguns cientistas como a nova era geológica da Terra, causada pelos impactos das atividades humanas. Cf. BOFF,

Leonardo. Disponível em: http://congressoemfoco.uol.com.br/opiniao/forum/o-

antropoceno-uma-nova-era-geologica/. Acesso em: 20 jan. 2016.

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gestão e controle dos riscos; quanto na administrativa, a responsável por

efetivar o disposto na legislação e de instituir políticas públicas voltadas

para tal; e na judiciária, que deve garantir a aplicação da legislação de

controle de riscos e também de forma a que atenda aos dispositivos

constitucionais.

Posteriormente, é compreendida a crise ecológica, que se

constitui em uma policrise e cujo principal aspecto é a crise de

percepção sobre os riscos, que ocorre devido à relação que a

humanidade estabelece com a natureza, baseada na filosofia moderna e

cartesiana de separação entre sujeito e objeto. A crise ecológica levou,

logo, a uma percepção inicial dos riscos e dos problemas ambientais

deles decorrentes, que são classificados didaticamente por Canotilho

(2012) em gerações, as quais serão apresentadas em um quadro sinótico

dos principais desastres e problemas ambientais.

Por fim, com o objetivo de estabelecer uma sequência lógica e

temporal da percepção de problemas ambientais e introduzir o próximo

capítulo, que busca compreender a teoria do Estado ambiental, são

trazidas as discussões internacionais sobre a questão ambiental e sua

culminação com a constitucionalização do meio ambiente como direito e

dever fundamental e como se dá este tratamento pela Constituição

Federal de 1988.

2.1 SOCIEDADES DE RISCOS E MEIO AMBIENTE

A reflexão acerca da necessidade de modificação das práticas

humanas destruidoras da natureza e que colocam em risco a

continuidade da vida deve passar, necessariamente, por um

questionamento sobre as bases do pensamento moderno, que propicia

uma separação entre o humano e o natural.

Na atualidade, as sociedades humanas complexas perderam sua

referência com aquilo que as torna parte de um todo vivo,

impossibilitando que as pessoas, consideradas individualmente ou em

conjunto, possam satisfazer plenamente seus projetos de vida.

Estas sociedades, reguladas por um ordenado de normas

jurídicas, perderam também sua capacidade de regulação, em razão do

sobrepujamento da política e das Constituições pelo mercado, pelo capital e pela técnica, em uma crescente violação e relativização de

direitos fundamentais e de suas garantias, e da destruição dos bens

naturais e comuns, sem os quais a base da existência fica comprometida.

A crise regulatória do Direito torna necessárias cinco

emergências planetárias: a democrática, a social, a ambiental, a nuclear

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e a criminal, visando o fortalecimento do constitucionalismo, do papel

do Estado e da democracia (FERRAJOLI, 2015).

Democrática, para resgatar as dimensões formal, ou política, e

substancial, ou jurídica, de democracia constitucional. Social e

humanitária, para conter os quatro grandes flagelos da sociedade: a

fome, a sede, as doenças e o analfabetismo. A ambiental, uma vez que o

atual desenvolvimento desregulado do capitalismo se mostra

insustentável no plano ecológico, alastrando-se como uma metástase no

planeta, colocando em risco a existência humana. Nuclear, ante os

acúmulos de gigantescos arsenais de armas nucleares capazes de destruir

inúmeras vezes todo o planeta. E criminal, uma vez que o caráter

transnacional da criminalidade organizada, sua força militar e seu

conluio com os poderes políticos trazem uma degeneração institucional,

contradizendo todos os princípios do Estado de direito (FERRAJOLI,

2015).

Nesse sentido, ante o domínio do Estado pelo poder econômico,

compromete-se também a democracia e o Direito, em vista do objetivo

capitalista depredatório e egoísta por lucro e acumulação, mediante a

utilização de instrumentos tecnocientíficos, os quais, ao invés de

utilizados para a melhoria da qualidade de vida, são direcionados para a

acumulação de capital degradadora da natureza, em afronta aos direitos

sociais e ambientais constitucionalmente positivados, e que levam as

sociedades em direção à autodestruição.

Por tais razões, o diálogo entre um conjunto de atores

representa a possibilidade de garantir mudanças rumo à sustentabilidade,

entendida como a “preservação da substância ou da integridade dos

sistemas ecológicos” (BOSSELMANN, 2015, p. 48), sem que se

comprometam os sistemas ecológicos e sociais e as bases democráticas

e constitucionais arduamente construídas.

Neste contexto, com a modernização e a ascensão do

capitalismo à produção social de riqueza acompanha-se a produção

social de riscos, surgindo problemas e conflitos da produção em

consequência aos da sociedade da escassez. Tal lógica se consuma,

primeiramente, pela redução e isolamento da autêntica carência material,

seguida pelo desencadeamento de riscos e potenciais de ameaça do

homem pelo homem em uma escala antes desconhecida (BECK, 2011). Assim, a identificação da sociedade como de risco, por Beck

(2011), demonstra a lógica da distribuição dos riscos, identificando a

sociedade como uma modernidade reflexiva ou segunda modernidade, a

qual emerge com a globalização, a distribuição de riscos, a

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individualização, a revolução de gênero e a despadronização do trabalho

assalariado.

A sociedade de riscos, advinda do Iluminismo, do Humanismo

e do Racionalismo, faz com que os homens percam o controle que

achavam que tinham sobre si mesmos (FRADE, 2009). O risco, assim, é

o lado obscuro do progresso. Passou-se do domínio da natureza e seus

perigos para o da técnica e dos riscos, os quais são gerados pela

indústria e pela tecnologia, perfeitamente amparados pelo sistema

econômico e social, bem como pelo incentivo e proteção do direito

vigente (PARDO, 1999).

Não existe risco zero, uma vez que toda atividade humana causa

impacto ao meio ambiente, seja este de maior ou menor grau. Desde os

primórdios da civilização, o homem se utiliza dos recursos naturais para

sua sobrevivência, sendo que, com a agricultura e a criação de animais,

foi possível o desenvolvimento da espécie humana, seu povoamento

pelo planeta e o início da devastação.

Importante ressaltar que os sistemas de cultivo antigos viviam

da produção e não da matéria, sempre procurando não a colocar em

risco. Contudo, praticamente todas as sociedades agrícolas passaram por

crises ecológicas e, um dia, chegaram ao colapso, em vista da falta de

adaptação à evolução das condições de vida, ou seja, sua incapacidade

social e econômica de viver dentro dos limites dos sistemas ecológicos

(BOSSELMANN, 2015).

Por volta de 1800, uma crise ambiental e alimentar, levando a

que a civilização agrícola tradicional desse lugar à moderna civilização

industrial, transformou profundamente a terra e o uso dos recursos

naturais. Essa transformação apresentou três aspectos: o ambiental, pois

as pressões da crise demográfica e ecológica fez com que o sistema

agrícola expandisse seus limites naturais; filosófico, pelo modelo da

física de Newton, juntamente com a imagem mecanicista-atomista da

natureza, que favoreceu a exploração dos recursos naturais em

detrimento da sustentabilidade ecológica; e energético, no qual as fontes

renováveis de energia, como madeira e vento, foram substituídas por

energia fóssil, como carvão e, posteriormente, petróleo. Tais aspectos

ajudaram a estabelecer a economia moderna, cujos recursos são

intensivos e de curto prazo, refletindo também o Direito esta mudança (BOSSELMANN, 2015).

Nesse contexto de apropriação da natureza para satisfação de

interesses humanos, impulsionado pela Revolução Industrial, houve um

processo acelerado de transformação e consequente separação do natural

e do artificial, elemento basilar da crise ecológica.

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Importante, para os fins do presente estudo, salientar que, ante a

complexidade do conceito de natureza, Lenoble (1969, p. 16) afirma que

não existe uma natureza “em si”, mas uma natureza “pensada”, ou seja,

uma abstração, que toma sentido conforme o espaço-tempo humano, não

se encontrando uma ideia de natureza, senão a “que toma sentido

radicalmente diferente segundo as épocas e os homens”. É um conceito

histórico, cultural e social, pressupondo uma complexa aliança de

elementos científicos, morais e religiosos (DULLEY, 2004).

Esta explicação é necessária, para que não se caia na leitura

reducionista de consideração da natureza como recursos a serem

explorados, ou como meio intocado que não considera sua dimensão de

lugar, ou seja, o espaço no qual os seres humanos se desenvolvem e

organizam sua vida, seu trabalho e suas relações sociais. A visão de natureza como recurso, portanto, é a base do

pensamento humano ocidental e de sua transformação, principalmente

após a Revolução Industrial, quando se atingiu um patamar excessivo de

devastação sob o argumento do progresso, do crescimento econômico e

tecnológico, que levou à crise ecológica e permanece intensamente na

atualidade.

Destarte, com a intensificação dos problemas ambientais, surgiu

posteriormente uma preocupação com o meio ambiente, que constitui

um dos principais temas da atualidade, tendo em vista a percepção das

consequências da degradação ambiental sentidas por todos, em um

contexto de sociedade de riscos, e da conscientização da impossibilidade

de controlar seus efeitos territorialmente.

Sociedade de riscos designa, pois, uma fase no desenvolvimento

das sociedades modernas, nas quais os diversos riscos – sociais,

políticos, econômicos, tecnológicos, individuais, ambientais – escapam

das instituições para o controle e a proteção da sociedade industrial, a

qual escolhe os riscos que considera (in)toleráveis e passa a regulá-los e

geri-los, conforme Beck (2011).

A regulação e o gerenciamento do controle dos riscos são

funções das instâncias públicas, sendo papel do Estado e do Direito

reduzir os riscos existenciais, por meio de um constitucionalismo rígido,

no sentido de concretização, efetivação e garantia de direitos

fundamentais. Paralelamente, faz-se necessária uma mudança de percepção das sociedades sobre os riscos para uma modificação efetiva

no mundo real.

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2.1.1 Caracterização dos elementos das sociedades de riscos

O desenvolvimento econômico e tecnocientífico despreocupado

com suas consequências sobre o meio ambiente, intensificado após a

Revolução Industrial, fez com que os produtores dos riscos e as

instituições não tenham mais capacidade de contê-los. Tais riscos estão

difundidos por todas as sociedades humanas, as quais estão sujeitas a

constantes ameaças e incertezas.

Estas sociedades sofrem as consequências de sua própria

irresponsabilidade, geradora de riscos, cujos efeitos são muitas vezes

incertos e desconhecidos. Esta realidade foi bem diagnosticada por Beck

(2011), ao evidenciar as sociedades atuais como de risco.

A degradação intensa sofrida pelo meio ambiente a partir da

geração descontrolada de riscos pelas sociedades atuais, proporcionada

pela tecnociência e pela relação que a humanidade estabeleceu com a

natureza de apropriação e transformação, gerou a crise ecológica.

Para compreender esta crise, é necessário estabelecer as

características das sociedades de riscos, trazidas por Beck (2011), de

modo a propor um prognóstico adequado ao problema grave enfrentado.

As sociedades de riscos são industriais, baseadas no

conhecimento científico, na tecnologia e no investimento financeiro, e

fizeram com que aparecessem novos riscos, os quais necessitam de

análise científica para estabelecer as causas dos danos ambientais, cuja

irreversibilidade freia o otimismo inicial na tecnociência2, implicando

um esforço para prever danos que ainda não aconteceram ou que não

são aprioristicamente observáveis. A preocupação, até então

basicamente preventiva, torna-se também precaucional, ante a

insustentabilidade do progresso técnico (HERMITTE, 2005).

A teoria de Beck sobre as sociedades de riscos foi publicada na

Alemanha em 1986, logo após o acidente nuclear em Chernobyl. Suas

reflexões, contudo, permanecem atuais, ante os riscos cada vez maiores

produzidos pela humanidade, a partir do desenvolvimento da

tecnociência, e que ameaçam a continuidade da vida.

O termo sociedade de risco refere-se àquelas que se deparam

com desafios inicialmente escondidos, produzidos pelas próprias

2 A tecnociência pode ser conceituada como a pesquisa que obedece antes às

oportunidades tecnológicas do que aos interesses teóricos, na maioria das vezes

motivações extracientíficas (industriais, políticas, militares, comerciais) (CUPANI, 2013). O tema é mais desenvolvido no quarto capítulo desta

dissertação.

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sociedades, e que levam à sua autodestruição e de todas as formas de

vida no planeta (BECK, 1995).

Para Beck (2011), a passagem da lógica da distribuição de

riqueza, na sociedade da escassez, para a de riscos, na modernidade

tardia, se relaciona com duas condições: a redução e o isolamento da

autêntica carência material, pelo crescimento das forças produtivas

humanas e tecnológicas, e pelas garantias e regras jurídicas do Estado

Social; e pelo desencadeamento de riscos e potenciais de autoameaça

em escala antes desconhecida, surgido na Revolução Industrial.

Essa modernidade é denominada por Beck (2011) de reflexiva

ou segunda modernidade, pois se torna tema e problema para si mesma,

gerando uma autoameaça civilizatória. Os riscos geram danos invisíveis,

apresentando-se tão somente no conhecimento científico e abertos a

processos sociais de definição. Nesta lógica, surgem situações sociais de

ameaça e a diminuição das diferenças de classes, em vista do efeito

bumerangue dos riscos, ou seja, alcançam a todos, inclusive àqueles que

os produziram e lucraram com esta produção.

Produzem ainda novos desníveis internacionais entre os países

do Sul (em desenvolvimento ou emergentes) e do Norte (países

industriais), dependendo a solução dos problemas gerados de acordos

internacionais. Além disso, agravam-se as diferenças pela transferência

das indústrias de risco para países com mão de obra barata (BECK,

2011), como o que ocorreu com o Brasil a partir da década de 1970.

Embora o capitalismo e o crescimento sejam um de seus

propulsores, a expansão e mercantilização dos riscos não rompem com

sua lógica, pois representam um grande negócio. Em situações de

ameaça de riscos, a consciência determina a existência, devendo haver

uma disseminação do conhecimento sobre os riscos e sua discussão nas

instâncias públicas, ante a natureza catastrófica das sociedades de riscos

(BECK, 2011).

Outra característica essencial das sociedades de riscos é a

existência de uma irresponsabilidade organizada. Os riscos são

normalizados cientificamente para riscos residuais, fazendo com que os

protestos contra eles sejam taxados de irracionais por instituições

envolvidas, que fazem transparecer uma normalidade e segurança que

não correspondem com a realidade. As soluções políticas encontradas são superficiais, pois propagam um fatalismo industrial, no qual os

produtos do sistema não são a ele atribuídos e a culpabilidade é

colocada como derivada de um destino natural da civilização (BECK,

1995).

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Para tentar conter esses riscos gerados e que ameaçam o futuro

da vida e do planeta, há uma tentativa, pelas sociedades, de controle e

gestão de riscos pela política e pelo Direito. Contudo, antes de abordar

os aspectos jurídicos dos riscos, é necessário estabelecer o conceito de

“risco” a partir de suas teorias.

Beck (2011) afirma que o conceito de risco não é uma invenção

moderna. Entretanto, antigamente havia riscos pessoais e não situações

de ameaça global. A palavra risco significava ousadia e aventura e não a

possível autodestruição do planeta. Já os riscos atuais são causados por

uma superprodução industrial e são de todas as sociedades, escapando à

percepção. Os riscos e ameaças atuais são, portanto, globais e causados

pela modernização.

Frade (2009) traz o sentido etimológico do termo, que deriva do

italiano risicare, que significa ousar, e é uma opção perante a

oportunidade de obter maiores benefícios, encarado, assim, de forma

positiva. Já as teorias do risco consideram a probabilidade da ocorrência

de efeitos nefastos, ou seja, a possibilidade de dano. Sua análise formal

e sistemática é recente, embora regulado desde a Antiguidade, pois foi a

partir da segunda metade do século XX que o discurso do risco saiu das

fronteiras da economia para adentrar nas ciências naturais, nas quais

adquiriu novos significados.

Para Pardo (1999), baseado em Beck, risco se diferencia de

perigo, obtendo-se o primeiro em contraposição ao segundo. O perigo

tem causas naturais, como doenças e catástrofes naturais. Para eliminá-

los, os seres humanos se esforçam para dominar a natureza por meio da

técnica. Neste processo de dominação, criam-se os riscos, para os quais

são necessárias as ações humanas de decisão. Presencia-se atualmente,

pois, mais riscos que perigos.

Aragão (2008), contudo, fala sobre riscos naturais e riscos

antrópicos. Considera, em regra, os riscos naturais como excepcionais,

concentrados e heterogêneos e, por isso, mais dificilmente seguráveis. Já

os riscos ditos tecnológicos seriam os mais frequentes e mais

disseminados no tempo e no espaço, relativamente homogêneos e mais

seguráveis. Em seu entendimento, causas naturais podem potencializar

riscos antrópicos e vice-versa, dando origem a riscos mistos, como os

climáticos. Na mesma linha, não diferencia entre riscos de origem natural e antrópica, pois a distinção tende a se diluir pela existência de

um dever de precaução se os riscos forem evitáveis.

Concorda-se com a posição de Aragão (2008) sobre a

dificuldade na definição de causas naturais e antrópicas para os

problemas ambientais, sendo que ambos se inter-relacionam na

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produção de riscos complexos. Contudo, a diferenciação entre riscos e

perigos, proposta por Pardo (1999), é didática e auxilia na discussão da

hipótese sugerida para o trabalho, quanto às incertezas científicas, razão

pela qual é a utilizada.

A partir desta discussão, necessário trazer algumas teorias do

risco, sintetizadas por Frade (2009), e que auxiliam na compreensão de

sua percepção pelas sociedades.

As teorias objetivistas trazem os riscos como realidades físicas

e mensuráveis, ordenadas conforme o grau de probabilidade e amplitude

da lesão e os recursos para controle aos riscos maiores. Esta abordagem,

todavia, ignora a percepção do risco e sua tolerância social, bem como a

divergência de opinião sobre a periculosidade para os diversos

segmentos da sociedade (FRADE, 2009).

Já as teorias construtivistas entendem os riscos como sociais, ou

seja, produzidos por indivíduos, grupos ou instituições, em um contexto

com determinados interesses e valorações. Os problemas desta

abordagem se referem à ausência de explicação do porquê de sociedades

distintas adotarem posturas semelhantes quanto a determinados riscos

(FRADE, 2009).

Diante destas teorias reducionistas e extremas, Frade (2009)

observa que, de seu confronto, emergem muitas das atuais dúvidas

teóricas e metodológicas sobre o risco, apesar de que, atualmente, estas

teorias não são defendidas em seu estado puro. O alargamento das

funções de análise do risco a novos atores de fora da comunidade

científica e da esfera política leva a novas abordagens, como a

percepção individual e coletiva do risco e a democrática e participativa.

A partir das discussões acerca da gestão e do controle de riscos,

seu conceito se torna descritivo e normativo ao estabelecer conexões

entre causas e efeitos e sugerir medidas de intervenção. São feitas, logo,

escolhas dos objetivos e da metodologia (FRADE, 2009).

Das classificações das teorias do risco, Frade (2009) inicia pela

perspectiva técnica ou quantitativa, que abarca outras três. A primeira é

a análise atuarial, baseada na frequência da ocorrência de eventos, com a

qual se faz um cálculo do valor médio. Esta perspectiva é considerada

unidimensional, pois contabiliza somente danos físicos. Segue-se pela

análise toxicológica e epidemiológica, que se utiliza de experiências e considera o risco característica dos sistemas físicos. Independe da

consciência, buscando verificar a causa do agente de risco e das pessoas

por ele afetadas. Representa, também, uma visão unidimensional, não

considerando a saúde humana e os limites de tolerabilidade. A terceira

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teoria é a análise probabilística, que verifica a probabilidade de falha de

segurança em sistemas tecnológicos complexos, como o nuclear, que

constituem tarefas restritas dos peritos, não havendo participação de

outros atores e formas de conhecimento.

Já a teoria da decisão racional se baseia na análise econômica

do risco, que representa as perdas esperadas de utilidade de um

determinado acontecimento ou decisão, podendo ser avaliado por meio

de uma análise custo-benefício. Inclui uma perspectiva subjetiva, pois se

espera que os indivíduos, ao conhecerem os riscos, tomem medidas para

evitá-los, considerando o paradigma do ator racional. Contudo, a falta de

informações impede a tomada de decisão, uma vez que os indivíduos

agem conforme motivações pessoais, intuições e opiniões, na falta de

conhecimento completo da realidade (FRADE, 2009).

A abordagem psicológica, por sua vez, verifica as preferências

dos indivíduos e as consequências de suas decisões. Para esta teoria, não

importa como se constrói o risco, mas como se responde a ele, o que não

segue, muitas vezes, padrões de racionalidade, em vista do caráter de

familiaridade com o risco, frequência, consequência, controle e

memória. Esta teoria identificou que as pessoas são mais avessas a

riscos improváveis, mas com consequências graves, do que aqueles

prováveis e de gravidade média ou baixa. Também preferem riscos

tomados voluntariamente àqueles involuntários. Tais fatores

demonstram que a resposta dos indivíduos ao risco varia conforme a

percepção que têm dele e não de acordo com as suas características

objetivas ou com a sua avaliação científica (FRADE, 2009).

Em seguida, é trazida a abordagem sociológica com suas teorias

dominantes. Dentre elas, a teoria do ator racional (Dawes) entende que

toda atividade social deriva da vontade deliberada dos atores sociais,

que mobilizam meios necessários para satisfazer seus interesses. Outra

teoria é a da mobilização social (MacCarthy e Zald; Watts), que verifica

as circunstâncias nas quais os grupos e indivíduos decidem agir quando

há um risco e condições estruturais necessárias para que consigam seus

objetivos, cujo resultado depende mais de ações coletivas que

individuais. Já a teoria organizacional (Perrow) traz aspectos estruturais

das organizações, ou seja, a rotinização de tarefas e difusão da

responsabilidade (FRADE, 2009). Outra teoria trazida pela abordagem sociológica é a dos

sistemas (Luhmann), que considera o risco um perigo escolhido pelo

ator social. A teoria crítica e neo-marxista (Escola de Frankfurt;

Habermas; Dombrowski), por sua vez, se preocupa com a dimensão

emancipatória e questiona como dotar os grupos sociais do poder

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necessário para determinar o risco tolerável. Verifica ainda a crise de

legitimidade política, a imposição do risco de um grupo social a outro e

a reprodução da sociedade de classes com distribuição desigual do

poder, do risco e das consequências. Por fim, a teoria construtivista

social (Johnson e Covello; Bradbury; Wynne) considera risco como

construção social, segundo os interesses e valores de cada grupo, para

depois colocá-los na agenda política (FRADE, 2009).

A última abordagem trazida por Frade (2009) é a cultural, que

considera serem os padrões culturais os que estruturam as opções dos

indivíduos e grupos para aceitar ou rejeitar valores que determinam a

percepção do risco, pois cada padrão cultural é cego a determinadas

crenças e sensível a outras.

Frade (2009) considera essa abordagem a que oferece uma

perspectiva mais complexa e rica da realidade social, ao fazer uma

leitura diferenciada da sociedade, admitindo padrões individuais e

coletivos distintos. Sua pretensão de autossuficiência e seu imperialismo

ou determinismo cultural, contudo, suscitam críticas no sentido de que

propicia uma interpretação estática e segmentada da realidade social,

ignorando que o mesmo ator pode, num contexto, comportar-se como

individualista e, noutro, com uma postura igualitária.

A respeito dessas teorias, não se adota nenhuma de forma pura,

pois se entende adequada sua conjugação para um melhor entendimento

acerca dos riscos e de como geri-los, reduzi-los e regulá-los. A análise

quantitativa é necessária para mostrar dados físicos e reais, para

servirem de base para análises subjetivas, a fim de incluir os indivíduos

e os grupos sociais e sua percepção acerca do risco.

Essas teorias abordam, também, a tolerância social do risco, ou

seja, quais os riscos que as pessoas e comunidades aceitam e quais não.

Suas causas estão relacionadas por elementos psicológicos, de formação

educacional, memória, catástrofes ou acontecimentos presenciados, ou

seja, diversos aspectos individuais e, também, sociais e culturais, como

também pela sociedade em que se vive; a cultura, inclusive jurídica; a

religião; os elementos de seu entorno; dentre outros.

Todos esses elementos ajudam a demonstrar o porquê de

determinadas sociedades assumirem determinados riscos e outras não.

Como exemplo, as inovações tecnológicas em biotecnologia, às quais os Estados Unidos da América são mais abertos que os países da União

Europeia; ou sociedades que aceitam e defendem o uso da energia

nuclear e outras não; ou ainda, aquelas que permitem o largo uso de

agrotóxicos, como o Brasil, e outras são mais restritas.

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Questões econômicas também influenciam na decisão a respeito

dos riscos, pois sociedades ou comunidades mais pobres aceitam mais

facilmente quando há compensações financeiras, em vista de sua

necessidade de sobrevivência. A vulnerabilidade das sociedades se

refere não somente ao aspecto econômico, mas organizacional, quando

não possuem mecanismos para que suas reivindicações sejam ouvidas

pelas instâncias decisórias, e também informacionais. Quer dizer, o

volume de informações a que as sociedades têm acesso tanto pelos

produtores de riscos quanto pelo Estado em sua tarefa de fiscalização

dessa atividade.

Além disso, a mídia e os movimentos ambientais têm o papel de

tornar públicas as informações acerca dos riscos. Isto porque, sem

informação de qualidade – e não aquela mascarada ou mesmo ocultada,

em uma verdadeira irresponsabilidade organizada – não é possível que

as pessoas consideradas individualmente ou em grupo possam decidir de

forma livre em assumir ou não esses riscos e, ao assumi-los, que saibam

as consequências ou a incerteza dos efeitos causados por suas decisões,

mas que seja uma decisão tomada de forma livre e informada.

Não se nega, portanto, a face objetiva do risco, mas se considera

que o risco só adquire importância quando apresentado pela mídia e

pelos grupos sociais e ambientais, e entra na pauta das discussões pela

sociedade e pelas instâncias decisórias e regulatórias.

As sociedades, então, a partir da identificação dos riscos,

buscam regulá-los e geri-los juridicamente, sendo seu papel também

reduzi-los, a fim de garantir a consecução de projetos de vida de forma

livre e com garantia de direitos sociais e ambientais.

O Direito não define os riscos, mas empresta de outras ciências

sua conceituação, assumindo objetivos de prevenção e precaução em sua

gestão e, quando ocorrem aqueles intoleráveis, sua indenização e

reparação. Essa gestão não ocorre, contudo, de forma consensual, na

medida em que o aumento dos conhecimentos científicos não coincide

com a diminuição das incertezas, mas as aumenta, devendo o Direito,

assim, regulá-los e sobre eles decidir.

2.2 CRISE ECOLÓGICA

Compreendidas as características das sociedades de riscos e as

teorias do risco, evidencia-se que um dos aspectos da modernidade, que

representa uma pretensão ilimitada de dominação da natureza, origina

uma parte significativa do sistema moderno, que é a crise ecológica.

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A crise ecológica se constitui em uma policrise, conforme

Morin e Kern (2011), desencadeada por uma racionalidade humana

pautada na relação moderna, cartesiana e predatória entre a humanidade

e a natureza, que proporcionou o desenvolvimento da tecnociência, da

revolução industrial e do crescimento econômico.

Com efeito, a crise ecológica que assola o planeta é,

essencialmente, a crise da relação que o humano estabelece com o

natural, incluindo as demais formas de vida e os processos ecológicos,

impondo, assim, uma nova ética, uma nova forma de pensar e de agir,

baseados na sustentabilidade, uma mudança de valores e da forma como

o homem entende a si próprio e como estabelece seu conhecimento

sobre si e sobre o mundo.

É necessário um retorno à ética, pois a ausência de uma ética

ambiental levou a adoção de politicas e tecnologias responsáveis pela

degradação e pela crise (LISBOA, 2009).

Isto porque muitas consequências da degradação ambiental são

sentidas várias gerações à frente das causadoras. Nesta perspectiva, o

pensamento atual capitalista, imediatista e baseado no lucro não leva em

consideração o futuro, fazendo-se necessária a retomada da

solidariedade e uma modificação na educação e racionalidade, sem as

quais serão realizadas apenas medidas paliativas alcançando as

consequências do problema, sem modificar suas causas.

A deterioração da natureza está acompanhada pela deterioração

dos modos de vida individuais e coletivos. Os governos não possuem

também a consciência do problema em sua complexidade, pois

percebem os perigos mais evidentes e apenas depois que eles ocorrem,

muitas vezes por meio de grandes desastres, deixando diversas vítimas

humanas, bem como degradações imensas e não raro irreversíveis ao

meio ambiente. É necessária, assim, uma articulação ético-política entre

os três registros ecológicos, que seriam o do meio ambiente, das

relações sociais e da subjetividade humana (GUATARRI, 1990).

Para Guatarri (1990), a sociedade atual passa por uma crise

ecológica vinculada a uma crise das relações humanas, sejam

individuais (subjetividade humana) ou coletivas (relações sociais). Para

o autor, somente a articulação ético-política, denominada ecosofia, entre

as três ecologias é que poderia esclarecer e mudar a forma de vida no planeta, compreendendo uma junção entre a ecologia e a filosofia, ou

seja, um pensamento humano que leva em consideração as questões

ecológicas. As modificações devem ocorrer no campo da subjetividade,

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do pensamento humano abstrato (ecosofia mental), objetivando

modificar os modos de vida humanos.

Nas palavras de Guatarri (1990, p. 3), “não haverá verdadeira

resposta à crise ecológica a não ser em escala planetária e com a

condição de que se opere uma autêntica revolução política, social e

cultural reorientando os objetivos da produção de bens materiais e

imateriais”, a qual “deverá concernir, portanto, não só as relações de

forças visíveis em grande escala, mas também aos domínios moleculares

de sensibilidade, de inteligência e de desejo”.

Ao observar um verdadeiro colapso das relações

homem/homem e homem/meio ambiente, Guatarri (1990) propõe uma

nova forma de viver e pensar o mundo, a partir de modificações nas

relações sociais e, essencialmente, com sua subjetividade, criticando a

visão cartesiana da existência pelo pensamento ocidental moderno, bem

como as consequências que a influência da subjetividade capitalística

causa nos sujeitos.

Por tais razões, observa-se o excesso de consumo, causador não

somente de um excesso de produção e, consequentemente, do

esgotamento dos recursos naturais, como também do excesso de

resíduos, para os quais ainda não foram encontradas respostas

adequadas, afundando-se o planeta em toneladas de lixo, incluindo

tóxicos e eletroeletrônicos, advindos de uma obsolescência

programada3, frutos de uma ânsia pelo lucro e por bens de consumo não

duráveis, propagados pela mídia como a fórmula mágica da felicidade e

dos problemas da sociedade moderna.

Isto leva ao questionamento sobre os limites morais do

mercado, visto que atualmente há pouco (realmente quase nada) que o

dinheiro não compra. A colocação da natureza no mercado traz o

seguinte problema, exposto por Sandel (2013, p. 15): “quando

decidimos que determinados bens podem ser comprados ou vendidos,

estamos decidindo, pelo menos implicitamente, que podem ser tratados

como mercadorias, como instrumentos de lucro e uso”, havendo não

somente uma economia de mercado, mas uma sociedade de mercado,

que corresponde a um modo de vida, no qual “os valores de mercado

permeiam cada aspecto da atividade humana”, levando não só à

3 Sobre o tema vide: MORAES, Kamila Guimarães de. Obsolescência

planejada: fundamentos e perspectivas jurídico-ambientais de enfrentamento. (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de

Ciências Jurídicas. Florianópolis, 2013.

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desigualdade, como também à corrupção dos ideais, dos valores e

daquilo que foi colocado à venda.

Neste caminhar, observa-se que a origem da crise ecológica está

na representação que o homem tem da natureza, configurando-se em

uma crise essencialmente ética e epistemológica, com base no

paradigma da modernidade.

Esta relação de separação faz com que os bens naturais sejam

colocados no mercado e tenham seus ideais corrompidos, trazendo a

necessidade de uma nova ética, como já afirmado, que coloque o

ecológico como a base da vida e das relações e o econômico sujeito a

seus limites.

A visão da natureza como objeto, a ser explorada, fragmentada

e estudada pelo homem; o antropocentrismo, no qual o homem se coloca

no centro de tudo, sendo o “ambiente” aquilo que está em volta dele, em

completa separação; e o modo pelo qual o homem adquire seu

conhecimento, a partir de um paradigma racionalista, que propiciou o

avanço da tecnociência e a consequente intensificação da exploração da

natureza, são as bases da crise.

Assim, a preocupação com os efeitos da ação humana sobre a

natureza e a necessidade social de responder à crise ecológica é um dos

aspectos mais significativos em que vive a sociedade atual, construída a

partir da imagem do sujeito racional e autônomo, cuja atividade de

domínio e exploração sobre o mundo objetivo ocorre com a ajuda das

tecnologias em busca de um progresso (entendido como sinônimo de

desenvolvimento econômico) permanente (MANZANO, 2011).

Crise esta que também é do Direito, visto que o aspecto

econômico e a subjetividade capitalista e tecnocrática dominam os

demais aspectos da sociedade, inclusive o conhecimento especializado,

para o qual as instâncias públicas de decisão e regulação, embora

legitimadas constitucionalmente, cedem, levando assim a uma crise de

legitimidade do sistema político, como identificado por Pardo (2009).

O paradigma tecnocrático que domina a racionalidade atual e o

modo desordenado de conceber a vida e a ação do homem foram

assumidos até pelos setores mais conservadores da sociedade, como a

Igreja Católica. Na Carta Encíclica Laudato Si’, intitulada “Sobre o

cuidado da casa comum”, o Papa Francisco (2015, p. 12) fala do “urgente desafio de proteger nossa casa comum”, em busca de um

“desenvolvimento sustentável e integral”.

Afirma o Papa (2015, p. 13) que o movimento ecológico

mundial já percorreu um longo caminho, gerando numerosas agregações

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de cidadãos que ajudaram na consciencialização, cujos esforços na

busca de soluções concretas para a crise, contudo, acabaram frustrados

pela recusa dos poderosos e pelo desinteresse. O Papa clama por uma

“nova solidariedade universal”, uma vez que os motivos para tal

frustração vão desde a “negação do problema à indiferença, à resignação

acomodada ou à confiança cega nas soluções técnicas”, ou seja, em uma

dificuldade de percepção dos riscos.

A Carta Encíclica (2015) reconhece ainda a raiz humana da

crise ecológica. Para tanto, afirma que o poder da tecnologia fez com

que a humanidade entrasse em uma nova era, na qual a tecnociência,

desde que bem orientada, tem a possibilidade de produzir coisas que

melhoram a qualidade de vida. No entanto, a energia nuclear, a

biotecnologia, entre outros, fornecem um grande poder aos detentores

do conhecimento, em especial ao poder econômico, sobre todos os seres

humanos e sobre o mundo.

Tal aumento do poder não foi acompanhado, todavia, por um

desenvolvimento do ser humano quanto à responsabilidade, aos valores

e à consciência, não possuindo, assim, instrumentos para controlá-lo,

ante a reduzida autoconsciência de seus limites, que adoecem sua

liberdade pela entrega às suas necessidades imediatas, egoístas e da

violência brutal. O problema fundamental é, portanto, a forma como os

seres humanos assumiram a tecnologia e seu desenvolvimento, mediante

a apropriação da natureza como objeto pelo método científico de

experimentação, o qual é, por si só, uma técnica de domínio, posse e

transformação que tem por escopo, ainda, condicionar a vida das

pessoas e o funcionamento da sociedade mediante certos interesses de

determinados grupos de poder (CARTA ENCÍCLICA, 2015).

Reconhece a Carta (2015), também, que a técnica foi colocada

acima da realidade pelo antropocentrismo moderno, sendo que o

paradigma tecnocrático tem a tendência a dominar também a economia

e a política. Acrescenta-se neste domínio, também, o Direito e as

instâncias públicas, causando seu enfraquecimento na consecução de

seus objetivos, representados pela busca do bem comum e na proteção

dos direitos fundamentais e das bases ecológicas da vida.

Tais reconhecimentos pelo Papa Francisco, chefe de Estado e de

uma das instituições mais poderosas do mundo, que influencia milhões de pessoas, têm extrema relevância, a fim de auxiliar na mudança de

racionalidade e na busca por soluções baseadas na sustentabilidade e na

solidariedade.

Isto porque a crise ecológica levanta questões importantes de

valores e de justiça, tanto intergeracional, quanto intrageracional e

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interespécies, ressaltando-se a necessidade de introduzir a solidariedade

e a justiça ecológica como aspectos essenciais das políticas públicas

voltadas para a proteção do meio ambiente e para a garantia dos direitos

fundamentais.

Para compreender os diversos aspectos da crise ecológica, são

abordados a seguir o conceito de Morin e Kern (2011) de “policrise”, e a

crise de percepção, diagnosticada por Capra (2006), para entender os

aspectos sociológicos de diagnóstico e tolerância dos riscos.

Posteriormente, é identificado o aspecto básico da crise,

representado pela relação cartesiana existente entre o homem e a

natureza. Por fim, serão examinadas as gerações de problemas

ambientais, em especial os de maior preocupação para o século XXI,

como as mudanças climáticas e os advindos das inovações tecnológicas.

2.2.1 Policrise e crise de percepção

A partir da identificação de que a corrida pela ciência, técnica e

indústria é descontrolada e seu progresso conduz ao abismo, Morin e

Kern (2011) afirmam que o crescimento das incertezas, a ruptura de

regulações e os perigos mortais para a humanidade são características da

crise planetária.

A era planetária se inaugura com as primeiras interações

microbianas e humanas, seguidas pelas trocas vegetais e animais entre o

Velho e o Novo Mundo. Pelo comércio marítimo, a Europa inicia um

desenvolvimento acelerado, impulsionando as cidades, o capitalismo, o

Estado-Nação, a indústria e a técnica (MORIN; KERN, 2011).

Assim, houve uma ocidentalização do mundo pela imigração de

europeus a todos os cantos, por meio da violência, da destruição, da

escravidão e da exploração feroz das Américas e da África. Esta

mundialização também ocorre no domínio das ideias, por meio da

compartimentalização entre superiores e inferiores (MORIN; KERN,

2011).

Identificam-se, pois, problemas relacionados à economia, à

demografia, ao desenvolvimento e à ecologia como de primeira

evidência, concernentes ao planeta como um todo. Já os problemas de

segunda evidência se referem a conflitos nacionalistas, originados com o Estado-Nação, muito pequenos para os grandes problemas inter e

transnacionais, como os da ecologia, ou seja, problemas planetários que

ultrapassam as competências nacionais (MORIN; KERN, 2011).

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Por tais razões, o paradigma ocidental do progresso, que leva a

um conceito redutor de desenvolvimento, deixou a civilização atual

doente. A certeza deste progresso foi alimentada, por sua vez, pela fé na

tecnociência, propulsora do desenvolvimento industrial, das

interdependências, das homogeneizações que levam adiante a era

planetária, constituindo-se no “núcleo e no motor da agonia planetária”

(MORIN; KERN, 2011).

A corrida descontrolada conduz ao abismo. Necessário, pois,

“abandonar os dois mitos maiores do Ocidente moderno: a conquista da

natureza-objeto pelo homem sujeito do universo, o falso infinito para o

qual se lançavam o crescimento, o desenvolvimento e o progresso”.

Deve-se abandonar, ainda, “as racionalidades parciais e fechadas, as

racionalizações abstratas e delirantes que consideram como irracional

toda crítica racional dirigida a elas” (MORIN; KERN, 2011, p. 92).

Nesta proposta dos autores, é possível identificar a necessidade

de valorização das demais formas de conhecimento que não o científico,

as quais ficaram subjugadas, juntamente com seus detentores, pelo

paradigma moderno e ocidental, que propiciou a crise planetária e a

destruição da natureza e dos modos de vida tradicionais que com ela

estabeleciam uma relação de respeito, equilíbrio e interdependência.

Desta forma, a aventura descontrolada da tecnociência comanda

o problema do desenvolvimento e da civilização, determinando a

explosão demográfica e a ameaça ecológica. Há, neste contexto,

interretroações entre os diferentes problemas, as diferentes crises e

ameaças. Esta pluralidade de problemas é exemplificada com os de

saúde, demografia, meio ambiente, modo de vida, civilização e

desenvolvimento, levando a uma crise do futuro, que favorece

nacionalismos, desregramento econômico, generalidade e crise da

biosfera, ou seja, crise do passado, do presente e do futuro (MORIN;

KERN, 2011).

Essa pluralidade de crises é considerada pelos autores como

uma policrise, sobrepondo-se a crise do desenvolvimento, da

modernidade e de todas as sociedades, não havendo um problema único

a ser destacado, mas vários problemas vitais, que correspondem a uma

intersolidariedade complexa que culmina na crise geral do planeta.

Nesse contexto policrítico, a crise planetária da humanidade é chamada por Morin e Kern (2011, p. 97-98) de agonia, que representa

“[...] um estado trágico e incerto em que os sintomas de morte e de

nascimento lutam e se confundem. Um passado morto não morre, um

futuro nascente não consegue nascer”, sendo que tudo o que

antigamente protegia as culturas atua simultaneamente para a

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manutenção da diversidade e para o impedimento da unidade, ou seja,

tornaram-se as imunidades nacionais mais destruidoras que protetoras.

A agonia planetária não é, portanto, apenas a soma de conflitos

tradicionais de todos contra todos com as crises de diferentes tipos e o

surgimento de problemas novos sem solução, mas sim um todo que se

alimenta desses ingredientes conflituosos, crísicos, problemáticos, os

engloba, os ultrapassa e torna a alimentá-los (MORIN; KERN, 2011).

As diversas crises que assolam a humanidade levaram a uma

percepção inicial dos problemas ecológicos e dos riscos produzidos, o

que se relaciona com o esboço de consciência planetária identificado por

Morin e Kern (2011). Tal consciência traz consigo o desenvolvimento

da mundialização civilizacional para o melhor e para o pior: ao mesmo

tempo em que rompe com as barreiras de compreensão entre indivíduos

ou povos pela produção de hábitos, costumes e gêneros de vida comuns,

homogeneíza e padroniza aspectos importantes, como costumes,

hábitos, consumo e alimentação, com a perda de diversidade das

culturas. Esse esboço de consciência planetária tem início a partir da

persistência de uma ameaça global, pela formação de uma consciência

ecológica planetária e pela entrada no mundo dos países do Sul.

Embora tenha havido uma percepção inicial pela sociedade

acerca dos riscos ambientais e do potencial destruidor da tecnociência,

em vista da poluição e dos grandes desastres ambientais ocorridos no

século XX, é certo que esta percepção não é completa, em razão das

características das consequências da degradação do meio ambiente,

pelos interesses envolvidos e também pelo conforto trazido pela

ignorância.

Requer-se, portanto, uma mudança de racionalidade para a

construção de uma nova relação entre o homem e a natureza, mediante

uma nova ética para a sustentabilidade e uma educação transformadora,

privilegiando a construção de um conhecimento transdisciplinar e

complexo para o enfrentamento da crise ecológica e de percepção.

O problema da percepção foi bem identificado por Capra

(2006), para o qual há a necessidade de uma nova percepção da

realidade, baseada em uma nova compreensão científica da vida, cujas

implicações vão além das ciências e da filosofia, mas atingem os

diversos ramos da sociedade e da vida cotidiana. Isto porque os problemas advindos da degradação da biosfera

não podem ser entendidos isoladamente, pois são sistêmicos,

interligados e interdependentes. Para Capra (2006), esses problemas são

diferentes facetas de uma única crise que é uma crise de percepção,

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derivada dos conceitos de uma visão de mundo obsoleta e inadequada

para lidar com o mundo superpovoado e globalmente interligado, o que

requer uma mudança radical nas percepções, no pensamento e nos

valores das sociedades atuais, a partir de soluções sustentáveis.

Os conceitos de uma pluralidade de crises constituindo uma

policrise, de Morin e Kern (2011), e o de Capra (2006), para o qual são

várias crises representando uma única, que é a de percepção, podem

parecer conflitantes, mas revelam, em verdade, a complexidade e

profundidade do problema enfrentado.

A crise ecológica é uma policrise, pois resume as diversas crises

e problemas complexos vivenciados, cuja base é a racionalidade

moderna de separação entre o homem e a natureza, que impulsionou sua

apropriação e transformação, a partir da ideia da superioridade humana

em relação às demais espécies e da natureza, objeto do conhecimento

pelo sujeito cognoscente.

Esta racionalidade impede, portanto, que a humanidade

enxergue estes problemas e aja em suas causas. Isto significa que,

embora tenha havido uma percepção inicial dos problemas ecológicos,

levando a um início de conscientização e busca por soluções, a maioria

das sociedades e das instituições ainda não retirou o “véu” que cobre

seus olhos para enxergarem a complexidade dos problemas.

Esta crise de percepção se relaciona com as ecologias mental

(subjetividade) e social, de Guatarri (1990), trazidas anteriormente,

fazendo com que se deva trabalhar na reconstrução das relações

humanas em todos os níveis, visto que se deslocaram pelo poder

capitalista, que ampliou seu domínio sobre o conjunto da vida social,

econômica e cultural do planeta, infiltrando-se ainda no inconsciente.

Uma questão intrinsecamente relacionada é o limite da

tolerância social do risco, já brevemente analisada anteriormente, para a

qual, à medida que “tudo se converte em ameaça, de certa forma nada

mais é perigoso”, ou, de que “quando já não há saída, o melhor afinal é

não pensar mais na questão” (BECK, 2011, p. 43).

Desta forma, a humanidade prefere ignorar as evidências ou

certezas de uma catástrofe ambiental ou do rumo apocalíptico para o

qual o homem encaminha o planeta, como ocorre com o descrédito de

parcela da sociedade com as mudanças climáticas4, por um sentimento

de conforto interno, que leva ao comodismo e ao pensamento

4 Cientistas tais como Wei-Hock Soon. Disponível em:

http://gizmodo.uol.com.br/cientista-que-nega-o-aquecimento-global-era-

financiado-por-empresas-de-energia/. Acesso em: 20 nov. 2015.

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imediatista de aproveitar o presente sem considerar suas consequências

futuras.

Esta crise é silenciosa, como explicitado por Bosselmann

(2015) que, ao falar sobre a necessidade de uma racionalidade ecológica

para os direitos humanos, afirma que a degradação ambiental só é

relevante e coercitiva na medida em que causa uma violação direta e

grave de direitos de indivíduos. Em outras palavras, os problemas

ecológicos apenas aparecem na mídia ou levam a uma preocupação por

parte das sociedades se há alguma violação grave de direitos humanos

ou alguma catástrofe.

Hannigan (1995) afirma que a preocupação das sociedades com

os problemas ambientais não é automática, mesmo quando suas

condições são claramente más, e não é constante, flutuando no tempo.

Para o sociólogo, os problemas ambientais não se materializam por si,

mas são construídos pelos indivíduos ou organizações que definem um

estado objetivo como preocupante e procuram soluções.

Ao adotar uma perspectiva social construcionista, examina a

ascensão e a queda de problemas ambientais, analisando o papel da

ciência e dos meios de comunicação na formulação, conhecimento,

crises e soluções dos riscos ambientais (HANNIGAN, 1995).

Dois problemas distintos são identificados por Hannigan (1995)

sobre a sociologia ambiental: as causas da destruição ambiental e a

emergência dos movimentos ambientais. As causas da destruição são

identificadas em duas abordagens principais: a ecológica, fundada na

ecologia humana, de dominação da humanidade; e a economia política,

que atribui a culpa da destruição ao capitalismo industrial, sendo que as

questões ambientais são fundamentalmente de classe social.

A construção social dos problemas ambientais se relaciona com

a forma pela qual as pessoas determinam os significados. Para Hannigan

(1995), os problemas ambientais são originados normalmente no

domínio da ciência. Assim, para ter atenção, um problema ambiental

deve ser visto como novidade, importante e compreensível. Ajudam

nesta tarefa a linguagem visual e acontecimentos dramáticos e tragédias.

Para que um problema ambiental lidere a atenção, é necessário,

principalmente, que se legitime em múltiplas áreas, ou seja, nos meios

de comunicação social, na ciência e no público. Neste contexto, são fatores necessários para a construção com

êxito de um problema ambiental: autoridade científica para validação de

suas exigências; propagadores científicos que possam transformar a

exigência ambiental em proativa; atenção dos meios de comunicação

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social, nos quais a exigência ambiental é estruturada como real e

importante; dramatização em termos altamente simbólicos e visuais;

incentivos econômicos visíveis no sentido da ação sobre determinado

problema; e patrocinador institucional para assegurar sua legitimidade e

exigência (HANNIGAN, 1995).

Em resumo, a percepção acerca dos problemas ambientais não é

automática, dependendo de fatores psicológicos, sociais e culturais, e de

fatores que tragam reconhecimento desses problemas pela mídia e pelos

espaços públicos de discussão e decisão.

Observa-se, assim, que alguns problemas permanecem

marginalizados, como a questão envolvendo animais não humanos, em

especial aqueles destinados ao abate; discussões acerca do uso de novas

tecnologias, cujos benefícios imediatos impedem a visualização dos

malefícios, dentre outros.

2.2.2 A relação cartesiana entre a humanidade e a natureza

A crise ecológica é apresentada, no presente trabalho, como

tendo por base a relação que o homem tem com a natureza. Esta relação

é de separação, fundamentada no pensamento cartesiano ocidental e

moderno, que levou a uma situação de domínio e degradação intensos,

que culminaram com a agonia do planeta, revelada na destruição da

fauna, da flora e dos processos ecológicos essenciais à continuidade da

vida na Terra.

É certo que a filosofia de Descartes (2011, 2013)5 não foi a

primeira a tratar da separação entre o humano e o natural. Patente

também que foi elaborada em um contexto de libertação do homem do

domínio da religião, possibilitando o desenvolvimento das ciências e da

técnica. É notório, ainda, que a natureza sempre foi utilizada como

recurso para alimentação ou moradia, não somente pela espécie humana,

e independente de quaisquer que fossem os vínculos que se

estabelecessem entre ela e a humanidade.

Contudo, o pensamento cartesiano ocidental abre um mundo

novo ao Ocidente racionalista, ao fazer uma analogia entre mecanismos

de relojoaria e maturação dos frutos, mecanizando a natureza e trazendo

o mundo do artifício, considerado consequentemente superior ao mundo natural (OST, 1995).

5 Neste capítulo, é abordada a filosofia cartesiana apenas em seu aspecto de

separação do humano e do natural. Um maior aprofundamento da filosofia de

Descartes é feito no capítulo 4.

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Para Ost (1995), a crise é, antes de qualquer coisa, e sobretudo,

a crise da representação humana da natureza e de sua relação. É uma

crise simultaneamente de vínculo e de limite. De vínculo, pois já não se

consegue distinguir o que liga o humano ao animal, ao que tem vida e à

natureza. De limite, visto já não ser possível discernir o que os

distingue. Por isso, enquanto não for repensada a relação com a

natureza, a efetividade do direito ambiental permanecerá relativa e a

eficácia das políticas públicas, modesta.

Importante ressaltar que esta relação de separação entre o

homem e a natureza é a predominante nas sociedades ocidentais

capitalistas, não se desconhecendo a existência de outras racionalidades

e modos de vida tanto no passado como na atualidade. No julgamento na

Corte Internacional de Justiça do caso Gabcikovo-Nagymaros6 em 1997,

o ex-vice-presidente Weeramantry se referiu a sistemas agrícolas e

jurídicos antigos para demonstrar como era a relação que o homem

estabelecia com a natureza.

Em seu voto separado, Weeramantry (1997) afirmou que as

civilizações antigas têm muito a ensinar sobre a sabedoria ambiental,

inclusive seus sistemas legais, em todo o mundo. O voto traz exemplos

de várias partes do mundo, consideradas ricas fontes que o direito

ambiental ignorou. Nessas civilizações, a interferência humana na

natureza ocorria sempre considerando a proteção do meio ambiente.

Para o ex-juiz, o direito ambiental moderno precisa observar

estas experiências, nas quais se identifica que não havia uma separação,

ao contrário, compatibilizavam desenvolvimento com imperativos

ambientais (WEERAMANTRY, 1997).

A modernidade, contudo, modifica esta relação. Entendida

como uma determinada maneira de estar no mundo, é baseada na

interpretação da natureza como objeto e na relação que o homem

estabelece com ela, implicando em uma determinada organização social.

A imagem do mundo na modernidade, gestada durante a Idade Média,

6 O caso teve início em 1977, entre a Hungria e a antiga Tchecoslováquia, sobre

a construção e operação do sistema de lagos Gabcikovo-Nagymaros como um investimento conjunto, a fim de obter uma ampla utilização dos recursos

naturais da sessão do rio Danúbio entre Bratislava e Budapeste. Em razão de intensas críticas ao projeto, a Hungria decidiu suspender os trabalhos para

realização de estudos, abandonando a construção do projeto posteriormente. Após uma série de medidas, o caso foi levado à Corte Internacional de Justiça

(Gabcikovo-Nagymaros Projet (HungarySlovakia), Judgement, 1. C. J.

Reports 1997).

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tem seu ponto alto no século XIX e início do século XX, até entrar em

crise com as guerras mundiais. Esta imagem do mundo, majoritária, mas

não única, é baseada na compreensão que o ser humano tem de si

mesmo como um sujeito racional, radicalmente diferente de seu entorno,

podendo, portanto, apropriar-se dele pelo desenvolvimento

tecnocientífico (MANZANO, 2011).

Exemplificando ainda a relação existente antes da modernidade

na Europa medieval, Bosselmann (2015) fala do sistema de uso da terra

conhecido como Allmende, dos principados alemães, e commons, nas

terras inglesas. Esses sistemas foram criados em resposta a uma crise

que levou ao desmatamento quase completo da Europa. Neles, a terra

era vista como um bem público e seu uso era limitado ecologicamente,

ao ser considerada herança do passado e obrigação para o futuro.

Florestas, pastos e terras aráveis eram considerados área comum

indivisível, pertencente à comunidade local, bem como a venda ou

repasse ocorria por autorização do coletivo, inclusive com a proibição

de alteração ou uso excessivo.

O sistema incluía, para Bosselmann (2015), uma ética diferente.

Em seu entendimento, na relação existente entre o homem e a natureza,

a terra era respeitada como ingrediente da vida e os seres humanos como

meros usuários, ocorrendo a apropriação da terra nos limites da

sustentabilidade ecológica, ou seja, respeitando e preservando os

sistemas ecológicos.

O dirigismo local possuía vantagens importantes, ligadas ao uso

do solo descentralizado e controlado pelas comunidades; no

conhecimento íntimo dos ecossistemas locais, que permitia uma tomada

de decisões inteligentes; a forma e extensão do uso da terra permitiam

adaptações às novas condições ecológicas; os interesses comuns tinham

preferência sobre os individuais; e o objetivo do uso da terra era sua

otimização e não maximização (BOSSELMANN, 2015).

Essa relação foi modificada com a Revolução Industrial, com a

qual se modificou também o Direito. Assim, os direitos públicos

ambientais praticamente desapareceram, dando lugar ao direito privado

e de propriedade absoluta, sujeitando a natureza ao exclusivo controle

privado. A relação dos homens com a natureza não era mais vista como

embutida nos ciclos naturais, mas como relação de poder individual sobre a terra (BOSSELMANN, 2015).

Segundo Manzano (2011), quatro grandes matrizes de sentido

podem ser retiradas do panorama da modernidade, quais sejam: o sujeito

racional é concebido separadamente da natureza, no marco de uma visão

dualista do mundo; a ideia de domínio e apropriação, a qual relaciona

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ambas as realidades do mundo dual; a ideia de progresso; e a de que este

progresso se opera por meio da transformação do entorno pelo uso da

tecnologia que gera a razão, elemento que caracteriza e diferencia o ser

humano como realidade distinta do entorno.

Diferentemente do Oriente e das culturas africanas, o homem

ocupa a centralidade na visão de mundo ocidental, desde a civilização

grega. Na cultura grega, contudo, o homem era parte do mundo e não

um sujeito isolado, possuindo uma visão monista. Esta centralidade,

portanto, não é suficiente para explicar a crise ecológica, visto só haver

gerado uma relação problemática até tempos relativamente recentes.

Assim, é com a modernidade, iniciada a partir do século XVI, com o

surgimento do capitalismo, da revolução científica e protestante, que a

relação entre o homem e a natureza muda, passando a ser de separação

(MANZANO, 2011).

O sujeito da modernidade se configura, neste caminhar, pela

autonomia entre fé e razão, fundamento para uma fé pessoal e uma

vivência individual e não social; o dualismo deus-mundo, que deu início

à relação de domínio sobre a natureza e sua transformação a serviço do

ser humano no sistema capitalista; e a autonomia da razão, que

possibilitou a revolução científica (MANZANO, 2011).

Com início no Renascimento italiano, a crença de separação

entre seres humanos e aquilo que os rodeia vai se consolidando,

principalmente no século XVII, com a filosofia de Descartes, que

distingue a res extensa (coisa extensa) e a res cogitans (sujeito

pensante)7. Esta separação entre sujeito e objeto é o pressuposto da

construção do sujeito moderno, que se projeta no sistema cultural e

econômico da modernidade, e o sujeito político, que configura as

estruturas políticas da modernidade e o fundamento teórico da

democracia e dos direitos fundamentais, do constitucionalismo e da

concepção de direito modernos (MANZANO, 2011).

Na modernidade, logo, a relação do homem com a natureza é de

domínio absoluto e arbitrário, a partir da transformação do homem em

sujeito. A natureza passa a ser não somente objeto hierarquicamente

inferior, mas também inimigo, como o selvagem que deve ser ordenado

e humanizado (MANZANO, 2011).

A modernidade rompe, pois, com o domínio do conhecimento pela igreja, trocando a fé na religião por uma fé no conhecimento

7 O tema será tratado em profundidade no capítulo 4, quando será abordada a

teoria do conhecimento.

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científico, pois se acreditava, e ainda se acredita, que seu objetivo era a

busca pela verdade sobre o mundo.

Ante a estaticidade do mundo medieval, a dinamicidade do

conhecimento no mundo moderno traz a noção de progresso. Assim, na

modernidade, o essencial é saber estar e ser para saber fazer,

identificando-se o bom com o útil, mediante um paradigma ético

utilitarista, no qual a natureza é comparada a uma máquina, podendo o

mundo ser interpretado apenas por uma razão instrumental. Nesta visão,

constituem elementos fundamentais da modernidade: a emergência do

capitalismo, como forma de organização social; a tecnociência como o

sistema de crenças; e o Estado-Nação como sistema institucional

(MANZANO, 2011).

O conhecimento científico, nesta visão de mundo, é o único

legítimo, enquanto dentro de um sistema social capitalista que persegue

a acumulação de capital com a progressiva transformação das coisas

para satisfação das necessidades humanas mediante o consumo. A

tecnociência, neste contexto, também é mercantilizada no processo de

acumulação capitalista, fazendo com que a natureza, entendida como

conjunto de recursos, se converta em capital (MANZANO, 2011).

Esta visão predominante na cultura ocidental capitalista

permanece. A natureza vista como objeto proporcionou sua

desnaturalização, humanização e mecanização. A natureza precisa ser

explorada e transformada, por meio da tecnociência, para ampla

satisfação humana, cujos desejos são infinitos, levando não só ao

esgotamento dos recursos naturais como à extinção de espécies da fauna

e da flora, e de culturas que delas dependem. Em seu lugar, cria-se uma

natureza falsa, de jardim e enjaulada.

Neste contexto, surgem no ocidente capitalista visões de

contraposição, que entendem a natureza não como objeto, mas como

sujeito. O movimento da ecologia profunda prega o biocentrismo, em

oposição ao antropocentrismo, e procura restabelecer a relação perdida

entre o homem e a natureza, afirmando que esta possui um valor

intrínseco. É possível que a natureza seja, logo, sujeito de direitos.

Para a ecologia profunda, o valor intrínseco da natureza é

independente de sua utilidade para o homem, a diversidade da vida é

essencial e representa um valor em si. Assim, os homens não teriam o direito de reduzir a diversidade da vida, salvo para suas próprias

necessidades, devendo haver uma mudança radical na política, no

econômico, no tecnológico e no ideológico, mudando os padrões de vida

(OST, 1995).

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Ost (1995, p. 273) critica ambas as visões – natureza como

objeto e natureza como sujeito – propondo a natureza como projeto, o

que corresponde a um novo paradigma ético ambiental. O projeto não

rejeita o sujeito ou o objeto, mas os pressupõe, o que passa a valer não é

a identidade do objeto ou do sujeito, mas a relação que os constitui,

aquilo que os une. Para que isto seja possível, são necessárias três

etapas: epistemológica, ética e jurídica.

A etapa epistemológica busca um saber interdisciplinar, o qual

somente será alcançado se forem ultrapassadas as regras do método e se

adotar a ideia da complexidade, assentada em uma filosofia dialética. A

etapa ética pressupõe responsabilidade, não como imputação a um

culpado, mas por uma atribuição a toda a coletividade de um projeto de

futuro, ou seja, legar para as futuras gerações um planeta em que se

possa viver dignamente8. A última etapa trata de propor uma

qualificação e regime jurídicos para o misto de natureza e cultura, o

público e o privado, o local e o global, sob forma de patrimônio comum,

desenvolvimento sustentável ou responsabilidade pelas futuras gerações

(OST, 1995).

Apesar de se concordar que a visão pura da ecologia profunda

não é o melhor caminho para a conscientização das sociedades sobre a

necessidade de mudança da racionalidade e da ética dominantes para

que haja uma proteção da natureza, a continuidade da ética

antropocêntrica já se mostrou insustentável e causa para a destruição.

Entende-se que é preciso uma grande transformação social,

econômica, cultural e jurídica para que soluções sejam efetivas. A

consideração da natureza como sujeito de direitos, a inclusão de outros

modos de vida e o reconhecimento de outras formas de conhecimento

que não somente o científico são urgentes.

É preciso refletir, logo, sobre a inclusão da ética não

antropocêntrica, a qual busca o respeito por todas as formas de vida,

pois não se esquece que a dominação do homem sobre a natureza não

exclui a do homem pelo homem, razão para marginalização e injustiças

cometidas no processo capitalista de busca egoísta por lucro, no qual a

natureza e seres humanos vulneráveis são vítimas graves.

8 A Constituição Federal de 1988 traz no caput do artigo 225 o princípio da

solidariedade intergeracional, devendo o Estado e a coletividade proteger e

defender o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.

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A Carta Mundial para a Natureza9, adotada pela Assembleia

Geral da ONU, em 1983, traz diversos princípios, incluindo o respeito

pela natureza, a necessidade da educação ecológica, da ação individual e

coletiva, dentre outros. Afirma ainda a inter-relação entre o homem e a

natureza: “a humanidade é parte da natureza e a vida depende do

ininterrupto funcionamento dos sistemas naturais que garantam o

abastecimento de energia e de nutrientes”; “a civilização está enraizada

na natureza, que moldou a cultura humana e influenciou toda a

realização artística e científica, e de viver em harmonia com a natureza

dá ao homem as melhores oportunidades para o desenvolvimento de sua

criatividade, e para descanso e lazer”; e “toda forma de vida é única,

garantindo o respeito, independentemente de valer a pena para o

homem, e, a conceder outros organismos tal reconhecimento, o homem

deve ser guiado por um código moral de ação”.

Outro documento internacional importante é a Carta da Terra10

,

ratificada em 2000. A Carta considera o momento atual crítico na

história, devendo agora a humanidade escolher seu futuro, em busca de

uma sociedade global sustentável, que respeite a natureza, os direitos

humanos, a justiça econômica e a cultura da paz. Para tanto, declara a

responsabilidade dos homens para consigo mesmos, para com a grande

comunidade da vida e para com as futuras gerações.

Ressalta-se a complexidade e completude da Carta da Terra, ao

afirmar não somente o respeito pela vida, como também a necessidade

de que haja justiça, participação e erradicação da pobreza, tudo em uma

cultura de paz, visando à sustentabilidade ecológica.

Bosselmann (2015) afirma que uma das mensagens principais

da Carta é a de não assumir qualquer rivalidade entre o humano e o

natural, pois os seres humanos são parte da natureza, distintos por

acordos culturais e não em sentido ecológico. O compromisso ético

assumido entende que os humanos não competem com a vida na Terra,

mas buscam existir como parte dela.

Tais documentos internacionais, ainda que não normas

coercitivas, demonstram uma vontade de mudança, em vista da

irracionalidade em seguir com as atitudes atuais.

9 Pode ser encontrada em

http://www.meioambiente.pr.gov.br/arquivos/File/agenda21/Carta_Mundial_para_Natureza.pdf. 10

Pode ser encontrada em: http://www.mma.gov.br/responsabilidade-

socioambiental/agenda-21/carta-da-terra.

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55

Por tais motivos, a autodestruição do homem, que possui

recursos para a destruição também do planeta, levando consigo outras

formas de vida, faz com que seja necessária essa mudança ética, para

que a humanidade não mais se considere ser supremo e dona da vida.

2.2.3 Gerações de problemas ambientais

Como vem sendo afirmado no decorrer do capítulo, os inúmeros

problemas ambientais existentes, causados após a Revolução Industrial,

culminaram com uma verdadeira crise ecológica. Estes problemas

levaram a uma percepção inicial pelas sociedades e pelos Estados,

principalmente após a segunda guerra mundial e os desastres causados

pelo homem, que colocaram em evidência a ameaça de autodestruição

com o uso de instrumentos tecnocientíficos.

A percepção dos problemas ambientais ocorreu, primeiramente,

devido a questões como a poluição do ar e, posteriormente, incluiu

aqueles decorrentes da pobreza, do esgotamento dos recursos naturais,

do desflorestamento e da perda da biodiversidade, para citar alguns.

Nesse sentido, Canotilho (2012) propõe, baseado na doutrina

alemã, a divisão dos problemas ecológicos e ambientais em duas

gerações: os primeiros, de caráter nitidamente antropocêntrico, em razão

da consideração da pessoa humana e sua dignidade como raiz

indeclinável da racionalidade ambiental, se referem à prevenção e ao

controle da poluição, suas causas e efeitos, e à configuração do direito

ao meio ambiente como direito fundamental ambiental.

Já os problemas ecológicos de segunda geração advêm de uma

maior sensitividade ecológica e levam à relevância do pluralismo legal

global, com os efeitos combinados dos fatores da poluição e suas

consequências globais e duradouras, como o efeito estufa, a destruição

da camada de ozônio e da biodiversidade e as mudanças climáticas.

Nesta geração, torna-se clara a profunda ligação dos efeitos combinados

e de suas implicações globais e duradouras. Colocam-se em discussão,

logo, os comportamentos das gerações atuais, que comprometem os

interesses das gerações futuras (CANOTILHO, 2012).

Estes problemas ambientais não se extinguem com a existência

da próxima geração, mas coexistem e se inter-relacionam. Esta é apenas uma classificação adotada pelo jurista português para caracterizar os

diferentes momentos em que as sociedades passaram a perceber e

regular os riscos ambientais e suas consequências.

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56

No século XX, os problemas ambientais que deixam as

sociedades perplexas se relacionavam com a poluição do ar, o efeito

estufa, o desflorestamento, a perda da biodiversidade, a extinção de

espécies e a energia nuclear. Foi neste século que se iniciaram as

discussões sobre o desenvolvimento sustentável como forma de

minimizar os impactos e compatibilizar desenvolvimento e proteção do

meio ambiente.

Os principais desastres causados pela humanidade ao meio

ambiente no século XX, por meio do avanço da tecnociência, são

sintetizados no Quadro 1, abaixo:

Quadro 1 - Alguns desastres ambientais causados pelo homem no século XX

Ano Local Desastre Informações complementares

1945 Hiroshima

e Nagasaki, Japão

Lançamento de

bombas atômicas

Causaram uma destruição

imensurável, matando milhares de pessoas e tudo que havia no local,

destruindo fauna, flora, contaminando ar, solo, água e

deixando sequelas nos expostos à radiação, que são sentidas até hoje.

1956 Minamata,

Japão

Envenenamento

por mercúrio

Indústria lançava dejetos contendo

Mercúrio na baía da Minamata desde 1930. Na década de 1950,

começaram a surgir sintomas de contaminação pela mortandade de

peixes, moluscos e aves. Em 1956, foi registrado o primeiro caso de

contaminação, seguida por diversos outros. A doença

proveniente da contaminação por mercúrio é conhecida como Mal de

Minamata.

1967 Inglaterra Derramamento

de petróleo pelo navio Torrey

Canyon.

Primeiro grande acidente com

navio petroleiro, matando fauna e flora locais.

(continua)

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57

(continuação)

Ano Local Desastre Informações complementares

1984 Bophal, Índia

Fuga de gás em uma fábrica de

agrotóxicos, proprietária da

Union Carbide Corporation.

A fábrica se localizava em um bairro pobre da cidade, o que

demonstra a injustiça ambiental na instalação de indústrias poluentes

em comunidades vulneráveis. Shiva (2002), física e ativista

indiana, aborda inúmeros aspectos das causas e consequências da

perda da biodiversidade, fruto também de sua participação em

movimentos de defesa da natureza e da cultura dos povos tradicionais,

que lutam contra os agrotóxicos e o império das grandes indústrias

químicas, como a Monsanto.

1986 Chernobyl,

Ucrânia

Explosão em

usina nuclear

Para Beck (1995), o acidente

ensinou ao menos três lições: que o pior cenário é real e possível; que a

abolição da energia nuclear estava sendo considerada; e que o Estado

e a tecnologia ainda tinham uma visão amadora. Salienta-se que, ao

contrário das bombas atômicas de

1945, a utilização da energia nuclear era para fins pacíficos, o

que demonstra que, mesmo não utilizado com o fim de destruição

da humanidade, este tipo de energia é causa para tal.

(continua)

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58

(continuação)

Ano Local Desastre Informações complementares

1987 Goiânia, Brasil

Contaminação por

radioatividade

Dois catadores de material reciclável encontraram e abriram

um aparelho de radioterapia. Várias pessoas morreram no local,

o que leva à preocupação com a destinação correta de resíduos

perigosos. É considerado o maior acidente nuclear ocorrido fora de

usinas. Observa-se também a necessidade de informação e

melhores condições de trabalho aos catadores, que manuseiam resíduos

contaminantes e perigosos.

1989 Alasca,

Estados Unidos da

América

Derramamento

de petróleo pelo navio Exxon

Valdez.

Coloca em pauta o problema das

fontes de energia, do esgotamento de recursos naturais, da segurança

dos transportes marítimos e dos direitos do mar.

2000 Baía de

Guanabara, Brasil

Vazamento de

petróleo de refinaria da

Petrobrás.

Um dos maiores desastres

ambientais do Brasil. Contaminou grande parte do ecossistema de

mangues no entorno.

Fonte: Elaborado pela autora.

Já no século XXI, há outras preocupações, bem como a

continuidade das anteriores. Como novos problemas, são trazidos a

biotecnologia, os transgênicos, as mudanças climáticas, os desastres, os

deslocados ambientais e a nanotecnologia.

No Quadro 2, abaixo, sintetiza-se não somente os principais

desastres ambientais causados pelo homem, mas também os naturais,

cujos efeitos nefastos são potencializados pela ação humana, bem como

os problemas ambientais deste início do século XXI.

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59

Quadro 2 – Alguns desastres e problemas ambientais do século XXI

Ano Local Desastre Informações complementares

2004 Ásia Tsunami Os tsunamis, originados por um terremoto, atingiram 14 países e

causaram a morte de mais de 230.000 pessoas, constituindo em um dos

piores desastres naturais da história.

2005 Nova

Orleans, Estados

Unidos da

América

Furacão

Katrina

Um dos furacões mais destrutivos do

país. Sua relevância: a ocorrência em uma região pobre, a qual não recebeu

o atendimento necessário e houve

demora excessiva em sua reconstrução, exemplificando o

problema de injustiça ambiental.

2009 Haiti Terremoto O terremoto no Haiti é aqui elencado

por sua relevância para o Brasil, que recebeu milhares de migrantes e deu

início a uma maior discussão no país sobre os refugiados ou deslocados

ambientais.

2010 Golfo do

México, Estados

Unidos da América

Derramame

nto de óleo

Como problemas que ganham

especial relevo, há o retorno da discussão acerca de fontes de energia

e sobre as emissões de gases que contribuem com as mudanças

climáticas.

2011 Bacia de Campos,

Brasil

Vazamento de petróleo

pela petrolífera

Chevron

Causou destruição da fauna e flora locais. Serviu de alerta para o Brasil,

que se impulsiona na exploração de petróleo no pré-sal.

2011 Fukushima,

Japão

Explosão

em central nuclear

Há o retorno do problema com a

energia nuclear, ante a explosão na central. O Japão, país altamente

tecnológico, que teria, em teoria, condições de gerir adequadamente

uma forma de energia tão potencial-mente destrutiva, não conseguiu

conter o desastre. Aumenta-se a preocupação com a utilização da

energia nuclear, com a busca por fontes alternativas e com a gestão do

lixo nuclear. (continua)

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60

(continuação)

Ano Local Desastre Informações complementares

2015 Mariana,

Brasil

Rompimen-

to de barragem

com rejeitos de

mineração da empresa

Samarco

Maior desastre ambiental ocorrido no

Brasil, a enxurrada de lama tóxica causou a morte do rio Doce, principal

bacia hidrográfica da região Sudeste, de toda a fauna e flora locais, a morte

de pessoas, a destruição de casas, a interrupção no abastecimento de água

de várias cidades da região e a contaminação da zona costeira do

Espírito Santo. Seus reais efeitos

ainda são indeterminados.

? Todo o

mundo

Mudanças

climáticas

Considerada a maior preocupação do

século XXI. Realidade confirmada pelos relatórios do IPCC

(Intergovernmental Panel on Climate Change). São certos os danos

irreversíveis ao planeta, como: extinção de espécies e da

biodiversidade; acidificação dos oceanos, afetando diretamente a vida

marinha e os arrecifes de corais; eventos climáticos extremos, como

secas e inundações; modificação no regime hídrico; dentre outros. A

preocupação é também com os sistemas humanos e com a segurança

alimentar, com diversas perdas em plantações por todo o globo. Sobre os

efeitos das mudanças climáticas no Brasil, foram elaborados, em 2015,

pelo Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas – PBMC, relatórios sobre

as mudanças climáticas e seus

impactos no país. Estão condensados em três volumes: Base Científica das

Mudanças Climáticas; Impactos, Vulnerabilidades e Adaptação; e

Mitigação das Mudanças Climáticas.

(continua)

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61

(continuação)

Ano Local Desastre Informações complementares

197411

Todo o mundo

Nanotecno-logia

12

Para Pereira (2013), o grau de incerteza científica sobre os possíveis

efeitos da pesquisa e da utilização de nano-objetos em processos fabris e as

potenciais modificações da matéria quando manipulada em nível atômico

deveriam conduzir a uma regulação específica, pautada na precaução e na

participação pública na definição de seus rumos.

Fonte: Elaborado pela autora.

Os desastres citados e a nova geração de problemas ambientais

colocam em evidência a possibilidade de autodestruição da humanidade

e de outras formas de vida, no desejo egoísta e irracional por lucro,

socializando os riscos e danos, muitas vezes irreversíveis.

Todos estes problemas são pautas de discussão na atualidade, na

qual a combinação de efeitos e a complexidade das causas deixam cada

vez mais árdua a tarefa estatal e das sociedades de gestão de riscos.

Como o meio ambiente é um bem global, que não conhece

fronteiras, estes problemas graves e a geração de riscos não podem

permanecer como uma preocupação de países isolados, mas necessitam

de cooperação e governança globais, iniciadas pelas conferências

ocorridas já em 1972.

11

Embora o termo nanotecnologia tenha sido criado em 1974, o problema ganhou relevo no século XXI, a partir da intensificação de sua utilização e do

reconhecimento de incertezas. 12

Segundo Pereira (2013, p. 33), “a nanotecnologia é uma tecnologia que

permite a utilização da nanomatéria em nível nanométrico e a fabricação de materiais a partir de um tamanho extremamente reduzido da matéria, entre 1 e

100 nanômetros. O prefixo ‘nano’ – anão em grego – se refere ao nanômetro (nm), que equivale a 0,000001 (10-6) milímetros e a 0,000000001 (10-9)

metros, ou seja: um nanômetro é igual um milionésimo de milímetro ou a um

bilionésimo de metro.”

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62

2.3 PERCEPÇÃO INTERNACIONAL DOS RISCOS

A visualização dos problemas ambientais em escala global,

decorrentes das grandes tragédias do século XX, da sucessão de

alterações de eventos climáticos, da perda da biodiversidade e da

imposição do desenvolvimento econômico desenfreado, trouxe uma

inquietação das sociedades e dos Estados com a sobrevivência do

planeta, tanto da vida humana, quanto da natureza em si.

Nesse contexto de preocupação internacional com os rumos

trazidos pelo progresso tecnocientífico, passou-se a reivindicar a adoção

de medidas por parte dos Estados, os quais levaram a problemática para

a discussão internacional.

Neste caminhar, é inquestionável o papel que o direito

ambiental internacional representa na evolução e aprimoramento das

normas de proteção do meio ambiente. Embora o direito internacional

não possua mecanismos coercitivos e tenha seus limites na soberania

dos Estados, a constante interação e diálogo entre ambas as dimensões é

um passo importante na árdua tarefa de proteção do meio ambiente

frente a crises planetárias e ao avanço do crescimento do poder

econômico sem considerar a escassez dos recursos naturais e os direitos

das gerações futuras.

Explica Oliveira (2007) que um ramo do Direito se

internacionaliza a partir da criação de normatividade própria com

alcance global, como aconteceu com a proteção internacional do meio

ambiente. Há uma internacionalização da temática ambiental por seu

caráter transfronteiriço, que leva a uma necessidade de adequação das

normas internas às exigências e padrões internacionais.

Assim, a partir dos anos 1960, ocorreu uma nova percepção

pela sociedade internacional pelo enfrentamento da modernidade de

uma dupla crise: de viabilidade (limites do desenvolvimento tecnológico

e acumulação capitalista) e de legitimidade (na medida em que suas

contradições internas ameaçavam o próprio projeto de emancipação do

ser humano que havia impulsionado) (MANZANO, 2011).

No início da regulação acerca de problemas ambientais, as

normas eram criadas para regular situações pontuais em casos de

emergência ou catástrofes, pois a visão que se tinha da justificação da proteção ambiental era a de fatores econômicos e apenas com

abrangência local, envolvendo especialmente questões transfronteiriças,

como poluição e recursos naturais compartilhados. Tais normas,

segundo Oliveira (2007), possuíam um caráter obrigacional fraco, uma

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vez que não impunham outras sanções, sendo os temas ambientais

abordados de maneira fragmentada e não amplamente e em conjunto.

Foi no período entre guerras que houve o fato marcante do

direito ambiental internacional com a primeira manifestação pública e

solene da existência de suas normas no caso Trail Smelter13

, que

demonstra como o direito ambiental era tratado, ou seja, para resolver

problemas quanto a um conflito de soberanias (OLIVEIRA, 2007).

O cenário existente antes de Estocolmo foi marcado por

medidas paliativas tomadas diante de acidentes graves como as

convenções sobre poluição marinha, que se seguiram aos desastres com

derramamento de óleo. Já após a Convenção de 1972, a preocupação

central dos Estados passou a ser a das medidas preventivas contra

poluição e visando a preservação da fauna e flora, fazendo com que o

conteúdo de regras proibitivas existentes no direito ambiental

internacional começasse a coexistir com as regras de cooperação

internacional entre os Estados com o fim de preservação do meio

ambiente (SOARES, 2003a).

Assim, a Conferência de Estocolmo de 1972, ou Conferência

das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, é considerada a

primeira grande reunião organizada pelas Nações Unidas a se concentrar

sobre questões de meio ambiente.

Segundo Lago (2006), a Conferência foi precedida por uma

força ecológica que ocorreu principalmente pelas consequências da

poluição gerada pela industrialização, que começaram a afetar grande

parte da população dos países ricos, composta pela classe média.

O livro “Os limites do crescimento”, publicado pelo Clube de

Roma, exerceu grande influência nas discussões em Estocolmo. O Clube

trazia diversos segmentos da sociedade em suas reuniões, para discutir o

problema ambiental, e apresentava perspectiva quase apocalíptica das

13

O caso Trail Smelter ocorreu entre Estados Unidos e Canadá, a partir da

reclamação do primeiro de que a empresa Consolidated Mining and Smelting Company of Canada, localizada na Columbia Britânica, era acusada de poluir

áreas do território estadunidense no estado de Washington. Para resolver o caso, as partes se sujeitaram à arbitragem e celebraram uma convenção. Foi a

primeira manifestação internacional sobre problemas ambientais, lidando com poluição transfronteiriça e reparação de danos, relativizando a noção até então

existente de soberania dos Estados de que poderiam fazer o que bem entendessem dentro de seu território. (UNITED NATIONS. Trail Smelter Case.

Disponível em: <http://legal.un.org/riaa/cases/vol_III/1905-1982.pdf>. Acesso

em: 19 mai. 2014).

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64

consequências do progresso nas bases em que se estava desenvolvendo.

O livro explorava um modelo pessimista de desenvolvimento, ao refletir

a visão de que a sociedade moderna se encaminhava para a

autodestruição, o que era bem comum naquele momento, graças à teoria

de Malthus de que a população mundial ultrapassaria a capacidade de

produção de alimentos (LAGO, 2006).

As soluções apresentadas pelo livro seriam a mudança drástica

na demografia e na preservação de recursos naturais, sendo o

desenvolvimento dos países pobres uma ameaça para o planeta, o que

favorecia os países do Norte. Segundo Lago (2006), representou uma

reflexão de um grupo restrito, que analisou friamente soluções para que

o mundo desenvolvido não tivesse que diminuir nem parar de elevar seu

padrão de vida. No interesse dos países do Sul, no sentido de defender

um direito de desenvolvimento, o Brasil assumiu papel de relevância.

Nessa conjuntura, ressalta Lago (2006) que a Conferência de

Estocolmo constituiu etapa histórica tanto no plano internacional quanto

interno de muitos países, considerando a evolução do tratamento das

questões ligadas ao meio ambiente, o que, entretanto, ao ganhar

crescente legitimidade internacional, ganhou campo na discussão

política e econômica, e cada vez menos do ponto de vista científico.

Neste contexto é que surge o conceito de desenvolvimento

sustentável pelo Relatório “Nosso Futuro Comum”, elaborado pela

Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1987,

também conhecido como Relatório Brundtland14

. Posteriormente, a necessidade de uma reunião mundial para

promover o desenvolvimento sustentável e para elaborar estratégias para

deter a degradação ambiental foi implementada pela Conferência das

Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUCD) no

Rio de Janeiro, também conhecida como RIO/92 ou ECO/92.

A Conferência do Rio consagrou o conceito de

desenvolvimento sustentável e contribuiu para uma conscientização de

que os danos ao meio ambiente eram de responsabilidade principal dos

países desenvolvidos, reconhecendo-se também a necessidade de os

países em desenvolvimento receberem apoio financeiro e tecnológico

para avançarem na direção do conceito (LAGO, 2006).

A declaração do Rio de 92 vai além do componente ambiental e liga problemas ambientais àqueles que poderiam anteriormente ser

14

Um estudo aprofundado sobre a sustentabilidade e sua diferença com o desenvolvimento sustentável será realizado no capítulo 3, tendo em vista sua

importância para a compreensão da teoria do Estado ambiental.

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65

considerados do direito econômico ou do desenvolvimento, os quais

incluem erradicação da pobreza, responsabilidade especial para países

em desenvolvimento, redução e eliminação de padrões insustentáveis de

produção e consumo, promoção de políticas populacionais apropriadas e

um sistema econômico internacional aberto (SANDS, 2003).

Como a preocupação mundial não era mais a poluição, mas

problemas ambientais de segunda geração, como as mudanças

climáticas e a perda da biodiversidade, a Convenção Quadro sobre

Mudanças Climáticas, a Convenção sobre a Diversidade Biológica e a

Agenda 21 são textos importantes aprovados na Convenção do Rio.

Os dez anos seguintes à Conferência do Rio constituíram o

período de maior crescimento econômico da história, impulsionado por

circunstâncias políticas, como o fim da Guerra Fria e a integração da

China a aspectos do modelo capitalista; por avanços tecnológicos,

permitindo grandes saltos setoriais, como nas comunicações; e,

principalmente, pelo enorme aumento do fluxo de transações comerciais

e financeiras. Tais motivos levaram a um fortalecimento mundial de

atração pelos padrões de vida ocidentais. Contudo, o crescimento

associado à globalização, no entanto, não seguiu os preceitos do

desenvolvimento sustentável, pois corresponde mais ao capitalismo

selvagem (LAGO, 2006).

Neste contexto, em 2002, foi realizada a Cúpula Mundial

sobre Desenvolvimento Sustentável em Johanesburgo, na África do Sul,

conhecida como Rio+10 ou Cúpula da Terra II.

Um de seus focos era a pobreza, por meio de sua erradicação;

alteração dos padrões insustentáveis de produção e consumo; proteção e

gestão das bases de recursos naturais para o desenvolvimento

econômico e social; desenvolvimento sustentável em um mundo voltado

para a globalização; saúde e desenvolvimento sustentável; e meios de

implementação e governança.

Por fim, a Conferência das Nações Unidas sobre

Desenvolvimento Sustentável, no Rio de Janeiro, em 2012, conhecida

como Rio+20, teve a renovação do compromisso com o

desenvolvimento sustentável, discutindo economia verde e decisões

políticas e institucionais para tal.

Nos cadernos de sustentabilidade, adotados pela Conferência, tratam da gestão de gases de efeito estufa; resíduos sólidos; compras

públicas sustentáveis; recursos hídricos; energia; construções efêmeras;

transporte; turismo; oferta de alimentos sustentáveis; e educação para

sustentabilidade.

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66

Guimarães e Fontoura (2012) consideram a Conferência um

fracasso, já anunciado quando da escolha de seu objetivo principal de

renovar compromissos políticos já assumidos com o desenvolvimento

sustentável.

No mesmo sentido, Abramovay (2012) afirma que o documento

inicial para a Rio+20 nada diz quanto às duas principais questões para o

futuro da organização social contemporânea, quais sejam, desigualdades

e limites, contrapondo-se, portanto, às discussões sobre a

incompatibilidade entre o ritmo de crescimento da economia global e a

manutenção e regeneração dos serviços ecossistêmicos.

Observa-se que, apesar de a última grande reunião das Nações

Unidas sobre o meio ambiente ter decepcionado inúmeros segmentos da

sociedade, é de se reconhecer a importância que a internacionalização

do direito ambiental trouxe para a proteção do meio ambiente, incluindo

diversos atores na discussão e trazendo um debate mais amplo e

participativo, o que demonstra a importância da cooperação.

Importante citar ainda o recente Acordo de Paris15

, adotado em

2015, na COP 21, ou Conferência do Clima de Paris de 2015, no âmbito

da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima.

Representa um acordo global sobre emissões de gases do efeito estufa16

e sobre os impactos das mudanças climáticas, válido a partir de 2020,

como relevante na discussão de suas causas e nas atitudes necessárias

para contê-las.

A partir destas discussões e conferências, os Estados passaram a

incluir o meio ambiente em suas constituições. Ressalta-se, assim, a

necessidade de interação e diálogo entre as diversas ordens, ao contrário

do isolamento e da hierarquização.

15

Disponível em: <https://unfccc.int/resource/docs/2015/cop21/eng/l09r01.pdf>. Acesso em: 29

jan. 2016. 16 “Gases de efeito estufa são aqueles integrantes da atmosfera, de origem

natural ou antrópicos (produzidos pelo homem), que absorvem e reemitem

radiação infravermelha para a superfície da Terra e para a atmosfera, causando o efeito estufa”. Disponível em: <http://www.mudancasclimaticas.

andi.org.br/content/gases-de-efeito-estufa-gee>. Acesso em: 07 mar. 2015.

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67

2.4 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO MEIO AMBIENTE

Com a discussão internacional a respeito dos problemas

ambientais, os Estados passaram gradativamente a incluir o bem jurídico

meio ambiente em suas constituições.

Diante da ameaça gerada pelo poder transformador da

tecnociência e a fragilidade do sistema de acumulação capitalista,

caracterizada pelo desenvolvimento tecnológico, e pela exploração dos

recursos naturais, o Direito não poderia deixar de intervir. Neste

contexto, é um instrumento de intervenção na gestão da crise ecológica,

como uma ferramenta de gestão do risco tecnológico e como uma

disciplina do processo de exploração da natureza (MANZANO, 2011).

A crise marca uma mudança determinante no conteúdo do

Direito, enfrentando um bem jurídico global e complexo, cuja evolução

aparece como impossível de se conhecer a priori de maneira

absolutamente confiável, e que está submetido a uma ameaça que é

potencial e não atual. Por tais motivos, é natural que o bem jurídico

meio ambiente e a discussão desses elementos básicos de percepção da

crise da civilização acabasse sendo previsto nas constituições, que

representam o documento político e jurídico fundamental da

comunidade jurídica (MANZANO, 2011).

A constitucionalização da proteção do meio ambiente, ainda

que as soluções técnicas concretas sejam diversas, significa a aparição

de um novo bem jurídico constitucional que é distinto dos aspectos

setoriais que o configuram e que haviam recebido tratamento jurídico

anteriormente (MANZANO, 2011).

Para Benjamin (2012), a constitucionalização do meio ambiente

foi inicialmente antropocêntrica, identificando um componente mais

amplo da vida e dignidade humanas. Posteriormente, componentes

biocêntricos foram incluídos no texto ou em sua interpretação. Essa

ecologização da constituição representou a consolidação dogmática e

cultural de uma visão jurídica de mundo, após o lento e gradual

amadurecimento do direito ambiental, pois a experimentação jurídico-

ecológica empolgou, simultaneamente, o legislador infraconstitucional e

o constitucional.

Em uma primeira onda de constitucionalização ambiental, sob influência direta da Convenção de Estocolmo, estão as novas

constituições dos países europeus pós-regimes ditatoriais, como a

Grécia, em 1975, Portugal, em 1976, e Espanha, em 1978, seguidos pela

do Brasil, de 1988. Após a Conferência do Rio em 1992, a segunda onda

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incorporou, em constituições promulgadas ou reformadas, concepções

de desenvolvimento sustentável, biodiversidade e precaução, sendo o

exemplo mais recente a França, que adotou em 2005 a Charte de l’environnement (BENJAMIN, 2012).

Dentre os benefícios da constitucionalização do ambiente,

Benjamin (2012) afirma que trazem um impacto real possível na

(re)organização do relacionamento entre homem e natureza. Divide-os

em substantivos e formais.

Dentre os substantivos, aponta o estabelecimento de um dever

constitucional genérico de não degradação ambiental, que serve de base

para o regime de limitação e condicionamento da exploração; a

ecologização da propriedade e de sua função social que,

simultaneamente, instituiu um regime de exploração limitada e

condicionada e agregou à função social um componente ambiental; a

incorporação da proteção ambiental como direito fundamental; a

legitimação constitucional da função estatal reguladora, ou seja,

legitima, facilita e obriga a intervenção estatal na manutenção e

preservação dos processos ecológicos essenciais, demandando

governabilidade afirmativa; a redução da discricionariedade

administrativa, impondo ao administrador o dever de sempre levar em

conta a preocupação com o meio ambiente e a ampliação dos canais de

participação pública, sejam administrativos ou judiciais, uma vez que, se

o legislador constituinte atribuiu o benefício da qualidade ambiental e a

missão de todos de proteger o meio ambiente, distribui os meios e

instrumentos processuais de participação para tal, extraindo-se, assim, o

poder processual potencial de participar do processo decisório

administrativo, bem como o de ingressar em juízo (BENJAMIN, 2012).

Já quanto aos benefícios formais, aponta a máxima

preeminência (superioridade) e proeminência

(perceptibilidade/visibilidade) da regra constitucional, ou seja, é

hierarquicamente superior, devendo a interpretação das normas

infraconstitucionais ser feita de modo que mais realize o sentido

presente na constituição e, caso em desconformidade, as normas serão

consideradas inválidas; a segurança normativa, mormente em

constituições rígidas, como a brasileira, a qual considera direitos e

garantias como cláusula pétrea; substituição do paradigma da legalidade ambiental pelo da constitucionalidade ambiental; controle de

constitucionalidade de atos normativos hierarquicamente inferiores;

norma constitucional como poderosa ferramenta exegética, devendo ser

utilizada de forma predominante no cotidiano das práticas

administrativa e judicial (BENJAMIN, 2012).

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69

A constitucionalização também pode trazer riscos, os quais,

entretanto, não obstaram sua ocorrência crescente. Conforme Benjamin

(2012), as críticas à constitucionalização são de conteúdo e de forma,

pois preferem ver um texto vago e ambíguo, repleto de conceitos

jurídicos indeterminados e obrigações abertas, com isso evitando ou

dificultando a utilização direta e eficaz do comando constitucional pelas

vítimas da degradação.

É dito, também, que a constituição deve compreender conceitos,

obrigações e princípios amadurecidos, com ampla aceitação política e

científica, pois não é lugar para experimentos de políticas públicas.

Outra oposição seria a de que a constituição possui um procedimento

mais rigoroso de modificação, dificultando sua atualização e retificação,

sendo que questões relacionadas ao meio ambiente são dinâmicas. Por

fim, em países sem forte tradição constitucional há o receio de que as

normas constitucionais se tornem retóricas (BENJAMIN, 2012).

A constitucionalização do meio ambiente constitui uma etapa

importante para garantia dos direitos relacionados, visualizados tanto

pelos benefícios materiais quanto pelos formais. Apesar do risco de

incorporar conceitos não amplamente aceitos, ou que a norma

constitucional não seja efetivada, serve, no mínimo, como parâmetro

interpretativo do sistema constitucional e também como controle de

constitucionalidade da legislação infraconstitucional.

É claro que a indeterminação de algumas normas não constitui

um defeito, uma vez que busca a adaptação interpretativa para a

perenidade das normas constitucionais. Contudo, não deve consistir em

característica obrigatória das normas constitucionais, pois isso dificulta

sua eficácia, principalmente em contextos de crise, na qual o mercado,

utilizando-se de instrumentos tecnocientíficos, domina o Estado e as

instituições políticas e democráticas.

A constitucionalização do meio ambiente de forma clara e

normativamente forte (FERRAJOLI, 2015) tem a possibilidade de

incluir todos os benefícios anteriormente expostos e não somente alguns

deles, sujeitos a diferenças de interpretação, em virtude da técnica

escolhida.

Independente de quais as técnicas que as constituições

empregam na caracterização do meio ambiente, como princípio ou

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70

regra17

, como direito ou dever, é certo que corresponde a um avanço na

história constitucional e de proteção desse bem jurídico.

Em consequência disso, espera Benjamim (2012) que se

enxergue um novo paradigma ético-jurídico, que ocorre somente por

mediação do texto constitucional, que é também político-econômico.

Ao Poder Legislativo, logo, cabe regulamentar o direito ao meio

ambiente de forma a assegurar o previsto constitucionalmente; ao Poder

Judiciário cabe o controle constitucional da concretização do objetivo

estatal de proteção, respeitando o espaço democrático; e ao Poder

Executivo cabe implementar os instrumentos de gestão de risco

mediante ações concretas e políticas públicas.

A efetividade do previsto nas constituições depende, portanto,

de uma sensibilização ecológica das instituições, em que haja uma

abertura das instituições e das estruturas decisórias para a tarefa de

assegurar a existência de uma realidade digna, de uma qualidade de vida

adequada, da manutenção de padrões mínimos de qualidade dos

elementos naturais, bem como do respeito à dignidade humana e não

humana, a partir do reconhecimento constitucional da proteção dos

sistemas ecológicos para a consecução de projetos de vida.

Isso porque os sentidos normativos retirados das constituições

dependem ainda da legislação e dos atos de interpretação e aplicação das

normas constitucionais, desenvolvendo-se uma hierarquia entrelaçada

no processo dinâmico de concretização normativa (NEVES, 2014).

No Brasil, a política ambiental se desenvolveu como resultado

da ação de diversos movimentos sociais e de pressões externas, pois,

antes da Conferência de Estocolmo em 1972, não havia propriamente

uma política ambiental brasileira. Após a Conferência, no entanto, o país

assumiu uma postura de ter direito de poluir, atraindo empresas

estrangeiras poluentes em nome do desenvolvimento e da integração

nacionais, trazendo uma nova geração de problemas ambientais.

17

Conforme a teoria amplamente aceita de direitos fundamentais, os mesmos se

comportam como princípios constitucionais. Contudo, o constitucionalismo garantista aborda questões interessantes acerca desta distinção, afirmando que a

contraposição entre princípios e regras enfraquece a normatividade da constituição. Para esta teoria, princípios e regras são normas, apenas formuladas

de maneira diversa. Sobre o tema, vide: MANERO, Juan Ruiz; FERRAJOLI, Luigi. Dos modelos de constitucionalismo: una discusión. Madrid: Editorial

Trotta, 2012. Apesar da necessidade de distinção (ou não) entre princípios e regras, é certo que se deve buscar o equilíbrio entre normas mais ou menos

flexíveis.

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71

Exemplo emblemático desta atração de indústrias poluentes,

visando o “desenvolvimento” do país, é a cidade de Cubatão-SP,

localizada em região de Mata Atlântica, que foi considerada, na década

de 1980, como a cidade mais poluída do mundo, em virtude das

inúmeras indústrias que lá se instalaram, dentre elas siderúrgicas e

indústrias químicas18

.

A respeito da legislação ambiental no Brasil antes de 1988, por

muito tempo não houve proteção. A concepção privatista do direito de

propriedade constituía uma grande barreira na proteção do meio

ambiente. As primeiras normas protetoras se relacionavam com

conflitos de vizinhança, introduzidas no Código Civil de 1916.

Posteriormente, o Regulamento de Saúde Pública trazia algumas normas

sobre saúde e licenciamento de indústrias (SILVA, 2013).

Somente com a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, Lei

nº 6.938, de 1981, baseada na legislação ambiental estadunidense, que

se considera um avanço na proteção do meio ambiente na ordem jurídica

brasileira. Esta Lei é ainda uma das principais leis ambientais, pois serve

de interpretação para todo o sistema.

Dentre os aspectos de destacada importância da Lei, encontra-se

a implementação do SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente

e a previsão expressa da responsabilidade civil objetiva pelo dano

ambiental. Além disso, a Lei traz conceitos imprescindíveis para toda a

normatização brasileira, tais como meio ambiente, poluidor, degradação

e poluição. Como se não bastasse, traz inúmeros instrumentos de

extrema relevância para a proteção do meio ambiente e a regulação de

riscos, em especial o licenciamento ambiental.

2.5 A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE NA ORDEM

CONSTITUCIONAL BRASILEIRA

Em 1988, em consonância com a tendência mundial de

constitucionalização do meio ambiente, o Brasil, após passar por um

longo período ditatorial, promulgou a Constituição da República

Federativa do Brasil, uma constituição democrática e que traz pela

primeira vez o direito e o dever fundamental ao meio ambiente.

18 Disponível em: http://www.encontracubatao.com.br/cubatao/. Acesso em 10

ago. 2015.

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72

A Constituição Federal brasileira é muito extensa, trazendo

matérias que são material e formalmente constitucionais. Traz ainda um

rol extenso de direitos e garantias individuais e coletivos fundamentais.

Sobre o meio ambiente, várias normas podem ser citadas. O

núcleo ecológico da Constituição, contudo, está no artigo 225, o qual

serve de parâmetro de interpretação de toda a legislação ambiental, bem

como de ação para todas as esferas, públicas e privadas.

Com efeito, em observância com a discussão ambiental

internacional, preceitua o artigo 225, caput, da Constituição Federal de

1988, ser o meio ambiente ecologicamente equilibrado direito de todos,

bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,

impondo um sistema de responsabilidades compartilhadas entre o Poder

Público e à coletividade como dever de defesa e proteção para as

gerações presentes e futuras.

Fica claro, pois, que o regime constitucional brasileiro trata o

meio ambiente como bem de interesse comum, cuja proteção depende

de um sistema de responsabilidades compartilhadas entre o Estado e a

coletividade. Para tanto, é necessária a participação de diversos atores

em um Estado democrático, que incentive um pluralismo jurídico

comunitário participativo no viés ambiental, privilegiando a participação

dos sujeitos sociais, de cunho extremamente aberto em sentido

democrático ambiental (LEITE, 2012).

Convém lembrar que a Constituição Federal é o ápice do direito

ambiental brasileiro e a base de todo o ordenamento jurídico pátrio,

sendo papel das instâncias públicas concretizarem e interpretarem a

norma constitucional ambiental da forma mais benéfica ao meio

ambiente, observando, assim, os princípios positivados pelo constituinte.

Frisa-se, por oportuno, que o ativismo não é dos tribunais, mas da

própria Constituição, que já traz em seu contexto todo um sistema

principiológico e normativo avançado de proteção19

.

Conforme o artigo 23, incisos VI e VII, a competência

administrativa é comum entre todos os entes da federação para tratar de

questões ambientais. No mesmo sentido, preceitua o artigo 24, incisos

VI, VII e VIII, que é concorrente a competência legislativa sobre meio

ambiente. Não poderia ser diferente. Em virtude do bem ambiental ser

complexo, difuso e transfronteiriço, sua proteção, fiscalização e normatização devem ser de um maior número possível de atores, de

19

Esta ideia foi apresentada por Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin durante palestra proferida no congresso “Direito ambiental e economia: o

desafio do século XXI” em Florianópolis/SC, no dia 28 de março de 2014.

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73

acordo com o compartilhamento de responsabilidades tanto do Poder

Público quanto da sociedade.

O capítulo que trata da ordem econômica, em especial no artigo

170, inciso VI, traz como princípio a defesa do meio ambiente. Desta

forma, não é mais possível argumentar que a variável econômica deve

se sobrepor à ecológica, mas que aquela somente tem legitimidade

constitucional se e enquanto considerar a proteção ambiental. Traz,

portanto, expressamente, que o mercado não pode se sobrepor ao direito

ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, mas sim considerá-lo,

uma vez que é base da vida.

A respeito das normas constitucionais relacionadas ao meio

ambiente, necessário citar o artigo 231, que trata da proteção dos povos

indígenas e do reconhecimento de sua organização social, costumes,

línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que

tradicionalmente ocupam, sendo dever do Estado proteger e fazer

respeitar todos os seus bens.

A importância deste reconhecimento para a proteção do meio

ambiente advém de seu modo de vida tradicionalmente diverso do

ocidental moderno, pois a natureza é considerada para eles parte de sua

vida. As culturas indígenas e seu modo de vida são exemplos de

sustentabilidade, os quais correspondem a paradigmas éticos que devem

ser resgatados. Os conhecimentos tradicionais destes povos, a longo

tempo relegados à menor importância pelo predomínio do conhecimento

científico, retornam, a fim de proporcionar uma inclusão de atores para

uma participação democrática e ecológica.

Nota-se que a proteção do meio ambiente perpassa pelo espírito

da Constituição Federal brasileira, principalmente considerando o artigo

225, que traz o meio ambiente ecologicamente equilibrado como bem de

uso comum do povo, consistindo em direito e dever fundamentais.

Para assegurar a efetividade desse direito, o §1º do artigo 225

afirma que incumbe ao Poder Público preservar e restaurar os processos

ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico de espécies e

ecossistemas; preservar a diversidade e a integridade do patrimônio

genético e fiscalizar as entidades dedicadas à sua pesquisa e

manipulação; definir, em todas as unidades da Federação, espaços

territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente por lei; exigir para

instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de

significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto

ambiental; controlar a produção, a comercialização e o emprego de

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74

técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a

qualidade de vida e o meio ambiente; promover a educação ambiental

em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a

preservação ambiental; e proteger a fauna e a flora, vedadas as práticas

que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de

espécies ou submetam os animais a crueldade.

Tantos deveres e normas ambientais trazidas pela Constituição

brasileira de 1988 demonstram que houve um salto do estágio da

miserabilidade ecológico-constitucional, própria das constituições

liberais anteriores, para outro que pode ser apelidado de opulência

ecológico-constitucional (BENJAMIN, 2012).

Dentre os deveres de proteção do Estado, cumpre focar no

instrumento do licenciamento ambiental que, embora não explicitamente

tratado, se encontra inserido na exigência de estudo prévio de impacto

ambiental, o qual é analisado no curso do processo licenciador.

Para proteção efetiva do meio ambiente, a restrição ao uso de

recursos, a gestão de riscos e o controle da degradação ambiental, por

meio de instrumentos preventivos e precaucionais, o principal

instrumento à disposição da sociedade e do Estado brasileiros para

cumprimento de um valor constitucional maior, que é a proteção de

todas as formas de vida, dos direitos fundamentais, da democracia, por

meio da garantia da consecução de projetos de vida com qualidade para

as gerações presentes e futuras, em um direito de solidariedade, é o

licenciamento ambiental.

Por meio do licenciamento, a sociedade e o Estado detêm o

controle das atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, mediante a

restrição da atividade econômica e sua sujeição à proteção ambiental.

A análise acerca dos dispositivos de proteção ao meio ambiente

na constituição de um país é etapa inicial para identificação de um

Estado ambiental. Contudo, como observado, a atividade legislativa,

executiva e das instâncias decisórias muitas vezes não se coadunam com

os níveis de proteção estabelecidos, obstando que sejam concretizados

os objetivos deste modelo de Estado.

Desta feita, em seguida, é compreendida a teoria do Estado

ambiental, entendido como uma construção jurídica necessária para

redução dos riscos existenciais, trazidos com o advento da segunda modernidade, e que representa uma mudança na racionalidade moderna

liberal que propiciou a crise ecológica. Posteriormente, são verificadas

se as normas do Estado brasileiro se enquadram nesta teoria, momento

em que alguns elementos importantes da Constituição Federal brasileira

serão mais bem abordados.

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3 O ESTADO AMBIENTAL COMO CONSTRUÇÃO JURÍDICA

NECESSÁRIA PARA REDUÇÃO DE RISCOS

Dos objetivos de um Estado ambiental podem decorrer

princípios, instrumentos e definições, expressados na tarefa de reduzir

riscos existenciais. Assim, decorrem, no plano jurídico, o

condicionamento das liberdades econômicas, a precaução, a vedação do

retrocesso social e ambiental, o compromisso com as futuras gerações, a

gestão da tecnociência, dentre outros.

Considerando que uma das principais tarefas de um Estado

ambiental é reduzir os riscos existenciais, isso acontece por meio de dois

compromissos básicos: o condicionamento das liberdades e a redução

das intervenções sobre os bens ambientais, por meio do controle a seus

uso e acesso. O principal instrumento que viabiliza a concretização

desses deveres hoje é o licenciamento ambiental20

.

Para tanto, é dever do Estado adotar e fomentar a melhor

tecnologia no licenciamento, o que torna a pesquisa científica também

um dever. Contudo, como o conhecimento científico é baseado em

incertezas, como serão adotadas as melhores tecnologias e sobre quais

critérios de escolhas deve-se refletir?

Para responder ao problema proposto e, depois de desenvolvido

anteriormente o conceito de riscos e os problemas ambientais deles

advindos, é preciso, primeiramente, compreender o que é o Estado

ambiental.

Neste capítulo, é abordado o segundo objetivo específico

proposto para a pesquisa, que visa compreender a teoria do Estado

ambiental, identificando seus elementos e princípios, a partir da

configuração do meio ambiente como direito e dever fundamental, e da

incorporação de uma nova ética e da busca pela justiça ecológica.

O estudo do modelo teórico do Estado ambiental aqui é feito

conforme Bobbio (2007), para quem o Estado é estudado em si mesmo,

em suas estruturas, funções, elementos constitutivos, mecanismos,

órgãos e demais elementos.

Desta forma, adotou-se como metodologia a identificação

primeira das teorias tradicionais do Estado, com recorte para as teorias

contratualistas de Hobbes (1997), Locke (2006) e Rousseau (2013), em razão de representarem os principais autores da teoria contratualista

20 Conforme Patryck de Araújo Ayala, em conversa com a autora sobre o

tema.

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clássica. É feita uma breve explicação de cada uma delas, salientando

suas diferenças e semelhanças, sendo a principal a de excluir a natureza

como sujeito deste contrato, a qual volta a ser incluída com a teoria do

contrato natural de Serres (1990), embora não livre de críticas.

Posteriormente, identificam-se as características de um Estado

ambiental, a partir de si mesmo, estudando seus elementos e princípios

estruturantes. Juntamente com a análise teórica, são feitas reflexões a

partir das normas constitucionais brasileiras, bem como a atuação dos

demais poderes para vislumbrar as características do Estado brasileiro

na proteção do meio ambiente. Para tanto, ao final do capítulo, são

trazidas algumas críticas à proteção ambiental realizada pelo Estado

brasileiro.

É clara a impossibilidade de levantar uma resposta categórica

com base em algumas páginas de análise da vasta atuação dos poderes

do Estado, o que foge ao objetivo da presente pesquisa. No entanto,

considera-se possível, a partir dos elementos trazidos, chegar-se a uma

resposta provisória e que poderá auxiliar na transição para um modelo

teórico de Estado ambiental.

3.1 TEORIAS DA ORIGEM DO ESTADO E DE SUA

JUSTIFICAÇÃO

Existem inúmeras teorias que explicam a origem e a justificação

do Estado soberano moderno. O trabalho busca, nesta parte inicial,

apresentar brevemente as teorias contratualistas de Hobbes (1997),

Locke (2006) e Rousseau (2013), os quais foram escolhidos por

representarem os principais autores da teoria contratualista clássica.

Todos os autores possuem uma fundamentação diferente sobre a

razão do contrato social, mas serão utilizadas as contribuições de cada

um para demonstrar que, em todas elas, a formação do Estado foi feita

desconsiderando os direitos da natureza. Antes do estudo específico das

teorias contratualistas, são trazidas algumas considerações importantes,

encontradas em Bobbio, acerca do conceito e da origem do Estado.

Segundo Bobbio (2007), apesar de a palavra Estado ser antiga,

se impôs por meio da difusão e do prestigio do “Príncipe” de Maquiavel,

substituindo progressivamente os termos tradicionais que designavam até então a máxima organização de um grupo de indivíduos sobre um

território em virtude de um poder de comando.

Contudo, entende Bobbio (2007) que o termo Estado deveria ser

usado unicamente para as formações políticas nascidas da crise da

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sociedade medieval, ordenamento que foi primeiramente chamado

assim, e não para os precedentes.

O problema da utilização do termo Estado se relaciona com sua

origem, tema complexo e com respostas contrastantes. Os historiadores

das instituições descrevem que a formação dos grandes Estados

territoriais ocorreu a partir da dissolução e da transformação da

sociedade medieval, em uma época relativamente recente (BOBBIO,

2007).

Argumentos a favor do entendimento do Estado como

construção moderna é que corresponde a um processo inexorável de

concentração do poder de comando sobre um determinado território, por

meio do monopólio de alguns serviços essenciais para a manutenção da

ordem interna e externa, como a produção do Direito por meio da lei e a

reorganização da imposição e do recolhimento fiscal necessário para o

efetivo exercício dos poderes aumentados (BOBBIO, 2007).

Para Bobbio (2007), o Estado moderno é definido por dois

elementos constitutivos: a existência de um aparato administrativo para

prover a prestação de serviços públicos e o monopólio legítimo da força.

Desta forma, a origem do Estado – se sempre existiu ou se é um

fenômeno moderno – depende de qual definição se utilize, sujeita a

critérios de oportunidade e não necessariamente de verdade.

Em razão de tais dificuldades, Bobbio (2007) explica que se

tem abandonado o termo Estado para substituí-lo por sistema político, o

qual possui um significado axiologicamente mais neutro. Neste sentido,

em razão do Estado e da política terem em comum a referência ao

poder, pois o Estado é definido como portador do poder máximo, sua

análise se resume quase totalmente no estudo dos diversos poderes que

competem ao soberano, ou seja, a teoria do Estado se apoia sobre a

teoria dos três poderes e das relações entre eles.

Em relação à exclusividade do uso da força como característica

do poder político, Bobbio (2007) afirma ser o tema hobbesiano por

excelência, no qual a passagem do estado de natureza ao Estado

representa a passagem de um estado de uso indiscriminado da própria

força contra todos àquele no qual o direito de usar a força é

exclusivamente do soberano. A partir de Hobbes, o poder político

assume uma conotação que permanece constante até hoje. Quanto à justificação do Estado, para Zippelius (1997), baseado

em Jellinek, corresponde a um conceito ético normativo, que busca

verificar se o Estado pode ser representado como racional e eticamente

necessário ou legítimo.

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78

As teorias contratualistas identificam que o Estado se justifica

por um pacto ou contrato social inicial, estabelecendo um acordo entre

vários indivíduos com compromissos recíprocos. Diferentemente da

teoria contratualista, há aqueles que entendem ser o homem um ser de

natureza social, razão pela qual passam a viver em sociedade.

Zippelius (1997) identifica algumas das teorias de justificação

do Estado: a) a comunidade como condição para o desenvolvimento da

personalidade: representada por Aristóteles, para quem a comunidade

política ocorre pela natureza social do homem, que só em comunidade é

capaz de atingir o pleno desenvolvimento de sua personalidade; por

Tomás de Aquino, que entende ser o homem um ser vivo mal adaptado,

que necessita de sua inteligência e da dos outros para superar a própria

carência; por Pufendorf, que acredita que a dependência dos outros é um

fator antropológico fundamental; e por Marx, para quem o homem

necessita da comunidade para se desenvolver e ser livre; b) o Estado

como ordem de proteção e de paz, representado por Hobbes; c) e a

justificação democrática do Estado, representada por Rousseau, que

identificou a ostentação, a imoralidade e a arbitrariedade dos príncipes

na época do absolutismo. Outros valores, como a liberdade, a igualdade

e a justiça social eram desejados. Embora a democracia seja uma ideia

antiga, para Zippelius, apenas com Rousseau foi refinada.

Em relação às teorias, Zippelius (1997) afirma, quanto à

primeira, que se a comunidade encontra uma justificação ao

proporcionar o desenvolvimento da personalidade, deve apresentar uma

estrutura que garanta seu desenvolvimento ótimo, deixando em aberto o

problema ético de saber em que consiste esse desenvolvimento.

No presente trabalho, como afirmado, o recorte será feito pelo

estudo das teorias contratualistas clássicas, por representarem não

somente as mais fortemente arraigadas na filosofia política, quanto por

demonstrarem de forma mais clara como a natureza foi deixada de fora

do contrato. Estas teorias servem para justificar o Estado e para

legitimar seu poder, pois entendem que o Estado é um bem necessário.

Quanto às teorias contratualistas, cabe iniciar aqui pela de

Hobbes, filósofo inglês nascido em 1588, contemporâneo de Descartes,

Galilei e Bacon, ou seja, no período da Revolução Científica, quando se

provou que a Terra girava em torno do Sol e os avanços da física e da matemática explicaram diversos eventos da natureza. Pelo avanço das

ciências, entendia-se a libertação do homem das amarras da religião e da

natureza, o que posteriormente, com Locke, seria marcado pelo

Iluminismo.

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Para Hobbes, o homem é naturalmente mau, egoísta e

ambicioso e, para viver em sociedade, precisa de um pacto artificial e de

um soberano com poder absoluto, pois o homem é seu maior predador.

Enquanto “[...] os homens vivem sem um poder comum capaz de os

manter a todos em respeito, eles se encontram naquela condição a que se

chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra todos os

homens” (HOBBES, 1997, p. 46).

Assim, deve haver um pacto constante e duradouro, um poder

comum que os mantenha em respeito e que dirija suas ações no sentido

do benefício comum. Os desejos levam os homens a competirem entre si

em busca do bem, sendo que a única forma dos indivíduos viverem em

sociedade é por meio de um pacto para impedir a guerra de todos contra

todos, renunciando a seu direito natural para que o soberano mantenha a

paz. Para garantir seu direito à sobrevivência, criam um contrato social,

no qual todos submetem suas vontades e decisões a um representante

(HOBBES, 1997).

Desta feita, Hobbes (1997, p. 131) chama a “multidão assim

unida numa só pessoa” de Estado ou grande Leviatã, do qual “derivam

todos os direitos e faculdades daquele ou daqueles a quem o poder

soberano é conferido, mediante o consentimento do povo reunido”, que

não podem renunciar ao pacto.

Importante salientar que as teses de Hobbes foram pensadas na

Inglaterra abalada por lutas sociais e econômicas, e pelo conflito

existente entre o poder real e o Parlamento, sendo opção do filósofo o

fortalecimento do poder real, o que levou a considera-lo um dos teóricos

do Estado absolutista (ABRÃO, 2005).

Para Hobbes, portanto, o Estado se justifica pelo contrato ou

pacto social, sendo a paz e a ordem social garantidas pelo soberano, com

poderes absolutos. Já o filósofo Locke, também inglês, nascido em

1632, contestava o absolutismo, defendendo os interesses da burguesia.

Sua filosofia política defende o pacto social entre homens livres para

que sejam preservadas sua vida, liberdade e propriedade privada.

A diferença entre os filósofos ingleses, além de que o primeiro

buscava justificar o absolutismo e o segundo os interesses burgueses,

está na caracterização do estado de natureza e da consideração pelos

direitos naturais. Diferentemente de Hobbes, Locke entende que, no estado natural, os homens nascem livres, na medida em que nascem

racionais, sendo, portanto, iguais, livres e independentes e governados

pela razão.

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Para Locke (2006, p. 36), o estado de natureza representa a

condição natural dos homens, na qual são “absolutamente livres para

decidir suas ações, dispor de seus bens e de suas pessoas como bem

entenderem, dentro dos limites do direito natural, sem pedir a

autorização de nenhum outro homem nem depender de sua vontade”.

No estado de natureza, Locke (2006) afirma que o homem

desfruta de uma liberdade total de dispor de si ou de seus bens, mas não

o de destruir sua própria pessoa ou qualquer criatura, salvo para sua

própria conservação. Para proteger seus direitos naturais, os quais não

são abdicados pelos indivíduos, transferem para os Estados o poder de

legislar, executar e julgar as leis, para que possa proteger-lhes de terem

seus direitos violados.

Na teoria de Locke (2006), os homens são governados pela

razão dada por Deus, assim como a terra e tudo o que ela contém para

sustento e conforto da existência. Todas as frutas e animais pertencem à

humanidade em comum, pois produzidos espontaneamente pela

natureza. A natureza, portanto, é feita por Deus para desfrute dos

homens, os quais podem dela se apropriar para seu usufruto. Nesse

sentido, defende o direito de propriedade, pois, como os recursos da

natureza foram dispostos para a utilização dos homens, é preciso

necessariamente que haja um meio de se apropriar deles, antes que se

tornem úteis ou de alguma forma proveitosos para alguém em particular.

Diferentemente, Hobbes (1997) entende que no estado de

guerra de todos contra todos não há propriedade, que somente começa a

existir após o pacto, por um ato do soberano visando à paz pública, ou

seja, a propriedade só tem início com a constituição do Estado.

Outro teórico contratualista que diverge dos filósofos anteriores

é Rousseau, nascido em Genebra em 1712. Contemporâneo de Kant e

Hume, seus princípios de igualdade e liberdade inspiraram os ideais da

Revolução Francesa. Ao contrário de Hobbes, afirma que o homem é

bom, sendo corrompido pela sociedade.

Rousseau (2013) afirma que o homem nasce livre, mas se

encontra sob grilhões, e o direito à ordem social se funda em

convenções, não derivando da natureza. Nem estado de natureza e nem

no estado social (tudo está sob a autoridade das leis), não há guerra de

homens contra homens, mas entre Estados. Em razão de os homens não possuírem mais a capacidade de

subsistência individual e de conservação, devem se unir e se agregar,

somando forças, mas permanecendo tão livres quanto antes, por meio do

contrato social. Ocorre uma alienação total de cada associado a toda a

comunidade, com todos os seus direitos, havendo assim a passagem do

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estado de natureza ao estado civil, o que produz uma mudança muito

significativa no homem: perde a liberdade natural e o direito ilimitado a

tudo que o tenta e que pode alcançar e ganha a liberdade civil e a

propriedade de tudo o que possui (ROUSSEAU, 2013).

Para Rousseau (2013), a soberania é inalienável e indivisível e o

soberano é um ser coletivo, pois a vontade é geral, do corpo do povo e

não de uma parte. O pacto social estabelece, logo, uma igualdade entre

os cidadãos, que se comprometem sob as mesmas condições a usufruir

dos mesmos direitos. Por meio dele, é dado vida ao corpo político, cujo

movimento e vontade ocorrem pela legislação, ato de vontade geral,

pois o povo, para que possa se submeter às leis, deve ser seu autor.

Portanto, todo governo legítimo é republicano.

Para Rousseau (2013), o indivíduo surge como participante

ativo na formação da vontade estatal e, simultaneamente, como súdito

desta vontade, identificando-se os governantes com os governados.

Quanto ao estado de natureza na filosofia de Rousseau, Santos

(2015) afirma que o homem passa por três estágios: o estado puro da

natureza; o estado selvagem, no qual já utiliza os instrumentos de

trabalho; e o estado da barbárie, momento final do estado da natureza, já

na transição para o estado civil, que se assemelha ao estado de natureza

de Hobbes. Neste último estágio, o estado de natureza deve ser

aniquilado, pois o modo de vida natural, baseado na satisfação dos

instintos, deve ser contido para o aperfeiçoamento do homem civil.

A natureza pura da essência do homem do estado de natureza

deve ser alterada, não havendo mais espaço na sociedade do contrato

social para a natureza do estado de natureza. Para Santos (2015), a

posição de Rousseau é incômoda por seu radicalismo: o contrato social

não tem como alvo somente equilibrar o uso dos recursos naturais ou

defender uma forma de governo, mas as alterações na natureza do

homem devem ser radicais, pois, para que o contrato seja perfeito, toda

natureza que existia antes da ação humana deve ser aniquilada.

3.1.1 Do contrato social ao contrato natural

As teorias contratualistas do Estado abordam o abandono do

estado natural e a união dos homens para formar uma sociedade por meio de um pacto, um contrato social.

Diferentemente de Bobbio (2007), que entende o Estado como

um mal necessário, pois seu fim significa o nascimento de uma

sociedade que pode sobreviver e prosperar sem necessidade de um

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82

aparato de coerção, os teóricos contratualistas clássicos o entendem

como um bem necessário.

Apesar de todas as teorias contratualistas clássicas

apresentarem fundamentos diversos para o contrato social, têm em

comum o fato de que todas colocam os homens como sujeitos do

contrato, visando vantagem mútua, razão pela qual escolhem a

cooperação como mais vantajosa à não-cooperação, excluindo, logo,

outros sujeitos, como os animais não humanos e a natureza.

Neste contexto, propõe Serres (1990) uma mudança ética,

substituindo o velho contrato social por um contrato natural, no qual a

natureza é considerada sujeito de direito. Para o autor, os homens,

unidos por um contrato social e construindo Leviatãs, constituem um

grande animal que degrada a natureza, passando por cima das espécies

vivas e negligenciando o equilíbrio dos sistemas ecológicos.

Na redefinição dos elementos do Estado-Nação, baseado em um

contrato social, Serres (1990) afirma a necessidade da assinatura de um

contrato natural, pois, em situação de violência objetiva, não resta outra

saída senão assiná-lo.

A natureza presente no contrato social se reduz à natureza

humana: o mundo natural desapareceu, passa em silêncio, conhecido

pelo homem apenas como objeto de sua dominação. O contrato social,

por conseguinte, se concluía, mas se fechava sobre si mesmo, deixando

o mundo de fora, reduzido a uma imensidão de coisas deixadas ao

estatuto de objetos passivos de apropriação. Defende Serres (1990) a

incorporação da natureza como um sujeito, um retorno à natureza, o que

implica acrescentar ao contrato exclusivamente social a celebração de

um contrato natural de simbiose e de reciprocidade em que a relação

humana com as coisas permitiria a reciprocidade, a contemplação e o

respeito, e não a propriedade e o domínio.

Para Serres (1990), a natureza é o conjunto de suas próprias

condições, suas limitações globais de renascimento ou extinção, a

estalagem que fornece seu alojamento, aquecimento e comida, e sua

própria privação em caso de abuso.

Em sua vida, o homem (parasita) confunde o uso e o abuso,

lesando o hospedeiro (natureza), ao exercer os direitos que atribui a si

mesmo. Nesta relação, o uso e a troca não têm valor, porque se apropria das coisas, roubando-as, assediando-as e devorando-as. Assim, o Direito

é definido como uma limitação mínima e coletiva da ação do parasita,

sendo necessário revisar o direito natural moderno, que supõe uma

proposição não formulada que o homem, como indivíduo ou em grupo,

pode se tornar por si sujeito do Direito, equilibrando a balança da

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justiça, e não simples suportes passivos de apropriação, mesmo que

coletiva (SERRES, 1990).

Serres (1990) entende por contrato natural primeiramente o

reconhecimento, exatamente metafísico, por parte de cada coletividade

que vive e trabalha no mesmo mundo global de todas as outras,

incluindo aquelas não associadas por um contrato social, mas por um

contrato de direito, e ainda o coletivo técnico associado pelo contrato

científico. O contrato natural é virtual, não assinado, e reconhece que há

um equilíbrio entre a força humana atual e as forças do mundo,

considerando o ponto de vista do mundo em sua totalidade.

Nedel (2010) entende que a posição de Serres abrange uma

ética coletiva, uma nova política, o contrato natural e o cosmocentrismo.

Uma ética coletiva é necessária diante da fragilidade do mundo,

repetindo a teoria do contrato social essa necessidade. A nova política se

refere ao abandono do governante das ciências humanas, das ruas e das

cidades para se tornar físico e inventar um novo contrato natural,

voltando a dar o sentido original da palavra natureza.

Quanto ao contrato natural, Nedel (2010) afirma ser a novidade

apresentada por Serres, propondo a substituição do velho contrato social

que une as pessoas entre si, sem consideração à natureza, por um

contrato natural virtual, metafísico, de simbiose e reciprocidade, que a

considere verdadeiro sujeito jurídico.

Critica, pois, a centralidade dos seres humanos em si mesmos,

que se entendem como senhores e possuidores da natureza quando, na

verdade, a Terra existiu sem os seres humanos e continuará existindo,

mas sem nenhum homem, os quais, contudo, não podem sem ela existir

(NEDEL, 2010).

Para Nedel (2010), é abundante o discurso de Serres, ao propor

a transformação da natureza como um todo, em sujeitos de direitos, para

a conquista de um equilíbrio final, interpretando a tese de que somente o

homem é sujeito de direito como parasitismo. Contudo, entende que

somente os homens são sujeitos de direito e que a proteção da natureza

não requer que sejam transformados em sujeitos jurídicos, o que seria

um forte contrassenso ético e jurídico, podendo ser aceito somente em

sentido figurado.

Nedel (2010) afirma, ainda, que Serres visa substituir o antropocentrismo por um cosmo ou fisiocentrismo. Entretanto, discorda

desta proposta, pois entende que as relações do homem com o que ele

denomina de “seres infra-humanos” são de administrador e não de dono

absoluto e arbitrário. Isso não requer uma desqualificação do ser

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humano e a antropomorfização da natureza, pois, sem o homem como

ponto de referência, não é possível que qualquer ética digna de apreço

possa ser reestruturada, sendo que um antropocentrismo razoável é

incontornável na reelaboração de qualquer ética em uma reflexão

racional. Concorda o autor apenas com o estabelecimento de uma ética

coletiva, indispensável para a sobrevivência de todos.

A posição do autor revela o pensamento ocidental

predominante, o de que a natureza deve ser protegida, mas que não cabe

considerá-la sujeito de direitos, entendendo que o antropocentrismo

deve ser mantido e que a ética coletiva de preservação do planeta é

instrumental para a própria sobrevivência do homem.

Somente reconhecer a necessidade de proteção da natureza não

é suficiente. Isso já foi feito e os resultados são conhecidos: aumento da

degradação, grave crise ecológica e agonia planetária. A mudança de

atitude do homem requer uma modificação da racionalidade e da ética

dominantes, representadas pela posição de Nedel (2010), para aquela

que considere um contrato natural, no qual a natureza é sujeito,

conforme Serres (1990).

Lima (2012), em dissertação sobre o tema, entende que, para

Serres, no contrato natural, a valorização da biosfera e do cosmos não

retira do humano o seu valor, mas que, ao pensar a natureza como

sujeito de direitos, destaca que é algo vivo e complexo e, como todo ser

vivo, precisa de proteção, que advém do humano, único ser capaz de

defendê-la nos tribunais ou nas demais instâncias do Direito. Além

disso, não se posiciona contra a tecnociência, que sempre teve destaque

no pensamento, e não despreza as conquistas humanas realizadas pelos

modernos, mas revela os seus problemas.

Para a filósofa, o problema no argumento de Serres é a ideia da

natureza como contratante, pois só pode haver contrato entre partes

iguais, ou seja, entre homens, não podendo haver, logo, contrato do

homem com a natureza, mesmo que ela seja pensada como sujeito de

direitos. Mesmo sendo um contrato virtual, a natureza nunca poderá ser

contratante. Entende que a tese de Serres seria válida ou causaria menos

problemas se defendesse que o contrato fosse feito entre homens a favor

da natureza, em um contrato natural entre indivíduos (LIMA, 2012).

A dissertação da autora é pertinente, pois indica as características principais do contrato natural e as leituras errôneas e as

críticas exageradas à tese. Prende-se, contudo, às bases da teoria

contratualista clássica, de um contrato entre iguais, visando à vantagem

mútua, razão para que se unam em cooperação.

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85

Entende-se que a crítica de Serres (1990) ao contrato social e a

necessidade de um contrato natural que inclua a natureza como sujeito

de direitos tem fundamento diverso daquelas teorias do contrato social

clássico. Apesar dos problemas da adoção da teoria do contrato natural,

sua crítica ao contrato social incita uma importante reflexão e deve ser

considerada. A proposta de inclusão da natureza como sujeito de direitos

deve ser incorporada nos ordenamentos jurídicos, como já é feito na

atualidade na Constituição do Equador, a ser vista posteriormente, e

proposto na Carta da Terra, analisada no capítulo antecedente.

Por isso, retorna-se à discussão acerca do contrato social, para

que seja refletido e sejam incorporados novos elementos ao Estado, para

defini-lo como um Estado ambiental, baseado em uma nova ética e

racionalidade e não naquela de formação dos Estados modernos.

3.2 ESTADO AMBIENTAL

O termo “Estado ambiental” teve origem na Alemanha,

formulado à semelhança do já estabelecido constitucionalmente Estado

de Direito e Estado Social, com a introdução da definição dos objetivos

estatais do artigo 20a da Lei Fundamental alemã. O conceito foi,

contudo, consolidado e ampliado interdisciplinarmente por Kloepfer

(CALLIESS, 2001).

A obra de referência para o estudo do Estado ambiental

continua sendo a organizada por Kloepfer e denominada “Umweltstaat”

ou Estado ambiental. Kloepfer (1989) afirma que o termo “Estado

ambiental” foi pela primeira vez utilizado em novembro de 1988, em

evento realizado na fundação Karl-Benz-Haus, em Ladenburg, na

Alemanha, com o título Estado ambiental. Era uma conversa científica

sobre o tema “Interação entre homem, meio ambiente e técnica”, que

deveria ser problematizado na ótica de diferentes disciplinas, visando

demonstrar e documentar o conhecimento sobre o tema.

Objetivava também preparar um colegiado para debater o tema

do Estado ambiental e promover uma interligação de grupos de pesquisa

para discutir os resultados em longo prazo, ao invés de uma

problematização individual (KLOEPFER, 1989).

Kloepfer (1989) afirma que o termo Estado ambiental deve servir como um conjunto de descrições para perguntas diferentes, que se

dedicam àquele que faz da integridade do meio ambiente um critério e

objetivo de suas decisões. Reflete-se, nas discussões acerca do Estado

ambiental, sobre as consequências políticas, econômicas e jurídicas de

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uma identificação do Estado com os objetivos da proteção do meio

ambiente, havendo assim uma modificação na estrutura democrática,

estatal, jurídica e econômica, que deve impulsionar mudanças também

nos instrumentos estatais de proteção do meio ambiente. Com isto, os

problemas resultantes necessitam de uma pesquisa interdisciplinar.

No evento, foi inicialmente levantado o que havia até então

sobre o tema e seus pontos fracos que precisariam ser mais bem

pesquisados (KLOEPFER, 1989). Para Calliess (2001), contudo, no

resultado final da Comissão, não há definição de Estado ambiental,

permanecendo um conceito geral, que procura pelas respostas das

perguntas antes formuladas.

Kloepfer (2010)21

, em seu discurso inicial, afirma que a

proteção ao meio ambiente ganha cada vez maior relevância, não

somente no âmbito estatal alemão, mas em todos os segmentos da

sociedade, o que se deve a uma conscientização ambiental crescente,

devido à ação informativa do Estado alemão, refletindo-se no

engajamento dos cidadãos e em sua motivação para proteção do meio

ambiente. Isso leva a que a sociedade espere uma crescente ação do

Estado nessa esfera, para que atue de modo a implementar medidas que

assegurem de forma duradoura as bases naturais da vida.

Kloepfer (2010) afirma que a Alemanha fracassou parcialmente

na proteção do meio ambiente. Dentre as causas, menciona a

impossibilidade de remoção rápida dos danos causados no passado; a

continuidade da existência das causas degradadoras; o conhecimento

dos danos e riscos com o passar do tempo, razão pela qual o Estado

precisa muitas vezes agir na incerteza; os novos riscos com o advento

das tecnologias; e o tempo necessário entre as medidas e seus efeitos,

não sendo possível alcançar êxitos de uma política para o meio ambiente

em períodos eleitorais de curto prazo.

Sobre as causas políticas individuais do fracasso estatal parcial

na proteção do meio ambiente, Kloepfer (2010) evidencia a falta de

instrumentos suficientes para efetividade da proteção ambiental, sendo

necessária a exigência de novos caminhos na política para o meio

ambiente, uma virada ecológica com o objetivo de aprimorar o

instrumental da política e do direito ambiental.

21

O artigo, originalmente publicado na obra Umweltstaat, em 1989, foi

atualizado pelo autor e traduzido para o português por Carlos Alberto Molinaro e publicado em obra coletiva, organizada por Ingo Wolfgang Sarlet, a qual se

utiliza a partir deste momento.

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Independentemente de quais novos caminhos serão adotados

para a proteção ambiental, Kloepfer (2010, p. 42) afirma que “toda

ampliação da proteção do meio ambiente tem, em última análise,

implicações para o sistema político e econômico do nosso Estado”.

Neste contexto, questiona: “Estaríamos, portanto, a caminho de um

‘Estado ambiental’, a caminho de uma forma de Estado que faz da

incolumidade do seu meio ambiente sua tarefa, bem como o critério e a

meta procedimental de suas decisões?”.

O conceito de Estado ambiental para Kloepfer (2010) é aquele

que faz da incolumidade do seu meio ambiente sua tarefa, critério e

meta procedimental de suas decisões, o que não exclui, por óbvio, o

âmbito social.

O conceito de Bosselmann é um pouco distinto, nomeando o

Estado de “Estado de direito ecológico”. Para ele a tarefa principal do

Estado é atingir o equilíbrio ecológico. Deve, assim, a sociedade

industrial ser convertida em uma sociedade sustentável, não no sentido

de uma prioridade da natureza sobre os homens, mas em um equilíbrio

entre todos os interesses de vida. Para o autor, as necessidades de um

Estado de direito ecológico incluem uma ligação ecológica com o

conjunto do ordenamento dos direitos fundamentais e um conceito

ecológico justo de propriedade. Além disso, formula como atributo do

Estado de direito ecológico o reconhecimento de um valor próprio do

resto do mundo natural e a instituição de uma terceira câmara no

parlamento como uma câmara ecológica, com autoridade igual às

demais já institucionalizadas (CALLIESS, 2001).

Uma das maiores preocupações da doutrina alemã é em relação

aos estados totalitários, o que já aparecia em Kloepfer (2010), para

quem o Estado ambiental não deve ser visto como uma ecoditadura em

uma visão de Estado ambiental total, tanto em um ecofascismo ou em

um ecossocialismo.

Importante mencionar a doutrina de Calliess (2001), voltada

para a relação entre Estado de direito e Estado ambiental. Logo na

primeira parte, traz a preocupação acerca da relação de tensão entre a

tarefa de proteção ambiental e as normas e princípios do Estado de

direito e da proteção das liberdades nele consagradas.

Percebe-se na discussão as duas dimensões da problemática, não devendo haver uma proteção ambiental demasiada, como também

não pode haver deficiência na proteção ambiental estatal. Assim, no

Estado de direito, as liberdades fundamentais asseguradas devem ser

vistas como tarefas estatais de proteção ambiental multidimensional, vez

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que, em vista desta situação paradoxal, deve-se, em defesa de sua

responsabilidade estatal para a proteção ambiental, entre medidas de

limitação de liberdade e de possibilidades de liberdade, causar o

equilíbrio jurídico estatal (CALLIESS, 2001).

O Estado ambiental, ao garantir uma proteção entre o excesso e

a deficiência, deve considerar, à semelhança da doutrina dos direitos

humanos, a vedação do retrocesso e a vedação da proteção insuficiente,

ou seja, não só não retrocede, como também avança na proteção do

meio ambiente.

Nesta relação de tensão, entende-se que hoje os fins dos Estados

devem convergir para a construção interna de Estados de direito

democráticos, sociais e ambientais, e externa, de Estados abertos e

internacionalmente amigos e cooperantes. O Estado, atualmente, é de

direito se garantir e concretizar a proteção ambiental (CANOTILHO,

1999).

O Estado ambiental, ao incluir em sua proteção todas as formas

de vida e não mais somente a humana, estende e deixa mais complexos

seus objetivos, buscando soluções para esta relação de tensão,

significando, pois, que não há uma prevalência da proteção do meio

ambiente sobre as demais, em uma ditadura ambiental ou ecoditadura,

mas busca um acordo por meio do diálogo. Para tanto, a compreensão

de que a proteção dos sistemas ecológicos é essencial para a redução de

riscos existenciais e para a garantia da qualidade de vida é necessária,

vinculada à conscientização do valor da natureza e do respeito pelos

animais não humanos, na adoção de uma ética biocêntrica, ou seja, que

considere todas as formas de vida.

O Estado, por meio de seu projeto constitucional, definidor dos

compromissos que o vinculam a si e à própria sociedade e, por meio

deles, a forma como cada bem ou valor jurídico será protegido, exerce

um importante papel de concretizador e mediador. É um

aperfeiçoamento do Estado de direito, entendido como aquele que

objetiva proteger os direitos humanos, de liberdade e de igualdade,

como desenvolvimento do conceito surgido no século XIX para a

garantia dos direitos de liberdade (Estado liberal) e dos direitos sociais

(Estado social). O Estado ambiental compreende, logo, os direitos

liberais e sociais já positivos pelo Estado liberal e pelo Estado social, mas vai além, ao incorporar o meio ambiente como um de seus

elementos, modificando todos os demais. Além disso, atualmente, o

Estado de direito pode ser entendido em seu aspecto material como um

Estado constitucional e a proteção do meio ambiente é atualmente

condição de sua legitimidade (CALLIESS, 2001).

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O Estado ambiental é, portanto, um Estado de direito,

constitucional e democrático, em sentido não somente formal (sufrágio

universal e princípio da maioria), mas também material (substância das

decisões), o qual revela o sistema de limites e vínculos trazidos pelo

princípio da igualdade, da dignidade da pessoa humana e dos direitos

fundamentais às maiorias contingentes (FERRAJOLI, 2015).

Neste sentido, há uma preocupação com a ética e a moralidade

ecológica, inseridas nas constituições pelos direitos e deveres

fundamentais de proteção ambiental, como o artigo 225 da Constituição

Federal brasileira, para que não estejam confiados inteiramente às

maiorias (BOSSELMANN, 2015).

Por este motivo, a democracia constitucional, por meio da

leitura dos direitos fundamentais positivados, que evidenciam uma

moral ecológica positivada nas constituições, comporta a esfera do não

decidível, que compreende a esfera do “indecidível que”, ou seja,

impõe-se proibição ou expectativas negativas das decisões que possam

lesar ou reduzir direitos de liberdade e de autonomia, e a esfera do

“indecidível que não”, pelo conjunto dos direitos sociais, que impõem

uma obrigação ou expectativas positivas para sua satisfação

(FERRAJOLI, 2015).

Esclarecido o conceito do Estado ambiental, cumpre justificar o

termo, em vista da enormidade de denominações – Estado ambiental,

Estado de direito ecológico, Estado constitucional ecológico, Estado de

direito ambiental22

e Estado socioambiental de direito23

. Opta-se aqui

pela utilização do termo Estado ambiental, não somente por ser o de

origem, mas também por se entender que compreende todos os outros,

em consonância com Calliess (2001), o que não implica em questionar o

Estado de direito, mas sim em complementá-lo e também para

evidenciar a relação de tensão existente entre os direitos de liberdade e a

proteção ambiental.

Pelo exposto, entende-se que o agravamento da crise ecológica

e dos riscos leva à proposta de um novo modelo de Estado, enquanto

construção teórica, recusando, assim, o conformismo e o fechamento

das expectativas, possibilitando a visualização de alternativas aos

problemas globais ambientais (LEITE, 2012). O Estado ambiental não

se trata de um novo Estado, mas sim de uma ordem constitucional

22

Termo utilizado no Brasil por José Rubens Morato Leite, Heline Sivini

Ferreira e Matheus Almeida Caetano (2012). 23

Termo utilizado por Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer (2013).

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jurídico-política que coloque em uma posição fundamental a proteção

do meio ambiente, garantindo uma gestão dos riscos, por meio da

precaução, e a efetividade da sustentabilidade.

A construção de um Estado ambiental, diante da crise

ecológica, parece ser de difícil realização, conforme Leite (2012), mas,

embora seja uma abstração, a definição de seus pressupostos como meta

a ser atingida é importante discussão a fim de buscar a concretização de

seus objetivos.

A preservação do meio ambiente, em um contexto de Estados

ambientais, não pode se restringir a Estados isolados, o que aumenta a

complexidade da questão ambiental, em vista da noção de que o

ambiente é uno e que a tomada conjunta de medidas técnicas à

preservação ambiental é necessária entre os diversos países. Para além

de um Estado democrático e constitucional de direito, o Estado

ambiental é, logo, supranacional, uma vez que busca respostas globais e

locais aos problemas complexos causados pela crise ecológica.

Embora a teoria do Estado ambiental tenha nascido na

Alemanha, o ordenamento constitucional alemão não define o meio

ambiente como direito fundamental, mas institui deveres de proteção,

atuando como uma norma objetiva de proteção estatal, que vincula o

legislador e permite o controle judicial (CALLIESS, 2001; KLOEPFER,

2010), diferentemente do ordenamento constitucional brasileiro, que traz

uma proteção objetiva e subjetiva do meio ambiente e representa uma

constituição ampla e dirigente.

O estudo da origem do termo e da teoria alemã é importante,

mas é preciso estabelecer uma teoria de Estado ambiental que seja

condizente com a realidade política e jurídica brasileira, ao invés de

transportar acriticamente uma teoria estrangeira. É com esta visão que

são abordados, a seguir, os elementos e princípios estruturantes do

Estado ambiental.

3.2.1 Elementos

A análise dos elementos constitutivos do Estado ambiental

considera a inclusão do elemento ecológico ao Estado e os efeitos da

crise ecológica, que modificaram sua estrutura e seus objetivos, em virtude dos novos riscos criados pelo homem, advindos do avanço da

tecnociência e identificados por Beck (1995, 2011) na teoria da

sociedade de risco.

O entendimento acerca dos elementos do Estado moderno pelas

teorias tradicionais não se coaduna mais com a contemporaneidade.

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Deste modo, é necessário demonstrar, neste momento da investigação,

quais as mudanças ocorridas no Estado ambiental.

Não se pretende abordar em profundidade cada um deles, o que

fugiria ao objetivo proposto para este capítulo, em virtude da

complexidade do tema, mas apenas proporcionar uma compreensão

acerca dos principais aspectos referentes à mudança ocorrida nos

elementos estruturantes no modelo teórico do Estado ambiental.

As teorias tradicionais dos elementos do Estado são divididas

em tripartite e quadripartite. A teoria tripartite, conforme Bobbio (2007),

é representada por meio de três elementos constitutivos: o povo, o

território e a soberania. Esta é também a predominante no Brasil24

.

Quanto à teoria quadripartite, representada no Brasil por Dallari

(2013), o Estado seria composto de povo, território, soberania e bem

comum ou finalidade.

Contudo, na atual situação de crise ecológica, o primeiro

questionamento de Kloepfer (2010) é se a teoria clássica dos três

elementos do Estado teria se tornado demasiado estreita. Para o jurista,

um Estado apto a subsistir precisa hoje de mais do que um povo, um

poder e um território estatal, pois necessita de um meio ambiente que

não ponha em risco a continuidade de sua existência.

Identifica-se, pois, como elementos do Estado ambiental não

somente povo, território e soberania, mas é incluído como novo o meio

ambiente, que modifica todos os demais.

Inicia-se aqui pela compreensão da modificação do elemento

povo, considerado na teoria clássica como o elemento humano do

Estado, um conjunto de indivíduos que, para a realização de interesses

comuns, se constituem em comunidade (conceito finalístico) ou o

conjunto de nacionais no solo pátrio e no exterior (conceito específico)

(FRIEDE, 2000).

Entretanto, a incorporação do ecológico e dos princípios

estruturantes do Estado ambiental, analisados posteriormente, incluem

novos sujeitos que compõem este povo. Estes sujeitos são a natureza e

os animais não-humanos.

A consideração da natureza como sujeito de direitos é um dos

principais aspectos da ecologia profunda, como demonstrado

anteriormente, e da teoria do contrato natural. Embora ainda em fase de implementação, em virtude da promulgação recente, a constituição do

24

Conforme Reis Friede (2000), Darcy Azambuja (1988) e Paulo Bonavides

(2001).

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Equador de 2008 elevou a natureza, ou Pacha Mama, a sujeito de

direitos, e a constituição boliviana de 2009, embora não diga

expressamente, também afirma o respeito pela Madre Tierra e elenca

seus direitos em legislação infraconstitucional.

Já a inclusão dos animais não humanos25

tem sido uma

discussão recente. As críticas que se fazem à inclusão destes atores

como sujeitos de direito afirmam que não seria formada a relação

dúplice entre direitos e deveres. No entanto, as teorias contemporâneas

da teoria jurídica entendem pela superação deste entendimento, em

virtude de que é conferida personalidade jurídica a entidades fictícias,

como o Estado, as pessoas jurídicas em geral, bem como àqueles que

não têm capacidade ou discernimento adequado para fazer parte da

relação, como fetos, bebês, crianças, deficientes mentais graves e

doentes terminais (MEDEIROS, 2013; SUNSTEIN, 2004; WISE, 2004).

Em relação à ordem constitucional brasileira, o artigo 225,

núcleo da Constituição ecológica, afirma que todos têm direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e

essencial à sadia qualidade de vida, sendo dever do Poder Público e da

coletividade defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras

gerações.

Duas leituras são possíveis deste artigo: a primeira, refletindo

uma ética antropocêntrica, entende o “todos” o “povo” e as “presentes e

futuras gerações” como apenas os seres humanos, ao elemento humano

povo do Estado moderno; a outra, refletindo a ética biocêntrica presente

no Estado ambiental, entende estas expressões como incluindo todas as

formas de vida, o humano, o social e o cultural, juntamente com a

natureza em seu conjunto, elementos bióticos e abióticos, e os animais

não humanos.

Esta leitura não representa algo absurdo e forçado do contexto

da Constituição brasileira, mas uma compreensão perfeitamente

possível, em virtude dos deveres de proteção expostos no mesmo artigo

e da sistemática constitucional que inclui o elemento meio ambiente em

diversos outros dispositivos, como demonstrado no capítulo

antecedente. Além disso, o diálogo e o aprendizado constitucional com

as constituições latino-americanas do Equador e da Bolívia demonstram

a possibilidade desta compreensão.

25

Sobre os direitos animais, entendimento pioneiro na doutrina brasileira, vide o capítulo 13 da obra “Manual de Direito Ambiental”, organizado por Leite

(2015).

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93

Com este mesmo entendimento, Benjamin (1999) afirma que a

titularidade conferida pelo artigo 225 do direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado é de todos, vocábulo que, por não estar

claramente qualificado como antropocêntrico, pode indicar tanto todos

os seres humanos quanto todos os seres vivos, em uma perspectiva

biocêntrica.

Entendido o elemento povo do Estado ambiental como todos

(animais humanos e não humanos e a natureza em geral), passa-se à

análise da modificação do território efetivada pela incorporação do

elemento meio ambiente e do ecológico no Estado. O território é o

segundo elemento da teoria tradicional do Estado – elemento físico – e

compreende sua base física (conceito finalístico) ou o patrimônio do

povo (conceito específico) (FRIEDE, 2000).

O território, no qual se insere um Estado, é delimitado por

fronteiras humanas, o que não significa dizer que o meio ambiente e os

ecossistemas as respeitem. Por tais motivos, no direito ambiental

internacional, há diversos tratados bilaterais e multilaterais acerca dos

recursos naturais compartilhados e acordos de cooperação para sua

gestão. Outra dificuldade importante que as fronteiras enfrentam com a

questão ambiental é em relação à poluição.

Como evidenciado na teoria da sociedade de riscos, criada por

Beck (2011), as preocupações internacionais tiveram lugar com a

percepção pelos Estados de que as consequências da degradação

ambiental são sentidas por todos, ultrapassando fronteiras humanas,

criando também a necessidade de acordos de cooperação, diante dos

casos de responsabilidade por estes danos.

Além disso, são trazidas reflexões acerca do direito de

vizinhança, que repousa na obrigação geral de não prejudicar o vizinho

e na de suportar dos mesmos certo número de incômodos. Tais direitos,

contudo, são alargados, em virtude dos efeitos transfronteiriços da

poluição – como emissão de gases poluentes ou a poluição sonora

(LEITE; AYALA, 2015).

O terceiro elemento da teoria tradicional do Estado é a

soberania (elemento de concreção), entendida como o poder da

coletividade de se organizar jurídica e politicamente, traduzida, em

última instância, no próprio conceito de Estado (concepção finalística) ou ainda a qualidade suprema do poder inerente ao Estado (conceito

específico) (FRIEDE, 2000).

O conceito de soberania surgiu juntamente com os Estados

nacionais europeus, entendido como um poder supremo que não

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reconhece outro acima de si mesmo, por Bodin, a fim de justificar o

poder dos príncipes contra o Papa e os imperadores (FERRAJOLI,

2007). Para Canotilho (2001), a soberania significa um poder supremo

no plano interno e um poder independente no plano internacional.

A soberania dos Estados modernos, entretanto, entra em crise

após ambas as guerras mundiais, com a Carta da ONU, em 1945, e com

a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, sujeitando o

Estado, interna e externamente, à paz e aos direitos humanos

(FERRAJOLI, 2007) e, mais recentemente, à proteção ambiental.

Neste contexto, pela modificação da distribuição de riscos

ambientais e de danos transfronteiriços, o conceito até então conhecido

de soberania se encontra em crise, pois os Estados não conseguem mais

solucionar seus problemas internos e os globais de forma isolada.

Bobbio (2007) afirma que o poder do Estado apresenta limites.

Os internos são representados pela separação dos poderes e pelos

direitos fundamentais, e os externos correspondem aos demais Estados e

à sua soberania, a qual sempre implicou em um obstáculo à proteção

ambiental e à cooperação (MAZZUOLI; AYALA, 2012).

Contudo, se a soberania dos Estados está condicionada por um

imperativo de proteção ambiental, refletido pelo dever de prevenção de

danos, o reconhecimento de que as ameaças não estão restritas aos

efeitos de decisões nacionais implica admitir que o exercício da

soberania pelos Estados depende da concretização da cooperação para

assegurar, de forma duradoura, a continuidade no acesso aos recursos

ambientais, viabilizando também a proteção de todas as formas de vida,

presentes e futuras (MAZZUOLI; AYALA, 2012).

Passa-se, por fim, para o último elemento do Estado ambiental:

o meio ambiente. Conforme admitido por Kloepfer (1989, 2010)

anteriormente, não é possível que haja um povo, um território e uma

soberania se não há um meio ambiente.

O meio ambiente, neste sentido, deve ser entendido de forma

integrada, conforme Canotilho (s/d), para quem uma concepção

integrativa e, em consequência, um direito integrado e integrativo do

ambiente é pressuposto do Estado ambiental – chamado por ele de

Estado constitucional ecológico.

A concepção integrada de meio ambiente deve envolver, segundo a doutrina italiana, trazida para o Brasil por Silva (2013), o

meio ambiente natural (elementos bióticos e abióticos), o social, o

cultural e o do trabalho, tendo em vista que o homem faz parte da

natureza, em uma visão de interação e equilíbrio. Qualquer que seja o

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conceito que se adotar, o meio ambiente engloba, sem dúvida, o homem

e a natureza, com todos os seus elementos (LEITE; AYALA, 2015).

A ordem jurídica brasileira traz o conceito de meio ambiente na

Lei nº 6.938/1981, artigo 3º, inciso I, como “o conjunto de condições,

leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que

permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.

O legislador brasileiro, assim, “optou por uma conceituação que

realça a interação e a interdependência entre o homem e a natureza”,

tendo-o feito de forma ampla, o que não leva a uma falta de clareza

terminológica, pois é melhor um conceito que peca pela “qualidade

técnico-conceitual” àquele restrito, redutor da esfera de proteção. A

conceituação foi feita de maneira correta, pois adotou uma versão atual,

abarcando elementos culturais do ser humano, em interação aos naturais

(LEITE; AYALA, 2015, p. 85-86).

O conceito adotado de meio ambiente, portanto,

compreendendo o natural e o humano, demonstra o viés biocêntrico de

proteção de todas as formas de vida que se quer aqui defender como a

ética prevalecente em um Estado ambiental. Como elemento novo,

modifica os demais, a estrutura, os objetivos, as finalidades e os

princípios estruturantes da organização jurídico-política.

3.2.2 Meio ambiente como direito e dever fundamental

Como afirmado anteriormente, a Constituição Federal brasileira

traz a proteção do meio ambiente como um direito e um dever

fundamental.

Assim, na presente investigação, é priorizado o entendimento de

um Estado ambiental que comporte o meio ambiente em sua dupla

acepção, tal como presente na ordem constitucional brasileira.

Em virtude da pacífica consagração do meio ambiente no Brasil

como direito e dever fundamental, é dada prevalência para a

compreensão acerca dos deveres de proteção, tendo em vista que se

entende, na presente investigação, que o Estado ambiental é uma

construção necessária para redução dos riscos existenciais, trazendo

deveres ao Estado e à coletividade.

3.2.2.1 Direito fundamental ao meio ambiente

Os direitos fundamentais representam um claro objetivo estatal

de conferir uma proteção reforçada a determinados bens e valores

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perante ações dos particulares e do próprio Estado, admitindo

objetivamente que a violação das zonas de interdição representa

hipótese de excesso inadmissível. Reproduzem escolhas e opções de

proteção da sociedade, subtraídas do alcance das divergências

transitórias das instituições políticas (AYALA, 2011).

O meio ambiente, entendido como um direito fundamental, é

pacífico na doutrina brasileira, em virtude da consagração constitucional

expressa. Embora não inscrito no rol do artigo 5º, não há dúvidas de que

não é apenas neste que se encontram os direitos fundamentais

positivados; e ainda estabelece seu parágrafo 2º que os direitos e

garantias expressos na constituição não excluem outros decorrentes do

regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais

em que o Brasil seja parte.

O julgamento do RE nº 134.297-8/SP inaugurou a afirmação

constitucional do direito fundamental ao meio ambiente, cujo

significado foi desenvolvido no julgamento do MS nº 22.164/DF26

, no

qual o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repartição de

responsabilidades no exercício dos deveres (AYALA, 2011).

A Constituição Federal brasileira atribuiu ao meio ambiente o

status de direito fundamental e consagrou a proteção ambiental como

um dos objetivos ou tarefas fundamentais do Estado, reconhecendo a

dupla funcionalidade da proteção ambiental, como direito e dever

(SARLET; FENSTERSEIFER, 2010).

26

Conforme voto do relator, Ministro Celso de Mello: “O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado - direito de terceira geração – constitui

prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído

não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas num sentido verdadeiramente mais abrangente, a própria coletividade social. Enquanto os

direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais, realçam o princípio da liberdade e os

direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas, acentuam o

princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais,

consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos

humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade”. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

MS nº 22164/SP. Relator Ministro Celso de Mello. DJ 30.10.1995).

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O reconhecimento do meio ambiente como direito fundamental

leva a que o Estado deva proceder a garantias negativas, no sentido de

comportamentos omissivos, abstendo-se de degradar o meio ambiente, e

positivas, orientando comportamentos ativos, protegendo, mantendo,

preservando o meio ambiente, fiscalizando suas próprias ações e dos

particulares, e punindo (princípio da responsabilidade e do poluidor-

pagador) os causadores da degradação ambiental.

Leite e Belchior (2012) afirmam a dupla dimensionalidade deste

direito fundamental, compreendendo um direito fundamental do

ambiente e ao meio ambiente, ou seja, suas dimensões objetiva e

subjetiva. A dimensão objetiva trata do ambiente como fim e tarefa do

Estado e da comunidade, enquanto a dimensão subjetiva trata de um

direito subjetivo individual.

Silva (2002) afirma que a Constituição garante um ambiente

ecologicamente equilibrado, que integra a esfera jurídica do sujeito,

constituindo, assim, um direito subjetivo, que pode ser exigido tanto de

particulares quanto do Poder Público. O direito ao ambiente

ecologicamente equilibrado, para ele, é direito subjetivo de ordem

imaterial e alcança a seara dos direitos fundamentais, uma vez que,

subtrair do sujeito o direito subjetivo ao equilíbrio ambiental é

desvirtuar a eficácia social da norma ambiental.

Outra interpretação possível, na análise do direito do meio

ambiente, se refere à titularidade deste direito. Conforme salientado

anteriormente, a consagração da proteção de todas as formas de vida e

da inclusão da natureza e dos animais não humanos no elemento povo

os eleva como sujeitos deste direito (direito do meio ambiente –

homens, natureza e animais não-humanos – ao meio ambiente).

O direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado não representa apenas proteção de posições de vantagem,

mas inclui valores objetivos de uma ordem jurídica, na qual a proteção

ocorre por meio de direitos. Logo, cumpre ao Estado assegurar a

realização das novas tarefas de garantia dessas liberdades, por meio de

prestações econômicas e de infraestrutura, e implementar medidas

adequadas para assegurar a proteção dessas liberdades, muitas vezes

com causas, fontes e efeitos desconhecidos (AYALA, 2011).

A forma de organização e construção normativa do direito fundamental ao ambiente na ordem constitucional brasileira visa,

também, conforme Ayala (2011), à qualificação dos direitos

fundamentais, como forma de proteger o meio ambiente de decisões das

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maiorias contingentes, apresentando-se suas dimensões defensiva e

prestacional.

Neste contexto, o direito fundamental ao ambiente é

apresentado como uma técnica de garantia da proteção perante riscos

sujeitos à indefinição cognitiva da tecnociência e os originados pelo

próprio exercício de liberdades, que também se procura proteger pelos

direitos fundamentais. A Constituição brasileira privilegia, em

consequência, a fixação de deveres de proteção (AYALA, 2011).

O resultado prático de um direito fundamental ao meio

ambiente é o de uma composição de posições jurídicas e de realidades

subjetiva e objetiva do direito fundamental, que tendem a orientar a

concretização de um mínimo de condições existenciais, que permita

garantir aquelas finalidades. Refere-se, aqui, ao desenvolvimento da

noção de mínimo de existência ecológica, associada à suficiente

qualidade de vida, resultante de uma noção reforçada de consideração

de padrões de proteção ambiental mínima ante os riscos existenciais, os

quais podem ser considerados intoleráveis ou inaceitáveis a partir deste

mínimo (AYALA, 2011).

O mínimo ecológico de existência tem a ver com a proteção de

uma zona existencial que deve ser mantida e reproduzida; mínimo que

não se encontra sujeito a iniciativas revisoras próprias do exercício das

prerrogativas democráticas conferidas à função legislativa e acarretam

um dever de conformação adequada da ordem jurídica. Neste ponto,

estabelece-se relação com o princípio de proibição do retrocesso

(AYALA, 2011), afirmado posteriormente como fundante do Estado

ambiental.

Nesse sentido, a não atuação do Estado, quando lhe é imposto

juridicamente agir, ou a atuação insuficiente, não protegendo o direito

fundamental de forma adequada e suficiente, quanto a medidas

legislativas e administrativas voltadas a combater as causas da

degradação ambiental, pode ensejar responsabilidade do Estado, visto

caber a ele assegurar a tutela efetiva deste direito fundamental

(SARLET; FENSTERSEIFER, 2010).

Uma cláusula de progressividade ou do dever de progressiva

realização e proteção dos direitos, prevista internacionalmente em

pactos de direitos humanos, deve abarcar também as medidas normativas voltadas à tutela ecológica, a fim de instituir uma

progressiva melhoria da qualidade ambiental e da vida em geral

(SARLET; FENSTERSEIFER, 2010).

A garantia de um mínimo existencial ecológico e a proibição de

retrocesso, em consideração à consagração do meio ambiente como

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99

direito fundamental, são também relevantes nesta investigação, pela

atividade legislativa de retrocesso, o que será mais bem exposto na

sequência, ao abordar a falência do Estado brasileiro na proteção do

meio ambiente. Além disso, não são somente as ações dos legisladores a

violarem a norma constitucional, mas especialmente da Administração,

ao implementar ações extremamente degradadoras em nome do Estado.

Isto evidencia não só uma falta de sensibilidade ecológica e de

vontade política, quanto expõe claramente a cultura da corrupção do

país, que visa lucros exorbitantes em parceria com os poderes

econômicos para degradar a natureza e a qualidade de vida da

população. A falência do Estado na proteção do meio ambiente e a crise

do Estado moderno, diagnosticada por Ferrajoli (2015), conforme

apontado posteriormente, demonstram a força dos mercados sobre os

governos e as consequências nefastas para todos.

3.2.2.2 Deveres de proteção

O meio ambiente em sua dupla acepção, qual seja, a de direito e

dever fundamental, contempla, no âmbito do dever, diversos deveres de

proteção.

O tema dos deveres fundamentais é, segundo Sarlet e

Fensterseifer (2013), um dos mais esquecidos pela doutrina

constitucional contemporânea, não dispondo de um regime

constitucional equivalente aos dos direitos fundamentais.

Neste sentido, os deveres de proteção do Estado contemporâneo

estão alicerçados no compromisso constitucional assumido pelo ente

estatal, por meio do pacto constitucional, para tutelar e garantir uma

vida digna a todos, o que passa pela tarefa de proteger e promover (já

que proteção e promoção não se confundem) os direitos fundamentais, o

que abrange a retirada dos possíveis obstáculos à sua efetivação. As

garantias fundamentais pressupõem, logo, ação positiva e negativa dos

poderes públicos, sendo que qualquer óbice que interfira na

concretização do direito em questão deve ser afastado pelo Estado, seja

tal conduta oriunda de particulares ou do próprio Poder Público

(SARLET; FENSTERSEIFER, 2010).

O dever fundamental de proteção do ambiente, assim como com o direito fundamental, transita simultaneamente entre a função

defensiva (negativa) e a função prestacional (positiva), podendo haver

preponderância de uma ou outra no caso concreto (SARLET;

FENSTERSEIFER, 2013).

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100

A proteção objetiva do meio ambiente na ordem constitucional

brasileira é representada pelos deveres atribuídos à coletividade, que

não resultam do exercício de um direito fundamental perante outro, não

dependendo da satisfação de pretensões subjetivas, mas de deveres de

defender o próprio meio ambiente de forma autônoma, desvinculados,

portanto, de qualquer posição jurídica subjetiva que precise ser satisfeita

(AYALA, 2011).

A organização da proteção constitucional do meio ambiente

traz não somente ao Estado uma obrigação de abstenção perante o

direito fundamental, mas também aquelas expressas como deveres de

proteção. A formulação de um dever geral de conformação da ordem

jurídica leva a que não se restrinjam os deveres de proteção estatais a

proteger somente os titulares dos direitos fundamentais, mas abrange a

proteção do próprio meio ambiente por cada uma das funções do

Estado, considerado manifestação de um princípio do ambiente

ordenador das tarefas de um Estado ambiental (AYALA, 2011).

Neste sentido, “a um dever de proteção resulta, em primeiro

lugar, um dever de conformar adequada e suficientemente a ordem

jurídica, de acordo com a finalidade definida em uma norma de direito

fundamental” (AYALA, 2011, p. 207).

O objetivo principal de proteção, embora também seja da

coletividade, é do Estado, como “patrono decisivo do futuro”, conforme

Kloepfer (2010, p. 49), em virtude de que “não há uma efetiva

concorrência entre atividades privadas e estatais de proteção do meio

ambiente, o Estado é praticamente o único a ser convocado a proteger as

bases naturais da vida”, o que “fundamenta um monopólio de fato do

Estado para o âmbito da prevenção ambiental com perspectiva de longo

prazo”. Neste contexto é que se pode afirmar que o dever do Estado

ambiental é de proteção do meio ambiente e de redução dos riscos

existenciais, que ocasionam a crise ecológica.

No Brasil, a Constituição brasileira previu diversos deveres27

específicos de proteção, como incumbência do Poder Público para

assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado.

O primeiro dever é o de preservar e restaurar os processos

ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas, tradução da sustentabilidade ecológica, a ser vista

posteriormente.

27

Conforme artigo 225, §1º, incisos I, II, III, IV, V, VI e VII, da CF/88.

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101

O segundo dever é o de preservar a diversidade e a integridade

do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à

pesquisa e manipulação de material genético, em claro objetivo de

gestão de riscos e de novas tecnologias.

O terceiro dever é o de definir, em todas as unidades da

Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem

especialmente protegidos, cujas alteração e supressão são permitidas

somente por meio de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a

integridade dos atributos que justifiquem sua proteção, no qual

novamente é possível verificar a preocupação com o mínimo existencial

ecológico e com a proteção de processos ecológicos essenciais, em uma

ética de sustentabilidade.

O quarto dever é o de exigir, na forma da lei, para instalação de

obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação

ambiental, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará

publicidade. Já o quinto dever visa controlar a produção, a

comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que

comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.

Ambos os deveres serão analisados em profundidade posteriormente.

O sexto dever expresso é o de promover a educação ambiental e

a conscientização pública para a preservação do meio ambiente, trazido

em tópico específico no presente capítulo; e o sétimo dever é o de

proteger a fauna e a flora, vedadas as práticas que coloquem em risco

sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam

os animais a crueldade. Neste inciso observa-se o pioneirismo da

Constituição Federal de 1988 na proteção dos animais não humanos,

proibindo os maus-tratos e a extinção de espécies da fauna e da flora,

sem exceção, independente de beneficiarem a espécie humana ou não.

Volta-se agora à análise dos deveres quarto e quinto, acima

referidos. Tais incisos tratam da gestão do risco e do dever de reduzi-

los. A condição e a posição dos deveres estatais de proteção do meio

ambiente, presentes na Constituição Federal brasileira, permitem

identificar duas consequências relevantes: a primeira se refere à

existência de um dever estatal de redução de riscos existenciais; e que

esse dever alcança indistintamente os riscos acessíveis ao conhecimento

científico disponível para a redução de seus efeitos e também os riscos inacessíveis de forma plena, reforçando-se um regime de regulação

destes riscos (AYALA, 2011).

Esta abordagem é preventiva, no sentido de um dever estatal

geral de redução de riscos e dos deveres reforçados de prevenir aqueles

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102

vinculados aos efeitos das tecnologias, e também precaucional, ao

garantir proteção a riscos potenciais de processos, técnicas e tecnologias

ainda suscetíveis a indefinições científicas (AYALA, 2011).

Isso porque, nesse novo projeto de sociedade definido pela

ordem constitucional brasileira, nem todas as escolhas são toleráveis e

admissíveis, cumprindo às funções estatais obstar excessos na definição

de escolhas sobre como é possível e como se desenvolverão os projetos

de futuro (AYALA, 2010).

A proliferação de riscos advindos de tecnologias sem

investigação suficiente expõe as dificuldades de concretização da função

estatal de oferecer e garantir segurança à coletividade de proteção dos

riscos existenciais. Garantir proteção estatal perante ameaças significa

condicionar as liberdades, cujo exercício expõe a coletividade a estes

riscos (AYALA, 2011).

Essa garantia estatal necessita de instrumentos adequados.

Neste sentido, observa-se que a Constituição Federal, ao exigir, para

instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de

significativa degradação ambiental, o estudo prévio de impacto

ambiental e, ao obrigar um controle dos causadores do risco, traz de

forma implícita o processo do licenciamento ambiental.

Os deveres de proteção ambiental do Estado “constituem um

caminho de orientação vinculativa da atividade de conformação das

decisões públicas sobre o desenvolvimento econômico e sobre a

liberdade plena de uso e apropriação dos espaços” (AYALA, 2011, p.

209). Logo, as iniciativas do Estado ambiental importam limitar essa

liberdade e de reconhecer, na concretização desses deveres,

instrumentos que enfatizam essas limitações, contribuindo para “a

restrição da liberdade do Estado e do particular e em fazer opções e

tomar decisões econômicas que possam ter consequências negativas

para o meio ambiente” (AYALA, 2011, p. 210).

Entre estes instrumentos, o principal deles, na atualidade, é o

licenciamento ambiental, instrumento de precaução e prevenção por

excelência, entendido como o processo administrativo destinado a

licenciar atividades ou empreendimentos, para sua construção,

instalação, ampliação e funcionamento, que utilizem recursos

ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental

28.

É um processo, portanto, voltado para a limitação das

liberdades e do uso de recursos, controlando e gerindo os riscos

28

Conforme LC nº 140/2011, artigo 2º, inciso I e artigo 10, da Lei nº 6.938/81.

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existenciais. Em resumo, como uma das principais tarefas de um Estado

ambiental é reduzir os riscos existenciais, isso acontece por meio de dois

compromissos públicos e sociais básicos: o condicionamento das

liberdades e a redução das intervenções sobre os bens ambientais

(condicionar o uso e o acesso). O principal instrumento que viabiliza a

concretização desses deveres de proteção atualmente, quais sejam o

condicionamento de liberdades, e o uso e o acesso de bens, é o

licenciamento ambiental29

.

3.2.3 Princípios estruturantes

Os princípios estruturantes de um Estado atuam como base de

formação e como guia de atuação. Diversos são os princípios de direito

ambiental apontados pela doutrina, contudo, aqui serão trazidos os

princípios que caracterizam um Estado ambiental, considerados partes

fundantes de sua estrutura.

Destacam-se, para este trabalho, os seguintes princípios:

precaução, cooperação, solidariedade, vedação do retrocesso ambiental

e poluidor-pagador.

Na esteira de Leite e Ayala (2015), a escolha desses princípios

e da expressão estruturantes se dá no sentido de identificá-los com os

princípios constitutivos do núcleo essencial do Estado ambiental,

garantindo certa base e caracterização, o que, por óbvio, não exclui a

existência de outros.

Estes princípios foram escolhidos, portanto, por estruturarem o

Estado ambiental, ou seja, para que um Estado seja considerado

ambiental deve ser necessariamente precaucional, cooperativo,

solidário, impedir que haja retrocesso de proteção e exigir a

internalização das externalidades negativas, pelo poluidor-pagador.

3.2.3.1 Princípio da precaução

O princípio da precaução surgiu no ano de 1974, na Alemanha,

na Lei Federal de Proteção contra Emissões. Posteriormente, na década

de 1990, houve seu reconhecimento em instrumentos de direito

internacional, como na Declaração do Rio de 1992. Em 2000, foi adotado pela União Europeia e no Tribunal Europeu (ARAGÃO, 2008),

29

Este entendimento é de Patryck de Araújo Ayala, explicitado para a autora em

conversa acerca do tema da presente dissertação.

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para resolver conflitos da “vaca louca” e as proibições do comércio de

carne bovina procedente do Reino Unido (PARDO, 2009).

O princípio se incorporou de maneira decisiva e efetiva no

direito europeu, em diversos regulamentos e diretivas sobre segurança

alimentar, saneamento, farmacologia e meio ambiente, fazendo do

princípio uma referência para proceder e decidir nas situações de

incerteza científica, chegando posteriormente aos Estados Unidos da

América (PARDO, 2009).

O princípio da precaução surgiu no contexto ambiental, mas é

aplicado a outros muito diferentes (ARAGÃO, 2008). As primeiras

formulações do princípio no direito alemão serviam como orientação à

atuação dos poderes públicos, no sentido de que deveriam valorar ou

considerar as implicações ambientais em seus atos e decisões,

concepção considerada limitada e que não corresponde com a atual

(PARDO, 2009).

Segundo Pardo (2009), duas são as concepções que se formam

sobre o princípio da precaução: uma o contempla como princípio

inspirador da legislação e da atuação dos poderes públicos,

principalmente da Administração, quando entram em contato com

setores de risco para bens muito sensíveis e particularmente protegidos,

como a saúde e o meio ambiente, não possuindo substantividade para

operar de forma autônoma, uma vez que diluído em normas e atuações

administrativas (concepção original na Alemanha); e a outra, mais

recente, como concepção substantiva para operar e decidir por si só,

como razão da decisão.

Para o jurista espanhol, a função principal e substantiva do

princípio é decidir na incerteza, sendo seu pressuposto de aplicação a

incerteza científica, originária ou superveniente. Quer dizer, o

pressuposto para invocar o princípio da precaução é a constatação de

uma situação de incerteza científica em torno de um risco potencial para

o meio ambiente ou a saúde, quando os dados científicos são

insuficientes, não concludentes ou incertos, mas cuja avaliação

científica preliminar traz suspeitas de que existem motivos razoáveis

para temer efeitos potencialmente perigosos (PARDO, 2009).

Os efeitos da aplicação do princípio geram, segundo Pardo

(2009), um estado de exceção, uma situação de ausência de normas. A Comunicação da Comissão Europeia estabelece que as medidas

adotadas com base no princípio da precaução têm caráter provisório e

que se mantém enquanto os dados científicos são incompletos,

imprecisos ou inconcludentes, e enquanto se considere que o risco é

suficientemente importante para não aceitar que a sociedade o assuma.

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Assim, o tipo de decisão que ordinariamente se adota, com base

no princípio de precaução, seria de conteúdo negativo, como a retirada

de um produto; uma proibição temporal de comercialização; a

denegação preventiva de uma autorização; o fechamento temporal de

uma instalação; ou seja, bloqueia-se de efeitos incertos que poderiam

provocar dano efetivo na saúde e no meio ambiente. Essas críticas ao

princípio são essencialmente provenientes dos Estados Unidos da

América, cuja aceitação de situações de risco é muito maior que na

União Europeia (PARDO, 2009).

De forma diversa, Aragão (2008) considera que o direito de

todos de serem protegidos contra riscos previsíveis, excessivos e

desnecessários decorre do direito à liberdade e à segurança, consagrados

em documentos internacionais. Para a autora, as dúvidas e os receios

acerca do princípio se devem à rapidez de sua disseminação no discurso

político, jornalístico e na linguagem comum.

Antagonicamente ao entendimento do professor espanhol,

Aragão (2008) afirma que o princípio da precaução não tem conotação

negativa, mas positiva; não é motivo de estagnação ou bloqueio do

desenvolvimento científico, mas, pelo contrário, é uma fonte de

progresso, sendo ainda um princípio de justiça em sentido clássico, pois

protege a parte mais frágil, que não tem condições de se proteger por si

e responsabiliza quem tem o poder e o dever de controlar os riscos.

As consagrações do princípio da precaução em matéria

ambiental só intervêm em situações de riscos ambientais e de incertezas

científicas, em relação a riscos abstratos, tendo caráter proativo,

distinguindo-se do princípio da prevenção, quanto a riscos concretos,

com caráter reativo (ARAGÃO, 2008). A prevenção, assim, supõe o

conhecimento dos riscos e das medidas destinadas a evitar ou a diminuir

os danos causados, e a precaução ocorre em razão de incertezas e de não

conhecimento (AYALA, 2011).

O princípio da precaução incentiva, pois, a produção do

conhecimento para originar uma ação preventiva ou liberar a atividade,

afastando a hipótese de risco. Com ele, há uma nova forma de gestão da

incerteza, não podendo mais os atores políticos e operadores

econômicos usar e abusar da divergência entre os cientistas como

desculpa para não agir (ARAGÃO, 2008). Em virtude da incompreensão do princípio da precaução,

Aragão (2008) traz os pressupostos necessários para sua aplicação. O

primeiro deles são os novos riscos (irreversíveis ou relevantes), pois o

princípio se destina essencialmente a regular novos riscos ambientais.

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106

O princípio da precaução prescreve que há certos limiares que

não podem ser ultrapassados, para que não se materializem as

irreversibilidades ambientais negativas certas; sendo o contrário dessa

irreversibilidade não a reversibilidade, mas sim, a durabilidade dos

recursos bióticos e abióticos, o respeito dos processos e dos

ecossistemas, ou seja, a sustentabilidade. Salienta, contudo, a

necessidade de não se proceder a uma interpretação maximalista do

princípio, que deve ser usado excepcionalmente, ou seja, apenas em

casos de gravidade ou irreversibilidade, e não apenas em dano incerto

(ARAGÃO, 2008).

O segundo pressuposto é a incerteza científica, dividida em três

situações: há danos reais, com causa desconhecida; há causa, mas não há

nexo causal claro; há suspeitas quanto ao dano, mas uma probabilidade

mínima ou verossimilhança (ARAGÃO, 2008).

O processo de aplicação do princípio da precaução passa,

segundo Aragão (2008), por três momentos. O primeiro corresponde à

ponderação de vantagens e inconvenientes, vez que quase sempre o

produto, a atividade ou a tecnologia, que envolvem riscos importantes,

também possuem vantagens econômicas sociais e ambientais, colocando

os tomadores de decisão em um dilema.

O resultado da ponderação deve observar a justiça

intrageracional e intergeracional, pois o princípio da precaução protege

fundamentalmente as gerações futuras, que são impotentes contra as

consequências das decisões e das ações das gerações atuais. São

analisados também os riscos territoriais e a vulnerabilidade geográfica e

os riscos difusos, bem como as vulnerabilidades sociais, culturais e

econômicas (ARAGÃO, 2008).

O segundo momento é mais complexo, pois envolve a

construção social do risco, já exposta no capítulo antecedente, e o nível

adequado de proteção. Para a aceitabilidade social do risco, é essencial a

participação pública, pois, quanto maior a incerteza, maior a

importância da construção social do risco. A percepção social do risco,

por sua vez, depende da tomada de medidas pelos governantes, da

promoção de informação ambiental, da educação para prevenção de

riscos e do financiamento da investigação científica (ARAGÃO, 2008).

Para que haja um nível adequado de proteção, a opinião do público não deve prevalecer em todos os casos, embora a participação

seja necessária, pois não pode prevalecer em um tratamento

discriminatório ou incoerente. Isso porque o princípio da precaução não

se destina somente a evitar os riscos que são considerados graves e

irreversíveis por uma parte significativa da comunidade científica, mas

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107

também aqueles sentidos como intoleráveis e injustos pela generalidade

dos cidadãos, e ainda os que sejam considerados inaceitáveis pelos

poderes políticos (pela definição do nível de proteção adequado)

(ARAGÃO, 2008).

Observa-se aqui uma das manifestações explícitas das

características de um Estado ambiental, que entende a democracia não

somente em sua versão formal, confundindo-se com o princípio da

maioria, mas em sua versão substancial de garantia de direitos

fundamentais, considerando todos os aspectos para a tomada de decisão

e não somente o científico. Incorpora-se, assim, o social e outros

saberes, como os das minorias e os desconsiderados pela racionalidade

ocidental dominante.

O terceiro momento, por fim, é o da escolha das medidas

precaucionais: as medidas urgentes, não podem ser adiadas, ante a

iminência do dano; as medidas provisórias, suscetíveis de revisão ou

sempre que houver novos dados, o que leva ao dever de investigação

científica – manifestação do caráter proativo do princípio; e as medidas

proporcionais, que consideram as vantagens e inconvenientes e o nível

de proteção definido como adequado. A aplicação das medidas

precaucionais levam, como efeito secundário desejável, à

conscientização social do risco, se amplamente divulgadas, gerando uma

maior preparação para reagir ao risco e o aumento da confiança à

sobrevivência numa sociedade de riscos (ARAGÃO, 2008).

O princípio da precaução está situado em posição fundamental

no processo de tomada de decisões em meio às incertezas científicas,

pela responsabilidade estatal de redução de riscos e de produção de

informação e da melhor tecnologia a respeito deles, abordagem que será

explorada no último capítulo.

3.2.3.2 Princípio da cooperação

Já se observou a importância que as discussões internacionais

trouxeram para a proteção do meio ambiente, incluindo diversos sujeitos

e trazendo um debate mais amplo e participativo, o que demonstra a

importância da cooperação. O princípio da cooperação é base para as

relações internacionais, não somente em matéria ambiental, mas também para a própria convivência pacífica da humanidade.

Nesse contexto, Saldanha (2008, p. 319) explica que “a

cooperação internacional é uma prática das relações internacionais que

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108

se estabelece em temas econômicos, sociais, tecnológicos, culturais,

humanitários, entre muitos outros”.

Assim, a cooperação internacional torna a ser vista como um

conjunto de procedimentos e regras acordados entre os atores

internacionais com o objetivo de regular algumas áreas que vislumbram

uma interação internacional. Apesar de certa anarquia típica das relações

internacionais, ante a ausência de um poder superior aos Estados, a

cooperação acontece, possuindo a sociedade civil organizada um papel

importante, tendo em vista sua atuação em assuntos que estão muitas

vezes à margem do mercado e da vontade estatal, como a promoção da

democracia, a defesa dos direitos humanos e do meio ambiente

(SALDANHA, 2008).

O termo cooperação aparece a partir dos anos 1960, na maioria

das vezes associado a atos internacionais regulatórios de procedimentos

e ações conjuntas dos Estados na preservação do meio ambiente

marinho, combate a poluição acidental de óleo ou descarga deliberada

no mar (SOARES, 2003b).

O princípio da cooperação pressupõe que haja um constante

diálogo e interação entre os diversos atores para consecução de

objetivos comuns, como a proteção ambiental. Em matéria ambiental,

nota-se que a cooperação assume um papel ainda maior, tendo em vista

a natureza dos efeitos da degradação ambiental, necessitando não

somente de um Estado ou local que tenha uma proteção maior, mas de

todos, por ser um bem global e que deve ser protegido para as gerações

atuais e futuras, em obediência à solidariedade.

A cooperação deve ser internacional e local e entre os diversos

atores que participam dos processos decisórios. O Estado ambiental

cooperativo é, para Kloepfer (2010), mais do que a colaboração entre

Estado e sociedade na proteção do meio ambiente e a participação de

todos na formação da vontade político-ambiental e no processo

decisório, mas também uma cooperação entre ser humano e natureza, a

nível estadual, com ações locais, e também a cooperação internacional.

Derani (1997) considera o princípio da cooperação fundamental

para o direito ambiental, embora não exclusivo. Explica que o princípio

é uma expressão do princípio genérico do acordo, que perpassa toda a

ordem jurídica, inclusive a ambiental, informando uma atuação conjunta da sociedade e do Estado na escolha de prioridades e processos

decisórios. É base para ampliação da informação e participação nos

processos de decisão da política ambiental, suportando ainda normas de

incentivo à ciência e à tecnologia a serviço da proteção ambiental.

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109

Dentre as importantes convenções internacionais em matéria

ambiental, abordadas no capítulo anterior, diversos são os dispositivos

em suas declarações que tratam da cooperação. Ressalta-se a Declaração

do Rio, que aponta o objetivo primordial de cooperação para

preservação e conservação do meio ambiente, para o desenvolvimento

sustentável e para a promoção de um sistema de comunicação científica

e de intercâmbio de informações. Somente com compartilhamento de

informações e seu acesso pela sociedade é que os processos de decisão

ambientais terão legitimidade e permitirão um diálogo entre os diversos

setores, buscando a melhor solução.

Outro documento internacional importante para a cooperação é

a Agenda 21, terceiro documento adotado na RIO-92, na qual se fixou a

transferência de tecnologia ambientalmente saudável e a promoção da

cooperação técnica entre os países em desenvolvimento para proteção

do meio ambiente e erradicação da pobreza.

Para que haja cooperação, é necessário, portanto, o exercício da

cidadania participativa e a cogestão dos diversos Estados na preservação

da qualidade ambiental, exigindo deles uma cooperação de forma

intercomunitária, visando a uma gestão do patrimônio ambiental

comum. Assim, a troca de informações e de outras formas de

cooperação entre os Estados em face da tutela do ambiente é

imprescindível (LEITE; AYALA, 2015).

Conforme Leite e Ayala (2015), são deveres de cooperação

internacional: o de um Estado informar aos outros as situações críticas

capazes de causar prejuízos transfronteiriços; o de informação e

consultas prévias quanto a projetos que possam trazer prejuízos aos

países vizinhos; o de assistência e auxílio entre os países; o de impedir a

transferência para outros Estados de atividades e substâncias que

causem degradação ambiental grave ou prejuízos a saúde humana.

Os deveres de cooperação são, portanto, imprescindíveis para a

sobrevivência do planeta, tratando-se, conforme Soares (2003b), não da

atuação da norma internacional com um conteúdo próprio, mas de

obrigação de natureza formal que o direito internacional impõe aos

Estados em todos os seus comportamentos, ou seja, de obrigações

instrumentais.

A Constituição Federal de 1988 trata expressamente da cooperação como princípio que rege as relações internacionais, definida

como um princípio estruturante de suas relações com outros países,

visando o progresso da humanidade.

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110

Entende-se, assim, que o princípio da cooperação é fundamental

para a proteção do meio ambiente, mormente o agravamento da crise

ecológica, dos novos problemas advindos com o uso da tecnologia, que

traz riscos ainda desconhecidos, como os advindos da nanotecnologia,

dos organismos geneticamente modificados, bem como da necessidade

de mitigação e adaptação aos efeitos adversos das mudanças climáticas.

É imprescindível que as ações e a racionalidade sejam voltadas

para a cooperação, a interação e o diálogo, percebendo que as decisões

isoladas não trarão a resposta urgente e necessária que o meio ambiente

precisa. Assim, o Estado ambiental é cooperativo, sendo que os tratados

internacionais e a legislação interna, que tratam expressamente da

cooperação, são um primeiro passo para a percepção acerca da

importância da conjugação de forças e do entendimento para a

preservação ambiental, para que haja uma maior solidariedade e o

restabelecimento de uma relação de união com o meio ambiente.

3.2.3.3 Princípio da solidariedade

Além dos princípios acima delineados, caracterizando o Estado

ambiental como precaucional e cooperativo, ele é também solidário, na

medida em que considera os vários atores envolvidos na proteção e

gestão dos riscos.

Nas chamadas dimensões de direitos fundamentais, os direitos

de fraternidade ou solidariedade se encontram na terceira, destinando-se

à proteção de grupos humanos e caracterizando-se como direitos de

titularidade coletiva ou difusa, como o direito ao meio ambiente

(SARLET, 2003).

Como o Estado ambiental visa conciliar direitos liberais, sociais

e ecológicos em um mesmo projeto jurídico-político, Sarlet e

Fensterseifer (2013) afirmam que a função da nova orientação ecológica

assumida pelo Estado, como guardião dos direitos fundamentais diante

de novos riscos e violações existenciais, justificam sua redefinição –

para eles, Estado de Direito Socioambiental, aqui, Estado ambiental. O

fundamento de solidariedade, contudo, é o mesmo, qual seja, o de que a

base democrática e o princípio da solidariedade consistem na tentativa

de conciliação e diálogo normativo para a realização dos direitos fundamentais, quer os de liberdade e igualdade, ainda não cumpridos

em sua plenitude, deixando aos juristas contemporâneos uma obra

normativa ainda inacabada, na qual o princípio da solidariedade aparece

como tentativa de realizar a integralidade desses projetos.

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111

A solidariedade expressa a necessidade e o dever de

coexistência e de cooperação, formando teias de relações intersubjetivas

e sociais e indo além, pois, na perspectiva ecológica de solidariedade, os

deveres se projetam também para os habitantes de outras nações, para as

futuras gerações, para os animais não humanos e para a natureza em

geral (SARLET; FENSTERSEIFER, 2013).

O direito fundamental ao meio ambiente é um exemplo

paradigmático de um direito-dever ou de um direito da solidariedade,

em uma correspondência dos direitos aos deveres, cujo conteúdo é

definido em função do interesse comum, de modo a restaurar e

reconstruir o tratamento normativo dos deveres fundamentais

(SARLET; FENSTERSEIFER, 2013).

A solidariedade implica a alteridade, a inclusão do outro, o

(r)estabelecimento do diálogo, da comunicação e da cooperação,

favorecendo a participação e a convivência. A solidariedade objetiva o

respeito e a inclusão das diferenças culturais e dos saberes diversos, a

justiça igualitária e a preocupação com o futuro das gerações, da

natureza e das demais formas de vida.

A solidariedade colabora, pois, para construir uma nova

racionalidade que não aquela cartesiana ocidental, causadora da atual

crise ecológica, em uma cultura de alteridade, respeito e tolerância,

considerando a humanidade, na relação entre os homens e destes com a

natureza e os não humanos como uma só comunidade, um todo vivo.

Neste sentido, o princípio de solidariedade, estruturante do

Estado ambiental, expõe aquela inter e intrageracional, no sentido de

abranger as gerações humanas que convivem no planeta, as gerações

humanas futuras, e também a solidariedade interespécies, em respeito a

todas as espécies vivas, atuais e futuras. Inclui também a solidariedade

com a natureza em geral, considerando os ecossistemas, os elementos

bióticos e abióticos que tornam a Terra um todo vivo e complexo.

Na ordem constitucional brasileira, o princípio de solidariedade

é expressamente estabelecido no artigo 3º, inciso I, ao considerar como

objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a construção de

uma sociedade livre, justa e solidária. Embora expressado somente neste

dispositivo, observa-se sistematicamente no texto constitucional que o

princípio de solidariedade é buscado em sua integridade, apesar de pouco efetivo na prática.

De acordo com Ayala (2011), a definição constitucional do

direito fundamental ao meio ambiente constitui a representação objetiva

da necessidade de se protegerem valores e objetivos, associados a um

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112

princípio de solidariedade, conforme decisão do Supremo Tribunal

Federal no julgamento do MS nº 22164-0/SP, de 2004. Neste julgado,

considerou o Tribunal que o reconhecimento expresso de um direito

fundamental ao ambiente materializa a proteção de valores

indisponíveis e de poderes de titularidade difusa, consagrando um

complexo conteúdo para o princípio da solidariedade, em uma ótica de

titulares de poderes e prerrogativas.

Com fundamento no princípio da solidariedade, o Supremo

Tribunal Federal, no julgamento da ADI nº 1856/RJ, julgada aos 25 de

maio de 2011, pelo relator ministro Celso de Mello, considerou

inconstitucional lei estadual que regulamentava a prática da briga de

galo, considerada crime ambiental e em flagrante desrespeito ao dever

do Estado de evitar práticas cruéis contra os animais.

Em seu voto, o relator considerou que o dever de defender e de

preservar o meio ambiente em benefício das presentes e futuras

gerações busca evitar que irrompam, no seio da comunhão social, os

graves conflitos intergeracionais marcados pelo desrespeito ao dever de

solidariedade na proteção da integridade do bem ambiental, já que

essencial e comum a todos os que compõem o grupo social.

A afirmação de um princípio de solidariedade também está

ligado, para Ayala (2011), ao sistema de responsabilidades

compartilhadas, previsto constitucionalmente, que suscita prestações

diferenciadas, fundadas na construção coletiva e na cooperação de

projetos de futuro. Tal regime de cooperação entre os sujeitos favorece

o desenvolvimento de um princípio de solidariedade coletiva.

Nota-se, portanto, a urgência em se considerar um princípio de

solidariedade dentro da comunidade humana, entre os humanos e as

demais espécies, entre as presentes e futuras gerações, e entre os povos

de uma comunidade global plural. O entendimento e a inclusão do outro

são estruturantes em um Estado ambiental, pois visam à proteção do

meio ambiente e à qualidade de todas as formas de vida.

3.2.3.4 Princípio da vedação do retrocesso ambiental

Na sequência, é tratado o princípio da vedação do retrocesso

ambiental como estruturante do Estado ambiental. Como dito anteriormente, o Estado ambiental deve elevar sempre seus níveis de

proteção, em uma constante progressividade.

Afirmou-se também que, conectado ao dever de um mínimo

existencial ecológico, veda-se o retrocesso em matéria ambiental que

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113

venha a ocorrer em níveis abaixo deste mínimo, como ocorreu

recentemente com a legislação brasileira, analisada posteriormente.

Significa dizer que, uma vez atingido um determinado nível de

qualidade dos recursos naturais pela sociedade, por meio da cooperação

entre iniciativas estatais e a execução de atividades do dever coletivo de

defesa do meio ambiente, essa qualidade não pode ser diminuída, como

efeito da responsabilidade de longa geração, que protege os resultados

destas ações, como também a estrutura de proteção não pode sofrer

retrocessos ou ser desconstituída (AYALA, 2011).

Isso porque a proibição de retrocesso em direitos fundamentais,

como o é o meio ambiente, está associada à realização, pelo Estado, de

padrões existenciais que mantenham a garantia do núcleo essencial

deste direito, que já foram efetivados e realizados pelo legislador, e que

não possa ser removido sem medidas de compensação (AYALA, 2011).

Este princípio ganha relevância em virtude da falência do

Estado brasileiro na proteção do meio ambiente, demonstrada

posteriormente, e também na diminuição de proteção ambiental, no

sentido de uma tendência a flexibilização de normas de proteção e de

recuo na adoção de práticas que protejam o meio ambiente,

principalmente em contextos de crise econômica.

Contudo, diante do dever de solidariedade com as futuras

gerações e da responsabilidade para com elas, de deixar um ambiente

protegido para que possam exercer seu direito a projetos de vida, deve

ser garantida a vedação do retrocesso e a progressividade de proteção,

deixando, no mínimo, condições suficientes para a qualidade de vida e o

equilíbrio dos ecossistemas.

Os membros do poder legislativo são contingentes e devem

atuar na defesa dos preceitos constitucionais, não podendo dispor

livremente sobre eles, embora tenham o poder de realizar escolhas sobre

o estágio de desenvolvimento dos direitos fundamentais. Não se

estabelece como um princípio geral de revisão de vedação a escolhas

sobre a concretização dos direitos fundamentais, mas se impõe

estritamente sobre a garantia de revisão e de retorno na concretização de

um mínimo para garantir o núcleo essencial do direito (AYALA, 2011).

Embora o princípio não esteja expressamente estabelecido na

Constituição brasileira, não obsta seus efeitos, tendo em vista ser consequência dos deveres adotados constitucionalmente de proteção do

meio ambiente e de redução de riscos. A dignidade da vida supõe níveis

de bem-estar que não podem ser atingidos sem que condições para tanto

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114

sejam asseguradas, entre as quais a proteção da qualidade dos processos

ecológicos, que suportam todas as formas de vida (AYALA, 2011).

O princípio não é ofendido em condições especiais que exigem

um retorno a situações passadas, nas quais retroceder é uma conquista,

como na transformação de áreas degradadas em reservas reflorestadas,

ou na reconversão com planejamento industrial ou outro tipo de

exploração, que seja considerada sustentável, pois o objetivo do

princípio, qual seja, a vedação de degradação ambiental, não estaria

ofendido (MOLINARO, 2007).

Neste sentido é que Molinaro (2007) entende os limites ao

princípio da proibição de retrocesso, que dão as condições para

encontrar os bens por ele protegidos. Não permite o princípio um

imobilismo absoluto, sendo o impedimento da degradação o principal

dever.

Molinaro (2007) entende, ainda, que a aceitação do princípio da

vedação do retrocesso ambiental é um resultado da cidadania ambiental,

servindo para a conscientização e para a reflexão da degradação que

pode se agravar indefinidamente.

Para tanto, a conscientização, por meio de uma participação

informada, proporcionada pela educação ambiental de qualidade, é um

meio pelo qual as sociedades cumprem com seus deveres de cidadania,

ao rechaçar leis que retrocedem na proteção já assegurada e de terem

seus direitos fundamentais sempre melhor protegidos e efetivados.

Por estes fundamentos, é possível afirmar que o princípio da

vedação do retrocesso, como estruturante do Estado ambiental, é

essencial para o entendimento da redução, controle e gestão de riscos

em contextos de incertezas, tendo em vista que considera, viabiliza e

instrumentaliza a proteção de direitos fundamentais.

Assim sendo, a vedação de retorno é um obstáculo defensivo no

sistema dos direitos fundamentais e reforça o significado positivo de

uma construção baseada no mínimo existencial, visto anteriormente, e

materialmente condicionado a este, reforçando a definição do próprio

sistema de direitos fundamentais estabelecido (AYALA, 2011).

Resulta um dever de intervenção e um dever de abstenção,

suscitando medidas de reconstituição da ordem jurídica para que seja

conformada com o nível suficiente ou de medidas que obstem e que removam a ação revisora retrocessiva (AYALA, 2011).

Deste modo, a consecução desses deveres de intervenção e

abstenção, principalmente quando se fala em redução de riscos criados

pela tecnociência, é necessário o contínuo investimento e fomento do

Estado na produção de técnicas de melhoria da qualidade ambiental,

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115

conforme se verá posteriormente, não somente para impedir o

retrocesso, como também para garantir a progressividade na proteção.

A vedação do retrocesso é consequência, portanto, dos deveres

de proteção do Estado ambiental, assumidos pelo pacto constitucional e,

considerando a redução de riscos como uma de suas principais tarefas,

deve retirar empecilhos à sua concretização e garantir que o núcleo

essencial do direito fundamental ao meio ambiente seja preservado.

3.2.3.5 Princípio do poluidor-pagador O princípio do poluidor-pagador é aqui entendido como

estruturante do Estado ambiental, em coerência com a abordagem

escolhida de estudo da melhor tecnologia disponível, no controle da

poluição, do uso e do acesso a bens ambientais, e do dever fundamental

de redução de riscos.

Este princípio estabelece que quem utiliza e tem acesso a bens

ambientais deve suportar seus custos. Não deve ser entendido como um

pagamento para ter o direito de poluir, tendo em vista que não existe de

forma nenhuma este direito, mas sim o de proteger e preservar o meio

ambiente. Não se reduz ainda a um simples princípio de

responsabilidade civil (ARAGÃO, 2014).

A principal característica deste princípio é forçar os particulares

e o Estado, ou seja, todos aqueles que se utilizam de recursos

ambientais, a internalizar os custos ambientais gerados pela produção e

pelo consumo, impedindo a externalização dos riscos e dos danos.

O conceito de externalidade foi dado por Marshall em 1890, ao

constatar que o preço de mercado dos bens não refletia fielmente os

verdadeiros custos ou os benefícios resultantes de sua produção ou de

seu consumo. As externalidades ambientais negativas são consequência

da propriedade comum e do livre acesso aos bens ambientais, cujos

custos sociais eventuais dos subprodutos da atividade não constam dos

cálculos dos agentes econômicos ao lado do custo dos fatores de

produção (ARAGÃO, 2014).

As externalidades ambientais, quer dizer, os danos e riscos ao

meio ambiente decorrentes do processo produtivo, emitidos para toda a

coletividade, devem ser computadas e evitadas, mediante o pagamento para que isso aconteça, com os meios tecnológicos cabíveis, por meio

das melhores tecnologias disponíveis.

Importa dizer ainda que o princípio impõe que o poluidor

internalize os custos necessários à diminuição ou eliminação do dano

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116

realizado no processo produtivo ou na execução da obra ou atividade,

tendo em vista que quem lucra com a atividade potencialmente

poluidora é quem deve responder pelo risco inerente à atividade.

Uma das formas de evitar as externalidades ambientais

negativas é a regulamentação estatal, mediante exigências de equidade

que determinam que as despesas públicas ou privadas necessárias ao

controle da poluição estejam a cargo dos sujeitos causadores. Neste

contexto, os poluidores são chamados a suportar o custo dos recursos

ambientais que utilizam, representando uma forma de gestão e

utilização racional e sustentável, de modo ainda a evitar enriquecimento

sem causa do poluidor à custa da parte mais fraca, ou seja, da sociedade

em geral e das comunidades vulneráveis (ARAGÃO, 2015).

O princípio do poluidor-pagador não se confunde com o

princípio da responsabilização, embora esteja com ele relacionado. A

responsabilização impõe ao poluidor o dever de reparar os danos que

tenha causado, o que no Brasil decorre diretamente da Constituição

Federal de 1988, ao prever, no §3º, do artigo 225, que a

responsabilização é concomitante e de forma independente tanto civil e

penal, quanto administrativamente.

Já o poluidor-pagador tem caráter essencialmente preventivo e

precaucional, pois busca evitar a degradação ambiental, pois o poluidor

deve pagar pelos custos relativos às medidas preventivas e

precaucionais, tais como a adoção da melhor tecnologia disponível, de

modo a evitar a poluição, quer dizer, paga para que não polua.

Pode também ser encontrado no princípio 16, da Declaração do

Rio-92, que afirma deverem as autoridades nacionais promover a

internacionalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos

econômicos, pois o poluidor deve arcar com o custo da poluição.

No direito brasileiro, é encontrado no artigo 6º, inciso II, da Lei

nº 12.305/2010, a qual coloca expressamente que o princípio do

poluidor-pagador é princípio da Política Nacional de Resíduos Sólidos.

Segundo Aragão (2014), o princípio do poluidor-pagador

evoluiu muito e é atualmente um princípio jurídico internacionalmente

reconhecido, visando realizar a precaução, a prevenção e a equidade na

redistribuição dos custos das medidas públicas de proteção.

3.3 A SUSTENTABILIDADE COMO VALOR E META

PRIMORDIAIS DO ESTADO AMBIENTAL

Muito embora haja discussão acerca da natureza jurídica da

sustentabilidade, se princípio, valor ou objetivo, é para os fins da

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117

presente dissertação considerada um valor e uma meta primordiais do

Estado ambiental, tendo em vista que integra seu núcleo constitutivo.

Isso porque a sustentabilidade é, sem dúvida, um dos mais relevantes

aspectos, não somente para a estrutura do Estado ambiental, mas

também para que haja uma mudança ética e de atitude da sociedade.

Além disso, é muito popular, sendo utilizado para se referir a

coisas distintas, fazendo com que seu conceito inicial esteja perdido e

desacreditado. Por tais razões, será dada uma maior atenção para sua

explicação, pois, além de valor e meta primordiais, é também um

princípio fundamental do Direito (BOSSELMANN, 2015).

A preocupação internacional com as questões ambientais teve

início na década de 1960, conforme abordado no capítulo anterior, com

a percepção das consequências da degradação ambiental sentidas por

todos, atrelada à conscientização da impossibilidade de controlar seus

efeitos territorialmente.

Bosselmann (2015) explica que a sustentabilidade teve um

período de incubação seguido pelo debate especializado e sua

popularização pela política internacional, o que causou mais danos que

vantagens, tendo o conceito se perdido nos anos 1980 até os dias atuais.

Após a Convenção de Estocolmo de 1972, o secretário-geral

Strong introduziu o termo “ecodesenvolvimento”, largamente difundido

por Sachs a partir de 1974, como resposta à crise da ciência até então

estabelecida. Possui uma posição ética fundamental, ao pressupor uma

solidariedade sincrônica com os povos atuais; e uma solidariedade

diacrônica, por meio da economia de recursos naturais e também da

perspectiva ecológica que garanta qualidade de vida às gerações futuras

(MONTIBELLER-FILHO, 2001).

Posteriormente, o termo ecodesenvolvimento foi substituído

pelo de desenvolvimento sustentável, utilizado primeiramente pela

IUCN na Conferência Mundial sobre Conservação e Desenvolvimento

na cidade de Ottawa, em 1986 (MONTIBELLER-FILHO, 2001).

A ideia e terminologia do desenvolvimento sustentável é de

Prescott-Allen, escritor da IUCN e principal autor da Estratégia de

Conservação Mundial de 1980, para quem era necessária uma nova

ética, englobando plantas e animais além de pessoas, permitindo a que

se viva em harmonia com o mundo natural, necessário para sobrevivência e bem-estar (BOSSELMANN, 2015).

Importante documento que consagrou o termo foi o Relatório

“Nosso Futuro Comum”, elaborado pela Comissão Mundial de Meio

Ambiente e Desenvolvimento, em 1987, também conhecido como

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118

Relatório Brundtland. Para o relatório, o desenvolvimento sustentável é

aquele que “atende as necessidades do presente sem comprometer a

possibilidade de as futuras gerações atenderem a suas próprias

necessidades” (CMMAD, 1991, p. 46).

O Relatório (CMMAD, 1991) destaca a questão relativa à

pobreza que se faz presente ao redor do globo, salientando que, para que

seja possível falar em desenvolvimento sustentável, é necessário garantir

o acesso da população a suas necessidades básicas.

Para Bosselmann (2015) a imprecisão do Relatório abriu a

possibilidade de minimizar a sustentabilidade, pois os governos

difundiram a ideia de que se pode ter tudo ao mesmo tempo:

crescimento econômico, sociedades prósperas e um meio ambiente

saudável, esquecendo-se de que a ideia central era a de uma nova ética.

Neste contexto, depois da publicação do Relatório Brundtland, a

ideia de que a pobreza degrada o ambiente ficou em voga, sendo para

muitos ecologistas nada mais que uma tentativa de culpar as vítimas.

Entretanto, a expressão desenvolvimento sustentável teve grande êxito

devido a sua introdução na política internacional pela IUCN e, depois,

pela Comissão Brundtland, os quais almejavam combinar

conscientemente essas duas ideias: desenvolvimento econômico e

capacidade de sustento (ALIER, 1998).

O conceito possui, no entanto, algumas contradições, pois

implica em aceitar o padrão de consumo vigente no mundo ocidental,

bem como sua expansão e difusão por todos os países, prevalecendo o

status do consumidor e a crença de que tecnologia é capaz de produzir

cada vez mais utilizando menos recursos (otimismo tecnológico)

(MONTIBELLER-FILHO, 2001). Além disso, prevalece a motivação

essencialmente antropocêntrica de que a natureza deve ser preservada

para o benefício humano.

Observa-se que o Relatório Brundtland não diferencia

crescimento econômico de desenvolvimento. Logo, diante da

dificuldade de separar o desenvolvimento econômico de seu significado

habitual, a definição implícita de desenvolvimento sustentável é a de um

crescimento ou desenvolvimento econômico que seja compatível com a

capacidade de sustento, surgindo a necessidade de discussão da

aplicação desta noção ecológica de capacidade de sustento de um território às economias humanas (ALIER, 1998).

Poder-se-ia argumentar, segundo Alier (1998), que a expressão

desenvolvimento sustentável seria aceitável, porque desenvolvimento e

crescimento não seriam sinônimos, mas o Relatório Brundtland não faz

essa distinção, portanto, entra em contradição, tendo em vista que o

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119

crescimento econômico das economias ricas não é ecologicamente

sustentável. Além disso, a própria palavra sustentabilidade remete à

noção biologizante de capacidade de sustento.

Posteriormente ao Relatório Brundtland, a necessidade de uma

reunião mundial para promover o desenvolvimento sustentável e para

elaborar estratégias para deter a degradação ambiental foi implementada

pela RIO-92, como exposto no capítulo anterior.

Cabe salientar que o conceito do desenvolvimento sustentável é

muito criticado por ser vago, que pode ser apropriado por diversos

discursos para seus próprios interesses, como as organizações

internacionais de comércio, empresas, ou ainda, pelo foco no

desenvolvimento econômico e utilizado para legitimar um crescimento e

progresso econômico nos moldes dos padrões ocidentais atuais, que se

mostram extremamente prejudiciais para a continuidade da vida.

Esta ideia de sustentabilidade como integração entre políticas

econômicas, ambientais e sociais corresponde à sua versão fraca, não

apresentando qualquer alternativa para a preservação da integridade

ecológica da terra. Esta abordagem corresponde à ambiental (fraca), que

pressupõe a validade do crescimento e o coloca em igualdade com a

importância da sustentabilidade ambiental, a justiça social e a

prosperidade econômica. Em contraposição, a abordagem ecologista é

forte, ao compreender o princípio essencialmente como a preservação da

substância ou da integridade dos sistemas ecológicos, sendo, logo, o

desenvolvimento sustentável aquele que está dentro dos limites dos

sistemas ecológicos, o que implica uma nova ética e também escolhas

éticas a serem feitas (BOSSELMANN, 2015).

Neste entendimento, Ayala (2011) compreende que a

sustentabilidade operaria como a referência agregadora de imperativos

concretizadores de um direito ambiental de segunda geração, pautando-

se em três imperativos, quais sejam: a proteção das futuras gerações, a

garantia de viabilidade de todas as formas de vida e a proteção dos

processos ecológicos essenciais.

Logo, pode-se afirmar que o Estado ambiental é e deve ser

sustentável, na medida em que protege e mantém a integridade

ecológica da Terra ou, nas palavras da Constituição Federal brasileira,

os processos ecológicos essenciais.

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120

3.4 A ESSENCIALIDADE DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E DA

PARTICIPAÇÃO INFORMADA PARA A FORMAÇÃO DE UMA

CONSCIÊNCIA AMBIENTAL

A formação de uma cidadania ambiental em uma sociedade

repleta de riscos não é tarefa fácil. O entendimento acerca desses riscos

e da linguagem tecnocientífica de sua criação demanda uma educação

ambiental transformadora, que propicie uma participação informada de

qualidade no controle e na gestão dos riscos e dos órgãos decisórios.

Políticas e instrumentos jurídicos de proteção ambiental não são

possíveis sem que haja a conscientização de que o problema é complexo

e sem que se considere a globalidade do ambiente demandando ações

também globais e conjuntas, mediante um compartilhamento de

responsabilidades de proteção.

Nesse sentido, é necessário que se reconheça a complexidade do

meio ambiente e que haja uma percepção seguida de conscientização

dos problemas advindos das ações humanas, para que a atual legislação

protetiva cumpra seu papel.

No entanto, não há conscientização e mudança de atitude se não

houver educação direcionada para a proteção ambiental. A educação,

considerada um direito humano e fundamental, ao incluir em seu

objetivo o meio ambiente passa a ser adjetivada de educação ambiental,

considerada um dever de proteção pela Constituição Federal brasileira30

,

conforme visto anteriormente.

Ao garantir constitucionalmente, no âmbito da proteção

ambiental, a educação e a conscientização pública para tutela do direito

ao meio ambiente, reconhece o constituinte expressamente que somente

por “um processo de alfabetização ecológica será possível formar

cidadãos ambientalmente responsáveis, e esse é um passo indispensável

para garantir a todos o usufruto de uma verdadeira democracia

ambiental” (FERREIRA, 2012, p. 285-286).

O termo alfabetização ecológica é de Capra (2006) e significa

aprender os princípios básicos da ecologia, entender os princípios de

organização dos ecossistemas e aprender deles valiosas lições para a

formação de sociedades sustentáveis. Os princípios que podem ser

retirados dos sistemas vivos para as comunidades humanas são: o da interdependência, quer dizer a dependência mútua de todos os processos

vitais; o fluxo cíclico de recursos, em que o resíduo de uma espécie é

30

Visando regulamentar o dever constitucional de educação ambiental, a Lei nº

9.795/1999 instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental.

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121

alimento para outra; a cooperação, a parceria e a coevolução; a

flexibilidade e a diversidade, que permitem que os ecossistemas

sobrevivam a perturbações e se adaptem; e, como consequência de

todos, a sustentabilidade.

Embora haja o dever constitucional de educação ambiental,

percebe-se sua ineficácia, tendo em vista que o Estado brasileiro vem

regredindo em matéria ambiental, por meio do desmanche do sistema de

proteção ambiental, do sucateamento dos órgãos de fiscalização, da

concessão de licenças ambientais ilegais, da divulgação de informações

ambientais inverídicas e da falta de políticas públicas que priorizem a

cidadania. Isso ocorre justamente pela falta de controle social e de

conscientização, que só vêm por meio da educação voltada para a

formação de um pensamento crítico, que também não ocorre

(ALBUQUERQUE; FORTES, 2011).

Para Albuquerque e Fortes (2011, p. 67-68) “não conhecer, não

criticar, não questionar e não reivindicar é o modelo de sociedade

perfeito para a atual gestão pública”, mostrando, assim, paradoxal falar

em educação ambiental no Brasil, pois “não há o mínimo de

comprometimento e vontade de enfrentar questões fundamentais para a

construção do Estado Democrático de Direito”, uma vez que o meio

ambiente continua a ser tratado sob uma perspectiva instrumental e não

integrada e sistêmica.

A importância da educação é evidente, não somente para

conhecer a si próprio e ao mundo em que se vive, por razões de

sobrevivência e também para realização pessoal, mas também para a

vida em sociedade, por meio do conhecimento de seus direitos e, assim,

poder participar ativamente da vida pública.

Uma educação de qualidade é, por óbvio, também pressuposto

de efetivação da proteção ambiental, vez que apenas adotar medidas

avançadas de proteção e fornecer informação não é suficiente e eficaz,

sem que haja conscientização e educação da sociedade para que ela

participe ativamente, despertando não somente a consciência ambiental,

mas também o interesse pela problemática. Sem acesso à informação de

qualidade e educação para um senso crítico, resta impossibilitada a

compreensão e a conscientização acerca das questões ambientais, o que

inviabiliza a participação nos processos de decisão. Por conseguinte, Rodrigues (2005) afirma que, para que se

possa falar em educação ambiental, é preciso que o processo

educacional permita o conhecimento integral dos problemas ambientais,

para poder conservá-lo e melhorá-lo, bem como para implementar

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122

mudanças de comportamento dos indivíduos e da sociedade. Para o

autor, a função da educação ambiental não é somente a reprodução de

conhecimentos – os quais possuem profunda importância na divulgação

de informações, muitas ainda ocultas pela irresponsabilidade organizada

– mas também a formação de uma consciência e de uma ética ambiental.

Conscientizar se vincula a uma ação concreta e eficaz. Para

Freire (1979), conscientização é uma palavra com significação

profunda, pois a educação é uma prática de liberdade e um ato de

conhecimento que aproxima a realidade de forma crítica. A

conscientização é a tomada crítica de consciência, ultrapassando a esfera

espontânea de apreensão da realidade, assumindo uma posição

epistemológica e agindo dentro da prática, ou seja, do ato e da reflexão.

Conscientização é tomar posse da realidade com o olhar mais

crítico possível, devendo ser, portanto, o primeiro objetivo de toda

educação, provocando primeiramente uma atitude crítica de reflexão,

que comprometa à ação (FREIRE, 1979).

Quanto ao enfoque participativo, a participação é um dos

componentes mais importantes da cidadania, mas de forma consciente e

esclarecida, na qual o cidadão sabe que está participando e quer fazê-lo.

Para isso são necessários espaços e mecanismos que a permitam e a

estimulem, além da imperiosa preparação para a participação

(RODRIGUES; FABRIS, 2011).

Haverá educação ambiental quando houver consciência disso,

ou seja, quando seja possível observar e analisar todas as circunstâncias

mencionadas do ponto de vista ambiental, quando se valorizar a

qualidade de vida para todos, sem distinção, e quando houver respeito a

todas as formas de vida, após observar a realidade pela qual passa o

planeta. Para que haja esta verdadeira conscientização, não basta

somente criar normas ambientais de proteção, pois de nada servem se as

pessoas não estiverem contagiadas de sentimentos de mudança,

colaboração e afetividade (RODRIGUES; FABRIS, 2011), de

(re)pensarem suas ações e da relação que estabelecem com o meio

ambiente.

A realidade atual requer, entretanto, uma mudança de

paradigma e novas formas de educação e reprodução de conhecimento,

devendo-se não somente observar a realidade, mas também promover uma mudança social.

Morin (2011), ao propor seus sete saberes necessários à

educação do futuro, afirma que se deve enfrentar o problema de dupla

face do erro e da ilusão, protegidos pela racionalidade, e mostrar que

todo conhecimento está por eles ameaçado. Pelo fato de o conhecimento

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123

ser fruto de uma tradução ou reconstrução da linguagem e do

pensamento, está sujeito a erro, comportando, ainda, interpretação, a

qual introduz o risco do erro na subjetividade do receptor.

Morin (2011) expõe, ainda, a profunda inadequação entre os

saberes divididos e compartimentados e as realidades ou problemas

multidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais,

globais e planetários, devendo, portanto, tornar visíveis o contexto, o

global, o multidimensional e o complexo.

A complexidade compreende a interdependência e implica uma

noção de mudança radical (LEVY, 2004). Corresponde à “união entre a

unidade e a multiplicidade”, devendo a educação promover uma

inteligência para o complexo e o contexto, de modo multidimensional e

dentro da concepção global (MORIN, 2011, p. 36).

Pelo exposto, é possível afirmar que a educação ambiental

necessita de políticas e instrumentos jurídicos para sua efetivação, como

uma ferramenta imprescindível para modificação da sociedade e

formação de uma consciência ambiental. Não são possíveis, entretanto,

sem que haja a conscientização de que o problema é global e que se

reconheça a complexidade do meio ambiente e o respeito a todas as

formas de vida e a proteção dos processos ecológicos essenciais.

3.5 O NOVO CONSTITUCIONALISMO LATINO-AMERICANO

COMO PARADIGMA DE ESTADO AMBIENTAL

O modelo de Estado ambiental, proposto na presente

dissertação, é aquele que está mais consentâneo com a realidade

brasileira, diversa daquela de surgimento da teoria. Neste sentido, é

necessário analisar o contexto latino-americano de constitucionalização

do ambiente, em especial nas recentes experiências do Equador e da

Bolívia.

O constitucionalismo latino-americano é assim denominado em

virtude das recentes mudanças constitucionais que ocorreram em países

da América do Sul, como Equador e Bolívia, que incorporaram a

espiritualidade da cultura milenar indígena a suas Constituições,

trazendo a plurinacionalidade e um espírito de integração e equilíbrio

entre homem e natureza, a qual se torna sujeito de direitos. Representa uma mudança do viés antropocêntrico, economicista e cartesiano

ocidental, estabelecendo uma proteção jurídica ambiental ampliada de

forma original em um texto constitucional.

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124

Estas recentes constituições buscam o ideal de Estado

ambiental, proposto na presente pesquisa, ao incluírem a natureza como

sujeito de direitos e ao proporem o estabelecimento de uma nova ética

biocêntrica e de consideração a saberes diversos e igualmente relevantes

nos processos de tomada de decisão e de elaboração da vontade política.

As constituições latino-americanas da Bolívia e do Equador

possuem uma história e uma marca diferentes, distanciando-se das

constituições construídas a partir da forte marca do capitalismo, ao

promoverem constitucionalmente o reconhecimento de valores

transversais inspirados na cultura dos povos ancestrais andinos. Estas

constituições recentes estão em um processo de construção, que vem

ocorrendo por meio de princípios muito próprios e que procuram

efetivar uma ruptura profunda com a epistemologia então reinante, ao

estabelecerem como marco a retomada do ideal de bem viver e a

consideração da natureza como sujeito de direitos (RODRIGUES,

2015).

Nas palavras de Rodrigues (2015), o novo constitucionalismo

latino-americano lida com premissas diversas daquelas ocidentais

tradicionais, podendo contribuir para uma cultura jurídica que considere

valores plurais e que seja capaz de fortalecer a busca por uma ideia de

integridade, que consiste na proteção da vida em todos os seus aspectos

e para todos os seres.

A nova Constituição do Equador foi aprovada mediante

referendo popular e entrou em vigor no dia 20 de outubro de 200831

. Em

seu preâmbulo, celebra a natureza ou “Pacha Mama”, vital para a

existência humana, e invoca a sabedoria de todas as culturas que

enriquecem a sociedade como tal. No capítulo sétimo, de forma inédita,

consagra os direitos da “Pacha Mama”, dentre os quais se insere o

direito de restauração, o respeito integral à sua existência e à

manutenção e regeneração de seus ciclos vitais, estrutura, funções e

processos evolutivos, podendo toda e qualquer pessoa, independente de

sua nacionalidade, exigir da autoridade pública seu cumprimento. Prevê,

ainda, o dever do Estado de incentivar a proteção da natureza e a

promoção do respeito a todos os elementos que formam um ecossistema.

A Constituição do Equador vai além da Constituição brasileira,

pois eleva a natureza a sujeito de direitos e prevê deveres expressos de precaução acerca dos processos tecnológicos, quanto à adoção de

medidas pelo Estado para evitar impactos negativos e também a

31

A Constituição do Equador pode ser consultada em:

http://www.asambleanacional.gov.ec/documentos/constitucion_de_bolsillo.pdf.

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125

proibição de tecnologias e processos que causem prejuízo à segurança

alimentar e dos ecossistemas (AYALA, 2011).

Outra inovação da Constituição equatoriana é a inclusão do bem

viver ou sumak kawsay, do quéchua, como uma aspiração de

convivência cidadã, em diversidade e harmonia com a natureza,

conforme seu preâmbulo, reconhecendo, no artigo 14, o direito de todos

a viver em um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, garantindo

a sustentabilidade e o próprio sumak kawsay.

O conceito de bem viver é apresentado com maior amplitude

que o direito ao meio ambiente sadio, uma vez que, ao descrever a

Constituição equatoriana sobre o regime do sumak kawsay, apresenta

normas sobre saúde e educação juntamente com recursos naturais e

biodiversidade, ou seja, normas de inclusão e equidade. Corresponde,

portanto, a uma visão integral e não somente social ou ambiental. O bem

viver se refere também ao econômico e ao político, ao estabelecer um

regime de desenvolvimento que respeite a natureza, recuperando-a e

conservando-a, bem como promovendo a ordenação do território, parte

integrante da cultura indígena (GUDYNAS, 2009).

No mesmo sentido, a Constituição da Bolívia, promulgada em

2009, traz já no preâmbulo a predominância pela busca do bem viver,

baseada no respeito por sua história de luta, pela “sagrada Madre Tierra”

e pela diversidade de culturas, inspiração para a construção de um novo

Estado, que é “Unitário Social de Direito Plurinacional Comunitário”,

pelo povo boliviano32

.

Entre os princípios ético-morais previstos na Constituição, o

artigo 8, I, do capítulo segundo, do título I, dispõe que o Estado assume

e promove suma qamaña (bem viver), ñandereko (vida harmoniosa),

teko kavi (vida boa), ivi maraei (terra sem mal) e qhapaj ñan (caminho

ou vida nobre), que refletem a cultura indígena do bem viver e da

integração do homem com o ambiente.

Embora a Constituição da Bolívia não trate especificamente da

natureza como sujeito de direitos, a natureza é abordada em textos

infraconstitucionais por meio da Lei nº 71, de 2010 (Ley de derechos de la Madre Tierra), e da Lei nº 300, de 2012 (Ley marco de la Madre

Tierra y desarollo integral para vivir bien).

32

A nova Constituição da Bolívia pode ser consultada em:

<http://www.harmonywithnatureun.org/content/documents/159Bolivia%20Con

stitucion.pdf>.

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126

Observa-se, assim, que o bem viver constitui o espírito das

Constituições equatoriana e boliviana, tendo em vista que a cultura

destes povos é baseada na interação e no equilíbrio com a natureza,

possuidora de um sentido espiritual de base da vida, muito mais amplo e

profundo que aquele experimentado pelas sociedades ocidentais.

Importante ressaltar que se tratam de expressões com origem

em realidades culturais específicas, com toda uma carga de significado,

que não conseguem ser traduzidas em uma simples expressão fora do

idioma materno daquele povo, representando o ideal de bem viver uma

alternativa de vida, baseada em lutas populares, notadamente indígenas,

em uma visão diversa daquela de progresso e desenvolvimento, em uma

realidade mais complexa e rica de conteúdos (RODRIGUES, 2015).

Em suma, consiste em uma relação de equilíbrio com a

natureza, que não exclui o ser humano dessa visão; trata-se de uma

verdadeira complementaridade, por meio da qual se reconhece o direito

de todos os seres vivos a uma existência digna e o papel de todos para a

manutenção da vida no planeta.

Em uma visão crítica do conceito de bem viver, Manzano

(2013) afirma que as constituições latino-americanas não são

significativas somente pelas instituições criadas para preservação das

áreas de decisão para as comunidades originárias, mas, sobretudo,

porque apontam para uma nova cultura constitucional para um novo

modelo de bem-estar, baseado nas culturas indígenas.

O sumak kawsay, para o professor espanhol, é uma ideia distinta

do bem-estar própria do Estado social europeu, por representar uma

resposta antissistema ao conceito individualista de bem-estar. Contudo,

entende que o ordenamento constitucional equatoriano da ideia de bem

viver tem muito a ver com a cultura político jurídica do

neoconstitucionalismo, entendido pelo autor como concretizado na

noção de Estado de direitos, e não tanto com a cultura originária que se

expressa no sumak kawsay. Isso, porque afirma que dispositivos da

Constituição do Equador têm uma matriz predominantemente ocidental

de modo de vida. Sustenta, ainda, que o marco geral que concretiza o

bem viver é uma versão expandida ou ultragarantista do Estado social

europeu, mas com uma penetração significativa das culturas indígenas

nos conteúdos (MANZANO, 2013). Quanto à ordem constitucional boliviana, alega que o suma

qamaña se vincula no conjunto do texto constitucional a uma opção

clara pelo desenvolvimento econômico, no marco do processo de

descolonização e de empoderamento das comunidades indígenas

originárias (MANZANO, 2013).

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127

Embora as críticas sejam relevantes para que os processos

constitucionais dos países latino-americanos não sejam vistos com

ingenuidade, desconsiderando seu contexto histórico33

, deve-se salientar

que ainda são experiências recentes e que encontram resistências para

sua efetiva implementação. Contudo, representam um “novo”

constitucionalismo de enfrentamento ao passado colonial e

reconhecimento da cultura e espiritualidade indígenas e não de matriz

ocidental de modo de vida, exemplos para as sociedades ocidentais de

relação milenar de convivência harmônica e de respeito com a natureza.

Caracterizam o terceiro ciclo do constitucionalismo latino-

americano, representado por três pilares, quais sejam: o

plurinacionalismo, os direitos da natureza e o direito ao bem viver, ao

apresentarem explicitamente a proteção da natureza na condição de

sujeito de direito, o que constitui uma ruptura evidente em relação a

todas as constituições ocidentais, e ao trazerem em seus textos o bem

viver e os direitos da natureza, com um grande potencial de contribuir

para outra leitura da Constituição Federal de 1988 (RODRIGUES,

2015), como esta que é realizada na presente pesquisa e que considera

os aspectos biocêntricos do ordenamento constitucional brasileiro.

O constitucionalismo latino-americano traz, portanto, a nova

ética proposta pelo Estado ambiental, em uma ruptura biocêntrica

constitucionalista, ao elevar a sujeito de direitos todas as formas de vida

e a natureza como um todo a ser respeitado, reforçando a

responsabilidade do homem por todas as formas vida e a inclusão da

pluralidade social e cultural dos saberes milenares e sustentáveis

indígenas.

A ideia de bem viver, somada à plurinacionalidade e aos

direitos da natureza, quando trazidas no bojo de uma Constituição,

implicam em mudanças profundas em todo o sistema jurídico, bem

como na própria estrutura da sociedade. Isto porque são conceitos que

vinculam todos os poderes, em todas as esferas, e exigem um

compromisso com a implementação em termos de políticas públicas,

visando à efetiva garantia desses direitos em benefício da dignidade da

vida, abrangendo também a manutenção da diversidade cultural e

ambiental.

Por tais motivos, o novo constitucionalismo trazido pelas constituições do Equador e da Bolívia oferece contribuições para todos

os demais Estados, ao provocarem a reflexão sobre a efetiva

33 Sobre o processo constituinte de ambos os países, vide Santos (2010).

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possibilidade de reconhecimento e respeito das identidades nacionais em

um mesmo território, e sobre a consideração da natureza como sujeito

de direitos.

Os Estados, em especial o brasileiro, são capazes de dialogar

com as experiências constitucionais aqui trazidas, fortalecendo uma

aprendizagem constitucional (RODRIGUES, 2015) para fortalecer uma

interpretação das normas constitucionais que melhor concretizem os

objetivos de um Estado ambiental, como a retomada dos ideais de

justiça e da busca por uma justiça ecológica, tendo em vista que os

riscos criados pela tecnociência não atingem a todos da mesma forma e

em mesmo grau.

3.6 A BUSCA PELA JUSTIÇA ECOLÓGICA COMO OBJETIVO DO

ESTADO AMBIENTAL

Como evidenciado no decorrer do capítulo, o Estado ambiental,

ao incorporar o ambiente como elemento fundamental, modifica a

estrutura do Estado, impondo-lhe deveres específicos de proteção para a

manutenção e preservação das bases que sustentam a vida. Para que isso

seja possível, as escolhas e atitudes das comunidades morais são

imprescindíveis na elaboração das vontades estatais.

Neste contexto, a proteção dos sistemas ecológicos pressupõe a

manutenção e o equilíbrio com os sistemas sociais, que estão sujeitos de

modo diferenciado aos riscos. Como um dos principais deveres de

proteção do Estado ambiental é a redução dos riscos, com o objetivo de

proporcionar qualidade de vida e proteção dos processos ecológicos, a

distribuição desses riscos dentro de um Estado e também nas relações

entre eles assume papel relevante na consecução desses objetivos.

Os riscos ambientais, conforme iniciado no primeiro capítulo,

não atingem a todos da mesma forma. Os efeitos dos danos atingem de

forma desigual ricos e pobres, em razão de que são as comunidades

carentes as que vivem em áreas de risco, encostas de morros, próximas a

áreas industriais; não têm acesso a saneamento básico e trabalham em

condições insalubres e perigosas.

No mesmo sentido, mas em maior escala, pode-se dizer que os

riscos ambientais também não atingem da mesma forma todos os países, especialmente na dimensão Norte/Sul, em virtude dos maiores

consumidores, degradadores, utilizadores de recursos naturais,

poluidores e causadores das mudanças climáticas se encontrarem no

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129

hemisfério Norte. Já os “países lixões”34

, que se encontram no Sul, são

exportadores de recursos e se encontram em maior vulnerabilidade

social e ecológica, sendo mais fortemente atingidos pelos efeitos

negativos das mudanças climáticas, com menor potencial de mitigação e

adaptação, bem como de resiliência.

Essa distribuição desigual de riscos ambientais levou ao

surgimento do Movimento de Justiça Ambiental, que trata da

necessidade de percepção dos riscos ambientais e pela reconfiguração da

cidadania para uma noção global, sendo papel do Estado ambiental

assegurar, no mínimo, aquilo que já está positivado na Constituição

Federal e cumprir com seus deveres de proteção.

O Movimento de Justiça Ambiental teve sua origem nos

Estados Unidos da América, nos anos 1980, ao denunciar que os

depósitos de lixo tóxico e de indústrias poluentes se concentravam nas

áreas habitadas pela população negra. Nessa mesma época, análises

sobre a distribuição dos riscos ambientais concluíram que os impactos

dos acidentes ambientais estão distribuídos de forma desigual por raça e

por renda (ACSELRAD, 2009).

Observa-se que as reinvindicações por justiça ambiental não se

iniciaram por motivos específicos de desigualdades baseadas na renda,

na qual grupos menos favorecidos economicamente estariam sujeitos a

maiores riscos ambientais, mas por critérios de raça, uma vez que, na

sociedade estadunidense, as comunidades afrodescendentes recebiam a

maior carga de efeitos da degradação ambiental.

34

Sobre o tema, importante citar a Convenção da Basileia sobre o Controle de

Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito, de 1989, que visa coibir o tráfico ilegal e prevê a cooperação internacional para a gestão

ambientalmente adequada de resíduos. A convenção foi internalizada pelo Decreto nº 875, de 19 de julho de 1993 e regulamentada pela Resolução

Conama nº 452, 02 de julho de 2012. A Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei nº 12.305/2010, proíbe, no artigo 49, a importação de resíduos sólidos

perigosos e rejeitos, que causem dano ao meio ambiente, à saúde pública e animal e à sanidade vegetal, ainda que para tratamento, reforma, reuso,

reutilização ou recuperação. A respeito da importação de resíduos, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF 101, proibiu a importação de pneus

usados. Ainda sobre o tema, um exemplo claro de injustiça ambiental internacional se refere a Gana, na África, que possui o maior lixão de

eletrônicos do mundo, vindos de países da Europa e Estados Unidos da América, podendo-se observar claramente a desigualdade existente entre Norte

e Sul no acesso a bens, na distribuição de riscos ambientais e na criação e

acirramento de vulnerabilidades. Sobre o tema, vide também Lisboa (2009).

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130

A injustiça ambiental é um fenômeno de imposição

desproporcional dos riscos ambientais às populações menos dotadas de

recursos financeiros, políticos e informacionais35

. Assim, a noção de

justiça ambiental implica o direito a um meio ambiente seguro, sadio e

produtivo para todos, considerando o meio ambiente em sua totalidade,

como destacado anteriormente (ACSELRAD, 2009).

No Brasil, foi criada a Rede Brasileira de Justiça Ambiental, em

2001, que definiu injustiça ambiental como o mecanismo pelo qual

sociedades desiguais, econômica e socialmente, destinam a maior carga

dos danos ambientais do desenvolvimento às populações de baixa renda,

aos grupos raciais discriminados, aos povos étnicos tradicionais, aos

bairros operários e às populações marginalizadas e vulneráveis.

As lutas por justiça ambiental combinam, assim, a defesa dos

direitos a ambientes culturalmente específicos (comunidades e povos

tradicionais), a defesa dos direitos a uma proteção ambiental equânime

contra a segregação socioterritorial, a desigualdade ambiental

promovida pelo mercado e a defesa dos direitos de acesso equânime aos

recursos naturais (ACSELRAD, 2009).

A Rede Brasileira ressalta que ainda há pouca pesquisa e

indicadores acerca da desigualdade ambiental no Brasil36

(ACSELRAD,

2009). Contudo, apesar do Movimento de Justiça Ambiental, como

organização em busca por melhor distribuição de riscos e recursos

ambientais ter surgido nos Estados Unidos da América, não é recente a

reivindicação de grupos por acesso a recursos, saúde, saneamento. Mais

importante que identificar o movimento no Brasil é expor seu histórico

de lutas com os países que enfrentam situações semelhantes, os países

do Sul, africanos e latino-americanos.

Nota-se que a questão da justiça ambiental se relaciona com a

vulnerabilidade econômica e social de alguns grupos que, por não

possuírem recursos ou porque suas demandas não recebem o

reconhecimento necessário, estão sujeitos de forma mais acentuada aos

riscos e efeitos da degradação ambiental.

35

Sobre o conceito de pessoa necessitada em termos (socio)ambientais, vide

FENSTERSEIFER, Tiago. A legitimidade da defensoria pública para a ação civil pública ambiental e a condição de pessoa necessitada em termos

(socio)ambientais: uma questão de acesso à justiça (socio)ambiental. 2010. 36 Sobre o contexto brasileiro, vide Mapa de conflitos envolvendo injustiça

ambiental e Saúde no Brasil . Disponível em:

http://www.conflitoambiental.icict.fiocruz.br/. Acesso em: 12 mar. 2016.

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131

Contudo, a vulnerabilidade social de grupos marginalizados não

ocorre apenas pela falta de recursos, mas também pela falta de

informação e conhecimento acerca dos riscos a que estão expostos.

As teorias que consideram apenas a justiça distributiva de riscos

não conseguem abarcar toda a complexidade dos problemas sociais e

ecológicos advindos de uma situação de injustiça. Urge a superação da

justiça distributiva, que ignora muitos elementos importantes para a

apreensão de injustiças, para construir uma compreensão a partir da luta

moral impulsionada por processos de recusa por reconhecimento, tese

defendida por Baggio (2014).

Para Baggio (2014), o problema de se tratar a justiça social a

partir da perspectiva distributiva é que os juízos sociais se vinculam à

análise sobre o que, quanto e como as pessoas têm, sendo necessário

trabalhar o conceito a partir da opressão e da dominação. Assim, a

autora explica que a teoria do reconhecimento de Honneth entende a

ausência de uma distribuição justa como indicativa de uma experiência

de desrespeito que caracteriza um processo de negação dos padrões de

reconhecimento.

Nesse contexto, há um elemento comum entre as manifestações

reivindicatórias ao longo da história ocidental, caracterizada pela ofensa

moral da condição de existência de pessoas ou grupos, e também a

violação das expectativas de alcançar uma situação de reconhecimento

social que se considera legítima em termos morais e que, ao ser negada,

se transforma em motor da organização popular. Assim, as situações

caracterizadas como geradoras de injustiças ambientais podem ser

identificadas, geralmente, pela presença de dois fatores: um processo de

degradação ambiental e um processo de exclusão social, consequência

daquele (BAGGIO, 2014)

A insuficiência das concepções clássicas de justiça também é

objeto de pesquisa de Nussbaum (2013), que identifica falhas na teoria

de justiça contratualista de Rawls, que não inclui as pessoas com

deficiência, a justiça global e os animais não humanos, por não poderem

retribuir à vantagem mútua buscada pelos homens livres, iguais e

independentes, ao saírem do estado de natureza e buscarem uma

cooperação, entendida como mais vantajosa a não-cooperação.

Seu entendimento sobre a necessidade de uma justiça transnacional, em virtude das desigualdades globais, se coaduna com o

exposto nas relações Norte/Sul e na necessidade de fortalecimento da

cooperação, da solidariedade, do diálogo, da interação entre os diversos

atores. Já sua inclusão dos animais não-humanos, embora não vá além

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132

em sua teoria para incluir a natureza como sujeito do contrato, se refere

ao conceito de justiça ecológica aqui trabalhado.

A busca por justiça ecológica é distinta da mera busca por

justiça social e a preocupação com o mundo não humano é essencial

para a ética proposta no Estado ambiental (BOSSELMANN, 2015). O

conceito de justiça ambiental só se vincula às inequidades geradas no

plano social, diferentemente do que se busca ao elevar a natureza como

sujeito de direitos, contemplando, pois, todas as formas de vida, como o

fazem as novas constituições latino-americanas, em um giro biocêntrico

de busca por justiça (WILHELMI, 2013).

Adota-se o conceito de justiça ecológica, na busca do Estado

ambiental por justiça, que se dá em virtude da definição de

sustentabilidade aqui abordada, como proteção dos processos

ecológicos. Salienta-se que a diferença nos entre justiça ecológica e

ambiental é meramente conceitual, correspondendo a diferentes

estratégias ou correntes de proteção, não sendo necessário optar

expressamente por uma delas, tendo em vista que buscam

fundamentalmente justiça.

Não se afirma aqui que os interesses ecológicos devem estar

acima dos humanos, mas se considera simplesmente que os humanos

estão inseridos nos ecológicos, pois fazem parte do ecossistema e da

complexidade da vida.

O Estado ambiental, ao incluir em seus deveres de proteção não

somente os humanos, mas a natureza e todas as formas de vida, além de

incluir a natureza como sujeito, busca concretizar a justiça ecológica, no

sentido aqui exposto e entendendo este conceito como uma estratégia de

proteção que incluía novos sujeitos de direito.

3.7 A FALÊNCIA DO ESTADO BRASILEIRO NA PROTEÇÃO DO

MEIO AMBIENTE

Após o estudo da teoria do Estado ambiental e depois de

identificado o contexto atual de crise ecológica, é necessário justificar a

importância da compreensão desta teoria na atualidade, em especial no

Brasil e tecer algumas críticas à proteção do meio ambiente perpetrada

pelo Estado brasileiro. O Estado, com seus elementos e objetivos tradicionais, não

consegue proteger o meio ambiente. Isto é evidente pela crise ecológica

enfrentada, que demonstra a falência na proteção ambiental.

Os Estados do mundo atuais, como um todo, falharam na

proteção do meio ambiente. Esta afirmação categórica, não considerada

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133

aqui como uma generalização exagerada, entende o meio ambiente

como bem global, que não respeita fronteiras estabelecidas pelo ser

humano para formação dos respectivos Estados. A razão para esta

afirmação é a existência real de uma grave crise ecológica, que coloca

em risco a sobrevivência da humanidade e do planeta.

Em relação ao Brasil, em particular, esta falência é notória, o

que pode ser demonstrado com diversos dados. Segundo o Ministério do

Meio Ambiente, o Brasil é atualmente o maior consumidor de

agrotóxicos do mundo!37

Conforme o Ministério, os agrotóxicos são

extremamente relevantes para o modelo de desenvolvimento agrícola

adotado no país. A atividade agrícola, uma das principais do país, é

baseada em um modelo de produtividade, em grandes monoculturas

para exportação, cuja produção em larga escala e utilizando extensões

de terra tão grandes ocasionam inúmeros problemas sociais e

ambientais.

Um deles é a produção excessiva de alimentos para ração

animal, em especial a soja, pois o Brasil é atualmente o maior produtor

do grão no mundo. Em todo o mundo, 85% da soja é processada para

obtenção de farinha e de óleo, sendo que 90% da farinha é usada para

produção de ração para animais (MACDONALD, 2012).

Nesse contexto, observa-se que a população brasileira e o meio

ambiente estão sendo contaminados com quantidades excessivas de

agrotóxicos sem a conscientização das instâncias políticas e da

sociedade enquanto consumidores, pois o Estado considera este modelo

de monocultura para exportação ideal para o país, com a utilização de

grandes extensões de terras agricultáveis, as quais poderiam ser

utilizadas para cultivar alimentos de forma sustentável para alimentação

humana direta, por exemplo38

.

Outro exemplo claro que demonstra esta falência são as

mudanças climáticas, que impactam negativamente amplos setores

naturais e humanos, inclusive alimentação e disponibilidade de água

potável.

As emissões de gases de efeito estufa – GEEs do Brasil são, em

sua maioria, advindas do desflorestamento e das queimadas, com

37

Disponivel em: <http://www.mma.gov.br/seguranca-quimica/agrotoxicos>. Acesso em 19 jun. 2015. 38

Sobre o uso de agrotóxicos no Brasil, vide: CODONHO, Maria Leonor Paes Cavalcanti Ferreira. Desafios para a concretização da agricultura sustentável

no Brasil: uma contribuição do direito para a regulação do uso de agrotóxicos.

São Paulo: Instituto O Direito por um Planeta Verde, 2014.

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destaque para Amazônia e Cerrado, que respondem por mais de 75%

das emissões, destinados à expansão da pecuária e do plantio de soja

(IBGE, 2010). Os efeitos causados levam a uma modificação no sistema

pluvial, bem como incluem eventos extremos como secas e inundações e

efeitos graves na agricultura (IPCC, 2007), na qual o cultivo de soja será

o mais atingido (PBMC, 2015).

A preocupação internacional com a redução de emissões levou

à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, em

1992, e ao Protocolo de Quioto, de 1997, pelo qual as partes deveriam

procurar limitar ou reduzir as emissões de gases de efeito estufa

(PROTOCOLO DE QUIOTO). O Protocolo entrou em vigor no dia 16

de fevereiro de 2005 e o Brasil ratificou o documento em 23 de agosto

de 2002, tendo sua aprovação interna se dado por meio do Decreto

Legislativo nº 144, de 2002.

O Brasil se comprometeu a diminuir suas emissões, instituindo

a Política Nacional sobre Mudança do Clima pela Lei nº 12.187/2009,

dispondo que, para alcançar os objetivos previstos na Lei, adota como

compromisso nacional voluntário ações de mitigação das emissões

visando reduzi-las entre 36,1% e 38,9% até 2020.

Contudo, de forma contraditória com a necessidade de proteção

do meio ambiente e de diminuição de desflorestamento, foi aprovada a

Lei nº 12.651/2012, que revogou a Lei nº 4.771/1965, antigo Código

Florestal, diminuindo a proteção de áreas de preservação permanente,

em especial nas margens dos rios.

Em recente decisão do Supremo Tribunal Federal, o Ministro

Luiz Fux, em 11 de junho de 2015, reconheceu a relação direta entre a

crise hídrica enfrentada na região Sudeste e o desmatamento, oficiando

os estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo

para que estabeleçam metas acima das definidas pela Lei nº 12.651/2012

para a restauração florestal em áreas de preservação permanente,

colocando em evidência que os níveis estabelecidos pela Lei para

preservação dos processos ecológicos estão abaixo do mínimo ecológico

existencial e representam um flagrante retrocesso.

O Estado brasileiro se impôs pela Constituição Federal de 1988

o dever de proteger o meio ambiente e falhou, tanto pelo retrocesso

legislativo quanto pelas ações executivas que, ou causam degradação ambiental, como o absurdo da construção da usina hidrelétrica de Belo

Monte, no Pará39

, e a transposição do Rio São Francisco, ou não

impedem que aconteça, como na disponibilização de ínfimo orçamento

39

Sobre o tema, vide: http://www.xinguvivo.org.br/.

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135

para os órgãos de proteção integrantes do SISNAMA, como o IBAMA e

o ICMBio (sem falar nos órgãos estaduais e municipais, estes quase

inexistentes); e na falta de fiscalização.

Apesar dos inúmeros avanços que o ordenamento brasileiro teve

na proteção ambiental, tanto na Constituição como na legislação

infraconstitucional, no contexto atual de grave crise ecológica, de

mudanças climáticas e de agonia planetária, esses retrocessos

gravíssimos são irracionais e injustificáveis, demonstrando uma falta de

compromisso com a proteção dos ecossistemas. Salienta-se que a

flexibilização da legislação ambiental não ocorre apenas no âmbito

federal, mas de forma talvez até mais agressiva nos âmbitos estadual e

municipal.

Portanto, é possível afirmar que o Estado brasileiro falhou na

proteção do meio ambiente, em vista da crise do Estado moderno e da

democracia pela submissão dos poderes políticos ao mercado, colocando

em perigo os direitos e garantias fundamentais e a Constituição, que

perde sua força normativa.

A falta de organização do Estado e de responsabilidade

ambiental é flagrante. Contudo, tais ações não devem pautar as futuras e

instituir um pessimismo impeditivo de escolhas e atitudes mais

ecológicas que incentivem a luta por um meio ambiente sadio para

todos. Por tais motivos, o Estado brasileiro deve ter como uma meta a

ser alcançada o Estado ambiental, o que realça a importância da

compreensão desta teoria.

Isto porque, em momentos de crise econômica, ações voltadas à

proteção do meio ambiente são umas das primeiras a serem descartadas

ou relativizadas, não somente para cortar custos com fiscalização, mas

também para facilitar o aumento da exploração dos recursos naturais e

das instituições dominantes da política e da tecnociência para retomar

seus ideais de lucro.

Todos estes aspectos refletem a crise institucional, não só da

política, mas da democracia e do próprio Estado moderno, como esfera

pública destinada à defesa dos interesses gerais e como instituição

política separada da economia e em relação a esta heterônoma e

supraordenada. É uma crise também do Estado de direito, ou seja, da

subordinação ao Direito dos poderes públicos, cujas raízes estão nas próprias origens do Estado moderno (FERRAJOLI, 2015).

Além de o Estado de direito estar em crise, ele perde sua

legitimação, porque é incapaz, enquanto Estado, de resolver problemas

gravíssimos mundiais, dentre eles a ruptura do equilíbrio ecológico.

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Importante ressaltar que essa crise é do Estado moderno e

também do Estado democrático, que confunde democracia com o

princípio da maioria (FERRAJOLI, 2015), por não conseguir mais fazer

frente às demandas provenientes da sociedade e por ele mesmo

provocadas, e do Estado capitalista, que não consegue mais dominar o

poder dos grandes grupos de interesse em concorrência entre si. A crise

do Estado se refere, pois, conforme Bobbio (2007), à crise de um

determinado tipo de Estado, não seu fim.

Esta remoção dos ideais constitucionais é flagrante quanto à

proteção ambiental e ao direito fundamental ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, conforme observado nas atuais políticas

governamentais relacionadas, que restam desprotegidos pelo domínio do

mercado sobre a política e a tecnociência.

Com efeito, em um sistema de responsabilidades

compartilhadas, a missão é de todos e tem o Estado um papel

fundamental de educar para uma consciência ambiental e de orientar

suas instituições para uma sensibilização ecológica e concretização dos

princípios e normas constitucionais.

Daí a importância da atuação do poder público na

implementação da força normativa da Constituição ambiental, da qual

dependerá a concretização do programa jurídico-constitucional, tendo

em vista que qualquer Constituição do ambiente só terá força normativa

se os vários agentes (públicos e privados) atuantes no contexto

ambiental colocarem a proteção ambiental como fim e medida de suas

decisões (CANOTILHO, 2010).

Para atingir tais objetivos, o Estado ambiental deve ser um

modelo ideal a ser alcançado, ante a crise do Estado de direito moderno,

que falhou na proteção do meio ambiente, sendo necessária uma

reflexão acerca da estrutura e das características deste Estado e de seus

deveres de proteção.

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137

4 DIREITO E TECNOCIÊNCIA: A PROTEÇÃO DO MEIO

AMBIENTE FRENTE ÀS INCERTEZAS CIENTÍFICAS

Nos capítulos precedentes, procurou-se esboçar uma linha

argumentativa mais ampliada sobre os fundamentos teóricos e

conceituais tomados como base para esta dissertação, quais sejam: a

sociedade de risco e o Estado ambiental, a fim de demonstrar a partir de

qual olhar a problemática ambiental está sendo compreendida.

Como demonstrado, o Estado ambiental tem o dever de reduzir

os riscos existenciais, por meio do condicionamento das liberdades, do

uso e acesso a bens ambientais, o que se dá principalmente, mas não só,

por meio do licenciamento ambiental. Estes riscos são causados pelos

avanços da tecnociência, os quais são, contudo, ambivalentes, quer

dizer, criam riscos que degradam o meio ambiente e tornam possível a

autodestruição da humanidade, mas também trazem meios para sua

proteção e defesa.

A partir deste entendimento, constata-se que o Direito deve

lidar com os conhecimentos científicos e técnicos, necessários pela inter,

multi e transdisciplinariedade do direito ambiental, que demanda

soluções jurídicas satisfatórias para a gestão de riscos. Além deste

diálogo ser complexo, é dificultado pelo fato de que esses

conhecimentos são eivados de incertezas, fazendo com que devam ser

decididas questões pelas instituições jurídico-políticas com base em um

conhecimento especializado que não encontra consenso.

Neste contexto, o presente capítulo visa discutir o problema de

pesquisa proposto para esta investigação, sobre a relação existente entre

o Direito e a tecnociência e como o meio ambiente é protegido em

contextos de incertezas científicas, para viabilizar a adoção da melhor

tecnologia no licenciamento ambiental.

Já foram citadas brevemente as questões relacionadas às

incertezas científicas quando se abordou o princípio da precaução como

estruturante do Estado ambiental. Neste capítulo são tratadas de forma

mais profunda, no contexto da relação entre o Estado, o Direito e a

tecnociência.

Para tanto, entende-se importante iniciar a discussão pela

compreensão do que se entende por conhecimento válido e por ciência no mundo contemporâneo, trazendo autores da teoria do conhecimento e

da filosofia da ciência. Para entender o contexto atual de incertezas

científicas, é necessário entender, primeiramente, o que é considerado

conhecimento científico e, para que este conceito e suas críticas fiquem

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claras, o que é conhecimento. Para este objetivo, foi feito um breve

histórico dos principais filósofos e temas da teoria do conhecimento até

o mundo moderno, com foco na filosofia de Descartes (2011, 2013),

como marcos para o entendimento da filosofia atual, e presente também

nas ciências sociais. As principais teorias da filosofia da ciência foram

encontradas em Popper (1974), Bachelard (1978) e Kuhn (1998).

Não se desconhece a existência de diversos outros filósofos que

contribuíram para estes estudos, contudo, foi necessário fazer uma

escolha, baseada nos pensadores que são considerados mais relevantes,

tendo em vista que não é o objetivo do presente trabalho um estudo

profundo deste tema, mas demonstrar o caminho percorrido pela ciência

ocidental eurocêntrica até chegar ao momento atual de incertezas

científicas, com as quais o Estado e o Direito vigente têm que lidar.

Posteriormente, é feita uma investigação acerca da ideologia da

ciência tomada pelo Estado, presente na obra de Chatelêt e Pisier-

Kouchner (1981), para introduzir o problema pesquisado acerca da

relação existente entre a tecnociência e o Direito, com base na obra de

Pardo (1999, 2009).

Como elementos da relação existente entre o Direito e a

tecnociência, entende-se a limitação do direito à liberdade de pesquisa e

também esta investigação científica como um dever, correspondente a

uma das manifestações do Estado ambiental. Por fim, é visto o conceito

de normas técnicas e como se dá a remessa do Direito à tecnociência por

meio delas para, no último capítulo, estudar uma norma específica: a

melhor tecnologia disponível no licenciamento ambiental.

4.1 A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO NO MUNDO

MODERNO

Não é possível entender o contexto de incertezas científicas sem

que seja estudada a natureza do conhecimento científico e como se dá a

construção do conhecimento no mundo.

A teoria do conhecimento é pensada dentro da visão de mundo,

de uma interpretação da realidade, que predomina em um determinado

tempo e espaço. O modo como a humanidade lida com o conhecimento

influencia na sua concepção do entorno, o que influencia necessariamente na ideologia e na filosofia presentes na relação

homem/natureza.

Algumas questões são enfocadas pela teoria do conhecimento, a

saber: a possibilidade do conhecimento humano; a origem do

conhecimento, se a razão ou a experiência; a essência do conhecimento

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humano, se o objeto determina o sujeito ou o sujeito determina o objeto;

os tipos de conhecimento humano; e o critério pelo qual se determina o

critério de veracidade de um conhecimento (HESSEN, 1999).

No presente tópico, são abordadas apenas as duas primeiras

questões: a primeira, por servir de base e fundamento para todas as

outras, e a segunda, por se relacionar com a definição de conhecimento

científico.

Sobre a possibilidade do conhecimento humano, encontra-se o

dogmatismo e o ceticismo. Os pré-socráticos eram dogmáticos, ou seja,

encaravam o contato entre sujeito e objeto como auto-evidente, fazendo

com que o conhecimento não fosse considerado um problema e,

inspirados por uma confiança ingênua na eficiência da razão humana,

desconsideram o sujeito. O conhecimento se torna problema essencial

com os sofistas pelo diálogo entre eles e Sócrates. O ceticismo geral ou

absoluto, ao contrário, considera impossível para o sujeito apreender o

objeto, desconsiderando-o. Não tão radicais como o ceticismo, o

subjetivismo e o relativismo acreditam que há uma verdade, mas de

validade limitada (HESSEN, 1999).

A preocupação com o conhecimento remonta aos gregos, com

os filósofos pré-socráticos que procuravam conhecer a natureza sem

recorrer à mitologia, como Heráclito e Parmênides. Para Heráclito, a

verdade é uma mudança contínua, tudo está em permanente

transformação e os homens são enganados pelos sentidos quando

acreditam que algo permanece estável. Para explicar este fenômeno,

criam a teoria do Devir, que significa uma mudança constante, usando a

analogia do homem e do rio (o homem não se banha duas vezes num

mesmo rio). Há, assim, uma confiança nos sentidos, enquanto para

Parmênides o centro está na razão, por entender que, como o mundo está

em constante mudança, só é possível conhecer o que permanece idêntico

e imutável, não se iludindo com o apenas aparente (MACIEL JR.,

2007).

É possível observar nos filósofos pré-socráticos a diferença

entre empirismo e racionalismo, ou seja, que o conhecimento advém da

experiência ou essencialmente do pensamento, da razão, que perpassará

toda a discussão epistemológica.

Entre os filósofos pós-socráticos mais importantes, tem-se Platão como um racionalista, pois entendia que o saber genuíno se

distingue pela necessidade lógica e pela validade universal. Para ele,

existem quatro graus de conhecimento, sendo que somente por meio do

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raciocínio e da intuição intelectual pode-se atingir o conhecimento

verdadeiro, o que não ocorre com a crença e a opinião (HESSEN, 1999).

Já Aristóteles se concentra no conhecimento científico e no ser,

seu objeto. O filósofo considerava importante o conhecimento da

experiência e dos sentidos, os quais não são meras ilusões, como

afirmava Platão, mas afirmava que o conhecimento puramente sensível

seria o primeiro em uma escala de seis graus de conhecimento, na qual a

maior verdade está mais longe nesta escala: sensação, percepção,

imaginação, memória, raciocínio e intuição (puramente intelectual, ato

puro de pensamento). Sua filosofia é uma tentativa de mediação entre

racionalismo e empirismo, denominada intelectualismo: a experiência e

o pensamento são conjuntamente o fundamento do conhecimento

humano (HESSEN, 1999).

Já na Idade Média, a igreja católica detinha o monopólio do

conhecimento e era a guardiã da filosofia, razão pela qual o

conhecimento era dependente da fé. Para a filosofia cristã, a fé ilumina o

intelecto e serve de guia para o conhecimento. A sociedade tinha fé na

religião, considerada a detentora de toda a verdade.

Neste contexto, um marco importante na história do

conhecimento foi o surgimento da era moderna, que trouxe a noção de

explicação imanente, ou seja, o mundo se explicaria por si mesmo, por

leis próprias. Além da filosofia cartesiana, outro marco foi o

evolucionismo de Darwin, que excluía a hipótese divina para explicar o

surgimento da natureza. Houve o abandono do argumento de autoridade,

ou seja, de que Deus criou todas as coisas (DEMO, 2005).

No início da Idade Moderna, a filosofia se volta, assim, para as

questões aristotélicas, com Descartes, Espinosa e Leibniz, orientando-se

para um sentido objetivo do conhecimento sobre o mundo, ao contrário

de Kant, que revive o tipo platônico, assumindo a filosofia um caráter de

auto-reflexão, aparecendo primordialmente como teoria do

conhecimento e como fundamentação crítica do conhecimento científico

(HESSEN, 1999).

Houve, neste momento, uma mudança profunda, influenciada

sobremaneira pelo pensamento de Descartes, que permanece atual,

principalmente quanto à relação do homem com a natureza, conforme

demonstrado no segundo capítulo. Na era moderna, pois, os filósofos contestaram o pensamento cristão sobre o conhecimento, levando a uma

separação da fé e da razão, destinadas a conhecimentos diferentes.

Em meio às dúvidas e ao abalo das instituições na época do

Renascimento, Descartes (2011) escreve sobre uma ciência fundada

sobre princípios evidentes e conclusões que não possam ser colocadas

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em dúvida, livrando-se, para tanto, das opiniões antigas e pré-

concebidas sem que se raciocine sobre elas e dos preconceitos que

impedem o uso da razão. Aqui se está diante do segundo problema da

teoria do conhecimento, qual seja, de sua origem: razão ou experiência.

Descartes (2011) desconfia dos sentidos como principais meios

de acesso ao conhecimento, pois para ele o pensamento deve prevalecer.

Os sentidos são instrumentos pelos quais o corpo se nutre de

informações, no entanto, o pensamento deve realizar o “tratamento” das

informações que lhe chega.

Em suas meditações, Descartes (2011) realiza uma tarefa

destrutiva, pois a dúvida ataca tudo aquilo que se pode conhecer por

meio dos sentidos, pois o sujeito recebera tudo até o momento como

verdadeiro e seguro pelos sentidos e experimentou que algumas dessas

coisas eram falsas, não podendo confiar, portanto, inteiramente em algo

que já o enganara antes. Assim, duvida das coisas exteriores e do

próprio corpo.

Tal dúvida é provisória e leva ao indubitável, sendo considerada

uma prática de liberdade do conhecimento, pois necessário para se

conhecer a verdade de uma constante força de vontade, retornando

sempre as opiniões antigas à mente do filósofo.

É nessa linha de raciocínio que Descartes (2011) encontra a

primeira verdade: mesmo que seja enganado pelos sentidos, ainda assim

será algo, pois se duvida, se persuade, se pensa é porque existe. Se

existe um ser muito potente e mais astuto e que faz de tudo para enganar

o filósofo, não há dúvida de que ele é, pois se o ser o engana, não poderá

fazer com que o filósofo não seja enquanto pensar que é alguma coisa.

Portanto, Descartes conclui que a proposição “Eu sou, eu existo” é

necessariamente verdadeira todas as vezes em que a pronuncia e pensa

conscientemente nela: “sou uma coisa que pensa”. Assim, a sentença

“penso, logo existo” é considerada por Descartes (2013) como o

primeiro princípio da filosofia.

Descartes (2011) diz que, no próprio espírito, existem mais

coisas que podem contribuir para o conhecimento da natureza das coisas

do que as que dependem do corpo. As coisas são conhecidas mais pela

concepção delas no pensamento do que pelos sentidos, concluindo que

não há nada que seja mais fácil de conhecer do que seu próprio espírito, visto que ele precede a existência e a percepção das coisas materiais.

Assim, Descartes (2011) traz a separação do sujeito e do objeto

do conhecimento ao concluir que aquilo que pensa (o sujeito), chamado

de Cogito é alguma coisa diferente daquilo que é pensado, ou seja, o

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objeto. A filosofia cartesiana é assim chamada de racionalista,

mostrando não só a separação entre sujeito e objeto como também a

autonomia do pensamento.

O conhecimento, para Descartes (2011), seria o bem conceber

uma coisa, ou seja, concebê-la clara e distintamente, a fim de verificar

se é verdadeira e não ser induzido ao erro pelos sentidos, fazendo uma

análise de todos os aspectos possíveis para que se possa conceber uma

ideia clara e distinta na mente.

A definição ou conceituação clara da coisa ou objeto viria

apenas com o entendimento, com o pensamento racional, despido das

falsas impressões dos sentidos e das fantasiosas impressões da

imaginação.

Essa atenção que se coloca sobre o objeto e que pode levar a

conceber uma coisa como clara e distinta, ou como confusa e obscura, é

objeto do método proposto por Descartes (2013), utilizado para bem

conduzir a razão e buscar a verdade nas ciências. Tal método ocorre em

uma ordem geométrica, pela qual a meditação deve passar por uma

ordem de graus das noções que forem encontradas primeiro e,

posteriormente, para aquelas que poderá encontrar depois. Necessário,

pois, dividir todos os pensamentos em gêneros e determinar em quais

desses há verdade ou erro.

O método passa por quatro princípios: não aceitar jamais

alguma coisa como verdadeira sem não se conhecer evidentemente

como tal; dividir cada uma das dificuldades examinadas em tantas

parcelas possíveis e necessárias para melhor resolvê-las; conduzir os

pensamentos por ordem, começando pelos objetos mais simples e fáceis

de conhecer e subir por degraus até o conhecimento dos mais

compostos; e fazer, em toda parte, enumerações tão completas e

revisões tão gerais que se tenha certeza de nada ter omitido

(DESCARTES, 2013).

A boa concepção de uma coisa deve, necessariamente, passar

pelos rigores do método, a fim de afastar quaisquer erros advindos das

interpretações enganosas obtidas por meio dos sentidos.

Neste contexto, impõe-se como regra geral que as coisas

concebidas de maneira muito clara e distinta são todas verdadeiras.

Logo, para Descartes (2013), o conhecimento advindo da experiência é enganoso, devendo advir, portanto, sempre da razão.

De modo diverso de Descartes, Locke, em 1960, inaugura a

teoria do conhecimento de forma independente, propondo-se a

investigar a capacidade humana de conhecer e a origem, essência e

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certeza de suas ideias, ao qual se seguiram filósofos como Leibniz,

Berkeley e Hume (HESSEN, 1999).

Locke é empirista, quer dizer, acredita que só se pode chegar ao

conhecimento verdadeiro por meio da experiência, pois seriam os

sentidos os guias da descoberta das verdades autênticas, não existindo

princípios inatos na mente. Acredita que a mente humana é um papel em

branco, desprovida de caracteres e sem nenhuma ideia, apreendendo os

materiais da razão e do conhecimento pela experiência, fundamento de

todo conhecimento e da qual ele deriva. Assim, considera o

conhecimento como a “percepção da conexão e acordo, ou desacordo e

rejeição, de quaisquer de nossas ideias” (LOCKE, 1999, p. 211).

Admite, contudo, verdades a priori, como as verdades matemáticas, cujo

fundamento de validade é o pensamento (HESSEN, 1999).

Kant, por outro lado, aparece como o verdadeiro fundador da

teoria do conhecimento na Europa continental, ao tentar fornecer uma

fundamentação crítica ao conhecimento das ciências naturais, utilizando

o método transcendental, ou seja, investiga a validade lógica do

conhecimento. Sua filosofia não é nem dogmática nem cética, mas

crítica, ou seja, está convencido de que o conhecimento é possível e que

a verdade existe, mas desconfia de qualquer conhecimento determinado

(HESSEN, 1999).

Kant (2012) procura responder sobre a razão humana e seus

limites, distinguindo as formas de saber: o conhecimento empírico, que

tem a ver com as percepções dos sentidos – posteriores à experiência; e

o conhecimento puro, que não depende dos sentidos ou da experiência –

a priori, universais e necessários.

Assim, Kant examina antes o próprio conhecimento e suas

possibilidades, propondo um campo de investigação que denomina

transcendental, ou seja, além da empiria. Para ele, o conhecimento não

pode prescindir da experiência, que fornece material cognoscível,

coincidindo, neste ponto com o empirismo. Contudo, entende também

que o conhecimento de base empírica não pode prescindir de elementos

racionais, só adquirindo validade universal quando os dados sensoriais

são ordenados pela razão (KOLAKOWSKI, 2009).

Kant (2012) divide os juízos em analíticos e sintéticos. Os

juízos analíticos apenas analisam o que já estava dito, obedecendo tão somente ao princípio lógico de não-contradição, não dependendo de

nenhuma experiência, portanto, a priori. Já os juízos sintéticos ampliam

o conhecimento, pois realizam sínteses, compondo ou unificando vários

elementos, dependendo da experiência sensível, portanto, a posteriori. O

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144

que Kant busca são os juízos sintéticos a priori, ou seja, que ampliam o

conhecimento e não dependem da experiência.

Para o filósofo alemão, o conhecimento começa com a

experiência, mas não necessariamente se origina nela, porque a

experiência pressupõe o sujeito como condição de sua possibilidade, que

deve apresentar capacidades ou faculdades que possibilitem a

experiência e o próprio conhecimento. A primeira dessas faculdades é a

sensibilidade (estética), que representa a capacidade de obter

representações, que se dão de modo imediato pela intuição (KANT,

2012).

Kant (2012) afirma que o conhecimento só pode provir da

intuição, que representa o objeto de modo imediato, e dos conceitos,

com os quais as representações são pensadas. Assim, não é a experiência

que torna possíveis os conceitos a que correspondem os objetos da

física, ao contrário, são os conceitos – puros do entendimento – que

tornam possível toda a experiência, pois a experiência não se refere à

sensação causada quando a sensibilidade é afetada por um objeto, mas

àquilo que se torna possível pelo entendimento que é seu autor.

Em relação ao objeto da experiência, não é possível determinar

o que é o objeto em si, pois só se pode conhecer o que aparece ao sujeito

como fenômeno (aparência). A coisa em si – númeno, em oposição ao

fenômeno – não pode ser conhecida, pois está além de toda a

experiência sensível (KANT, 2012).

É possível observar, nesta breve introdução aos filósofos da

teoria do conhecimento até a modernidade, que a filosofia e a ciência

eram interligadas, sendo que as origens do saber científico se

confundem com as origens da filosofia. A ciência moderna representou

uma ruptura com a filosofia contemplativa, interessando-se no

conhecimento de intervir na natureza e dominá-la.

Em Kant (2012), é possível verificar este aspecto, ao afirmar

que a razão se aproxima da natureza não como um aluno que ouve o que

o professor tem a dizer, mas sim como um juiz que obriga a testemunha

a responder questões que ele formulou.

Para os filósofos da época, a razão só poderia compreender

aquilo que ela mesma produz, conforme um plano que ela mesma

elaborou, não podendo se deixar arrastar pela natureza, mas sim mostrar o caminho, obrigando-a a responder às questões propostas pela razão

(ALVES, 1981).

É neste contexto que o conhecimento científico e as ciências

ditas duras, a física e a química, se desenvolvem. Seu otimismo se

estende ainda às ciências humanas, pois a física era considerada o

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modelo de ciência para a época. Contudo, descobertas do século XX

revolucionaram a teoria do conhecimento e começaram a questionar

sobre o sentido e os limites das ciências.

Para compreender a crise do conhecimento científico, é

necessário, pois, entender qual o conceito deste tipo de conhecimento e

como ele se erigiu ao único válido, rejeitando as demais formas de

conhecimento consideradas não-científicas.

4.2 CONHECIMENTO CIENTÍFICO X CONHECIMENTO NÃO

CIENTÍFICO

Verificados os principais pensadores da teoria do conhecimento

do mundo moderno e os principais questionamentos sobre o

conhecimento, passa-se agora à discussão sobre o que se compreende

por conhecimento científico, pelo estudo dos principais filósofos da

ciência do século XX: Popper (1974), Bachelard (1978) e Kuhn (1998).

Científico é considerado o conhecimento metódico ou o

questionamento sistemático, feito por um processo de elaboração

argumentada, não sendo, logo, um fim em si mesmo. Identifica-se a

ciência com o próprio método científico. Afirma-se que a dúvida é a

parte central da ciência sendo, pois, impossível fazer ciência sem

polêmica (DEMO, 1994).

Assim, todo conhecimento científico possui validade universal,

identificando-se com o conhecimento válido (HESSEN, 1999). O

discurso científico tem a intenção declarada de produzir conhecimento

em uma busca sem fim da verdade e, ao entrar no mundo constituído

pela linguagem da ciência, cerca-se por questões epistemológicas, quer

dizer, o decisivo é a relação entre o discurso e seu objeto, em cuja

relação existe a verdade (ALVES, 1981).

A ciência entendida nesses parâmetros é, atualmente, altamente

considerada, havendo, aparentemente, uma crença amplamente aceita de

que há algo de especial a respeito da ciência e de seus métodos. “A

atribuição do termo ‘científico’ a alguma afirmação, linha de raciocínio

ou peça de pesquisa é feita de um modo que pretende implicar algum

tipo de mérito ou um tipo especial de confiabilidade” (CHALMERS,

1993, p. 16). O neopositivismo, positivismo lógico ou empirismo lógico,

criado pelos cientistas do Círculo de Viena, na década de 1920,

pretendeu formar uma concepção científica do mundo, estabelecendo a

verificabilidade para validar uma teoria científica. Nesta concepção, não

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há espaço para a imaginação, mas apenas para o empirismo e para os

fatos, passando os cientistas a imaginar que pensam de maneira

diferente dos homens comuns (senso comum, repleto de emoções e

desejos), ao contrário da objetividade positivista e da arrogância do

cientista. Contudo, se no início parecia que apresentavam caminhos

seguros e metodologicamente definidos, passa-se à ausência de método

para a construção de teorias, à inexistência de alicerces (ALVES, 1981).

Popper (1974), um dos principais filósofos da ciência do século

XX, criticou o critério da verificabilidade do Círculo de Viena,

indicando o critério da não refutabilidade ou falseabilidade.

Importante aspecto de sua teoria é a forte crítica ao indutivismo,

ou seja, do conhecimento advindo da experiência. O filósofo contesta a

concepção, até então amplamente aceita, de que a lógica da pesquisa

científica se identificaria com a lógica indutivista, com a análise lógica

dos métodos indutivos (POPPER, 1974).

Popper (1974, p. 28) apresenta o problema da indução, ou

problema de Hume, sobre a “indagação acerca da validade ou verdade

de enunciados universais que encontram base na experiência, tais como

as hipóteses e os sistemas teóricos das ciências empíricas”. Para ele, de

uma experiência ou do resultado de um experimento só se pode chegar a

um enunciado singular e não a um universal, conduzindo a indução a

incoerências lógicas e a uma regressão infinita ou ao apriorismo.

Discorda ainda de Kant, cujo princípio da causação universal seria uma

engenhosa tentativa de que os enunciados sintéticos tenham êxito por

uma fundamentação a priori.

Popper (1974) entende que o trabalho do cientista é elaborar

teorias e colocá-las à prova, uma vez que não são verificáveis, mas

podem ser corroboradas. Não existe um método lógico de conceber

ideias ou de reconstruir logicamente esse processo; toda descoberta

encerra um elemento irracional ou uma intuição criadora. Após passar

por quatro diferentes linhas, submete-se a teoria à prova; se as

conclusões singulares se mostrarem aceitáveis ou comprovadas, a teoria

terá, pelo menos provisoriamente, passado pela prova e não será

rejeitada, mas, se a decisão for negativa, ou seja, suas conclusões foram

falseadas, falsearão a teoria. Na medida em que a teoria resista a provas

pormenorizadas e severas e não seja suplantada por outras, no curso do progresso científico, diz-se que comprovou sua qualidade ou foi

corroborada pela experiência passada, isso tudo em uma lógica dedutiva.

Como visto, o problema da demarcação é o mais importante

para Popper, é o de estabelecer um critério que habilite a distinguir entre

as ciências empíricas dos sistemas metafísicos ou problema de Kant.

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147

Para ele, o critério da demarcação não deve ser a verificabilidade, mas a

falseabilidade de um sistema, suscetíveis de se verem submetidas à

prova e não justificáveis ou verificáveis; todo enunciado científico deve

ser capaz de ser submetido a teste (POPPER, 1974).

A ciência empírica é caracterizada por seus métodos, pela

maneira de manipulação de sistemas científicos. Toda observação é

precedida de expectativas e hipóteses, sendo o papel da ciência apenas

investigar os métodos empregados para teste de toda nova teoria,

baseando-se em teste e refutação de erros. Para Popper (1974, p. 305),

“a ciência não é um sistema de enunciados certos ou bem estabelecidos,

nem é um sistema que avance continuamente em direção a um estado de

finalidade”, uma vez que “não é conhecimento (episteme): ela jamais

pode proclamar haver atingido a verdade ou um substituto da verdade,

como a probabilidade”, ou seja, “[...] será sempre questão de decisão ou

de convenção saber o que deve ser denominado ‘ciência’ e quem deve

ser chamado ‘cientista’” (POPPER, 1974, p. 55).

Bachelard (1978), outro crítico do positivismo, entende que a

física contemporânea trouxe uma ruptura epistemológica e que as

conquistas científicas do século XX representam uma criação, um novo

espírito científico. Para ele, as ciências físicas e químicas

contemporâneas rompem com o conhecimento vulgar, exigindo o

trabalho científico que o investigador crie dificuldades reais. Critica

também o cartesianismo, a visão única, o isolamento de um objeto

único, que perde suas propriedades substanciais (BACHELARD, 2006).

Para ele, o estudo da história da ciência é de grande importância

para a análise da própria racionalidade. Assim, o saber científico não é

contínuo, mas se faz por meio de rupturas, descontinuidades, assim

como a física quântica, que não tem antepassados, pois rompeu com a

evolução história. Salienta ainda a associação da criatividade com a

experiência, em uma dialética movida pela contínua modificação de

conceitos (BACHELARD, 1978; 2006).

Também indicando um novo caminho para o conhecimento

científico, Kuhn (1998) critica o conceito de ciência como técnica de

manipulação de dados. Para ele, a ciência não se desenvolve pelo

acúmulo de descobertas e invenções individuais, mas por meio de

revoluções científicas, “episódios de desenvolvimento não cumulativo, nos quais um paradigma mais antigo é total ou parcialmente substituído

por um novo, incompatível com o anterior” (KUHN, 1998, p. 125).

O paradigma é um conjunto de “realizações científicas

universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem

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problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de

uma ciência” (KUHN, 1998, p. 13); quer dizer, a pesquisa é baseada em

realizações científicas passadas, reconhecidas por algum tempo por

alguma comunidade científica específica.

Com as pesquisas realizadas dentro de um paradigma, são

encontradas anomalias, as quais, quando os membros da comunidade

não mais conseguem delas se esquivar, subvertem a tradição existente

da prática científica por meio de uma revolução, abandonando o

paradigma anterior e aceitando o novo, que deve parecer melhor que as

teorias competidoras, mas não precisa explicar todos os fatos com os

quais pode ser confrontada. O novo paradigma coloca, então, os

problemas a serem resolvidos pela comunidade científica, implicando

em uma mudança das regras e dos trabalhos concluídos com sucesso,

baseados no paradigma anterior. Por este motivo é que uma nova teoria

quase nunca é um mero incremento ao já conhecido e é raramente

completada por um único cientista, e nunca de um dia para o outro. Sua

assimilação requer a reconstrução da teoria precedente e a reavaliação

dos fatos anteriores (KUHN, 1998).

Observa-se, por todo o exposto, que o conhecimento cientifico

possui falhas, não é detentor da verdade como se pensava anteriormente,

e que a concepção reducionista e fragmentada de ciência não consegue

compreender que os fenômenos que constituem a natureza são

hipercomplexos, bem como as limitações que o próprio conhecimento

humano enfrenta (LISBOA, 2009)

Após o entendimento da discussão acerca dos elementos que

caracterizam o conhecimento científico, passa-se a verificar o que não é

considerado conhecimento científico. Não há consenso na nomenclatura,

mas o fundamento geral é o mesmo: o conhecimento científico é o único

válido.

Geralmente, conhecimentos não entendidos como ciência são: o

senso comum, considerado ingênuo e que acredita sem discutir, e a

ideologia, por seu caráter justificador (ALVES, 1981). Outras formas de

conhecimento encontradas na doutrina são ainda o filosófico e o

religioso (LAKATOS; MARCONI, 2003).

O senso comum, também chamado bom-senso, conhecimento

vulgar ou popular, é entendido pelo conhecimento científico como aquele de racionalidade limitada, estreitamente vinculada à percepção e

à ação e que não pode conseguir mais do que uma objetividade limitada.

É o modo comum, corrente e espontâneo de conhecer, adquirido no trato

direto com as coisas e os seres vivos (LAKATOS; MARCONI, 2003).

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São consideradas características do senso comum:

superficialidade, pois se conforma com a aparência; sensitividade, pois

se refere a vivências, estados de ânimo e emoções da vida diária;

subjetividade, organizando o sujeito suas experiências e conhecimentos,

os adquiridos por vivência própria e os que ouviu dizer;

assistematicidade, uma vez que não visa a uma sistematização das

ideias, nem em como adquiri-las nem validá-las; e acriticidade, por não

terem a pretensão de serem verdadeiros ou não (LAKATOS;

MARCONI, 2003).

Percebe-se que a diferenciação que se faz entre o conhecimento

científico e o não-científico é no sentido de elevar o primeiro ao

conhecimento válido, sistemático, racional, crítico; enquanto o segundo

é aquele sem método, sem reflexão, acrítico, limitado e até irracional. O

conhecimento científico elevado ao único provido de valor é aquele

ocidental, eurocêntrico, que confere a quem o detém o poder de induzir

comportamentos e de se autoproclamar o melhor dentre os demais.

O conhecimento popular ou senso-comum é o considerado

típico de camponeses, povos indígenas e comunidades tradicionais, ou

seja, do Sul. Contudo, embora não considerado pela maioria dos

estudiosos como conhecimento científico, é tão válido e importante

quanto, diferindo apenas na formação deste conhecimento e nos seus

atores. Ademais, podem ser sim considerados formas de conhecimento

científico.

Até agora, falou-se de teoria do conhecimento e de filosofia da

ciência com base na visão ocidental e eurocêntrica, não considerando

autores e conhecimentos diversos e contra-hegemônicos.

Isto porque a filosofia atual é a que está presente no

ordenamento jurídico brasileiro e é o considerado para critérios de

gestão de riscos e padrão de pesquisa tanto nos órgãos e instituições de

incentivo, quanto nas universidades e instituições de ensino. Neste

momento, passa-se a questionar o conhecimento científico e a

consideração desses conhecimentos do Sul como não válidos, pela

doutrina de Santos (2010).

Conforme Santos (2010), as teorias elaboradas no Norte não

servem necessariamente para analisar as realizadas no Sul. Essas teorias

eurocêntricas ignoram e consideram como inexistentes as experiências e os saberes produzidos no Sul, ou seja, não produzidos conforme a

ciência ocidental, que se autoproclama universal e válida, e considerou

como improdutiva ou estéril toda forma de vida social ou uso da terra ou

relação com a natureza que não corresponda à lógica de produção para o

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mercado, em seus múltiplos contextos, povos e culturas. Condenaram

como atrasados ou primitivos esses conhecimentos e estereotiparam os

povos e pessoas desse conhecimento como inferiores, por meio de

técnicas racistas e sexistas pela suposta superioridade construída para

legitimar o colonialismo.

O conhecimento dos povos originários – comunidades nativas

ou campesinas, expressões utilizadas por Santos (2010) – embora

chamado de ignorante, por ter formas de conhecimento diversos da

ciência ocidental, é apropriado por laboratórios farmacêuticos, sem o

devido reconhecimento de seus detentores. Seus conhecimentos e modo

de vida são desqualificados por terem outras formas de produzir

conhecimento e se relacionar com a natureza, que resiste a mercantilizar

sua vida e hipotecar todo seu futuro ao capital.

Assim, estas experiências e estes saberes complexos, nos quais

coexistem diversas formas de conhecimentos e aprendizagens, são

chamadas por Santos (2010) de “epistemologia do Sul”, consistente no

reclamo por novos processos de produção e de valoração de

conhecimentos válidos, científicos e não científicos, e novas relações

entre diferentes tipos de conhecimentos, a partir de práticas das classes e

grupos sociais que sofreram injustas desigualdades e discriminações

causadas pelo capitalismo e pelo colonialismo de forma sistemática.

O Sul global, a que se refere Santos (2010), não o é no conceito

geográfico, embora a grande maioria destas populações vivam em países

do hemisfério Sul. É uma metáfora do sofrimento humano causado pelo

capitalismo e pelo colonialismo em escala global, e de sua resistência

para superá-lo e minimizá-lo. É por isso que é um Sul anticapitalista,

anticolonial e anti-imperialista, que existe também no Norte, em suas

populações excluídas, silenciadas e marginalizadas.

São duas as premissas de uma epistemologia do Sul: que a

compreensão do mundo é muito mais ampla que a compreensão

ocidental do mundo; e que a diversidade do mundo é infinita, incluindo

modos muito distintos de ser, pensar e sentir, conceber o tempo, a

relação entre seres humanos e entre humanos e não humanos, de olhar o

passado e o futuro, de organizar coletivamente a vida, a produção de

bens e serviços e o ócio (SANTOS, 2010).

É uma imensidade de alternativas de vida, convivência e interação com o mundo, que são desperdiçadas pelos conceitos e teorias

do Norte global e seu uso no mundo acadêmico, não necessitando de

alternativas, mas de um pensamento alternativo de alternativas

(SANTOS, 2010).

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A epistemologia do Sul é fundada em dois princípios: a

ecologia de saberes (conjunto de saberes diversos), que assume

implicarem todas as práticas de relações entre humanos e entre estes e a

natureza em mais de uma forma de conhecimento, e ignorância; e

tradução intercultural (diálogo intercultural), procedimento que permite

criar uma inteligibilidade recíproca entre as experiências do mundo.

Parte da ideia de que todas as culturas são incompletas e podem ser

enriquecidas pelo diálogo e pela confrontação com outras culturas, o que

chama de hermenêutica diatópica (SANTOS, 2010).

Isso porque, epistemologicamente, a sociedade capitalista

moderna favorece práticas nas quais predomina o conhecimento

científico, sendo que as crises ou catástrofes delas resultantes são

socialmente aceitáveis e vistas como um custo inevitável, que pode ser

superado mediante novas práticas cientificas, ou seja, prevalece a fé na

tecnociência. Na ecologia de saberes, dar credibilidade ao conhecimento

não científico não supõe desacreditar o científico, mas consiste em

explorar práticas científicas alternativas e em promover a

interdependência entre os conhecimentos científicos e não científicos

(SANTOS, 2010).

Essencial na epistemologia do Sul é a sociologia da ausência, na

qual há a produção de inexistências pela lógica da monocultura do

saber, e consiste na transformação da ciência moderna e da alta cultura

em critérios únicos de verdade e de qualidade estética, que se arrogam

em serem os cânones exclusivos na produção do conhecimento; e tudo o

que o cânone não legitima ou reconhece é declarado por inexistente,

assumindo a forma de ignorância ou incultura (SANTOS; 2010).

Neste contexto, se entendidos os conhecimentos do Sul como

não científicos ou os considerando como científicos – entendimento

último com o qual se concorda – observa-se a necessidade de sua

revalorização, dando voz a diversos atores antes subjugados pelo

colonialismo ocidental, capazes de difundir uma maior participação na

gestão dos riscos pelo Estado e de trazer uma nova ética e uma nova

racionalidade que integrem a natureza nos processos de tomada de

decisão.

Isso porque, em contexto de incertezas científicas, originadas

pela crise do conhecimento científico, pela visualização de que sua aplicação técnica tem trazido inúmeros problemas, inclusive a

possibilidade de autodestruição da humanidade, outras fontes de

conhecimento ou sua valorização como conhecimento científico se

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152

mostram como uma alternativa sustentável à crise vigente. Exatamente

sobre as incertezas é que se passa a falar na sequência.

4.3 A CRISE DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO: A ERA DAS

INCERTEZAS

Como visto, o conhecimento científico se elevou ao único

válido no mundo ocidental e assumiu a posição de conhecedor da

verdade sobre o mundo e detentor de certezas absolutas, principalmente

com a física mecânica de Newton.

A física tradicional unia conhecimento completo e certeza, uma

vez que, desde que fossem dadas condições iniciais apropriadas, era

possível garantir a previsibilidade do futuro e a possibilidade de

retrodizer o passado, ou seja, a flecha do tempo trazia uma natureza

previsível, estável e equilibrada, sendo o universo regido por leis

deterministas. Embora a física newtoniana tenha sido destronada pela

mecânica quântica e pela relatividade, seus traços fundamentais,

caracterizados pelo determinismo e pela simetria temporal, sobrevivem

(PRIGOGINE, 2011).

Neste sentido, as leis da natureza enunciadas pela física

compõem um conhecimento ideal que alcança a certeza, no qual tudo é

determinado e a natureza é um autômato que se pode controlar.

Contudo, a crise da ciência, ocorrida no final do século XIX e início do

XX, desencadeada pelas revoluções da física e da matemática clássicas,

rompeu com parâmetros até então estabelecidos (PRIGOGINE, 2011).

Passou-se a uma física dos processos de não equilíbrio,

incorporando a instabilidade, o que significa que não se trata mais de

certezas, como as leis deterministas, mas de possibilidades, o que inclui

a ignorância, colocando em evidência a complexidade do mundo real.

Vive-se o fim das certezas, buscadas desde Descartes, que entendia

como o ponto de partida uma ciência fundada nas matemáticas, único

caminho garantido para a certeza, que influencia séculos a sua frente

(PRIGOGINE, 2011).

Neste contexto, a partir das transformações nas ciências, nas

quais os próprios cientistas reconheceram o fim das certezas, erigiu-se

uma epistemologia contemporânea baseada em possibilidades e incertezas. Reavaliações pelos filósofos da ciência e por cientistas

modificaram os critérios de validade de teorias científicas, do que é

considerado ciência e qual seu papel na sociedade.

Popper (1974) afirmava que não é possível saber, somente

conjecturar. Conjecturas essas orientadas por motivações externas, pela

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fé não científica. O velho ideal científico do conhecimento certo se

mostrou não passar de um ídolo, sendo que todo enunciado científico

permanece para sempre provisório. Há a queda do ídolo da certeza,

inclusive de certeza imperfeita ou da probabilidade. Entende, contudo,

que a busca crítica da verdade continua a ser a razão mais forte da

investigação científica, o que é criticado mais adiante.

Além da crise do conhecimento científico, ante o abalo das

certezas, sua aplicação pela técnica de forma irresponsável também

contribuiu para sua perda de credibilidade.

A crença ilimitada na ciência e no progresso da técnica, que

trouxe diversos benefícios e comodidades para a humanidade,

extrapolou seus fins de bem-estar e, baseada no pensamento racionalista

e de relação de dominação homem (sujeito)/natureza (objeto) e, na

busca incessante por lucro e poder, levou à possibilidade de

autodestruição da humanidade e de outras formas de vida. As formas

predatórias de exploração da natureza, ante a ausência de vínculo entre

esta e o homem, têm mostrado seus resultados.

A tecnologia afeta e desafia a todos, qualquer que seja a

atividade desenvolvida. É uma realidade polifacetada, apresentando

formas de objetos, conjuntos de objetos, sistemas, processos, modos de

proceder e certa mentalidade, acompanhada de alguma valoração,

positiva ou negativa. É a aplicação do saber teórico, que se vincula

sempre à técnica, ou seja, ao procedimento sujeito a regras, à capacidade

humana de fazer coisas como manifestação de um saber (CUPANI,

2013).

A dificuldade de conceituar a tecnologia é bem exposta por

Cupani (2013), mas é possível dizer, para o presente trabalho, que

consiste na técnica moderna, de base científica, que chega à maturidade

quando o mundo começa a ser concebido sistematicamente como uma

grande máquina, que difere da técnica tradicional pela atitude humana

de vontade de dominar a natureza. Implica um produzir socialmente

moldado, não se reduzindo, portanto, à ciência aplicada, pois sugere

maneiras específicas de conhecer, resultando em uma condição política,

visto que, orientada a fins práticos e influenciada por motivações

diversas, não é neutra.

A aliança da ciência com a tecnologia, impulsionada pelo sistema capitalista de produção e pela vontade humana de se impor

sobre o meio ambiente, baseada na filosofia cartesiana e mecanicista, é

aqui denominada de tecnociência, a qual despreza todo modo de vida e

de conhecimento diferentes.

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154

A tecnociência é a pesquisa que obedece antes às oportunidades

tecnológicas do que aos interesses teóricos, na maioria das vezes

motivações extracientíficas (industriais, políticas, militares, comerciais)

(CUPANI, 2013).

O resultado é uma monotécnica e uma sociedade (pós-industrial

e de riscos) na qual a missão do homem é conquistar a natureza,

comandar espaço e tempo, acelerar processos, apressar o crescimento e

o transporte, apagar distâncias e substituir o natural pelo artificial

(CUPANI, 2013).

Neste contexto, ante a onipotência da tecnociência, já no início

do século XX, havia um descrédito no crescimento e na força da razão,

colocando a Segunda Guerra Mundial uma sombra definitiva no

otimismo tecnológico antes existente, principalmente a partir da

utilização da tecnologia e da racionalização dos métodos de produção

não para geração de um bem estar e para permitir a satisfação ampla das

necessidades humanas, mas para destruir de modo eficaz o maior

número possível de vidas, tal como ocorreu em Auschwitz e Hiroshima

(MANZANO, 2011).

Pelo potencial destrutivo que o desenvolvimento tecnológico

coloca nas mãos dos seres humanos, a confiança no progresso

tecnocientífico muda para prevenção, prudência e medo, havendo, em

consequência, uma percepção social do risco tecnológico (ainda

incipiente), iniciando-se, assim, os primeiros passos para um controle

político e jurídico (MANZANO, 2011).

Assim, as ciências e a técnica são as principais fontes de

geração de incertezas, como as aplicações tecnológicas na alimentação,

energia, medicamentos, técnicas de comunicação, ou seja, quanto mais

unido está o destino ao desenvolvimento tecnocientífico, mais se

expõem as incertezas que derivam de seus avanços e complexidades

(PARDO, 2009).

Ressalta-se que não há algo de errado com a existência de

incertezas nas ciências, na filosofia e na arte. Demonstram a

complexidade e instabilidade do mundo real, abordadas anteriormente.

Entretanto, a tecnociência cria incertezas que não consegue resolver, o

problema é a atitude que adota diante delas e a não se pretender resolvê-

las. Até mesmo porque o progresso tecnocientífico, antes voltado para o entorno, agora se volta para o próprio ser humano, pelo avanço da

biogenética (PARDO, 2009).

Deste modo, o que se oferece ao poder de decisão das

sociedades não é mais somente a configuração do entorno, no qual as

futuras gerações viverão, mas a própria configuração dessas gerações e

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155

sua continuidade ou descontinuidade essencial. Os pressupostos dos

sistemas político e constitucional atual se desvaneceriam por completo

se o conceito de ser humano fosse alterado substancialmente. As

incertezas ultrapassam o conhecimento científico e estão recheadas de

valoração ética e moral (PARDO, 2009).

Neste sentido, é possível falar em incerteza originária, quando

não se conhecem aspectos científicos relevantes de uma atividade ou

seus efeitos possíveis, danosos ou que gerem riscos. São frequentes em

riscos decorrentes da introdução de novos produtos, na aplicação de

novas técnicas, na introdução no mercado de novas drogas ou de

produtos feitos com organismos geneticamente modificados (PARDO,

2009).

Já a incerteza superveniente se produz exclusivamente pelo

avanço da tecnociência, quando antes os riscos eram considerados

conhecidos ou aceitáveis, tais como algum produto que passou por

diversos procedimentos de segurança estabelecidos pelo sistema jurídico

e, posteriormente, são verificados graves riscos e danos a longo prazo,

como o que aconteceu com o amianto, ou na indústria alimentícia ou

farmacêutica, como o caso da Talidomida40

(PARDO, 2009).

Estas situações de incertezas geradas pelo desenvolvimento da

tecnociência abalam as estruturas do Estado e das instituições jurídico-

políticas de decisão sobre a gestão e controle dos riscos. Contudo, o

Estado moderno e o Direito foram os responsáveis para legitimar e

incentivar este avanço, tanto pelo fascínio que sempre tiveram pelo

conhecimento científico, quanto pelas motivações políticas, militares,

econômicas e de poder escondidas por trás das benesses desse avanço.

4.4 A INSERÇÃO DA TECNOCIÊNCIA NA ESTRUTURA

JURÍDICO-POLÍTICA

As atividades desenvolvidas pela tecnociência penetram cada

vez mais e de forma mais profunda nas diversas sociedades, tornando-se

um problema do Estado, a ser regulado e gerido.

Com o avanço da tecnociência, surgem diversos aspectos

relevantes para o sistema jurídico-político, tanto em sua função de

decidir, gerir e controlar esses avanços, quanto em sua própria natureza,

40

Sobre a Talidomida, seus efeitos e histórico no Brasil vide

http://www.talidomida.org.br/oque.asp. Acesso em: 12 mar. 2016.

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156

que trazem uma realidade técnica, muitas vezes em dados e linguagem

incompreensíveis para aqueles que não são da área especializada.

Por conta disto, a decisão a respeito das técnicas utilizadas e do

que se deve fazer quando há incertezas científicas a seu respeito é

deslocada das instituições legitimadas de decisão para setores técnicos,

interligando os setores jurídico-políticos e a técnica, na gestão e no

controle de riscos.

A questão se torna complexa, tendo em vista que a tecnociência

avança de acordo com seus próprios interesses, sejam eles quais forem,

e é dever do Estado determinar qual o limite deste avanço, como ele

deve ser feito, sob quais aspectos éticos, sociais, políticos e jurídicos.

Neste contexto, estabelecendo que o Estado ambiental deve reduzir,

controlar e gerir riscos existenciais, assume uma outra racionalidade e

incorpora elementos outros que não somente a valorização do

conhecimento tecnocientífico.

Isso porque o Estado-Nação, ou o Leviatã, na sua acepção

corrente, é o símbolo da segurança do estado civil político, inaugurando-

se com ele toda uma linha de pensamento e realizações na política e no

Direito, que acaba configurando o sistema político jurídico que ainda

vigora (PARDO, 2009) e que é modificado pela incorporação do meio

ambiente em sua estrutura.

Este sistema institucional deu cobertura a todo o

desenvolvimento econômico e social (ocidental, dominador,

hegemônico, homogeneizante) que se registra no Ocidente durante os

últimos séculos. A arrogância do Leviatã, cuja ordem era vista até agora

como segura, começa, contudo, a mostrar seu desconcerto ante as

incertezas que o envolvem, as quais advêm, de forma paradoxal, de seus

mais firmes e inquestionáveis domínios: os domínios das ciências e do

conhecimento científico (PARDO, 2009).

Tal controle deve ser feito em meio às incertezas causadas pela

ciência, a qual se revela, não raro, incapaz de resolver muitas das

incertezas que ela mesma cria, dominando ainda a agenda dos temas que

centram o debate político e a controvérsia jurídica, como as mudanças

climáticas, as fontes de energia, os organismos geneticamente

modificados, a produção de medicamentos, o regime de patentes e os

transgênicos (PARDO, 2009). Com base nessas assertivas, é possível reconhecer que o Estado

moderno se desenvolveu baseado na ideia de certezas advindas dos

conhecimentos científicos matemáticos e físicos; que se viu abalado

quando da crise deste tipo de conhecimento, ao assumir que não existem

certezas, mas instabilidades, não-equilíbrio e ignorância.

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157

Esta relação é bem evidente ao abordar a visita de Hobbes a

Galileu – real ou metafórica – demonstrando a íntima relação que se

estabeleceu na modernidade entre as ciências e o Estado, pela tradução

da certeza científica em segurança jurídica, inexistente no estado de

natureza hobbesiano. O escopo de Hobbes era sedimentar o Estado em

bases não teológicas, mas racionais, objetivas e científicas, sendo que a

legitimação do poder político é relacionada à sua compreensão em torno

da natureza do homem e, portanto, da realidade do estado de natureza,

como afirmado anteriormente, de modo que a segurança e a paz somente

podem ser alcançadas, na sociedade civil, mediante a consolidação de

um poder soberano de forma absoluta (PARDO, 2009).

O Estado hobbesiano, o Leviatã, foi organizado para garantir

segurança e, ao se aproximar da ciência, tornar-se arrogante, pois

baseado em certezas. Assim, ante a derrubada das certezas pelas

ciências, o Leviatã se desconcerta, já que se mostra incapaz de lidar com

essa nova realidade e decidir em meio às incertezas dominantes

(PARDO, 2009).

Seguindo este raciocínio, pode-se caracterizar o Estado

moderno como um Estado-Cientista, conforme Châtelet e Pisier-

Kouchner (1981), para quem o movimento nascido na Europa ocidental

e central nos séculos XVI e XVII, simultaneamente à nova visão de

mundo articulada em torno da revolução física de Copérnico e Galileu,

produziu uma atividade específica: a ciência como conhecimento

experimental e a técnica de apropriação realista e de transformação da

natureza, cujos uso sistemático e adoção pelas autoridades com a missão

de decidir aparecem, no século XX, como o meio de realizar o projeto

político racional e a ideia de conduta governamental bem adaptada a

dados empíricos.

O Estado-Cientista se forma, assim, durante o período que vai

da afirmação do capitalismo privado até a Primeira Guerra Mundial, no

qual se estabelece a relação entre as ciências e a indústria, em função da

intervenção do cientista e da demanda dos industriais que experimentam

dificuldades em suas empresas, intervindo o Estado somente

indiretamente como tutor das instituições de ensino e dos laboratórios

(CHÂTELET; PISIER-KOUCHNER, 1981).

Após a guerra e como resultado desta, essa relação assume caráter orgânico e se institucionaliza, impulsionada por motivações

militares e pela transformação das práticas científicas e do estatuto da

indústria, ao intervirem na agricultura. Além destes fatores, a pesquisa

científica passa a envolver equipes de cientistas em unidades

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158

consideradas verdadeiras fábricas, por possuírem divisão de trabalho,

hierarquia, programação das tarefas, definição de plano de rentabilidade

e rede de informações (CHÂTELET; PISIER-KOUCHNER, 1981).

Tendo em vista o alto número de investimentos financeiros, há

uma participação necessária por parte do Estado, que complementa as

instituições privadas até chegar a casos de substituí-las. Os

desenvolvimentos tecnocientíficos passam a fazer parte das forças

produtivas e ganham um estatuto próprio, constituindo-se em fato e

elemento da política. Tornam-se indissociáveis: a estratégia estatal

(guerra e diplomacia), o imperialismo industrial (a busca pelo máximo

de lucro) e o desenvolvimento tecnocientífico (CHÂTELET; PISIER-

KOUCHNER, 1981).

O Estado assumiu a ideia de progresso pela exploração da

natureza pela tecnociência, cujo desenvolvimento teve o interesse do

Estado, em busca de poder, e da burguesia, em busca de lucro, como

elementos essenciais.

O Estado sempre teve grande influência no desenvolvimento de

novas tecnologias, isso porque é decisiva para a adoção de uma nova

tecnologia a construção de um ambiente em que os projetos favorecidos

possam ser vistos como viáveis e nos quais haja a possibilidade jurídico-

política de desenvolvimento de determinados tipos de técnicas. O

interesse estatal, sobretudo militar, levou a suplantar o que de outro

modo teria sido visto como barreiras econômicas insuperáveis para o

desenvolvimento e a adoção de certas tecnologias (CUPANI, 2013).

Essa utilização da racionalidade da ciência entra diretamente na

linha de organização sistemática da existência social para o aumento do

bem-estar de todos, para um crescimento indefinido das riquezas, para

um desaparecimento das contradições, para uma dominação total da

natureza pela humanidade, para o reino da liberdade além do reino da

necessidade. A ciência é concebida como um poder neutro, que pode ser

utilizado tanto para o bem quanto para o mal, conforme a utilização

política que lhe dê (CHÂTELET; PISIER-KOUCHNER, 1981).

O Estado-Cientista não está situado em lugar algum, mas

trabalha no interior de todos os poderes do Estado, qualquer que seja o

regime adotado – democrático, totalitário, capitalista, socialista –

radicalizando-se no pensamento político atual. Ou seja, em diversos aspectos e regimes políticos, o exercício do poder e a organização das

sociedades se ligam à atividade científica, tratando-se tanto da

institucionalização e do controle pelo Estado do trabalho científico,

quanto da utilização dos conhecimentos e das técnicas na gestão da

existência social ou da eliminação progressiva do político qualificado

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159

em ideológico, em benefício de organismos tecnocráticos de decisão

(CHÂTELET; PISIER-KOUCHNER, 1981).

A base do Estado-Cientista é que considera ser o saber

produzido pelas ciências, assim como as técnicas de apropriação e

transformação delas resultantes, o guia por excelência do bom governo e

que somente este pode permitir a edificação de uma sociedade mundial

ordenada e feliz. O Estado toma para si as crenças progressistas nascidas

no século XIX, que entendem ser o desenvolvimento das ciências e das

técnicas a chave da ordem e do bem-estar. E, muito embora constate que

este desenvolvimento provoque graves consequências, ainda assim

acredita que a tecnologia trará os meios para remediá-las (CHÂTELET;

PISIER-KOUCHNER, 1981).

A gestão política do Estado-Cientista, enquanto técnica

científica de governo, define as sociedades políticas como máquinas que

têm de formular como problemas os afetos que a ela chegam e de

calcular soluções e meios para sua resolução e aplicação (CHÂTELET;

PISIER-KOUCHNER, 1981).

Técnicos e burocratas são aqueles que apresentam o poder de

definir políticas, pela utilização pelas empresas do método das revolving doors ou portas giratórias. Este método, pelo qual as empresas garantem

que seus empreendimentos tenham decisões favoráveis, se baseia no ir e

vir de técnicos entre companhias privadas e administração pública, ora

estabelecendo regras para o funcionamento da empresa privada, ora

gerindo essas mesmas empresas, garantindo um relacionamento entre

empresas e Estado quase sem atritos (LISBOA, 2009).

No Brasil, esse fenômeno não se limita à área ambiental,

ocorrendo várias vezes de empresários serem nomeados para

importantes cargos públicos e, após desligados, retornarem para as

empresas privadas, passando a realizar o lobby entre os setores

(LISBOA, 2009).

A inclusão da tecnociência no Estado penetra na sociedade e

transforma a imagem que as sociedades têm da natureza e determinam

as regras de apropriação e de utilização. A aplicação da razão

instrumental na gestão da sociedade faz com que esta e o Estado

renunciem progressivamente ao debate público sobre os fins e as metas

da vida social, sobre o que deveria nortear as políticas públicas, fazendo com os que problemas atinentes à preservação do meio ambiente, por

exemplo, transformem-se em questões técnicas e atribuídas a

especialistas (LISBOA, 2009).

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160

Nesta linha de pensamento, além de considerar o Estado como

Estado-Cientista, na acepção desenvolvida por Châtelet e Pisier-

Kouchner (1981), pode-se considerar também que o Estado moderno é

técnico, tanto pela fé que deposita na tecnociência, a fé para o

desenvolvimento, a garantia de qualidade de vida e de bem-estar, quanto

por acreditar que ela resolve problemas e dá a última palavra como o

espaço de decisão correto para gerir os riscos gerados pelas sociedades,

em seu processo de desenvolvimento.

Além disso, em uma sociedade influenciada e desenvolvida pela

tecnociência, o Estado se modifica e se transforma em um enorme

organismo técnico, quer dizer, os atores políticos funcionam como

engrenagens da máquina e o técnico vê o Estado como uma empresa e a

nação como um poder econômico, cujos recursos trabalham para

renderem maximamente. A tecnociência gera elites de peritos, minando

a democracia e introduzindo uma aristocracia não percebida, na qual a

lei se transforma em instrumento eficiente ao invés de instrumento de

justiça e as doutrinas políticas procuram fundamentos para justificar

suas ações (CUPANI, 2013).

Firmando o Estado estas bases, reflete os princípios cartesianos

de pensamento, tanto no desenvolvimento tecnológico, quanto na

padronização de pesos e medidas, na planificação de estradas, no

estabelecimento de orçamentos públicos e na sistematização do Direito,

ou seja, em todos os setores de regulação e gestão das sociedades

(CUPANI, 2013).

O Estado assumiu a mudança ideológica de atrofia da ideia

iluminista de progresso em direção a uma sociedade mais justa,

convertida paulatinamente na ideia, politicamente neutra, de que a

finalidade do desenvolvimento social era o constante aperfeiçoamento

dos aparelhos e sistemas técnicos, dando-se, em certo modo por

descontado, que a sociedade ia marchando em direção ao progresso, e o

aperfeiçoamento técnico foi sendo visto como principal agente de

mudança social (CUPANI, 2013).

Com base nestas assertivas, é possível reconhecer que o Estado

moderno é tecnocientista, tendo em vista que a técnica o domina, assim

como domina o Direito e é dominado por razões de mercado, que

retiram a liberdade do cientista, vinculado a financiamento de empresas e governos, que ditam as regras de como o conhecimento científico e

sua atividade prática devem ser feitos.

As normas técnicas regulam as atividades do Estado, que se

entrega a uma tecnocracia e considera legítimos aqueles que detêm o

conhecimento científico. O Estado e a legislação se modificam em uma

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161

sociedade dominada pela tecnociência, o que resulta em diversos

problemas quando o Direito deve decidir sobre qual a melhor tecnologia

a ser adotada em contextos de incerteza científica.

4.5 AS RELAÇÕES ENTRE O DIREITO E A TECNOCIÊNCIA NA

PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE

O Direito moderno, feito em um modelo institucional político

determinado, conforme demonstrado anteriormente, não poderia deixar

de transparecer essa racionalidade dominante e de buscar pela certeza e

pela segurança jurídicas.

Conforme demonstrado, a existência de incertezas científicas

não se constitui em um problema, exceto em duas ocasiões: quando ela

mesma cria incertezas, geradoras de riscos e de danos que não consegue

conter ou resolver; e quando se deve decidir em meio a essas incertezas,

e essa decisão cabe às instituições jurídico-políticas legitimadas para

tanto.

Acontece que o desenvolvimento da tecnociência gera riscos,

intensificados em contextos de incertezas. Além disso, esta mesma

tecnociência é a chamada a resolver esses riscos por ela criados e

também a investigar meios para defender e preservar o meio ambiente.

Em decorrência, o Direito passa a ter que resolver os conflitos deles

oriundos, em especial na proteção ambiental, cuja degradação se

intensifica com os avanços tecnocientíficos e ficam mais vulneráveis

diante de incertezas.

O desenvolvimento de tecnologias é determinante na

transformação ambiental provocada pela ação humana e também meio

de eliminação ou de redução de riscos, de controle e de gestão de

impactos e meio para garantir e preservar o meio ambiente.

Feitas estas reflexões, algumas perguntas pairam sobre o jurista

e sobre as instituições legitimadas para resolver os conflitos gerados

pelas incertezas dos avanços tecnocientíficos.

Quais os critérios para estabelecer qual é a melhor decisão e

como tomá-la? Entregar ao conhecimento científico a tomada de

decisão, mesmo reconhecendo a existência de incertezas, é a melhor

solução? Deve o Direito adotar uma legislação extensa e rígida, definindo as melhores tecnologias a serem utilizadas? A existência de

normas técnicas corresponde a um domínio do Direito pela tecnociência

ou de sua submissão? Deve o Direito criar ficções jurídicas para decidir

em meio às incertezas e ao desenvolvimento da tecnociência? O que

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162

fazer quando há diversas tecnologias disponíveis e não há consenso

sobre qual seja a melhor a ser adotada? Quando há este consenso, mas a

tecnologia é considerada economicamente inviável? Deve haver uma

capitalização de lucros e uma socialização dos riscos, em observância ao

discurso desenvolvimentista da necessidade de progresso e de lucro? A

relação entre o Direito e a tecnociência é de domínio e de submissão ou

de diálogo e cooperação para melhor resolução de problemas

complexos?

Estas e outras questões são colocadas para reflexão de toda a

sociedade e das instituições político-jurídicas de decisão quando se está

diante de uma realidade tão complexa como a enfrentada pelas

sociedades de risco atuais.

Isso porque são decisões que requerem um nível elevado de

conhecimentos tecnocientíficos, em vista de atividades que passaram a

necessitar de regulação jurídica, em razão dos riscos causados pelo

desenvolvimento tecnocientífico, cujas consequências são, em sua

maioria, incertas e que demandam mais conhecimentos para sua

contenção e controle.

Não é tarefa fácil refletir e buscar por certezas, quando certezas

não há. Deve-se pensar sobre qual o papel do Direito na regulação dos

novos riscos, como condicionar as liberdades no uso e acesso a bens

ambientais e como decidir em contextos de incertezas científicas, para

assegurar o imperativo constitucional de proteção e defesa do meio

ambiente.

São indicadores da nova correlação entre o Direito e as ciências

a sociedade de risco, a orientação reflexiva da tecnociência e o

conhecimento científico dos limites da natureza. Correspondem a causas

das transformações que situam o Direito para decidir em meio às

incertezas científicas, isso porque o progresso tecnocientífico permite

decidir em setores muito relevantes que até então eram restritos a

processo naturais, à margem da intervenção humana (PARDO, 2009).

É possível afirmar que influencia nas relações entre

tecnociência e Direito a entrada da sociedade de riscos, que envolve a

sociedade no tecido tecnológico que ela mesma cria; a abertura de uma

linha reflexiva de investigação tecnocientífica que faz do ser humano

também seu objeto; e a natureza do conhecimento científico atual, que pode avançar sobre fenômenos ou processos antes imperceptíveis e que

suscitam intervenção, decisão e atuação dos poderes públicos. Há, logo,

o aumento da intervenção tecnológica e, consequentemente, o aumento

do espaço de regulação jurídica e da necessidade de decisão, o que se

mostra latente quando se fala de meio ambiente (PARDO, 2009).

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163

Não se sustenta que as instituições político-jurídicas devam se

opor ao desenvolvimento da tecnociência, até mesmo porque os efeitos

deste desenvolvimento trouxeram algumas melhores para as condições

de vida. Contudo, como afirmado, aumenta o espaço de regulação,

intervenção, decisão e também de responsabilidade dos seres humanos.

Tratando-se o Direito moderno de um Direito elaborado e

legitimado pelo poder do Estado, Pardo (2009) se utiliza da metáfora de

Hobbes, o Leviatã, para apontar as dificuldades e limitações que precisa

enfrentar na tomada de decisões, em uma nova realidade baseada em

incertezas.

Essas decisões, corretas ou não, se dirigem à superação da

incerteza e da controvérsia. Para tanto, o Direito construiu mecanismos,

como a segurança jurídica, para basear e sustentar suas decisões,

dotando-as de estrutura sólida de legitimação. Configura-se, assim, o

sistema jurídico em uma máquina geradora de certezas, enquanto a

incerteza e a complexidade se formam e se expandem extramuros do

Direito, mas acabam se introduzindo nele (PARDO, 2009).

Devido ao reconhecimento das incertezas pelas ciências e

estando o Direito lastreado em certezas e buscando segurança jurídica,

afirma Pardo (2009) que o Direito se mostra autista, pois parece não ter

percebido a mudança das ciências e se mantém fascinado por suas

antigas características, fazendo com que continue a discutir na doutrina

e na jurisprudência realidades que já se transformaram por completo.

Entende Pardo (2009) que a reação do Direito às incertezas

científicas é a de uma deriva cientificista. Em outras palavras, o Direito,

os poderes públicos e os juristas permanecem fascinados pelas ciências

que trouxeram descobrimentos espetaculares, que eliminaram os perigos

naturais e que propiciaram um maior bem estar do homem, muito

embora tenham causado a destruição do meio ambiente e tenham trazido

riscos maiores e mais incertos.

Estes riscos, advindos do avanço da tecnociência, se estendem

indefinidamente para o futuro, atingindo as futuras gerações, que

também têm seus direitos garantidos pela ordem constitucional

brasileira, e que sofrerão os efeitos das decisões tomadas no presente e

das quais não participaram.

O Direito persiste em buscar nas ciências as certezas que elas não possuem, quando são as instâncias políticas e jurídicas que devem

decidir. Neste caminhar, a tecnociência organizada é quem acaba

dominando espaços de decisão, ante o déficit de legitimidade que resulta

da deriva cientificista do Direito (PARDO, 2009).

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164

A organização da tecnociência ocorre de modo efetivo e ganha

espaços de decisão, aproveitando-se do desconcerto e do

desconhecimento das instâncias decisórias legítimas sobre o

conhecimento especializado e técnico, que domina todos os aspectos da

realidade, como as telecomunicações, os avanços biogenéticos, as fontes

de energia, os agrotóxicos, os fertilizantes, os medicamentos, a

nanotecnologia, as ondas eletromagnéticas, só para citar alguns.

Ante o pedido para instalar uma nova tecnologia, comercializar

um novo produto ou liberar no meio ambiente um novo organismo vivo,

deve o órgão legitimado e competente para tanto adotar uma decisão,

seja ela afirmativa, negativa ou condicionada ao cumprimento de

exigências. Caso não decida, muitas vezes, o silêncio da Administração

Pública também corresponde a uma decisão, seja ela de aceitação tácita

ou de rejeição.

O desconcerto do Direito e do Leviatã propiciam, logo, um

processo potente de auto-organização e de autorregulação das ciências,

ativado pelo avanço da tecnociência e pelo apoio da estrutura

empresarial, promotora de avanços para tirar lucro de sua aplicação

técnica. Cria-se um sistema paralelo com suas próprias normas, seus

próprios aparatos de controle e de certificação, seus próprios

mecanismos e instâncias de resolução de conflitos (PARDO, 2009).

Pode ocorrer ainda que o Direito, por não saber o que fazer com

as incertezas do conhecimento tecnocientífico e por permitir sua

autorregulação, reconheça e se conforme que a complexidade e a

incerteza venceram e, por isso, entregue à tecnociência a solução de

aspectos determinantes de muitas decisões, quando não a decisão em si,

em uma remessa voluntária das próprias leis ou das instâncias jurídicas

ao disposto pelas ciências (PARDO, 2009).

Para explicar este domínio da tecnociência, utiliza-se aqui a

tipologia dos três poderes, de Bobbio (2007). A tecnociência tem as três

formas de poder: econômico, ideológico e político, ou seja, a riqueza, o

saber e a força.

O poder econômico é aquele que se vale da posse de certos

bens, necessários ou entendidos como tais, em situações de escassez,

para induzir os que não os possuem para adotar certa conduta,

principalmente na execução de um trabalho útil. Já o poder ideológico é aquele que se vale da posse de certas formas de saber, doutrinas,

conhecimentos e informações para exercer influência sobre o

comportamento e induzir determinada ação, razão pela qual se discute a

importância social de cientistas e técnicos, em virtude deste

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165

conhecimento ser o considerado válido. O poder político, por sua vez, é

o sumo poder, exercido pelo grupo dominante (BOBBIO, 2007).

Com base na teoria de Bobbio e no diagnóstico do problema

relacional do Direito com a tecnociência, é possível afirmar que esta

última é detentora destes três poderes, assumindo-se como o poder

soberano, acima do Estado, tomadora de decisões.

A tecnociência possui o poder econômico, pois, como na

sociedade atual o conhecimento científico é o dominante e aquele que

possui a técnica com base nele detém o capital e vice-versa, quer dizer,

quem tem o capital domina a técnica. Tem ainda o poder do saber, pois

detém o conhecimento especializado sobre aspectos que a sociedade

considera essenciais. Tem também o poder ideológico, em vista da

sociedade passar a considerar a tecnociência como a nova religião, com

seus dogmas e conceitos. Detém, por fim, o poder político e da força,

pois se infiltra no Estado, como demonstrado anteriormente, e no

Direito, por sua deriva cientificista.

Neste caso, o cientista e as próprias ciências não têm mais a

liberdade que tinham no início dos descobrimentos científicos físicos,

químicos e matemáticos, para pesquisarem o que querem, pelo prazer e

busca do conhecimento puro sobre o mundo, mas pesquisam com

finalidades técnicas e, mais importante, com finalidades do mercado que

financia as pesquisas.

Salienta-se que isso não é necessariamente ruim. A tecnociência

trouxe riscos enormes para a humanidade, mas também incontáveis

benefícios. O desenvolvimento científico e a busca pelo conhecimento

dignificam os seres humanos, que sempre buscam conhecer a si próprios

e o mundo à sua volta.

Assim, para dizer se o domínio da tecnociência é bom ou ruim,

é necessário um juízo de valor de cada pesquisa, mas corresponde aqui à

constatação de um fato, qual seja, o de que o mercado domina a

tecnociência, aí incluídos, portanto, os tecnocientistas, que têm se

utilizado do Direito e do Estado para se autorregular e seguir

pesquisando aquilo que lhes convém, monopolizando as mentes para

depois monopolizarem a técnica e o mercado, e fazerem com que suas

técnicas sejam vendidas, com prejuízos para o meio ambiente e para as

sociedades humanas em geral, especialmente as mais vulneráveis. Além disso, pelo domínio de uma forma de conhecimento e,

especificamente, da tecnociência, outras formas de conhecimento são

desconsideradas, o que afeta a própria identidade de pessoas e de grupos

e de sua autoestima, fazendo com que passem a ignorar seus próprios

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166

conhecimentos e modos e de vida para adotar aquele dominante. São

impelidas também, assim como todas as sociedades, a terem

necessidades e desejos criados por esta rede e controlados pelas grandes

corporações.

Diante desta realidade, entende Pardo (2009) que a tarefa que

agora se impõe ao Direito, ante as incertezas científicas, não parece que

seja a de entregar suas decisões ao domínio da tecnociência, mas a de

construir seu próprio sistema de referências e de apoios sobre os que

articulam as decisões que correspondem, a fim de impor limites à

degradação do planeta.

A responsabilidade das sociedades e do sistema jurídico-

político de decisão se torna questão importante a ser debatida, tendo em

vista que a qualidade destes sistemas é questionada, quando se verifica

que são discutidos e criminalizados riscos pequenos e manejáveis,

enquanto os riscos de larga escala e extremamente perigosos são

legalizados pela força de sua autoridade (BECK, 1995).

Apesar de o diagnóstico de Pardo (2009) sobre o problema da

relação existente entre o Direito e a tecnociência ser preciso, deve-se

entender que a relação é necessária e deve ser feita de uma forma que

beneficie os bens jurídicos protegidos, devendo haver uma

interdisciplinaridade entre ambos os campos e uma relação de diálogo e

aprendizagem mútua, e não seu isolamento, e também uma

transdisciplinaridade, que considere a complexidade do tema e a

globalidade do meio ambiente.

O direito ambiental necessariamente lida com um bem global,

complexo e multidisciplinar. Neste sentido, o isolamento do Direito das

outras áreas do conhecimento científico não é a melhor solução. Assim,

o Direito deve se aproximar da técnica e estabelecer meios de conexão

que mantenham a dinâmica do desenvolvimento tecnocientífico e os

instrumentos decisórios legitimados pelo ordenamento jurídico.

A proteção do meio ambiente corresponde a limite, controle e

intervenção do Estado no desenvolvimento tecnológico, projetando-se

sobre a gestão de novas tecnologias que tragam riscos novos e de

consequências incertas.

A exigência de transdisciplinaridade, portanto, advém da

própria constatação da complexidade, tendo em vista que se deve considerar não somente a disponibilidade de comunicação e diálogo

entre diversos saberes disciplinares, mas também se deve permitir e

possibilitar o desenvolvimento de uma nova racionalidade que englobe o

social, o econômico, o político e o jurídico e, efetivamente, o ambiental

(AYALA, 2011).

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167

Essa nova racionalidade deve ser entendida como fator de

organização e definição de uma nova qualidade do conhecimento, o qual

depende de condições transcientíficas e de modelos de negociação, a

partir do reconhecimento de que a ciência organizada em uma

perspectiva apenas disciplinar é incapaz de solucionar os problemas

existentes na sociedade de riscos e incertezas (AYALA, 2011).

Nesta relação entre Direito e tecnociência, embora haja uma

deriva cientificista e um reconhecimento da dificuldade de decidir e de

lidar com as complexas questões que se formam com o

desenvolvimento científico e técnico, há que se restabelecer o diálogo,

baseado nos fundamentos constitucionais de dever do Estado de redução

de riscos e da atuação conjunta para sua consecução.

Nestes deveres, passa-se a incluir o dever ao desenvolvimento

tecnocientífico, com a finalidade de conter os riscos por ele criados e

também para auxiliar na proteção e na defesa do meio ambiente. É um

dever do Estado de fomento e de desenvolvimento de pesquisas e

técnicas.

Questiona-se, portanto, sobre o direito à liberdade de pesquisa,

se encontra limites e controle jurídico e político. Não se deve ser

ingênuo, contudo, e pensar que o cientista é livre e neutro, pois, assim

como todos aqueles inseridos nas sociedades atuais, é influenciado por

forças econômicas, políticas e ideológicas, como se passa a analisar.

4.5.1 O direito e o dever à pesquisa científica

O direito à liberdade de pesquisa é um dos principais direitos de

liberdade, visto que busca garantir que não haja ingerências políticas ou

religiosas na busca pelo conhecimento humano e em sua publicação,

vinculando-se à liberdade de pensamento.

Este direito não é, contudo, ilimitado, pois a liberdade de

pesquisa é condicionada à gestão e ao controle público de riscos e

também a controles éticos decididos pelas sociedades.

Além de ser um direito, em contextos de incerteza e, diante da

manifestação de um Estado ambiental, de que é necessário reduzir

riscos existenciais, bem como controlar e gerir riscos advindos de

contextos de incertezas científicas, a pesquisa e a adoção de tecnologias passam a ser um dever e, portanto, torna necessário do Estado

investimento e fomento desta busca de tecnologia.

O dever de pesquisa é uma das facetas do princípio da

precaução, estudado anteriormente, em seu caráter proativo, e não

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168

somente entendido como paralisador das atividades e ações estatais e

científicas.

A liberdade de pesquisa ou o direito à investigação científica é

um direito fundamental, previsto na Constituição Federal brasileira, no

artigo 5º, inciso IX, que preceitua ser livre a expressão da atividade

científica, independentemente de censura ou licença.

O desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação

tecnocientífica, e a inovação devem ser promovidas e incentivadas pelo

Estado, por força do artigo 218, da Constituição Federal de 1988, que

receberá tratamento prioritário, tendo em vista o bem público e o

progresso tecnocientífico. Essa pesquisa deve se voltar

preferencialmente para a solução de problemas brasileiros e para o

desenvolvimento dos sistemas nacional e regional.

O Estado brasileiro deve, ainda, apoiar atividades de extensão

tecnológica e conceder meios e condições especiais de trabalho, sendo

facultado aos estados e ao Distrito Federal vincular parte de sua receita

orçamentária a entidades públicas de fomento ao ensino e à pesquisa

científica e tecnológica.

Ressalta-se aí o fundamento constitucional para o incentivo ao

desenvolvimento tecnocientífico brasileiro, mas sempre considerando o

interesse público e a interpretação sistemática da Constituição, da qual

se pode afirmar que é dever do Estado e da coletividade a pesquisa

técnica e científica para a melhoria da qualidade ambiental e para a

redução, controle e gestão de riscos existenciais.

Entretanto, é importante ter em mente que a pesquisa

atualmente não é feita nos mesmos moldes do passado, quando a

tecnociência se elevou àquela que busca o conhecimento e que é voltada

para o bem estar, ante a criação de riscos e ao domínio da tecnociência

pelo mercado.

Os antigos padrões de produção científica são denominados,

por Pardo (2009), de paradigma Galileu, quando havia a total

independência e primazia do conhecimento científico sobre a aplicação

técnica, sendo a atividade do cientista semelhante à do artista. Assim,

desde as primeiras constituições, a investigação científica é

contemplada como uma liberdade suprema, concebida em termos

similares aos da liberdade artística. São características da atividade científica na época clássica: a) o

marco da investigação científica, visto que a oficina na qual Galileu

realiza sua atividade científica é a mesma que a do artista, como um

artesão, construindo seus próprios meios e instrumentos; b) a total

liberdade de decisão sobre as linhas de investigação e seus objetivos,

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169

participando o artista e o cientista com a mesma autonomia e liberdade;

e c) a total separação entre investigação científica (sempre em uma

posição avançada) e a tardia aplicação técnica (PARDO, 2009), cujos

conceitos já foram explorados anteriormente.

Além dessas características, não havia um marco jurídico para a

proteção do cientista na exploração de seus achados e resultados, ou

seja, de um direito de patentes ou de proteção do inventor. As ciências e

a aplicação técnica estavam muito distanciadas, sendo que o motivo da

atividade científica não era a aplicação técnica de seus resultados e sua

exploração econômica, pois se tratavam de dois momentos muito

diferentes, nos quais não participavam as mesmas pessoas. As ciências

eram impulsionadas pelo desejo do conhecimento (PARDO, 2009).

Contudo, o paradigma Galileu muda no século XX, no qual a

investigação científica resta subordinada aos objetivos de sua aplicação

e de sua exploração técnica, tornando-se tecnociência, como abordado

anteriormente.

Esta mudança faz com que as redes e estruturas de

desenvolvimento da atividade científica se tornem complexas, nas quais

o cientista não mais dispõe dos instrumentos que ele domina ou

constrói, mas necessita de meios sofisticados, cuja aquisição requer

altos cultos e investimentos. O cientista também não mais decide as

linhas e os objetivos de sua investigação, pois seu trabalho se

desenvolve em equipe, em uma organização com linhas de investigação

determinadas (PARDO, 2009).

Há também uma inversão da sequência entre investigação

científica e aplicação técnica e a consequente rentabilização ou

aproveitamento de seus resultados. Passa-se primeiro a explorar ou

quantificar as perspectivas de aplicação ou aproveitamento e, em função

dessas previsões, se decide qual linha investigar e com apoio financeiro

proporcional a suas previsões de rendimento. Destaque-se, neste

contexto, sua utilidade militar (PARDO, 2009).

A investigação científica e os cientistas se subordinam, assim,

aos objetivos de exploração técnica e da rentabilização econômica, pois

os elevados custos da investigação científica fazem com que as

principais decisões sobre ela se tomem prioritariamente a partir de

cálculos de custos e benefícios por instâncias e organizações que não consideram o conhecimento científico e a liberdade da pesquisa,

tornadas irrelevantes. Questiona-se, logo, a liberdade de investigação

científica (PARDO, 2009).

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170

Em virtude da modificação do paradigma de Galileu, observa-

se que os pesquisadores não têm mais essa liberdade de investigação

que tanto os dignificavam em sua origem, mas sua pesquisa depende de

valores de mercado, de sua utilização prática. É atualmente difícil

financiar uma pesquisa que não tenha essa aplicação, até mesmo porque

nos projetos de pesquisa deve ser explicada a relevância e importância

do tema, não se pode pesquisar algo apenas pelo bel prazer de pesquisar.

A comunidade cientifica se caracteriza, assim, por um certo

alheamento da política e da vida cotidiana dos cidadãos, representando

um segmento social altamente manipulável pelo Estado e

principalmente pelo mercado (LISBOA, 2009).

O problema se agrava quando a pesquisa é direcionada para a

formação de riscos que culminam com a degradação do meio ambiente

e da saúde, como aconteceu com os agrotóxicos, e acaba por ter

legitimação jurídica e política, mediante ainda um ocultamento de

informações, em uma verdadeira irresponsabilidade organizada.

As pesquisas, em sua maioria privadas, ficam restritas aos

grandes laboratórios e os cientistas assinam termos de confidencialidade

acerca de métodos utilizados, produtos realizados, sobre a

periculosidade dos mesmos, consistindo em informações privilegiadas

que restam restritas à sociedade, que permanecem sem poder controla-

los e exigir seu controle do Poder Público.

Esta realidade é responsável pela existência de riscos e também

de danos, nos quais muitas vezes não é possível estabelecer ou

comprovar um nexo de causalidade entre o dano e seu causador, em

virtude da falta dessas informações relevantes.

Observa-se um domínio da tecnociência pelo mercado, visto ser

característica da investigação científica, a partir do século XX, o

espetacular incremento de seus custos, por ser cada vez mais

dependente de sofisticadas tecnologias e de pessoal especializado em

sua utilização. A investigação especializada e com capacidade de

inovação se situa em custos dificilmente alcançáveis por universidades,

academias e centros públicos tradicionalmente orientados à investigação

básica e à ampliação e difusão do conhecimento. Por tais motivos é que

ocorre a crescente colaboração entre indústria e universidade na

investigação científica, o que restringe a liberdade dos cientistas à aplicação técnica e ao rendimento econômico dos sujeitos que

financiam e programam a investigação (PARDO, 2009).

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171

Este capital financiador da tecnociência é de risco, porque seus

benefícios são muito aleatórios a depender de investigações que, apesar

dos cálculos e previsões, podem alcançar resultados díspares41

,

protegidos pelo direito de patentes e da propriedade intelectual

(PARDO, 2009).

A liberdade de pesquisa e as incertezas das consequências do

trabalho científico são citadas como um direito contra a imposição de

limites (BECK, 1995), o que não corresponde à realidade. Isso porque,

como é sabido, nenhum direito é absoluto e encontra limites na própria

Constituição, como a proteção do meio ambiente e a necessidade de

redução de riscos.

Essas diferenças de limites estabelecidos pela regulação jurídica

das atividades tecnocientíficas correspondem a um fator pelo qual

algumas empresas optam pela extraterritorialidade, levando suas sedes e

inclusive seus laboratórios para locais escolhidos que tenham menor

controle político, jurídico e social, normalmente países mais

vulneráveis, que acabam por aceitar indústrias poluentes e grandes

causadoras de riscos em troca de promessas de empregos e de

desenvolvimento. Contudo, o que normalmente encontram é a

degradação profunda de sua qualidade ambiental e a socialização dos

riscos, enquanto levam embora os lucros advindos da exploração.

Entretanto, evidencia Pardo (2009) que todo o aparato legal

hoje existente tem um mesmo objetivo: patrimonializar, proteger e

rentabilizar os logres da investigação científica. Há a elaboração de

compromissos de confidencialidade e contratos que impedem a livre

transmissão de conhecimentos ou bloqueiam a eventual denúncia pelo

cientista de programas de investigação eticamente questionáveis.

As censuras que existem hoje nas atividades científicas não são

externas, mas internas, ocorridas nas organizações e nos centros de

investigação ou nas estruturas financeiras que as sustentam. Nelas são

encontradas as forças com efetiva capacidade de poder, domínio,

controle e censura da investigação científica, ainda que com frequência

seja sustentado, muitas vezes erroneamente, que a censura advém dos

velhos poderes externos ou fáticos (PARDO, 2009).

Forma-se uma sociedade tecnocrática, na qual este saber

tecnocientífico e seu controle pelo mercado se tornam poder. Isso

41

Sobre a falibilidade dos experimentos em animais e a falácia por traz deles,

vide TRÉZ, Thales. Experimentação animal: um obstáculo ao avanço

científico. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2015.

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172

porque é sabido que o conhecimento científico não é neutro e menos

ainda seu uso, e que a produção científica se insere no conjunto de

interesses das corporações e instituições financeiras. Questiona-se: para

que e para quem o conhecimento científico é produzido? Quais seus

limites éticos, jurídicos e políticos?

O saber especializado é usado como meio de convencimento e a

utilização do discurso científico ainda faz com que o mito do

cientificismo seja utilizado, ou seja, há a crença do poder na ciência e

em sua neutralidade.

Por tais motivos, à tecnociência ainda são permitidas e

autorizadas investigações científicas, com vultosas somas em dinheiro,

mesmo sabendo que pode haver objeções de ordem ética que atentem

contra valores dignos de proteção, e que, ainda, haja a possibilidade de

que os resultados esperados não sejam obtidos.

O aumento de espaços de decisão acerca da tecnociência

aumenta também as responsabilidades dos cientistas pelas decisões

tomadas, que se tornam responsáveis pelos danos e riscos que suas

criações causam.

Como evidenciado, o direito à liberdade de pesquisa assume

outras características e implicações com o desenvolvimento da

tecnociência e sua submissão ao mercado e ao fomento de indústrias,

que direcionam a investigação. Por outro lado, também se torna um

dever, como uma manifestação do Estado ambiental para redução de

riscos.

Este dever se manifesta também no tocante à adoção das

melhores tecnologias disponíveis no licenciamento ambiental, como

será visto adiante, pois, caso a equipe técnica não inclua sua análise,

deverá a Administração levantar essas informações e incluí-las no

processo para depois fundamentar suas decisões.

4.5.2 A gestão dos riscos em contextos de incertezas científicas: as

formas de remessa do Direito à tecnociência

Como vem sendo afirmado no decorrer da dissertação, é

objetivo do Estado ambiental reduzir os riscos existenciais, o que é feito

pelo instrumento do licenciamento ambiental, preventivo e precaucional por excelência, que condiciona as liberdades de uso e acesso de bens.

Corresponde a instrumento de gestão do risco ecológico, trazendo

discussões quando se está diante de contextos de incertezas.

Para essa gestão do risco diante de incertezas científicas, o

Estado se utiliza de diversos instrumentos, como políticas públicas, que

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173

denotam uma escolha jurídico-política de incentivo a determinadas

práticas; agências reguladoras das atividades que comportem riscos;

ações baseadas no princípio da precaução; licenciamento e estudos

ambientais; dentre outros.

Embora todos os instrumentos apresentem relevância para a

gestão do risco, o presente estudo visa abordar a melhor tecnologia

disponível no licenciamento ambiental e em seus estudos, que se insere

na discussão acerca da normatização técnica, ou seja, da remessa do

Direito à tecnociência, que pode ocorrer de diversas formas. Além

disso, insere-se na necessidade de aprimoramento da legislação,

impondo-se a regulação das atividades de prevenção de riscos.

Inicia-se pelo estudo das normas técnicas, cuja criação e

também de padrões tecnológicos no licenciamento de indústrias é o

instrumento clássico de intervenção administrativa na luta contra a

poluição e contra riscos antrópicos. Contudo, tais padrões são

modificados com o passar do tempo (LOUBET, 2014).

As normas técnicas surgiram para fins de padronização de

pesos e medidas, para facilitar o comércio. Posteriormente, foram

ampliadas para incluir normas de uso, de medida, de inspeção, de

qualidade, de segurança, de padrões de qualidade ambiental, entre

outras (LOUBET, 2014).

A normatização técnica pode ser conceituada como a análise

racional e discutida sobre um problema surgido no âmbito da

tecnociência, objetivando estabelecer bases precisas e lógicas para seu

tratamento. Baseia-se nos resultados da tecnociência e fixa as

características oferecidas em um espaço e tempo determinados. Tais

normas são, portanto, provisórias, pois se modificam com o avanço da

tecnociência e também de acordo com as necessidades humanas e

sociais. Desta característica advém a importância de sua regulação,

servindo também como impulsionadora da busca por melhores

tecnologias.

Salienta-se a diferença existente entre normas técnicas e

regulamentos técnicos, ou seja, as normas técnicas são voluntárias,

provenientes de órgãos de normatização, enquanto os regulamentos

técnicos são obrigatórios e de origem estatal (LOUBET, 2014).

A discussão representa, logo, uma interligação e um diálogo entre o Direito e a tecnociência, na tão necessária interdisciplinaridade,

e uma das formas pelas quais o Direito se remete à técnica, que ocorre

desde a adoção legislativa de conceitos científicos até a remessa direta a

normas técnicas feitas por instituições privadas.

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174

A predominância e importância da técnica ganhou impulso após

a segunda guerra mundial, quando a Administração assumiu a tarefa de

prestar serviços essenciais dependentes da própria técnica, como

sistemas de saneamento, de energia, de telégrafo, ferroviário, entre

outros, levando a que profissões técnicas assumissem relevância nas

esferas legislativa, administrativa e judicial. Isso levou ao fim do

monopólio dos juristas na administração do Estado, que dá cada vez

mais importância aos profissionais da área técnica vinculados ao

desenvolvimento industrial (LOUBET, 2014).

Diante da necessidade de regulação da tecnociência, a opção

escolhida pelo Estado varia entre a total regulação da atividade até a

adoção de uma autorregulação privada, passando por formas que variam

entre uma e outra, entre as quais: a) regulação pública de caráter

imperativo, clássica regulamentação de polícia administrativa que, com

base em leis e regulamentos, estabelece os critérios para adoção nos

instrumentos de autorização ou licença; b) regulamentação pública que

considera elementos autorreguladores, ou seja, ocorre de modo privado,

mas realizado por orientação e controle de órgãos públicos; c)

autorregulação regulada, na qual há um translado de competências ou

atribuições da Administração a particulares, mas é regulamentada, em

vista do interesse público; e d) autorregulação privada, que representa

um poder normativo privado, cuja eficácia ocorre de forma similar às

normas jurídicas, como o que ocorre com a regulamentação da internet

(LOUBET, 2014).

No Brasil, essa regulação ocorre de diversas formas. Uma delas

é a regulamentação técnica pelo próprio Direito, emitida geralmente por

entidades da Administração de caráter tecnocientífico, como ocorre com

as Resoluções do CONMETRO – Conselho Nacional de Metrologia,

Normalização e Qualidade Industrial, ou Portarias do INMETRO –

Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia, que possuem

conteúdo jurídico obrigatório, conforme artigo 5º, da Lei Federal nº

9.933/199942

, ou das Normas Regulamentadoras do Ministério do

42

Lei Federal nº 9.933/1999. Art. 5o As pessoas naturais ou jurídicas, públicas

ou privadas, nacionais ou estrangeiras, que atuem no mercado para prestar

serviços ou para fabricar, importar, instalar, utilizar, reparar, processar, fiscalizar, montar, distribuir, armazenar, transportar, acondicionar ou

comercializar bens são obrigadas ao cumprimento dos deveres instituídos por esta Lei e pelos atos normativos expedidos pelo Conmetro e pelo Inmetro,

inclusive regulamentos técnicos e administrativos.

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175

Trabalho para segurança do trabalho, fundadas na Consolidação das

Leis do Trabalho43

(LOUBET, 2014).

Também há a autorregulação regulada, no caso de legislações

que remetem à obrigatoriedade de adoção das normas de qualidade ou

de padronização fixadas por órgãos privados, como a ABNT –

Associação Brasileira de Normas Técnicas (LOUBET, 2014).

Na ausência de regulamentação técnica pelo Direito, deve-se

analisar o estado da técnica para averiguar as soluções para os casos

apresentados, observando também a padronização internacional, ante a

necessidade de comunicação e intercambialidade de informação e de

tecnologia entre os países (LOUBET, 2014).

Diante da necessidade de regulação, adota-se uma linguagem

técnica, com conceitos complexos e científicos, o que é muito comum

na legislação ambiental. Como exemplo, a Lei nº 11.105, de 24 de

março de 2005, conhecida como Lei de Biossegurança, define diversos

conceitos técnicos no artigo 3º, como ácido desoxirribonucleico; ácido

ribonucleico; moléculas de ADN/ARN recombinante; organismo

geneticamente modificado; célula germinal humana; clonagem; células-

tronco embrionárias; entre outros.

Esta definição jurídica em instrumentos normativos pode trazer

problemas, como as consequências jurídicas a estas conceituações, a

atribuição de regime jurídico ou a restrição de sua interpretação

(LOUBET, 2014). Torna ainda mais difícil a sua atualização devido às

formalidades dos processos legislativo e constitucional e também de

conveniências políticas.

Além da conceituação pela própria legislação, pode ocorrer

ainda de o legislador não definir juridicamente o termo científico

utilizado, remetendo à técnica dos conceitos jurídicos indeterminados,

como a cláusula técnica da Melhor Tecnologia Disponível – MTD

(LOUBET, 2014).

Conceito jurídico indeterminado é, nas lições de Mello (2007),

instituto de grande amplitude ou fluidez, um dispositivo vago e que

possibilita uma ampla interpretação, não dependendo de edição

posterior de outra norma para que o ordenamento jurídico permaneça

sempre atualizado.

43

Conforme CLT, artigo 155. Incumbe ao órgão de âmbito nacional competente em matéria de segurança e medicina do trabalho: I – estabelecer, nos limites de

sua competência, normas sobre a aplicação dos preceitos deste Capítulo,

especialmente os referidos no art. 200.

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176

A adoção por um conceito jurídico indeterminado ocorre pelo

fato de que essas normas jurídicas renunciam-se a prescrever

determinações em detalhes, posto que a realidade tecnológica pode

oferecer diversas opções que podem estar superadas por novos avanços

ou pela introdução de tecnologias melhores e mais eficazes. O

reconhecimento de que a regulação jurídica não acompanha o

desenvolvimento da tecnociência explica o recurso aos conceitos

jurídicos indeterminados (PARDO, 1999).

É característica dos conceitos jurídicos indeterminados sua

variação de acordo com o caso concreto, uma vez que a remissão não é

a uma solução técnica concreta ou a uma norma técnica em particular,

mas sim à ordem técnica em seu conjunto, com seu componente

dinâmico. Isso permite ao tomador de decisão uma margem de

valoração e discricionariedade para verificar qual seria a melhor solução

para aquele caso, conforme o desenvolvimento tecnocientífico

(PARDO, 1999).

A aplicação prática de um conceito jurídico indeterminado é

analisada pelo intérprete e depois averiguada se a situação de fato

justificada está ou não ligada ao conceito, ou seja, há uma análise

conceitual e outra de ligação entre a situação fática e o conceito.

A MTD é um conceito jurídico indeterminado de origem

tecnocientífica, ou seja, o jurista necessita recorrer a outros

conhecimentos científicos para sua determinação. A discricionariedade

técnica liga-se a critérios extrajurídicos baseados em outras ciências,

devendo a Administração levar em conta os conhecimentos da

tecnociência para a tomada de decisão.

Como Pardo (1999, 2009) afirma, a tecnociência está

configurando seu próprio ordenamento normativo. Contudo, com a

adoção da cláusula técnica, não se opera uma relação entre normas, mas

entre ordenamentos (jurídico e técnico), correspondendo à melhor

solução de relação entre eles, tendo em vista que é possível a revisão

judicial da solução adotada pela inovação concreta e também pela

Administração, que não se vincula, tendo em vista tratar-se de um

conceito jurídico indeterminado.

Conforme Pardo (1999), são três as fórmulas de conexão que a

técnica tem com o Direito: a) remissão nominada e estática, quando uma norma jurídica se remete ao estabelecido por uma norma técnica, cujo

conteúdo é assumido pela norma jurídica. Contudo, a remissão não

ocorre ao progresso técnico constante e dinâmico, mas a um estado

concreto que pode ser facilmente superado; b) remissão inominada e

dinâmica, na qual não há remissão a uma norma técnica concreta, mas a

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177

uma série ou tipo de normas que se modificam sucessivamente,

corrigindo-se a rigidez do sistema estático ao deixar aberta a

possibilidade de modificação das normas remetidas. Entretanto, sua

validade jurídica é perdida pelo domínio da norma incorporada, vez que

criada por instâncias privadas, pois, ao se modificar, introduz uma

norma que não foi elaborada pelas instâncias constitucionalmente

legitimadas e não segue os procedimentos estabelecidos, e não é

conhecida por aqueles que decidiram pela remissão; e c) remissão por

meio da cláusula técnica, também chamada de normas técnicas como

laudo pericial antecipado, considerada a mais idônea de todas, ao

permitir uma combinação adequada da conexão da técnica ao

ordenamento jurídico, mantendo, ao mesmo tempo, a flexibilidade para

incorporar o progresso técnico.

No mesmo sentido, Loubet (2014) identifica quatro técnicas de

remissão do Direito ao ordenamento técnico para exercer controle sobre

a tecnociência no âmbito legislativo: a) expedição de norma jurídica de

natureza técnica; b) cópia de norma técnica de órgão normativo técnico

de origem privada ou remessa a ela; c) remessa de forma dinâmica para

a normatização técnica; e d) utilização de conceitos jurídicos

indeterminados, dentre eles a cláusula técnica, gênero cuja espécie é a

das melhores tecnologias disponíveis – MTD.

Independente da forma escolhida colocam-se problemas e

reflexões. Isso porque, enquanto o sistema jurídico é estável e

burocrático, mas apresenta instâncias de criação legitimadas, o sistema

técnico é dinâmico e ágil, mas não possui legitimação social, o fazendo

por sua excelência tecnocientífica e pelo reconhecimento social, jurídico

e político que possui (LOUBET, 2014).

A primeira possibilidade apresenta a vantagem de ser

legitimada pelas instâncias jurídico-políticas, mas seu problema

principal é que o descompasso entre a tecnociência e o Direito, ou seja,

o caráter dinâmico do ordenamento técnico, é perdido e passa a ser

burocratizado, de forma que, ultrapassada a realidade jurídica que deu

origem àquela regulamentação, haverá uma lacuna entre os dois

sistemas (LOUBET, 2014).

É dizer que, quando surgir uma técnica melhor e mais

avançada, a utilização da técnica ultrapassada continuará sendo a obrigada pelo ordenamento. Ademais, é praticamente impossível que as

normas de maior hierarquia, as leis, possam regular todos os detalhes

das questões técnicas, levando à necessidade de passar a detalhamento

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178

por normas de hierarquia inferior, como decretos, resoluções e portarias

(LOUBET, 2014).

Outro grave problema é a questão da publicidade normativa,

pois, enquanto a legislação é pública e é dada publicidade por sua

publicação em diários oficiais, as normas técnicas de órgãos privados

são protegidas pelo direito autoral, ou seja, não são públicas, e

necessitam de pagamento para que delas se possa ter conhecimento, o

que dificulta sua legitimidade e publicidade, bem como sua utilização

ampla pela sociedade (LOUBET, 2014).

Um exemplo claro de remissão estática, no estabelecimento de

padrões de qualidade ambiental, ocorre quanto aos problemas derivados

de níveis excessivos de ruídos ao controle da poluição sonora,

regulando-se os padrões de emissão aceitáveis em âmbito nacional pela

Resolução CONAMA nº 001, de 08 de março de 1990, que considera

prejudiciais à saúde e ao sossego público os ruídos com níveis

superiores aos considerados aceitáveis pela norma NBR 10.152 – Níveis

de Ruído para Conforto Acústico, da Associação Brasileira de Normas

Técnicas - ABNT.

A NBR 10.152 dispõe sobre a avaliação do ruído, medindo-o

em decibéis e fixando condições para avaliação da aceitabilidade do

ruído, levando em consideração as atividades presentes no local,

correspondentes a nove categorias de instalações: hospitais; escolas;

hotéis; residências; auditórios; restaurantes; escritórios; igrejas e

templos; e locais para esporte.

Quanto à remessa dinâmica à normatização técnica, entende-se

que ocorre quando o sistema jurídico faz uma remessa de forma aberta,

incorporando a normatização como parte do Direito, de forma que, com

a atualização da norma técnica, estará atualizada a norma jurídica. Esta

remissão tem a vantagem de superar a rigidez do sistema de remissão

estática, mas seu principal problema é a delegação dos organismos

normativos de Estado a órgãos particulares de normatização para

legislar e regular as relações e conflitos nascidos neste âmbito, o que

viola o princípio da legalidade (LOUBET, 2014).

A discussão acerca da remessa dinâmica assume relevância

quando se verifica que, no Brasil, isto é o que ocorre em diversos

momentos da legislação protetiva ambiental, passando a dar caráter jurídico às normas técnicas emitidas por órgão privado

44.

44

Como exemplo, cita-se o artigo 13, inciso II, alínea “a” da Lei Federal nº

12.305/2010.

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179

Isso demonstra a deriva cientificista do Direito, identificada por

Pardo (1999, 2009) e discutida anteriormente, e a autorregulação da

tecnociência: ela cria os riscos, os regula e resolve os conflitos deles

decorrentes, por uma legitimação fornecida pelo próprio órgão decisório

e legitimado para tal, e ainda lucra com toda essa atividade.

O órgão de normatização brasileiro é a ABNT – Associação

Brasileira de Normas Técnicas45

, fundado em 28 de setembro de 1940 e

confirmado pelo governo federal por meio de diversos instrumentos

legais. É uma entidade privada e responsável pela publicação das

Normas Brasileiras (ABNT NBR), elaboradas por seus Comitês

Brasileiros (ABNT/CB), Organismos de Normalização Setorial

(ABNT/ONS) e Comissões de Estudo Especiais (ABNT/CEE), e

formada por conselhos deliberativo, fiscal e técnico.

A ABNT é, ainda, uma instituição certificadora, quer dizer,

avalia empresas de acordo com sua normatização e técnica, e certifica

aquelas que as seguem. Os certificados atuam como uma forma de

garantir que as normas estejam sendo seguidas, assumindo caráter

essencial em contextos de mercado.

De acordo com a Lei nº 4.150, de 21 de novembro de 1962, nos

serviços públicos concedidos pelo Governo Federal, ou por ele

subvencionados ou executados, é obrigatória a exigência e a aplicação

dos requisitos mínimos de qualidade, utilidade, resistência e segurança,

chamados de normas técnicas, e devem ser elaboradas pela ABNT.

Considera ainda a Lei que a ABNT é um órgão de utilidade pública e

recebe orçamento da União.

Em relação à obrigatoriedade das normas da ABNT, Loubet

(2014) afirma que não possuem caráter vinculante, uma vez que não se

trata de órgão legislativo legitimado constitucionalmente e que, por

força do princípio da legalidade, não pode criar obrigações com a edição

de suas normas. Isso porque não há constitucionalmente a possibilidade

de delegação pelo Poder Legislativo a um órgão privado.

Neste contexto, Loubet (2014) entende que, para compatibilizar

os dispositivos que remetem de forma genérica à normatização da

ABNT com o princípio da legalidade e com as normas constitucionais, é

necessário interpretá-los como gerando uma presunção relativa de

legitimidade em favor das práticas estabelecidas pelo órgão técnico, o

45

As informações sobre a ABNT foram retiradas do sítio eletrônico da própria

associação: <http://www.abnt.org.br/abnt/>.

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que também pode ocorrer tão somente pela existência da norma técnica

em questão, sem que haja a remessa dinâmica na legislação.

Correspondem, portanto, a uma presunção de legitimidade em

razão do amplo consenso tecnocientífico em sua adoção, ou seja,

demonstram que estão seguindo, em tese, a melhor tecnologia

disponível e a mais aceita, o que sempre admite prova em contrário

(LOUBET, 2014).

As normas técnicas corresponderiam a um laudo pericial

antecipado, com os critérios qualificados dos especialistas técnicos,

encontrando o Judiciário e a Administração não normas que os

vinculem e tenham que necessariamente aplicar, mas um parecer dos

técnicos, possivelmente com amplo reconhecimento nos setores

especializados, mas que, em função das circunstâncias e fundamentos

de apreciação pelos órgãos legitimados de decisão, podem não ser

consideradas para aquele caso concreto (PARDO, 1999).

Um exemplo claro de remissão estática e dinâmica em uma

única norma é o disposto no artigo 4º, inciso VIII, da Lei Estadual do

Rio de Janeiro nº 4.324, de 12 de maio de 2004, que trata da diminuição

do ruído e da poluição sonora, afirmando que, para atender aos

objetivos da Lei, deverá ser adotado pelos poderes públicos, nas

atividades industriais, comerciais, culturais e outras que gerem elevado

impacto sonoro, o acompanhamento de estudos e medidas de controle

de ruídos, elaborados pelas empresas responsáveis e aprovados pelo

órgão competente, que obedecerá ao que estabelece a NBR 10.151 –

Acústica - Avaliação do ruído em áreas habitadas, que traz os

procedimentos para avaliação do ruído, e às demais normas da ABNT.

Na proteção ambiental, uma das principais formas de

regulamentação técnica é ainda a emitida pelo CONAMA – Conselho

Nacional do Meio Ambiente, consistindo em uma regulamentação

técnica pelo próprio Direito, emitida por entidades da Administração.

Tratam-se suas resoluções, portanto, de regulamentos técnicos e não de

normas técnicas propriamente ditas, por serem de caráter obrigatório e

emitidas pelo próprio Estado.

O CONAMA é o órgão consultivo e deliberativo do Sistema

Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, instituído pela Lei nº

6.938/1981, e regulamentado pelo Decreto nº 99.274/1990. É composto por diversos setores, integrando órgãos federais, estaduais e municipais,

setor empresarial e sociedade civil.

Entre as competências do CONAMA, ressalta-se: estabelecer

normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou

potencialmente poluidoras; determinar, quando julgar necessário, a

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realização de estudos das alternativas e das possíveis consequências

ambientais de projetos públicos ou privados; estabelecer,

privativamente, normas e padrões nacionais de controle da poluição

causada por veículos automotores, aeronaves e embarcações;

estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à

manutenção da qualidade do meio ambiente, com vistas ao uso racional

dos recursos ambientais; estabelecer os critérios técnicos para a

declaração de áreas críticas, saturadas ou em vias de saturação; e

estabelecer sistemática de monitoramento, avaliação e cumprimento das

normas ambientais.

São atos normativos do CONAMA as Resoluções, que trazem

diretrizes e normas técnicas, critérios e padrões de proteção ambiental,

de forma obrigatória. Cita-se como exemplos de Resoluções do

CONAMA, estabelecendo padrões técnicos de qualidade ambiental, a

Resolução nº 003, de 28 de junho de 1990, que determina padrões de

qualidade do ar, as concentrações de poluentes atmosféricos, e a

Resolução nº 357, de 17 de março de 2005, que estabelece as condições

e padrões de lançamento de efluentes nos corpos hídricos.

Estas normas são estabelecidas por meio do consenso de que

correspondem aos melhores padrões de qualidade ambiental e às

melhores formas de verificação, gestão e controle de riscos ambientais,

o que traz à discussão o dever de adoção da melhor tecnologia

disponível, prevista no ordenamento jurídico brasileiro.

A melhor tecnologia disponível é uma espécie de cláusula

técnica, ou seja, da remessa do Direito ao universo da técnica para o

estado atual da técnica em determinada área, mas, ao invés de remeter

de forma estática a uma norma específica ou copiando seu conceito, ou

de forma dinâmica às normas técnicas, com violação ao princípio da

legalidade, remete de forma genérica às melhores práticas reconhecidas

pelo setor em um dado momento, ocorrendo uma remissão indireta ou

inominada (LOUBET, 2014).

A adoção das melhores tecnologias corresponde a um dever do

Estado de redução de riscos, em especial no licenciamento ambiental,

como principal instrumento de condicionamento de liberdades, uso e

acesso a bens ambientais e que merece, portanto, uma análise mais

aprofundada para que seja possível compreender suas implicações na regulação de riscos, em contextos de incertezas científicas.

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5 A ADOÇÃO DA MELHOR TECNOLOGIA DISPONÍVEL NO

LICENCIAMENTO AMBIENTAL

Após entendido o contexto atual de incertezas no conhecimento

científico e a necessidade de valorização de outras formas de

conhecimento, foram discutidas as formas de remessa do Direito à

tecnociência e às normas técnicas.

Como a melhor forma de interligação, de diálogo e de

cooperação entre o ordenamento jurídico e o técnico, é a cláusula

técnica, na qual se insere a melhor tecnologia disponível, diante do

dever do Estado de incentivo à pesquisa para conter os diversos riscos

criados pelo próprio desenvolvimento da tecnociência.

Como afirmado, a melhor tecnologia disponível é uma espécie

de cláusula técnica, ou seja, da remessa do Direito ao estado atual da

técnica em determinada área, permanecendo com a legitimidade do

ordenamento jurídico e com a dinamicidade do ordenamento técnico.

Na sequência, neste último capítulo, é testada a hipótese de

pesquisa acerca da adoção da melhor tecnologia disponível no

licenciamento ambiental.

Isso porque já foi afirmado que uma das principais tarefas de

um Estado ambiental é reduzir os riscos existenciais, o que ocorre por

meio de dois compromissos básicos: condicionamento das liberdades e

redução das intervenções sobre os bens ambientais (uso e acesso). O

principal instrumento que viabiliza a concretização desses deveres hoje

é o licenciamento ambiental.

Por isso, a tecnologia e o dever de investigar e de melhorar os

níveis de intervenção tecnológica passam a ser um dever, uma das

múltiplas manifestações de um Estado ambiental.

No licenciamento ambiental, em vista de emitir licenças para

uso e acesso a bens ambientais, a evolução tecnológica, admitida no

Direito por meio da cláusula técnica, traz a necessidade de adaptação do

empreendedor e a mutabilidade das licenças já concedidas.

A cláusula técnica permite a incorporação e a permanente

atualização das inovações tecnológicas para fazer frente às

determinações jurídicas mais estáticas e, ainda, permanecendo com a

legitimação do ordenamento jurídico e não remetendo à regulação privada, como o fazem as normas técnicas.

A cláusula técnica contempla conhecimentos inacessíveis ao

jurista, o que aumenta a relevância do conceito de risco e sua

importância jurídica. A cláusula técnica opera em uma regulação

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normativa em que o Direito precisa da dinamicidade e da especificidade

do conhecimento técnico e do desenvolvimento tecnológico. Opera no

regime de licenças ambientais, juntamente com dois ordenamentos: um

legitimando o ordenamento jurídico e o outro com o conhecimento

científico e os meios técnicos exigíveis para o melhor controle de

emissões e de padrões de qualidade ambiental.

A questão se complica ainda mais quando se estabelece o dever

de adoção das MTDs em contextos de incertezas científicas, ou seja,

quando há várias tecnologias adequadas e não se sabe qual delas é a

melhor a ser adotada. Nesse contexto de complexidade, questiona-se

quem deve tomar a decisão e baseado em quais critérios.

Para tanto, neste capítulo, é avaliada a conceituação e os

elementos da melhor tecnologia disponível, sua origem e sua adoção

pelo direito ambiental brasileiro como instrumento de proteção

ambiental.

Entendida a melhor tecnologia disponível como dever do

Estado no licenciamento ambiental, passa-se a demonstrar a capacidade

jurídica de sua imposição na eleição do método de proteção ambiental

em contextos de incertezas.

É nesse momento que se unem os capítulos precedentes, já que

é avaliada a possibilidade e a efetividade da imposição da melhor

tecnologia disponível para evitar, controlar e minimizar riscos

ambientais.

O raciocínio seguido pela dissertação neste capítulo é o de,

inicialmente, abordar as características principais da MTD, seguidas por

sua origem e conceito nos ordenamentos jurídicos dos Estados Unidos

da América e da União Europeia, nos quais o tema se encontra mais

amplamente desenvolvido e normatizado, podendo trazer algumas boas

práticas que possam ser adotadas pela realidade brasileira ou servir de

fundamentação para decisões enfrentadas aqui, por serem experiências

jurídicas semelhantes e que se deparam com o mesmo problema

complexo dos riscos.

Posteriormente, é compreendida a MTD no direito ambiental

brasileiro, suas referências normativas e hipóteses de aplicação. Depois,

passa-se a analisar sua adoção pelo licenciamento ambiental no Brasil e

sua previsão nas normas e procedimentos do licenciamento e dos estudos ambientais, com ênfase no estudo prévio de impacto ambiental e

seu relatório.

A fim de elucidar o estudo da adoção da MTD no contexto de

incertezas científicas, é abordada a natureza jurídica das licenças

ambientais e sua revisibilidade, mediante a incorporação do

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desenvolvimento tecnológico e, na ausência de técnicas, como a

legislação presente na Lei do Sistema Nacional de Unidades de

Conservação trata da compensação ambiental.

Para tornar o estudo da complexidade do tema mais palpável, é

discutido o caso da queima da palha da cana-de-açúcar pela

jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal

Federal, sem desconhecer a existência de outras. A discussão desse tema

foi escolhida por sua relevância atual, tendo em vista que o Brasil se

desponta como exportador desse insumo e como produtor de etanol,

considerado um agrocombustível46

sustentável e que representa um bom

substituto aos combustíveis fósseis.

Contudo, a forma como vem sendo plantada e colhida a cana-

de-açúcar no Brasil, com a queimada e consequentes danos ao meio

ambiente e à saúde, demonstra o afirmado no decorrer da dissertação, de

que o Estado toma decisões e escolhas políticas que se encontram

diametralmente opostas às normas constitucionais de proteção.

Além disso, o caso foi escolhido por ser uma clara opção de

melhor tecnologia disponível e por haver já farta jurisprudência no

âmbito do Superior Tribunal de Justiça e decisão recente do Supremo

Tribunal Federal sobre o tema, discutindo a complexidade da adoção da

tecnologia para a colheita da cana-de-açúcar, envolvendo aspectos

ambientais, sociais e econômicos.

Por fim, é tratado especificamente o tema das incertezas

científicas para a adoção da melhor tecnologia no licenciamento, no qual

é ressaltada a importância da participação no processo e da inclusão de

outras formas de conhecimento, para que não sejam aprovados

empreendimentos que sujeitem o meio ambiente e a sociedade a riscos

intoleráveis e a prováveis danos.

As dificuldades para a elaboração desse capítulo e desse tema

são visíveis, tendo em vista que quase não há no Brasil discussões

profundas e amplas sobre o tema das melhores tecnologias disponíveis.

Em vista dessa carência, foi utilizada, principalmente, a obra de

Loubet (2014), por representar a única encontrada que aborda a MTD no

contexto do licenciamento ambiental brasileiro, e também a obra de

Pardo (1999) que, apesar de referente ao contexto espanhol, aborda

questões de extrema relevância para a discussão.

46

O termo é de NODARI, Rubens Onofre. Agrocombustíveis: impactos e benefícios. In: FERREIRA, Heline Sivini; LEITE, José Rubens Morato (org.).

Biocombustíveis: fonte de energia sustentável?: considerações jurídicas,

técnicas e éticas. São Paulo: Saraiva, 2010.

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186

5.1 MELHOR TECNOLOGIA DISPONÍVEL – MTD

A cláusula técnica impõe a obrigação de adequação das

melhores tecnologias, em uma permanente adaptação do Direito e da

gestão de riscos, em especial na expedição de licenças ambientais, a

uma conformação permanente ao estado da técnica.

O termo melhor tecnologia disponível ou MTD pode parecer de

fácil compreensão, mas integra diversos elementos que devem ser mais

bem refletidos, para que seja possível identificar suas diversas facetas,

como seus elementos, critérios de identificação, fundamentação jurídica,

natureza jurídica, dentre outros.

Como se verá adiante, algumas normativas estadunidenses,

europeias e inclusive a brasileira utilizam ora melhores tecnologias ou

técnicas. Loubet (2014) entende ser melhor a utilização do termo

técnica, por considerar mais abrangente, a incluir não apenas a

tecnologia, mas também o modo de instalação, a gestão ambiental,

dentre outros.

Neste trabalho, contudo, utiliza-se a mesma nomenclatura

adotada por Pardo (1999), ou seja, melhor tecnologia disponível, por

entender esta mais a abrangente, de acordo com o conceito de tecnologia

adotado na presente dissertação, baseada na filosofia da tecnologia, já

exposto anteriormente, considerando-a como uma realidade

polifacetada, comportando objetos, conjuntos de objetos, sistemas,

processos, modos de proceder e certa mentalidade, dentro da qual se

inserem as diversas técnicas, consideradas em seu conjunto, incluindo

sua gestão. Esse conceito se confunde com o adotado por Loubet (2014),

embora a utilização dos termos seja diversa.

A utilização de melhores tecnologias é essencial para diversos

ramos do conhecimento e para o ordenamento jurídico, no trato da

segurança, da propriedade intelectual, do direito do trabalho, dentre

outros de gestão de riscos. Neste trabalho, o aspecto considerado é o do

direito ambiental e a obrigatoriedade de sua adoção frente a riscos ao

meio ambiente no contexto do Estado ambiental.

Na MTD não se trata de especificar em cada caso as medidas de

ordem técnica corretoras ou redutoras de poluição ou riscos ambientais

introduzidos pelo desenvolvimento da tecnociência, mas sim em fixar com maior segurança os critérios pelos quais sua adoção se torna

obrigatória para atividades e instalações que foram autorizadas em

momento anterior ao desenvolvimento de tal tecnologia, ou que não

estavam ainda acessíveis às empresas (PARDO, 1999).

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Esse aspecto evidencia ser a MTD uma obrigação de resultado47

e não de meio, ou seja, dentro das tecnologias disponíveis para alcançar

determinado fim, seja de emissão de poluição, de análise do ciclo de

vida dos produtos, de tratamento de resíduos, desde que a tecnologia

adotada consiga atingir o objetivo almejado pela norma, a escolha entre

uma delas é feita pelo empreendedor na apresentação dos estudos

ambientais e o resultado final motivado de qual delas deve ser adotada é

do órgão ambiental competente.

Entendido o conceito de tecnologia, cumpre determinar o que é

entendido por “melhor”. Como será visto na sequência, a legislação

brasileira e a europeia trazem o significado do conceito, normalmente

vinculado à ideia de eficiência, mas mediante a verificação do

empreendimento e do meio ambiente como um todo, sem que haja a

transferência de poluição entre meios e que o ciclo da atividade ou

indústria seja analisado em seu conjunto.

Já o conceito de disponível implica uma maior reflexão. Isso

porque se relaciona com os custos da tecnologia, com a disponibilidade

técnica, com a análise do mercado e com a discussão se está ou não

obrigado o empreendedor a proceder à investigação científica.

Dentro do conceito de disponíveis estão as tecnologias já

testadas e que já estejam disponíveis no mercado, nacional ou

internacional, considerando o setor industrial como um todo, não sendo

obrigatórias aquelas que estejam em fase de verificação e

experimentação, para que não se faça das empresas laboratórios de

investigação, o que implicaria também em custos elevados e com efeitos

contraproducentes (PARDO, 1999) e, mais importante, para evitar

prejuízos e contaminações maiores.

Ressalta-se que, segundo Pardo (1999), o dever de investigação

científica não é das empresas, não se exige delas laboratórios de

investigação e experimentação de técnicas. Quanto à existência no

mercado, não é cabível exigir das instalações que estejam na vanguarda

da investigação, incorporando técnicas ainda não generalizadas.

Ainda no conceito de disponíveis, o fator econômico é o que

acaba por ser decisivo, bem como a análise da relação custo-benefício

47 Apesar de se considerar a MTD como uma obrigação de resultado, é necessária uma reflexão, pois o teste dessas tecnologias para verificar se

realmente cumprem com aquele resultado esperado e eficiente ocorrerá, não raras vezes, na prática, pois são infinitas as possiblidades e sinergias da adoção

de uma nova tecnologia. Em especial em contextos de incertezas científicas,

esse resultado eficiente pode acabar comprometido na prática.

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da tecnologia, o que implica em um regime diferenciado entre a

obrigatoriedade de incorporação de novas técnicas às indústrias já em

funcionamento e às anteriormente autorizadas (PARDO, 1999).

Os custos da atividade não podem ser desproporcionais,

devendo-se valorá-los com os benefícios auferidos, o que afeta o

interesse competitivo das indústrias de nova instalação, obrigadas a

iniciar sua atividade com as novas técnicas e competir com as que

operam com tecnologia defasada e contaminante (PARDO, 1999).

Os dois efeitos possíveis do desenvolvimento da tecnociência

são a possibilidade de detectar efeitos ambientais negativos de

atividades autorizadas muito superiores aos conhecidos ou supostos

quando houve a licença, o que poderia implicar em sua revogação,

característica das sociedades de risco; e o conhecimento de novas

técnicas corretoras de contaminação, caso em que opera a cláusula

técnica incorporada na licença, que obriga a empresa licenciada a

introduzir a melhor tecnologia disponível, tratando-se, portanto, de

cumprimento das condições pelas quais houve a concessão da licença

(PARDO, 1999).

Em resumo, a nova tecnologia eficaz na redução da

contaminação deve ser obrigatória, desde que não tenha custos

excessivos e que sejam exigíveis em face dos benefícios auferidos. A

determinação dos meios a incorporar, as fórmulas de financiamento ou

outras ajudas públicas, e o tempo necessário para a incorporação são

decisões que, para sua adoção, sugerem a existência de um acordo de

cooperação entre empresas e particulares (PARDO, 1999).

Isso porque determinações unilaterais e autoritárias ou uma

atividade rigorosa da Administração, sem considerar o custo e a real

eficácia da incorporação de novas tecnologias, podem provocar tanto a

reação singular do obrigado em dilatar a incorporação das novas MTDs,

quanto uma reação coletiva do setor industrial de ocultar novos

conhecimentos com possibilidade de aplicação na proteção do meio

ambiente ou de perder o interesse e desincentivar essa investigação

(PARDO, 1999).

Salienta-se que, embora não seja exigível das empresas que

sejam laboratórios de investigação de novas tecnologias, entende-se

como a melhor solução uma cooperação entre Estado, agências de fomento, universidades, centros de pesquisa, sociedade, empresas, ou

seja, entre todos os setores envolvidos para a busca por MTDs. Além

disso, o fomento à investigação científica para melhoria da qualidade

ambiental é também um dever do Estado, como se afirmou

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anteriormente, o qual deve fomentar e incentivar essas atividades em

diversos âmbitos, dentro dos quais se destaca o papel das universidades.

Por outro lado, conforme Pardo (1999), essa ponderação de

custos econômicos e de oportunidades técnicas se produz pela falta de

normas, pois, quando a norma exige certas tecnologias, elas necessitam

ser incorporadas, sob pena de não concessão ou revogação da licença. É

neste âmbito preciso que opera a cláusula técnica, ou seja, em terreno

não dominado por normas jurídicas e cuja modificação se produz por

meio do conhecimento científico e do progresso tecnológico.

Para Loubet (2014), a verificação dos custos excessivos deve

considerar dois critérios para a decisão de fixação das MTDs: no

primeiro, dentro da análise custo-benefício, deve-se considerar o custo

da implementação e dos benefícios ambientais trazidos, incorporando a

avaliação dos benefícios ambientais e da valorização econômica do

meio ambiente, ou seja, dos custos de recuperação em caso de dano, o

valor dos serviços ambientais, entre outros; e o custo incorporado do

investimento de incorporação de determinada tecnologia no caso de

readaptação de toda a instalação ou partes dela.

Continua Loubet (2014), afirmando que se deve buscar o

equilíbrio entre os benefícios ambientais obtidos, os recursos investidos

e os impactos sociais implicados, avaliando ainda o valor do

investimento, o lucro da empresa, os benefícios ambientais e sociais

implementados. Cita, ainda, que não se deve rechaçar uma tecnologia

disponível por ser excessivamente cara, quando o custo real da

contaminação ou da restauração ambiental é muito superior ao valor de

custo da tecnologia e de sua implantação.

Embora se entenda que a análise dos custos de implementação

das MTDs deva ser feita, deve-se ter muito cuidado ao incluir nos

critérios de análise os requisitos trazidos por Loubet (2014). Devem ser

consideradas a incorporação na decisão das externalidades negativas e a

verificação da possibilidade de ocorrência de graves danos ambientais,

caso a incorporação de uma tecnologia muito cara não seja feita. Ou

seja, pode ocorrer um dano ambiental muito grande e sua restauração

seja muito superior aos custos da implementação da nova tecnologia; ou

ainda, que os riscos ou possíveis danos possam ser causados a sistemas

ecológicos ameaçados ou com espécies ameaçadas ou endêmicas, que prestam serviços essenciais, ou ainda, cujos danos previsíveis sejam a

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morte de um rio, como aconteceu em Mariana-MG48

, devem ser

considerados.

Entretanto, a valoração do meio ambiente não é algo fácil e é

muito discutido na doutrina sobre quais critérios e como colocar valor

no meio ambiente, não o considerando apenas como recurso, mas por

seu valor intrínseco e dos serviços ambientais prestados. Assim, deve-se

ter cuidado ao incorporar o valor do meio ambiente, pois somente este

critério é de extrema complexidade; qual o valor, quais critérios utilizar

para sua valoração, entre outros aspectos.

Salienta-se, ainda, que é importante ver os custos da tecnologia.

Se não for verificada a razoabilidade econômica, a atividade produtiva

pode ficar inviabilizada, mas se não há a técnica, então por força do

princípio da precaução, a atividade não pode ser licenciada ou deve ser

interrompida e paralisada (caráter ativo do princípio). Além disso, deve-

se verificar os custos sociais de implementação de novas MTDs, mas

não como um empecilho à sua adoção, uma vez que é comum no

discurso político a pretensão de equilíbrio entre economia e ecologia, a

geração de renda, emprego e o desenvolvimento do país.

Este discurso, muitas vezes falacioso, esconde o interesse do

mercado, que domina a política e as instituições jurídicas, como

evidenciado no decorrer desta dissertação, e o domínio da tecnociência

pelo mercado, que se apropria do conhecimento especializado e de seu

prestígio na sociedade ocidental atual para realizar seus interesses de

lucro e de dominação.

Esse é o discurso para impedir a adoção de MTDs que sejam

mais adequadas para preservação do meio ambiente, para minimização

de poluição, para menor geração de resíduos, para menor utilização de

energia, para maior eficiência e menor uso de recursos naturais, as quais

devem ser implementadas, também mediante fomento e incentivo do

Poder Público tanto nessa implementação quanto no contínuo

desenvolvimento das tecnologias, a fim de que seu custo seja reduzido.

A implicação social e dos custos da adoção das tecnologias será

mais bem analisada quando se observar a decisão referente à cana-de-

açúcar, que demonstra claramente as situações complexas de adoção. O

que se pretende expor, neste momento da investigação, é que esse

excesso de ponderação, quando se trata na proteção do meio ambiente, tem se mostrado prejudicial para todos, para a saúde humana, de todas

as formas de vida e do planeta em geral, tendo em vista o domínio do

48

Sobre o tema, vide: http://www.planetaverde.org/noticia/instituto/2817/idpv-

aborda-o-desastre-em-mariana-sob-o-vies-juridico-em-entrevistas.

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mercado e das mentes para que todos concordem e incentivem aquilo

que consideram melhor para que uma minoria tenha lucro e a maioria

sofra com as externalidades negativas da produção industrial.

Por fim, salienta-se que as normas de qualidade, um dos

parâmetros para adoção das MTDs, devem ser um mínimo e não um

máximo e, quando as tecnologias disponíveis forem suficientes para que

seja atingido um padrão de proteção maior do que o disposto nos

padrões ambientais, devem estes ser os novos padrões fixados para o

setor, de observância obrigatória.

Entendidos os aspectos gerais do conceito de melhor tecnologia

disponível, passa-se a verificar como as legislações americana e

europeia tratam desta temática, para, posteriormente, analisar a

legislação brasileira, que apresenta conceitos parecidos com as

anteriormente citadas, mas que não possui sistematização e amplitude

comparáveis.

5.1.1 A melhor tecnologia disponível no ordenamento jurídico dos

Estados Unidos da América e da União Europeia: origem e

conceito

O surgimento do conceito atual de melhor tecnologia disponível

ocorreu nos Estados Unidos da América, em sua política de

implementação do controle da qualidade da água, pela aprovação da

Clean Water Act (Lei de Água Limpa), em 1972, alterada pela

repercussão de decisão judicial conhecida como Decisão Flannery

(LOUBET, 2014).

Sobre a Lei, a EPA – United States Environmental Protection

Agengy49

(Agência dos Estados Unidos de Proteção Ambiental) afirma

que, apesar das inúmeras modificações, mantiveram o conceito de que a

indústria deve utilizar a best available technology, ou BAT, para

controlar a poluição, de modo a ter uma melhor prática e o melhor

tratamento disponível, para que haja o melhor controle disponível.

A partir deste marco, a legislação estadunidense passou a

regular a adoção da BAT como parte do processo de aprovação da

licença ambiental, apresentando método de escolha de duas formas:

enquanto no BACT – best available control technology, para prevenção de deterioração significativa, são considerados o gasto energético, o

49

Disponível em: <http://www.epa.gov/aboutepa/meaning-1977-clean-water-

act>. Acesso em: 04 dez. 2015.

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meio ambiente e os impactos econômicos, no LAER – lowest

achievable emission rate, adotado em locais nos quais a qualidade do ar

não atende aos padrões previstos, os fatores econômicos não são

considerados (LOUBET, 2014).

Quer dizer, para uma indústria se instalar em um local que está

dentro dos padrões de qualidade estabelecidos, a análise econômica para

se avaliar qual a melhor tecnologia disponível será considerada.

Contudo, se a indústria se instalar em local poluído, ou seja, já fora dos

padrões de qualidade, a análise econômica é excluída, exigindo-se a

melhor tecnologia para reduzir o impacto ambiental, desde que

tecnologicamente viável (LOUBET, 2014).

Este método de escolha, considerando ou não os padrões

econômicos para se avaliar qual é a melhor tecnologia disponível, ou

seja, o econômico como variável do conceito de disponível já analisado

é importante em áreas que estão já saturadas e poluídas.

A BAT estadunidense é uma obrigação de resultado, podendo a

indústria utilizar outras tecnologias para atingir os padrões de emissão

previstos para o setor. Entretanto, o sistema é feito setorialmente, como

na Lei de Água Limpa ou na Lei do Ar Limpo, muito compartimentada

e que utiliza tecnologias de fim de tubo, ou seja, de tratamento do

rejeito depois que são formados, e não de prevenção de sua formação

(LOUBET, 2014). Isso porque as tecnologias de fim de tubo apenas

deslocam resíduos de um meio para o outro, dispensando-os no meio

ambiente e socializando seus danos (LISBOA, 2009).

Já na União Europeia, a origem remota da MTD é a cláusula de

progresso nos serviços públicos, para a qual é exigida do Poder Público

a constante evolução em áreas de desenvolvimento tecnológico e de

concessão de serviços públicos, como na energia elétrica, por exemplo,

em nome do interesse coletivo (LOUBET, 2014).

A MTD na União Europeia é regulada atualmente pela Diretiva

96/6150

e a Diretiva 2010/7551

, do Conselho da Comunidade Europeia.

A Diretiva 96/61/CE do Conselho, de 24 de setembro de 1996,

trata da prevenção e do controle integrados da poluição e considera a

exigência do licenciamento prévio para atividades que possam causar

poluição, e adota o controle integrado no controle das emissões para ar,

água, solo e seus resíduos. Essa abordagem favorece a proteção do

50

Pode ser acessada em: <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/

PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:31996L0061&from=PT>. 51

Pode ser acessada em: <http://www.apambiente.pt/zdata/Instrumentos/

Licenciamento%20Ambiental/DIRETIVA%202010_75_UE.pdf>.

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ambiente visto como um todo, impedindo a transferência de problemas

de poluição entre os diversos meios físicos.

A Diretiva determina que os valores-limite de emissão, que são

determinados parâmetros específicos de massa, concentração e/ou nível

de uma emissão que não deve ser excedido, devem ser baseados nas

melhores tecnologias disponíveis, sem que se imponha a utilização de

uma técnica ou tecnologia específica, e deve considerar as

características técnicas da instalação em causa, a sua implantação

geográfica e as condições locais do ambiente, nos quais o licenciamento

deve prever disposições para a minimização da poluição a longa

distância ou transfronteiriças e garantir um nível elevado de proteção do

ambiente no seu todo.

Determina, ainda, que devem ser previstas, no licenciamento,

condições suplementares ou outras medidas para respeitar as normas de

qualidade ambiental sempre que exigir condições mais estritas do que as

que podem ser obtidas com a utilização das melhores tecnologias

disponíveis.

Além disso, em razão das MTDs evoluírem com o tempo, as

autoridades competentes devem se manter informadas sobre seu

desenvolvimento, também considerando que as condições de

licenciamento devem ser revistas e atualizadas periodicamente.

O reexame do licenciamento deve ocorrer, dentre outros casos,

sempre que a poluição causada pela instalação for tal que exija a revisão

dos valores-limite de emissão estabelecidos na licença, ou a fixação de

novos valores-limite de emissão, e quando alterações significativas das

melhores tecnologias disponíveis permitirem uma redução considerável

das emissões, sem impor encargos excessivos.

Importante ressaltar que a Diretiva considera que o progresso e

o intercâmbio de informação sobre as MTDs contribuem para a correção

de desequilíbrios tecnológicos dentro da Comunidade, prevendo a

divulgação mundial dos valores-limite estabelecidos e das técnicas

utilizadas para aplicação eficaz das normas.

Um dos principais aspectos da Diretiva é o estabelecimento do

conceito de melhores tecnologias disponíveis – nela denominada de

melhores técnicas disponíveis – que serve de parâmetro para

interpretação e conceituação no direito brasileiro. Preceitua a Diretiva que corresponde a uma fase de

desenvolvimento mais eficaz e avançada das atividades e seus

respectivos modos de exploração, que demonstra a aptidão prática de

técnicas específicas para constituir a base dos valores-limite de emissão

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para evitar e, quando isso não for possível, reduzir de modo geral as

emissões e o impacto no ambiente como um todo.

Por técnicas, entende a Diretiva incluir as técnicas utilizadas, o

modo como a instalação é projetada, construída, conservada, explorada

e desativada. Por disponíveis, entende serem as técnicas desenvolvidas

em uma escala que possibilite sua aplicação em cada setor industrial, em

condições econômica e tecnicamente viáveis, considerando os custos e

os benefícios, independentemente dessas técnicas serem utilizadas ou

produzidas no território do Estado-membro, desde que sejam acessíveis

ao operador em condições razoáveis. Por fim, por melhores

compreendem-se as técnicas mais eficazes para alcançar um nível geral

elevado de proteção do ambiente como um todo.

Na determinação das melhores técnicas disponíveis, devem ser

considerados os custos e benefícios resultantes de uma ação e os

princípios da precaução e da prevenção. Os elementos a serem

considerados na determinação das MTDs são: utilização de técnicas que

produzam poucos resíduos; utilização de substâncias menos perigosas;

desenvolvimento de técnicas de recuperação e reciclagem das

substâncias produzidas e utilizadas nos processos, e eventualmente, dos

resíduos; processos, equipamentos ou métodos de laboração

comparáveis que tenham sido experimentados com êxito à escala

industrial; progresso tecnológico e evolução dos conhecimentos

científicos; natureza, efeitos e volume das emissões em causa; data de

entrada em funcionamento das instalações novas ou já existentes; tempo

necessário para a instalação de uma MTD; consumo e natureza das

matérias-primas, incluindo a água, utilizadas nos processos e eficiência

energética; necessidade de prevenir ou reduzir ao mínimo o impacto

global das emissões e dos riscos para o ambiente; necessidade de

prevenir os acidentes e reduzir as suas consequências para o ambiente; e

informações publicadas pela Comissão ou por organizações

internacionais.

Como princípio geral das obrigações fundamentais daquele que

explora ou possui uma instalação está a necessidade de tomar todas as

medidas preventivas adequadas contra a poluição, mediante a utilização

das melhores tecnologias disponíveis.

Já os Estados-membros devem tomar as medidas necessárias para que os pedidos de licenciamento dirigidos à autoridade competente

incluam uma descrição da tecnologia prevista e das outras técnicas

destinadas a evitar as emissões provenientes da instalação ou, se tal não

for possível, a reduzi-las.

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195

Em vista do intercâmbio de informações anteriormente citado,

os Estados-membros devem tomar as medidas necessárias para

comunicar à Comissão, a cada três anos, os dados representativos sobre

os valores-limite de emissão disponíveis fixados de acordo com as

categorias de atividades constantes do Anexo I e, se necessário, as

melhores tecnologias disponíveis de que resultaram esses valores. A

Comissão organiza ainda o intercâmbio de informações entre os

Estados-membros e as indústrias interessadas sobre as melhores

tecnologias disponíveis, as medidas de monitorização associadas e a sua

evolução, publicando os resultados desse intercâmbio de informações.

Os documentos de referência para a MTD são os BREFs – Best

Available Techniques Reference Documents, os quais descrevem

processos industriais e suas respectivas operações, condições e taxas de

emissão. Os Estados-membros devem considerar estes documentos

quando determinarem a MTD de forma geral ou em casos específicos.

Observa-se desta Diretiva analisada, que a MTD é uma

obrigação de resultado e não de meio, como a normativa estadunidense,

tendo em vista que prevê a não adoção de uma única, mas sim de todas

aquelas que cumpram com os valores-limite de emissão. Contudo,

apresenta uma estrutura mais integrada, ao se preocupar com o meio

ambiente como um todo, incluindo ar, água e solo, inclusive os resíduos

decorrentes, impedindo ainda a transferência de poluição entre eles.

A Diretiva 2010/75/EU, de 24 de novembro de 2010, relativa

às emissões industriais e prevenção e controle integrados da poluição,

reformula diretrizes anteriores sobre o tema. Embora o conceito de

MTD permaneça o mesmo, a Diretiva traz outros conceitos importantes.

Entre eles, o “Documento de referência MTD” é um documento

resultante do intercâmbio de informações e elaborado para atividades

definidas, nas quais são descritas as técnicas aplicadas, os níveis de

emissão e de consumo atuais, as técnicas consideradas para a

determinação das MTDs, bem como as “Conclusões MTD” e quaisquer

técnicas emergentes.

As “Conclusões MTD” são um documento que contém as

partes de um “Documento de referência MTD”, nas quais são expostas

as conclusões a respeito das melhores tecnologias disponíveis, a sua

descrição, as informações necessárias para avaliar a sua aplicabilidade, os valores de emissão associados, as medidas de monitoramento, os

níveis de consumo associados e, se adequado, as medidas relevantes de

reabilitação do local.

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196

Outro novo conceito é o de “Valores de emissão associados às

melhores técnicas disponíveis”, que correspondem ao leque de níveis de

emissão obtidos em condições normais de funcionamento, utilizando

uma das MTDs ou uma combinação delas.

Importante trazer, também, o conceito de técnica emergente, ou

seja, uma técnica utilizada pela primeira vez numa atividade industrial e

que, se for comercialmente desenvolvida, poderá assegurar um nível

geral de proteção do ambiente mais elevado ou permitir, no mínimo, o

mesmo nível de proteção anterior e com menor custo que as MTDs já

existentes.

A fim de determinar as MTDs e de limitar os desequilíbrios na

União Europeia quanto ao nível das emissões provenientes das

atividades industriais, a Diretiva estabelece que devem ser elaborados,

revistos e, quando necessário, atualizados os documentos de referência

descritos, por meio de um intercâmbio de informações com as partes

interessadas, e os elementos essenciais dos documentos de referência

MTD, designados de “conclusões MTD”, devem ser aprovados por

procedimento específico na Comissão.

A Comissão estabelece, ainda, orientações sobre o recolhimento

de dados, sobre a elaboração de documentos de referência MTD e sobre

a garantia da sua qualidade. Além disso, as “conclusões MTD”

constituem a referência para a definição das condições de

licenciamento.

Nota-se que o sistema de adoção das MTDs é muito

desenvolvido e detalhado no âmbito europeu, estabelecendo conceitos,

critérios, órgãos especializados na elaboração de documentos de

referência, procedimentos para intercâmbio de informações, regras para

a modificação, revisão e atualização dos mesmos, entre outros. Ressalta-

se ainda a estreita vinculação da MTD com as licenças ambientais e

com o processo do licenciamento, reforçando que constituem um

instrumento preventivo e de controle da poluição.

A partir deste entendimento inicial, passa-se à análise de sua

adoção pelo direito ambiental brasileiro que, como se verá, não é bem

estabelecido como o europeu e o estadunidense.

5.1.2 A adoção da melhor tecnologia disponível no direito ambiental

brasileiro

O dever de adoção da melhor tecnologia disponível é elemento

do próprio Estado ambiental em seu dever fundamental de redução de

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riscos e de incentivo e fomento da pesquisa científica para consecução

deste objetivo.

Isto porque a tecnociência e o desenvolvimento tecnológico

devem atender aos objetivos constitucionais de proteção dos direitos

fundamentais, em especial ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado, e não servir à produção de riscos e aos interesses do

mercado dominador da técnica. Quer dizer, o desenvolvimento

econômico está condicionado à proteção do meio ambiente, conforme o

artigo 170, inciso VI, da Constituição Federal brasileira, analisado no

primeiro capítulo.

Em outras palavras, as MTDs se constituem em um sistema de

intervenção para obrigar os empreendedores públicos e privados a

incorporar em seus processos produtivos e de prestação de serviços,

utilizadores de recursos naturais e causadores de externalidades, os

conhecimentos tecnocientíficos mais adequados para proteger a saúde e

o meio ambiente, colocando a investigação científica e tecnológica a

serviço do bem comum (LOUBET, 2014).

No direito ambiental brasileiro, este dever advém, inicialmente,

da própria Constituição Federal de 1988, ao dispor no artigo 225, como

afirmado anteriormente, o dever do Estado e da coletividade de

defender e preservar o meio ambiente. Considerando que os maiores

riscos atuais contra a qualidade ambiental advêm do desenvolvimento

da tecnociência, riscos estes transfronteiriços e incertos, a contraposição

deve ser imposta, ou seja, o uso da mesma tecnociência para contenção

destes riscos, sem prejuízo de outras formas de conhecimento e de

medidas precaucionais.

A adoção da MTD advém ainda do dever constitucional de

controle da produção, da comercialização e do emprego de técnicas que

comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.

Quer dizer, se o constituinte estabeleceu expressamente que as técnicas

que trazem risco para o meio ambiente devem ser controladas pelo

Estado e pela coletividade, considerou os riscos da tecnociência e, para

que haja esse controle das técnicas, necessariamente deve haver aquelas

que são consideradas melhores e aquelas que não o são, impondo a

adoção das melhores.

É dever constitucional, ainda, conforme já observado, a exigência de estudo prévio de impacto ambiental para instalação de obra

ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do

meio ambiente, estudo este integrante do processo do licenciamento

ambiental. Como será visto nos elementos que devem fazer parte deste

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estudo, a adoção da MTD se faz presente e é imprescindível para

determinar se a obra ou atividade será licenciada ou não.

Da exigência do EIA-RIMA (Estudo Prévio de Impacto

Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental) na Constituição Federal

reconhece-se implicitamente a obrigatoriedade do uso das MTDs, tendo

em vista que não adiantaria realizar os estudos e analisar os impactos se

não fosse para decidir pelo menor. Faltaria racionalidade ao sistema ao

exigir esses estudos se não houvesse, como reflexo, três implicações

práticas: a obrigatoriedade da análise das opções possíveis para o

empreendimento; o impacto dessas opções na proteção ambiental; e a

adoção das MTDs para compatibilizar o uso e acesso aos bens

ambientais e sua proteção (LOUBET, 2014).

Desses e de outros deveres constitucionais, extraem-se diversos

princípios que informam o direito constitucional ambiental e a

sistemática do direito ambiental como um todo, como os princípios da

prevenção, da precaução, do poluidor-pagador, da tripla

responsabilização, entre outros.

Considerando os princípios estruturantes do Estado ambiental

analisados anteriormente, quais sejam: a precaução, a cooperação, a

solidariedade, a vedação do retrocesso ambiental e o poluidor-pagador,

verifica-se que de todos eles encontra-se fundamento para a adoção das

melhores tecnologias disponíveis.

Decorre do princípio da precaução, pois corresponde a um

princípio proativo, como analisado, cuja função primordial é a gestão do

risco e a ação positiva e antecipatória ao risco, para não causar dano ao

meio ambiente. É também um princípio a ser observado em virtude de

incertezas científicas, estritamente ligadas à MTD, como se vê no

decorrer do capítulo.

Do princípio da cooperação também decorre a adoção da

melhor tecnologia disponível, uma vez que pressupõe constante diálogo

e interação entre os diversos atores para a consecução de objetivos

comuns. É base para a ampliação da participação e da informação nos

processos de decisão ambiental, dentre os quais a adoção da MTD, na

qual também vários atores devem estar envolvidos, suportando normas

de incentivo ao desenvolvimento das ciências e da tecnologia a serviço

da proteção ambiental. Ressalta-se a existência de diversos acordos de cooperação para transferência de tecnologia e este é um dever em

diversos tratados, conforme visto anteriormente.

Decorre ainda da solidariedade, que também pressupõe diálogo

e cooperação, bem como a consideração da alteridade, não somente das

futuras gerações, como de todas as formas de vida e da natureza como

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um todo para que não estejam sujeitas a riscos existenciais. Assim, a

aplicação prática da MTD na proteção ambiental enfatiza a

solidariedade das gerações humanas presentes no esforço de pesquisa

tecnológica para redução de riscos, respeitando as gerações futuras em

geral e lhes deixando um ambiente sadio.

Decorre também da vedação do retrocesso ambiental como

esforço para garantir a qualidade dos processos ecológicos. A vedação

do retrocesso impõe deveres de intervenção e de abstenção e

investimento e fomento necessários e contínuos na produção de

tecnologias de melhoria da qualidade ambiental, não somente para

impedir o retrocesso, mas também para garantir a progressividade na

proteção ambiental.

Decorre, por fim, do princípio do poluidor-pagador, para o qual

o poluidor deve internalizar os custos das externalidades negativas, em

uma atividade essencialmente preventiva e precaucional, na qual se

insere a melhor tecnologia disponível.

Salienta-se que decorre ainda da sustentabilidade, valor e meta

primordiais do Estado ambiental, em sua vertente ecológica

(sustentabilidade forte). Não é novidade que indústrias e atividades são

poluentes e degradam imensamente o ecossistema e todas as formas de

vida. Assim, a adoção da melhor tecnologia é uma aplicação prática da

sustentabilidade, impondo o dever de produção de tecnologias para

diminuir, minimizar e evitar a ocorrência de danos, o controle dos riscos

causados e a contenção de suas incertezas.

Como afirmado anteriormente, o ordenamento jurídico

brasileiro não trata de forma ampla e específica do tema, como o faz o

direito estadunidense e o europeu, sobre a adoção das MTDs e seus

critérios.

Contudo, isso não significa que sua adoção não seja obrigatória,

aparecendo um sistema de definição e atribuições às autoridades

ambientais de forma esparsa na legislação e também de forma implícita,

como se observou do disposto constitucionalmente, mediante a ideia da

obrigatoriedade de incorporação do progresso tecnológico ao Direito e à

tomada de decisões, muito embora não utilizando expressamente o

termo MTD (LOUBET, 2014).

O instrumento normativo que trata da MTD com maior profundidade é a Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos

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200

Persistentes52

, com força de lei federal, uma vez que aprovada pelo

Congresso Nacional e promulgada pelo Decreto Presidencial nº 5.472,

de 20 de junho de 2005. Embora aplicável apenas aos poluentes

orgânicos persistentes53

, traz uma conceituação do termo, prevendo

ainda sua aplicação no âmbito que regulamenta (LOUBET, 2014).

Estabelece a Convenção que, dentro de cada medida a ser

adotada pelas Partes para reduzir as liberações das substâncias químicas

incluídas no Anexo C, da minimização contínua até sua eliminação

definitiva, inclui-se a promoção e o uso das melhores tecnologias54

disponíveis e das melhores práticas ambientais.

Ao aplicar as melhores tecnologias disponíveis e as melhores

práticas ambientais, as Partes devem considerar as diretrizes gerais

sobre medidas de prevenção e redução das liberações e as diretrizes

sobre MTD e melhores práticas ambientais que sejam adotadas por

decisão da Conferência e promovê-las. Devem ser adotadas o quanto

antes e, no máximo, quatro anos após a entrada em vigor da Convenção.

A Convenção define o termo “melhores técnicas disponíveis”

como o estágio mais eficaz e avançado no desenvolvimento das

atividades e seus métodos de operação, indicando a adequabilidade

prática das técnicas específicas que proporcionem a base das liberações,

para evitar e reduzir as liberações das substâncias químicas,

relacionadas na Convenção, e seus impactos no meio ambiente como

um todo.

Técnicas incluem a tecnologia utilizada, o modo como a

instalação é desenhada, construída, mantida, operada e desmontada.

Disponíveis significa que são acessíveis ao operador e desenvolvidas

em escala que permita sua aplicação no setor industrial relevante, em

condições econômica e tecnicamente viáveis, considerando seus custos

e benefícios. Já melhores significa o mais eficaz possível para alcançar

um alto nível de proteção do meio ambiente como um todo. Por fim,

52

Pode ser acessada em: <http://www.mma.gov.br/estruturas/smcq_seguranca/

_publicacao/143_publicacao16092009113044.pdf>. Sobre o tema, vide ALBUQUERQUE, Letícia. Poluentes orgânicos persistentes: uma análise da

Convenção de Estocolmo. Curitiba: Juruá, 2006. 53

Os poluentes orgânicos persistentes são produtos químicos com propriedades

tóxicas, resistentes à degradação, são bioacumuláveis, transportados pelo ar, pela água e pelas espécies migratórias, conforme a Convenção de Estocolmo. 54

A Convenção utiliza o termo melhor técnica disponível, mas, para manter a coerência da definição adotada por este trabalho, é utilizado o termo melhor

tecnologia disponível.

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201

melhores práticas ambientais significa a aplicação da combinação mais

adequada das medidas e estratégias de controle ambiental.

No anexo C, parte V, a Convenção traz a orientação geral sobre

as MTDs e as Melhores Práticas Ambientais, apresentando as medidas

úteis para tal: utilização de tecnologia de baixo-resíduo; utilização de

substâncias menos perigosas; promoção da recuperação e da reciclagem

de resíduos e das substâncias geradas e utilizadas em processos;

substituição de matérias-primas que sejam poluentes orgânicos

persistentes ou onde exista uma ligação direta entre os materiais e as

liberações de POPs da fonte; bons programas de operação e manutenção

preventiva; melhor manejo de resíduos para cessar sua queima a céu

aberto ou outros métodos sem controle, incluindo a queima em aterro

sanitário; avaliar propostas para a construção de novas instalações de

disposição de resíduos, considerando os serviços de saúde e as

alternativas que minimizem sua geração, incluindo a recuperação de

recursos, a reutilização, a reciclagem, e a separação de resíduos;

minimizar essas substâncias químicas como contaminantes em

produtos; e evitar a utilização de cloro elementar ou outras substâncias

que o gerem em processos de branqueamento.

Afirma ainda o Anexo C que o conceito de melhores

tecnologias disponíveis não se refere a uma técnica ou tecnologia

específica, mas deve considerar as características técnicas da instalação

em questão, sua localização geográfica e as condições ambientais locais.

Prevê ainda a consideração dos prováveis custos e benefícios de uma

MTD e a precaução e a prevenção.

Consideram-se também no Anexo C a natureza, os efeitos e a

massa das liberações, pois as técnicas podem variar em função do

tamanho da fonte; a data de início das operações de instalações novas ou

existentes; do tempo necessário para introdução da MTD; o consumo e

da natureza de matérias-primas utilizadas no processo e sua eficiência

energética; a necessidade de evitar ou reduzir a um mínimo o impacto

total das liberações para o meio ambiente e os riscos para o mesmo;

evitar acidentes e minimizar suas consequências ambientais; assegurar a

saúde e a segurança nos locais de trabalho; os processos, instalações ou

métodos de operação comparáveis, que tenham sido testados com êxito

em escala industrial; e os avanços tecnológicos e mudanças no conhecimento e na compreensão científica.

Como medidas gerais para redução de liberação, a Convenção

prevê que, ao avaliar propostas para construção de novas instalações ou

modificações significativas em instalações existentes que utilizam

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202

processos que liberam as substâncias químicas relacionadas no Anexo

C, deve ser dada atenção prioritária a processos, técnicas ou práticas

alternativas que tenham aplicação semelhante, mas que evitem a

formação e liberação de tais substâncias químicas.

No caso de construção de instalações ou modificação

significativa, além das medidas de prevenção descritas anteriormente,

podem ser consideradas como medidas de redução na determinação das

MTDs: o uso de métodos melhorados para limpeza de gases; tratamento

de resíduos, água residual, dejetos e lodo de esgotos; mudanças de

processos que promovam a redução ou a eliminação de liberações,

como a adoção de sistemas fechados; a modificação de projetos sobre

processos para melhorar a combustão e evitar a formação das

substâncias químicas relacionadas por meio do controle de parâmetros,

como temperatura de incineração ou tempo de residência.

Outra lei que menciona a MTD é a Lei nº 12.305/2010, que

conceitua resíduos sólidos como o material, a substância, o objeto ou o

bem descartado, que seja resultante de atividades humanas em

sociedade, cuja destinação final se procede, se propõe ou se está

obrigado a proceder, nos estados sólido ou semissólido e gases contidos

em recipientes e líquidos, cujas particularidades tornem inviável o seu

lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d’água, ou que

para tal exijam soluções técnica ou economicamente inviáveis em face

da melhor tecnologia disponível.

Sobre este dispositivo, apesar de não trazer muitos

esclarecimentos, infere-se que, ao menos no referente a líquidos, é

obrigatória a utilização da MTD antes de emiti-los para a rede pública

de esgoto ou cursos d’água. Aborda também o componente duplo do

conceito de MTD, qual seja a viabilidade técnica e econômica

(LOUBET, 2014).

Dos dispositivos analisados até agora, observa-se que a

ecoeficiência é componente importante quando se trata de MTD, tanto

na produção de resíduos industriais ou sólidos domésticos, quanto na

eficiência do próprio processo produtivo e dos produtos decorrentes. A

ecoeficiência é, portanto, um objetivo primordial da adoção de MTDs,

juntamente com a diminuição da poluição.

A Resolução CONAMA nº 316, de 29 de outubro de 2002, que dispõe sobre procedimentos e critérios para o funcionamento de

sistemas de tratamento térmico de resíduos, também conceitua melhores

tecnologias disponíveis, utilizando o termo técnicas ao invés de

tecnologias, como o estágio mais eficaz e avançado de desenvolvimento

das diversas tecnologias de tratamento, beneficiamento e de disposição

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203

final de resíduos, e de suas atividades e métodos de operação, indicando

a combinação de sua prática que leve à produção de emissões em

valores iguais ou inferiores aos fixados pela Resolução, com o objetivo

de eliminar e, onde não seja viável, reduzir as emissões em geral, bem

como seus efeitos no meio ambiente como um todo.

Observa-se que este conceito é similar aos demais apresentados,

trazendo a visão ampla do que seja considerada tecnologia, e integrada,

ao entender o meio ambiente como um todo e, ao estabelecer, em

consonância com os demais dispositivos da Resolução, valores

máximos de emissão.

Importante salientar que a Resolução também prevê na adoção

de sistemas de tratamento térmico de resíduos, um estudo prévio de

análise de alternativas tecnológicas que comprove que a escolha da

tecnologia adotada está de acordo com o conceito de MTD, ou seja, a

influência da adoção do conceito na exigência de estudos de viabilidade,

a ser aplicada a todos os casos e não somente aos sistemas de tratamento

térmico (LOUBET, 2014).

Também é possível encontrar na Lei nº 6.938/1981, embora não

trate expressamente do termo, a evidência de que o conceito de MTD

deve ser adotado (LOUBET, 2014).

Entre os princípios estabelecidos pela Lei, cita-se o

planejamento e a fiscalização do uso dos recursos ambientais; o controle

e o zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras; os

incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso

racional e à proteção dos recursos ambientais; e o acompanhamento do

estado da qualidade ambiental. Entre os objetivos, dispõe que a Lei

visará ao desenvolvimento de pesquisas e de tecnologias nacionais

orientadas para o uso racional de recursos ambientais e à difusão de

tecnologias de manejo do meio ambiente.

O planejamento do uso de recursos, o controle das atividades

poluidoras e o acompanhamento do estado da qualidade ambiental se

relacionam todos com o processo do licenciamento ambiental e com a

atividade da Administração de fiscalização, mediante a adoção de

tecnologias adequadas para tal.

Quanto ao incentivo ao estudo e à pesquisa tecnológica, adota o

critério do MTD como fator importante na proteção ambiental, isso porque, ao afirmar serem preferíveis aquelas para uso racional e

proteção ambiental, reconhece que, havendo várias tecnologias

possíveis, as orientadas com aquele objetivo devem ser

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204

obrigatoriamente utilizadas, consequência lógica e coerente da

interpretação da Lei (LOUBET, 2014).

Entre os instrumentos previstos na Lei, relacionam-se com a

MTD o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental; a avaliação

de impactos ambientais; o licenciamento e a revisão de atividades

efetiva ou potencialmente poluidoras; e os incentivos à produção e

instalação de equipamentos e a criação ou absorção de tecnologia,

voltados para a melhoria da qualidade ambiental.

A Lei ainda determina que o Poder Executivo incentive

atividades voltadas ao meio ambiente, visando ao desenvolvimento de

pesquisas e processos tecnológicos destinados a reduzir a degradação da

qualidade ambiental; à fabricação de equipamentos antipoluidores; e a

outras iniciativas que propiciem a racionalização do uso de recursos

ambientais. Os órgãos, entidades e programas destinados ao incentivo

dessas pesquisas devem considerar, entre as suas metas prioritárias, o

apoio aos projetos cujo objetivo é adquirir e desenvolver conhecimentos

básicos e aplicáveis na área ambiental e ecológica.

No mesmo sentido da argumentação anterior, não seria lógico e

racional se fossem incentivados novas técnicas, processos e tecnologias

menos poluidoras ou corretoras de impactos, ou visando o uso racional

de recursos se sua utilização não fosse obrigatória. A lógica do sistema

jurídico ambiental é a de que tais atividades devem ser incentivadas e

fomentadas pelo Poder Público e, uma vez desenvolvidas, devem ser

adotadas para atingir as finalidades previstas no ordenamento

(LOUBET, 2014).

Outros dispositivos expressos e de aplicação setorial de MTDs

se encontram nas Resoluções CONAMA nº 382/2006, que estabelece os

limites máximos de emissão de poluentes atmosféricos para fontes

fixas; na de nº 436/2011, para aquelas instaladas ou requeridas antes de

2007, (LOUBET, 2014); e a nº 462/2014, que estabelece procedimentos

para o licenciamento ambiental de empreendimentos de geração de

energia elétrica a partir de fonte eólica em superfície terrestre, prevendo

que os estudos a serem realizados devem prever alternativas

tecnológicas e locacionais.

Cita-se, ainda, a Resolução CONAMA nº 452/2012, que dispõe

sobre os procedimentos de controle da importação de resíduos, conforme normas da Convenção da Basileia sobre o Controle de

Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito. A

Resolução conceitua rejeitos como os resíduos sólidos, cujas

possibilidades de tratamento e recuperação por processos tecnológicos

disponíveis e economicamente viáveis foram todas esgotadas, não

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205

apresentando outra possibilidade que não a disposição final

ambientalmente adequada.

Pelo exposto, conclui-se que, embora não haja no ordenamento

jurídico ambiental brasileiro disposições específicas e amplas acerca da

adoção das MTDs, por toda a legislação analisada e pelos dispositivos

constitucionais, é possível verificar a existência de um conceito que

define a visão integrada, a natureza de uma obrigação de resultado e o

dever de sua adoção, em especial no processo de licenciamento

ambiental e em seus estudos, como se passa a discutir a seguir.

5.2 A ADOÇÃO DA MELHOR TECNOLOGIA DISPONÍVEL NO

LICENCIAMENTO AMBIENTAL

A cláusula técnica da melhor tecnologia disponível visa a que

haja constante avanço e busca por tecnologias que diminuam o impacto

da ação humana sobre o meio ambiente, em vista de ser a própria

tecnociência que causa inúmeros riscos que ameaçam a vida.

Em vista da inexistência de risco zero, ou seja, de que toda

atividade humana é degradante, não significa que deva haver uma

flexibilização das normas ambientais para o bem dessas atividades

impactantes, mas sim a regra firme de redução da degradação ambiental

ao menor patamar técnica e cientificamente possível.

Para obrigar os empreendedores a adotarem a melhor

tecnologia disponível para reduzir ao mínimo os impactos negativos

dessas atividades e manter seus empreendimentos dentro de padrões

ambientais legalmente determinados, o Estado exerce formas de

controle no licenciamento ambiental e na avaliação de impactos

ambientais (BECHARA, 2009), considerados para os fins deste estudo

os mais relevantes.

Neste contexto, como observado nas legislações estrangeira e

brasileira, a MTD se relaciona intrinsecamente com o licenciamento

ambiental e é parte fundamental das licenças e conteúdo dos estudos

ambientais que os informam e condicionam.

Isso porque, como vem sendo debatido no decorrer da

dissertação, o licenciamento ambiental é atualmente, no direito

brasileiro, o principal instrumento de condicionamento de uso e acesso a bens ambientais e de prevenção e precaução de danos, impondo controle

e gestão sobre os riscos ambientais.

O licenciamento ambiental “enquadra o empreendimento da

legislação ambiental para forçá-lo a se desenvolver dentro dos padrões

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preestabelecidos, sem gerar lesões irremediáveis e intoleráveis ao

ambiente e à coletividade”. Caso não houvesse o licenciamento anterior

à instalação e funcionamento dos empreendimentos degradadores, “a

probabilidade de elas se desenvolverem sem nenhum cuidado e

preocupação com o equilíbrio ambiental seria enorme”, tendo em vista

que “muitos são os empreendedores, ainda, que só investem em

equipamentos e procedimentos antidegradação ambiental se forçados a

tanto pelo órgão ambiental” (BECHARA, 2009, p. 82).

Com efeito, a adoção de MTDs também corresponde a um

dever imposto para que o empreendedor seja obrigado a investir em

tecnologias limpas e de prevenção de riscos.

A remessa à cláusula técnica é uma remessa genérica ao estado

da técnica, às melhores tecnologias reconhecidas pelo setor em dado

momento, para que a Administração decida, de forma consciente e

informada, no processo de licenciamento. Isso porque nos estudos

ambientais se encontram informações sobre as alternativas tecnológicas

do empreendimento e a escolha realizada. Tais estudos, embora não

sejam vinculantes, apresentam as mais importantes informações para

que seja concedida ou não a licença.

Essa remessa é uma das formas mais claras de incorporação do

progresso tecnológico no regime jurídico de muitas atividades com

relevância ambiental, por meio de uma cláusula com esta operatividade

específica (PARDO, 1999).

O licenciamento ambiental é não somente um instrumento de

gestão e controle de riscos e de uso e acesso a bens ambientais, como

também provê a Administração de documentos, informações e dados

acerca das atividades desenvolvidas no país. Além disso, compreende

um planejamento do desenvolvimento das atividades, motivo pelo qual

as MTDs devem ser nele adotadas desde o início, tanto para que haja

uma preocupação contínua com a qualidade ambiental, quanto para a

minimização de custos, incorporando as tecnologias já no começo do

projeto.

Esses estudos e a análise da MTD devem ser feitos no

empreendimento como um todo, de modo a reduzir ao máximo o

impacto ambiental causado pela atividade e impedir a transferência

entre meios. Com efeito, depois de concedida a licença ambiental, não pode

o empreendedor considerar que pode exercer sua atividade da forma

como bem entender, mas deve respeitar os termos nos quais a licença

foi concedida e, no exercício de fiscalização do Estado, caso seja

verificado que a tecnologia utilizada atualmente causa danos, há a

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207

obrigatoriedade de adotar outra menos poluente e também que haja a

recuperação da área degradada e eventual indenização pelos danos.

Importante salientar que não existe direito adquirido de poluir.

Isso porque a natureza do direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado, uma vez que fundamental e difusa, não confere ao

empreendedor direito adquirido de, por meio do desenvolvimento de sua

atividade, agredir a natureza, ocasionando prejuízos às presentes e

futuras gerações.

Conforme jurisprudência reiterada do STJ, inexiste direito

adquirido a poluir ou degradar o meio ambiente, sendo o tempo incapaz

de curar ilegalidades ambientais de natureza permanente, pois parte dos

sujeitos tutelados – as gerações futuras – carece de voz e de

representantes que falem ou se omitam em seu nome55

.

Neste contexto, passa-se à análise das normas do licenciamento

ambiental e dos estudos ambientais, em especial o Estudo Prévio de

Impacto Ambiental, que impõe a adoção das MTDs.

Importante para a discussão da adoção das MTDs no

licenciamento ambiental é a compensação ambiental prevista na Lei do

SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação, que deve

ocorrer quando não houver possibilidade técnica para evitar possíveis

impactos ambientais negativos evidenciados durante o estudo prévio.

Várias são as implicações da adoção das MTDs e de seus

critérios de exigibilidade, o que, como salientado anteriormente, pode

exigir modificações significativas no empreendimento ou em um

conjunto deles, com impactos sociais e econômicos.

Essa complexidade fática será demonstrada com o estudo

jurisprudencial da queima da palha da cana-de-açúcar, em vista da

relevância atual para o Brasil do etanol produzido a partir da cana, da

farta jurisprudência do STJ e de recente decisão do STF sobre o assunto

e, ainda, por deixar claro que a adoção das MTDs no país deve ter uma

55 Conforme, REsp 948.921/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin,

julgado em 23/10/2007, DJe 11/11/2009. Vide também REsp 1172553/PR, Rel.

Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, julgado em 27/05/2014, DJe 04/06/2014; AgRg no REsp 1367968/SP, Voto Vista Eliana Calmon, Segunda

Turma, julgado em 17/12/2013, DJe 12/03/2014; EDcl nos EDcl no Ag 1323337/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em

22/11/2011, DJe 01/12/2011; MC 023429/SC (decisão monocrática), Marga Tessler (Juíza Federal Convocada do TRF 4ª Região), julgado em 17/10/2014,

DJe 21/10/2014; REsp 1240201/PR (decisão monocrática), Min. Benedito

Gonçalves, julgado em 07/08/2014, DJe 14/08/2014.

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208

melhor regulamentação, para que se tenham mais critérios de decisão

informada e efetivamente reduzir riscos, dever primordial de um Estado

ambiental.

5.2.1 Normas no licenciamento ambiental e nos estudos ambientais

relevantes para a adoção das MTDs

Várias são as normas do direito ambiental brasileiro que

fundamentam a adoção da melhor tecnologia disponível, como visto

anteriormente. Com efeito, a obrigatoriedade da MTD no licenciamento

ambiental assume maior relevância, por ser este o instrumento ambiental

de precaução e prevenção de riscos, planejamento e controle de uso e

acesso a bens ambientais.

Os estudos ambientais elaborados no processo do licenciamento

constituem fundamentação primordial para a tomada de decisões sobre a

expedição ou não das licenças ambientais, os quais devem inserir os

riscos apresentados pela atividade, as opções tecnológicas para contê-los

e diminuí-los e a justificação de qual seria a melhor, para que os

projetos sejam implementados com a utilização de tecnologias mais

eficientes para a proteção ambiental.

A discussão da MTD no licenciamento é também relevante pela

incorporação de dados técnicos nos estudos, que assumem centralidade

em todo o processo, como critérios de valoração para emissão de

licenças, nas quais os técnicos especializados determinam o estado do

ambiente e a possibilidade ou não de instalação da obra ou do

empreendimento, conhecimentos que o Direito não possui e que

necessita desta relação e ligação intrínseca com as áreas técnicas.

Este planejamento no licenciamento ambiental de incorporação

das MTDs visa primordialmente à internalização das externalidades

negativas, colocando a cargo do empreendedor adotar as melhores

tecnologias para evitar que a sociedade venha a sofrer com os riscos e

danos, podendo-se afirmar que constitui um instrumento para aplicação

prática da justiça ambiental e ecológica e do poluidor-pagador.

Como já afirmado anteriormente, o licenciamento ambiental

decorre da própria Constituição brasileira e também da LPNMA. A LC

140/2011 e a Resolução nº 237, de 19 de dezembro de 1997 estabelecem as regras para o licenciamento e os estudos ambientais.

O conceito de licenciamento ambiental presente na Lei e na

Resolução citadas já foi explicado anteriormente. Neste momento,

cumpre analisar os demais conceitos, dentre eles o de licença ambiental

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209

e o de estudos ambientais, e outras normas pertinentes para o tema,

presentes na Resolução.

Antes de adentrar neste estudo, faz-se necessário explicar a

natureza jurídica do licenciamento. Embora a Resolução CONAMA nº

347/2004 e a LC nº 140/2011 conceituem o licenciamento como

procedimento administrativo, assim como boa parte da doutrina,

concorda-se com a argumentação de Farias (2013), de que o

licenciamento ambiental é processo administrativo, uma vez que possui

complexidade, litigiosidade e é estabelecido o contraditório e a ampla

defesa, ausentes no procedimento administrativo.

Além disso, no processo administrativo há a publicidade dos

procedimentos, acesso aos autos pelos interessados, obrigação de

motivar e dever de decidir. Logo, a classificação do licenciamento como

processo administrativo gera maiores garantias de acesso e participação

da coletividade e aumento do controle social (FARIAS, 2013).

A licença ambiental é conceituada pela Resolução nº 237/1997

como o ato administrativo pelo qual o órgão ambiental competente

estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que

o empreendedor deve obedecer para poder localizar, instalar, ampliar e

operar empreendimentos ou atividades que utilizem recursos ambientais

e que sejam consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras, ou

aquelas que possam causar degradação ambiental.

A licença ambiental para empreendimentos e atividades que

sejam efetiva ou potencialmente causadoras de significativa degradação

do meio ambiente depende do estudo prévio de impacto ambiental e seu

respectivo relatório (EIA-RIMA), que será público, e também garantida

a realização de audiências públicas, quando couber.

O processo do licenciamento ambiental compreende três

licenças: a licença prévia (LP), a licença de instalação (LI) e a licença de

operação (LO). Essas licenças são expedidas de forma isolada ou

sucessiva, não podendo o órgão licenciador expedir a LO, por exemplo,

sem a prévia expedição da LP e da LI. Representam etapas importantes

para garantir o fiel cumprimento das condições estabelecidas pela

Administração, pela legislação ambiental e pelas normas constitucionais

de proteção do meio ambiente.

A LP é concedida na fase preliminar, ou seja, no planejamento do empreendimento ou atividade, na qual será analisada e aprovada sua

localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental do

empreendimento e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes

que devem ser atendidos nas próximas fases de sua implementação.

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210

A LI, por sua vez, autoriza a instalação do empreendimento ou

da atividade conforme as especificações constantes dos planos,

programas e projetos aprovados, incluindo medidas de controle

ambiental e demais condicionantes.

A LO é aquela que autoriza a operação da atividade ou

empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento das

licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e

condicionantes determinados para a operação.

A Resolução nº 237/1997 estabelece as etapas do licenciamento

ambiental: definição pelo órgão ambiental competente, com a

participação do empreendedor, dos documentos, projetos e estudos

ambientais necessários ao início do processo de licenciamento;

requerimento da licença ambiental pelo empreendedor, acompanhado

dos documentos, projetos e estudos ambientais pertinentes, aos quais é

dada publicidade; análise pelo órgão ambiental competente de todo o

apresentado e a realização de vistorias técnicas, quando necessárias;

solicitação de esclarecimentos e complementações pelo órgão ambiental

competente; realização de audiência pública, quando couber; solicitação

de esclarecimentos e complementações decorrentes de audiências

públicas; emissão de parecer técnico conclusivo e, quando couber,

parecer jurídico; e deferimento ou indeferimento do pedido de licença.

Como observado, é antes do pedido do licenciamento prévio

que o empreendedor deve realizar os estudos e juntar documentos para

que seu pedido seja analisado. Nesses estudos e documentos já devem

constar as tecnologias disponíveis e sua análise pela equipe técnica, em

vista da importância de sua incorporação já no início do planejamento

do empreendimento. O órgão ambiental responsável pela análise desses

documentos, estudos e informações deve verificar se as tecnologias

trazidas pelo empreendedor são realmente as melhores disponíveis para

o setor e, caso não seja, solicitar esclarecimentos sobre o assunto.

Os estudos ambientais são conceituados pela Resolução nº

237/1997 como aqueles relativos aos aspectos ambientais relacionados à

localização, instalação, operação e ampliação de uma atividade ou

empreendimento, apresentados como subsídio para a análise da licença

requerida, como o relatório ambiental, o plano e o projeto de controle

ambiental, o relatório ambiental preliminar, o diagnóstico ambiental, o plano de manejo, o plano de recuperação de área degradada e a análise

preliminar de risco.

Ressalta-se que esses estudos devem ser realizados por

profissionais legalmente habilitados, técnicos especializados no tema,

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211

pagos pelo empreendedor, os quais são responsáveis pelas informações

apresentadas, sujeitando-se às sanções administrativas, civis e penais56

.

São imprescindíveis para que o órgão licenciador possa aprovar

ou não um empreendimento, ou de impor medidas de mitigação ou

eliminação de riscos, o que só pode ser feito se conhecer muito bem o

projeto que se pretende implantar. Grande parte desse conhecimento é

encontrada na avaliação de impactos ambientais, instrumento de

informação e subsídio para que o órgão ambiental possa conhecer e

ponderar sobre os efeitos da intervenção humana no ambiente.

A avaliação de impactos ambientais57

só pode ser feita por meio

dos estudos ambientais acima conceituados, os quais identificam os

possíveis impactos ambientais do empreendimento, a possibilidade

técnica de eliminá-los ou diminuí-los o máximo possível, ou a

necessidade de rechaçar o empreendimento em caso de intolerabilidade

de seus riscos.

Entre os estudos ambientais, merece especial atenção o EIA-

RIMA, cuja elaboração é dever constitucional expresso em caso de

obras ou atividades que possam causar significativo impacto ambiental,

conforme visto anteriormente. O EIA possibilita ao órgão ambiental

avaliar os impactos do empreendimento e o RIMA é o resumo deste

estudo em linguagem acessível a toda a sociedade, proporcionando sua

participação. É regulamentado pela Resolução CONAMA nº 001, de 23

de janeiro de 1986.

O artigo 1º da Resolução conceitua impacto ambiental como

“qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do

meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia

56

A responsabilidade dos peritos pelas informações constantes dos estudos

ambientais é tema de extrema relevância para o direito ambiental atual. Importante citar o artigo 69-A, da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1988,

incluído pela Lei nº 11.284, de 02 de março de 2006, conhecido como “crime Barra Grande”, em razão da usina hidrelétrica de mesmo nome ter inundado

uma floresta primária de araucárias, sobre a qual não havia menção no EIA-RIMA. O artigo estabelece uma pena de reclusão de três a seis anos e multa

para quem elaborar ou apresentar, no licenciamento, concessão florestal ou

qualquer outro procedimento administrativo, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão. Se o

crime for culposo, a pena cominada é de detenção de um a três anos. A pena é aumentada de 1/3 a 2/3 se houver dano significativo ao meio ambiente, em

decorrência de informação falsa, incompleta ou enganosa. 57 Conforme Resolução CONAMA nº 001, de 23 de janeiro de 1986.

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212

resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam”

a saúde, a segurança e o bem-estar da população; as atividades sociais e

econômicas; a biota; as condições estéticas e sanitárias do meio

ambiente; e a qualidade dos recursos ambientais.

O artigo 2º da Resolução nº 001/1986 traz expressamente, em

caráter não taxativo, aquelas atividades que dependem da elaboração do

EIA-RIMA: estradas de rodagem com duas ou mais faixas de

rolamento; ferrovias; portos e terminais de minério, petróleo e produtos

químicos; aeroportos; oleodutos, gasodutos, minerodutos, troncos

coletores e emissários de esgotos sanitários; linhas de transmissão de

energia elétrica, acima de 230KV; obras hidráulicas para exploração de

recursos hídricos, como barragem para fins hidrelétricos, acima de

10MW, de saneamento ou de irrigação, abertura de canais para

navegação, drenagem e irrigação, retificação de cursos d’água, abertura

de barras e embocaduras, transposição de bacias, diques; extração de

combustível fóssil; extração de minério; aterros sanitários,

processamento e destino final de resíduos tóxicos ou perigosos; usinas

de geração de eletricidade acima de 10MW; complexos e unidades

industriais e agroindustriais; distritos industriais e zonas estritamente

industriais; exploração econômica de madeira ou de lenha; projetos

urbanísticos, acima de 100ha, ou em áreas consideradas de relevante

interesse ambiental; e qualquer atividade que utilize carvão vegetal, em

quantidade superior a dez toneladas por dia.

Estas atividades são consideradas previamente, portanto, como

causadoras de significativo impacto, sendo proibido ao órgão

licenciador não exigir o estudo nesses casos. Como se observa das

atividades obrigatoriamente sujeitas ao EIA-RIMA, apresentam grande

complexidade tecnológica e alta potencialidade de riscos e desastres

ambientais, necessitando de um planejamento cuidadoso e preventivo, e

da análise das tecnologias em sentido amplo utilizadas no

empreendimento.

Com base nesses aspectos, a Resolução nº 001/1986 estabelece

que o estudo de impacto ambiental deve obedecer a algumas diretrizes,

sem prejuízo de outras fixadas pelo órgão competente: contemplar todas

as alternativas tecnológicas e de localização de projeto,

confrontando-as com a hipótese de sua não execução; identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados nas fases de

implantação e operação da atividade; definir os limites da área

geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos,

considerando a bacia hidrográfica na qual se localiza; considerar os

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planos e programas governamentais, propostos e em implantação na

área de influência do projeto, e sua compatibilidade.

Cada uma dessas diretrizes gerais, de conteúdo obrigatório, traz

a ligação dos estudos ambientais com a obrigatoriedade de análise das

MTDs. A ausência ou insuficiência de sua adoção leva à nulidade do ato

e da licença ambiental emitida com base no estudo falho (LOUBET,

2014).

A primeira aplicação evidente das MTDs é quase expressa,

quando determina a Resolução citada que o empreendedor deve

apresentar todas as alternativas tecnológicas e de localização do projeto,

confrontando-as com sua inexecução, ou seja, compete ao

empreendedor fazer um levantamento amplo e completo de todas as

alternativas tecnológicas. Não basta, logo, levantar as alternativas

tecnológicas, mas também deve confrontá-las, avaliá-las, analisar seus

impactos, verificando quais os mais poluentes, quais seus tipos e como

eliminá-los ou reduzi-los (LOUBET, 2014).

Ainda por força deste dispositivo, entende-se que se deve exigir

no estudo a análise integrada do empreendimento, não setorial e isolada

em um recurso receptor, mas como um todo, desde sua concepção.

Deve, também, apresentar uma metodologia objetiva de inventário e

classificação dos impactos e eficiências ambientais, bem como

tecnologias preventivas e não somente de fim de tudo, ou seja, de

tratamento dos resíduos (LOUBET, 2014).

Importante ressaltar que o estudo não pode se centrar apenas na

empresa específica que está em processo de licenciamento, mas nos

impactos sinergéticos da mesma com as já instaladas na área, o nível de

poluição já existente e, inclusive, a perspectiva de novos

empreendimentos a serem desenvolvidos ou já com pedidos de

licenciamento, o que poderá influenciar no limite máximo de poluentes

que poderá ser emitido na planta industrial (LOUBET, 2014).

A Resolução nº 001/1986 estabelece, também, o conteúdo

mínimo de atividades técnicas a serem desenvolvidas no EIA. O

primeiro é o diagnóstico ambiental da área de influência do projeto, com

a completa descrição e análise dos recursos ambientais e suas interações,

caracterizando a situação ambiental da área antes da implantação do

projeto, considerando o meio físico (subsolo, águas, ar e clima, recursos minerais, topografia, tipos e aptidões do solo, corpos d’água, regime

hidrológico, correntes marinhas e atmosféricas), o meio biológico e os

ecossistemas naturais (fauna e flora, destacando as espécies indicadoras

da qualidade ambiental, de valor científico e econômico, raras e

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214

ameaçadas de extinção, e as áreas de preservação permanente), e o meio

socioeconômico (uso e ocupação do solo, usos da água e a

socioeconomia, destacando os sítios e monumentos arqueológicos,

históricos e culturais, as relações de dependência entre a sociedade

local, os recursos ambientais e sua potencial utilização futura).

A segunda atividade técnica que deve ser desenvolvida no EIA

é a análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas,

identificando e prevendo a magnitude e a interpretação da importância

dos prováveis impactos relevantes, elencando os impactos positivos e

negativos, diretos e indiretos, imediatos, a médio e longo prazo,

temporários e permanentes; grau de reversibilidade; propriedades

cumulativas e sinérgicas; e distribuição dos ônus e benefícios sociais.

A terceira atividade é a definição das medidas mitigadoras dos

impactos negativos, como os equipamentos de controle e sistemas de

tratamento de despejos, avaliando a eficiência de cada uma delas.

A quarta atividade é a elaboração do programa de

acompanhamento e monitoramento (os impactos positivos e negativos,

indicando os fatores e parâmetros a serem considerados).

Evidencia-se a adoção das MTDs como obrigatórias

principalmente pela análise dos impactos ambientais do projeto e

alternativas e sua interação com o meio. Se imprescindível a análise do

impacto ambiental do projeto e suas alternativas, é evidente que devem

ser abrangidas as alternativas tecnológicas e um estudo comparativo, sua

relação, a classificação entre as melhores e a adoção da melhor. Isso

porque seria ilógico que o sistema jurídico previsse todo um

instrumental de estudos ambientais, com gasto de verbas e tempo do

empreendedor e da Administração para que as melhores opções

estudadas não fossem adotadas, cabendo ao empreendedor ou ao órgão

licenciador responsável escolher livremente sem critérios qual a

tecnologia que deveria ser utilizada (LOUBET, 2014).

Ressalta ainda Loubet (2014) que toda a avaliação das

alternativas tecnológicas e seus impactos devem ter ligação e

classificação com o diagnóstico do meio, fase na qual o estudo deve

analisar a tolerabilidade aos impactos que serão estudados, tecnologia

por tecnologia e sua interação com os impactos advindos de outras

atividades antrópicas já existentes na área. Essa relação é obrigatória, sem a qual há nulidade da licença ambiental.

O estudo de impacto ambiental deve vir acompanhado de

relatório, como citado anteriormente, que consiste em resumo e

conclusão de todas as informações e documentos constantes do estudo,

em linguagem fácil e acessível, para que seja possível entender as

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215

vantagens e desvantagens do projeto e suas consequências ambientais,

motivo pelo qual será dada publicidade.

A Resolução nº 001/1986 em comento dispõe, no artigo 9º, que

o RIMA refletirá as conclusões do estudo de impacto ambiental e

conterá, no mínimo, os objetivos e as justificativas do projeto, sua

relação e compatibilidade com as políticas setoriais, planos e programas

governamentais; a descrição do projeto e suas alternativas tecnológicas

e locacionais, especificando para cada um deles, nas fases de construção

e operação, a área de influência, as matérias primas, e mão-de-obra, as

fontes de energia, os processos e técnicas operacionais, os prováveis

efluentes, emissões, resíduos de energia, os empregos diretos e indiretos

a serem gerados; síntese dos resultados dos estudos de diagnósticos

ambientais da área de influência do projeto; a descrição dos prováveis

impactos ambientais da implantação e operação da atividade,

considerando o projeto, suas alternativas, os horizontes de tempo de

incidência dos impactos e indicando os métodos, técnicas e critérios

adotados para sua identificação, quantificação e interpretação; a

caracterização da qualidade ambiental futura da área de influência,

comparando as diferentes situações da adoção do projeto e suas

alternativas, bem como com a hipótese de sua não realização; a

descrição do efeito esperado das medidas mitigadoras previstas em

relação aos impactos negativos, mencionando aqueles que não

puderam ser evitados, e o grau de alteração esperado; o programa de

acompanhamento e monitoramento dos impactos; e a recomendação

quanto à alternativa mais favorável.

Observa-se que são vários os conteúdos do RIMA, na esteira

dos anteriormente analisados, que tratam da adoção das MTDs, quando

aborda a necessidade de conter as alternativas tecnológicas e a

recomendação para aquela mais favorável, as técnicas adotadas para

verificação de impactos, e os danos que não podem ser evitados, após a

análise de todas as tecnologias.

O estudo e seu relatório devem apresentar um método objetivo

que permita justificar entre os inúmeros fatores possíveis e suas

interações de qual é a melhor tecnologia disponível. Por mais que o

órgão ambiental possa não acolher suas conclusões, justificando essa

decisão, de qualquer forma este conteúdo não pode ser omitido. A alternativa tecnológica mais favorável será aquela de menor impacto

possível, de forma global. Assim, após as conclusões apresentadas pelo

empreendedor sobre qual a melhor alternativa que considera favorável,

cabe a decisão ao órgão ambiental competente (LOUBET, 2014).

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216

Ressalta-se que o EIA-RIMA produz informação pública e

extremamente importante para a sociedade de qualidade ambiental e

estrutura política de redução e controle de riscos. Observa-se de sua

regulamentação a centralidade do elemento técnico, tanto no processo

de licenciamento quanto nos estudos que o informam.

Deve-se ter um olhar crítico dessa centralidade, uma vez que a

exclusão de outros conhecimentos barra a participação. Depositar a

confiança no elevado nível técnico até o ponto de ignorar outros já

existentes, pode ter um sério inconveniente de limitar a participação dos

cidadãos que carecem dos conhecimentos específicos para exercê-la de

modo eficaz. A aberta participação da sociedade, dos titulares de

direitos e interesses que possam ser afetados por aquela obra ou

atividade é o elemento básico do procedimento com o qual sua

conclusão se legitima (PARDO, 1999).

Buscando a participação da sociedade, a legislação previu a

ocorrência de audiências públicas58

, as quais permitem que os

interessados discutam os elementos do processo de licenciamento,

incorporando outros conhecimentos que não somente o científico, mas o

saber popular. A participação da sociedade não deve ocorrer de qualquer

forma, mas que sim de modo consciente e informado.

Os estudos das audiências públicas no curso do licenciamento

são complexos e fogem ao objetivo da presente investigação, mas são de

extrema relevância para demonstrar a necessidade de participação e que,

apesar da importância e imprescindibilidade dos estudos técnicos, pode

a Administração negar o licenciamento com base em outros critérios e

conhecimentos que não o científico.

Por fim, importante ressaltar que os estudos e as decisões

tomadas em audiências públicas não vinculam a Administração.

Contudo, como será abordado na sequência, a conclusão negativa dos

estudos vincula sim, sob pena de a licença ser ilegal e inconstitucional.

5.2.2 Modificação das licenças ambientais conforme o estado da

técnica (cláusula rebus sic stantibus no licenciamento

ambiental)

A licença ambiental não é um direito adquirido de poluir. A existência de licença ambiental e de padrões de emissões e de qualidade

ambiental não isenta o empreendedor de estar atento ao estado da

58

Conforme artigo 11, §2º, da Resolução CONAMA nº 001/1986, Resolução

CONAMA nº 009/1987 e artigos 3º e 10 da Resolução CONAMA nº 237/1997,

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217

técnica para buscar sempre melhor eficiência na prevenção de riscos e

de ser responsabilizado por eventuais danos causados e de pagar o custo

para evitá-los.

Questão que se coloca relevante é a do regime de modificação

das licenças ambientais conforme o estado da técnica, quer dizer, a

exigibilidade de novas tecnologias disponíveis em novas instalações ou

naquelas que já foram licenciadas e estão em funcionamento, ou seja, se

se deve exigir das já licenciadas as mesmas técnicas de eliminação de

riscos que as novas empresas necessitam para que recebam a licença.

Segundo Pardo (1999), para exigir das empresas já instaladas a

tecnologia necessária para licenciamento das novas é necessário que

haja uma análise da capacidade de assimilação e da diferença de custos.

Esta ponderação pode perder seu sentido, caso a legislação já estabeleça

critérios de modificação das licenças, conforme a norma de adaptação

for sendo modificada.

De todo modo, Pardo (1999) afirma que, devido à

desatualização da legislação espanhola, não é possível estabelecer um

tratamento normativo preciso e definido das adequações e correções

tecnológicas de estabelecimentos e indústrias anteriormente autorizadas.

A resposta jurisdicional é igualmente dissonante, adotando soluções em

cada caso, mediante a análise dos custos econômicos e da viabilidade

técnica das novas medidas.

Em relação ao direito ambiental brasileiro, Loubet (2014)

afirma que a Administração deve incluir na licença ambiental uma

condição quanto ao surgimento de novas tecnologias que diminuam os

impactos ao meio ambiente, devendo ser adotadas pelo empreendedor

em prazo razoável. Esta condição deve ser obrigatória nas licenças, com

base no dever de uso das MTDs. Contudo, mesmo que não esteja

expressamente escrita, a mesma deve ser considerada implícita em todas

as licenças ambientais, tendo em vista que, por serem concessões de uso

e acesso a bens ambientais, devem atender aos mandamentos

constitucionais de prevenção de riscos e proteção ambiental.

Antes de adentrar no tema da revisibilidade das licenças

ambientais, é necessário estudar sua natureza jurídica, tema controverso

na doutrina que suscita diversas consequências, a depender de qual a

natureza identificada. A natureza jurídica das licenças no direito ambiental brasileiro

não está sedimentada, vez que ora é considerada licença ora autorização

administrativa, o que modifica seu regime quanto à discricionariedade

ou vinculação em sua concessão e sobre a possibilidade de revogação

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ou modificação, uma vez que a autorização é ato precário e de caráter

discricionário e a licença é permanente e de caráter vinculado.

Sobre o assunto, Bechara (2009) afirma que a licença ambiental

tem identidade e regime jurídico próprios, o que confere ao

licenciamento uma natureza híbrida, sendo que a concessão das licenças

será ora vinculada ora discricionária.

Bechara (2009) defende que a concessão da licença será

vinculada apenas quando a avaliação de impacto ambiental demonstrar

que o empreendimento tem condições de se desenvolver dentro dos

parâmetros ambientais, não prejudicando o meio ambiente e a saúde.

Para a autora, a existência de EIA-RIMA favorável condiciona a

Administração a conceder a licença ambiental – opinião com a qual se

discorda, tendo em vista que este estudo é elaborado pelo

empreendedor, ou seja, nunca ou raramente será contrária ao

empreendimento. Além disso, outros elementos devem ser observados

para concessão ou não da licença e não somente este estudo.

Já quando os estudos ambientais demonstrarem diversas

possibilidades técnicas, deve a Administração descartar as alternativas

que não se enquadrem na legislação ambiental e eleger a melhor entre as

que se enquadram. Esta escolha seria apenas para decidir qual das

alternativas será acolhida, pois o direito à obtenção da licença já estaria

configurado (BECHARA, 2009).

De modo diverso, quando os estudos ambientais não encontram

alternativas que se enquadrem na legislação ambiental, não se deve

indeferir automaticamente a licença, devendo o órgão ambiental

verificar se existe justificativa irresistível e fundamentada para a

liberação da atividade, sopesando os impactos negativos e positivos do

empreendimento, mesmo que seja licenciado com inconvenientes

ambientais (BECHARA, 2009), posição com a qual não se concorda.

Ainda de acordo com Bechara (2009), se a obra ou atividade

apresentar riscos juridicamente toleráveis, deverá ser autorizado e deve

o empreendedor compensar previamente os danos ambientais, conforme

será analisado posteriormente. Já se os danos forem intoleráveis, deve o

órgão licenciador indeferir a licença.

Embora haja essas diferenças, na visão de Bechara (2009), não

se deve referir na legislação ora a licença ora a autorização ambiental, pois o regime jurídico de aplicação após a concessão será o mesmo, ou

seja, não pode o órgão licenciador simplesmente revogar o ato senão por

inegável interesse público, para não gerar insegurança jurídica.

Em sentido diverso, com o qual se concorda, Farias (2013)

afirma que a licença ambiental tem características tanto de licença

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quanto de autorização administrativa e que caracterizá-la como ato

discricionário geraria insegurança jurídica e ameaçaria a própria ordem

econômica, afastando investimentos. Por outro lado, caracterizá-la como

ato vinculado colocaria em risco um valor ainda mais soberano: a

qualidade do meio ambiente. Assim, o mais sensato é enquadrar a

licença ambiental como um ato administrativo próprio, podendo ser

vinculado ou discricionário, discricionariedade essa técnica, ou seja,

baseada nos resultados dos estudos ambientais.

Em resumo, considerar a licença ambiental como uma

autorização, a ser revogada a qualquer momento pela simples

discricionariedade da Administração, causaria insegurança jurídica.

Considerar como uma licença que se perpetua durante o seu prazo de

validade, independentemente das consequências negativas sobre o meio

ambiente e à coletividade, seria legalizar a degradação ambiental e

instituir um direito adquirido a degradar o meio ambiente (FARIAS,

2013), o que, como já reiteradamente afirmado, não é seu objetivo.

Isso posto, passa-se ao estudo da revisão das licenças

ambientais conforme o estado da técnica e mediante a obrigatoriedade

de incorporação das MTDs, cláusula que deve estar expressa na licença

ou, caso não esteja, deve ser considerada implícita.

É notório que o licenciamento ambiental deve ser prévio à

instalação e operação da obra ou atividade efetiva ou potencialmente

poluidora. Contudo, há situações nas quais o licenciamento é feito após

a implantação e funcionamento do empreendimento, situações essas

excepcionais e trazidas pela legislação para corrigir situações urgentes e

pontuais. Ressalta-se que a regra é o licenciamento prévio, sendo o

posterior de extrema excepcionalidade no ordenamento.

Podem ocorrer tanto em empreendimentos instalados sem as

licenças ambientais, porque na época de sua instalação não havia esse

processo, quanto em empreendimentos instalados sem as licenças,

porque o empreendedor desrespeitou a legislação e implantou seu

empreendimento sem as licenças ambientais cabíveis, o que constitui

um comportamento ilícito, sujeito à responsabilidade civil, penal e

administrativa (BECHARA, 2009).

Esse licenciamento tardio é chamado de licenciamento

corretivo, que pressupõe que o empreendimento deve respeitar todas as normas editadas posteriormente, tendo em vista que não existe direito

adquirido de poluir, e constitui uma revisão de atividade efetiva ou

potencialmente poluidora (BECHARA, 2009).

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220

Quanto ao primeiro caso, ou seja, aos empreendimentos

instalados antes da obrigatoriedade do licenciamento ambiental, há a

finalidade de verificar sua obediência às normas ambientais então

vigentes e adequá-los, pois a nenhuma atividade é dado o direito de

permanecer submetida a normas ambientais que toleravam a degradação

ambiental em razão da ausência de percepção à época, e conscientização

sobre os danos ambientais ou pelo conhecimento tecnocientífico ser

menor no período (BECHARA, 2009).

Além disso, a LPNMA, no artigo 9º, inciso IV59

, prevê a

revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, podendo ser

reavaliadas pelo órgão competente a qualquer tempo, verificando sua

conformidade com a política ambiental vigente (BECHARA, 2009).

Alguns exemplos na legislação são a Resolução CONAMA nº

06/1987, que determina licenciamento prévio e a posteriori dos

empreendimentos de geração de energia elétrica; a Resolução

CONAMA nº 335/2003, que determina o licenciamento dos cemitérios

horizontais e verticais a serem implantados e a dos já existentes; e a

Resolução CONAMA nº 273/2000, que determina o licenciamento dos

postos de gasolina a serem implantados e dos já existentes (BECHARA,

2009).

Quanto à segunda situação, a dos empreendimentos instalados

em desrespeito à obrigatoriedade do licenciamento ambiental, atitude

ilegal, sujeita às penas cominadas na legislação, a exigibilidade de

licenciamento corretivo é medida que se impõe, não se servindo de

estímulo, contudo, para que se instalem às pressas e depois possam

pleitear a sua regularização sob os argumentos de que é fato consumado,

que gera empregos e rendas e traz benefícios à população (BECHARA,

2009).

A regularização de empreendimentos deve ocorrer, logo, de

acordo com as normas ambientais vigentes e, caso seja constatada a

impossibilidade da adequação, serão os empreendimentos considerados

irregularizáveis e, portanto, sujeitos a demolição e/ou interdição

(BECHARA, 2009).

Como verificado, o melhor momento para a incorporação das

MTDs é no início do empreendimento, tendo em vista o planejamento

da atividade se dar em volta dessas tecnologias e também para redução dos custos de uma posterior implantação, que pode se demonstrar

inviável.

59

Art. 9º - São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente: IV - o

licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras.

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221

Assim, caso um empreendimento instalado e/ou em

funcionamento sem a devida licença não esteja utilizando as MTDs e

sua instalação for de custo excessivamente alto, e o empreendedor não

quiser instalá-las, a interdição da atividade é medida que se impõe, pois

não é possível que possa se beneficiar de uma atividade ilegal por não

ter utilizado a MTD já no início do planejamento, furtando-se de

cumprir a legislação vigente e socializando riscos ambientais, enquanto

privatiza os lucros da atividade poluidora, em uma verdadeira injustiça

ecológica.

Antes mesmo do processo de licenciamento corretivo, a

atividade de fiscalização da Administração, em seu poder de polícia,

pode e deve interditar a atividade enquanto permanecerem irregulares

ou permanecerem funcionando no curso do licenciamento, se o órgão

competente assim o entender.

Até este momento da investigação, já foi compreendida a

necessidade de adoção das MTDs por empreendimentos que buscam a

licença ambiental e também já se estudou a modificação de

empreendimentos que não tenham licenças ambientais. Cumpre agora

analisar a revisibilidade em empreendimentos que já estão licenciados.

Essa possibilidade existe, conforme argumentos trazidos

anteriormente. Já o regime de modificação, suspensão e cancelamento

das licenças já concedidas possui fundamento também na existência de

prazo de validade para cada licença.

A Resolução CONAMA nº 237/1997 afirma, no artigo 18,

incisos I, II e III, respectivamente, que o prazo de validade da LP deve

ter um máximo de 5 (cinco) anos, a LI de 6 (seis) anos e a LO de no

máximo 10 (dez) anos.

Dispõe ainda que, na renovação da LO, o órgão ambiental

competente poderá, por decisão motivada, aumentar ou diminuir o seu

prazo de validade, após avaliação do desempenho ambiental da

atividade ou empreendimento no período de vigência anterior. Essa

renovação deve ser requerida com antecedência mínima de 120 (cento e

vinte) dias da expiração de seu prazo de validade, fixado na respectiva

licença, ficando este automaticamente prorrogado até a manifestação

definitiva do órgão ambiental competente.

Dispõe a Resolução, no artigo 19, que o órgão ambiental competente, mediante decisão motivada, poderá modificar os

condicionantes e as medidas de controle e adequação, suspender ou

cancelar uma licença expedida, quando ocorrer violação ou inadequação

de quaisquer condicionantes ou normas legais; omissão ou falsa

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222

descrição de informações relevantes que subsidiaram a expedição da

licença; e superveniência de graves riscos ambientais e de saúde.

Observa-se que a Resolução afirma expressamente que,

enquanto as condições fixadas pela licença atenderem ao seu objetivo,

deverá ser mantida. Já quando desatender os objetivos de sua concessão,

mediante as situações acima estabelecidas, deverá ser suspensa ou

cancelada. A licença ambiental possui, assim, uma clausula rebus sic

stantibus, ou seja, se alteradas as condições originais que justificaram a

concessão da licença, deve essa também ser alterada.

Segundo Loubet (2014), uma atividade que estava de acordo

com o sistema jurídico no momento de emissão da licença, pela adoção

das MTDs passa a não mais estar com o avanço tecnológico, ocorrendo

uma ilegalidade superveniente. A licença ambiental não assegura a

manutenção do status quo vigente quando da expedição da licença e não

confere direito adquirido ao empreendedor a manter as condições

inicialmente emitidas. Aplica-se, portanto, a teoria da cláusula rebus sic

stantibus, vez que, se as condições originais que deram ensejo a sua

concessão mudarem, altera-se ou retira-se também a própria licença,

sendo a cláusula responsável pela atualização e modificação do vínculo,

em uma situação jurídica permanente e não consumada.

Abrem-se, logo, algumas possibilidades a serem discutidas. A

primeira delas é a de empreendimentos com licenciamentos, mas cuja

licença expedida viola a exigência da MTD. Nesse caso, a

Administração deve anular a licença e emitir outra com base na MTD

(LOUBET, 2014).

O segundo caso é de empreendimento licenciado com base na

MTD da época de concessão da licença, mas houve a aparição de novas

tecnologias no mercado que permitem a redução significativa do

impacto ambiental. Deve a nova tecnologia ser incorporada? Antes ou

depois do vencimento da licença? Geraria indenização ao empreendedor

pela modificação com base na MTD? (LOUBET, 2014).

Como afirmado, há a obrigatoriedade do empreendedor de

acompanhar o estado da técnica, devendo o regime da licença seguir o

que vai oferecendo o progresso tecnológico enquanto dura a atividade

licenciada. Assim, deverá a Administração incluir como condição na

licença o surgimento de novas tecnologias que impliquem em menor impacto.

Contudo, em empreendimentos já instalados, deve haver maior

cautela e se deve avaliar a relação custo-benefício na implementação da

nova MTD. Outro critério modulador na exigência para

empreendimentos já licenciados é o da igualdade, pois essa

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incorporação levará a um custo maior, o que refletirá no preço do

produto ou na margem de lucro, sendo que os que utilizam a tecnologia

ultrapassada estarão produzindo a um custo econômico menor em

detrimento de uma maior degradação ambiental, quebrando regras de

concorrência de mercado e de proteção ambiental. Nesse caso, quem

mais polui não estaria pagando nada ao não incorporar a nova

tecnologia, enquanto o que polui menos o estaria, por haver incorporado

a MTD (LOUBET, 2014).

Em relação ao prazo de validade da licença, se a MTD deve ser

incorporada antes ou depois do vencimento, Loubet (2014) afirma que,

se a exigência da incorporação se dá após o vencimento da licença, no

processo de renovação, não há qualquer problema, por todos os

argumentos já expostos. Dessa forma, se for possível para a

Administração aguardar até esse momento para exigir a incorporação da

nova MTD, deve fazê-lo. Contudo, em casos excepcionais de evidente

melhora nas tecnologias a um custo assimilável, poderá ser exigida

antes do prazo de vencimento da licença.

Não há qualquer direito à indenização, uma vez que a inclusão

de prazo para as licenças ambientais já deixa claro que o titular da

atividade consente com a limitação de seu exercício, desaparecendo

qualquer possibilidade de obter compensações por investimentos

realizados se a Administração modifica as condições após o transcurso

desse prazo. Assim, não há direito à indenização pela revisão periódica

das condições e pelas cargas econômicas que leva (LOUBET, 2014).

Quando a necessidade da incorporação da MTD ocorre,

contudo, no curso da licença já concedida, afirma Loubet (2014) que

deverá o órgão ambiental competente abrir procedimento

administrativo, com direito à manifestação do empreendedor e

discussão dessas exigências, com respeito ao contraditório e a ampla

defesa. Nesses casos, também não há direito à indenização, uma vez

que, em caso de descobrimento de riscos não conhecidos no momento

da concessão da licença, implica em sua imediata suspensão e correção

com as medidas necessárias, pois a licença foi concedida contrariando a

proteção constitucional do meio ambiente.

Já quanto à criação de novas tecnologias de controle da

poluição, não se pode dizer que se deve indenizar em respeito ao direito adquirido e à segurança jurídica, pois, conforme Loubet (2014), a

constante mudança e atualização faz parte da natureza da licença

ambiental, não podendo gerar expectativas de imutabilidade e as

constantes necessidades de melhoria são inerentes ao seu processo

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produtivo. Constata-se que a estabilidade da licença, por estar em um

campo fortemente dominado pela técnica, é relativa, introduzindo

elementos de incerteza.

O ideal, para Loubet (2014), é que haja uma atuação negociada

da Administração com o empreendedor, concedendo prazo razoável

para a incorporação da MTD, evitando-se a alegação de prejuízos. A

modificação das condições técnicas dos empreendimentos requer acordo

e cooperação, sem obstar o poder do órgão competente de revogação e

cancelamento da licença quando as razões legais assim o justificarem.

5.2.3 A compensação ambiental prevista na Lei do SNUC

As licenças ambientais possuem uma natureza jurídica própria,

assim como o processo ambiental. Como já citado anteriormente, a Lei

nº 9.985, de 18 de julho de 2000, que regulamenta o artigo 225, § 1º,

incisos I, II, III e VII da Constituição Federal de 1988 e institui o

Sistema Nacional de Unidades de Conservação, traz o instituto da

compensação ambiental no licenciamento.

Constitui-se em um dos aspectos mais controvertidos da Lei,

previsto no artigo 36, o qual afirma que os danos ambientais verificados

no estudo prévio de impacto ambiental, quando necessários e não sendo

possível sua eliminação, devem ser previamente compensados,

mediante a conservação ou implantação de unidade de conservação de

proteção integral, salvo se o empreendimento impactar unidade

específica, caso em que esta deverá ser a beneficiada.

Bechara (2009) afirma que o termo compensação é utilizado em

diversas situações no direito ambiental para designar institutos distintos,

embora próximos, tendo em vista que tem por principal finalidade fazer

com que uma atividade degradadora ofereça uma contribuição para

afetá-lo positivamente, melhorando a situação de outros elementos

corpóreos e incorpóreos que não os afetados.

A compensação ambiental de forma geral “[...] engloba todas as

medidas de substituição de um bem danificado por outro de valor

equivalente”, havendo aquela posterior ao dano não evitado, imposta ao

degradador em situações de irreversibilidade da lesão e aquelas que

ocorrem antes da concretização do dano, tal como o presente na Lei do SNUC (BECHARA, 2009, p. 137).

Conforme se observa do artigo 36 da Lei do SNUC, a

compensação ambiental prevista visa compensar aqueles danos

previstos no estudo prévio de impacto ambiental e seu relatório durante

o processo do licenciamento ambiental de atividades que causem danos

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ao meio ambiente. Tais atividades, contudo, diante de sua relevância ou

interesse para o país e para a sociedade, têm sua implantação justificada,

mesmo causando danos.

Por tais motivos, a compensação ambiental visa contrabalançar

os danos significativos e que não podem ser eliminados mediante o

dever do empreendedor em apoio à implantação e manutenção de

unidade de conservação de proteção integral.

O instituto da compensação ambiental tem natureza jurídica de

reparação prévia ou antecipada de danos futuros, em decorrência do

princípio do poluidor-pagador, e tem lugar quando as medidas

preventivas e mitigadoras não puderem ser implementadas, não

constituindo uma dispensa para o empreendedor de tomar todas as

medidas possíveis pela melhor tecnologia disponível para eliminar os

possíveis impactos negativos da obra ou atividade (BECHARA, 2009).

Nas palavras de Bechara (2009), para se aplicar a compensação

ambiental, é preciso primeiro constatar a impossibilidade técnica ou

social de extirpação dos possíveis impactos ambientais negativos, uma

vez que, enquanto houver possibilidade de eliminação de tais impactos,

em cumprimento ao princípio da prevenção, a eliminação terá que ser

promovida. Somente será compensado aquilo que não puder ser

eliminado, e apenas nos casos em que se classifique o empreendimento

como necessário ou indispensável.

Por não representar um passe livre para poluição ou degradação

ambiental, caso haja impactos ambientais não previstos no estudo de

impacto ambiental e, logo, não compensados antecipadamente, será o

empreendedor responsável pelos danos causados posteriormente ou não

previstos no estudo, o que não caracteriza bis in idem (BECHARA,

2009).

A compensação ambiental, prevista no artigo 36 da Lei do

SNUC, já foi objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.378,

no Supremo Tribunal Federal, de relatoria do Ministro Carlos Ayres

Britto, interposta pela Confederação Nacional da Indústria, alegando

que violaria os princípios da legalidade, da harmonia e independência

dos poderes, da razoabilidade e proporcionalidade, e que geraria um

enriquecimento ilícito do Estado pela indenização não possuir prévia

mensuração e comprovação do dano. O Supremo Tribunal Federal concluiu pela constitucionalidade

do dispositivo contestado, salvo quanto ao seu § 1º, de modo a permitir

que o valor da “compensação-compartilhamento” seja fixado

proporcionalmente ao impacto ambiental, retirando a limitação mínima

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226

de 0,5%. Assim, o valor da compensação-compartilhamento deve ser

fixado proporcionalmente ao impacto ambiental, sendo fixado

percentual sobre os custos do empreendimento após estudo em que se

assegurem o contraditório e a ampla defesa.

Entendeu o STF que o compartilhamento-compensação

ambiental não ofende o princípio da legalidade, pois foi a própria lei

que previu o modo de financiamento dos gastos com as unidades de

conservação e que não viola também o princípio da separação dos

Poderes, uma vez que não se trata de delegação do Poder Legislativo

para o Executivo impor deveres aos administrados.

Além disso, decidiu que o artigo 36 da Lei nº 9.985/2000

densifica o princípio do usuário-pagador, que significa um mecanismo

de responsabilidade partilhada pelos custos ambientais derivados da

atividade econômica, inexistindo desrespeito ao postulado da

razoabilidade. Entendeu o Tribunal Supremo, ainda, que a compensação

ambiental se revela um instrumento adequado à defesa e preservação do

meio ambiente para as presentes e futuras gerações, não havendo outro

meio eficaz para atingir essa finalidade constitucional.

O artigo 36 da Lei citada foi regulamentado pelo Decreto nº

6.848/2009, que alterou e acrescentou dispositivos ao Decreto

nº 4.340/2002, regulamentando a compensação ambiental.

O Decreto prevê a instituição da Câmara de Compensação

Ambiental no âmbito do Ministério do Meio Ambiente, para estabelecer

prioridades e diretrizes para sua aplicação; avaliar e auditar,

periodicamente, a metodologia e os procedimentos de cálculo da

compensação, de acordo com estudos ambientais realizados e

percentuais definidos; propor as diretrizes necessárias para agilizar a

regularização fundiária das unidades de conservação; e estabelecer

diretrizes para elaboração e implantação dos planos de manejo das

unidades de conservação.

A Câmara Federal de Compensação Ambiental - CFCA é um

órgão colegiado criado por meio da Portaria MMA nº 416, de 03 de

novembro de 2010 e possui caráter supervisor e com o objetivo de

orientar o cumprimento da legislação referente à compensação

ambiental. É composta por membros dos setores público e privado, da

academia e da sociedade civil. A destinação dos recursos é feita pelo Comitê de Compensação

Ambiental Federal – CCAF, órgão colegiado criado no âmbito do

IBAMA, instituído pela Portaria Conjunta nº 225, de 30 de junho de

2011 e presidido pelo IBAMA. Sua principal atribuição é deliberar

sobre a divisão e a finalidade dos recursos oriundos da compensação

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227

ambiental federal para as unidades de conservação beneficiadas ou a

serem criadas.

Estabelece ainda o Decreto nº 6.848/2009, no Anexo, a

metodologia de cálculo para o impacto ambiental, o qual será verificado

pelo IBAMA, a partir do estudo de impacto ambiental e seu relatório,

considerando apenas os impactos negativos. O impacto causado será

levado em conta apenas uma vez no cálculo, o qual deverá conter os

indicadores do impacto gerado pelo empreendimento e das

características do ambiente a ser impactado.

Não serão incluídos no cálculo os investimentos referentes aos

planos, projetos e programas exigidos no licenciamento ambiental para

mitigação dos impactos e os encargos e custos incidentes sobre o

financiamento do empreendimento, inclusive os relativos às garantias e

os custos com apólices e prêmios de seguros pessoais e reais.

Prevê o Decreto, ainda, que a compensação ambiental poderá

incidir sobre cada trecho, naqueles empreendimentos em que for emitida

a licença de instalação por trecho.

Em relação ao Decreto, o procurador-geral da República

ajuizou Reclamação nº 17.364 no Supremo Tribunal Federal para

impugnar seu artigo 2º, por ofender a decisão do Tribunal no

julgamento da ADI 3.378, acima comentada.

Como fundamento para a Reclamação, o procurador-geral

afirma que restou impossibilitado à lei fixar valor mínimo da

compensação ambiental por empreendimento de significativo impacto

ambiental, sendo que a União estabeleceu no Decreto uma fórmula

abstrata para o cálculo da compensação ambiental, prevendo, contudo,

percentual máximo de impacto ambiental a ser considerado, o que

violaria o entendimento proferido na ADI.

A decisão da reclamação, relatada pelo Ministro Roberto

Barroso, foi pelo não seguimento. Entendeu a Corte Suprema que o

artigo 31-A do Decreto nº 4.340/2002, acrescido pelo Decreto

nº 6.838/2009, não afronta a autoridade do acórdão proferido na ADI

3.378, estando ausente a estrita pertinência entre o ato reclamado e o

dispositivo da decisão-paradigma, restando inaplicável a teoria da

transcendência dos motivos determinantes. Assim, não existiria relação

de estrita identidade entre o ato impugnado e o parâmetro de controle. Importante salientar que a compensação ambiental é prévia à

ocorrência de danos e não corresponde a uma indenização. Sobre o

tema, o STJ já teve oportunidade de se manifestar nesses exatos termos,

ao julgar o REsp nº 896.863/DF, sede de ação civil pública, interposta

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pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios contra o

Distrito Federal, a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil

– NOVACAP e a Quacil - Construções, Terraplenagem, que buscava a

responsabilização por danos ao meio ambiente causados por obra de

pavimentação asfáltica.

O Tribunal de origem julgou procedente a ação em obrigação

de fazer e pagamento de indenização pelos danos ambientais

irreversíveis, atestados por prova técnica.

Entendeu o Tribunal de origem pela condenação em obrigação

de fazer e indenizar ao Distrito Federal e à Companhia Urbanizadora da

Nova Capital do Brasil – NOVACAP, tendo em vista que restou

comprovado ter a construção da Via HI-60 e da ponte sobre o Córrego

Cabeça-de-Veado resultado na ocorrência de danos ao meio ambiente,

como a retirada da cobertura vegetal de preservação permanente; a

modificação da Área de Preservação Permanente; a criação de um

anteparo físico à livre circulação de animais da unidade de conservação;

impactos negativos pela interrupção parcial do corredor ecológico,

representado pela descontinuidade da mata de galeria, gerada pela

construção da ponte e que dificultou o livre fluxo de animais em direção

ao Lago Paranoá; a quebra do tênue equilíbrio ecológico existente no

ecossistema mata ciliar; a restrição parcial à livre circulação de animais

silvestres, em função da via asfaltada (HI-60), que intensificou o

processo de unsularização; e aumento da vulnerabilidade da unidade de

conservação nas proximidades da obra.

Fundamentou o Tribunal a decisão na responsabilidade objetiva

pelos danos ambientais, prevista no artigo 14, §1º, da Lei nº 6.938/1981,

e na inexistência de confusão entre compensação e indenização

ambiental, pois a primeira decorre de autorização administrativa, ou

seja, de atividade lícita, e na responsabilidade objetiva, independente de

ofensa à lei ou qualquer regulamento. Já a indenização decorre de ato

ilícito, o qual restou comprovado no caso em análise.

Indignados, os réus da ação civil pública interpuseram recurso

especial, sob o fundamento de que fora violado o artigo 36 da Lei nº

9.985/2000, não cabendo indenização por danos ambientais causados

pelo mesmo fato ensejador da compensação ambiental, caracterizando

bis in idem. Aos recursos especiais, relatados pelo Ministro Castro Meira,

foi negado provimento à unanimidade, entendendo pela manutenção do

acórdão recorrido. Ante os fundamentos trazidos no voto, o relator

aborda inicialmente o conteúdo do artigo 36 da Lei nº 9.985/2000,

julgado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, à exceção do §

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1º, na ADI 3.378, conforme elucidado anteriormente. Afirma o voto que

a Corte Suprema, ao reconhecer a constitucionalidade do dispositivo,

reconheceu claramente a relação entre a compensação ambiental e o

princípio do usuário-pagador, permitindo que recursos naturais sejam

autorizados mediante autorização do Poder Público competente.

Entendeu ainda o relator que a compensação ambiental é

prévia, possuindo conteúdo reparatório para que o empreendedor

destine parte de seus esforços para equilibrar o uso dos recursos naturais

previstos no EIA com ações de proteção do meio ambiente. A

indenização, ao contrário, trata-se de atitude posterior à ocorrência do

dano, o qual deverá ser reparado ou indenizado pelo degradador,

conforme previsto no artigo 225, §3º, da Constituição Federal de 1988.

Por tais razões, não se inclui no âmbito do dano posterior aquele prévio

previsto e autorizado pelos órgãos ambientais no estudo prévio no

processo de licenciamento, já devidamente compensado.

Para o relator, acertadamente, os institutos da compensação e da

indenização têm natureza distinta, não configurando, portanto, bis in idem a cobrança de indenização por danos posteriores com a

compensação feita anteriormente, ainda na fase de implantação do

projeto, vinculada ao conteúdo do EIA, constitucionalmente previsto.

Sobre a importância do estudo de impacto ambiental, o relator,

em seu voto, afirma que é claramente vinculado à garantia do direito ao

meio ambiente equilibrado e corresponde à melhor expressão legislativa

dos princípios da publicidade e da participação popular.

Quanto à compensação ambiental prevista na Lei nº

9.985/2000, o relator afirma que o estudo compreende duas conclusões

necessárias para que haja a compensação: a viabilidade ambiental do

empreendimento e a percepção do potencial impacto a ser causado pela

futura utilização de recursos ambientais para sua realização. Assim, a

compensação não seria possível quando o projeto for inviável ou

quando não há a visualização do dano, devendo o estudo mensurar este

dano provável e indispensável à atividade e também determinar as

condicionantes para reduzir estes impactos ou evitar os danos colaterais.

Para o relator, portanto, a compensação ambiental prevista na

Lei do SNUC, em interpretação conforme a Constituição Federal

brasileira, é restrita aos danos previstos no EIA-RIMA, sendo que estes devem ser absolutamente necessários e inevitáveis para a instalação do

empreendimento.

Assim, os danos não contemplados no estudo e também os

evitáveis não estão sujeitos à compensação: os primeiros, caso ocorram,

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230

poderão ensejar dever de reparação ou indenização e os segundos

devem ser evitados à custa do empreendedor, tudo como medida de

limitação da utilização de recursos naturais e do cumprimento do dever

de zelar pelo meio ambiente, bem de uso comum do povo.

Da análise do acórdão e de tudo o que foi exposto, é possível

identificar que o julgamento do presente Recurso Especial contribuiu

para elucidar a discussão acerca do tema da compensação ambiental, no

sentido de confirmar a necessidade de que sejam exigidas tanto a

compensação ambiental dos danos previstos no estudo prévio de

impacto ambiental e quanto da indenização pelos danos não previstos

causados e da possibilidade de cumulação entre ambas, visando a

proteção do meio ambiente para as presentes e futuras gerações, em

contextos de inexistência de MTDs e sendo o empreendimento

considerado necessário, nos termos da legislação existente, o que não a

isenta de críticas.

5.2.4 A adoção da MTD e a queima da palha da cana-de-açúcar

O caso da queima da palha de cana-de-açúcar foi escolhido por

ter grande representatividade econômica no Brasil, pela produção

brasileira de etanol. Além disso, há diversos estudos sobre seus

impactos ambientais, aos animais não humanos e à saúde humana,

causando diversos problemas respiratórios.

Esse caso foi escolhido ainda por haver diversas jurisprudências

no Superior Tribunal de Justiça e uma recente no Supremo Tribunal

Federal que ilustram a necessidade de adoção de melhores tecnologias

disponíveis e a complexidade frente a critérios econômicos e sociais.

A queima da palha da cana-de-açúcar é um método utilizado

para colheita e, dentro desta tradição, muitos são os motivos para que

esta prática ainda hoje seja usada, embora outros existam para que ela

seja eliminada (MARTINS, 2009).

A queimada consiste em atear fogo no canavial, destruindo

cerca de 30% da biomassa existente, composta de folhas secas e folhas

verdes, a qual não interessa para a indústria sucroalcooleira, pois ela não

tem participação na produção de álcool ou açúcar na fase industrial,

considerada matéria-prima descartável (MARTINS, 2009). Estudos comprovam que há relação entre as queimadas de cana

e a morbidade respiratória na população, além de estar associada a

problemas ambientais, como a morte da fauna, a degradação dos solos, a

poluição de mananciais, a poluição de centros urbanos, e a elevadas

emissões atmosféricas causadas pela queima, que normalmente acontece

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na colheita, que cobre as cidades, casas e prédios por cinza e partículas

conduzidas pelo ar (MARTINS, 2009).

A análise dos julgados da queima da palha da cana-de-açúcar é

iniciada com o Superior Tribunal de Justiça, que já vem decidindo há

anos sobre sua (i)legalidade. A pesquisa foi feita no sítio eletrônico do

Tribunal, no campo jurisprudência com as palavras-chave “queima” e

“cana-de-açúcar”, encontrando-se 33 (trinta e três) documentos nos

acórdãos, que serão abordados em ordem cronológica crescente,

somente os que foram efetivamente julgados.

Embora o REsp 161433/SP, de relatoria do Ministro Ari

Pargendler, julgado pela Segunda Turma aos 27/10/1998, não tenha sido

conhecido, revela-se importante seu conteúdo técnico, por ser o acórdão

mais antigo encontrado pelo método de busca acima citado.

Isso porque, já nesse julgado, pareceres técnicos de médicos

afirmavam que a combustão da palha da cana-de-açúcar libera gases

tóxicos, os quais podem prejudicar a respiração dos seres vivos e o

crescimento das plantas. Um médico pneumologista afirmava que ao

menos 1/5 da população da zona canavieira paulista está com os

pulmões comprometidos ou à beira de uma crise de rápida evolução.

O próximo julgado é de 2003 e se trata do REsp 294925/SP,

interposto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, de relatoria

do Ministro Milton Luiz Pereira, cujo voto para provimento do recurso

foi vencido, julgado aos 03/10/2002, pela Primeira Turma. Os votos

vencedores, dos Ministros José Delgado, Luiz Fux e Humberto Gomes

de Barros, consideraram que o Direito deve ser interpretado e aplicado

considerando a realidade socioeconômica que objetiva regulamentar. No

caso, embora haja dano causado pelas queimadas, deve ser sopesado

com o prejuízo econômico e social que sua proibição causará,

incluindo-se o desemprego do trabalhador rural. Consideraram ainda

que uma tecnologia realmente eficaz para substituir essa prática

poluidora seria inaplicável.

Além disso, afirmaram que, do ponto de vista estritamente

legal, não existe proibição expressa do uso do fogo na prática de

atividades agropastoris, desde que respeitados os limites fixados em lei,

visto que o artigo 27, parágrafo único, do Código Florestal (hoje

revogado) proíbe apenas a queimada de florestas e vegetação nativa e não da palha da cana, e o Decreto Federal nº 2.661/1999 permite a

queima da cana, concluindo-se que aquilo que não está proibido é

permitido.

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232

O RHC 14218/SP, relatado pelo Ministro Jorge Scartezzini e

julgado aos 28/04/2004 pela Quinta Turma, considerou que o emprego

controlado de fogo para as práticas agropastoris e florestais está

regulamentado pelo Decreto Federal nº 2.661/1998, mas a queima

descontrolada e ilegal da lavoura canavieira pode configurar infração

penal ambiental, caso provoque poluição atmosférica prejudicial à saúde

humana, conforme os dispositivos da Lei nº 9.605/1998.

O REsp 345971/SP, relatado pelo Ministro Francisco Falcão e

julgado aos 14/02/2006 pela Primeira Turma, entendeu autorizada a

queima controlada da cana, por força do Decreto Federal nº 2.661/1998,

como um método facilitador do corte de cana-de-açúcar em áreas

passíveis de mecanização da colheita, a ser eliminado de forma

gradativa.

Na sequência, o REsp 439456/SP, relatado pelo Ministro João

Otávio de Noronha, julgado aos 03/08/2006 pela Segunda Turma,

considerou que, tratando-se de atividade produtiva, nos setores primário

e secundário, o legislador tem buscado conciliar seus interesses com o

direito da população ao meio ambiente equilibrado. Contudo, sendo

certo que as queimadas poluem a atmosfera e tendo sido realizadas

queimadas de palhas de cana-de-açúcar sem a respectiva licença

ambiental, evidencia-se a ilicitude do ato, impondo a condenação à

obrigação de não fazer, abstendo-se de realizar tal prática.

Entretanto, o Tribunal considerou que a condenação à

indenização em espécie depende da efetiva comprovação do dano, em

especial no caso dos autos, em que a queimada ocorreu em 5 (cinco)

hectares de terras, porção ínfima comparada ao universo regional, no

qual as culturas são de inúmeros hectares a mais.

No AgRg nos EDcl no REsp 1094873/SP, de relatoria do

Ministro Humberto Martins, julgado pela Segunda Turma aos

04/08/2009, ilustra expressamente a necessidade da adoção das

melhores tecnologias disponíveis.

Afirma o voto do relator que estudos acadêmicos demonstram

que a queima da palha da cana-de-açúcar causa grandes danos

ambientais e que, considerando o desenvolvimento sustentável, existem

instrumentos e tecnologias modernos que podem substituir essa prática

sem inviabilizar a atividade econômica. A exceção do parágrafo único do artigo 27 da Lei nº

4.771/1965, fundamento de quase todos os acórdãos analisados, fala em

“peculiaridades locais ou regionais”, não havendo como compatibilizar

tal exceção com área mecanizável de unidade agroindustrial, não

existindo, inclusive, qualquer peculiaridade local ou regional de uma

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unidade agroindustrial. Logo, a atividade deve ser desenvolvida com os

instrumentos e a tecnologia industriais modernos de redução de impacto

ambiental. Além disso, o disposto no artigo 16 do Decreto nº

2.661/1998, também supracitado, ao permitir a queimada em um quarto

da área mecanizável de unidade agroindustrial, extrapola os limites da

regulamentação.

Afirma ainda o voto do relator que a exceção apresentada e

peculiaridades locais ou regionais objetivam a compatibilização de dois

valores protegidos constitucionalmente, quais sejam o meio ambiente e

a cultura (modos de fazer). Desse modo, sua interpretação não pode

abranger atividades agroindustriais ou agrícolas organizadas, ante a

impossibilidade de prevalência do interesse econômico sobre a proteção

ambiental quando há formas menos lesivas de exploração.

O acórdão se fundamenta ainda na alegação dos próprios

recorrentes que demonstram ser a prática arcaica e defasada, afirmando

que é uma conduta secular, método usado em épocas de grandes

limitações tecnológicas, sendo certo que hoje o avanço da agroindústria

permite a diminuição dos danos ao meio ambiente sem comprometer a

sua viabilidade econômica.

O REsp 965078/SP, de relatoria do Ministro Herman Benjamin,

julgado pela Segunda Turma, aos 20/08/2009, reconheceu que esta

turma do STJ confirma a ilegalidade da queima de palha de cana-de-

açúcar, por ser de atividade vedada, em regra, pela legislação federal,

em virtude dos danos que provoca ao meio ambiente. Os males

causados à saúde, ao patrimônio e ao meio ambiente, são notórios e

evidentes, os quais independem de comprovação de nexo de

causalidade. Afirma o relator que insistir no argumento da

inofensividade das queimadas, sobretudo no contexto atual de mudanças

climáticas, ou exigir a elaboração de laudos técnicos impossíveis, se

aproxima do burlesco e da denegação de jurisdição, pecha que

certamente não se aplica ao Judiciário brasileiro.

O relator considerou que o acórdão recorrido viola o artigo 27

da Lei nº 4.771/1965, por interpretá-lo de forma restritiva e

incompatível com a Constituição Federal brasileira, cuja consecução e

do princípio da precaução afastam a queima de palha da cana-de-açúcar,

por haver instrumentos e tecnologias que podem substituir essa prática, sem inviabilizar a atividade econômica.

O AgRg no REsp 1038813/SP, cujo relator foi o Ministro

Mauro Campbell Marques, julgado pela Segunda Turma, aos

20/08/2009, confirmou que, no âmbito da Segunda Turma do STJ,

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pacificou-se o entendimento de que a queimada de palha de cana-de-

açúcar causa danos ao meio ambiente e sua realização depende de

autorização dos órgãos ambientais competentes. A existência da lei

estadual paulista que prevê, genericamente, o uso do fogo como método

despalhador, desde que atendidos certos requisitos, não é suficiente para

afastar a exigência prevista em legislação federal, que existência

específica de autorização dos órgãos competentes. No mesmo sentido, o

REsp 1179156/PR, de relatoria do mesmo Ministro, julgado aos

12/04/2011, afirma que para a queima da palha de cana-de-açúcar é

preciso autorização dos órgãos ambientais competentes.

Já a Primeira Turma do Tribunal, conforme entendimento

exarado no AgRg no REsp 1112808/GO, de relatoria do Ministro

Hamilton Carvalhido, julgado aos 08/09/2009, entende possível o

emprego de fogo como método despalhador e facilitador do corte de

cana, devendo ser observados os requisitos expressos em lei.

Importante caso julgado pelo STJ é o REsp 1285463/SP, de

relatoria do Ministro Humberto Martins, julgado pela Segunda Turma

aos 20/02/2012, pois utilizou como fundamentação o princípio da

precaução. O voto faz um histórico do princípio da precaução nas

conferências e documentos internacionais, afirmando que a ausência de

certezas científicas não é argumento para postergar a adoção de medidas

eficazes para a proteção ambiental, pois, na dúvida, prevalece sua

defesa.

A situação de tensão entre esse princípio e o do

desenvolvimento econômico deve ser resolvida pela ponderação,

primazia do Poder Legislativo, tendo o legislador brasileiro disciplinado

o uso do fogo no processo produtivo agrícola no artigo 27, da Lei nº

4.771/1965, cuja interpretação não pode conduzir ao entendimento de

que estão por ele abrangidas as atividades agroindustriais ou agrícolas

organizadas, pois dispõem de condições financeiras para implantar

outros métodos menos ofensivos ao meio ambiente. Contudo, caso seja

possível ao órgão ambiental competente permitir a queimada, esta deve

ser específica, precedida de estudo de impacto ambiental e

licenciamento, com a implantação de medidas mitigadoras de danos e a

recuperar o ambiente degradado.

Pelos julgados expostos, observa-se que a Corte Superior está dividida em seu entendimento: enquanto a Primeira Turma entende que

a queima da palha da cana não é ilegal e deve ser feita de modo

controlado, a Segunda Turma considera que se trata de método arcaico,

existindo outras tecnologias mais modernas e que não inviabilizam a

atividade econômica, fundamentando suas decisões no princípio da

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precaução, do desenvolvimento sustentável, bem como nos direitos

constitucionais ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à saúde

e em normas infraconstitucionais, em especial na Lei nº 4.771/1965 e na

Lei nº 6.938/1981.

Passa-se, neste momento, ao estudo do caso julgado pelo

Supremo Tribunal Federal, consistente no RE n° 586.224-SP, de

relatoria do Ministro Luiz Fux, que já relatou caso similar quando

ministro do STJ, e apresentou semelhante fundamentação, como se verá

a seguir, e julgado pelo Plenário aos 05/03/2015.

Cuida-se de acórdão proferido nos autos do recurso

extraordinário interposto pelo Estado de São Paulo e pelo Sindicato da

Indústria da Fabricação do Álcool do Estado de São Paulo - SIFAESP

contra a Câmara Municipal de Paulínia-SP e o Município de Paulínia-

SP, referente à decisão de improcedência em ação direta de

inconstitucionalidade estadual proferida pelo órgão especial do Tribunal

de Justiça do Estado de São Paulo. A ação direta de

inconstitucionalidade foi proposta pelo SIFAESP e pelo Sindicato da

Indústria de Açúcar no Estado de São Paulo - SIAESP, para impugnar a

Lei Municipal nº 1.952, de 20 de dezembro de 1995, do Município de

Paulínia, que proibiu totalmente a queima da palha de cana-de-açúcar

em seu território.

A improcedência do pedido pelo Tribunal de Justiça de São

Paulo se deu pelo entendimento de que a queima de palha de cana-de-

açúcar é método rudimentar e primitivo, que pode ser substituído pela

mecanização, tendo sido reconhecida a competência do município para

tratar do tema, ante a proteção ao meio ambiente estabelecida.

Considerou ainda que os usineiros não desconhecem que o método da

queimada e a utilização de mão-de-obra análoga à escrava são fatores

dissuasivos da aceitação o do etanol nos países de primeiro mundo.

Irresignado, o estado de São Paulo interpôs recurso

extraordinário, alegando que a decisão recorrida afrontava os artigos 23,

incisos VI e VIII, 24, inciso VI, e 30, incisos I e II, todos da

Constituição Federal de 1988, e que a legislação municipal interfere em

políticas públicas estaduais sobre a eliminação progressiva da queimada

da cana-de-açúcar. Segundo o estado, a lei municipal prejudica a

economia estadual e atrapalha a fiscalização ambiental, transcendendo a proibição os limites do Município.

O SIFAESP e o SIAESP também interpuseram recurso

extraordinário, sustentando nulidade do acórdão recorrido, pois o

Tribunal de Justiça julgou a compatibilidade da norma municipal direta

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e unicamente em face da Constituição Federal, bem como a violação aos

artigos 24, inciso VI, e 30, incisos I e II, ambos da Constituição Federal

de 1988.

O voto condutor do ministro Luiz Fux rejeitou as preliminares

suscitadas, entendendo que o acórdão recorrido analisou devidamente o

dispositivo levantado diante da Constituição Estadual, o qual foi

devidamente recebido e julgado. Após conhecimento do recurso, o

ministro, na análise do mérito, afirmou que o presente caso ultrapassa a

análise jurídica, envolvendo questões sociais, econômicas e políticas,

conforme apurado em audiência pública.

Ressalta a existência de relevante diminuição, de forma

progressiva e planejada pelo estado de São Paulo, da utilização da

queima; que a maior parte das áreas de cultivo são acidentadas,

impossibilitando o manejo de máquinas e não existindo tecnologia para

substituir a queimada; que grande parcela do cultivo de cana se dá em

minifúndios com trabalhadores de baixa escolaridade; e que a poluição,

independentemente do escolhido, sempre existirá.

Para o ministro, o reconhecimento da legitimidade e/ou

constitucionalidade da proibição imediata da queima de cana entenderia

como razoável o impacto econômico da perda de substanciosa fatia da

geração de renda e emprego em todo país, em vista do reconhecimento

de repercussão geral. Considerou ainda o ministro relator que deve

haver tempo para que os trabalhadores canavieiros sejam realocados,

ante sua substituição pela mecanização do cultivo, o que exige um

julgamento cauteloso pelo julgador, ante o certo e previsível

desemprego em massa. O relator entendeu que, investido no papel de

guardião da Constituição, deve atuar na defesa do interesse da classe de

trabalhadores canavieiros, que merecem proteção diante do progresso

tecnológico advindo com a mecanização, a qual é trazida pela pretensão

de proibir imediatamente a colheita da cana pelo uso de fogo.

Nesse sentido, o voto do relator ainda enfatizou que o judiciário

é serviço público e está inserido na sociedade, devendo se atentar a seus

anseios, tendo em mente o objetivo de saciar suas necessidades. Deve,

pois, identificar estas necessidades e sua consequente satisfação por

meio da representatividade. Assim, entende como mais harmônico com

a Constituição Federal brasileira a eliminação planejada e gradual à proibição total e imediata da queima da cana.

Por último, o relator analisa a questão ambiental, referente à

poluição. Aduz que a queimada degrada, mas a mecanização também,

tanto pela formação de gás metano na decomposição da cana, quanto

pelo surgimento de ervas daninhas e pelo uso de pesticidas e fungicidas.

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237

Entende, logo, que é preciso reduzir ao máximo o aspecto negativo da

mecanização do cultivo da cana, sendo a lei estadual que prevê a

eliminação progressiva da queima entendida como devida e que reflete

o desejo da sociedade, consolidando inclusive um standard a ser

observado e respeitado pelas demais unidades da federação.

Conclui, portanto, que o município de Paulínia atuou no âmbito

de competência do estado de São Paulo, contrariando-o e afrontando a

Constituição Estadual, dando provimento ao recurso extraordinário para

declarar a inconstitucionalidade da Lei Municipal ora questionada.

O voto do ministro Luís Roberto Barroso entendeu que há

competência político-administrativa do município em matéria de

proteção do meio ambiente e de combate à poluição, em virtude do

artigo 23, inciso VI, da Constituição Federal de 1988, havendo também

competência legislativa, reconhecendo, em tese, a legitimidade ao

município para dispor sobre questões ambientais. Contudo, diante da

incompatibilidade entre a lei municipal e a estadual, entende que a

questão foge ao interesse meramente local e que o meio ambiente,

apesar de ser valor constitucional, não é o único, dando provimento ao

recurso extraordinário.

O ministro Teori Zavascki, por sua vez, entendeu pela

inconstitucionalidade formal e não material da lei municipal

questionada.

Já para a ministra Rosa Weber, há competência do município

para legislar sobre a proteção do meio ambiente e o combate à poluição

em quaisquer das suas formas. Em seus fundamentos, afirma que a

própria legislação estadual previa, assim como agora o chamado novo

Código Florestal, um prazo para a eliminação da queimada da cana-de-

açúcar, sendo que a lei municipal apenas restringiu tal prazo. Assim,

nega provimento ao recurso extraordinário.

O voto da ministra Carmen Lúcia entende que, havendo

legislação nacional e legislação estadual sobre o mesmo tema, e

havendo divergência entre elas, não há como harmonizar três ordens em

um mesmo espaço, questionando o interesse local. Deste modo, julga

pela inconstitucionalidade da lei municipal.

Na sequência, o ministro Gilmar Mendes reconhece a

competência do município, mas afirma que o caso em tela ultrapassa seus limites, razão pela qual acompanha o voto do relator.

O voto do ministro Marco Aurélio também acompanha o do

relator, ao afirmar que não pode enquadrar a matéria questionada como

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238

de interesse específico de um município, mas sim como abrangente,

atraindo a competência do estado.

O ministro Celso de Mello, embora também reconheça que o

Município dispõe de competência para legislar sobre o meio ambiente,

desde que o faça nos limites do interesse local, em harmonia com as

competências materiais constitucionalmente deferidas à união federal e

aos estados-membros; entende que a lei municipal questionada

ultrapassou os limites materiais conformadores das atribuições

normativas locais.

Por fim, o ministro Ricardo Lewandowski também acompanha

o voto do relator, ressaltando a proteção do trabalhador e entendendo a

queimada como meio de proteção do mesmo na colheita da cana por sua

folha ser cortante.

Após discussões acerca dos termos utilizados e da competência

municipal em matéria ambiental, decidiu o STF, por maioria, vencida a

Ministra Rosa Weber, pelo provimento ao recurso extraordinário,

declarando a inconstitucionalidade da Lei nº 1.952, de 20 de dezembro

de 1995, do Município de Paulínia-SP. Por unanimidade, firmou a tese

de que o Município é competente para legislar sobre o meio ambiente

com a União e o Estado, no limite do seu interesse local e desde que tal

regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais

entes federados, conforme artigos 24, inciso VI, c/c 30, incisos I e II, da

Constituição Federal de 1988.

Da análise do julgado acima referido, conclui-se que a posição

adotada pelo Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer a competência

do Município para legislar sobre meio ambiente, reforça o imperativo

constitucional de proteção ambiental, em consonância com o disposto

no artigo 225 da Constituição Federal de 1988 e com a importância dada

ao âmbito local.

Entretanto, havendo competência comum para legislar em

matéria ambiental e combate à poluição, a legislação municipal não

contrariou o disposto na legislação estadual, ao contrário, apenas trouxe

tratamento mais restrito, ao proibir prática notoriamente degradante não

só ao meio ambiente, mas à saúde da população. Deste modo, o

tratamento mais restritivo trazido pela legislação municipal não fere a

competência constitucionalmente atribuída aos entes federados, mas a ressalta, na medida em que atende aos interesses locais que, conforme

ressaltado pela ministra Rosa Weber em seu voto, é onde vive a

sociedade. A legislação restritiva do município, no sentido de proibir

prática lesiva ao meio ambiente e à saúde pública, está em consonância

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com a legislação estadual e com a Constituição Federal de 1988, de

modo que não se entende pela inconstitucionalidade da lei questionada.

Embora o julgado trate da competência municipal para

restringir a queima da palha da cana, observa-se dos fundamentos do

relator que o caso se trata da melhor tecnologia disponível para uma

atividade que utiliza recursos ambientais e causa danos certos e

comprovados ao meio ambiente como um todo, a morte de diversos

animais e à saúde humana.

Logo, observa-se que o argumento utilizado pelo relator é o de

que as tecnologias menos poluentes apresentariam um custo excessivo e

a necessidade de modificação de toda a estrutura do sistema e causaria o

desemprego de população que depende dessa prática. Contudo, como

verificado pela jurisprudência da Segunda Turma do STJ, a proteção do

meio ambiente é medida que se impõe e, tratando-se a indústria

sucroalcooleira de uma atividade empresarial e que aufere lucro com a

atividade e, causando dano certo não somente ao meio ambiente, como

também à saúde de toda a população e dos trabalhadores, deve ser

utilizada a melhor tecnologia para a atividade.

Este é o argumento que se entende mais consentâneo com os

preceitos constitucionais e com os princípios estruturantes de um Estado

ambiental que busca reduzir riscos existenciais. No caso da queima da

palha da cana, pode haver riscos ainda desconhecidos, mas os danos são

evidentes, não podendo o lucro de alguns se sobrepor à degradação do

meio ambiente e à saúde humana, pela eliminação de gases tóxicos e

cancerígenos, que colocam em risco a respiração e a vida de quem está a

eles exposto.

5.3 A ADOÇÃO DA MELHOR TECNOLOGIA DISPONÍVEL EM

CONTEXTOS DE INCERTEZA CIENTÍFICA

Até o momento, foram trazidos diversos aspectos da

incorporação das melhores tecnologias disponíveis no licenciamento

ambiental, conforme a legislação brasileira sobre o tema.

Pela argumentação anterior, pode-se constatar que as incertezas

científicas fazem parte da tutela do meio ambiente e impõem uma

constante atualização do sistema jurídico e das licenças ambientais para o estado da técnica.

Diante de contextos de incerteza, a sociedade de risco exige

uma resposta normativa aberta e flexível, necessária para afrontar a

complexidade técnica do controle ambiental (LOUBET, 2014), razão

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240

pela qual a adoção da cláusula técnica da melhor tecnologia disponível

estabelece um diálogo entre o ordenamento técnico e o jurídico,

incorporando à instância legitimada de decisão o conhecimento

especializado.

Nos casos de incorporação das MTDs em novos

empreendimentos, no licenciamento corretivo ou mesmo na modificação

das licenças ambientais, não há problema quando há uma única

tecnologia disponível considerada a melhor: será ela a que deverá ser

utilizada, sem discricionariedade da Administração e sem opção de

escolha pelo empreendedor.

Contudo, como exposto no decorrer da dissertação, essa não é a

melhor escolha, para não travar o descobrimento de novas tecnologias,

bem como pela característica do avanço da tecnociência, que gera cada

vez mais incertezas, característica também do conhecimento científico

atual, que reconheceu não ser possível que encontre verdades e certezas

em um universo determinista. Logo, a existência de uma única

tecnologia não é normalmente o que ocorre na realidade, mas a

existência de uma gama delas que atingem o mesmo resultado de

observância aos padrões de qualidade ambiental.

Embora o conhecimento científico não busque mais certezas, o

ordenamento jurídico precisa delas para que possa tomar uma decisão e

impor a adoção de determinada tecnologia. Na existência de diversas

tecnologias consideradas melhores e disponíveis, ou seja, no contexto de

incerteza científica, na qual nem mesmo os que possuem o

conhecimento especializado sabem dar uma resposta adequada, como o

órgão ambiental competente deve decidir qual será a utilizada?

Em virtude das incertezas pelos próprios cientistas, há uma

margem de decisão, a qual pode ser revisada pelo Judiciário se a

Administração extrapolar as margens de discricionariedade. Havendo

várias opções possíveis, cabe ao empreendedor justificar qual considera

a melhor a ser adotada para o seu empreendimento em específico e ao

órgão ambiental competente analisar seu pedido e, caso não concorde

com a conclusão trazida pelos estudos apresentados, deve, de forma

motivada, dizer qual a MTD que deve ser utilizada.

Esses casos são os mais correntes, considerando que, mesmo no

direito europeu, no qual o tema possui ampla regulamentação, procura-se não determinar uma tecnologia específica nos documentos, buscando-

se evitar os seguintes problemas: estagnação da tecnologia na melhora

das questões ambientais; evitar desconfiança da indústria quanto à

razoabilidade do poder público, para que não escondam eventuais

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241

avanços tecnológicos; e evitar criar um monopólio de alguma tecnologia

pertencente a uma empresa específica (LOUBET, 2014).

Assim, diante de várias tecnologias disponíveis, deve o Estado

organizar um sistema de levantamento, inventário e organização das

MTDs, como utilizado no direito europeu, para servir de base para as

decisões do órgão ambiental competente. Para Loubet (2014), esses

documentos devem ser elaborados sob coordenação do CONAMA, por

ser o órgão colegiado responsável pela implementação da Política

Nacional do Meio Ambiente e por possuir em sua composição ampla

representatividade de todos os setores envolvidos (governo, sociedade,

empresas, academia). Contudo, embora não fixados pela autoridade

nacional os critérios gerais e por setor das MTDs, é possível que se

utilizem os BREFs adotados pela União Europeia e expostos

anteriormente, por terem sido elaborados após ampla discussão com

todos os setores envolvidos e com base em metodologias amplamente

aceitas.

Importante ressaltar a participação de amplos setores no

estabelecimento de documentos com a relação das melhores tecnologias

disponíveis para que se evite a perpetuação da irresponsabilidade

organizada reinante no país. Busca-se evitar a ocultação do poder

público e do privado sobre a gestão do controle do risco, para a qual há

a necessidade de participação, transparência e controle social.

Desastres ocorridos pelo avanço da tecnociência e pela ausência

de tecnologias adequadas ou de métodos de contenção de riscos, diante

da incerteza das consequências geradas por esse avanço e,

consequentemente, de não haver tecnologias para lidar com essas

consequências, não se mostram raros. Exemplo recente foi o desastre

nuclear em Fukushima, no Japão, e o rompimento de barragens com

rejeitos de mineração em Mariana, no Brasil, vistos no primeiro

capítulo.

A ausência de tecnologia e a incerteza quanto aos riscos

causados por determinada atividade, mas que apresentam possibilidade

de causar desastres, devem ser obstados por força do princípio da

precaução, o qual lida exatamente com incertezas científicas.

Ressalta-se que, embora cause a paralisação de determinada

atividade ou a retirada de um produto do mercado, o princípio da precaução tem predominantemente um caráter ativo, ou seja, esse estado

de exceção perdura enquanto não há o desenvolvimento da tecnologia

adequada para que seja possível e, com a maior minimização de riscos,

licenciar e operar a atividade.

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242

A participação de amplos setores da sociedade é importante

também para que haja a incorporação de outras formas de

conhecimento, que não apenas o científico. Como afirmado no decorrer

da dissertação, a fé na tecnociência e na crença de que o conhecimento

científico salvará a humanidade e o planeta de sua destruição

autocausada e desenvolverá sempre melhores tecnologias para lidar com

eles já se mostrou falaciosa.

A possibilidade de negar a licença ambiental quando há

incertezas científicas que não deixam claro qual a melhor tecnologia a

ser adotada ou, quando verificado que com a análise locacional e de

estrutura do projeto, aquele local e aquela estrutura apresentada pelo

empreendedor cause riscos intoleráveis à sociedade, não deve ser vista

como um entrave do Estado e do Direito ao tão vangloriado

“desenvolvimento”.

Por força do princípio da precaução, a atividade não deve ser

construída ou pode ser paralisada caso esteja causando inúmeros riscos e

que tenha uma tecnologia atrasada. Por mais que tenha o princípio um

caráter de exceção, negativo, como afirma Pardo (1999, 2009), seu

principal aspecto é o de ser proativo, determinando um agir para que

sejam desenvolvidas tecnologias que viabilizem o projeto, e também um

dever do Estado de possuir um banco de referências e informações sobre

o assunto para que possa tomar as decisões de uma forma mais

consciente.

Além disso, o princípio da precaução não pressupõe uma única

forma válida de conhecimento, aquela proveniente da comunidade

cientifica, mas todos os grupos humanos, como comunidades

tradicionais e povos indígenas (LISBOA, 2009).

Não existe na legislação do licenciamento ambiental uma

determinação precisa dos direitos e deveres dos órgãos ambientais, dos

requerentes da licença ambiental e dos interessados no licenciamento.

Isso pode trazer insegurança para os administrados e abrir espaço para o

cometimento de arbitrariedades por parte da Administração. Dessa

forma, existe uma margem para que os órgãos ambientais possam tanto

dificultar como simplificar o licenciamento ambiental de um

determinado empreendimento de acordo com os interesses econômicos,

pessoais, políticos e religiosos dos seus dirigentes (FARIAS, 2013). Assim, o princípio da precaução age na supremacia do direito

difuso sobre o privado e na primazia do interesse público no

licenciamento. Se os estudos ambientais concluírem pela inviabilidade

do empreendimento – embora essa situação seja raríssima, tendo em

vista que os estudos ambientais são custeados pelo empreendedor – não

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243

há dúvidas de que a degradação ambiental é certa, não podendo a

Administração licenciar a obra ou atividade, para que não seja

considerado ilegal e inconstitucional, por ferir o direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado.

Por fim, em contextos de incertezas científicas, necessário

salientar a importância da audiência pública, que desempenha papel

importantíssimo na concretização da participação popular no

licenciamento, ao abrir espaço para a comunidade interessada discutir a

respeito dos impactos ambientais que a atividade pode gerar, pois o

órgão ambiental esclarece dúvidas, recebe críticas e acolhe sugestões

dos interessados, devendo levar em consideração todas as questões

importantes levantadas na decisão de conceder ou não a licença

(FARIAS, 2013).

É na audiência pública que a comunidade tem a oportunidade de

participar e há a inclusão de outras formas de conhecimento que não o

científico no instrumento do licenciamento, isto porque apenas o

conhecimento científico não é suficiente para resolver as questões

complexas das sociedades de riscos, é necessária uma epistemologia do

Sul, no sentido proposto por Santos (2010), exposto anteriormente.

Há ainda diversas discussões acerca de como se essa

participação nas audiências públicas e seu conteúdo, se consultiva ou

dialógica, como considerar seus resultados, as quais muitas vezes

acontecem como mera formalidade para cumprir com o estabelecido na

legislação, sem qualquer efetiva participação e informação da sociedade,

o que deve implicar em sua invalidação e da licença concedida.

Contudo, um maior aprofundamento sobre o tema foge dos objetivos do

presente trabalho, vez que tema complexo e que exige maior reflexão.

Infelizmente, as audiências públicas são previstas apenas para

licenciamentos mais complexos, que necessitam de EIA-RIMA, e para

os demais casos, imensa maioria, não há realização de audiência

pública. Contudo, com o enquadramento do licenciamento como

processo administrativo, como exposto anteriormente, é possível que

associações e organizações atuem como parte interessada a fim de pedir

pela concessão ou pelo indeferimento da licença ambiental, ou

simplesmente para acompanhar o processo.

Tais atores políticos podem, inclusive, elaborar laudos técnicos e pareceres jurídicos e protocolá-los no processo administrativo do

licenciamento, com o intuito de fundamentar a concessão ou a negativa

de uma licença (FARIAS, 2013).

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244

Na implementação das MTDs no Brasil, mediante participação

de amplos setores da sociedade e, na falta de regulação no Brasil,

Loubet (2014) afirma que deve ser utilizada a legislação da União

Europeia, em vista de ser mais rígida sobre o tema. Não se discorda

deste raciocínio, tendo em vista que foram elaboradas seguindo as

normas consideradas válidas para o conhecimento científico, e não

podem ser consideradas inválidas nem ignoradas por todas as sociedades

que dividem o mesmo planeta na gestão de riscos a que todos estão

sujeitos.

Contudo, não se deve olvidar que a ordem constitucional

brasileira, como demonstrado em capítulos antecedentes, impõe um

dever de redução de riscos, de proteção do meio ambiente para as

presentes e futuras gerações, e o dever de preservá-lo e protegê-lo.

A partir desse dever, a imposição de precaução é evidente, e

aqui não é considerado um estado de exceção ou um impedimento ao

desenvolvimento, mas sim, uma prudência na gestão de riscos que

podem, e têm feito a autodestruição, como zelar por um bem que não é

das gerações humanas presentes, mas das gerações humanas e não

humanas presentes, das gerações futuras e da natureza em si, como um

todo vivo que não deve ser colocado à livre disposição do homem para

seu bel prazer e utilidade máxima conforme seus interesses infinitos.

Da mesma forma, conforme demonstrado, o conhecimento

científico é um dentre vários tipos de conhecimento, dentre eles os

conhecimentos do Sul, de atores que têm outra racionalidade, a qual

pode ser considerada mais sustentável que a moderna ocidental, que não

deve permanecer calada e ignorada, enquanto a destruição de seus

modos de vida e seus territórios acontece.

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245

6 CONCLUSÃO

O avanço da tecnociência foi patrocinado pela relação

cartesiana estabelecida entre humanidade e natureza de separação,

dominação e exploração e, pelo conhecimento científico, com a

utilização de métodos de compartimentalização e de um olhar do sujeito

(homem) sobre o objeto (natureza).

Esse avanço tem natureza dúplice, ou seja, causou a diminuição

de perigos naturais, trouxe conforto e comodidades, eliminou distâncias,

melhorou a qualidade de vida e a saúde, dentre tantos outros benefícios,

mas também produziu riscos que podem autodestruir a humanidade, o

que levou a que a fé na tecnociência fosse abalada.

Os riscos advindos desse avanço e a relação que o homem

passou a estabelecer com a natureza causaram o esquecimento de outras

formas de conhecimento que não o científico, a poluição de água, ar e

solo, a destruição das florestas, a extinção de animais, a dominação de

vulneráveis (humanos e não-humanos) em busca de lucro, o

esgotamento de recursos naturais, a ocorrência de desastres, como

Bophal, Fukushima, Mariana, entre tantos outros.

Como estrutura jurídico-política legitimada para tomar

decisões, o Estado incorpora também essa crença na tecnociência, o que

lhe confere uma perda de sua legitimidade e de seu poder de decisão, ao

remeter ao ordenamento técnico a última palavra. Com essa remissão,

além de se enfraquecer o ordenamento jurídico e constitucional, pela

afronta aos direitos fundamentais, ainda se esquece que quem domina a

tecnociência é o mercado, as grandes corporações que lucram com a

degradação e socializam as externalidades negativas.

Dentro desse quadro, o Estado precisa assumir um novo papel,

incorporando o meio ambiente em sua estrutura e possuindo uma nova

ética baseada na sustentabilidade ecológica, buscando a justiça

ecológica no sentido de reduzir riscos existenciais e cumprir o

mandamento constitucional de proteger o meio ambiente equilibrado

para todos.

Em um Estado ambiental, para que o dever de redução de riscos

causados pela tecnociência seja efetivado, deve-se utilizar o

conhecimento científico a seu favor, passando a investigação científica a ser não somente um direito fundamental, mas principalmente um dever,

em busca de novas tecnologias que deixem claro os riscos até então

desconhecidos e que desenvolvam meios de reduzir ou eliminar esses

riscos.

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O dever de redução de riscos tem atualmente um instrumento

principal, que busca controlar as atividades humanas utilizadoras de

recursos naturais e que causam degradação. Trata-se do licenciamento

ambiental, instrumento preventivo e precaucional, e dos estudos que o

informam, elaborados por equipe especializada.

Trata-se de um processo administrativo que, além de se basear

em estudos técnicos, também abre espaço para que a sociedade possa

discutir a viabilidade ou não de um empreendimento, trazendo

argumentos outros e conhecimentos não-científicos, que são de extrema

importância para balizar a fé na tecnociência como a solucionadora de

todos os males e de incorporar novos atores do Sul, até então relegados

ao esquecimento e à ignorância.

As questões ambientais são necessariamente inter, multi e

transdisciplinares, mormente pela incorporação de conhecimentos

científicos das ciências naturais. Essa relação deve ser de diálogo e

cooperação, e não de remessa do Direito a essas ciências, para que não

haja uma deriva cientificista do ordenamento jurídico e de dotar aqueles

que não possuem legitimidade constitucional para decidir do poder de

decisão.

A melhor forma encontrada pelo Direito de estabelecer uma

relação harmoniosa com o ordenamento técnico, mantendo sua

legitimidade decisória e estando sempre atualizado pelo rápido avanço

tecnocientífico é a cláusula técnica da melhor tecnologia disponível, um

conceito jurídico indeterminado que se vale do conhecimento científico

para estabelecer as melhores tecnologias a serem incorporadas pelos

empreendimentos para que possam obter uma licença ambiental.

Contudo, em contextos de incertezas científicas, o

estabelecimento de qual a melhor tecnologia não é tarefa fácil. Se até

mesmo os que possuem o conhecimento técnico especializado não

conseguem tomar uma decisão, mais complexa se torna essa decisão

pelos órgãos ambientais competentes. Assim, defende-se ainda a

necessidade de politicas de transição para tecnologias ambientalmente

sustentáveis, como uma alternativa ao nome MTD.

Pode ocorrer de o empreendimento ser viável e haver apenas

uma MTD aplicável: neste caso, se o empreendimento for licenciado,

não importa que esta MTD seja excessivamente cara, se o empreendedor quer que ele aconteça deve utilizá-la, mas se a MTD for excessivamente

cara ou ainda estiver em fase de experimentação, não disponível no

mercado (o que aí efetivamente não seria considerada uma MTD, pois

para o ser deve ser disponível) deve a licença ser negada até que haja

uma MTD para que seja possível a implantação do empreendimento.

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247

Essa situação de haver apenas uma MTD é não somente

desaconselhada, para não travar o desenvolvimento de outras

tecnologias melhores e de que uma única empresa ser a detentora dessa

tecnologia, como também é o que ocorre em contextos de incertezas

científicas, típicas do conhecimento científico contemporâneo, que já

admitiu não buscar esse tipo de conhecimento verdades e certezas sobre

o mundo, quando verdades e certezas não há.

Nesse caso, o estabelecimento de documentos com uma lista

das melhores tecnologias disponíveis para um setor é a melhor solução,

o que implica em dificuldades de decisão de qual utilizar. Neste caso

complexo, abrem-se diversas oportunidades para a tomada de decisão,

devendo-se analisar cada situação fática, pois não há como dizer quais

critérios devem ser adotados de modo geral.

Mas isso não pode ficar ao livre arbítrio do empreendedor nem

totalmente à discricionariedade da Administração. Essas situações

devem ser analisadas à luz das normas constitucionais e legais sobre a

matéria, pois, além das incertezas serem características do conhecimento

científico, são preferíveis a se adotar uma MTD única.

A cláusula da melhor tecnologia disponível está implícita em

todas as licenças ambientais, por não serem um direito adquirido de

poluir, mas se trata de uma relação continuada e que deve estar atenta ao

estado da técnica.

As MTDs devem ser adotadas para que uma atividade seja

licenciada e estar em constante atualização e revisão, com observância

dos dispostos na legislação. Contudo, quando um empreendimento é

considerado de extrema relevância para o interesse público e que os

estudos ambientais comprovam que haverá riscos que o conhecimento

técnico atual não consegue evitar, a legislação traz uma exceção e

afirma que o empreendimento pode ser licenciado, mas que esses riscos

serão compensados pela proteção de unidade de conservação.

Embora esse dispositivo seja considerado constitucional pelo

Supremo Tribunal Federal, não está isento de críticas. Primeiro, por

colocar ao arbítrio do órgão ambiental competente estabelecer se aquele

empreendimento é de interesse público e deve ser implantado ou não,

sendo que é sabido que o licenciamento ambiental está atualmente

sujeito a vontades políticas e de interesse econômico das indústrias, que muitas vezes visam ao maior lucro possível, sem que haja a

internalização das externalidades negativas.

Em segundo lugar, os riscos desse empreendimento são

confirmados pelos estudos ambientais como certos, ou seja, não há

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incerteza científica em sua ocorrência, mas sim há ausência de

tecnologia para contê-los. Se não há tecnologia para contê-los,

provavelmente em caso de ocorrência de um desastre também não há

tecnologia disponível para evitar sua ocorrência ou para conter seus

efeitos nefastos.

É claro que representa uma exceção trazida pela legislação e,

como exceção, em último e extremo caso deve ser considerada. O

melhor seria que esse empreendimento considerado de necessário

interesse público buscasse desenvolver tecnologias de contenção de

riscos, diante do dever do Estado ambiental de desenvolvimento

tecnocientífico para melhoria da qualidade ambiental, ou verificasse

alternativas locacionais e tecnologias que tornassem viável o

empreendimento.

No caso escolhido para ilustrar as dificuldades da

implementação das MTDs, quando em discussão questões econômicas e

sociais, verificou-se a divergência jurisprudencial entre ambas as turmas

do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.

A queima da palha da cana-de-açúcar é método arcaico,

poluidor do meio ambiente e da saúde humana, existindo inúmeras

tecnologias mais modernas e menos poluentes e degradantes para a

colheita da cana. Contudo, interesses de mercado e econômicos

continuam a se sobrepor à saúde humana e ao meio ambiente, em uma

verdadeira injustiça ecológica e ambiental, pois os mais vulneráveis –

natureza, animais não humanos, trabalhadores rurais, pessoas que vivem

no entorno da área queimada – são os mais prejudicados pela busca pelo

lucro e pela socialização das externalidades negativas.

O método de queimada da palha da cana é ilegal e

inconstitucional, devendo os empreendimentos ser licenciados apenas se

utilizam as melhores tecnologias disponíveis para esse setor. A decisão

trazida pelo Supremo Tribunal Federal está em desacordo com a

Constituição Federal brasileira e com o melhor entendimento sobre o

tema.

A queima da palha da cana demonstra a falência do Estado

brasileiro na proteção do meio ambiente, quando sobrepõe interesses

econômicos e de uma elite sobre o meio ambiente, que é de todos, e das

populações mais vulneráveis que ainda dependem do emprego gerado pela atividade poluidora.

Os objetivos de um Estado ambiental de redução de riscos e

busca pela justiça ecológica e ambiental devem ser efetivados por ações

concretas do Estado brasileiro e de todos os seus poderes, para que não

haja uma remessa aos poderes econômicos e da tecnociência. A MTD

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249

pode ser utilizada como instrumento de justiça ecológica e ambiental, na

medida em que intenta diminuir as diferenças tecnologias entre Norte e

Sul e entre empresas poluentes, que externalizam os custos de sua

atividade em comunidades vulneráveis.

Embora se defenda a adoção das MTDs como obrigatória no

licenciamento ambiental brasileiro e a consideração implícita de sua

cláusula na licença ambiental, e o uso progressivo das MTDs e do dever

de desenvolvimento tecnológico pelo Estado ambiental, pela

necessidade de ligação, cooperação e diálogo entre o conhecimento

científico, a tecnociência e o Direito, e pela inter trans disciplinariedade

da questão ambiental, deve-se ver com cautela, para que não se iluda

que o conhecimento científico e a tecnociência, que têm outros

interesses e são dominados pelo mercado e pelas grandes corporações

em busca de lucro.

Com este olhar crítico, deve-se utilizar sim do conhecimento

científico especializado e técnico, tanto para reverter os problemas por

ele mesmo criados, quanto para a utilização de tecnologias que auxiliem

na proteção e defesa do meio ambiente, de modo que passa a ser dever

do Estado ambiental fomentar este tipo de pesquisa e incentivar a

adoção de melhores tecnologias, no sentido de um caráter proativo do

Poder Público.

Essa cautela é prevista pela própria legislação e pela natureza

jurídica do licenciamento ambiental que, como processo, admite à

sociedade discutir as melhores soluções e trazer outras formas de

conhecimento e de atores sociais até então ignorados.

Não mais se considera o conhecimento científico como o único

e o melhor, mas se deve dar voz à sociedade e a outras formas de

conhecimento, mediante os princípios estabelecidos pela epistemologia

do Sul, e a voz a diversos atores, para que se evite uma injustiça

ecológica.

Por tais razões é que se defende a adoção do princípio da

precaução na paralisação de atividades, na não concessão de licenças

ambientais e no reconhecimento do licenciamento ambiental como um

processo, abrindo para a sociedade e para todos os interessados

discutirem a concessão de licenças e incorporarem suas visões no

processo, para que o conhecimento técnico, apresentado nos estudos, não seja o único a ser considerado.

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enquadramento, bem como estabelece as condições e padrões de

lançamento de efluentes, e dá outras providências. Brasília: DOU,

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Complementa as Resoluções nº 05/1989 e nº 382/2006. Estabelece os

limites máximos de emissão de poluentes atmosféricos para fontes fixas

instaladas ou com pedido de licença de instalação anteriores a 02 de

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Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito.

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Ambiente. Resolução nº 462, de 24 de julho de 2014. Estabelece

procedimentos para o licenciamento ambiental de empreendimentos de

geração de energia elétrica a partir de fonte eólica em superfície

terrestre, altera o art. 1º da Resolução CONAMA nº 279, de 27 de julho

de 2001, e dá outras providências. Brasília: DOU, 25.7.2014. Disponível

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______. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos

Jurídicos. Lei nº 4.150, de 21 de novembro de 1962. Institui o regime

obrigatório de preparo e observância das normas técnicas nos contratos

de obras e compras do serviço público de execução direta, concedida,

autárquica ou de economia mista, através da Associação Brasileira de

Normas Técnicas e dá outras providências. Brasília: DOU, 11.1.1963.

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Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e

aplicação, e dá outras providências. Brasília: DOU, 2.9.1981.

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______. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos

Jurídicos. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as

sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades

lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Brasília: DOU,

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______. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos

Jurídicos. Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação

ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá

outras providências. Brasília: DOU, 28.4.1999. Disponível em:

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______. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos

Jurídicos. Lei nº 9.933, de 20 de dezembro de 1999. Dispõe sobre as

competências do Conmetro e do Inmetro, institui a Taxa de Serviços

Metrológicos, e dá outras providências. Brasília: DOU, 21.12.1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/9933.htm>.

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______. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos

Jurídicos. Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225,

§ 1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema

Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras

providências. Brasília: DOU, 19.7.2000. Disponível em:

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nov. 2015.

______. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos

Jurídicos. Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005. Regulamenta os

incisos II, IV e V do § 1o do art. 225 da Constituição Federal, estabelece

normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que

envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus

derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS,

reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio,

dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança – PNB, revoga a Lei

no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida Provisória n

o 2.191-9, de

23 de agosto de 2001, e os arts. 5o, 6

o, 7

o, 8

o, 9

o, 10 e 16 da Lei

no 10.814, de 15 de dezembro de 2003, e dá outras providências.

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______. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos

Jurídicos. Lei nº 11.284, de 2 de março de 2006. Dispõe sobre a gestão

de florestas públicas para a produção sustentável; institui, na estrutura

do Ministério do Meio Ambiente, o Serviço Florestal Brasileiro - SFB;

cria o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal - FNDF; altera as

Leis nos

10.683, de 28 de maio de 2003, 5.868, de 12 de dezembro de

1972, 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, 4.771, de 15 de setembro de

1965, 6.938, de 31 de agosto de 1981, e 6.015, de 31 de dezembro de

1973; e dá outras providências. Brasília: DOU, 3.3.2006. Disponível

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Jurídicos. Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009. Institui a Política

Nacional sobre Mudança do Clima - PNMC e dá outras providências.

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Jurídicos. Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010. Institui a Política

Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro

de 1998; e dá outras providências. Brasília: DOU, 3.8.2010. Disponível

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Jurídicos. Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a

proteção da vegetação nativa; altera as Leis nos

6.938, de 31 de agosto

de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de

dezembro de 2006; revoga as Leis nos

4.771, de 15 de setembro de 1965,

e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória no 2.166-67, de

24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Brasília: DOU,

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Jurídicos. Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011.

Fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do

parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação

entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações

administrativas decorrentes do exercício da competência comum

relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio

ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à

preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei no 6.938, de

31 de agosto de 1981. Brasília: DOU, 9.12.2011, ret. 12.12.2011.

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