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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ LUCIANA DE FRAGA BALAN ADURA JUDICIALIZAÇÃO DA ADOÇÃO HOMOAFETIVA Curitiba 2014

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

LUCIANA DE FRAGA BALAN ADURA

JUDICIALIZAÇÃO DA ADOÇÃO HOMOAFETIVA

Curitiba

2014

LUCIANA DE FRAGA BALAN ADURA

JUDICIALIZAÇÃO DA ADOÇÃO HOMOAFETIVA

Monografia apresentada ao curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito para a obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientador(a): Prof.(a) Geórgia Sabbag Malucelli Niederheitmann.

Curitiba

2014

TERMO DE APROVAÇÃO

LUCIANA DE FRAGA BALAN ADURA

JUDICIALIZAÇÃO DA ADOÇÃO HOMOAFETIVA

Esta monográfica foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, ___ de ____________ de 2014.

________________________________

Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite Coordenador do Núcleo de Monografia

Universidade Tuiuti do Paraná

Orientadora: ______________________________________________________________

Prof. (a) Geórgia Sabbag Malucelli Niederheitmann Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito _______________________________________________________________ Prof. Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito _______________________________________________________________ Prof. Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito

Dedico este trabalho a todos que, como eu, acreditam que o amor não tem cara, não tem cor e não tem sexo. Dedico especialmente a todos os pares homoafetos que desejam expandir este amor concretizando o sonho da adoção.

AGRADECIMENTOS

Agradeço imensamente aos meus pais, José e Fátima, que

batalharam muito para que eu chegasse aonde cheguei, que me

incentivaram muito para que nunca desistisse dos meus sonhos e me

mostraram do que eu era capaz. Agradeço pela fé depositada em mim,

pela confiança de que eu daria meu melhor e por me apoiarem

incondicionalmente em cada decisão, em cada etapa dessa jornada.

Agradeço pelo amor incondicional, pela educação que me deram, por

todo o zelo e preocupação. Obrigada por me ensinarem o verdadeiro

significado de amor e de família. Vocês são minha base, meu alicerce,

meus amores. Amo vocês eternamente.

Ao meu amado marido Maycow, que me apoiou desde o início e

sei que continuará me apoiando e me ajudando a atingir todos meus

objetivos. Obrigada por cuidar de mim todos os dias, por me amar tanto,

por lutar comigo minhas batalhas. Obrigada por compreender minhas

limitações, mas por estar ali, comigo, segurando minha mão a todos os

momentos, bons ou ruins. Mas obrigada principalmente por ser meu

parceiro, meu companheiro de vida, meu melhor amigo.

Às minhas irmãs e melhores amigas Fernanda e Patrícia, que são

um pedacinho de mim. Sofrem comigo, sorriem comigo. Obrigada por eu

sempre poder contar com vocês.

Ao meu irmão de coração, Odair, que me ensinou que família vai

muito além de laços de sangue e que o amor é o que realmente importa.

Ao meu avô Oscar que nunca desistiu de ver a neta formada. Que

me ligava sempre me cobrando e lembrando como os estudos são

importantes na nossa vida.

À minha orientadora, Geórgia, agradeço muito por todo o apoio,

pela paciência, pela ajuda e ensinamentos dedicados a mim. Obrigada

por tudo, sem você não teria completado esta jornada.

A todos os professores que me passaram tanto conhecimento e

estiveram ao meu lado todos esses anos.

Por fim, mas não menos importantes, agradeço a todos os amigos

que acreditaram na minha vitória e estiveram ao meu lado nessa longa

jornada. A todas as amizades que construí na faculdade, que tornaram

os dias mais leves e que faço questão de levar para sempre na minha

vida.

RESUMO

O presente trabalho traz uma abordagem sobre o tema da judicialização da adoção por casais homoafetivos. Homoafetos são pares homossexuais de homens ou mulheres que sentem atração física no mesmo sexo e se unem para constituir uma família. Estes casais não tem uma legislação específica que proíba nem que permita a adoção, deixando na mão de cada legislador e da análise principiológica que cerca o tema, decidir o destino deles e das tantas crianças que necessitam de um lar. O estudo mostra a realidade enfrentada por estas pessoas e a situação da criança que necessita ser adotada. A barreira social que bloqueia a esperança de crianças que passam anos em instituições esperando a adoção que poderia ter chegado, e a dificuldade em reconhecer a nova instituição familiar com os mesmos direitos e deveres da família tradicional. O estudo foi realizado a partir de revisão bibliográfica, webgráfica, e analise das jurisprudências já existentes. Este estudo é de extrema importância, pois a legislação não está acompanhando a evolução da sociedade e deixa cidadãos e crianças que poderiam constituir uma família, sem previsão legal para ampará-los. Além de manter em pauta este assunto que merece ser discutido para quebrar paradigmas e pré-conceitos. Palavras-chave: Adoção – Homo afetiva – Homossexual – Homoparentalidade

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 8

2 FAMÍLIA – A ESSÊNCIA DA SOCIEDADE....................................................... 9

2.1 O CONCEITO DE FAMÍLIA............. ................................................................. 9

2.2 HISTÓRICO.......................................................................................................11

2.3 A FAMÍLIA E SUAS FORMAS...........................................................................14

2.4 UNIÃO HOMOAFETIVA ....................................................................................17

3 ADOÇÃO...........................................................................................................21

3.1 CONCEITO DE ADOÇÃO.................................................................................21

3.2 BREVE HISTÓRICO.........................................................................................22

3.3 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA...............................................................................23

3.4 HABILITAÇÃO E REQUISITOS GERAIS..........................................................30

3.4.1 Idade do Adotando............................................................................................31

3.4.2 Consentimentos.................................................................................................31

3.4.3 Idade do Adotante.............................................................................................32

3.4.4 Diferença de Idade entre Adotando e Adotante................................................34

3.4.5 Estágio de Convivência.....................................................................................35

3.5 MODALIDADES DE ADOÇÃO..........................................................................36

4 ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS.....................................................44

4.1 POSSIBILIDADE LEGAL E OS PRINCÍPIOS NORTEADORES......................45

4.2 APÓS A ADOÇÃO.............................................................................................49

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................52

REFERÊNCIAS..........................................................................................................53

ANEXOS....................................................................................................................57

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1 INTRODUÇÃO

Ao longo de centenas de anos, o conceito familiar mudou e evoluiu junto com

a sociedade. Novos formatos de famílias surgiram e com elas, a necessidade da

evolução legislativa para assegurar seus direitos.

No capítulo 2 veremos o conceito, o histórico e as diversas modalidades de

família. Fugindo do tradicional casamento homem e mulher, pares homoafetos hoje

estão muito presentes na sociedade. Veremos também neste capítulo acerca das

uniões homoafetivas.

Algumas famílias têm laços que vão além do sanguíneo, são famílias afetivas,

ligadas pela adoção. No capítulo 3 veremos sobre este instituto tão importante para

os que necessitam de um lar e para os que estão a disposição para oferecer um.

Analisaremos o conceito, sua história, evolução legislativa, requisitos para a

habilitação e as modalidades da adoção.

Nos dias atuais diversos casais homoafetivos tem vontade de formar uma

família, optando assim pela adoção, porém a dificuldade encontrada é muito

relevante, pois o ordenamento jurídico não legaliza esta questão e a sociedade,

mesmo já sendo de fato mais debatido e aceito, ainda sim coloca muito preconceito

nessa questão.

Assim, no capítulo 4 veremos sobre a adoção por casais homoafetivos, sobre

a possibilidade legal de pares homoafetos adotarem, os princípios norteadores do

instituto e o pós adoção para aqueles que conseguem garantir seu direito.

Em anexo está disponível um depoimento de casal que alcançou a tão

sonhada paternidade e um questionário feito com homossexuais acerca da adoção.

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2 FAMÍLIA – A ESSÊNCIA DA SOCIEDADE

Este estudo se inicia abordando este núcleo que é tão importante para a

formação da sociedade. Apesar de seu conceito e forma terem mudado com a

evolução da comunidade global, elas existem desde os primórdios e seu estudo é de

suma importância para diversos ramos de estudo, incluindo aí, o Direito. Dentro do

próprio Direito há diversas ramificações que veem a família com diversos

significados.

Interessa-nos neste trabalho verificar questões ligadas ao Direito de Família,

pois desde que nascemos estamos condicionados pela própria natureza a viver em

um núcleo familiar, onde crescemos, criamos valores e damos continuação a nossa

espécie. A família, além de importante para a sociedade, é importante para a vida.

2. 1 O CONCEITO DE FAMÍLIA

É difícil definir um conceito de família, pois este evoluiu muito ao longo dos

séculos, em virtude do desenvolvimento do mundo globalizado e da aquisição de

novos valores e costumes que foram sendo introduzidos na sociedade até os dias de

hoje.

Paulo Nader faz referência acerca de tamanha dificuldade, diz ele:

Dada a complexidade que envolve a noção de família, especialmente diante da evolução dos costumes, em vão os autores tentam defini-la, reconhecendo alguns que tal objetivo é inalcançável de um modo inconteste [...] (NADER, 2009, p. 03)

A respeito da conceituação de Família, Guilherme Calmon Nogueira da

Gama ensina:

Com relação à definição de um conceito, a palavra família, como instituição ou organismo, possui pluralidade de conceituação, não apenas em decorrência de a abordagem ser ínsita a uma serie de ciências humanas, conforme já afirmado, como também, no universo jurídico, por força doa variados ramos do Direito em que a mesma repercute. Também em razão das aludidas importantes modificações a que está sujeita no decorrer dos tempos, a família sofreu e continua a sofrer, como modalidade de agrupamento humano, profundas mudanças no decorrer dos tempos, implicando uma alteração de sua noção. Todos os estudiosos são uníssonos, no entanto, em considerar a família como célula básica da

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sociedade, razão pela qual a preocupação em conceituá-la e apontar as suas espécies sempre existiu. (GAMA, 2008, p. 06)

Para o estudioso Sílvio de Salvo Venosa, família pode ter conceitos

diferentes, como amplo, restrito e também sociológico. Diz ele:

[...] importa considerar a família em conceito amplo, como parentesco, ou seja, o conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar. Nesse sentido, compreende os ascendentes, descendentes e colaterais de uma linhagem, incluindo-se os ascendentes, descendentes e colaterais do cônjuge, que se denominam parentes por afinidade e afins. [...] Em conceito restrito, família compreende somente o núcleo formado por pais e filhos que vivem sob o pátrio poder ou poder familiar. [...] Pode ainda ser considerada família sob o conceito sociológico, integrado pelas pessoas que vivem sob um mesmo teto, sob a autoridade de um titular. (VENOSA, 2006. p. 02)

Referindo-se ao conceito atual, o mesmo autor (2006, p. 02) acrescenta: “A

noção atual de família nas civilizações ocidentais afasta-se cada vez mais da idéia

de poder e coloca em supremacia a vontade de seus membros, igualando-se os

direitos familiares”.

Porém, para compreender totalmente este instituto, é preciso enxergar a

família através de inúmeras disciplinas. Cristiano Chaves de Farias e Nelson

Rosenvald dizem:

Induvidosamente, a família traz consigo uma dimensão biológica, espiritual e social, afigurando-se necessário, por conseguinte, sua compreensão a partir de uma feição ampla, considerando suas idiossincrasias e peculiaridades, o que exige a participação de diferentes ramos do conhecimento, tais como a sociologia, a psicologia, a antropologia, a filosofia, a teologia, a biologia (e, por igual, da biotecnologia e a bioética) e, ainda, da ciência do direito. (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. 2009, p. 03)

Este estudo analisará a família somente pela luz do Direito. Nesse âmbito,

quem regula a instituição da família é o Direito de Família. Nas palavras de

Beviláqua (1937:6) apud Silvio de Salvo Venosa:

Direito de Família é o complexo das normas, que regulam a celebração do casamento, sua validade e os efeitos, que deles resultam, as relações pessoais e econômicas da sociedade conjugal, a dissolução desta, as relações entre pais e filhos, o vínculo do parentesco e os institutos complementares da tutela e da curatela. (BELILÁQUA, 1937:6, apud VENOSA, 2006, p. 09)

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E é dentro deste instituto que encontra-se as temáticas da adoção por casais

homoafetivos, que é o tema central deste trabalho e será aprofundado mais a frente.

2. 2 HISTÓRICO

Em uma investigação a fundo a respeito da origem de família, há algumas

referências que apontam que existiram diversas formas do instituto até chegar aos

dias de hoje. Acredita-se que ela passou por um período histórico de

“promiscuidade”, em que se acreditava que todas as mulheres pertenciam a todos

os homens, outro período “poliandrico”, onde havia vários homens para apenas uma

mulher, também há relatos de períodos monogâmicos e também matriarcal. Porém,

não há comprovações fáticas se esses exemplos eram isolados ou generalizados

em suas épocas. (PEREIRA, 2009)

Diz o mesmo autor (2009, p. 27): “fato certo e comprovado, este sim, pelos

registros históricos, pelos monumentos literários, pelos fragmentos jurídicos, é que a

família ocidental viveu largo período sob a forma “patriarcal””.

A família assemelhada com a de hoje, no ocidente, teve base na família

romana, ou seja, na família patriarcal. Em Roma existia a figura do Pater Familias,

onde o Senhor (Pater) era o soberano, e esposas, filhos, escravos e servos viviam

sob suas ordens.

Nos ensinamentos de Ulpiano (D. 50, 16, fr 195) apud Waldir Grisard Filho:

A palavra família, segundo opinião mais geral, provém do latim famulia, por derivação de famulus, i, do osco famel, designado o conjunto de pessoas submetidas à autoridade do pater famílias e, por uma explicação sinédoque, a todos os escravos e a todo o acervo patrimonial pertencentes a um senhor. (ULPIANO, D. 50, 16, fr 195 apud GRISARD FILHO, Waldir, 2010, p. 24)

O estudioso Eduardo Oliveira Leite (1997, p.11), completa afirmando que: “O

termo “família” não se referia ao casal e a seus filhos, mas ao conjunto de escravos

e de servos que trabalhavam para a subsistência e se achavam sob a autoridade do

“pater familias”.”

No mesmo sentido, explica Pereira:

O pater era, ao mesmo tempo, chefe político, sacerdote e juiz. Comandava, oficiava o culto dos deuses domésticos (penates) e distribuía justiça.

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Exercia sobre os filhos direitos de vida e de morte (ius vitae ac necis), podia impor-lhes pena corporal, vende-los, tirar-lhes a vida. A mulher vivia in loco filiae, totalmente subordinada à autoridade marital (in manu mariti), nunca adquirindo autonomia, pois que passava da condição de filha à de esposa, sem alteração na sua capacidade; não tinha direitos próprios [...] (PEREIRA, 2009, p. 29)

Como pode ver, o núcleo familiar ia muito além de pai, mãe e filhos, e a

forma como era regida também de muito divergia dos tempos atuais. A família

romana não tinha esse vínculo afetivo como temos hoje e servia como forma de

garantia de perpetuação e preservação do culto familiar. De forma mais aprofundada

no tema, Venosa explica:

A família como grupo é essencial para a perpetuação do culto familiar. No Direito Romano, assim como no grego, o afeto natural, embora pudesse existir, não era o elo de ligação entre os membros da família. [...] Os membros da família antiga eram unidos por vínculo mais poderoso que o nascimento: a religião doméstica e o culto dos antepassados. Esse culto era dirigido pelo pater. [...] Por esse largo período da Antigüidade família era um grupo de pessoas sob o mesmo lar, que invocava os mesmo antepassados. Por essa razão, havia a necessidade de que nunca desaparecesse, sob pena de não mais serem cultuados os antepassados, que cairiam em desgraça. (VENOSA, 2006, p. 04)

Porém, no decorrer dos séculos, esse modelo de família, hierarquizada e

patriarcal, não resistiu e iniciou-se uma mutação profunda, alternando de função,

natureza, composição, concepção e papéis. A família patriarcal perdeu seu poder

soberano para o Estado, que passou a acompanhar novos valores e introduzir no

seio familiar, direitos protegidos por ele.

Foi durante a revolução industrial que a escassez de mão de obra obrigou as

mulheres a saírem de suas casas, onde passaram a contribuir para o sustento da

família. Aos poucos, a família perdeu a característica de possuir muitos membros

para adquirir o formato de família nuclear, da qual participavam apenas o casal e

seus filhos. Também, com a mudança em massa das famílias do campo para a

cidade, estas passaram a viver em espaços menores, o que favoreceu a

aproximação dos seus membros, que começaram a criar laços afetivos entre si.

(DIAS, 2010)

Passou-se então a focar na afetividade, que ganhou o lugar da função

econômica (já que para isso era necessário um grande número de membros, fato

contrário às novas famílias com cada vez menos integrantes) e de sua função

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procracional (devido ao alto índice de casais sem filhos por opção e redução de taxa

de fertilidade). Hoje, é esse afeto que mantém as famílias unidas. (LÔBO, 2011)

Porém, o Código Civil de 1916 não considerava esse vínculo afetivo como

relação jurídica sujeita de direito. Apenas as famílias que foram constituídas através

do casamento civil tinham o seu reconhecimento. Todas as outras formas de união

afetiva foram deixadas de lado pelo Código, pois este só tutelava os direitos da

família legítima.

Via-se neste Código a figura do homem como chefe da casa e a mulher

apenas como sua cônjuge, não dando abertura para casamento que não fosse entre

homem e mulher. Vendo alguns artigos deste revogado Código identificamos estes

sinais, como por exemplo:

Art. 233. O marido é o chefe da sociedade conjugal. Compete-lhe: I. A representação legal da família. II. A administração dos bens comuns e dos particulares da mulher, que ao marido competir administrar em virtude do regime matrimonial adaptado, ou do pacto antenupcial (arts. 178, § 9º, nº I, c, 274, 289, nº I, e 311). III. direito de fixar e mudar o domicílio da família (arts. 46 e 233, nº IV). IV. O direito de autorizar a profissão da mulher e a sua residência fora do tecto conjugal (arts. 231, nº II, 242, nº VII, 243 a 245, nº II, e 247, nº III). V. Prover à manutenção da família, guardada a disposição do art. 277. Art. 380. Durante o casamento, exerce o pátrio poder o marido, como chefe da família (art. 233), e, na falta ou impedimento seu, a mulher.

O Código Civil de 1916 desconsiderava a família criada sem o casamento, o

qual era declarada ilegítima. O artigo 229 mostrava exatamente este cenário:

Art. 229. Criando a família legítima, o casamento legitima os filhos comuns, antes dele nascidos ou concebidos.

Com a chegada da Constituição Federal de 1988, a mulher ganha espaço na

relação e a união estável passa a ser reconhecida como entidade familiar, vemos

isso no artigo 226, §3º da Carta Magna,

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

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Percebe-se uma evolução ao considerar a união estável entre homem e

mulher como núcleo garantidor de direitos. Trazendo nova leitura de família, o

Código Civil de 2002 tenta se adaptar a nova realidade familiar da época.

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Porém, fica atrelada à concepção de que a união para criar uma família é

sempre do modelo comum entre homem e mulher, mas não devem ser deixadas de

lado as outras formas de união familiar.

Nas palavras de Maria Berenice Dias, temos:

Pensar em família ainda trás a mente o modelo convencional: um homem e uma mulher unidos pelo casamento e cercados de filhos. Mas essa realidade mudou. Hoje, todos já estão acostumados com famílias que se distanciam do perfil tradicional. A convivência com famílias recompostas, monoparentais, homoafetivas permite reconhecer que ela se pluralizou; daí a necessidade de flexionar igualmente o termo que a identifica, de modo a albergar todas as suas conformações. Expressões como famílias marginais, informais, extramatrimoniais não mais servem, pois trazem um ranço discriminatório. (DIAS, 2010, pg. 40)

Vê-se configurada a figura da família socioafetiva que necessita de um

amparo legal em todas as suas formas. Diz Paulo Lôbo:

A família é sempre socioafetiva, em razão de ser grupo social considerado base da sociedade e unida na convivência afetiva. A afetividade, como categoria jurídica, resulta da transeficácia de parte dos fatos psicossociais que a converte em fato jurídico, gerador de efeitos jurídicos. Todavia, no sentido estrito, a socioafetividade tem sido empregada no Brasil para significar as relações de parentesco não biológico, de parentalidade e filiação, notadamente quando em colisão com as relações de origem biológica. (LÔBO, 2011, pg. 29)

2. 3 A FAMÍLIA E SUAS FORMAS

Surge então um novo cenário familiar, no qual as famílias estão ligadas por

afeição e carinho. Tupinambá Pinto de Azevedo e Rodrigo da Cunha Pereira apud

Maria Berenice Dias, ensinam:

Mesmo sendo a vida aos pares um fato natural, em que os indivíduos se unem por uma química biológica, a família é um agrupamento informal, de formação espontânea no meio social, cuja estruturação se dá através do

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direito. Como a lei vem sempre depois do fato, congela uma realidade dada. As modificações da realidade acabam se refletindo na lei, que cumprem sua vocação conservadora. A família juridicamente regulada nunca é multifacetada como a família natural. Essa preexiste ao Estado e está acima do direito. A família é uma construção cultural. Dispõe de estruturação psíquica na qual todos ocupam um lugar, possuem uma função – lugar do pai, lugar da mãe, lugar dos filhos -, sem, entretanto, estarem necessariamente ligados biologicamente [...] É essa estrutura familiar que interessa investigar e trazer para o direito. É a preservação do LAR no seu aspecto mais significativo: Lugar de Afeto e Respeito. (AZEVEDO, Casamento: instituição em xeque, p. 31, PEREIRA, Direito de Família, p. 36, apud DIAS, 2010, pg. 27).

As novas famílias já não necessitam da procriação para se tornarem famílias

de fato. Nader (2009, p.16) ensina que: “O reconhecimento da família monoparental,

formada por filhos e pessoas viúvas, solteiras, separadas ou divorciadas, revela a

superação do conceito de família fundado na sexualidade.”

Nesse sentido, também se enquadram as demais formas de família, como

os casais homoafetivos. Ao aceitar a união de casais homoafetos como famílias de

direito e que estas podem criar seus filhos através da adoção, caminha-se mais um

passo no Direito, como veremos adiante.

Com toda essa mudança social, as pessoas estão buscando

relacionamentos de verdade, que as deixe plenamente felizes. Não há mais

necessidade de manter casamentos de fachada pelo medo dos olhos críticos da

sociedade.

Quanto à terminologia que conceitue essas famílias, Dias (2010, p. 42) diz:

“Os novos contornos da família estão desafiando a possibilidade de se encontrar

uma conceituação única para sua identificação”.

Com toda a influência que a religião exerceu sobre o papel das famílias na

sociedade desde os primórdios, a família vista como sendo “correta” pela

coletividade (e pela igreja) era a família matrimonial. Essa família é a formada pelo

matrimonio, o casamento. Somente esta era legítima para Igreja e Estado. A Igreja

Católica prega que todos devem crescer e se multiplicar, sendo função do cristão

povoar o mundo com novos cristãos. Por isso não é aceitável para eles qualquer

união diferente de homem e mulher que irão conceber filhos. Isso mede o tamanho

da influência que a igreja exerce sobre o Estado e a formação da sociedade como

um todo. (DIAS, 2010)

Mas mesmo sem previsão legal que as amparasse, não deixou de existir a

busca pela felicidade, e as desquitadas e concubinas aos poucos foram batendo na

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porta do judiciário em busca de seus direitos. Com essa pressão crescente para

regularizar as famílias informais que surgiam, o legislador passou a, em um primeiro

momento, indenizar essas mulheres por serviços domésticos prestados, aplicando

no máximo, por analogia, o direito comercial, sem direitos a alimentos ou

sucessórios. Após certo amadurecimento do legislador, passaram então a

denominação e regularização das chamadas uniões estáveis, que são vínculos

familiares sem a figura do casamento, onde foram emprestadas as regras que o

regem, garantindo alimentos, direitos sucessórios e patrimoniais, uma considerada

evolução. (DIAS, 2010, VENOSA, 2006)

Também existe a formação da entidade familiar reconhecida pela nossa

Carta Magna, mas carente de legislação específica, onde se fazem presentes

apenas um dos pais e seus descendentes. Esse tipo de formação é denominada

família monoparental. (DIAS, 2010)

Parentes ou não parentes que convivem sob o mesmo teto com um

propósito familiar, como duas irmãs que vivem sozinhas e juntas constroem um

patrimônio, recebe o nome de família parental ou anaparental. Este tipo de família

não tem vínculo sexual e são merecedoras de uma proteção constitucional. (DIAS,

2010)

Quando um dos companheiros entra em uma nova relação já com seus

filhos de outro momento, ocorre à chamada família reconstituída, pluriparental. O

que caracteriza esse modelo familiar é a presença de múltiplos vínculos. Hoje a lei

permite que o companheiro adote o filho do outro, essa modalidade de adoção é

chamada adoção unilateral e será vista mais adiante. (DIAS, 2010)

Quando um bígamo termina uma relação estável com outra, esta fica a

margem da lei e da sociedade, por ter tido uma relação considerada imprópria, suja.

Por mais que a realidade deste tipo de família paralela seja muito comum já a

milhares de anos, a lei nega-lhe qualquer direito, até mesmo de união estável. Ao

“amante”, mesmo este de boa-fé, cabe a luta na justiça para tentar obter algum

direito, sendo visto, no máximo, como sociedade de fato. (DIAS, 2010)

Com a procura pela felicidade presente acima da vontade da lei, a afetividade,

solidariedade e o afeto passaram a constituir família, essa chamada de família

eudemonista, que é o núcleo considerado pelo seu vínculo afetivo. São famílias que

prezam verdadeiramente a liberdade, respeito e responsabilidades mútuas e

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principalmente a lealdade. E é com esse caráter eudemonista que nascem às uniões

homoafetivas que veremos a seguir. (DIAS, 2010)

Havendo o companheirismo, independente de sexo e nomenclaturas usuais,

todos tem o direito de constituir uma família, um LAR, o centro de afeto mútuo.

Independente do estilo de família formada, todas devem ser zeladas pelo Direito. É

dever do Estado garantir a cada uma dessas famílias todo o respaldo jurídico

aplicável sem qualquer discriminação.

2.4 UNIÃO HOMOAFETIVA

A união homoafetiva existe quando duas pessoas, homossexuais, se juntam

para criar um lar de respeito e afeto. O homossexual é aquele que sente atração por

outra pessoa do mesmo sexo que o seu. Silva Júnior (2008, p.55) conceitua: “[...]

homossexualidade [...] – caracterizada pela predominância ou manifestação de

desejos por pessoas do mesmo sexo biológico, que não se reduz a simples escolha

ou opção.”

Ao falar sobre a homossexualidade, a jurista Maria Berenice Dias é

implacável:

Não é crime nem pecado; não é uma doença nem um vício. Também não é um mal contagioso, nada justificando a dificuldade que as pessoas têm de conviver com homossexuais. É simplesmente outra forma de viver. A origem não se conhece. Aliás, nem interessa, pois quando se buscam causas, parece que se está atrás de um remédio, de um tratamento para encontrar cura para algum mal. (DIAS, 2010, p. 193)

Analisando a homossexualidade pela visão da moderna psicologia, diz Silva

Junior:

Para a moderna Psicologia, a homossexualidade (assim como a hetero e bissexualidade) não se trata de uma simples opção, mas de uma das possíveis orientações afetivas humanas. De fato, muito mais do que nas tentativas de explicação e de visualização desta manifestação no corpo (teses genéticas, hormonais, por exemplo), na influência do meio ou no contato puramente sexual (entre duas pessoas do mesmo sexo biológico), ela se apresenta como clara movimentação dos desejos e sentimentos, daí o porquê de a livre orientação afetivo-sexual ser, constitucional e internacionalmente, tutelada. (SILVA JUNIOR, 2008, p. 29)

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O que importa é que pessoas do mesmo sexo também podem optar por

viver sob o mesmo teto e constituir família, essas uniões são chamadas de União

Homoafetiva. Maria Berenice Dias conceituou essas uniões e chama atenção para a

tutela do Estado:

Dentro desse aspecto mais amplo, não cabe excluir do âmbito do direito das famílias os relacionamentos de pessoas do mesmo sexo, que mantém entre si relação pontificada pelo afeto, a ponto de merecerem a denominação de uniões homoafetivas. Apesar de posturas discriminatórias e preconceituosas, não é mais possível deixar de emprestar-lhes visibilidade. Dita flexibilização conceitual vem permitindo que os relacionamentos, antes clandestinos e marginalizados, adquiram visibilidade, o que acaba conduzindo a sociedade à aceitação de todas as formas de convívio que as pessoas encontram para buscar a felicidade. (DIAS, 2010, p. 41, 42)

Apenas por não estar inserida nos padrões que a sociedade está

acostumada, a relação homoafetiva, por muito foi deixada de lado pelo Direito,

sendo vista até mesmo como uma atitude imoral.

Diz a autora:

A nenhuma espécie de vínculo que tenha por base o afeto pode-se deixar de conferir status de família, merecedora da proteção do Estado, pois a Constituição (1º III) consagra, em norma pétrea, o respeito à dignidade da pessoa humana. Necessário é encarar a realidade sem discriminação, pois a homoafetividade não é uma doença nem uma opção livre. Assim, descabe estigmatizar a orientação homossexual de alguém, já que negar a realidade não soluciona as questões que emergem quando do rompimento dessas uniões. (DIAS, 2010, p. 47)

Hoje o cenário está mais evoluído, é bem mais aceito ver homoafetos se

relacionando publicamente e a legislação está começando a introduzir esta unidade

familiar nos direitos de família.

A Lei Maria da Penha (11.340/2006) trouxe um novo panorama conceitual de

família, incluindo a união homoafetiva, reconhecendo este novo cenário das famílias

brasileiras. O artigo 5º desta lei diz:

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar

contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

19

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Essa lei pioneira, no seu parágrafo único, onde cita que “independe da

orientação sexual”, presenteou a sociedade com uma nova margem para o

reconhecimento da união homoafetiva.

Em 05 de maio de 2011, o STF julgou a ADI 4277 (Ação Direta de

Inconstitucionalidade) e a ADPF 132 (Arguição do Descumprimento de Preceito

Fundamental), onde finalmente foi reconhecida a união homoafetiva como entidade

familiar. Foi argumentado que o artigo 3º, inciso IV, da CF veda qualquer tipo de

discriminação, assim ninguém poderia sofrer discriminação por sua opção sexual.

Também foi posto em pauta o artigo 1723 do Código Civil, que não poderia ter

qualquer vedação ao reconhecimento da união de casais do mesmo sexo como uma

entidade familiar, pois isto contrariaria diversos princípios, como dignidade da

pessoa humana, igualdade e liberdade.1

A partir daí, os casais homossexuais passaram a ter diversos direitos

relacionados a união estável. E, um tempo depois, foi proferida a primeira sentença

que converteu união estável homoafetiva em casamento. Em 25 de outubro de 2011,

o STJ reconheceu como válido, o casamento civil homossexual. Assim, iniciou uma

jornada onde finalmente é possível a união estável como entidade familiar bem

como a conversão em casamento entre homossexuais.2

Existe um projeto em discussão no Congresso chamado de Estatuto da

Diversidade Sexual onde deverá ser previsto os princípios fundamentais, com o

direito à livre orientação sexual da pessoa, deverá ser seguido o princípio da não-

discriminação, o princípio da igualdade, da convivência familiar, regular o direito e

dever quanto à filiação, a guarda e a adoção, além da identidade de gênero, etc.3

Este Estatuto pretende alterar alguns artigos das leis brasileira visando a garantia

1 Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178931>. Acesso

em 20/05/2014 2 Disponível em <http://www.uniaohomoafetiva.com.br/home.html>. Acesso em: 20/05/2014

3 Id.

20

dos direitos que já são devidos a estas pessoas. Segue quadro comparativo da

proposta de mudança de alguns artigos do Código Civil:4

COMO É HOJE COMO FICARIA

Art. 1514 O casamento se realiza no momento

em que o homem e a mulher manifestam,

perante o juiz, a sua vontade de estabelecer

vínculo conjugal, e o juiz os declara casados.

O casamento se realiza no momento em que

ambos os nubentes manifestam, perante o juiz,

a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e

o juiz os declara casados.

Art. 1565 Pelo casamento, homem e mulher

assumem mutuamente a condição de consortes,

companheiros e responsáveis pelos encargos da

família.

Pelo casamento, os cônjuges assumem

mutuamente a condição de consortes,

companheiros e responsáveis pelos encargos da

família.

Art. 1723 É reconhecida como entidade familiar a

união estável entre o homem e a mulher,

configurada na convivência pública, contínua e

duradoura e estabelecida com o objetivo de

constituição de família

É reconhecida como entidade familiar a união

estável entre duas pessoas, configurada na

convivência pública, contínua e duradoura e

estabelecida com o objetivo de constituição de

família.

Esses são apenas alguns exemplos das mudanças pretendidas com o

Estatuto da Diversidade Sexual. É essencial deixar em pauta esse assunto tão

importante e conseguir toda regulamentação possível, pois é uma realidade

presente, onde humanos têm direitos e necessitam deles. O preconceito não pode

tomar conta.

Assim, Patricia Silva de Almeida completa:

Nesse sentido, as relações homoafetivas que apresentem os requisitos da notoriedade, publicidade, coabitação, fidelidade, com lastro no princípio fundamental da dignidade da pessoa humana e da igualdade, se decorrentes de uma verdadeira comunhão de afetos, deve ser vista como uma unidade familiar. (ALMEIDA, 2011, p. 54)

Ou seja, em nenhuma hipótese a orientação sexual de alguém pode tirar

seus direitos e sua dignidade. A união entre pessoas do mesmo sexo deve ter todos

os direitos garantidos pelo Estado, seja com assistência material, partilha dos bens

em caso de divórcio, benefícios previdenciários, direitos sucessórios, dentre outros,

além do direito da adoção.

4 Disponível em

<http://www.direitohomoafetivo.com.br/uploads/5.3.%20Legisla%E7%E3o%20infraconstitucional%20a%20ser

%20alterada.pdf>. Acesso em 08/06/2014

21

3 A ADOÇÃO

3. 1 CONCEITO DE ADOÇÃO

A adoção é o desligamento de uma pessoa com sua família consanguínea,

definitivamente, para ser colocada em outra que a adote, ganhando nova filiação

com todos os direitos garantidos.

Muitos doutrinadores conceituam adoção. Com um conceito mais didático,

Arnaldo Rizzardo define:

Estabelece-se entre duas pessoas uma relação de filiação legal, equivalente à natural, ou confere-se a filiação a quem não pode fisicamente – ou não quer – conceber. Por meio de tal ato jurídico, cria-se entre duas pessoas o laço de parentesco civil de paternidade ou maternidade e filiação. (RIZZARDO, 2006, p. 532)

O estudioso Rolf Madaleno (2013, p. 625) vai mais fundo no conceito de

adoção e diz: “Adoção é sem qualquer dúvida o exemplo mais pungente de filiação

socioafetiva, psicológica e espiritual, porque sustentada, eminentemente, nos

vínculos estreitos e únicos de um profundo sentimento de afeição”.

O ilustre Pontes de Miranda (2000, p. 219) conceitua: “Adoção é o ato

solene pelo qual se cria entre o adotante e o adotado relação de paternidade e

filiação.”

Muitos juristas consideram, hoje, o conceito de Caio Mario da Silva Pereira

(2009, p. 409) como o mais atual, diz ele: “A Adoção é, pois, o ato jurídico pelo qual

uma pessoa recebe outra como filho, independente de existir entre elas qualquer

relação de parentesco consanguíneo ou afim.”

Guilherme Freire de Melo Barros, acerca do assunto, se manifesta:

Trata-se de um instituto jurídico milenar, através do qual uma pessoa recebe outra como seu filho. É um ato de desprendimento, uma demonstração de carinho e solidariedade, com reflexos sociais monumentais. Aquele que abre seu lar para receber dentro de sua família pessoa com quem não tem laços familiares biológicos demonstra grande altruísmo e amor – ao menos, é assim que deve ser encarada a adoção, como um ato fundado em interesses legítimos do adotante que objetiva proporcionar tudo de melhor que esteja ao seu alcance para o adotado. (BARROS, 2012, p. 73)

22

A doutrina diverge sobre a natureza jurídica da adoção. Nas palavras de

Eunice Ferreira Rodrigues Granato (2009, p. 26) “Alguns a consideram contrato;

outros, ato solene, ou então filiação criada pela lei, ou ainda instituto de ordem

pública. Existem ainda os que a consideram uma figura híbrida, um misto de

contrato e de instituição ou instituto de ordem pública.”

Silvio Rodrigues (2008, p. 341) afirma que: “A adoção é negócio solene,

porque a lei lhe impõe determinada forma, sem a qual o ato não tem validade, ou

mesmo existência, como tal.”

Por se tratar de um ato jurídico em sentido estrito, a adoção gera efeitos,

dentre os quais, direito ao nome, direito à herança, além do direito à formação do

vínculo irrevogável. (BARROS, 2012)

Rizzardo também coloca a adoção pelo lado da criança, como forma de

conseguir um lar a ela, diz ele:

Dada grande evolução verificada nas últimas décadas sobre o assunto, concebe-se atualmente a definição mais no sentido natural, isto é, dirigido a conseguir um lar a crianças necessitadas e abandonadas em face de circunstâncias várias, como a orfandade, a extrema pobreza, o desinteresse dos pais sanguíneos, e toda a sorte de desajustes sociais que desencadeiam o desmantelamento da família. (RIZZARDO, 2006, p. 531).

Visto essa necessidade de conseguir um lar para quem precisa e do desejo

de procriar que acompanha o ser humano, que por sua vez nem sempre pode fazer

isso de maneira natural, a adoção é um meio viável e correto para estes menores e

adultos concretizarem o sonho de ter uma família.

3. 2 BREVE HISTÓRICO

A adoção, que já existia no mundo antigo, evoluiu e mudou completamente

no decorrer dos séculos. Contando sobre o início da adoção, Nader ensina:

A prática da adoção surgiu na Antigüidade, em tempos imemoriais, e ganhou sua primeira sistematização com o Código de Hamurabi (2000 a.C.), ex vi dos artigos 185 a 193. Embora fosse irretratável, admitia-se o retorno da criança ao lar de seus pais biológicos, quando reclamassem a sua falta. Era a disposição do art. 186, que apresentava sensível conteúdo humanitário. (NADER, 2009, p. 309)

23

Jason Albergaria (1996, p. 29) conta que a adoção se originou na religião.

Para garantir a continuidade de um culto sagrado, um pai adotava um filho

puramente pela religião, para que o adotado continuasse o culto dos antepassados

do adotante.

Na Grécia, a adoção servia para perpetuar o culto doméstico de quem não

tinha tido filhos de forma natural. Já em Roma, além de religioso, havia o caráter

político. (NADER, 2009)

Mais tarde a adoção ganhou um cunho patrimonial e os bens do adotante

passavam para o adotando quando este falecia.

No século XIV veio a falir a adoção com finalidade exclusiva de transmitir

patrimônio e aos poucos se foi criando a adoção focada no bem estar da criança.

Como diz o autor Jason Albergaria (1996, p. 30): “A adoção moderna desloca o seu

centro de interesse do adotante para o adotado; seu objetivo é a criança sem

família.”

Em relação à mudança e evolução da adoção na história, completa o

estudioso Eduardo Oliveira Leite:

As finalidades da Adoção variam em função do tempo e do espaço. Na Antigüidade, a doção destina-se a criar laços de parentesco fictício, a partir da Revolução Francesa assumiu cunho político e, com o advento do século XX, revestiu-se de seu real papel: o de dar filhos a quem a natureza não favoreceu e, ao mesmo tempo, oferecer às crianças deserdadas, o lar e afeição que elas não puderam encontrar junto aos pais naturais. Dupla função, pois: pessoal e social. (LEITE, 1994, p. 103, 104)

3. 3 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA

A primeira legislação que se tem conhecimento do aparecimento da figura

da adoção é o Código de Hamurabi, que também é a primeira codificação que se

conhece na história. Neste código havia disposições que tratavam do instituto da

adoção para aquela sociedade (Babilônica, por volta de 1750 a.C). (GRANATO,

2009)

Alguns artigos daquela lei, diziam:

XI - ADOÇÃO, OFENSAS AOS PAIS, SUBSTITUIÇÃO DE CRIANÇA

185º - Se alguém dá seu nome a uma criança e a cria como filho, este adotado não poderá mais ser reclamado.

24

186º - Se alguém adota como filho um menino e depois que o adotou ele se revolta contra seu pai adotivo e sua mãe, este adotado deverá voltar à sua casa paterna. 187º - O filho de um dissoluto a serviço da Corte ou de uma meretriz não pode ser reclamado. 188º - Se o membro de uma corporação operária, (operário) toma para criar um menino e lhe ensina o seu ofício, este não pode mais ser reclamado. 189º - Se ele não lhe ensinou o seu ofício, o adotado pode voltar à sua casa paterna. 190º - Se alguém não considera entre seus filhos aquele que tomou e criou como filho, o adotado pode voltar à sua casa paterna.

A partir daí, viu-se a adoção nas histórias bíblicas pelos povos hebreus, no

Egito, em Atenas, na sociedade Hindu e também em Roma, geralmente com o

cunho de preservar o culto doméstico, como explicado acima. Portanto, a evolução

legislativa acerca da adoção vem de milhares de anos atrás.

No Brasil, conta Eunice Ferreira Rodrigues Granato (2009, p.43) que o

primeiro contato da adoção no âmbito jurídico, veio com as mesmas características

do direito português. E completa:

A primeira lei referente à adoção foi a de 22.09.1828, que transferia da Mesa do Desembargo do Paço para os juízes de primeira instância, a competência para a expedição da carta de perfilhamento. Mais tarde, Teixeira de Freitas, no art. 217 da “Consolidação” aborda do tema da adoção: “aos juízes de primeira instância compete conceder cartas de legitimação aos filhos sacrílegos, adulterinos e incestuosos e confirmar as adoções procedentes às necessárias informações e audiências dos interessados, havendo-os.” Carlos Carvalho em sua Nova Consolidação das Leis Civis, referiu-se à adoção (arts. 1631 a 1640), sem aprofundar-se reconhecendo poucos direitos aos filhos adotivos. Felício dos Santos não mencionou a adoção em seu projeto, mas Coelho da Rocha a ela dedicou alguns artigos (arts. 2.167 a 2.183). (GRANATO, 2009, p. 43)

Já em 1916, foi instituído o primeiro Código Civil Brasileiro (Lei 3.071 de

01.01.1916) onde tratava da adoção em 10 artigos. São eles:5

Art. 368. Só os maiores de cinqüenta anos, sem prole legítima, ou legitimada, podem adotar. Art. 368. Só os maiores de 30 (trinta) anos podem adotar. (Redação dada pela Lei nº 3.133, de 1957). Parágrafo único. Ninguém pode adotar, sendo casado, senão decorridos 5 (cinco) anos após o casamento. (Incluído pela Lei nº 3.133, de 1957). Art. 369. O adotante há de ser, pelo menos, dezoito anos mais velho que o adotado.

5 Apesar de toda a lei estar revogada, para uma compreensão mais clara da lei, estão tachados

apenas os primeiros artigos revogados, para verificar a evolução legislativa à época.

25

Art. 369. O adotante há de ser, pelo menos, 16 (dezesseis) anos mais velho que o adotado. (Redação dada pela Lei nº 3.133, de 1957). Art. 370. Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher. Art. 371. Enquanto não der contas de sua administração, e saldar o seu alcance, não pode o tutor, ou curador, adotar o pupilo, ou o curatelado. Art. 372. Não se pode adotar sem o consentimento da pessoa, debaixo de cuja guarda estiver o adotando, menor, ou interdito. Art. 372. Não se pode adotar sem o consentimento do adotado ou de seu representante legal se fôr incapaz ou nascituro. (Redação dada pela Lei nº 3.133, de 1957). Art. 373. O adotado, quando menor, ou interdito, poderá desligar-se da adoção no nano imediato ao em que cessar a interdição, ou a menoridade. Art. 374. Também se dissolve o vinculo da adoção: I. Quando as duas partes convierem. II. Quando o adotado cometer ingratidão contra o adotante. Art. 374. Também se dissolve o vínculo da adoção: (Redação dada pela Lei nº 3.133, de 1957). I. Quando as duas partes convierem. (Redação dada pela Lei nº 3.133, de 1957). II. Nos casos em que é admitida a deserdação. (Redação dada pela Lei nº 3.133, de 1957). Art. 375. A adoção far-se-á por escritura pública, em que se não admite condição, em termo. Art. 376. O parentesco resultante da adoção (art. 336) limita-se ao adotante e ao adotado, salvo quanto aos impedimentos matrimoniais, á cujo respeito se observará o disposto no art. 183, ns. III e V, Art. 377. A adoção produzirá os seus efeitos ainda que sobrevenham filhos ao adotante, salvo se, pelo fato do nascimento, ficar provado que o filho estava concebido no momento da adoção. Art. 377. Quando o adotante tiver filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos, a relação de adoção não envolve a de sucessão hereditária. (Redação dada pela Lei nº 3.133, de 1957). Art. 378. Os direitos e deveres que resultam do parentesco natural não se extinguem pela adoção, exceto o pátrio poder, que será transferido do pai natural para o adotivo.

Neste Código, a adoção se concretizava por escritura pública, sem

intervenção estatal. Hoje não mais é desta forma. Uma característica que também

mudou muito com o Novo Código é que neste era permitida a adoção de nascituro,

hoje não mais aceita. Era visível que a lei de 16 se concentrava no adotante e

deixava de lado a figura do adotando. Alguns pontos importantes abordados pelo

Código de 1916 que mudou com a evolução legislativa eram: só podiam adotar em

conjunto marido e mulher e com mais de 5 anos de casamento, tutor ou curador,

depois de prestar as contas podiam adotar o tutelado ou curatelado, os estrangeiros

podiam adotar sem restrições, a adoção podia ser cessada, além de ser permitida

adoção de maior de 18 anos.

Ensina Maria Berenice Dias:

26

O Código Civil de 1916 chamava de simples a adoção tanto de maiores como de menores. Só podia adotar quem não tivesse filhos. A adoção era levada a efeito por escritura pública e o vínculo do parentesco estabelecia-se somente entre o adotante e ao adotado. (DIAS, 2013, p. 496)

Porém em 1957, a Lei 3.133 fez alguns avanços, como pode se perceber nas

mudanças de alguns artigos acima, como mudança da idade mínima para adotar e

diminuição da diferença de idade entre adotante e adotando. (VENOSA, 2006)

Essa lei teve intenção de alterar alguns pontos para incentivar a prática da

adoção. E apareceu pela primeira vez uma preocupação com o adotando, já que era

maior de idade, seu consentimento expresso era exigido, além do consentimento do

representante legal nos casos em que o adotando era incapaz ou nascituro.

(GRANATO, 2009)

Em relação aos efeitos da adoção, Granato ensina que:

Houve exclusão da regra que determinava a não-produção de efeitos sucessórios se o filho já estivesse concebido no momento da adoção e sua substituição pelo princípio de que, quando o adotante tivesse filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos, a relação de adoção não envolveria a de sucessão hereditária. Marcante inovação foi a possibilidade prevista na lei de o adotado poder acrescentar ao nome dos pais de sangue os do adotante; ou ainda usar somente os do adotante, excluindo os apelidos dos pais de sangue. (GRANATO, 2009, p. 45)

Em 1965, a Lei 4.655 de 02.06.1965, trouxe outras mudanças ao instituto,

explica Granato:

[...] a legitimação adotiva só podia ser deferida quando o menor até sete anos de idade fosse abandonado, ou órfão não reclamado por qualquer parente por mais de um ano, ou cujos pais tivessem sido destituídos do pátrio poder, ou ainda na hipótese do filho natural reconhecido apenas pela mãe, impossibilitada de prover a sua criação (art. 1º). Havia também a possibilidade de se permitir a legitimação adotiva em favor do menor com mais de sete anos, se já estivesse sob a guarda dos legitimantes à época em que tivesse completado essa idade (art. 1º, § 1º). [...] determinava a exigência de um período de três anos de guarda do menor pelos requerentes, para só então se deferir a legitimação (art. 1º, § 2º). [...] Havia dispensa de observar o decurso do prazo de cinco anos de casamento, provada a esterilidade de um dos cônjuges, por perícia médica, e a estabilidade conjugal (art. 2º, parágrafo único). [...] exigência de não-existência de filhos legítimos, legitimados ou naturais reconhecidos. Autorizava-se também a legitimação, excepcionalmente, ao viúvo ou à viúva, com mais de trinta e cinco anos de idade, se ficasse provado que o menor estivesse integrado em seu lar, onde vivesse por mais de cinco anos (art. 3º). Permitia aos cônjuges desquitados requererem a legitimação se tivessem começado a guarda do menor no período de prova, na constância do matrimônio, desde que ajustados sobre a guarda, visitas e pensão (art. 4º). Estabelecia a irrevogabilidade da legitimação adotiva, mesmo que aos adotantes viessem a nascer filhos legítimos, aos quais considerava

27

equiparados os legitimados adotivos, com os mesmos direitos e deveres (art. 7º). [...] excluía o legitimado adotivo da sucessão, se viesse a concorrer com filho legítimo superveniente à adoção [...] O rompimento da relação de parentesco com a família de origem, [...] foi determinado no § 2º do art. 9º, e o vínculo se estendia à família dos legitimantes, desde que os seus ascendentes tivessem aderido ao ato da adoção. [...] estabelece a possibilidade de ao menor ser conferido o nome do legitimante e, ainda mais, modificar o seu prenome. (GRANATO, 2009, p. 45, 46, 47)

Maria Berenice Dias (2013, p. 496) acrescenta: “A L. 4.655/65 admitiu mais

uma modalidade de adoção, a chamada legitimação adotiva. Dependia de decisão

judicial, era irrevogável e fazia cessar o vínculo de parentesco com a família natural.”

Assim, chegou em 79, o Código de Menores (Lei 6.697/79), protegendo os

menores em situação irregular. Esta lei também introduzindo a adoção plena,

substituindo a legitimação adotiva e admitiu a adoção simples. (DIAS, 2013;

GRANATO, 2009)

Granato explica que:

[...] para os menores de até dezoito anos, em situação irregular, também se aplicavam todas as disposições do Código Civil, relativas à adoção, para a chamada “adoção simples” (art. 27), que dependia, porém da autorização judicial, precedida de estágio de convivência com os adotantes, dispensável para o menor de até um ano de idade (art. 28). [...] Quanto a adoção plena, bastante parecida com a legitimação adotiva que pelo Código estava sendo revogada, diferentemente da adoção simples, cortava todos os laços com a família biológica do menor, que entrava para a família do adotante como se fosse filho de sangue (art. 29). (GRANATO, 2009, p. 48)

A revogada Lei explicava sua abrangência e o que era considerado menor

em situação irregular, dizia ela:

Art. 1º Este Código dispõe sobre assistência, proteção e vigilância a menores: I - até dezoito anos de idade, que se encontrem em situação irregular; II - entre dezoito e vinte e um anos, nos casos expressos em lei. Parágrafo único - As medidas de caráter preventivo aplicam-se a todo menor de dezoito anos, independentemente de sua situação. Art. 2º Para os efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o menor: I - privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de: a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável; b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las; Il - vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável; III - em perigo moral, devido a: a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes; b) exploração em atividade contrária aos bons costumes;

28

IV - privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável; V - Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária; VI - autor de infração penal. Parágrafo único. Entende-se por responsável aquele que, não sendo pai ou mãe, exerce, a qualquer título, vigilância, direção ou educação de menor, ou voluntariamente o traz em seu poder ou companhia, independentemente de ato judicial.

Outras mudanças que o Código de Menores trouxe para a adoção foram à

autorização e averbação em registro público dos apelidos de família do adotado;

podia mudar o prenome do nascituro e constar o nome dos adotantes e ascendentes

no novo registro; diminuição do estágio de convivência para 1 ano (adotantes

casados entre sí) e 3 anos (viúvos que iniciaram o estágio quando o companheiro

estava vivo); a adoção plena passou a ser irrevogável; a sucessão foi garantida ao

adotando e apareceu pela primeira vez a preocupação com a adoção por

estrangeiros, já que estes, não morando no país, não podiam realizar a adoção

plena, mas podiam realizar adoção simples, após o deferimento da colocação

familiar. (GRANATO, 2009)

Em 1988 entrou em vigor nossa Constituição Federal que se encontra

vigente até hoje. Com seu advento novas condutas referentes à adoção passaram a

ser exigidas. Para Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2010, p. 912)

uma das mudanças mais marcantes foi que os “arts. 226 a 230, consagrou proteção

isonômica aos filhos, afastando todo e qualquer (odioso) tratamento discriminatório.”

Diz o artigo 227, § 6º:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. [...] § 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Assim, completa Paulo Lôbo:

No Brasil, após a Constituição de 1988, não há mais filho adotivo, mas adoção, entendida como meio para filiação, que é única. A partir do momento em que a adoção se conclui, com a sentença judicial e o registro de nascimento, o adotado se converte integralmente em filho. [...] Nos quatrocentos e oitenta e oito anos anteriores da história da sociedade e do

29

direito brasileiro, perdurou o princípio da desigualdade e a clara distinção entre filho legítimo e filho adotivo, que não se integrava totalmente à família adotante. (LÔBO, 2012, p. 272)

Então, percebe-se que a Constituição de 88 foi o primeiro grande marco da

mudança de comportamento da legislação e da forma como era vista a adoção e da

exigência legal de acabar com qualquer comportamento discriminatório para com o

filho adotivo.

Algum tempo depois, surge o ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente

(Lei 8.069 de 13 de julho de 1990), que teve a função de trazer proteção total às

crianças e adolescentes, até 18 anos, com uma regulamentação específica que visa

garantir o melhor interesse destes, assegurando, inclusive, todos os direitos

sucessórios. (DIAS, 2013)

Para trazer mudanças ainda mais importantes, para atualizar o ECA, surgiu

a Lei 12.010, de 03 de agosto de 2009. Essa lei alterou vários dispositivos do ECA

referente a adoção, e ficou conhecida como a Nova Lei da Adoção (ou Lei Nacional

da Adoção), sendo esta vigente até hoje, regulamentando a adoção de menores.

Entre o surgimento do ECA, e da Nova Lei da Adoção, entrou em vigor o

Código Civil de 2002, onde continuou a regulamentar a adoção de maiores de 18

anos.

Os artigos mais importantes do Código Civil de 2002 referentes a adoção

são:

Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. Art. 1.618. A adoção de crianças e adolescentes será deferida na forma prevista pela Lei n

o 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do

Adolescente. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência Art. 1.619. A adoção de maiores de 18 (dezoito) anos dependerá da assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva, aplicando-se, no que couber, as regras gerais da Lei n

o 8.069, de 13 de julho de 1990

- Estatuto da Criança e do Adolescente.(Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

Estes dispositivos declaram a igualdade de direitos entre filhos legítimos ou

adotados, determina a adoção do ECA para regulamentação da adoção de menores

e garante a adoção de maiores com assistência do poder público e aplicação

análoga do ECA no que couber.

30

É clara a evolução legislativa que o instituto da adoção sofreu ao longo dos

anos e ainda deverá evoluir acompanhando as mudanças da sociedade.

3. 4 HABILITAÇÃO E REQUISITOS GERAIS

Quando alguém decide adotar, seja solteiro, casado, vivendo em união

estável reconhecida, heterossexual ou homossexual, inicialmente deverá se habilitar

a adoção. Essa habilitação exige alguns trâmites e só no final será decidido se a

pessoa ou casal está apto a adotar ou não.

A primeira atitude para quem pretende se habilitar à adoção é procurar a

Vara da Família, Infância e Juventude mais próxima, onde receberão orientações

acerca da documentação que deverão juntar, como antecedentes criminais, relatório

de saúde física e mental, fotos de onde a criança adotada iria morar e se casal, um

documento que comprove o vínculo afetivo. Após a juntada dos documentos, os

pretendentes a habilitação serão ouvidos pelos psicólogos e assistentes sociais da

Vara para entender seus anseios e expectativas com a adoção e criar o perfil de

criança ou adolescente mais adequado para o pretendente, mas sempre levando em

conta o melhor para o menor. Caso tornem-se aptos, passam a fazer parte do

Cadastro Nacional de Adoção (CNA) onde os pretendentes são chamados por

ordem de chegada. Porém o tempo na fila é muito relativo, já que depende do perfil

escolhido para a criança. A grande maioria das pessoas querem menina, branca,

com menos de 2 anos, sem irmãos, mas a realidade das crianças que estão

disponíveis são muito diferentes. Caso uma criança com as características

desejadas esteja disponível para ser adotada, os pretendentes são chamados e

conhecerão a criança, geralmente no abrigo, para que passem um tempo juntos. Se

tudo correr bem, os pretendentes levarão o menor para casa para fazer um período

de avaliação. A partir deste estágio, o juiz inicia o processo de análise que leva a

decisão definitiva e unindo para sempre essa família.6

Todo esse procedimento visa garantir que o princípio do melhor interesse da

criança seja cumprido. Sobre este princípio, explica Guilherme Calmon Nogueira da

Gama:

6 Disponível em: <http://igay.ig.com.br/2013-05-25/sou-gay-e-quero-adotar-veja-como-funciona-o-

processo-de-adocao.html>. Acesso em: 08/06/2014

31

[...] o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente deve ser fundamentalmente considerado, a despeito de se localizar no art. 277, caput e seus paraágrafos da Constituição [...] representa importante mudança de eixo nas relações paterno-materno-filiais, em que o filho deixa de ser considerado objeto para ser alçado a sujeito de direito, ou seja, a pessoa humana merecedora de tutela do ordenamento jurídico, mas com absoluta prioridade comparativamente aos demais integrantes da família de que ele participa. Cuida-se assim, de reparar um grave equívoco na história da civilização humana em que o menor era relegado a plano inferior, ao não titularizar ou exercer qualquer função na família e na sociedade, ao menos para o direito. Como pessoa humana em processo físico e psíquico de desenvolvimento, a criança e o adolescente são portadoras da condição peculiar a merecer tratamento diferenciado das outras pessoas. [...] O princípio em questão exige ser plenamente implantado e observado na ordem jurídica nacional não apenas como princípio geral, mas como critério de interpretação e de aplicação da norma jurídica nas questões relacionadas à criança e ao adolescente [...]. (GAMA, 2008, p. 80, 81)

Este princípio é a chave para a adoção, uma grande mudança numa

sociedade em que antes visava apenas o melhor para quem adotava. Hoje é visto

sempre o que é melhor para o menor, independente da situação.

O Estatuto da Criança e do Adolescente juntamente com a Lei Nacional da

Adoção determinam o cumprimento de alguns requisitos para se habilitar à adoção,

mas que em benefício do deste princípio podem ser relativizados como veremos a

seguir. São eles:

3. 4. 1 Idade do Adotando

O ECA regulamenta apenas a adoção de menores, então determina que até

o dia em que o adotando completar 18 anos, diz o referido artigo:

Art. 40. O adotando deve contar com, no máximo, dezoito anos à data do pedido, salvo se já estiver sob a guarda ou tutela dos adotantes.

Granato (2009, p. 73) explica que: “[...] se o pedido for feito no dia imediato

após completar o adotando dezoito anos, não mais poderá seguir as regras do ECA,

mas, sim, as do Código Civil.”

3.4.2 Consentimentos

Acerca do consentimento dos pais ou representante legal do menor, o artigo

45 do ECA dispõe:

32

Art. 45. A adoção depende do consentimento dos pais ou do representante legal do adotando. § 1º. O consentimento será dispensado em relação à criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder familiar.

Esse consentimento é muito importante, pois após a adoção, o menor terá

todos os vínculos com a família original cortados. Caso apenas um dos pais dê o

consentimento ou se as condições para a destituição do poder familiar não

estiverem presentes, a divergência deverá ser discutida no âmbito judicial.

(GRANATO, 2009)

Este artigo ainda trata, em seu § 2º, a respeito do consentimento do

adotando. A criança maior de 12 anos tem o direito de dar ou não consentimento

quanto a questão da adoção. Esse consentimento também é muito válido, pois a

criança maior de 12 anos já tem certo discernimento para saber se se adequa à

família pretendente ou não. Fala o artigo:

[...]§ 2º. Em se tratando de adotando maior de doze anos de idade, será também necessário o seu consentimento.

Porém, Omar Gama Bem Kauss apud GRANATO, acredita que esta oitiva

da criança não deveria ser vista com o poder de dar ou não o consentimento,

apenas como obrigatória, diz ele:

Entretanto, esse consentimento deve ter um valor relativo na apreciação a ser feita pelo juiz na sentença. A sua concordância ou discordância, por sí só, não deve representar o deferimento ou indeferimento da adoção. O § 2º do art. 45 não pode ter uma interpretação divorciada daquela que se deve dar ao art. 43 que representa o ideal do sistema. Portanto, a concordância ou discordância do menor deve ser confrontada com as vantagens ou desvantagens para si, da adoção. Pode concordar e a adoção indeferida e, ao contrário, pode discordar, e ser ela deferida. Não se pode esquecer a cautela com que sempre houve a Justiça, nas causas de família, com relação a depoimentos de menores, nem se deve considera-los isoladamente, mas em conjunto com as outras provas ou elementos formadores de convicção. A adoção moderna é sempre conferida de acordo com os altos interesses dos menores, que eles nem sempre sabem aquilatar. (KAUSS, 1993, p. 54 apud GRANATO, 2009, p.74)

3. 4. 3 Idade do Adotante

O artigo 42 do ECA determina a idade de quem pode adotar:

33

Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil.

No decorrer da história, foi expressiva a mudança da idade mínima de quem

pretende adotar.

No Código Civil de 1916, a idade mínima exigida era de 50 anos, tendo em

1957, com redação dada pela Lei nº 3.133, diminuída para 30 anos.

No Código de Menores, a idade mínima manteve os mesmos 30 anos.

Quando o ECA entrou em vigor, a redação original previa a idade de 21 anos

(maioridade civil na época), sendo alterada em 2009 para apenas 18. (GRANATO,

2009)

Apesar de a lei determinar idade mínima para adotar, ela deixa uma lacuna

quanto a idade máxima. Não há nenhuma previsão acerca de qual idade uma

pessoa ainda é apta a adotar. O que é levado em consideração é que a adoção seja

o mais parecido com a natural possível, então há uma posição de que uma pessoa

de muita idade, ao querer adotar uma criança muito pequena, poderá acarretar

numa situação em que esta fique órfã muito cedo.

A jurisprudência ainda fica dividida acerca da situação. Nesta primeira

jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, foi avaliado que havia

possibilidade física e financeira para que ocorresse a adoção, sendo assim,

concedida a habilitação independente da idade do requerente:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - HABILITAÇÃO PARA ADOÇÃO - DECISÃO DE EXCLUSÃO DA REQUERENTE DO CADASTRO DE PESSOAS APTAS A ADOÇÃO - IDADE AVANÇADA - INEXISTÊNCIA DE LEI QUE IMPEÇA A ADOÇÃO BASEADA EM DIFERENÇA ETÁRIA - POSSIBILIDADE FÍSICA E FINANCEIRA DE ADOÇÃO - AUSÊNCIA DE ÓBICE À ADOÇÃO - DEFERIMENTO DA HABILITAÇÃO - DECISÃO REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJ-PR - Ação Civil de Improbidade Administrativa: 9086017 PR 908601-7 (Acórdão), Relator: Themis Furquim Cortes, Data de Julgamento: 06/02/2013, 12ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 1063 20/03/2013)

Já nesta segunda jurisprudência, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

considerou que a requerente além de ter uma idade avançada, já não apresentava

boas condições de saúde. Por este motivo, foi negada a habilitação desta senhora:

APELAÇÃO. HABILITAÇÃO PARA ADOTAR. INDEFERIMENTO. A apelante tem idade avançada (64 anos) e está sendo submetida a tratamento de saúde, de natureza não especificada. Nesse contexto, o mais adequado é indeferir por ora a habilitação e aguardar a evolução do quadro

34

de saúde da apelante. NEGARAM PROVIMENTO. (Apelação Cível Nº 70011179611, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 05/05/2005)

3. 4. 4 Diferença de Idade entre Adotando e o Adotante

Nos termos do artigo 42 § 3º, ECA, existe uma idade mínima a ser

respeitada entre adotante e adotando, que é:

[...] § 3º O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho do que o adotando.

Essa diferença de idade é uma maneira da adoção imitar a natureza, já que

se acredita, ordinariamente, que 16 anos seria a menor idade concebível para

alguém naturalmente se tornar pai ou mãe. (RODRIGUES, 2008)

Porém, existem casos em que a diferença de idade pode ser relativizada em

razão do princípio do melhor interesse da criança, deverão ser levados em conta

outros critérios para deferir a habilitação para a adoção nesses casos.

Neste julgamento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a criança já

viva com a pretendente à adoção desde seu nascimento e a diferença de idade

mínima não precisou ser respeitada por era fato tão insignificante que não deveria

ser lavado em conta. Diz a jurisprudência:

APELAÇÃO CÍVEL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ADOÇÃO. ADOTANTE QUE CONVIVE COM A ADOTANDA DESDE O SEU NASCIMENTO, POR VIVER EM UNIÃO ESTÁVEL COM A MÃE DESTA HÁ DEZ ANOS, TRATANTO A CRIANÇA COMO SE FILHA SUA FOSSE, SUPRINDO-LHE AS NECESSIDADES MATERIAIS E EMOCIONAIS. DIFERENÇA DE IDADE DE QUINZE ANOS E CINCO MESES. OBSERVÂNCIA DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. REQUISITO LEGAL QUE NÃO PODE SE SOBREPOR AO BEM-ESTAR DA MENOR, MORMENTE QUANDO A AÇÃO DE ADOÇÃO TRATA-SE DE MERA FORMALIZAÇÃO DE SITUAÇÃO FÁTICA JÁ SOLIDIFICADA. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. RECURSO PROVIDO. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70021207733, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em 26/09/2007)

Outro exemplo, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, a decisão foi

reformada também levando em consideração que o casal tinha plenas condições de

criar este menor num ambiente familiar saudável sem a diferença mínima de idade

35

fizesse alguma diferença. Foi visto mais uma vez que era necessário atender o

princípio do melhor interesse da criança. Segue a decisão:

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - HABILITAÇÃO PARA ADOÇÃO - INDEFERIMENTO EM PRIMEIRO GRAU - INCONFORMISMO - PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS - ACOLHIMENTO - PARECERES SOCIAL E PSICOLÓGICO FAVORÁVEIS - PLENAS CONDIÇÕES DO CASAL PARA ADOÇÃO - DIFERENÇA DE IDADE - IRRELEVÂNCIA - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PROVIDO. Restando evidenciado que os pretendentes à adoção possuem plenas condições de proporcionar à criança de tenra idade ambiente familiar saudável, estável e harmônico, a mera diferença de idade não pode constituir óbice à habilitação no cadastro de adoção. (TJ-SC - AC: 20100480797 SC 2010.048079-7 (Acórdão), Relator: Monteiro Rocha, Data de Julgamento: 05/09/2012, Quinta Câmara de Direito Civil Julgado)

3. 4. 5 Estágio de Convivência

Como visto anteriormente, após aprovada a habilitação dos pretendentes a

adoção e o encontro de uma criança compatível, este menor e os pretendentes se

conhecem e vão para a casa dos futuros pais para fazer uma experiência de

convívio. Esta etapa muito importante no processo de adoção é o estágio de

convivência.

O estágio de convivência é um período em que adotante e adotando

convivem no ambiente familiar para que possam se conhecer melhor e verificar se

ocorre a adaptação recíproca. Essa etapa é de suma importância, devida a

irretratabilidade do ato. (NADER, 2009, p. 49)

O artigo 46 do Estatuto regula a disciplina:

Art. 46. A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso. § 1

o O estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando já

estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante durante tempo suficiente para que seja possível avaliar a conveniência da constituição do vínculo. § 2

o A simples guarda de fato não autoriza, por si só, a dispensa da

realização do estágio de convivência. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência § 3

o Em caso de adoção por pessoa ou casal residente ou domiciliado fora

do País, o estágio de convivência, cumprido no território nacional, será de, no mínimo, 30 (trinta) dias. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência § 4

o O estágio de convivência será acompanhado pela equipe

interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política de garantia do direito à convivência familiar, que apresentarão

36

relatório minucioso acerca da conveniência do deferimento da medida. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

O estágio de convivência passou por mudanças em seus prazos. A nova Lei

da Adoção alterou os parágrafos 1º e 2º, onde estipulavam que menores de 1 ano

não necessitavam deste período de convivência e também era dispensado em caso

de o menor ter convivido tempo suficiente com o adotante. Além de tratar da questão

do estrangeiro, que fixava prazo de quinze dias, no mínimo, para menores de dois

anos e de trinta dias, no mínimo, para maiores de dois anos.

Rodrigues acredita que o § 3º, que trata da adoção internacional, é um tanto

preconceituoso, diz ele:

O atraso e a xenofobia do legislador brasileiro ainda aqui mostram seus dentes. [...] Discriminação gratuita e inútil; se a finalidade do estágio de convivência é mostrar a compatibilidade entre adotante e adotando, não será em tão curto intervalo que se alcançará tal escopo.

De qualquer modo, o estágio de convivência é de suma importância para a

adoção se concretizar da melhor forma possível para ambas as partes.

3. 5 MODALIDADES DE ADOÇÃO

Há diversas modalidades de adoção no Brasil, mas nem todas são

regulamentadas ou legais.

Previsto no artigo 41, §1º, ECA, a adoção unilateral prevê a que o cônjuge

ou companheiro adote o filho do outro sem interferir no vínculo de filiação biológico

do companheiro de quem adotou como explica Maria Berenice Dias (2013, p. 502):

“se uma mulher tem um filho, seu cônjuge ou companheiro pode adotá-lo. O infante

permanece registrado em nome da mãe biológica e é procedido ao registro do

adotante (cônjuge ou companheiro da genitora) como pai.” O artigo 41 do Estatuto

diz:

Art. 41. A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais. § 1º Se um dos cônjuges ou concubinos adota o filho do outro, mantêm-se os vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge ou concubino do adotante e os respectivos parentes.

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Caso o pretendente a adoção seja tutor ou curador do menor, o artigo 44 do

ECA dispões acerca do tema:

Art. 44. Enquanto não der conta de sua administração e saldar o seu alcance, não pode o tutor ou o curador adotar o pupilo ou o curatelado.

Esta mesma previsão é vista no artigo 1620 do Código Civil. A adoção por

tutor ou curador tem um cerco de preocupação devido a possibilidade de

apropriação indevida dos bens do adotando. Granato explica:

Na verdade, adotando o pupilo, cercando-o de afeto, poderia a adoção encobrir manobra para que o tutor deixasse de prestar contas da sua tutela, oculatando possíveis apropriações indevidas. Este é o motivo pelo qual a lei exige que as contas sejam prestadas, prévia e judicialmente, para depois se proceder à adoção. (GRANATO, 2009, p. 58)

Outra modalidade de adoção, apesar de diferente, mas que é regulamentada

pelo ECA, é a adoção póstuma. Através da manifestação inequívoca da vontade de

adotar, aquele que faleceu durante o procedimento de adoção, terá o procedimento

levado a efeito mesmo antes do início do mesmo.

Diz o artigo 42, §6º:

§ 6

o A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca

manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença.(Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

Maria Berenice Dias pontua:

Também é de admitir-se a adoção levada a efeito por meio de testamento, pois evidencia claramente a intenção de adotar. Ora, no momento em que é admitida a possibilidade da adoção, mesmo que não tenha o adotante dado início ao respectivo processo, às claras se está aceitando o reconhecimento da paternidade afetiva. Até porque é isso que a sentença faz. Flagrada a existência da posse do estado de flho, ou melhor, da posse do estado de pai, é declarado o vínculo de filiação por adoção. (DIAS, 2013, p. 508)

Esta é uma modalidade muito especial, pois garante a filiação em caso de

morte de quem realmente queria adotar e o adotando.

38

Candidatos a adotar, que moram fora do Brasil, independente de sua

nacionalidade, ao querer adotar uma criança brasileira, passam pelas regras da

adoção internacional.

Esta modalidade de adoção era brevemente regulamentada pelo ECA antes

da Lei de Adoção, porém, com sua promulgação, a adoção internacional foi

amplamente normatizada. Maria Berenice Dias acredita que esta regulamentação foi

em tamanho exagero, que quase impede a adoção internacional. Diz a autora:

Impôs tantos entraves e exigências que dificilmente um estrangeiro conseguirá adotar. Até parece que a intenção foi vetar que isso ocorra. Os labirintos impostos transformaram-se em barreira intransponível para que desafortunados brasileirinhos tenham chance a chance de encontrar um futuro melhor fora de sua terra natal. (DIAS, 2013, p. 506)

Mas a própria autora cita que o motivo de tantos entraves é que muitos

pensam que a adoção internacional pode ser transformada em tráfico de crianças ou

até mesmo tráfico de órgãos. (DIAS, 2013)

O Tribunal de Justiça de Pernambuco permitiu que uma adoção

internacional irregular fosse mantida levando em consideração o melhor interesse do

menor em questão. Segue:

AÇÃO RESCISÓRIA. ADOÇÃO INTERNACIONAL. RESCISÃO DE SENTENÇA. IRREGULARIDADES NO TRÂMITE DO PROCESSO. SITUAÇÃO DE FATO CONSOLIDADA. PREVALÊNCIA DO INTERESSE DO MENOR EM DETRIMENTO DAS FORMALIDADES. PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E PROTEÇÃO ABSOLUTA. 1.Compulsando os autos da ação, verifica-se que o Órgão Ministerial objetiva rescindir sentença prolatada por juiz monocrático nos autos de processo de adoção internacional, que se deu sem a observância de formalidades elencadas pelo Estatuto da Criança e Adolescente. 2.Ocorre que, desde a data da interposição da ação em questão já se passaram 9 (nove) anos. E não se pode olvidar que, diante deste vasto lapso temporal, entre a criança e seus pais adotivos foram criados laços afetivos e psicológicos. 3.Diante da situação fática que se encontra sobejamente consolidada, retirar a criança do seio familiar em que vive com aqueles que reconhece como pais há 9 (nove) anos configuraria uma medida demasiadamente violenta, ensejadora de danos irreversíveis, que iria de encontro ao princípio do melhor interesse da criança, bem como da prioridade absoluta. 4.Em sendo assim, não se justifica decretar-se uma nulidade que se contrapõe ao interesse de quem teoricamente se pretende proteger. (TJ-PE - AR: 354598 PE 0003815-31.1998.8.17.0000, Relator: Bartolomeu Bueno, Data de Julgamento: 07/06/2011, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 114)

A adoção internacional é uma questão delicada e que merece ser

aprofundada em outro momento.

39

Outra modalidade de adoção, regulamentada pelo ECA, no artigo 42, § 4º, é

a adoção conjunta por casais divorciados. Trás o referido artigo:

§ 4o Os divorciados, os judicialmente separados e os ex-companheiros

podem adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância do período de convivência e que seja comprovada a existência de vínculos de afinidade e afetividade com aquele não detentor da guarda, que justifiquem a excepcionalidade da concessão. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

Este artigo trata do caso em que um casal se candidata para adotar uma

criança ou adolescente e no decorrer do processo eles se divorciam. Em alguns

casos excepcionais poderá haver adoção conjunta por ex-casal (divorciados) desde

que já acordado guarda, regime de visitação, além de que o estágio de convivência

tenha tido início quando o casal estava junto e que seja claro e comprovada a

afinidade com aquele que não tem a guarda. Do mesmo modo que pais biológicos

podem se divorciar, pais adotivos também, e não merece ser frustrada a colocação

da criança em uma família substituta que a quer, somente por este fato.

(MADALENO, 2013)

Foi a Lei Nacional da Adoção que estipulou que era a adoção neste caso é

permitida apenas se for comprovada a existência de vínculos de afinidade e

afetividade com aquele não detentor da guarda. Esta lei também acrescentou a

seguinte disposição ao artigo 42 do ECA:

§ 5

o Nos casos do § 4

o deste artigo, desde que demonstrado efetivo

benefício ao adotando, será assegurada a guarda compartilhada, conforme previsto no art. 1.584 da Lei n

o 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código

Civil. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

Mais uma vez é visualizado o cuidado para que o melhor interesse do menor

seja respeitado.

Uma forma de adoção, não regulamentada pela nossa legislação e que é

configurada crime, é a adoção conhecida como “à brasileira”. Esta ocorre quando

alguém registra um filho de outra pessoa como sendo seu. Este tipo de adoção não

é tipificada como crime pelo artigo 242 do Código Penal, tendo como pena, reclusão

de dois a seis anos. Porém, atualmente, alguns doutrinadores tem visto essa

paternidade sócio-afetiva como irrevogável. Se não constatada a existência de

relação sócio-afetiva, é possível admitir a anulação. Ensina Dias:

40

No entanto, quando não é reconhecida a existência de filiação sócioafetiva, se este for o desejo do filho e não a vontade exclusiva do pai, impositivo admitir a anulação do registro. Possível que a ação seja movida visando só o efeito anulatório, sem que intente o filho a ação investigatória de paternidade contra o pai biológico. Dispõe ele do direito de simplesmente excluir do registro o nome de quem lá consta como seu genitor. (DIAS, 2013, p. 510)

Outra modalidade de adoção não permitida no nosso ordenamento jurídico é

a adoção intuitu personae. Nessa modalidade, os pais biológicos escolhem os

adotantes. Ensina Rolf Madaleno:

Adoção intuitu personae é aquela em que os pais dão consentimento para a adoção em relação a determinada pessoa, identificada como pessoa certa ou para um casal específico, estando presentes os demais pressupostos para a adoção. Portanto, os pais biológicos intervêm nessa modalidade de adoção, concorrendo para a escolha da família adotante, porque essa aproximação entre os pais biológicos e os adotantes já vinha sucedendo, provavelmente, durante todo o período da gestação, ou porque mantinham vínculos de amizade e confiança com os adotantes indicados. (MADALENO, 2013, p. 648)

Apesar de ser muito questionada devido a alguns pais aceitarem dinheiro em

troca dos filhos, acredita-se que são eles quem deveria escolher o que acreditam ser

o melhor para sua prole. Nas palavras de Galdino Augusto Coelho Borbadalho apud

Rolf Madaleno:

[...] reputa importante a participação dos pais biológicos na escolha e entrega de seu filho, sendo de fundamental relevância a mãe biológica participar dessa fase de transição da parentalidade, como de singular importância quando os pais biológicos nutrem relações de respeito, estima, consideração e, sobremodo, confiança em relação às pessoas por ele escolhidas para amar, criar e educar o filho dado em adoção, ficando muito próximo da idéia da tutela testamentária, pela qual os pais indicam em testamento ou documento autêntico o tutor de seus filhos. (BORBADALHO, 2006, p. 236, apud MADALENO, 2013, p. 648, 649)

Abaixo jurisprudência que permitiu a adoção intuitu personae:

RECURSO ESPECIAL - AFERIÇÃO DA PREVALÊNCIA ENTRE O CADASTRO DE ADOTANTES E A ADOÇÃO INTUITU PERSONAE - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR - VEROSSÍMIL ESTABELECIMENTO DE VÍNCULO AFETIVO DA MENOR COM O CASAL DE ADOTANTES NÃO CADASTRADOS - PERMANÊNCIA DA CRIANÇA DURANTE OS PRIMEIROS OITO MESES DE VIDA - TRÁFICO DE CRIANÇA - NÃO VERIFICAÇÃO - FATOS QUE, POR SI, NÃO DENOTAM A PRÁTICA DE ILÍCITO - RECURSO ESPECIAL PROVIDO. I - A observância do cadastro de adotantes, vale dizer, a preferência das pessoas cronologicamente cadastradas para adotar determinada criança

41

não é absoluta. Excepciona-se tal regramento, em observância ao princípio do melhor interesse do menor, basilar e norteador de todo o sistema protecionista do menor, na hipótese de existir vínculo afetivo entre a criança e o pretendente à adoção, ainda que este não se encontre sequer cadastrado no referido registro; II - É incontroverso nos autos, de acordo com a moldura fática delineada pelas Instâncias ordinárias, que esta criança esteve sob a guarda dos ora recorrentes, de forma ininterrupta, durante os primeiros oito meses de vida, por conta de uma decisão judicial prolatada pelo i. desembargador-relator que, como visto, conferiu efeito suspensivo ao Agravo de Instrumento n. 1.0672.08.277590-5/001. Em se tratando de ações que objetivam a adoção de menores, nas quais há a primazia do interesse destes, os efeitos de uma decisão judicial possuem o potencial de consolidar uma situação jurídica, muitas vezes, incontornável, tal como o estabelecimento de vínculo afetivo; III - Em razão do convívio diário da menor com o casal, ora recorrente, durante seus primeiros oito meses de vida, propiciado por decisão judicial, ressalte-se, verifica-se, nos termos do estudo psicossocial, o estreitamento da relação de maternidade (até mesmo com o essencial aleitamento da criança) e de paternidade e o consequente vínculo de afetividade; IV - Mostra-se insubsistente o fundamento adotado pelo Tribunal de origem no sentido de que a criança, por contar com menos de um ano de idade, e, considerando a formalidade do cadastro, poderia ser afastada deste casal adotante, pois não levou em consideração o único e imprescindível critério a ser observado, qual seja, a existência de vínculo de afetividade da infante com o casal adotante, que, como visto, insinua-se presente; V - O argumento de que a vida pregressa da mãe biológica, dependente química e com vida desregrada, tendo já concedido, anteriormente, outro filho à adoção, não pode conduzir, por si só, à conclusão de que houvera, na espécie, venda, tráfico da criança adotanda. Ademais, o verossímil estabelecimento do vínculo de afetividade da menor com os recorrentes deve sobrepor-se, no caso dos autos, aos fatos que, por si só, não consubstanciam o inaceitável tráfico de criança; VI- Recurso Especial provido. (REsp 1172067/MG, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/03/2010, DJe 14/04/2010)

Mas também existem jurisprudências que vão de acordo com o ECA e não

permitem este tipo de adoção. Como diz a decisão do Tribunal de Justiça do Estado

do Paraná, a seguir:

ECA PEDIDO DE GUARDA IMPOSSIBILIDADE ADOÇÃO INTUITU PERSONAE CARACTERIZADA AUSÊNCIA DE INSCRIÇÃO PRÉVIA DOS POSTULANTES NO CADASTRO DE ADOTANTES - AUSÊNCIA DE MOTIVO RELEVANTE A JUSTIFICAR, EXCEPCIONALMENTE, A RELATIVIZAÇÃO DO PRECEITO. Apelo improvido. O procedimento e regramento previstos para o processo de adoção visa exclusivamente a proteção dos interesses da criança e adolescente, podendo ser relativizados somente excepcionalmente, quando verificado o real benefício às mesmas, conforme preleção do art. 28, § 2º, ECA. (TJPR - 12ª C.Cível - AC - 681662-0 - São Miguel do Iguaçu - Rel.: Carlos Mauricio Ferreira - Unânime - - J. 04.08.2010)

Outra modalidade de adoção é por parentes próximos, porém, vetada em

nossa legislação, como bem determina o § 1º, do artigo 42, do ECA:

42

§ 1º Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando.

Há uma certa divergência no motivo dessa vedação. Silvio Rodrigues trata

acerca do assunto:

A proibição de adotar um neto talvez se justifique na idéia de que o ato poderá afetar a legítima de herdeiro necessário mais próximo, tal como o filho. Como o neto adotado assumirá a posição de filho, para todos os efeitos, ele concorrerá com seu próprio pai, na sucessão do avô. (RODRIGUES, 2008, p. 343)

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina já se pronunciou acerca do tema,

negando o direito de adoção por avós:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ADOÇÃO. DECISÃO QUE JULGOU EXTINTO O FEITO. PEDIDO DE APLICAÇÃO DO CÓDIGO CIVIL EM DETRIMENTO DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. LEI ESPECIAL QUE SE SOBREPÕE A NORMA GERAL. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. AÇÃO QUE VISA O RECONHECIMENTO DA POSSIBILIDADE DE ADOÇÃO ENTRE AVÓS E NETA. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. INTELIGÊNCIA DO ART. 42, § 1º, DO ECA. GRATUIDADE PREVISTA EM LEI. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJ-SC - AC: 266210 SC 2009.026621-0, Relator: Odson Cardoso Filho, Data de Julgamento: 25/05/2011, Quinta Câmara de Direito Civil, Data de Publicação: Apelação Cível n. , de Porto União)

Como deverá ser levado em consideração o melhor interesse da criança, a

idade avançada dos avós pode não ser vantajoso para ela. Além disso, deve ser

observado que existem causas em que os avós querem adotar os netos puramente

por questões previdenciárias. Por isso é importante este cuidado para afastar este

intuito previdenciário.

Abaixo jurisprudência do Tribunal Regional Federal acerca do tema:

ADMINISTRATIVO - PENSÃO MILITAR - ESCRITURA PÚBLICA DE ADOÇÃO - ARTIGO 375 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 - ADOÇÃO DA NETA PELOS AVÓS COM PAIS BIOLOGICOS VIVOS - SIMULAÇÃO DE PARENTESCO. REVISÃO DO ATO APÓS CINCO ANOS. LEI 9.784/99. DECADÊNCIA. 1. Trata-se de Remessa Necessária e Recurso de Apelação Cível interposto pela UNIÃO FEDERAL em face da sentença que concedeu a ordem de segurança para determinar o restabelecimento da pensão militar percebida pela impetrante retroativamente à data do cancelamento, por entender que foi superado o prazo previsto no art. 54 da Lei 9.784/99, uma vez que a pensão foi cancelada após 9 (nove) anos de concessão, bem como pelo fato de que a adoção prevista no Código Civil então vigente era válida e não se confundia com a prevista no Código de Menores de 1979. 2. Agravo retido não conhecido, uma vez que a impugnação da decisão que concede a parcialmente a liminar deve ser feita mediante agravo de

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instrumento, com devolução imediata ao Tribunal. Inexiste utilidade prática, neste momento, em se discutir provimento de urgência que foi substituído pela sentença já prolatada. Ademais, a União Federal não reiterou o seu conhecimento no apelo, conforme exige o art. 523, § 1º do CPC. 3. A finalidade da adoção deve ser prestar assistência material, amparo moral e educação, não podendo o instituto ser usado como manobra para burlar lei previdenciária desfavorável. O direito a benefícios previdenciários deve ser uma conseqüência desse ato jurídico, não um fim em si mesmo a ser buscado. Tanto o pai biológico, como a mãe biológica, eram vivos e em condições de atuar no mercado de trabalho para prover o sustento da impetrante, o primeiro como músico e a última como técnica em administração. Se a prática de postular pedido de guarda para fins previdenciários é fortemente rechaçada, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência pátria, maior razão há para não se reconhecer direito de filha adotada à fruição de pensão militar instituída por avô que a adotou para assegurar-lhe benefício a que não faria jus se na condição de neta permanecesse; e 4. Todavia, na hipótese dos autos há que se reconhecer a decadência do direito da Administração Pública em rever o ato de concessão da pensão à impetrante, por força do disposto no art. 54 da Lei 9.784/99, que disciplina o processo administrativo no âmbito federal. À luz do que consta no Parecer Técnico nº 005, de 15/01/2007, da Diretoria de Civis, Inativos e Pensionistas do Exército, verifica-se que estava em curso uma diligência da Diretoria de Auditoria desde junho de 2004, da qual resultou uma consulta formulada àquele órgão de pensionistas, cerca de dois anos depois, pela Seção de Inativos e Pensionistas da 1ª Região Militar, por meio do Ofício 445-ECQ/DIL-SIP/1-Rio/LGL, datado de 06/11/2006. 5. Considerando que o ato de habilitação da impetrante à pensão militar deixada por seu avô-instituidor deu-se em 13/04/1999 - já com a Lei 9.784/99 vigente - e que todas as diligências e consultas internas, com vistas ao atendimento das recomendações constantes no Acórdão 1.282/2003 do TCU (itens 9.3 e 9.4), Processo TC 022.160/1991-4, se deram após o mês de junho de 2004, tem-se por ultrapassado o prazo decadencial previsto no art. 54 da mencionada lei. Ressalta-se, em arremate, que não se pode argüir a ocorrência de má-fe por parte da beneficiária, haja vista que o censurável ato de adoção foi perpetrado quando ela tinha pouco mais de dois anos de idade 6. Precedentes do STJ: Corte Especial - MS 9112 DF 2003/0100970-9 - Relatora: Ministra ELIANA CALMON - DJ: 14/11/2005; 6ª Turma - AGRESP 200601962070 - Relator: Ministro HAMILTON CARVALHIDO- DJ: 04/08/2008; 1ª Seção - MS 200201299300 - Relator:Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES - DJ: 07/12/2009; 5ª Turma - RESP 200703082539 - Relator: Ministro JORGE MUSSI - DJ: 03/08/2009; 5ª Turma - RESP 200700473022 - Relator: Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA - DJ: 03/11/2008. 7. Agravo retido não conhecido. Apelo e remessa necessária desprovidos. (TRF-2 - APELREEX: 200751010197842 RJ 2007.51.01.019784-2, Relator: Desembargador Federal JOSE ANTONIO LISBOA NEIVA, Data de Julgamento: 08/06/2011, SÉTIMA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: - Data::21/06/2011)

Há ainda a adoção por casal homoafetivo, que será aprofundado no próximo

Capítulo.

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4 ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS

Comum na natureza humana, a vontade de dar continuidade a sua família,

também se faz presente em homossexuais. Porém, para muitos, a única solução é

recorrer à adoção. Tanto para o casal que está adotando como para a criança que

está em uma instituição, esta é uma maneira muito bonita de se constituir uma

família de amor e afeto. Porém a sociedade e também a carga cultural proveniente

da educação religiosa das pessoas, coloca diversos obstáculos para a concretização

desta unidade familiar, de forma plena.

Segundo Guilherme Freire de Melo Barros:

Muito já discutiu sobre a possibilidade, ou não, da adoção de crianças e adolescentes por casais homoafetivos. Décadas atrás, por força de ideias preconceituosas e dogmas religiosos, ainda muito presente em nosso Estado (laico!), proibia-se a adoção nessa hipótese. Argumentava-se que o ambiente de uma família formada por um casal homossexual era inadequado para a criança ou adolescente. (BARROS, 2012, p.85)

Essa crítica em relação à capacidade de um casal homoafeto criar um

indivíduo ainda está presente. Na mente preconceituosa de muitos, coloca-se em

questão a forma de criação da criança, a possibilidade da mudança de sexualidade

desta, a vulgarização da relação do casal, os problemas que esta criança pode

enfrentar num futuro, além dos aspectos psicológicos que poderá ter por ter “dois

pais” ou “duas mães”.

A Desembargadora Maria Berenice Dias diz, acerca do tema:

Como as relações sociais são marcadas predominantemente pela heterossexualidade, é enorme a resistência face a crença de haver um dano potencial futuro por ausência de referências comportamentais e, por consequência, a possibilidade de ocorrerem sequelas de ordem psicológica. (2000, pg. 93)

E completa:

A grande dúvida sempre suscitada como fundamento para não se aceitar a adoção por um indivíduo ou por um par homossexual está centrada em preocupações quanto ao sadio desenvolvimento do adotado. Questiona-se a ausência de referenciais de uma dupla postura sexual poderia eventualmente tornar confusa a própria identidade de gênero, havendo o risco de o menor torna-se homossexual. Também causa apreensão a possibilidade de a criança ser alvo de repúdio no meio que frequenta ou

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vitima de escárnio por parte de colegas e vizinhos, o que, em tese, poderia acarretar-lhe perturbações de ordem psíquica. (DIAS, 2000, p. 98)

Quanto a falta que um dos sexos poderia fazer na criação do menor, um

estudo da Universidade de Bar-Ilan em Israel, analisou o cérebro de pais de primeira

viagem, tanto heteros como homossexuais através de ressonância magnética. O

que foi descoberto é que os casais homoafetos, desenvolveram atividades cerebrais

como as atividades de mães. Ou seja, o homossexual, ao exercer sua paternidade,

desenvolve os dois lados, não deixando em prejuízo os cuidados que deverá ter com

seu filho.7

Esta delicada situação deverá sempre levar em conta o melhor interesse da

criança e a idoneidade dos futuros pais, e jamais a orientação afeto-sexual destes.

4. 1 POSSIBILIDADE LEGAL E OS PRINCÍPIO NORTEADORES

Como foi visto anteriormente, não existe nenhum impedimento legal acerca

da adoção por casais homo afetivos. O maior impedimento, além do preconceito, é a

falta de legislação específica. Na falta desta, a Constituição Federal garante que

deva ser olhado os princípios norteadores das relações jurídicas do caso.

Maria Berenice Dias ensina:

É no direito das famílias onde mais se sente o reflexo dos princípios eleitos pela Constituição Federal, que consagrou como fundamentais valores sociais dominantes. Os princípios que regem o direito das famílias não podem distanciar-se da atual concepção da família, dentro de sua feição desdobrada em múltiplas facetas. A Constituição consagra alguns princípios, transformando-os em direito positivo, primeiro passo para a sua aplicação. (DIAS, 2010, p.61)

Em referência ao não impedimento de legislação específica, ensina a ilustre

desembargadora:

Na ausência de impedimento, deve prevalecer o princípio insculpido no art. 43 da lei menorista: “A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivo legítimo”. Diante de tal preocupação do legislador com o bem-estar do infante, atentando-se à nossa realidade social, com um enorme contingente de menores abandonados ou em situação irregular, nenhum motivo legítimo existe para deixar uma criança fora de um lar. Cumprindo os parceiros – ainda que do

7 Discponível em: <http://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Neurociencia/noticia/2014/05/cerebro-

masculino-muda-depois-da-paternidade.html>. Acesso em 08/06/2014

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mesmo sexo – os deveres da lealdade, fidelidade e assistência recíproca numa verdadeira comunhão de vida, legítimo o interesse na adoção, não se podendo deixar de ver reais vantagens ao menor. (DIAS, 2000, pg. 94)

Além disso, após 2012, se o casal homoafetivo demostrar união estável ou

casamento e for do melhor interesse do menor, deverá ser aplicada por analogia os

mesmos direitos de casais heteros, concedendo a adoção. Segue jurisprudência

acerca do tema:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. UNIÃO HOMOAFETIVA. PEDIDODE ADOÇÃO UNILATERAL. POSSIBILIDADE. ANÁLISE SOBRE A EXISTÊNCIA DE VANTAGENS PARA A ADOTANDA. I. Recurso especial calcado em pedido de adoção unilateral de menor, deduzido pela companheira da mãe biológica da adotanda, no qual se afirma que a criança é fruto de planejamento do casal, que já vivia em união estável, e acordaram na inseminação artificial heteróloga, por doador desconhecido, em C.C.V. II. Debate que tem raiz em pedido de adoção unilateral - que ocorre dentro de uma relação familiar qualquer, onde preexista um vínculo biológico, e o adotante queira se somar ao ascendente biológico nos cuidados com a criança -, mas que se aplica também à adoção conjunta- onde não existe nenhum vínculo biológico entre os adotantes e o adotado. III.A plena equiparação das uniões estáveis homoafetivas, às uniões estáveis heteroafetivas, afirmada pelo STF (ADI 4277/DF, Rel. Min.Ayres Britto), trouxe como corolário, a extensão automática àquelas, das prerrogativas já outorgadas aos companheiros dentro de uma união estável tradicional, o que torna o pedido de adoção por casal homoafetivo, legalmente viável. IV. Se determinada situação é possível ao extrato heterossexual da população brasileira, também o é à fração homossexual, assexual ou transexual, e todos os demais grupos representativos de minorias de qualquer natureza que são abraçados, em igualdade de condições, pelos mesmos direitos e se submetem, de igual forma, às restrições ou exigências da mesma lei, que deve, em homenagem ao princípio da igualdade, resguardar-se de quaisquer conteúdos discriminatórios. V. Apesar de evidente a possibilidade jurídica do pedido, o pedido de adoção ainda se submete à norma-princípio fixada no art. 43 do ECA, segundo a qual "a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando". VI. Estudos feitos no âmbito da Psicologia afirmam que pesquisas"(...) têm demonstrado que os filhos de pais ou mães homossexuais não apresentam comprometimento e problemas em seu desenvolvimento psicossocial quando comparados com filhos de pais e mães heterossexuais. O ambiente familiar sustentado pelas famílias homo e heterossexuais para o bom desenvolvimento psicossocial das crianças parece ser o mesmo". (FARIAS, Mariana de Oliveira e MAIA, Ana Cláudia Bortolozzi in: Adoção por homossexuais: a família homoparental sob o olhar da Psicologia jurídica. Curitiba: Juruá,2009, pp.75/76). VII. O avanço na percepção e alcance dos direitos da personalidade, em linha inclusiva, que equipara, em status jurídico, grupos minoritários como os de orientação homoafetiva - ou aqueles que têm disforia de gênero - aos heterossexuais, traz como corolário o necessário a adequação de todo o ordenamento infra constitucional para possibilitar, de um lado, o mais amplo sistema de proteção ao menor - aqui traduzido pela ampliação do leque de possibilidades à adoção - e, de outro, a extirpação dos últimos resquícios de preconceito jurídico - tirado da conclusão de que casais homoafetivos gozam dos mesmos direitos e deveres daqueles heteroafetivos. VII. A confluência de elementos tecnicos e fáticos, tirados da i)óbvia cidadania integral dos adotantes; ii) da ausência de prejuízo comprovado para os

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adotados e; iii) da evidente necessidade de se aumentar, e não restringir, a base daqueles que desejam adotar, em virtude da existência de milhares de crianças que longe de quererem discutir a orientação sexual de seus pais, anseiam apenas por um lar, reafirmam o posicionamento adotado pelo Tribunal de origem, quanto à possibilidade jurídica e conveniência do deferimento do pleito de adoção unilateral. Recurso especial NÃO PROVIDO. (STJ - REsp: 1281093 SP 2011/0201685-2, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 18/12/2012, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/02/2013)

Como complementa Guilherme Freire de Melo Barros:

Está é a forma de materializar o princípio da isonomia para o casal homossexual, que tem o direito de postular a adoção de uma criança, tal e qual um casal formado por um homem e uma mulher. Além Disso, o princípio da dignidade da pessoa humana se concretiza nessa hipótese, pois não se faz da orientação sexual um obstáculo à realização e à satisfação de outros direitos. (BARROS, 2012, p. 90, 91)

A Constituição Federal garante a todos os cidadãos, independente da

orientação sexual, seu direito de guarda, tutela, além de adoção. Ao proibir a um

homossexual de exercer qualquer um dos direitos acima, caracteriza-se como

infringido o princípio da dignidade humana, igualdade e a proibição de tratamento

discriminatório de qualquer natureza. Além de que nossa Carta Maior também visa

garantir a criança o mesmo direito a dignidade, o respeito, a liberdade, que serão

encontrada dentro de um lar de afeto, independente da orientação sexual dos pais.

(DIAS, 2000)

Visto isso, é perceptível que a estrela norteadora da adoção por par

homoafeto são os princípios aplicáveis ao caso, já que estamos carentes de uma

legislação específica.

O princípio da dignidade da pessoa humana é o principal principio da nossa

Constituição. Através deste princípio vemos que ao impedir um par homoafeto de

adotar se está infringindo sua dignidade ao falar que homossexuais não são

capazes de criar e educar uma criança. Cristiano Chaves de Farias apud Maria

Berenice Dias, ensina:

É o princípio maior, fundante do estado Democrático de Direito, sendo afirmado já no primeiro artigo da Constituição Federal. A preocupação com a promoção dos direitos humanos e da justiça social levou o constituinte a consagrar a dignidade da pessoa humana como valor nuclear da ordem constitucional. (FARIAS, Redesenhando os Contornos..., p. 115 apud DIAS, 2010, p. 62)

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Não é permitido tratar com desigualdade nenhum tipo de modalidade

familiar, todas são detentoras dos direitos e o Estado tem a obrigação de garantir

cada um deles. E a sexualidade é um elemento que integra a dignidade da pessoa.

Por isso, a liberdade sexual e a orientação de cada indivíduo, se não respeitada, vai

contra os princípios que as garante.

Explica a desembargadora Maria Berenice Dias apud idem:

A sexualidade integra a própria condição humana. É direito humano fundamental que acompanha a pessoa desde o seu nascimento, pois decorre de sua própria natureza. Como direito do indivíduo, é um direito natural, inalienável e imprescindível. Ninguém pode se realizar como ser humano se não tiver assegurado o respeito ao exercício da sexualidade, conceito que compreende tanto a liberdade sexual com o a liberdade à livre orientação sexual. O direito a tratamento igualitário independe da tendência afetiva. Todo ser humano tem o direito de exigir respeito ao livre exercício da sexualidade, pois é um elemento integrante da própria natureza humana e abrange sua dignidade. (DIAS, Família Homoafetiva, p. 174, apud DIAS, 2010, p. 194, 195)

Ligado com o princípio da dignidade da pessoa humana está o princípio da

liberdade e igualdade, onde todos tem plena liberdade para escolher com quem

deseja se relacionar se sofrer qualquer tipo de preconceito. Explica a autora:

A liberdade e a igualdade – correlacionadas entre sí – foram os primeiros princípios reconhecidos como direitos humanos fundamentais, integrando a primeira geração de direitos a garantir o respeito à dignidade da pessoa humana [...] Esses princípios, no âmbito familiar, são consagrados em sede constitucional. Todos têm a liberdade de escolher o seu par, seja do sexo que for, bem como o tipo de entidade que quiser para constituir sua família. [...] Em face do primado da liberdade, é assegurado o direito de constituir uma relação conjugal, uma união estável hetero ou homossexual. (DIAS, 2010, p. 64)

Sendo reconhecida que famílias não são apenas laços de sangue, o

princípio da afetividade deve ser levado em consideração para conceder a adoção

por casais homoafetos. Acerca de tema, ensina Silvana Maria Carbonera apud Dias:

Ao serem reconhecidas como entidade familiar merecedora da tutela jurídica as uniões estáveis, que se constituem sem o selo do casamento, tal significa que a afetividade, que une e enlaça duas pessoas, adquiriu reconhecimento e inserção no sistema jurídico. (CARBONERA, O papel jurídico do afeto, 508 apud DIAS, 2010, p. 70)

Paulo Lôbo apud Dias observa:

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[...] identifica na Constituição quatro fundamentos essenciais do princípio da afetividade: (a) a igualdade de todos os filhos independentemente da origem (CF 277 § 6.º); (b) a adoção, como escolha afetiva com igualdade de direitos (CF 277 §§ 5.º e 6.º); (c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo os adotivos, com a mesma dignidade da família (CF 226 § 4.º); e (d) o direito à convivência familiar como prioridade absoluta da criança, do adolescente e do jovem (CF 227). (LÔBO, Código Civil – famílias, p. 43, apud DIAS, 2010, p. 70)

Nesse sentido, passou-se a considerar também o princípio da afetividade.

Diz Dias:

Na esteira dessa evolução, o direito das famílias instalou uma nova ordem jurídica para a família, atribuindo valor jurídico ao afeto. [...] Talvez nada mais seja necessário dizer para evidenciar que o princípio norteador do direito das famílias é o princípio da afetividade. (DIAS, 2010, p. 71, 72)

Além destes, diversos outros princípios podem ser aplicados ao caso, como

o princípio da solidariedade, da não intervenção estatal, da paternidade, dentre

muito outros. Assim, fica claro que apesar da falta de legislação específica que

permita e regulamente a adoção por homoafetos, nosso ordenamento jurídico

encontra-se banhado de princípios que garantem ao menor fazer parte do seio

familiar, aos homossexuais o direito de reconhecerem sua união estável, da união

estável ser convertida em casamento, e por fim, desses casais homoafetos com

união estável reconhecida ou casados, de adotarem.

4.2 APÓS A ADOÇÃO

O procedimento de habilitação de adoção para os casais homoafetos é o

mesmo que para casais heteros e solteiros. Processo este explicado anteriormente.

Após o casal ser habilitado e enfim levar seu filho para casa, há ainda mais

uma luta a ser conquistada, pois discute-se o direito do casal à licença maternidade.

Há pouquíssimo tempo atrás, em outubro de 2013, a presidente Dilma

Rousseff sancionou uma lei que permite que o homem, quando adota, receba salário

maternidade por 120 dias. A Lei 12.873, de 24 de outubro de 2013, é válida tanto

para homens que adotem sozinhos (independente da orientação sexual) ou para um

dos companheiros no caso da adoção homoafetiva, mesmo que ambos contribuam

para o INSS.

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O beneficiado deverá manter-se afastado do emprego no período em que

receber o salário maternidade, que é pago diretamente pela Previdência. Caso o

beneficiário morra, deverá ser pago para seu companheiro ou companheira. (citação

indireta de site.8

Abaixo, jurisprudência do Tribunal Regional Federal que garantiu licença

remunerada de 120 dias após a adoção:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR. ADOÇÃO OU GUARDA DE CRIANÇA. LICENÇA REMUNERADA DE 120 DIAS. CONCESSÃO. DIREITO DO FILHO. CASAL HOMOAFETIVO. DISCRIMINAÇÃO. VEDAÇÃO. 1. A licença é direito também do filho, pois sua finalidade é "propiciar o sustento e o indispensável e insubstituível convívio, condição para o desenvolvimento saudável da criança" (TRF da 3ª Região, MS n. 2002.03.00.026327-3, Rel. Des. Fed. André Nabarrete, j. 24.11.05), razão pela qual a adotante faria jus ao prazo de 120 (cento e vinte dias) de licença remunerada. 2. Pelas mesmas razões, é razoável a alegação de que importaria em violação à garantia de tratamento isonômico impedir a criança do necessário convívio e cuidado nos primeiros meses de vida, sob o fundamento de falta de previsão constitucional ou legal para a concessão de licença de 120 (cento e vinte) dias, no caso de adoção ou de guarda concedidas a casal homoafetivo. De todo modo, após a ADI n. 132 não mais se concebe qualquer tipo de discriminação ou mesmo restrição legal em razão de orientação sexual. E, como consectário lógico, à família resultante de união homoafetiva devem ser assegurados os mesmos direitos à proteção, benefícios e obrigações que usufruem aquelas que têm origem em uniões heteroafetivas, em especial aos filhos havidos dessas uniões (STF, ADI n. 4277, Rel. Min. Ayres Britto, j. 05.05.11). 3. Assim, a licença remunerada de 120 (cento e vinte dias), com a prorrogação de 60 (sessenta) dias prevista no art. 2º, § 1º, do Decreto n. 6.690/08, deve ser estendida ao casal homoafetivo, independentemente do gênero, no caso de adoção ou guarda de criança de até 1 (um) ano de idade. 4. Agravo de instrumento provido, restando prejudicados o pedido de reconsideração e o agravo legal da União. (TRF-3 - AI: 32763 MS 0032763-15.2012.4.03.0000, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRÉ NEKATSCHALOW, Data de Julgamento: 10/06/2013, QUINTA TURMA)

Aqui, outro exemplo da conquista destes casais:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR. ADOÇÃO OU GUARDA DE CRIANÇA. LICENÇA REMUNERADA DE 120 DIAS. CONCESSÃO. DIREITO DO FILHO. CASAL HOMOAFETIVO. DISCRIMINAÇÃO. VEDAÇÃO. 1. A licença é direito também do filho, pois sua finalidade é "propiciar o sustento e o indispensável e insubstituível convívio, condição para o desenvolvimento saudável da criança" (TRF da 3ª Região, MS n. 2002.03.00.026327-3, Rel. Des. Fed. André Nabarrete, j. 24.11.05), razão pela qual a adotante faria jus ao prazo de 120 (cento e vinte dias) de licença

8 Disponível em: <http://www.fepesp.org.br/geral/noticias/homem-passa-a-ter-direito-a-licenca-de-120-

dias-na-adocao>. Acesso em 08/06/2014

51

remunerada. 2. Pelas mesmas razões, é razoável a alegação de que importaria em violação à garantia de tratamento isonômico impedir a criança do necessário convívio e cuidado nos primeiros meses de vida, sob o fundamento de falta de previsão constitucional ou legal para a concessão de licença de 120 (cento e vinte) dias, no caso de adoção ou de guarda concedidas a casal homoafetivo. De todo modo, após a ADI n. 132 não mais se concebe qualquer tipo de discriminação ou mesmo restrição legal em razão de orientação sexual. E, como consectário lógico, à família resultante de união homoafetiva devem ser assegurados os mesmos direitos à proteção, benefícios e obrigações que usufruem aquelas que têm origem em uniões heteroafetivas, em especial aos filhos havidos dessas uniões (STF, ADI n. 4277, Rel. Min. Ayres Britto, j. 05.05.11). 3. Assim, a licença remunerada de 120 (cento e vinte dias), com a prorrogação de 60 (sessenta) dias prevista no art. 2º, § 1º, do Decreto n. 6.690/08, deve ser estendida ao casal homoaefetivo, independentemente do gênero, no caso de adoção ou guarda de criança de até 1 (um) ano de idade. 4. Agravo de instrumento provido, restando prejudicados o pedido de reconsideração e o agravo legal da União. (TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, AI 0032763-15.2012.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRÉ NEKATSCHALOW, julgado em 10/06/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/06/2013)

Outro ponto importante é referente ao que consta nos documentos do

adotando com pais homoafetivos. Com o advento do Decreto nº 6.828, de 27 de abril

de 2009, foi padronizado um modelo de certidão de nascimento em que consta

apenas o campo “filiação”, não sendo mais necessário preencher o nome de um dos

pais no “campo pai” e outro no “campo mãe”. Este modelo é ótimo, pois serve para

tanto filiação hetero, como para filiação homossexual.9

Apesar de constar o nome de ambos os pais adotivos no campo “filiação” da

certidão de nascimento, outros documentos do menor ainda não tem essa mesma

previsão. Ao fazer o RG da criança, um dos pais (no caso de homens), fica com o

nome indicado no campo “mãe”, ou umas das mães (no caso de mulheres) fica no

campo “pai”, puramente por conta do sistema fixo que não comporta nomes de dois

pais ou duas mães. O que poderá trazer situações embaraçosas no decorrer da vida

do adotando, já que numa situação poderá ser arguido porque o nome da mãe dela

é “Cristiano”, por exemplo.

É apenas sistema que deveria ser alterado em nome do bem dos menores e

de seus pais, que merecem ser reconhecidos pelo que são, ou pais, ou mães.

9 Disponível em: <http://www.recivil.com.br/preciviladm/modulos/artigos/documentos/Artigo%20-

%20A%20certid%C3%A3o%20de%20nascimento%20na%20ado%C3%A7%C3%A3o%20por%20casal%20homossexual%20-%20Por%20En%C3%A9zio%20de%20Deus.pdf>. Acesso em 09/06/2014

52

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo teve por objetivo demonstrar a inclusão das novas famílias na

nossa sociedade que ainda tem muitos traços preconceituosos herdados da cultura

passada. Dentro dessas famílias estão as famílias homoafetivas e seus filhos de

coração que são totais merecedores dos direitos que a Constituição garante a todos.

Acredito que o objetivo do trabalho em demonstrar que essas famílias

existem e necessitam serem vistas por todos e pelo Estado e que são famílias como

todas as outras, foram alcançadas.

Pares homoafetivos tem completa capacidade de oferecerem amor, carinho,

educação e orientação suficiente para que esses menores cresçam em um ambiente

saudável, um ambiente familiar amoroso e equilibrado. Não existe motivo para

deixar essas crianças e adolescentes passando a vida em uma instituição, onde 1

ano pode fazer toda a diferença quando temos a opção de permiti-los crescer em um

lar.

A luta para alcançar todos os direitos, apesar de longa, já se mostra

possível. Alguns direitos muito importantes já foram conquistados e aos poucos

deverá se tornar cada vez mais natural para os juízes habilitarem casais homoafetos

à adoção. Além de se tornar mais comum na sociedade vermos esses pares com

seus filhos, diminuindo o preconceito que a própria sociedade alimenta por pura

ignorância.

O que importa é que exista um núcleo familiar onde os pais amam, protegem

e cuidam do desenvolvimento dos seus filhos, independente de orientação afeto-

sexual. No momento que este fato ocorrer, diversas crianças condenadas a viver no

berço de lares sociais até completarem seus 18 anos e encararem uma vida solitária

sem conceitos familiares, terão o direito de vivenciar o seio familiar, terão o direito de

desenvolverem suas habilidades sociais familiares e poderão enfim serem amadas

por seus pais, direitos esses que já lhe são devidos desde o nascimento e que cabe

ao Estado garantir e a sociedade compreender e apoiar.

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REFERÊNCIAS ALBERGARIA, Jason. Adoção plena. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. ALMEIDA, Patricia Silva de. As relações homoafetivas e a possibilidade jurídica da adoção no Direito brasileiro. Porto Alegre: EDIPUCPR, 2011. BARROS, Guilherme Freire de Melo. Direito da criança e do adolescente. Salvador: Jus Podium, 2012.

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RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de Família. Vol. 6. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família: Lei nº 10406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2006. SILVA JUNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2008. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/portal/>. Acesso em 08 jun. 2014. Tribunal de Justiça de Pernambuco. Disponível em: <http://www.tjpe.jus.br/inicio>. Acesso em 08 jun. 2014. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Disponível em: <http://www.tjsc.jus.br/>. Acesso em 08 jun. 2014. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Disponível em: <http://www.tjpr.jus.br/>. Acesso em 08 jun. 2014. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/site/>. Acesso em 08 jun. 2014. Último Segundo. Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/veja+os+direitos+que+os+homossexuais+ganham+com+a+decisao+do+stf/n1300153607263.html>. Acesso em 20 mai. 2014. União Homoafetiva. Disponível em: <http://www.uniaohomoafetiva.com.br/home.html>. Acesso em 20 mai. 2014. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de família. 6. ed. 2. reimp. São Paulo: Atlas, 2006.

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ANEXO

Depoimento do Par Homoafetivo Luiz Maganhoto e Daniel Casagrande:

Iniciei minhas perguntas questionando quando que se iniciou o desejo da adoção. Luiz me respondeu que passaram 4 anos discutindo entre eles se queriam adotar. Primeiro um queria muito e o outro estava indeciso, depois quando o outro queria muito um ficou indeciso. Até que chegou o momento em que os dois queriam e decidiram que era a hora.

Questionei quanto tempo ficaram na fila de espera. Luiz conta que estava na fila a certo tempo e a ansiedade era muito grande, estava habilitado e não via a hora da criança chegar. Perto do Natal de 2013, teve uma ideia, mandar um e-mail para cada juiz das cidades do Estado do Paraná. Primeiro ficou ansioso, pois não tinha certeza se era uma boa ideia, já que existe aquela imagem que o juiz é inacessível. Porém, considerou que estava habilitado, que tinha todas as ferramentas legais que o amparava naquela situação e decidiu enviar esta carta. Na carta ele contou que eram um casal homoafetivo, passou o número do processo e da habilitação, contou que sabia que existiam situações especiais em que a criança não pode ficar na cidade, e solicitou que se houvesse alguma criança que se encaixasse nessa situação, que analisasse o caso deles. Finalizou esta carta com uma linda e emocionante frase: “Assim como as crianças escrevem uma carta para o Papai Noel pedindo um presente de Natal, por que não, nós adultos, não podemos mandar um e-mail pedindo uma criança, que é um presente de Deus.”

Contou que quase todos os juízes responderam o e-mail, e de forma muito positiva, mas um juiz em especial, Dr Sérgio, de Cascavel respondeu contando que ficou muito sensibilizado com o e-mail recebido e que esperava em breve ter novidades. No início de fevereiro, a vida deles mudou. Receberam uma ligação da Psicóloga da Vara da Infância de Cascavel falando que o Juiz queria conhecer eles. Pegaram o voo e foram direto para Cascavel, conversaram com as psicólogas, que perguntaram muitas coisas, como por exemplo, como pretendiam educar a criança, que religião eles eram, com quais princípios religiosos iriam criar a criança, como pretendiam cuidar dessa criança, entre várias outras. No final da conversa, contaram que existia uma menina, de 1 ano e 4 meses, ela estava habilitada para a adoção mas que não poderia ficar na cidade. Naquele momento, muito emocionante, eles se olharam e sabiam que aquela era a filha deles. Mostraram todo o processo da garotinha, deram para que eles lessem inteiro, onde contava toda a vida dela e como ela havia parado para adoção. Mostraram uma foto da garotinha. Foi informado para eles, que ela não poderia ficar em Cascavel por que ela tinha “cranioestenose”, que é um fechamento prévio da moleirinha e pode comprimir o cérebro. Por conta desse problema, nenhum casal da cidade quis ficar com a menina, pois a cirurgia de correção só poderia ser feita em São Paulo ou em Curitiba. Deram a eles todos os exames possíveis da menina e falaram para eles voltarem para casa e pensarem se iriam ficar ou não com ela e responderem em 1 semana se iriam ficar com ela ou não. Foram em uma neuropediatra que avaliou todo o histórico médico da garotinha e contou que o problema dela era apenas ósseo e ela estavam em perfeita condição de saúde. Só era necessário fazer uma cirurgia para abrir algumas fendas e o crescimento voltava ao normal.

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No dia seguinte voltaram a Cascavel decididos a buscar sua filha, correram comprar as roupinhas que levariam para ela, já que do abrigo só pode sair com a fralda do corpo, pois a história dela selou na hora da saída. Entregaram as roupinhas, todas as documentações e foram de volta ao Hotel esperar sair a adoção de fato, que só sairia no dia seguinte. Aquela noite nem dormiram de tanta ansiedade. Fizeram o check-out no hotel meio dia e ficaram andando pela cidade para dar o horário de ir buscar sua filha, que estava marcado para as 4 da tarde. Disse que foram horas de puro nervosismo e que o tempo teimava em não passar. Foram para o abrigo às 3 horas da tarde, aguardaram até as 4 em uma sala de reunião, quando bateram na porta e anunciaram o momento mais esperado por eles: “aqui está sua filha”. Ficaram um tempo interagindo com a menina ali na sala para fazer a ambientação, falaram com o juiz, que determinou a guarda provisória por 30 dias e voltaram para casa, já com sua filhinha nos braços. Contou que chegaram em casa já noite, deram o primeiro banho, o jantar (como o Luiz carinhosamente chamou de “papá”), foram dormir e na manhã seguinte iniciou a rotina de vida deles como pais. Durante os 30 dias seguintes visitaram 2 neuropediatras e 2 neurocirurgiões para verificar a situação da moleirinha. Voltaram lá depois dos 30 dias e confirmaram a adoção. A psicóloga e a assistente social fazem uma análise da criança, para ver se ela está bem, se criou vínculo com os pais. Se tudo ok, o juiz expede o certificado, que vai para o cartório, e em seguida, o cartório entrega a certidão confirmando definitivamente a adoção. Fizeram a cirurgia e contou que foi tudo ótimo, Que a garotinha está super bem, muito bem ambientada, já demonstra ser uma criança muito carinhosa e já aprendeu a beijar, abraçar, receber e demonstrar afeto. Questionei o motivo de optarem pela adoção de uma menina e me respondeu que na época optou pela adoção de uma menina porque acreditava que a adoção de um menino poderia trazer alguma consequência de bullying sofrido pelos amiguinhos na escola, e que uma menina é mais sensível, não se importa com essas coisas. Porém acrescenta que já houve um amadurecimento interno que já não considera mais isso, acredita não ter nada a ver. Acredita ainda que um pouco mais no futuro, daqui cerca de 10 anos ou até menos, não seja mais novidade ter dois pais ou duas mães. Que seja algo muito mais corriqueiro. Perguntei sobre a documentação, ele contou que na certidão de nascimento já sai como “filiação” o nome dos dois pais. Mas que para RG e CPF ainda não existe uma regulamentação específica de filiação homoafetiva que permita colocar os dois pais em um dos campos só. Um tem que sair como pai e outro como mãe. O que não é legal e pode trazer situações constrangedoras para a criança no futuro. Contou também que eles continuam na fila e estão aguardando ainda um menino ou irmãos. A família ainda está para crescer.

Para finalizar contou que ficaram muito contentes com a postura e sensibilidade do juiz de Cascavel, pois ele conseguiu enxergar uma situação em que uma criança precisava de pais e a situação deles querendo uma criança.

Também me mostrou um álbum lindo com toda a vida da menina, seu álbum da sua história, onde haviam todos os documentos desde o dia que decidiram adotar até o dia em a garotinha Antonela virou a filha de Luiz Maganhoto e Daniel Casagrande.

No final da conversa, tive o prazer de conhecer esta linda menina, carinhosa e que demonstra um grande carinho pelos seus “papais”. Vendo os 3 juntos, tive toda a certeza que aquela era uma família perfeita e que serão muito felizes juntos.

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BREVE QUESTIONÁRIO FEITO COM HOMOSSEXUAIS A RESPEITO DA ADOÇÃO:

Entrevista feita com Philipe Roberto de Oliveira:

1- Você se encontra em um relacionamento no momento? R: Sim. Há um ano e seis meses.

2- Você tem interesse em ter filhos? Se sim, optaria pela adoção?

R: Nunca pensei muito bem sobre o assunto. Quando eu era mais novo sempre tive essa ideia fixa na cabeça, mas agora não tanto. Mas caso esse interesse vire realidade com certeza optarei pela adoção.

3- Sua família apoiaria esta decisão?

R: Acredito que sim. Pelo fato deles sempre me apoiarem em todas as minhas decisões referente à minha orientação sexual, acredito que me dariam uma força também no caso da adoção.

4- Caso opte pela adoção, tem preferência quanto a sexo da criança, idade ou

cor? Por quê? R: Quanto ao sexo não teria preferência. Mesmo ouvindo falar que casais homoafetivos do sexo masculino só pudessem adotar meninas, acredito que o relacionamento não afetaria o crescimento da criança caso fosse menino. Enquanto à idade acredito que daria preferência aos mais novos, pois acredito que parte do caráter de uma pessoa vem também da criação, sendo assim não seria do meu agrado uma criança já “formada”. Quanto à cor não existe preferência.

5- Acredita que filhos de pais homoafetos podem sofrer algum tipo de preconceito? R: Acredito que a criança está sujeita sim à este tipo de recriminação. Mas se isso vai afetar ou não depende muito da defesa que os próprios pais podem passar para o filho, esclarecendo as dúvidas e munindo a criança de argumentos que o fará ter certeza que não é diferente dos outros.

6- Acredita que a falta de uma das figuras (materna, paterna) pode fazer alguma

falta para a criança? R: Acredito que não. Hoje em dia muitos casais separados conseguem educar a criança sem a presença da mãe ou do pai. Acho que a questão de novo é sempre manter o filho ciente da situação em que se encontra.

7- Você acredita que falta uma legislação específica para a adoção por pares

homoafetos? R: Não tenho muito conhecimento referente às leis para a adoção.

8- Como acha que a sociedade vê esta modalidade de adoção? Acredita que a

visão das pessoas evoluiu com o tempo? R: Acredito que melhorou bastante sim, apesar de ainda ter alguns opositores. Hoje em dia a população está mais voltada para o comportamento das pessoas do que pelo sexo delas.

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Entrevista feita com Lucas Marques:

1- Você se encontra em um relacionamento no momento? R: Sim.

2- Você tem interesse em ter filhos? Se sim, optaria pela adoção?

R: Sim, no meu caso como sou homossexual optaria por adoção.

3- Sua família apoiaria esta decisão? R: Acredito que sim.

4- Caso opte pela adoção, tem preferência quanto a sexo da criança, idade ou

cor? Por quê? R: Não teria preferências.

5- Acredita que filhos de pais homoafetos podem sofrer algum tipo de preconceito? R: Podem sim, ainda mais na escola.

6- Acredita que a falta de uma das figuras (materna, paterna) pode fazer alguma

falta para a criança? R: Não.

7- Você acredita que falta uma legislação específica para a adoção por pares homoafetos? R: Falta e muito.

8- Como acha que a sociedade vê esta modalidade de adoção? Acredita que a

visão das pessoas evoluiu com o tempo? R: A sociedade já mudou bastante, pois hoje podemos ver com mais frequência sobre o assunto em meios de comunicação e assim podem observar que pessoas homoafetivas podem sim dar uma qualidade de vida a qualquer pessoa, pois a criação que faz a mente e o futuro de qualquer ser humano.