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1 CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DE DEFESA DA SAÚDE - CESAU NOTA TÉCNICA Nº 003/2019 HISTÓRICO Em 22 e 23 de maio últimos, o Supremo Tribunal Federal julgou os Recursos Extraordinários nº 657.718/MG e nº 855.178/SE, ambos abordando aspectos assistenciais relativos ao Sistema Único de Saúde, fixando as seguintes teses de repercussão geral, que serão analisadas na presente Nota Técnica: Tema 500 (medicamentos sem registro na ANVISA): "1. O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais. 2. A ausência de registro na ANVISA impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial. 3. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei nº 13.411/2016), quando preenchidos v. 1.0

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CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DE DEFESA DA SAÚDE - CESAU

NOTA TÉCNICA Nº 003/2019

HISTÓRICO

Em 22 e 23 de maio últimos, o Supremo Tribunal Federal julgou os Recursos Extraordinários nº 657.718/MG e nº 855.178/SE, ambos abordando aspectos assistenciais relativos ao Sistema Único de Saúde, fixando as seguintes teses de repercussão geral, que serão analisadas na presente Nota Técnica:

Tema 500 (medicamentos sem registro na ANVISA):

"1. O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais. 2. A ausência de registro na ANVISA impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial. 3. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei nº 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras);(ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e (iii) a inexistência

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de substituto terapêutico com registro no Brasil. 4. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União” (RE 657.718/MG, julg. 22.05.2019).

Tema 793 (solidariedade entre os entes):

“Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro” (RE 855.178/SE, julg. 23.05.2019).

Impende salientar que o Recurso Extraordinário nº 566.471/RN, que cuida da obrigatoriedade de fornecimento de medicamentos não incorporados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), teve o seu julgamento adiado para o dia 23 de outubro de 2019. Ademais, o Superior Tribunal de Justiça, também analisando a obrigatoriedade de fornecimento de medicamentos não padronizados, em 25 de abril de 2018, nos autos do Recurso Especial nº 1.657.156, sob a relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, fixou os requisitos para que o Poder Judiciário determine o fornecimento de remédios fora das listas oficiais, firmando a seguinte tese para fins do art. 1036 e seguintes do CPC/2015 (recurso repetitivo):

A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige presença cumulativa dos seguintes requisitos:

1 - Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da

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imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;

2 - Incapacidade financeira do paciente de arcar com o custo do medicamento prescrito; e

3 - Existência de registro do medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Posteriormente, em 12 de setembro de 2018, o colegiado acolheu os embargos de declaração interpostos pelo Estado do Rio de Janeiro e modificou um trecho do acórdão que fixou a tese, substituindo a expressão “existência de registro na Anvisa” para “existência de registro do medicamento na Anvisa, observados os usos autorizados pela agência”, excluindo, portanto, a possibilidade de se pleitear judicialmente os medicamentos para uso off-label. Na oportunidade, o STF também retificou a data da modulação dos efeitos da sua decisão para as ações distribuídas a partir da publicação do acórdão, ou seja, 4 de maio de 2018. Ao final, a tese foi firmada nos seguintes termos:

A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige presença cumulativa dos seguintes requisitos:

1 - Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;

2 - Incapacidade financeira do paciente de arcar com o custo do medicamento prescrito; e

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3 - Existência de registro do medicamento na Anvisa, observados os usos autorizados pela agência.

(Destaques de nossa autoria.)

Em termos simplificados, considera-se off-label o uso de medicamento devidamente registrado na ANVISA porém a sua prescrição se dá para outra patologia que não a que consta do registro respectivo. Podemos citar como exemplo o medicamento Avastin® (Bevacizumabe), que se encontra registrado na Anvisa para o tratamento de câncer de mama, ovário, colo de útero, renal, pulmonar e colorretal, entretanto há anos vem sendo utilizado com sucesso em terapia antiangiogênica, inclusive pelo NHS1 (National Health Service, do Reino Unido), para o tratamento de Degeneração Macular Relacionada à Idade (DMRI), embora a companhia farmacêutica Roche nunca tenha requerido a inclusão dessa indicação no registro do fármaco perante a agência reguladora. O tratamento da DMRI com o Bevacizumabe é a única hipótese de uso off-label formalmente admitida no Sistema Único de Saúde, até a data da edição desta nota técnica.

Com efeito, embora o Supremo Tribunal Federal tenha excluído da competência estadual a apreciação das demandas onde se busca o fornecimento de medicamento sem registro na ANVISA, ao determinar que “as ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União” (Tema 500, tese fixada no RE nº 657.718/MG, julg. 22.05.2019), por outro lado impôs aos operadores do Direito - especialmente, aos magistrados - o dever de conhecer a distribuição de competência entre os entes federativos no Sistema Único de Saúde, quando estabeleceu que ”compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e

1 Os laboratórios farmacêuticos ainda tentaram judicialmente reverter a decisão administrativa que optou pelo uso off-label do Avastin® (Bevacizumabe), no sistema de saúde do Reino Unido, mas os tribunais britânicos deram ganho de causa ao NHS. Ver em NHS wins legal fight against pharma firms over sight-loss drug, disponível em <https://www.theguardian.com/society/2018/sep/21/nhs-beats-drug-companies-in-100m-avastin-battle-wet-macular-degeneration>. Acesso em 28-JUN-2019.

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determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro” (STF, Tema 793, RE 855.178/SE, julg. 23.05.2019).

Passa a ser, destarte, imprescindível que também os membros do Ministério Público dominem as diretrizes sobre a tripartição de competência na assistência farmacêutica do Sistema Único de Saúde, ao menos para que seja possível direcionar as causas em que a União deva figurar no polo passivo da relação processual para a Justiça Federal, a fim de efetivamente propiciar à “autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro” (STF, Tema 793, RE 855.178/SE, julg. 23.05.2019).

Para este desiderato, edita-se a presente Nota Técnica.

DA ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA NO SUS

A atual organização da Assistência Farmacêutica foi concebida a partir dos antigos blocos de financiamento do Sistema Único de Saúde, sendo o Bloco da Assistência Farmacêutica dividido em três componentes, nos termos do art. 24 da Portaria GM/MS nº 204, de 29 de janeiro de 2007. Verbis:

Art. 24. O bloco de financiamento para a Assistência Farmacêutica será constituído por três componentes:

I - Componente Básico da Assistência Farmacêutica;

II - Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica; e

III - Componente de Medicamentos de Dispensação Excepcional (Obs.: Redação Original, já revogada. Destaques nossos).

A fim de dirimir dúvidas acerca da nomenclatura do último componente, por vezes tratado como “Programa de Medicamentos de Dispensação Excepcional“ ou “Programa de Medicamentos de Alto Custo”, ou simplesmente

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de “Componente Especializado da Assistência Farmacêutica”, faz-se necessário algum esclarecimento sobre o assunto.

A excepcionalidade na aquisição de medicamentos pelos serviços de saúde pública foi introduzida no início da década de 1980, pela Portaria Interministerial nº 3 MPAS/MS/MEC, de 15 de dezembro de 1982, como uma forma de se permitir a aquisição de fármacos não integrantes da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME, então bastante incipiente e, portanto, carente de complementação através de deferimentos excepcionais de medicamentos não incorporados. Assim, em caráter excepcional, os serviços prestadores de assistência médica e farmacêutica podiam adquirir e utilizar medicamentos não constantes da RENAME, quando a natureza ou a gravidade da doença e as condições peculiares do paciente o exigissem, e desde que não houvesse medicamento substitutivo incorporado para o caso concreto.

Contudo, contrariando o conceito original, posteriormente foram criados elencos próprios desses medicamentos e, mesmo assim, continuaram sendo denominados de “excepcionais”2.

A partir da edição da Portaria GM/MS nº 2.981/2009, a denominação foi alterada para Componente Especializado da Assistência Farmacêutica, definindo-o como “uma estratégia de acesso a medicamentos no âmbito do SUS, caracterizado pela busca da garantia da integralidade do tratamento medicamentoso, em nível ambulatorial, cujas linhas de cuidado estão definidas em Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas publicados pelo Ministério da Saúde” (art. 2º).3

2 Em Componente Especializado da Assistência Farmacêutica: inovação para a garantia do acesso a medicamentos no SUS, Ministério da Saúde, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos. – Brasília: Ministério da Saúde, 2014. P. 26.3 Mais informações sobre o Componente Especializado da Assistência Farmacêutica podem ser buscadas na página dedicada ao componente, no sítio eletrônico do próprio Ministério da Saúde, em http://portalsaude.saude.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=11635&Itemid=702

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Em sua publicação intitulada Componente Especializado da Assistência Farmacêutica: inovação para a garantia do acesso a medicamentos no SUS, o próprio Ministério da Saúde esclarece a necessidade da mudança:

Anteriormente, usavam-se os termos “medicamentos excepcionais” ou de “alto custo”, cujo elenco não estava presente na RENAME4, pois não eram considerados essenciais pelo SUS. Portanto, não havia a clara definição conceitual, gerando dificuldades de atualização e financiamento desses medicamentos. Da mesma forma, o conceito de alto custo é muito relativo, visto que um medicamento pode ser de alto custo para um usuário ou ente federado e não ser para outro. Nesse aspecto, a estratégia inovadora adotada pelo Ministério da Saúde foi justamente abandonar os termos “medicamentos excepcionais” ou de “alto custo”, porque se entendia que o SUS não estava ofertando medicamentos de forma excepcional aos usuários, mas sim por meio de política pública adequadamente estruturada.

Assim, para resolver esse problema conceitual e que gerava problemas de gestão, foi utilizada a estratégia de resgate do princípio da integralidade do SUS. A partir da Portaria GMS/MS n. 2.981, de 26 de novembro de 2009, o CEAF passou a ser uma estratégia voltada para buscar a garantia da integralidade do tratamento medicamento [sic], na forma de linha de cuidado, para as doenças inseridas neste Componente.5

4 Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME, prevista no art. 25 do Decreto n. 7508, de 28 de junho de 2011. Todas as versões da RENAME estão disponíveis no endereço eletrônico http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/leia-mais-o-ministerio/471-sctie-raiz/daf-raiz/daf/l3-daf/18892-teste-versoes-rename5 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos. Componente Especializado da Assistência Farmacêutica: inovação para a garantia do acesso a medicamentos no SUS / Ministério da Saúde, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos. – Brasília: Ministério da Saúde, 2014. P. 26-27.

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Com o advento da Portaria GM/MS 3.992, de 28 de dezembro de 2017, os recursos federais passaram a ser transferidos a estados e municípios em apenas dois blocos de financiamento (custeio e capital), abandonando-se, ao menos formalmente, a noção de bloco de financiamento da assistência farmacêutica, preservando, porém, a organização da RENAME em Anexos de I a V, elencados no art. 3º, do ANEXO XXVII, da Portaria de Consolidação nº 2/GM/MS, de 28 de setembro de 2017:

Art. 3º Fica estabelecido o elenco de medicamentos e insumos da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), conforme a seguinte estrutura: (Origem: PRT MS/GM 533/2012, Art. 1º)

I - Relação Nacional de Medicamentos do Componente Básico da Assistência Farmacêutica;

II - Relação Nacional de Medicamentos do Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica;

III - Relação Nacional de Medicamentos do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica;

IV - Relação Nacional de Insumos; e

V - Relação Nacional de Medicamentos de Uso Hospitalar.

(Negritos de nossa autoria.)

Para fins de análise do fenômeno da judicialização e dos julgados do STF e do STJ, concentraremos a abordagem da Assistência Farmacêutica do Sistema Único de Saúde com foco nos seguintes componentes:

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Fonte: Centro Colaborador do SUS para Avaliação de Tecnologias e Excelência em Saúde (CCATES)6

Componente Básico da Assistência Farmacêutica (CBAF)

O Componente Básico da Assistência Farmacêutica (CBAF) destina-se à aquisição de medicamentos e insumos no âmbito da Atenção Básica à Saúde, incluindo-se aqueles relacionados a agravos e programas de saúde específicos, nos termos do art. 34 e seguintes, do ANEXO XXVIII, da Portaria de Consolidação nº 2/GM/MS, de 28 de setembro de 2017.

Estados, Distrito Federal e Municípios são responsáveis pela seleção, programação, aquisição, armazenamento, controle de estoque e prazos de validade, distribuição e dispensação dos medicamentos e insumos constantes dos Anexos I e IV da RENAME vigente, conforme pactuação nas respectivas Comissões Intergestores Bipartite (CIB). Com efeito, estado e municípios pactuam sobre um rol de medicamentos mais utilizados na atenção primária à saúde e definem quais fármacos serão adquiridos de forma centralizada pela secretaria estadual de saúde e quais serão adquiridos pelos 6 Em O QUE É ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA? - Centro Colaborador do SUS para Avaliação de Tecnologias e Excelência em Saúde (CCATES), Disponível em http://www.ccates.org.br/content/cont.php?id=21, Acesso em 19-MAI-2017.

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municípios, otimizando a logística e propiciando o ganho de escala nas compras para as secretarias de saúde com menor capacidade financeira, liberalidade prevista no art. 41 do ANEXO XXVIII, da Portaria de Consolidação nº 2/GM/MS, de 28 de setembro de 2017.

No caso do Estado da Bahia, esta pactuação interfederativa está concretizada na Resolução CIB nº 49/2015 (anexa à presente Nota Técnica), que elenca os fármacos e os insumos sob responsabilidade dos municípios e da Secretaria Estadual da Saúde (SESAB).

Neste elenco encontram-se, por exemplo, os medicamentos anti-hipertensivos (Enalapril, Losartana Potássica, Hidroclorotiazida, etc.); insulinas NPH e Regular, antidiabéticos orais (Metformina, Glibenclamida) e insumos para o controle do Diabetes Mellitus (lancetas, tiras reagentes e seringas); corticóides (Hidrocortisona, Betametasona, Prednisolona); antimicrobianos (Amoxicilina, Azitromicina, Claritromicina, Neomicina, Eritromicina, Penicilina G Benzatina); anti-inflamatórios não hormonais (AAS, Diclofenaco, Ibuprofeno); Antiparasitários (Albendazol, Tiabendazol, Ivermectina); Antifúngicos (Fluconazol, Cetoconazol); Anti-histamínicos (Loratadina, Dexclorfeniramina); e todos os demais medicamentos e insumos necessários ao desenvolvimento do cuidado de saúde primário.

O CBAF é financiado por repasses per capta/ano dos três entes federados, cabendo à União o aporte de R$ 5,58 (cinco reais e cinquenta e oito centavos) per capta/ano e, aos estados e municípios, o valor de R$ 2,36 (dois reais e trinta e seis centavos) per capta/ano, como veremos abaixo.

No que atine ao Componente Básico, além do cofinanciamento, o Ministério da Saúde é responsável pela aquisição e distribuição da insulina humana NPH, da insulina humana regular e dos medicamentos que compõem o Programa Saúde da Mulher: contraceptivos e injetáveis, dispositivo intrauterino (DIU) e diafragma, consoante disposto expressamente nos arts. 35 e 36 do ANEXO XXVIII, da Portaria de Consolidação nº 2/GM/MS, de 28 de setembro de 2017, e no Anexo I da RENAME vigente, aprovada pela Portaria GM/MS nº 3.733,

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de 22 de novembro de 2018, portanto também revestido de força normativa. Vejamos:

“O Componente Básico da Assistência Farmacêutica (CBAF) é constituído por uma relação de medicamentos (Anexo I) e uma de insumos farmacêuticos (Anexo IV) voltados aos principais agravos e programas de saúde da Atenção Básica.

O financiamento desse componente é responsabilidade dos três entes federados, sendo o repasse financeiro regulamentado pelo Artigo nº 537 da Portaria de Consolidação GM/MS nº 6, de 28 de setembro de 2017. De acordo com tal normativa, o governo federal deve repassar, no mínimo, R$ 5,58/habitante/ano, e as contrapartidas estadual e municipal devem ser de, no mínimo, R$ 2,36/habitante/ano cada. Esse recurso pode ser utilizado somente para aquisição de itens desse componente.

A responsabilidade pela aquisição e pelo fornecimento dos itens à população fica a cargo do ente municipal, ressalvadas as variações de organização pactuadas por estados e regiões de saúde. O Ministério da Saúde é responsável pela aquisição e distribuição dos medicamentos insulina humana NPH, insulina humana regular e daqueles que compõem o Programa Saúde da Mulher: contraceptivos orais e injetáveis, dispositivo intrauterino (DIU) e diafragma”. (Negritos nossos.)

A regra para o Componente Básico, portanto, é a da responsabilidade do ente MUNICIPAL, ressalvada a hipótese de descumprimento, pelo Estado, do quanto pactuado na Comissão Intergestores, ou seja, daquilo consignado na CIB 49/2015, no caso do Estado da Bahia.

O CESAU tem observado a recorrência de demandas por medicamentos que integram o elenco do Componente Básico da Assistência Farmacêutica (ANEXOS I e IV da RENAME), porém os municípios têm se recusado a fornecê-los sob a alegação de que estariam obrigados apenas a dispensar a relação constante da Resolução CIB nº 49/2015, o que não procede. A seleção dos

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medicamentos pactuada na Comissão Intergestores Bipartite objetiva otimizar a utilização do recurso público, evitando o desperdício de verbas com a aquisição de produtos que, segundo critérios epidemiológicos, não possuam aplicação em determinada região do País. Porém, havendo necessidade, seja por características epidemiológicas próprias de uma determinada localidade, seja pela necessidade de um único usuário, estando o fármaco devidamente incorporado na RENAME, deverá ser deflagrado o processo especial para a aquisição do medicamento. As relações estaduais e municipais possuem caráter suplementar, por disposição expressa do art. 19-P da Lei nº 8.080/90 (Lei Orgânica da Saúde), e não substituem a RENAME:

Art. 19-P. Na falta de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, a dispensação será realizada: (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

I - com base nas relações de medicamentos instituídas pelo gestor federal do SUS, observadas as competências estabelecidas nesta Lei, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada na Comissão Intergestores Tripartite; (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

II - no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, de forma suplementar, com base nas relações de medicamentos instituídas pelos gestores estaduais do SUS, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada na Comissão Intergestores Bipartite; (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

III - no âmbito de cada Município, de forma suplementar, com base nas relações de medicamentos instituídas pelos gestores municipais do SUS, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada no Conselho Municipal de Saúde. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

(Negritos de nossa autoria.)

Portanto, no que diz respeito ao Componente Básico, a regra é a da responsabilidade do ENTE MUNICIPAL, podendo, estados e União, eventualmente, concorrerem para algum cenário de desabastecimento.

Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF)

Como já esclarecido anteriormente, o Componente Especializado da Assistência Farmacêutica tem sido tratado erroneamente, inclusive nos

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Tribunais Superiores, como Programa de Medicamentos Excepcionais, Programa de Medicamentos de Alto Custo, Medicamentos Extraordinários, dentre outras nomenclaturas já abandonadas pela legislação sanitária ou nunca adotadas.

Nos termos do art. 48, do ANEXO XXVIII, da mesma Portaria de Consolidação nº 2/GM/MS, de 28 de setembro de 2017, o Componente Especializado da Assistência Farmacêutica é uma estratégia de acesso a medicamentos no âmbito do SUS, caracterizado pela busca da garantia da integralidade do tratamento medicamentoso, em nível ambulatorial, cujas linhas de cuidado estão definidas em Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas publicados pelo Ministério da Saúde (PCDT).

Os PCDTs são elaborados pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC) e aprovados pelo Ministério da Saúde, mediante portaria, conforme regramento fixado na Lei nº 8.080/90:

Art. 19-O. Os protocolos clínicos e as diretrizes terapêuticas deverão estabelecer os medicamentos ou produtos necessários nas diferentes fases evolutivas da doença ou do agravo à saúde de que tratam, bem como aqueles indicados em casos de perda de eficácia e de surgimento de intolerância ou reação adversa relevante, provocadas pelo medicamento, produto ou procedimento de primeira escolha. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

Parágrafo único. Em qualquer caso, os medicamentos ou produtos de que trata o caput deste artigo serão aqueles avaliados quanto à sua eficácia, segurança, efetividade e custo-efetividade para as diferentes fases evolutivas da doença ou do agravo à saúde de que trata o protocolo. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

Por força do art. 19-Q da Lei nº 8.080/90, compete à União incorporar novos medicamentos ou excluir os já adotados, bem como alterar diretrizes terapêuticas ou protocolos existentes. Vejamos:

Art. 19-Q. A incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz

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terapêutica, são atribuições do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

As responsabilidades pela aquisição e pelo financiamento dos medicamentos do Componente Especializado estão fixadas nos arts. 49 usque 53, do Anexo XXVIII, da já reportada Portaria de Consolidação nº 002/2017, e estão divididas em três grupos, a saber:

I - Grupo 1: medicamentos sob responsabilidade de

financiamento pelo Ministério da Saúde, sendo dividido em:

a) Grupo 1A: medicamentos com aquisição centralizada pelo Ministério da Saúde e fornecidos às Secretarias de Saúde dos Estados e Distrito Federal, sendo delas a responsabilidade pela programação, armazenamento, distribuição e dispensação para tratamento das doenças contempladas no âmbito do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica; e

b) Grupo 1B: medicamentos financiados pelo Ministério da Saúde mediante transferência de recursos financeiros para aquisição pelas Secretarias de Saúde dos Estados e Distrito Federal sendo delas a responsabilidade pela programação, armazenamento, distribuição e dispensação para tratamento das doenças contempladas no âmbito do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica;

II - Grupo 2: medicamentos sob responsabilidade das Secretarias de Saúde dos Estados e do Distrito Federal pelo financiamento, aquisição, programação, armazenamento, distribuição e dispensação para tratamento das doenças contempladas no âmbito do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica; e

III - Grupo 3: medicamentos sob responsabilidade das Secretarias de Saúde do Distrito Federal e dos Municípios para aquisição, programação, armazenamento, distribuição e dispensação e que está estabelecida em ato normativo específico que regulamenta o Componente Básico da Assistência Farmacêutica.

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A definição dos fármacos que integrarão cada grupo também consta do citado normativo e obedece a uma lógica bastante intuitiva e muitas vezes ignorada nos processos judiciais. Conforme exsurge do art. 51 do mesmo diploma, o Grupo 1 (sob responsabilidade do Ministério da Saúde) é composto pelos fármacos utilizados em tratamentos de maior complexidade, considerando ainda a refratariedade ou intolerância à primeira e/ou à segunda linha de tratamento, ou ainda – por óbvio - pelos medicamentos que representam elevado impacto financeiro para o Componente Especializado da Assistência Farmacêutica. Também serão relacionados no Grupo 1 os medicamentos incluídos em ações de desenvolvimento produtivo no complexo industrial da saúde.

O Grupo 2 (sob responsabilidade dos Estados) é caracterizado por elencar os medicamentos para tratamentos de menor complexidade do tratamento da doença em relação ao Grupo 1 e pela refratariedade ou intolerância à primeira linha de tratamento, ao passo em que o Grupo 3 (sob responsabilidade dos municípios) é composto pelos medicamentos constantes no Componente Básico da Assistência Farmacêutica, quando indicados pelos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas, publicados na versão final pelo Ministério da Saúde como a primeira linha de cuidado para o tratamento das doenças contempladas pelo Componente Especializado da Assistência Farmacêutica.

Novos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas são sistematicamente aprovados pela CONITEC/MS e, em face dessa dinâmica, impende consultá-los periodicamente no sítio eletrônico da Comissão, no endereço

http://conitec.gov.br/index.php/protocolos-e-diretrizes

A responsabilidade da União é a regra para as demandas do Componente Especializado, recaindo sobre o Estado se tratar de medicamentos do Grupo 2, ou quando ocorrer falha assistencial relativa aos medicamentos do Grupo 1B, desde que o repasse federal já tenha ocorrido para o Fundo Estadual de Saúde. O ente municipal possui apenas responsabilidade residual e tão somente em

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relação aos mesmos fármacos relacionados no Componente Básico, já que estes também podem ser adotados em algum PCDT para o tratamento de condições paralelas que acometam um determinado paciente.

Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica (CESAF)

O Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica (CESAF) destina-se à garantia do acesso equitativo a medicamentos e insumos, para prevenção, diagnóstico, tratamento e controle de doenças e agravos de perfil endêmico, com importância epidemiológica, impacto socioeconômico ou que acometem populações vulneráveis, contemplados em programas estratégicos de saúde do SUS7.

O CESAF disponibiliza medicamentos para o tratamento de doenças como HIV/AIDS, tuberculose, hanseníase, malária, doença de chagas, cólera, esquistossomose, leishmaniose, filariose, meningite, oncocercose, peste, tracoma, micoses sistêmicas e outras doenças decorrentes e perpetuadoras da pobreza. São garantidos, ainda, medicamentos para influenza, doenças hematológicas, tabagismo e deficiências nutricionais, além de vacinas, soros e imunoglobulinas, relacionados nos Anexos II e IV da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME).

Mister salientar que alguns fármacos que integram o Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica não estão disponíveis à venda em farmácias comerciais por razões de saúde pública, notadamente o risco de desenvolvimento de resistência microbiana decorrente do uso irracional. Nas ações em que se pleiteia medicamentos deste Componente, é írrita a decisão que determina o bloqueio de verbas para compra direta, já que não haverá disponibilidade do fármaco para aquisição pelo usuário.

7 in Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica (CESAF), Ministério da Saúde. Disponível em <http://www.saude.gov.br/assistencia-farmaceutica/medicamentos-rename/cesaf>. Acesso em 08-JUL-2019.

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Vacinas e soros (Antirrábico, Antibotrópico, Antiaracnídico, etc) integram o Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica e são financiados e adquiridos pelo Ministério da Saúde (MS) e distribuídos aos estados e ao Distrito Federal. Cabe a estes o recebimento, armazenamento e a distribuição aos municípios, nos termos do Anexo II da RENAME vigente, aprovada pela Portaria GM/MS nº 3.733, de 22 de novembro de 2018.

EXCEPCIONALIDADES

Alguns medicamentos prescindem de incorporação formal haja vista serem financiados em conjunto com os cuidados dispensados ao paciente. Nestas hipóteses, é a ação de saúde (tratamento integral) que é custeada pelo SUS, através da Relação Nacional de AÇÕES E SERVIÇOS DE SAÚDE (RENASES). Nesta lógica estão os medicamentos oncológicos ou antineoplásicos.

Medicamentos Oncológicos

Os medicamentos oncológicos – salvo algumas exceções - obedecem a essa sistemática de financiamento, não integrando, em regra, quaisquer dos componentes da assistência farmacêutica anteriormente citados, pois não necessitam de incorporação formal para serem utilizados pelas unidades especializadas vinculadas ao Sistema Únicos de Saúde, já que cada unidade é livre para definir a abordagem terapêutica que será dada em cada caso e a remuneração é definida sobre o tratamento integral, através de Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade em Oncologia (APAC-ONCO)8. O próprio Ministério da Saúde esclarece em seu sítio eletrônico9:

8 Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade - APAC-Oncologia ou simplesmente APAC-ONCO.9 Ministério da Saúde, disponível em http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/secretarias/814-sas-raiz/daet-raiz/doencas-cronica/l1-doencas-cronica/22049-medicamentos-oncologicos, acesso em 19-MAI-2017.

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“Atualmente, exceto pelos relacionados abaixo, o Ministério da Saúde e as Secretarias de Saúde não padronizam nem fornecem medicamentos antineoplásicos diretamente aos hospitais ou aos usuários do SUS. Ou seja, os hospitais credenciados no SUS e habilitados em oncologia são os responsáveis pelo fornecimento de medicamentos oncológicos que eles, livremente, padronizam, adquirem e fornecem, cabendo-lhes codificar e registrar conforme o respectivo procedimento. Assim, a partir do momento em que um hospital é habilitado para prestar assistência oncológica pelo SUS, a responsabilidade pelo fornecimento do(s) medicamento(s) antineoplásico(s) é desse hospital, seja ele público ou privado, com ou sem fins lucrativos.

(Destaques de nossa autoria.)

Com efeito, a Portaria SAS/MS nº 346, de 23 de junho de 2008, arrola, em seu art. 28, os itens abrangidos pela remuneração propiciada pela APAC:

Art. 28 - O valor dos procedimentos de quimioterapia é mensal e inclui os itens abaixo relacionados, das aplicações, fases e ciclos que se repitam dentro de um mesmo mês, para os respectivos tumores:[sic]10

II - Consulta médica;III - Medicamentos anti-tumorais (antineoplásicos);IV - Medicamentos utilizados em concomitância à quimioterapia: antieméticos (antidopaminérgicos, bromoprida, anti-histamínicos, corticóides e antagonistas do receptor HT3), analgésicos, antiinflamatórios, diuréticos, antagonistas dos receptores H2 e outros;V - Soluções em geral (soros glicosado e fisiológico, ringer, eletrólitos e outros);VI - Material em geral (equipos, luvas, escalpes, seringas, agulhas, dispositivos de microgotejamento, máscaras, aventais e outros);VII - Impressos;

10 Nota: por algum equívoco, a portaria foi publicada sem o “Inciso I” do art. 28.

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VIII - Capela de fluxo laminar;IX - Limpeza e manutenção do serviço.

Através da NOTA TÉCNICA Nº 989/2018-NJUD/SE/GAB/SE/MS11, o Ministério da Saúde externa o seu entendimento sobre a estruturação da oncologia no Sistema Único de Saúde:

SOBRE A ASSISTÊNCIA ONCOLÓGICA NO SUS

3.1. É importante esclarecer que a assistência oncológica no SUS não se constitui em assistência farmacêutica, a que, no geral e equivocadamente, se costuma resumir o tratamento do câncer. Ela não se inclui no bloco da Assistência Farmacêutica, mas no bloco da Assistência à Saúde de Média e Alta Complexidade (MAC) e é ressarcida por meio de procedimentos específicos (cirúrgicos, radioterápicos, quimioterápicos e iodoterápicos). Para esse uso, eles são informados como procedimentos quimioterápicos no subsistema APAC (autorização de procedimentos de alta complexidade), do Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS (SIA-SUS); devem ser fornecidos pelo estabelecimento de saúde credenciado no SUS e habilitado em Oncologia; e são ressarcidos conforme o código da APAC.

3.2. Para o tratamento do câncer é necessária a “assistência oncológica” (e não simplesmente a “assistência farmacêutica”), assistências estas que se incluem em diferentes pactuações e rubricas orçamentárias. Cabe exclusivamente ao corpo clínico do estabelecimento de saúde credenciado e habilitado à prerrogativa e a responsabilidade pela prescrição, conforme as condutas adotadas no hospital. Além do mais, os procedimentos que constam na tabela do SUS não se referem a medicamentos, mas, sim, as indicações terapêuticas de tipos e situações tumorais especificadas em cada

11 BRASIL, Ministério da Saúde, 2018. Disponível em <https://sei.saude.gov.br/sei/documento_consulta_externa.php?id_acesso_externo=26156&id_documento=3498794&infra_hash=d973d397d7dd1d4381077cde0431a3c4>. Acesso em 11-JUL-2019.

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procedimento descritos e independentes de esquema terapêutico utilizado, cabendo informar ainda que a responsabilidade pela padronização dos medicamentos é dos estabelecimentos habilitados em Oncologia e a prescrição, prerrogativa do médico assistente do doente, conforme conduta adotada naquela instituição. Ou seja, os estabelecimentos de saúde credenciados no SUS e habilitados em Oncologia são os responsáveis pelo fornecimento de medicamentos oncológicos que, livremente, padronizam, adquirem e prescrevem, não cabendo, de acordo com as normas de financiamento do SUS, a União e as Secretarias de Saúde arcarem com o custo administrativo de medicamentos oncológicos.

3.3. Assim, a partir do momento em que um hospital é habilitado para prestar assistência oncológica pelo SUS, a responsabilidade pelo fornecimento do medicamento antineoplásico é desse hospital, seja ele público ou privado, com ou sem fins lucrativos.

3.4. Na área de Oncologia, o SUS é estruturado para atender de uma forma integral e integrada os pacientes que necessitam de tratamento de neoplasia maligna. Atualmente, a Rede de Atenção Oncológica está formada por estabelecimentos de saúde habilitados como Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (UNACON) ou como Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (CACON). Os hospitais habilitados como UNACON ou CACON devem oferecer assistência especializada ao paciente com câncer, atuando no diagnóstico e tratamento. Essa assistência abrange sete modalidades integradas: diagnóstico, cirurgia oncológica, radioterapia, quimioterapia (oncologia clínica, hematologia e oncologia pediátrica), medidas de suporte, reabilitação e cuidados paliativos.

3.5. O Ministério da Saúde e as Secretarias de Saúde não distribuem nem fornecem diretamente medicamentos contra o câncer, assim como a tabela de procedimentos quimioterápicos do

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SUS não refere medicamentos, mas sim, situações tumorais e indicações terapêuticas especificadas em cada procedimento descrito e independentes de esquema terapêutico utilizado.

(Destacamos.)

Em outra publicação, intitulada Componente Especializado da Assistência Farmacêutica: inovação para a garantia do acesso a medicamentos no SUS12, o gestor nacional da saúde esclarece que, embora tenha se buscado a estratégia do CEAF para a dispensação de alguns fármacos, não houve alteração da sistemática aplicável aos antineoplásicos:

“O CEAF tornou-se estratégia para a garantia do acesso e transferência tecnológica para alguns medicamentos usados no tratamento do câncer. Apesar de não ter mudado o formato da Política Nacional para Prevenção e Controle do Câncer, alguns medicamentos oncológicos passaram a ser adquiridos e distribuídos por meio da Coordenação-Geral do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica do Ministério da Saúde.”

Portanto, em relação aos medicamentos antineoplásicos, prevalece a regra da liberdade de fixação da abordagem terapêutica pelas Unidades de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (UNACON) e pelos Centros de assistência especializada em Oncologia (CACON).

Não é incomum, porém, que o custo do medicamento prescrito pelo profissionais dessas unidades ultrapasse - em muito - o valor da remuneração fixada para o tratamento na tabela SUS e expressada na APAC-ONCO. Como transcrito acima, gestores argumentam que o cuidado com o paciente oncológico deve ser integral e, por esta razão, CACONs e UNACONs seriam os responsáveis pela plenitude do tratamento dispensado ao usuário, do algodão ao medicamento. CACONs e UNACONs administram e dispensam medicamentos

12 Em Componente Especializado da Assistência Farmacêutica: inovação para a garantia do acesso a medicamentos no SUS, Ministério da Saúde, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos. – Brasília: Ministério da Saúde, 2014. P. 30.

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antineoplásicos, embora tenham as suas ações limitadas pelos valores remuneratórios fixados pela União para as APACs, o que termina por representar uma espécie de “teto de gastos” por paciente oncológico. Na prática, porém, a insuficiência do repasse federal para a assistência oncológica termina por alimentar os números da judicialização.

De outra sorte, não se pode olvidar que é justamente nesta classe de medicamentos onde estão concentrados os esforços da indústria farmacêutica para maximizar ganhos, por vezes adotando estratégias ética e legalmente questionáveis.

Posto isto, nas hipóteses em que for pleiteado medicamento oncológico não incorporado formalmente, a demanda necessariamente deverá ser deflagrada em face da União, seja em razão do disposto no art. 19-Q da Lei nº 8.080/90, seja em razão da insuficiência do valor fixado pelo ente federal para o custeio das ações da assistência oncológica. E ainda que se queira adotar os critérios de classificação para inclusão do fármaco nos Grupos 1 ou 2 do Componente Especializado para definir as competências administrativas e, por conseguinte, o polo passivo da relação processual, a complexidade do tratamento da doença e o impacto financeiro para o ente levariam o medicamento oncológico a ser incluído no Grupo 1, sob a responsabilidade, portanto, do Ministério da Saúde, nos termos do art. 49 c/c art. 51 do ANEXO XXVIII, da Portaria de Consolidação nº 02/2017.

Glaucoma

O cenário de desassistência em relação ao tratamento do Glaucoma (cujos medicamentos também eram custeados através de APAC) foi objeto da Nota Técnica nº 001/2018 deste Centro de Apoio Operacional, razão pela qual não repetiremos os aspectos ali já abordados. A referida Nota Técnica está disponível no sítio eletrônico do Ministério Público do Estado da Bahia.

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DA APLICAÇÃO DAS TESES FIRMADAS PELO STF

Para que sejam cumpridas as decisões do Colendo Supremo Tribunal Federal, especialmente para que seja possível ”à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro”, será necessário interpretá-las segundo as normas organizacionais do Sistema Único de Saúde, algo que tem gerado acirrados debates entre operadores do Direito, técnicos e gestores do SUS.

À falta de uma decisão específica quanto aos medicamentos ainda não incorporados, objeto da repercussão geral a ser apreciada nos autos do Recurso Extraordinário nº 566.471/RN, cujo julgamento fora adiado para o dia 23 de outubro de 2019, é importante consignar que a presente Nota Técnica poderá sofrer novas adequações para contemplar as diretrizes ditadas pelo STF na tese que vier a ser fixada.

O primeiro aspecto a ser analisado é a adoção da solidariedade entre os entes federativos pelo Ministério Público Estadual. Entendemos que a aplicação incondicional da solidariedade no fornecimento de fármacos não incorporados pelo Sistema Único de Saúde desafia a vocação constitucional do Ministério Público para a tutela coletiva e o seu dever de buscar a estruturação do Sistema.

Há alguns anos, os Tribunais Superiores já adotavam o entendimento no sentido de que, diante da competência comum de cuidar da saúde (CF/88, art. 23, II) e sendo o SUS uma política nacional, com financiamento tripartite e execução dos serviços descentralizada, a obrigação pelo custeio das ações e serviços públicos de saúde seria de responsabilidade solidária entre os União, estados e município, já que não caberia ao usuário saber qual esfera de governo deveria ser responsabilizada pela oferta do medicamento e/ou serviço pleiteado, até mesmo pela complexidade dos seus normativos e pelas inúmeras áreas de sobreposição de responsabilidades.

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Embora reconheça que o entendimento jurisprudencial seja mais adequado para o demandante-usuário hipossuficiente do SUS, não se pode admitir que o Ministério Público, vocacionado para a tutela coletiva e responsável por zelar (verbo utilizado na CF/88, art. 129, II) pelo bom funcionamento da política pública e pela regularidade das contas da saúde, possa ele mesmo dar causa à desestruturação da assistência farmacêutica de um determinado ente através de uma judicialização que impõe gastos não planejados e, muitas vezes, acima do orçamento disponível, sob o argumento de que os tribunais chancelam a solidariedade.

Em última análise, a prevalecer uma irracional aplicação da solidariedade, o membro do Ministério Público poderia, por exemplo, ser obrigado a instaurar o inquérito civil para apurar o desabastecimento de medicamentos padronizados em um determinado município e, ao final, concluir ter sido ele próprio a dar causa à escassez, ao ingressar em juízo pleiteando do município o fornecimento de uma nova tecnologia farmacêutica ainda não incorporada pelo SUS, com custos que podem facilmente chegar ao patamar de milhões de reais, como ocorre com tecnologias modernas de altíssimo custo, como o Soliris® (Eculizumabe), o Spinraza® (Nusirnesena) e mais recentemente com o Zolgensma® (Onasemnogene Abeparvovec-Xioi), que inaugurou a fase comercial da terapia gênica a um custo de U$2,1 milhões13.

O membro do Ministério Público, de quaisquer dos seus ramos, tem o DEVER de conhecer a repartição de competências no âmbito do SUS e de saber em face de quem deva deflagrar uma medida judicial, de forma a não concorrer com o agravamento do cenário de desestruturação sistêmica. A solidariedade entre os entes federativos pode ou não ser invocada. Como explicitado no acórdão da lavra do Ministro Ricardo Lewandowski, “o usuário dos serviços de saúde, no caso, possui direito de exigir de um, de alguns ou de todos os entes estatais o cumprimento da referida obrigação” (STF, ARE 812631 AgR,

13 BERMUDEZ, Jorge; in Zolgensma, o tratamento de 2 milhões de dólares. Vamos tratar as crianças ou a indústria?> Disponível em <https://cee.fiocruz.br/?q=Zolgensma-o-tratamento-de-2-milhoes-de-dolares. Acesso em 21-JUL-2019.

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Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 25/06/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-155 DIVULG 12-08-2014 PUBLIC 13-08-2014).

Nessa esteira, na última Jornada de Direito da Saúde promovida pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, nos dias 18 e 19 de março de 2019 - portanto anterior às decisões do STF -, foram aprovados ou ratificados os seguintes enunciados:

ENUNCIADO Nº 08Nas apreciações judiciais sobre ações e serviços de saúde devem ser

observadas as regras administrativas de repartição de competência entre os entes federados. (Destaque de nossa autoria.)

ENUNCIADO Nº 78Compete à Justiça Federal julgar as demandas em que são

postuladas novas tecnologias de alta complexidade ainda não incorporadas ao Sistema Único de Saúde – SUS. (Destaque de nossa autoria.)

A tese firmada pelo STF no Tema 793 reconhece a solidariedade entre os entes federativos, mas estabeleceu que cabe “à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro”. A partir de então, não poderá mais o membro do Ministério Público limitar-se a invocar a solidariedade, sem apontar a responsabilidade segundo as regras sanitárias.

Ademais, para que seja possível “à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro” é crucial que a União figure no polo passivo da relação processual, nas hipóteses em que for sua a

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responsabilidade pelo financiamento ou pela distribuição do fármaco para os estados.

SÍNTESE DE REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIA NO SUS

Dito isto, são estas as regras de repartição de competência (com as referências normativas) para os MEDICAMENTOS INCORPORADOS:

UNIÃO

a) vacinas, soros ou medicamentos dos Componentes Estratégico e Especializado dos Grupos 1A e 1B, neste último caso apenas nas hipóteses de irregularidade no financiamento, conforme regra expressamente fixada no art. 49, I, do ANEXO XXVIII, da Portaria de Consolidação nº 2/GM/MS, de 28 de setembro de 2017 (Componente Especializado, Grupo 1), e ANEXO II da RENAME, Portaria GM/MS nº 3.733, de 22 de novembro de 2018 (Componente Estratégico);

b) insulina humana NPH14, insulina humana regular e medicamentos que compõem o Programa Saúde da Mulher: contraceptivos e injetáveis, dispositivo intrauterino (DIU) e diafragma, nos termos do arts. 35 e 36 do ANEXO XXVIII, da Portaria de Consolidação nº 2/GM/MS, de 28 de setembro de 2017;

ESTADOS

a) medicamentos integrantes do Grupo 2 do CEAF, e corresponsável pelos relacionados no Grupo 3, nas hipóteses de

14 Conforme CIB/BA 49/2015, os municípios do Estado da Bahia são corresponsáveis pela aquisição das insulinas NPH e humana regular. Lancetas e tiras reagentes encontram-se sob a responsabilidade da Secretaria Estadual da Saúde – SESAB.

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descumprimento da pactuação firmada na Comissão Intergestores Bipartite (Resolução CIB/BA nº 49/2015);

b) medicamentos do Grupo 1, desde que a parcela do financiamento federal tenha sido adimplida (Grupo 1B) e a desassistência tenha decorrido de falha na aquisição (apenas Grupo 1B) e na programação, armazenamento, distribuição e dispensação (Grupos 1A e 1B).

MUNICÍPIOS

a) medicamentos e insumos integrantes do Componente Básico da Assistência Farmacêutica (CBAF) relacionados sob a responsabilidade do ente municipal no ajuste interfederativo pactuado na Comissão Intergestores Bipartite, no caso do Estado da Bahia, a Resolução CIB/BA nº 49/2015;

b) excepcionalmente, medicamentos que, embora não tenham sido contemplados no ajuste interfederativo pactuado na Comissão Intergestores Bipartite (Resolução CIB nº 49/2015), integrem o componente CBAF (RENAME, Anexos I e IV).

Consigne-se que os fármacos do Componente Especializado são incorporados para uma patologia específica, segundo as linhas de cuidado definidas no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas. Ipso facto, quando a solicitação for de medicamento que eventualmente integre as listas oficiais, mas a prescrição ocorre para patologia diversa da que consta do PCDT, o tratamento jurídico a ser dado é o mesmo dos medicamentos não incorporados.

Outrossim, caso a prescrição seja para indicação terapêutica diversa das constantes do registro do fármaco na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, portanto para uso off-label, prevalece o entendimento firmado pelo STJ,

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no Recurso Especial nº 1.657.156, que veda o deferimento de tais pedidos (Tema 106 STJ).

Por fim, há ainda a possibilidade do medicamento ter sido formalmente incorporado, porém ainda não se encontrar disponível para o usuário do SUS. O art. 25 do Decreto nº 7.646, de 21 de dezembro de 2011, fixa o prazo de 180 dias, contados da publicação da decisão de incorporar tecnologia em saúde, ou protocolo clínico e diretriz terapêutica, para efetivar a oferta ao SUS. Temos observado atrasos no cumprimento desses prazos especialmente em razão de dificuldade de se firmar consenso quanto à responsabilidade pelo financiamento da nova tecnologia, na Comissão Intergestores Tripartite – CIT. Como há a participação da União nessa comissão interfederativa despersonalizada, eventual discussão judicial quanto às suas deliberações (ou a falta de deliberação) são da esfera da Justiça Federal.

Para arrematar o tópico em que tratamos dos medicamentos incorporados, impende consignar que muitas demandas individuais traduzem uma falha sistêmica na assistência. A falta de determinado medicamento do CBAF para um usuário individualizado, por exemplo, pode ser um importante evento sentinela a apontar possível desabastecimento generalizado e comprometimento das ações assistenciais, exigindo a pronta atuação do Parquet com vistas à regularização dos estoques para toda a comunidade e não apenas para um indivíduo. É exatamente esta a diretriz já definida pela Corregedoria-Geral do MPBA, através da Recomendação CGMP/MPBA nº 001/2018, e pelo próprio Conselho Nacional do Ministério Público, por meio da Recomendação de Caráter Geral CNMP-CN Nº 02, de 21 de junho de 2018, que dispõe sobre “parâmetros para a avaliação da resolutividade e da qualidade da atuação dos Membros e das Unidades do Ministério Público pelas Corregedorias-Gerais e estabelece outras diretrizes”, prescrevendo logo em seu art. 1º:

Art. 1º Para a avaliação, a orientação e a fiscalização qualitativas da resolutividade das atividades dos Membros e das Unidades do Ministério Público brasileiro nos planos extrajudicial e judicial, envolvendo a atuação criminal, cível, tutela coletiva e especializada, respeitadas as peculiaridades

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das funções e atribuições de cada Unidade Institucional, serão considerados, entre outros, os seguintes princípios e diretrizes: (...)

XII - utilização racional e adequada dos mecanismos de judicialização;

XVII - atuação efetiva na tutela coletiva e na propositura de ações individuais em situações absolutamente necessárias, sem prejuízo dos atendimentos individuais e dos encaminhamentos devidos;

(Negritos de nossa autoria.)

As recomendações dos órgãos correcionais, portanto, resgatam a vocação do Ministério Público para a tutela coletiva e devem ser observadas pelos seus membros.

MEDICAMENTOS NÃO INCORPORADOS

Quanto aos MEDICAMENTOS NÃO INCORPORADOS, e até que o Supremo Tribunal Federal julgue o Recurso Extraordinário nº 566.471/RN, incluído na pauta de julgamentos do dia 23 de outubro de 2019, impõe-se uma interpretação segundo as teses de repercussão geral já firmadas pelos Tribunais Superiores, em especial no Recurso Especial nº 1.657.156 (Tema 106 STJ):

Tema 106 - STJ

Questão submetida a julgamento:  Obrigatoriedade do poder público de fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS.

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Tese firmada:

A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos:

I) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;

II) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;

III) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência.

O STJ não se debruçou sobre o disposto no art. 2815 do Decreto nº 7.508/2011 e simplesmente entendeu ser possível o deferimento de medicamentos não incorporados às listas oficiais do Sistema Único de Saúde, observados os requisitos cumulativos fixados na tese do Tema 106, inclusive a exigência de registro na agência reguladora.

O Supremo Tribunal Federal, entretanto, reviu a possibilidade de deferimento de medicamento sem registro na ANVISA, fixando condições para tanto, conforme a tese firmada do Tema 500, ou seja, tais tecnologias podem ser deferidas apenas nos casos de mora irrazoável na apreciação do pedido de registro e observados os seguintes requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos 15 Dec. 7508/2011, Art. 28. O acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica pressupõe, cumulativamente: I - estar o usuário assistido por ações e serviços de saúde do SUS; II - ter o medicamento sido prescrito por profissional de saúde, no exercício regular de suas funções no SUS; III - estar a prescrição em conformidade com a RENAME e os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas ou com a relação específica complementar estadual, distrital ou municipal de medicamentos; e IV - ter a dispensação ocorrido em unidades indicadas pela direção do SUS.

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órfãos para doenças raras e ultrarraras);(ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. 4. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União.

Em relação aos medicamentos registrados na ANVISA, mas ainda não incorporados pelo Sistema Único de Saúde, embora a tese firmada pelo STJ seja silente quanto às regras de competência, o STF sinalizou a necessidade de inclusão do ente federal quando tratou da solidariedade (Tema 793), atraindo, por via de consequência, a competência para o julgamento de demandas dessa natureza para a Justiça Federal.

Deste entendimento também comungam as Juízas Federais Ana Carolina Morozowski e Luciana da Veiga Oliveira, a primeira com atuação na 3ª Vara Federal de Curitiba, especializada em matéria de saúde, e esta última, coordenadora do Comitê Executivo da Saúde do CNJ, no Estado do Paraná. Em seu recentíssimo artigo Da responsabilidade solidária na assistência à saúde no SUS16, transcrevendo trechos do voto do Ministro Luiz Edson Fachin, assentaram:

“Caso a tecnologia demandada não esteja prevista nas políticas públicas do SUS, a tese indica que a União deve necessariamente compor o polo passivo, privilegiando o que vem previsto no art. 19-Q, da lei 12.401/11.

O voto proferido pelo relator (ainda não publicado), ministro Luiz Edson Fachin, estabeleceu que “Se a pretensão veicular pedido de tratamento, procedimento, material ou medicamento não incluído nas políticas públicas em todas as suas hipóteses a União necessariamente comporá o polo passivo, considerando que o Ministério da Saúde detém competência para incorporação, exclusão ou alteração de novos medicamentos, produtos,

16 MOROZOWSKI, Ana Carolina; OLIVEIRA, Luciana da Veiga, em Da responsabilidade solidária na assistência à saúde no SUS. Disponível em < https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI305311,91041-Da+responsabilidade+solidaria+na+assistencia+a+saude+no+SUS> Acesso em 21-JUL-2019.

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procedimentos, bem como constituição ou alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, de modo que recai sobre ela o dever de indicar o motivo ou as razões da não padronização e eventualmente iniciar o procedimento de análise de inclusão nos termos da respectiva fundamentação”.

E continuam as magistradas, agora citando enunciado aprovado pelo Comitê Executivo do Fórum de Saúde do Conselho Nacional de Justiça, já referido nesta Nota Técnica:

Percebe-se que o voto privilegiou o enunciado 78, do Comitê Executivo do Fórum de Saúde do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe que “Compete à Justiça Federal julgar as demandas em que são postuladas novas tecnologias de alta complexidade ainda não incorporadas ao Sistema Único de Saúde – SUS”.

Nessa hipótese, caso a União não tenha sido incluída no polo passivo, o juiz estadual deverá intimar a parte autora a incluí-la e, diante de sua incompetência (art. 109, I, CF), remeter o processo à Justiça Federal. Caso a parte autora não o faça, o juiz deve extinguir o feito sem resolução de mérito [...]”

Na mesma esteira, no voto proferido antes da interrupção do julgamento do Recurso Extraordinário nº 566.471/RN, o Ministro Luis Roberto Barroso propôs a seguinte tese de repercussão geral, ainda pendente de aprovação pelo Plenário do STF17:

“O Estado não pode ser obrigado por decisão judicial a fornecer medicamento não incorporado pelo SUS, independentemente de

17 STF, in Pedido de vista adia julgamento sobre acesso a medicamentos de alto custo por via judicial. Disponível em < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=326275>. Acesso em 21-JUL-2019.

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custo, salvo hipóteses excepcionais, em que preenchidos cinco requisitos:

a) incapacidade financeira de arcar com o custo correspondente; b) demonstração de que a não incorporação do medicamento não resultou de decisão expressa dos órgãos competentes; c) inexistência de substituto terapêutico incorporado pelo SUS; d) comprovação de eficácia do medicamento pleiteado à luz da medicina baseada em evidências; e) propositura da demanda necessária em face da União, já que a responsabilidade pela decisão final sobre a incorporação ou não de medicamentos é exclusiva desse ente federativo.”

Também para o Ministro Luis Roberto Barroso, a norma contida no art. 19-Q18 da Lei nº 8.080/90, que fixa a atribuição do Ministério da Saúde, assessorado pela CONITEC, para incorporar, excluir ou alterar a lista de medicamentos ou PCDTs, é o quanto basta para fixar a competência da Justiça Federal para o julgamento das demandas onde se busca medicamento não incorporado. É justamente a continuidade deste julgamento que está pautada para o dia 23 de outubro de 2019.

Com o recente advento da tese de repercussão geral do STF, regulando a solidariedade entre os entes federados (Tema 793) e assentando que “compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro”, consolida-se a competência federal para conhecer e julgar as demandas por medicamentos não incorporados.

Não bastasse o disposto no art. 19-Q da Lei nº 8.080/90, os critérios instituídos pelo próprio Ministério da Saúde para definir a que Grupo do 18 Lei nº 8.080/90, Art. 19-Q. A incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, são atribuições do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS

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Componente Especializado deva pertencer um novo medicamento, repartindo as competências pelo financiamento da assistência farmacêutica em três grupos hierarquizados, cada um sob a responsabilidade de uma esfera de governo, também conduz à conclusão da responsabilidade do Ministério da Saúde pelo custeio dos medicamentos que importem elevado impacto financeiro, que encerrem maior complexidade no tratamento da doença ou representem uma potencial segunda ou terceira linha de cuidado para uma determinada patologia. Vejamos:

Portaria de Consolidação nº 02/2017 - ANEXO XXVIII

Art. 50. Os grupos de que trata o art. 49 são definidos de acordo com os seguintes critérios gerais: I - complexidade do tratamento da doença; II - garantia da integralidade do tratamento da doença no âmbito da linha de cuidado; e III - manutenção do equilíbrio financeiro entre as esferas de gestão do SUS. 

Art. 51. O Grupo 1 é definido de acordo com os seguintes critérios específicos: 

I - maior complexidade do tratamento da doença; II - refratariedade ou intolerância a primeira e/ou a segunda linha de tratamento; III - medicamentos que representam elevado impacto financeiro para o Componente Especializado da Assistência Farmacêutica; e IV - medicamentos incluídos em ações de desenvolvimento produtivo no complexo industrial da saúde.

Art. 52. O Grupo 2 é definido de acordo com os seguintes critérios específicos: 

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I - menor complexidade do tratamento da doença em relação ao Grupo 1; e II - refratariedade ou intolerância a primeira linha de tratamento. 

Art. 53. O Grupo 3 é definido de acordo com os medicamentos constantes no Componente Básico da Assistência Farmacêutica e indicados pelos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas, publicados na versão final pelo Ministério da Saúde como a primeira linha de cuidado para o tratamento das doenças contempladas pelo Componente Especializado da Assistência Farmacêutica. 

Os medicamentos integrantes do Grupo 1 são financiados pelo Ministério da Saúde; os do Grupo 2, pelas Secretarias Estaduais da Saúde; e os do Grupo 3, pelos municípios, nos termos do art. 49 da mesma Portaria de Consolidação nº 02/2017 - ANEXO XXVIII.

São estas, portanto, as regras de repartição de competências que deverão ser invocada para se estabelecer a responsabilidade pelo custeio de medicamentos não incorporados, inclusive oncológicos, com a consequente repercussão sobre a competência para conhecer e julgar as demandas dessa natureza.

DA IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO

Processualmente, a eventual inobservância das teses de repercussão geral firmadas pelo STF e pelo STJ ensejará a improcedência liminar do pedido, nos termos do art. 332 do Novo Código de Processo Civil. Litteris:

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Art. 332. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar:

I - enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça;

II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

IV - enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local.

CONCLUSÃO

Diante das recentes decisões do Supremo Tribunal Federal, operadores do Direito, especialmente magistrados e membros do Ministério Público, deverão se debruçar sobre as regras de repartição de competência vigentes no Sistema Único de Saúde, o que propiciará um vislumbre do subfinanciamento crônico que atrofia todo o potencial da mais importante política pública brasileira e submete os nacionais a toda sorte de iniquidade, inclusive morte por doenças que já deveriam ter sido controladas, eliminadas ou erradicadas, como sífilis congênita, esquistossomose e tuberculose.

Em boa hora, o Supremo Tribunal Federal tenta ordenar o fenômeno da judicialização, que, em dada medida, pressionava ainda mais os entes subnacionais. Com a fixação da solidariedade nos termos estabelecidos no Tema 793, as demandas por novas tecnologias necessariamente deverão ser transferidas para a Justiça Federal, impondo à União o ônus de custear tais

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medicamentos – quando for o caso - e, portanto, de coparticipar do urgente debate sobre o adequado financiamento do SUS, já que das pastas federais da Fazenda e do Planejamento partem as medidas restritivas mais impactantes para o aprimoramento do Sistema Único de Saúde.

Por fim, é necessário consignar - uma vez mais - que esta Nota Técnica terá de ser revisitada após o julgamento, pelo STF, do Recurso Extraordinário nº 566.471/RN , que trata justamente de medicamentos não incorporados.

Respeitando – sempre – a independência funcional dos membros do Ministério Público do Estado da Bahia, são estas as considerações e as sugestões de atuação do Centro de Apoio Operacional de Defesa da Saúde.

Salvador – BA, 22 de julho de 2019

Rogério Luis Gomes de QueirozPromotor de JustiçaCoordenador do Centro de Apoio Operacional deDefesa da Saúde

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