trabalho medicamentos

Upload: willys-pablo

Post on 17-Jul-2015

153 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

TRIBUTAO E DISPNDIO COM SADE DAS FAMLIAS BRASILEIRAS: AVALIAO DA CARGA TRIBUTRIA SOBRE MEDICAMENTOSLus Carlos G. de Magalhes Frederico Andrade Tomich Fernando Gaiger Silveira Salvador Werneck ViannaTcnicos de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos Setoriais do Ipea *

Leandro Safatle Alexandre Batista de Oliveira Rodrigo DouradoAssistentes de Pesquisa da Diretoria de Estudos Setoriais do Ipea *

Neste trabalho estimou-se a carga tributria de um conjunto de 614 medicamentos, classificados segundo sua classe teraputica. Foram considerados: (i) o Imposto sobre a Circulao de Mercadorias e Servios ICMS; (ii) o Imposto de Importao II; o Imposto sobre Produtos Industrializados IPI; (iii) a Contribuio para o Programa de Integrao Social PIS; e (iv) a Contribuio para o Financiamento da Seguridade Social Cofins. A carga tributria total mdia e modal estimada oscila entre 20% e 30% do preo final da maioria dos medicamentos em questo. Foram tambm analisadas as caractersticas e a evoluo do gasto com sade, e com medicamentos, das famlias dos grandes centros urbanos brasileiros a partir de dados das Pesquisas de Oramentos Familiares POF, de 1987/1988, e de 1995/1996 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica IBGE. Os gastos com medicamentos constituem dois teros do gasto total com sade das famlias mais pobres. Por fim, estimou-se a carga tributria sobre o gasto familiar com medicamentos. A evidncia encontrada mostra que a tributao sobre esses bens essenciais regressiva.

1 INTRODUO

As famlias brasileiras tm sido afetadas pelo aumento dos custos de aquisio de medicamentos. Os preos dos medicamentos tiveram, entre 1996 e 1998 (Fipe-USP), 1 um aumento mdio de 29,60% em termos reais, e esse item responde por praticamente dois teros do dispndio com assistncia sade das famlias cuja renda de at dois salrios mnimos mensais, as quais residem nas grandes regies urbanas brasileiras (POF 1995/1996/IBGE) e gastam em torno de 3% de sua renda na aquisio de remdios contra doenas crnicas, tais como hipertenso e diabetes. A questo do acesso da populao* Agradecemos a Andr Martins de Souza, a Cleids M. L. Cardoso Soares e a Cesar Travassos, a consultoria no processamento das bases de dados. 1. Essa pesquisa no incorporou a variao de preos de novos medicamentos.

6

planejamento e polticas pblicas | ppp | n. 24 | dez 2001

de baixa renda a medicamentos central na agenda de polticas pblicas. Recentemente o governo aprovou a Lei no 10 147, que a partir de sua regulamentao reduzir a zero o PIS/Cofins incidentes sobre antibiticos e medicamentos de uso continuado. Com isso o governo pretende reduzir e estabilizar os preos dos medicamentos. Entretanto, outros impostos, como ICMS e II, continuam incidindo sobre esses mesmos medicamentos. Portanto, objetiva-se aqui analisar a tributao sobre medicamentos, bem como a carga tributria incidente sobre os gastos familiares com esses produtos. Mais especificamente, procurar-se- o que se segue. a) Levantar as alquotas legais do Imposto sobre a Circulao de Mercadorias e Servios (ICMS), do Imposto de Importao (II), do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), da Contribuio para o Programa de Integrao Social (PIS) e da Contribuio para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) antes da nova lei, bem como as formas de incidncia desses tributos sobre uma cesta selecionada de medicamentos. b) Calcular a carga tributria, ou seja, a soma das alquotas efetivas daqueles tributos para cada produto da referida cesta de medicamentos construda. c) Analisar as caractersticas e a evoluo dos gastos com medicamentos, das famlias, e estimar a carga tributria, sobre esses gastos, das unidades familiares das grandes regies urbanas do pas. ICMS, IPI, II e PIS/Cofins foram os tributos selecionados em virtude de sua representatividade na composio da carga tributria nacional. Segundo os dados da Secretaria da Receita Federal (SRF), esses tributos indiretos cerca de 49% da carga fiscal bruta, e mais de 90% do total dos tributos indiretos representavam, em 1999. A carga deles foi majorada, em razo do aumento da alquota da Cofins, para 3% em 1998. O trabalho organizado da seguinte forma. A seo 2 traz a metodologia do levantamento e da sistematizao da incidncia tributria do ICMS, do IPI, do II e do PIS/Cofins sobre medicamentos; tributos esses que embasaram o clculo da carga tributria desses produtos. So apresentados tambm os critrios que orientaram a construo do banco de dados da cesta de produtos selecionados. A partir desse banco foi possvel analisar a incidncia tributria, estimar a carga tributria por produto, a carga mdia por classe teraputica e por grupos de produtos, bem como a carga mdia total das cestas de produtos. Na seo 3 so apresentados os resultados da incidncia tributria sobre medicamentos, e tambm discutidas as alquotas legais, os benefcios fiscais e

Tributao e dispndio com sade das famlias brasileiras ...

7

as formas de operao do mecanismo dos crditos/dbitos tributrios desses produtos. A sistematizao dessas informaes possibilitou associar a incidncia tributria sobre cada um dos produto dos bancos de dados e, portanto, estimar a carga tributria de cada um deles. Na seo 4 feita uma anlise das caractersticas dos gastos com assistncia sade das famlias das grandes regies urbanas do pas, a partir de informaes da Pesquisa de Oramento Familiar (POF) do IBGE, no perodo de 1995/1996 e de 1987/1988. Foi tambm calculada a carga tributria paga pelas famlias em suas aquisies de medicamentos, com base nos dispndios familiares e segundo estratos de renda e regies metropolitanas. A ltima parte do estudo recupera os principais resultados obtidos e apresenta ainda as principais concluses deles resultantes.2 METODOLOGIA E BASE DE DADOS 2.1 Clculo da carga tributria conjunta de II, IPI, ICMS e de PIS/Cofins

Para o clculo da carga tributria total, resultante da incidncia de II, de IPI e de ICMS, tomou-se como referncia o preo final do produto, fazendo-se a decomposio desse valor em termos de percentual do valor total que poderia ser atribudo a cada etapa de comercializao. Na primeira etapa incidiriam o II e o IPI, e nela o valor do II integra a base de clculo do IPI. Desse modo, o valor total da transao dessa primeira etapa de comercializao estaria incluindo esses dois impostos. Ento, para calcular a base de incidncia de cada um deles necessria a deduo do IPI pago do valor total da etapa, obtendo-se, assim, a base de clculo do IPI. Dessa base de clculo seria deduzido o valor do II pago, e obter-se-ia a base de incidncia do II. Quanto ao ICMS, o valor total da etapa final de comercializao compe a base de clculo, incluindo-se a todos os impostos pagos nas etapas anteriores e o prprio ICMS. O fato de o ICMS compor a prpria base de clculo resulta em alquotas efetivas superiores s alquotas nominais.2 Calculados os impostos pagos em cada etapa de comercializao tem-se, por fim, a carga total constituda por eles por simples soma: II + IPI + ICMS (i) carga tributria; (ii) base de clculo do II = valor aduaneiro; II = (valor aduaneiro x alquota de II); (iii) base de clculo do IPI = (valor aduaneiro + II); IPI = [(valor aduaneiro + II) x alquota IPI]; (iv) base de clculo do ICMS = (valor aduaneiro + II + IPI); (v) ICMS = (valor aduaneiro + II + IPI) x alquota ICMS.2. fcil verificar que a alquota efetiva dada por: t e = t nominal / (1- t nominal). Uma alquota legal de 18% corresponde, dessa forma, a uma alquota efetiva de 21,24%.

8

planejamento e polticas pblicas | ppp | n. 24 | dez 2001

No caso do ICMS, sups-se o funcionamento perfeito dele como um imposto sobre valor adicionado, ou seja, como uma total recuperao dos crditos tributrios nas diferentes etapas de produo/comercializao, o que implica uma carga efetiva que independe tanto da agregao de valor em cada etapa de produo/comercializao, como do nmero de etapas. Considerou-se a hiptese de total transferncia para o preo final do ICMS, do IPI e do II: procedimento usual dos trabalhos que procuram calcular a carga tributria dos tributos indiretos nos preos finais, justificado pela existncia de evidncias empricas que confirmam a transferncia plena para os preos finais, bem como por argumentos tericos3 que corroboram a adoo dessa hiptese. A caracterstica de incidncia, em cascata, das contribuies PIS/Cofins, faz que suas alquotas efetivas isto , embutidas no preo final do produto variem em razo do nmero de etapas de produo/comercializao e da agregao de valor que ocorre em cada uma delas. Assim, quanto maior for o valor adicionado nas etapas iniciais maior ser a alquota efetiva; e quanto maior o nmero de etapas maior tambm tal alquota. Como essas contribuies incidem sobre a receita bruta das empresas, o valor total de cada etapa, incluindo-se a os demais impostos, constitui a base para o clculo do montante pago por elas. Na tabela 1 so apresentadas algumas estimativas de alquotas efetivas de PIS/Cofins, sob diferentes hipteses de agregao de valor e de quantidades de etapas de produo/comercializao a partir da alquota nominal de 3,65%. Nas compras feitas por famlias, foram consideradas trs etapas com hipteses de agregao de valor na seqncia de 40%, de 30% e de 30%, respectivamente.4 Estimou-se, ainda, a carga tributria total, levando-se em conta duas situaes: o produto como totalmente importado ou como totalmente produzido internamente, isto , considerando-se a incidncia ou no de II, e com alquota-padro do ICMS de 18% e de 17%, respectivamente. Obteve-se, assim, uma estimativa do intervalo inferior e superior da carga fiscal dos produtos considerados. As cargas tributrias totais, mdia e por produto, foram obtidas pela soma da carga conjunta de: ICMS, IPI e II com a carga estimada do PIS/3. Para uma discusso mais completa da questo da transferncia dos impostos indiretos, ver Eris et alii (1983, p. 102-103). Souza (1996) e Siqueira, Nogueira e Souza (1998) apresentam evidncias empricas sobre as alquotas efetivas dos tributos indiretos no caso brasileiro. 4. Essas hipteses foram levantadas a partir de contatos com tcnicos de Secretarias Estaduais de Fazenda. Agradecemos especialmente a Eduardo Friedman e a Ernesto Ricca.

Tributao e dispndio com sade das famlias brasileiras ...

9

Cofins. No foram consideradas as situaes de isenes prevista na Lei no 10 147, pois tal lei no teve ainda efeito na carga tributria dos medicamentos, e s a incluso desses tributos permitir uma avaliao posterior da sua eficcia. Para esse clculo foi elaborado um programa em SAS (Statistical Analysis System), o qual permite estimar a carga tributria segundo diferentes hipteses: sobre o nmero de etapas, sobre o valor agregado por etapa, e sobre as alquotas nominais dos produtos.TABELA 1Estimativas de alquotas efetivas de PIS/Cofins sob diferentes hipteses de nmero de etapas de produo/comercializao e de agregao de valor em cada uma delas(alquota nominal: 3,65%) Alquota efetiva estimada (%) 12,23 11,86 10,95 10,22 9,13 8,76 8,03 7,67 No de etapas 4 4 4 4 3 3 3 3 Percentual do valor final atribudo a cada etapa Etapa 1 60 60 40 40 60 60 40 40 Etapa 2 20 15 30 20 30 20 40 30 Etapa 3 15 15 20 20 10 20 20 30 Etapa 4 5 10 10 20 0 0 0 0 Valor final 100 100 100 100 100 100 100 100

Fonte: Clculos dos autores.

2.2 Metodologia de clculo da carga tributria sobre o gasto familiar com medicamentos

Na estimativa da carga tributria incidente sobre os gastos das famlias com medicamentos, foram utilizados os dados da POF/IBGE 1995/1996, e tambm as cargas tributrias agregadas dos impostos aqui considerados. A estimativa usou tambm os dados individualizados (microdados) da POF de 1995/1996, que abrangeu os onze maiores centros urbanos do pas, para o clculo dos dispndios familiares com medicamentos.5 Isso decorreu do fato de nos dados tabulados (agregados), disponibilizados pelo IBGE, os dispndios com remdios estarem somados, no estando ainda neles somados os gastos com anticoncepcionais e aqueles em relao aos quais famlias no discriminaram o tipo de medicamento. Os gastos com esses dois itens foram tabulados, na rubrica outros da POF 1995/1996, entre o conjunto dos dispndios familiares com assistncia sade. Por este motivo foi necessrio reorganizar os dados relativos aos gastos, das famlias pesquisadas pela POF, com medicamentos, discriminando-os por5. Porto Alegre, Curitiba, So Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Fortaleza, Belm, Goinia e Braslia.

10

planejamento e polticas pblicas | ppp | n. 24 | dez 2001

classes e conforme classificao presente nos microdados (questionrio individualizado da unidade de consumo). Nessa pesquisa, originalmente so discriminados 36 classes de medicamentos, a incorporados, como j se disse, os itens anticoncepcional/hormnio e um agregado de produtos farmacuticos no discriminados. Como exemplos, da POF da desagregao dos medicamentos por classes teraputicas podem ser citados os antiinflamatrios, os antiinfecciosos, os antibiticos, os vasodilatadores, os antialrgicos, etc. A classificao POF permitiu a adequao dos medicamentos com as classes teraputicas utilizadas na construo do banco de dados deste estudo. Dessa forma foi possvel utilizar as cargas tributrias mdias para elas estimadas para obteno da carga tributria dos gastos com medicamentos por parte das famlias. Nos casos em que houve problemas de adequao da classificao POF com a classificao utilizada no banco de dados deste trabalho, aplicouse a carga tributria mdia total estimada para todos os medicamentos. Para cargas tributrias aplicadas considerou-se a hiptese de incidncia do II ou seja, a importao de medicamentos ,6 aplicando-se, no caso do ICMS, a alquota-padro, isto , 18%, salvo, evidentemente, nos casos de medicamentos isentos por convnios. Esse procedimento implica uma sobrestimativa da carga tributria incidente nos dispndios familiares, o que, contudo, pode estar sendo compensado pelo fato de o presente estudo ter adotado hipteses conservadoras em relao incidncia dos tributos considerados.72.3 Procedimentos de organizao da bases de dados de medicamentos

O banco de dados anteriormente referido foi construdo a partir de informaes do Banco de Preos do Ministrio da Sade (BP/MS), da Federao Brasileira de Hospitais (FBH) e do Grupo de Compras Hospitalar (GCH/FBH). O BP/MS abarcava 105 medicamentos, os quais foram escolhidos a partir de sua relevncia no consumo de um conjunto selecionado de hospitais. O banco de dados da FBH apresentava 61 medicamentos, e a lista de medicamentos da GCH/FBH englobava 531 itens. A comparao entre essas bases de dados indicou que muitos medicamentos no eram comuns. O critrio adotado para construir o banco de dados deste trabalho foi o de incorporar os medicamentos comuns e aqueles especficos a cada uma das referidas bases; ou seja, procurou-se elaborar uma lista que fosse a mais extensa possvel. O nmero final de produtos selecionados foi de 614 os quais foram classificados pela funo teraputica e pelo cdigo de Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM).6. Essa hiptese no irrealista. Silva (1999) identificou um aumento substantivo das importaes no somente de princpios ativos, como tambm de medicamentos prontos para venda, entre 1992 e 1998. 7. Por exemplo, no se considerou a possibilidade de cumulatividade do ICMS ou um maior nmero de etapas no caso do PIS/Cofins.

Tributao e dispndio com sade das famlias brasileiras ...

11

Para a classificao dos medicamentos por suas funes teraputicas foi utilizado o cdigo Alfa (alfabtica/teraputica), o que se trata de uma catalogao, por uso teraputicos, de produtos comerciais e genricos. O cdigo Alfa subdivide-se em grupos e em subgrupos teraputicos. Por exemplo, medicamentos cardiovasculares so subdivididos em dez classes teraputicas. Alm das classes constantes da classificao Alfa, criou-se outra denominada de mltiplas funes teraputicas, pois existem medicamentos que tratam de patologias diferentes. Uma ilustrao disso o medicamento clorafenicol, utilizado para quimioterapia sistmica, oftalmologia e otologia. A classificao dos medicamentos, por classes e subclasses teraputicas, foi realizada por meio de um guia,8 que informa o nome comercial e o nome genrico do medicamento, os fabricantes, as apresentaes, a frmula completa e a classe teraputica. O nome apresentado no rtulo de alguns medicamentos do banco de dados no constava no referido guia. Tal problema foi solucionado, salvo em alguns casos, com a utilizao de um dicionrio de medicamentos genricos,9 o qual descreve os nomes comerciais, genricos, os usos teraputicos e os sinnimos dos medicamentos. Os cdigos numricos utilizados na base de dados pertencem NCM que, por sua vez, baseia-se no Sistema Harmonizado de Designao de Mercadorias (SH) verso 1996. A cada cdigo numrico, composto por oito dgitos, corresponde a descrio de um produto, segundo um critrio de agrupamento por gnero, espcie ou derivao. No banco de dados de medicamentos constam as seguintes variveis: classe teraputica, NCM, nome do medicamento, diferentes formas de apresentao, alquotas legais dos tributos ou benefcios fiscais e, finalmente, observaes sobre a legislao do II, do IPI e do ICMS (convnios Confaz). Quanto natureza, essas observaes permitem diferenciar as situaes de tributao normal das isenes e/ou de outros benefcios fiscais concedidos aos tributos federais e ao ICMS. A principal dificuldade encontrada na realizao deste trabalho estava na compatibilizao das nomenclaturas da classificao Alfa com as da classificao NCM, pois essas ltimas apresentam funes e objetivos diferentes. Serviu de base para esse processo de compatibilizao um trabalho anteriormente realizado pela Associao Brasileira da Indstria Farmoqumica (Abiquif), no Index 2000.

8. Utilizou-se, nesse caso, o Guia de Medicamentos Zanini-Oga de 1997/1998. 9. Consultou-se o Dicionrio de Medicamentos Genricos Zanini-Oga.

12

planejamento e polticas pblicas | ppp | n. 24 | dez 2001

3 TRIBUTAO SOBRE MEDICAMENTOS: ALQUOTAS LEGAIS E CARGA TRIBUTRIA

O clculo da carga tributria incidente sobre os medicamentos foi feito mediante a suposio da aquisio deles por parte das famlias, e levando-se em conta diferentes hipteses de incidncia do ICMS e do Imposto de Importao (TEC). Primeiramente foram consideradas as hipteses de no incluso da TEC e a incidncia da alquota legal de 17% para o ICMS. Posteriormente, calculou-se a carga tributria considerando-se a incluso da TEC e uma alquota legal de 18% para o ICMS. Tal cuidado se faz necessrio pelo fato de se ter de considerar as diferenas tributrias entre produtos produzidos internamente e aqueles importados em parte ou em sua totalidade. Deve-se ter ainda em conta que a alquota-padro de ICMS em So Paulo, em Minas Gerais e no Rio de Janeiro de 18%, enquanto os demais estados praticam alquotas de 17%. As diferentes hipteses de incidncia dos tributos possibilitaram calcular um intervalo de carga tributria mnima e mxima para os medicamentos, como antes comentado. Buscou-se, posteriormente, avaliar que impostos, e respectivas alquotas legais, eram importantes para explicar a carga tributria estimada. Procurouse, ainda, identificar as situaes em que os produtos gozavam de algum tipo de benefcio, no que concerne aos tributos federais e ao ICMS, por meio de convnios do Confaz. A tabela 2 apresenta os resultados relativos carga tributria incidente sobre as aquisies de medicamentos por parte das famlias, considerando-se a alquotas-padro, de 17%, do ICMS. No foi considerada, nesse caso, a hiptese de incidncia da TEC. Ou seja, por hiptese todos os medicamentos so produzidos domesticamente. Essa situao corresponde ao limite inferior da carga tributria incidente sobre medicamentos. Como se pode constatar, as cargas tributria mdias so elevadas em todas as classes teraputicas, situando-se, em sua maioria no patamar superior a 21%. Figuram como exceo os medicamentos relacionados a mltiplas funes teraputicas, quimioterapia sistmica, aos digestivos, aos hormnios e anti-hormnios, ao sangue e hematologia, bem como aqueles classificados no grupo vrios. Os produtos classificados nessas classes teraputicas apresentam cargas tributrias mdias inferiores a 21%. Vale notar ainda que a carga tributria mdia incidente nas classes teraputicas de medicamentos cardiovasculares, de hormnios e de anti-hormnios, os quais combatem doenas crnicas, tais como hipertenso e diabetes, so, respectivamente, de 22,54% e de 20,42%. Assim, em medicamentos de uso contnuo incide em mdia, uma carga fiscal que corresponde a mais do que um quinto do preo final pago pelas famlias.

Tributao e dispndio com sade das famlias brasileiras ...

13

TABELA 2Carga tributria sobre medicamentos adquiridos pelas famlias sem incidncia da TEC(em %)

Alquota de ICMS de 17% Grupos Analgesia e anestesia Cardiovascular Digestivo Eletrlitos e nutrio Geniturinrio Hormnios e anti-hormnios Imunologia e alergia Mltiplas funes teraputicas Neurologia Oftalmologia e otologia Psiquiatria Quimioterapia sistmica Respiratrio Sangue e hematologia Tpicos para pele e mucosas Vrios Total Mxima 24,67 24,67 24,67 24,67 24,67 24,67 24,67 24,67 24,67 24,67 24,67 24,67 24,67 24,67 27,63 24,67 27,63 Mnima 7,67 7,67 7,67 24,67 24,67 7,67 24,67 7,67 24,67 24,67 24,67 7,67 24,67 7,67 24,67 7,67 7,67 Moda 24,67 24,67 24,67 24,67 24,67 24,67 24,67 24,67 24,67 24,67 24,67 24,67 24,67 24,67 24,67 7,67 24,67 Mdia 22,84 22,54 19,88 24,67 24,67 20,42 24,67 19,00 24,67 24,67 24,67 18,32 24,67 20,42 24,81 14,82 21,26 DP 5,29 5,69 7,77 0,00 0,00 7,60 0,00 8,11 0,00 0,00 0,00 8,25 0,00 7,69 0,66 8,51 6,81 CV 0,23 0,25 0,39 0,00 0,00 0,37 0,00 0,43 0,00 0,00 0,00 0,45 0,00 0,38 0,03 0,57 0,32

Fonte: Secretaria da Receita Federal, Secretarias Estaduais de Fazenda e Confaz.

Os valores da carga tributria sobre medicamentos comprados pelas famlias so ainda maiores quando se considera a moda. O valor modal da carga tributria de 24,67%. Essa estatstica apresenta o mesmo valor para todas as classes de medicamentos, exceto no caso daqueles classificados em vrios. Em suma: considerando-se o valor modal, e supondo-se a produo totalmente nacional, praticamente um quarto do preo da maioria dos medicamentos, de todas as classes teraputicas, comprados pelas famlias brasileiras, formado pela carga tributria. Por outro lado, cabe observar ainda que medicamentos da base de dados de sete classes teraputicas apresentam carga tributria homognea, no incidindo neles alquotas legais diferenciadas. Isso se traduz em cargas tributrias mnimas idnticas aos valores mximos e em um mesmo valor para as estatsticas de variabilidade, o que ocorre em: eletrlitos e nutrio; geniturinrios; imunologia e alergia; neurolgicos; oftalmolgicos e otolgicos;

14

planejamento e polticas pblicas | ppp | n. 24 | dez 2001

psiquiatria e respiratrios, e indica que no h, para esses medicamentos, nenhum tratamento tributrio diferenciado. Por exemplo: os de uso psiquitrico, considerados na base de dados, apresentam todos a mesma tributao. Para todas as demais classes teraputicas verificam-se medidas de disperso diferentes de zero, fruto de valores diferenciados de carga tributria dos medicamentos intraclasses. A incidncia tributria no igual para produtos de mesma funo teraputica. Isso decorre basicamente da iseno do ICMS para um determinado nmero de medicamentos, em razo de convnios firmados no mbito da Confaz. No entanto, as cargas tributrias por classes teraputicas no apresentam uma disperso significativa, o que indica a incidncia de um nmero reduzido de alquotas legais sobre a maioria de medicamentos. A tabela 3 apresenta as cargas tributrias incidentes sobre as compras, por parte das famlias, de medicamentos cujo valor engloba a introduo da TEC e da alquota de 18% do ICMS. Pode-se constatar que, em relao ao apresentado na tabela 2, as medidas de tendncia central da carga tributria de todas as classes teraputicas tm seus valores aumentados. A TEC incide sobre todas elas, no caso de medicamento importado, aumentando-lhes de forma no desprezvel a carga tributria. A carga tributria estimada da maioria das classes teraputicas situa-se no patamar mdio prximo dos 30%, a carga mdia para o total dos medicamentos fica em torno de 26%, e a moda acima de 29%. Dessa forma, ao se considerar a incidncia da TEC e a hiptese de alquotapadro de 18% do ICMS nota-se que a maior parte dos produtos possui cargas mdias entre 25% e 31%. As classes de medicamentos que apresentam cargas mdias inferiores a 25% so: mltiplas funes teraputicas, quimioterapia sistmica, sangue e hematologia e vrios. interessante observar que, com a incidncia da TEC, os medicamentos de sangue e hematologia tm uma carga tributria abaixo de 25%. A alquota de importao provoca impacto reduzido na constituio da carga tributria total dessa classe teraputica. Considerados os valores modais das classes teraputicas, as cargas tributrias ficam mais prximas dos 30%. E, se observados os valores mximos, constata-se que em praticamente todas as classes teraputicas h medicamentos cuja carga tributria superior a 30%. Isso ocorre, por exemplo, no caso dos cardiovasculares, muitas vezes de uso contnuo. As estatsticas de variabilidade da carga tributria com incidncia da TEC e da alquota de 18% do ICMS indicam ainda um disperso relativamente pequena. No entanto, observa-se uma reduo das classes teraputicas que apresentavam uma tributao idntica para todos os medicamentos classificados, na

Tributao e dispndio com sade das famlias brasileiras ...

15

hiptese de no incidncia da TEC. Somente aqueles contra doenas respiratrias tm um desvio-padro igual a zero. A TEC apresenta uma maior variabilidade de alquotas legais incidindo sobre medicamentos.TABELA 3Carga tributria sobre medicamentos adquiridos pelas famlias com incidncia da TEC(em %) Grupos Analgesia e anestesia Cardiovascular Digestivo Eletrlitos e nutrio Geniturinrio Hormnios e anti-hormnios Imunologia e alergia Mltiplas funes teraputicas Neurologia Oftalmologia e otologia Psiquiatria Quimioterapia sistmica Respiratrio Sangue e hematologia Tpicos para pele e mucosas Vrios Total Alquota de ICMS de 18% Mxima 31,48 31,48 31,48 32,05 31,48 31,48 31,48 31,48 31,48 31,48 31,48 31,48 29,63 29,63 33,14 30,88 33,14 Mnima 8,83 11,63 11,63 26,83 29,63 11,63 26,83 8,83 27,57 29,63 27,57 8,83 29,63 10,97 29,63 8,83 8,83 Moda 29,63 31,48 30,27 32,05 29,63 29,63 29,63 29,63 29,63 31,48/29,63 29,63 29,63 29,63 29,63 29,63 11,63 29,63 Mdia 28,08 28,35 25,11 29,62 30,09 25,71 29,44 23,78 29,77 30,55 30,06 23,05 29,63 24,73 30,78 18,75 26,27 DP 6,44 6,46 8,60 1,80 0,92 8,43 1,65 9,54 1,43 1,31 0,89 9,42 0,00 8,34 1,37 9,55 7,80 CV 0,23 0,23 0,34 0,06 0,03 0,33 0,06 0,40 0,05 0,04 0,03 0,41 0,00 0,34 0,04 0,51 0,30

Fonte: Secretaria da Receita Federal, Secretarias Estaduais de Fazenda e Confaz.

A TEC , portanto, um tributo no irrelevante na composio da carga tributria final dos medicamentos, embora com um peso menor que o do ICMS. Considerando-se a carga mdia, bem como a hiptese de todo medicamento comprado pelas famlias ser importado, mais de um quarto do seu preo final seria pago em tributos. Quando se adota a moda, esse valor fica prximo de um tero dos gastos das famlias com medicamentos. Se um laboratrio importa o medicamento, na maioria dos casos as pessoas pagaro, cerca de 30% em tributos. Portanto, depreende-se desses resultados o fato de o peso dos tributos incidentes nas aquisies de medicamentos ser muito elevado para as famlias, considerando-se sobretudo o grau de essencialidade desses produtos e a renda per capita do pas.

16

planejamento e polticas pblicas | ppp | n. 24 | dez 2001

A tabela 4 informa sobre a estrutura de alquotas legais dos tributos analisados, o que possibilita identificar as situaes diferenciadas de tributao estadual e federal, que explicam a carga tributria e a variabilidade de cada classe teraputica.TABELA 4Alquotas legais do ICMS, do IPI e da TEC sobre medicamentosICMS Grupos Mxima 17/18 17/18 17/18 17/18 17/18 17/18 17/18 17/18 17/18 17/18 17/18 17/18 17/18 17/18 17/18 17/18 17/18 Mnima 0 0 0 17/18 17/18 0 17/18 0 17/18 17/18 17/18 0 17/18 0 17/18 0 0 Modal 17/18 17/18 17/18 17/18 17/18 17/18 17/18 17/18 17/18 17/18 17/18 17/18 17/18 17/18 17/18 0 17/18 Mxima 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 8 0 8 IPI Mnima 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 Modal 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 Mxima 17 17 17 19 17 17 17 17 17 17 17 17 11 11 23 15 23 TEC Mnima 3 11 5 3 11 11 3 3 5 11 5 3 11 3 7 3 3 Modal 11 17 11 19 11 11 11 11 11 17/11 11 11 11 11 11 11

Analgesia e anestesiaCardiovascular Digestivo Eletrlitos e nutrio Geniturinrio Hormnios e anti-horm. Imunologia e alergia Mltiplas funes teraputicas Neurologia Oftalmologia e otologia Psiquiatria Quimioterapia sistmica Respiratrio Sangue e hematologia Tpicos p/ pele e mucosa Vrios Total

11

Fonte: Secretaria da Receita Federal, Secretarias Estaduais de Fazenda e Confaz.

No caso de incidncia do ICMS, os medicamentos so beneficiados por isenes especficas, autorizadas por convnios da Confaz. Os Convnios 104/ 1989 e 51/1994, com suas posteriores atualizaes, regulam a maioria dos casos de iseno do ICMS sobre tais produtos. No h outros benefcios fiscais como reduo de base de clculo ou de crdito outorgado para o consumidor final, quer seja ele famlias quer seja instituies.10 O Convnio 104/1989 concedia, a princpio, a iseno de ICMS importao de bens destinados ao ensino, pesquisa e aos servios mdico-hospitalares por parte entidades da administrao pblica, de instituies beneficentes ou de assistncia social. 11 Posteriormente, no Convnio 95/1995 foi10. Vale ressaltar o fato de vrios estados oferecerem benefcios fiscais para a instalao de laboratrios e de centros de distribuio de medicamentos. 11. A maioria dos hospitais privados goza de certificado de assistncia social ou de instituio beneficente, o que lhe garante uma srie de isenes e de imunidades tributrias.

Tributao e dispndio com sade das famlias brasileiras ...

17

incorporado o quarto pargrafo, e a nova redao do Convnio 104/1989 passou ento a autorizar a iseno para um grupo de 51 medicamentos. Esse benefcio fiscal condicionado fixao de alquotas ou de iseno do II ou do IPI, para os mesmos produtos, pelo governo federal. Os medicamentos isentos por tal convnio explicam, nas classes teraputicas nas quais isso ocorre, o valor da alquota igual a zero, como mostra a tabela 4. O Convnio 51/1994 concede iseno a medicamentos contra a Aids, os quais esto classificados nos grupos de quimioterapia sistmica (viroses) e de medicamentos variados. 12 Os medicamentos contra neoplasias, relacionados no grupo de quimioterapia sistmica, ainda gozam, em tese, de iseno tributria do ICMS. O Convnio 162/1994 autoriza o Estado do Rio de Janeiro a conceder iseno nas operaes internas de produtos destinados ao tratamento do cncer. As outras unidades da Federao e o Distrito Federal podem conceder o mesmo benefcio por meio do Convnio 34/1996. No entanto, a aplicao da iseno para esses medicamentos no clara. Diversos deles, como a daunorrobicina, apresentam tributao normal do ICMS, segundo as Edies Aduaneiras TEC, de maio de 2000. Aparentemente, o ICMS continua incidindo em um nmero expressivo de produtos contra neoplasias, exclusive em um pequeno nmero de medicamentos contra o cncer tratados expressamente no Convnio 104/1989. Em relao ao IPI, a quase totalidade dos medicamentos constantes da base de dados est isenta de imposto. A nica exceo a vaselina lquida, produto da classe teraputica tpicos para pele e mucosas, cuja alquota de 8%. A TEC o tributo com maior variabilidade de alquotas legais incidindo sobre os medicamentos. A alquota mxima identificada foi de 23%, e, a mnima, de 3%. A alquota legal que incide na maioria das classes teraputicas de 11%. Os medicamentos cardiovasculares, os eletrlitos e os de nutrio so os mais gravados pela TEC, com alquota modal de 17% e de 19%, respectivamente. H, no Rio Grande do Sul,13 especificidades em relao incidncia do ICMS sobre medicamentos, e consumidores de produtos gozam de tratamento tributrio diferenciado em relao ao resto do pas. Nessa unidade da Federao, a legislao estadual do ICMS concede benefcio tributrio de reduo da base de clculo para 41,17% nas sada interna12. A zidovudina est classificada como medicamento de quimioterapia sistmica contra vrus, e se enquadra tambm na classe medicamentos variados. As drogas contra a Aids esto classificadas como medicamentos variados, como, por exemplo, a lamivudina. 13. A pesquisa tambm levantou aspectos especficos da tributao interestadual do ICMS para um conjunto de estados. Uma anlise prvia do material mostra a existncia de uma guerra fiscal visando a atrair laboratrios e distribuidoras de medicamentos por parte de alguns estados. No entanto, a alquota do ICMS continua sendo 17% ou 18% nas operaes internas para o consumidor final.

18

planejamento e polticas pblicas | ppp | n. 24 | dez 2001

das mercadorias que compem a cesta bsica de medicamentos;14 reduo essa que implica uma alquota efetiva do ICMS de 7% para o consumidor. A cesta de medicamentos do Estado do Rio Grande do Sul, beneficiada pela reduo da carga tributria do ICMS, composta dos seguintes produtos: cido acetil saliclico; ampicilina; cimetidina; cinarizina; eritromicina; furosemida; hidroclorotiazida; insulina NPH-100; isossorbida; metildompa; nifedipina; propanolol; salbutamol; sulfametoxazol; trimetoprima e verapamil.154 CARGA TRIBUTRIA SOBRE GASTOS DAS FAMLIAS COM MEDICAMENTOS 4.1 Caractersticas e evoluo dos gastos das famlias com assistncia sade e medicamentos

Na tabela 5 so apresentadas as alteraes ocorridas entre 1987 e 1996, para todos os estratos de renda, na participao dos gastos com assistncia sade no oramento global das famlias, estando tambm presente a representao percentual das mudanas de cada faixa de renda familiar. Como se pode notar, os maiores crescimentos situaram-se nas classes de renda inferiores e nas intermedirias, chegando a representar quase 10% do oramento das famlias cuja renda de at dois salrios mnimos. Esse comportamento concedeu posio de maior destaque a esses gastos no oramento familiar, tornando-os o quarto principal item de despesa na mdia das classes de renda familiar, atrs somente de alimentao, de habitao e de transporte. No caso das famlias com renda de at dois salrios mnimos, tais gastos subiram da quinta para a terceira posio no ranking dos itens de despesa familiar. A composio dos dispndios em assistncia sade, segundo estratos selecionados de renda familiar, constante na tabela 6, aponta claramente a existncia de diferentes perfis de gasto. Enquanto nas famlias de menor renda as despesas com remdios respondem pela maior parcela, para as famlias localizadas no topo da distribuio a cesta dos dispndios em sade bastante ampla, predominando, em 1996, os gastos efetuados com planos de sade. As mudanas de composio no gasto das famlias com sade, entre 1987 e 1996, ocorrem, de fato, no estrato de renda superior a 30 salrios mnimos. Nessa classe, observa-se um crescimento vertiginoso da participao dos gastos com seguro-sade, que se reflete numa diminuio dos gastos com profissionais de sade, exames e hospitalizao que, de modo geral, so aqueles que ganham14. Decreto no 39 276 (Art. 495) de 9/2/1999 publicado no DOE de 10/2/1999. 15. O Distrito Federal, pelo Decreto n o 18 955/1997, concedeu base de clculo reduzida, entretanto, o Decreto n o 20 931 de 30/12/ 1999 modificou o benefcio de reduo da base de clculo equiparando a carga fiscal dos medicamentos beneficiados com a vigente no resto do pas.

Tributao e dispndio com sade das famlias brasileiras ...

19

cobertura quando da aquisio de um plano ou seguro-sade. De modo contrrio, observa-se que, as famlias com recebimentos de at dois salrios mnimos aumentaram o dispndio com profissionais de sade e hospitalizao.TABELA 5Percentual da despesa mdia mensal familiar em assistncia sade no desembolso global para o total das reas POF 1987/1988 e 1995/1996 Classes de recebimento mensal familiar (s. m.) Mdia At 2 Mais de 2 a 3 Mais de 3 a 5 Mais de 5 a 6 Mais de 6 a 8 Mais de 8 a 10 Mais de 10 a 15 Mais de 15 a 20 Mais de 20 a 30 Mais de 30 1987 5,31 6,30 5,45 5,21 4,61 5,07 5,67 5,36 5,80 5,72 5,04 1996 6,50 9,59 7,29 6,65 6,54 6,57 7,04 6,84 7,55 6,76 5,80 Variao percentual 22,41 52,22 33,76 27,64 41,87 29,59 24,16 27,61 30,17 18,18 15,08

Fonte: Pesquisa de Oramento Familiar ( POF), do IBGE, de 1987/1988 e de 1995/1996.

TABELA 6Composio percentual do gasto mensal em assistncia sade, para estratos selecionados de renda familiar para o total das reas POF 1987/1988 e 1995/1996(em %) Tipo de despesa 1988 Remdios Seguro-sade Tratamento e prod. dentrios Profissionais de sade Tratamento e prod. oftalmolgicos Hospitalizao Exames Outros servios de sade Material mdico Produtos de puericultura Outros prod. farmacuticos 70,9 2,4 8,5 7,7 5,8 1,9 2,4 0,3 0,0 0,0 0,0 At 2 1996 58,9 10,9 3,8 17,4 1,3 5,0 1,3 0,5 0,3 0,4 0,2 Classes de recebimento mensal familiar Mais de 5 a 6 Mais de 10 a 15 1988 58,6 6,3 13,2 8,7 7,0 1,9 3,0 0,1 1,0 0,0 0,0 1996 56,6 23,3 11,1 2,1 1,7 0,2 2,3 1,4 0,8 0,5 0,2 1988 44,6 9,4 20,5 10,4 5,4 2,2 5,2 1,9 0,4 0,0 0,0 1996 42,0 29,3 14,5 5,5 3,2 1,3 1,3 1,6 0,9 0,2 0,2 Mais de 30 1988 21,1 17,6 20,7 23,2 5,2 4,9 4,5 2,1 0,6 0,0 0,0 1996 24,8 32,0 21,0 12,3 3,1 3,3 2,0 1,1 0,3 0,0 0,1

Fonte: Pesquisa de Oramento Familiar ( POF), do IBGE, 1987/1988 e de 1995/1996.

20

planejamento e polticas pblicas | ppp | n. 24 | dez 2001

Avaliando-se esses gastos em termos absolutos, percebe-se que patente a insuficincia dos dispndios particulares com assistncia sade nas famlias de menor renda. Concretamente, no primeiro estrato de renda familiar o gasto mdio mensal per capita com sade, em 1996, foi pouco inferior a R$ 8,00, sendo desprezveis os gastos, em termos absolutos, no efetuados com remdios. Esse quadro se reproduz, em linhas gerais, nas classes intermedirias de renda, especialmente quanto ao peso dos gastos com remdios e a pouca importncia absoluta de gastos com seguro-sade. Situao bem diversa da observada aquela das famlias de maior renda, para as quais o oramento com assistncia sade atinge R$ 77,13 mensais per capita, com uma participao de quase um tero dos gastos destinados a planos de sade. A comparao entre os gastos familiares com medicamentos e seus recebimentos totais mostra, com clareza, o peso que este item do oramento tem na renda das famlias mais pobres. Em 1996, para a mdia das regies metropolitanas total das reas, conforme a tabela 7 , os dispndios com medicamentos foram responsveis pelo comprometimento de quase 10% do recebimento total nas famlias cuja renda mensal era de at dois salrios mnimos, quadro que muda radicalmente medida que se avana na escala de renda familiar mensal. De fato, para as famlias com renda mensal superior a trinta salrios mnimos os dispndios com medicamentos representaram somente 2,1% do recebimento familiar total.TABELA 7Participao dos gastos familiares com medicamentos no recebimento mensal familiar, segundo estratos selecionados de renda familiar, nos principais centros urbanos brasileiros 1987/1988 e 1995/1996(em %)

Regies Metropolitanas Belm Belo Horizonte Braslia Curitiba Fortaleza Goinia Porto Alegre Recife Rio de Janeiro Salvador So Paulo Total das reas

At 2 1987 8,0 8,1 7,5 11,1 3,9 8,4 8,4 5,1 6,5 5,7 10,9 7,4 1996 6,9 8,8 5,9 13,0 4,7 10,6 9,7 6,3 10,5 6,6 12,8 9,4

Mais de 5 a 6 1987 4,1 2,6 2,5 3,2 2,5 4,1 2,5 3,1 3,4 2,9 2,7 3,0 1996 3,3 4,1 3,9 3,4 2,9 3,6 3,8 4,0 4,1 3,3 3,8 3,8

Mais de 10 a 15 1987 2,8 2,1 2,9 2,6 2,5 2,6 1,9 2,1 1,9 1,9 2,5 2,3 1996 3,1 3,3 1,6 3,4 2,3 3,4 2,5 2,4 2,8 2,3 2,5 2,7

Mais de 30 1987 1996 1,0 0,9 1,0 0,8 0,8 0,9 1,2 0,8 0,8 1,0 0,8 0,8 1,0 1,0 1,3 1,3 0,9 1,0 1,1 1,0 1,0 1,0 1,1 1,1

Mdia 1987 1996 2,2 1,8 1,6 1,9 1,7 1,8 1,9 1,6 1,6 1,6 1,7 1,7 2,2 2,2 1,6 2,4 2,0 2,3 2,1 2,3 2,2 2,2 1,9 2,1

Fonte: Pesquisa de Oramento Familiar ( POF), do IBGE, de 1987/1988 e de 1995/1996.

Tributao e dispndio com sade das famlias brasileiras ...

21

A avaliao da composio dos gastos com remdios, segundo grupos de medicamentos, por faixas de renda familiar, como mostra a tabela 8, indica a existncia de diferentes cestas de medicamentos conforme o nvel de renda das famlias. Nas famlias de menor renda, o consumo de medicamentos apresenta-se mais concentrado em alguns grupos de remdios, como antiinflamatrios, vasodilatadores, analgsicos e antitrmicos, que, juntos, respondem por quase 50% dos gastos. Conforme se avana na estratificao, observa-se um processo de diversificao dos gastos, sendo que, nas classes de maior renda, ganham importncia os antibiticos e os anticoncepcionais. Cabe observar que, em termos absolutos, h uma enorme diferena entre os gastos com medicamentos das famlias de menor renda e daquelas de maior renda. Assim, esse gasto mdio mensal familiar per capita no ltimo estrato (mais de trinta salrios mnimos) 4,1 vezes superior ao efetuado pelas pessoas de renda familiar de at dois salrios mnimos.

TABELA 8Composio dos dispndios com remdios, segundo tipos de medicamentos, por faixas selecionadas de renda familiar total das reas (onze maiores centros urbanos) 1996(em %) Grupo de medicamentos Antiinflamatrio Vasodilatador e para presso arterial Antiinfeccioso e antibitico Analgsico e antitrmico Antigripal e antitussgeno Calmante e estimulante Antialrgico Vitamina (exceto B12) Dermatolgico Anticido Contra diabetes Anticoncepcional e hormnio Outros1

At 2 12,2 18,7 7,6 9,1 6,0 7,3 1,7 3,4 3,7 1,8 7,6 1,8 6,5 12,7

Mais de 5 a 6 11,3 17,6 8,0 11,9 9,7 4,1 3,7 3,0 4,6 2,8 0,8 2,9 9,5 10,2

Mais de 10 a 15 12,2 14,7 10,0 8,5 6,4 4,7 3,4 4,2 4,5 2,3 1,4 2,8 5,7 19,2

Mais de 30 9,1 13,8 10,3 7,0 5,2 5,1 3,4 3,4 4,8 2,8 1,9 6,4 3,7 23,0

Mdia 11,2 14,6 10,3 9,0 6,1 5,0 3,8 4,7 3,7 2,7 1,7 3,3 5,0 18,9

Agregado de produtos farmacuticos2

Fonte: Pesquisa de Oramento Familiar ( POF), do IBGE, de 1996. Notas: 1Contra doenas dos rins (renal), do fgado (heptico); fortificante; vermfugo; para controle do colesterol; moderador de apetite; contra osteosporose; antiasmtico; anticonvulsivo; laxante e purgativo; quimioterpico; vitamina B12; anti-refluxivo gstrico; anti-reumtico.2

Compra sem discriminao do tipo de produtos, podendo-se supor sua composio como semelhante apurada.

22

planejamento e polticas pblicas | ppp | n. 24 | dez 2001

4.2 Carga tributria sobre o gasto familiar com medicamentos por faixa de renda e Regio Metropolitana

Os gastos das famlias, por grupos de medicamentos, foram associados s correspondentes cargas tributrias. Dessa forma, estimou-se a participao dos tributos sobre os gastos com esse produtos na renda mensal familiar per capita. Isso foi feito para cada um dos centros urbanos abrangidos pela POF, e segundo as classes de renda. Diante da renda familiar, os resultados mostram uma alta regressividade na carga tributria de medicamentos, como mostra o grfico 1. Dito de outra forma: a evidncia obtida demonstra que os tributos pagos na aquisio de medicamentos recaem mais pesadamente sobre as famlias mais pobres do que sobre as famlias mais ricas. Isso ocorre essencialmente por dois motivos. Em primeiro lugar, pela acentuada disparidade na distribuio de rendimentos que se verifica entre o universo de famlias pesquisadas. Considerando-se o total das reas (mdia das regies urbanas), constata-se, pelos dados da POF/IBGE, de 1995/1996, que o recebimento mdio familiar per capita da classe de renda mais elevada (superior a 30 salrios mnimos) 37 vezes maior que o da primeira classe (at dois salrios mnimos).16 Como j mencionado, os rendimentos mdios das famlias de estratos inferiores de renda so muito reduzidos. Assim, os impostos indiretos tm, de modo geral, um peso expressivo sobre a renda dessas famlias e reduz seu poder de compra. Em segundo lugar, a alta regressividade dos tributos incidentes sobre medicamentos decorre ainda do fato de esses produtos representarem, como foi visto, um peso muito maior para as famlias mais pobres do que para as mais ricas. Por esse motivo, os impostos indiretos sobre medicamentos pesam mais, relativamente renda, para as famlias pobres. Em termos regionais, e conforme se pode observar pelo grfico 1, o grau de regressividade mais elevado em Curitiba e em So Paulo, onde as famlias cuja renda de at dois salrios mnimos destinam pouco mais de 3,5% dela para o pagamento de tributos incidentes sobre os medicamentos; enquanto nas famlias do ltimo estrato esse percentual cerca de 0,25%. J no Distrito Federal e em Fortaleza, verifica-se uma regressividade menos pronunciada em relao aos tributos sobre medicamentos, o que representa cerca de 1,5% da renda nas famlias mais pobres. Contudo preciso ponderar, a esse respeito, que isso se deve basicamente ao fato de os gastos com medicamentos, feitos pelas famlias de baixa renda, especialmente em Fortaleza, ser bastante inferiores aos observados nas demais regies.16. Para maiores detalhes acerca da distribuio de rendimentos com base nos dados da POF, do IBGE, 1995-1996, ver Werneck Vianna et alii (2000).

Tributao e dispndio com sade das famlias brasileiras ...

23

GRFICO 1Tributos sobre medicamentos, em relao renda, por Regio Metropolitana4,0 3,5 3,0 2,5 %2,0 1,5 1,0 0,5 0,0 Belm Belo Braslia Horizonte Curitiba Fortaleza Goinia 5a6 Porto Alegre Recife Rio de JaneiroSalvador So Paulo

At 2

10 a 15

Mais de 30

Fonte: Pesquisa de Oramento Familiar (POF), do IBGE, de 1996.

5 PRINCIPAIS CONCLUSES

Neste trabalho, inicialmente se estimou a carga dos principais tributos indiretos incidentes sobre medicamentos. A mdia da carga tributria que grava os medicamentos de 21%, no caso de compras familiares e considerando-se tanto a alquota-padro do ICMS, de 17%, quanto a no incidncia da TEC. Os medicamentos relacionados a mltiplas funes teraputicas, quimioterapia sistmica, digestivos, bem como aqueles com utilidades teraputicas variadas apresentam cargas tributrias inferiores a 21%. Os valores da carga tributria sobre medicamentos comprados pelas famlias so ainda maiores quando se considera a moda. O valor modal da carga tributria de 24,67%. Vrias classes teraputicas relacionadas com medicamentos de uso contnuo, como no casso dos cardiovasculares, no so contempladas com uma carga mdia mais reduzida. Considerando-se uma alquota-padro de 18%, do ICMS, e a incidncia da TEC, as famlias so gravadas por uma carga tributria estimada, para maioria das classes teraputicas, em aproximadamente 30%, e a carga mdia para o total dos medicamentos fica em torno de 26%. O ICMS o tributo que mais conta na composio da carga tributria desses produtos. reduzido o nmero de medicamentos isentos. Isso ocorre basicamente em relao queles contra a Aids (Convnio Confaz 51/1994) e aos quimioterpicos (Convnio Confaz 104/1989).

24

planejamento e polticas pblicas | ppp | n. 24 | dez 2001

Os resultados apontam para o peso significativo da tributao na formao do preo final dos medicamentos adquiridos pelas famlias brasileiras, mais ainda quando se considera a essencialidade desses produtos e o nvel da renda per capita da grande maioria da populao. Avaliou-se, neste trabalho, a participao da carga tributria sobre medicamentos na renda das famlias, utilizando-se dados da POF/IBGE, de 1995/ 1996. Em 1996, para a mdia das regies metropolitanas total das reas , os dispndios com medicamentos eram responsveis pelo comprometimento de quase 10% do recebimento total das famlias com renda mensal de at dois salrios mnimos; quadro esse que muda radicalmente medida que se avana na escala de renda familiar mensal. De fato, para as famlias com renda mensal superior a 30 salrios mnimos os dispndios com tais produtos representaram somente 1,1% do recebimento total. Naquelas de menor renda, o consumo de medicamentos apresenta-se mais concentrado no que diz respeito a alguns grupos de remdios, como os antiinflamatrios, os vasodilatadores, os analgsicos e os antitrmicos que, juntos, respondem por quase 50% dos gastos. Conforme se avana na estratificao de renda familiar, observa-se um processo de diversificao dos gastos, sendo que, nas classes de maior renda, ganham importncia os antibiticos e os anticoncepcionais. O gasto mdio mensal familiar per capita com medicamentos no ltimo estrato (mais de trinta salrios mnimos) 4,1 vezes superior ao efetuado pelas pessoas de renda familiar de at dois salrios mnimos. Os gastos das famlias, por grupos de medicamentos, foram associados s correspondentes cargas tributrias. Dessa forma, estimou-se a participao dos tributos sobre os dispndios com esses produtos na renda mensal familiar per capita. Isso foi feito para cada um dos centros urbanos abrangidos pela POF, segundo classes de renda. O grau de regressividade mais elevado em Curitiba e em So Paulo, onde as famlias cuja renda de at dois salrios mnimos destinam pouco mais de 3,5% dela para o pagamento de tributos incidentes sobre os medicamentos; ao passo que, nas famlias do ltimo estrato, esse percentual cerca de 0,25%. Os resultados apontam, portanto, para o peso significativo da tributao na formao do preo final dos medicamentos adquiridos pelas famlias brasileiras, principalmente quando se considera a essencialidade desses produtos e o nvel de renda per capita da maioria da populao. Mostram, tambm, que uma das faces ocultas das desigualdades da sociedade brasileira uma tributao excessiva em relao a bens essenciais, tais como medicamentos.

Tributao e dispndio com sade das famlias brasileiras ...

25

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

ERIS, I. et alii. A distribuio de renda e o sistema tributrio no Brasil. In: ERIS, C.C. et al. Finanas pblicas. So Paulo: Estudos Econmicos Fipe/Pioneira, 1983. SILVA, R.I. Indstria farmacutica brasileira: estrutura e a questo dos preos de transferncia (Tese de doutorado). Rio de Janeiro: Escola de Qumica/ Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 1999. SIQUEIRA, R.B.; NOGUEIRA, J.R. e SOUZA, E. S. Uma anlise da incidncia final dos impostos indiretos no Brasil. Recife: Departamento de Economia, Universidade de Pernambuco, 1998 (mimeo). SOUZA, M.C.S. Tributao indireta no Brasil: eficincia versus eqidade. Revista Brasileira de Economia, v. 50, n. 1, p. 3-20, 1996. WERNECK VIANNA, S.T. et alii. A carga tributria direta e indireta sobre as unidades familiares no Brasil: avaliao de sua incidncia nas grandes regies urbanas em 1996. Braslia: Ipea (Texto para Discusso, n. 757), ago. 2000.

DESCENTRALIZAO DO ENSINO FUNDAMENTAL: AVALIAO DE RESULTADOS DO FUNDEF*Marcos MendesDoutorando em Economia IPE/USP, consultor de economia do Senado Federal e pesquisador do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial

Analisa-se aqui um caso importante no processo brasileiro de descentralizao fiscal: o ensino fundamental. Mostra-se que essa rea obteve avanos em virtude da substituio de transferncias fiscais no vinculadas por transferncias vinculadas, mediante a criao do Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef). No s houve progresso em todas as regies do pas como tambm ocorreu reduo de desigualdades, com municpios mais pobres e regies mais atrasadas tendo uma melhor performance relativa. No obstante, h evidncias de que sobretudo nesses municpios, em especial naqueles que recebem recursos complementares da Unio, que se concentram as fraudes e a m gesto dos recursos do Fundef.

1 INTRODUO

Desde 1988 tem ocorrido no Brasil uma grande descentralizao de recursos fiscais da Unio para estados e municpios. Em um primeiro momento houve transferncia de recursos sem uma clara transferncia de atribuies. O resultado foi, de incio, o desequilbrio fiscal da Unio. Alm disso, a ampla liberdade de aplicao dos recursos recebidos por estados e por municpios nem sempre levou ao investimento em reas estratgicas, tais como sade pblica e ensino fundamental. 1 Uma correo de rota comeou a ser esboada em meados dos anos 1990. Um dos principais instrumentos desse ajuste foi a vinculao de parte dos recursos transferidos aos estados e municpios, com destaque para o ensino fundamental. 2 A criao do Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorizao do Magistrio (Fundef) representou no s a vinculao de transferncias como tambm a de receitas prprias dos governos subnacionais para o gasto com educao pblica de 1a a 8a srie.* Agradeo as sugestes dos participantes do Workshop de Descentralizao Fiscal realizado em Braslia, pela Fundao Getlio Vargas, em outubro de 2001, bem como os comentrios dos pareceristas annimos desta revista. Os erros, como de praxe, so de minha responsabilidade.1. Para uma anlise dos problemas da descentralizao fiscal promovida pela Constituio de 1988 ver Shah (1990); Afonso (1995); Afonso, Raimundo e Arajo (1998); Afonso e Mello (2000); Mendes (1998); Banco Mundial (2000); Ter-Minassian (1997); Souza (1996); Shikida (1998) e Silva (1995). 2. Outros mecanismos de aperfeioamento da descentralizao so: a Lei de Responsabilidade Fiscal; a Emenda Constitucional de vinculao de recursos rea da sade; a Emenda Constitucional que restringe os gastos das Cmaras de Vereadores; e os programas de aperfeioamento da administrao fiscal de estados e de municpios.

28

planejamento e polticas pblicas | ppp | n. 24 | dez 2001

O presente artigo pretende avaliar se essa vinculao de recursos fiscais se traduziu, efetivamente, em aumento da qualidade e da quantidade dos servios pblicos municipais de ensino fundamental. Inicia-se com uma descrio do mecanismo do Fundef e com a indicao como se deu a vinculao de recursos, dos principais objetivos dessa poltica e das possveis falhas. Nas duas sees seguintes so analisados dados do Censo Escolar realizado anualmente pelo Ministrio da Educao, com o objetivo de averiguar o progresso qualitativo e quantitativo desse nvel de ensino sob a vigncia do Fundef. Analisa-se, por fim, o problema de fraude e da m gesto dos recursos desse fundo, com base em informaes levantadas pela Comisso de Educao da Cmara dos Deputados. A concluso da anlise a de que o Fundef parece ter atingido seus objetivos e exercido, pois, importante impacto sobre o ensino fundamental, principalmente por propiciar a mudana do grau de escolaridade dos professores, o aumento da durao dos turnos de aula, do total de alunos matriculados, do nmero de professores em atividade, bem como promover a reduo do atraso escolar ao substituir prioridades (favorecendo, com isso, as despesas com professores e com alunos em detrimento das despesas com infra-estrutura); alm de estimular a municipalizao do ensino. Em especial, o Fundef parece estar permitindo que as reas mais atrasadas do pas (a Regio Nordeste e os municpios com baixo ndice de Condio de Vida ICV) reduzam a distncia de seus indicadores em relao aos da mdia nacional, em um processo no qual todos os municpios melhoram os seus indicadores, o que se d, em relao aos municpios mais pobres, em ritmo bem mais acelerado. No que diz respeito aos casos de fraude e de m gesto, as informaes disponveis parecem apontar principalmente para os municpios dos estados que recebem complementao financeira da Unio. Como tais recursos so distribudos com base no nmero de alunos matriculados, parece estar havendo nesses municpios uma superestimao de matrculas como forma de se extrair vantagem financeira.2 O FUNDEF

O Fundef 3 formado por 15% dos recursos estaduais e municipais relativos a: Imposto sobre Circulao de Mercadorias e Servios (ICMS); Fundo de Participao dos Estados (FPE); Fundo de Participao dos Municpios (FPM); Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) transferido aos estados na pro3. Lei no 9 424/1996.

Descentralizao do ensino fundamental: avaliao de resultados do Fundef

29

poro de sua exportao de produtos industrializados; compensaes financeiras pagas pela Unio aos estados, em razo da Lei Complementar no 87/1996 (Lei Kandir), que isentou as exportaes da incidncia de impostos estaduais. Isso significa que, a princpio, no h dinheiro novo da Unio destinado ao Fundef (caso haja isso ser comentado adiante). O que ocorre o fato de um dinheiro, j pertencente aos estados e aos municpios (receita prpria e transferncias recebidas) passar a ter seu uso vinculado ao ensino fundamental. O Fundef constitudo em mbito estadual. Ou seja, em cada estado forma-se um bolo de recursos a ser dividido entre as escolas estaduais e municipais de ensino fundamental l instalados. No existe, portanto, transferncia de recursos de um estado para outro. O que ocorre so transferncias interna em cada estado. Os recursos desse fundo so distribudos de acordo com o nmero de alunos matriculados em cada municpio e na rede estadual; mecanismo esse gerador de duas importantes conseqncias. Como primeira delas tem-se que antes do estabelecimento do fundo cada municpio e cada estado precisavam financiar as despesas com educao a partir das prprias disponibilidades de recursos. Municpios e estados com boa arrecadao podiam gastar mais com o ensino fundamental, ao passo que aqueles com menor arrecadao no dispunham de verba suficiente para financiar um ensino de qualidade. Com o fundo, a disponibilidade de recursos ficou associada ao nmero de alunos e no mais capacidade financeira local, o que tanto permitiu elevar a qualidade da educao nos locais de menor disponibilidade de recursos como tambm estimulou os municpios a levar, para a escola, crianas que antes no a freqentavam. Segunda: o estabelecimento desse fundo facilitou a municipalizao do ensino fundamental servio pblico cujas caractersticas recomendam uma administrao da forma mais descentralizada possvel. No trivial administrar, de maneira centralizada, um grande nmero de escolas dispersas por todo o pas. Pode haver ganhos significativos de qualidade quando a gerncia descentralizada permite o envolvimento dos pais na administrao das escolas. Antes da existncia desse fundo, a desejvel transferncia de alunos da rede estadual para a rede municipal exigia discusses, entre as duas esferas de governo, sobre o financiamento dos custos adicionais transferidos aos municpios. Com ele, ao se transferir alunos da rede estadual para a rede municipal os recursos so automaticamente transferidos com os alunos, visto a distribuio do Fundef se dar pelo nmero de matrculas.

30

planejamento e polticas pblicas | ppp | n. 24 | dez 2001

Outra importante caracterstica do Fundef o fato de o governo federal fixar um valor mnimo anual a ser gasto por aluno. Para o ano de 2001, por exemplo, foi estabelecido a quantia de R$ 363,00.4 Nos estados, em que o valor total do fundo no suficiente para que se tenha um montante por aluno, equivalente a esse mnimo, a Unio entra com uma complementao de recursos para garantir um padro mnimo de ensino em todo o pas. Essa complementao constitui-se no nico caso de a criao do Fundef implicar novas transferncias da Unio para estados e municpios. Na prtica, os fundos estaduais que tm recebido complementao so: os do Par, os de Alagoas, os da Bahia, os do Cear, os do Maranho, os da Paraba, os de Pernambuco e os do Piau.5 Tal mecanismo permite a esses estados, e a seus respectivos municpios, recuperar o atraso na abrangncia e na qualidade de suas redes pblicas de ensino fundamental. O Fundef procura, ainda, atuar sobre um problema histrico da educao pblica no pas: o da baixa prioridade dada pelos governantes locais ao salrio e formao dos professores. Desde a Constituio de 1967 estados e municpios so obrigados a aplicar um percentual mnimo de suas receitas em educao. Tal dispositivo, contudo, no foi suficiente para estimular a melhoria da qualidade do ensino. A predileo dos polticos por realizao de obras em detrimento dos gastos correntes introduziu um vis no sentido de que os gastos em educao priorizassem a construo de escolas e de quadras esportivas em detrimento das despesas correntes, em especial da remunerao dos professores. Por isso ficou estabelecido que 60% dos recursos desse fundo devem ser usados, pelos estados e pelos municpios no pagamento de salrios de professores em efetivo exerccio em sala de aula (o que tambm desestimula a tradicional prtica de transferir professores para servios burocrticos fora das salas de aula). Tendo em vista o grande contingente de professores com baixa qualificao, principalmente na Regio Nordeste, ficou estabelecido que nos primeiros cinco anos de vigncia do fundo esses 60% poderiam ser aplicados, alternativamente, na capacitao dos chamados professores leigos, ou seja, aqueles que lecionam sem o diploma que os habilite para tal. Um ponto fraco do Fundef parece estar na sua vulnerabilidade fraude. Como a distribuio de recursos determinada pelo nmero de matrculas, municpios e estados ficam estimulados a falsificar suas estatsticas e inflam o nmero de matrculas com vistas em receber mais recursos. Isso no s gera4. Decreto no 3 742, de 1/2/2001. 5. Dados mais recentes disponibilizados pelo MEC, para o ano de 1999, indicavam uma previso de transferncia a esses Fundos estaduais no total de R$ 849 milhes (Brasil, Ministrio da Educao, 1999).

Descentralizao do ensino fundamental: avaliao de resultados do Fundef

31

distoro na alocao de recursos, com conseqente perda de eficcia da poltica, como tambm compromete a qualidade das estatsticas disponveis. Para tentar coibir esse tipo de comportamento, alm das sanes penais e administrativas de praxe foram institudos conselhos municipais e estaduais de fiscalizao, formados por professores, por pais de alunos e por dirigentes de entidades pblicas e sindicais da rea de educao. Tais conselhos devem supervisionar no s o uso dos recursos como tambm a fididignidade dos dados enviados, pelos municpios e pelos estados, para o Censo Escolar. Esse levantamento anual, feito pelo Ministrio da Educao, tem a finalidade de avaliar o ensino fundamental e obter dados relativos s matrculas para definir a distribuio dos recursos do Fundef.3 RESULTADOS QUALITATIVOS E QUANTITATIVOS DO FUNDEF

O Censo Escolar, anteriormente referido, permite que sejam avaliados os principais indicadores do ensino fundamental. Embora possa haver distores resultantes de comportamento estratgico dos estados e dos municpios na informao dos nmeros de matrculas, no h, a princpio, estmulos para que esses entes de governo falseiem outras informaes como, por exemplo, aquelas relativas ao grau de formao de professores ou durao dos turnos escolares. So comparados diversos indicadores extrados dos censos escolares de 1996 e de 2000, de incio com o nmero de matrculas e de turmas. Como visto na tabela 1, h um aumento de 8% no total do nmero de matrculas entre os dois anos, o que representa a incluso de 2,6 milhes de alunos no ensino fundamental. O nmero de turmas de 1a a 8a srie cresceu 38%.TABELA 1Nmero de matrculas em toda a rede de ensino fundamental 1996 Matrculas de 1 a 4 sriea a

2000 20 024 414 15 295 853 35 322 267 614 069

Variao 1% 19% 8% 38%

19 817 575 12 906 795 32 726 366 444 628

Matrculas de 5a a 8a srie Total de matrculas Total de turmas

Fonte: Brasil, Ministrio da Educao Censo Escolar.

Analisando-se separadamente o nmero de matrculas das diferentes redes, percebe-se ter havido uma forte municipalizao do ensino. O percentual daquelas de 1a a 4a srie, na rede municipal, subiu de 43% para 62% do total, e o das de 5a a 8a srie cresceu de 18% para 28%. Esse fato positivo pelos aspectos de eficincia na gesto do ensino fundamental; o qual ento facilita-

32

planejamento e polticas pblicas | ppp | n. 24 | dez 2001

do pelo mecanismo financeiro do Fundef, e faz que o financiamento acompanhe o aluno se este transferido da rede estadual para a municipal.TABELA 2Nmero de matrculas de 1a a 4a srie nas redes estadual, federal, municipal e particular Rede Estadual Federal Municipal Particular Total 9 270 034 13 032 8 580 025 1 954 484 19 817 575 1996 47% 0% 43% 10% 100% 5 923 939 7 800 12 467 198 1 625 477 20 024 414 2000 30% 0% 62% 8% 100% Variao -36% -40% 45% -17% 1%

Fonte: Brasil, Ministrio da Educao Censo Escolar.

TABELA 3Nmero de matrculas de 5a a 8a srie nas redes estadual, federal, municipal e particular Rede Estadual Federal Municipal Particular Total 8 867 041 18 949 2 336 463 1 684 342 12 906 795 1996 69% 0% 18% 13% 100% 9 558 930 18 510 4 221 208 1 497 205 15 295 853 2000 62% 0% 28% 10% 100% Variao 8% -2% 81% -11% 19%

Fonte: Brasil, Ministrio da Educao Censo Escolar.

H visvel progresso no que diz respeito ao tempo de permanncia das crianas na escola municipal. Em 1996, 19% dos alunos da rede municipal ficavam menos de 4 horas na escola. Em 2000 esse percentual j havia cado para 11%. Ressalte-se, ainda, que no foi o tradicional turno de 4 horas que ganhou espao, mas sim o turno de 4 a 5 horas que pulou de 19%, em 1996, para 39% das matrculas, em 2000. A melhoria na qualificao dos professores tambm expressiva. Nas turmas de 1a a 4a srie os professores sem o ensino fundamental completo, ou seja, que no tinham cursado at a 8a srie, representavam, em 1996, 8% do total de docentes. J em 2000 esse percentual era de apenas 3%, o que parece ser reflexo direto do estmulo do Fundef ao treinamento de professores leigos. O aumento da remunerao dos professores, viabilizado pelo direcionamento de 60% dos recursos do Fundef para esse fim, tambm deve ter contribudo para atrair profissionais mais qualificados para os quadros do ensino fundamental. importante observar o fato de ter crescido mais, com uma expanso de 28% no perodo o grupo de professores com nvel superior completo.

Descentralizao do ensino fundamental: avaliao de resultados do Fundef

33

TABELA 4

Nmero de matrculas de 1a a 8a srie em escolas municipais por durao dos turnos de aulas 1996 Menos de 4 horas 4 horas Mais de 4 at 5 horas Mais de 5 horas Total 2 057 030 6 536 800 2 050 746 271 922 10 916 498 19% 60% 19% 2% 100% 1 778 792 8 160 552 6 455 539 293 311 16 688 194 2000 11% 49% 39% 2% 100% Variao -14% 25% 215% 8% 53%

Fonte: Brasil, Ministrio da Educao Censo Escolar.

TABELA 5

Nmero de docentes de 1a a 4a srie em toda a rede por grau de escolaridade 1996 Fundamental incompleto Fundamental completo Mdio Superior Total 63 192 55 125 493 733 153 526 765 576 8% 7% 64% 20% 100% 21 774 44 429 543 417 196 674 806 294 2000 3% 6% 67% 24% 100% Variao -66% -19% 10% 28% 5%

Fonte: Brasil, Ministrio da Educao Censo Escolar.

Em relao ao perfil de escolaridade dos docentes de 5a a 8a srie no se observa melhoria, porque j em 1996 predominavam aqueles com escolaridade mdia e superior. Nesse caso, o que chama ateno a expanso do quadro de professores, que cresce 23% no perodo.TABELA 6Nmero de docentes de 5a a 8a srie em toda a rede por grau de escolaridade 1996 Fundamental incompleto Fundamental completo Mdio Superior Total 526 5 634 153 738 439 543 599 441 0% 1% 26% 73% 100% 536 4 067 188 977 545 939 739 519 2000 0% 1% 26% 74% 100% Variao 2% -28% 23% 24% 23%

Fonte: Brasil, Ministrio da Educao Censo Escolar.

O Censo Escolar no fornece um dado preciso sobre atraso escolar, como por exemplo o percentual de alunos com idade superior padro em cada srie. No entanto, estatsticas agregadas permitem que se tenha uma idia a respeito do tema. A tabela 7 mostra o nmero dematrculas de 1a a 4a srie por faixa etria. O primeiro grupo, de alunos com at 10 anos, compe-se dos

34

planejamento e polticas pblicas | ppp | n. 24 | dez 2001

estudantes sem atraso (o que uma medida imprecisa, pois 10 anos a idade de um aluno de 4a srie que, na estatstica dessa tabela, poderia estar cursando a 1a ou 2a srie). De qualquer forma possvel observar progresso. O percentual desse grupo passa de 62% para 65% enquanto o do grupo de alunos de 11 a 14 anos cai de 31% para 26%. Alm disso, o leve aumento do percentual do grupo de alunos de mais de 14 anos pode estar refletindo o retorno de estudantes de mais idade que tinham abandonado os estudos.TABELA 7

Nmero de matrculas de 1a a 4a srie em toda a rede por faixa etria 1996 At 10 anos 11 anos 12 anos 13 anos 14 anos Mais de 14 anos Total 12 263 591 2 373 210 1 649 47 1 255 587 923 830 1 351 886 19 817 575 62% 12% 8% 6% 5% 7% 100% 13 028 021 2 225 855 1 376 064 959 693 687 308 1 747 473 20 024 414 2000 65% 11% 7% 5% 3% 9% 100%

Fonte: Brasil, Ministrio da Educao Censo Escolar.

curioso observar que, apesar do aumento do nmero de turmas e de matrculas, no cresce o nmero de escolas. Esse um dado significativo em face da tradicional preferncia dos administradores pblicos pela realizao de obras. O nmero de escolas estaduais caiu 21%, entre 1996 e 2000, em razo da municipalizao do ensino. Embora tenham absorvido 5,8 mil alunos as escolas municipais no expandiram a sua rede, tendo sofrido, alis, um encolhimento de 1%. Esse resultado tanto pode ser conseqncia do aproveitamento de instalaes antes ociosas quanto pode advir de matrculas fantasmas lanadas pelos municpios. Excetuada essa segunda possibilidade, a no expanso da rede de escolas um resultado coerente com a poltica do Fundef, cujo objetivo priorizar a canalizao dos recursos para a remunerao e para a formao dos professores em detrimento da expanso da rede fsica. Em resumo, o Fundef parece ter produzido impacto positivo significativo relativo ao aumento do grau de escolaridade dos professores, da durao dos turnos de aula, do total de alunos matriculados, do nmero de professores em atividade; reduo do atraso escolar, ao substituir prioridades (favorecendo, com isso, as despesas com professores e com alunos em detrimento das despe-

Descentralizao do ensino fundamental: avaliao de resultados do Fundef

35

sas com infraestrutura); e ao estmulo municipalizao do ensino. Contudo, essa viso agregada dos dados mascara um dos maiores mritos do Fundef, qual seja, o de proporcionar avanos significativos nas reas mais carentes. Esse ponto analisado na prxima seo.TABELA 8Nmero de escolas municipais e estaduais de ensino fundamental 1996 Municipais Estaduais Total 131 412 41 867 173 279 2000 129 602 33 067 162 669 Variao -1% -21% -6%

Fonte: Brasil, Ministrio da Educao Censo Escolar.

4 RESULTADOS DO FUNDEF POR REGIO GEOGRFICA E POR NDICE DE CONDIO DE VIDA

O propsito desta seo avaliar se os progressos dos indicadores do ensino fundamental ocorreram de forma diferenciada nas cinco regies geogrficas do pas, e nos municpios, cujo ndice de Condio de Vida (ICV) seja diferente.6 O motivo para desdobrar a informao por regies, e por ICV, o fato de o prprio mecanismo do Fundef ser desenhado para privilegiar municpios e estados mais pobres. A complementao, por parte da Unio, aos fundos estaduais que no atingem o valor mnimo nacional, permite que estados e municpios beneficiados por esse mecanismo tenham um acrscimo de recursos, em relao situao pr-Fundef, proporcionalmente maior que o do restante do pas. Trata-se, pois, de averiguar se tal fundo tem conseguido ou no promover a desejvel reduo das desigualdades na oferta de ensino fundamental. A tabela 9 ilustra a performance das diferentes regies no que diz respeito aos turnos escolares com menos de quatro horas, e mostra a posio de cada regio em relao mdia nacional. Assim, a Regio Nordeste tinha, em 1996, 30% dos seus alunos estudando menos de quatro horas por dia. Como a mdia nacional era de 19%, o Nordeste estava 11 pontos percentuais acima da mdia do pas. J a Regio Sudeste, essa estava em situao oposta, pois apenas 8% dos seus alunos estudam em turnos de menos de quatro horas, o que a deixava 11 pontos percentuais abaixo da mdia nacional.

6. O ICV um indicador calculado sob a mesma metodologia do ndice de Desenvolvimento Humano, porm incorpora um conjunto maior de dimenses e de indicadores de desempenho socioeconmico. Resulta da combinao de vinte indicadores bsicos agregados em cinco dimenses: renda, educao, infncia, habitao e longevidade. Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (Pnud, 1998, p. 5).

36

planejamento e polticas pblicas | ppp | n. 24 | dez 2001

TABELA 9Nmero de matrculas de 1a a 8a srie em escolas municipais com turnos de menos de quatro horas por regio1996 Menos de 4 h (A) SE S NE N CO Total 213 867 140 349 1 476 123 153 612 73 079 2 057 030 Todos os turnos (B) 2 803 312 1 622 184 4 947 896 926 204 616 902 10 916 498 (A)/(B) 8% 9% 30% 17% 12% 19% Menos de 4 h (A) 79 248 68 279 1 377 420 176 860 76 985 1 778 792 2000 Todos os turnos (B) 4 675 423 1 854 509 7 561 512 1 717 546 879 204 16 688 194 (A)/(B) 2% 4% 18% 10% 9% 11%

Fonte: Brasil, Ministrio da Educao Censo Escolar.

Em 2000 essa diferena entre as regies j havia sido bastante reduzida. Todas elas melhoraram nesse sentido, mas s o Nordeste teve um progresso mais intenso. Nesse ano, no Nordeste a participao dos turnos de menos de quatro horas havia cado para 18% do total de matrculas, de modo que a sua diferena em relao mdia do pas passou a ser de apenas 8 pontos percentuais. O grfico 1 ilustra a queda das diferenas regionais. O Nordeste fica em situao menos desprivilegiada, enquanto as demais regies se tornam menos privilegiadas. A vantagem da Regio Sul, por exemplo, que em 1996 era de 10 pontos percentuais em relao mdia nacional, cai para 7 pontos, em 2000.GRFICO 1Percentual de matrculas em escolas municipais de 1a a 8a srie com turno de menos de quatro horas por regio: diferena em relao mdia nacional

Fonte: Brasil, Ministrio da Educao. Censos escolares de 1996 a 2000.

Descentralizao do ensino fundamental: avaliao de resultados do Fundef

37

Um quadro semelhante emerge quando os municpios so divididos em grupo de ICV. O grfico 2 mostra que os municpios mais pobres do pas (com ICV abaixo de 0,5) reduziram a sua diferena, em relao mdia nacional, de 8%, em 1996, para 4% em 2000.GRFICO 2Percentual de matrculas em escolas municipais de 1a a 8a srie com turno de menos de quatro horas por ICV: diferena em relao mdia nacional

Fonte: Brasil, Ministrio da Educao. Censos escolares de 1996 a 2000.

Tambm quando se analisa o grau de escolaridade dos professores de 1a a 4a srie percebe-se a reduo das desigualdades regionais, bem como a reduo da diferena entre municpios ricos e pobres. Em 1996, 16% dos professores do Nordeste no tinham o ensino fundamental completo. Na Regio Norte esse percentual era de 15%; no Sul e no Sudeste, no entanto, no passava de 2%. Em 2000 essa diferena havia cado drasticamente: o Norte e o Nordeste conseguiram reduzir esse contingente de baixa formao para 5% do quadro de professores, de modo que sua diferena em relao mdia nacional caiu, de 8% para 3% e de 7% para 2%, respectivamente. Quando se agrupa os municpios por nvel de ICV percebe-se ainda mais nitidamente a melhoria da qualificao dos professores. As cidades mais pobres (ICV