7010365 jorge miranda formas de governo

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    jorge miranda

    r

    ciencia politica

    formas de governo

    lisboa1996

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    ttulo: cincia poltica - formas de governo autor:

    jorge miranda

    reservados todos os direitos para jorge miranda

    composio e impresso: pedro ferreira - artes grficas rua jorge castilho, 14telefone 916 17 08

    2735 rio de mouro edio:

    pedro ferreira - editor2735 rio de mouro

    tiragem: 1000 exemplares depsito legal n.q 104815/96 lisboa - 1996

    nota prviaa parte iv do programa da disciplina de cincia poltica e direitoconstitucional, do 1.2 ano (segundo o plano curricular de 1983), naturma a meu cargo, versa sobre formas e sistemas de governo,englobando tambm sistemas eleitorais e sistemas departidos.

    embora h muito deseje retomar, aprofundar e desenvolver oestudo destas matrias, tal no tem sido possvel por causa de

    outros trabalhos acadmicos, designadamente os derivados dassucessivas edies dos diversos volumes do manual de direitoconstitucional e da presidncia do conselho directivo.

    em 1992, procedi a uma remodelao relativamente extensa daslies policopiadas anterionnente. agora nem isso: apenas aqui e alialgumas actualizaes.

    tal vem a ser o alcance destes apontamentos.

    lisboa, 15 de outubro de 1996

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    titulo 1

    formas de governo

    em geral

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    capitulo 1

    conceitos e tipologias

    fundamentais

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    i.preliminares

    ao considerar-se a problemtica dos sistemas poltico-constitucionais, mister tomar em conta:

    a) a relativa confuso de conceitos e a multiplicidade de termos - formasde estado, tipos de estado, regimes, formas de governo, sistema degoverno, sistemas polticos, estruturas govemamentais, formas polticas,etc.;

    b) a pesada carga doutrinal, derivada de a matria dos sistemaspolticos (ou, noutra perspectiva, das formas polticas) ser das maisestudadas e discutidas desde os primrdios da reflexo poltica;

    c) a localizao histrica dos sistemas polticos e, portanto, alocalizao histrica das suas tipologias - h classificaes prprias de

    certas pocas e mesmo as classificaes aparente-11

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    mente mais constantes e universais tm de ser entendidas em funo de cada pocae, porventura, de cada continente;

    d) 0 carcter eminentemente interdisciplinar (o que no quer dizer de purosincretismo) de qualquer investigao ou exposio a empreender.

    2. as tipologias de formas polticasem geral

    1 - num relance geral pelas tipologias de formas polticas dir-se- antes de mais:

    a) que nelas se encontram (como salienta, por exemplo, bobbio) quase sempreelementos de duas ordens: no s descritivosmas tambm prescritivos - donde,classificaes, umas sistemticas e outras axiolgicas;

    1. cfr., entre tantos, bluntschli, thorie gnrale de letat, trad., 3. ed., paris, 1891,pgs. 294 e segs.; g. jellinek, allgemeine staatslehre, 1900, trad. cast. teoria generaldel estado, buenos aires, 1954, pgs. 501 e segs.; nlrnoco e sousa, direito poltico-poderes do estado, coimbra, 19 10, pgs. 83 e segs.; c. scmitt, verfassungslehre,1927, trad. cast. teoria de la constitucin, madrid-mxico, 1934-1966, pgs. 259 esegs.; emilio crossa, sulla teoria delle forme di stato, in rivista internazionale difilosofia del diritto, 193 1, pgs. 18 e segs.; h. kelsen, teoria general del estado, trad.cast., barcelona-madrid, 1934, pgs. 408 e segs.; santi romano, principii di dirittocostituzionale generale, 2. ed., milo, 1947,12

    b) que as classificaes axiolgicas, enquanto exprimem juizos sobre a sociedadepoltica e contm indicaes de preferncias vm a ser instrumentos de intervenocom vista a determinados modelos ou solues - sejam esses modelos pensados a

    pgs. 142 e segs.; charles eisen1~ cours de droit constitutionnel compar, policopiado,paris, 1950-195 1; cabral de moncada, filosofia do direito e do estado, i, 2. ed.,coimbra, 1955; queiroz lima, teoria do estado, 8.2 ed., rio de janeiro, 1957, pgs. 218 esegs.; k. lowenstein, verfassungslehre, trad. cats. teoria de la constitucin, barcelona,1964, pgs.41 e segs.; george catlin, systematic politics, toronto, 1962, trud. port. tratado de

    poltica, rio de janeiro, 1964, pgs. 193 e segs.; robert mac iver, the web ofgovernment, 1965, trad. cast. teoria del gobierno, madrid,1966, pgs. 139 e segs.; g. burdeau, trait de science poltique, v, 2. ed., paris, 1970;c. mortati, lezione sulle forme de governo, pdua, 1973, maxime pgs. 73 e segs.;manuel ji21enez de parga, los regimenes polticos contemporaneos, 5.2 ed., madrid,1974, maxime pgs. 120 e segs.; reinhold zippelius, allgemeinstaatslehre, trad. port.teoria geral do estado, lisboa, 1974, pgs. 72 e segs.; klaus von bey1vie, formas dedominacin, in marxismo y democracia - enciclopedia de conceptos bsicos. poltica 3,trad. cast., madrid, 1975, pgs. 70 e segs.; norberto bobbio, la teoria delle frme di

    governo, turim, 1976; marcello caetano, direito constitucional, 1, rio de janeiro, 1977,pgs. 409 e segs.; jos alfredo oliveira baracho, regimes polticos, so paulo,1977; adriano moreira, cincia poltica, lisboa, 1979, pgs. 137 e segs.; paulobonavides, cincia poltica, 6.l ed., rio de janeiro, 1986, pgs. 223 e segs.; jean-louisquermonne, les rgimes politiques occidentaux, paris, 1986; constatin l. georcopoulos,contribution la elassification des rgimes politiques, paris, 1987; vitalino canas,

    preliminares de estudo da cincia poltica, macau, 1992, pgs. 37 e segs.; giuseppe devergottini, diritto costituzionale comparato, 4.2 ed., pdua, 1993, pgs. 95 e segs.;gomes canotilho, direito constitucional,

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    6.-1 ed., coimbra, 1993, pgs. 707 e segs.

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    partir da idealizao de uma forma concreta verificada (como atenas ouesparta na antiguidade, a inglaterra ou a sua na idade moderna),sejam pensados a partir de uma sntese de elementos bons de vriasformas de governo (dando origem aos chamados governos mistos), ousejam pensados em termos de pura construo ideal ou utopia;

    c) que as tipologias aparecem em ligao directa ou indirecta com assituaes vividas pelos seus autores - e da as suas variaes econstantes desactualizaes;

    d) que, ao mesmo tempo, elas se projectam sobre a prpria prticapoltica, pelo menos, a nvel de legitimidade e de apreciao dos actosdos governantes (o que mostra como os factores culturais e ideolgicosagem sobre a realidade social e poltica);

    1. letra, utopia significa porm (ou por isso mesmo) no lugar, lugar

    inexistente, nenhures.

    tm sido muitos os livros com construes de cidades ideais, maisfelizes ou mais justas. entre todos, lembre-se o de toms morus (utopia,1516), sendo utopia, uma repblica insular descrita por um viajanteportugus, rafael hifiodeu. para um relance panormico sobre o assunto,v. manuel antunes, utopia, inplis, v, pgs. 1465 e segs.; jean servier,lutopie, paris, 1979; paulo ferreira da cunha, constituio, direito eutopia, coimbra, 1996.

    mas igualmente se conhecem anti-utopias ou descries de

    organizaes polticas negadoras de liberdade e de felicidade daspessoas: v., por exemplo, no nosso tempo, 1984, de george orwell.

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    e) que, apesar de essencialmente voltadas para o poder, no ignoram,muitas vezes, os elementos sociais ou os condicionamentos scio-econmicos do poder.

    11 - importa discernir tipologias clssicas (antigas e modernas) etipologias actuais (tipologias surgidas no sculo xx, frente aos problemas

    da nossa poca).

    as tipologias clssicas possuem de comum:

    a) so tipologias simples - cada uma delas, ao procurar a suma divisio,adopta, de regra, um s critrio de base;

    b) conferem todo o relevo titularidade e ao exerccio do poder, numa

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    postura tanto de observao de factos quanto de formulao de juzosde valor;

    c) 0 elemento prescritivo entra, por um lado, atravs da distino entreformas puras e formas degeneradas e, por outro lado, atravs do

    apontar de formas mistas (desde polbio e ccero a harrington, locke emontesquieu, mas no bodin, hobbes ou rousseau).

    por seu turno, as tipologias propostas no sculo xx ostentam comocaractersticas gerais:

    1. v. j o cap. iii do livro vi dapoltica de aristteles.

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    a) adoptam critrios extremamente variados e, no raro, critriosmltiplos;

    b) situam-se quase todas no mbito da democracia (que alegitimidade prevalecente hoje);

    c) atendem, no raro, a consideraes de ndole econmica e social (ouimplicam-nas).

    111 - as tipologias clssicas radicam em plato e aristteles, e atravsde ccero, s. toms de aquino, maquiavel, bodin e outros, prolongam-seat ao sculo xx. e usual contrapor tipologia tripartida e tipologiabipartida.

    na tipologia tripartida distinguem-se monarquia, aristocracia,democracia (repblica, politeia, na expresso de aristteles). na

    tipologia bipartida, ligada a maquiavel, monarquia (principado) erepblica.

    iv - as tipologias propostas no sculo xx assentam, em grande parte, nastipologias clssicas, revendo-as ou adaptando-as s novas condies.mas encontram-se, igualmente, tipologias que apelam para outroscritrios classificativos mais ou menos exigentes.

    ais coerente e a mais compreensvel de entre as primeiras, a m

    pelo homem da rua a dicotomia democracia-ditadura. tambm

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    se fala em regimes depoder civile regimes depoder militar. e nombito da democracia, em democracia directa, democraciarepresentativa e democracia semidirecta (a que alguns aditam ademocracia semi-representativa) e em democracia censitria (ouburguesa) e democracia de massas.

    exemplos de tipologias para alm da deteno do poder:pluralismo emonismo poltico ou, de outra perspectiva, regimes pluripartidrios eregimes monopartidrios; regimes liberais, autoritrios e

    totalitrios; e regimes capitalistas e socialistas.

    v - ilustrao da ndole histrica das tipologias e a contraposio entremonarquia e repblica:

    a) at ao sculo xviii, a monarquia ou principado como governo de ums, independentemente do processo da sua designao, e a repblica(praticamente quase sempre aristocrtica) como governo de um colgio

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    ou assembleia.

    b) durante a revoluo francesa, a monarquia como governo de um s(ligado s caractersticas da monarquia absoluta) e a repblica comogoverno do povo (fundada no princpio democrtico, portanto).

    1. houve, assim, monarquias hereditrias, por cooptao (de algummodo, o imprio romano) e por eleio (monarquia visigtica, impriogermnico, polnia, etc.).

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    c) ao mesmo tempo, nos estados unidos (madison) e depois, durante a maiorparte do sculo xix, a repblica como governo representativo contraposto democracia pura ou governo directo.

    d) no sculo xix conciliao entre monarquia (absoluta) e repblica(democrtica) atravs de uma forma mista, a monarquia constitucional (nuns

    casos com prevalncia do princpio monrquico - monarquia limitada - noutroscom prevalncia do princpio democrtico - monarquia parlamentar - e noutrosainda com equilbrio entre eles, embora com concentrao de poderes no rei -monarquia orleanista).

    e) no sculo xx o desaparecimento do princpio monrquico e reduo dascaractersticas da monarquia (agora s constitucional) hereditariedade dachefia do estado, mas, em contrapartida, podendo entender-se que a repblicaexprime um princpio democrtico qualificado (de onde, desde logo, a ausnciade chefe de estado ou um chefe de estado colegial ou singular electivo)2.

    1. the federalist, 1787, n.q 14.

    2. cfr., por exemplo, giovanni cassandro, monarchia, in enciclopedia deldiritto, xx-vi, pgs. 724 e segs.; antonio papell, la monarquia espaflola y elderecho constitucional europeo, barcelona, 1980; nicola ~eucci, republica, indizionario di politica, 2.l ed., turim,1993, pgs. 960 e segs.; nuno rogeiro, repblica, in polis, v, pgs. 414

    e segs.

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    3. as grandes classificaes doutrinais

    1 - a primeira grande classificao doutrinria a referir a de platao (arepblica, as leis).

    na linha do seu pensamento, para ele todas as formas de governo existentesso corruptas e estado ptimo h um s.

    reduz essas formas a quatro, segundo graus crescentes de imperfeio (oudecrescentes de perfeio):

    1) a timocracia (governo da honra ou de homens honrados ou transio entrea constituio ideal e a constituio real, como seria o caso de esparta);

    2) a oligarquia ou fornia corrupta -de aristocracia;

    3) a democracia;

    4) a tirania. e indica duas formas ideais, indiferentemente: a monarquia e aaristocracia (de que degenerescncia a timocracia).

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    para caracterizar estas formas de governo, plato examina as virtudes e osvcios das respectivas classes dirigentes e a legalidade ou a ilegalidade daactuao dos governos. a passagem de uma forma a outra d-se com amudana de geraes e com a corrupo dos seus princpios pelo excesso queconduz discrdia.

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    o povo o elemento democrtico. mas os governos mistos tambm semodificariam; e haveria ciclos ainda no interior dos prprios governosmistos.

    iv - maquivel (0prncipe e discursos sobre a primeira dcada de tito

    lvio), muitos sculos mais tarde, avana com uma concepo bastantediversa, no mbito j do estado moderno.21

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    prope uma bipartio, correspondente efectiva situao do seutempo (ao passo que na grcia havia uma grande variedade de formasde organizao): a contraposio entre repblica (que se encontravaem itlia, na flandres e em certas cidades alems) e o principado (emrpido florescimento, ento).

    a repblica o governo de vrios, sejam alguns (aristocratas) ou muitosou todos (democracia). 0 principado ou monarquia o governo de um s.na repblica tem de se formar uma vontade colectiva, na monarquia noh seno uma vontade individual. divide os principados emhereditrios e novos (estes provenientes de uma recente conquistado poder, num conceito que se aproxima do moderno conceito deditadura). para alm disso, no deixa de elogiar os governos mistos,exaltando, a esse propsito, tambm ele, a repblica romana.

    v - outra tipologia a de jean bodin, autor da obra celebrrima os seis

    livros da repblica, publicada em 1576. jean bodin ficou conhecido,sobretudo, como o terico da monarquia centralizada (e, at certoponto, da monarquia absoluta francesa) e por ter definido e lanadocom xito - propiciado pelas condies histricas - o conceito desoberania.

    contudo, nessa obra, bodin procede a uma classificao formas polticas,tendo em conta a distino entre titularidexerccio da soberania.

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    0 poder poltico poderia pertencer a um s, a vrios ou a todos - deonde, respectivamente, monarquia

    aristocracia e demo-

    cracia. entretanto, no bastaria atender titularidade, era tambmnecessrio atender ao exerccio e s pessoas ou instituies s quais eraconfiado - o prprio rei, uma assembleia aristocrtica ou umaassembleia popular.

    seria, assim, possvel combinar as formas de governo em razo da

    titularidade com as formas de governo em razo do exerccio; poderiahaver uma titularidade monrquica e um exerccio aristocrtico ou atdemocrtico do poder, assim como poderia haver uma titularidadearistocrtica e um exerccio monrquico ou democrtico, e umatitularidade democrtica com um exerccio monrquico ou aristocrtico.e da no h uma diviso tripartida segundo o pensamento de aristtelesou de polbio, mas uma diviso em nove grandes formas de governo:

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    - monarquia monrquica (que s aparentemente seria um pleonasmo);

    - monarquia aristocrtica;- monarquia democrtica;- aristocracia aristocrtica;

    - aristocracia monrquica;- aristocracia democrtica;- democracia monarquica;

    - democracia aristocrtica; e

    - democracia democrtica.

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    com isto, chega-se a formas aparentemente mistas. s que o prpriobodin vem, polemicamente, pr em causa a existncia de governosmistos, afirmando que, em qualquer estado, h sempre um princpio queprevalece.

    finalmente, num segundo momento ou de um ngulo prescritivo, bod1ncoloca a problemtica do modo como o poder exercido, dos resultadose do valor desse exerccio, e vem ento propor uma tripartio dosgovernos em legtimos, despticos e tirnicos. outra maneira depensar a velha distino entre governos puros e corruptos. a monarquiaque bodin preconiza , obviamente, uma monarquia legtima ou rgia,em que os sbditos obedecem s leis do rei e o rei s leis da natureza.

    vi - outra formulao com interesse aquela que no sculo xviii,giambattista vico (autor de la scienza nuova) apresenta no mbito dasua filosofia da histria. no que introduza novos termos; o que ele faz

    uma correlao entre as formas polticas e as fases da evoluohistrica, tomando roma como referncia.

    haveria trs idades: a dos deuses, a dos heris e a dos homens. a idadedos deuses corresponderia teocracia, a dos heris aristocracia e ados homens quer democracia ou repblica popular quer monarquia.a sucesso de formas polticas seria: aristocracia (a primeira forma deestado), democracia e monarquia.

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    vii - muito mais influente viria a ser, contudo, montesquieu. 0 seufamosssimo de vesprit des lois compreende toda uma doutrinado governo, de que no seno um dos aspectos a separao depoderes.

    montesquieu agrupa as formas polticas tambm a partir de umatripartio. mas esta tripartio no obedece j ao esquema aristotlico,tende a ser uma combinao da concepo aristotlica com a anlisedas formas do governo em boas e ms e em perfeitas e imperfeitas.

    ao, pois, ess

    s- as formas a repblica, a monarquia e o despotismo. arepblica e monarquia vem na linha de maquiavel, e acrescenta-se umaterceira forma, o despotismo, o qual corresponde ao governo imperfeito.

    a repblica e o governo de todos por um grupo de homens, por umcolgio de homens, sejam alguns, sejam todos. a monarquia e o governode todos por um s homem, mas um s homem que exerce o poder com

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    equilbrio, na perspectiva do bem comum. 0 despotismo o governoimperfeito geralmente exercido por um s homem sem ter em conta obem comuin.

    1. para montesquieu que escreve considerando no s a europa mas

    tambm a sia, a repblica e a monarquia seriam as formas europeiasde governo e o despotismo seria a forma asitica de governo. bvio oeurocentrismo.

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    daqui passa montesquieu para uma segunda classificao, agora sobprisma prescritivo e valorativo, declarando a monarquia e a repblicagovernos moderados e contrapondo-lhes o governo desptico. e nestadistino fundamental que vai entroncar a separao dos poderes,porque os governos moderados se definem no j pela titularidade ou

    pelo exerccio, mas sim pela limitao de poder.ou seja, segundo uma classificao descritiva, pode haver repblica,monarquia, despotismo. segundo uma classficao prescritiva, podermoderado e poder desptico.

    viii - tambm kant se ocupa (napaz perptua) da anlise das formaspolticas, observando a diferena das pessoas que possuem o supremopoder do estado e o modo de governar o povo.

    s h trs formas possveis de soberania (forma imperfl): ou a

    soberania possuda por um s, por alguns ou por todos os que formama sociedade civil. de onde, autocracia, aristocracia e democracia, oupoder do prncipe, da nobreza e do povo

    quanto forma de governo (forma regiminis) ou modo como o estadofaz uso da plenitude do seu poder, - ele ou republicano ou desptico. 0 princpio republicano corresponde ao princpio poltico daseparao do poder executivo do poder leg,slativo; o26

    despotismo o princpio da execuo arbitrria pelo estado das leis que

    ele a si mesmo deu (sendo, por conseguinte, a vontade pblicamanejada pelos governantes como sua vontade privada).

    das trs formas de estado, a democracia , no sentido prprio dapalavra, necessariamente um despotismo, porque funda o poder contraexecutivo no que todos decidem sobre um e at, por vezes,

    um - se no houve o seu consentimento. para que a forma de governoseja adequada ao conceito de direito dever, portanto, basear-se nosistema representativo, nico capaz de tomar possvel uma formarepublicana.

    ix - no sculo xx, hegel (na sua filosofia do direito) adoptaria umaanlise algo semelhante de montesquieu, distinguindo despotismo,democracia e monarquia (onde montesquieu falava em repblica, falahegel em democracia).

    hegel procede contraposio no apenas tendo em conta atitularidade e o exerccio do poder poltico mas tendo em conta tambm

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    a prpria estrutura cultural e social subjacente ao exerccio do poder. 0despotismo corresponderia a uma sociedade no diferenciada, em que aideia de direito no estaria ainda assente, a uma sociedade atrasada ouprimitiva; na democracia, j se verificaria uma determinada organiza9poltica e social, mas

    a que se daram a unidade da imperfeita; seria apenas na monarqui1

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    sociedade e a realizao plena da ideia de histria e da ideia desociedade.

    a monarquia seria, pois, a forma mais perfeita e a ltima fase daorganizao poltica que se verificaria ao longo dos tempos. no se

    confundiria, contudo, com a monarquia absoluta; seria a monarquiaconstitucional - a monarquia constitucional prussiana (bem diferente dafrancesa) e em que se disporiam trs poderes, o legislativo, o degoverno e o do soberano.

    x - tipologia bem caracterstica do sculo xx a de carl schmitt (no seulivro legalidade-legitimidade), assente numa determinante viso polticadas funes do estado.

    h quatro funes do estado: a legislativa, a administrativa, ajurisdicional e a poltica. consoante cada uma destas funes predomine

    sobre as demais e consoante, por conseguinte, o rgo correspondentea essa funo prevalea sobre os demais rgos, encontra-se umaforma poltica especfica.

    assim, caberia distinguir: o estado legislativo - aquele em que na formade governo prevalecem a funo legislativa e os respectivos rgos; oestado jurisdicional ou judicial - em que so os tribunais os rgoscentrais da vida pblica; o estado administrativo - em que predomina afuno administrativa, h um28

    domnio do estado pelos rgos administrativos; e o estadogovernamental - em que a funo de direco poltica a funoessencial e so os rgos de direco poltica que prevalecem.

    0 estado legislativo e o estado jurisdicional teriam correspondido aformas do sculo xix, sendo o estado legislativo caracterstico da europae o estado judicial caracterstico dos estados unidos da amrica.

    0 estado administrativo corresponderia aos estados da primeira fase dosculo xx.

    0 estado governamental que se lhe seguiria, seria um estado de decisopoltica, com prevalncia de poder no rgo ou nos rgos aos quaisincumbe imprimir sentido, em cada momento, vontade do estado(repare-se na conexo com o conceito decisionista de constituiao ecom a situao vivida entre as duas guerras na europa, particulannentena alemanha).

    x1 - nos antpodas de schmitt, fica a teoria da constituio de karl

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    loewenstein, toda construda (tambm no pouco por causa daexperincia histrica e pessoal de autor) como teoria de limitao ou decontrolo do poder, numa renovao do pensamento vindo de locke e demontesquieu.

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    loewenstein, por isso, apresenta uma bipartio das formas de governoem razo de um critrio da limitao:

    - autocracia: se o poder est concentrado em algum, seja um homems, seja um grupo, seja um partido, seja uma assembleia;

    - constitucionalismo: se o poder est repartido por vrios centros, porvrios rgos, por vrias entidades.

    e esta classificao est directamente relacionada com aquela que karlloewenstein faz das constituies em normativas, nominais esemnticas. as constituies normativas so cumpridas comoverdadeiros sistemas normativos, representam uma limitao do podere, portanto, so as constituies prprias do constitucionalismo; pelocontrrio, as constituies nominais e semnticas esto ligadas autocracia (pelo menos, autocracia moderna).

    x11 - no seu tratado de cincia poltica, georges burdeau estuda asformas governamentais e os regimes polticos.

    dentro das formas governamentais, contrape governos monocrticose deliberativos (conforme os mecanismos de poder30

    so animados por uma fora nica ou por uma pluralidade de foras). osgovernos monocrticos englobam as monocracias autoritrias e asmonocracias populares. os governos deliberativos so aqueles em que

    h discusso e oposio.

    nos regimes, contrape regimes democrticos e autoritrios e nademocracia considera ainda:

    a democracia governada (prpria do sculo xix): o povo teria atitularidade, mas no teria o acesso real ao poder, o povo seria um povojurdico e no um povo real;

    e a democracia govemante (prpria do sculo xx): o povo real e a suavontade real teriam acesso ao poder, seja na democracia do poder

    aberto ou democracia pluralista de tipo ocidental; seja na democracia depoder fechado ou democracia marxista, equivalente a monocraciapopular.

    x111 - muito diferente a anlise de gabriel almond

    (poltica comparada), tomando como critrio a progressiva diferenciaode funes de estado.

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    donde:

    1. sistemas primitivos: com indiferenciao de funes e rgos;

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    2. sistemas tradicionais - correspondentes a no acesso das pessoas,dos sbditos, ao poder;

    3. sistemas modernos - nos quais ocorre a participao crescente nopoder e a diferenciao de funes do estado.

    xiv - maneira de ver em estreitos moldes jurdicos e, naturalmente, a dekelsen (teoria geral do estado). as formas de governo classificam-sesegundo os processos de criao do direito, e da que:

    - a democracia se caracterize pela participao dos destinatrios dasnormas jurdicas, dos governados, na formao de vontade estadual,pela autodeterminao dos governados, pela liberdade;

    - e a autocracia, pelo contrrio, por a vontade estadual se formar semparticipao dos governados, sem autodeterminao, sem liberdade.

    1. muitas outras tipologias poderiam ser resumidas.

    por curiosidade, vale ainda a pena citar o quadro das formas de governode fernando pessoa (consideraes ps-revolucionrias, inpginas depensamento poltico - 1, 1910-1919, com organizao de antnioquadros, lisboa, 1986, pag. 58):

    32

    4. distino de conceitos proposta

    1 - indicadas as principais tipologias de formas polticas, toma-se aindamais evidente que s possvel prosseguir no tratamento do tema,desde que se proceda a um rigoroso balizar de fronteiras conceituais.

    temos, por um lado, conceitos de capital importncia na teoria do estado(tanto de uma perspectiva jurdica como politolgica), mas que devem apriori ser afastados por, embora conexos com a matria que nos ocupa,para ele s relevarem por via indirecta. so os de tipo histrico doestado, de tipo constitucional de estado e de forma de estado.

    e temos, por outro lado, aquelas figuras que se prendem com osproblemas a abordar aqui e a respeito das quais h-de ser feita anecessria destrina. so as de forma de governo, sistema de governo,forma institucional, sistema eleitoral, sistema de partidos, regime esistema poltico.

    aristocratismo democratismo

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    monarquismo monarquia absoluta monarquia democrtica

    individualismo cesarismo (?)

    republicanismo repblica aristocrtica repblica democrtica (pura)

    individualismo integral

    anarquismo oligarquia socialismo

    anarquia pura

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    ii - quando pensamos em estado temos de pensar sempre numa certaconcretizao do estado, numa certa manifestao histrica de estado;pois disso que se cuida quando se fala em tipos de estado. diferente o estado moderno do estado romano, por exemplo; e aqui scabe cuidar do estado moderno.

    a noo de tipo constitucional de estado tem (ou teve) particularinteresse no sculo xx, causa do confronto de diferentes formasorganizao poltica, econmica e social portanto, tambm,constitucional que nele verifica (ou verificou). dentro do mesmo histricode estado, o europeu, inserem-se tipos constitucionais to diversos, eem luta durante quase todo o sculo, como o estado de direito (primeiroliberal, depois social), o estado marxista,3

    -lennista e o estado fascista

    uma coisa vem a ser a contraposio entre estado simples ou unitrio eestado composto (designadamente estado federal), outra a distinoentre monarquia absoluta e governo representativo, ou entre sistemaparlamentar e sistema presidencial, ou entre sistema monista e sistemapluralista, para s dar dois ou trs exemplos. uma coisa a forma deestado, outra a forma ou o sistema de governo.

    1. v. manual de direito constitucional, i, 5.1 ed.,coimbra. 1996, pgs. 49e segs.

    2. v. manual .... pgs. 93 e segs.

    3. pelo contrrio, o estado islmico fundamentalista (que existe no iro eprocura emergir noutros pases) j no pode integrar-se a. ele out-,-)tpo histrico de estado.

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    iii - a forma de governo (tomando governo em sentido lato,equivalente ao grau mais denso de fenmeno poltico) tem,precisamente, que ver com a relao poltica fundamental - a relaoentre govemantes e governados. o modo como se

    estabelece e estrutura essa relao; e estabelece-se e estrutura-se emresposta a quatro problemas - os problemas da legitimidade do poder,da participao, do pluralismo ou da liberdade e da unidade ou divisode poder.

    alm destes problemas (de certa maneira pressupostos por eles etambm, de outra maneira como problemas autnomas), pem-se todosos problemas concementes s relaes entre rgos de governo (entre

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    rgos de funo poltica), ou at existncia ou no de umapluralidade de rgos govemativos. e somente aqui que, em rigor, seencontra o conceito de sistema de governo. ao passo que a forma degoverno abrange a totalidade da vida poltica, a forma de governoconfirma-se estrutura interna do poder, as instituies e ao estatuto

    dos govemantes.melhor se compreender a diferena dos dois conceitos, se se observara situao poltica na europa, na amrica e noutras partes do mundo:hoje prevalece ou tende a prevalecer a mesma forma de governo - ademocracia representativa - sem embargo da grande variedade desistemas de governo, sistemas parlamentares, presidenciais, etc1.

    1. cfr., embora no coincidente, a distino entre formas de estado eformas de governo adoptada por alguma doutrina em portugal e noestrangeiro: assim, barbosa de melo, democracia e utopia, coimbra,

    1980, pg. 40.

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    pelo contrrio, pouco contedo poltico tem hoje, corno se notou j, ocontraste entre monarquia (a monarquia constitucional) e repblica. nodeixa, porm, apesar de tudo, de revestir algum significado a nvelinstitucional e de cultura cvica, pelo que se justifica propor um conceitoautnomo para o contemplar - o de forma institucional.

    a compreenso das formas e dos sistemas de governo dos dois ltimossculos requer o conhecimento dos sistemas eleitorais e dos sistemasde partidos. realidades (de direito e de facto) bem caracterizadas,entrelaam-se com essas formas e esses sistemas de governo, ora comoseus condicionamentos, ora como suas decorrncias, sem com eles seconfundirem.

    iv - por ltimo, cabe aludir a conceitos mais amplos, mais complexos, desntese; o conceito de regime poltico e o conceito de sistemapoltico.

    o conceito de regime , essencialmente, um conceito ligado ao conceitode constituio: regime poltico a expresso poltica da constituiomaterial. a cada constituio material corresponde um regime poltico,uma concepo dos fins e dos meios do poder e da comunidade.regime poltico, alis, no se esgota na mera organizao do poderpoltico, prende-se tambm, e muito, com os direitos fundamentais ecom a organizao econmica e social.

    36

    por seu turno, o sistema poltico atende muito mais efectividade doque normatividade; e abarca no s os rgos e instituies formaisou constitucionais mas tambm as demais instituies e corporaespolticas ou sociais politicamente relevantes, as foras polticas(partidos) e econmico-sociais (sindicatos, associaes patronais), aideologia dominante e o enquadramento exterior do estado.

    v - na constituio portuguesa actual, alguns destes conceitos aparecemmais ou menos explicitamente.

    a forma de estado esta patente no art. 6.2: 0 estado unitrio ... - os

    arquiplagos dos aores e da madeira constituem regies autnomasdotadas de estatutos poltico-administrativos e de rgos de governoprprios.

    a forma de governo definida nos arts. 9.% alnea c), e 10.9, n.9 2 comodemocracia poltica e no art. 112.2 como sistema democrtico; erecortada atravs de elementos como a soberania popular (arts. 2.2,3.% ri.! 1. e 111.2), o pluralismo (art. 2.2), a representao poltica

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    (arts. 10.9, 49.` e 116.l e a separao e a interdependncia de rgosde soberania (arts. 113.2 e 114.9).

    1. cfr., por todos, david easton, the political system, nova iorque, 1953;georges burdeau, trait .... vii, pgs. 578 e segs.

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    0 sistema de governo decorre dos poderes, das aces recprocas e dosestatutos dos vrios rgos polticos - a nvel nacional, do presidente darepblica, da assembleia da repblica e do governo (maxime arts. 123.2,124.9, 136.1 e segs., l64.2 e segs., 193.l> e segs. e 201.2 e segs.); e anvel regional, da assembleia legislativa e do governo regional (art.

    233.2).a forma institucional repblica - ligada existncia de um presidenteda repblica electivo (mas no s) - apresentada, menoscorrectamente, como forma de governo: as leis de revisoconstitucional tero de respeitar: - b) a forma republicana de governo(art. 288.9, alnea b).

    os sistemas eleitorais - porque h tantos quantos os rgos de baseelectiva - aparecem em numerosos preceitos (arts. 116.9, n.25, 129y, 152.2 e 155.2, 2319, n.2 2, 241.9, n.2 2, 247.2, n.2 2, 252.2 e

    260.2). j no, como no poderia deixar de ser, o sistema de partidos.

    0 regime poltico, esse, assim resumido no art. 2.9: a repblicaportuguesa um estado de direito democrtico, baseado nasoberania popular, no pluralismo de expresso e organizao polticademocrticos e no respeito e na garantia da efectivao dos direitos eliberdades fundamentais que tem por objectivo a realizao dademocracia econmica, social e cultural e o aprofundamento dademocracia participativa.

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    r

    capitulo ii

    os problenias cardeais

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    1.o legitimidade

    5. sentido da legitimidade

    1 - um princpio de legitimidade est presente em qualquer governo e em qualquerestado.

    1. v., entre tantos, max weber, wirtschaft und geselischaft, 1922, trad. cast. economiay sciedad, mxico, 1944-1969, 1, pgs. 170 e segs.; guguelmo ferrero,pouvoir - lesgnies de la cit, nova iorque, 1942; lide de lgitimit, obra colectiva, paris, 1967;alessandro passerin uentrves, obedienza e resistenza in una societ democratica,milo,1970; reinhold zippelius, op. cit., pgs. 255 e segs.; marcello caetano, op. cit., 1, pgs.293 e segs.;pouvoirs, n.9 5, 1978; afonso queir, tirania, in verbo, x-vh, pgs. 1579 esegs.; legitimation of regimes, obra colectiva ed. por bogi)an denitch, beverly hilis elondres,1979; conflict and control - challenge oflegitimacy ofmodern governments, obracolectiva ed. por anthon j. vidich e ronald m. glossman, beverly hilis e londres, 1979;gomes canotilho, constituio dirigente e vinculao do legislador, coimbra, 1982,

    pgs. 14 e segs.; dictatures et lgitimit, ob. col. sob direco de maurice duverger,paris, 1982; joo baptista41

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    todas as formas de governo assentam numa determinada justificao.pretendem fundamentar-se, legitimar-se em certo princpio (ou ideia dedireito, para usar uma expresso de

    rini georges burdeau). para l da legalidade - ou confo dade

    com o prprio direito positivo que criam - para se radicarem e durarem,precisam de legitimidade - ou conformidade com critrios, objectivos,valores aceites na comunidade.

    as tipologias bsicas de formas de governo so (como mostrmos)tipologias no apenas descritivas mas tambm preceptivas: nocompreendem s os governos que existem mas tambm os que devemexistir. ora, isso liga-se directamente com as concepes de legitimidade- de como deve o estado ser, de como deve ser a

    machado, introduo ao direito e ao discurso legitimador, coimbra,

    1983, pgs. 173 e segs.; oliveira baracho, legitimidade do poder, inrevista da associao dos magistrados mineiros, vol. 11, 1983, pgs. 143e segs.; n.2 de 1984 de sociologia del diritto; martim de albuquerque,legitimidade, inpolis, 111, pgs. 1017 e segs.; diritto e legittimazione,obra colectiva dirigida por renato treves, milo, 1985; paulo bonavides,op.cit., pgs. 113 e segs.; joaquim aguiar, normas de dominao esociedade: o caso do neopatrimonialismo, in anlise social, 1987, 2.q,pgs.241 e segs.; coniparing pluralist democracies, obra colectiva ed. pormattei dogan, boulder, westview, 1988; trcio sampaio ferraz, mariahelena diniz e ritinha a. stevenson georgalikas, constituio de 1988 -

    legitimidade, vigncia e eficcia, supremacia, so paulo, 1989; maria deassuno estves, a constitucionalizao da direita de resistncia, lisboa,1989, pgs. 19 e segs. e 101 e segs.

    1. assim como, em momentos revolucionrios ou de ruptura, mesmo nohavendo ainda uma nova legalidade, a legitimidade proclamada servede princpio - de direito, e no de facto - por que se vai reger o estado.

    42

    organizao do poder poltico, de como deve o estado organizar-se e

    funcionar para cumprir os seus fins.

    mais ainda: conforme escreve jellinek, o poder tem de assentar naconvico popular sobre aelecomitimaiidsaoduem.esta aprovao,expressa por diferentes maneiras enos

    do estado vigor, uma condio permanente na forniaao concreta

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    e constitui uma das funes necessrias

    omunidade popular como elemento constitutivo do estado.

    qualquer poder ou qualquer govemante, para ser poder, para governar

    ou realizar os seus fins carece sempre de ser reconhecido como tal pelacomunidade. ele, em rigor, s poder poltico a partir dessa relao - apartir da relao bilateral que se estabelece entre quem governa equem governado.

    no basta o governante invocar qualquer inteno do seu poder ou ter,pura e simplesmente, a fora material para se fazer obedecer; ouapresentar-se ao servio deste ou daquele projecto ou ideologia. temainda de obter o consentimento, pelo menos passivo, dos destinatriosdo poder. tem ainda de se configurar como autoridade.

    em que consiste ou em que se baseia esse consentimento?antigamente, dir-se-ia prevalecerem os factores espirituais (as

    1 - qp. cit., pg. 318.

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    tradies, as crenas, as doutrinas polticas); mais recentemente,privilegiam-se os factores econmicos, seja o domnio de classe ou aconjuntura de riqueza ou bem-estar; e tambm se tem procuradointerpret-los em meros moldes sociolgicosi.

    mas afigura-se mais correcto integrar todos os elementos num conjuntocomplexo. a questo da legitimidade no releva s da cultura poltica, ous das concepes jurdicas, ou s da situao econmico-social, ou sdos condicionalismos geogrficos. releva de todos eles e do modo comose dispem em cada pas e em cada poca.

    h uma problemtica terica geral da legitimidade e h tantosproblemas de legitimidade em concreto quanto os estados e as formasde governo, simultnea ou sucessivamente.

    6. a legitimidade na histria

    1 - a temtica da legitimidade est, pois, sempre presente ao longo dostempos. revela-se, porm, mais importante ou mais candente emmomentos de crise.

    1. cfr., por exemplo, p.11. partridge, consent and consensus, londres,1971; democracy, consensus, social contract, obra colectiva editada porpierre birnbaum; andres ollero, consenso: racionalidad o legitimacin?,in anales de ia catedra francisco suarez(universidad de granada), 1983-1984, pgs. 164 e segs.

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    no por acaso que ocupa um grande lugar na doutrina crist da idademdia, quando se procura, no meio de enormes convulses, estabelecersituaes polticas com estabilidade e que, ao mesmo tempo, sejamsituaes de limitao de poder (porque legitimar o poder ao mesmotempo limit-lo de acordo com os fins correspondentes legitimidade). e ento que brtolo frmula a contraposio entre legitimidade dettulo (ou legitimidade derivada do modo de designao) elegitimidade de exercicio (ou legitimidade derivada do modo deexerccio das funes ou do poder poltico).

    nem por acaso que a questo volta a ter uma grande acuidade naeuropa nos sculos xviii e xix. se na inglaterra se transita, como se sabe,com relativa facilidade, para a monarquia parlamentar, j na maior partedo continente tal no acontece e, em alguns pases - entre os quaisportugal - a instaurao de formas liberais e democrticos mostra-selenta e precria.

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    0 sculo xx, sculo de revolues e de transformaes radicais por todaa parte, viria a ser, finalmente, tambm ele marcado pela legitimidade:destruio de antigas legitimidades monarquicas ainda subsistentes e-de legitimidades imperiais, conflitos de legitimidades, assim como, emalguns casos, consolidao ou sedimentao de princpios de

    legitimidade antes apenas afirinados nos textos constitucionais.1. recorde-se que no sculo xix, portugus, espanhol e francslegitimistas eram aqueles que defendiam a legitimidade monrquica e,particularmente, a legitimidade monrquica absoluta.

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    11 - a propsito da passagem da legitimidade monrquica absoluta dosculo xviii para a legitimidade democrtico-liberal ou monrquico-liberal ou monrquico-constitucional ao longo do sculo xix, giglielmoferrero apontou trs formas de governo:

    em primeiro lugar, os governos legtimos: aqueles que so aceitespela colectividade, aqueles em relao aos quais a colectividadeprofessa a crena na sua razo de ser, na sua qualidade legtima paraexercer o poder.

    em segundo lugar, os governos quase/legtimos: aqueles govemosque invocam um tipo de legitimidade, mas que tm de se defrontar comoutra legitimidade que ainda subsiste na colectividade. e, quando istoacontece, os governos quaselegtimos tm muitas vezes que se imporpela fora.

    - em terceiro lugar, os governos pr-legtimos: aqueles governos queesto em vias de obterem, mas ainda no obtiveram, o assentimento nacomunidade.

    esta anlise pode estender-se a muitas situaes do sculo xx.

    111 - 0 problema da legitimidade no se suscita apenas no mbito dosordenamentos internos dos estados. suscita-se outrossim a nvel derelaes internacionais.

    1. v. jorge miranda, direito internacional pblico, 1, lisboa, 1995, pgs.

    256 e segs e autores citados.

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    0 reconhecimento de estado e de outros sujeitos de direito internacionale o reconhecimento de governo (este, alis, s ocorrendo quando hajarupturas constitucionais) implica a observncia de certas regrasjurdicas e tem-se chegado a pretender ainda o respeito de certospadres de referncia, valores ou objectivos assumidos comodominantes pela comunidade internacional.

    pense-se no princpio das nacionalidades no sculo xix e no daautodeterminao dos povos do sculo yx como justificativos oulegitimadores de movimentos irredentistas, secessionistas ouanticoloniais ou, ao mesmo tempo, na ilegitimidade da intervenoestrangeira para provocar o desmembramento de um estado.

    pense-se, quanto ao reconhecimento de governo, na doutrinamonrquica da santa aliana at 1848 e nas doutrinas de legitimidade

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    democrtica difundidas na amrica latina. ou, na europa aps 1945, naexigncia de formas democrticas, com parlamentos resultantes deeleies livres, para o acesso de qualquer estado a organizaesinternacionais (conselho da europa, comunidades europeias).

    7. tipos doutrinais de legitimidade1 - alm da j referida viso dicotmica legitimidade de ttulo elegitimidade de exerccio, talvez a mais conhecida classificao detipos de legitimidade seja a tripartio proposta por max47

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    weber de legitimidade tradicional, legitimidade carismtica elegitimidade legal-racional.

    a legitimidade tradicional repousa na tradio, nas prticas costumeirase em determinadas crenas morais, culturais, etc. e aqui haveria a

    salientar, historicamente, quatro sub-tipos, dois arcaicos ou originrios edois mais recentes. os primeiros seriam o patriarcalismo antigo e agerontocracia; os segundos seriam a organizao patrimonial e aorganizao estamental.

    quanto legitimidade carismtica, corresponde ela ao poderpersonalizado e abrange os casos em que o poder reconhecido aalgum em virtude de uma qualidade, de um dom especfico dessapessoa. assim acontece, por exemplo, quando o poder remonta adeterminados factos blicos, a feitos de herosmo, a grandes virtudespessoais, a decises polticas marcantes de um povo ou mesmo a laos

    de sangue.

    a legitimidade legal-racional, essa assenta em normas jurdicas gerais eabstractas, ditadas pela razo. forma mais avanada assinala aquilo aque max weber chama estado administrativo-burocrtico.

    11 - vale a pena aludir a, entre vrias outras classificaes, que sergiocotta sugere, embora num plano no tanto de legitimidade em si mesmoquanto de ideologia de legitimidade.

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    seriam as seguintes essas concepes, ou ideologias: ideologias delegitimidade histrica, de legitimidade racional e de legitimidadeexistencial. os resultados, se no so opostos, completam os daobservao de max weber.

    as ideologias de legitimidade histrica procuram a legitimidade nosentido da histria. e subdistinguem-se em ideologias de legitimidadehistrica retrospectiva e de legitimidade prospectiva. 0 que diferenciariaestas ltimas das primeiras (conservadoras, tradicionalistas) seria ofacto de terem uma perspectiva de futuro, de buscarem na histria a

    justificao, a legitimao da mudana, maxime da revoluo, e no dostatus quo (assim, o marxismo).

    por seu turno, as ideologias de legitimidade racional baseiamse numaideia de eficcia do poder: ser legtimo aquele que, em termos deracionalidade, seja mais eficaz. estas ideologias esto na base quer dodespotismo esclarecido do sculo xviii, quer das modernas tecnocraciasdo sculo xx. ideia semelhante se pode ver, j na antiguidade, em

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    plato, ao referir-se aos filsofos-reis (que, em certa medida, se podiam,contrapor aos pretensos reis-filsofos do sculo xviii).

    por ltimo, as ideologias de legitimidade existencial baseiam-se nacapacidade de promover a personalidade humana, a existncia do

    homem em sociedade. neste grupo se integra, mormente, a concepcocrist de legitimidade, que a adoptada por sergio cotta.

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    111 - importa tambm aqui fazer referncia mais sugestiva e fecundadas teses empricas, de matriz sociolgica, sobre legitimidade: a dalegitimao pelo procedimento i. pensada para o sistema jurdico emgeral, aplica-se ainda legitimidade do poder e dos govemantes.

    segundo luhmann, normas jurdicas concebidas como decises apenaspodem fundar-se noutras decises, mas a legitimidade no repousa nadeciso ltima. repousa, sim, no prprio procedimento: este, e nocada um dos seus componentes, que a confere.

    legitimidade pode ento descrever-se como uma disposiogeneralizada para aceitar decises de contedo ainda no definido,dentro de certos limites de tolerncia2.

    8. tentativa de quadro geral

    1 - numa tentativa de enquadramento geral do fenmeno delegitimidade, podem ser enunciados os seguintes critrios de destrina:

    1. este, justamente, o ttulo da obra famosa de niklas luhmann(legitimation durch verfahren, 1969, de que h traduo portuguesa,legitimao pelo procedimento, braslia, 1980).

    2. qp. cit., pag. 30.

    50

    - objecto da legitimidade;- fundamento;

    - causa;- funo; forma.

    11 - os diferentes tipos de legitimidade distinguem-se em razo doobjecto, dando resposta a problemas relativos ao poder poltico ou aoestado em si mesmo, a problemas respeitantes ilegitimidade dasformas de governo e a problemas respeitantes legitimidade dosconcretos govemantes actuais.

    h correntes negativistas que negam a legitimidade de qualquer poderpoltico: assim, designadamente, o pensamento anarquista. a grandemaioria dos autores, no entanto, toma uma posio positiva ouafirmativa em relao legitimidade do poder poltico.

    dentro desta corrente, que toma uma posio positiva em relao legitimidade do poder poltico, duas teses se defrontam quanto ao

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    fundamento dessa legitimidade. para as teses transcendentalistas, essefundamento deve procurar-se fora da sociedade: exemplo claro o dasteorias crists do direito divino, quer sobrenatural, quer providencial -omnis potestas a deo. para as teses imanentistas, o fundamento dalegitimidade do poder poltico deve buscar-se na prpria sociedade.

    exemplo bem demonstrativo odas teorias contratualistas.

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    no tocante s formas de governo, cabe considerar quatro princpios: oda legitimidade teocrtica, o da legitimidade monocrtica, o dalegitimidade aristocrtica e o da legitimidade democrtica. a estesprincpios podem corresponder grandes concepes de regime e degoverno.

    quanto problemtica da legitimidade dos govemantes em concreto,ela pode colocar-se em relao ao ttulo ou ao exerccio insista-se (estaltima adquire relevncia autnoma quando os governantes exercem opoder em discrepancia com a ordem estabelecida); e assim pode dizer-se que o ttulo de um govemante legtimo ou ilegtimo ou que oexerccio que faz do poder , tambm, legtimo ou ilegtimo.

    a distino entre legitimidade de ttulo e de exerccio reporta-se aosgovernantes actuais, mas no deixa de ter implicaes na legitimidadeda forma de governo em concreto. no caso de um govemante possuir

    ttulo legtimo, porque se reconhece legitimidade forma de governo;se ele apenas possui legitimidade de exerccio, est a agir, o mais dasvezes, margem da forma de governo, por sua vez considerada ou nolegtima.

    111 - um segundo critrio atenta ao fundamento da legitimidade e,trabalhando com ele, ser possvel encontrar trs contraposies:

    52

    a) entre legitimidade de base religiosa e legitimidade de base laica;

    b) entre legitimidade de base histrica e legitimidade de base racional;

    c) entre legitimidade (do prisma jurdico) de base jusnaturalista elegitimidade de base positivista.

    iv - terceiro critrio de classificao o da causa da legitimidade etraduz-se, de novo, na referncia a legitimidade que vem do ttulo e alegitimidade que vem do exerccio.

    a usurpao implica falta de legitimidade de ttulo. a opresso e a

    corrupo (econmica)t falta de legitimidade de exercci(e podemdegenerar em tirania ou despotismo.

    vi - quinto critrio vem a ser o da forma como se manifesta alegitimidade ou como reconhecida pelos governados.

    haver ento legitimidade activa (atravs da adeso ou da aclamao)ou legitimidade passiva (igual a mero consentimento).

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    2.

    participaco poutica

    9. a participao poltica em geral

    i - da atribuio a qualquer pessoa da qualidade de cidado de um estado noresulta, obrigatoriamente, o conferimento de uma interferncia no exerccio dopoder. a soberania da colectividade estadual satisfaz-se com a livre existnciae aco de orgos prprios ou de govemantes que prossigam o interessecolectivo; no requer a participao dos membros da colectividade.

    pode, por conseguinte, conceber-se a existncia de governos que afastem,radicalmente, os cidados - relegados para o estatuto de meros sbditos - dequalquer interveno na gesto da coisa pblica, que lhes neguem qualquerinfluncia nas decises pol-- ticas a tomar, que, enfim, consagrem a liberdadedos govemantes55

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    em face dos governados. as monarquias territoriais da antiguidadeoriental, as monarquias absolutas da idade moderna e certas ditadurascontemporneas fornecem disso os exemplos mais frisantes.

    nos dois ltimos sculos, porm, a tendncia, primeiro europeia e

    americana, depois universal, tem sido outra. tem sido a de converter ossbditos em cidados completos, a de elevar os homens na cidade desimples sujeitos ao poder a verdadeiros sujeitos do poder. quer dizer: osentido generalizado da evoluo poltica, sob formas diversas e nosem movimentos contraditrios, tem sido o de fazer participar cada vezmais os governados nas tarefas da vida pblica.

    no se trata de banir a distino entre govemantes e governados. mastrata-se, em oposio ao ancien rgime, de estabelecer uma relaopermanente entre uns e outros, de tal sorte que os governantes ajamcomo representantes do povo e prestem contas ao povo pelos seus

    actos. tal o princpio representativo moderno, que, por outro lado, secontrape tambm ao governo directo do povo (democracia directa),praticado, designadamente, em atenas e em diferentes cidades-estadose municpios ao longo dos tempos (e ainda hoje em alguns cantes dasua).

    1. 0 que no significa - porque seria impossvel - um total afastamentoentre govemantes e governados. estes, ainda que indirectamente,conseguem agir ou reagir sobre aqueles no s atravs da legitimidadeque lhes reconhecem ou no mas tambm atravs da aceitao e domaior ou menor grau de efectividade dos seus actos.

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    por outro lado, sabe-se que a doutrina da origem popular da soberania(da soberania popular alienvel), por exemplo, precedeu na europa decentenas de anos o triunfo das ideias democrticas. e raros foram outem sido os regimes que, pelo menos, no reconhecem aos cidados oua grupos de cidados o direito de petio ou o de serem ouvidos emdefesa dos seus interesses ou do interesse geral.

    de resto, o arredarem-se os indivduos de qualquer participao poltica

    no implica s por si, teoricamente, que eles no possam obter algumaou muita participao no interior das instituies sociais em que vivem.podem estas estar fechadas para a interferncia no poder poltico e, noobstante, gozarem de aprecivel autonomia na prossecuo dos seusinteresses: em certa medida, foi o que sucedeu na idade mdia.

    11 - a participao poltica no se insere sempre no mesmo contexto.

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    ela pode ser decorrncia natural da organizao constitucional do pasou, ao invs, ter cunho excepcional ou antagnico em face da filosofiaprpria da forma do governo; pode constituir uma ideia dominante ouencontrar-se em concorrncia com outras ideias (quer em igualdade,quer em posio subalterna).

    se qualquer participao cvica implica a atribuio de direitos polticos,no traduz j, necessariamente, um princpio funda-57

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    mental de forma do governo ou do regime poltico, os quais, embora a eladesfavorveis, podem ser obrigados a acolh-la por diversos motivos. muitomenos se poder dizer que a participao poltica significa s por si direcodos negcios pblicos pelos cidados com direitos polticos ou acodeterminante deles sobre

    o governo.

    111 - os modelos ou tipos de colocao da participao poltica que sedeparam na evoluo do estado europeu so principalmente trs: a monarquialimitada pelas ordens, em que a participao se d numa rea circunscrita davida poltica; a monarquia constitucional, em que o princpio democrtico seassocia ao princpio monrquico; e o governo representativo, em que oprincpio fundamental da constituio aquilo que se chama a soberania dopovo.

    no primeiro modelo - historicamente correspondente ao estado estamental, ouseja, a fase de transio da organizao poltica medieval para as formasmodernas do estado soberano - o poder poltico entende-se que pertence aorei, mas este deve exerc-lo com a ajuda e o conselho do reino, organizadoem diferentes instituies, estamentos ou ordens, com vida prpria elargussima autonomia. os estamentos participam, pois, no poder centralatravs de uma assembleia, em parte representativa e em parte norepresentativa, e de regra, com meras atribuies consultivas.

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    no segundo modelo - caracterstico do sculo xix europeu, tambm ele pocade transio - h dois centros de poder, o rei e o parlamento, com diferentesfontes de autoridade, a tradio e o direito divino, por um lado, e a eleio poroutro lado. 0 poder do rei no emana do povo, nem o poder do parlamentoemana do rei; e o parlamento, conquanto eleito por sufrgio censitrio, vaiarrogar-se a representao de todo o povo para reforar a sua posio peranteo rei. consoante os pases, ora predomina o princpio monrquico, oraprevalece o princpio democrtico.

    por ltimo, no terceiro modelo, fruto das revoluoes amencana e francesa, oprincpio da organizao poltica vem a ser o consentimento activo e explcitodos governados, de quem dependem a designao e a conservao dosgovemantes no poder. porque se considera agora que o poder pertence aopovo, os govemantes, eleitos e responsveis polticamente perante o povo,dizem-se representantes do povo. mas h aqui que distinguir ainda, comose ver, entre governo representativo liberal e democracia representativa.

    10. modos de participaao

    1 - os modos e as manifestaes de interveno do povo no processo polticorevelam-se, naturalmente, variveis com os

    1 . e a da burguesia, de que expresso, perante a velha nobreza.

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    pases e as pocas, as formas de governo e os regimes polticos. tambm o seucontedo pode tomar-se mais ou menos rico e a sua prtica mais ou menosautntica.

    0 povo pode ser considerado atravs de cada cidado a quem reconhecidoum direito de participao, atravs de grupos de cidados ou de instituies

    sociais menores integradas no estado (famlias, municpios, organismos scio-profissionais ou corporativos, etc.); finalmente, atravs da totalidade doscidados (ou das instituies) com direito de interveno na vida pblica. da,modos individuais, institucionais e globais ou colectivos de participao.

    como modos individuais e institucionais -porque a sua estrutura idntica, sdivergem os seus titulares - indiquem-se, por um lado, o direito de petio ourepresentao no interesse geral2 o direito de aco popular e a iniciativapopular (legislativa ou constituinte)3 sem esquecer as prprias liberdadespblicas.

    1. cfr. marnoco e sousa, op. cit., pg. 99, falando (embora incidentalmente) naimportncia da participao real dos cidados no governo, para determinar adiversidade e fazer a classificao das suas formas.

    2. no o direito de reclamao ou queixa.

    3. porventura tambm o direito de resistncia individual no interesse geral(mas parece que s existe resistncia individual no interesse geral, e no meraautodefesa, a onde se admite, pelo menos, um princpio de legitimidadedemocrtica).

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    e, por outro lado (alguns, em zonas mais relevantes no campo administrativo,embora sempre com significado poltico),a interveno em procedimentos daadministrao, a audio, por via de associaes representativas deinteresses, antes da tomada de deciso pelos rgos competentes, aparticipao em rgos consultivos e auxiliares, a formao de associaespblicas, a gesto ou a participao na gesto de servios pblicos.

    quanto aos modos globais ou colectivos (globais ou colectivos, ainda queassentes em actos individuais) so o sufrgio - traduzido ora em eleies, oraem referendo - e a assembleia popular ou assembleia directa dos cidados.

    eles podem ser consagrados isoladamente e, assim, acontecer que se admitamuns e no outros. mas podem tambm ser consagrados em conjunto,desempenhando cada qual o seu papel e reflectindo-se uns sobre os outros.comearam por aparecer os meios individuais e institucionais de participaocvica e por se defender o princpio da resistncia opresso; s muito depoissurgiria o sufrgio e, mais recentemente, os institutos ditos de2

    democracia participativa .

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    i. por exemplo: a petio ou representao dirigida a titulares de rgoselectivos.

    2. cfr. carolle pateman,participation and democratic theory, cambridge, 1970;samuel huntington e joan m. nelson, no easy choice. poltical participation in

    developing countries, harvard university press, 1976; franco levi,partecipazione e organizzazione, in rivista trimestrale di diritto pubblico,1977, pgs. 1625 e segs.; cesar61

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    11 - tanto os modos de participao individuais e institucionais como osmodos colectivos tm de comum o reconhecimento aos

    indivduos ou s instituies sociais de uma posio interessada e activanos destinos do estado; tm de comum a atribuio aos cidados ou a

    essas instituies de direitos polticos, ou direitos1

    relativos ao estabelecimento e ao exerccio do poder pblico .

    a participao poltica - o status activae civitatis de jellinek assume umcarcter ambivalente. tem ao mesmo tempo sentido objectivo eprojeco subjectiva. na sua finalidade - a realizaao do bem comumou dos fins do estado - e na sua atribuio a cada indivduo ouinstituio como parcela do povo adquire um sentido objectivo efuncional. mas, na sua incidncia, essencialmente sub ectiva: a

    participao feita faculdade jurdica de agir frentejaos govemantes.

    por isso, os direitos polticos em que ela se consubstancia no podemdeixar de revestir ainda uma dupla natureza, oscilando2

    entre poderes funcionais e direitos subjectivos stricto sensu

    marcello baquero, tarticipao poltica na amrica lati-na problemas de

    conceituao-, in revista brasileira de estudos polticos, n.253, julho de 1981, pgs. 7 e segs.; aristide savignano, partecipazionepoltica, in enciclopedia del diritto, xxx11, pgs. 1 e segs.; ronaldinglehart, la nuova partecipazione nelle societ post-industriali, inrivista di scienza poltica, 1988, pgs. 403 e segs.

    1. cfr. art. 6w` do anterior cdigo penal portugus.

    2. dentro dos conceitos correntes. no sero os nicos poderes jurdicosde natureza ambgua; veja-se tambm o poder paternal.

    62

    parece que so poderes funcionais, porque devem ser exercidossegundo o interesse colectivo (tal como a competncia dos rgos degoverno). parece que so direitos subjectivos, porque se destinam,simultaneamente, prossecuo de interesses prprios dos seustitulares, interesses, por sua vez, a atender na sntese dointeresse colectivo.

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    11. a representaco poutica: formao histrica

    1 - no moderno estado europeu2, instituies representativasencontram-se logo na sua primeira fase, a estamental: so as

    assembleias, as cortes, as dietas, os estados gerais, os parlamentos, emque tomam assento no s membros por direito prprio (do alto clero eda nobreza) como representantes ou procuradores (por exemplo, emportugal; procuradores dos concelhos).

    1 . compreende-se, sob este foco, por que razo a luta pela conquista dedireitos polticos, nomeadamente, do direito de sufrgio, no se esgotanunca na simples participao, nem sequer movida pela ideia departicipao pela participao. essa luta faz-se quase sempre peladefesa de interesses sectoriais ou por certa maneira de interpretar ointeresse geral, na medida em que os direitos polticos constituem

    instrumento primacial de proteco dos interesses dos seus titulares.

    2. no curamos aqui de instituies ou fenmenos anlogos que houveou tenha havido na grcia e em roma. cfr. j.a.0. larsen, representativegovernment in greek and roman hstory, bekerley e los angeles, 1966;agerson tabosa, da representao poltica na antiguidade clssica,fortaleza, 1981.

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    a representao aqui, no uma representao da comunidade poltica como umtodo, mas dos sectores ou ordens provenientes da idade mdia e que subsistem commaior ou menor autonomia; e os representantes esto vinculados s instrues querecebem, num mandato imperativo semelhante ao mandato civil. por isso, e porque aorei se reconhece a plenitude do poder, a funo da representao exaure-se,praticamente, na garantia dos interesses e privilgios dos estamentos uns perante os

    outros e perante o rei.0 desenvolvimento do absolutismo monrquico reduz as instituies representativas auma plida recordao nos sculos xvi, xvii e xviii. apenas em inglaterra se descobrecontinuidade no parlamento, mas as revolues do sculo xvii e as transformaespolticas e scio -econmicas subsequentes vo levar considerao dos deputadoscomo representantes de todo o pas, de toda a nao, e no j deste ou daquele grupocorporativo ou desta ou daquela entidade local ou constitucional.

    por seu lado, quando no continente, entre os sculos xviii e xix, se tenta a superaodo ancien rgime e a construo de uma nova ordem poltica, assente nos direitosindividuais e na diviso do poder, a ela se liga, necessariamente, a formao de umaou mais de uma assembleia representativa de cidados enquanto tais. semrepresentao de cidados no h liberdade e no h constituio, no sentido do art.16.9 da declarao de 1789.

    a representao poltica na acepo rigorosa do termo, e no meras instituiesrepresentativas sectoriais ou parcelares, radica,64

    portanto, historicamente, na confluncia de dois fenmenos: a afirmao da unidadepoltica correspondente ao estado moderno e a passagem do absolutismo aoliberalismo. a nova forma de governo- a representativa - surge conexa com o novo regime, o liberal.

    1 . cfr., entre tantos, montesquieu, de 1 sprit des lois, cap. vi do livro xl; rousseau, du

    contrat social, cap. xv do livro 11j; sieys, quest-ce que le tiers tat, cap. iii, ii e cap.iv, s v11; benjamin constant,prncipes de politique, paris, 1815, pgs. 23 e 62; delolme, constitution de 1 angleterre, paris, 5. ed., 1819, pgs. 269 e segs.; custdiorebelo de carvalho, bases de todo 0 governo representativo ou condies para que acarta constitucional da monarquia portuguesa seja uma realidade, londres, 1832; stuartmill, considerations on representative government, londres, 1861; antnio custdioribeiro da costa,princpios e questes da filosofia poltica - i - condies cientficas dodireito de sufrgio, coimbra, 1878; a. esmein, deux fonnes de gouvernemenf, inrevue du droitpublic, 1894, 1, pgs. 15 e segs.; v. e. orlando, du fondementiuridiquede ia rprsentation politique, ibidem, 1895, pgs. 1 e segs,; rocha sar_aiva asteorias sobre a representao poltica e a nossa constituio-, in revista de justia, ano1, 1916, pgs. 233 e segs. e 313 e segs.; lenine, as eleies para a assembleiaconstituinte e a ditadura do proletariado, trad. port., coimbra, 1975; carl schmitt, qp,

    cit., pgs. 231 e segs.; carr de malberg, considrations thoriques sur ia question deia combinaison du refrendum avec le parlementarisme, in revue du droit public, 1931, pgs. 225 e segs.; luigi rossi, la reppresentanza politica, in scritti vari di diritto

    pubblico, v, milo, 1939, pgs. 79 e segs.; carlo esposito, la rappresentanzaistituzionale, in sritti in onore di santi romano, 1, pdua, 1940; gerhardt lei13holz,dniocratie rprsentative et tat de partis moderne, in revue internationaledhistoire politique et constitutionnelle,janeiro-maro de 1952, pgs. 51 e segs., e diereprsentation in der demokratie, 1973, traduo italiana la rapprensentazione nellademocrazia, milo, 1989; vincenzo zangara, la rappresentanza istituzionale, pdua, 2.ed., 1952; maurice duverger, esquisse dune thorie de ia rprsentation politique, in

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    11 - a doutrina da representao poltica elaborada quase ao mesmo tempo peladoutrina poltica inglesa (desde locke a burke) e francesa (desde montesquieu a sieyse a b. constant). no entanto, ainda no sculo xviii, sofre a sua primeira grandecontestao, a de rousseau. vale a pena recordar os elementos mais significativos dopensamento destes autores, com os seus matizes especficos.

    lvolution du droit public - tudes en lhonneur dachille mestre, paris,1956, pgs. 211 e segs.; ernst frankel, die reprsentative und die plebiszittekomponente im demokratischer verfassungstaat, 1958, trad. it. la componenterepresentative e plebiscitaria nello stato costituzionale democratico, turim, 1994;glovann1 sartori, a teoria da representao no estado representativo moderno, trad.,belo horizonte, 1962 e thorie de ia dmocratie, trad., paris, 1973, pgs. 383 e segs.;hans kelsen, teoria pura do direito (2. ed. port.), coimbra, 1962, 11, pgs. 197 e segs.;pier luigi zampetti, dallo stato liberale allo stato dei partiti, milo, 1965; j. rolandpanock e john w. chapman, representation, nova lorque,1968; jean roels, le concept de rprsentation politique au dix-huitime siclefranais,paris, 1969; representation, obra colectiva, nova lorque,1969; a.h. birch, representation, londres, 1971; achille mestre e philippe gu1tinger,constitutionnalismejacobin et constitutionnalisme sovitique, paris, 1971, pgs. 19 esegs.; hanna pitkin, the concept of representation, berkeley, 1972;pouvoirs - revuedtudes constitutiormelles et politiques, n.- 7, 1978; otto bachof, 0 direito eleitoral e odireito dos partidos na repblica federal da alemanha, trad. port., coimbra, 1982;damiano nocilla e luigi ciaurro, rappresentanza poltica, in enciclopedia del diritto,xxx, pgs. 543 e segs.; luiz navarro de brito, 0 mandato imperativo partidrio, inrevista brasileira de estudos polticos, 1983, pgs. 147 e segs.; a antologia ed. pordomenico fisichella, la rappresentanza politica, milo, 1983; silvio gambino, sovranitpopolare e rappresentanza poltica, inpoltica del diritto, 1983, pgs. 293 e segs.;andrea pubusa, riflessioni sul rapporti fra il popolo e66

    0 parlamento - diz burke (discurso aos eleitores de bristol, em 1777) - no umcongresso de embaixadores de interesses diferentes e hostis, interesses que cada umtem de sustentar como representante e advogado contra outros representantes eadvogados. 0 parlamento , sim, uma assembleia deliberativa de uma nica nao,com um s interesse, o do todo, e que deve guiar-se no pelos interesses locais, maspelo bem geral, resultado da razo geral do todo.

    montesquieu ocupa-se da representao poltica no mesmo clebre captulo de delsprit des lois (o vi do livro xi), em que formula a separao dos poderes. como, numestado livre, qualquer homem que se repute dotado de uma alma livre, deve sergovernado por si mesmo, o povo deveria ter em si mesmo o poder legislativo. mas,como isso impossvel nos grandes estados e oferece muitos inconvenientes nospequenos, preciso que o povo faa pelos seus representantes tudo aquilo que nopode fazer a si prprio.

    alcuni organi dello stato, injus, 1985, pgs. 88 e segs.; e.w. bckenfrde, democrazia

    e rappresentanza, in quaderni costituzionali, 1985, pgs. 227 e segs.; pedro vega,significado constitucional de ia representacin poltica, in revista de estudios

    polticos, maro-abril de1985, pgs. 25 e segs.; la rprsentation, obra colectiva sob a direco de franoisdarcy, paris, 1985; representatives of the people? - parliamenis and constituents inwestern democracies, obra colectiva, cambridge, 1985; paulo bonavides, qp. cit., pgs.235 e segs. e 309 e segs.; angel rodriguez dias, un marco para el analisis de iarepresentacin poltica en los sistemas dernocraticos11, in revista de estudios politicos,outubrodezembro de 1987, pags. 137 e segs.

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    montesquieu e, posteriormente, os autores liberais pronunciam-secontra os sistemas democrticos, por temerem que em sistemasdemocrticos se verificasse uma concentrao do poder num nicotitular, que seria o povo, ou em rgos, que, baseados no povo, viessema pr em causa as liberdades individuais. s a representao permitiria

    a diviso de poder.na vs pera da revoluo francesa, sieys (quest-ce que le tiers tat?)apela para a representao poltica para justificar a transformao dosestados gerais em assembleia constituinte, defende um governoexercido por procuradores do povo e distingue entre aquilo a que chamaa vontade comum real e aquilo a que chama a vontade comumrepresentativa. esta, a vontade comum representativa, no umaplena vontade, no uma vontade ilimitada, uma poro da grandevontade comum nacional, em que os delegados agem no por direitoprprio, mas por direito de outrem.

    cite-se ainda o que escreve benjamin constant em1815 (de la libert des anciens compare celle des modernes): necessrio que tenhamos liberdade, e t-la-emos. mas como a liberdadede que precisamos diferente da dos antigos, preciso, para essaliberdade, outra forma de organizao poltica, que no seja a mesmaque os antigos adoptaram. na forma antiga, quanto mais o homemconsagrasse o seu tempo ou a sua fora ao exerccio dos seus direitospolticos, mais ele se julgava livre. na espcie de liberdade dosmodernos, mais o exerccio dos nossos68

    direitos polticos nos deixa tempo para o exerccio dos nossos direitosprivados, mais esta liberdade nos preciosa. e da, a necessidade dosistema representativo, que no outra coisa seno uma organizaocom a ajuda da qual uma nao descarrega nalguns indivduos delamesma aquilo que ela no pode fazer por si s.

    os pobres tomam conta dos seus prprios negcios; os ricos tomamintendentes. a histria das naes modernas. 0 sistema representativo uma procurao dada a um certo nmero de homens pela massa dopovo que quer que os seus interesses sejam por eles defendidos.

    111 - em contrapartida, so bem conhecidas as observaes derousseau (du contrat social, livro 111, cap. xvi) contra a representao:a soberania no pode ser representada pela mesma razo por que elano pode ser alienada: ela consiste essencialmente na vontade geral, ea vontade no se representa; ela a mesma ou outra, no h meiotermo. os deputados do povo no so, portanto, e no podem ser seusrepresentantes; eles apenas so seus comissrios, e no podem, por si,

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    concluir nada definitivamente. toda a lei que o povo em pessoa noratifique nula; no lei. 0 povo ingls pensa ser livre, mas engana-se;s durante a eleio dos membros do parlamento; e logo que estesso eleitos, fica sendo escravo, no nada. nos curtos momentos da sualiberdade, usa-a de tal modo que merece perd-la.99

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    e mais adiante: no sendo a lei seno a declarao da vontade geral, claro que no poder legislativo o povo no pode ser representado; maspode e deve s-lo no poder executivo, que apenas a face aplicada dalei.

    rousseau liga as ideias de representao ao feudalismo, pois nas antigasrepblicas ela no existia, e propugna um sistema que possa reunir aautoridade exterior de um grande povo com a polcia adequada e a boaordem de um pequeno estado: tal viria a ser a forma de governodemocrtico radical ou comissarial da constituio jacobina francesa de1793.

    12. do governo representativo liberal democracia liberal

    1 - a tese do governo representativo, e no de governo comissarial,que vinga com as grandes revolues do sculo xviii e xix ou que, sem

    revoluo, adoptada em alguns pases onde se consegue fazer aexperincia de reforma ou transies pacficas.

    e as componentes principais do governo representativo vm

    a ser:

    a) a soberania nacional ou princpio de que o poder resideessencialmente (isto , potencialmente) no povo, na nao entendidacomo colectividade distinta dos indivduos que a constituem;

    70

    b) a incapacidade da nao de exercer o poder e, por conseguinte, anecessidade de o delegar em representantes por ela periodicamenteeleitos, nicos que o podem assumir (cfr. art. 26.2 da constituioportuguesa de 1822);

    c) 0 sufrgio restrito, s tendo direito de participao poltica osproprietrios e, em geral, os que tenham responsabilidades sociais;

    d) a natureza puramente designativa da eleio, destinada apenas

    seleco dos g ovemantes entre os cidados mais aptos;

    e) a autonomia dos representantes relativamente aos eleitores, emvirtude da natureza da eleio, do princpio de que representam toda anao e no s os crculos por que so eleitos e da proibio domandato imperativo;

    f) a limitao dos governantes pelas regras da separao dos poderes.

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    na europa, nesta poca, subsistem as monarquias (desde aconstitucional ou representativa, em que prevalece o princpiomonrquico, parlamentar, em que prevalece o princpio democrtico) edomina a burguesia (de onde o sufrgio censitrio). 0 governo

    representativo aparece, por um lado, como um verdadeiro governomisto, prprio de um perodo de transio e, por outro lado, como umaoligocracia burguesa ou uma aristocracia electiva.

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    a representao reduz-se legitimao dos govemantes peloconsentimento dos governados, e a renovao que naqueles propiciaresulta, sobretudo, da preocupao de impedir os abusos da demasiadolonga ocupao do poder. mais importante do que promover aparticipao de todos os cidados parece aos tericos do liberalismo

    promover um governo conforme razo e que salvaguarde asliberdades e garantias individuais.

    11 - apesar de estruturalmente avesso democracia (confundida, comoj disse, com o governo de massas), o sistema representativo teve deapelar para o princpio democrtico - como seu necessrio alicerce ecomo instrumento de luta contra os anteriores

    detentores do poder.

    as constituies (no as cartas constitucionais) proclamam, assim, a

    soberania nacional, sem que instituam o sufrgio universal; mas apatente incoerncia tanto iria justificar a contestao do regime quantodeterminar a sua ulterior evoluo interna. tambm a questo social, semostra aos operarios a necessidade de estarem presentes nosparlamentos para defesa das suas reivindicaes, igualmente mostra burguesia a convenincia de os integrar, em vez de os deixar margemdo sistema.

    0 progresso das ideias democrticas e as convulses revolucionriasabertas em 1848 conduzem, pois, ao crescente alargamento do sufrgioe ao maior relevo dos rgos electivos no estado - o que, por seu tumo,

    toma indispensveis os partidos72

    polticos. ora, o sufrgio universal envolve a abertura vida poltica deestratos sociais com posies e interesses divergentes e a criao dospartidos acentua as divises ideolgicas; deste modo, as eleiespassam a ser travadas volta de grandes correntes de opinioinstitucionalizadas nos partidos e o voto dos eleitores passa a traduzir aadeso aos seus programas e aos seus candidatos.

    a seguir primeira guerra mundial precipitam-se as mudanas sociais e

    polticas: queda de muitas monarquias europeias e esvaziamento doprincpio monrquico naquelas que perduram, sufrgio feminino,representao proporcional e representao de interesses, referendo,unicameralismo, tentativas de racionalizao do parlamentarismo,etc. 0 governo representativo - evolutiva ou revolucionariamente - cedeo lugar democracia representativa (tambm denominada, por vezes,governo semi-representativo), dele distinta nas ideologias e nas tensesa que d vazo, a despeito da continuidade de certos princpios e da

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    coincidncia parcial de institutos e formas constitucionais. e nos pasesque a adoptam a democracia representativa que

    no segundo ps-guerra, fornece o quadro em que se vo inserir asrefrmas do estado social de direito.

    111 - as traves mestras da democracia representativa so as seguintes:

    a) a possibilidade de ter o povo, sujeito do poder, uma vontade, actualou conjectural, jurdica e politicamente eficaz;73

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    b) 0 reconhecimento, por motivos tcnicos e materiais, daimpossibilidade de o povo governar e, por isso, como sucedneo, anecessidade de representao poltica;

    c) a concorrncia da vontade do povo, manifestada pelo colgio de todos

    os cidados com direitos polticos, com a vontade manifestada pelosrgos govemativos de carcter representativo;

    d) a responsabilidade poltica dos governantes, titulares desses rgos,atravs do cumprimento dos deveres constitucionais relativos aoexerccio dos seus cargos e do dever de informao do povo e,especificamente, atravs da eleio geral do termo do mandato, deeleies parciais durante este ou de referendo.

    iv - os regimes autoritrios e totalitrios do nosso sculo, apesar de seoporem ao estado constitucional do liberalismo poltico (ou de o

    quererem ultrapassar) mantm, entre outras formas, a eleio e arepresentao poltica. porm, no sem modificaes.

    nos regimes socialistas de tipo sovitico, em certa medida retoma-se aomodelo jacobino: democracia unnime, unidade do poder, precariedadedo mandato dos membros das assembleias (sem ser rigorosamenteimperativo), sujeio a destituio.

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    nos regimes fascistas e autoritrios de direita, se no se chega a

    suprimir o sufrgio directo e individual, a doutrina reala o sufrgiocorporativo e a representao institucional como mais conformes aosseus princpios.

    por outra banda, ao passo que nos regimes s

    oviticos levada s ltimas consequncias a dependncia dosgovernantes do partido nico, em certos regimes de direita apreocupao maior consiste em subtrair a poltica a qualquer influnciados partidos (foi o caso do regime portugus de salazar), tudo numquadro de reduzido pluralismo, pelo que a eleio no pode ser uma

    verdadeira escolha em sentido substancial.

    13. a representao poltica: anlise do fenomeno

    1 - no h representao poltica, quando (para empregar umaexpresso de carl schmitt) se verifica identidade - seja em monarquia(pura), seja em democracia directa - entre os titulares do poder e osgovemantes, quando os governados tendem a ser, simultaneamente,

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    govemantes ou quando a diviso entre governantes e governados sepe ao nvel da distino dos destinatrios de normas jurdicas e no aonvel de uma distino funcional.

    pelo contrrio, representao postula inidentidade e, depois, relao.

    ela redunda num fenmeno de relao e de comunicao:75

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    para que os govemantes apaream como representantes dosgovernados tem de haver essa relao.

    para se analisar o seu conceito h que distinguir: entre representaodo estado e representao do povo; entre representao de grupos

    existentes por si e representao de toda a colectividade; entrerepresentao gerada por um acto de vontade e representaodecorrente de um facto jurdico ou ope legis. s representao polticaem sentido restrito e prprio representao do povo, e do povo todo,fundada num acto de vontade (a eleio) e destinada a institucionalizar,com varivel amplitude, a sua participao no poder.

    11 - em primeiro lugar, na representao poltica no se cuida darepresentao do estado:

    a) nem como expresso ou smbolo da unidade do estado

    - pois nesse sentido todo o governante representa o estado e havertanto mais representao quanto menor fr a participao do povo emaior a concentrao de poderes num nico govemante (c. schmitt);

    b) nem como essncia dos seus rgos - pois o rgo no representa oestado, um elemento do estado, e os actos que pratica so-lhe,directamente, imputados sem distino de esferas jurdicas; -

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    c) nem como funo ou competncia cometida pelo direito positivo a

    certos rgos em relaes jurdicas em que o estado intervenha (comoojus representationis omnimodae conferido pelo direito internacionalcomum aos chefes de estado e de que expresso o art. 123.9 daconstituio de 1976).

    cuida-se, sim, de representao do povo enquanto modo de tornar opovo (ou o conjunto dos governados) presente no exerccio do poderatravs de quem ele escolha ou de quem tenha a sua confiana. arepresentao poltica o modo de o povo, titular do poder (ou um dostitulares do poder nas monarquias constitucionais propriamente ditas),agir ou reagir relativamente aos govemantes.

    na poca liberal, dir-se-ia traduzir a separao entre estado e sociedade.pelo contrrio, a teoria constitucional actual situa-a ao nvel daorganizao interna do estado; v-a como processo de a estabelecer,insista-se, uma relao permanente entre govemantes e governados(relao de natureza jurdica, conquanto no relao entre sujeitos dedireito diferenciados).

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    111 - em segundo lugar, representao poltica implica consideraounitria do povo e realizao de fins e interesses pblicos (comrelevncia ou no de outros interesses que realmente existem nasociedade, muitas vezes em conflito). as pessoas nela investidasrepresentam toda a colectividade e no apenas quem as designou (

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    o princpio explicitado, em portugal, no art. 1.2 do acto adicional carta de1885, no art. u, 1, da constituio de 1911 e no art. 152.!2, n.- 3, daconstituio de 1976); se assim no fosse, no poderiam deliberar sobreassuntos gerais e elevar-se a govemantes.

    compreende-se deste jeito que tenha de se excluir do seu mbito a

    representao estamental ou de estados, vestgio da desagregaomedieval da sociedade poltica; que a doutrina da soberania popular oufraccionada de rousseau no se compadea com o sistema representativo; eque a mera representao de interesses, imagem de uma nao orgnica oucorporativa de povo, s possa aproveitar-se para a constituio de rgosconsultivos, e no para a de rgos deliberativos do estado.

    que povo, porm, representado? nos dois ltimos sculos, da imediatividadeda posio do cidado perante o poder poltico, inerente ao conceito de estado(ao contrrio da estrutura escalonada do feudalismo), extraiu a concepodominante, de raiz individualista ou de raiz personalista, a ideia do sufrgioindividual e, em princpio, directo dos cidados. a ela contraps ocorporativismo poltico a ideia do sufrgio corporativo ou orgnico, ligado suaviso institucionalista da colectividade poltica, mas sem xito.

    j a distino entre representao maioritria e proporcional diz respeito to-s aos sistemas eleitorais, aos sistemas de traduo da vontade popularexpressa pelo voto em mandatos; no afecta nem a unidade do povo nem ado