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JORGE MIRANDA Professor Catedrático das Faculdades de Direito da Universidade de Lisboa e da Universidade Católica Portuguesa " MANUAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL TOMO III ESTRUTURA CONSTITUCIONAL DO ESTADO 4.. EDIÇÃO, REVISTA E ACTUALIZADA . AB,,",AI)"""" COIMBRA EDITORA 1998 DO AUTOR I -Livros e monografias -Contributo para uma teoria da inconstitucionalidade. Lisboa. 1968; -Poder paternal e assistência social, Lisboa, 1969; -Notas para uma introdução ao Direito Constitucional Comparado. Lis- boa, 1970; . -Chefe do Estado, Coirnbra, 1970; -Conselho de Estado, Coirnbra, 1970; -Decreto. Coirnbra, 1974; -Deputado, Coirnbra, 1974; -A Revolução de 25 de Abril e o Direito Constitucional, Lisboa, 1975; -A Constituição de I976 -F ormação. e~trutura, princípios fundamen- tais, Lisboa, 1978; -Manual de Direito Constitucional, f,Otorno, 6 edições, Coirnbra, 1981, 1982, 1985, 1990, 1996 e 1997; 2,0 torno, 3 edições, Coirnbra, 1981, 1983 e 1991, reirnp, 1996; 3,0 torno, 3 edições, Coirnbra, 1983, 1987 e 1994, reirnp, 1996; 4,0 torno, 2 edições, Coirnbra, 1988 e 1993, reirnp. 1997; 5,0 torno, Coirnbra, 1997; -As associações públicas no Direito português, Lisboa, 1985; -Relatório com o programa. o conteúdo e os métodos do ensino de Direi- tos Fundamentais, Lisboa, 1986; -Estudos de Direito Eleitoral, Lisboa, 1995; -Escritos vários sobre a Universidade, Lisboa, 1995, II -Lições policopiadas -Ciência Política -Formas de Governo, 4 edições, Lisboa, 1981, 1983- 1984, 1992 e 1996; -Direito da Economia, Lisboa, 1983; -Funções. 6rgãos e Actos do Estado, 3 edições, Lisboa, 1984, 1986 e 1990; -Direito Inter'1acional Público- I, 2 edições, Lisboa, 1991 e 1995. III -Principais artigos -Relevância da agricultura no Direito Constitucional Português, in Rivista di Diritto Agrario, 1965, e in Scientia Iuridica. 1966; -Notas para um conceito de assistência social. in Informação Social, 1968; -Colégio eleitoral. in Dicionário Jurídico da Administração Pública, II, 1969; -A igualdade de sufrágio político da mulher, in Scientia Iuridica. 1970; -Liberdade de reunião. in Scientia Iuridica, 1971; -Sobre a noção de povo em Direito Constitucional. in Estudos de Direito Público em honra do Professor Marcello Caetano, Lisboa, 1973; -Inviolabilidade do domicílio. in Revista de Direito e Estudos Sociais, 1974; -lnconstitucionalidade por omissão, in Estudos sobre a Constituição, 1, Lisboa, 1977;

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JORGE MIRANDAProfessor Catedrático das Faculdades de Direitoda Universidade de Lisboa e da Universidade Católica Portuguesa" MANUALDEDIREITO CONSTITUCIONALTOMO IIIESTRUTURA CONSTITUCIONAL DO ESTADO4.. EDIÇÃO, REVISTA E ACTUALIZADA.AB,,",AI)""""COIMBRA EDITORA1998DO AUTORI -Livros e monografias-Contributo para uma teoria da inconstitucionalidade. Lisboa. 1968;-Poder paternal e assistência social, Lisboa, 1969;-Notas para uma introdução ao Direito Constitucional Comparado. Lis-boa, 1970; .-Chefe do Estado, Coirnbra, 1970;-Conselho de Estado, Coirnbra, 1970;-Decreto. Coirnbra, 1974;-Deputado, Coirnbra, 1974;-A Revolução de 25 de Abril e o Direito Constitucional, Lisboa, 1975;-A Constituição de I976 -F ormação. e~trutura, princípios fundamen-tais, Lisboa, 1978;-Manual de Direito Constitucional, f,Otorno, 6 edições, Coirnbra, 1981,1982, 1985, 1990, 1996 e 1997; 2,0 torno, 3 edições, Coirnbra, 1981,1983 e 1991, reirnp, 1996; 3,0 torno, 3 edições, Coirnbra, 1983, 1987e 1994, reirnp, 1996; 4,0 torno, 2 edições, Coirnbra, 1988 e 1993,reirnp. 1997; 5,0 torno, Coirnbra, 1997;-As associações públicas no Direito português, Lisboa, 1985;-Relatório com o programa. o conteúdo e os métodos do ensino de Direi-tos Fundamentais, Lisboa, 1986;-Estudos de Direito Eleitoral, Lisboa, 1995;-Escritos vários sobre a Universidade, Lisboa, 1995,II -Lições policopiadas-Ciência Política -Formas de Governo, 4 edições, Lisboa, 1981, 1983-1984,1992 e 1996;-Direito da Economia, Lisboa, 1983;-Funções. 6rgãos e Actos do Estado, 3 edições, Lisboa, 1984, 1986 e 1990;-Direito Inter'1acional Público- I, 2 edições, Lisboa, 1991 e 1995.III -Principais artigos-Relevância da agricultura no Direito Constitucional Português, in Rivistadi Diritto Agrario, 1965, e in Scientia Iuridica. 1966;-Notas para um conceito de assistência social. in Informação Social, 1968;-Colégio eleitoral. in Dicionário Jurídico da Administração Pública, II,1969;-A igualdade de sufrágio político da mulher, in Scientia Iuridica. 1970;-Liberdade de reunião. in Scientia Iuridica, 1971;-Sobre a noção de povo em Direito Constitucional. in Estudos de DireitoPúblico em honra do Professor Marcello Caetano, Lisboa, 1973;-Inviolabilidade do domicílio. in Revista de Direito e Estudos Sociais, 1974;-lnconstitucionalidade por omissão, in Estudos sobre a Constituição, 1,Lisboa, 1977;

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-O Direito eleitoral na Constituição. in Estudos sobre a Constituição, II, 1978;-Aspects institutionnels de I' adhésion du Portugal à Ia Communauté Éco-I: nomique Européenne, in Une Communauté à Douze? L'lmpact du Nou-! vel Élargissement sur les Communautés Européennes, Bruges, 1978;I -O regime dos direitos, liberdades e garantias, in Estudos sobre a Cons-Itituição, III, Lisboa, 1979;i -A ratificação no Direito Constitucional Português, in Estudos sobre aI Constituição, III, Lisboa, 1979;i! -Os Ministros da República PÇJra as Regiões Autónomas, in Direito e Jus-l j tiça, 1980;..-A posição constitucional do Primeiro-Ministro, in Boletim do Ministérioda Justiça, n.o 334;-Autorizações legislativas, in Revista de Direito Público, 1986;-Églises et État au Portugal, in Conscience et liberté, 1986;-Propriedade e Constituição ( a propósito da lei da propriedade da far-mácia), in O Direito, 1974l1987;-A Administração Pública nas Constituições Portuguesas, in O Direito, 1988;-Tratados de delimitação de fronteiras e Constituição de 1933, in Estadoe Direito, 1989;-O programa do Governo, in Dicionário Jurídico da Administração Pública,vI,1994;-Resolução, ibidem, VII, 1996;-O Património Cu./tural e a Constituição- Tópicos, in Direito do Patri-mónio Cultural, obra colectiva, 1996;-Les candidatures, in Annuaire International de Justice Constitu.tionnelle, 19%;-L' esperienza portoghese di sistema semipresidenziale, in Democrazia e formedi governo -Modelli stranieri e riforma costituzionale, obra colectiva, 1997;-Sobre a reserva constitucional da função legislativa, in Perspectivas Cons-titucionais -Nos 20 anos da Constituição de 1976, obra colectiva, 1997.IV -Colectâneas de textos-Anteriores Constituições Portuguesas, Lisboa, 1975;-Constituições de Diversos Países, 3 edições, Lisboa, .!975, .!979 e 1986--.!987;-As Constituições Portuguesas, 4 edições, Lisboa, 1976, 1984, 1991 e .!997;-A Declaração Universal e os Pactos Internacionais de Direitos do Homem,Lisboa, .!977;F ontes e trabalhos preparatórios da Constituição, Lisboa, 1978;-Direitos do Homem, 2 edições, Lisboa, 1979 e 1989;t-Textos Históricos do Direito Constitucional, 2 edições, Lisboa, 1980 e .!990;i -Jurisprudência constitucional escolhida, 3 vo.!umes, .!996 e 1997.I~ V- Obras políticasi I -Um projecto de Constituição, Braga, 1975;! 1 -Constituição e Democracia, Lisboa, 1976;i -Um projecto de revisão constitucional, Coimbra, 1980;t

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i-Revisão Constitucional e Democracia, Lisboa, 1983;-Anteprojecto de Constituição da República de São Tomé e Príncipe, 1990;-Um anteprojecto de proposta de lei do regime do referendo, in Revista daFaculdade de Direito da Universidade de Lisboa, .!991;-Ideias para uma revisão constitucional em 1996, Lisboa, .!996.fc,,j,ComposiçãO e impressãooimbra Editora, LimitadaISBN 972-32-0419-3 (obra completa)ISBN 972-32-0851-2 -Tomo III, 4." ed.(ISBN 972-32-0654-4 -Tomo III, 3." 00.)Depósito Legal n.O 118 734/97Outubro de 1998IIiIi~! PARTE IIIi CONSTITUCIONAL DO ESTADO1CAPÍTULO IA PROBLEMÁTICA DO, ESTADO EM GERALI. SequênciaI -Embora não falte nas últimas décadas quem ponha emcausa o interesse do conceito de Estado -seja em nome de con-cepçÕes teóricas gerais, seja por pretender que este atravessa umacrise e quase se reduz a simples nome (I) -O presente volume tempor objecto o Estado.Não vemos como prescindir dele, para efeito de análise e detratamento de situações jurídico-positivas, desde logo porque nossituamos essencialmente no âmbito do Direito constitucional. Nãovemos como seja possível um Direito constitucional sem Estado.~II -Mas, na postura que preferimos, o Estado é um fenómenohistoricamente situado; não equivale ao político, é tão-só uma mani-festação do político que ocorre em certas circunstâncias e se revestede certas características; ligado a eventos bem conhecidos, assumediversas configurações consoante os condicionalismos a que se encon-r jI II!.(I) Cf~., por exem?lo, o vol. 7.0, n.O 2, 1986, da lnternational PoliticalSClenCe Revlew, com artIgos de KLAUS VON BEYME, SABINO CASSESE e KARL.W. DEUTSCH.,: ;8 Manual de Direito Constitucionaltra sujeito; podendo emergir em qualquer época, lugar ou civilização,reporta-se, sobretudo -para o que aqui importa -ao Estado dematriz europeia dos últimos quinhentos anos.Confrontado com categorias afins, o Estado traz consigo com-plexidade de organização e de actuação -com cada vez maior dife-renciação de funções, órgãos e serviços -institucionalização dopoder -ou subsistência do poder como ideia para além dos seusdetentores concretos e actuais -e autonomia -ou formação de umadinâmica própria do poder e dp seu aparelho frente à vida social.Apresenta-se ainda através de -ou de monopólio do uso legítimoda força -e de uma peculiar sedentariedade -do enlace com

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certo território. E a isso acrescem no Estado moderno a interde-pendência com o factor nacional, a secularização ou laicidade dos fmsprosseguidos e a concepção do poder em termos de soberania.Enunciados os traços fundamentais do Estado conforme resultamda experiência (I), importa agora proceder à sua análise, enquadrandoo Estado sempre pelas normas jurídicas que o regem -antes de mais,pela Constituição -e tendo em conta o Direito positivo português (2).Por outro lado, é questão extremamente complexa e controversasaber qual a natureza ou essência do Estado, saber qual a realidadea que correspondem todos os aspectos mencionados (e, aí, evidente-mente, Estado e político não se distinguem). Cabe também referi-la;e -porque se afigura ser questão prévia, pelo menos do modocomo levar a cabo aquele exame descritivo -justifica-se, mesmo,começar por ela.III -Mais para efeitos didácticos do que científicos, grandenúmero de autores reconduz o tratamento do Estado aos dos seus(I) V. tomo I deste Manual.(2) As matérias abrangidas no presente volume correspondem, em parte, às quehabitualmente são consideradas em sede de "Teoria Geral do Estado", Adoptamos,porém, a designação de "Estrutura Constitucional do Estado", já para salientar a suaconexão com a temática geral da Constituição -pois é a Constituição que moldao Estado e confere sentido jurídico à sua existência -já para conjugar com oselementos de generalização induzidos os necessários dados de Direito constitucio-nal positivo relativos ao Estado português.~Parte 1//- Estrutura Constitucional do Estado 9três "elementos": povo, território e poder político. É tese a que nãoaderimos; quando muito, aceitamos falar em "condições de existên-cia". Não obstante, iremos -pelo peso da tradição e por maiorfacilidade de exposição -dedicar os próximos capítulos ao Estadocomo comunidade política (ou povo), à cidadania como qualidadede membro do Estado, ao Estado como poder e ao território doEstado; só depois versaremos as formas de Estado.2. As grandes correntes doutrinais acerca da natureza ouessência do EstadoNão menos do que às ciências juspublicísticas diz respeito àfilosofia o problema da natureza, da essência, do ser do Estado; e odebate sobre este ponto anda, desde há muito, bem próximo do debateacerca da formação ou da justificação do poder ( ou acerca da legi-timidade do poder e dos govemantes).As grandes correntes que se deparam na doutrina -jurídica, ftlo-sófica e politológica -podem sumariar-se a partir das seguintescontraposições:a) Entre correntes idealistas (o Estado encalado como ideiaou finalidade) e realistas (o Estado como ser de existência temporale sensível);h) Entre correntes ohjectivistas (o Estado considerado comorealidade exterior aos homens) e suhjectivistas (o Estado tomadocomo realidade predominantemente subjectiva ou até como expres-são fundamentalmente psicológica de relações humanas);c) Entre correntes atomistas ou nominalistas ( o Estado, meroconjunto de indivíduos, nome sem realidade substancial) e organicistasou realistas (I) (o Estado, irredutível aos indivíduos, susceptível deser tomado como uma entidade específica ou com vontade própria);d) Entre correntes contratualistas (o Estado como produto davontade, como associação) e institucionalistas (o Estado como sen-tido, relação, ordem objectiva ou objectivada, como instituição);{1) Noutra acepção do tenno.

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10 Manual de Direito Constitucionale) Entre correntes monistas (o Estado como centro ou titulardo poder político) e dualistas (o Estado como objecto do poder ouinstrumento ao serviço dos verdadeiros detentores do poder);i) Entre correntes normativistas (o Estado, realidade normativaou, numa visão radical, identificado com o sistema ou a unidade denormas) e não normativistas (o Estado, não redutíve] a normas jurí-dicas ou, numa visão radica], somente realidade sociológica à mar-gem das normas jurídicas).A importância teórica de a]gumas das doutrinas e a projecção quealcançaram na própria história do Estado moderno exigem que selhes faça referência em particu]ar, ainda que curta. Trata-se das con-cepçÕes contratualistas, das organicistas, da hegeliana, da marxista, dade JELLINEK, da da esco]a realista francesa e da de KELSEN. ,;1Também o interesse que merecem ,as e]aboração de autores como :;1{'.SCHMITT, SMEND, HELLER, SANTI ROMANO, BURDEAU, CABRAL DE ~MONCADA, JULIEN FREUND, TALCOTT PARSONS e GOMES CANOTILHOjustifica que as registemos com ~ devida atenção (I).(I) V. a exposição e, por vezes, a apreciação crítica das doutrínas em, porexemplo, O. JELLINEK, Allgemeine Staatslehre, 1900, trad. castelhana Teoria Gene-ral dei Estado, Buenos Aires, 1954, págs. 102 e segs.; MARNOCO E SOUSA, Liçõesde Direito Político, Coimbra, 1900, págs. 7 e segs.; J. FREDERICO LARANJO, Princí-pio de Direito Político e Direito Constitucional Português, Coimbra, 1907, fascículo ",págs. 49 e segs.; H. KELSEN, Allgemeine Staatslehre, trad. castelhana Teoria Gene-ral del Estado, Barcelona, 1934, págs. 35 e segs.; H. HELLER, Staatslehre, 1934,trad. portuguesa Teoria do Estado, São Paulo, 1968, págs. 243 e segs. e 273 e segs.;ANTONIO FALCHI, Stato Collettività, Milão, 1963, págs. 153 e segs.; CABRAL DEMONCADA, Problemas de Filosofia Política, CoilTibra;'1963; O. BALLADORE PAL-LIERI, Dottrina dello Stato, trad. portuguesa A Doutrina do Estado, Coimbra, 1969,I, págs. 30 e segs.; JULIEN FREUND, L'essence du politique, Paris, 1965, págs. 46e segs.; O. BURDEAU, Traité de Science Politique, ",2." ed., Paris, 1967, págs. 7e segs.;RuI MACHETE, Direito das Instituições Públicas, policopiado, Lisboa, Instituto de Estu-dos Sociais, 1967-1968, págs. 22 e segs., e As perspectivas científicas modernas sobreo poder político, in Estudos de Direito Público e Ciência Política, Lisboa, 1991,págs.. 655 e segs.; ROGÉRIO SOARES, Lições de Direito Constitucional- Tópicos, poli-copiado, Coimbra, 1971, págs. 44 e segs.; REINHOLD ZIPPELLIUS, Allgemeine Staats-lehre, trad. portuguesa Teoria Geral do Estado, Lisboa, 1974, págs. 23 e segs.;MANUEL DE LUCENA, Ensaio sobre o tema do Estado, in Análise Social, n.OS 47 e 48,1976, págs. 621 e segs. e 917 e segs.; MARQUES OUEDES, Teoria Geral do Estado,po1icopiado, Lisboa, 1981, págs. 13 e segs.; VIRGILIO OIORGIANNI, Analisi del con-

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Parte 111- Estrutura Constitucional do Estado 11A despeito de se situarem nos estritos terrenos da Sociologia eda Ciência Política, não devem ser esquecidas ainda outras correntes,como as funcionalistas e as sistémicas, que, de resto, não lidam comoo conceito do Estado (I).3. As concepções mais significativasI -As concepções contratualistas têm raízes no pensamentopolítico medieval -que só a partir do contrato apreendia a organi-zação policêntrica da sociedade e, que, quando afirmava a origempopular do poder, recorria aos conceitos de pactum unionis e de pac-tum subjectionis (2). Todavia desenvolveram-se sobretudo nos sécu-los XVII e XVIII e os seus mais significativos representantes vieram aser HOBBES e ROUSSEAtJ, além de ALTÚSIO, SUAREZ, GRÓCIO, LoCKE,PUFFENDORF, KANT e tantos mais.Não se visa com estes escritores, sublinhe-se, um contrato quese tenha verificado de facto, mas um princípio lógico de explicaçãodo Estado ou um fundamento ético em que este deva assentar (3).,cetto di Stato e dei processo didemocratizzazione dei potere. Pádua, 1983, págs. 53e seg.;FREITAS 00 AMARAL, Estado, in Polis, II, 1984, págs. 1162 e segs.; GEORGESBALANDIER, Anthropologie politique. 2.. ed., Paris, 1991, págs. 28 e segs.; MAURiciOGODINHO DELGAOO, Política: introdução à conceituação do fen6meno. in Revista Bra-sileira de EsJudos Políticos, 1993, págs. 55 e segs. Aconselha-se ainda, em geral, va leitura de CABRAL DE MONCADA, Filosofia do Direito e do Estado, I, 2.. ed.,Coimbra, 1955.(I) Cfr. ADRIANO MOREIRA, Ciência Política, Lisboa, 1979, ou GOMES CANO-TILHO, T6picos de Ciência Política, policopiado, Coimbra, 1985,(2) V. um resumo em PAULO MERÊA, Suarez-Gr6cio-Hobbes, Coimbra, 1941,págs. 41 e segs., ou em MARCELLO CAETANO, Direito Constitucional, I, Rio deJaneiro, 1977, págs. 303 e segs.(3) V., entre tantos, TH. REDPATH, Réflexions sur Ia nature du concept deContrat Social chez Hobbes. Locke. Rousseau et Hume, in Études sur le ContratSocial de Jean-Jacques Rousseau, obra co1ectiva, Paris, 1964, págs. 55 e segs., eDemocracy, Consensus and Social Contract, obra colectiva, ed. por PieITe Bim-baun, Jack Lively e Gerant PaITy, Londres, 1978; NORBERTO BOBBIO, ContratoSociale. oggi, Nápoles, 1980, págs. 18 e segs.; BARBOSA DE MELO, Introdução às for-mas de concertação social, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade deCQimbra. 1983, págs. 65 e segs. e 76 e segs.; PAUL BASTID, L' Idée de Constitu-12 Manual de Direito ConstitucionalEm HOBBES, pelo contrato social transfere-se o direito naturalabsoluto que cada um possui sobre todas as coisas a um principeou a uma assembleia e, assim, constituem-se, ao mesmo tempo oEstado e a sujeição a esse principe ou a essa assembleia. ,O único modo de erigir um poder comum, capaz de defender os \1homens e de lhes assegurar os frutos da terra, consiste em c?nferir ç-- '~todo o seu poder e força a um homem ou a uma assemblela que 1)reduzirá à unidade a plural idade de vontades. Através de um só e ~mesmo acto os homens formam a comunidade e submetem-se a um ,

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soberano (I).ROUSSEAU, diversamente, vê no pacto social a alienação totalde cada associado, com todos os seus direitos, à comunidade, desorte que cada um, dando-se a todos, não se dá a ninguém, a condiçãoé igual para todos e cada um ganha o equivalente daquilo que perdee mais força para conservar aquilo que tem.O acto de associação produz um corpo moral e colectivo, quedele recebe a sua unidade, o seu eu comum, a sua vida e a sua von-tade, e se chama Estado quando passivo, soberano quando activo epotência quando comparado aos demais. Esse acto encerra um com-promisso recíproco do público e dos particulares: contratando, porassim dizer, consigo próprio, cada indivíduo fica vinculado, numadupla qualidade -como membro do soberano para com os parti-culares e como membro do Estado para com o soberano r).Segundo KANT, apenas no contrato originário se pode fundar/tion, Paris, 1985, pâgs. 79 e segs.; LUCIEN JAUME, Hobbes et I' État représentati!moderne, Paris, 1986; MARIA JosÉ STOCK, Contrato social, in Verbo. XXI, pâgs. 376e segs..; FRANK TINLANO, La notion de sujet de droit dans Ia philosophie politiquede Th. Hobbes, J. Locke et J.-J. Rousseau, in Archives de Philosophie du Droit, 34,1989; JosÉ AOELINO MALTEZ, Ensaio sobre o problema do Estado, II, Lisboa; 1991,pâgs. 196 e segs.; FREITAS DO AMARAL, Francisco Suarez e Thomas Hobbes: umacomparação instrutiva, in Estado e Direito, 1994, pâgs. 7 e segs., e História das ldeiasPolíticas. I, Coimbra, 1998, pâgs. 351 e segs.(I) Leviathan, principalmente capítúlos XVII e XVIII (consultâmos o 3.0 vol. deThe English Works o! Thomas Hobbes, Londres, 1839, 2." reimpressão, 1966, maximepâgs. 153 e segs.).(2) Du Contrat Social (1756-1760), livro 1, capítulos VI e VII (seguimos as Oeu-vres Completes, Paris, Éditions du Seuil, 1971,11, pâgs. 518e segs., maxime 522-523).~Parte I1l-Estrutura Constitucional do Estado 13entre os homens uma constituição civil, por conseguinte inteiramentelegítima, e também uma comunidade.Mas este contrato ( chamado contractus origina ri us ou pactumsocialis) enquanto coligação de todas as vontades particulares e pri-vadas num povo numa vontade geral e pública (em vista de umalegislação simplesmente jurídica) não se deve, de modo algum, pres-supor necessariamente como um facto (e nem sequer é possível pres-supô-Io). E uma simples ideia da razão, a qual tem, no entanto, a suarealidade (prática) indubitável: obriga todo o legislador a forneceras suas leis como se elas pudessem emanar da vontade colectiva deum povo inteiro, e a considerar todo o súbdito, enquanto quer ser cida-dão, como se ele tivesse assentido pelo seu sufrágio a semelhante von-tade (I.).;JII -As várias correntes organicistas oscilam entre a consideraçãodo Estado como unidade espiritual e a equiparação a um organismonatural ou biológico.A primeira tendência (GIERKE, designadamente) arranca da escolahistórica alemã e do romantismo, para os quais Direito e Estado nãosão senão expressões do espírito de um povo. O Estado é um prin-cípio vital, uma totalidade, uma integração ou união de vontades.I;>escrever o Estado como um organismo significa representá-Io

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simbolicamente como um corpo vivo, que se desenvolve segundouma ideia própria (2).A outra tendência (SPENCER, designadamente) liga-se ao positi-vismo e ao cientismo, tão caracteristicos de certo pensamento oito-centista, e procura, alargar ao domínio do político e do jurídico osesquemas dos cientistas da natureza. O Estado é um ser vivo, sujeitoa leis paralelas às dos restantes seres vivos.(I) Zum Ewigen Frieden, trad. portuguesa A Paz Perpétua e Outros OpÚscu-[os, Lisboa, 1988, págs. 82-83.(2) C. F. VON GERBER, Ober offentliche Rechte (1852), trad. italiana DirittoPubblico, Milão, 1971, pág. 197. Este autor adere à concepção orgânica, embora arepute insuficiente ou carecida de complemento. pois apenas fornece a base daconstrução juridica do Estado e esta não pode fazer-se senão tomando o Estadoenquanto dotado de uma específica capacidade de querer, de uma personalidade.14 Manual de Direito ConstitucionalO Estado desenvolve~se perfeitamente como os seres vivos.Segundo o meio em que se encontra assim evoluciona dum ou dou-tro modo, tornando-se predominante este ou aquele aparelho. Se assuas condições de existência se modificam, adapta-se, directa ouindirectamente, às novas condições, experimentando metamorfoses;adquirindo novos órgãos e desenvolvendo novas formas, Os Esta-dos estão sujeitos à morte, porque a maior parte daqueles de quefala a história extinguiram-se. Os Estados podem escapar à destrui-ção total pela reprodução como os organismos, dando origem a outrassociedades que continuam a suas tradições, a sua civilização; as suasideias e as suas crenças (I).III -Para HEGEL, o Estado é a realidade em acto da ideiamoral objectiva, o espírito como vontade substancial revelada, clarapara si mesma, que se conhece e se pensa, e realiza o que sabe e por-que sabe.Como realidade em acto da vontade substancial, realidade queesta adquire na consciência particular de si universalizada, é o racio-nal em si e para si: esta unidade substancial é um fim próprio abso-luto, imóvel; nele a liberdade obtém o seu valor supremo e, assim,este último fim possui um direito soberano perante os indivíduosque em serem membros do Estado têm o seu mais elevado dever.E se o Estado é o espírito objectivo, então só como seu membro éque o indivíduo tem objectividade, verdade e moralidade (2).(I) MARNOCO E SOUSA; op. cit.. pág. 33 (ma:safirma que não aceita a escolahomológica-orgânica, nem a axiológico-orgânica).(2) Rechtsphilosophie. trad. portuguesa Princípios de Filosofia do Diteito,Lisboa, 1959, §§ 257 e 258, págs. 246-247.A filosofia de HEGEL pode considerar-se, de uma maneira geral, uma grandetentativa no sentido de voltar a unir e a identificar o ideal e a realidade, incluída nestaa história. "Todo o racional é real e tudo o que é real é racional". O ideal pro-tende a conformar-se segundo o modelo da realidade; e esta, a realidade, passa a serinterpretada como revelação de um conteúdo ideal (CABRAL DE MONCADA, Filoso-fia. .., cit., I, pág. 282). HEGEL professa um idealismo objectivo, que não olha paraas ideias como se elas se limitassem a provar a inteligência dos homens; procura-asna realidade, isto é, no curso dos acontecimentos históricos (ERNST

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CASSIRER, O Mitodo Estado, trad., Lisboa, 1961, págs. 305 e segs.). Cfr., entre tantos, também"Parte Ill-Estrutura Constitucional do Estado 15IV -Na concepção marxista, o Estado surge sem substância pró-~pria perante a economia, consequência da sociedade de classes emáquina de domínio de uma classe sobre as outras.f O Estado é um prod~to da sociedade, quando esta chega a umr determinado grau de desenvolvimento; é a confissão de que essaI sociedade se enredou numa irredutível contradição consigo mesma er está dividida por antagonismos irreconciliáveis. Para que esses anta-f gonismos, essas classes com interesse~ económicos colidentes, não set. devorem e não consumam a sociedade numa luta estéril, toma-se~ necessário um poder colocado aparentemente acima da sociedade,~ chamado a amortecer o choque e a mantê-Io dentro dos limites daI"ordem": esse poder é o Estado (I).O Estado é o resumo, o ponto de condensação das contradições daç sociedade; e daí que o político em geral se aproxime do estadual. Por[ outras palavra: o estado político exprime, nos limites da sua forma,todos os combates, necessidades ou interesses sociais. E a Constitui-ção Política de um Estado condensará ou procurará, a nível jurídico,os processos intencionalmente políticos que se desenvolvem no seio deqma sociedade não homogénea, antes dominada por clivagens ideoló-gicas, derivadas de antagonismo político-sociais e económicos r).SHLONO AVINERI, Hegel's theory ofthe modern state, Cambridge, 1972; JEAN HyPPO-LlTE, lntroduction à la philosophie de l' h.istoire de Hegel. Paris, 1983, maximepágs. 89 e segs. e 105 e segs.; KARL POPPER, The Open-Society and its enemies, 1945,trad. A sociedade aberta e os seus inimigos. Lisboa, 1993, II, págs. 33 e segs.r) ENGELS, A origem da família, da propriedade privada e do Estado. trad.,Lisboa, 1970, pág. 225. Cfr. os desenvolvimentos de LENINE, L'État et la Révolu-tion, trad., Paris, Seghers, 1971, págs. 57 e segs. (frisando que a existência doEstado prova que as contradições de classes são inconciliáveis); de Nlcos Pou-LANTZAS, Poder político e classes sociais do Estado capitalista. trad., 1971, págs. 33e segs. (acentuando o papel do Estado como factor de coesão da sobreposição com-plexa de diversos modos de produção na mesma formação social historicamentedeterminada); ou (em resposta às críticas de KELSEN) de MAX AOLER, La conce-zione dello Stato nel marxismo (1922), trad., Bari, 1979, maxime págs. 60 e segs.Para uma visão panorâmica das correntes marxistas, neomarxistas e p6s-mar-xistas, cfr. CLYOE W. BARROW, Critical Theories ofthe State. Universidade de Wis-cousin, 1993.(2) GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, 2.. ed., Coimbra, 1984, págs. 83e 84. Cfr., porém, a 6.. ed., págs. 78-79.16 Manual de Direito ConstitucionalV ~ A importância da contribuição de JELLINEK reside na duplaperspectiva ou concepção -social e jurídica -do Estado que pro-

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pÕe e na integração dos três elementos -povo, território e poder polí-tico -que recorta. Não se trata, porém, propriamente de uma aná-lise da essência do Estado.O Estado é a unidade de associação dotada originariamente depoder de domínio e formada por homens assentes num território(concepção social); e é a corporação formada por um povo, dotadade um poder de comando originário e assente num determinado ter-ritório (concepção jurídica) ( 1).VI -Para a escola "realista" francesa, o Estado apresenta-secomo um puro facto: o facto de haver indivíduos mais fortes (mate-riál, religiosa, económica, moral, intelectual ou numericamente) queoutros e que querem e podem impor aos outros a sua vontade; ofacto da distinção positiva entre governantes e governados, com a pos-sibilidade de aqueles darem a estes ordens sancionadas por um cons-trangimento material. Como diz DuGUIT , seja qual for a forma querevista a diferenciação social entre os fortes e os fracos, desde queela se produz há um Estado (2).VII -Muito ao invés, para a escola normativista de Viena, oEstado aparece identificado com o Direito, como ordem jurídica rela-tivamente centralizada.O Estado constitui uma ordem normativa de comportamentoshumanos e só através desta forma se torna possível conhecê-lo noâmbito da Teoria do Direito e do Estado. Os três elementos tradi-{1) Op. cit., págs. 130 e segs. Cfr., em Portugal, não longe do pensamentode JELLINEK, MARCELLO CAETANO, op. cit., I, págs. 157 e segs.; e, no Brasil, PAULOBONAVIDES, Ciência Política. 5.. ed., Rio de Janeiro, 1983, págs. 55 e 56.(2) Traité de Droit Constitutionnel. 1,2.. ed., Paris, 1921, pág. 512. E, na dou-trina portuguesa, com um ou outro cambiante, cfr. ROCHA SARAIVA, ConstruçãoJurídica do Estado. ll, Coimbra, 1912, págs. 6 e segs.; CAMPOS LIMA, O Estado ea Evolução do Direito. Lisboa, 1914, págs. 109 e segs.; MARTINHO NOBRE DE MELO,Lições de Direito Político (prelecções, segundo Abel de Andrade, Filho, e J. A.Pinto Rodrigues, nos anos lectivos de 1921-1922, 1922-1923 e 1923-1924), págs. 53e segs.Parte 111- Estrutura Constitucional do Estado 17cionais do Estado não são mais do que a vigência e a validade de umaordem jurídica: a população corresponde ao domínio pessoal devigência, o território ao domínio espacial e o poder à eficácia dessaordem jurídica (e não a qualquer força ou instância mística escondidapor detrás do Estado e do Direito) (I).4. Outras elaborações doutrinaisI -Com CARL SCHMITr , não se visa encontrar uma substância ouuma axiologia; procura-se o critério, o princípio identificador do político. Eleconsiste na distinção -a que reconduz os actos e os móbeis políticos -entre amigo e inimigo (distinção essa que corresponde, na ordem política,aos critérios relativamente autônomos de diversas outras oposições -obem e o mal na moral, o bonito e o feio na estética, etc.).Inimigo não significa inimicus, mas sim hostis (estrangeiro): é umconjunto de indivíduos agrupados, afrontando um conjunto da mesma natu-reza e empenhado numa luta, pelo menos, virtual, quer dizer, efectivamentepossível. E o Estado aparece então como uma unidade política

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organizada,formando um todo a que cabe a divisão amigo-inimigo (2).II -Para RUDOLF SMEND, o Estado é uma associação voluntária real,e tem de ser compreendido através de um pr~cesso de integração (pessoal,funcional e material).O Estado não é um fenómeno da natureza, mas uma realização cultu-ral, um conjunto de relações objectivadas no mundo do espírito; como qual-quer realidade da vida do espírito necessita de .renovação e desenvolvi-mento; e, se a sua dinâmica corresponde a uma permanente restauraçãocomo agrupamento soberano de vontades, ela não é em si senão um sistemade integração.(1) V., especialmente, KELSEN, Teoria General. .., cit.., págs. 21 e segs. e 123e segs., e Teoria Pura do Direito, 2." ed. portuguesa, Coimbra, 1962, II, págs. 174e segs.(2) Der Begriff des Politischen, 1928, trad. francesa La notion du politique,Paris, 1972, maxime págs. 66, 69 e 70. ar. as análises de HELMUTH KUHN, Der Staat(Munique, 1967), trad. castelhana EI Estado, Madrid, 1979, págs. 405 e segs.; aobra colectiva La Politica oltre 10 Stato-Carl Schmitt, Veneza, 1981; GERMAN GáMEZORFANEL, Excepción y normalidad en el pensamiento de Carl Schmitt, Madrid,1986; MARIA STELLA BARBIERI, II Senso deI PoIitico. Saggio su CarI Schmitt,Milão, 1990.2- Manual de Direito Constitucional. III

18 Manual de Direito ConstitucionalFalar em Estado equivale a falar num plebiscito que se repete todos osdias (I).m -HERMANN HELLER adopta uma perspectiva dinâmica, à luz da qualo género próximo do Estado vem a ser a organização, a estrutura de efec-tividade organizada de forma planejada para a unidade de decisão e deacção, e a diferença específica a sua qualidade de dominação territorialsoberana.A unidade estatal não se identifica com nenhum dos seus elementos.O Estado não é uma ordem normativa e também não o é o "povo"; não é for-mado por homens, mas por actividades humanas; e tão-pouco pode ser iden-tificado com os órgãos que actualizam a sua unidade de decisão e acção.A organização estatal é aquele status renovado constantemente pelosseus membros, a que se juntam organizadores e organizados. E a unidadereal do Estado adquire existência somente pelo facto de dispor de umgoverno, de modo unitário, sobre as actividades unidas, necessárias àauto-afirmação do Estado; assim como o povo, o território e os órgãos doEstado só adquirem plena verdade e realidade na sua recíproca relação r).IV -Para SANTI ROMANO, são entes políticos os entes de fins gerais,os entes que, embora propondo-se finalidades que em dado momento sepodem precisar e circunscrever, são, apesar disso, susceptíveis de assumir

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qualquer outra finalidade sem mudança de natureza.Todos os entes territoriais são também entes políticos, porque, de regra,a sua esfera de competência se estende a uma infinita série de interesses quese manifestam dentro do seu território. Todos os entes territoriais são entespolíticos enquanto os seus fins (mesmo se em concreto e em determinadomomento se restringem aos previstos nos ordenamentos jurídicos que osregulam) se apresentam sempre susceptíveis de indefinidas mutações, semque os seus caracteres se transformem por isso. O Estado é sempre um entepolítico, ainda quando a prossecução dos seus fins gerais (que nunca faltam)surge coordenada ou subordinada a um fim particular (3).(I) Verfassung und Verfassungsrecht, 1928, trad. castelhana Constitución yDerecho Constitucional, Madrid, 1985, pâgs. 52 e segs., maxime 61, 63 e 107.r) Op. cit., pâgs. 246 e segs., maxime 282-283. Cfr. a interpretação deRENATO TREVES, La dottrina dello Stato di Hermann Helder, in Rivista Trimestraledi Diritto Pubblico, 1957, pâgs. 50 e segs.(3) Principii di Diritto Costituzionale Generale, reimpressão, Milão, 1947 ,pâg. 53. Cfr., igualmente, VEZIO CRISAFULLl, Lezioni di Diritto Costituzionale,Parte lI/-Estrutura Constitucional do Estado 19V -GEORGES BURDEAU define O Estado a partir do poder institucio-nalizado e procura não apenas reter o facto histórico da sua existência mastambém tomá-lo como fenómeno jurídico.O Estado é um conceito; existe, porque pensado por governantes egovernados; e é uma instituição que incorpora uma ideia de Direito e, atra-vés dela, obtém a adesão dos membros do grupo (I).VI -Uma tentativa de perscrutar a essência do político através de umaorientação fenomenológica foi feita, na doutrina portuguesa, por CABRALDE MONCADA.Segundo este autor, o "político" pertence ao domínio da cultura e cor-responde a um momento susceptível de ser distinguido, mas jamais radi-calmente separado, do "jurídico" e do "social", da convivência, das relaçõesentre o "eu" e o "outro". Pois todo o ordenamento jurídico tende a esta-bilizar-se, a converter-se em "estado", em "status". O "político", em todasas suas modalidades, incluída a do Estado, outra coisa não é senão "acto"daquilo que no "jurídico" se acha em "potência". Todo o jurídico aspiraao político, bem como todo o político pressupõe e reclama o jurídico.Como todos os "objectos intencionais", o "político" tem igualmenteuma estrutura própria, que é a autoridade. A ideia de autoridade faz parteda essência estrutural do objecto "político"; mas ela não se concebe dentrode quaisquer relações intersubjectivas sem certa distinção fundamental dossujeitos destas mesmas relações -entre governantes e governados,

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entrequem mande e quem obedeça.Em terceiro lugar, a justiça é ingrediente tão necessário do conceito dedireito como do conceito de político, ainda que se trate de uma justiça dis-tributiva, de superordenação e subordinação, de proporcionalidade em aten-ção à função que cada qual terá a desempenhar dentro da comunidade.Donde, certa coincidência dos conceitos de "político" e "sociab>, por-1que tudo no mundo, afinal, é político, desde que os homens se congregame se entra no domínio do colectivo humano estruturado. O "político" nãoi é senão a vida humana perfilada em forma, um certo grau de condensação: .,~ do social. O "político" é a forma natural de sociedade, uma vez ultrapas-sado o simplesmente multitudinário e colectivo, logo que este se projecta esurge no plano do espírito para a realização de uma ideia (2).2,. ed., I, Milão, 1970, pág. 56; COSTANTINO MORTATI, Istituzioni di Diritto Publico,9.. ed., Pádua, 1975, I, págs. 19 e segs.(I) Traité,." II, cit., págs. 156 e segs. e 251 e segs.(2) Problemas"., cit., págs. 27 e segs., maxime 33 e 35.20 Manual de Direito ConstitucionalVII -Análise predominantemente filosófica (em que entram ele-mentos vindos de SCHMI1T e de outros autores) é a de JULIEN FREUND aoenunciar as características que diferenciam o político de outros fenómenosde ordem colectiva (como o económico ou o religioso).Para ele, o político como categoria fundamental, constante desenraizávelda matriz humana, é uma essência que tem por pressupostos as relaçõesde comando e obediência, de privado e de público e de amigo e inimigo;e a dialéctica dessas três relações traduz-se, respectivamente, em ordem,opinião e luta. Por outro lado, o fim específico do político é o bem comume a sua menor especificação é a força (como obstáculo a outra força).A política é a actividade social que se propõe assegurar pela força,geralmente fundada no direito, a segurança exterior e a concórdia interior deuma unidade política particular, garantindo a ordem no meio de lutas que nas-cem da diversidade e da divergência das opiniões e dos interesses (I).VIII -Como exemplo de visão exclusivamente sociológica, em quese não depara ou se dilui o conceito de Estado, dê-se conta da de TALCO1TPARSONS.Segundo este autor, a política é um subsistema funcional primário dasociedade, com status teórico exactamente paralelo à economia. Ela não deveser identificada com nenhuma estrutura específica de colectividade dentro dasociedade, como o governo (assim como a economia não deve ser conce-bida como o agregado de empresas de negócios), nem com nenhum tipo con-creto de actividade individual. Analiticamente, a política é entendida comoo aspecto de toda a acção relacionada à função da busca colectiva de bens

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colectivos (2).IX -Finalmente, refira-se a maneira de entender o Estado comofenómeno de desenvolvimento político exposta por GOMES CANOTILHO naspenúltimas edições do seu Direito Constitucional.O Estado, escreve, não é um valor em si ou uma organização finalis-ticamente racional, portadora de fins autónomos. O político e o Direitosão, sim, subsistemas do sistema social. E há um trilátero mágico depoder-normas-domínio.(I) L. essence du politique, cit., Paris, maxime pâgs. 5, 44, 45, 84 e segs.,650 e segs. e 751.(2) O aspecto político da estrutura e do processo social, in Modalidades deAnálise Política, obra colectiva organizada por David Easton, trad., Rio de Janeiro,1970, pâgs. 95-96.I Parte 111- Estrutura ConstitucionaL do Estado 21As normas jurídicas são criadas por um poder de natureza injuntiva eeste concebe-se como uma modalidade de interacção social. A um nível pro-fundo, o poder político assenta em estruturas de domínio, entendendo-sepor domínio a distribuição desigualitária de poder (produção de bens mate-riais, produção de bens simbólicos, detenção de instrumentos de coerção).'., Por seu turno, a articulação do domínio (nível profundo) com o poder (nívelsuperficiar de interacções) pressupõe esquemas de mediação ou modos deracional idade mediadora essencialmente revelada por normas jurídicamentevinculantes (I).5. Posição adoptadaI -Repetimos: o Estado é um caso histórico de existênciapolítica e esta, por seu turno, uma manifestação do social, qualificadaou específica.O político assenta na intensificação, na diversificação e na exten-são da vida em comum, na dimensão mais ampla ou no significadomais forte que ela adquire para ir ao encontro de necessidades nãosusceptíveis (ou já não susceptíveis) de satisfação a nível de socie-dades primárias ou menores (2). Consiste em determinada forma deconceber o social em termos de colectivo, de propor e prosseguirfins pluriinstitucionais e fins gerais a se (3), de se dotar de meios ade-quados a tais fins, de criar dependências e interdependências, numasolidariedade organizada segundo uma ideia da obra comunitária aempreender, a qual prevalece sobre todas as outras solidariedadesbaseadas em fins temporais./ O político é o global (4); é tudo aquilo que assume relevância-para toda uma sociedade ou um conjunto de sociedades, em certotempo e em certo lugar. E quanto maiores forem (como sucede nanossa época) os condicionamentos e as interacções de sociedades(I) Op. cit., 6.. ed., 1993, págs. 40 e segs., 45 e segs. e 48-49.r) Cfr. MARCELLO CAETANO, op. cit., I, págs. 18 e segs.(3) Pois a sociedade política não se reduz a mera federação de sociedadesmenores.(4) Cfr. GERMAN BIDART CAMPOS, Teoria dei Estado, Buenos Aires, 1991,pág.49.22 Manual de Direito Constitucionalmenores e de interesses particulares -e nunca completamente redu-tíveis ou amalgamáveis -mais espaço haverá para o político.

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Político é o que envolve, prende e insere num mesmo âmbitouma multiplicidade de grupos e o que comporta contraposição, ascen-dente e descendente, entre diferentes fins gerais e diversos quadrosinstitucionais em que esses fins podem ser concretizados (I). Natu-ralmente aqui se tornam mais nítidos os contornos da convergênciae do conflito, da integração e da exclusão, da igualizaçã~ga hie-rarquia, do consentimento e do constrangimento, da permanência e damudança (2).A essência do político encontra-se sobretudo na dialéctica dogrupo humano e do poder. O grupo empresta enquadramento aopoder, modela os homens que o exercem, reconhece-lhes legitimidade;o poder político (a que se exige mais do que a qualquer outro poder)gera um processo próprio de agir e afirma-se em graus variáveisque, no Estado, chegam à autonomia (3). Mas, porque o poder estáem relação com fins e pressupõe pessoas que os partilhem, ele é opoder numa comunidade,. pressupõe obediência e é obediência trans-formada (4); traduz-se em soberania de sujeição (5); é certa forma derelações humanas, inerente às condições de subsistência do grupo (6);é um universo de existência social r); daí, um constante influir erefluir da comunidade e do poder (8).r) A unidade política é partitiva -ela não unifica nunca a sociedade humanaglobalmente, mas só uma sociedade detenninada (1. FREUND, op. cit.. pâg. 37).(2) O poder é o resultado, em cada sociedade, da necessidade de luta contraa entropia que a ameaça de desordem (GEORGES BALANDIER, op. cit.. pâg. 43).(3) Sobre o Estado como associação de domínio institucional com o monopóliodo poder legítimo, v. MAX WEBER, Wirtschaft und Gesellschaft. trad, castelhanaEconomia y Sociedade. Madrid, 1969, II, pâgs. 1056 e segs.(4) lELLINEK, op. cit.. pâg. 319.(5) M. HAURIOU, Précis de Droit Constitutionnel. 2.. ed., Paris, 1929, pâg. 89.(6) CARL I. FRIEDRICH, Le probleme du pouvoir dans Ia doctrine constitu-tionnaliste. in Annales de Philosophie Politique -Le Pouvoir, 1, Paris, 1956,pâgs. 35 e 39.r, NIKKLAS LUHMANN, Macht. trad. portuguesa Poder, Brasília, 1985, pâg. 75.(8) Cfr. ANTáNIO TEIXEIRA FERNANDES, Os fen6menos políticos, Porto, 1988,pâgs. 43 e segs.; AFONSO D'OLIVElRA MARTINS, Sobre o conceito de poder, in Estadoe Direito, 1989, pâgs. 47 e segs.IParte /lI- Estrutura Constitucional do Estado 23O político possui uma estrutura dualista e implica um momentode unidade: estrutura dualista, na medida em que se analisa em comu-nidade e em poder, em participação e em sujeição a autoridade, emdistinção entre os membros da Civitas e os que detêm o governo;"' momento de unidade, visto que comunidade e poder não existem...~ por si, implicam-se reciprocamente e apenas podem ligar-se atravésde uma organização e de valores jurídicos (I).Se a comunidade diluísse ou absorvesse o poder, não ocorreriafenômeno político; como não ocorreria, se o poder fosse um podersem destinatários; ou se a organização não se referisse a uma comu-nidade e a um poder em concreto; ou se a chamada diferenciação polí-tica, ou de governantes e governados, fosse remetida para o merodomínio dos factos. Porém, para que se verifique fenômeno político,todos estes vectores têm de estar presentes, articulados e comple-mentares, e tem de se encontrar o elemento valorativo que faz dessa

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unidade dialéctica de comunidade e poder uma unidade de ordem.Não se encontra o político sem o jurídico.II -Falar em Estado equivale, portanto, a falar em comunidadee em poder organizados ou, doutro prisma, em organização da comu-nidade e do poder (2); equivale a falar em comunidade ao serviço daqual está o poder e em organização que imprime carácter e garantiasde perdurabilidade a uma e outro.As duas perspectivas sobre o Estado que a experiência ( ou aintuição) revela- o Estado-sociedade (ou Estado-colectividade) e oEstado-poder (ou Estado-governo ou Estado-aparelho) -não são~ senão dois aspectos de uma mesma realidade; assim como a institu-cionalização, sinal mais marcante do Estado no cotejo das socieda-des políticas anteriores de poder difuso ou de poder personalizado,,.~ corresponde fundamentalmente a organização. O Estado é institu-(I) Assim, MIGUEL GALVÃO TELES, Estado. in Verbo. VII, pág. 1358, ou VIR-GlLIO GIORGIANNI, opo cito, págs. 235 e segso; cfr., numa perspectiva critica, ALFIO MAs-TRO PAOLO, L' État ou I' ambiguité: Hypotheses pour une recherche, in Revue fran-çaise de science politique, 1986, págs. 477 e segs.rJ Cfro, já, Ciência Política e Direito Constitucional, policopiado, Lisboa,1972-1973, I, págs. 136 e segso24 Manual de Direito Constitucional.cionalização do poder, mas esta não significa apenas existência deórgãos, ou seja, de instituições com faculdades de formação da von-tade; significa também organização da comunidade, predisposiçãopara os seus membros serem destinatários dos comandos vindos dosórgãos do poder.O Estado aparece como comunidade de homens concretos, cons-tituido com duração indefinida em certo lugar (I) (2). Comunidadena qual se exerce um poder em seu nome, dirigido a cada uma daspessoas e dos grupos que a integram; e poder de que se encarregamas pessoas investidas na qualidade de titulares de órgãos. Comuni-dade e poder que se vertem em organização -em organização jurí-dica -como a que é dada, primeiro que tudo pela Constituição(muito embora a organização não se identifique propriamente com asnormas em si, antes com a objectivação ou o resultado dessas nor-mas) (3).O Estado é comunidade e poder juridicamente organizados, poissó o Direito permite passar, na comunidade, da simples coexistência àcoesão convivencial (4) e, no poder, do facto à instituição. E nenhumEstado pode deixar de existir sob o Direito, fonte de segurança e dejustiça, e não sob a força ou a violência. No entanto, o Estado nãose esgota no Direito (5) -assim como o Direito não se reduz sim-(1) Falando aqui em "comunidade>" não nos comprometemos forçosamentecom a celebérrima dicotomia de TÕNNIES "comunidades"-"associações". No entanto,não podemos deixar de atender, pelo menos, a um dos caracteres das "comunidades":o carácter natural e necessário para os indivíduos seus componentes.(2) O Estado moderno é um Estado laico, mas o fenómeno político exibefortes conexões com o fenómeno religioso. Como escreve um Autor (ERIC VOEGELIN,Die politischen Religionen, 1938, trad. francesa Les Religions Politiques, Paris,1994, págs. 107 e 108), o homem vive na comunidade política com todos os traçosdo seu ser, tanto em geral como espiritual e religioso; e a comunidade política aparecesempre incorporada na relação entre a experiência humana do mundo e a do divino,seja no caso de o domínio político ocupar um lugar inferior à ordem divina na hie-

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rarquia do ser, seja no caso de o domínio político se achar ele próprio divinizado.(3) Sobre a organização em sentido sociológico, cfr. NIKlAS LUHMANN, op. cit.,págs. 81 e segs.(4) De resto, o Direito, o jus, é o que liga os homens.(5) Cfr. JoÃo BAPTISTA MACHADO, Lições de Introdução ao Direito Público,in Obras Dispersas, II, Braga, 1993, pág. 404: o Estado não parece ser uma reali-//Parte /ll- Estrutura Constitucional do Estado 25plesmente a forma de Estado (I). É, sim, objecto do Direito, e, ape--nas enquanto estruturalmente diverso do Direito, pode ser a ele sub-.metido, por ele avaliado e por ele tornado legítimo.Finalmente, o Estado não só se projecta em actividade comoA obtém da actividade a constante renovação da sua unidade -acti-J vidade do poder desdobrada em actos típicos juridicamente regulados,sujeitos a uma princípio da legalidade (lato ou latissimo sensu), bemcomo actividade proveniente da própria comunidade e traduzida natransmissão de necessidades e na emissão de juízos sobre os com-Iportamentos do poder. A organização é condição da actividade, massem a actividade não poderia a organização subsistir.6. As relações entre Estado e sociedadeI -Quando se contrapõem Estado-comunidade e Estado-poder(ou Estado-apareIho), está-se a raciocinar no interior de fenómeno esta-dual, com o seu enlace necessário e dinâmico entre comunidade epoder. Quando, contudo -noutra distinção não pouco usada eimportante -se contrapõem Estado e sociedade, já o âmbito seexibe diferente e mais largo.Convém evocar esta problemática quer no plano histórico querno plano conceitual (2).dade com assento exclusivo na esfera do cultural, mas representa uma realidade deordem mediadora entre dois mundos -entre o mundo ideal da cultura (universo cul-"" tural) e o mundo da facticidade social empírica, o mundo das necessidades, dosinteresses e das forças que impulsionam a sociedade.(1) Cfr. CASTANHEIRA NEVES, A redução política do pensamento metodoló-~,;' gico-jurídico, Coimbra, 1993, maxime pâgs. 14-15..-'.O' (2) Cfr., por todos, LORENZ VON STEIN, Geschichte der sozialen Bewegung inFrankzeich von 1789 bis auf unsere Tag. 1850, trad. castelhana Movimientos socia-les y Monarquia. Madrid, 1957, pâgs. 33 e segs.; ANTáNIO COSTA LOBO, O Estadoe a liberdade de associação. Coimbra, 1864, maxime pâgs. 59 e segs.; JosÉ TAVARES,Ciência do Direito Político, Coimbra, 1909, pâgs. 21 e 22; HELLER, Op. cit.. pâgs. 139e segs.; ROGÉRIO SOARES, Direito Público e Sociedade Técnica. Coimbra, 1969,pâgs. 39 e segs.; EGIDIO TOSATO, Op. cit., loc. cit., pâgs. 1809 e segs.; SILVIO DE FINA,Ordinamenti giuridici e ordinamenti sociali, in Rivista Trimestrale di Diritto Publico,1969, pâgs. 126 e segs.; GERHARD LEIBHOLZ, Problemas fundamenta.les de Ia demo-~26 Manual de Direito ConstitucionalII -No pensamento grego e romano não se encontra uma

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noção autónoma de sociedade fora da polis ou da Civitas. A CidadeAntiga não era constituída por uma sociedade civil que devesse sergovernada como coisa distinta do Estado (I).Durante a Idade Média e na transição estamental, o político dis-persa-se e está presente na sociedade e na sua riquíssima teia de ins-tituições -as ordens religiosas, as universidades, as obras assisten-ciais, as corporações de mesteres, as comunas ou os concelhos, etc.Ou dantes: é na sociedade como expressão integrante de todas as ins-tituiçÕes (incluindo a instituição real) que reside o político.Pelo contrário, com o absolutismo, o Estado identifica-se com opoder, com a soberania, com o Rei, e a sociedade -seja naquilo quevem de longe, seja naquilo que traz de novo -aparece à margemdo político e sem projecção sobre o poder. Vem a ser apenas naépocpa liberal que a sociedade volta a afirmar-se, se bem que em ter-mos negativos, abrangendo tudo quanto se pretende que fique sub-traído à acção do poder. Assim como vem a ser com as concep-çÕes contratualistas então dominantes, primeiro, e, depois, com apassagem à democracia que se toma ou se readquire consciência daface comunitária do Estado. E, mais tarde, certos regimes políticoscracia moderna, trad., Madrid, 1971, págs. 95 e segs.; R. ZIPPELIUS, op. cit., págs. 157e segs.; ERNST FORSTHOFF, El Estado de la Sociedade Industrial, trad., Madrid,1975, págs. 27 e segs.; NORBERTO BOBBIO, Società civile, in Dizionario di Politica,obra colectiva, Turim, 1976, págs. 952 e segs., e Contratto. .., cit., págs. 25 e segs.;.DINO PASINI, Stato-Governo e Stato-Società, reimpressão, Milão, 1978, págs. 69e segs.; H. KUHN, op. cit., págs. 264 e segs.; JACQUES CHEVALLIER, L'association entrepublic etprivé, in Revue du droitpublic, 1981, págs. 887 e segs.; GIOVANNI SARTORI,A Política, trad., Brasília, 1981, págs. 158 e segs.; KONRAD HESSE, Escritos deDerecho Constitucional, trad., Madrid, 1983, págs. 12 e segs.; A. M. HESPANHA,Para uma teoria de história institucional do Antigo Regime, in Poder e instituiçãona Europa do Antigo Regime, Lisboa, 1984, págs. 26 e segs.; JEAN-LouIS QUERMONNE,Les régimes politiques occidentaux, Paris, 1986, págs. 187 e segs.; JoÃo BAPTISTAMACHADO, Lições..., cit., loc. cit.. págs. 429 e segs. e 513 e segs.; ERNEST GELLNER,Conditions of Liberty, 1994, trad~ portuguesa Condições de liberdade, Lisboa, 1995,págs. 111 e segs.(I) PAUL VEYNE, I Greci hanno conosciuto Ia democrazia?, in CHRISTIANMEIR e PAUL VEYNE, L' identità dei cittadino e Ia democrazia in Grecia. trad., Bolo-nha, 1989, pág. 76.Parte lll-Estrutura Constitucional do Estado 27afastam-se tanto da vontade e dos interesses dos cidadãos que oEstado-poder, no limite, se lhes entremostra completamento alheio eexterior (4.O Estado liberal tem em vista uma sociedade livre da gestãoou direcção do poder. O Estado social intervém nela para a trans-formar ou conformar. Num caso ou noutro, a sociedade carrega-sede intenções políticas (2) ou, se se preferir, de funções políticas.Num caso ou noutro, a :§:Qciedade corresponde ao Estado-comuni-dade, mas não tem de se lhe assimilar, de com ele coincidir ou de serpor ele absorvida. Já no Estado marxista-leninista não existe socie-dade civil.A evolução do termo e do conceito da sociedade civil não deixa ela

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pró-pria de ser elucidativa. Começou por equivaler a sociedade política, distintada Igreja, do conjunto de fiéis enquanto tais: societas civilis sive res publics.A partir de HEGEL recorta-se como conjunto de relações e situações que seprojectam entre o indivíduo e o Estado, como conjunto dos homens priva-dos: burgerliche Gesellschaft: --m -Se a sociedade, a sociedade civil, sustenta o Estado-comu-nidade enquanto conjunto humano, não se confunde com ele dumprisma jurídico e institucional, pois guarda sempre um grau maior oumenor de distanciamento e, pelo menos, sempre seria configurável paraefeito de análise, como desprendida do poder (3).Não significa isto que não haja pontes ou veículos de passa-gem, que a sociedade seja indiferente politicamente, sobretudo hoje,ou que ela possa captar-se sem o influxo do poder. Apenas se afmnaa possibilidade de uma consideração da sociedade à margem da redu-ção ao fenómeno estatal (ou ao político).Por outro lado, o Estado-comunidade apresenta-se como uma(1) O aparelho govemativo aparece como alguma coisa que a sociedade civilpode julgar, expulsar, tomar, reformar, destruir, sem perda da identidade do Estadoe da sua própria identidade (ADRIANO MOREIRA, op. cit.. págs. 18-19).(2) Na expressão de ROGÉRiO SOARES, Direito Público. .., cit., pág. 46.(3) A sociedade forma-se na variedade e na ligação das suas partes pela liber-dade, enquanto que o Estado é investido do poder extemo de coacção (COSTA LoBO,op. cit.. pág. 59).28 Manual de Direito Constitucionalunidade em razão do poder e da organização, como uma só sociedadepolítica. Já a sociedade, a sociedade civil, se apresenta como ambiênciae feixe de classes, de estruturas, de grupos de natureza vária ( cultu-ral, religiosa, socioprofissional, económica, etc.). E cada vez mais,com a crescente circulação internacional de pessoas, ideias e bens, aquise cruzam factores e presenças com origem no exterior (os estrangeirosradicados no país, com actividade relevante, também acabam porpertencer à sociedade civil da sua residência).Os grupos e todas as forças sociais não podem, contudo, coexis-tir, prevaleçam estes ou aqueles interesses, sem a garantia prestada peloEstado. Em contrapartida, também o Estado da sociedade plural, indus-trializada, urbana dos nossos dias e que se pretende em regime demo-crático não pode prescindir da regulação contratual dos conflitos (I).De tudo decorre que o Estado-comunidade ascende de pleno àesfera do público, do que é geral ou se torna geral e comum, para a respub.lica,. e que a sociedade é, por defmição, o domÍnio do privado ouonde o privado se pode manifestar e desenvolver. Somente na medidaem que a sociedade em absoluto fosse, em toda a sua vida (e, por con-seguinte, em toda a vida dos indivíduos que a compõem) determinadaou sujeita, toda ela, a injunções administrativas é que deixaria de ter sen-tido distingui-Ia do Estado (tal como deixaria de ter sentido distinguirDireito público e Direito privado). Mas continuaria a justificar-se sem-

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pre discernir Estado-comunidade e Estado-poder.7. Os elementos ou condições de existência do EstadoI- Na maneira mais corrente de configurar o Estado (e a queprincipalmente JELLINEK concedeu o seu prestígio), ele é descrito(I) Não cabe aqui entrar nas problemáticas fundamentais, mas laterais a estetomo, dos grupos de interesses, do neocorporativismo e do pluralismo. Cfr., entretantos, Trends toward corporatist intermediction., obra colectiva, ed. por Ph. Schmit-ter e G. Lehmbruch, Londres, 1972, e, entre nós, VIEIRA DE ANDRADE, Grupos de inte-resses, pluralismo e unidade política, Coimbra, 1977; MARIA LÚCIA AMARAL, O pro-blema dafunção política dos grupos de interesse, in O Direito, 1974-1987, págs. 147e segs.; JoÃo BAPTISTA MACHADO, A hipótese neocorporativa, in Revista de Direitoe Estudos Sociais, 1987, págs. 3 e segs.Parte IIl-'--Estrutura Constitucional do Estado 29como o fenómeno histórico que consiste em um povo exercer emdeterminado território um poder próprio, o poder político.O larguíssimo acolhimento que tem tido esta focagem com-preende-se bem pela importância que confere a essas três realidadese que, como quer que seja, efectivamente elas merecem. Ressalta,contudo, a ambivalência do termo "elementos do Estado" com quesão designadas.Elementos do Estado tanto podem ser elementos constitutivos ou; componentes do Estado, de[midores do seu conceito ou da sua essên-cia (I), quanto condições ou manifestações da sua existência (2). Noprimeiro sentido, na essência do Estado, pelo menos, abrangem-se umpovo, um território e um poder político (ainda que possam abranger-se(1) Além de JELLINEK {op. cit.. págs. 130 e segs. e 295 e segs.), cfr., porexemplo. JosÉ TAVARES, op. cit., págs. 65 e 257 e segs.; ROCHA SARAIVA, op. cit.. II,págs. 7 e segs. e 26 e segs.; SANTI ROMANO, op. cit., págs. 50-51; QUEIROZ LIMA,Teoria do Estado. 8.. ed., Rio, 1957, págs. 120 e segs. (numa visão positivista);BALLAOORE PALLIERI, op. cit.. II, págs. 67 e segs. (que fala em elementos da ordemjulÍdica estadual); MARCELlbCAETANO, op. cit.. I, págs. 158 e segs.;TEMISTOCLE MAR-TINES, Diritto Costituzionale, Milão, 1978, págs. 153 e segs.; MARQUES OUEDES,Ideologias e Sistemas Políticos. Lisboa, 1978, págs. 22, 52 e segs. e 63 e segs.; MAR-CELO REBELO DE SOUSA, Direito Constitucional, Braga, 1979, pág. 109 (que distin-gue entre o conceito de &tado -de que são integrantes o povo, o tenitório e o poderpolítico- e a estrutura do Estado -que é mais ampla);FRANCoFARDELLA, I fon-damenti epistemologici dei concetto di stato. Milão, 1981, págs. 89 e segs. (não setrata de uma combinação estática de elementos preconstituídos e justapostos, mas deuma perspectiva dinâmica indicativa de um processo em que povo, território e podersoberano constituem, cada um, em sentido diacrónico, o momento último de umasequência, e, em sentido sincrónico, o termo de uma interacção); FREITAS 00 AMA-RAL, Estado. in Polis. lI, págs. 1130 e segs.Contra a teoria dos três elementos, v., entre outros, CARRÉ DE

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MALBERO, Con-tribution à Ia Théorie Générale de I' État. I, Paris, pág. 8; SMEND, op. cit., págs. 52e 104; KELSEN, Teoria General cit., pág. 124; O. BURDEAU, op. cit.. II, págs. 77e segs.; OIUSEPPE CHIARELLI, Popolo, in Novissimo Digesto Italiano. XIII, 1966,pág. 284; EOIDIO TOSAm, Sugli aspetti Jundamentali dello Stato, in Studi in memo-ria di Carlo Esposito. obra colectiva, III, Pádua, 1973, págs. 1787 e segs. e 1800e segs.(2) Assim, BURDEAU (que considera a acção do poder -na qual trata dotenitório e da autoridade -e a obrado grupo -nação e consentimento ao poder);MIGUEL OALVÃO TELES, op. cit.. loc. cit., págs. 1359 e segs.; VEZIO CRISAFULLI, op.cit.. I, pág. 150.

30 Manual de Direito Constitucionaloutros elementos). No segundo, para existir Estado, tem de haver umpovo, um território e um poder político, sem com isso se aceitar,necessariamente, a recondução a eles da estrutura do Estado.n -Qual deva ser o entendimento a atribuir aos "elementos doEstado" é questão que se põe com mais acuidade a respeito do território.Há quem sustente que o território adere ao homem e que todosos efeitos jurídicos do território têm a sua raiz na vida interna doshomens (1) ou que O Estado implica stare, sede fixa, de tal jeito queo território não equivale só a um espaço reservado à acção do Estado,entra também a constituí-Io (2). Ou que o poder soberano se traduznuma organização, de que é elemento dimensional o território (3).Ou que O território faz parte do ser do Estado, e não apenas do seuhaver (4).Em contrário, diz-se que o território nao pode considerar-secomo o "corpo" do Estado. Não é o território que delimita o âmbitodo senhorio, é o senhorio que delimita o território (5). O territórioé elemento meramente exterior ( quase como o solo para qualqueredifício). Uma coisa é dizer que ele é elemento da idsia de Estado,outra coisa que é elemento do Estado (6). E há quem tome o terri-tÓrio, não como um elemento autónomo, mas como um elementocom recurso ao qual cada um dos outros, de acordo com a sua natu-reza, se qualifica e se caracteriza -e daí a ideia de territorialidade.O território apenas se converte em elemento da definição do Estadoenquanto serve para distinguir a ordem jurídica estadual de qualquerordem jurídica não territorial r). Só historicamente, não genetica-mente, ele adquire prepunderância (8).(I) JELLINEK, opo cit., págo 130.(2) SANTI ROMANO, op. cito, págso 50-51.(3) FRANCO FARDELLA, op. cit., pág. 155.(4) FREITAS DO AMARAL, opo cit., loco cito, pág. 1132.(5) TOMMASO PERASSI, Paese, territorio e signoria nella dottrina dello Stato,in Rivista di Diritto Pubblico, 1912, págs. 146 e segs.(6) RENATO ALESSI, lntorno alia nozione di ente territoriale. in Scritti in onoredi Arturo Carlo Jemolo, obra colectiva, III, Milão, 1963, págs. 9 e 6.r) EGIDIO TOSATO, op. cit., loco cito, pág. 1802.(8) JosÉ ADELINO MALTEZ, op. cito, II, págs. 31 e segs.,1~,"'Parte III-Estrutura Constitucional do Estado 31

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III -Afastamos decididamente a ideia de elementos essenciaisou constitutivos do Estado.Os elementos não podem ser tomados como partes integrantes doEstado, visto que isso: 1) suporia reduzir o Estado a eles, à sua somaou à sua aglutinação quase mecânica ou naturalística; 2) suporiaainda assimilar a estrutura de cada um dos elementos à dos outros doisou, porventura, colocar todos em pé de igualdade; 3) esqueceriaoutros aspectos ou factores tão significativos como o sentido de obracomum (I) ou os fins (2); 4) não explicaria o papel da organizaçãocomo base unificante do Estado.Outra coisa vem a ser o segundo sentido. Aqui apenas se pre-tende inculcar que povo, território e poder político são pressupostosou condições de existência do Estado, indispensáveis em todos oslugares e em todas as épocas em que pode falar-se em Estado, emboracom funções e relações diversas. Sociedade política complexa, oEstado traduz-se num conjunto de pessoas ou povo, fixa-se numespaço físico ou território e requer uma autoridade institucionali-zada ou poder político.Ora, se o povo corresponde à comunidade política e o poder éo poder organizado do Estado, já o território, embora necessaria-mente presente, se situa fora do Estado, não se insere na substânciado Estado: os efeitos jurídicos fundamentais que se lhe ligam não pos-tulam que ele seja Estado; postulam que ele é uma condição sem a(I) Para HAURIOU (op. cit., págs. 78 e segs.), os elementos essenciais doEstado são uma nação, um governo central e a ideia e a empresa de coisa pública.(2) Assim, CABRAL DE MONCADA (Filosofia cit., II, Coimbra, 1966, págs. 168e segs.) aponta a ideia de Estado, a organização jurídica e os fins como os verda-deiros elementos ônticos do Estado; e MARCELO REBELO DE SOUSA (Estado, inDicionário Jurídico da Administração Pública, IV, pág. 211) refere-se à personali-dade jurídica.Contra os fins como elementos do Estado. MARQUES GUEDES, Ideologias. .., cit.,págs. 53-54. Os fins do Estado não constituem um novo elemento, pelo menos nosentido estático, material, de parte que com as restantes se congrega para formar otodo. Em si mesmo considerados, os fins são algo de exterior, de transcendente aoEstado; ou então, como as concepções monistas sustentam, algo de imanente, de con-substanciado no próprio Estado e, por conseguinte, imanente também em cada umdos elementos que o constituem.32 Manual de Direito Constitucionalqual o Estado não poderia subsistir. O território não vale por si,vale como elemento definidor (ou aglutinador) do povo e do poder(o que, aliás, não é pouco).Adoptado este sentido (1), a concepção dos três elementos nãooferece dificuldades particulares. Trata-se então de uma certa ópticade encarar o Estado. E acaba por se mostrar algo secundário,se bem que não despiciendo, dizer que há dois aspectos no Estado-a comunidade e o poder -com determinada base territorial ouconsiderar que, para que cada Estado exista, têm de se encontrar umpovo, um território e um poder. Acima de tudo, o que importa é tera noção da perspectiva e do papel específico dessas realidades noâmbito da teoria constitucional e do Direito positivo.8. As vicissitudes do Estado

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I -Relacionado com a estrutura, acha-se o tema das vicissitu-des do Estado em concreto, pois as vicissitudes comprovam aquilo quea define, como ela depende sempre de regras jurídicas e como sãoessas regras que permitem a permanência do Estado para além detodos os eventos que possam ocorrer r).Há vicissitudes totais -as que determinam a tormação e odesaparecimento do Estado -e vicissitudes parciais -as que acar-retam transformações ou meras modificações.(I) Que adoptamos desde Ciência Política e Direito Constitucional, cit., I,pâgs. 128 e segs.(2) Sobre o assunto, cfr. JELLINEK, op. cito, pâgs. 109 e segs.; JosÉ FREDERICOLARANJO, opo cit., tomo 2.0, fascículo 3.0, livro II, Coimbra, 1908, pâgs. 59 e segs.;GIUSEPPE BISCONTINI, L' annessione e Ia fusione di Stati ed i loro riflessi sul feno-meno successorio, in Rivista di Diritto Internazionale, 1940, pâgs. 133 e segs. e 321e segs.; COSTANTINO MORTATI, La Costituzione in Senso Materiale. Milão, 1940,pâgs. 203 e segs., e Instituzioni. .., cit., I, pâgs. 69 e segs.; QUEIROZ LIMA, pâgs. 137e segs.; BURDEAU, op. cit., 11, pâgs. 210 e segs.; ANA BARAHONA, A nacionalidadee as modificações territoriais dos Estados, Lisboa, 1984, pâgs. 45 e segs.; NOUYENQuoc DINH e OUtros, Droit International Public, 3.. ed., Paris, 1987, pâgs. 457 e segs.;IAN BROWNLIE, Principies ofPublic International Law, 4.. ed., Oxónia, 1990,pâgs. 131 e segs.; ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA e FAUSTO DE QUADROS, Manual deDireito Internacional Público, 3.. ed., Coimbra, 1993, pâgs. 332 e segs.'-'Parte lI/-Estrutura Constitucional do Estado 33A formação do Estado pode dar-se pela elevação a Estado decomunidade não estadual ou até então politicamente dependente; pelaagregação de dois ou mais Estados preexistentes em novo Estado; pelodesmembramento ou pela desagregação de anterior Estado; ou pelasecessão de uma das suas partes. E pode ser a formação de umEstado novo ou equivaler, historicamente, à reconstituição de umEstado antigo.O desaparecimento do Estado, em contrapartida, ocorre pelaredução a comunidade não estadual ou politicamente dependente(por exemplo, redução a colónia); pela agregação com outros. Esta-do.s num novo Estado a constituir ou pela desagregação em dife-rentes Estados novos; e pela integração ou incorporação num ou emvários Estados preexistentes (no caso de serem vários Estados,fala-se em partilha).O Estado transforma-se no confronto de outros Estados portransformação da soberania (v. g., por sujeição a regime de protec-torado ou sua cessação ou por incorporação ou desincorporação emconfederação) e por perda ou aquisição da soberania internacional(por integração em Estado federal ou por secessão deste). Modi-fica-se ainda sem alteração da sua estrutura (ou seja, mais quantita-tiva do que qualitativamente) quando se verificam migrações outransferências de populações com reflexos na cidadania ou se regis-tam modificações territoriais, tais como ocupação ou desocupaçãode territórios não apropriados e anexação ou perda, por qualquercausa, de territórios em relação a outro Estado (I).Porém, o Estado não se transforma internacionalmente comquaisquer vicissitudes constitucionais, sejam totais (revolução, tran-sição constitucional) ou parciais (revisão constitucional, ruptura

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nãorevolucionária, etc.) (2). E subsiste na sua identidade e na sua uni-dade para além de todos estes actos e eventos -exactamente por-que envolve institucionalização, continuidade, estabilidade, e porquer) A anexação pode ser unilateral (anexação stricto sensu) ou derivar decessão de outro Estado a título gratuito ou oneroso ou de adjudicação de terceiro oude organização internacional.r) Cfr. tomo II deste Manual.3- Manual de Direito Constitucional. III34 Manual de Direito Constitucional.O Direito internacional obriga os demais Estados a respeitarem a sualivre capacidade de decisão constitucional (1).A análise em pormenor dos vários tipos de vicissitudes e dos gran-des problemas que suscitam não pode ser levada a cabo aqui. Melhorcabe noutros capítulos (como a que, em breve, iremos fazer a respeito dasmodificações de cidadania e de território) ou noutras disciplinas, desig-nadamente o Direito intemacional (v. g" no tocante à formação e ao desa-parecimento do Estado). Aqui importa só deixar traçado o quadro geral.II -O Estado é uma criação da vida jurídica,' sendo um meca-nismo de preservação da ordem, ao mesmo tempo é um conjunto desituações de direito (2). Nenhuma das suas vicissitudes vem a ser, por-tanto, indiferente ao Direito, nenhuma decorre fora do âmbito dasregras jurídicas, deixa de implicar um significado normativo, umalegitimidade ou uma regularidade.A própria formação (originária) de um novo Estado não se reduza puro facto ou a acto material ou metajurídico. Pelo contrário, atépode resultar de um processo, no todo ou em parte, previsto peloDireito do Estado a que estava sujeita a comunidade que se erigeem estadual, Direito esse que chama a intervir ou apenas os órgãosgovernativos competentes para manifestarem o consentimento defi-nitivo do Estado ou também os órgãos que já tenham sido instituídoseventualmente em tal colectividade (3). Mas, ainda quando tudo sepasse à margem ou contra esse Direito, por declaração (unilateralou revolucionária) de independência, nem por isso cessa a juridici-dade: a instituição do Estado, pelo menos, opera-se à luz da con-cepção de Direito natural ou da ideia de Direito dominante na colec-tividade ou na vida internacional (4).(I) Sobre limites às mutações constitucionais e continuidade do Estado, cfr,VEZIO CRISAFULLI, op, cit" I, págs, 107-108,(2) QUEIROZ LIMA, op, cit" pág, 139.(3) A descolonização francesa e a britânica oferecem numerosos exemplos etipos de processos de autonomia e de independência regulados pelo Direito doEstado colonial; e mesmo a descolonização portuguesa veio a ser feita, nas cir-cunstâncias conhecidas, ao abrigo da Lei n." 7/74, de 27 de Julho;(4) Recordem-se a declaração de independência dos Estados Unidos e, maisrecentemente, a da Guiné-Bissau em 1973 (sobre esta, v. ANTÓNIO DUARTE SILVA,l,~f~~ Parte [[[-Estrutura Constitucional do Estado 35f

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frf Ao Direito das Gentes cabe, por seu lado, dispor sobre o acesso[ à comunidade internacional de qualquer dos seus membros ou, em cer-! tos casos, promovê-lo e orientá-lo (I). Ele estabelece os requisitos deaquisição dessa qualidade ou soberania e os modos e efeitos doreconhecimento pelos demais Estados; ele define o âmbito possíveldas relações entre a nova ordem jurídica estadual e a ordem ou asregras jurídicas preexistentes, em termos de uma eventual recepçãoou novação destas r); ele ocupa-se da sucessão dos Estados quantoaos direitos e obrigações internacionais, provenientes de tratados (3)ou doutras fontes. Não faltam ainda Estados historicamente consti-tuídos por tratado (4).9. O Estado como pessoa colectivaI -A unidade jurídica que o Estado constitui pode exprimir-secom recurso à noção de pessoa colectiva, distinta de cada uma daspessoas físicas que compõem a comunidade e dos próprios governantese susceptível de entrar em relações jurídicas com outras entidades,tanto no domínio do Direito interno como no do Direito internacio-nal, tanto sob a veste do Direito público como sob a do Direito pri.vado.Personaliza-se o Estado na estrutura que lhe pertence -na suaestrutura dual de comunidade e de poder (apesar de, umas vezes, adoutrina e o regime jurídico salientarem mais a comunidade, a basecorporacional, e, outras vezes, mais o poder, a base institucional) (5).A natureza da formação do Estado: o caso da Guiné-Bissau, in Boletim da Facu.l-dade de Direito de Bissau, n.O 4, Março de 1997, págs. 161 e segs.).(1) V. os capítulos da Carta das Nações Unidas, sobre "Declaração relativa aosterritórios não autónomos" (arts. 73.0 e 74.) e sobre regime internacional de tutela(arts. 75." e segs.).(2) Cfr. SALVATORE VILLARI, La continuité juridique dans les pays nouveaux,in Scritti in memoria de Antonimo Giuffre, obra colectiva, 1/1, Milão, 1967, págs. 993e segs.(3) Cfr., entre nós, ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA, Da sucessão de Estadosquanto aos tratados, Lisboa, 1969.(4) Desde a Alemanha (1871) a Chipre (1960), por exemplo.(5) Cfr. MIGUEL GALVÃO TELES, op. cit., loc. cit., pág. 1359.36 Manual de Direito ConstitucionalEscusado será sublinhar -tendo em conta as premissas de quepartimos -que, se a unidade do Estado advém do sistema norma-tivo, não é este o substrato da personalidade do Estado ( I ), mastão-só o elemento donde, justamente, procede o fenómeno jurídico deatribuição da personalidade.II -A subjectivação ou personificação do Estado obedece auma dupla finalidade: de racionalização e de acentuação da subor-dinação à norma jurídica.Ela propícia, em primeiro lugar, um instrumento técnico ouconstrutivo muito importante (embora, não o único possível) destinadoa dar resposta a algumas das mais prementes necessidades da vida doEstado, na multiplicidade de actos e contratos que tem constante-mente de celebrar e de direitos e obrigações que se Ihes vinculam.Implica, em segundo lugar, uma mais imediata e nítida afIrmação deintegração no mundo jurídico, na medida em que, sendo sujeito de rela-ções e mesmo quando dotado de preffi)gativas ou privilégios de autoridade,o Estado tira a sua capacidade de querer e de agir da norma jurídica.Não é por acaso que (sem esquecer antecedentes diversos) esta

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figura remonta acerca de cento e cinquenta anos, formulada desig-nadamente por GERBER (2) (3). Na concepção patrimonial, o Estadonão era sujeito, mas objecto de um direito do monarca, e no Estadode Polícia procedia-se à distinção entre Estado propriamente dito eFisco. Somente com o início do aprofundamento dogmático doDireito público e com as ideias e os conceitos do Estado de Direitose vai avançar na linha da personalidade do Estado (4) -a qual(I) Como seria se seguissemos o pensamento de KELSEN -para quem a"vontade" do Estado é a ordem juridica total, a qual, personificada, constitui a von-tade colectiva ou a pessoa colectiva complexa.(2) Op. cit., págs. 95-96 e 200 e segs. O Estado, guardião e revelador de todasas forças do povo dirigidas à realização ética da vida colectiva, é a suprema per-sonalidade do direito; a sua capacidade de querer possui a máxima atribuição queo direito possa conferir (pág. 95).(3) Em Portugal, o Código Civil de 1867 declarou o Estado, expressamente,pessoa moral para efeito de relações juridicas civis (ar!. 37.").(4) Sobre a formação da teoria da personalidade do Estado, v. ROCHA SARAIVA,As doutrinas políticas germânica e latina e a teoria da personalidade jurídica do~(Parte lll- Estrutura Constitucional do Estado 37envolve, necessariamente, o reconhecimento de uma personalidade dedireito público dos cidadãos, situações jurídico-públicas não apenasdo Estado mas também das pessoas membros da comunidade políticae, muito em especial, direitos fundamentais perante e contra o Estado.Não é por acaso, que em alguns países, como a Alemanha, seafirma que a consideração do Estado como pessoa jurídica foi o maisrelevante ataque intelectual contra a construção monárquica do Estado,por o monarca se converter em órgão do Estado ( I ). Ou que senota, sem paradoxo, que a personalização do Estado anda a par da des-personalização ou da maior institucionalização do poder político (2).As resistências opostas à teoria da personalidade radicam, umas,em visões do Estado que o identificam com o poder, a soberania, aautoridade, o jus imperii, outras, em contestações globais do próprioconceito (3). Têm perdido crescentemente ressonância, em face dosEstado, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. I, n.os 3e 4, Julho-Dezembro de 1917, págs. 283 e segs.; L. DUGUIT, La doctrine allemanded'autolimitation de l'État, in Revue du droitpublic, 1919, págs. 161 e segs.; FELILEBATTAGLIA, Estudios de Teoria del Estado, trad., Bolonha-Madrid, 1966, págs. 71e segs.; E. TOSATO, op. cit., loc. cit., pág. 1970; ALBERTO MASSERA, Contributo allostudio delle figure giuridiche soggettive nel Diritto Amministrativo, Milão, 1986,págs. 10 e segs.; ALFREDO GALLEGO ANABITARTE, Constitución y personalidad juri-dica dei Estado, Madrid, 1992, págs. 20 e segs.(I) ERNST FORSTHOFF, op. cit" pág. 13.(2) Cfr. VIRGILIO GIORGIANNI, op, cit., pág. 224.(3) Contra a personalidade do Estado, cfr., entre nós, CAMPOS LIMA, op. cit.,págs. 193 e segs.; FEZAS VITAL, Do Acto Jurídico, Coimbra, 1914, págs. 76 e segs.,e A situação dos funcionários, Coimbra, 1915, págs. 25 e segs.;

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MARTINHO NOBREDE MELO, op. cit., págs. 22-23, 23-24 e 31 e segs. E, no estrangeiro, por todos,ALFREDO GALLEGO ANABITARTE, op, cit., págs. 33-34, 145 e segs. e 170.A favor, MARNOCO E SOUSA, op. cit., págs. 37 e segs.; CAEIRO DA MATTA,Pessoas sociais administrativas, Coimbra, 1903, págs. 87 e segs.; JosÉ TAVARES,op. cit., págs. 51 e segs.; RocHA SARAIVA, Construção Jurídica do Estado, Coimbra,1912, págs. 9 e segs.; PINTO BARRIGA, Da Validade dos Actos Administrativos eRegulamentares, I, Lisboa, 1921, págs. 78 e segs. E, no estrangeiro, por todos,ENRIQUE ALVAREZ CONDE, Reflexiones sobre um tema clasico: la personalidad juri-dica dei Estado, in Anuario dei Derecho Constitucional y Parlamentario, n.o 5,1993, págs. 61 e segs.Nos autores portugueses mais recentes, a questão da personalidade do Estadonão tem sido controvertida.38 Manual de Direito Constitucionalprogressos da elaboração jurídica do Estado e em face da demons-tração feita pelas doutrinas privatísticas e publicísticas de como apersonalidade colectiva, longe decorresponder a qualquer pretensa rea-lidade natural, é apenas um conceito analógico ou um quadro espe-cífico de trabalho de uma ciência normativa, susceptível de explicara unidade do ente e a imputação a ele de situações e actos jurí-dicos (I).Em contrapartida, não deve esperar-se do conceito (como detantos outros) mais do que ele pode dar. Parece exagerado aduzir quepara conjurar o arbítrio, para submeter ao direito o poder público,nenhum meio mais eficaz, mais directo e mais seguro do que consi-derar o Estado como pessoa jurídica (2). E talvez haja mesmo quereconhecer que a personalidade colectiva, na medida em que tomadacomo mera unidade formal (como faz o positivismo) ou hipostasiadaà volta da temática da formação da vontade serviu (ou pode servir)para abafar todas as investigações sobre o cerne do Estado e do polí-tico (3).III -Isto o essencial acerca do conceito. Contudo, a persona-lidade de cada Estado em concreto e os termos em que se recortadependem das regras jurídicas positivas.Pode asseverar-se que todos os Estados com acesso directo àsrelações internacionais -os Estados soberanos -possuem perso-nalidade jurídica, tal como personalidade jurídica possuem a Santa Sé,as organizações internacionais e outras entidades. A presença nestasrelações, a capacidade de praticar actos jurídicos relevantes interna-cionalmente e a responsabilidade deles emergente postulam a sub-jectividade internacional dos Estados.Já no interior dos respectivos ordenamentos apenas pode dizer-seque cada Estado, enquanto ente unitário e perpétuo que ultrapassa ar) Assim, por todos, JELLINEK, op. cit., pâg. 125; L. MICHOUD, La théorie deIa personnalité morale, Paris, 1906, I, pâgs. 21 e segs.; ou BALLADORE PALLIERI,op. cit., II, pâgs. 165 e segs. e 203 e segs.r) ROCHA SARAIVA, Construção..., cit., pâg. 25.(3) ROGÉRIO SOARES, Direito Público. .., cit., pâg. 123.I Parte III -Estrutura Constitucional do Estado 391 existência dos indivíduos que o compõem, oferece susceptibilidade e,~ mesmo, tendência para se personificar (I ). O problema da sua

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exten-isão e dos seus caracteres não pode, entretanto, resolver-se de modoabsoluto e uniforme para todos os Estados; é problema do respectivo.Direito positivo (2). Pelo menos, o caso britânico, em que a titula-.~ ridade de poderes e direitos cabe a certas instituições (3), atesta quepode haver Estados modernos sem personalidade de direito interno.Por outro lado, a personificação opera-se na base de regimesalgo diversificados, quer no tocante à capacidade de gozo de direi-tos atribuidos ao Estado, quer no tocante aos órgãos através dosi quais se manifesta a capacidade de exercício. Um desses regimes con-f siste num eventual desdobramento em mais de uma pessoa colec-~ tiva: o Estado (em sentido restrito) ou o Estado como pessoa colec-f~c tiva que, para efeito das relações de direito interno, tem por órgão ot Governo (4); e as demais pessoas colectivas públicas, dele distintasr com vista à celebração de actos e contratos, à autonomização der patrimónios e à assunção de responsabilidade civil (5).!Ii: IV -Que relação se produz entre o Estado pessoa colectiva def. Direito internacional e o Estado pessoa colectiva de Direito interno?t Há quem contraponha, em termos radicais, o Estado-colectivi-r dade (pessoa colectiva de Direito internacional) ao Estado-adminis-r =:-.: vemos nem necessidade, nem possibilidade de talr (1) SANTI ROMANO, op. cit., pâg. 60.(2) SANTI ROMANO, op. cit., pâg. 62. Ou, na nossa doutrina, AFONSO QUEIRÓ,Lições de Direito Administrativo, policopiadas, Coimbra, 1959, pâgs. 252 e segs.;MIGUEL GALVÃO TELES, op. cit., pâg. 1359; MARQUES GUEDES, Ideologias..., cit.,pâgs. 64-65.(3) Como a Coroa (que é uma corporation sole, formada pelo conjunto dosReis que se sucederam no tempo), o Almirantado ou o Tesouro. É uma visão aindacom ressaibos pré-modemos.(4) MARCELLO CAETANO, op. cit., I, pâg. 178; e, mais desenvolvidamente,t Manual de Direito Administrativo, 10." ed., I, Lisboa, 1973, pâgs. 185 e segs.r (5) Cfr. FREITAS 00 AMARAL,Estado, cit., loc. cit., pâgs. 1154 e segs., e Curso'l' de Direito Administrativo, I, 2." ed., Coimbra, 1994, pâgs. 212 e 213.(6) Por exemplo, MARCELO REBELO DE SOUSA, Estado, cit., loc. cit.,, págs. 231-232. Diversamente, FREITAS 00 AMARAL, Estado, cit., loc. cit., pâg. 1155.I"'40 Manual de Direito Constitucionalcorte: é sempre a mesma pessoa jwidica, o mesmo Estado, a agir tantono âmbito do Direito internacional como no âmbito do Direito interno.Tudo está numa diferença de capacidade e de responsabilidade.Enquanto que o Estado (o Estado em sentido restrito) possui capa-cidade plena quer de Direito interno quer de Direito internacional, asdemais pessoas colectivas públicas têm uma capacidade circunscritaao Direito interno e, com excepção das regiões autónomas (ou dosEstados federados), à função administrativa. E é por isso, justa-

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mente, que se diz que só o Estado é soberano (I ).10. O Estado nas Constituições portuguesasI -Para lá das elaborações doutrinais, vale a pena conhecer omodo como o próprio Estado a si próprio se considera, como sedesigna e configura. Outro tanto é dizer: vale a pena ver como oEstado aparece na Constituição, ordem fundamental desse mesmoEstado e expressão mais elevada da sua existência e da sua actividadejurídicas.Impossível seria sair do âmbito do Direito português. Mas umaindagação sobre as nossas seis Constituições, e mais em pormenorsobre a de 1976, oferece-se, já bastante elucidativa.II -Na Constituição de 1822, surgem três denominações:"Nação" (ou "Nação Portuguesa"), "Estado" e "Reino Unido"; eprevalece a primeira, como se percebe no contexto da época.A Constituição diz-se "Constituição Política da Nação Portuguesa" eesta é "a união de todos os portugueses de ambos os hemisférios" (art. 20.0)."A Religião da Nação Portuguesa é a Católica Apostólica Romana"(art. 25.0). "A soberania reside essencialmente em a Nação" (art. 26.0)."A Nação é livre e independente e não pode ser património de ninguém.A ela somente pertence fazer pelos seus Deputados juntos em Cortes a suaConstituição ou Lei Fundamental, sem dependência de sanção do Rei"(I) Se, acaso, houver acções ou omissões dessas outras pessoas colectivaspúblicas que envolvam responsabilidade internacional, será o Estado que a assu-mirá, ainda que, porventura, com direito de regresso perante elas.Parte lI/-Estrutura Constitucional do Estado 41(art. 27.0). "O Governo da Nação Portuguesa é a Monarquia constitucio-nal hereditária. .." (art. 29.0)."A Nação Postuguesa é representada em Cortes. .." (art. 32.0). "CadaDeputado é procurador e representante de toda a Nação e não somente dadivisão que o elegeu" (art. 94.0). Pertence às Cortes promover em geral "obem da Nação Portuguesa" (art. 102.0-11, 2." parte). "A autoridade do Reiprovém da Nação..." (art. 121.0) e ele jura "ser fiel à Nação Postuguesa"(art. 126.0).Conforme se observa, toma-se "Nação" ou numa visão sintética dacomunidade e do poder ou (na maior parte dos preceitos) na acepção revo-lucionária de povo, comunidade política, Estado-comunidade.Ao mesmo tempo, com a palavra "Estado", muito menos empregada,olha-se sobretudo ao poder e aos órgãos do poder: são os Secretários deEstado e o Conselho de Estado (arts. 123.0, 129.0, 157.0 e segs. e 162.0e segs.); é a "segurança do Estado" (art. 124.0-IV).Quanto ao "Reino Unido", este designa tanto o território, o territórioda Nação Portuguesa (arts. 20.0 ou 190.0), como o Estado-poder (arts. 141.0e 143.0, que se referem à "Coroa do Reino Unido").III -Na Carta Constitucional, deparam-se os mesmos termos-"Nação", "Estado" e "Reino" -se bem que com algumasvariantes.Continua a aludir-se principalmente a "Nação". Os cidadãos portu-gueses "formam uma Nação livre e independente" (art. 1.0, 2." parte). "OsRepresentantes da Nação Portuguesa são o Rei e as Cortes Gerais" (art. 12.0).

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O Poder Moderador compete ao Rei "como Chefe Supremo da Nação"(art.71.0).~ O Estado continua a ser o Estado-poder, implícito nas expressões."Ministro de Estado" (art. 74.0, § 5."), "Secretários de Estado" (arts. 75.0, 101.0e segs. e 138.0), "Conselho de Estado" (art. 107.0), "salvação do Estado"(art. 74.0, § 4.0), "bem do Estado" (art. 75.0, § 5.0), "interesses e segurança3 do Estado" (art. 75.0, § 8.0) ou "serviço feito ao Estado" (art. 75.0, § 11.0).Aumentam as referências a "Reino", agora também no sentido decomunidade política (I). A Carta destina-se ao "Reino de Portugal, Algar-(I) Segundo LOPES PRAÇA (Estudos sobre a Carta Constitucional. Coimbra.1879, 1, pâg. 4) a palavra "Reino" parece significar a Nação com o governo monâr-quico.42 Manual de Direito Constitucionalves e seus Domínios", que é a "Associação política de todos os CidadãosPortugueses" (art. 1.", 1.8 parte). "A Religião Católica Apostólica Romanacontinuará a ser a Religião do Reino" (art. 6."), ou seja, do Estado (art. 145.",§ 41."). A Constituição é a "do Reino" (arts. 11.", 139.", 140." e 145.").IV -Na Constituição de 1838 -"Constituição Política daMonarquia Portuguesa" (I) -encontra-se algum equilíbrio entre asdisposições centradas na "Nação", no "Estado" e no "Reino"."A Nação Portuguesa é a associação política de todos os Portugueses"(art. 1."). "O Governo da Nação Portuguesa é o monárquico -hereditá-rio e representativo" (art. 4."). "A soberania reside essencialmente em aNação. .." (art. 33."). Compete às Cortes "promover o bem geral da Nação"(art. 37."-11)."A Religião do Estado é a Católica Apostólica Romana" (art. 3.")."Todo o Cidadão pode... apresentar aos Poderes do Estado reclamações,queixas e petições. .." (art. 15."). E fala-se em "Ministros e Secretários deEstado" (art. 31."), em "bem do Estado" (art. 52."), em "Chefe do Estado"(art. 84."), em "Constituição do Estado" (art. 119."), em "força permanentedo Estado" (art. 120.") e em "rendimentos do Estado" (art. 134.")."Todo o Cidadão pode conservar-se no Reino..." (art. 12."). 0 Rei nãopode, sem consentimento das Cortes "sair do Reino de Portuga1" (art. 84."-11)e, antes de ser proclamado, jura manter "a integridade do Reino" (art. 87.").Todos os Portugueses são "obrigados a pegar em armas para defender aindependência e a integridade do Reino" (art. 119.").No sentido de território, a Constituição reporta-se ainda, curiosamente,a "Monarquia" (art. 6."-1Il).V -Na Constituição de 1911 -"Constituição Política daRepública Portuguesa" -persistem os termos "Nação" e "Estado"e, naturalmente, aparece a referência a "república"."A Nação Portuguesa, organizada em Estado Unitário, adopta comoforma de governo a República..." (art. 1."). Aqui se conglobam a Naçãocomo comunidade política, o Estado como sistema de poder e a república como

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forma institucional. E nestes sentidos os três termos vão aparecer em vários(I) V., porém, o art. 87."Parte IIl- Estrutura Constitucional do Estado 43preceitos (respectivamente, arts. 5.0, 11.0, 20.0, § 2.0, 26.0, n.O 2, 37.", 43.0, 47.0,n." 2; arts. 3.0, n.os 5, 32 e 38, 21.", 37.0, 54." e 55.", n." 3; e art. 3.", n." 3).Afora isto, "Nação" continua a significar Estado numa perspectivatotalizante (arts. 2.0 e 55.") e parece ser elevada a pessoa colectiva (art.45.", § único); e "república" surge como Estado nas denominações "Con-gresso da República" e "Presidente da República" e em diversas disposições(arts. 26.", n." 3, 47.", n." 5, 70.", 73." e 78.).VI -Diferente vem a ser a Constituição de 1933. Mantendoos termos "Nação" e "Estado", realça a sua contraposição (em afas-tamento derivado de uma matriz não democrática) e, ao mesmotempo, multiplica as referências a "Estado" (por inerência a um pen-samento dirigista e intervencionista). Além disso, contempla outrasdesignações como "Portugal", "República", "raça" e "país"."Constituem a Nação todos os cidadãos portugueses residentes dentroou fora do seu território, os quais são considerados dependentes do Estado. .."(art. 3."). "A Nação Portuguesa constitui um Estado independente. .."(art. 4.). "Incumbe ao Estado. ..promover a unidade moral e estabelecera ordem jurídica da Nação" (art. 6.", n.O 1).Continua a encarar-se a Nação quer como Estado (arts. 1.0, § único, 55.",91.", n.O 9, e 114.", n.O 1) quer como comunidade (arts. 18.0, 29.0, 71.", 72.",78.", 79.", 81.0, n." 6, e 99."). Cura-se, todavia, muito mais do "Estado", doEstado-poder (arts. 2.", 5.0, 7.", § único, 8.0, n.O 7 e§ 3.", 9.", 11.", 13.", 14.",19.", 20.", 22.", 25.0, 26.0, 27.0, 28.", 30.", 31.0, 32.", 33.", 34.0, 40.0, 41.0,43.0, 44.", 45.", 46.", 47.0, 49.", 50.0, 51.0, 52.0, 53.", 56.0, 57.", 58.0, 59.",61.0, 63.", 72.", 81.", n." 7, 90.", n." 3, 96.0, 117.0, 120." e 130.). Ao Estadof fica cabendo "coordenar, impulsionar e dirigir todas as actividades sociais","zelar pela melhoria das condições das classes sociais mais desfavorecidas",agir "em ordem à defesa da família", "defender a opinião pública", "inter-vir directamente na gerência de actividades económicas particulares", etc.A Constituição menciona ainda "Portuga1" como Estado com acesso àvida internacional (arts. 4.", § único, e 90.0, n.O I), a "República" comoEstado-poder (arts. 5." e 72." e segs.), "raça" como comunidade política(art. 11.") e "País" como Estado ou como Estado-poder (arts. 87.", § único,e 114.0, n." 5).VII -Enfim, na Constituição de 1976, a extensão do seuâmbito, a do papel pedido ao Estado e a complexidade de orientações44 Manual de Direito Constitucionallevam não só à multiplicação de normas mas também à plural idadede sentidos. E se o termo "Estado" agora prevalece, outros perpas- ~sam com não pouco relevo. ~\,'Uma leitura atenta do texto constitucional revela a dupla face do ,

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~~"Estado, permite discernir no Estado-poder três subsentidos -o de sis- ,';"'tema institucional ou conjunto das entidades públicas, o de entidadepública central e soberana e o de regime -e permite encontraroutrossim o Estado como sujeito de Direito internacional e comopessoa colectiya pública (de Direito interno) (I).As quatro revisões constitucionais, longe de modificarem estaperspectiva, vieram claramente reforçá-la (e será sobre o texto vigenteque, de seguida, nos iremos debruçar).VIII -São múltiplas as palavras utilizadas para descrever a comuni-dade política: a) "Povo Português" e "Povo" [preâmbulo e arts. 3.0, n.O I,9.0, alíneas d) e e), 10.0, n.O 1,90.0, 108.", 202.0 e 275.0, n.O 4]; b) "Portu-gab> (preâmbulo e arts. I." e 5.0, n.O I); c) "Sociedade portuguesa" (pre-âmbulo); d) "País" [preâmbulo e arts. 48.0, n.O I, 78.0, n.O 2, alínea a), 81.0,alíneas !) e g), 87.0, 96.0, n.O I, alínea a), e 152,0, n.O 2]; e) "República"[arts. 1,0, 134.0, alínea e), e 275.0, n." 1];!) "Comunidade nacionab> (art. 121.0,n.O 2); g) "Pátria" (art. 276.", n.O I).Os preceitos mais expressivos são os do art. 1,0 ( "Portugal é umaRepública soberana, , ." ) (2) e do art. 5.", n.O 1 "<Portugal abrange o territó-rio. .." ).A Constituição emprega, por vezes, a locução "entidades públicas"[arts. 18.", n.O 1,22.0,48.0, n.O 2,82.", n.O 2, 103.0, n.O I, 155.", n.O 3, 156.0,alínea e), 197.", n." 1, alínea h), 205.0, n.O 2,269.0, n.os 1 e 2,271,0, n.os Ie 4, e 276,0, n." 6] ou o termo "poderes públicos" (arts. 23.0, n.O I, e 38,0,n." 6). Muitas vezes, entretanto, fala em "Estado" para abranger tais enti-dades ou poderes, ou, num sentido médio, o Estado, as regiões autónomase as autarquias locais ou só o Estado e as regiões autónomas [arts. 3.0,029°41° °4430 "255° °459° °260° °365° °3n. , ., ., n. , ., n. , ., n. , ., n, , , , n. , , , n. ,(I) Cfr, GoMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Por-tuguesa Anotada, 3,. ed., Coimbra, 1993, págs. 61-62.(2) Sobre a elaboração do art. I.", v. VITAL MOREIRA, A formação dos "Prin-cípios Fundamentais" da Constituição. in Estudos sobre a Constituição. obre colec-tiva, 111, Lisboa, 1979, pág. 75,Parte III -Estrutura Constitucional do Estado 4566.0, n.O 2,67.0, n.os 1 e 2,68.0, n.O 1,69.", n." 1,70.0, n.O 3,71.0, n.os 2 e 3,73.0, n.os 2 e 3,78.0, n.O 2,79.0, n.O 2,81.0,85.0, n.O 1,93.0, n.O 2,95.0,97,235.0 e 288.0, alínea c)].De qualquer sorte, "Estado" traduz, sobretudo, o Estado-poder cen-tral ou a entidade pública soberana [arts. 3.0, n.O 3, 6.0, n.O 1, 14.0, 22.0,27° °538° os4546° °248° °258° °263"nos2e5., n. , ., n. e, ., n. , ., n. , ., n. , ., .,

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64.", n." 3,65.",74.0, n.O 2,75.", n.OS 1 e 2, 82.", n.O 2, 84.", n." 2, 103.", n." I ,105.0, 107.0, 120.", 133.", alíneas a), e), j), I), e n), 135.0, alínea c), 141.0e segs., 161.0, alínea g), 162.0, alínea d), 163.0, alínea h), 164.", alíneas q)e r), 167.0, n.os 2 e 3, 183.", n.O 1,184.", n." 3, 185.", n.O 2, 186.", n.O 3, 191.",n.03, 195.0, n.O 2, 199.", alíneas h), d) e e), 201.", n.O 1, alínea h), e n.O 2,alínea h), 219.0, n.O 1, 225.0, n.O 3, 230.0, n.os 1 e 3, 238.", n." 2,243.",n.OS 2 e 3,269.0, n.os 1 e 2,271.0, n.os 1 e 4,272.", n.O 3,273.", n.O 1,276.",n.O 6, e 288.0, alínea a)]. E também, aqui e ali, "República" [nos arts. 110.0,112.", n.OS 4 e 5,120." e segs., 147.0 e segs., 226.0,227.", n.O 1, alíneas a)e h), e n." 3, 229.", n." 3, 230.", 231.0, n.os 3 e 4, 233.",234." e 275.0, n." 1]e "País" (art. 182.0).A pesada carga que recai sobre o Estado não equivale à absorção dasociedade. Pelo contrário, a Constituição distingue um e outra (arts. 67.",n.O 1,68.0, n." 1, e 69.0, n.O 1) e analisa a sociedade numa vasta gama de gru-pos e realidades existenciais, com funções reconhecidas em domínios espe-cificos ( I) r). São os partidos ou os partidos e as associações políticas(arts. 10.0, n.O 2,40.0, n.os 1 e 2,51.",56.", n." 4, 114.", etc.); são as clas-ses trabalhadoras ou os trabalhadores [arts. 54.", 55.", 56.", 80.", alínea g),82.", n.O 4, alínea c), e 89."] e os seus organismos representativos [arts. 63.",n.O 2, 80.0, alínea g), 92.", n." 2, e 98."]; são os pais e as mães e, em geral,a família ou as famílias (arts. 36.", n." 5, 67.", 69.0, n.os 2 e 3, 70.0, n." 3,71.0, n.O 2, e 92.0, n." 2); as organizações e associações sindicais [arts. 40.0,n.O 1, 55.0, 56.0, 63.", n.O 2, e 288.0, alínea e)]; as organizações profissionais(art. 40.", n." I ); as Igrejas, comunidades e confissões religiosas [arts. 38.",n.O 2, 41.0, 55.0, n.O 4, e 288.0, alínea c )]; as escolas particulares e cooperativas(arts. 43.", n." 4, e 75.", n." 2); as comissões de trabalhadores [arts. 54.0, 55.0e 288.", alínea e)]; o patronato (art. 55.0, n." 4), as organizações sociais[art. 59.0, n.O 2, alínea d)]; as associações de consumidores (art. 60.0, n.O 3);a iniciativa privada e as empresas privadas [arts. 61.0, n.O 1, 64.0, n.O 3, alí-(I) Designadamente, quanto ao exercício dos direitos políticos e à efectivaçãodos direitos sociais.(2) Além disso, admite tribunais arbitrais (art. 209.0, n." 2) e formas não juris-dicionais de composição de conflitos (art. 202.0, n.O 4)."ri

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46 Manual de Direito Constitucionalnea d), 65.", n." 2, alínea c), 80.", alínea e), 82.0, n." 3,86.0 e 165,", n," I, alí- ~neaj)]; as cooperativas [arts. 61.0, n.oo 2 e 3, 65,", n," 2, alínea d), 80,", alínea e),82.", n." 4, 85.",94.", n." 2, 95." e 97."]; a autogestão (arts. 61.", n." 4, e 85.0,n.O 3); as associações representativas de beneficiários da segurança social(art. 63.0, n.O 2); as instituiçõcs particulares de solidariedade social (art. 63,", n,O 5);as comunidades locais [arts. 65,0, n." 2, alínea d), 74.", n.O 2, alíneaf), e 82,",n.04, alínea h)], a autoconstrução [art. 65,0, n.O 2, alínea d)]; as associações repre-sentativas das famílias [art, 67.", n.O 2, alínea g)]; as escolas (arts. 70,", n." 3,73.0, n." 2, e 79,", n.O 2); as empresas [arts. 70.0, n.O 3, e 81.0, alínea e)]; as orga-nizações de moradores [arts. 70.0, n.O 3, 73.0, n.O 3, 165.", n." I, alínea r), 263,"a 265." e 267.", n.O I ]; as colectividades de cultura e recreio (arts, 70.", n.O 3,e 73,0, n.O 3); as organizações juvenis (art, 70.0, n.O 3); as asssociações de cida-dãos portadores de deficiência (art, 71.0, n,O 3); os órgãos de comunicaçãosocial (arts. 38.0 e 73.0, n.O 3); as associações de defesa do património cultu-ral (art. 73.0, n,O 3); as associações e fundações de fins culturais (art. 73.0,n.O 3), outros agentes culturais (arts. 73.0, n.O 3, e 78.0, n.O 2); as associaçõese colectividades desportivas (art. 79.0, n." 2); as organizações representativas deactividades económicas [arts. 80,", alínea g), e 92.0, n.O 3]; e as unidades deexploração colectiva por trabalhadores [arts, 82.", n.O 4, alínea c), 94.", n,O 2,e 97.j; os agricultores e as suas organizações (arts, 94.", n." 2, 97.", n,O I, e 99.j;as associações de trabalhadores rurais e de agricultores [art. 97.", n." 2, alínea d)];as associações públicas [arts. 165.0, n." 2, alínea s), e 267.0, n.os I e 4] (I).O Estado corresponde, aqui e ali, a configuração específica da orga-nização constitucional, a regime, a regime democrático [preâmbulo e arts. 2,",9.0, alínea h), e 235.0, n." I] (2).E pode ser o Estado soberano, sujeito de Direito internacional, tantosob o nome de "Estados [arts. 5.0, n," 3, 8.0, n.O 2, e 14.0) como sob o de"Portugal" (arts. 5.", n.O 2, 7.0, 8.0, n.O 3, 161.", alínea i), 164.", alínea g),e 293.0, n.O I] ou sob o de "República Portuguesa" (designação da Cons-tituição e art. 120.0),Por último, é pessoa colectiva de Direito público interno ou pessoacolectiva pública [arts. 82.0, n." 2, e 199,0, alínea e)] (3).(I) Sobre toda esta matéria (à face do texto de 1976), v. ANTÓNIO DA SILVALEAL, Os grupos sociais e as organizações na Constituição de 1976- A rotura como corporativismo, in Estudos sobre a Constituição, III, págs. 195 e segs., maxime 281e segs,

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(2) Tal como "república" corresponde ainda a instituições republicanas(arts. 11.", n." 1, e 288.0, alínea b)].(3) Cfr. arts, 50 1,0 e 1304,0 do Código Civil.Parte IlI-Estrutura Constitucional do Estado 47CAPÍTULO IIO ESTADO COMO COMUNIDADE POLÍTICA11. A comunidade política ou povoI -O Estado consiste, primordialmente, numa comunidade depessoas, de homens livres (como, desde a Grécia, se pretende) (I),Constituem-no aqueles homens e aquelas mulherees que o seu Direitoreveste da qualidade de cidadãos ou súbditos e que permanecem uni-dos na obediência às mesmas leis,A tal comunidade, à comunidade política, vários nomes têm sidodados ao longo dos tempos -em português gente (2), república (3),grei (4), povo (5), nação, Preferimos falar em povo como termojurídico bem adequado ao conceito, trabalhado pela doutrina e comlargo reflexo no direito positivo,Não ignoramos que não é unívoca a utilização do termo Povotem servido também para designar uma parte apenas da comuni-dade (6): assim, em Roma, onde se dizia Senatus Populusque Roma-nus " assim, o povo como terceira ordem do reino em Portugal ou opovo como agregado das classes trabalhadoras ou das classes popu-lares nos últimos duzentos anos; assim ainda, como lembraremos,(I) Cfr., portodos, JELLINEK, op. cit.. págs. 305-306; M. HAURIOU, opo cito,pág. 87; G. BURDEAU, op. cit., V. págs. 38-39; C. MORTATI. opo cit., I, págs. 124-125;HELMUT KUHN, opo cit.. págs. 145-146.(2) CAMÕES, Os Lusíadas, "Lusitana Gente" (I, 30) ou "Gente Portuguesa"(I. 90).(3) RODRIGUES Lo"o. Corte na Aldeia. edição da Livraria Sá da Costa, Lis-boa. 1945, pág. 274.(4) V. FRANCISCO JOSÉ VELOZO, Estrutura do Estado, in Scientia Iuridica,1981. págs. 177 e segs.(5) Etimologicamente remontado, segundo parece, ao sanscrito purúh (FRAN-CISCO PUV, Topica Jurídica. Santiago de Compostela, 1984, pâg. 587). Cfr. o inglêspeople que tanto designa povo ou gente como pessoas.(6) V. PAOLO COLLIVA, Papolo. in Dizzionario di Politica. obra colectiva,Turim. 1976, págs. 761 e 762.~48 Manual de Direito Constitucionalas acepções ideológicas que se lhe associam. No entanto, mais fortee mais significativa revela-se a tradição ~ não estranha, de resto, àprópria Roma (I) e, sobretudo, ligada ao pensamento judaico-cris-tão (2) (3) ~ do povo como conjunto de todas as pessoas.É este sentido que, passando pela noção medieval de comunidadepoliticamente ordenada e diferenciada (4) e pela ideia de origempopular do poder dos governantes, se afirma na Revolução ameri-cana (5) e na francesa, desemboca nos sistemas democráticos con-temporâneos e é adoptado pela Constituição de 1976 (6).(I) CíCERO (De Re Publica, I, 25): "Populus est non omnis hominis coetusquoque modo congregatus, sed coetus multitudinis juris consensu et utilitatis comu-nione sociatus>,. Cfr. LEO PEPPE, Popolo (diritto romano). in Enciclopedia deiDiritto, XXXIV, 1985, págs. 315 e segs.(2) Cfr. OEORGE BOAS, Vox Populi -Essays in the History of an Idea. Bal-

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timore, 1969 (estudo predominantemente cultural).(3) A teologia católica refere-se ao povo de Deus ou ao povo cristão para des-crever a comunidade dos fiéis. V.. por exemplo. ANSCAR VONIER, O pOVO de Deus,trad., Lisboa, 1960. pág. 16: Igreja, Povo de Deus e Reino de Deus designam amesma realidade observada de três angulos diferentes. Cfr. JACQUES MARITAIN, LePaysan de Ia Garonne. trad. portuguesa O Camponês do Garona. Lisboa, 1967,págs. 229 e segs.; ou M. ISIDRO ALVES, POVO de Deus. Corpo de Cristo. in Communio-Revista Internacional Católica (ed. portuguesa), 1987, págs. 389 e segs.(4) Cfr. MARTIM DE ALBUQUERQUE, Política, Moral e Direito na construção doconceito de Estado em Portugal. in Estudos de Cultura Portuguesa. Lisboa, 1983,págs. 146-147.(5) We. the people. ..-diz-se na abertura da Constituição dos Estados Uni-dos, como se sabe.(6) Sobre o povo em geral, v., entre tantos, JELLINEK, Op. cit., págs. 304 e segs.;JosÉ TAVARES, Op. cit.. pág. 92; HELLER, op. cit., págs. 185 e segs.; KELSEN, TeoriaGeneral..., cit., págs. 196 e segs.; SERGIO PANUNZIO, Popolo. Nazione. Stato. Florença,1933; OERHARDT LEIBHOLZ, Pueblo. Nación y Estado en el Siglo XX. in ConceptosFundamentales de Ia Politica y de Teoria de Ia Constitución. trad., Madrid, 1964,págs. 205 e segs.; OIUSEPPE CHIARELLI, Popolo. cit., loc. cit.; O. BURDEAU, Traité cit., V, 1970, pâgs. 38 e segs., VI, 1971, pâgs. 12 e segs., VII, 1973, pâgs. 4 e segs.;JORGE MIRANDA, POVO, in Verbo. XV, pâgs. 901 e segs., Súbdito. ibidem. XVII,pâgs. 718 e 719, e Sobre a noção de povo em Direito Constitucional. in Estudos deDireito Público em Honra do Professor Marcello Caetano. Lisboa, 1973, págs. 205e segs.; OIOVANNI SARTORI, Théorie de Ia Démocratie. trad., Paris, 1973, págs. 15e segs., e Democrazia Cosa e, Milão, 1993, pâgs. 20 e segs.; ZIPPELLIUS, Op. cit..pâgs. 45 e segs.; C. MORTATI, Op. cit., I, págs. 122 e segs.; MARCELLO CAETANO, Op.cit.. 1, págs. 158 e segs.; MARQUES OUEDES, Teoria Geral do Estado. cit., págs. 27Parte III -Estrutura Constitucional do Estado 49II -Escreve ROUSSEAU, no final do capítulo VI do livro I doContrat Social: "Os associados, os membros do Estado tomam colec-tivamente o nome de povo e chamam-se, em particular, cidadãosenquanto participantes na autoridade soberana e súbditos enquantosujeitos às leis do Estado" (I) (2). O conceito de povo compreende,na verdade, duas faces ou dois sentidos: um sentido subjectivo e umsentido objectivo (3) ou, se se quiser, activo e passivo. O povo vema ser, simultaneamente, sujeito e objecto do poder, princípio activo eprincípio passivo na dinâmica estatal.Enquanto comunidade política, o povo aparece como sujeitodo poder, pois que o poder é o poder do Estado. Como conjuntode homens livres, ele engloba pessoas dotadas de direitos subjec-tivos umas diante de outras e perante o Estado. Assim sucedeem qualquer regime ou sistema político em concreto, embora a

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natureza ou a estrutura dos direitos e os graus de participaçãoactiva na formação da vontade do Estado se apresentem com lar-gas variações.Enquanto comunidade política ainda, o povo e cada um dosindivíduos que o integram apresentam-se como destinatários de nor-mas jurídicas e objecto de Direito, se bem que um Direito próprio,e segs.; ROBERro RUMBOLI, Problemi interpretativi dei Ia nozione giuridica di popolo.in Rivista Trimestrale di Diritto Pubblico, 1984, págs. 159 e segs.; DAMIANO NOClLA,PapoIo (diritto costituzionale), in Enciclopedia deI Diritto, XXXIV, págs. 341 e segs.;JESUS DE PRIETO DE PEDRO, Cultura, Culturas y Constitución, Madrid, 1993, págs. 106e segs.; JáNATAS MACHADO, Povo, in Dicionário Jurídico da Administração Pública,VI, 1994, págs. 419 e segs.(1) Nas Oeuvres Completes, cit., II, pág. 523.(2) Uma idêntica distinção aparece também, a propósito da democracia, emMONTESQUIEU (De l'Ésprit des lois, livro II, cap. 2, in Oeuvres Completes, Paris, 1970,pág. 532).E vale ainda a pena lembrar KANT (A Paz Perpétua, cit., pág. 75):"0 estado civil, considerado simplesmente como situação jurídica,funda-se nos seguintes"princípios a priori: I) a liberdade de cada membro daI comunidade como homem; 2) a igualdade deste com os outros como súbdito;I 3) a independência de cada membro de uma comunidade como cidadão."(3) JELLINEK, op. cit.. pág. 304.4- Manual de Direito Constitucional. III~.L8r,c.-""'--50 Manual de Direito Constitucionalnão um Direito estranho. E, exactamente porque homens livres,podem os indivíduos deixar de cumprir essas regras e, no limite,recusar o seu assentimento ao governo (I).12. Povo e EstadoI -Não há povo sem organização política, repetimos. É amesma a origem do povo e da organização -pois o povo não podeconceber-se senão como realidade jurídica, tal como a organização nãopode deixar de ser a organização de certos homens, os cidadãos ousúbditos do Estado.O povo só existe através do Estado, é sempre o povo do Estadoem concreto, dependente da organização específica do Estado (e a elatambém subjacente). O povo, que nasce com o Estado, não sub-siste senão em face da organização e do poder do Estado, de talsorte que a eliminação de uma ou de outro acan-etaria automaticamenteo desaparecimento do povo como tal (2).II -Qualifica-se o povo como o substrato humano do Estadopara significar:a) Que a razão de ser do Estado, aquilo que o modela emconcreto, é o seu povo;b) Que o Estado resulta de obra da colectividade que se há-detornar o povo (ou de quem age ao serviço dessa colectividade);c) Que o poder político se define, antes de mais, como poderem relação a um povo, e só depois como poder diante doutros pode-res de idêntica ou diferente natureza;d) Que o poder emerge (historicamente) sempre do povo-mesmo quanto seja atribuído a um único homem, tem de ser sem-pre alguém pertencente à comunidade política, nunca um estrangeiro(daí, a proibição em Portugal, pelo menos após a Restauração, de reis

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estrangeiros) -e tem de assentar numa convicção de legitimidade;(I) Nisto consiste a referida soberania de sujeição de que fala HAURIOU,(2) Cfr., entre tantos, DINO PASINI, op. cit" pág, 33, ou HELMUT KUHN, op, cit"págs, 145-146,\' "\Parte 111- Estru.tura ConstituciQnal dQ EstadQ 51C) Que O poder político exerce-se sempre, directa ou indirec-tamente, por referência ao povo (em nome do povo, nos sistemasdemocráticos) e conformado pelo modo de ser, de agir e de obede-cer do povo e das pessoas que o compõem;1) Que o território do Estado corresponde à área de fixação dopovo (ou da colectividade donde provém) por direito próprio;g) Que, nas ocorrências extraordinárias de Estado com territórioocupado, temporariamente privado de governo ou com a soberania sus-pensa, pode pretender-se (quando elas não se prolonguem para lá decertos limites) subsistir o Estado por permanecer o povo.III -A relação necessária entre povo e Estado não é infirmada-ou posta em causa em favor de um conceito mais amplo (I) -porcertos acontecimentos contemporâneos, designadamente os que se pren-dem com a proclamação do princípio da autodeterminação dos povos.Em rigor, não há povo anteriormente à efectivação deste prin-cípio; não há povo, enquanto um grupo, por mais vocacionado paraa independência ou a autonomia que esteja, não disponha de pos-sibilidades e de meios para realizar um destino político próprio. E,ainda que se insista em falar então em povo (para efeitos jurídico-inter-nacionais, sobretudo), convém reconhecer que tal somente se justificaem correlação com o conceito de Estado: porque a autodeterminaçãode qualquer povo, no fundo, equivale à sua passagem a povo de umEstado com que se reconheça identificado (seja povo de um Estadocoincidente com ele, seja povo integrado com outro, formando umaparcela do povo de um Estado preexistente) (2).13. O Estado, o povo e a colectividade pré-estadualI -Qualquer Estado surge como realidade necessária e envol-vente, como ambiente em que cada cidadão ou súbdito tem de se(1) Assim, CHIARELLI, QP. cit., iQc. cit., págs. 289 e 290.(2) Cfr. ELOY RUILOBA SANTANA, Una nueva categQria en ei panQrama de iasubjetividad internacional: ei concepto de puebiQ, in EstudiQS de Derecho Interna-cionai- Homenaje ei Profesor Miaja de ia Mueia, obra colectiva, I, Madrid, 1979,págs. 303 e segs., maxime 322 e segs.52 Manual de Direito Constitucionalinserir. Mas localiza-se também na história, resulta de actos de von-tade, sofre o influxo de factores muito variados, nasce e evolui,requer capacidade de adaptação aos tempos e às circunstâncias.Deste modo, cabe distinguir: o Estado e a formação do Estado,o povo como colectividade estadual e a colectividade que historica-mente precede o Estado, o Direito constitucional do Estado e as nor-mas que regem esta colectividade, as condições sociais e económi-cas subjacentes à organização política e as que provocam o seuaparecimento em certo momento.Entre a colectividade pré-estadual e o povo ou colectividadeestadual a diferença não é tanto de índole cronológica ou sociológica-fases na sua existência ou transformação de estruturas sociais,económicas e culturais -quanto de índole jurídica -adstrição a umDireito, a uma organização que não procede do exterior e que setorna a fonte objectiva da sua unidade.Interessa, portanto, observar, se bem que em termos esquemáti-cos, a situação (ou o modelo de situação) correspondente à colecti-vidade pré-estadual, ou seja, àquele grupo humano que, em virtudeda instituição do poder político, se vem a transformar em povo (I).

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II -Como se apresenta tal grupo? Os laços que o unem podemser de diversa natureza: étnicos e geográficos, linguísticos e culturais,religiosos e meramente políticos. No tipo europeu de Estado (em queentroncam quase todos os Estados contemporâneos), tendem a mos-trar um carácter simultaneamente mais profundo, duradouro e com-plexo por tomarem por base a existência de uma nação.Quando uma colectividade bem diferenciada de outras e hámuito estabelecida num território começa a tomar consciência de siprópria, a sua natural aspiração está em que a considerem como umpovo. Todavia, o elemento objectivo da transformabilidade em povoe até o elemento subjectivo da coesão da colectividade não bastam(1) Nem sociológica nem jurídicamente, o Estado cria o seu povo, assimcomo não cria o seu poder. Estado, povo e poder são noções que se entrecruzamou condicionam umas às outras, três realidades formadas no mesmo instante emfunção do facto constitutivo do Estado.Parte 111- Estrutura Constitucional do Estado ~ 53para que se constitua em Estado; tem ainda de se verificar a pre-sença de certos elementos jurídicos e políticos adequados a essefim (I).Quer dizer: pressuposto da criação do Estado é tanto a identidadede que o grupo se julga portador como o condicionalismo político inte-rior e exterior, que propicia (ou não) a energia motriz de um Direitoe de um poder independente ou soberano. E sabe-se que tão pre-mentes são as conveniências políticas que, não raro, têm levado a reu-nir a um núcleo nacional dominante populações semelhantes.III -O estatuto jurídico-político da comunidade pré-estadualdesenvolve-se à volta de uma de duas hipóteses principais: ou ogrupo não dispõe de nenhuma organização administrativa e políticaparticular antes da criação do Estado; ou já existem instituições admi-nistrativas e políticas correspondentes ao grupo, através das quaispode vir a ser canalizada a sua evolução. -Como quer que seja, haja ou não entidades ou pessoas reconhe-cidas como representativas da colectividade, as suas atribuições ecompetências provêm sempre de um sistema de normas que não sãopróprias da colectividade. Por definição, uma colectividade não esta-dual vive a sombra das normas de Direito interno de um Estado ou,em alguma medida ainda, de normas de Direito internacional; emesmo que goze de auto-administração ou autogoverno, uma e outroderivam dessas normas e podem por elas ser retirados.São as leis do Estado de que a colectividade depende ou a quese acha anexada que regulam as relações de Direito privado, ou, nãoo fazendo directamente, que autorizam os órgãos internos da colec-tividade a proceder a essa regulamentação; são elas que prevêem oscrimes e as penas, os impostos e os demais encargos cívicos e quese ocupam dos tribunais, da administração e da segurança pública; eé a Constituição do Estado que abre ou não à colectividade a pos-sibilidade de afirmar a sua expectativa de ter um destino políticopróprio.Por isso, só retrospectivamente se justifica falar em povo originário do54 Manual de Direito ConstitucionalNo actual século, tem-se registado uma crescente interferência doDireito internacional na ordem interna dos Estados onde se encontremou de que dependam grupos susceptíveis de se converterem em Esta-dos, quer para assegurar a sua subsistência fisica e cultural e a pro-tecção dos direitos fundamentais quer para os encaminhar para aseparação ou a independência. E tem-se chegado mesmo a atribuirem certos casos, após a segunda guerra mundial, a essas

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colectividadesou aos movimentos ou organizações que agem em seu nome (os"movimentos de libertação"), a qualidade de sujeitos de Direito inter-nacional, embora com capacidade restrita à defesa da sua identidadeou ao exercício do direito à autodeterminação (I).IV -O reconhecer-se, numa perspectiva realista, que o Estadose pode encontrar na continuação de uma colectividade preexistentee até que a sua criação se pode atribuir à obra de indivíduos queagem em nome dela suscita, por vezes, alguns equívocos a desfazerou a evitar.Constituído o Estado, nem por isso, necessariamente, se extin-gue aquela colectividade; desde que permaneça a base que a supor-tava -geográfica, cultural, económica ou outra -decerto a colec-tividade também perdura. Simplesmente, mantém-se nessa base,com as características que tinha, e não como colectividade jurídica epolítica, porque o jurídico e o político são qualidades que lhe esca-pam por apenas pertencerem ao Estado ou ao povo.Os homens e as instituições que fazem parte do grupo que, por-(I) Sobre o assunto, v., por exemplo, CALOGEROPOULOS-STRATIS, Le droit despeuples à disposer d'eux-mêmes, Bruxelas, 1973; A. RICO SUREDA, The Evolution ofthe Right of Self-Determination. A study of United Nations Practice, Leida, 1973;JosÉ OBIETA CHALBAUD, EI derecho de autodeterminaci6n de los pueblos, Bilbau,1980; GIANCARLO GUARINO, Autodeterminazione dei Popoli e Diritto lnternazionale,Nápoles, 1984; DAVID P. KNIGHT, Territory and People or People and Territory?Thoughts on Postcolonial Selfdetermination. in lnternational Political Science Review,1985, págs. 248 e segs.; ALEXANDRE KISS, The people s'right to self-determination,in Human Rights Law Journal, 1986, págs. 165 e segs.; FLAVIA LATTANZI, Autodeter-minazione dei popoli, in Digesta delle Discipline Pubblicistiche, 4." ed., II, 1987,págs. 4 e segs. E, entre nós, AFONSO QUEIRÓ, Ultramar: direito a independência? .Coimbra, 1974, ou FAUsro DE QUADROS, Autodeterminação, in Polis, I, pâgs. 478 e segs.Parte lI/-Estrutura Constitucional do Estado 55ventura, esteve na origem do Estado não podem alcançar uma dimen-são jurídica e política a não ser na medida em que participam doEstado, na medida em que vivem integrados nele. Nem outra seafigura a finalidade da organização estatal: dar realização política àsaspirações de determinado grupo humano, dar-Ihe a virtual idade delivremente definir e prosseguir o interesse colectivo (I).Nenhum lugar aqui existe para qualquer espécie de dualismo.Comunidade política é apenas o povo, não esse grupo, mesmo que setrate duma nação. Direito é apenas o do Estado; poder é apenas oque se exerce no Estado (o eventual poder de a colectividade seconstituir em Estado logicamente é estranho ao Estado, mas o poderde fazer e modificar a Constituição e de governar só se compreendeà luz do Direito do Estado). Nenhuma tensão ou interacção podeocorrer fora do âmbito do Estado -dos seus cidadãos ou dos seusórgãos.Se a nação condiciona indiscutivelmente o Estado, em contra-partida não age senão através do Estado (e o que se diz da nação, valepara qualquer outro tipo de colectividade); não é sujeito de direitos,não pode formar qualquer vontade específica.

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14. A uriidade do povo e as distinções políticas entre os cida-dãosI -O povo é a comunidade dos cidadãos ou súbditos, a uni-versitas civium. E porque o poder sobre todos recai e alei a todosse dirige, bem pode aduzir-se que a regra fundamental que lhe pre-side vem a ser da unidade, a qual postula, logicamente, universalidadee igualdade de direitos e deveres.Mas, historicamente, a unidade do povo não determina, só porsi, pelo menos, igualdade de participação no exercício do poder polí-tico -tal como a igualdade dentro do Estado não acarreta, só por(1) Porque assim é, porque a humanidade se divide em Estados, é que a con-servação ou transfolmação em Estado, a independência política ou a soberania inter-nacional continuam a ser uma necessidade das colectividades que querem ser senho-ras do seu destino.56 Manual de Direito Constitucionalsi, a abolição das diferenciações e estratificações que se verifiquemdentro da sociedade (I) e com as quais o poder vai ou não contem-porizar. Uma análise jurídica não o poderia obliterar.Como escreve BURDEAU, para o indivíduo a sujeição é sempreconcreta, mas a sua cidadania pode ser abstracta ou efectiva; a essaefectividade comporta toda uma gama de cambiantes, em que seescalonam todas as formas políticas. Cidadão abstracto é o que ésomente cidadão de um Estado livre; cidadão real aquele cuja von-tade pessoal, cujas determinações particulares, cujas originalidadesincomensuráveis têm a possibilidade de pesar nas opções que vale-rão como decisões do Estado (2).li -A unidade básica dos cidadãos ou súbditos vem a par dadistinção entre governantes e governados, inelutável em qualquerEstado (seja qual for o fundo económico e social que tenha e a tra-dução jurídica que alcance, embora sem ser a sua nota mais carac-terística, ao contrário do que sustenta DUGUIT).Tal como existe (e deve salientar-se) a organização do poder emface da comunidade, assim devem salientar-se a autonomizar-se oshomens que a concretizam, que ocupam os cargos públicos, que detêmo aparelho institucional do Estado, no confronto dos restantes homens.São eles os governantes latissimo sensu (3), em contraposição aosgovemados -e eles agem quotidianamente como sendo o Estado a agire, por isso, tendem a identificar-se com o poder político.Por certo, não são simples as relações entre governantes e gover-nados e a configuração que patenteiem pode servir para classificar osdiferentes sistemas e regimes. Mas nenhum sistema político, pormais democrático que seja, suprime a distinção; só a pode mitigar oureordenar mais em coerência com os princípios.J;;(1) Cfr, HELMUT KUHN, opo cit" pâgso 154 e segso .(2) Op. cito. v, pâg, 43, Como se vê, a contraposição que faz entre cidadãoabstracto e cidadão real situa-se num plano histórico, diferente do de ROUSSEAU: nãosão jâ duas faces da mesma pessoa, mas duas etapas de uma evolução,(3) Abrangendo não apenas os titulares dos órgãos govemativos como taisdescritos na Constituição, mas também os titulares de quais quer órgãos com rele-vância política e até os agentes políticos,Parte I// -Estrutura Constitucional do Estado 57Não é uma contraposição específica da autocracia. Aparece na~ democracia representativa. E recorta-se ainda na democracia directamais pura, não só porque não deixa então de haver menores e inca-pazes privados de direitos políticos como também porque cada cida-

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dão se apresenta ai uma vezes, sim, a legislar e a deliberar nos negÓ-cios do Estado e, outras vezes (fora da assembleia popular, isto é, emquase toda a sua vida), a viver sob o comando das leis como emqualquer outro sistema; aí então, govemantes são os indivíduosenquanto cidadãos e governados os indivíduos enquanto súbditos.O que importa sublinhar é que a separação entre governantes egovernados deve ser compreendida não como uma abissal separa-ção de pessoas, mas como uma necessária separação de funções.Não se trata de qualidades inatas às pessoas, trata-se de funções vol-tadas para a prossecução dos fins do Estado. Só há governantes emrazão das normas jurídicas.Os governantes fazem tanto parte do povo como os governa-dos. Têm de ser cidadãos do país, têm de vir do povo -seja qualfor a sua condição social e sejam quais forem as formas de desig-nação. Se pode dizer-se que encarnam o Estado-poder, já não podepretender-se que só os governados formem o Estado-comunidade.Cidadãos como eles, recrutados entre eles, os governantes não podemdeixar de viver e conviver com os governados e de se integrar tam-bém no Estado-comunidade.A condição jurídica dos governantes é dupla. Como governan-.tes têm um estatuto ditado pela Constituição. Como cidadãos sãoiguais aos outros cidadãos, e em tudo aquilo que não disser respeitoao exercício dos seus cargos, em tudo aquilo que não for actividadefuncional, mas apenas pessoal, estão sujeitos às normas comuns deDireito criminal e Direito privado, de Direito administrativo e Direitotributário. Ponto está, por consequência, em discernir e em evitar queeventuais imunidades e regalias funcionais se convertam em garan-tias e privilégios pessoais.III -O que se diz da distinção entre govern!;lntes e governadosvale analogamente para outra distinção, esta específica dos sistemaspolítico-constitucionais em que os cidadãos têm direitos políticos: adistinção entre cidadãos activos e não activos.:I58 Manual de Direito ConstitucionalCidadãos activos (na expressão vinda desde o constituciona-lismo) (I) OU optimojure (retomando a expressão latina) ou ainda cida-dãos eleitores (devido à relevância central da eleição) (2) vêm a seros titulares de direitos políticos, de jus suffragii e jus honorum,. os queatingem a plenitude dos direitos atribuídos pela ordem jurídica esta-dual no seu grau máximo -o status activae civitatis (3); os quetomam parte na direcção dos assuntos públicos do país (art. 21.0 daDeclaração Universal dos Direitos do Homem e art. 48.0 da Consti-tuição de 1976), no estabelecimento e no exercício do poder público(art. 60.0 do antigo Código Penal português).Cidadãos não activos vêm a ser os que, por qualquer causa, nãopossuem capacidade de participação política.No Estado moderno, todas as pessoas que à comunidade políticaestejam ligadas de modo duradouro e efectivo são cidadãos e todosos cidadãos, enquanto tais, têm direitos perante o Estado (4); mas ainterferência, actual e não puramente virtual, de cada cidadão nopoder depende da verificação de certas condições, em consonânciacom os princípios enformadores do sistema constitucional. São cida-dãos todas as pessoas desde o nascimento até à morte; contudo, nemtodos são titulares de direitos políticos.Como se sabe, as Constituições liberais estabeleciam largoscondicionalismos, principalmente de natureza económica, à atribui-ção de direitos políticos; e, embora previsível o resultado (5) (6)(1) v. a secção II do capitulo I do titulo III da Constituição

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francesa de 1791ou o art. 63.0 da nossa Carta Constitucional.(2) Porque, como diz MONTESQUIEU (op. cit., pág. 532), o povo só pode sermonarca através dos sufrágios que são as suas vontades, as leis que os regulam sãotão importantes em democracia como em monarquia saber quem é o monarca e deque maneira deve governar.(3) Na linha ascendente de situações juridicas enunciada por JELLINEK (Systemder subjectiven iiffentlichen Rechts, 1892, trad. italiana Sistema dei diritti pubblicisubietivi, Milão, 1912, págs. 96 e segs.).(4) Os direitos politicos são direitos de cidadania, e não privilégios: SIEVEs,Qu' est-ce que le tiers-état? (na edição critica de Roberto Zapperi, Genebra, 1970,pág. 210).(5) Inclusive tendo em conta a paralela instauração do serviço militar obrigatório:cfr. O'íro HINTZE, Stato e Esercito, trad. italiana, Palermo, 1991, págs. 42 e segs.(6) Para ALEXIS DE TOCQUEVILLE (De Ia Démocratie en Amérique, Paris, I.a parte,1835, na edição de 1951, pág. 90) trata-se de uma das regras mais invariáveisParte 111- Estrutura Constitucional do Estado 59decorreria mais de um século até se passar do sufrágio censitário edo capacitário ao sufrágio universal (I). Entre nós, por exemplo,seria uma longa marcha r) até à lei eleitoral para a AssembleiaConstituinte de 1975-1976 (aprovada pelo Decreto-Lei n.O 621-A/74,de 15 de Novembro) que conferiu direito de voto aos cidadãosmaiores de 18 anos, independentemente do sexo, do rendimento ede saberem ler e escrever.IV -O sentido do sufrágio universal não é que todos, incluindoas crianças e os dementes, tenham direito de voto; é que haja cor-respondência entre capacidade civil e capacidade eleitoral, que tenhamdireito de voto e, assim, interfiram na regência da comunidade todosaqueles que podem reger as suas próprias pessoas (3).No vigente Direito constitucional português, do sufrágio apenas nãousufruem os que estejam feridos das incapacidades cominadas na leigeral (art. 49.0, n.O 1) e a exigência de "lei geral" significa mais do quea proibição de lei individual, visto que esta depreende-se logo do prin-cípio segundo o qual as leis restritivas de direitos, liberdades e garan-tias têm de revestir carácter geral e abstracto (art. 18.0, n.O 3, 1.3 parte).Esta exigência significa, sim, que não pode haver incapacidades elei-que regem as sociedades: à medida que se recua o limite dos direitos eleitorais,sente-se necessidade de recuar mais; porque depois de cada nova concessão, as for-ças da democracia aumentam e as suas exigências crescem com o seu novo poder.(I) Sobre a evolução das atitudes políticas acerca do sufrâgio, cfr., entreoutros, RENÉ REMOND, Pour une histoire idéologique du suffrage universel. D'uneutopie contestée au consensus relativisé, in Itinéraires -Études en [' honneur de LéoHamon, obra colectiva, Paris, 1982, pâgs. 563 e segs.(2) v. art. 33.0 da Constituição de 1822, arts. 64.0 e segs. da

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Carta, arts. 72.0e 73.0 da Constituição de 1838, art. 5.0 do Acto Adicional de 1852, a numerosíssimalegislação publicada na vigência das Constituições de 1911 e 1933 (cujos arts. 8.0e 85.0, respectivamente, remetiam a matéria para alei) e o Decreto n.O 3997, de 30de Março de 1918. Sobre a última lei de capacidade eleitoral anterior a 1974, aLein.O 2137, de 26 de Dezembro de 1968, v. o nosso estudo A igualdade de sufrágiopolítico da mulher, in Scientia luridica, 1970.(3) No Direito português, ocorreu algo de pouco frequente em direito com-parado: primeiro (em 1974), baixou-se para 18 anos a maioridade política e sódepois 'i\ maioridade civil (pela reforma do Código Civil operada pelo Decreto-Lein.u 496/77, de 25 de Novembro).ri,.,}!f 60 Manual de Direito Constitucionaltorais que atinjam a universalidade e a igualdade defrnidas como ine-rentes ao sufrágio (mesmo art. 49.0, n.O I), pois, doutro modo, seria dimi-nuido o conteúdo essencial do direito (art. 18.0, n.O 3, 2.u parte).Assim, é nos parâmetros do Estado de Direito democrático queas incapacidades da lei geral relativas ao sufrágio universal podem seravaliadas. Somente critérios materiais que nesses parâmetros secompreendam podem justificar a não concessão do status activaecivitatis, sem arbítrios e sem discriminações de categorias de pessoaspor motivos políticos ou outros (I).Resta o problema, fundamentalmente teórico, de saber como seenlaça o agregado dos cidadãos eleitores, o povo activo, com a tota-l lidade dos cidadãos, o povo em geral, e de definir as relações entrej uns e outros. Mas esse é problema que releva mais para a teoria dos: órgãos do Estado, e que não cabe aqui examinar r).v -Na democracia representativa do século xx, avulta extraor-dinariamente, como se sabe, o papel dos partidos políticos como veí-culos de mobilização dos cidadãos e de simplificação das escolhaseleitorais e dotados, não raro, por normas constitucionais ou legais,de certos direitos e até de certos privilégios. E porque só os seusmembros interferem na tomada das respectivas decisões -mor-mente, na designação dos candidatos aos órgãos políticos -acaba porocorrer também uma diferenciação entre militantes e não militantes.Trata-se, aparentemente, apenas de diversos graus de intensi-dade de participação política e esta não se esgota, de resto, nos par-tidos. Todavia, não poucos problemas se suscitam -e, desde logo,no próprio plano da autenticidade do sistema -quando os directó-rios partidários comandam, de fora, a vida parlamentar ou quando, porsi ou por intermédio dos militantes, penetram em todas as entidadespúblicas e em múltiplos esferas da sociedade civil (3).(I) Seguimos nestes dois parágrafos o parecer n." 29/78, de 7 de Dezembrode 1978, da Comissão Constitucional, in Pareceres. VII, pág. 54.(2) V. uma referência em A Constituição de 1976 -Formação. estrutura.princípios fundamentais. Lisboa, 1978, págs. 365 e segs.(3) Para uma introdução, v. a nossa Ciência Política -Formas de governo.

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Lisboa. 1996, págs. 294 e segs.~-Parte ll[-Estrutura Constitucional do Estado 6115. Conceitos afins do conceito de povoI -Do conceito de povo distingue-se claramente o de popu-lação.O povo corresponde a um conceito jurídico e político, a popu-lação a um conceito demográfico e económico. O primeiro é umaunidade de ordem, a segunda a simples soma de uma multiplicidadede homens atomisticamente considerados (I). A população é o con-junto de residentes em certo território, sejam cidadãos ou estrangei-ros; o povo é o conjunto de cidadãos, residentes ou não no territó-rio do Estado (como resulta do art. 14.0 da Constituição de 1976 eexpressamente dizia o art. 3.0 da Constituição de 1933).Por sinal, o conceito de população está contido (no plural), porreferência a autarquias e comunidades locais, em mais de um preceitoconstitucional actual [arts. 65.0, n.O 2, alínea d), 263.0 e 275.0, n.O 6].II -Maior dificuldade há em separar povo e nação (2) (3).(I) VAscoTABORDA FERREIRA, A nacionalidade, Lisboa, 1950, págs. 26-27.(2) Do latim natio, da família de nascere (donde, a referência da nação acomunidade de origem).(3) Sobre a nação a bibliografia é imensa. Além da citada no tomo I, v.,entre obras recentes, L'ldée de Nation. obra colectiva publicada pelo Instituto Inter-nacional de Filosofia Política, Paris, 1969; STANISLAW EHRLICH, State and Nation, inTheory and Politics -Theorie und Politics -Festschrift zum 70. Geburstag fiirCarl Joachim Friedrich, Haia, 1971, págs. 486 e segs.; MARTIM DE ALBUQUERQUE,A consciência nacional portuguesa, Lisboa, 1974, págs. 49 e segs.; FRANCESCO Ros-SOLILLO, Nazione, in Dizionario di Politica, págs. 639 e segs.; VEZIO CRISAFULLI eDAMIANO NOCILLA, Nazione, in Enciclopedia deI Diritto, XXVII, 1977, págs. 787e segs.; HUGH SETON-WATSON, Nations and States -An inquiny into the originsof nations and the politics of nationalism, Londres, 1977; JACQUES CHEVALLIER,L'État-Nation, in Revue du droit public, 1980, págs. 1271 e segs.; M. GARCIAPELAYO, La Teoria de Ia Nación en 0110 Bauer, in ldea de Ia Politica y otrosEnsayos, Madrid, 1983, págs. 219 e segs.; FRANCO GOIO, Teoria deI Ia Nazione, inQuaderni di Scienza Politica, 1994, págs. 181 e segs.; ADRIANO MORElRA, Nação, inPolis, IV, págs. 493 e segs.; PIERRE FOUGEYROLLAS, La Nation -Essor et déclin dessociétés modernes, Paris, 1987; JosÉ FERNANDES FAFE, Nação -Fim ou Metamorfose,Lisboa, 1990; JosÉ ADELINO MALTEZ, op. cit., I, págs. 281 e segs.; ERNST GELLNER,Nações e nacionalismos, trad., Lisboa, 1993, maxime págs. 85 e segs.; CATHERINECOQUERY- VIDROUVITCH, The expectation of the European idea of Nation to Africa,62 Manual de Direito ConstitucionalO moderno Estado de tipo europeu emergiu na história comoEstado nacional (foi a nação que lhe conferiu unidade e coesão); apósséculos de absolutismo, a Revolução Francesa adoptou o termo "nação"

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para designar o povo; finalmente, a própria existência do ordena-mento estatal e o convívio durante gerações na sujeição ao mesmopoder representam fortes veículos de criação de novos laços sociais eculturais, e não apenas políticos. Se na Europa a ideia de Estado eo sentimento de nação despontaram quase ao mesmo tempo, noutroscontinentes, nos séculos XIX e XX, o Estado tem vindo a preceder anação e a servir de fulcro para a sua formação (até para que, com anação formada, melhor fique assegurada a sua sobrevivência).O específico da nação encontra-se no domínio do espírito, da cul-tura, da subjectividade (embora de uma subjectividade inter oumulti-individual). Ela é uma alma, um princípio espiritual, na conhe-cidíssima definição de RENAN (I); ou, como já dissemos, uma comu-nidade histórica de cultura. Mas não se trata do cultural desligadodo político, trata-se do cultural que assume dimensão política. Umanação não é qualquer grupo cultural, é uma comunidade culturalcom vocação ou aspiração a comunidade política.Uma nação funda-se, portanto, numa história comum, em atitu-des e estilos de vida, em maneiras de estar na natureza e no mundo,em instituições comuns, numa ideia de futuro (ou desígnio) a cum-prir. Diferencia-se das demais pelos factores característicos que afazem tomar consciência de si mesma e que ficam a marcar o seu des-tino. Estes factores são extremamente variáveis: há nações que apa-recem vinculadas mais a factores linguísticos, outras a factores étni-cos, ou religiosos, ou geográficos ou institucionais (2). De acordo comos factores prevalecentes, diversos se manifestam os sentimentosnacionais.in European Review, vol. 5, Janeiro de 1997, págs. 55 e segs.; ANTHONY D. SMITH,AJdentidade Nacional, trad., Lisboa, 1997; HAOEN SCHULZE, Estado e Nação na His-tÓria da Europa, trad., Lisboa, 1997; Luís SÃ, A crise das fronteiras -Estado,Administração Pública e União Europeia, Lisboa. 1997, págs. 104 e segs.(I) Qu'est-ce qu'une nation?, Paris, 1882.(2) Sobre a influência das instituições políticas na fonnação do carácter nacio-nal, S. EHRLICH, op. cit., loc. cit., págs. 491-492.Parte IIl- Estrutura Constitucional do Estado 63Por outro lado, porém, a consciência nacional revela-se cons-ciência dum povo que se sente ele próprio portador de valores huma-nos universais, dum povo que traz em si e nos seus flancos a própriahumanidade (RADBRucH) (I), "As nações todas são mistérios, cadauma é toda o mundo a sós" (FERNANDO PESSOA) (2).Há, assim, em cada nação, um cruzamento do particular e do uni-versal: a nação é ainda uma participação no universal. E daí tambémas tensões profundas (em certas épocas, pelo menos) entre exclusi-vismo ou emulação e colaboração com as outras nações.III -Entre nação e pátria existe coincidência no essencial.Todavia, podem ainda discemir-se.A nação é um conceito cultural acompanhado de vivências domi-nantes afectivas; a pátria pertence, toda ela, ao domínio da afectivi-dade. Na nação realçam-se sobretudo, o elemento pessoal e a ideiade uma comunidade transtemporal; a pátria tem de ser vista em rela-ção a um território concreto (a pátria é a terra dos pais) (3).16. A relevância jurídico-política do fenómeno nacionalI -Assim como que tinha tido uma importância decisiva na for-mação da maior parte dos Estados europeus, a nação volta a desempenharum significativo papel nos últimos 200 anos. E, sem se confundir como Estado, vem a receber, não raro, projecção em normas jurídicas.Em primeiro lugar, se a nação fora séculos antes um poderosoveículo de apoio à acção centralizadora do Rei, aquando da Revolução

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francesa ela é trazida para a luta política, identificada com o povo ou,segundo SIEYÉS (4) com o "terceiro estado". Num contexto de subs-(I) Filosofia do Direito. 4.. ed. portuguesa, Coimbra, 1961, 11, pág. 166.(2) Mensagem, 1.. parte, II, quarto.(3) Sobre as relações entre pátria e nação, v. JosÉ TAVARES, Ciência do DireitoPolítico, cit., págs. 23 e segs.; M. HAURIOU, op. cit., pág. 82; PASSERIN D'ENTREvES,La Dottrina dello Stato, 2.. ed., Turim, 1967, págs. 241 e segs.; MARTIM DE ALBU-QUERQUE, op. cit., págs. 99 e segs.(4) ,,0 Terceiro Estado abrange tudo o que pertence à nação; e tudo o que nãoé Terceiro Estado não pode tomar-se como sendo da Nação" (op. cit., pág. 126). Cfr.,doutra perspectiva, as observações de HELLER, op. cit., págs. 198 e segs.64 Manual de Direito Constitucionaltituição de legitimidades, a nação ou "a alegoria naciona1" (I) dácoesão e sentido ao conjunto dos cidadãos e habilita-os a reivindicara titularidade da soberania.Em segundo lugar, a época liberal vai assistir ao irromper doprincípio das nacionalidades como tradução, em termos jurídico-polí-ticos, da ideia de nação: cada nação deve (ou deve poder) erigir-seem Estado e cada Estado deve constituir-se na base de uma nação.Ideia racionalista de organização da comunidade internacional, comoa propõe MANCINI (2), ela torna-se a bandeira romântica da unifica-ção da Itália e da Alemanha, da independência (conseguida) da Gré-cia, da Roménia e de outros países balcânicos e da independência (nãoconseguida então) da Polónia e da Irlanda (3).Em terceiro lugar, se os contrastes ideológicos do século xx pare-ceram obnubilar a força da ideia nacional em muitos países, logo queeles foram ultrapassados ou atenuados esta reacendeu-se com vigor eaté tem vindo a provocar o refazer das fronteiras dos Estados, não semconflitos de maiores ou menores proporções: é o que tem sucedido emtoda a Europa Central e Oriental, com os sucessivos desmembra-mentos da União Soviética, da Jugoslávia e da Checoslováquia. E tam-bém na Europa Ocidental essa força não deixa de se manifestar (4).II -É na medida em que o cultural condiciona o político quea nação em si, adquire relevância específica no Estado contemporâ-(I) Na expressão de BURDEAU, op. cit., II, pâgs. 12 e segs. Apresenta asseguintes características da construção doutrinal de povo do século XVIII: I) ignoraa oposição entre indivíduo e grupo; 2) é uma noção global, indiferenciada e unitâ-ria; 3) é estranha a qualquer consideração de número.(2) Na célebre prelecção Delta nazionalità come fondamento deI diritto deltegenti. Thrim, 1851.r) Sobre o principio das nacionalidades, v., entre nós, MANUEL EMIDIO GAR-CIA, Plano desenvolvido de curso de Ciência Política e Direito Político. 3.. ed.,1885, pâgs. 13 e segs.; J. FREDERICO LARANJO, Op. cit.. pâgs. 64 e segs.; ou JosÉ TAVA-RES, Op. cit., pâgs. 33 e segs.; e, recentemente, Luís SÁ. op. cit.. pâgs. 125 e segs.(4) Sobre o assunto, v. o n.os 57-58, de 1991, de Pouvoirs; JOAQUIM AGUIAR.Para além do Estado nacional: da crise política à crise dos conceitos. in AnáliseSocial. n.OS 118-119. 1992, pâgs. 801 e segs.; MANUEL BRAGA DA CRUZ,

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Europeismo.nacionalismo. regionalismo. ibidem, pâgs. 827 e segs.Parte l/l- Estrutura Constitucional do Estado 65neo, quer gerando factos políticos ( I) quer obtendo tradução norma-tiva enquanto tal.Em Constituições do século xx, recentes ou um pouco maisantigas, o fenómeno adquire relevância jurídica sob vários aspectos:a) Através da identificação do Estado por referência à naçãoa que corresponde (ou pretende corresponder) ou por menção dacomunidade política desta indissociável (assim, o preâmbulo da Cons-tituição alemã de Bona, antes e depois da reunificação, ou o art. 1.0em Constituições como a italiana, a francesa, a portuguesa, a espa- Inhola ou a brasileira);b) Através da elevação da nação ou de um desígnio tido comoda nação afundamento, finalidade ou limite do poder político, quandose trate de regimes inspirados no nacionalismo político (como o da ~Constituição portuguesa de 1933 ou o das Leis Fundamentais fran-quistas, maxime no art. 3..0 da Lei Orgânica de 1967, que definia aEspanha como "unidade de destino" );c) Através da garantia e da promoção da língua e do acesso àcultura nacional [assim, os actuais arts. 9.0, alíneaf), e 74.0, n.O 3, alí-nea h), da Constituição portuguesa] ou da preservação das várias 1línguas nacionais (assim, na Suíça, o art. 116.0 da Constituição); e atra- iv és da protecção de outros elementos definidores da identidade danação como a paisagem e o património cultural [art. 9.0 da Consti- !.-.I..9°I')66° °2I'))78° Itulçao lta lana, arts. ., a mea e, ., n. , a meas c e e, e.da Constituição portuguesa; ou art. 46.0 da Constituição espanhola];d) Através do tratamento especial de certas pessoas, em virtudede estarem ligadas à nação correspondente ao Estado (assim, noart. 51.0 da Constituição italiana, a equiparação quanto a empregospúblicos e cargos electivos em favor dos "italianos não pertencentes{1) MAURICE DUVERGEL (Introdução à Política, trad., Lisboa, 1966, págs. 122e segs.) fala na influência da nação sobre os antagonismos políticos como sistemade valor e quadro cultural; a nação teria funções de integração e de encobrimento.Por seu lado, JACQUES CHEVALLIER (op. cit., loc. cit., págs. 1285 e segs.) estuda omodo como a nação contribui para a unidade social através de processos de inclu-são e de exclusão.Cfr., porém, a crítica do princípio das nacionalidades de KARL POPPER (Embusca de um mundo melhor, trad., Lisboa, 1989, págs. 199 e segs.).5- Manual ôe Direito Constitucional. III~66 Manual de Direito Constitucionalà República" ) ou em virtude de fazerem parte de nações ou povoscom laços históricos com a nação correspondente ao Estado (assim,no art. 15.0 da Constituição portuguesa a atribuição aos cidadãos dospaíses de língua portuguesa, em certas condições, de direitos nãoconferidos aos estrangeiros em geral).Inspirada no mesmo espírito é, ainda em Portugal, a dispensa decertos requisitos da naturalização aos que forem havidos como des-cendentes de portugueses e aos membros de comunidades de ascen-dência portuguesa (art. 6.0, n.O 2, da Lei n.O 37/81, de 3 de Outubro).Enfim, acrescente-se, em Direito internacional tem-se dado, emcertas circunstâncias, o reconhecimento como nação e como movi-mento nacional (como sucedeu com a Polónia e a Checoslováquia naprimeira guerra mundial) (I).

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Mas, porque a aplicação do princípio das nacionalidades não éfácil ou sequer possível em todos os casos e porque não é o únicoprincípio ou factor político, há Estados com plural idade de nações eEstados com minorias nacionais ou linguísticas, étnicas e religiosas.E daí problemas de enorme delicadeza quer no tocante à subsistên-cia da unidade de Estado, quer no tocante ao respeito dos princípiosdemocráticos (2), a que nem sempre os respectivos ordenamentostêm sabido ou podido dar solução.111- Em número considerável e de não pouco interesse são as situa-çÕes dos rEstados plurinacionais e, mutatis mutandis, dos Estados plurilin-guísticos (3), dos pluriconfessionais e dos pluricomunitários. Com excep-(I) O fenómeno é semelhante e antecedente do reconhecimento de movi-mentos de libertação.(2) Cfr., por exemplo, JUAN J. LINZ, Plurinazionalismo e democrazia, inRivista Italiana di Scienza Politica, 1995, págs. 21 e segs.(3) Sobre a relevância jurídica das línguas, v. Guy HÉRAUD, Pour un droit lin-guistique comparé, in Revue internationale de droit comparé, 1971, págs. 309 esegs.; MANUEL ARAGáN REYES, EI tratamiento constitucional dei multilinguismo,in Federalismo y Regionalismo, obra colectiva, Madrid, 1979, págs. 407 e segs.;ANTON MILIAN MASSANO, La regulación constitucional dei multilinguismo, in RevistaEspafiola de Derecho Constitucional, 1984, págs. 123 e segs.; ALESSANDRO PIZZO-RUSSO, L'uso della lingua come oggetto di discplina giuridica, in Le Regioni, 1990,págs. 7 e segs., e Minorauze e maggiorauze, Turim, 1993, págs. 185 e segs. Noutra~Parte 111- Estrutura Constitucional do Estado 67ção talvez do Império Austro-Húngaro poucos eram os que em 1918 comotais se assumiam; não já depois.A pluralidade, às vezes, determina estatutos pessoais separados, garan-tias específicas ou simplesmente divisão ou reserva de cargos públicos(como na Constituição libanesa de 1926 ou na cipriota de 1960). Na maiorpárte das vezes -até por isso poder contender com a unidade política e coma igualdade dos cidadãos -importa diferenciações territoriais, leva à ade-quação da forma de Estado e é uma das principais causas de federalismo oude regionalismo político. Outras vezes, ensaiam-se sistemas mistos (I).Casos típicos de organização territorial complexa eram os da U.R.S.S.-"Estado multinaciona1", assente na "livre autodeterminação das nações"(art. 70.0 da Constituição de 1977); da Jugoslávia -"comunidade políticade nações livremente unidas" (art. 1.0 da Constituição de 1974) e cuja pre-sidência da República era um órgão colegial composto de tantos membrosquantas as repúblicas e províncias autónomas (art. 321.0); e da Checoslo-váquia, entre 1969 e 1992.A Espanha, primeiro com a Constituição de 1931 e agora com a de1978, adoptou uma estrutura diferente, mas de alcance semelhante. Se

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con-tinua a invocar-se a "indissolúvel unidade da nação espanhola", reconhece-see garante-se, ao mesmo tempo, o "direito à autonomia" das "nacionalida-des e regiões que a integram" (art. 2.0 actual) e distinguem-se províncias ougrupos de províncias com características históricas, culturais e económicascomuns e províncias com mera entidade regional histórica (art. 143.0).Indiquem-se ainda: a China, "Estado multinacional unitário, com zonasnacionais autónomas" (arts. 4.0 e 112.0 e segs. da Constituição de 1982); aÍndia, cujos Estados federados reproduzem as grandes áreas linguísticas; aRússia, antes e depois do desmembramento da U.R.S.S. (cfr., hoje, art. 3.0da Constituição de 1993); e a Bélgica, com três áreas culturais, agora orga-nizada sob forma federal (2).perspectiva, cfr., ainda, PEDRO PEREIRA DE SENA, Direito linguístico: direitos e deve-res nas palavras da lei. in Administração (Macau), n.o 36, Julho de 1997, pâgs. 385e segs.; ou BERNHARD GROSSFELD, Language, Writing and law, in European Review,Outubro de 1997, pâgs. 383 e segs. (a língua não ê só serva de Direito, ê tambémsua senhora).(I) Cfr. ANDRÉ THOMASHAUSEN, Local and regional authonomy: the campa-rative law approach to residential and spatial conflicts, in Comparative and lnter-national Law Review of Southern A/rica, 1985, págs. 297 e segs.; ALESSANDRO PIZ-ZORUSSO, op. cit., pâgs. 105 e segs.(2) Portugal ê um país linguisticamente homogênio, o mais homogêneoda Europa, mas numa pequena área de Trás-os-Montes subsiste um falar diferente68 Manual de Direito Constitucional17. A protecção das minoriasI -A problemática das minorias -nacionais ou linguísticas,étnicas ou religiosas (I) -e da sua necessária protecção vem demuito longe: recordem-se o tratamento dos judeus na Idade Média,o Édito de Nantes ou as regras decorrentes dos Tratados de Vestefá-lia e da Acta final de Viena de 1815. Somente, porém, a partir daprimeira guerra mundial (ou, mais recentemente, após as grandesmodificações subsequentes a 1989) se lhe tem atribuído uma siste-mática atenção -e tanto na Europa como nos demais continentes.Está em causa, antes de mais, o reconhecimento aos cidadãos per-tencentes a uma minoria dos mesmos direitos e das mesmas condi-ções de exercício dos direitos dos demais cidadãos. Mas não bastaevitar ou superar a discriminação. É necessário assegurar o respeito-o mirandês (seja este um dialecto ou uma língua autónoma); e recentemente foiaprovado um projecto de lei tendente à sua preservação e promoção, o projecto delei n." 534/vll, dos Deputados Júlio Meirinhos e outros (v. Diário da Assembleia daRepública, VII legislatura, 3.. sessão legislativa, 2.. série-A, n." 58, de 9 de Junhode 1998).(1) Sobre o conceito, cfr. FRITZ FLEINER, Le Droit des Minorités en Suisse, inMélanges-,Maurice Hauriou, obra colectiva, Paris, 1929, pâgs. 287 e segs.; ALES-

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SANDRO PIZZORUSSO, Minorauze etnico- linguistiche. in Enciclopedia dei Diritto,XXI, 1976, pâgs. 527 e segs., e Minorauze e maggiorauze, cit., pâgs. 45 e segs. e 63e segs.; JUAN OBLIETA CHALBAUD, op. cit., pâgs. .179 e segs.; PIERRE GEORGE, Géo-politique des Minorités, Paris, 1984; Guy HÉRAUD, Minorités et Conflits éthniquesen Europe, in Le Reglement Pacifique des Différends lnternationaux en Europe:Perspectives d' Avenir, obra colectiva, Dordrecht, 1991, pâgs. 41 e segs.; AUGUSTOCERRI, Libertà, eguaglianza, pluralismo nella problematica dei Ia garanzia delleminorauze, in Rivista Trimestrale di Diritto Pubblico, 1993, pâgs. 289 e segs.; JESUSPRIETO DE PEDRO, op. cit., loc. cit., pâgs. 69 e segs.; VICTOR SEGESVARY, Grouprights: the definitin of group rights in the contemporary legal debate based on socio-cultural analysis, in lnternational Journal of Group Rights, 1995, pâgs. 89 e segs.Guy HERAUD, por exemplo, apresenta uma tipologia das minorias (pâgs. 61e segs.), em que avultam as contraposições entre minorias em sentido puramenteétnico e minorias nacionais, entre minorias territorialmente agrupadas e minoriasdispersas, entre minorias resultantes de anexação e minorias resultantes de inversãodas relações demogrâficas, entre minorias correspondentes a nações sem Estado eminorias nacionais stricto sensu (que são projecção além-fronteiras de nações cons-tituidas em Estado) e entre minorias reconhecidas e minorias não reconhecidas.Parte III-Estrutura Constitucional do Estado 69da identidade do grupo e propiciar-lhe meios de preservação e delivre desenvolvimento. Donde, a atribuição de direitos particulares-de direitos fundamentais próprios desses grupos, de carácter indi-vidual ou institucional -e a prescrição ao Estado de correspon-dentes incumbências.Algumas Constituições contemplam expressamente a situação das mino-rias (v. g., os §§ 14.0 e 50.0 da Constituição finlandesa, o art. 8.0 da Cons-tituição austriaca, o art. 6.0 da Constituição italiana, os arts. 29.0, 30.0 e 350.0da Constituição indiana, o art. 68.0 da Constituição húngara, reformadaem 1989, o art. 6.0 da Constituição romena, os arts. 50.0 e 51.0 da Consti-tuição estoniana, os arts. 5.0, 64.0 e 65.0 da Constituição eslovena o art. 10.0da Constituição ucraniana, o art. 27.0 da Constituição polaca). E mais inte-ressantes ainda se revelam as tentativas de garantia no âmbito do Direito dasGentes, incluindo o acesso do individuo a instâncias próprias de organiza-ção internacionais (I).(1) Cfr., na doutrina, ANDRÉ MALDESTAM. La protection des minorités, inRecueil des Cours, 1923, pâgs. 367 e segs.; CHARLES ROUSSEAU, Protection desminorités et reconnaissance internationale des droits de I'homme, in Revue du droit

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public, 1930, pâgs. 405 e segs.; RICCARDO MONACO, Minorités nationales et protectioninternationale des droits de I' homme , in René Cassin -Amicoram Discipulorum-que Liber, obra colectiva, I, Paris, 19653, pâgs. 175 e seg.; HUDISLAV VUKAS, Le pro-jet de déclaration sur les droits des personnes appartenant à des minorités nationales,éthniques, religieuses et linguistique, in Annuaire Français de Droit lnternational,1979, pâgs. 281 e segs.; FRANCESCO CAPOTORTI, I diritti dei membri di minorauze:verso una dichiarazione de[ [e Nazioni Unite, in Rivista di Diritto lnternazionale, 1981,pâgs. 30 e segs:; LoUIS H. SOHN, The Rights of Minorities, in The lnternationalBill of Rights -The Covenant on Civil and Political Rights, obra colectiva, NovaIorque, 1981, pâgs. 270 e segs.; FELIX ERMACORA, The protection of minoritiesbefore the UnitedNations, in Recuei[ des Cours, 1983, IV, pâgs. 251 e segs.; WAR-WICK MCKEAN, Equality and Discrimination under lnternationat Law, Oxónia, reim-pressão, 1985; PATRICK THORNBERRY, Setf-determination, minorities, human rights:a review of international instruments, in lnternationat and Comparative Law Quar-terty, 1989, pâgs. 867 e segs.; F. SALERNO, Sutla tutetta internazionate dell'identitaculturale deI [e minoranze straniere, in Rivista di Diritto lnternazionate, 1990,pâgs. 257 e segs.; MARC GJIDARA, Cadres juridiques et regtes appticabtes au pro-bleme européen des minorités, in Annuaire français de droit international, 1991,pâgs. 349 e segs.; GIORGIO MALINVERNI, Le projet de convention pour ta protectiondes minorités étaboré por Ia Commission Européenne pour ta Démocratie par teDroit, in Revue Universelle des Droits de I'Homme, vol. 3, n. 5, pâgs. 157 e segs.;70 Manual de Direito ConstitucionalForam numerosos e alcançaram alguma efectividade os preceitos sobreminorias constantes de tratados bilaterais e multilaterais celebrados sob aégide da Sociedade das Nações. O órgão competente desta era o Conselho,chamado a intervir por qualquer dos seus Estados-membros e ao qual podiamser dirigidas petições.No final da segunda guerra mundial, se disposições análogas aparecem notratado de paz com a Itália e no tratado de Estado da Áustria, a tendênciatem sido para a formulação de regras multilaterais gerais: assim, o art. 5.",n." 1, alínea c), da Convenção sobre a luta contra a discriminação no domíniodo ensino (aprovada pela UNffiCO em 1960); o art. 27." do Pacto Internacionalde Direitos Civis e Políticos ( I) e o n." 1 , VII, da Acta final de Helsínquia(de 1975); a Declaração sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a MinoriasNacionais ou Étnicas, Religiosas ou Linguísticas, aprovada pela

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AssembleiaGeral das Nações Unidas em 1992; e a convenção-quadro para a protecção dasminorias nacionais, aprovada pelo Conselho da Europa em 1994 (2).Da convenção-quadro constam o direito de cada pessoa pertencente auma minoria nacional de escolher livremente ser ou não tratada como tal(art. 3."); a proibição de discriminações e a promoção de igualdade efectivana vida econórnica, social e cultural (art. 4."); a garantia das liberdades fun-damentais (arts. 7.", 8." e 9."); o livre uso da língua materna, inclusive atra-vés de meios de comunicação social (arts. 9.", 1 0." e 11."); a promoção doconhecimento da cultura, da história, da língua e da religião da minoria, inclu-sive através de escolas próprias (arts. 12..", 13." e 14."); a não modificaçãoda composição demográfica da área geográfica de implantação da minoriaANDRÉ GONÇALVES PEREIRA e FAUSTO DE QUADROS, Manual de Direito Internacio-nal Público, Coimbra, 1993, pâgs. 387 e segs.; GUDMUNDUR ALFREDSSON e ALFREDDE ZAYAS, Minority rights: protection by the United Nations, in Human Rights LawJournal, vo1. 14, n.OS 1-2, 1993, pâgs. 1 e segs.; BEN ACHMOUR, Souveraineté éta-tique et protection internationale des minorités, in Recueil des Cours, 1994, I,pâgs. 331 e segs. The Rights ofMinority Cultures, obre colectiva, Oxónia, 1995; Auto-nomies lucales, integrité territoriale et protection des minorités, obra colectiva,Zurique, 1996; NORBERT ROULAND, STÉPHANE PIERRE-CAPS e JACQUES POUMAREDE,Droit des minorités et des peuples autochtones, Paris, 1996; La tutella giuridicadelle minorau.ze, obre colectiva, Pâdua, 1998.(I) Cfr. SYMÉON KARAGIANNIS, La protection das langues minoritaires autitre de I' article 27 du Pacte lnternational de Droits Civils et Politiques. in RevueTrimestrielle des Droits du l'Homme, 1994, pâgs. 195 e segs.r) Em 1993, o Conselho da Europa propôs um protocolo adicional à Con-venção Europeia dos Direitos do Homem respeitante a pessoas pertencentes a mino-rias nacionais; e, embora seja coisa distinta, aprovou, no ano anterior, uma Carta Euro-peia das Línguas Regionais ou Minoritârias.Parte l/I-Estrutura Constitucional do Estado 7.1(art. 16.0); O direito de livre comunicação com pessoas de outros paísescom as quais partilhe a mesma identidade étnica, cultural, linguística oureligiosa (art. 17.0).O regime das minorias foi um dos precursores da protecção internacionaldos direitos do homem, mas não se reconduz simplesmente a esse domínio;está também na fronteira dos direitos dos povos, como a experiência históricavem demonstrando.II -Diversas das minorias em sentido próprio são as comuni-dades de trabalhadores imigrantes e as de refugiados. Diversas,

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desde logo, porque elas mantêm, em geral, as suas cidadanias e laçosfortes com os seus países de origem e porque resultam de causaseconómicas, têm fixação conjuntural e requerem, sobretudo, inter-venção de reintegração social ou sociocultural.No entanto, quando os imigrantes ou os refugiados são muitonumerosos, se encontram radicados por períodos mais ou menos lon-gos e quando se mostra dificil a assimilação nos países de acolhimento(como a dos turcos na Alemanha ou a dos norte-africanos na França),os problemas acabam por ser não muito distantes dos problemas dasminorias (I).No caso português, de país tradicionalmente de emigração tem-se pas-sado, nos últimos anos, a país já com algumas dezenas de milhares de imi-grantes, vindos sobretudo dos países de língua portuguesa. E algumasmedidas têm estado a ser adoptadas perante essa nova situação.Citem-se a Resolução do Conselho de Ministros n.O 38/93, de l5de Maio, visando a plena integração social e profissional dos imigrantese minorias étnicas e a educação intercultural; o art. 6.0, n.O 7 do Decreto-Lein.O 296-A/95, de l7 de Novembro, criando um Alto Comissário para aImigração; a Lei n.O 20/96, de 6 de Julho, permitindo a constituição comoassistente em processo penal, no caso de crime racista ou xenófobo, porparte de associações de imigrantes e outras associações; e o Decreto-Lein.O 39/98, de 27 de Fevereiro, criando na Presidência do Conselho deMinistros um Conselho Consultivo para os Assuntos da Imigração, demodo a assegurar a participação e a colaboração de associações repre-sentativas de imigrantes, dos parceiros sociais e das instituições de solida-(1) Cfr. A. PEROTfI, Ligação de estrangeiros a várias culturas e tensões daíresultantes. in Documentação e Direito Comparado, n.o 18, 1984, págs. 53 e segs.~IIj!721.1/dD..C..1IYlanua e Irelto onstltuclonariedade social na definição das políticas de integração social e de combateà exclusão.Por seu lado, a revisão constitucional de 1997 aditou ao art. 74.0 daConstituição a incumbência do Estado de assegurar aos filhos de imigran-tes apoio adequado para efectivação do direito ao ensino [n.O 2, alínea j)].18. Povo e comunidades em diferentes estádios culturaisI -Próximo do problema das minorias é o da existência no inte-rior das fronteiras de alguns Estados -na América, na Ásia, naOceania e até na Europa -de comunidades ou populações em está-dio cultural ou civilizacional diverso do da generalidade da popula-ção (ou da sua parte politicamente dominante). No seu conjuntoultrapassam 250 milhões de pessoas.Tanto as minorias como as comunidades nessas condições-ditas aborígenes, indígenas ou autóctones -estão sujeitas aregras especiais, tenham estas origem nas próprias comunidades(sobretudo, então, com carácter consuetudinário) ou venham doexterior. Mas, até há poucos anos, entendia-se que diferente-

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mente do regime das minorias, o regime dos indígenas ou aborí-genes deveria visar a integração ou assimilação na comunidadeestadual a que pertencessem, por só essa integração propiciar odesenvolvimento económico, social e cultural e o acesso à civili-zação moderna (I).Hoje tende-se a realçar as semelhanças não só por causa demaus resultados (ou dos maus meios) dos processos de assimilaçãocomo por a princípio da autodeterminação estar a encontrar eco nes-ses grupos. Daí a recusa da integração pura e simples, a afirmaçãoda prioridade histórica, a reivindicação da identidade cultural e aprocura de estatutos políticos compatíveis, tanto a nível interno quantoa nível internacional (2) (3).-(I) Nessa linha, Convenção n.o 107 da Organização Internacional do Traba-lho, de 26 de Julho de 1957, sobre integração das populações aborígenes e outraspopulações tribais e semitribais em países independentes.(2) Cfr. F. VAN LANGENHAVE, La protectíon des populatíons aborígenes auxNatíons Uníes, in Recueíl des Cours, 1956, 1, págs. 325 e segs.; FRANCESCO CAPO-Parte 111- Estrutura Constitucional do Estado 73Por outro lado, há acentuadas afinidades sociológicas entre osindigenas e os nativos de territórios coloniais ou dependentes e podehaver mesmo analogia de situações jurídico-públicas, quando os indí-genas não gozem ou não gozem plenamente de direitos políticos.No entanto, não menos avulta a diferença. Os indígenas sãocidadãos de um Estado, destin~dos, portanto, à igualdade com osdemais cidadãos. Os nativos de territórios coloniais ou dependentesnão o são, fazem parte de comunidades distintas, destinada cadauma delas a constituir um novo povo, um novo Estado (ou a inte-grar-se noutro povo ou Estado); e, enquanto tal não se der, a suarelação com o Estado que os governa, directa ou indirectamente, é desujeição -são súbditos no sentido literal do termo, súbditos colo-niais (I).II -Na expansão ultramarina portuguesa, houve, em váriostempos e lugares, regimes especiais em razão das pessoas e comu-nidades locais. Foi o que aconteceu, por último, com o regime doindigenato de Angola, Moçambique e Guiné até 1961 e com o dos"vizinhos das regedorias", nos mesmos territórios, até 1974- con-sidere-se ou não que eram verdadeiros regimes de aborígenes ou dei súbditos coloniais (2).Segundo o art. 138.0 da Constituição de 1933 (após a inserção do ActoColonial, feita pela Lei n.O 2048, de 11 de Junho de 1951 ), haveria nos ter-ritÓrios ultramarinos, "quando necessário e atendendo ao estádio de evolu-rolm, opo cit" loco cito, pâgo 42; DAVloB. KNIGHT, opo cito, loco cito, pâgso 266 e segs.;Les Droits des Peuples Autochtones, edo das Nações Unidas, Genebra, 1990.(3) Em 1981, foi elaborado um projecto de Pacto, afirmando que o direito deautodeterminação poderia ser concretizado pela associação com um ou mais de umEstado, pela autonomia regional, pela autonomia interna ou pelo estatuto de Estadoassociado; e a partir de 1985 começou a ser preparada uma Declaração de Direitosdos Povos Autóctones. Por outro lado, em 1989 a O.I.To reviu a Convenção n." 107em sentido inovador e não integracionista, donde resultaria a Convenção n.O 169.(I) Na expressão generalizada na doutrina.

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(2) Cfr. SILVA CUNHA, O sistema português de política indígena. Coimbra,1953; J. HERMANO SARAIVA, Lições de Introdução ao Direito, Lisboa, 1962-1963,pâgs. 400 e segs.74 Manual de Direito Constitucionalção das populações, estatutos especiais que estabelecessem, sob a influênciado direito público e privado português, regimes jurídicos de contemporizaçãocom os seus usos e costumes, se não fossem incompatíveis com a moral, osditames de humanidade e o livre exercício da soberania portuguesa" (I).Tratava-se de cidadãos ou de nacionais portugueses, mas sujeitos anormas particulares quer de Direito público quer de Direito privado. Os indí-genas definidos segundo um critério misto, etnocultural, pelo art. 2." do"Estatuto dos Indígenas Portugueses das Províncias da Guiné, Angola eMoçambique" r), encontravam-se na seguinte situação:-O seu estatuto era pessoal, devendo ser respeitado em qualquerparte do território português onde se encontrassem (art. 1.", § único);-Regiam-se pelos usos e costumes próprios das respectivas sociedades(art. 3.");-Mantinham as suas instituições políticas tradicionais (arts. 7."e segs.), não sendo concedidos aos indígenas direitos políticos em relaçãoa instituições não indígenas (art. 23.");-Na falta de lei especialmente a eles destinada, eram aplicáveis asleis penais comuns (art. 25.");-Previam-se a opção pela lei privada comum (art. 27.") e, verifica-dos certos requisitos (arts. 56." e segs.), a aquisição da cidadania comum oucondição de assimilado.O Estatuto dos Indígenas foi revogado em 1961 pelo Decreto-Lein." 43 893, de 6 de Setembro. Todavia, não se achou possível eliminarnem as instituições nem os usos e costumes correspondentes à realidadesocial dos ex-indígenas. Por isso, mantiveram-se ou organizaram-se essasinstituições ou regedorias (Decreto-Lei n." 43 896, também de 6 de Setem-bro de 1961) e ressalvaram-se os usos e costumes de Direito privado nas mes-mas vigentes (Decreto-Lei n.O 43 897) (3).Como vizinhos das regedorias passaram a entender-se os indivíduos que,tendo domicílio nas respectivas áreas, devessem considerar-se vizinhossegundo o Direito tradicional (art. 2.0 do Decreto-Lei n.O 43 897).(I) No texto constitucional dedicava-se depois um capítulo às "garantias espe-ciais para os indígenas" (arts. 141." e segs.).(2) Na última versão, aprovada pelo Decreto-Lei n " 39 666, de 20 de Maiode 1954.(3) Embora as disposições constitucionais pertinentes só tivessem sido supri-midas em 1971.Parte 111- Estrutura Constitucional do Estado 75O critério de definição era agora meramente territorial, e não pessoal,o que não queria dizer que os usos e costumes não constituíssem um esta-

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tuto pessoal "a respeitar em qualquer parte do território português". Admi-tia-se, além disso, a opção livre pela lei escrita de direito privado.Mas a diferença fundamental entre a condição dos indígenas e a dosvizinhos das regedorias estava em que estes, ao contrário daqueles, estavamsujeitos ao Direito público comum (sem embargo da subsistência das suasinstituições), com acesso aos direitos políticos em igualdade com os demaiscidadãos portugueses (I).Finalmente, a partir de 1971, a única norma constitucional que devarelevância à situação era a do art. 136.0, alínea i), que incumbia os órgãosde soberania de "zelar pelos valores culturais das populações e dos seus usose costumes não incompatíveis com a moral e o direito público português".III -No Brasil, a Constituição de 1988 dedica um capítuloaos índios, sendo índio -segundo a Lei n.O 6001, de 19 de Dezem-bro de 1973 -"todo o indivíduo de origem e ascendência preco-lombiana que se identifica e é identificado como pertencente a umgrupo étnico cujas características culturais o distinguem da socie-dade nacional".Aos índios são reconhecidos a sua organização social, os seuscostumes, línguas, crenças e tradições e os direitos originários sobreas terras que tradicionalmente ocupam, competindo à Uniãodemarcâ-Ias, proteger e fazer respeitar todos os seus bens (art. 231.0da Constituição). E, embora o ensino fundamental regular seja minis-trado em língua portuguesa, são-1hes assegurados também a utiliza-ção das suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem(art. 210.0, § 2.0).Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimaspara ingressar em juízo para defesa dos seus direitos e interesses,intervindo o Ministério Público em todos os actos do processo(art. 232.0) (2).(I) Para maior desenvolvimento v. ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA, Administra-ção e Direito Ultramarino, lições policopiadas, 1971-1972, págs. 371 e segs.(2) Cfr. (mas antes da Constituição) ANTÔNIO SEBASTIÃO DE LIMA, A protec-ção jurídica das comunidades indígenas, in Revista de Informação Legislativa,Janeiro-Março de 1987, pâgs. 245 e segs.76 Manual de Direito Constitucional19. As concepções político-constitucionais e ideológicas depovoI -Como comunidade política, o povo identifica-se semprecom o conjunto dos homens, sejam estes quais forem, que, em certomomento, estão sujeitos às leis do Estado e têm um laço permanentecom o poder político; define-se através da cidadania. Tal é umanoção válida para todos os Estados e para todos os sistemas políti-cos em concreto que se conhecem (I).Todavia, vêm a ser diversas e antagónicas as interpretaçõesadoptadas acerca da comunidade política e daqueles que a integram.Distinguem-se elas em razão do papel de sujeito político efectivoque atribuem ao povo e, sobretudo, em razão da relevância queemprestam a outros factores além dos estritamente jurídicos. E essasvárias maneiras de conceber o povo -por vezes, para o converterou reconverter -e com o povo, os.indivíduos, traduzem-se em nor-mas constitucionais caracterizadoras dos sistemas e regimes políticos.

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Olhando apenas às que são coevas do constitucionalismo, semcusto se reconhecem cinco mais significativas concepções polí-tico-constitucionais e ideológicas de povo, consoante se esteiam emcritérios puramente jurídicos, em critérios económicos, em critériosrácicos, em critérios ético-históricos ou histórico-orgânicos e em cri-térios religiosos.Há noções de povo que se pretendem só jurídicas: as que remon-tam às Revoluções americanas e francesa e prevalecem nos Estadosde Direito de tipo ocidental. Há noções económico-sociais de povo:as que se encontram no marxismo e também, antes deste e com fina-lidade oposta, as que sustentam o sufrágio censitário. Há noçõesrácicas de povo: em especial, a da Alemanha nacional-socialista. Hánoções ético-históricas ou histórico-orgânicas de povo: as do fas-(I) o conceito de povo não coincide com o da classe social. Nas situaçõeshistoricamente determinadas, o governo de uma classe exclui do poder económicoe político, mas não suprime irreversivelmente, outras classes e, assim, outras com-ponentes do povo (GIUSEPPE DE VERGO1TINI, Diritto Costituzionale Comparato.4." ed., Pádua, 1993, pág. 77).Parte /lI-Estrutura Constitucional do Estado 77cismo italiano e do nacionalismo autoritário. E há noções religiosas:as do fundamentalismo islâmico (I).II -O constitucionalismo proclamou o povo como totalidade eunidade dos cidadãos e conferiu a esse povo a soberania, o poder."O povo soberano é constituído pela totalidade dos cidadãos fran-ceses" (art. 7.0 do "acto constitucional" inserido na Constituiçãofrancesa do ano I), "A Nação Portuguesa é a união de todos os Por-tugueses" (art. 20.0 da Constituição de 1822) e "a soberania resideessencialmente em a Nação" (art. 26.0).0 povo aparece como um conjunto de homens livres que agemracionalmente. Trata-se, porém, de uma noção ideal e abstracta, deum povo de "indivíduos sem individualidade" (2); e, por outro lado,de uma noção em correspondência com a dominância burguesa nasociedade, traduzida, designadamente, no sufrágio censitário e capa-citário.Pretende-se ligar a participação na formação da vontade soberanaà capacidade de assumir responsabilidades familiares, à propriedadeou a outras funções sociais. E, se com isso se supõe acautelar ocorrecto exercício do voto e o bem comum, objectivamente são umcritério económico e uma opção de classe que avultam. 0 conceitod~ povo liberal é também um conceito de povo burguês -a que secontrapõe o povo dos que aspiram ao acesso à cidadania plena (3).Quanto se fez a seguir foi para tentar vencer a contradição..0 progressivo alargamento do sufrágio, ao longo de décadas, visouaproximar do povo jurídico o povo politicamente activo. E veio(I) Cfr., principalmente, sobre a concepção liberal e a marxista, HERMAN VANGUNSTEREN, Notes on a Theory of Citizenship. in Democracy, Consensus. SocialContract. obra colectiva. Londres. 1978, págs. 9 e segs. E sobre a problemática, pró-xima da relevância da cidadania ou da relação entre subjectividade política e auto-nomia pessoal, cfr. SALVATORE VEGA, Una filosofia política dei Ia cittadinanza, in /lPolitico. 1989, págs. 553 e segs.(2) Na expressão de GUSTAV RADBRUCH, op. cit., I, pág. 168. Cfr., também,CABRAL DE MONCADA. Valor e sentido da democracia. in Estudos Filosóficos e His-tóricos. Coimbra, 1958, I, págs. 35 e segs.(3) Cfr. VnuRINO MAGALHÃES GODINHO, Estrutura da Antiga Sociedade

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Por-tuguesa, 2.. ed., Lisboa, 1975, pág. 142.78 Manual de Direito Constitucionalmodificar tanto a consideração interna do povo correspondente àsociedade como o próprio Estado-poder -porque a ascensão das clas-ses trabalhadoras tira à burguesia, pelo menos, o exclusivo do governo,desloca o fulcro das deliberações colectivas e provoca o apareci-mento de novas formas institucionais. O "advento do povo real", dohomem "concreto" e "situado" (I) equivale ao advento do conceitodemocrático de povo (2).Para lá da silhueta esboçada do povo, vislumbra-se, portanto,quer numa quer noutra fase da evolução do Estado constitucionalelementos, forças, interesses, motivações doutra índole. Todavia, asmudanças de estrutura social e económica que se operam vão inse-rir-se num mesmo quadro fundamental de referência e, assim, segarante a continuidade jurídica. Precisamente por se recortar nosmais amplos termos, a noção de povo como universalidade de cida-dãos pretende-se dotada da virtual idade de se adaptar a essas mudan-ças e de fazer dos homens situados cidadãos optimo jure (3).III -O conceito marxista de povo apresenta-se, em primeirolugar, como resposta à noção e à prática burguesas e, em segundolugar, como resultado da análise, até às últimas consequências, dasituação económica relativa das pessoas e dos grupos dentro dacomunidade política.É um conceito que privilegia a posição perante os bens e asrelações de produção e que se prende com a vontade de as transfor-mar de acordo com a concepção do homem e da vida própria domaterialismo histórico e dialéctico -de acordo com a concepção doindividuo concreto e "socializado" (4) o que está em causa é subs-(I) BURDEAU, op. cit., V", 2." ed., Paris, 1973, págs. 31 e segs., maxime 39-40,118 e segs. e 180 e segs.(2) E à passagem do governo representativo clássico ou liberal para a demo-cracia representativa.(3) Mantemos a opinião exposta em Contributo para uma teoria da incons-titucionalidade, Lisboa, 1968, págs. 60-61, diferente da de BURDEAU, op. cit., ",págs. 118 e 298 e segs. (que fala em artifício da continuidade democrática e em faltade imaginação constitucional).(4) Na expressão ainda de GUSTAV RADBRUCH, Op. cit., I, pâg. 174.Parte III -Estrutura Constitucional do Estado 79tituir a actual divisão da sociedade em classes por uma unidade cons-truída a partir da revolução feita pelo proletariado, em que se alteremtanto a natureza da comunidade política como o estatuto do indiví-duo. O povo não pode abranger explorados e exploradores, somentepode abranger as classes trabalhadoras ou as classes revolucionárias.A emancipação política, escreve MARX, reduz O homem, porum lado, ao membro da sociedade civil, ao indivíduo egoísta inde-pendente, e, por outro lado, ao cidadão, à pessoa moral. "Será ape-nas quando o homem real individual retomar em si o cidadão abstractoe se tomar, na sua vida empírica, no seu trabalho, nas suas relaçõesindividuais, um ser genérico, será apenas quando ele reconhecer eorganizar as suas forças próprias como forças sociais e não maisseparar de si a força social sob a forma de força polífica, será ape-nas nessa altura que se consumará a emancipação humana" (I) (2).A primeira e a quarta Constituições soviéticas continham con-ceitos de povo -qualificado segundo o povo activo -paradigmá- iticos das duas sucessivas fases de "ditadura do proletariado" e de i"Estado de todo o povo": "A República Russa é uma livre comuni- idade socialista de todos os trabalhadores da Rússia. Todo o poder. ..1!

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pertence à totalidade da população operária do país, organizada nossovietes das cidades e dos campos" (art. 10.0 da Constituição de 1918); II'"A U.R.S.S. é um Estado socialista de todo o povo, que exprime a,I~~uive, trad., in KARL MARX, Oeuvres choisis, 1, Paris, 1963'1págs. 88-89.(2) Cfr. GONZALO PUENTE OJEA, As revoluções marxistas e a validade do ;sufrágio universal, in Critério, n." 3, Janeiro de 1976, págs. 36-37: MARX não ignorao progresso implícito na consagração do homem como cidadão de pleno direito;mas não aceita o postulado de um cidadão eleitor como sujeito de uma ética universalabstracta, incondicionada histórica e socialmente, como soberano absoluto de umaracionalidade incontaminada; em vez do homem abstracto, existe o homem con-creto, sujeito de relações de produção que o convertem ou em explorador ou emexplorado e que, em qualquer das posições antagónicas, não pode iludir os condi-cionamentos sociais e económicos da percepção da realidade que o circunda.V. também, por exemplo, UMBERTO CERRONI, La libertad de los modernos,trad., Barcelona, 1972, págs. 201 e segs., ou GALVANO DELLA VOLPE, Rousseau eMarx-A liberdade igualitária, trad., Lisboa, 1982, págs. 39 e segs. e 109 e segs.; e, depremissas bem diferentes, HELMUTH KUHN, op. cit., págs. 163 e segs.80 Manual de Direito Constitucionalvontade e os interesses dos operários, dos camponeses e dos inte-lectuais, trabalhadores de todas as nações e etnias do país" (art. 1.0da Constituição de 1977). E na actual Constituição chinesa, de 1982,ainda se lê: "A República Popular da China é um Estado socialistasubordinado à ditadura democrático-popular da classe operária eassente na aliança de operários e camponeses" (art. 1.0).IV -Na Alemanha do nacional-socialismo -mas a ideia tinhaantecedentes aí e noutros países (I) -dominou um conceito de povona base de critérios biológicos mitigados historicamente.O povo, de harmonia com a doutrina nacional-socialista, não é nemo conjunto dos cidadãos, nem uma unidade política; é uma unidadeétnica que repousa na comunidade de sangue (2). Esta, porém, não seconfunde com uma nação única, até porque, em qualquer povo, seencontram elementos de várias raças. A unidade nacional aparecequando uma história e uma civilização comuns operam uma ligaçãoconstante entre essas raças, já que uma delas (a raça nórdica no casoalemão) terá sempre a preponderância e imporá a sua marca própria.O fim supremo é a conservação do povo e da raça. O Estadopossui mero valor secundário diante desse fim e da vontade do Fiih-rer: o Estado não é senão a organização política do povo conduzidopelo Fiihrer, o qual toma as decisões, faz as leis, dá ordens à admi-nistração e, assim, colabora também na formação do espírito popu-lar (Volksgeist) (3).V -As concepções ético-históricas ou histórico-orgânicas depovo têm de comum o diluírem o povo numa realidade mais ampla(1) v., criticamente, HELLER, op. cit., pâgs. 183 e segs., ou CASSIRER, op. cit.,pâgs. 277 e segs.(2) Segundo o programa do Partido Nacional-Socialista, ninguém poderia sercidadão alemão se não tivesse "sangue alemão" (art. 4.0).

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(3) ULRICH SCHEUNER, Le peuple. L' État. le droit et Ia doctrine nationale-soci-aliste. in Revue du droit public, 1937, págs. 41, 43, 45 e 51. Cfr. ROGER BON-NARD, Constitution et administration du ll/" Reich alemand. ibidem, págs. 607e segs.; CABRAL DE MONCADA, Filosofia. .., cit., I, págs. 390 e segs.; ou PLAumFARACO DE AZEVEDO, Limites e justificação do poder do Estado. Petrópolis, 1979,págs. 97 e segs. e 120 e segs.Parte 111 "'"'" Estrutura Constitucional do Estado 81que O ultrapassa, em nome de imperativos mais fortes, sejam impe-rativos do Estado, sejam imperativos da Nação. "Tudo pelo Estado,nada contra o Estado" é o lema do fascismo italiano. "Tudo pelaNação, nada contra a Nação", é o lema do nacionalismo autoritárioportuguês.Eticismo objectivo, conúbio de idealismo hegeliano e de acti-vismo vitalista (I ), o fascismo é a teoria da minoria activa que age,não em nome do princípio político da nação, mas em nome de umanoção meta física de nação (2). E essa ideia de nação---' ou depovo -surge implicada com o poder do Estado, do Estado que é"a verdadeira realidade do indivíduo" (MUSSOLLINI).Do prisma histórico, social, orgânico, o povo é, não uma massa,uma multidão, uma soma, um número, mas. uma colectividade irre-dutível aos elementos que a compõem, aos indivíduos; o todo estáantes e é mais que as partes em sentido aristotélico, e universitas nonsozvitur in singuzaritates; é um ente em si, um sujeito, uma pessoaideal, espiritual ou moral, mesmo se não juridica; é um "organismoético", no sentido hegeliano (3)."A Nação Italiana é um organismo com fins, vida e meios deacção superiores, pelo poder e pela duração, aos dos indivíduos, iso-lados ou associados, que o constituem. É uma unidade moral, polí-tica e económica, que se realiza integralmente no Estado Fascista"(art. 1.0 da Carta deZ Lavoro) (4). "A Nação Portuguesa constitui umaunidade moral, política e económica, cujos fins e interesses dominamos dos indivíduos e grupos que a compõem" (art. 1.0 do Estatuto doTrabalho Nacional).(I) Na qualificação de CABRAL DE MONCADA, Filosofia"" cit" I, págs. 388e 390,r) MIRKINE-GUETZÉVITCH, Les théories de la dictature, in Revue politique etparlementaire, 1934, pág, 138. O "princípio político da nação" a que alude é o daRevolução francesa,(3) SERGIO PANUNZIO, op, cit" págs, 27-28, Este autor distingue, aliás, povoe nação (esta é o povo privilegiado ou aristocrático na hierarquia dos valores his-tóricos, o povo tomado idealmente na perspectiva dos especiais vínculos naciona-lizantes como a língua, o território, a raça, a religião, o Estado ou a economia),(4) Cfr, a anâlise julidica de CARLO ESPOSlTO, Lo Stato e la Nazione Italiana,in Archivio di Diritto Pubblico, II, 1933, pâgs, 409 e segs,6- Manual de Direito Constitucional, 1II

82 Manual de Direito ConstitucionalNa Nação Portuguesa, afirma OLIVEIRA SALAZAR, estão encor-porados e por ela vivem os indivíduos, as famílias, os organismos pri-vados e públicos. E na unidade resultante da sua integração e da

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concordância profunda dos seus interesses, ainda que às vezes apa-rentemente contrários, não há que separá-Ios ou opô-los, mas quesubordinar a sua actividade ao interesse colectivo. Nada contra aNação, tudo pela Nação (!).Há, para MARCELLO CAETANO, duas acepções do termo nação:como povo português, elemento humano do Estado, e como comu-nidade cultural transpessoal "formada pela ininterrupta cadeia degerações onde se conserva e elabora tudo o que dá carácter aos por-tugueses e os diferencia no mundo, e donde resultam imperativos aque o Estado como expressão política da unidade nacional e instru-mento da sua missão ecuménica tem de se subordinar" (2). E asoberania nacional não se confunde com a soberania popular, porqueesta assenta na manifestação da vontade do povo pelos eleitores,enquanto aquela existe mesmo quando interpretada, e até adivinhada,pelos homens de escol que sabem dar consciência a tendências laten-tes, mas ignoradas ou passivas no seio da colectividade. -Mas asoberania nacional é compatível com a soberania popular, se admi-tirmos que em certo grau de evolução da Nação os seus cidadãos eas sociedades primárias que a integram estão aptos a traduzir a cons-ciência e a vontade actuais da comunidade, embora não sejam senho-res de dispor dela e devam ser considerados meros depositários dopoder para exercerem a delicada função de realizar no presente acontinuação do passado e a preparação de um futuro segundo amesma linha de continuidade tradicional" (3).Com relativa facilidade se reconhece que, apesar das seme-lhanças, a noção fascista italiana e a noção nacionalista portuguesapossuem sentidos diversos: a segunda está mais próxima das con-(I) Discursos, I, 4.a ed., Coimbra, 1948, pág. 34. V., também, MANUEL RODRI-GUES, Política, Direito e Justiça, Lisboa, 1934, págs. 7 e segs., maxime 63.(2) Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, 6.. ed., II, Lisboa,1972, pág. 509.(3) lbidem, págs. 542-543.Parte 11/- Estrutura Constitucional do Estado 83cepções românticas antiliberais do século XIX ( 1) e tem um cunhoconservador, mas não totalitário (2).(;; VI -Para o fundamentalismo islâmico (3), não pode existir,!.separação entre a esfera política e a esfera religiosa, o povo é acomunidade dos crentes e a lei islâmica deve vigorar como lei civil.A República Islâmica do Irão, proclamada em 1979, apresenta-secom a experiência mais radical de realização desta ideia (4) e a suaConstituição, de 1986, patenteia-a bem impressivamente.Assim, a República Islâmica é um "sistema baseado na fé"(art. 2.0), em que o povo é "chamado à virtude" e "os crentes,homens e mulheres, são amigos uns dos outros, rejubilam no Bem eproíbem o Mal" (Alcorão, 9:70 (art. 8.0).Os princípios islâmicos são limites aos direitos dos cidadãos ecritério de acção do Estado (arts. 21.0,24.0,27.0 e 28.0), embora ogoverno e todos os muçulmanos sejam obrigados a conduzir-se "commoderação, justiça e equidade" para com os não muçulmanos edevam salvaguardar os direitos destes (art. 14.0, 2.u parte) e a nacio-nalidade seja um "direito absoluto" de todos os cidadãos (art. 41.0).Por outro lado, logicamente, os poderes soberanos exercem-se soba supervisão dos dirigentes religiosos (art. 57.0).r) Cfr. a critica da Constituição de 1822 por FAUSTINO JOSÉ DA MADRE DEDEUS, A Constituição de 1822 comentada e desenvolvida, Lisboa, 1823.r) "O Estado que subordinasse tudo sem excepção à ideia de nação ou de raçapor ele representada, na moral, no direito, na política e na economia, apresentar-se-iacomo ser omnipotente, princípio e fim de si mesmo. ..e poderia

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envolver um abso-lutismo pior do que aquele que antecedera os regimes liberais, porque ao menos esseoutro não se desligara do destino humano" (OLIVEIRA SALAZAR, op. cit., I,págs. 336-337; v., também, págs. 71 e 78, 145 e 335, e II, pág. 132).Cfr. as observagões de PEREIRA DOS SANTOS, Un État Corporatif-La Cons-titution Sociale et Politique Portugaise, 2.. ed., Paris-Porto, 1940, págs. 382 e segs.e 398 esegs.; ou de JORGE CAMPINOS, A ideologia política do Estado Salazarista,Lisboa, 1975, págs. 20 e segs.(3) Que, aliás, não é o único fundamentalismo religioso em expansão nosnossos dias.(4) Noutros paises muçulmanos, ela tem, não raro, também uma influência mar-cante.84 Manual de Direito ConstitucionalEis um programa que aponta para a teocracia e se afasta damoderna construção do Estado (I), como que pretendendo o retornoa concepções das primeiras épocas muçulmanas (sem embargo daaceitação de certas formas jurídicas de origem europeia).20. O povo nas Constituições portuguesasI -Nas Constituições portuguesas, como nas de outros países,o conceito de povo acolhido espelha bem as respectivas linhas fun-damentais e o tratamento que cada uma confere ao Estado.Como se viu, o povo, a comunidade política denomina-se naçãoem todas elas, menos na de 1976 (2). Em todas, menos nas de 1911e 1976, liga-se expressamente ao conjunto dos cidadãos portugueses.E é o conceito liberal e mais ou menos voluntarista que aparece nostextos de 1822, 1836, 1838 e 1911; um conceito complexo, ambíguoou dividido ou uma plural idade de conceitos no texto de 1933; eum conceito próprio do Estado social, mas igualmente com aspectosparticulares e não unívocos, que emerge em 1976.Nada há a acrescentar sobre as Constituições liberais. Algomais há ainda a dizer a respeito da Constituição de 1933 e, sobretudo,naturalmente, da actual.II -O carâcter compromissório do texto constitucional de 1933 pro-jecta-se com nitidez na concepção e na dimensão de povo, de nação (3) ede Estado.(I) Cfr. Manual. .., I, cit., pâgs. 62-63 e 223.(2) Embora nesta o adjectivo nacional (refira-se ao Estado, ao povo ou ànação) seja algo frequente -v. independência nacional [preâmbulo e arts. 9.0, alí-nea a), 81.0, alínea .I), e 87.0]; problemas nacionais [art. 9.", alínea c)]; símbolos nacio-f nais (art. 11.0); território nacional (arts. 19.0, n.O 2, 33.0, n.Os 1, 2 e 3, 121.0, n.Os Ii e 3, 129.0 e 272.0, n.O 4); libertação nacional (art. 33.0, n.O 7); salârio mínimo nacio-I nal [art. 59.0, n.O 2, alínea a)]; serviço nacional de saúde [arts. 64.0, n.OS 2, alínea a),3, alínea d), e 4, e 165.0, n.O I, alínea.1)]; política nacional [art. 81.", alíneas I) e rn)];comunidade nacional (art. 121.", n.O 2); percentagem de votos nacional mínima(art. 152.0, n.O 1) e defesa nacional [arts. 164.0. alínea d), 273.0 e 274.0].(3) Sobre os sentido de nação na Constituição de 1933, v. JORGE MIRANDA,Ciência Política e Direito Constitucional, cit., II, pâgs. 89 e segs.

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Parte II/ -Estrutura Constituciona[ do Estado 85Por um lado, na única definição de Nação Portuguesa que enuncia-a do art. 3.0 -a Constituição reporta-se ao Povo juridicamente recor-tado a partir da cidadania e no art. 71.0 (numa fórmula idêntica às de 1822,1838 e 1911) declara que "a soberania reside em a Nação".Quaisquer dúvidas que, a despeito disso, haja sobre o carácter demo-crático do sistema objectivado no texto dissipam-se à face do princípio daparticipação de todos os elementos estruturais da Nação "na vida adminis-trativa e na feitura das leis" (art. 5.) ou "na política e na administração gerale .1oca1" (art. 5.0, § 1.0, após a Lei n.O 3/71, de 10 de Agosto) e à face deregras como a da eleição do Presidente da República "pela Nação" (art. 72.)e a da Assembleia Nacional por sufrágio directo dos cidadãos eleitores(art. 85.) (I). A tese da dupla soberania, nacional e popular, com prevalênciada primeira sobre a segunda (2), não poderia aqui apoiar-se.Mas essa Nação não se resume nos indivíduos. "Elementos estruturaisda Nação" (3) são, além deles (arts. 7.0 e segs.), a família (arts. 11.0 e segs.),as corporações morais e económicas (arts. 14.0 e segs.) e as autarquiaslocais (arts. 17.0 e segs.) OU, como se diria em 1971, "os cidadãos, as famí-lias, as autarquias locais e os organismos corporativos" (art. 5.0, § 3.).Um dos fins do Estado é de promover a unidade moral da Nação (art. 6.0,n.O 1). E "a organização económica da Nação" é de uma sociedade cor-porativamente organizada (arts. 29.0 e 34.).Por outro lado, ainda, perpassa em vários títulos e capítulos significa-tivos um apelo à Nação como comunidade transtemporal. Ele manifesta-sea propósito da família, da educação e do Padroado do Oriente (arts. 11.0, 43.0,§ 3~0, e 46.0, respectivamente). Só ele explica a prioridade do território naconfiguração constitucional do Estado (art. 1.) (4) e o dever ser consideradaa regra da inalienabilidade (art. 2.) -abrangendo o ultramar -um limitematerial da revisão constitucional (5) (6). Ele sobressai ainda no art. 2.0 do(1) Assim, Ciência Politica..., cit., 11, págs. 167-168.r) MARCELLO CAETANO, op. cit., II, págs. 508 e segs. e 543 (passos jácitados).(3) Cfr. ANTáNIO DA SILVA LEAL, op. cit., [oc. cit" págs. 224 e segs.(4) Na mesma linha, LucAS PIRES, Uma Constituição para Portugal. Coim-bra, 1975, pág. 97 (que fala em esquema "para-imperial"); JORGE MIRANDA, A Cons-tituição de 1976, Lisboa, 1978, pág.. 283.(5) Ciência Política. .., I, pág. 251, e 11, págs. lll e segs.(6) Já não tem que ver com essa concepção a regra da protecção dos monu-mentos artísticos, históricos e naturais e dos objectos artísticos oficialmente reconhe-cidos como tais (art. 52.0), embora situada no título sobre domínio público e privado

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do Estado, e não no título sobre educação e cultura.1li86 Manual de Direito ConstitucionalActo Colonial (convertido em 1951 no art. 133.0 da Constituição), onde selê: "É da essência orgânica da Nação Portuguesa desempenhar a função his-tÓrica de possuir e colonizar domínios ultramarinos e de civilizar as popu-lações indígenas que neles se compreendem, exercendo também a influên-cia moral que lhe é adstrita pelo Padroado do Oriente" (I) (2).Acrescem dois aspectos interessantes: a referência, pela primeira vezentre nós (e uma das primeiras vezes em Constituições não marxistas) a"classes" no art. 5.0 ( "livre aCesso de todas as classes aos benefícios dacivilização" ) e no art. 6.0, n.O 3 ( "melhoria de condições das classes sociaismais desfavorecidas" ); e a referência a "raça" no art, 11.0 (a família "comofonte de conservação e desenvolvimento da raça" ) (3) (4).São, porém, aspectos de menor importância. Nem a Constituição-muito pelo contrário -contempla uma visão classista da vida social, nema menção de "raça" se relaciona com a concepção nacional-socialista: tem-seem vista, quando muito, a "raça portuguesa" como "povo", a "nacionalidade"como grupo caracterizado por uma cultura, uma moral e uma psicologiapróprias, independentemente de qualquer uniformidade de tipo fisiológico (5),e nunca nenhum efeito político foi atribuído a esse termo (6).De qualquer modo, de tudo resulta a presença na Constituição de 1933,(1) JORGE CAMPINOS (op. cit.. pág. 27) associa esta "função" da Nação à teo-ria do espaço vital e ao princípio do expansionismo fascista. Não se descortina,porém, de que maneira.Mais adequada parece ser a referência de PAULO OTERO a "nacionalismo impe-rial" (A concepção unitarista do Estado na Constituição de 1933. in Revista daFaculdade de Direito da Universidade de Lisboa. 1990, págs. 428 e segs.).(2) A consideração da Nação como comunidade histórica seria reforçada em1951, ao declarar-se a religião católica "religião da Nação Portuguesa" (art. 45.", apósa revisão desse ano) ou, como se fixaria em 1971, "religião tradicional da Nação Por-tuguesa" (art. 46.0).(3) Após a revisão constitucional de 1959, passaria a falar-se (no agora art. 12.')em "Povo" (seria, aliás, o único preceito desta Constituição de 1933 em que sefalaria em povo).(4) E poderia acrescentar-se, como terceira nota algo significativa, a mençãode "súbditos portugueses" no art. 7.0 (§ 2.", na versão final).(5) Parecer n.O 19/VII da Câmara Corporativa sobre o projecto de revisãoconstitucional dos Deputados Américo Cortês Pinto e outros (in Pareceres da CâmaraCorporativa. VII legislatura, ano de 1959, II, pág. 214).

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(6) Não tem, pois, razão GOMES CANOTILHO (Direito Constitucional e Teoriada Constituição, Coimbra, 1998, pág. 175), quando diz que "nesta exaltação daraça talvez esteja presente a influência anti-semítica que os doutrinadores do Inte-gralismo Lusitano herdaram de MAURRAS".f,! , Parte 1/1 ~Estrutura Constituc!onal do Estado 87e ao longo da sua vida, de factores bastantes diversos em necessária tensão/ -numa tensão que só não se transformou em difícil harmonia por força das.circunstâncias de funcionamento autoritário das instituições.III -Os confrontos ideológicos de 1975 tiveram directa repercussão,~, nos projectos apresentados à Assembleia Constituinte pelos diversos parti-dos políticos, no tocante ao conceito de povo.Nítido foi então o contraste entre os projectos de Constituição do Cen-tro Democrático Social e do Partido Popular Democrático que declaravam queconstituíam o povo português todos os cidadãos portugueses onde quer queresidissem (arts. 2.0 e 3.0, n.O 1, respectivamente) e os projectos de Consti-tuição do Movimento Democrático Português e do Partido Comunista Por-tuguês que tomavam a comunidade política em moldes classistas: "O EstadoPortuguês é uma República Democrática que, baseando-se nas grandescamadas de população historicamente oprimidas. .." (art. 1.0 do projecto doMovimento Democrático Português); "0 Estado Português é um Estadodemocrático revolucionário. .." (I) (art. 1.0 do projecto do Partido Comu-nista Português); "A aliança entre o povo e as forças armadas exprime aforma original de unidade e aliança da classe operária, das massas traba-lhadoras, dos pequenos e médios agricultores e de outras camadas sociaisinteressadas na luta contra os monopólios e latifundiários e no avanço doprocesso revolucionário a caminho do socialismo" (art. 4.0) (2).Por causa desse contraste e da ausência de posição do Partido Socia-lista, o art. 4.0 da Constituição (que se segue a um art. 3.0 sobre soberaniae legalidade e que antecede um art. 5.0 sobre território) viria a receber esteteor: "São cidadãos portugueses todos aqueles que como tal sejam consi-derados pela lei ou por convenção internacional" (3).'~(I) Significando isso, primeiro que tudo, que "a sua base social é constituídapor classes revolucionárias" (Deputado Vital Moreira, in Diário da Assembleia-:;:iJ.i* Constituinte, n.O 22, pág. 563).~ .(2) ~fr. ainda a ~rítica feita à noção ~e pov~ dos projectos do Centro Demo-I CrátlCO Social e do Partido Popular Democrático: "Nao se tratava apenas de uma estra-,nhíssima noção de povo como titular da soberania ou do poder político; tratava-se,acima de tudo, de tentar veiculaí uma noção idealista de Estado, sem

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qualquerc marca de classe, colocadoabstractamente por sobre uma base social constituída porum conjunto de cidadãos politicamente homogêneos, ou seja, por uma abstracção cujacomposição social era completamente iludida" (Deputado Vital Moreira, in Diá-rio..., n.O 27, pág. 679).(3) Aprovado por unanimidade. V. Diário, n.O 29, pág. 740.II88 Manual de Direito ConstitucionalMas, logo no momento da aprovação do preceito, na única declaraçãode voto emitida, foi afirmado que ele se referia ao povo português, ligandoo conceito de povo ao de cidadania: "0 art. 4.", apesar de a sua letra nãoo dizer explicitamente, significa que constituem o povo português todos oscidadãos portugueses residentes dentro ou fora de Portugal... .Este con-ceito de povo é o mesmo que se encontra consagrado, em alguns artigos dosprincípios fundamentais, como oart. 3.", n." 1 (quando diz: "A soberaniareside no povo"), o art. 9." (quando apela para a "participação do povo" epara "qualidade de vida do povo") e ainda o art. 1.." (quando fala em "von-tade popular") ou o art. 2." (quando fala em "soberania popular") (I).Também no processo de revisão constitucional de 1981-1982, a maté-ria do art. 4," voltaria a ser debatida -mas só na comissão eventual, nãono plenário da Assemblei;! da República -em face do projecto de revisãoda Aliança Democrática que retomaria as fórmulas propostas em 1975. Ehouve então quem as reputasse tautológicas, porque "o povo português nãopoderia ser outra coisa senão constituído por todos os cidadãos portugueses (2)ou, ao invés, quem chamasse "tolo" ao art. 4.", por declarar que "são por-tugueses os portugueses" (3).Pareceu prevalecer, entretanto, o entendimento segundo o qual aí se con-sagra um princípio de universalidade no acesso aos direitos políticos, con-traposto a um sentido económico-social classista de povo, através do qual,eventualmente, certo número de portugueses fosse excluído de direitos polí-ticos (4) (5); e porque hoje o "Estado democrático está consolidado", jánão teria "grande alcance" definir expressis verbis o que é o povo (6).Finalmente, na revisão constitucional de 1987-1989, tentou-se, sem êxito,introduzir o termo nação no art. 1." da Constituição, Foram os projectos indi-viduais apresentados pelos Deputados Helena Roset;! e Sottomayor Cardia r).(I) Deputado Jorge Miranda, in Diário, n." 29, págs. 740-741.(2) Deputado Almeida Santos, Diário da Assemb.leia da República, II legis-li latura, I.. sessão legislativa, 2.. série, 3." suplemento ao n." 108, pág. 3332(43).

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(3) Deputado Sousa Tavares, ibidem.(4) Deputado Jorge Miranda, ibidem, págs. 3332(44) e 3332(47). No mesmosentido, Deputado Costa Andrade, ibidem, pág. 3332(45).(5) A formulação do art. 4." não é, de resto, muito diferente da dos arts. 74.."da Constituição de 1911 e 7." da Constituição de 1933. E já o art. 21." da Consti-tuição de 1822 dizia: "Todos os Portugueses são cidadãos. ..".(6) Deputado Jorge Miranda, ibidem. pág. 3332(47).r) v. a intervenção da Deputada Helena Roseta, in Diário da Assembleiada República, v legislatura, 2.. sessão legislativa, 1.. série, n." 86, reunião de 23 deMaio de 1989, pág. 4213.Parte Il/ -Estrutura Çonstitucional do Estado 89,...'"CIV -A interpretação objectiva confirma a interpretação histó-rica aduzida (até porque nunca qualquer dúvida poderia retirar-se daausência de definição de povo, muito rara, aliás, em Direito compa-rado) (I).Em primeiro lugar, embora fosse possível tomar em sentido res-trito as referências constitucionais a povo, vontade popular e soberaniapopular [preâmbulo e arts. 3.0, n.O 1, 9.0, alíneas d) e e), 64.0, n.O 2,alínea b), 108.0, 202.0, n.O 1, e 275.0, n.O 4], tal sentido restritivoesbarraria contra o entendimento mais natural e mais comummenteaceite (2). Ápenas pode notar-se que umas vezes por povo se entendea totalidade dos cidadãos [preâmbulo e arts. 3.0, n.O 1, 9.0, alínea e),108.0, 202.0, n.O I, e 275.0, n.O 4], e outras vezes cada cidadão [arts.9.0,alínea d), e 64.0, n.O 2, alínea b)] (3).Em segundo lugar, a colocação do artigo 4.0 aponta para a con-sideração de todos os cidadãos como integrantes da comunidade polí-tica e não como meros súbditos do poder. A cidad~ia é a base pes-soal do Estado. E ninguém pode ser dela privado senão nos casose termos previstos na lei, e nunca com fundamento em motivos polí-ticos (art: 26.0, n.O 4); nem pode haver expulsão de cidadãos portu-gueses do territÓrio nacional (art. 33.0, n.O 1).Em terceiro lugar, todos os cidadãos têm a mesma dignidadesocial e ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado,privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razãoda sua situação económica ou condição social (art. 13.0).Em quarto lugar, não só todos os cidadãos têm o direito detomar parte na vida política e na direcção dos assuntos públicos dopaís, directamente ou por intermédio de representantes eleitos (art. 48.0,n.O 1 ), como a participação directa e activa dos cidadãos na vida(I) Seguimos A constituição de 1976, cit., págs. 381 e segs. e 523, masactualizamos as referências, Cfr, a visão de JáNATAS MACHADO, op. cit., loc. cit.,págs. 441 e segs.(2) Nem sequer, quando no texto inicial de 1976 se previa a "aliança com opovo" do Movimento das Forças Annadas (art. 3.", n." 2), se tratava de um conceitode menor extensão ou se visava uma qualquer aliança que não fosse a que se davaatravés dos "partidos e organizações democráticas" (art. IO.", n." I).(3) E era neste segundo sentido que se falava em povo no art. 9;", alínea c),

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antes de 1989, e no art. 81.", alínea a), antes de 1997.~-90 Manual de Direito Constitucionalpolítica constitui condição e instrumento fundamental de consolida-ção do sistema democrático (art. 112.0) e a Assembleia da Repúblicaé a assembleia representativa de todos os portugueses (art. 147.0).'Em quinto tugar, o sufrágio universal (arts. 10.0, n.O 1, 49.0,n.O 1, 121.0, 147.0 e segs., 231.0, n.O 2, e 239.0" n.O 2) é limite inate-rial da revisão constitucional [art. 288.0, alínea h)].V -Também na Assembleia Constituinte se aduziu ainda a propósitodo art. 4.0: "Este conceito de povo é um conceito jurídico, não é um con-ceito sociológico. Com ele reconhecemos a todos os portugueses o direitoJ a ter uma posição dentro do Estado, sem ignorarmos que existem classes,j contradições ou antagonismos na nossa sociedade. Mas essas classes, essas, contradições, esses antagonismos hão-de ser superados através, precisa-I mente, do respeito pela vontade popular democraticamente expressa" (I).";c, A Constituição viria, nessa linha, a admitir a presença, a par deum povo uno, de uma sociedade concreta, diversificada, complexa,plural. Todos aqueles grupos, associações, organizações, institui-çÕes, portadores de interesses próprios, com relevância constitucio-nal e interferência maior ou menos na vida colectiva, a que atrásaludimos -para mostrar que o Estado não absorve a sociedade -são índices de que o povo já não é o povo liberal, burguês, abs-tracto, formal. É, antes, o povo cuja participação organizada naresolução dos problemas nacionais" vem a ser "tarefa fundamental"do Estado "assegurar" [art. 9.0, alínea c)].No texto originário, havia "matizes classistas" (2) (fossem quaisfossem) na enunciação do conceito de povo. E mesmo depois dasrevisões constitucionais, os trabalhadores ou as "classes trabalhado-ras" ocupam na Constituição um lugar eminente, quer no plano dosdireitos fundamentais [arts. 53.0 e segs., 58.0, n.O 3, alínea c), 59.0,63.0, n.O 2, e 288.0, alínea e)] quer no da organização económica[arts. 80.0, alínea g), 82.0, n.O 4, alínea c), 89.0, 92.0, n.O 2, 93.0, n.O 1 ,alíneas b) e c ), 94.0, n.O 2, 97.0, n.O 1, e 98.0]. Mas, de nenhum" 'c{1 ) Declaração de voto citada sobre o art. 4.0 c(2) GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional. 6.. ed., cito, pág. 103. ~i!c~~~jJ",";a,,Parte Ill-Estru.tura Constitucional do Estado 91modo, seria admissível restringir o conceito de povo ao "núcleo mar-xista de classes e fracções de classes capazes de levar a Revoluçãoaté ao fim" (I); e já era assim mesmo quando se falava em "exercí-cio democrático do poder pelas classes trabalhadoras" (primitivos

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arts, 2.0, 55,0, 80,0 e 90,0, n,O 2), pois que não se tratava de nenhumaatribuição qualificada de poder político, com reflexos nos órgãos doEstado, mas tão-só de uma síntese dos seus direitos ou de uma visãoprospectiva do seu pleno exercício (2).VI -Resta registar que, se a Constituição deixa intencionalmentede aludir a nação nos arts, 2,0, 3.0 e 4.0 reagindo contra o regime de1933 (3), a nação em sentido próprio dela não está ausente -nempoderia estar -e adquire mesmo relevância jurídica,A primeira das componentes da decisão constituinte é "defendera independência nacional" [preâmbulo e art. 9,0, alínea a)], Ora,esta não se reconduz (como veremos em breve) à soberania na suaexacta acepção jurídica, nem se esgota no fenómeno económico, nopolítico ou no geoestratégico; envolve uma dimensão cultural, umaconsciência colectiva, que sempre tem sido o alicerce último da dife-renciação de Portugal relativamente a quaisquer outras comunidadespolíticas (4), Sem uma identidade nacional portuguesa não haveriaindependência nacional portuguesa (5).Portugal -que é uma república soberana -abrange o territó-rio historicamente definido no continente europeu e os arquipélagosdos Açores e da Madeira (art. 5,0, n.O I). E o reforço da unidadenacional e dos laços de solidariedade entre os portugueses torna-seuma das finalidades da autonomia político-administrativa dos dois{1) GOMES CANOTILHO, ibidem.(2) V. A Constituição de 1976, cit., págs. 524 e segs.(3) A Constituição de 1976. cit., pâg. 381; GOMES CANOTILHO e VITALMoREIRA, op. cit.. pág. 71.(4) Assim também JáNATAS MACHADO, op. cit.. loc. cit., pâgs. 441-442.(5) No projecto de revisão constitucional da Aliança Democrática, de 1981, pre-conizava-se que no preâmbulo da Constituição se dissesse: "A Constituição res-: peita a identidade cultural da Nação Portuguesa". Caberia porém, perguntar se se"f justificaria proclamar deste modo um pressuposto tão evidente da existência do{L &...o """".".'---92 Manual de Direito Constitucionalarquipélagos (art. 227.0, n.O 2), autonomia essa que, por seu lado, sefundamenta nas características (I) geográficas, económicas e sociaise nas históricas aspirações autonomistas das populações insulares(art. 227.0, n.O 1 ).Não menos significativo é ser na Constituição de 1976 que, pelaprimeira vez, aparece um preceito sobre símbolos nacionais, oart. 11.0 (2). E aparece exactamente para reafirmar, no contexto bemconhecido de formação da Constituição, a continuidade de Portugal,com os símbolos (a bandeira e o hino) que, adoptados em 1910-1911,mas no essencial vindos de muito antes, são símbolos. tanto do Estadocomo da Nação portuguesa (3) (4);Quanto à relevância jQfÍdica do factor nacional, conhecem-sed7° °415° °378° °2as ISpOSIÇoeS que Importam. os arts. ., n. .., n. , e, ., n. Ialínea d) (sobre laços especiais ou privilegiados com os países epovos de língua portuguesa); os arts. 9.0, alínea e), e 78.0, n.O 2, alí-nea c) (sobre a valorização do património cultural, "tornando-o ele-mento vivificador da identidade cultural comum" ); o art. 9.0, alí-neaf) (sobre o ensino, a valorização permanente, o uso e a difusãointernacional da língua portuguesa) (5) (6); O art. 66.0, n.O 2, alí-neas c) e d) (sobre protecção de paisagens e sítios "de modo a garan-

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tir a conservação da natureza e a,preservação dos valores culturaisde interesse histórico e artístico" e sobre protecção das zonas histó-II (I) No texto inicial, falava-se em condiciona[ismos.(2) Aprovado por unanimidade. V. Diário. n." 30, pág. 783.II (3) Não houve confusão constitucional, como pretende ADRIANo MOREIRA(O Novíssimo Príncipe. Lisboa, 1977, pág. 93); muito pelo contrário. Quando noart. 11.0 se fala em "Bandeira Nacional" ou em "Hino Nacional", o adjectivo inculca, o conceito de nação como sinónimo de povo "formado e determinado historica-mente", como "portador de historicidade existencial" (GOMES CANOTILHO, op. cit..6.. ed., pág. 102).(4) Sobre a integração através dos símbolos, v. SMEND, op, cit.. págs. 97 e 98.(5) Sobre a língua portuguesa, v. A Constituição de 1976. cit., pág. 290, e, nou-tra perspectiva, Revisão constituciona[ e democracia, Lisboa, 1983, págs. 271 e segs.(6) Aditado na segunda revisão constitucional. Na terceira e na quarta,chegou a ser preconizado (desnecessariamente. por haver costume constitucionalnesse sentido) um art. 5.0-A a declarar a língua portuguesa língua oficial da RepÚ-blica.~Parte lI/-Estrutura Constitucional do Estado 93ricas nas povoações); e o art. 74.0, n.O 3, alínea h) (sobre a incum-bência do Estado de assegurar aos filhos dos emigrantes o ensinoda língua portuguesa e o acesso à cultura portuguesa).CAPÍTULO IIIA CIDADANIA§ 1.0A cidadania ou qualidade de membro do Estado21. Povo e cidadaniaI -O povo abrange os destinatários permanentes da ordemjurídica estatal; Em face desta, os homens dividem-se em duas cate-gorias: aqueles cuja vida social está toda submetida à sua regula-mentação, e aqueles que não estão em contacto com ela ou só em con-tacto acidental ou transitório.A vocação primária das leis do Estado é para se aplicarem emrazão das pessoas e não em razão de outros factores. As leis doEstado são pensadas e editadas para os membros da comunidadepolítica, tendo em conta as suas experiências e os seus projectoscomuns e os circunstancialismos concretos em que se encontram; sópor via diversa, de harmonia com princípios de Direito internacionalou com outras regras, atingem os estrangeiros, ou sejam, os desti-natários doutras ordens jurídicas estatais ou os que não são destina-tários de nenhuma (apátridas ou apólidas).Por certo, do território depende largamente essa aplicação e sóno seu território o Estado pode dar força executiva e sancionató-ria às leis que decrete. Mas isso não impede que as situaçõesjurídicas que afectem cidadãos do Estado ou em que intervenhamcidadãos do Estado possam ser contormadas pelo ordenamentoestadual onde quer que decorram. E, por outra banda, tem sem-pre o Estado um dever geral (e, por vezes, deveres específicos) deprotecção dos seus cidadãos frente aos Estados em cujos territóriosresidam.-94 Manual de Direito ConstitucionalEis, portanto, um princípio de pessoalidade, inerente ao Estadomodemo -como mutatis mutandis ao Estado grego e ao romano ( 1) -

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ainda que se lhe não possa atribuir um alcance absoluto e indiscri-minado (2); ou, falando em âmbito jurídico-constitucional, um prin-cípio de cidadania.II -Ao conceito de povo reporta-se o de cidadania. Cidadãossão os membros do Estado, da Civitas, os destinatários da ordemjurídica estatal, os sujeitos e os súbditos do poder.Não existem, contudo, apenas, como se sabe, Estados -ou sóEstados soberanos. Para além deles existiram em número conside-rável e ainda existem outras comunidades políticas, em face dasquais se estabelecem qualidades ou vínculos similares aos da cidada-nia: assim, a condição de súbditos feudais, a dos súbditos coloniais, ados cidadãos de Estado sem acesso ou sem acesso pleno à vida inter-nacional, ou a dos territórios associados ou internacionalizados (3);e daí entrosamentos com as leis dos Estados soberanos a que possamestar ligados (4).Por outro lado, em Estado complexos (Estados federais, uniõesreais) ocorre um desdobramento da cidadania em moldes variáveis,embora (salvas algumas excepções), seja sempre a cidadania doEstado central a determinar ou a preceder a cidadania correspon-dente a qualquer das entidades competentes..Diversamente, em confederações, em organizações internacio-nais e noutras entidades de Direito internacional não pode falar-se, em(1) Cfr. FERNAND DE VISSCHER, La cittadinanza romana, in Annali dei Semi-nario Giuridico dell' Università di Catania, 1948-49, Nápoles, 1949, págs. I e segs.(2) V., por todos, BALLADORE PALLIERI, op. cit" 1, págs. 73 e segs.(3) Cfr. H. F. V AN PANHUYS, The role of nationality in lnternational Law,Leida, 1959, págs. 34 e segs.(4) É o caso hoje da lei da nacionalidade britânica de 1981, a qual distin-gue três categorias de cidadãos: britânicos, britânicos de territ6rio~ dependentese britânicos do ultramar, além dos estatutos dos British protected persons e dos Bri-tish subjects without citizenshif(British subjects). Cfr. O. HOOD PHlLIPS e PAULJACKSON, Constitutional andAdministrative Law, 3.. ed., Londres, 1987, págs. 452e segs.Parte /II -Estrutura Constitucional do Estado 95rigor, em cidadania, nem é uma verdadeira cidadania a, cidadaniaeuropeia consagrada no Tratado de Maastricht ou de União Euro-peia, de 1992 (I).III -Cidadania é a qualidade de cidadão. E por este motivo,a palavra "nacionalidade" -embora mais corrente e não sem cone-xão com o fundo do Estado nacional -deve ser afastada, porquantomenos precisa. Nacionalidade" liga-se a nação, revela a pertença auma nação, não a um Estado r). Ou, se se atender a outras utili-zaçÕes consagradas, trata-se de termo com extensão maior do que cida-dania: nacionalidade jêm as pessoas colectivas e nacionalidade podeser atribuída a coisas (navios, aeronaves) (3), mas cidadania só pos-suem as pessoas singulares (4).Cidadania significa ainda, mais vincadamente, a participação emEstado democrático. Foi nesta perspectiva qlJe o conceito foi elabo-rado e se difundiu após a Revolução francesa. E se, por vezes, parecereservar-se o termo para a cidadania activa, correspondente à capaci-dade eleitoral (5), a restrição acaba por radicar ainda na mesma ideia (6).(I) Cfr. infra.(2) Neste sentido.. CABRAL DE MONCADA, Lições de Direito Civil, 2.a ed., I,Coimbra, 1954, pág. 302, nota. Salienta que a expressão

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"nacionalidade" é ambi-gua, por não se ligar rigorosamente a um conceito político.(3) V. art. 486.0 do Código Comercial e Convenção de Aeronáutica Civil deChicago, de 1954. Cfr. TABORDA FERREIRA, op. cit., págs. 33 e segs. e 41 e segs.;DIAS MARQUES, Conceito e natureza jurídica da nacionalidade. in Revista da Ordemdos Advogados, 1952, n.O 3, págs. 106 e segs.; FERNANDES COSTA, Da nacionalidadedas sociedades comerciais, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidadede Coimbra, suplemento ao n.O XXVII, 1984, págs. 1 e segs.; MARQUES DOS SANTOS,Algumas reflexões sobre a nacionalidade das sociedades em Direito internacionalprivado e em Direito internacianal público, Coimbra, 1985 (agora incluído em Estu-dos de Direito da Nacionalidade. Coimbra, 1998, págs. 7 e segs.).(4) Sobre a terminologia em Direito comparado, v. ROLAND QUADRI, Citadi-nanza.. in Novissimo Digesto Italiano, III, pág. 313.(5) É o que sucede em alguns países latin~-americanos, como o México(arts. 30.0 e segs. e 34.0 e segs. da Constituição de 1917), o Equador (arts. 5.0 e segs.,12.0 e 133.0 da Constituição de 1979) ou a Colômbia (arts. 96.0, 98.0 e 99.0 daConstituição de 1991). Cfr. I. I. SANTA-PINTER, Ciudadania y nacionalidad en IasConstituciones americanas, in Revista de Derecho Espaliol e Americano, 1964,págs. 33 e segs. E também em alguns territórios dependentes dos Estados Unidos.96 Manual de Direito ConstitucionalFalam em "qualidade de cidadão português" as Constituiçõesde 1822 (art. 21.0), de 1911 (art. 74.0) e de 1933 (art. 7.0), bem comoo Código Civil de 1867 (arts. 18.0 e segs.). O termo "nacionali-dade" aparecena nas Constituições de 1911 e de 1933 a propósito dosrequisitos de elegibilidade do Presidente da República (arts. 39.0 e 73.0,respectivamente); e viria a ser adoptado pela Lei n.O 2098, de 29 deJulho de 1959.Na Constituição actual -e não por acaso, tendo em conta aintenção do regime -não se fala senão em "cidadania" [arts. 4.0,19.0, n.O 4,26.0, n.os I e 3,59.0, n.O 1, e 167.0, alínea}) (I)], e, se, inci-dentalmente, ainda se aludia a "nacionalidade" nos primitivos arts. 38.0,n.O 4, e 53.0, tais referências desapareceram na primeira revisão cons-titucional (2). Mas, contraditoriamente, "lei da nacionalidade" é aindaa designação da actual -e, no demais, bastante equilibrada -Lein.O 37/81, de 3 de Outubro (3).IV -A determinação da cidadania de cada indivíduo equivaleà determinação do povo (e, portanto, do Estado) a que se vincula. Talcomo a determinação de quem compõe em concreto certo povo passapelo apuramento das regras sobre aquisição e perda da cidadania aívigentes.Trata-se, antes de mais, de problema a equacionar pelo Direitointerno de cada Estado. É cada Estado que, interpretando o modo deser da comunidade que lhe dá vida, escolhe e fixa os critérios da(6) E, por isso, não pode ser argumento para -pelo menos, entre nós -pre-ferir "nacionalidade" a "cidadanias".

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(I) Como se indica nas Actas da I.." Comissão da Assembleia Constituinteacerca do art. 4.", considerou-se dever rejeitar "a conceptualização em termos de nacio-nalidade" (op. cit., loco cito, pág. 37).(2) Se no art. 38.", a supressão do termo "nacionalidade" decorreu da elimi-nação da discriminação que ai se fazia em relação à cidadania de proprietários depublicações, já no art. 59.0, n." 1 (correspondente ao art. 53." inicial), foi o próprioconceito de cidadania que esteve em foco: Vo Diário da Assembleia da República,1." série, II legislatura, 2." sessão legislativa, n.O 107, págs. 4378-4379.(3) Apesar de disso mesmo se ter advertido durante a sua elaboração: v., porexemplo, Diário da Assembleia da República, I." série, II legislatura, I." sessãolegislativa, n." II, pág. 319.Parte m -Estrutura Constitucional do Estado 97cidadania. E há dois tipos fundamentais de critérios: o da filiação oujus sanguinis ( I) -vindo da Grécia e de Roma, em conexão com aestrutura dos respectivos Estados, e hoje prevalecente em Estados deformação antiga -e o do local de nascimento ou jus soli -vindoda Idade Média, por influência dos laços feudais e hoje prevalecenteem Estados jovens e de imigração.Por isso mesmo se trata também do problema substancialmenteconstitucional, a colocar em sede de Direito constitucional, emboracom pressupostos de Direito civil e com incidências directas emDireito internacional privado e em todos os outros sectores (2). Asregras sobre quem é ou deixa de ser cidadão constituem (rigorosa-mente, no plano jurídico) o Estado.Mas a matéria depende outrossim (e, antes de mais) do Direitointernacional (3), porque nenhum Estado poderia gozar de uma liber-(I) Mas até há pouco jus sanguinis a patre, e não a matre.(2) A maioria dos nossos privatistas tende a reconhecê-lo: J. DIAS FERREIRA,C6digo Civil Português Anotado, 2.. ed., I, Coimbra, 1884, pág. 28; JosÉ TAVARES,Os Princ{pios Fundamentais do Direito Civil, II, Coimbra, 1928, pág. 32; CASTROMENDES, Direito Civil (Teoria Geral), policopiado, I, Lisboa, 1978, pág. 251 ;CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, vol. I, 2.. ed., Lisboa, 1995,pág. 203; OLIVEIRA ASCENSÃO, Teoria Geral do Direito Civil, I, Lisboa, 1997,págs. 130-131. Mas há os que o integram num Direito Geral (assim, PAULOCUNHA, Teoria Geral da Relação Jur{dica, Lisboa, 1960, I, pág. 41) ou que con-sideram o problema "mal posto" (assim, DIAS MARQUES, op. cit., loc. cit., págs. 109e segs.).(3) Sobre o assunto, v., entre tantos, MACHADO VILELA, Tratado Elementar deDireito Internacional Privado, Coimbra, 1921, I, págs. 96 e segs.; KELSEN, Théoriegénérale du droit international public -Problemes chotsis, in Recueil des Couss,1932, IV, págs. 242 e segs.; ACHILLE VENTURINI, L' A polidiQ, in Rivista diDiritto Inter-nazionale, 1940, págs. 379 e segs.; TABORDAFERREIRA, op. cit., págs. 109 e segs.

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e 211 e segs.; H. F. VANPANHUYS, Op. cit.; ALFRED VERDROSS, Volkerrecht, trad. cas-telhana Derecho Internacional Publico, 4.. ed., Madrid, 1963, págs. 236 e segs.;ERNESTO LAPENNA, Lacittadinanza nel Diritto Internazionale Generale, Milão, 1966.(pronuncia-se pela inexistência de regras de Direito internacional geral sobre a cida-r dania); FRITZ MUNCH, Développements récents du droit de Ia nationalité, in Studi inonore di Manlio Udina, obra colectiva, II, Milão, 1975, págs. 1109 e segs.; MOURARAMOS, Nacionalidade e Descolonização, in Revista de Direito e Economia,1976, págs. 139, 143 e segs. e 331 e segs.; e Nacionalidade, in Dicionáriojur{dicoda Administração Pública, VI, 1994, pâgs. 107 e segs.; ANA BARAHONA, Op. cit.,7- Manual de Direito Constitucional. 1\198 Manual de Direito Constitucionaldade ilimitada no estabelecimento daqueles critérios; bem ao invés,f cada Estado tem de os definir reconhecendo a existência dos restan-j tes Estado e, por conseguinte, está adstrito a certas balizas. AlémI disso, avulta a necessidade de regras destinadas a evitar ou a resol-Iver conflitos positivos (pluricidadania ou pluripatridia) ou negativos(apatridia, apolidia) de cidadania.I V -A cidadania apresenta-se como status (I) e apresenta-se,I simultaneamente, como objecto de um direito fundamental das pes-Isoas. Num mundo em que dominam os Estados, participar num Estadoé participar na vida jurídica e política que ele propicia e beneficiar, da defesa e da promoção de direitos que ele concede (2) -tanto naordem interna como nas relações com outros Estados. Num mundoem que se intensifica a circulação das pessoas e em que, apesar detodas as adversidades, se afirma a liberdade individual, a pertença auma comunidade política, sendo embora permanente, já não tem deser perpétua como noutras épocas: o direito à cidadania vai seracompanhado, dentro de certos limites, de um direito de escolher acidadania.Em contrapartida (ou, em contrapartida, só prima facie) nummundo em que se evidenciam afinidades (culturais, políticas, econó-micas) entre alguns Estados ou em que se visa criar grandes espaços,a concepção tradicional da unidade e exclusividade da cidadania apa-págs. 22 e segs.; RUTH DONNER, The Regulation of Nationality in International Law.Helsinquia, 1983; ANTONIO FILIPPO PANZERA, Limiti internacionali in materia dicittadinanza, Nápoles, 1984; CELSO DE ALBuQUERQUE MELLO, Curso de DireitoInternacional Público. 8.. ed., I, Rio de Janeiro, 1986, págs. 608 e segs.; JosÉ FRAN-CISCO ~EZEK, Le droit international de Ia nationualité. in Recueil des Cours, 1986,III, págs. 333 e segs.; ALBINO DE AZEVEDO SOARES.. Lições de Direito InternacionalPúblico, 4.. ed., Coimbra, 1988, págs. 276 e segs.; JOHANNES M. M. CHAN, TheRight to a Nationality as a Human Right. inHuman Rights Law Journal, 1991,págs. I1 e segs.; JEAN COMBACAU e SERaE SUR, Droit International Public, Paris,1997, págs. 318 e segs.(I) Cfr. já Ciência Polftica e Direito Constitucional. cit., I, pág. 154.

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(2) Cfr. ROLAND QUADRI, op, cit., loc. cit., pág. 315; e, de seu prisma, TAL-COTT PARSONS. op. cit" loc, cit,. pág. 114.~ Parte //1 ~ Estrut~r~ Constitucional d()Estado 99rece, por vezes, atenuada -mormente através de convenções de~ dupla nacionalidade e da extensão a certos estrangeiros de direitos,em princípio, reservados a cidadãos do próprio Estado (I ).22. A cidadania no Direito internacionalI -Começando por uma brevíssima referência do Direito inter-nacional (por mais não caber na economia deste livro), saliente-se queaí a cidadania é principalmente objecto de princípios gerais ou deregras consuetudinárias, e só em segundo nível de convenções mul-tilaterais e bilaterais. Nem poderia deixar de ser assim tendo emconta a natureza do fenómeno e a estrutura da comunidade interna-cional.Segundo o mais importante tratado sobre a matéria -a Con-venção da Haia, de 1930, relativa aos conflitos de leis no domínio danacionalidade -as leis de cada Estado somente devem ser observadaspelos restantes Estados, desde que estejam de acordo com as con-vençÕes internacionais, o costume internacional e os princípios dedireito reconhecidos.O Direito das Gentes devolve para o Direito interno de cadaEstado a definição das regras de aquisição e de perda da cidadaniarespectiva. Ou seja: confere competência para tanto aos órçãos esta-tais (2) e adstringe os demais Estados a respeitar as suas decisÕes-tanto normativas como não normativas -pertinentes à cidadaniade qualquer pessoa (3). Mas, ao mesmo tempo, prescreve princí-pios, parâmetros, grandes directrizes a que ficam sujeitos os diversosi. ordenamentos e que traduzem aquisições comuns.~, (I) Cfr. MOURA RAMOS, La double nationalité et les liens spéciaux avecI d' autres pays, in Revista de Direito e Economia, 1990-1993, págs. 577 e segs.(2) Aliás, uma competência originária, e não delegada: cfr. JosÉ FRANCISCOREZEK, op. cit., loc. cit., pág. 353.(3) Cfr. FERRER CORREIA, O estatuto pessoal dos plurinacionais e dos apátridas,in Revista de Direito e Estudos Sociais, ano III, 1947, n.o 2, pág. 471: aquele Estadoque, na legislação sobre nacionalidade das pessoas, afirmasse o seu desprezo pela per-sonalidade e autonomia dos demais, cometeria uma violação do Direito internacio-nal; e a obrigatoriedade de tal legislação seria restrita ao território em que o Estadolegislador exercesse a sua soberania..lOO Manual de Direito ConstitucionalEm resumo, ao Direito internacional não cabe, só por si, atribuirou retirar a quem quer que seja a cidadania deste ou daquele Estado;apenas cabe estabelecer condições de relevância (I), declarar ineficazou inoponível erga omnes um acto de Direito interno que contrarieos seus princípios e cominar responsabilidade para o Estado seuautor (2).II -O primeiro dos princípios gerais de Direito internacional sobrecidadania é o da ligação efectiva (entenda-se ou não como re.flexo do pos-tulado da efectividade). Um Estado apenas pode atribuir a sua cidadania apessoa que com ele tenha uma relação efectiva, sociológica, sem formalis-mos ou artificialismos (3); apenas pode ser reputado como

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originariamentecidadão de um Estado um indivíduo que se lhe encontre ligado por qualquervínculo material evidente (4); e O mesmo se diga mutatis mutandis quantoà aquisição da cidadania por facto posterior ao nascimento (5).De certa maneira, é um corolário deste princípio a exclusão do regimedo jus soli quanto aos filhos dos diplomatas ou de outras agentes de Esta-dos estrangeiros nascidos no pais onde um dos pais está prestando serviço.Considera-se mais efectiva a ligação ao Estado de origem do que ao Estadodo local de nascimento.Tão-pouco pode, qualquer Estado dispor sobre as condições de aqui-sição e de perda de uma cidadania estrangeira. Poderá fazer depender a atri-buição da sua cidadania a um estt:angeiro da renúncia deste à cidadaniaanterior; não poderá, por acto de autoridade, determinar essa renúncia. Seo fizer, a sua prescrição será, em absoluto, irrelevante (pelo menos rio domí-nio jurídico-internacibnal).(I) MOURA RAMOS, Nacionalidade. in Polis. IV, pág. 108.(2) Cfr. VAN PANHUYS, op. cit.. págs. 171 e segs.(3) ERNESTO LAPENNA, op. cit., págs. 66 esegs.; ALFRED VERDROSS, op. cit.,pág. 237; MouRA RAMos, Nacionalidade e descolonização, cit., loc. cit., págs. 334-335;JosÉ FRANCISCO REZEK, op. cit., loc. cit., págs. 357 e segs.; MARQUES DOS SANTOS,Nacionalidade e efectividade, in Estudos de Direito da Nacionalidade, págs. 279e segs.(4) TABORDA FERREIRA, op. cit., pág. 105.(5) O célebre caso NOTfEBOHM (entre a Guatemala e o Listenstaino), julgadopelo Tribunal Internacional de Justiça em 1955, mostrou bem a sentido desta exi-gência. Para o Tribunal, a nacionalidade era "um laço jurldico com fundamento numfacto social, numa conexão de existência genuina traduzida em interesses, senti-mentos e direitos e deveres reciprocos".Parte lI/-Estrutura Constitucional do Estado 101A aquisição e a perda da cidadania revestem, em princípio, alcanceindividual e não colectivo. Para que afectem categorias ou grupos de pes-soas, para que se estendam a uma pluralidade de indivíduos, têm de severificar vicissitudes extraordinárias, como formação de novos Estados oumodificações territoriais significativas; e importa então encontrar o equilí-brio entre os legítimos interesses do Estado recém-constituído ou recém-admi-nistrante de certo território (que não pqde ser obrigado a conceder a sua cida-dania a todos os habitantes) e as legítimas expectativas destes (os quaisnão podem ser tratados arbitrariamente) (I) r)..A naturalização ou qualquer outra forma de aquisição supervenienteda cidadania pressupõe o consentimento (3); e este deve ser dado, emregra, explicitamente e não pelo silêncio (4), para garantia da liberdadedas pessoas.

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Ocorrendo pluricidadania ou polipatridia, se a pessoa em causa seencontrar no interior do território de um dos Estados a que está vinculada,em princípio aí só poderá invocar a correspondente cidadania; e, se seencontrar no território de terceiro Estado, haverá aí de invocar a cidadaniado Estado com que mantiver relação efectiva ou activa (5). O que nãopoderá será invocar a cidadania de um Estado contra a do outro (6).(I) Cfr. O'CONNEL, The Law of State Succession, Cambridge, 1956, págs. 245e segs.; ERNESTO LAPENNA, op. cit., págs. 89 e segs., maxime 109; FRITZ MUNCH, op.cit., loc. cit., págs.. 1140 e seg.; MOURA RAMOS, op. cit., loc. cit., págs. 145 e segs.e 273, nota; ANA BARAHONA, op. cit., págs. 11 e segs. e 41 e segs.; JOHANNES M.M. CHAN, op. cit., loc. cit., págs. 111 e segs.(2) O art. 10.0 da Convenção sobre Redução de Casos de Apatridia estabeleceque os tratados relativos à cessão de qualquer território deverão conter disposiçõesdestinadas a impedir situações de apatridia em sua consequência.~ (3) ALFRED VERDROSS, 9p. cit., pág. 238. Cfr. OPPENHEIM, lnternational Law,I, Londres, 1960, págs. 643 e segs.(4) JosÉ FRANCiscoREZEK, op. cit., loc. cit., pág. 361.c';;" (5) Por isso, se distingue entre efectividade em sentido genérico, pressupostogeral de carácter qualitativo que permite a atribuição da cidadania de certo Estadoa esta ou àquela pessoa; e efectividade em sentido restrito ou quantitativo, traduzidaem maior ou menor intensidade do vínculo, de tal sorte que, tendo um indivíduo duasou mais nacionalidades, só uma delas deva ser havida como efectiva ou dotada demais efectividade: MARQUES DOS SANTOS, Nacionalidade e efectividade, cit., loc.cit., págs. 280-281 e 285.(6) Por causa do princípio da igualdade soberana dos Estados: cfr. JosÉ FRAN-CISCO REZEK, op.cit., loc. cit., págs. 363 e segs.; JEAN COMBACAU e SERGE SUR, op.cit., págs. 325-326.102 Manual de Direito ConstitucionalOcorrendo apatridia, o Estado no qual o indivíduo residir ou com quetiver qualquer outra ligação efectiva terá a faculdade de lhe atribuir a suacidadania (I).m -Recolhendo e sintetizando toda essa experiência e indo aoencontro de uma longa aspiração, agora mais sentida, a DeclaraçãoUniversal dos Direitos do Homem proclama, no seu art. 15.0: "1. Todoo indivíduo tem direito a uma nacionalidade. -2. Ninguém podeser arbitrariamente privado da sua nacionalidade, nem do direito demudar de nacionalidade" (2). E o Pacto In~ernacional de Direitos Civile Políticos estabelece que "todas as crianças têm o direito de adqui-rir uma nacionalidade" (art. 24.0, n.O 3).Há aqui dois direitos (3) -sobretudo o primeiro do maior relevoe ao qual corresponde a obrigação do Estado de atribuir a sua cida-dania ou de não privar dela um indivíduo que com ele tenha uma liga-ção efectiva e que não adopte um comportamento de sentido con-tráriO (4): E liga-se a cidadania à vontade, admitindo-se o direito deopção por cidadania diferente da que se possua (5).

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IIPor seu turno, a garantia contra privações arbitrárias consister na garantia de processos jurídicos regulares, com meios de defesa asse-I gurados, e, especialmente, a proibição de privações por motivos polí-ticos, ideológicos, religiosos ou rácicos (6) (como as que fizeramdiversos regimes totalitários ao longo deste século, inclusive contraresidentes no próprio território do Estado) r).Na linha da Declaração Universal, a Convenção sobre Redução da(I) Cfr. MAURI, citado por TABORDAFERREIRA, loc. cit., pág. 117.r) Cfr. PHILIPPE DE LA CHAPELLE, La Déclardtion Universelle des Droits del'Homme et le Cathol(cisme. Paris, 1967, págs. 132 e segs.; GUNNAR G. SCHRAM,Comentário, in The Universal Declaration o! Human Rights. obra colectiva, Oslo,1992, págs. 229 e segs.(3) Cfr. VAN PANH1JYS, op. cit.. pags. 220 e'segs.; MOURA RAMos, op. cit.. lococito, págs. 338 e 339; JOHANNES M. M. CHAN, opo cit., loc. cit.. págs. 3 e 8 e segs.(4) Cfr. MARQUES DOS SANTOS, op. cit., loc. cit.. págs. 300-301.(5) O princípio antigo, pelo contrário, era de vinculação perpétua de qual-quer individuo ao seu Estado, salvo banimento.(6) As quais, doravante, se tornam inválidas ou, mesmo, ilicitas (contra:LAPENNA, op. cit.. págs. 131 e segs.).r) São improcedentes, pois, as criticas ao art. 15." de ANA BARAHONA, op. cit.,págs. 32 e 33.Parte 111- Estrutura Constitucional do Estado 103Apatridia, de 1.961. , transformou em obrigação para as suas partes,em certos casos, a faculdade dos Estados de atribuiçãQ da sua cidadaniados indivíduos com ligação efectiva com eles e, que, doutro modo,seriam apátridas; e fez depender a perda da cidadania,! em face dedeterminados Estados, da posse ou aquisição da cidadania doutro Estado.23. A cidadania no Direito constitucionalI -As três primeiras Constituições portuguesas continham pre-ceitos expressos sobre a aquisição e a perda da cidadania (arts. 21..0a 23.0 da Constituição de 1.822, 7.0 e 8.0 da Carta e 6.0 e 7.0 da Cons-tituição de 1838). Já as três Leis Fundamentais subsequentes se cir-cunscreveriam a normas remissivas ou sem critérios materiais (arts. 74.0da Constituição de 1911, 7.0 da Constituição de 1933 e 4.0 da Consti-tuição de 1976).Esta uma primeira contraposição a fazer. Mas há outra, nãomenos significativa. Ao passo que as cinco Constituições anterioresse confinavam a dispor, desta ou daquela maneira, sobre o acesso àcidadania, a Constituição actual toma-a também na perspectiva dosdireitos fundamentais e isto não apenas por virtude da recepção daDeclaração Uni.versa.1 operada pelo art. 16.0, n.O 2, mas também,directamente, por virtude do art. 30.0, n.O 4 (no texto inicial.) e (apósa revisão de 1982) dos arts. 26.0, n.os 1 e 3, e 19.0, n.O 4.Constante é, porém, ao longo do constitucionalismo português(salvo em certo período) a atribuição ao Parlamento da competêncialegislativa atinente a esta matéria. Em geral assim sucedeu nas Cons-/ .., tituições liberais. Na vigência da Constituição de 1933 tal deixou dese verificar entre 1945 (ou 1933) e 1971 com a paridade ou quaseparidade de poderes legislativos do Governo, mas em 1971 a aqui-

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~. sição, a perda e a reaquisição da naciona.1idade foram incluídas nareserva relativa da Assembleia Nacional (I) [art. 93.0, alínea a)]; e,assim passariam para a Constituição de 1976 [art. 167.0, alínea a)].(I) V. a justificação no relatório da proposta de lei de revisão [in Diário dasSessões da Assembleia Nacional, x legislatura, 1970, suplemento ao n.o 50,pâg. 1048(13)] e a concordância da Câmara Corporativa (in Actas, x legislatura,1971, n.o 67, pâgs. 651-652).--"104 Manual de Direito Con.\'titucionalPor último, em 1.982, a matéria seria incluída no elenco da reservaabsoluta da Assembleia da República [art. 167.0, alínea I), hoje].Ao mesmo tempo, pelo menos desde 1971, quaisquer tratadosinternacionais sobre cidadania têm de ser aprovados pelo Parlamento[art. 91.0, n.07, da Constituição de 1..933 revista eart. 164,0, alíneaj),da Constituição de 1976].II -Um re]ance comparativo mostra que não são muitas as Consti-tuiçÕes formais doutros países que contemp]am expressamente a prob]e-mática da cidadania (o que não significa que e]a não entre,' insistimos, noDireito constituciona] materia]) (I).Quando contemp]am, é para prescrição de garantias conceme1'1tes à perdada cidadania: art. 22." da Constituição italiana (fonte do nosso art. 26.", n." 3):art. ] 6." da Constituição alemã federa]; art. 4.", n." 3, da Constituição gregade] 975; art. ] ] ,", n." 2, da Constituição espanhola de] 978; art. 8." da Cons-tituição estoniana de] 992; art. ] 1." da Constituição checa de 1992; art. 20."da Constituição su]-africana de] 996. Ou é para remissão para a lei: art. 4."da Constituição belga; art. 5." da Constituição romena de 1991; art. 5." da Cons-tituição cabo-verdiana de 1992; art. 19." da Constituição angolana de 1992;art. 4." da Constituição ucraniana de] 996. Ou é para previsão de convençõesde dupla cidadania: art. 11.", n.Os I e 3, da Constituição espanhola.Mas, às vezes, as próprias Constituições estabelecem os modos de aqui-sição e de perda da cidadania: arts, 2." e segs. da Constituição francesa de 1791(a primeira discip]ina moderna da matéria e fonte da nossa Constituiçãode 1822); 14." Aditamento, de 1866, à Constituição dos Estados Unidos;arts. 30." e 37.0 da Constituição mexicana de 1917; arts. 35,0 e segs. da Cons-tituição venezuelana de 1961; arts. 5." e segs. da Constituição equatorianade 1979; art. 12." da Constituição brasileira de 1988; arts. 11." e segs. da Cons-tituição moçambicana de 1990; art. 25." da Constituição búlgara de 1991; art. %.oda Constituição colombiana de 1991; art. 34.0 da Constituição polaca de 1997.24. A evolução do tratamento da cidadania, em Portugal,de 1822 a 1974I I -Não entra no âmbito desta obra traçar a evolução do

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tratamento da cidadania ao longo da história do Direito portu-(I) Para o tratamento pela legislação ordinária, v. a colectânea, a cargo de GIO-VANNI KOJANEC, La cittadinanza nel mondo, 3 vols., Pádua, 1977 a 1982.f.~ Parte III-Estrutura Constitucional do Estado 105guês (I ); SÓ se justifica uma breve referência à evolução ao longo~ do constitucionafismo.n -Nas Constituições monárquicas verificou-se certa oscilaçãoentre jus sanguinis e jus soli (prevalência do primeiro em 1822e 1838, prevalência do segundo em 1826); mas, ao mesmo tempo nastrês previram-se diferenciações em razão do sexo e da filiação legí-tima ou ilegítima.Gozavam da qualidade de cidadão português os filhos de pai portuguêse os filhos ilegítimos de mãe portuguesa nascidos (uns e outros) no reino ouno estrangeiro, quando aqui viessem estabelecer domicílio (2); gozavam delatambém, sob certas condições, os filhos de pai estrangeiros nascidos em Por-tugal (3), assim como os naturalizados (4). Quanto à perda da cidadania,resultava de naturalização em pais estrangeiro e de aceitação, sem licença doGoverno, de emprego, pensão ou condecoração de Governo estrangeiro (5).O Código Civil publicado em 1867 versou, também ele, a matéria (noâmbito da capacidade civil), embora se tenham suscitado dúvidas acercada sua constitucionalidade. Impôs-se na prática o entendimento, esteado noart. 144.0 da Carta Constitucional, segundo o qual a cidadania, por nãodizer respeito só por si (ou imediatamente) nem aos direitos políticos, nemaos Poderes do Estado, poderia ser objecto da lei ordinária (6). De qualquerJ(1) Sobre o assunto, v. MOURA RAMOS, Do Direito Português da Nacionali-dade, Coimbra, 1984.(2) Porém, a Constituição de 1838 considerava portugueses os filhos de paiportuguês nascidos em telTitório português ou no estrangeiro (art. 6.0_1), sem distinguir.(3) A Carta Constitucional aludia directamente à separação entre Portugal e oBrasil. ao dizer que eram cidadãos portugueses "os que tiverem nascido em Portu-gal ou nos seus Domínios e que hoje não forem cidadãos brasileiros". E comisso, muito simplesmente, resolvia delicadas questões de sucessão e de estatutos depessoas.(4) V. GUIMARÃES PEDROZA,Da naturalização em Portugal segundo o Direitomoderno, Coimbra, 1881 (com interessantes referências históricas).(5) E ainda (na Constituição de 1838) da condenação por sentença no "per-dimento" dos direitos de cidadão português (art. 7."-1).(6) Cfr. VICENTE FERRER NETO PAIVA, Reflexões sobre os sete primeiros títu-los do livro único da parte 1 do Projecto do Código Civil Porguguês, Coimbra,1859, págs. 66 e segs. (o Código seria alei regulamentadora da

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cidadania previstana Carta); LOPES PRAÇA, Estudos sobre a Carta Constitucional, I, Coimbra, 1878,106 Manual de Direito Constitucionalfonna, os arts. 18." a 23." do Código não trouxeram modificações ao pre-domínio do jus soli vindo da Carta e de novo apenas vieram prever a aqui-sição derivada (bem como a perda) da cidadania, por virtude de casamentoe não apenas por virtude de naturalização (I).No projecto elaborado pela Comissão da Constituição eleita pela Assem-bleia Constituinte de 1911 continuava a haver disposições sobre "como seadquire, perde e recupera a qualidade de cidadãoportugQês" (arts. 52." e 53.").Notou-se, porém, o perigo qué adviria de inserir semelhantes disposições naConstituição, pois levaria a considerar constitucional esta matéria" r), eacabaria por se formular uma norma remissiva para a lei civil (o art. 74.")."O Código Civil diz unicamente quais são os cidadãos portugueses para oefeito do exercício dos direitos civis, não diz nada para o efeito dos direi-tos políticos, e por isso era preciso fazer referência na Constituição às dis-posiçÕes do Código Civil" (3).Na mesma linha, o art. 7." da Constituição de 1933 veio prescrever quea lei civil detenninaria como se adquire e como se perde a qualidade de cida-dão português; e, em 1971, por se ter tomado consciência de que essa leinão era substancialmente civil, passou a falar-se apenas em "lei".Entretanto, tinham sido feitas algumas alterações e adaptações legis-lativas através do Decreto de 2 de Dezembro de 1910, do Regulámento deRecrutamento Militar de 23 de Agosto de 1911 edo Decreto n.t> 19 126,de 16 de Dezembro de 1930 (que as inseriu no texto do Código Civil).pág. 154 (preconizando a substituição dos preceitos dos arts. 7.() e 8." da Carta poruma simples referência à legislação civil); ou BERNARDO DE ALBUQUERQUE E AMA-RAL, Direito Eleitoral Português, Coimbra, 1902, pág. 20 (seria vã a garantia dos direi-tos políticos dos cidadãos se não abrangesse as condições de que eles dependem eo Código Civil teria apenas esclarecido e regulamentado os arts. 7." e 8." da Carta).V. ainda DIAS FERREIRA, op. cit., I, pág. 28 (passo citado).No projecto de lei apresentado à Câmara dos Deputados em 24 de Janeirode 1872, por José Luciano de Castro, tendente à reforma da Carta, previa-se a har-monização dos seus preceitos com os preceitos homólogos do Código Civil, atépara que se não pusesse em dúvida a legalidade "com que foram, por uma simpleslei votada em cortes ordinárias, alterados preceitos essencialmente constitucionais"e para que não estivesse "em formal antinomia a legislação reguladora da capaci-dade civil com a que rege a aquisição e a perda' dos direitos

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políticos" (Diário daCâmara dos Senhores Deputados, 1872, pág. 123).(I) V. DIAS FERREIRA, op. cit.; I, págs. 27 e segs.; MACHADO VILELA, op.cit., I, págs. 84 e segs.(2) MARNOCO E SOUSA, Comentário, cit., págs. 612-613.(3) MARNOCO E SOUSA, op. cit., pág. 613.Parte m-Estrutura Constitucional do Estado 107m -Mais significativa modificação de perspectiva ocorreria em 1959,com a publicação, pela primeira vez, de um diploma especial e abran-gente, a Lei n." 2098, de 29 de Julho, dita "Lei da Nacionalidade Portu-guesa".Como se escrevia no relatório da proposta de lei de que saiu (I), "jus,.tificar-se-ia dar assento constitucional à matéria cm face dos efeitos danacionalidade. Mas não são apenas os efeitos; são também os pressupos-tos da aquisição ou da perda da nacionalidade que principalmente se pretenderegular; e estes, muito embora interessem grandemeriteao direito político,prendem-se, no geral, com elementos de direito privado, cuja minuciosadisciplina, nas conexões que tem com o tema da nacionalidade, não devesobrecarregar o texto da Constituição, nem convém subordinar, em vistadas suas possíveis alterações, à rigidez própria dos diplomas de carácterconstitucionais r).A Lei n." 2098 é um texto bastante completo e tecnicamente aperfei-çoado, que distingue entre aquisição originária (a que chama atribuição) eaquisição superveniente da cidadania e naquela, ainda, entre aquisição pormero efeito da lei e aquisição ~r efeito da vontade declarada ou presumida.Na aquisição originária continua a predominar o critério do jus soli.Como inovações registem-se: a faculdade dada à mulher estrangeira quecase com português de declarar que não quer adquirir a cidadania ~rtuguesa(base x); a perda da cidadania ~r deliberação do Conselho de Ministros rela-tivamente aos portugueses havidos também como cidadãos de outro Estadoque, "principalmente após a maioridade ou a emancipação, se comportemde facto apenas como estrangeiros" e aos portugueses definitivamente con-denados por crime doloso contra a segurança externa do Estado ou que"ilicitamente exerçam a favor de ~rênciaestrangeira ou de seus agentes acti-vidades contrárias aos interesses da Nação Portuguesas (base xx); o trata-mento autónomo da reaquisição (bases XXII e XXIII); e O poder de oposiçãodo Governo à aquisição (mesmo originária) e à reaquisição em certos casos(bases xxxv e segs.) (3).(1) V. o relatório, in Diário das Sessões da Assembleia Nacional, n." 71,de 13 de Fevereiro de 1959, págs. 175 e segs.; o parecer da Câmara Corporativa, ibi-dem, págs. 184 e segs. (e in Pareceres, 1959, I, págs. 123 e segs.); e o debate na gene-

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ralidade, in Diário, n.OS 73, 75 e 76, págs. 207 e segs., 224 e segs. e 236 e segs., res-pectivamente.(2) Relatório cit., loc. cit. , pág. 176.(3) Sobre o regime da Lei n." 2098, em especial v. GONÇALVES DE PROENÇA,Comentário à Nova Lei da Nacionalidade, Lisboa, 1960.108 Manual de Direito Constitucional ~11,25. A problemática da cidadania após 1974I ~ A revolução de 25 de Abril de 1974 e a nova ordem cons-titucional a seguir emergente produziram eventos extremamenteitnportan:tes para toda a problemática da cidadania.O acesso à independência dos territórios africanos, nos termos daLei n.O 7/74, de 27 de Julho, determinou a cessação da cidadaniaportuguesa dos seus habitantes (a qual lhes era çonferida à face daConstituição de 1933 e das Constituições anteriores). E algo desemelhante se verificou, no plano do direito interno, com o reconhe:.cimento, autorizado pela Lei n.O 9/7 4, de 15 de Outubro, da sobera-nia indiana sobre Goa, Damão e Diu.A redução do espaço territorial do Estado ao da Nação portu-gUesa, o novo relevo adquirido pelas comunidades de emigrantes, odesejo de integração europeia e a aproximação dos sistemas domi-nantes no resto da Europa levaram a que se repensasse a articulaçãoentre os dois critérios clássicos de aquisição, de modo a diminuir ainfluência do jus soli sem, contudo, aumentar acentuadamente a dojus sanguinis (I). Levaram ainda a que se realçasse o papel da von-tade, de modo a circunscrever a perda da cidadania praticamente acasos de renúncia ou repúdio. ,Por seu turno, a Constituição de 1976, proibindo todas as dis-criminaçÕes fundadas no sexo (arts. 13.0, n.O 2, e 36.0, n.O 3) e nafiliação (art. 36.0, 0.0 4) e consagrando um princípio geral de juris-dicionalização de defesa dos direitos (arts. 20.0 e 205.0, sobretudo),provocaria a inconstitucionalidade de certas disposições da Lein.O 2098 (2).Para acautelar a conservação da cidadania portuguesa tendo emvista situações de "especial relação de conexão com Portugal" oude "inequívoca manifestação de vontade nesse sentido" foi publi-cado o Decreto-Lei n.O 308/75, de 24 de Junho.(I) Cfr. FRANCISCO LUCAS PIRES, op. cit" pâg. 97: "Num momento em que opais como se recria ou refaz internamente e muda o seu rosto, face ao mundo, estaalteração teria como que o sentido de uma nova chamada a todos os portugueses que otivessem abandonado -ao país velho -ou por ele tivessem sido abandonados".(2) Cfr. MOURA RAMQS, Do Direito. .., cit., pâgs. 84 e segs.Parte III~Estrutura Constitucional do Estado 109Para ir ao encontro das novas realidades políticas e dar satisfa-ção aos imperativos constitucionais tornou-se evidente, desde 1976,a necessidade de preparação de um novo estatuto 1egislativo da cida-dania.11- Surgido num contexto muito complexo, o Decreto-Lein." 308-A/75 provocou uma larguíssima polêmica jurídica e política (I).Por exemplo, segundo MOURA RAMOS, O legislador terá optado portratar as repercussões da descolonização sobre a nacionalidade de formaunilateral "eventualmente pela dificuldade em delinear com os novos Esta-dos uma solução uniforme para os vários problemas que se levantam".

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Aofazê-lo, no entanto, seguiu um caminho -a desnacionalização pura e sim-ples de alguns dos seus nacionais -com resultados, pelo menos, não ade-quados às linhas directoras do Direito internacional. "Assim não só sepotehciou o aparecimento de situações de apatridia como se não deu qual-quer relevo à vontade dos interessados na alteração da sua nacionalidade ese privaram da nacionalidade portuguesa indivíduos que mantinham fun-dos làços com Portugal e queriam continuar cidadãos portugueses" r) (3).Chegou a ser questionada a constitucionalidade do art. 4." (4), por essanorma, ao determinar a perda da cidadania portuguesa de cidadãos nascidos(I) Sobre o regime do Decreto-Lei n." 308-A/75, v. MOURA RAMOS, Nacio-nalidade e descolonização. cit., loco cito, págs. 148 e segs. e 333 e segs.; pareceresn.OS 152/76 e 263/78 da Procuradoria-Geral da Répública, in Boletim do Ministérioda Justiça, noOS 274 e 290, págs. 23 e segs. e 157 e segs., respectivamente; 9.0 rela-tório do Provedor da Justiça, in Diário da Assembleia da República, III legislatura,3." sessão legislativa, 2.0 supl., 2." série, n.O 61, págs. 2125(40)-2125(41); ANA BARA-HONA, op. cito, págs. 81-82; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Junhode 1984, in Boletim do Ministério da Justiça, n.O 338, Julho de 1984, págs. 372e segs.; acórdão de 23 de Junho de 1992 do Supremo Tribunal Administrativo(pleno), in Ac6rdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, n.O 387,págs. 399 e segs.; parecer n." 34/93 da Procutadoria-Geral da República, de 16de Agosto de 1994, in Boletim do Ministério da Justiça, n.O 447, Junho de 1995,págs.5 e segs.; acórdão n.O 332/94 do Tribunal Constitucional, de 13 de Abril de 1994,in Diário da República, 2." série, n.O 200, de 30 de Agosto de 1994; MARQUES DOSSANTOS, op. cit., loc. cit., págs. 289 e segs.(2) Op. cit., loc. cito, pág. 358.(3) V. a resposta a estas e outras críticas do principal autor do diploma,ALMEIDA SANTOS (intervenção, in Diário da Assembleia da República, " legisla-tura, 1." sessão legislativa, I." série, n.O 80, pág. 3168).(4) Assim como a do art. 1.0, n." I , alínea e).

110 Manual de Direito Constitucionalem território ultramarino tornado independente e não abrangidos pelosarts. 1.0 e 2.0, tê-lo feito sem lhes conceder a possibilidade de opção pela con-servação da cidadania portuguesa. Mas o Tribunal Constitucional não tomouconhecimento do pedido, invocando a sua inutilidade superveniente (I).Em 1988, finalmente, seria revogado -pela Lei n.O 113/88, de 29de Dezembro -por se entender que a grande maioria dos seus preceitosesgotara o seu efeito e por ser tempo de extinguir o regime

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excepcional deconservação (ou de concessão) de cidadania portuguesa que comportava (2).III -Dos projectos de Constituição submetidos à Assembleia Cons-tituinte, quatro referiam-se à aquisição da cidadania, se bem que todos deforma muito sumária.Um ficava-se por mera norma remissiva (art. 3.0, n.O 1, do projecto dQPartido Popular Democrático) e dois outros diziam ou que alei atenderia pre-dominantemente ao critério da consanguinidade (art. 2.0, n.O 2, do projectodo Centro Democrático Social) ou que eram cidadãos portugueses todos osindivíduos nascidos em território nacional, filhos de pai ou mãe portuguesa,e aqueles que a lei considerasse como tais em razão da filiação, do lugar donascimento ou do casamento (art. 2.0, n.O 4, do projecto do Partido Comu-nista Português). Em plano diverso, um quarto projecto prescrevia que"todo aquele que no estrangeiro conspire ou actue contra o povo portuguêse as suas instituições democráticas ou revolucionárias será privado da nacio-nalidade portuguesa" (art. 21.", n.O 2, do projecto do Movimento Demo-crático Português).A Constituinte não consagraria, como já se disse, nenhum critério e cin-gir-se-ia a remeter a definição da cidadania não apenas para a lei mas tam-bém para convenção internacional (art. 4.) (3). O exemplo das duas Cons-tituições anteriores e as sequelas da descolonização terão aconselhado aqui(I) Quanto aos territórios tomados independentes em 1975, por tal ter acon-tecido antes da entrada em vigor da Constituição e esta não se aplicar retroactiva-mente; quanto a 1imor, por, entretanto, o Decreto-Lei n." 308-A/75 ter sido revogado(acórdão n." 319/89, de 14 de Março de 1989, in Diário da República. 2." série.n.O 146, de 28 de Junho de 1989).(2) v. proposta de lei n.O 63/V (in Diário da Assembleia da República, v legis-\atura, 1." sessão legislativa, 2." série, n.O 82, págs. 1579-1580); parecer da comis-são parlamentar (ibidem. n.O 92, págs. 1703 e 1704); e debate (ibidem. 1." série,n.O 116, reunião de 14de Julho de 1988, págs. 470\ e segs.).(3) Naturalmente, convenção de que Portugal seja parte; cfr. SOARES MARTI-NEZ, Comentário à Constituição Portuguesa de 1976, Lisboa, 1978, pág. 18.Parte ll/ -Estrutura Constitucional do Estado IIIalguma prudência. O assunto não foi, porém, discutido no Plenário daAssembleia (I).Em 1981, o projecto de revisão constitucional da Aliança Democráticaretomaria, sem êxito, a ideia de, na definição das condições de aquisição,perda e reaquisição da cidadania, se ter. em conta o "especial relevo dos laçosde sangue e de cultura na consolidação da comunidade portuguesa"

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(art. 4.0,n.O 2, proposto) (2). E em 1987 algo de semelhante constaria, com resul-tado idêntico, do projecto de revisão do Centro Democrático Social (3).IV -No projecto de Constituição do Centro Democrático Social esta-belecia-se entre as garantias individuais a proibição de privação da cidada-nia portuguesa por moti.vos de ordem política ou em consequência da apli-cação de qualquer sanção (art. 13.0, n.O 6). Foi a origem imediata doart. 30.0, n.O 4, inicial, da Constituição, que veio consagrar o direito de nin-guém ser privado por motivos políticos da cidadania portuguesa (assimcomo da capacidade civil ou do nome) (4).Nos projectos de revisão constitucional da Acção Social-DemocrataIndependente e da Frente Republicana e Socialista, em 1981, alvitrou-se atransplantação da regra para o art. 4.0, logo em sede de "Princípios Funda-mentais". Essa transferência não seria aprovada, mas dar-se-ia outra, nãopouco importante: do art. 30.0 (que versa sobre limites das penas e dasmedidas de segurança) para o art. 26.0, n.O 3 (sobre direitos pessoais).E, além disso, aditar-se-iam três notas: referência explícita ao direito à cidadania(art. 26.0, n.O 1); proibição da sua suspensão em estado de sítio (art. 19.0, n.O 4e, após 1989, n.O 6), elevando-se, pois, o direito à cidadania ao elenco dosdireitos mais protegidos e, portanto, mais valiosos da ordem jurídica portuguesa;prescrição de a privação da cidadania só poder efectuar-se nos casos e nos ter-mos previstos na lei (art. 26.0, n.O 3, e, após 1997, n.O 4, 1." parte).V -Finalmente, para uma nova lei de cidadania concorreriam uma pro-posta de lei (sobretudo) e dois projectos de leis apresentados à Assembleia(I) Afora numa intervenção do Deputado Amaro da Costa (in Diário. n.O 24,pág. 606).(2) v. Diário da Assembleia da República, II legislatura, I.. sessão legislativa,2." série, 3." suplemento ao n." 108, págs. 3332(40) e segs.(3) V. Diário, v legislatura, 2.. sessão legislativa, 2.. série, n.O 59-RC, acta n."57, págs. 1869 e 1870.(4) V. Diário da Assembleia Constituinte, n." 37, págs. 1019 e 1026, e n.O 131,pág. 4372.112 Manual de Direito Constitucionalda República (I); e ela seria aprovada numa fase de estabilização do regimee da vida do país. É aLei n.o 37/81 , de 3 de Outubro, alterada, em algunspontos, pela Lei n.o 25/94, de 19 de Agosto; e regulamentada peloDecreto-Lei n.o 322/82, de 12 de Agosto (este, por seu termo, com as modi-ficações introduzidas pelos Decretos-Leis n.OS 117/93 e 253/94, de 13 de Abrile 20 de Outubro, respectivamente).Ao estudo da actual legislação, cabe agora proceder esquematica-mente r).

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26. o actual regime de aquisição da cidadania portuguesar ~ Diz-se originária a cidadania adquirida pelo nascimento oupor acto ou facto jurídico que se reporta ao nascimento. Diz-se nãooriginária a adquirida por qualquer outro acto ou facto jurídico.Tal como a Lei n.O 2098, aLei n.037/8l chama atribuição à aqui-sição da cidadania originária, querendo com isto salientar, segundoparece, a inerência da cidadania à própria pessoa no caso dos cida-dãos de origem (muito embora, em contrapartida, possa notar-se queaquisição da cidadania há sempre e que O termo aquisição melhor tra-duz a matriz individual do fenómeno e a sua projecção na esferajurídica das pessoas).A cidadania originária adquire-se por mero efeito da lei -ouseja, automaticamente, por virtude do nascimento -e por efeito dalei e da vontade (art. 1.0) (3).(I) Foram a proposta da lei n.o 29/II e os projectos de lei n." 53/II e n." 164111,o primeiro subscrito pelo Deputado Jorge Miranda e o segundo pelo DeputadoAlmeida Santos e por outros. A proposta de lei tinha por antecedente a proposta delei n." 326/1 apresentada pelo 6." Governo constitucional em 1980, e o projecto delei n." 53/II reproduzia ipsis verbis o projecto de lei n.o 22/1 (sobre este, v. JosÉCARWS ROSA NOGUEIRA, Da lei da nacionalidade portuguesa, in Boletim da Direc-ção-Geral dos Registos e Notariado, 1980, ano I, n." 1, págs. 347 e segs.).V. a discussão, in Diário da Assembleia da República. II legislatura, 1." sessãolegislativa, I." série, n." 11, págs. 318 e segs., n." 53, págs. 2022 e segs., n." 80,págs. 3160 e segs., e n." 90, págs. 3716 e segs.(2) Desenvolvidamente, v. MOURA RAMOS, Do Direito..., cit., págs. 129 e segs.(3) Deliberadamente, aLei n.o 37/81 aqui não distingue, ao contrário do quefazia a Lei n." 2098.Parte ///-Estrutura Constitucional do Estado 11.3A cidadania não originária adquire-se por efeito da vontade(arts. 2.0, 3.0 e 4.0), por adopção (art. 5.0) e por naturalização (arts. 6.0e 7.0) -ou seja, respectivamente, por meio de vontade unilateral dointeressado, por acto de vontade doutrem, o adoptante, e por decisãoda autoridade competente, o Governo, precedendo acto de vontade dointeressado.Só a filiação estabelecida durante a menoridade produz efeitosrelativamente à cidadania (art. 14.0).II -São portugueses de origem, por mero efeito da lei:-Os filhos de pai português ou de mãe portuguesa nascidos emterritório português ou sob administração portuguesa [art. 1.0, n.O I,alínea a), 1." parte];-Os filhos de pai português ou de mãe portuguesa nascidos noestrangeiro, se o progenitor português se encontrar aí ao serviço doEstado português [art. 1.0, n.O I, alínea a), 2." parte] (I);-Os indivíduos nascidos em território português quando nãopossuam outra cidadania [art. 1.0, n.O I, alínea d)].Presumem~se nascidos em território português ou em territóriosob administração portuguesa, salvo prova em contrário, os recém~nas-cidos expostos naqueles territórios (art. 1.0, n.O 2) (2).III -São portugueses, por efeito da lei e da vontade:-Os filhos de, pai português ou de mãe portuguesa nascidos noestrangeiro, se declararem que querem ser portugueses ou inscreve~rem o nasimento no registo civil português [art. 1.0, n.O I, alínea b )];

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-Os indivíduos nascidos em território português, filhos deestrangeiros que aqui residam com título válido de autorização deresidência há, pelo menos, seis ou dez anos conforme se trate, res-pectivamente de cidadãos de países de língua portuguesa ou de outrospaíses, e que não estejam ao serviço do respectivo Estado, se decla-rarem querer ser portugueses [art. 1.0, n.O 1, alínea c), após 1994].,r (I) Sendo de admitir talvez que a este serviço possa equiparar-se o serviço def organização internacional de que Portugal seja parte.I:: (2) Cfr. art. 12." da Convenção da Haia de 1930.8- Manual de Direito Constitucional. IIIc,114 Manual de Direito ConstitucionalA dupla exigência de um período mínimo de residência habitualdos pais e de uma manifestação da vontade é o mais directo sinal dediminuição do jus soli, Já não pode falar-se num princípio geralsegundo o qual todos os indivíduos nascidos em Portugal são portu-gueses, salvo a chamada excepção diplomática (I). O requisito demenos tempo de residência quando os pais sejam cidadões de paísesde língua portuguesa é mais um sinal das relações específicas dePortugal com esses Estados.Em contrapartida, o não se considerarem ope legis portuguesesos filhos de qualquer português ou portuguesa nascidos no estrangeiro,mas apenas também quando declararem uma vontade nesse sentido(2), é sinal de uma não prevalência ou de uma não prevalência abso-luta do jus sanguinis (3).A atribuição da cidadania portuguesa produz efeitos desde onascimento, sem prejuizo da validade das relações jurídicas ante-riormente estabelecidas com base em outra cidadania (art. 11,0).As declarações relativas à cidadania podem ser prestadas peranteos agentes diplomáticos e consulares portugueses (art, 17.0).A Lei n,O 25/94 estabelece ainda que pode ser reconhecida acidadania portuguesa de origem aos indivíduos que hajam sido havi-dos continuadamente como portugueses até à data da publicação daLei n,O 37/81 , em consequência de inscrição ou matrícula consularanterior a 29 de Julho de 1959; e esse reconhecimento é extensivo aoscônjuges, viúvos, divorciados e descendentes, nos termos das leis danacionalidade que Ihes sejam aplicáveis,O reconhecimento da cidadania é efectuado por despacho doMinistro da Justiça, a pedido do interessado ou, quando seja o caso,(I) Como escrevia PAULO CUNHA, op. cit., pág. 45.(2) E era este já o regime da Lei n." 2098 (base IV).(3) Como foi logo dito no debate donde sairia a Lei n." 37/81, não é possi -vel preferir, de modo absoluto, o jus sanguinis ao jus soli. "o que deverá, sim, pro-curar-se é extrair de ambos todas as consequências razoáveis e compatíveis comasua necessária articulaçãos (Deputado Jorge Miranda, in Diário, cit., n." 80,pág. 3165; cfr. as intervenções do mesmo Deputado, ibidem, n." 90, pág. 3717, edos Deputados Almeida Santos e Barrilaro Ruas, ibidem. n." 80, págs. 3167 e segs.e 3181-3182).Parte Ill-Estrutura Constitucional do Estado 115do cônjuge sobrevivo ou de descendente, apresentado no prazo de doisanos, e mediante processo organizado e instruído nos termos esta-belecidos em decreto-lei (art. 2.0)..IV -A aquisição da cidadania não originária por efeito da von-tade dá-se em três hipóteses:-Os filhos menores ou incapazes de pai ou mãe que adquiraa cidadania portuguesa podem também adquiri-Ia, mediante decla-

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ração (art. 2.0);-O estrangeiro casado com cidadão português há mais de trêsanos pode adquirir a cidadania portuguesa mediante declaração feitana constância do casamento (art. 3.0, n.O 1, após l.994) (I);-Os que hajam perdido a cidadania portuguesa por efeito dedeclatação prestada durante a sua incapacidade podem adquiri-la (ouantes, readquiri-la) quando capazes, mediante declaração (art. 4.0).O casamento passa apenas a ser um pressuposto da aquisição dacidadania r), não mais um modo de aquisição (3). Por outro lado,tanto podem adquirir a cidadania portuguesa a mulher como o marido,de acordo com o princípio constitucional. de igualdade de sexos ede conjuges (arts. 13.0, n;O 2, e 36.0; n.O 3, da Constituição). E adeclaração de nulidade ou a anulação do casamento não prejudica acidadania adquirida pelo cônjuge que o contraíu de boa fé (art. 3.0,n.O 2, da Lei).Em qualquer caso, a possibilidade de aquisição de cidadaniapelos filhos menores ou incapazes ou pelo cônjuge tem como razãode ser a salvaguarda da unidade do estatuto familiar.V ..,-- O adoptado plenamente por cidadão português adquire acidadania portuguesa (art. 5.0).Esta regra, coerente com a consagração da adopção peloCódigo Civil d~ 1966, justifica-se por um objectivo de unidade(I) A prescrição de certo tempo de duração de casamento destina-se a evitara fraude à lei.(2) Na linha da Convenção de 1957 sobre Nacionalidade da Mulher Casada.(3) No Código Civil de 1867, a aquisição da cidadania pelo casamento dava-senecessariamente e na Lei n." 2098 necessariamente, salvo declaração em contrário.116 Manual de Direito Constitucionalda família ou de unicidade da cidadania dentro da família -tal comoa regra paralela (embora não coincidente) sobre os filhos menores ouincapazes de quem adquira supe1Venientemente a cidadania portuguesa.VI -Pode ser deduzida oposição à aquisição da cidadania por-tuguesa por efeito da vontade ou por adopção com qualquer destesfundamentos (art. 9.0, na versão da Lei n.O 25/94):a) A não comprovação pelo interessado de ligação efectiva àcomunidade nacional;b) A prática de crime punível com pena de prisão de máximosuperior a três anos, segundo a lei portuguesa (I);c) O exercício de funções públicas (2) ou a prestação de ser-viço militar não obrigatório a Estado estrangeiro.A oposição é deduzida pelo Ministério Público no prazo de umano a contar da data do facto de que dependa a aquisição da cidadania,em processo instaurado no Tribunal da Relação de Lisboa (art. 10.0,n.O I) (3).Vil -A naturalização continua a repousar no poder discricionárioexercido pelo Governo. É a solução tradicional do nosso Direito (4),(I) No caso objecto do acórdão n.O 341/87 do Tribunal Constitucional, de 10de Julho de 1987 (in Diário da República. 2.. série. n.O 220, de 24 de Setembrode 1987), foi contestada a constitucional idade do preceito, por violação do art. 30.0,n.O 4, da Constituição; o Tribunal não conheceu, porém, do recurso.r) Cfr. MOURA RAMOS, Oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa.in Revista de Direito e Economia, 1986, págs. 290 e segs.: para efeito de oposição,funções públicas são apenas funções que envolvem dependência tal do Estado estran-geiras que criem a convicção de que o interessado não irá assumir os seus deveres

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para com o Estado português.(3) Há numerosas decisões judiciais, inclusive acórdãos do Supremo Tribunalde Justiça: v., por exemplo, o de 13 de Fevereiro de 1986, In Boletim do Ministé-rio da Justiça, n.O 354, Março de 1986, págs. 488 e segs.(4) Nas Constituições monárquicas, a concessão da naturalização cabia aoRei, como chefe do Poder Executivo (art. 123.0, IX, da Constituição de 1822; art. 75.0,§ 10.0, da Carta; art. 82.0, VIII, da Constituição de 1838).Cfr., na doutrina, MACHADO VILELA, op. cit., I, págs. 84 e segs.; GONÇALVES.DE PROENÇA, op. cit., págs. 74 e segs. e 100 e segs.; MOURA RAMOS, Do Direito...,cit., págs. 163 e segs.Parte III '"- Estrutura Constitucional do Estado 117embora não a única possível, nem a única compatível com a naturezapublicistica do vínculo da cidadania (I).O Governo pode conferir a cidadania portuguesa aos estrangei-ros que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos (art. 6.0,n.O I, após 1994):a) Serem maiores ou emancipados à face da lei portuguesa;h) Residirem em território português ou em território sob admi-nistração portuguesa, com título válido de residência, há, pelo menos,seis ou dez anos (2), consoante se trate, respectivamente, de cida-dãos de países de língua portuguesa ou de outros países;c) Conhecerem suficientemente a língua portuguesa;d) Comprovaram a existência de uma ligação efectiva à comu-nidade nacional;e) Terem idoneidade cívica;1) Possuírem capacidade para reger a sua pessoa e assegurara sua subsistência.Os requisitos constantes das alíneas h) e c) podem ser dispensadosem relação aos que tenham tido a cidadania portuguesa -o queequivale a uma forma particular de reaquisição -aos que foremhavidos como descendentes de portugueses, aos membros das comu-nidades de ascendência portuguesa (3) e aos estrangeiros que tenhamprestado ou sejam chamados a prestar serviços relevantes ao EstadopoJtuguês (art. 6.0, n.O 2).Os requisitos das alíneas d), e) e h) hão-de ser densificadospelos tribunais, quando chamados a controlar as decisões do Governo,nos termos gerais (4).{1) Nada impediria que se estabelecesse um poder vinculado e, até, que, naperspectiva de um mundo solidário entre todos os homens, se viesse a admitir umdireito ou uma expectativa de estrangeiros que se encontrassem nas condições legaisde obter a naturalização. Neste sentido, os projectos de lei n.o 22/I e n.o 53/II.(2) Antes eram três anos. A elevação para seis ou dez anos resultou da ine-xistência, à face da Constituição, de incapacidades temporárias dos naturalizados, comosucedia na Lei n.o 2098 (base XXIX). Cfr. infra.(3) Conforme assim entenda o Governo e não conforme essas comunidades seconsiderem (como resultava da base XVII da Lei n.o 2098).(4) Cfr. CRIS11NA DE SOUSA MACHADO, Concessão da nacionalidade portuguesae limites intrínsecos de discricionariedade, in XX Aniversário do Provedor de Jus-tiça em Estudos, obra colectiva, Lisboa, 1995.118 Manual de Direito Constitucional

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A naturalização é concedida por decreto do Ministro da AdministraçãoInterna, precedendo requerimento do interessado e inquérito qrganizado e ins-truído nos termos de regulamento (art. 7.0, n.O 1 ).A carta de naturalização só produ~it:á efeitos se o seu registo for reque-rido dentro do prazo de seis meses, a contar da data da notific~ção para oseu levantamento (art. 13.0).VIII ~ Tendo em conta as modificações do regime da cidadania epor razões de igualdade de tratamento prevê-se aind~, a título transitório, aaquisição da cidadania mediante declaração (portanto, por efeito da vontade)relativamente:-Aos adoptados plenamente por cidadãos portugueses antes da entradaem vigor da Lei (art. 29.");-À mulher que tenha perdido a cidadania portuguesa por efeito docasamento (art. 30.0) -o que é um novo caso de reaquisição;-Aos que, nos termos da Lei n.O 2098 e da legislação precedente, per-deram a cidadania portuguesa por efeito de aquisição voluntária d~ cidada-nia estrangeira (art. 31.0) -o que, pela própria letra do preceito, não pode-ria abranger os naturais dos antigos territórios ultramarinos, os quais nãoadquiriram as respectivas cidadanias por manifestação de vontade, mas porvirtude de independência reconhecida internacionalmente (I).27. O regime da perda da cidadaniaI -Como se viu, o actual n.O 4 do art. 26.0 da Constituição con-tém duas normas atinentes à perda da cidadania, uma de carácterpositivo ou prescritivo, outra de carácter negativo ou proibitivo: sópode dar-se perda da cidadania nos casos e nos termos previstos ria .lei; é vedada a privação com fundamento em motivos políticos.E ambas decorrem, em linha recta, dos princípios do Estado deDireito democrático.I Quanto à norma prescritiva, apesar de o art. 26.0, n.O 4, falar em1 "privação", deve o termo ser entendido em sentido amplo -por! identidade de razão; por não se compreender que, à margem da pri-vação (que resulta de actos de poder público, administrativo ou juris-dicional), pudesse haver outras causas de perda não cominadas na lei;(I) Como frisou o Deputado Azevedo Soares (v. Diário. n." 80, pág. 3171).Parte lll-Estrutura Constitucional do Estado 119e, para além de tudo isso, por estar a perda da çidadania incluída nareserva de competência legislativa da Assembleia da República e,assim, ter de estar abrangida na reserva da lei.Quanto à norma proibitiva, ela já tinha, mesmo antes da pri-meira revisão constitucional, um alcance mais lato que o de merolimite da pena, ligado a motivos políticos (I). Proibia a privaçãoda cidadania como pena ou efeito da pena para quaisquer crimesalém dos praticados por motivos políticos (2); e proibia outrossimmedidas de outro tipo, fossem elas legislativas (por previsão, v. g. ,de "indignidades" nacionaisc ou sociais) ou administrativas (atéporque as penas são aplicadas por. via jurisdicional e com as garan-tias de defesa correspondentes) (3). Isso mesmo ficou esclare-cido ou reforçado pelo n.O 3 (hoje n.O 4) do art. 26.0, conjugado como n.O 1 (4).Direito, liberdade e garantia autónomo, o direito à cidadaniaintegra-se entre os direitos insl,1sceptíveis de suspensão até em estadode sítio com suspensão total de garantias (art. 19.0, n.O 6). E, comotal, ele constitui um Jimite material da revisão const~tucional

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[art. 288.0, alínea d)], não podendo admitir-se que, por via de revi-são, se introduzisse na Lei Fundamental qualquer forma ou qual-quer autorização de privação arbitrária da cidadania (5) ou que, sim-(I) Em paralelo com a proibição de extradição por motivos politicos doart. 23.0, n.O 2 (hoje art. 33.0, n.O 2).(2) A letra do art. 30.0, n.O 4, terá sido determinada apenas pela premência,.. de afastar taxativamente a possibiljdade de privação da cidadania nos casos em que--como a história mostra -existe maior risco de isso acontecer.(3) Cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., I." ed., 1978, pág. 98,e I, 2.a ed., pág. 195; JORGE MIRANDA, Um projecto de revisão constitucional. Coim-o:/ bra, 1980, pág. 17.(4) Cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., 3.a ed., pág. 180; e, emface do art. 22.0 da Constituição italiana, SILVANO LABRIOLLA, "Status civitatis" enorme costituzionàli. in Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. 1978,págs. 1317 e segs.(5) Mesmo à face da Constituição de 1933, já afirmávamos a existência delimites materiais da revisão atinentes à cidadania através da impossibilidade, porexemplo, de privar da cidadania portuguesa os fiéis de qualquer crença ou os por-tugueses do Estado da Índia ou de, por outro lado, estabelecer discriminações emrazão da raça (Ciência Política. .., II, pág. 93).120 Manual de Direito Constitucional..~plesmente, desde logo, deixasse de se consagrar a regra do art. 26.0,n.O 3 (I).II -Mas a Lei n.O 37/81 vai ainda para lá da Constituição, por-que não só não consente privação (imposta) da cidadania portuguesa (2)como apenas contempla a perda (voluntária) em certos casos (3).Na verdade, só perdem a cidadania portuguesa os que, sendo cida-dãos de outro &tado, declarem que não querem ser portugueses (art. 8.).É este, porventura, o aspecto mais inovador do vigente estatutoda cidadania: o não haver, em caso algum, perda da cidadania por actodo Estado, nem sequer por sentença (como podia ocorrer na vigên-cia da Carta, da Constituição de 1838 e do Código Civil de 1867);nem ocorrer por efeito de naturalização noutro país (como prevê oart. 12.0, § 4.0, 11, da Constituição brasileira); somente se produzirpor acto de vontade do interessado e, mesmo assim (na esteira daspreocupações internacionais de redução da apatridia), apenas quandose trate de cidadãos que o sejam também de outro Estado (4).Doravante, a aquisição voluntária de cidadania estrangeira deixade acarretar a perda da cidadania portuguesa, seja automaticamente,seja sob condição de declaração em sentido contrário do interessado(como sucedia na base XVIII da Lei n.O 2098) (5). Tem de se daruma segunda manifestação de vontade, especificamente dirigida aessa perda -ou melhor, a essa renúncia (ou repúdio) (6).(1) Sobre os direitos, liberdades e garantias como limite material de revisão,v. Manual IV, pâgs. 338 e segs.(2) Uma coisa é isso, a situação dos portugueses; outra coisa a dos estrangeirosque pretendam ser portugueses e em relação aos quais podem ser deduzidos impe-

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dimentos ou exigidos requisitos de naturalização a apreciar pelo Governo.~(3) Cfr. MOURA RAMOS, Do Direito. ...cit., pâgs. 177 e segs.(4) Sob este último aspecto, aLei n.o 37/81 segue de perto o art. 7.", n." 2,da Convenção de 1961 sobre redução dos casos de apatridia.(5) Por outro lado, o art. 115." do anterior Código Penal ia ao ponto de punirj com a suspensão de direitos políticos por 20 anos o português que se naturalizasseJ em país estrangeiro sem autorização do Governo.I(6) Nem com isto se afecta o direito de mudar de cidadania (art. 15.", n." 2,da Declaração Universal). Pelo contrário, garante-se esse direito e apenas se impedeque alguém fique sem cidadania.Parte Ill-Estrutura Constitucional do Estado 121O legislador vem, assim, preservar a liberdade actual do inte-, ressado e a integridade humana da comunidade política portuguesa..E tem em vista, designadamente, acautelar situações que se verificam,com alguma frequência: emigrantes que se naturalizam no país onde~ trabalham apenas porque da naturalização depende atingirem a ple-"I nitude de direitos e superarem discriminações (I). Contudo, a duplacidadania que, por esta via, se admite, pode criar problemas delica-dos: não tanto porque seja crível uma permanência da cidadania por-tuguesa por sucessivas gerações de descendentes de emigrantes quantoporque o exercício de certos direitos ou o cumprimento de certosdeveres por portugueses nessas condições pode brigar com outrosvalores e interesses (2) (3).III -A perda da cidadania portuguesa nunca é definitiva ouirremediável (4). Pode haver reaquisição, através de uma formacomum de aquisição superveniente ou de uma das formas especiaisjá mencionadas.Não prevê, porém, aLei n.o 37/81 nenhuma cláusula geral de rea-quisição, diversamente do que acontecia na legislação anterior emque bastava, para que se verificasse, o estabelecimento de domicílioem território nacional pelo naturalizado e a declaração de que pretendiareadquirir a cidadania portuguesa [base XXII, alínea a), da Lein.o 2098], salvo oposição do Governo (base XXXVII).28. Outros aspectos da disciplina legal da cidadania...,. I -Complementarmente, importa ainda conhecer outras dispo-siçÕes da Lei n.o 37/81, com interesse para a compreensão da disci-, plina legal vigente da cidadania portuguesa~ Referem-se elas ao: /jI', registo, à prova, ao contencioso e aos conflitos de leis.([ Assim, os efeitos das alterações da cidadania só se produzem ar,l.r,r(I) Assim, Deputado Jorge Miranda (in Diário, n." 80, pág. 3166).(2) Assim, Deputado Lino Lima (ibidem, pág. 3175).(3) Cfr. infra.; (4) A expressão é de MACHADO VJLELA, op. cit.. pág. 110.r!22 , Manual de Direito Constitucionalpartir da data do registo dos actos ou dos factos de que dependem(art. 12.0) (I).É obrigatório ,o registo, a requerimento dos interessados, dasdeclarações para a atribuição, para a aquisição e para a perda dacidadania e para a naturalização de estrangeiros (art. 18.0).

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As declarações de que dependem a atribuição, a aquisição ou aperda da cidadania portuguesa devem constar do registo centralde nacionalidade, a cargo da Conservatória dos Registos Centrais(art. 16,0).As declarações relativas à cidadania podem ser prestadas peranteos agentes diplomáticos ou consulares portugueses e, neste caso, sãoregistadas oficiosamente (art. 17.0), mas a inscrição ou a matrícula rea-lizada nos consulados não constitui só por si título atributivo da cida-dania portuguesa (art. 15.0).II -A cidadania originária de indivíduo nascido em territórioportuguês ou em território sob administração portuguesa e a cida-dania não originária adquirida por adopção provam-se pelo assento denascimento, sendo havidos como filhos de cidadãos portugueses osindivíduos de cujo assento não constar menção da cidadania estran-geira dos seus progenitores ou do seu desconhecimento (arts, 21.0,n.O 1, e 22.~, n.O 2).A cidadania portuguesa originária de indivíduç nascido no estran-geiro prova-se, consoante os casos, pelo registo da declaração deque depende a atribuição ou pelas menções constantes do assentode nascimento lavrado por inscrição no registo civil português(art, 21,0, n.O 2).A aquisição da cidadania não originária e a perda provam-sepelos respectivos registos ou pelos consequentes averbamentos exa-rados à margem do assento de nascimento (art. 22.0, n,O 1).,III -O contencioso da cidadania passou para os tribunais judi-ciais. Antes, a competência para decidir as questões de cidadania(I) Cfr. o citado acórdão n." 54!/87 do Tribuna! Constitucional, de !O de Julhode !987.Parte /ll- Estrutura Constitucional do Estado 123" ..cabia, de regra, ao Ministro da Justiça, com recurso contenciosopara o Supremo Tribunal Administrativo (bases LV e LVI da Lein.O 2098).Têm legitimidade para interpor recurso de quaisquer actos rela-tivos à atribuição, à aquisição ou à ,perda da cidadania portuguesa osinteressados e o Ministério Público(att. 25.0)..O tribunal competente é o da Relação de Lisboa (àrt. 26.0) eele é também competente para decidir sobre a perda da cidadaniaportuguesa nos casos de naturalização directa ou indirectamenteimposta por Estado estrangeiro a residentes no seu território (art. 32.0).IV -Não poucos problemas surgem no domínio dos conflitosde leis (I ).Se alguém tiver duas ou mais cidadanias e uma delas for a por-tuguesa, só esta releva em face da lei portuguesa (art. 27.0) (2).Não se estabelece agora que o português havido também comocidadão doutro Estado não poderá, enquanto estiver no territóriodeste, invocar a cidadania portuguesa perante as autoridades locais,nem reclamar a protecção diplomática ou consular (como se prescreviana base LVIII da Lei n.O 2098). Parece, no entanto, não se ter elimi-nado por completo a regra: não deve, obviamente, supor-se afastadano respeitante à invocação da cidadania portuguesa perante as auto-ridades do outro Estado quando no território deste a pessoa em causatenha a sua residência habitual, salvo em caso de violação de direi-tos fundamentais (3).Nos conflitos positivos de duas ou mais cidadanias estrangeirasreleva apenas a do Estado em cujo território o pluricidadão tenha asua residência habitual ou, na falta desta, a do Estado com o qualmantenha uma vinculação mais estreita (art. 28.0)..(I) Cfr. MACHAOO VILELA, op. cit.. I, págs. 111 e segs.; GoNÇALVES DE PROENÇA,

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op. cit., págs. 195 e segs.; VAN PANHUYS, op. cit., págs. 73 e segs.; MOURA RAMOS,Do Direito..., cit., págs. 216 e segs.; MARQUES DOS SANTOS, op. cit., loc. cit..págs. 302 e segs.(2) Na Lei n." 2098 dizia-se que prevalecia sempre a cidadania portuguesa.A nova expressão é mais correct~.(3) Cfr. infra.iI124 Manual de Direito Constitucional29. A cidadania dos habitantes de Macau e dos timorensesI -Sendo Macau (até 20 de Dezembro de 1999) um territóriosob administração portuguesa com "estatuto adequado à sua situaçãoespecial" (hoje art. 292.0, n.O 1, da Constituição), poderia supor-se, por-ventura, nele existir um tratamento específico da cidadania ( I ). Masnem o Estatuto Orgânico aprovado pela Lei n.O 1/76, de 17 de Feve-reiro (com sucessivas revisões), o previu, nem, na prática, se sentiunecessidade de o editar. Muito simplesmente, os habitantes de Macauou são cidadãos chineses ou cidadãos portugueses.Se dúvidas houvesse, ficariam dissipadas pela Lei n.O 37/81, aoreferir-se no seu dispositivo a territórios sob administração portu-guesa, para efeito de aquisição originária da cidadania [art. 1.0, n.O 1 ,alínea a), e n.O 2], de naturalização [art. 6.0, n.O 1, alínea h)], deprova (art. 91.0, n.O 1) e de registo (art. 38.0, n.O 1) (2). Todavia, aequiparação não é total: se são portugueses de origem os filhos de paiportuguês ou de mãe portuguesa nascidos em Macau [art. 1.0, n.O 1 ,alínea a)], não o são os aí nascidos de estrangeiros, nem os aí nas-cidos quando não possuam outra cidadania [art. 1.0, n.O I, alíneas c)e d)].II -No que toca a Timor Oriental, a situação é bem diversa,sendo juridicamente irrelevante a ocupação indonésia. Mas importadistinguir em face da evolução do Direito português da cidadania.No domínio da Lei n.O 2098, eram portugueses os nascidos emTimor, a não ser que o pai (ou a mãe, se o pai fosse apátrida, de cida-dania desconhecida ou incógnito) fosse estrangeiro e estivesse ao ser-viço do seu Estado. Com a Lei n.O 37/81 -tal como em Macau -,são portugueses (de origem) os filhos de pai português ou de mãe por-tuguesa (portanto, de pai ou mãe timorense, enquanto, por isso, por-(I) Como sugerimos noutras alturas: O regime dos direitos. liberdades egarantias, in Estudos sobre a Constituição. 111, pág. 49. e intervenção citada, in Diá-rio da Assembleia da República, n.o 80. pág. 3165.(2) As competências conferidas pela Lei n.o 37/81 ao Governo devem enten-der-se atribuídas em Macau ao Governador.Parte /lI- Estrutura Constitucional do Estado 125tuguês) nascidos em Timor [art. 1.0, n.O 1, alínea a)]; não já os aí nas-cidos de estrangeiros, nem os aí nascidos quando não possuam outracidadania [art. 1.0, n.O 1, alíneas c) e d)].E, assim como o facto da ocupação não implicou, nem podiaimplicar a perda da cidadania portuguesa pelos timorenses em geral,também nenhum acto das autoridades indonésias relativo a qualquertimorense em particular a poderia determinar.III -Como portugueses que continuam a ser até ser exercido

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o direito à autodeterminação e à independência os timorenses gozamplenamente dos direitos constitucionais e legais dos cidadãos portu-gueses onde quer que se encontrem, dentro ou fora de Portugal. Sóem Timor não os poderão exercer.§ 2.0A condição jurídica das pessoas em razão da cidadania30. Cidadãos originários e não origináriosI -Se a condição das pessoas frente ao Estado é ditada pelacidadania, as próprias vicissitudes desta podem nela assumir influêncianão despicienda. Designadamente, devem os cidadãos não naturaisde origem (naturalizados lato sensu) e os que tenham readquirido acidadania, depois de a terem perdido por qualquer causa, usufruirdos mesmos direitos dos cidadãos originários?Pode entender-se, com efeito, que certos direitos ou funções seapresentam de tal sorte inerentes à participação na soberania ou nonúcleo essencial da identidade do Estado que só aquelas pessoas queà comunidade política pertençam pelo nascimento ou por acto oufacto equiparado devem ter a sua titularidade ou o seu exercício; ouque, pelo menos, é necessário decorrer um prazo de dilação antes deos cidadãos não originários os poderem alcançar (I); donde incapa-(I) Cfr. o parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei de revisãoconstitucional de 1971, in Actas da Câmara Corporativa. n." 67, pâg. 627; MARCELLO

126 Manual' de Direito Constitucionalcidades permanentes ou temporárias, umas de Direito público, outrasde Direito priva:do, mais ou menos extensas.Em contrapartida, pode reputar-se menos avisado proceder a taisdiferenciações de tratamento, por contrárias ao princípio da igual-dade e ao próprio sentido da atribuição da cidadania; e, quandomuito, só admitir incapacidades a título excepcional.II -As Constituições de 1822, 1826 e 1838 contrapunham, com niti-dez, ao estatuto dos portugueses em geral o estatuto dos incorrectamente cha-mados "estrangeiros naturalizados": estes eram absolutamente inelegíveis paraas Cortes (I), embora fossem eleitores r), e não podiam ser nomeadosMinistros ou Secretários de Estado (3), nem Conselheiros de Estado (4) e Juí-zes letrados (5); não estavam, porém, obrigados a adoptar a religião doEstado (6).A Constituição de 1911 limitou-se a prescrever que apenas poderiaser eleito Presidente da República o cidadão português "que não tenha tidooutra nacionalidade" (art. 39.") r).Ao invés, a Constituição de 1933 não somente exigiu como requisitode elegibilidade do Chefe do Estado o "ter tido sempre a nacionalidade por-tuguesa" (art. 73.") cpmo consagrou uma cláusula geral ao submeter osnaturalizados às restrições quanto ao gozo dos direitos e garantias quefossem estabelecidas na lei ( art. 7.0); e a..revisão constitucional de 1971 veioCAETANO, Manua{ de Direito Administrativo, 9." ed., LisbOa, 1972, II, pâg. 675(onde se fala em precaução contra "naturalizações formais"); parecer da Procura-doria-Geral da República de 12 de Maio de 1976, in Boletim do Ministério da Jus-tiça, n." 261, Dezembro de 1976, pâg. 65 (onde se considera que os naturalizadosexperimentariam "alheamento dos interesses nacionais e da vivência da comuni-

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dade portuguesa" ).(I) Constituição de 1822, art. 34.1', VI; Carta, art. 68.", § 2." (e art, 7.", § único,n." 1, do Acto Adicional de 1852); Constituição de 1838, art. 74.", § único.(2) Constituição de 1822, arts. 21." e 33."; Carta, art. 64.", n." 2.(3) Constituição de 1822, art. 158."; Carta, art. 106."; Constituição de 1838,art. 118."(4) Constituição de 1822, art. 163.", n," 2; Carta, art. 108.0(5) Constituição de 1822, art. 182."-1.(6) Como admitia o art. 7.", § 4.", da Carta.r) MARNOCO E SOUSA (Comentário, cit., pâg. 492) justificaria o requisito,escrevendo que "os estrangeiros, mesmo naturalizados, podiam exercer na presi-dência uma influência nefasta para o país".Parte /I/ -Estrutura Constitucionat do Estado 127aditar uma longa lista de funções privativas dos portugueses originá-rios (1).Entretanto, a Convenção de Brasilia, de 7 de Setembro desse ano,criqu estatutos de iguald.ade de direitos e deveres dos portugueses no Bra-sil e dos brasileiros em Portugal "com os .respectivos nacionais" (art. 1.0).E, para que os portugueses não naturais de origem não tivessem menosdireitos do que os brásileiros investidos nesses estatutos, perguntava-se,numa visão complexiva do ordenamento jurídico, se as normas da Con-venção de Brasilia não teriam vindo afectar normas da legislação ordináriaqUe estabelecessem incapacidades (2).Por último, depois da revolução de25 de Abril de 1974, o Decreto-Lein.O 621-A/74, de 15 de Novembro, declarou inelegíveis para a AssembleiaConstituinte os que, não tivessem a cidadania portuguesa há, pelà menos,quinze anos e o Decreto-Lei n.O 93-A/76, de 29 de Janeiro, co~siderou ine-legíveis para aA~s~mbleia LegisJativa os que tivessem adquirido por natu-ralização a cidadania portuguesa há menos de dez anos e os que a tivessemhá menos de cinco [art. 6.0, alínea a), em ambos]. A inelegibilidade já nãoiria achar-se, contudo, nos diplômas eleitorais posteriores à Constituiçãode 2 de Abril de 1976.III -A Constituição de 1976 não insere qualquer disposição aná-Ioga à de 1933 (3). Ao mesmo tempo, prescreve que são elegí-véis para Presidehte da República apenas portugueses de origem(art. 122.0) (4) (5)...(I) As d~ Presidente da República, de Conselheiro de Estado, de Deputado ede Procurador à Câma~a Corpo.rativa, de membro do Governo, de Juiz do~ TribunaisSuperiores, de Procurador-Geral da República, de Governador de Província ultrama-rina, de agente diplomático e de oficial general das Forças Armadas e a participaçãono colégio eleitoral para a designação do Presidente da República (§ 1.0 do art. 7.0).(2) JORGE MIRANDA, Ciência Polftica. .., cit., II, pág. 107. Diferentemente,

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MARCELLO CAETANO (Manual de Direito Administrativo, cit., 11, pág. 675) que pare-cia assimilar o brasileiro ao português originário e não o poJ1uguês naturalizado aobrasileiro.(3) Nem tal constava de qualquer dos projectos de Constituição.(4) V. a votação (por unanimidade) do art. 125.0 (sem discussão sobre orequisito da cidadania originária), in Diário da Assembleia Constituinte, n.O 144,págs. 3764-3765.(5) Sobre aprova da cidadania originária dos candidatos a Presidente daRepública, v. acórdão n.O 327/85 do Tribunal Constitucional, de 30 de Dezembrode 1985, inAcórdãos, VI, 1985, págs. 1151 e segs.128 M(lnuàl de Direito ConstitucionalAnote-se que o art. 125.0 tem alcance algo diverso tanto doart. 39.0 da Constituição de 1911 quanto do art. 73.0 da Constituiçãode 1933. Distingue-se do primeiro, porque não admite que umex-apólida naturalizado venha a ser eleito. Distingue-se do segundo,porque ser português de origem não exclui, quanto a cidadão portu-guês actual, que ele tenha possuído durante certo tempo outra cida-dania ou até nenhuma.O que tem de se verificar é a atribuição de cidadania origináriapor efeito da lei e da vontade, nos termos do art. 1.0, n.O I, alíneas b )e c ), da Lei n.O 37/81. Já não uma sucessão de cidadanias, por umportuguês de origem ter deixado de o ser, por decisão sua (arts. 4.0e 8.0 da mesma Lei) e, depois, vir a recuperar a cidadania portu-guesa por naturalização (art. 6.0, n.O 2).Por outro lado, não parece que a norma possa estender-se aoPresidente da República jnterino -que é o Presidente da Assembleiada República (art. 135.0) -quer porque então se acabaria por esta-belecer um requisito de elegibilidade dos Deputados não impostopela Constituição (art. 153.0), quer porque o estatuto de Presidente inte-rino é um estatuto algo diminuído, com largas restrições aos seuspoderes (art. 142.0),Nenhuma outra incapacidade está prevista entre nós na Consti-tuição, neste momento -pois iria brigar com os valores e as con-cepções fundamentais de igualdade e universalismo em que ela assentae não teria mesmo apoio objectivo nas condições actuais da vidasocial (I) (2). E é mesmo muito duvidoso que, em certas áreas,possa haver uma ou outra regra especial ou excepcional (3).{I) v. a demonstração no parecer n.O 30/79, da Comissão Constitucional,de 16 de Outubro de 1979, in Pareceres. X, págs. 37 e segs. Estava em causa abase XXIX da Lei n.O 2098 que, na esteira do art. 3.0 do Decreto de 2 de Dezembrode 1910, estabelecia que "para o exercicio de funções públicas ou de direcção e fis-calização de sociedades ou de outras entidades dependentes do Estado Português, aaquisição da nacionalidade portuguesa só produz efeitos decorridos dez anos após asua data".A Comissão concedeu, no entanto (pág. 50) que as especialidades de certase determinadas funções públicas, melindres politicos que envolvessem e outras cir-cunstâncias pudessem exigir ou aconselhar, eventualmente, regras especiais deacesso, baseadas no principio da independência nacional (v. g.. no tocante à carreira

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~Parte III-Estrutura Constitucional do Estado 129IV -Por maioria (ou, pelo menos, por identidade) de razão, tãopouco poderia permanecer qualquer inabilidade ferindo, ainda que ape-nas durante certo tempo, os cidadãos que tenham readquirido -porqualquer modo -a cidadania portuguesa (I).31. A condição dos cidadãos no estrangeiroI -A Constituição ocupa-se dos portugueses residentes noestrangeiro prescrevendo duas regras no art. 14.0: de protecção porparte do Estado e de atribuição (em nome do princípio da pessoali-dade das leis) de todos os direitos e deveres "que não sejam incom-patíveis com a ausência do país" (2) (3).II -A regra de protecção reporta-se, antes de mais, à ideiade protecção diplomática (e consular) dos cidadãos de qualquerEstado no estrangeiro tal como, tradicionalmente, decorre do Direitodas Gentes (4). Além disso, permite discriminações positivas emdiplomática conforme, aliás, resultava, do art. 25.0 do Decreto-Lei n.O 47 331,de 23 de Novembro de 1966, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.O 83/78, de 2 1de Maio).(2) Mais claramente no Brasil, cfr. art. 12.0, § 2.0, da Constituição de 1988.(3) Por exemplo, no domínio das obrigações militares há regras especiaisquanto aos portugueses não originários e quanto aos portugueses originários tambémcom outra cidadania (art. 32.0, n.os 2 e 3, da Lei n.o 30/87, de 7 de Julho).(I) Como previa a base xxx da Lei n.O 2098, por cuja inconstitucionalidadese pronunciou o parecer n.o 14/81 da Comissão Constitucional, de 26 de Maiode 1981, in Pareceres, XIV, pâgs. 121 e segs.(2) Cfr. a diferença de perspectiva do art. 3.0 da Constituição de 1933, dizendoque os portugueses residentes fora do território "são considerados dependentes doEstado e das leis portuguesas". Sobre esse preceito, v. FERNANDO OLAVO, DireitoInternacional Privado, policopiado, Lisboa, 1952-1953, págs. 239 e segs.(3) Sobre o art. 14.0, v. Diário da Assembleia Constituinte, n.O 34, págs. 917e segs., e n.O 35, págs. 935 e segs., em especial a declaração de voto do DeputadoJosé Luís Nunes (pâg. 919).(4) Cfr., por todos, VAN PANHUYS, op. cit., pâgs. 59 e segs.; M. DIEZ DEVELASCO, Instituciones de Derecho Internacional Público, I, 3." ed., Madrid, 1976,pâgs. 337 e segs.; JORGE MIRANDA, Direito Internacional Público, 1, Lisboa, 1995,pâgs. 297-298.9- Manual de Direito Constitucional. III130 Manual de Direito Constitucionalfavor dos cidadãos que se encontrem ou residam fora de portu-gal (I).São seus corolários as incumbências do Estado de assegurar"a protecção das condições de trabalho e a garantia dos benefíciossociais dos trabalhadores emigrantes" [art. 59.0, n.O 2, alínea e)], e de"assegurar aos filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa eo acesso à cultura portuguesa" [art. 74.0, n.O 2, alínea i), já referido].Muito específicamente -não só porque continuam sendo cida-

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dãos portugueses (insistimos) mas também porque Portugal não con-segue exercer poder efectivo no território e aí garantir direitos fun-damentais -os timorenses, onde quer que se encontrem, gozam depleno direito da protecção do Estado português.No texto original"da Constituição havia duas discriminações positivasquanto aos emigrantes: uma consistia em a lei reguladora da expropriaçãodos meios de produção em abandono ter "em devida conta a situação espe-cífica da propriedade dos trabalhadores emigrantes" (art. 87.0, n.O I) (2);e a outra em a reforma agrária -a qual se efectuaria com "garantia da pro-priedade da terra dos pequenos e médios agricultores enquanto instrumentoou resultado do seu trabalho" -salvaguardar "os interesses dos emigran-tes" (art. 99.0, n.O I) (3). Após a revisão constitucional de 1989, só a pri-meira se mantém (sendo o preceito hoje o art. 88.", n.O I, in fine).III -Quanto à extensão aos portugueses no estrangeiro dosmesmos direitos e deveres dos portugueses em Portugal, tem porlimite a incompatibilidade do exercício de certos direitos e da sujei-ção a certos deveres com a ausência do país. Incompatibilidade sig-nifica impossibilidade ou grave dificuldade e a ausência tem de serentendida não apenas no sentido físico mas ainda no sentido jurí-dico-político de não presença de autoridades portuguesas executivas.Em contrapartida tem o Estado (como qualquer Estado) um verdadeirojus avocandi relativamente aos seus cidadãos no estrangeiro, cha-(I) Permite, não estabelece só por si discriminações positivas (ao contrário doque escrevem GOMES CANOTJLHO e VITAL MOREIRA, op. cit., pâg. 132).(2) V. Diário da Assembleia Constituinte, n." 73, págs. 2337 e segs.(3) lbidem. n." 78, pâgs. 2577 e segs., maxime 2582 e segs.Parte Ill- Estrutura Constitucional do Estado 131mando-os a prestar funções públicas ou a cumprir certas leis (v. g.,de serviço militar) no território nacional (I).Como o art. 14.0 é uma cláusula geral, com ele têm de ser con-jugadas as normas constitucionais atributivas de direitos e deveres.Mas a aplicação do limite fica dependente também da diversa natu-reza dos direitos e deveres de que se trate e de outros princípios evalores constitucionalmente acolhidos.32. Os direitos políticos dos portugueses residentes no estran-geiroI -Em relação aos direitos e deveres políticos, a Constituiçãoapós 1997 estatui:a) No referendo político vinculativo nacional participam oscidadãos eleitores residentes no estrangeiro com efectiva ligação àcomunidade nacional, quando o referendo recaia sobre matéria que Ihesdiga também especificamente respeito (art. 115.0, n.O 12, e art. 121.0,n.O 2); e competindo ao Tribunal Constitucional apreciar previamentese este requisito se verifica [art. 223.0, n.O 2, alínea f), 2.a parte].b) São eleitores do Presidente da República os cidadãos por-tugueses eleitores residentes no estrangeiro com efectiva ligação àcomunidade nacional (art. 121.0, n.O 1, 2.a parte, e n.O 2), nos ter-mos de lei a aprovar por maioria de dois terços dos Deputados pre-sentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados emefectividade de funções (art. 168.0, n.O 6), e, já, os que se encon-trassem inscritos nos cadernos eleitorais para a Assembleia da RepÚ-blica em 31 de Dezembro de 1996 (art. 297.0).De notar a não coincidência entre o universo referendário (2) eo eleitorado presidencial -aquele, mais circunscrito e recortado

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caso a caso em face do objecto do referendo e este definido pornorma geral. E de notar também que o legislador constitucionalde 1997 se terá esquecido de Macau (talvez por a próxima eleição para(I) Cfr. AZEVEDO SOARES. op. cit., págs. 283 e segs.(2) No art. 223.0, n.O 2, alínea f), in fine, erradamente, fala-se em "universoeleitoral".132 Manual de Direito ConstitucionalPresidente da República dever ser, salvo imprevisto, em 2001), ape-sar de, por costume constitucional contra legem, os eleitores portu-gueses desse território até agora terem sempre votado (I).c) São eleitores da Assembleia da República os cidadãos elei-tores residentes no estrangeiro, mas o número de Deputados a elegerpor eles -ao contrário do que sucede com o dos Deputados a ele-ger pelos círculos do território nacional -não é proporcional aonúmero de eleitores aí inscritos (art. 149.0, n.O 2).Tendo em conta a nova norma sobre eleição do Presidente daRepública, deverá ela estender-se, por analogia, à eleição dos Depu-tados, cabendo à lei também cuidar de uma efectiva ligação à comu-nidade nacional? Ou poderá admitir-se que cidadãos sem essa efec-tiva ligação sejam eleitores da Assembleia da República?d) Em face da regra da reciprocidade (art. 15.0, n.O 5), os por-tugueses residentes em território de Estado membro da União Euro-peia poderão, para efeito de eleição dos Deputados ao ParlamentoEuropeu, optar entre exercerem nesse território o seu direito ou exer-cerem-no em território português (2).Diversamente, por isso mesmo, não são eleitores, nem elegíveisos residentes noutros territórios ou países, porque ficam fora doâmbito de acção do Parlamento Europeu (3) (4).e) Pelo contrário, nas eleições para os órgãos das regiões autó-nomas e do poder local, assim como nos referendos regionais e locaissó participam os cidadãos eleitores residentes nas respectivas áreas(arts, 232.0, n,O 2, 239.0, n,O 2, e 240,0, n,O I) -visto que as regiõesautónomas e as autarquias locais se definem como entidades essen-cialmente territoriais (5).(I) V. Manual..., 11, cit., pág. 124.(2) Sendo a opção anotada no caderno de recenseamento eleitoral (art. 75."-8da Lei n." 69/78, de 3 de Novembro, aditado pela Lei n.o 50/96, de 4 de Setembro).(3) Cfr. o acórdão n." 320/89 do Tribunal Constitucional, de 20 de Marçode 1989, in Diário da República, I.. série-A, n.o 78, de 4 de Abril de 1989; e Leisn.OS 3/94 e 4/94, de 28 de Fevereiro e de 9 de Março.(4) Aliás, até poderia haver mais eleitores residentes nesses territórios e paí-ses do que em países membros da União Europeia.(5) A regra constante do art. 239.", n." 2, vale, pois, por identidade de razãopara as assembleias legislativas regionais. E, se dúvidas houvesse, elas ficariam dis-sipadas pelo novo art. 232.", n." 2.Parte IlJ-Estrutura Constitucional do Estado 133ft Apenas cidadãos que sejam eleitores do Presidente da RepÚ-blica ou dos titulares dos órgãos do poder local podem integrar gru-pos de cidadãos proponentes de candidaturas para esses órgãos(arts. 124.0, n.O 1, e 239.0, n.O 4, por coerência com os arts. 121.0e 239.0, n.O 2) (I).E segundo a legislação ordinária:g) Só cidadãos residentes no país podem requerer a inscriçãode partidos políticos (art. 5.0, n.O 3 da respectiva lei, ainda hoje oDecreto-Lei n.o 595714, de 7 de Novembro) -o que se afigura,

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porém, de duvidosa constitucional idade.II -Antes da revisão constitucional de 1997 os cidadãos por-tugueses residentes no estrangeiro não podiam ser eleitores do Pre-sidente da República, nem votar no referendo nacional criado em 1989(como resultava dos arts. 124.0, n.O 1, e 118.0, n.O 1). Mas há muito-logo na Assembleia Constituinte (2) e, depois, aquando das revi-sÕes de 1982 (3) e de 1989 (4) -se advogava a solução oposta.Em favor da extensão do sufrágio, invocavam-se o princípiodemocrático e uma "nova ideia" de País, mais ligada às pessoas doque ao território. Contra, os princípios da liberdade e da seriedadedo voto e o princípio da independência nacional em face do estatutodo Presidente da República (5). Prevaleceram agora aquelas razõessobre estas (6).(1) Cfr. art. 14.", n.O 6, do Decreto-Lei n.O 319-N76, de 3 de Maio (quanto aoPresidente da República), e art. 18.0, n.O 3, do Decreto-Lei n.O 701-8/76, de 29 de Setem-bro (quanto às assembleias de freguesia). O primeiro destes preceitos carece de serreinterpretado ou de ser completado depois da última revisão constitucional, porquesó confere direito de candidatura aos cidadãos residentes no território nacional."~,, (2) V. Diário da Assembleia Constituinte, n.O 114, reunião de 4 de Marçode 1976, pág. 3764.(3) V. Diário da Assembleia da República, II legislatura, 2.. sessão legislativa,2.. série, 2.0 suplemento ao n.O 19, págs. 432(51) e segs.(4) ~idem, v legislatura, 1.. sessão legislativa, 2.' série, n.O 38-RC, acta n.O 36,págs. 1184 e segs.; n.O 40-RC, acta n.O 38, págs. 1244 e segs.; e 1.. série, n.O 83, reu-nião de 18 de Março de 1989, pág. 4029; n.O 84, reunião de 19 de Março de 1989,págs. 4069 e 4071 e segs.; n."86, reunião de 23 de Maio de 1989, pág. 4244; e n.O 89,reunião de 30 de Maio de 1989, págs. 4444-4445.(5) Cfr. JoÃo CAUPERS, Breves reflexões sobre o estatuto eleitoral dos emi-L134 Manual de Direito ConstitucionalDe todo O modo, só um pragmatismo excessivo pode explicar adistinção entre cidadãos inscritos no recenseamento eleitoral para aAssembleia da República até certa data e os demais cidadãos poten-cialmente eleitores. E, sobretudo, nada justifica a não exigência deVOto presencial quanto aos eleitores residentes no estrangeiro, aoinvés do que sucede com os do território nacional (art. 123.0, n.O 3):tendo em conta as características de eleição presidencial, o voto porcorrespondência ainda se revela aqui menos adequado e a sua admis-sibilidade genérica colidiria com o princípio da igualdade.III -O Direito ordinário subsequente a 1976 confere certosdireitos políticos apenas a cidadãos residentes no estrangeiro, a con-siderar também direitos fundamentais em face da cláusula abecrta doart. 16.0, n.O 1, da Constituição ( I).ALei n.O 78/79, de 6 de Dezembro, tinha criado comissões con-sulares de emigrantes, de base electiva; e o Decreto-Lei n.O 373/80,de 12 de Setembro, comissões das comunidades portuguesas em suasubstituição, depois designadas conselhos pelo Decreto-Lei n.O 101/90,de 21 de Março. Mais recentemente, a Lei n.O 48/96, de 4 de Setem-bro, instituiu um Conselho das Comunidades Portuguesas.O Conselho das Comunidades Portuguesas é, simultaneamente,órgão consultivo do Governo para as políticas relativas à emigração

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e às comunidades portuguesas e órgãos representativos das organi-zaçÕes não governamentais de portugueses no estrangeiro (art. 1.0da Lei n.O 48/96). É composto por um máximo de 100 membros(art. 3.0), eleitos por círculos eleitorais correspondentes a países ou gru-pos de países (art. 6.0), por sufrágio dos portugueses inscritos nos pos-tos consulares da sua residência (art. 4.0) r). E funciona ou sob aforma de plenário em Portugal (art. 15.0) ou de secções regionais, porcontinente, ou locais, por país (arts. 16.0 e 19.0).grantes, Lisboa, 1988, e a nossa posição (contrária) na 3.. edição deste tomo,págs. 128 e segs.(6) V. Diário da Assembleia da República, VII iegislatura, 2.. sessão iegisia-tiva, I.. série, n.o 100, reunião de 23 de Julho de 1998, págs. 3683 e segs.(I) V. Manual..., IV, 2.. ed., 1993, págs. 152 e segs.(2) O procedimento respeitante às primeiras eleições para o Conselho foiregulado pela Portaria n.o 626-C/96, de 4 de Novembro.Parte 111- Estrutura Constitucional do Estado 135IV -Finalmente, se todos os portugueses, residentes dentroou fora do território nacional, têm o direito de se inscrever no recen-~~seamento eleitoral, já não seria razoável adstringir ao dever de ofazer (art. 113.0, n.O 2, da Constituição) os que se encontrem ou resi-dam no estrangeiro. As dificuldades geográficas e materiais queenvolve o seu cumprimento tomam o dever de inscrição incompatí-vel (ainda art. 14.0) com a ausência do território nacional (I).33. A condição dos portugueses também cidadãos de outroEstadoI -Os portugueses que também sejam cidadãos de outro Estado(situação que pode tomar-se não pouco frequente, como vimos, àface da Lei n.O 37/81), quando se encontrem em território português,só podem invocar a cidadania portuguesa.No estrangeiro, podem invocá-Ia, a par da do outro Estado; e,inclusive, no território deste, podem até invocar o seu direito a pro-tecção decorrente do art. 14.0 da nossa Constituição contra violaçãode seus direitos fundamentais (2) -pelo menos contra violaçõesdos direitos consignados no art. 19.0, n.O 6, direitos insusceptíveisde suspensão mesmo em estado de sítio e a que corresponde umestatuto muito reforçado (3).II -Apesar dos princípios da universalidade e da igualdade dedireitos dos cidadãos portugueses, no domínio dos direitos políticoshá que contar com o princípio da independência nacional, o qualjustifica duas restrições:a) Os cidadãos portugueses, ainda que de origem e ainda quevivendo em território português, quando tenham outra cidadania, nãosão elegíveis para a Presidência da República (4);(I) Nesta linha,parecer n.o 20/78 da Comissão Constitucional, de 3 de Outu- iibro de 1978, in Pareceres, VI, pâgs. 128 e segs.j(2) Neste sentido, parecer n.o 138/82 da Procuradoria-Geral da República. inBoletim do( Ministério da Justiça, n.o 330, Novembro de 1983, pâgs. 255 e segs. i(3) V. Manual..., II, cit.. pâgs. 371, 432-433 e 505, e IV, cit., pâgs. 145, 170 Ie 317-318. i(4) Cfr., dubitativamente, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit.,

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Ipâg. 560.IiIII136 Manual de Direito Constitucionalb) Quando se encontrem no território do Estado de que sãotambém cidadãos, não são elegíV'e:is para Deputados à Assembleiada República pelo círculo eleitoral que abranja esse país [conformedispõe o art. 6.0, n.O 2, da Lei n.O 14/79, de 16 de Maio (I)] e deveentender-se que tão pouco possuem capacidade eleitoral activa querrelativamente à Assembleia (2), quer, após 1997, relativamente aoPresidente da República.34. A condição dos estrangeiros e o seu enquadramento peloDireito internacionalI -Tal como a cidadania, a condição dos estrangeiros, a estran-geiria, depende simultaneamente do Direito legislado de cada Estadoe do Direito das Gentes. A diferença reside em que os cidadãosestão sujeitos directa, natural e plenamente à lei do seu país, salvasas limitações decorrentes das normas internacionais recebidas naordem interna, ao passo que os estrangeiros -sejam cidadãos deoutro Estado ou apátridas -só lhes estão vinculados transitória e pre-cariamente e o seu estatuto é recortado a partir do Direito interna-cional (3).Nem sempre assim foi: em Roma, por exemplo, chegou a for-mar-se um Direito interno especial para os estrangeiros ou peregrinos,o jus gentium (4). Mas no sistema europeu de Estados surgido naIdade moderna, o lugar primacial tem pertencido ao Direito interna-cional e só depois tem intervindo o Direito interno. Em contrapar-tida, o Direito internacional convencional não molda de forma com-pleta e uniforme a condição dos estrangeiros.(I) Sobre a formação deste preceito, v. Diário da Assembleia da República,I legislatura, 3.a sessão legislativa, n." 47, págs. 1680, 1689, 1691 e segs., 1695e 1696.r) Cfr. a colocação do problema no parecer n." 29/78 da Comissão Consti-tucional, de 7 de Dezembro de 1978, in Pareceres, VII, págs. 52-53. No sentido dotexto, art. 2." do projecto do Código Eleitoral de 1987.r(3) Cfr. ALFRED VERDROSS, op. cit., pág. 290.(4) Cfr., por todos, RAÚL VENTURA, Direito Romano, policopiado, Lisboa,1958, págs. 148 e segs.; ou CARLOS FERNANDES, Lições de Direito InternacionalPrivado, 1, Lisboa, 1994, págs. 100 e segs.Parte /// -Estrutura Constituciona[ do Estado 137~De qualquer sorte, dois pontos de base parecem hoje (I) evi--( dentes: em primeiro lugar, que os estrangeiros devem ter uma con-dição jurídica compatível com a dignidade da pessoa humana, quedevem ser tratados como homens e mulheres livres e usufruir, por con-seguinte, dos direitos que daí decorrem; e, em segundo lugar, quepodem estar privados de direitos políticos, ou, pelo menos, de parti-cipação na formação das decisões fundamentais do Estado. Entre estasbalizas abre-se uma gama variada de soluções consoante os diversosordenamentos jurídicos internos e as circunstâncias culturais, políti-cas e económicas de cada tempo.II -Começando também aqui (e necessariamente) pelo Direito

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internacional, há que referir que o estatuto dos estrangeiros com-preende um núcleo firme e mais elevado de princípios sedimentadosna Declaração Universal, no Pacto Internacional de Direitos Civis ePolíticos e noutros textos produzidos pelas Nações Unidas -prin-cípios reconduzíveis a jus cogens, inderrogáveis por qualquer tra-tado (2); compreende depois os princípios e as regras consuetudiná-rias que Ihes são conexos ou que os complementam; e compreendeainda numerosíssimas regras constantes de convenções bilaterais ou,em certos casos, multilaterais (3).(I) Cfr., por exemplo, DANIELE LoSCHAK, Llétranger et les droits de I'homme,in Services publics et libertés -Mélanges offerts au Professeur Robert-Édouard Char-lier, obta colectiva, Paris, 1981, pâgs. 617 e segs.; MOURA RAMOS, Estrangeiro, in~ Polis, ", pâgs. 1215 e segs.; n." 18, de 1984, de Documentação e Direito Compa-..rado; LUCA BISI, Brevi note sul rapporto tra stato di necessità e diritti fondamen-tali dello straniero, in Jus, 1990, pâgs. 77 e segs.; PEDRO CRUZ VILLALÓN, Doscuestiones de titularidad de derechos: los estrangeros; Ias personas juridicas, inRevista Espaflola de Derecho Constitucional, n." 35, Maio-Agosto de 1992, pâgs.65e 66; FRANCIS DELPÉRÉE, Les droits politiques des étrangers, Paris, 1995; n." 17,Outono de 1995, da Revue européenne de droit public; FAUSTO DE QUADROS, A pro-tecção da propriedade privada em Direito internacional público, Coimbra, 1998,pâgs. 113 e segs.(2) Cfr. JORGE MIRANDA, Direito Internacional Público, cit., pâgs. 143 e segs.;ou, para todo o desenvolvimento, EDUARDO CORREIA BAPTISTA, Jus cogens emDireito Internacional, Lisboa, 1997.(3) Sobre os estrangeiros em Direito internacional, v. KELSEN, Théorie Géné-ral du Droit International Public, cit., loc. cit., pâgs. 248 e segs.; ALFRED VER-138 Manual de Direito ConstitucionalAs regras de Direito internacional geral não pretendem estabele-cer uma homogeneização ou equiparação plena dos cidadãos dosdiversos Estados; procuram apenas promover um tratamento razoáveldos estrangeiros como pessoas, à luz da consciência ética universal oudominante no nosso tempo. Equiparação ou tratamento mais favorá.vel, com ou sem reciprocidade, visam, sim, os tratados e acordos(v. g., de emigração, de segurança social, de cooperação, de igual-dade de direitos) celebrados entre estes ou aqueles Estados, com baseem laços históricos ou em factores de outra natureza.Por outro lado, os direitos dos estrangeiros contemplados portais normas não são, de ordinário, no estádio actual do Direito dasGentes, verdadeiros direitos subjectivos internacionais dos indiví-duos que eles possam invocar directa e imediatamente enquanto tais.São, antes, direitos que os Estados concedem aos cidadãos doutrosEstados por força de normas jurídicas que os vinculam entre sr ecuja violação envolve responsabilidade desses mesmos Estados.Somente à face de algumas -e, por agora, bem poucas -con-vençÕes se opera uma personalização internacional dos indivíduos.III -A Declaração Universal, proclamando que todos os sereshumanos nascem livre e iguais em dignidade e direitos (art. 1.0),consagra as seguintes regras relevantes para os estrangeiros:a) A proibição de discriminações entre estrangeiros (impostasarbitrariamente pelo Estado local) -pois não se admitem distin-

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çÕes de origem nacional, nem fundadas no estatuto do país ou terri-tório de naturalidade das pessoas (art. 2.0);DROSS, op. cit., pâgs. 286 e segs.; J. L. BRIERLY, Direito Internacional, trad., Lisboa.1965, pâgs. 277 e ~gs.; GIUSEPPE BISCOTfINI, I diritti fondamentali dello straniero,in Studi in onore di Biondo Biondi, obra co!ectiva, III, Milão, 1965, pâgs. 333 e segs.;ALEXANDRE-CHARLES KISS, La condition des étrangers en droit international et lesdroits de I'homme, in Miscellanea W. J. Ganshofvan der Meersch, obra colectiva, I,Bruxelas, 1972, pâgs. 499 e segs.; MANUEL DIEZ DE VELASCO, op. cit., pâgs. 327e segs.; WARWJCK MCKEAN, op. cito, pâgs. 294 e segs.; AZEVEDO SOARES, opo cit.,pâgs. 290 e segs.; CELSO DE ALBUQUERQUE MELLO, op. cito, pâgs. 675 e segs.; JosÉFRANCISCO REZEK, Direito Internacional Público, cit., pâgs. !95 e segs.; MARIA LuísADUARTE, A liberdade de circulação de pessoas e a ordem pública comunitária, Lis-boa, 1992, pâgs. 22 e segs.; JEAN COMBACAU e SERGE SUR, op. cit., pâgs. 370 e segs.Parte /Il-Estrutura Constitucional do Estado 139b) O reconhecimento a todos os indivíduos, em todos os luga-res, da sua personalidade jurídica (art. 6.0);c) O direito de qualquer pessoa de abandonar o país em quese encontre (art. 13.0, n.O 2);d) O direito de qualquer pessoa sujeita a perseguição de pro-curar e de beneficiar de asilo em outro país (art. 14.0).O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (I) acres-centa o direito de qualquer estrangeiro que se encontre legalmente noterritório de um Estado parte de não ser expulso a não ser em cum-primento de decisão tomada em conformidade com alei, e o direito,salvo motivos imperiosos de segurança nacional, de fazer valer asrazões que militam contra a expulsão e de as levar à apreciação da ~autoridade competente (art. 13.0).Assinalem-se ainda, entre outros textos feitos no desenvolvi-mento da Declaração Universal, a Convenção de 1951 relativa aoEstatuto dos Refugiados (estendida a novas categorias de pessoaspor um protocolo de 1966), o Protocolo Adicional n.O 4 (de 1963) àConvenção Europeia dos Direitos do Homem, a Convenção de 1965sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, aDeclaração sobre Asilo Territorial (aprovada pela Assembleia Geraldas Nações Unidas em 1967), o art. 22.0 da Convenção Interameri-cana dos Direitos do Homem e o art. 12.0, n.O 3, da Carta Africanados Direitos do Homem e dos Povos.As Convenções sobre Refugiados e Apátridas (muito parecidas) con-signam um princípio geral de não discriminaçào dos refugiados e dosapátridas entre si e deveres e direitos perante os Estados que os acolhem-dever de obediência às leis e direitos e garantias respeitantes à religião,à propriedade, à associação não política, ao exercício da profissão, à liber-dade de circulação, à concessão de títulos de viagens para o exterior, àtransferência de bens, às facilidades de naturalização, aos direitos sociais, etc.Sob reserva de disposições mais favoráveis, os Estados partes conce-dem aos apátridas o regime que concedem aos estrangeiros em geral e, aofim de três anos, os refugiados beneficiam de dispensa de reciprocidade(1) Que retoma, nos seus arts. 16.0 e 26.0, os princípios dos arts.

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6.0 e 2.0 daDeclaração Universal, respectivamente.1~stitucional Parte III = Estrutura Constitucional do Estado 143~ixar qualquer país (art. 2.0, II -As nossas três primeiras Constituições previam os direitos fun-damentais como direitos dos Portugueses (I). A única excepção referia-se~ colectivas de estrangeiros ao exercício do culto particular de outras religiões que não a católica,quando professadas por estrangeiros (art. 25.0 da Constituição de 1822 e\ art. 6.0 da Carta)., procura, por seu turno asse- -o o, -Ih.' Isso nao querIa dizer, contudo, que eles todos fossem negados aosormaçao e aco Imento ade- .d' .ddo. -fdod.d~ estrangeiros ou que, no omlmo os Ireltos nao un amentals, eslgna a-~o menos favorável que o dos mente no dos direitos privados, vigorasse qualquer exclusivismo. Bastae condições de trabalho, sin- recordar que o Código Civil de 1867 viria consagrar duas regras comple-sso à justiça; e garantir o rea~ mentares: que só os cidadãos portugueses gozavam plenamente de todos>mo a transferência das suas os direitos assegurados pela lei (art. 17.0), mas que os estrangeiros que via-jassem ou residissem em Portugal teriam os mesmos direitos e obrigações> e mais integrado da Comu- civis dos cidadãos portugueses enquanto aos actos que aqui houvessem demais longe no rumo da equi- pr?duzir o seu e~e~to, excepto on~s casos em ~ue alei ~xpressamente .deter-~ de cidadania, como adiante mInasse o contrario ou se existisse convençao especial que determInassede outra forma (art. 26.0) (2) (3).Todavia, foi a Constituição de 1911 que expressamente, pela primeiravez, colocou a par os portugueses e os estrangeiros, ao dispor no art. 3.0 (4)no Direito português que "a Constituição garante a portugueses e a estrangeiros residentes no paísa inviolabilidade dos direitos concementes à liberdade, à segurança e à pro-os constitucionais ignoraram' priedade" (5). E a fórmula era mesmo excessiva (tal como excessiva seria'ase revolucionária francesa, a referência apenas a portugueses rias Constituições anteriores).ou porque apenas cuidavam Mais mitigado e mais adequado à situação geral do ordenamento jurí-)S Estados. dico português viria a ser o preceito constante do § único do art. 7.0 daDs a segunda guerra mundi I Constituição de 1933. Este estatuiria que dos mesmos direitos e garantiastr..a, dos portugueses gozariam os estrangeiros residentes em Portugal, se a lei não) angelrOS numa perspectIvad., ..d..I' odo ..-A. etermlnasse o contrarIo, e exceptuarla os lreItos po ltICOS e os lreItos:lparaçao. E a tendencIa tem públicos que ~ traduzissem em encargos para o Estado, observando-se,

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rgarem crescentemente essestratados, seja por lei ordiná-~~t()~ jus-uni- (I) Direitos e Deveres Individuais dos Portugueses, na Constituição de 1822;Direitos Civis e Políticos dos Portugueses, na Carta; Direitos e Garantias dos Por-tugueses, na Constituição de 1838.(2) Como dizia DIAS FERREIRA, op. cito, 1, pâg. 26: "É independente da qua-lidade de cidadão o gozo dos direitos civis, que provêm exclusivamente da naturezahumana". Cfr. LOPES PRAÇA, op. cit., 1, pâg. 158; MACHADO VILELA, opo cito, 1,pâgs. 192 e segs. (sobre os antecedentes do princípio da equiparação entre nós);JosÉ TAVARES, Os Princípios Fundamentais do Direito Civil, 11, Coimbra, 1928,pâgs. 33 e segs., nota; CABRAL DE MoNcADA, Lições. .o, cit., I, pâgs. 303 e segs.(3) V., ainda, o art. 7.0 do Código Comercial (de 1888).(4) Fonte: art. 72.0 da ConstituiÇão brasileira de 1891.(5) Cfr. MARNOCO E SOUSA, Comentário, cit., pâgs. 40 e segs.142 Manual de Direito Constitucionalh) Toda a pessoa é livre de deixar qualquer país (art. 2.0,n.O 2);cr São proibidas as expulsões colectivas de estrangeiros(art. 4.0) (I).A Carta Social Europeia (de 1961) procura, por seu turno, asse-gurar aos trabalhadores migrantes informação e acolhimento ade-quados; conceder-lhes um tratamento não menos favorável que o doscidadãos locais quanto a remuneração e condições de trabalho, sin-dicalização, alojamento, impostos e acesso à justiça; e garantir o rea-grupamento das suas famílias, bem como a transferência das suaseconomias (art. 19.0) (2).Mas é no espaço mais homogéneo e mais integrado da comu-nidade Europeia que se tem caminhado mais longe no rumo da equi-paração de direitos, independentemente de cidadania, como adiantese mostrará.35. A condição dos estrangeiros no Direito portuguêsI -Durante muito tempo, os textos constitucionais ignoraramos estrangeiros: ou porque, como na fase revolucionária francesa,pretendiam dirigir-se a todos os homens ou porque apenas cuidavamdos direitos dos cidadãos dos respectivos Estados.Seria no século xx e, sobretudo, após a segunda guerra mundial,que eles se ocupariam de direitos dos estrangeiros numa perspectivade maior ou menor aproXimação ou equiparação. E a tendência temsido para, mesmo no seu silêncio, se alargarem crescentemente essesdireitos, seja por simples aplicação de tratados, seja por lei ordiná-ria ou por decisão da justiça constitucional com fundamentos jus-uni-versalistas.(I) A Convenção lnteramericana e a Carta Africana contêm disposições seme-lhantes: arts. 22.0 e 12.0, respectivamente.r) V., também, o Acordo Europeu sobre a Transferência de Responsabili-dade Relativa a Refugiados (aprovado em Portugal para ratificação pelo Decreton.O 140/81, de 15 de Fevereiro) e o Acordo Europeu Relativo à Suspensão de Vis-tos para os Refugiados (aprovado para ratificação pelo Decreto n.O 75/81, de 16de Junho).Parte 111- Estrutura C()nstitucional do Estado 143~:::

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II -As nossas três primeiras Constituições previam os direitos fun-damentais como direitos dos Portugueses (I). A única excepção referia-seao exercício do culto particular de outras religiões que não a católica,quando professadas por estrangeiros (art. 25.0 da Constituição de l822 eart. 6.0 da Carta).Isso não queria dizer, contudo. que eles todos fossem negados aosestrangeiros ou que. no domínio dos direitos não fundamentais. designada-mente no dos direitos privados, vigorasse qualquer exclusivismo. Bastarecordar que o Código Civil de 1867 viria consagrar duas regras comple-mentares: que só os cidadãos portugueses gozavam plenamente de todosos direitos assegurados pela lei (art. l7.0). mas que os estrangeiros que via-jassem ou residissem em Portugal teriam os mesmos direitos e obrigaçõescivis dos cidadãos portugueses enquanto aos actos que aqui houvessem deproduzir o seu efeito. excepto nos casos em que a lei expressamente deter-minasse o contrário ou se existisse convenção especial que determinassede outra forma (art. 26.0) (2) (3).Todavia. foi a Constituição de 1911 que expressamente. pela primeiravez. colocou a par os portugueses e os estrangeiros, ao dispor no art. 3.0 (4)que "a Constituição garante a portugueses e a estrangeiros residentes no paísa inviolabilidade dos direitos concementes à liberdade, à segurança e à pro-priedade" (5). E a fórmula era mesmo excessiva (tal como excessiva seriaa referência apenas a portugueses nas Constituições anteriores).Mais mitigado e mais adequado à situação geral do ordenamento jurí-dico português viria a ser o preceito constante do § único do art. 7.0 daConstituição de 1933. Este estatuiria que dos mesmos direitos e garantiasdos portugueses gozariam os estrangeiros residentes em Portugal, se a -lei nãodeterminasse O contrário. e exceptuaria os direitos políticos e os direitospúblicos que se traduzissem em encargos para o Estado. observando-se,(I) Direitos e Deveres Individuais dos Portugueses, na Constituição de 1822;Direitos Civis e Políticos dos Portugueses, na Carta; Direitos e Garantias dos Por-tugueses, na Constituição de 1838.(2) Como dizia DIAS FERREIRA, opo cit., I, pág. 26: "É independente da qua-lidade de cidadão o gozo dos direitos civis, que provêm exclusivamente da naturezahumana". Cfr. LOPES PRAÇA, op. cito, I, pág. 158; MACHADO VILELA, op. cit., I,págs. 192 e segs. (sobre os antecedentes do principio da equiparação entre nós);JosÉ TAVARES, Os Princípios Fundamentais do Direito Civil, II, Coimbra, 1928,págs. 33 e segs., nota; CABRAL DE MoNcADA, Liçõeso.., cit., I, págs. 303 e segs.(3) V., ainda, o art. 7.0 do Código Comercial (de 1888).(4) Fonte: a11. 72.0 da ConstituiÇão brasileira de 1891..

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(5) Cfr. MARNOCO E SOUSA, Comentário, cit., págs. 40 e segs.144 Manual de Direito Constitucionalporém, quanto a estes, a reciprocidade de vantagens concedidas aos portu-gueses por outros Estados (I) (2).Na revisão constitucional de 1971, o preceito sobre estrangeiros (quepassaria a ser o§ 2.") sofreria alterações não despiciendas. A fim de cor-responder a necessidades frequentemente sentidas na prática (3) ou de eli-minar dúvidas (4), a lei ordinária foi autorizada a permitir a estrangeiros oexercício de funções públicas de carácter predominantemente técnico. Poroutro lado, estabeleceu-se uma base constitucional para a equiparação entrebrasileiros e portugueses (§ 3.") (5).Entretanto, o Código Civil de 1966 tinha vindo prescrever que osestrangeiros eram equiparados aos nacionais quanto ao gozo de direitoscivis, salvo disposição legal em contrário (art. 14.", n." 1 ), e que não eramreconhecidos aos estrangeiros os direitos que, sendo atribuídos pelo res-pectivo Estado aos seus nacionais, o não fossem aos portugueses em igual-dade de circunstâncias (n." 2).A Constituição de 1976, declararia que "os estrangeiros e apá-tridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitose estão sujeitos aos deveres dos cidadãos portugueses" (n,O 1 doart. 15,0), que se exceptuam "os direitos políticos, o exercício das fun-çÕes públicas que não tenham carácter predominantemente técnico eos direitos e deveres reservados pela Constituição e pela lei exclusi-vamente aos cidadãos portugueses" (n.O 2); e que aos cidadãos dospaíses de língua portuguesa (naturalmente não já apenas aos brasi-leiros) "podem ser atribuídos, mediante convenção internacional eem condições de reciprocidade, direitos não conferidos a estrangei-ros, salvo o acesso à titularidade dos órgãos de soberania e das(I) v. também o art. 16.", sobre participação de estrangeiros nos organismo!Iicorporativos, e o art. 32.", § 2.", do Acto Colonial, sobre participação nos órgãos deautarquias locais nas colónias.I (2) Sobre a situação dos estrangeiros frente à Constituição de 1933, v. MAR-!. CELLO CAETANO, Manual de Ciência Política..., cit., 11, págs. 512 e segs.i (3) Justificação da proposta de lei de revisão [in Diário das Sessões, n." 50,pág. 1048(12)].(4) Parecer da Câmara Corporativa, in Actas. x legislatura, n." 67, 1971,pág.627.II(5) Além do relatório da proposta de lei e do parecer da Câmara Corporativa,cit., v. MARCELLO CAETANO, Manual de Ciência Política..., cit., 11, págs. 513 e 514.Parte 111- Estrutura Constitucional do Estado 145.~,.~... ~regiões autónomas, o serviço nas forças armadas e a carreira diplo-mática" (n.o 3) (I).Com a revisão constitucional de 1989, estabeleceu-se que a leipoderia "atribuir a estrangeiros residentes no território nacional, em

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condições de reciprocidade, capacidade eleitoral para a eleição dos titu-lares de órgãos das autarquias locais" (novo n.o 4) (2).Finalmente, a revisão de 1992 acrescentou que a .lei poderiaainda "atribuir, em condições de reciprocidade, aos cidadãos dosEstados membros da União Europeia residentes em Portugal o direitode elegerem e de serem eleitos Deputados ao Parlamento Europeu"(n.o 5) (3) (4).III -O princípio geral do Direito português -na linha deuma bem ancorada e própria tradição -é, portanto, de equiparação,I de igualdade ou, talvez melhor, de extensão aos estrangeiros dosi direitos conferidos aos portugueses. Mas a Constituição de 1976vai mais longe, numa perspectiva universalista desconhecida dasConstituições anteriores e até de Constituições recentes de outrospaíses (5).(1) Sobre os n.OS 1 e 2 do art. 15.0, v. Diário da Assembleia Constituinte,n." 59, págs. 940 e 941.O n.O 3 teve por fonte o art. 7.0, § 3.0, da Constituição de 1933 após 1971 efoi introduzido pela Comissão de Redacção para ressalvar a Convenção de Brasíliasobre Igualdade de Direitos e Deveres entre Portugueses e Brasileiros e como mani-festação dos laços especiais de amizade com os países de língua portuguesa (v. Diá-rio, n." 131, pág. 4373).(2) V. Diário da Assembleia da República, v legislatura, 2.. sessão legislativaI.. série, n.O 64, reunião de 14 de Abril de 1989, págs. 2202 e segs.(3) Ibidem, VI legislatura, I.. s~ssão legislativa, 2.. série, n." 3-RC, actapágs. 53 e segs.; 2.. sessão legislativa, 2.. série, n." 10-RC, acta n.O 10, p'e segs.; n.O 14-RC, acta n." 14, págs. 193 e segs.; e I.. série, 2.. sessãoreunião de 17 de Novembro de 1992, págs. 435, 436 e 456-457.(4) Além disso, no n.O 4 passou a falar-se em "capacidade epassiva" e a epígrafe do artigo ficou sendo "estrangeiros, apátridrpeus" (como se houvesse cidadãos de um qualquer Estado E0/cidadãos dos Estados da União não fossem estrangeiros!). /(5) Cfr., próximas da portuguesa, a Constituição italia~nhola (art. 13."), a santomense (art. 16.0), a caboverdV10- Manual de Direito Constitucional, 1I1Parte 111- Estrutura Constitucional do Estadoregiões autónomas, o serviço nas forças armadas e a carreira diplo-mática" (n.o 3) (I ).Com a revisão constitucional de 1989, estabeleceu-se que a leipoderia "atribuir a estrangeiros residentes no território nacional, emcondições de reciprocidade, capacidade eleitoral para a eleição dos titu-lares de órgãos das autarquias locais" (novo n.o 4) r).Finalmente, a revisão de 1992 acrescentou que a .lei poderiaainda "atribuir, em condições de reciprocidade, aos cidadãos dosEstados membros da União Europeia residentes em Portugal o direitode elegerem e de serem eleitos Deputados ao Parlamento Europeu"(n.o 5) (3) (4).III -O princípio geral do Direito português -na linha deuma bem ancorada e própria tradição -é, portanto, de equiparação,de igualdade ou, talvez melhor, de extensão aos estrangeiros dosdireitos conferidos aos portugueses. Mas a Constituição de 1976vai mais longe, numa perspectiva universalista desconhecida dasConstituições anteriores e até de Constituições recentes de outrospaíses (5).t(1) Sobre os n.OS 1 e 2 do art. 15.0, v. Diário da Assembleia

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Constituinte,'c n."59,pâgs.940 e 941.i~ O n.O 3 teve por fonte o art. 7.0, § 3.0, da Constituição de 1933 após 1971 e"j' foi introduzido pela ~o~issãO de Redacção para ressalvar a C~n~enção de Brasíli.ar sobre Igualdade de Direitos e Deveres entre Portugueses e Brasllelros e como mam-,.. festação dos laços especiais de amizade com os países de língua portuguesa (v. Diá-rio, n." 131, pâg. 4373).(2) V. Diário da Assembleia da República, v legislatura, 2." sessão .Jegislativa,I." série, n." 64, reunião de 14 de Abril de 1989, pâgs. 2202 e segs.(3) lbidem, VI legislatura, 1." sessão legislativa, 2." série, n." 3-RC, acta n.O 3,pâgs. 53 e segs.; 2." sessão legislativa, 2." série, n." 10-RC, acta n.O 10, pâgs. 161e segs.; n.O 14-RC, acta n." 14, pâgs. 193 e segs.; e 1." série, 2." sessão legislativa,reunião de 17 de Novembro de 1992, pâgs. 435, 436 e 456-457.(4) Além disso, no n." 4 passou a falar-se em "capacidade eleitoral activa epassiva" e a epígrafe do artigo ficou sendo "estrangeiros, apâtridas, cidadãos euro-peus" (como se houvesse cidadãos de um qualquer Estado Europeu e como se oscidadãos dos Estados da União não fossem estrangeiros!).(5) Cfr., próximas da portuguesa, a Constituição italiana (art. 10.0, n.O 2), a espa-nhola (art. 13.), a santomense (art. 16.1, a caboverdiana (art. 23.1, a eslovena,10- Manual de Direito Constitucional, III"146 Manual de Direito ConstitucionalEssa perspectiva universalista resulta da inserção dos direitosfundamentais no sentido decorrente da Declaração Universal dosDireitos do Homem (art. 16.0, n.O 2): se os preceitos sobre direitos fun-damentais dos portugueses têm de ser interpretados e integrados deharmonia com a Declaração Universal, por princípio devem podervaler para todas as pessoas, seja qual for a sua cidadania. Resulta daprevisão do direito de asilo (art. 33.0, n.O 7, hoje, correspondente aoart. 22.0, n.O I, inicial), bem como do estatuto de refugiado político(art. 33.0, n.O 8); e de um conjunto vasto e preciso de garantias res-peitantes à permanência, à expulsão e à extradição [arts. 27.0, n.O 3,alínea c), e 33.0, n.os 2, 4, 5 e 6] (I). Traduz-se na expressa mençãoda atribuição a todos os trabalhadores, sem distinção de cidadania ede território de origem, dos principais direitos económicos, sociais eculturais (art. 59.0). E é reforçada com o aditamento, feito logo naprimeira revisão constitucional, do princípio do "respeito dos direi-tos do homem" como princípio norteador de Portugal nas relaçõesinternacionais (art. 7.0, n.O I).Como cláusula geraÍ, o n.O 1 do art. 15.0 aplica-se aí onde nãosejam decretadas expressamente exclusões de direitos dos estrangei-ros e estas não podem ser tais (ou tantas) que invertam o princípio.Um limite absoluto à exclusão decorre do elenco dos direitos, liber-dades e garantias insusceptível de suspensão em estado de sítio

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(art. 19.0, n.O 6) r). Mas não basta: se aos estrangeiros fossem nega-dos quaisquer outros direitos que a nossa ordem jurídica contempla,o princípio ficaria frustrado na prática (3) -o que justifica e impõede 1992 (art. 13.0) ou a ucraniana, de 1.996 (art. 26.0, n.O 1). E, na doutrina, por exem-plo, IONACIO BORRADO INIESTA, EI status constitucional de los extranjeros, in Estu-dio sobre Ia Constituci6n Espaflola -Homenaje al Professor Eduardo Garciade Enterria, obra colectiva, ", Madrid, 1991, págs. 697 e segs.; PEDRO CRUZ VIL-LALÓN, op. cit., loc. cit., págs. 63 e segs.; GIUSTINO D'ORAZIO, Lo straniero nella Cos-tituzione italiana, Pádua, 1992.(I) Cfr. infra.(2) Neste sentido, MOURA RAMOS, Estrangeiro, cit., loc. cit., pág. 1220.(3) Ou, como nota VIEIRA DEANDRADE (Os direitos fundamentais na Cons-tituição portuguesa de 1976, Coimbra, 1983, pág. 184), as excepções estabeleci-das por lei ordinária àquele principio não são livres, pelo menos no que respeitaaos direitos, liberdades e garantias, devendo as leis que reservem direitos deste tipoParte III-Estrutura Constitucional do Estado 147um cuidadoso trabalho de apreciação a cargo dos órgãos de fiscali-zação da constitucionalidade. Designadamente, no que conceme aosrefugiados, não poderia a lei recusar-lhes tal soma de direitos que vul-nerasse o próprio sentido da concessão do asilo.Por outra banda, as exclusões (ou as reservas de direitos aosportugueses) só podem dar-se por via da Constituição ou da lei.Quando não seja a Constituição a estipulá-las, tem de ser a lei, e leiformal; não pode ser a Administração -donde, uma verdadeirareserva de lei, que é também uma reserva de competência da Assem-bleia da República quando se trate de direitos, liberdades e garantias[art. 165.0, n.O 1, alínea b)] (I).IV -Para lá do princípio geral da equiparação, a análise doart. 15.0 e dos outros preceitos pertinentes da Constituição revela oseguinte regime:a) Reserva aos portugueses da titularidade dos órgãos de sobe-rania e das regiões autónomas (ou seja, sob outro prisma, da cor-respondente capacidade eleitoral passiva), do serviço nas ForçasArmadas (também art. 275.0, n.O 2), do acesso à carreira diplomáticae da eleição do Presidente da República (art. 121.0, n.O 1);b) Reserva aos portugueses, outrossim, de direitos e garantiasinerentes à relação da comunidade política com o território (arts. 44.0e 33.0);c) Distinção entre o regime aplicável aos cidadãos dos paísesde língua portuguesa, o regime aplicável aos cidadãos de Estadosmembros da União Europeia e o regime aplicável aos cidadãos dequaisquer outros países e aos apátridas;d) Possibilidade (não necessidade) de atribuição aos primei-ros de quaisquer outros direitos, incluindo direitos políticos (2),a cidadãos portugueses ser consideradas verdadeiras leis restritivas para efeitosdo art. 18."(I) Cfr. os pareceres n.OS 5/77 e 36/79 da Comissão Constitucional, de 8de Fevereiro de 1977 e de 13 de Novembro de 1979, in Pareceres, I, págs. 89 e segs.,e X, págs. 167 e segs., respectivamente.

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r) Como a participação em referendo local (art. 4." da Lei n." 49/90, de 24de Agosto) ou em referendo nacional (art. 38." da Lei n." 15-A/98, de 3 de Abril).148 Manual de Direito Constitucionalem condições de reciprocidade e mediante convenção internacio-nal (I) -não mediante lei;e) Possibilidade (não necessidade) de atribuição, em condi-çÕes de reciprocidade e por lei, aos cidadãos de Estados-membros daUnião Europeia de capacidade eleitoral activa e passiva na eleição doParlamento Europeu (art. 15.0, n.O 5) (2);.I) Possibilidade (não necessidade ainda) de a lei atribuir aqualquer outro estrangeiro, em condições de reciprocidade, capacidadeeleitoral activa e passiva nas eleições dos titulares dos órgãos dopoder local (art. 15.0, n.O 4) (3), bem como (por identidade de razão,apesar de faltar credencial directa) direito de participação em refe-rendos locais (art. 240.0);g) Não atribuição aos cidadãos de Estados não referidos nas alí-neas d), e) e.l) e aos apátridas de direitos políticos (4) e do acesso afunções públicas sem carácter predominantemente técnico (5);h) Impossibilidade também de atribuição aos cidadãos de Esta-dos-membros da União Europeia de outros direitos políticos aforaos indicados nas alíneas e) e .I), bem como impossibilidade de acessoa funções públicas sem carácter predominante técnico (6);(I) E convenção necessariamente aprovada pela Assembleia da República[arts. 161.0, alínea i), e 165.0, n.O I, alínea h)].(2) E a opção é também anotada nos cadernos eleitorais (art. 75.0-8, n.O 2, daLei n.O 69/78, aditado pela Lei n.O 50/96).(3) A .lei é a já citada Lei n.O 50/96, de 4 de Setembro (de alteração doDecreto-Lei n.O 701-8/76, de 29 de Setembro), a qual não faz depender a atribuiçãodo direito de voto de qualquer tempo de residência quanto aos cidadãos de Estadosda União Europeia, mas, diversamente, exige o decurso de 2 e 4 anos (para a capa-cidade activa e para a passiva) quanto aos cidadãos de países de língua portuguesae o decurso de 3 e 5 anos para os cidadãos dos demais países. A diferenciaçãoentre cidadãos de países da União Europeia e cidadãos de países de língua portuguesadeve ter-se por inconstitucional.(44) Excluindo-se destes, obviamente, o direito de reclamação ou queixa paradefesa dos direitos e interesses próprios (arts. 23.0, n.O 1, e 52.0, n.O l, da Constituiçãoe art. 4.0, n." I, da Lei n.O 43/90, de 10 de Agosto).(5) Antes da primeira revisão constitucional, aos estrangeiros era tambémvedado a propriedade de publicações jornalísticas (art. 38.0, n.O 4).(6) Poderão os partidos políticos portugueses receber donativos de estrangei-ros? O art. 5.0, alínea g), da Lei n.O 72/93, de 30 Novembro, só exclui as pessoasParte ll/ -Estrutura Constitucional do Estado 149i) Atribuição aos cidadãos de quaisquer outros Estados e aosapátridas de quaisquer outros direitos, salvo os reservados pela leiexclusivamente aos cidadãos portugueses;j) Possibilidade de a reserva legal de certos direitos aos por-tugueses ser feita tanto em termos absolutos como -por maioria derazão -em termos relativos, através de cláusulas de reciproci-dade (I) (2);

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L) Não sujeição dos estrangeiros, ainda quando tenharp osdireitos correspondentes, a deveres de participação política (por impli-carem valoração cívica que não têm de sentir), como o de defesa daPátria (art. 276.0, n.O 1) (3), o de votar (art. 49.0, n.O 2), o de inscri-ção no recenseamento (art. 113.0, n.O 2) ou o de colaboração com aadministração eleitoral (art. 113.0, n.O 4) (4).V -Sobre o conceito de funções públicas com ou sem carácter pre-dominantemente técnico e sobre o âmbito das prescrições do art. 15.0, n.O 2,algumas dúvidas têm sido suscitadas (5).Há quem tome funções com carácter predominantemente técnico comofunções dependentes de requisitos muito exigentes de preparação e especia-lização e chegue mesmo a afirmar que os estrangeiros só as poderão exer-cer, desde que não existam, em princípio, portugueses com aptidões seme-colectivas, mas é de entender, à face do art. 15.0 da Constituição, que ficam tam-bém afastados os donativos de pessoas singulares -com excepção dos de cida-dãos de países de língua portuguesa com estatuto de igualdade de direitos políti-coS -pois contrih-' --.'I o financiamento de partidos significa ainda participarna vida política.(I) Na Constituição de 1933 a cláusula de reciprocidade quanto aos direitospúblicos que se traduzissem em encargo para o Estado era imperativa.(2) Neste sentido, parecer n.O 65/82, de 22 de Julho, da Procuradoria-Geral daRepública, in Boletim do Ministério da Justiça, n.O 325, Abril de 1983, págs. 294e segs.r) Sobre a exclusão dos apátridas do serviço militar, v. parecer n.O 18/82da Comissão Constitucional, de 25 de Maio de 1982, in Pareceres, xx, págs. 35e segs.(4) Sobre a sujeição de estrangeiros a deveres fundamentais, cfr. CASALTANABAJS, O dever fundamental de pagar impostos, Coimbra, 1997, págs. 106 e segs.(5) Assim, parecer n.O 258/77 , de 16 de Fevereiro de 1978, da Procurado-ria-Geral da República, in Boletim do Ministério da Justiça, n.O 291, Dezembro de1979, págs. 195 e segs.150 Manual de Direito Constitucionallhantes r ). Contudo, há quem entenda que tais funções não correspondema um grau maior ou menor de tecnicidade ou de especialização, mas sim aopredomínio de um quantum técnico por oposição a outro, de natureza dife-rente, que é, na teleologia da norma, um quantum de autoridade pública,ligado aos direitos políticos (2).Por nós, chamamos a atenção, antes de mais, para a circunstância dea referência a funções públicas com carácter predominantemente técnicoter de ser compreendida quer no plano desse preceito, quer no das suasrelações com o n.O 1 do mesmo art. 15.0 Por um lado, as funções

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públicasem geral encontram-se vedadas aos estrangeiros -não propriamente porcausa da sua ligação aos direitos políticos, mas por causa da sua imediatae necessária relevância para a organização administrativa ou para a autori-dade do Estado [daí, os arts. 21.0, 269.0, 270.0 e 165.0, n.O 1, alíneas s) e t)].Por outro lado, a abertura das que tenham carácter predominantemente téc-nico a estrangeiros é consonante com o princípio da equiparação de portu-gueses e estrangeiros.Funções públicas com carácter predominantemente técnico são -numainterpretação declarativa -as funções em que o factor técnico avulta sobrequalquer outro, seja este a prestação de serviços materiais, auxiliares ouadministrativos, seja este o exercício de autoridade ou de chefia (não técnica).O único critério para as definir é o da prevalência desse factor e apoia-se tantona letra como na vantagem (e não apenas necessidade) de em tais funçõespoder haver estrangeiros (e até em concorrência emulativa com os portu-gueses). Essa vantagem não existe quanto a funções com reduzida compo-nente técnica e quanto a funções de direcção afins das funções de autoridade.Ainda por virtude do princípio geral da equiparação de portugueses eestrangeiros, resulta imediatamente da Constituição que quaisquer estrangeirosresidentes em Portugal poderão aceder a tais funções, observadas as condiçõesda lei. Não será necessária lei especial para autorizá-los (3); apenas seránecessária, porventura, lei que defina o conceito (indeterminado) de funções~~m carácter predominantemente técnico (4).(I) Declaração de voto de vencido de J. N. Cunha Rodrigues anexa ao pare-cer citado da Procuradoria-Geral da República, ibidem, pâg. 202.(2) Cfr. Direito Comparado, FRANCIS DELPÉREÉ, op. cit., pâgs. 152 e segs.(3) Neste sentido, MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo,cit., 11, pâg. 673; e parecer n.o 260/77 , de 21 de Dezembro, da Procuradoria-Geral daRepública, in Boletim do Ministério da Justiça, n.o 281, Dezembro de 1978, pâg. 41.(4) Lei essa que, portanto, dê exequibilidade, no referente a tais funções, àsnormas conjugadas dos n.OS I e 2 do art. 15.0.1{ Parte lI/-Estrutura Constitucional do Estado 151~i r;I Todavia, a nonna do n.O 2 do art. 15.0 não lhes garante automaticamenteI,.; contra a lei esse acesso, assim como pode a lei vir ainda a reservar a cida-~ dãos portugueses !llgumas dessas funções (embora não todas, sob pena decolisão com o princípio geral). Só que isto tem de ser feito por lei fonnal,

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não por acto da Administração; tem de ser o legislador a estipular quais as~ funções públicas fechadas a estrangeiros, e não a Administração; e tão-poucopode a lei remeter para a Administração a concessão da autorização para oexercício ou não de qualquer função pública em princípio aberta a estran-geiros, sob pena de se agredir o sentido da reserva de lei (I).Discute-se ainda sobre se os estrangeiros que sejam admitidos a exer-cer funções públicas com carácter predominantemente técnico podem ser fun-cionários ou se se tornam apenas agentes não funcionários. Mas este éproblema a equacionar à luz dos quadros gerais dos vínculos de empregopúblico, sem nele ter qualquer relevância o art. 15.0 da Constituição.VI -O art. 14.0 do Código Civil consagra, como se disse, aregra da equiparação dos estrangeiros aos portugueses quanto aogozo de direitos civis e a regra do não reconhecimento aos estrangeirosde direitos que, sendo atribuídos pelo respectivo Estado aos seuscidadãos, o não sejam aos portugueses em igualdade de circunstân-cias. E são dois princípios, em certa medida, autónomos, porquantopela regra da equiparação podem ser atribuídos aos estrangeiros direi-tos que o seu Estado não reconheça, desde que esse não reconheci-mento não seja discriminatório em relação aos portugueses (2).Quanto à primeira regra, ela equivale à afirmação da capaci-dade geral de gozo dos estrangeiros (3). Isto não significa, porém,que eles tenham precisamente os mesmos direitos que os portugue-~ ses. Em concreto, podem ter mais ou menos. Tudo depende da leiaplicável, da lei competente para atribuir o direito (4)...,r) Nesta linha, o parecer n.O 36/79, da Comissão Constitucional, cit., loc.cito. págs. 170-171, mostrando que, se não houvesse esta reserva de lei, facilmentese poderia cair em discriminações arbitrárias.r) PIRES DE LIMA e ANTUNES V ARELA, Código Civil Anotado. I, 1967, pág. 20.Identicamente, JoÃo BAPTISTA MACHADO, Lições de Direito I!yernacional Privado,Coimbra, 1974, pág. 19; MARIA LuÍsA DUARTE, op. cit.. pág. 24.(3) PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ibidemo(4) JoÃo BAPTISTA MACHADO, ibidem.152 Manual de Direito ConstitucionalCom efeito, não são as regras de Direito dos estrangeiros que,só por si e em definitivo, decidem se um estrangeiro pode ser titu-lar de certo direito em concreto e se pode exercê-lo no Estadolocal. É antes à lei reguladora da relação em causa, determinadapelo recurso à norma de conflitos aplicável, que cabe decidir se oestrangeiro adquiriu ou não certo poder e se está habilitado aexercê-lo. A norma de capacidade sobre a situação do estrangeirofornece apenas o pressuposto geral e abstracto de funcionamento doconjunto das normas de conflito locais. Ou então intervém direc-tamente, quando leva a excluir o estrangeiro do gozo de um direitoque em princípio a lei competente para reger a situação em causalhe reconhecia (I).Quanto ao "sistema de reciprocidade de facto" do art. 14.0,n.O 2 (2), pode perguntar-se se ele se compatibiliza com o art. 15.0 daConstituição. A resposta não pode deixar de ser afirmativa (3) nalógica do princípio da equiparação -o qual deverá jogar em ambasas direcções e não favorecer apenas os estrangeiros -e tendo aindaem conta a referência à lei da parte final do art. 15.0, n.O 2: se

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aleipode reservar exclusivamente a portugueses certos direitos, pode nãoconceder a estrangeiros direitos civis que o respectivo Estado nãoconceda aos portugueses. A resposta só seria negativa, se a aplica-ção da regra da reciprocidade houvesse de levar à inversão daqueleprincípio -o que não se vislumbra fácil (4).(I) ISABEL DE MAGALHÃES COLLAÇO, Direito Internaciona[ Privado, poli-copiado, III, Lisboa, 1963, pág. 76.(2) ISABEL DE MAGALHÃES COLLAÇO, op. cit., pág. 80 (reportando-se aindaao projecto donde sairia o preceito).(3) Contra: CASTRO MENDES, Direito Civi[, cit., I, págs. 253-254; CARVALHOFERNANDES, op. cit., I, pág. 204. A favor, parece, CARLOS FERNANDES, Lições..., I,cit., pág. 120.(4) Poderia ainda perguntar-se se não haveria aqui uma infracção do princi-pio da não discriminação entre estrangeiros (assim, MÁRIO TORRES, prefácio aoDireito dos Estrangeiros de Ana Vargas e Joaquim Ruas, Lisboa, 1995, págs. 20-21).Mas não: 1.0) porque seria chocante que, a seu pretexto, a ordem jurldica portuguesanão pudesse responder a um tratamento menos favorável dos seus cidadãos noestrangeiro; 2.0) porque, a reciprocidade é um principio que aflora, desde logo no pr6-prio art. 15.0 (n.os 3, 4 e 5).~," ,; Parte lll-Estrutura Constitucional do Estado 153!~;i36. A condição dos cidadãos dos países de língua portuguesa-'\ I -A atribuição aos cidadãos dos países de língua portuguesade certos direitos a que os estrangeiros em geral não podem aceder,~ contanto que haja reciprocidade em favor dos portugueses em iguais.1 circunstâncias, só aparentemente representa um desvio ao princípio daigualdade jurídica dos estrangeiros. Ela funda-se, nos "laços privi-ligiados de amizade e cooperação com os países de língua portu-[ guesa" (art. 7.0, n.O 4, da Constituição) (I).", Para O legislador constituinte, a comunidade cultural e humana; criado pelo uso da língua portuguesa ou pela pertença a um Estado:. que a adopta como expressão oficial justifica plenemante o trata-;,: mento especial das pessoas nessas circunstâncias (2) (3) (4).~."'~, II -Previsto no art. 199.0 da Constituição brasileira~; de 1967-1969 e no art. 7.0, § 3,0, da Constituição de 1933 depois.;~; de 1971, o regime especial de direitos de brasileiros e portugueses foi~ objecto da Convenção de Brasília de 7 de Setembro de 1971, regu-~ lamentada no Brasil pelo Decreto n,O 70 436, de 18 de Abril de 1972,'; e, em Portugal, pelo Decreto-Lei n.O 126/72, de 22 de Abril. E con-c,f; firmam-no tanto o citado art. 15,0, n.O 3, da Constituição de 1976!I\;~ quanto o art. 12.0, § 1.0, da Constituição de 1988."

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r) Até 1997 falava-se em laços "especiais". Não se percebe por que se/ alterou o adjectivo. .., (2) Cfr. já o Decreto-Lei n.O 281/76, de 17 de Abril (publicado após a apro-vação da Constituição), ressalvando para efeito da aplicação do Protocolo de 1967adicional à Convenção sobre Refugiados, o tratamento concedido em Portugal aos+ cidadãos de países de língua portuguesa (ou, como aí se diz, não só aos cidadãos bra-sileiros mas também aos cidadãos de "outros países com os quais possa Portugal vira estabelecer relações de comunidade" ).r) Cfr. também, noutro plano, os mais favoráveis requisitos de naturalizaçãono Brasil dos originários de países de língua portuguesa (art. 12.0, IX, alínea a), daConstituição de 1988].(4) Os casos português e brasileiro não são únicos. São bem conhecidos,entre outros, o tratamento dos cidadãos irlandeses e de países da COMMONWEALm.na Grã-Bretanha, ou as convenções de dupla nacionalidade entre a Espanha e os paí-ses da língua espanhola da América.154 Manua/ de Direito ConstitucionalCom este regime não se estabelece uma dupla cidadania ou umacidadania comum luso-brasileira. Os portugueses no Brasil conti-nuam portugueses e os brasileiros em Portugal brasileiros. Sim-plesmente, uns e outros recebem, à margem ou para além da condi-ção comum de estrangeiros, direitos que a priori poderiam ser apenasconferidos aos cidadãos do país (I).Definem-se, aliás, não um, mas dois estatutos: o chamado esta-tuto geral de igualdade e o estatuto especial de igualdade de direitospolíticos. E é o segundo que hoje, sobretudo, oferece interesse, dadoo princípio geral da equiparação entre portugueses e estrangeirosconsagrado pela Constituição de 1976.Por outro lado, nem um nem outro estatuto se aplicam automa-ticamente. A atribuição dos direitos aos portugueses no Brasil ou aosbrasileiros em Portugal não decorre apenas da Convenção e da lei deexecução; depende ainda de requerimento dos interessados às auto-ridades administrativas competentes. E trata-se de estatuto pessoal:não se estende ao cônjuge e aos descendentes.São requisitos de atribuição do estatuto geral a brasileiros acidadania, a capacidade civil e a residência permanente em territórioportuguês. São requisitos da atribuição do estatuto especial de igual-dade de direitos políticos a residência principal e permanente emPortugal há cinco anos e o não se encontrar privado de direitos polí-ticos no Brasil (2).O estatuto geral tem por conteúdo a não sujeição às restrições dacapacidade de gozo dos estrangeiros em Portugal, com excepção doque respeita aos direitos políticos e deveres com estes conexos. Nelecabe o direito a não ser extraditado, salvo para o Estado de nacio-nalidade, embora não o direito à permanência em território portu-r) Cfr. MOURA RAMOS, Do Direito..., cit.. pág. 223. nota. e La double natio-nalité. .., cit.. loc, cit., págs. 592 e segs.; JosÉ FRANCISCO REZEK. op. cit" loc. cit.,págs. 382 e segs.; MARIA LUÍSA DUARTE. A Convenção de Brasília e o MercadoInterno de 1993, Lisboa. 1990. págs. 8 e segs.(2) Como se escreveu no parecer da Câmara Corporativa sobre a Convenção(Actas. ." n.o 77. de 27 de Outubro de 1971, págs. 964-965). a chave

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técnica dosistema é a autorização de permanência no território. pois. nos termos do art. 6.0, acessação de tal autorização importa na perda do estatuto de igualdade.~Parte 111- Estrutura Constitucional do Estado 155guês, O direito à protecção diplomática em terceiro Estado e o deverde serviço militar.O estatuto especial de igualdade de direitos políticos abrangetodos os direitos políticos, salvo os que estejam constitucionalmentereservados aos portugueses e quaisquer funções públicas, menos adiplomática e a militar (I).Têm os brasileiros com estatuto de igualdade de direitos políticos emPortugal o direito de elegerem e de serem eleitos para o Parlamento Euro-peu? Conforme ficou atrás pressuposto, entendemos que sim.Prima facie dir-se-ia haver incompatibilidade entre o art. 15.0, n.O 3, daConstituição -que apenas exclui os cidadãos dos países de língua portu-guesa da capacidade eleitoral passiva, mas não activa, nas eleições para osórgãos de soberania e das regiões autónomas -e o art. 15.0, n.O 4- queapenas se refere aos cidadãos dos Estados membros da União Europeia.Deve resolver-se a dificuldade, fazendo prevalecer o princípio fundamentaldas relações especiais de Portugal com os países de língua portuguesa,manifestada nos arts. 7.0, n.O 4, e 78.0, n.O 2, alínea d).Por certo, o art. 137.0 do Tratado de Roma declara o Parlamento Euro-peu composto por representantes dos povos dos Estados reunidos na Comu-nidade. Mas, entendido à letra, tão pouco ele permitiria sequer a partici-pação eleitoral em territórios de Estados diferentes daqueles a quepertencessem os cidadãos: representantes do povo português só deveriam sercidadãos portugueses eleitos dentre cidadãos portugueses. Por conseguinte,como Maastricht acarreta um alargamento ou desvio em favor de espa-nhóis ou alemães (por exemplo), mal se compreenderia que alargamento ou(I) Comparando o art. 15.0, n.O 3, da Constituição actual com o art. 7.0, §§ 1.0e 3.0, da Constituição anterior, após 1971, verifica-se que aquele é mais restritivo porvedar aos brasileiros o acesso à magistratura de qualquer tribunal (e não apenas àdos tribunais superiores) e às Forças Armadas (e não apenas a oficial general), mas,ao mesmo tempo, mais liberal, por Ihes permitir ser titular de órgãos constitucionaisafora os de soberania e os das regiões autónomas.No Brasil, o art. 12.0, § 1.0, da actual Constituição diz: "Aos portugueses comresidência permanente no País, se houver reciprocidade em favor dos brasileiros, serãoatribuídos os direitos inerentes ao brasileiro nato, salvo os casos previstos nestaConstituição". Cfr., por todos, CELSO BASTOS e IVE$ GANDRA MARTINS, Comentá-rios à Constituição do Brasil, II, São Paulo, 1989, pâgs. 558 e segs.; ou MANOEL GoN-ÇALVES FERREIRA FILHO, Comentários à Constituição Brasileira de 1988,

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I, 2." ed.,São Paulo, 1997, pâg. 114.156 Manual de Direito ConstitucionalI desvio análogo se não estabelecesse, à luz da Constituição, em favor de bra-,' 1 sileiros (I)..i i., ,: ). i lli ~ De acordo com a Convenção de Brasília, da regra de) ,! equiparação entre portugueses e brasileiros exceptuam-se os direitos4 reservados pelas respectivas Constituições aos cidadãos originários!Ij, (art. 4.0). Daqui não há-de resultar, porém, nenhuma dúvida: não, havendo na Lei Fundamental de 1976 disposição análoga à do art. 7.0,§ 2.0, da Constituição de 1933, os brasileiros podem gozar agoraentre nós de todos os direitos dos portugueses, anão ser os que a pró-pria Constituição especificamente Ihes feche (de novo, arts. 15.0,n.O 3, 2.8 parte, e 121.0, n.O 1). O resto é mera questão de técnica deformulação normativa (2) (3).Mais delicado poderia vir a ser o problema da constituciona-dade do art. 7.0, n.O 4, da Convenção, ao dispor que o gozo dos direi-tos políticos no Estado de residência -assim, os de portuguesesno Brasil -importa na suspensão do exercício dos mesmos direitosno Estado da nacionalidade (4). Ela dir-se-ia contrariar os princí-pios do sufrágio universal (art. 10.0, n.O 1) e da atribuição aos por-tugueses no estrangeiro de direito de voto na eleição dos Deputados(I) Diferentemente, FRANcIsco LUCAS PIRES, Schengen e a Comunidade de Paí-ses Lusófanos, Coimbra, 1997, págs. 43 e segs.(2) Por isso não tem razão JosÉ FRANCISCO REZEK (Aspectos elementares doestatuto da igualdade, in Boletim do Ministério da Justiça, n.o 277, Junho de 1978,pág. 10), quando, referindo-se à Constituição de 1976, afirma que se ela vedasse aosbrasileiros cargos acessíveis aos portugueses naturalizados, o Estado co-contratanteestaria violando flagrantemente o compromisso bilateral.(3) Isso não significa, porém, que se aceite de jure condendo a discrepânciaentre a Constituição brasileira e a portuguesa. Aquela só veda aos portugueses oscargos de Presidente e Vice-Presidente da República, de Presidente da Câmara deDeputados ou do Senado e de Ministro do Supremo Tribunal Federal, ao passo queum brasileiro em Portugal não pode ser Deputado, membro do Governo ou juiz.Lamentavelmente, não se conseguiu, na última revisão constitucional, obter a maio-ria necessária para alterar o art. 15, n.o 3: v. Diário da Assembleia da República,vIIlegislatura, 2.. sessão legislativa, l.. série, n.o 104, reunião de 30 de Julho de 1997,págs. 3982 e segs.(4) O problema foi aflorado no parecer da Câmara Corporativa sobre a Con-venção, cit., loc. cit., pág. 965, e no parecer n.o 29/78 da Comissão Constitucional,cit., loc. cit., pág. 53.

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Parte II/ -Estrutura Constitucional do Estado 157à Assembleia da República (arts. 14.0 e 152.0, n.O 2); e, de resto, seo art. 1.0, n.O 2, da Lei n.O 14/79, de 16 de Maio, declara que osportugueses havidos também como cidadãos de outros Estados nãoperdem por esse facto a capacidade eleitoral activa, a fortiori portu-gueses que só o sejam tão pouco deveriam ter afectados os seusdireitos políticos.No entanto, esta dúvida também improcede, desde que se tomemem consideração quer o princípio da independência nacional quer aprópria lógica do funcionamento do estatuto de igualdade.J á atrás salientámos como o princípio da independência nacio-nal habilitava a excluir do direito de sufrágio portugueses cidadãostambém de outro Estado em cujo território residissem -com a con-sequente interpretação restritiva da lei eleitoral. Ora, esse mesmo prin-cípio poderá levar a que portugueses (somente portugueses) que par-ticipem na vida política brasileira em igualdade de circunstânciascom os brasileiros não devam participar na vida política portuguesa.Por seu turno, a ideia de igualdade de direitos políticos entre por-tugueses e brasileiros parece assentar numa alternativa que Ihes éposta: ou usufruem de direitos políticos num país ou usufruem nou-tro, não em ambos ao mesmo tempo. Cada português (ou cada bra-sileiro) só pode ter, em cada momento, ou os direitos políticos decor-rentes do Direito constitucional português ou os decorrentes do Direitoconstitucional brasileiro.Decerto, poderão suscitar-se, assim, algumas diferenciações entreportugueses residentes no Brasil, por causa da concessão do esta-tuto de igualdade. Mas estas diferenciações não se traduzem emdiscriminações: não apenas por intercederem com a vontade doscidadãos como por poder supor-se, num plano objectivo, ser maissignificativo e de maior interesse para um português residente hávários anos no Brasil possuir direito de sufrágio em eleições brasi-leiras do que vir a ser eleito para o Parlamento português; existeuma maior ligação efectiva às eleições brasileiras que compensará amenor amplitude dos direitos fo~almente atribuídos (I ).(I) Segundo JosÉ FRANCISCO REZEK (Le droit..., cit., loc. cit., pág. 398, nota),entre 1972 e 1986, 1736 portugueses tinham obtido no Brasil a igualdade de direi-158 Manual de Direito ConstitucionalIV -Não está estabelecido (ou não está estabelecido porenquanto) nada de equiparável à Convenção de Brasília no tocante aosdireitos de portugueses e de cidadãos dos novos países africanos delíngua portuguesa. Os dois tratados (praticamente idênticos) quedela mais se acercam, pela 1atitude da equiparação, são os "AcordosEspeciais" reguladores do estatuto das pessoas e do regime dos seusbens celebrados com Cabo Verde e a Guiné-Bissau, de 15 de Abrile 21 de Junho de 1976, respectivamente (I) (2).Segundo estes "Acordos Especiais", os cidadãos de cada umadas partes beneficiam, no território da outra, de igualdade de tratamentocom os naturais desta no que respeita ao livre exercício das suas acti-.vidades culturais, religiosas, económicas, profissionais e sociais, aosdireitos civis em geral, a actividades de carácter industrial, comercial,agrícola ou artesanal, ao exercício de profissões liberais, à faculdadede obter e gerir concessões, autorizações e licenças administrativas ea direitos de trabalho e segurança social (art. 1.0), bem como no que

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respeita a impostos (art. 4.0) e a direitos patrimoniais (art. 6.0) (3).Entretanto, independentemente de convenção, os cidadãos dos paí-ses africanos de língua portuguesa podem obter, por lei e observadareciprocidade, o direito de eleger e de ser eleitos para os órgãos dasautarquias locais, ao abrigo do art. 15.0, n.O 4, da Constituição, a quehá pouco aludimos.37. A cidadania europeiaI -Já no Tratado de Roma, de 1957, institutivo da ComunidadeEconómica Europeia, se declarava um princípio de não discrimina-tos civis elO 489 a igualdade plena, civil e política; e, no mesmo período, 1402 bra-sileiros tinham acedido à igualdade de direitos civis em Portugal e 297 à igualdadeplena.(I) Aprovados para ratificação pelo Decreto-Lei n." 524-J!16, de 5 de Julho,e pelo Decreto n." 18/77, de 7 de Janeiro, respectivamente.(2) Cfr. ainda, com âmbito mais reduzido, o Acordo Geral de Cooperação eAmizade com São Tomé e Príncipe, de 15 de Julho de 1975, aprovado para ratifi-cação pelo Decreto-Lei n.o 68!16, de 14 de Janeiro.(3) V., sobre o assunto, MOURA RAMOS, De Ia double nationalité. .., cit., loc.cit., págs. 596 e segs.Parte IIl- Estrutura Constitucionatdo Estado 159ção entre os cidadãos dos Estados membros e se consagravam aliberdade de circulação dos trabalhadores (arts. 48.0 e segs.) e a liber-dade de estabelecimento, no duplo sentido de acesso às actividadesnão assalariadas e de constituição e gestão de empresas (arts. 57.0e segs.).Ao longo dos anos, à medida que se avançava no processo deintegração e que se verificava a concomitante interferência dos órgãoscomunitários não só nas condições económicas mas também no pró-prio estatuto jurídico dos particulares, foi-se afirmando a consciênciada necessidade da específica consideração desses direitos e interes-ses pela Comunidade e de uma maior participação dos cidadãos dosEstados-membros na sua vida institucional.O Tratado de Maastricht, de 1992, dito de União Europeia, iriaao seu encontro, elevando a um dos objectivos da União "o reforçoda defesa dos direitos e dos interesses dos nacionais dos seus Esta-dos-membros, mediante a instituição de uma cidadania da União"(art. E) e declarando o seu respeito pelos direitos fundamentais "talcomo são garantidos pela Convenção Europeia de Salvaguarda dosDireitos do Homem e das Liberdades Fundamentais" e "tal comoresultam das tradições constitucionais comuns aos Estados-membros,enquanto princípios gerais de direito comunitário" (art. F, n.O 2).II -O art. 8.0 do Tratado de Roma, depois de alterado pelo Tra-tado de Maastricht, passaria a dispor: " I. É cidadão da União qualquerpessoa que tenha a nacionalidade de um Estado-membro. -2. Oscidadãos da União gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres pre-vistos no presente tratado".E são tais direitos:-O direito de circulação e de livre permanência nos territóriosdos Estados-membros (art. 8.0_A);-O direito de eleger e de ser eleito nas eleições municipais enas eleições para o Parlamento Europeu no Estado-membro da suaresidência (art. 8.0_E);

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-O direito de protecção diplomática em países terceiros, emque o Estado-membro de que é nacional não se encontre represen-tado, por parte das autoridades diplomáticas e consulares de qualquerEstado-membro (art. 8.0_C);160 Manual de Direito Constitucional-O direito de petição ao Parlamento Europeu sobre questõesque se integrem no domínio da actividade da Comunidade e lhedigam directamente respeito (arts. 8.o-D e 138.o-D);-O direito de queixa ao Provedor de Justiça (europeu) res-peitante a casos de má administração na actuação das instituiçõesou dos organismos não jurisdicionais comunitários (arts. 8.o-De 138.o-E).Em contrapartida, embora tenha ou possa ter importantíssimasimplicações sobre os direitos dos cidadãos, não aparece configu-rada desta perspectiva a cooperação no domínio da justiça e dosassuntos internos, com incidência na política de asilo, na passagemdas fronteiras exteriores, na luta contra a criminal idade e em assun-tos judiciais civis e criminais (arts. K e segs. do Tratado de Maas-tricht).III -De todo o modo, não pode confundir-se a cidadania daUnião com a cidadania em sentido próprio que atrás versámos; nemse apresenta suficientemente denso e abrangente o elenco de direitosa que ela se reporta -direitos uns para serem exercidos a nívelcomunitário, outros a nível interno dos Estados -para se poderfalar num acervo autónomo e com valor a se.Não há uma cidadaniaeuropeia, equivalente à cidadania estatal,porque o Tratado de Maastricht não a define à margem dos Esta-dos. São estes que livremente continuam a fixar quem é seu cida-dão e, apenas como sua decorrência, se fica sendo cidadão da União.Mais do que sobreposição dá-se, pois, aqui uma conexão entre omomento primário -dentro de cada Estado -e o momento secun-dário -relativo à União Europeia.Quanto aos direitos, observe-se que a sua regulamentação cabeao Conselho, com base na unanimidade, ou aos próprios Esta-dos-membros; que se admitem derrogações "sempre que proble-mas específicos dos Estados o justifiquem" (I); que, dificilmente,as pertinentes normas comunitárias têm efeito directo; e que, por-(I) Sendo certo que o regime destas derrogações nem obedece ao princípio dareciprocidade, nem a quaisquer normas materiais comunitárias.-JParte III-Estrutura Constitucional do Estado 161tanto, a concretização dos direitos pode ser diversa de Estado paraEstado.Como escreve MOURA RAMOS, nos Tratados de Paris e Roma, os direi-tos dos cidadãos dos Estados-membros giravam sobretudo em tomo de umal realidade económica; não se dirigiam às pessoas como cidadãos, masIenquanto participantes num processo económico. O Tratado de Maastricht,com a instituição da cidadania da União, vem representar a mudança do para-\ digma dominante ao assentar o centro de gravidade de certos direitos decarácter público no homem europeu, e não já no operador económico, ele-l vando-o assim ao status de verdadeiro cidadão europeu.li Simplesmente, a cidadania da União é bem diversa da cidadania esta-tal. Trata-se de um estatuto muito mais frágil e que não pretende substituí-Ia,, antes se lhe vindo sobrepor. E tal fragilidade resulta da sua falta de auto-" nomia em relação à nacionalidade dos Estados membros e resulta do con-: junto de direitos que nela se englobam.

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Para além da livre circulação e permanência, cujos termos pratica-mente pouco distam do que o acquis communautaire já havia consagrado,a protecção diplomática e consular não é verdadeiramente um direito perantea União, embora resulte do estatuto desta, e as novas possibilidades degarantia dos direitos, num plano não contencioso, estão também ao alcancede outros, não cidadãos da União, o que lhes retira a qualidade de ele-mentos caracterizadores do estatuto destes últimos. Um tal papel parececaber assim sobretudo aos direitos de participação política, mas o seu carác-ter não unitário e a dependência em que se encontram, na definição do seuconteúdo, da ordenação de cada Estado-membro acabam por sublinhar denovo o relevo dos Estados na construção da União (I).~I,r> Maastricht e os direitos do cidadão europeu, in A União Europeia. obracolectiva, Coimbra, 1994, págs. 127 e 128. V. também Les Aspects Nouveaux de IaLibre Circulatin des Personnes: vers une citoyenneté européenne. obra colectiva, Lis-boa, 1992; FERNANDO LOUREIRO BASTOS, A União Europeia -Fins. Objectivos eEslrutura Orgânica. Lisboa, 1993, págs. 45 e segs.; ANA MARIA MARTINS, O Tra-lado da União Europeia -Contribulo para a sua compreensão, Lisboa, 1993,t págs. 50 e segs.; Los derechos dei europeo. obra colectiva, Madrid, 1993; VINCENZOILIPPOLIS, La cittadinanza europea. in Quaderni Costitu.zionali. Abril de 1993,, págs. 113 e segs.; GILES SÉBASTIEN, La ciloyenneté de I' Union Européenne, in Revuel du droil public. 1993, págs. 1263 e segs.; FRANCiSCO LUCAS PIRES, Os novos direilosdos Porlugueses. Lisboa, 1994, e Múlliplos da cidadania: o caso da cidadania euro-peia, in AB V NO AD OMNES -Nos 75 anos da Coimbra Edilora, obra colectiva,II -Manua) de Direito Constitucional. 111Ii162 Manual de Direito ConstitucionalNo entanto, observa ainda o mesmo Autor, apesar de tudo não se esca-moteie o carácter simbólico do estatuto do cidadão da União. Ao reforçaro sentimento de pertença a um todo integrado dos nacionais de todos e decada um dos Estados-membros que o compõem, ele não é despido de efi-cácia transformadora no que respeita ao relacionamento entre estes dois~ pólos (I) (2)./IV -Parecida com a cidadania europeia talvez pudesse vir a serno futuro uma cidadania lusófona se se passasse de convenções mul-tilaterais a um sistema multilateral correspondente à comunidade dosPaíses de Língua Portuguesa (3).Coimbra, 1998, págs. 1267 e segs.; MARIA LuísA DUARTE, A cidadania da União ea responsabilidade dos Estados por violação do Direito Comunitário,

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Lisboa, 1994,maxime, pâgs. 25 e segs.; NUNO PIÇARRA, Cidadania europeia. direito comunitárioe direito nacional, in O Direito, 1994, pâgs. 185 e segs. e 409 e segs.; MARIA Eu-SABETE GOMES RAMOS, Breves notas sobre a cidadania da União Europeia. in Temasde lntegração, I." semestre de 1996, pâgs. 63 e segs.; Luís SÃ, A crise. .., cit.,pâgs. 440 e segs.; CARLA GOMES, A natureza constitucional do Tratado da UniãoEuropeia, Lisboa, 1997, pâgs. 55 e segs.Sobre a situação anterior, v. MARIA ISABEL JALLES, Os direitos da pessoana Comunidade Europeia. in Documentação e Direito Comparado, n." 2, 1981,pâgs. 27 e segs.; ou MOITINHO DE ALMEIDA, Direito Comunitário -A ordem jurí-dica comunitária -As liberdades fundamentais na C. E. E., Lisboa, 1985, pâgs. 397e segs.(I) MOURA RAMOS, op. cit., loc. cit., pâgs. 128-129.(2) Não concordamos, porém, com Moura Ramos, quando, por causa de oart. 137." do Tratado da C. E. E. dizer que o Parlamento Europeu representa ospovos dos Estados, interpreta o art. 8."-B, n." 2, como vindo integrar os cidadãos daUnião Europeia residentes num dado Estado-membro no respectivo povo, indepen-dentemente da posse da nacionalidade respectiva (pâgs. 120 e 121 ). Esta asserçãoparece-nos contraditória: como pode alguém pertencer a um povo sem ter a suacidadania? De resto, esses cidadãos mantêm todos os seus direitos, inclusive polí-ticos (excepto os respeitantes às eleições municipais e ao Parlamento Europeu), noEstado de origem. Do que se trata é apenas de uma extensão de direitos, verifica-dos certos pressupostos.(3) V. a expressão cidadania lusófona em FRANCiSCO LUCAS PIRES, Schen-gen. .., cit., pâg. 37.Parte lI/-Estrutura Constitucional do Estado 163CAPÍTULO IVO PODER POLiTICO§ 1.0Poder e soberania38. Estrutura e função do poderO Estado surge em virtude de se instituir um poder que trans-forma uma colectividade em povo. Esta instituição é (como salien-támos), um fenómeno jurídico -ainda quando nasce à margemde actos previstos em normas ordenadas a esse resultado; e a própriacriação revolucionária do poder é portadora de juridicidade plena,pois que não só define relações jurídicas entre os cidadãos como sefunda no Direito natural ou, se se preferir, na ideia do Direito domi-nante na colectividade em certa circunstância (I).Constituir o Estado equivale a dar-Ihe a sua primeira Constitui-ção, a lançar as bases da sua ordem jurídica, a dispor um estatuto geralde governantes e governados. Todo o Estado, porque constituído, temConstituição nesta acepção -em sentido institucional (por inerenteà institucionalização do poder).O poder político é, por consequência, um poder constituinteenquanto molda o Estado segundo uma ideia, um projecto, um fim

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de organização. E este poder constituinte não cessa quando a Cons-tituição material fica aprovada; ele perdura ou está latente na vigên-cia desta, confere-lhe consistência, pode substituí-Ia por outra emface da realidade política, económica e social sempre mutável (2).Mas o Estado não existe em si ou por si; existe para resolver pro-blemas da sociedade, quotidianamente; existe para garantir segu-rança, fazer justiça, promover a comunicação entre os homens, dar-lhespaz e bem-estar e progresso. É um poder de decisão no momento pre-..(I) Cfr. BURDEAU, Traité..., cit., II, 2." ed., págs. 209 e segs.(2) Para maior desenvolvimento, v. Manual..., II, cit., págs. 81 e segs.164 Manual de Direito Constitucionalsente, de escolher entre opções diversas, de praticar os actos pelosquais satisfaz pretensões generalizadas ou individualizadas das pes-soas e dos grupos. É autoridade (I) e é serviço r).Repartido juridicamente por órgãos e agentes do Estado, o podertoma, por outro lado, a configuração de um conjunto de competên-cias ou poderes funcionais de tais órgãos, poderes esses estabeleci-dos pela Constituição, poderes constituídos e, portanto, defmidos e cir-cunscritos pelas suas normas.Aumentando as necessidades sociais e aumentando a consciên-cia da necessidade de intervenção e conformação pelo Estado, decrescente complexidade se revestem as suas funções e os seus meios.Daí, igualmente, uma organização cada vez mais intrincada, segundo cleis e regulamentos cada vez mais numerosos, que internamente dis-ciplinam órgãos e agentes e externamente fixam os seus poderes,deveres, tarefas e incumbências em face dos cidadãos e dos grupos.Finalmente, o Estado vive em relação com outros Estados, emintercâmbio também, por seu turno, cada vez mais intenso em todosos domínios. O Estado é parte da comunidade internacional, da qualemergem múltiplas regras, de natureza consuetudinária e não consue-tudinária, celebra tratados com os outros Estados, integra-se em orga-nizaçÕes dotadas de faculdades normativas. E, nesse plano, está aindasujeito a regras e a princípios de Direito -de Direito internacional.39. O problema da limitação do poder pelo Direito).1 I -O Estado não pode, pois, viver à margem do Direito (nunca1 é de mais insistir). Ele actua sempre através de processos ou pro-i cedimentos jurídicos ou de operações materiais que remontam a nor-1 mas de competência. Significa isto, porém, que o poder político se1 submete efectivamente ao Direito? Significa isto que os detentoresi do poder observam, na prática, a Constituição e alei?ij (I) Do latim auctoritas, palavra de família de auctor e augere (fazer crescer,I aumentar, elevar em honra).! r) Cfr., por exemplo, a obra co!ectiva do Instituto Internacional de Filosofia1 Política, Le Pouvoir, Paris, !957, ou MANUEL GARCIA PELAYO, ldea de Ia Politica~ y otros Escritos, Madrid, 1983, págs. !83 e segs.1jjj I11 ,I! ,),:i!;

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~; Parte lll- Estrutura Constitucional do Estado t6SMesmo que haja um ou mais órgãos encarregados de velar pela4 conformidade dos actos do Estado com o Direito, quis custodiet cus-todes? A quem cabe a última palavra? Em definitivo, quem decideeventuais conflitos e declara as situações jurídicas recíprocas das); entidades públicas e dos particulares?.E, declarado o direito, tem de se passar à execução. Admitindoque um tribunal profere uma sentença desfavorável ao Estado -oqu~, à primeira vista, dir-se-ia paradoxal, porquanto o tribunal fun-ciona como órgão desse mesmo Estado -será possível obrigá-lo aprestar-lhe acatamentos? Como explicar a execução das sentenças peloEstado?Por ser de homens, a autoridade está tão propensa a infringir asnormas jurídicas como a liberdade humana individual. Tem então dese averiguar se é racional recorrer a um sistema de sanções. Pois, sealgum indivíduo viola a lei, logo aquela autoridade, de regra, o vaiferir de uma sanção; ao passo que o Estado é o próprio titular dopoder sancionatório e, como tal, aparentemente, insusceptível de asofrer.Recai-se, de novo, na controvérsia sobre o conceito de Direito.A opinião ainda dominante fala em coercibilidade. Mas, como nãose afigura fácil explicar como pode o Estado ser objecto de sançãocoactiva, de duas uma: ou a coercibilidade é característica de normajurídica, e então o Direito público não é Direito na plena acepção dotermo; ou a coercibilidade não é característica do Direito.Este o problema da limitação jurídica do poder político, con-forme habit,.:;,: ~ posto...,."", II -É impossível discutir aqui o ploblema, o qual careceria~, de ser examinado e equacionado em instância de Filosofia do Direitofedo Estado. Mas queremos reiterar clara adesão às teses que afir-1\; ~ mam a limitação do Estado pelo Direito -mesmo pelas leis por si~ decretadas -porque sem o seu cumprimento não subsistiria a orga-" nização indispensável ao perdurar do poder e seria destruída a segu-rança em que assenta a comunidade jurídica.O Estado está adstrito ao seu próprio Direito positivo, seja este qual for,por uma necessidade lógica de coerência e de coesão social. E isto até,166 Manual de Direito Constitucionalporque, como diz GUSTAV RAOBRUCH (I), "o positivismo jurídico e políticopressupõe, quando levado logicamente às suas últimas consequências, um pre-ceito jurídico de direito natural na base de todas as suas construções". Eisesse preceito; "quando numa colectividade existe um supremo govemante,o que ele ordenar deve ser obedecido". Ora, só os govemantes, pela cir-cunstância de o serem, se acham em condições de poder pôr termo pormeio dum acto de autoridade à luta das opiniões -ou melhor, em condi-çÕes de poderem impor, eles, uma decisão e de a tornarem eficaz -o queequivale a reconhecer unicamente neles o poder de garantia a segurançado direito. Mas se esta garantia da segurança jurídica é que constitui ofundamento e o título justificativo do poder dos govemantes para fundar ecriar o direito... são ainda essa mesma garantia e essa mesma

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segurançajurídica que devem afinal servir também de limites a esse mesmo poder".Continua RAOBRUCH; "só por via da obrigatoriedade das suas leis e da cer-teza dessa obrigatoriedade, é que o Estado tem o poder legislativo. Mas umatal certeza e a segurança que lhe está ligada desapareceriam, se o Estadopudesse, ele próprio, libertar-se da obrigatoriedade das suas leis. Ou, poroutras palavras: pode dizer-se que o Estado não é chamado ao poder delegislar senão porque promete, e não pode deixar de prometer, sujeitar-se àsleis que ele próprio faz; esta sujeição é a condição para ele poder ser cha-mado a legislar. E, assim, pode também dizer-se que os dois preceitosjurídicos de direito natural -o que estabelece o poder legislativo de todoo govemante e o que estabele a sujeição desse mesmo govemante às suaspróprias leis -se acham indissoluvelmente ligados um ao outro. Os gover-nantes cessariam de ter o direito de legislar, desde que procurassem fugir aocumprimento e respeito devido às suas próprias leis, comprometendo assim,eles próprios, a segurança jurídica. É no mesmo momento em que o poderé assumido por alguém que é também por esse alguém assumida, necessáriae iniluludivelmente, a obrigação de fundar um Estado-de-direito... Em resumo:é ainda um direito suprapositivo e natural que obriga o Estado a manter-ser) Filosofia do Direito, 4.' ed. portuguesa, Coimbra, 1961, II, págs. 134 e segs.Cfr., entre tantos, JosÉ TAVARES, Ciência de Direito Político. cit., págs. 79 e segs.;MAURICE HAURIOU, Précis.., cit., págs. 17 e segs. e 79 e segs.; BALLADORE PALLlERI,op. cit., vol. 11; CASTANHEIRA NEVES, Questão de facto -questão de direito. Coim-bra, 1967, pâgs. 537 e segs.; R. ZIPPELIUS, op. cit., pâgs. 152 e segs.; MARCELLO CAE-TANO, Direito Constitucional, cit., I, págs. 327 e segs.; MARTIN KRIELE, EinjUhrungin die Staatslehre, 1972, trad. castelhana lntroducción a Ia Teoria dei Estado, Bue-nos Aires, 1980, pâgs. 17 e segs.; JosÉ LuIs PEREZ TRIVINo, Les limites juridicos alsoberano, Madrid, 1998.Parte III-Estrutura Constitucional do Estado 167sujeito às suas próprias leis. O preceito jurídico que isto determina é O'mesmo que serve de fundamento à obrigatoriedade do direito positivo". \,.III -Pode considerar-se, não sem razão, este tipo de limitaçãodo Estado pelo Direito como puramente formal: porque, se o Estadodeve obediência às suas leis enquanto vigorem, também poderevogá-las, substituindo ou negando os direitos e garantias que daque-las constem.No entanto, diante dos condicionalismos políticos, económicos,sociais e culturais em que o Estado se move, podem os governantesencontrar obstáculos para retirar ou apagar direitos e garantias dos indi-

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víduos e dos grupos, pois as reacções e as resistências nem sempresão de afastar e, na nossa época, ganham ressonância internacional.E, por outro lado, as formas jurídicas possuem um dinamismo pró-prio, visto que as leis, uma vez decretadas, desprendem-se de quemas tenha feito, valem por si e o seu objectivo pode servir intençõesou interesses diferentes dos que tiveram em vista os seus autores (I).IV -Para além disto, que já é muito, importa ter em contaque a limitação do poder político pode e deve procurar-se noutrasede: em sede de uma limitação material, e não só formal, através deum conteúdo preceptivo que se impõe por si ou através da referên-cia a valores permanentes e superiores a qualquer decisão política.Do que se trata então não é de limitação pelas formas dos actos,mas de limitação por regras que impeçam o poder de invadir (oudeixar invadir por outros poderes sociais) as esferas próprias das..pessoas. Limitação material significa disciplina do poder -inclu-Jsive, do poder constituinte (2) -contenção dos governantes e defesados direitos dos governados; traduz-se no respeito pela autonomia.', destes últimos; implica instrumentos jurídicos de garantia.Sejam quais forem os fins, a limitação do poder depende, emúltima instância, da concepção de governantes e governados sobre as(I) Sobre auto-regência de Direito, v. Manual l, cit., pág. 89, e autorescitados.(2) Cfr., sobre limites materiais do poder constituinte (originário) e da revi-são constitucional, Manual..., II, cit., págs. 105 e segs. e 175 e segs.( ,168 Manual de Direito Constitucionalsuas relações recíprocas, do equilíbrio entre liberdade e autoridade semsacrifício, em caso algum, da primeira à segunda (salvo em estado denecessidade), da efectiva observância pelos governantes dos direitosdos governados e da consciência que estes possuam tanto dos seusdireitos como dos seus deveres cívicos.Um Estado com fins muito reduzidos pode, na experiência vivida,salvaguardar pior a esfera livre das pessoas do que um Estado comdilatados fins, por não Ihes dar ou tirar-Ihe segurança no exercício dosdireitos e por, naquilo em que intervém, se afirmar prepotente e arbi-trário. Tal como, em contrapartida, mais acentuada intervenção doEstado pode destinar-se justamente a dar condições de liberdade eigualdade às pessoas.Tudo consiste em saber se, diante dos fms que o Estado actual écapaz de levar a cabo, há ou não respeito pela liberdade indivi-dual e institucional. Somente se verifica limitação quando o Estado-pelos pontos fixos em que assenta, pelo fundamento para queapela, pela coerência da sua política com os princípios e valoresprofessados -admite e promove esta liberdade na sua acção con-creta, na prática.Eis um feixe de perguntas cuja resposta tem de se encontrar,agora, não tanto no terreno da Filosofia jurídica e política quantono terreno da História e do Direito público positivo. É aqui que sevão encontrar diferentes situações e sistemas; é aqui que se exibeuma maior ou menor vinculação do Estado a normas jurídicas desua lavra ou de origem que o transcende -com os inerentes refle-xos nos cidadãos e na comunidade política em geral; é aqui que temou não sentido falar em Estado de Direito, na acepção exacta dotermo (I) (2).(1). Cfr. Manual..., IV, cit., pâgs. 177 e segs.r) O que fica escrito no texto situa-se explicitamente no estrito campo doDireito constitucional, não no da Filosofia do Estado. Conceme ao modo como se

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suscita e verifica (ou não se verifica) a limitação do poder na experiência jurí-dico-política, não ao fundamento da limitação do poder ou à fundamentação dopróprio poder. E, por isso, não se justifica criticar a nossa visão, apodando-a de posi-tivismo sociológico (como faz FREITAS 00 AMARAL, Apreciação do currículo..., inRevista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1985, pâgs. 377 e 378).Parte I// -Estrutura Constitucional do Estado 16940. Titularidade e exercício do poderI -O poder é qualidade ou atributo do Estado. Condição deexistência do Estado, ele aparece simultaneamente como a mais mar-cante das suas manifestações e encontra-se-lhe ligado por um nexode pertença.No plano sociológico, porventura, o poder não é tanto da comu-nidade estadual quanto do aparelho de órgãos e serviços que dentrodesta se salientam. Existindo, embora, na e para a comunidade, opoder vai exercer-se sobre ela e vai agir, unificando-a e orientando-a.No plano jurídico, pelo contrário, não é admissível separar (ouseparar inteiramente) a titularidade do poder da própria comunidade.Pelo menos em três aspectos:a) A pessoa colectiva Estado tem por substrato a comunidade, nãose reduz aos órgãos e agentes que formam e exprimem a sua vontade;b) Os titulares dos órgãos e agentes detentores das faculdadesou parcelas de poder político provêm da comunidade, têm de serdesignados dentre os seus membros (seja qual for o modo de desig-nação);c) O poder constituinte como poder de auto-organização origi-nária é um poder da comunidade, e não evidentemente dos gover-nantes instituídos por essa organização.II -Não quer isto dizer que todo o Estado tenha de ser, em puralógica, democrático. A história antiga e contemporânea prova-o àsaciedade. O traço característico da democracia -como governocontraposto à autocracia -consiste em algo mais do que nessa rela-ção do poder político com a comunidade e até, se se perfilhar ummínimo de concepção democrática de legitimidade dos governantes,, J em algo mais do que na origem popular do poder.Com efeito, uma coisa é a titularidade do poder no Estado, des-crito como comunidade, organização e pessoa colectiva, e poder essenecessariamente exercido por órgãos, agentes, entidades ou pessoasfísicas no desempenho de serviços ou funções em seu benefício oua ele imputados; outra coisa (importa sempre ter presente) a titulari-dade do poder no povo, conjunto de cidadãos dotados de direitos departicipação activa na vida pública (os direitos políticos).170 Manual de Direito ConstitucionalPara lá da criação do Estado, só deve falar-se em princípiodemocrático (distinto, por exemplo, do princípio monárquico) quandoo povo é o titular do poder constituinte como poder de fazer, decre-tar, alterar a Constituição positiva do Estado. E só deve falar-se emgoverno democrático, soberania do povo, soberania nacional ou sobe-rania popular, quando o povo tem meios actuais e efectivos de deter-minar ou influir nas directrizes políticas dos órgãos das várias fun-çÕes estatais (legislativa, administrativa, etc.); ou seja, quando o povoé o titular (ou o titular último) dos poderes constituídos (I).III -Seja como for, é necessário considerar em conjunto atitularidade e o exercício do poder (grosso modo o aspecto estáticoe o aspecto dinâmico do poder), porquanto:a) A titularidade do poder no Estado vem a par da titulari-dade de poderes funcionais ou competências nos órgãos, poderesesses que correspondem ao desenvolvimento de funções do Estado eque são de exercício obrigatório (embora em termos bastante diver-

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sos conforme as funções) (2);b) Também a titularidade do poder no povo em democraciaimplica exercício de poder, pelo menos o exercício do poder de esco-lher todos ou alguns dos governantes através de qualquer forma deeleição; e a atribuição deste poder de escolha ao povo ou ao colégioeleitoral é, sob alguns prismas, semelhante à atribuição de competênciaaos órgãos governativos (3).41. Poder político e soberaniaI -O poder político no Estado moderno de matriz europeianão se apresenta isolado, fechado ou dotado de uma expansibilidadeilimitada como noutros tipos históricos; assume sentido relacional-pois cada Estado tem de coexistir com outros Estados; pressupõe(I) Toma-se, assim, possível tentar conciliar a doutrina (de origem alemã)da soberania do Estado com a doutrina (de origem francesa) da sobemnia do povo.(2) Cfr. Manual. ...v, Coimbm, 1997, págs. 54 e segs.(3) Cfr. A Constituição de 1976, cit., págs. 365 e segs.Parte 111- Estrutura Constituciona/ do Estado 111uma ordem interna e uma ordem externa ou internacional em que seinsere; envolve capacidade simultaneamente activa e passiva diantede outros poderes (I).Como se sabe, a este poder assim bem localizado dá-se, desdeBOD[N, o nome de soberania. E, embora o conceito correspon-dente não possua hoje compreensão idêntica à que tinha há 400 ouhá 100 anos, tem sobrevivido, susceptível de adaptações e de recon-versões. Não por acaso quer a generalidade das Constituições, quera própria Carta das Nações Unidas (art. 2.0, n.O 1) continuam afazer-lhe apelo.Dentro da mesma perspectiva, também nós falaremos indife-rentemente em poder político e em soberania.II -As Constituições portuguesas anteriores, com excepção daCarta Constitucional, consagraram o termo soberania para designaro poder inerente ao Estado: Constituição de 1822 (art. 26.0), Cons-tituição de 1838 (art. 33.0), Constituição de 1911 (art. 5.~, Constituiçãode 1933 (arts. 4.0,71.0 e, após 1971, 136.0). As Constituições libe-rais referiam-se ainda a poderes como fracções ou faculdades dasoberania: Constituição de 1822 (arts. 29.0 e 30.0), Carta (arts. 10.0,11.0 e 71.0), Constituição de 1838 (arts. 34.0 e 35.0), Constituiçãode 1911 (art.6.0).A Constituição actual alude tanto a soberania (arts. 1.0, 2.0, 3.0,110.0, 111.0, 113.0, 116.0, 164.0,225.0,227.0,229.0) como a poderpolítico (art. 108.0). E a soberania -una e indivisível (art. 3.0,n.O 1) -tanto se manifesta na ordem internacional ( "Portugal é umaRepública soberana -lê-se no art. 1.0) quanto na ordem interna( "A autonomia político-administrativa das regiões não afecta a inte-gridade da soberania do Estado" -prescreve o art. 225.0, n.O 3) (2).(I) Cfr., por todos, JELLINEK, op. cit.. pâgs. 331 e segs.; JORGE CARPIZO, Lasoberania dei pueblo en e/ Derecho interno y en el lnternaciona/. in Revista deEstudios Politicos. n.O 28. Julho-Agosto de 1982, págs. 195 e segs.; ou LUIGI FER-RAJOLI, La sovranità nel mondo moderno. Bari, 1997.(2) O art. 4.0 da Constituição de 1933, ao marcar os limites da soberania,também já distinguia entre ordem interna e ordem internacional.172 Manual de Direito Constitucional42. Sentido de soberania na ordem internacionalI -A vida internacional que se desenvolveu a partir dos séculos XVI--XVII assentou num sistema de Estados que se declararam livres e iguais. E asoberania ou poder independente na ordem externa pretendeu significar

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acesso a tal sistema ou comunidade de Estados, igualdade de todos, nãosubordinação à força ou às directrizes de nenhum Estado estrangeiro e,explícita ou implicitamente, aceitação de um conjunto de normas jurídicas-de um embrionário Direito das Gentes -regulador das relações entretodos esses Estados.A vida internacional nunca foi ou conseguiu ser, porém, uma ordempuramente equilibrada de potências soberanas. Por causa das dependên-cias ou interdependências existentes, de direito ou de facto, de certos Esta-dos perante outros, o grau de participação nela sofreu e continua a sofrervariações consideráveis, tanto na Europa como noutros continentes.Classicamente, revelavam a existência de soberania três direitos dosEstados: o jus tractuum ou direito de celebrar tratados, o jus legationis oude receber e enviar representantes diplomáticos e o jus belli ou de fazer aguerra. Agora, com a proibição da guerra pela Carta das Nações Unidas(art. 2.0, n.O 4), este último é interpretado como mero direito de legítimadefesa, individual ou colectiva (art. 5] .0 da mesma Carta). Em compensa-ção, acrescenta-se um novo direito, o de reclamação internacional, destinadoà defesa dos interesses dos Estado perante os órgãos políticos e jurisdicio-nais da comunidade internacional; e autonomiza-se o direito de participaçãoem organizações internacionais -tudo traduzindo um direito geral de esco-lha de uma inserção específica na vida internacional.Ora, nem todos os Estados têm ou têm tido capacidade plena de gozo oude exercício desses direitos e de outros que Ihes estejam conexos. Nem todostêm ou têm tido soberania internacional ou soberania plena nesse sentido (I).(I) Sobre a soberania em Direito internacional, v., para uma introdução, HANSKELSEN, Das Problem der Souveriinitiit und die Theorie des Vô'Jkerrechts. 1920,trad. II problema dei Ia sovranità e Ia teoria dei diritto internazionale. Milão, 1989;E. N. VAN KLEFFENS, A soberania em Direito internacional, in Boletim da Faculdadede Direito da Universidade de Coimbra, 1956, págs. 11 e segs.; GASPARE AMORO-SINI, Sovranitàdegli stati e comunità internazionale. in Scritti giuridici in memoriadi ~ E. Orlando, obra colectiva, Pádua, 1957, I, págs. 29 e segs.; CARRILLO SALCEDO,Soberania dei Estado y Derecho Internacional, Madrid, 1969; La Souveraineté auXXlme Siecle, obra colectiva, Paris, 1971; ROOERT CHARVIN, La souveraineté et Ia con-férence sur Ia sécurité et Ia coopération en Europe. in Mélanges offerts à GeorgesBurdeau -Le pouvoir, obra colectiva, Paris, 1977, págs. 1013 e segs.; FRANCINEParte lll-Estrutura Constitucional do Estado 173II Por outro lado, nunca foram os Estados os únicos sujeitos de Direito! internacional. A Santa Sé (expressão jurídica da Igreja Católica)

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esteve"também na origem da comunidade internacional. E hoje, a par dela, avul-'1 tam, entre outras sujeitos, as organizações internacionais, de vários tipos(universais e regionais, políticas, económicas, culturais, etc.). Só os Esta-1 dos têm ou podem ter soberania, mas não são eles, como já dissemos, osúnicos entes com personalidade internacional (I).II -Ao lado dos Estados soberanos, a observação da actualidade e,sobretudo, do passado -porque, apesar de tudo, algo se caminhou no sen-tido da igualdade jurídica entre os Estados -mostra-nos a existência de:I.") Estados protegidos -Estados com a titularidade de direitos inter-nacionais, mas só os podendo exercer através de outros Estados ditos pro-tectores (a cuja supremacia territorial se encontram sujeitos) numa espéciede fenómeno de representação internacional (2).2.") Estados vassalos -Estados que, tendo aqueles mesmos direitos,estão adstritos a certas obrigações relativamente a outros, não podendo,nomeadamente, exercer alguns deles sem a sua autorização (3).3.") Estados exíguos -Estados que, pela exiguidade do seu povoou território, não possuem a plenitude da capacidade internacional e seencontram em situação especial perante os Estados limítrofes ou vizinhos (4).DEMICHEL, Le rôle de Ia souveraineté dans les relations internationales contempo-raines, ibidem, págs. 1053 e segs.; NGUYEN Quoc DINH, op. cit., págs. 382 e segs.;R. P. ANAND, Sovereign Equality of States in lnternational Law, in Recueil desCours, 1986-", págs. 229 e segs.; OLIVEIRA BARACHO, Teoria Geral da Soberania,in Revista Brasileira de Estudos Políticos, n." 63-64, 1986-1987, págs. 7 e segs.; IANBROWNLIE, op. cit., págs. 287 e segs.; ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA e FAUSTO DEQUADROS, op. cit., págs. 287 e segs.; JEAN COMBACAU e SERGE SUR, op. cit., págs. 230e segs.(I) Cfr. Direito Internacional Público. I, cit., págs. 211 e segs. e autores citados.(2) Foram múltiplos os casos e enquadráveis em mais de uma categoria; edeveriam ainda distinguir-se os protectorados verdadeiros e próprios (de Direitointernacional) dos protectorados coloniais. O último terá sido Brunei.(3) Por exemplo, o Egipto no século XIX relativamente à Turquia. Ou, se setratasse de verdadeiros Estados, os reinos e principados da Europa medieval emrelação ao Papa, ou alguns reinos do Oriente relativamente a Portugal no século XVI.E também Andorra esteve até há poucos anos em situação de vassalagem em facedo Chefe do Estado francês e do Bispo de Urgel.(4) Assim, S. Marinho em relação à Itália, Mónaco em relação à França, Lis-tenstaino em face da Suíça, e, porventura, alguns novos muito

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pequenos Estados daOceânia (Nauru, Tonga, Quiribati) em face da Austrália ou da Grã-Bretanha.L174 Manual de Direito Constitucional4.0) Estados confederados -Estados que, por serem membros deuma confederação, ficam com a sua soberania limitada em certas matérias,ainda que se trate de uma limitação de soberania com a contrapartida, aoinvés do que acontece nos outros casos, de participação na entidades que deladeriva (I).5.0) Estados ocupados e Estados divididos -Estados em situa-ção excepcional decorrente da guerra ou de outras vicissitudes e sujeitos aocupação ou a formas específicas de limitação político-militar (2).Nos Estados protegidos, nos Estados vassalos, nos Estados confede-rados e nos Estados ocupados e divididos, como que se conserva intacta acapacidade internacional de gozo e só se restringe a capacidade de exercício;já nos Estados exíguos é a própria capacidade de gozo que fica limitada,se bem que eles tenham capacidade para exercer os direitos de que são titu-lares (3).Por outro lado, a experiência das federações de Estados vem patentearque pode haver Estados, -os Estados federados -que apenas têm sobe-rania na ordem interna (em concorrência com a soberania dos Estados emque se integram), não na ordem internacional. E o mesmo acontece com osEstados membros de uniões reais. Uns e outros não possuem, ou só pos-suem muito reduzidamente, sobretudo, os segundos, o direito de represen-tação diplomática e outros direitos internacionais (4) (5).(I) Assim, os cantões suíços até 1848; os Estados Unidos entre 1781 e 1787;os Estados da Confederação do Reno de 1806, da Confederação Gerrnânica de 1815ou da Confederação da Alemanha do Norte de 1866; os Dominios britânicosentre 1931 (Estatuto de Westmister) e o inicio dos anos 50; os Estados da Comu-nidade de Estados Independentes, formada após a dissolução da União Soviéticaem 1991.(2) Assim, Japão entre 1945 e 1951, a Áustria entre 1945 e 1955 ou a Ale-manha (dividida entre República Federal da Alemanha e República DemocráticaAlemã) entre 1949 e 1990; e, de certo modo, ainda as Coreias (do Norte e do Sul)desde 1948.(3) Há quem acrescente uma sexta categoria, a dos Estados neutralizados (ouEstados, como a Suíça ou a Áustria, que decidem ou se obrigam a só fazer uso dodireito de legitima defesa individual e a não participar em alianças militares). Toda-via, não supomos suficiente esta situação para ás considerar semi-soberanos (sobre-tudo, hoje).(4) V., por exemplo, os arts. 9." e 10.0 da Constituição suiça e o art. 32.",

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n." 3, da Constituição alemã.(5) Crise diferente é a chamada cooperação transfronteiriça que até envolve,por vezes, autarquias locais.Parte l// -Estrutura Constitucional do Estado 175III -Tomando, portanto, a soberania como capacidade internacionalplena, os Estados classificam-se em:a) Soberanos -os que têm esse estatuto, sem que as restrições,cada vez mais numerosas, que lhe impõem as realidades do mundo con-temporâneo a afectem qualitativamente, mas só quantitativamente;b) Se~i-soberanos ou (talvez melhor), com soberania seduzida oulimitada -Estados protegidos, vassalos, exíguos, confederados e ocupadose divididos;c) Não soberanos -os Estados federados e os Estados-membros deuniões reais.Só os Estados da primeira e da segunda categorias integram (a par deoutros sujeitos) a comunidade internacional organizada, não os Estados nãosoberanos. E apenas eles participam na formação das próprias regras porque ela se rege: o Direito internacional público é ainda primordialmente(embora não exclusivamente) um Direito de coordenação e cooperação deEstados soberanos e de Estados com soberania limitada.I -O Direito internacional dos nossos dias tem procurado definirdireitos e deveres fundamentais dos Estados ( I), na base de uma distinçãoque pode entender-se hornóloga da que no Direito constitucional sefaz entre direitos, liberdades e garantias e direitos económicos, sociais eculturais.Ha, por um lado, regras jurídicas atinentes à existência, à independênciae à participação jurídico-internacional dos Estados; hâ, por outro lado,regras -principalmente programáticas -que estabelecem ou procuramestabelecer condições concretas dessa existência, do seu desenvolvimentoe do seu acesso (ou do acesso dos seus cidadãos) ao progresso material e1=---(1) Cfr., por todos, ALFRED VERDROSS, op. cito, págs. 167 e segs., ou, doutraperspectiva, NGUYEN Quoc DINH, op. cito, pág. 388.Este segundo Autor enuncia como princípios consagradores da liberdade deacção do Estado: a) a não subordinação orgânica a outros sujeitos de Direito inter-nacional: h) a presunção da regularidade dos actos do Estado; c) a autonomia cons-titucional; d) o direito de participação nas relações internacionais. E como princí-pios limitativos: a) o respeito do Direito internacional; h) a não ingerência nosassuntos internos de outros Estados; c) a obrigação de solução pacífica de conflitos;d) o dever de cooperação.176 Manual de Direito ConstitucionalNo essencial, as primeiras regras constam da Carta das Nações Unidase, muito especificamente, do seu art. 2.0, e as outras da Carta dos Direitose Deveres Económicos dos Estados, aprovada em 1974 pela AssembleiaGeral das Nações Unidas.II -Em resumo, o art. 2.0 da Carta enuncia os seguintes princípios:1.0) Princípio da igualdade jurídica;

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2.0) Dever de boa fé;3.0) Dever de solução pacífica dos conflitos;4.0) Direito à integridade territorial e correlativo dever de respeito;5.0) Direito à independência política e correlativo dever de respeito;6.0) Dever de assistência às Nações Unidas por parte dos seus mem-bros;7.0) Dever, mesmo dos Estado não membros, de actuarem de acordocom os princípios das Nações Unidas em tudo quanto for necessário para amanutenção da paz e da segurança internacionais;8.0) Garantia de não intervenção das Nações Unidas em assuntos quedependam essencialmente da jurisdição de qualquer Estado, ou garantia dodomínio reservado dos Estados.III -O princípio da igualdade é também algo de homólogo do prin-cípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, que aparece em qualquerConstituição. Mas, enquanto que o princípio da igualdade dos cidadãosperante a lei não sofre nenhum limite -ainda que a igualdade signifiquenão identidade, mas sim proporcional idade -já no concernente aos Esta-dos, existem restrições ou distinções no âmbito do Direito interno de cer-tas organizações internacionais.Basta recordar, no seio da própria organização da Nações Unidas, o esta-tuto excepcional dos cinco Estados que são membros permanentes do Con-selho de Segurança e gozam de direito de veto (art. 27.0 da Carta). E tam-bém se encontram diferenciações, de carácter variável na OrganizaçãoInternacional do Trabalho e noutras organizações e entidades.IV -Em plano diferente surgem as desigualdades do facto entre osEstados, a que têm procurado responder as Nações Unidas e organizaçõesespecializadas e regionais, através de diversas acções e medidas.Talo sentido do novo Direito internacional marítimo, atento aos con-dicionalismos específicos desfavoráveis dos Estados sem litoral, dos Esta-dos costeiros sem acesso a zonas económicas e dos Estados insulares. Talo sentido do Direito int<;rnacional do desenvolvimentp e que procura adop-tar tratamentos diferenciados dos vários Estados consoante as suas situaçõesiIParte Il/- Estrutura Constitucional do Estado 177e, particularmente, atribuir aos mais pobres ou prejudicados por crises ecataclismos "vantagens compensadoras" (I).Esta distinção de regimes e esta diversa distribuição de benefícios nãopõem, só por si, em causa o conceito tradicional de soberania. Elas são para-leIas mutatis mutandis às preocupações de igualdade social, efectiva ou realde que se fala em Direito interno [cfr. art. 9.0, alínea d), da Constituição];e assim como discriminações positivas não põem em causa a igualdadefundamental dos cidadãos, também regras específicas em favor de certos Esta-dos não comprometem a sua soberania e a soberania dos demais. Pelo

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contrário, é a concretização de uma igualdade efectiva ou a remoção das desi-gualdades de facto que pode dar inteiro sentido à igualdade jurídica formal.V -Não sem ligação com esta ideia de igualdade efectiva entre osEstados, encontram-se os direitos enunciados na Carta de 1974.Eis alguns:-Cada Estado tem o direito soberano e inalienável de escolher oseu sistema económico, político, social e cultural (art. 1.0 do Capítulo II);-Cada Estado tem e exerce livremente uma soberania plena e per-manente sobre todas as suas riquezas, recursos naturais e actividades eco-nómicas, a qual abrange o direito de regulamentar os investimentos estran-geiros e as sociedades transnacionais e o direito de nacionalizar ou expropriarbens estrangeiros, mediante indemnização (art. 2.");-Cada Estado tem o direito de ter comércio internacional (art. 4.");-Todos os Estados têm o direito de se agrupar em organizações deprodutores (art. 5.");-Todos os Estados têm o direito de participar nos benefícios do pro-gresso e das inovações científicas e técnicas (art. 13.").Enumeram-se simultaneamente deveres de cooperação (arts. 12.0 e 14.0e segs.), de utilização pacífica dos oceanos e dos fundos marinhos (art. 29.")e de preservação do ambiente (art. 30.").(I) Na expressão de CLAUDE-ALBERT COLLIARD, Spécificité des États ~Théo-Irie des Status Juridiques Particuliers et d'lnégalité Compensatrice, in Mélangesofferts à Paul Reuter -Le droit international- unité et diversité, obra co1ectiva,Paris, 1981, págs. 153 e segs. Cfr., ainda, JORGE CAMPINOS, "Igualdade Jurídica" Ie "de~igualda~~ e~~nómica" ~m Direito Internacional Público Contemporâneo, inIBoletim do Mmlsterlo da Justica, n.O 334, Março de 1984, págs. 5 e segs.; J. SYMO-NIDES, The concept and claims of geographically disadvantaged States at the third IUnited Nations Law of the Sea Conference, in Recueil des Cours. 1988, I, págs. 293 Ie segs.; JosÉ MANUEL PUREZA, O património comum da humanidade, Porto, 1998, ipágs. 58 e segs. i12- Manual de Direito Constitucional. III III~ 178 Manual de Direito Constitucional44. Soberania e ordem interna do EstadoI -Os Estados federados não têm soberania externa ou deDireito internacional. Possuem, contudo, soberania do outro prismapor que o conceito pode ser encarado; possuem soberania à face doseu Direito interno e até à face do Direito do Estado federal que secoloca entre eles e a comunidade internacional.Verifica-se aqui o mesmo que sucede com a jurisdição pessoale territorial (a que também, em breve, iremos aludir): o Estado fede-rado detém supremacia, assim como detém jurisdição pessoal e ter-ritorial. E, porque o Estado federado faz parte da federação, veri-fica-se um fenómeno de desdobramento de tais faculdades ou atributospelo Estado federado e pelo Estado federal.Esta supremacia política, existente em ambos os Estados, é muitodiversa da que se possa descobrir em qualquer hierarquia de socie-dades infraestatais. Leva consigo uma característica especial: é umasupremacia originária, porque quer Estado federado quer Estado fede-

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ral têm poder próprio e cada um cria um sistema jurídico que é fontede todos os que nele estão incorporados.No plano interno, o Estado federado (tal como o Estado prote-gido ou qualquer outro Estado) possui, pois, necessariamente sobe-rania enquanto possui um poder originário de se organizar e reger.Originariedade significa não só auto-organização como ainda sub-sistência por si da ordem jurídica, a qual no Estado (mesmo noEstado federado) não depende, quanto à sua validade; de qualqueroutra ordem jurídica estatal (I).Olhando de cima para baixo, ou seja, do Estado para as colec-tividades que se movem no seu âmbito, os poderes que elas exerçame os sistemas jurídicos que estabeleçam surgem agora como poderese sistemas de segundo grau ou classe, como poderes atribuídos ou sis-temas derivados. Não pode obnubilar-se o pluralismo das ordensjurídicas, mas só a ordem jurídica estatal é ordem primária (2).r) Cfr., por todos, OLJVIER BEAUD, La notion d' état, in Archives de Philosophiedu Droit, t. 35, 1990, págs. 127-128.(2) Cfr. R. ZIPPELIUS, op. cit., pâgs. 58 e segs.Parte 111- Estrutura Constitucional do Estado 179II -A soberania como originariedade do poder do Estado deveser entendida -quase escusado seria sublinhá-lo -em tennos jurí-dicos, e não históricos. Não se trata de remontar à fonnação doEstado, até porque, como sabemos, bem numerosos são os Estadosconstituídos a partir de outros ou por actos de outros e muitos dosEstados compostos ou, pelo menos, Estados federais perfeitos resul-tam (ou têm de ser concebidos como resultantes) da agregação deEstados preexistentes. Do que se trata é tão-somente de recortar aposição do Estado frente às demais entidades ou pessoas colectivaspúblicas de direito interno.Esta característica ou differentia specifica do Estado é, de longe,a dominante na doutrina. Todavia, o seu enquadramento dogmáticovaria consoante as grandes concepções em precompreensões; ou,simplesmente, apresenta diversas fonnulações.Assim, para JELLINEK, a nota essencial do Estado é a existência deum poder que não se deriva de nenhum outro, que procede dele próprio ede harmonia com o seu próprio direito. Onde haja uma comunidade comtal poder originário e meios coercitivos de domínio sobre os seus mem-bros e o seu teiTitório, no âmbito da sua ordem jurídica, aí existe um Estado.Soberania significa capacidade de auto-organização e autovinculação (I).Segundo SANTI ROMANO, O Estado é sempre soberano à face da suaordem jurídica, pois a soberania deve ser vista perante a ordem jurídicaque a estabelece. Uma coisa é a soberania atribuída ao Estado pelo seuDireito interno, outra coisa a que lhe pode ser ou não atribuída pelo Direitode uma comunidade como o Direito de um Estado federal ou o Direitointernacional (2).Para KELSEN, a soberania é uma qualidade de Direito, da vontade doEstado considerada como ordem jurídica na sua esfera específica de validade.Um Estado é soberano quando a ordem nele personificada é uma ordemsuprema insusceptível de ulterior fundamentação, quando é uma ordem jurí-dica total, não parcial (3) (4).(I) Op. cit.. págs. 367-368 e 369 e segs.(2) Principii di Diritto Costituzionale Generale. cit., págs. 64 e segs.(3) Teoria General del Estado, cit., págs. 93-94. Cfr. Il problema delta sovra-nità cit., págs. 17 e segs.

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(4) A título exemplificativo. indiquem-se ainda outros autores que se pro-nunciam também no sentido da soberania como originariedade: CARRÉ DE MAL-~180 Manual de Direito ConstitucionalIII -Problema diferente consiste em saber, no plano estrita-mente interno do Estado (e não já em relação a outras entidades com-preendidas no seu seio), qual a manifestação específica ou mais qua-lificada da soberania ou em saber qual o verdadeiro titular (político)da soberania ou o órgão hegemónico do aparelho do poder.As teses clá.ssicas são as legislativas e as executivas: as pri-meiras encontram a essência da soberania na emissão da lei (assim,BODIN, LOCKE, ROUSSEAU), as segundas no momento da execuçãoou da coerção (assim, HOBBES). E também há. quem ligue a soberaniaao poder de emitir moeda, ao de lançar impostos, ao de punir ou aode recrutar tropas.. Assim como há. quem sustente que soberano équem decreta o estado de excepção (CARL ScHMm) (I) (2).O assunto não tem que ver propriamente com as condições deexistência do Estado. Pertence, antes, ao domínio das funções e dosórgãos, ao das formas de governo, ao dos regimes políticos.45. Soberania, descentralização, autonomiaI -O Estado não é na generalidade dos países a única entidadepública incumbida de realizar o interesse colectivo. Fala-se então deBERG, op. cit., I, pâgs. 172 e segs., maxime 186-187 (algo mitigadamente); MACHADOPAUPÉRIO, O conceito polémico de soberania, 2.. ed., Rio de Janeiro, 1958, maximepág.207 (fala em autogénese); C. MORTA11, lstituzioni..., cit., I, pâgs. 19 e segs. (divideos ordenamentos políticos em originários e derivados, sendo os primeiros -em queinclui o Estado e a comunidade internacional -aqueles que extraem a sua quali-dade de políticos de si próprios); MARCELLO CAETANO, Direito Constitucional, cit.,I, págs. 67 e segs. (embora distinga poder político e soberania); E. TosAm, op. cit.,loc. cit., pág. 1795; MIGUEL REALE, Fontes e modelos de Direito, São Paulo, 1994,pág. 98 (a soberania como poder originário de declarar, em última instância, a posi-tividade do Direito).Um tanto diferentemente, falam em ilimitação de objecto ou em competênciauniversal C. J. FRIEDRICH (Le probleme..., cit., loc. cit., pág. 48); e em realização deinteresses gerais BALLADORE PALLIERI (Dottrina..., cit., II, págs. 218 e segs.).(I) Cfr., por todos, NICOLA MATTEUCCI, Sovranità, in Dizionario di Politica,págs. 974 e segs.; ou GERMAN GáMEZ ORPANEL, op. cit., págs. 53 e segs.(2) Noutro plano, já se tem sustentado, em face das transformações do Estadoe do mundo, que, hoje, os valores substituem a autoridade como fundamento dasoberania: assim, GAETANO SILVESTRI, La parabola deI Ia sovranità, Ascesa, declinioe trasfigurazione, in Rivista di Diritto Costituzionale, 1996, pág. 56.Parte lI/-Estrutura Constitucional do Estado 181descentralização para designar o fenómeno da concessão de poderesou atribuições públicas a entidades infraestatais. E pode falar-seainda em autonomia, autarquia, autogovemo, auto-administração (I).

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Os conceitos aqui tornam-se múltiplos e às vezes flutuantes, jáque múltiplos se revelam os modos e os graus, os pressupostos e osentendimentos da descentralização. Entretanto, todos têm por base aseparação entre a pessoa colectiva Estado e outras pessoas colectivasa ela subordinadas e chamadas também a participar na prossecuçãode finalidades públicas com poderes de autoridade (pessoas colecti-vas de direito público não estaduais) (2).(1) Cfr., entre tantos, CHARLES EISENMANN, La centralisation et Ia décentra-lisation: principes d'une théorie générale, in Revue du droitpublic, 1947, pâgs. 27e segs., 163 e segs. e 247 e segs.; H. KELSEN, General Theory of Law and State,pâgs. 303 e segs., e Teoria Pura, cit., II, pâgs. 222 e segs.; FRANCESCO GULLO,Indagini critiche e spunti ricostrutivi in ordine al principio costituzionale deI decen-tramento amministrativo, in Studi in memoria di Enrico Guicciardi, obra colectiva,Pâdua, 1975, pâgs. 613 e segs.; SPYRlDON FLOGAITS, La notion de décentralisationen France. en Allemagne et en Italie. Paris, 1979; DANIEL-Louls SEILER, La Politi-que Comparée, Paris, 1982, pâgs. 79 e segs.; YOiCHI HIOUCHI, La décision de Iadécentralisation, in Federalism and Decentralization, obra colectiva, Friburgo..1987,pâgs. 23 e segs.; RENÉ CHAPUS, Droit Administratif Général. I, 7.. ed., Paris, 1993,pâgs. 312 e seg. E na doutrina portuguesa, JOAQUIM TOMÁS LoBO D'ÁVILA, Estu-dos de Administração, Lisboa, 1874, pâgs. 50, 51 e 69 e segs.; MARTINHO NOBRE DEMELO, Noção jurídica de descentralização, in O Direito. ano 63, pâgs. 34 e segs.;ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA, Contribuição para uma teoria geral do Direito Muni-cipal, inédito, Lisboa, 1959, pâgs. 123 e segs.; AFONSO QUEIRá, Descentralização,in Dicionário Jurídico da Administração Pública. III, pâgs. 569 e segs.; JoÃo Lou-RENÇO, Contributo para uma análise do conceito de descentralização, in DireitoAdministrativo, 1980, pâgs. 251 e segs. e 351 e segs.; MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA,Direito Administrativo. I, Coimbra, 1980, pâgs, 181 e segs.; SÉRVULO CORREIA,Noções de Direito Administrativo, Lisboa, 1982, pâgs. 125 e segs.; JoÃo BAPTISTAMACHADO, Participação e descentralização. 2.. ed., Coimbra, 1982; FREITAS DOAMARAL, Curso..., cit., I, pâgs. 693 e segs.; JoÃo CAUPERS, A administração peri-férica do Estado, Lisboa, 1993, pâgs. 245 e segs.; MARCELO REBELO DE SOUSA,Lições de Direito Administrativo, Lisboa, 1994-1995, pâgs. 166 e segs.; PAULOOTERO, O poder de substituição em Direito Administrativo, II, Lisboa, 1995, pâgs. 673e segs.; VITAL MOREIRA, Administração autónoma e associações públicas. Coimbra,1997, maxime pâgs. 142 e segs.r) O conceito inglês de se/f-government e o alemão Selbstverwaltung envol-vem, contudo, a ideia de uma organização formada no âmbito da comunidade local,

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não totalmente dependente das leis do Estado e com participação dos cidadãos.~i .~", ";Ji;... , ,i'c,~~182 Manual de Direito ConstitucionalAo invés, na desconcentração não se depara uma pluralidadede pessoas colectivas, e tão-somente uma plural idade de órgãos semprejuízo da unicidade de imputação jurídica; existem vários órgãos doEstado por que se dividem funções e competências, a diferente nívelhierárquico ou não (I), e de âmbito central ou local.Quer na descentralização, quer na desconcentração, trata-se sem-pre do Estado e de diversas formas de organização do poder político oude entidades em conexão especifica com este poder. O conceito (se bemque não necessariamente coincidente) homólogo no plano da sociedadeé o de pluralismo de grupos, de interesses e de iniciativas (2).II -A descentralização ora assume a forma de descentralizaçãoadministrativa, ora a de descentralização política. Nunca assume aforma de descentralização jurisdicional, porque a função jurisdicio-nal está sempre reservada aos tribunais, órgãos do Estado.Na descentralização administrativa, atribuem-se poderes ou funçõesde natureza administrativa, tendentes à satisfação quotidiana de neces-sidades colectivas. Na descentralização política, poderes ou funções denatureza política, relativas à defmição do interesse público ou à tomadade decisões políticas (designadamente, de decisões legislativas).Em qualquer dos casos, as entidades beneficiárias ou suportes detais poderes têm existência jurídica em virtude de uma criação exnovo ou de um reconhecimento feito pela Constituição ou pelas leisdo Estado.III -Os modos de descentralização administrativa são, em latitudecrescente:a) Atribuição de personalidade jurídica de direito público;b) Personalidade com autonomia administrativa (isto é, capacidadede praticar actos administrativos definitivos e executórios);(I) A desconcentração (administrativa) tanto pode ser absoluta (quando osórgãos por ela atingidos se transformam de subalternos em independentes) comorelativa (ou desconcentração respeitadora da hierarquia): FREITAS DO AMARAL, Con-ceito e natureza do recurso hierárquico, 1, Coimbra, 1981, págs. 58 e segs.(2) Assim, C. MORTATI, Note introdutive ad uno studio sulle garanzie deidiritto dei singoli nelle formazioni sociali, in Scritti in onore di Salvatore Pugliatti,obra colectiva, III, Milão, 1978, pág. 1575.!!itParte lIl-Estrutura Constitucional do Estado 183c) Personalidade com autonomia administrativa e autonomia finan-ceira (isto é, capacidade de afectar receitas próprias às despesas próprias);d) Personalidade com plena autonomia e faculdade regulamenta-res (I) (2).A descentralização administrativa pode ainda ser territorial-pela outorga de poderes administrativos a entes territoriais meno-res -ou institucional ou funcional -através de instituições públi-cas, corporações, associações públicas, etc. Ali é o factor territorialda vizinhança o detenninante da configuração do substrato, aqui o

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fac-tor pessoal ou o simplesmente funcional.Também se contrapõem descentralização administrativa primá-ria -atribuição, por via constitucional ou legislativa, de funçõesadministrativas a pessoas colectivas de direito público -e descen-tralização administrativa secundária -permissão legal de transfe-rência de poderes administrativos de pessoas colectivas de direitopúblico para pessoas colectivas de direito privado e regime admi-nistrativo r).(I) Cfr. FREITAS DO AMARAL, Curso cit., I, pág. 698.(2) Na doutrina, sobretudo italiana, distinguiu-se durante muito tempo, entreautarquia e autonomia. Haveria autarquia nas hipóteses b) e c), ligando-se autonomia(de acordo com a ordem etimológica) à criação de normas; e é interessante a apro-ximação entre autonomia pública, autonomia privada e autonomia colectiva. Cfr.SANTI ROMANO, Autonomia. in Frammenti di un dizionario giuridico. reimpressão,Milão, 1953, págs. 14 e segs.; MASSIMO SEVERO GIANNINI, Autonomia. in Studi diDiritto Costituzionale in memoria di Luigi Rossi, obra colectiva, Milão, 1952,págs. 197 e segs.; GUlDO ZANOBINI, Autonomia pubblica e autonomia privata. in Scrittivari di diritto pubblico, Milão, 1955, págs. 391 e segs.; SABINO CASSESE, Autarchia,in Enciclopedia del Diritto, IV, págs. 324 e segs.; ENRICO GUSTAPANE, "Autarchia".Profilo st6rico de un termine giuridico in disuso, in Rivista Trimestrale di DivittoPubblico, 1980, págs. 200 e segs.; ALBERTO ROMANO, Autonomia nel Diritto Pub-blico, in Digesto delle Discipline Pubblicistiche, obra colectiva, II, Thrim, 1987,págs. 30 e segs. E, na doutrina de outros paises, por exemplo, ROCHA SARAIVA, Cons-trução,.., cit., 11, pág. 93, nota; DANIEL VIGNES, Sur Ia notion d' autonomie en droitconstitutionnel, 1956, págs. 88 e segs.; MARQUES GUEDES, Autarquia. in Verbo, III,pág. 67; BIGOTTE CHORÃO, Autonomia, in Dicionário Jurídico da AdministraçãoPública. I, págs. 606 e segs.; FREITAS DO AMARAL, Curso..., cit., 1, págs. 417 e seg.;VITAL MOREIRA, Administração. .., cit., págs. 66 e segs.(3) MARCELO REBELO DE SOUSA, Estado, cit., loc. cit" pág. 241.184 Manua/ de Direito Constituciona/IV -Quanto à descentralização política, por maiores que sejamos poderes legislativos e govemativos dados às províncias ou regiões-porque só há descentralização política de âmbito territorial -estas não integram nunca o conceito de Estado. Esses poderes nãosão próprios delas e os ordenamentcs jurídicos que constituem não têmvalidade originária, nem dispõem de eficácia ou executoriedade semo apoio do braço do Estado. Descentralização política equivale, nãoa soberania, mas apenas a autonomia político-administrativa ou, comose verá noutro capítulo, a autonomia com integração.46. Descentralização e subsidiariedadeI -A propósito da problemática da descentralização alude-secorrentemente ao princípio da subsidiariedade, ou princípio segundoo qual o Estado só deve assumir as atribuições, as tarefas ou asincumbências que outras entidades existentes no seu âmbito e maispróximas das pessoas e dos seus problemas concretos -como osmunicípios ou as regiões -não possam assumir e exercer melhor oumais eficazmente (I).

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O nexo entre ambos os termos não se mostra, contudo, tão uní-voco quanto pareceria prima facie, por mais de um motivo:1.0 Porque na descentralização parte-se do Estado para pessoascolectivas por ele criadas ou com poderes por ele outorgados, aopasso que na subsidiariedade o movimento é inverso, é ascendente,e em último termo arranca da sociedade civil;(I) Cfr., na recente doutrina portuguesa, JoÃo BAPnSTA MACHADO, Participaçãoe descentra/ização. Democratização e neutralidade na Constituição de 1976. Coim-bra, 1982, pâg. 29, e Lições de Introdução ao Direito Público, in Obras Dispersas.II, Braga, 1993, pâgs. 411 e segs.; ROQUE CABRAL, Subsidiariedade (princípio da),in Polis. V, pâg. 1014 e segs.; VIEIRA DE ADRADE, Sup/etividade do Estado e desen-volvimento, Lisboa, 1988; FAUSTO DE QUADROS, O princípio da subsidiariedade noDireito comunitário após o Tratado da União Europeia. Coimbra, 1995; PAULOOrERO, O poder de substituição. .., cit., pâgs. 65 e segs., III, 588-589, 677, 693 e 773;VITAL MOREIRA, Administração autónoma. .., cit., pâgs. 249 e segs.; GOMES CANO-TILHO, Direito Constitucional. .., pâg. 340. E na doutrina brasileira, por todos, oLI-VEIRA BARACHO, O princípio da subsidiariedade -conceito e evo/ução, Rio deJaneiro, 1996.Parte /lI -Estrutura Constitucional do Estado 1852.0 Porque, por isso mesmo, a subsidiariedade dir-se-ia maisadequada a um Estado federal do que a um Estado unitário (emboranem sequer esteja presente em todas as concepções de federalismo);3.0 Porque a subsidiariedade não é suficiente garantia de des-centralização, tudo depende do juízo que, em cada momento, se façaacerca das necessidades colectivas e acerca dos modos e dos meiosde as satisfazer.De resto, se uma análise vertical ou piramidal da vida colec-tiva (desde as sociedades menores até sociedades cada vez mais com-plexas) pode quiçá ser adoptada a título explicativo da formação doEstado, ela tem de ser completada por uma análise horizontal quecapte os laços entre os cidadãos e a sua inserção na comunidade.A estrutura real e actual ou o tecido conjuntivo da comunidade polí-tica assenta mais num princípio de solidariedade do que num princípiode subsidiariedade.II -A Constituição de 1976 não terá ignorado, desde o início,a ideia de subsidiariedade, na medida em que, como atrás se subli-nhou, sempre conferiu relevância a múltiplos grupos, associações,organizações e instituições sociais de diversos tipos e os convocou,designadamente, para a concretização de direitos económico, sociaise culturais; sempre apelou à participação organizada do povo (ou doscidadãos) na resolução dos problemas nacionais [art. 9.0, alínea h),depois alínea c)]; e, desde 1982, passou a aludir a democracia par-ticipativa (art. 2.0, in fine).Mas uma referência explícita ao princípio surgiria somenteaquando das revisões de 1992 e de 1997: na primeira, em face daconstrução europeia (art. 7.0, n.O 6); e, na de 1997, em .ligação direc-tiva com as regiões autónomas e as autarquias locais (art. 6.0, n.O 1);na revisão de 1992, para preservar o máximo de soberania do EstadoPortuguês no âmbito comunitário; na revisão de 1997, para estabe-lecer um ponto de equilíbrio, de sentido descentralizador, entre sobe-rania e autonomias (I ).(I) Sobre o art; 7.0, n.O 6, v. Diário da Assembleia da República, VI

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1egis1a-tura, 2.' série, n.O 3-RC, acta n.O 3, págs. 36 e segs., e I.' série, n.o 14, reunião186 Manual de Direito ConstitucionalIII -No Direito ordinário vigente, a subsidiariedade aparecedefinida em dois diplomas, um concernente às autarquias locais emgeral e o outro destinado às das regiões administrativas.Segundo a chamada Carta Europeia de Autarquias Locais (I), oexercício das responsabilidades públicas deve incumbir, de preferênciaà autoridade mais próxima do cidadão. A atribuição de uma respon-sabilidade a outra autoridade deve ter em conta a amplitude e a natu-reza das tarefas e as exigências de eficácia e economia (art. 4.0, n.O 3).Segundo a "Iei-quadro" das regiões administrativas (a Lein.O 56/91, de 13 de Agosto), a autonomia administrativa e financeiradas regiões administrativas funda-se no princípio da subsidiariedá.dedas funções destas em relação ao Estado e aos municípios e respeitaa esfera de atribuições e competências dos municípios e de seusórgãos (art. 4.0).§ 2.0A inserção internacional do Estado português47. Soberania e independência nacional na Constituição por-tuguesa,I -Portugal é uma República soberana (para citar de novo oart. 1.0 da Constituição). É um Estado com plenitude de direitos,dotado de directa e livre participação na comunidade internacional,não sujeito a qualquer outro e que, nessa qualidade, estabelece a suaordem jurídica e organiza o seu poder.Das Constituições portuguesas é a actual a primeira a aludir a soberaniano específico sentido jurídico do termo. A Constituição de 1822 e a Cartafalavam em "Nação livre e independente" (art. 27.0 e art. 1.0, 2.. parte, res-pectivamente), a de 1911 em "independência da Pátria portuguesa" (art. 43.0)de 17 de Novembro de 1992, págs. 433 e segs. E sobre a incrição do princípio dasubsidiariedade no art. 6.0, n.O 1, v. Diário, VII legislatura, 2.. sessão legislativa,I.. série, n.O 94, reunião de 15 de Julho de 1997, págs. 3367 e segs.(I) Aprovada para ratificação pela Resolução n.o 28/90 da Assembleia daRepública, de 23 de Outubro.Parte lll-Estru.tura Constitucional do Estado 187e a de 1933 em "Estado independente" (art. 4."); por sinal, a Constituiçãode 1822 fazia uma interessante ligação entre soberania do Estado e soberaniado povo, dizendo que "a Nação é livre e independente e não pode ser patri-mÓnio de ninguém".II -Ao mesmo tempo, a Constituição afirma "a decisão dopovo português de defender a independência nacional" (preâmbulo );considera o princípio da independência nacional o primeiro dos prin-c.ípios por que Portugal se rege nas relações internacionais (art.7.0,n.O 1 ); e impõe ao Estado a tarefa fundamental de "garantir a inde-pendência nacional e criar as condições políticas, económicas, sociaise culturais que a promovam" [art. 9.0, alínea a)].Curando, assim, da "independência nacional", a Lei Funda-mental parece não se contentar com a insistência na realidade mul-tissecular da soberania do Estado português. Pretende emprestar à

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declaração normativa um alcance efectivo e mais concreto. "Nãosesignifica apenas uma independência formal, a: possibilidade de terum hino, uma bandeira, uma representação própria na Organização dasNações Unidas. Significa-se, fundamentalmente, uma ideia-força,uma aspiração veemente no sentido de que o povo português, ele esó ele, dentro do reconhecimento da identidade do género humano eda cooperação entre os povos, defina, livre de quaisquer influências,o regime político, económico e social que adopta e a posição nasrelações internacionais que entender mais correcta" ( 1 )A soberania é "mais que um dado jurídico fixo, uma vitóriapermanente a garantir" (2); trata-se de "defender e alargar a esfera deautodeterminação nacional, a capacidade de decisão autónoma quantoaos destinos da colectividade nacional", "a independência em sentidomaterial" (3), a capacidade do Estado de "gerir autonomamente os seusdestinos" (4).(1 ) Declaração de voto sobre o art. 7." feita pelo Deputado Mota Pinto (in Diá-rio. n." 29, de 9 de Agosto de 1975, pâg. 752).(2) FRANCISCO LUCAS PIRES, As Forças Armadas e a Constituição. in Estudossobre a Constituição, obra colectiva, I, Lisboa, 1977, pâg. 326.(3) GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., pâg. 93.(4) Luís SÁ, A crise. .., cit., pâg. 156.188 Manual de Direito ConstitucionalIII -Para esta como que bifurcação da soberania em soberania eindependência nacional concorreram em 1975-1976 circunstâncias bemconhecidas.A ideia da independência nacional foi um Leit-Motiv da revoluçãode 25 de Abril de 1974. Logo o Programa do Movimento das Forças Arma-das mandava o Governo Provisório orientar-se "pelos princípios da inde-pendência e da igualdade entre os Estados, da não ingerência nos assuntosdos outros países e da defesa da paz, alargando e diversificando relações inter-nacionais com base na amizade e cooperação" (H. 7.) (I). E não foi ape-nas por necessidade de uma nova política externa ou por influências ter-ceiro-mundistas, num fenómeno de mimetismo em relação aos movimentosemancipalistas dos antigos territórios africanos. Foi talvez por uma razão ..muito mais profunda: por a perda súbita destes territórios, encerrando umaaventura de expansão portuguesa noutros continentes e um longo ciclo decinco séculos, ter deixado incertezas e interrogações, senão sobre o des-tino nacional, pelo menos sobre as condições de viabilidade do Estado por-tuguês no mundo moderno (2).Não admira que, com uma só excepção, todos os projectos de Cons-tituição apresentados pelos partidos à Assembleia Constituinte falassem emindependência nacional, alguns em termos correspondentes ao ambiente daépoca (3). Em contrapartida, viria a ser curto e relativamente pobre o debatetravado na Assembleia sobre a matéria (4).(1) Um ano depois, o Plano de Acção Política do Movimento das ForçasArmadas chegava a dizer que o M. F. A. era o "movimento de libertação do povoportuguês"! E seria curioso reler outros textos de 1975.(2) Cfr. MANUEL DE LUCENA, O Estado da Revolução -A Constituiçãode 1976, Lisboa, 1978, pág. 186.

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(3) V. preâmbulo e art. 5." do projecto do Movimento Democrático Portu-guês-Comissão Democrática Eleitoral; art. 11.0 do projecto do Partido Comunista Por-tuguês; preâmbulo e art. 7.0, n." 3, do projecto do Partido Socialista; art. 6.", n." 2,do projecto do Partido Popular Democrático; preâmbulo e arts. 2.", 4." e 7." alO."do projecto da União Democrática Popular.(4) Sobre os arts. I." e 9.", alínea a), na Assembleia Constituinte, v. Diário.n.OS 26, 27 e 30, reuniões de 5, 6 e 12 de Agosto de 1975, pâgs. 649-650, 684 e 685e 773 e segs.Sobre independência nacional na revisão de 1982, v. Diário da Assembleiada República, IIlegislatura, 1.. sessão legislativa, 2.. série, 4." suplemento ao n." 108,págs. 3332(72) e segs.Parte Ill-Estrutura Cons.fituciOnaI do Estado 18948. Dimensões da independência nacionalI -Tentando reconstruir, de uma perspectiva ampla e com-plexa, o significado da independência nacional na Constituição, podedizer-se que ela abrange três dimensões: uma dimensão política, umadimensão cultural e uma dimensão sócio-económica. Independêncianacional parece dever ser, no mínimo, capacidade de livre decisão dosórgãos de soberania, afirmação de identidade nacional e superação ouatenuação de dependências.Nenhuma assimilação pode sugerir-se com a doutrina denacio-nalismo político da Constituição de 1933, como pode verificar-seatravés da leitura quer dos preceitos pertinentes a essas três dimen-sÕes quer daqueles que cuidam das relações internacionais do Estado.li -Em primeiro lugar, sob o aspecto jurídico-político, inde-pendência nacional equivale a soberania posta em acto. "Criar con-diçÕes políticas que a promovam" equivale a estabelecer, por umlado, garantias da própria subsistência do Estado e, por outro lado,requisitos de livre exercício do poder político, especialmente dosórgãos de soberania, de tal sorte que eles venham a agir em estreitaconformidade com os interesses do País e dos Portugueses. Acarretaainda medidas preventivas e repressivas em relação a tal exercício.III -Garantias da própria subsistência do Estado são: a proi-bição de alienação de qualquer parte do território português ou dodireito de soberania sobre ele exercido, sem prejuízo de rectificaçãode fronteiras (art. 5.0, n.O 3); a garantia dos símbolos nacionais(art. 11.0); a sujeição ao ordenamento jurídico português, observa-das certas condições, dos cidadãos portugueses que se encontrem ouresidam no estrangeiro e dos estrangeiros e apátridas que se encon-trem ou residam em Portugal (arts. 14.0 e 15.0) e anão admissibili-dade de extradição de cidadãos portugueses do território nacionalsalvo em casos excepcionais e com todas as garantias (art. 33.0,n.O 3); a proibição de associações armadas ou de tipo militar, mili-tarizadas ou paramilitares (art. 46.0, n.O 4); a atribuição ao Presidenteda R~pública da função de garantia da independência nacional e daunidade do Estado (art. 120.0); a declaração de guerra em caso de190 Manual de Direito Constitucionalagressão efectiva ou iminente [art. 135.0, alínea c)]; o reforço daunidade nacional como um dos fins e a integridade da soberania doEstado como limite material da autonomia político-administrativados Açores e da Madeira (art. 225.0, n.os 2 e 3); a obrigação doEstado de assegurara defesa nacional (art. 273.0); a defesa da Pátriacomo dever fundamental de todos os Portugueses e a obrigatorie-dade do serviço militar nos termos e pelo período que a lei prescre-ver (art. 276.0, n.os 1 e 2).Sinal e garantia da soberania é ainda hoje, para a quase totali-dade dos Estados do mundo, a existência de Forças Armadas, e espe-

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cialmente importantes vêm a ser as regras que Ihes concernem. AsForças Armadas Portuguesas têm por primeira, essencial e perma-nente função a defesa militar da República (I) (arts. 275.0, n.O 2,1.a parte, e 15.0, n.O 3); compõem-se exclusivamente de cidadãos por-tugueses e a sua organização -tal como a das forças de segurança(art. 272.0; n.O 4) -é única para todo O território (art. 275.0, n.O 2,3.11 parte); são rigorosamente apartidárias e os seus elementos nãopodem aproveitar-se do seu posto ou da sua função para qualquerintervenção política (art. 275.0, n.O 4) (2).IV -Requisitos de livre exercício do poder político são: o deverde respeito da independência nacional da parte dos partidos políticos(art. 10.0, n.O 2) (3); a exclusão de direitos políticos e do exercício de(I) Ou seja: da comunidade política portuguesa (art. 1.0); não, obviamente, dafonna republicana de governo (art. 288.0, alínea h)].(2) Cfr., por todos, MARQUES GUEDES, A segurança, a defesa nacional, asforças armadas e os cidadãos numa perspectiva constituciona[, separata de Naçãoe Defesa, n.O 19; FREITAS 00 AMARAL, A Constituição e as Forças Armadas, inPortuga[- O sistema po[ítico e constituciona[- 1974-1987, obra colectiva, Lis-boa, 1989, págs. 647 e segs.(3) Significa isto que partidos que não defendam a independência nacional ouque preconizem a redução ou a supressão da soberania externa do Estado (porexemplo, por via do federalismo europeu) devem ser banidos? Por certo que não.Uma coisa é o programa, outra coisa a actuação de um partido, e dentro de uma Cons-tituição democrática pluralista, só a actuação e não a ideologia, pode ser passível desanções. O que o art. 10.0, n.O 2, preceitua é que, ao concorrerem para a organiza-ção e a expressão da vontade popular, os partidos devem agir sempre sem afectaremParte III-Estrutura Constitucional do Estado 191funções públicas que não tenham carácter predominantemente téc-nico dos estrangeiros e apátridas (art. 15.0, n.O 2) e a exclusão dos cida-dãos de países de língua portuguesa do acesso à titularidade dosórgãos de soberania e das regiões autónomas, ao serviço nas ForçasArmadas e à carreira diplomática (art. 15.0, n.O 3, 2.a parte); a decla-ração do estado de sítio ou do estado de emergência, em todo ou emparte do território nacional, nos casos de agressão efectiva ou iminentepor forças estrangeiras (art. 19.0, n.O 2); a reserva do direito de par-ticipação em referendas políticos vinculativos e do direito de elegero Presidente da República aos cidadãos portugueses eleitores recen-seados no território nacional e aos recenseados fora dele com laçosde efectiva ligação à comunidade nacional ( arts. 115.0, n.O 2, e 121.0,n.O 2) e a elegibilidade apenas de cidadãos portugueses de origem(art. 122.0); a necessidade de assentimento da Assembleia da República,sob pena de perda do cargo, para o Presidente da República se ausen-tar do território nacional em viagem não particular (art. 129.0); e a proi-bição de dissolução da Assembleia da República ou da prática dequalquer acto de revisão constitucional na vigência do estado de

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sítioou de emergência (arts. 172.0, n.O 1, e 289.0).Em caso de agressão efectiva ou iminente por forças estrangei-ras e para salvaguarda do livre exercício da soberania portuguesaem face do inimigo, alei de defesa nacional impõe ao Presidente daRepública a ausência da capital do País, permanecendo então plena-mente em funções e devendo, logo que lhe seja possível, regressar àcapital ou estabelecer-se de novo em qualquer parte do territórionacional (art. 38,0, n,O 3, da Lein,O 29/82, de 11 de Dezembro) (I).Requisito, ainda de independência nacional é, para a Constitui-ção, a própria forma de governo democrático: a República soberanabaseia-se na vontade popular (art. 1.0). Na concepção constitucionalsó a soberania do povo dá cabal realização à soberania do Estado.a independência do Pais e sem obedecerem a directivas, ordens ou instruções doestrangeiro.(I) Esta lei, ao contrário da anterior lei de "organização da Nação em tempode guerra" (Lei n." 2084, de 16 de Agosto de 1956, base xxx), não prevê formasespeciais de substituição do Presidente da República quando não possa exercer livre-mente a sua competência.192 Manual de Direito ConstitucionalA independência nacional não é senão a independência colectiva dosPortugueses, a qual passa pelo respeito daquela vontade, expressanos termos constitucionais ( I) (2).V -Em segundo lugar, independência nacional implica iden-tidade nacional. Implica-a a dois títulos: o alicerce último, a razãode ser da independência nacional é a diferenciação de Portugal comocomunidade histórica de cultura; e, por outro lado, a independêncianacional será tanto mais forte quanto mais fortes forem os factoresde coesão entre os Portugueses, sobretudo os de ordem cultural.Mas este ponto já foi considerado a respeito da relevância cons-titucional da Nação portuguesa.VI -Em terceiro lugar, independência nacional corresponde aum conjunto de condições que propiciem a realização dos interessescolectivos e individuais dos portugueses, sem sacrificios perante osinteresses estrangeiros e na perspectiva de uma ordem internacionalcapaz de assegurar a paz e a justiça entre os povos (art. 7,0, n,O 2, infine), Ela não surge, obviamente, por mero efeito da Lei Funda-mental; tem de resultar do esforço nacional (art. 22.0, 2,u parte, daDeclaração Universal) e da diversificação de dependências, com basena cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o pro-gresso da Humanidade (art. 7.0, n,O 1, in fine) (3).O Estado deve pois, promover as condições para que a educa-ção, realizada através da escola e de outros meios formativos, con-tribua para o desenvolvimento da personalidade, para o progressor.) Sobre a relação entre independência nacional e democracia política, cfr.Deputados Medeiros Ferreira e Jorge Miranda, in Diário da Assembleia Consti-tuinte, n.O 26, de 6 de Agosto de 1975, págs. 649-650, e n.O 27, de 7 de Agosto,pág. 684. V., ainda, MARCELO REBELO DE 5OUSA, Direito Constitucional, cit., págs. 346e 347.(2) Cfr., de novo, o art. 27.0 da Constituição de 1822.(3) Cfr., a intervenção do Deputado António Reis, na Assembleia Consti-tuinte, in Diário, n.O 65, de 17 de Outubro de 1975, pág. 2027; e ainda JORGEBRAGA DE MACE 00, Princípios Gerais da Organização Econ6mica, in Estudos sobrea Constituição, I, págs. 191 e 197 e segs.; ou GOMES CANOTILHO e

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VITAL MOREIRA,op. cito, págs. 78, 398 e segs., 436 e segs. e 450 e segs.Parte 111- Estrutura Constitucional do Estado 193social e para a participação democrática na vida colectiva (art, 73,0,n,O 2); desenvolver as relações culturais com todos os povos, espe-cialmente os de língua portuguesa [art, 7 ,o, n,O 2, alínea d)]; desen-volver as relações económicas com todos os povos, salvaguardandosempre a independência nacional e os interesses dos portugueses e daeconomia do país [art, 81,0, alínea f)] (I); assegurar uma políticacientífica e tecnológica favorável ao desenvolvimento do país [art, 81,0,alínea j)] (2); e adoptar uma política nacional de energia, com pre-servação dos recursos naturais e do equilíblio ecológico, promo-vendo, neste domínio, a cooperaç,ão internacional [alínea m)],A lei disciplina a actividade económica e os investimento porparte de pessoas singulares ou colectivas estrangeiras, afim de garan-tir a sua contribuição para o desenvolvimento do país e defender aindependência nacional e os interesses dos trabalhadores (art, 87,0) (3);os planos têm por objectivo promover o crescimento económico, odesenvolvimento harmonioso e integrado dos sectores e regiões, ajustarepartição individual e regional do produto nacional, a coordenaçãoda política económica com as políticas social, educativa e cultural, apreservação do equilíbrio ecológico, a defesa do ambiente e a qua-lidade de vida do povo português (art, 90,0); a política agrícola tementre os seus objectivos aumentar a produção e a produtividade daagricultura, dotando-a das infra-estruturas e dos meios humanos, téc-nicos e financeiros adequados, tendentes ao reforço da competivi-dade e ao melhor abastecimento do país, bem como o incremento daexportação, e assegurar o uso e a gestão nacionais dos solos e dos res-tantes recursos naturais, bem como a manutenção da sua capaci-dade de regeneração [art, 93,0, n,O 1, alíneas a) e d)]; a políticacomercial visa o desenvolvimento e a diversificação das relaçõeseconómicas externas [art, 99,0, alínea d)]; e a política industrial visao aumento da produção industrial, num quadro de modernização eajustamento de interesses sociais e económicos e de integração inter-(I) v. Diário. n." 71, de 29 de Outubro de 1975, pâgs. 2256 e segs, (não sediscutiu o tema da independência nacional).(2) Antes de 1989, acrescentava-se "tendo em vista a progressiva libertaçãode dependências externas".(3) v. Diário. n." 74, de 3 de Novembro de 1975, pâgs. 2425 e segs.13- Manual de Direilo Constilucional, III194 Manual de Direito Constitucionalnacional da economia portuguesa, e o apoio às iniciativas e empre-sas geradoras de emprego e fomentadores de exportação ou de subs-tituição de importações, assim como à projecção internacional dasempresas portuguesas [art. 100.0, alíneas a), d) e e)].VII -A independência nacional e a unidade do Estado sãolimites materiais de revisão constitucional [art. 288.0, alínea a)], e,como tais, compreendem a soberania do Estado no sentido jurí-dico-internacional do termo, a garantia das condições de existência(tais como o povo e o território) e das condições de unidade (taiscomo a unidade das Forças Armadas) e o conteúdo essencial dospreceitos sobre independência em sentido maternal.49. As relações internacionais do Estado portuguêsI -Situado ainda em sede de "Princípios Fundamentais", oart. 7.0 da Constituição de 1976 tem por objecto especificamente a

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inserção internacional do Estado português.Não sem antecedentes nas duas Constituições republicanas (I)-O art. 7.0 (com emendas e aditamentos provenientes das sucessi-vas revisões constitucionais) vai muito mais longe quer na extensãoquer nas intenções (2).II -No n.O 1 e no n.O 3, a Constituição faz profissão de fé nosgrandes fins e princípios da Carta das Nações Unidas (arts. 1.0 e 2.0)ou, mais amplamente, da vida internacional da actualidade: inde-pendência nacional, respeito dos direitos do homem, direito dos povosà autodetefQ1inação e independência e ao desenvolvimento (3), igual-dade entre os Estados, solução pacífica dos conflitos internacionais,(I) Pois o art. 73.0 da Constituição de 1911 e o art. 4.0 da Constituição de 1933preconizavam a arbitragem como meio de dirimir os litígios internacionais e estesegundo preceito dizia ainda que cumpria ao Estado "cooperar com outros Estadosna preparação e adopção de soluções que interessem à paz entre os povos e ao pro-gresso da humanidade.(2) V. Diário da Assembleia Constituinte. n.OS 29 e 131, reuniões de 8de Agosto de 1979 e de 1 de Abril de 1976, respectivamente pâgs. 751- 752 e 4372.(3) Sobre direitos dos povos, v. Manual..., IV, pâgs. 62 e segs. e autores citados.~Parte llI- Estrutura Constitucional do Estado 195não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e coopera-.ção com todos os outros povos para a emancipação e para o progressoda humanidade.Estes princípios vinculam o Estado Português não apenas posi-tiva e bilateral ou multilateralmente como ainda negativamente e emrelação a si próprio. Vinculam o Estado no sentido de que os seusórgãos não podem, por actos ou omissões, limitar ou negar o direitodo povo português à autodeterminação e à independência, pôr emcausa a sua igualdade frente aos demais Estados, adoptar formas nãopacíficas de solução de conflitos, consentir ingerência nos assuntosintemos de Portugal ou desenvolver cooperação com outros povos quenão seja para a emancipação e para o progresso da humanidade.Seria materialmente inconstitucional, com as consequências quedecorrem dos mecanismos de fiscalização (arts. 277.0 e segs.), porexemplo, um tratado pelo qual a República Portuguesa aceitasse res-trições da sua soberania em favor de outro Estado, admitisse o trá-fico de escravos ou se propusesse fazer guerra a terceiros. Tal é arelevância constitucional específica destes princípios, para além da suavigência na ordem interna portuguesa por virtude do art. 8.0, n.O I, eda relevância ou recepção constitucional da Declaração Universaldos Direitos do Homem por força do art. 16.0, n.O 2.III -A seguir, o art. 7.0 contém grandes directrizes, metas oudesígnios de política externa a acrescer ao n.O 1 e recorta os doisespaços primordiais da sua actuação -os países de língua portuguesae a Europa.'"' "Portugal preconiza a abolição do imperalismo, do colonialismoe de quaisquer oútras formas de agressão, domínio e exploração nas1- relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâ-.,. neo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o esta-belecimento de um sistema de segurança colectiva, com vista à cria-ção de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiçanas relações entre os povos" (n.O 2). Eis um preceito com expressõesdescabidas (as da sua primeira parte), mormente após 1989."Portugal mantém laços privilegiados de amizade e cooperaçãocom os países de língua portuguesa" (n.O 4), o que tem como con-

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sequências o já atrás estudado estatuto possível dos respectivos cida-196 Manual de Direito Constitucionaldãos residentes em Portugal (art. 15.0, n.O 3) e a incumbência, tam-bém já referida, de especial desenvolvimento das relações culturaiscom esses povos [art. 78.0, n.O 2, alínea d)]."Portugal empenha-se no reforço da identidade europeia e no for-talecimento da acção dos Estados europeus a favor da democracia, dapaz, do progresso económico e da justiça nas relações entre os povos"(n.O 5, aditado em 1989) (I) (2). O que seja a "identidade europeia"afigura-se nebuloso e as finalidades apontadas já estão compreendi-das no n.O 2; ainda assim, sublinha-se um enquadramento básico depolítica externa."Portugal pode, ...convencionar o exercício em comum dospoderes necessários à construção da união europeia" (n.O 7, aditadoem 1992 e a que vamos voltar de seguida). É um objectivo maisintenso, mas de menor âmbito do que o de preceito anterior; o n.O 5dirige-se a toda a Europa, não o n.O 6.Terão tais directrizes, metas ou desígnios força jurídica idênticaà dos princípios do n.O I ? Logo ressaltam diferenças de formulação"<Portugal rege-se...", "Portugal reconhece" -por um lado; e "Por-tugal preconiza...", "Portugal empenha-se", "Portugal pode" -poroutro lado); de função -eminentemente prospectiva a do n.O 2 oua do n.O 5; e de eficácia ~ pois não depende, ou não depende só dePortugal, decerto, a realização dos desideratos aí expressos. Apesardisso, com estes limites e alcance, é possível pensar em normasconstitucionais programáticas (3) e, embora porventura, muito remo-tamente, não rejeitar mesmo a priori hipóteses de inconstitucionali-dade por a"ção ou por omissão (4).(1) v. Diário da Assembleia da República, v legislatura, 2." sessão legislativa,2." série, n.o 60-RC, acta n.O 58, págs. 1889 e segs.; n.o 106-RC, acta n.O 104,págs. 2973 e segs.; n.O 108-RC, acta n.O 106, págs. 3050 e segs.; e 1." série, n.O 89,reunião de 30 de Maio de 1989, págs. 4439-4440.(2) No texto de 1989 não se falava em "democracia"; esta menção proveio darevisão de 1992.(3) Cfr. ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA, O Direito Internacional na Constitui-ção de 1976 (in Estudos sobre a Constituição, obra colectiva, I, pág. 38), que falaem "regras programáticas", mas quanto a todo o art. 7.0(4) Cfr., em sentido muito mais afirmativo, GOMES CANOTILHO e VITALMOREIRA, op. cit., pág. 78, para quem esta norma, como directriz constitucional~'O9Z '~yd .1!J .0:>1lqflJ lVUO!:>vUJalUI 01!aJ!a .VaNVMIW 3DMOf ~'S~'JS 'JI 's~yd .0UJai\OD .010doJ .01VlS U! .01VlS °11ap {Jl!nU!IUO:> v7 .I1Jf1dVSIM;) OlZ3A~'S~'JS 'J t9 's~yd .696 I .'P'J .' I. AI .'1!:> 'do .f1V3aMf1g .SOpo1 lod .'lJ;) {v)'8L '~yd .'1!:> 'do .VMI3MOW JV.LJA 'J OHJ(.LONV;) S3wOD (J,( .,.u o)o' L 'UU Op ol'Jw9u ows'JW op ~A1J1SUOJ .OY~!m!1SUO;) 1Jp I1J!J!U! °YSl'JA 1JN (V'oY~~'Jq!I 'Jp S01U'JW!AOW SOA!1J'JdS'J.J SO1J 'J oyss'J.Jdo 1J 1!l1UOJ w'J1nI 'Jnb SOAodSO1J I1J~nuod 'Jp o!odV 0 -l!~!X'J oyU'JS -IP.W!1!~'JI 'Jp °P!1u'JS ou w9<1wm S1JW oy~!'J.J i-lnSU! ~ 01!'J.J!P op 01u'JW!J'JquOJ'J.J op °P!1u'Js ou 9s oyu opm'Jldl'J1U! l'JS 'Jp-yq u'u o!.sopun~'Js so l!l1Jd 'O!dJJU!ld op oY~1Juuy1J 1J 1JJ!1l}ld 1J!JuyA'JI'Jll'JnbI1Jnb 'Jp 'J1U'JW1J!AqO .,.

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mática e da cooperação entre os seus membros (art. 1.0) e visa, entreoutros objectivos, a materialização de projectos de promoção e difusãoda língua portuguesa (art. 3.0, alínea c)]. São os seus órgãos a Confe-rência dos Chefes de Estado e de Governo, o Conselho de Ministros (dosNegócios Estrangeiros e das Relações Exteriores), o Comité de Con-certação Pennanente e o Secretariado Executivo (arts. 7.0 e segs.).É cedo para dizer se os Estados fundadores (aos quais poderá jun-tar-se mais tarde Timor Oriental) estão dispostos a imprimir vitalidadee dinamismo à Comunidade. Os ainda não resolvidos graves pro-blemas internos de alguns deles e a atracção por áreas geográficaslimítrofes não pennitem, por ora, conclusões muito optimistas.51. Portugal e a Comunidade EuropeiaI -O texto originário da Constituição não fazia nenhuma refe-rência à Europa e às Comunidades. Também, ao tempo, nenhumaConstituição o fazia. A diferença consistia em que em algumasConstituições se consentiam ou previam restrições de soberania ou(I) Aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da Repúblican.o 14197, de 20 de Março.Parte 111- Estrutura Constitucional do Estado 199transferência de poderes para organizações internacionais (I), e issoera entendido como cobrindo a integração europeia; e em Portugal nãose encontrava tal r).Entretanto, aquando da votação da alínea a) do art. 290.0(hoje 288.0), houvera o cuidado de observar que a referência à inde-pendência nacional não devia prejudicar formas de participação de Por-tugal em organizações internacionais, nomeadamente a nível europeu,desde que ressalvada a igualdade de direitos entre Portugal e osdemais Estados (3). E, sem embargo de algumas dúvidas -aliás, depouca consistência (4) -acerca da compatibilidade entre a Consti-tuição e o Tratado de Roma, foi logo em 1977 que Portugal formu-lou o seu pedido de adesão.II -A primeira revisão constitucional, efectuada em 1982, elim-mou todas as normas que poderiam, eventualmente, suscitar obstáculosà integração e, sobretudo, aditou ao art. 8.0 (concernente ao Direitointernacional) um número, 3, dizendo: "As normas emanadas dosr) Constituições francesa (preâmbulo da Constituição de 1946); italiana(art. 11.0); alemã (art. 24.0). E, mais recentemente, já depois de 1976, Constituiçãobelga (art. 25.0-bis), holandesa (art. 92."), luxemburguesa (art. 49.0-bis), dinamarquesa(art. 20.0, n.o 1), grega (art. 28.0, n.o 3) e espanhola (art. 93.0).r) Mas chegou a ser proposto na Assembleia Constituinte: projectos de Cons-tituição do Centro Democrático Social (art. 7.0, n.o 2) e do Partido Popular Demo-crático (art. 6.0, n.o 2); e proposta de substituição dos Deputados Basílio Horta e SáMachado relativa ao primitivo art. 110.0 da Constituição (in Diário da Assembleia-Constituinte, n.O 80, pág. 2682).,.. (3) Deputado Jorge Miranda, in Diário, n.O 128, de 30 de Março de 1976,pág.4253.(4) Como demonstrámos em A Constituição Portuguesa e o ingresso nast Comunidades Europeias, in Portugal e o Alargamento das Comunidades Europeias,/ obra colectiva, Lisb19a, 1931, págs. 81 e segs.Cfr. os diferentes prismas de PAULO PI1lA E CUNHA, A regulação constitucio-

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nal da organização económica e a adesão à C. E. E., in Estut;los sobre a Constitui-ção, obra colectiva, III, Lisboa, 1979, págs. 439 e segs.; MARCELO REBELO DE SOUSA,A adesão de Portugal à C. E. E. e a Constituição de 1976, ibidem, págs. 457 e segs.;MARIA .ISABEL JALLES, Implicações jurídico-constitucionais da adesão de Portugalàs Comunidades Euvopeias -Alguns aspectos, Lisboa, 1980; e MOTA CAMPOS,A Ordem Constitucional Portuguesa e o Direito Comunitário, I, Braga, 1981, págs. 52e segs.200 Manual de Direito Constitucionalórgãos competentes das organizações internacionais de que Portugalseja parte vigoram directamente na ordem interna, desde que tal seencontre expressamente estabelecido nos respectivos tratados consti-tutivos" (I). Ainda que extensivo ao Direito criado por quaisquerorganizações internacionais que satisfaçam as suas exigências (como,em certos termos, aO. N. U. e algumas das organizações especiali-zadas da sua "família" ), este novo preceito foi pensado em funçãoda C. E. E. e é em relação à C. E. E. que faz inteiro sentido a suaaplicação (2).A revisão ocorrida em 1989 (portanto já depois de consumada aadesão de Portugal às Comunidades), iria bem mais longe. Mais doque o novo preceito do art. 7.0 sobre o empenhamento de Portugal naacção dos Estados europeus, atrás mencionado -e cujo âmbito vaipara além das Comunidades -ele trouxe a constitucionalização deum órgão comunitário, o Parlamento Europeu [nos arts. 136.0, alí-nea h), e 139.0, n.O 3, alínea c), a propósito de matérias eleito-rais] (3) (4). Terá sido a primeira vez que um órgão próprio de umainstituição internacional adquiriu relevância no interior de uma Cons-tituição estatal (5).A assinatura em 7 de Fevereiro de 1992, em Maastricht, de umtratado de "União Europeia", conduziria a uma terceira revisão cons-(I) Diário da Assembleia da República. 2.a série, II legislatura, I.a sessãolegislativa, 4.0 suplemento ao n.O 108, pág. 3332(71); 2.a sessão legislativa, 2.0 suple-mento ao n.O 80, pâg. 1508(14); suplemento ao n.O 98, pâg. IR7R(6); e 2.0 suplementoao n.O 136, pâgs. 2438(21)-2438(22); e l.a série, n.O 130, págs. 5472 e segs.(2) Cfr., por todos, ANDRÉ GoNÇALVES PEREIRA e FAUSro DE QUADROS, op. cit.,pâgs. 112 e segs. e 124 e segs.; e o nosso Direito Internacional Público. I, cit.,págs. 182 e segs.(3) Além disso, a segunda revisão constitucional retirou do art. 8.0, n.O 3, oadvérbio expressamente.(4) Em 1997, o art. 136.0 passaria a ser o art. 133.0, mas a referência expressaao Parlamento Europeu no art. 139.0 (agora 136.} seria eliminada por causa da men-ção genérica de actos eleitorais.(5) Todavia, curiosamente, a constitucionalização do Parlamento Europeu foi feitanão tanto por razões de integração comunitária quanto para dissipar dúvidas sobre asujeição da eleição de Deputados portugueses aos princípios gerais de Direito eleito-ral consignados na Constituição: v. o nosso artigo A questão da lei eleitoral para o Par-lamento Europeu. in Estudos de Direito Eleitoral, Lisboa, 1995, pâgs.

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128 e segs.Parte 111-Estrutura Constitucional do Estado 201titucional, à semelhança do que aconteceria noutros Estados-membrosdas Comunidades.III -Antes de Maastricht, não sofria dúvida que a participaçãodo Estado Português nas Comunidades (ou, no singular, na comuni-dade Europeia) não colidia com a sua qualidade de soberano e como princípio da independência nacional.Seguramente, a estrutura das Comunidades apresentava-se muitodiversa da das organizações internacionais até então existentes, devidoao conjunto das suas atribuições, à autonomia relativa de alguns dosseus órgãos (ou de titulares de seus órgãos) perante os Estados e à ime-diatividade dos seus actos e normas. Nem por isso (mesmo após o(Acto Único Europeu" de 1986) (I) os factores de integração (refor-çados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça) obnubilavam os fac-tores de cooperação intergovernamental, determinante das grandesopções políticas. E as aludidas normas constitucionais de outros paí-ses não operavam uma transferência definitiva de prerrogativas desoberania, mas tão só uma delegação -e delegação para organizaçõesainda enquadráveis no Direito internacional verdadeiro e próprio (2).Da mesma maneira, a independência nacional não deveria -nemdeve -ser encarada, num plano meramente formal; deveria -edeve- ser encarado de uma perspectiva material (repetimos), atentaàs condições concretas de exercício do poder político e económico.Ora, numa época de grandes espaços, mostrava-se -e mostra-se -preferível ser sujeito activo nas instituições de decisão do destinoeuropeu do que ficar delas arredado e sem aí poder defender os seusinteresses vitais (3).(1) Cfr. MARIA EDUARDA AzEVEDO, O Acto Único Europeu: os novos equilí-brios institucionais, in Revista da Ordem dos Advogados. 1988, pâgs. 941 e segs.;PAULO DE PI1TA E CUNHA, Um novo passo na integração comunitária: o Acto ÚnicoEuropeu, in lntegração Europeia, Lisboa, 1993, pâgs. 389 e segs.; MOURA RAMOS,O Acto Único Europeu, in Das Comunidades à União Europeia, Coimbra, 1994,pâgs. 143 e segs.(2) Neste sentido, FAUSTO DE QUADROS, Direito das Comunidades Europeiase Direito Internacional Público, Lisboa, 1984, pâgs. 129 e segs. e 213 e segs.(3) Cfr. MARIA ISABEL JALLES, Implicações cit., pâgs. 244 e segs.202 Manual de Direito ConstitucionalO problema todo hoje, depois do Tratado da "União Europeia",está em saber se este raciocínio permanece válido.52. A "União Europeia" e as suas implicaçõesI -Os pontos fulcrais do Tratado de Maastricht (I) são osseguintes:a) A criação de uma União Europeia, que se baseia nas comu-nidades Europeias "completadas pelas políticas e pelas formas decooperação instituídas pelo Tratado" e que "tem por missão organi-zar de forma coerente e solidária as relações entre os Estados-mem-bros e entre os respectivos povos".b ) A instituição de uma "cidadania da União", nos termosatrás descritos.c) A atribuição ao Conselho -nuns casos tendo de deliberarpor unanimidade, noutros por maioria qualificada -do poder deexigir vistos de entrada nos Estados-membros a cidadãos de tercei-ros países.d) A consideração como questões de "interesse comum", da ,"'política de asilo, da passagem e do controlo das fronteiras externas

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c;~'dos Estados-membros, da política de imigração em relação a cidadãosde terceiros países, a cooperação judiciária civil e penal e a coope-ração policial quanto a certos tipos de crimes, podendo a execuçãode acções comuns ser decidida, em certos casos, por maioria quali-ficada.r> Cfr., entre nós, a obra colectiva A Europa ap6s Maastricht -Ciclo deColóquios, Lisboa, 1992; FRANCISCO LUCAS PIRES, introdução a Tratados que insti-tuem a Comunidade e a União Europeia, Lisboa, 1992; PAULO DE Pfn'A E CUNHA,Reflexões sobre a União Europeia, in lntegração Europeia, págs. 397 e segs.; ANAMARTINS, O Tratado da União Europeia, cit.; FERNANOO LoUREIRO BASTOS, A UniãoEuropeia, cit.; a obra colectiva A União Europeia, cit.; Portugal e a união políticae económica da Europa, obra colectiva, Coimbra, 1994; FAUSTO DE QUADROS eFERNANOO LoUREIRO BASTOS, União Europeia, in Dicionário Jurídico da Adminis-tração Pública, VI, págs. 543 e segs. E noutros países, por exemplo, JEAN-LouISQUERMONNE, Trais lectures du Traité de Maastricht, in Revue française de sciencepolitique, 1992, págs. 802 e segs.; ou FRANCO MOSCONI, Il trattato di Maastricht:una costituzione per I' Europe, in Il Politico, 1992, págs. 421 e segs.Parte II/ -Estru.tura Constitucional do Estado 203e) A fixação de concretas políticas financeiras e a supervisãomultilateral da sua execução pelos Estados membros.1) A adopção, antes do fim do século, de uma moeda única.g) A afirmação de uma "identidade" na cena internacio-nal, através da execução de uma política externa e de segu-rança comum, com a definição, a prazo, de uma política de defesacomum que poderá conduzir, no momento próprio, a uma defesacomum.h) As reformas institucionais previstas, a curto e a médioprazo, como a regulamentação uniforme da eleição do ParlamentoEuropeu, o reforço de alguns poderes deste órgão, a criação de umProvedor de Justica europeu e a de um Comité (consultivo) dasRegiões.i) Novas disposições sobre o processo de formação dos actoscomunitários e o aumento significativo dos casos em que o conse-lho -órgão representativo dos Governos dos Estados -pode deli-berar por maioria qualificada, e não por unanimidade.j) O estímulo aos partidos políticos a nível europeu.L) Como limite (ou limite aparente) aos poderes da comuni-dade, a proclamação de um princípio de subsidiariedade, segundo oqual nos domínios que não sejam das suas atribuições exclusivas,ela apenas intervém na medida em que os objectivos da acção tidaem vista não possam ser suficientemente ou melhor alcançados pelosi Estados (art. 3.o-B do Tratado de Roma, modificado pelo art. a doI Tratado de Maastricht) (I).tr) Dizemos "limite aparente", porque o princípio pode ser entendido (ei tem-no sido) em sentido oposto. Assim, LUCAS PIRES (União Europeia: um podertt próprio ou delegado? in A União Europeia, pág. 154), para quem a subsidiariedadeé um critério de repartição vertical do poder também de inspiração tipicamentefederal, pelo menos na versão que reveste na Constituição alemã. Tal

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critérioaponta para um acantonamento de competências em que o Estado é um patamar entreoutros. O que é que tal princípio pode significar senão a impossibilidade de oEstado nacional ultrapassar o nível de subsidiariedade, que é definido exante e emcomum, aliás com a sua própria participação? A subsidiariedade inscrita no Tra-tado só pode, de facto, revelar, além do mais, que o poder de delimitação das fron-teiras respectivas de competência entre a Comunidade e os Estados já não está àdisposição destes últimos e entronca no Tratado. O critério de repartição vertical~204 Manual de Direito ConstitucionalII -O Tratado de Maastricht viria a ser revisto, a partir dotrabalho de uma conferência intergovemamental (I), sendo assinadoum novo tratado em Amesterdão a 2 de Outubro de 1997, o qual,todavia, na data em que escrevemos (Setembro de 1998) ainda nãoentrou em vigor, por nem todos os Estados (entre os quais Portu-gal) o terem ratificado.O Tratado de Amesterdão pretende ser, essencialmente, mais umaperfeiçoamento do instrumento anterior do que um novo avanço qua-litativo, salvo no domínio dos vistos, do direito de asilo, da imigraçãoe da circulação das pessoas, assim como da política de emprego.De alcance muito mais importante virá. ser a efectivação daunião monetária já. a partir de 1 de Janeiro de 1999.III -O que seja a União Europeia não se antolha muito claro,por causa das indefinições e ambiguidades dos textos, das declaraçõesanexas, das clá.usulas de excepção ou de exclusão (admitidas emdo poder poderia mesmo vir a ter por sede o Tratado e por árbitro o Tribunal deJustiça.Cfr. GEORGES VANDERSANDEN, Considérations sur le principe de subsidiarité,in Présence du DroitPublic et des Droits de I' Homme -Mélanges offerts à JacquesVelu, obra colectiva, Bruxelas, 1992, 1, págs. 193 e segs.; PAOLO CARlml, /l principiodi sussidiarietà e i suoi riflessi sul piano dell' ordinamento comunitario e dell' ordina-mento nazionale, in Quaderni Costituzionali, Abril de 1993, págs, 7 e segs.; ANGELORINEU.A, Osservazioni in ordine alia ripartizione delle competenze tra Comunità euro-pea e Stati membri alIa luce dei principio di sussidiarietà, in Quaderni Costituzionali,1994, págs. 431 e segs.; JOHN PETERSON, Subsidiarily: A Definition to Suit Any Vision? ,in Parlimentary Affairs, 1994, págs, 116 e segs.; FAUSTO DE QUADROS, O princípio""cit., págs. 30 e segs.; J, M. DE ARElZA CARVAJAS, EI principio de subsidariedad en Iaconstrución de Ia Union Europea, in Revista de Estudios Politicos, Setembro-Dezem-bro de 1995, págs. 53 e segs,; PIERRE-ALEXIS FERAL, Principe de subsidiarieté dansI' Union Européenne, in Revue du droit public, 1996, págs. 203 e segs.; MARIA LUÍSADUARTE, A teoria dos poderes implícitos e a delimitação das competências entre a UniãoEuropeia e os Estados membros, Lisboa, 1997, págs. 517 e segs,; MARTA BORGES, Sub-

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sidiariedade: controlo a priori ou a posteriori, in Temas de Jntegração, 1,0 trimestrede 1997, págs, 67 e segs,; CARLA GOMES, op, cit" págs. 60 e segs,; ANTONIO D' ATENA,/l principio di sussidiarietà nella Costituzione italiana. in Rivista Italiana di DirittoPubblico Comunitario, 1997, págs. 603 e segs,(I) Cfr. a obra colectiva Em turno da revisão do Tratado da União Euro-peia, Lisboa, 1997 ,Parte 111- Estrutura Constituciona/ do Estado 205favor do Reino Unido e, mais tarde, da Dinamarca) e das posiçõesnão coincidentes sobre as metas finais a atingir.Se parece não caber já nas chamadas organizações supranacio-nais, também não se reconduz a federação (I ), porque o Tratado nãoconstitui um Estado que se sobreponha aos Estados-membros. Apro-xima-se mais de uma confederação -de uma confederação diferentedas confederações clássicas, com elementos provenientes de outrasestruturas (2). Mas talvez seja prematuro procurar uma qualificação (3).E outrossim a soberania dos Estados, se surge diminuída oureduzida pela expansão das atribuições comunitárias e das matériasde interesse comum, pela unidade monetária prevista, pela conver-gência económico-financeira e pelo peso acrescido das decisões maio-ritárias (4), não fica substituída por um poder próprio da União (5).Os poderes desta derivam de um tratado internacional e só por outrotratado hão-de vir, a ser alargados ou modificados (6); não há umacidadania da União, mas uma "cidadania europeia", (o que é outracoisa, como se viu); nem um território da União; nem autoridadescomunitárias de coerção r).(I) Mesmo se no preâmbulo do Tratado se fala, imitando a Constituição dosEstados Unidos, numa "união mais estreita".(2) Neste sentido, ANTONIO LA PERGOLA, Sguardo sul federalismo e i suoidintorni, in Diritto e Società. 1992. págs. 491. e segs., maxime 503 e segs. Cfr. PHI-L/PPE SCHMITTER, A Comunidade Europeia: uma forma nova de dominação po/í-tica, in Análise Social. n.o 1.18-1.1.9, 1992, págs. 739 e segs. (este Autor opta peladesignação de "condomínio". mas escreve antes de Maastricht).(3) V., ainda, entre nós, ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA e FAUSTO DE QUADROS,op. cit., págs. 421 e segs. e 651 e segs.; FRANCiSCO LUCAS PIRES, Introdução aoDireito Constitucional Europeu, Coimbra, 1997, págs. 85 e segs.; CARLA GOMES, op.cit., pág. 32; Luís SÃ, A crise. .., cit., págs. 282 e segs.(4) Recorde-se, porém, a nível mundial o capítulo VII da Carta das Nações Uni-das impondo a todos os Estados o acatamento das decisões do Conselho de Segu-rança em caso de ruptura da paz e de agre:ssão.(5) Cfr. THIBAUT DE BERANGER, Constitutions Nationales et Constrution Com-munautaire. Paris, 1995, págs. 27 e segs.(6) V. a demonstração em MARIA LuísA DUARTE, A teoria. .., cit., págs. 357e segs.r) Como se lê no acórdão do Tribunal Constitucional Federal alemão de 12de Outubro de 1993 [II, I, a)]: "A República Federal da Alemanha continua mem-206 Manual de Direito ConstitucionalMaastricht não foi uma primeira manifestação de um poder cons-

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tituinte europeu (I). Bem pelo contrário: a necessidade de se taze-rem alterações constitucionais em alguns dos Estados-membrosenvolve o reconhecimento do primado das Constituições estatais. Seo Tratado valesse (ou valesse desde logo) como base de um novo esuperior Direito, ele vincularia os Estados e entraria em vigor inde-pendentemente disso e, depois, seriam as normas constitucionais des-conformes que seriam tidas por ineficazes ou por revogadas; ora,não foi isto que aconteceu em 1992, nem está acontecendo agoracom o Tratado de Amesterdão.Como escreve um Autor, MANUEL ARAGáN, as enfáticas declarações doTribunal de Justiça das Comunidades acerca do carácter irreversível da ces-são de competências pelos Estados membros e acerca da incondicionadaprimazia do Direito comunitário sobre as normas de produção interna(incluindo as normas constitucionais) não podem ocultar a realidade queos Tribunais Constitucionais espanhol, francês e alemão puseram a claro: que,enquanto a Europa for uma união de Estados soberanos e não uma federa-ção, a validade do Direito comunitário nos países europeus fundamentar-se-á,em última análise, na Constituição de cada um deles. E esta verificação nãosupõe uma reacção anticomunitária, mas sim uma exigência inelutável: a deque não pode avançar-se mais na construção europeia sem cumprir as regrasdo Estado de Direito (2).Noutra óptica, criticando tanto o reducionismo nacionalista como oreducionismo europeista, observa GOMES CANOTILHO: "Um poder de estadoeuropeu neutralizaria o carácter supranacional da comunidade a favor deuma construção federal substancialmente revisora de "forma estadual".Mas, por outro lado, o estado constitucional nacional toma-se, no contactoda União Europeia, um estado constitucional cooperativo que, sem deixarbro de uma associação de Estados, cujo poder comunitário deriva dos Estados-mem.bros e não pode exercer-se de maneira coerciva sobre o território alemão a não sercom fundamento numa ordem de execução dada na Alemanha". Há tradução por-tuguesa, de MARGARIDA BRrro CORREIA, in Direito e Justiça. 1994, págs. 263 e segs.(I) Como pretendem LUCAS PIRES, Introdução cit., págs. 25 e segs., 55e segs. e 110 e segs., ou CARLA GOMES, op. cit.. págs. 24 e segs. (falando emhetero-pré-Constituição a págs. 34 e segs.).(2) La Constitución Espafiola y el Tratado de Union Europea. in RevistaEspafiola de Derecho Constitucional. Setembro-Dezembro de 1994, pág. 25.Parte /// -Estrutura Constitucional do Estado 207de observar os padrões básicos do estado constitucional (soberania popular,divisão de poder, garantia de direitos, primazia de constituição, superioridadeda lei do parlamento) passou a incorpar competências normativas euro-peias" (I) (2).(I) Direito Constitucional..., cit., pág. 1224.(2) Cfr. ainda o número de Abril de 1992 de Quaderni Costituzionali; on." 12 da Revue française de droit constitutionnel; CONSTANCE GREWE e HÉLENE RulZ

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FABRI, Le Conseil Costitutionnel et I'intégration européenne, in Revue universelledes droits de I' homme, 1992, págs. 277 e segs.; FRANÇOIS LUCHAIRE, L' UnionEuropéenne et Ia Constitution, in Revue du droit public, 1992, págs. 956 e segs.;BRUNO GENEVOIS, Le traité sur I' Union Européenne et Ia Constitution, in Revuefrançoise de droit administratij; 1992, págs. 373 e segs.; MASSIMO LUCIANI, La Cos-tituzione italiana e gli ostacoli alI' integrazione europea, in Politica dei Diritto, 1992,págs. 557 e segs.; JUAN FERNANDO AGUILAR, Maastricht y Ia problematica de Iareforma de Ia Constitución, in Revista de Estudios Politicos, n." 77, Julho-Setem-bro de 1992, págs. 57 e segs.; JORGE MIRANDA, O Tratado de Maastricht e aConstituição Portuguesa, in Brotéria, 1993, págs. 363 e segs.; a obra colectivaLes Constitutions Nationales à I' épreuve de I' Europe, Paris, 1993; PABLO PÉREZTREMPS, Constitución espanola y Comunidad Europea, Madrid, 1993; TREVOR C.HARTLEY, Costitutional and Institutional Aspects of Maastricht Agreement, in Inter-national and Comparative Law Quarterly, 1993, págs. 213 e segs.; SANTIAGOMuNoz MACHADO, La Uni6n Europea y Ias mutaciones dei Estado, Madrid, 1993;GUILHERME D'OLIVEIRA MARTINS, A revisão constitucional de 1992. Algumasnotas, in Estado e Direito, 1993, págs. 59 e segs.; DoMINIK HANF, Le jugement deIa Cour Constitutionelle fédérale allemande sur Ia constitutionnalité du Traité deMaastricht, in Revue trimestrielle de droit européenne, 1994, págs. 391 e segs.; THI-MUT DE BERANGER, op. cit., págs. 47 e segs.; ALBRECHT WEBER, EI control dei Tra-tado de Maastricht por Ia jurisdiccion constitucional desde una perspectiva com-parada, in Revista Espaflola de Derecho Constitucional, Setembro-Dezembro de1995, págs. 31 e segs.; JUAN JOSE SOLZABAL EcHEVARRIA, Algumas consideracio-nes constitucionales sobre el alcance y los efectos de Ia integración europa, inRevista de Estudios Politicos, Outubro-Dezembro de 1995, págs. 45 e segs.; MARTACARTABIA, Principi inviolabili e integrazione europea, Milão, 1995; FRANCESCOSORRENTINO, Profili costituzionali dell' integrazione comunitaria, Turim, 1996;ENZO CANNIZZARO, Esercizio di competenza e sovranità nelI' esperienza giuridicadell' integrazione europea, in Rivista di Diritto Costituzionale, 1996, págs. 75 e segs.;maxime 118 e seg.; FRANCISCO RUBlO LLORENTE, Constituci6n Europea e reformaconstitucional, in Perspectivas Constitucionais -Nos 20 anos da Constituiçãode 1976, obra colectiva, II, Coimbra, 1997, págs. 695 e segs.; JÕEL RIDEAU, L' Europedans Ias Constitutions des États membres de I'Union Européenne, ibidem, págs. 717

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e segs.208 Manual de Direito Constitucional53. As modificações constitucionais de 1992 e de 1997I -Para efeito do presente capítulo, as duas principais modi-ficaçÕes introduzidas na Constituição portuguesa em 1992 foram asatinentes ao art, 7.0 (I) e ao art, 105,0 (2).Ao art. 7,0 juntou-se um n,O 6 deste teor: "Portugal pode, em con-diçÕes de reciprocidade, com respeito pelo princípio da subsidiarie-dade e tendo em vista a realização do princípio da coesão econó-mica e social, convencionar o exercício em comum dos poderesnecessários à construção da união europeia",O art. 105.0 passou a ter a seguinte redacção: "O Banco de Por-tugal como banco central nacional colabora na definição e execução daspolíticas monetária e financeira e emite moeda, nos termos da lei",No capítulo anterior já mencionámos o novo n." 5 do art. 15." (sobrecapacidade eleitoral para o Parlamento Europeu) e o n." 4 do mesmo artigo(sobre capacidade eleitoral nas eleições para os órgãos das autarquias locais),vindo de 1989 e ligeiramente modificado nessa altura.As outras duas alterações ligadas a Maastricht -as novas alíneas 1)do art. 166." (hoje 163,") da Constituição e i) do art. 201.", n." I (hoje 198.",n," I) -versam sobre as competências relativas da Assembleia da RepÚ-blica e do Governo no domínio da política comunitária. Extremamentesignificativas no plano do sistema político, situam-se fora do âmbito destevolume (3),II -Numa brevíssima referência ao novo n,O 6 do art. 7,0,saliente-se que a norma está colocada dentro do preceito geral sobrerelações internacionais, não se tendo autonomizado ( como na França(I) v. Diário da Assembleia da República, VI legislatura, 1." sessão legislativa,2." série, n." 3-RC, acta n." 3, págs. 36 e segs.; 2." sessão legislativa, n." II-RC, actan.o 11, págs. 169 e segs.; n." 12-RC, acta n.o 12, págs. 180 e segs.; e I." série, 2." ses-são legislativa, n.o 14, reunião de 17 de Novembro de 1992, págs. 433 e segs. e 456.(2) lbidem, VI legislatura, I." sessão legislativa, 2.. série, n.o 4-RC, acta n." 4,págs. 58 e segs.; n." 8-RC, acta n." 8, págs. 134 e 141; e n." 10-RC, acta n.o 10,pág. 163; e 1.. série, 2." sessão legislativa, n.o 14, reunião de 17 de Novembro de1992, págs. 436-437 e 451.(3) Sobre o assunto, v. a nossa intervenção na comissão eventual de revisão cons-titucional, in Diário da Assembleia da República, VI legislatura, 2.. sessão legislativa,2." série, n." 8-RC, acta n." 8, págs. 135 e 136; O Tratado de Maastricht e a Consti-tuição Portuguesa, cit., loc. cit., págs. 378-379; Manual..., V, págs. 177 e 178.Parte l/I -Estrutura Constitucional do Estado 209e na Alemanha) uma disposição sobre a União Europeia. E subsisteo n.O 5, o que implica que Portugal não só continua a tomar a polí-tica europeia como um aspecto da sua política externa como ainda nãoa confina à Comunidade e à União Europeia (I).A fórmula "convencionar" obriga a que apenas por tratado, e não.por qualquer decisão de órgãos comunitários, se possa estabelecer o"exercício em comum" de quaisquer poderes. O falar-se em "exer-cício" aponta para uma ideia de delegação, e não de transferência oude renúncia r) -até porque a soberania continua sendo "una eindivisível" (art. 3.0, n.O I ). E o terem de ser "poderes

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necessáriosà construção da união europeia" para uma ideia de proporcionali-dade (3).Além disso, conquanto através de cláusulas gerais com concei-tos indeterminados, prescrevem-se três elementos: a) o requisito dereciprocidade relativamente ao "exercício em comum dos poderes"-quer dizer, de igualdade em face dos demais Estados envolvidosno processo (4); b) a exigência de respeito pelo princípio da subsi-diariedade como limite material a esse exercício em comum (5); c) oobjectivo programático da coesão económica e social (6) (1).(I) Sobre o art. 7." após 1992, cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA,Constituição,.., cit.. págs. 80 e 81.(2) Cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA. Fundamentos da Constituição.Coimbra, 1991, pág. 76: um conceito constitucionalmente adequado de indepen-dência nacional não exclui uma "soberania europeia compartilhada", mas não auto-riza a adesão a uma soberania comunitária.(3) Sobre o princípio da proporcionalidade, v. Manual"" IV, págs. 216 e segs.e autores citados.(4) Não se trata, naturalmente. de reciprocidade na acepção correspondente ao.Direito internacional das relações bilaterais.(5) Cfr. MARGARIDA" SALEMA D'OLIVEIRA MARTINS, O princípio da subsiari-edade na Constituição de 1976: os trabalhos preparatórios da terceira revisãoconstitucional- Perspectivas Constitucionais, obra colectiva, II, págs. 851 e segs.(6) Sobre a coesão económica e social, v. art. 130."-A do Tratado de Roma,na versão do Tratado de Maastricht.(1) Seria interessante fazer o cotejo com os novos preceitos das Constituiçõesfrancesa e alemã.Diz o novo art. 88." da primeira: " 1. A República participa nas ComunidadesEuropeias e na União Europeia, constituídas por Estados que escolheram livrementeI 14- Manual de Direito Constitucional, III21.0 Manual de Direito ConstitucionalUm conflito bem provável de interpretações pode, entretanto,conjecturar-se a respeito desse princípio de subsidiariedade entre onosso Tribunal Constitucional -guardião das normas constitucionaisportuguesas, entre as quais, portanto, o art. 7.0, n.O 6 -e o Tribunalde Justiça das Comunidades -guardião do Direito comunitário econstantemente voltado para uma visão "federalista" ou até "cen-tralizadora". Como será ele resolvido? -eis a pergunta que emPortugal e nos demais países se tem vindo a enunciar.III -Em 1996 e 1997 viria a ser realizada uma quarta revi-são constitucional, com incidência de novo em matéria de inte-gração comunitária (I ). Curiosamente, apesar de coincidir com aconferência intergovernamental de revisão do Tratado de Maas-tricht, esta não teria efeitos sobre o resultado do trabalhos parla-mentares.Não foi acrescentado nenhum novo preceito substantivo e oart. 7.0, n.O 6, ficou intocado, ao contrário do que sucedeu com oart. 105.0 (agora 102.0). Este ficou assim formulado: "O Banco dePortugal é o banco central nacional e exerce as suas funções nostermos da lei e das normas internacionais a que o Estado Portuguêsse vincula" (de notar a supressão da referência a políticas monetáriae financeira e a inserção de referência a normas internacionais).exercer em comum algumas das suas competências. -2. Sob reserva de

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recipro-cidade e de acordo com as modalidades previstas no Tratado da União Europeia, assi-nado em 7 de Fevereiro de 1.992, a França consente na transferência de competên-cias necessárias ao estabelecimento da união económica e monetária europeia e àdeterminação das regras relativas à passagem das fronteiras exteriores dos Esta-dos-membros da Comunidade Europeia...".E consta do novo art. 23.0 da Constituição alemã: " I. A fim de realizar umaEuropa unida, a República Federal da Alemanha contribui para o desenvolvimentoda União Europeia, com base no respeito dos princípios do Estado de Direito demo-crático, social e federal e do princípio da subsidiariedade, e garantindo a protecçãodos direitos fundamentais em termos comparáveis aos da presente Lei Fundamental.-2. Para esse efeito, a Federação pode transferir direitos de soberania, por via legis-lativa, mediante aprovação do Conselho Federal".(I) Sobre os projectos de revisão, v. JORGE MIRANDA, A integração comuni-tária e a presente revisão constitucional, in Em torno da revisão do Tratado daUnião Europeia. págs. 145 e segs.Parte 1// -Estrutura Constitucional do Estado 211Em contrapartida, foram algo significativos as modificaçõesintroduzidas na parte organizativa, em reforço dos poderes da Assem-bleia da República [arts, 161,0, alínea n), e 164,0, alínea p)] e dasregiões autónomas [ art, 227,0, n,O 1, alíneas v) e x )] ,§ 3,0Descentralização e poder local na Constituição portuguesa54. A descentralização como princípio constitucionalI -A descentralização administrativa é, a par da descentralizaçãopolítica manifestada na autonomia regional dos Açores e da Madeira,uma das ideias cardeais da actual Constituição portuguesa,Assim, o Estado respeita na sua organização os princípios daautonomia das autarquias locais e da descentralização democrática daadministração pública (art, 6.0, n,O 1),Incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistemade segurança social unificado e descentralizado (art, 63,0, n.O 2).O serviço nacional de saúde tem gestão descentralizada e par-ticipada (art, 64,0, n,O 4),As universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia esta-tutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira (art. 76,0,n,02),A execução dos planos nacionais é descentralizada regional e sec-torialmente, (art, 91,0, n,O 3),..As atribuições e a organização das autarquias locais, bem comoa competência dos seus órgãos serão reguladas por lei, de harmonia1 com o princípio da descentralização administrativa (art, 237,0, n.O 1),~..A., A lei estabelecerá adequadas formas de descentralização e des-concentração administrativa (art, 267,0, n,O 2),No contexto deste Manual, apenas será, porém, aqui consideradaa descentralização territorial traduzida na autonomia das autarquiaslocais, no poder local, remetendo-se o tratamento da autonomia regio-nal ou regime político-administrativo próprio dos arquipélagos dosAçores e da Madeira ( art, 227,0, n.O 1) para o capítulo das formas deEstado,Manual de Direito Constitucional

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II -O princípio descentralizador é um princípio constitucio-nal (I); e são a Constituição e .(ou) a lei que conferem poderes ouatribuições, de diversa natureza e extensão, a entidades infra-esta-duais. Confirma-se então como o poder de raiz ou soberano per-tence em exclusivo ao Estado e como as outfas entidades, por maiorque seja a sua autonomia, só possuem poderes derivados ou desegundo grau.Da mesma maneira que concede tais faculdades e que as regu-lamenta, pode o Estado vir a alterá-las, observadas as regras perti-nentes; e até poderia, por hipótese, vir a diminui-las ou, no limite, aretirá-las -nuns casos por lei ordinária, noutros por lei de revisãoconstitucional, noutros ainda (quanto à autonomia político-adminis-trativa regional e à autonomia das autarquias locais) por novo exer-cicio de poder constituinte (originário).Só assim não fará por força de razões históricas, sociológicas epolíticas profundas. Só assim não fará, mantendo-se a Constituiçãode 1976, por coerência com a sua concepção de democracia: por-que a democracia nela instituída se pretende uma democracia des-centralizada (2); porque, à luz dessa Lei Fundamental, não há demo-cracia sem descentralização, nem descentralização sem democracia (noduplo sentido de inserção no Estado de Direito democrático e deexigência de participação democrática) (3).Diferentemente, para PAULO OTERO (4), a descentralização assentaria,na Constituição de 1976, num equívoco em relação ao princípio socialistae estaria em contradição com a amplitude do estatuto do Governo, cuja(I) Um princípio político-constitucional, distinto dos princípios axiológicos fun-damentais (v. Manual. .., II, cit., págs. 229-230); uma opção estatal soberana (VIEIRADE ANDRADE, Autonomia regulamentar e reserva de lei. Coimbra, 1987, pág. 21); umprocesso de autovinculação, e nunca de heterovinculação.(2) JORGE MIRANDA, A Constituição de 1976, cit., págs. 435 e segs. Cfr.GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Fundamentos da Constituição, pág. 226.(3) Cfr. o parecer n." 3/82 da Comissão Constitucional, de 12 de Janeirode 1982, in Pareceres, XVIII, págs. 146-147 (a descentralização como processo de rea-lização da liberdade); ou'JoÃO BAJYrISTA MACHADO, Participação e descentralização,op. cit., págs. 59 e segs.(4) O poder de substituição. .., cit., págs. 680 e segs.~~: Parte III-Estrutura Constitucional do Estado 213"fonte directa seria a Constituição de 1933; e nem o desaparecimento daqueleprincípio teria reduzido essa amplitude. Em particular, quanto ao poder.local, o equívoco teria resultado de duas tendências opostas: o poder popu-lar das forças revolucionárias e a ideia de aliar a democracia participativaà democracia representativa das forças moderadas (I).Julgamos ser uma visão algo desfocada, por não corresponder nemà relação de forças na Assembleia Constituinte e ao sentido das votaçõesnela efectuadas, nem (o que, sobretudo, importa numa interpretação objec-tiva) ao lugar sistemático do princípio da descentralização e a todo oaprofundamento que ele recebe em vários títulos e capítulos da Lei

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Fun-damental.55. A descentralização local ao longo das Constituições por-tuguesasI -A autonomia administrativa local não começou com a Cons-tituição de 1976. Vem desde os primórdios do Estado português,como se sabe. Os concelhos ou municípios sempre foram instituiçõespresentes em todas as fases da história do nosso Direito público,embora com conteúdos e formas variáveis conforme os sucessivosregimes políticos (2).A própria monarquia absoluta condescendeu com a teia vastade autoridades municipais, muitas vezes electivas (3). Pelo contrá-rio, o primeiro liberalismo -não tanto por influência jacobina quantopela necessidade de reformar ou recriar as estruturas sociopolíticas esocioeconómicas do país -fez delas tábua rasa e ergueu, desde a~(1) Ibidem. pág. 688.l (2) Cfr., por todos, MARCELLO CAETANO, Concelho, in Verbo, v, págs. 1201..4.. e segs., Manual de Direito Administrativo. I, 10." ed., Lisboa, 1973, págs. 304 e segs.,I e História do Direito Português, Lisboa, 1981, págs. 219 e segs., 320 e segs. e 495! e segs.; MARIA HELENA DA CRUZ COELHO e JOAQUIM ROMERO DE MAGALHÃES,, O poder concelhio -Das origens às Cortes Constituintes. Coimbra, 1986; FREITASDO AMARAL, Curso..., cit., págs. 462 e segs.(:\) Cfr. ANTÓNIO PEDRO MANIQUE, Mouzinho da Silveira -Liberalismo eAdministração Pública, Lisboa, 1989, págs. 15 e 207; JosÉ DAMIÃO RODRIGUES,O poder municipal do Antigo Regime ao Liberalismo: da autonomia jurisdicional àsJuntas Gerais. in I Congresso da Autonomia dos Açores. obra colectiva, I, Ponta Del-gada, 1995, págs. 103 e segs.214 Manual de Direito Constitucionalbase, um novo sistema, com alcance mais ou menos centralizador. Osdecretos de Mouzinho da Silveira de 1832, os de Passos Manuelde 1836 e os subsequentes Códigos Administrativos exibem essa ten-dência, com oscilações (I).Um novo mapa administrativo do país resultou da extinção decentenas de concelhos; e, até certo ponto para compensar as popu-lações, instituíram-se entidades inframunicipais, as freguesias. Entre-tanto, esboçaram-se entidades supramunicipais, os distritos ou as pro-víncias r).A 1.8 república foi sensível a certo pensamento municipalista eaté federalista romântico do século XIX (3) e mostrou-se favorável àdescentralização. Já não o regime autoritário de 1926-1974, cujascaracterísticas dominaram também (o que não surpreende) toda aorganização administrativa local, sem embargo do aperfeiçoamento téc-nico representado pelo Código Administrativo de 1936-40.II -As cinco Leis Fundamentais anteriores ocuparam-se ex professoda administração local em títulos próprios (4). As de 1822 e 1933 empres-taram-lhe maior número de preceitos. Mas as normas das Constituiçõesmonárquicas ofereciam-se algo incipientes, ao passo que as das duas Cons-tituiçÕes republicanas eram mais elaboradas e continham conceitos gerais(I) V. MARCELLO CAETANO, Manual I, cit., págs. 144 e segs.(2) As antigas províncias do Continente -Minho, Trás-os-Montes, Beira,Estremadura, Alentejo e Algarve -eram meras circunscrições militares.

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As Cons-tltuições monárguicas enunciaram-nas, porém, para efeito de definição do território(art. 20.0-1 da Constituição de 1822; art. 2.0, § 1.0, da Carta; art. 2.0 da Constituiçãode 1838).(3) Cfr. Luís FILIPE COLAÇO ANTUNES, Fédéralisme et municipalisme dans Iapensée politique portugaise du XJXe siecle, in Il Politico. 1985, pâgs. 83 e segs.(4) Título VI da Constituição de 1822, sobre "Governo Administrativo eEconómico" (arts. 212.0 e segs.) e dividido em dois capítulos; título VII da Carta, coma rubrica "Administração e economia das províncias" (arts. 132.0 e segs.); título VIIIda Constituição de 1838, sob a rubrica "Governo administrativo e municipal"(arts. 129.0 e segs.); título IV da Constituição de 1911, sobre "Instituições locaisadministrativas" (art. 66."); e títulos v da parte I e VI da parte II da Constituiçãode 1933, respectivamente com as rubricas "Da família, das corporações e das autar-guias como elementos políticos" (arts. 17.0 e segs.) e "Das circunscrições políticase administrativas e das autarguias locais" (arts. 123.0 e segs.).Parte [[[-Estrutura Constitucional do Estado 215como "instituições locais administrativas" (a primeira) e "autarquias locais"(a segunda) (I).~ Pontos comuns a todas as Constituições eram a garantia da existênciade concelhos ou de "câmaras", onde assim conviesse ao bem público (comose lia no art. 219.0 da Constituição de 1822); a reserva de lei quanto à divi-são administrativa do território; a separação entre órgãos deliberativos, denatureza colegial e electiva, e órgãos executivos; e a sujeição de todos osseus actos ao princípio da legalidade.As três Constituições monárquicas definiam as atribuições municipaisatravés de uma cláusula geral, a referência a governo económico e muni-cipal (2), e as duas primeiras previam um poder regulamentar. Por seuturno, as Constituições de 1911 e 1933 garantiam a eficácia das deliberaçõesdos órgãos locais e a autonomia financeira dos municípios.A intenção descentralizadora da Constituição de 1911 tornava-se maispatente ao estatuir que o Poder Executivo não teria "ingerência na vidados corpos administrativos" (art. 66.0, n.O 1), assim como a intenção demo-crática, ao prever referendo (que também passaria para a Constituiçãode 1933) e representação de minorias (art. 66.0, n.os 4 e 5).A Constituição de 1933 consagraria, finalmente, as freguesias e o prin-cípio segundo o qual os corpos administrativos (os órgãos de gestão per-manente das autarquias) só poderiam ser dissolvidos nos casos e nos termosestabelecidos na lei, devendo as novas eleições realizar-se em prazo nãosuperior a 90 dias. Ao mesmo tempo, na sua perspectiva corporativista, con-

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siderava as autarquias locais "elementos políticos" (art. 12.0) ou "elemen-tos estruturais da Nação" (art. 5.0, § 3.0; após 1971), com representação naCâmara Corporativa (art. 102.0) (3)."' (1) Mas já em 1910 FERNANOO EMÍDIO DA SILVA (na comunicação Descen-..tralização administrativa ao 1.0 Congresso internacional de ciências administrati-vas) falava em "autarquias locais" (pág. 20).(2) Na Constituição de 1822, havia ainda uma enumeração (art. 223.0).(3) Cfr., na doutrina, LOPES PRAÇA, op. cit.. II, págs. 85 e segs.; MARNOCd ESOUSA, Constituição Política da República Portuguesa -Comentário, Coimbra,1913, págs. 588 e segs.; MARCELLO CAETANO, Manual de Ciência Política e DireitoConstitucional. 11, 6." ed., Coimbra, 1972, pág. 530, e Manual de Direito Adminis-trativo, I, cit., págs. 129 e segs.; JORGE MIRANDA, A Administração Pública nas Cons-tituiçÕes Portuguesas, in O Direito, 1988, págs. 609 e 610; PAULO OTERO, A Admi-nistração Local nas Cortes Constituintes de [821-1822, in Revista de Direito eEstudos Sociais, 1988, págs. 237 e segs., e A descentralização territorial na Assem-bleia Constituinte de 1837-1838 e no Acto Adicional de 1852, in Revista da Facul-dade de Direito da Universidade de Lisboa, 1989, págs. 298 e segs.; ANTÔNIO216 Manual de Direito ConstitucionalIII -Na Constituição de 1976 é (mais uma vez) em título autó-no mo (da parte III), sob a epígrafe nova de "poder local" (I) e emtrinta longos e repetitivos artigos, que se trata da descentralizaçãoadministrativa local (2),Para lá da reiterada consagração dos concelhos ou municípiosstricto sensu e das freguesias como autarquias locais (manteve-se aexpressão de 1933), da reafirmação da autonomia administrativa efinanceira (arts, 237,0 e 238,0, hoje) e da predisposição de um sistemade órgãos na base da dicotomia deliberação-execução (art, 239,0),ela traz como inovações ou como traços dominantes os seguintes:a) A distinção entre autarquias e comunidades locais [arts, 65,0,n,02, alíneas h) e d), e 82,0, n,O 4, alínea h), hoje] (3);h) A previsão de regiões administrativas no continente(arts. 255.0 e segs,), autarquias supramunicipais que se pretendemCÂNDIDO DE OLIVEIRA, Direito das Autarquias Locais. Coimbra, 1993, pâgs. 11e segs.(I) Sobre a origem desta epígrafe, v. JORGE MIRANDA, O conceito do poderlocal. in Estudos sobre a Constituição, I, obra colectiva, Lisboa, pâgs. 317 e segs.r) Sobre as autarquias locais na Constituição de 1976, v. VITAL MOREIRA, Asregiões. a autonomia municipal e a unidade do Estado, in Poder Local. n." 3, Setem-bro-Outubro de 1977, pâgs. 11 e segs.; JORGE MIRANDA, A Constituição de 1976 cit.,pâgs. 451 e segs.; parecer n." 28118 da Comissão Constitucional, de 28 de Novembrode 1978, em Pareceres, VII, pâgs. 3 e segs.; ROGÉRiO SOARES, Direito Administrativo,Coimbra, 1980, pâgs. 83 e segs.; SÉRVULO CORREIA, Noções cit., pâgs. 127 e 130;

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ALMENO DE SÃ, Administração do Estado, Administração local e princípio da igual-dade no âmbito do estatuto dos funcionários. Coimbra, 1985, pâgs. 19 e segs.; JosÉGABRIEL QUEIRÓ, Autarquia local, in Polis, I, pâgs. 472 ~ .eg~.; "IFIRA DE ANDRADE,Autonomia regulamentar e reserva de lei. cit., pâgs. 21 e segs., e Distribuição pelosmunicípios de energia eléctrica em baixa tensão, Lisboa, 1989; MARCELO REBELODE SOUSA. Distribuição pelos Municípios da Energia Eléctrica de Baixa Tensão. inColectânea de Jurisprudência da Associação Sindical dos Magistrados Judiciais, V,1988, pâgs. 28 e segs.; Luís S. CABRAL DE MONCADA, Direito Económico, 2.. ed.. Coim-bra, 1988, pâgs. 123 e segs.; Rui MACHETE, O poder local e o conceito de autono-mia institucional, in Estudos de Direito Público e Ciência Política. pâgs. 562 e segs.;JosÉ MIGUEL SARDINHA. As Forças Armadas e as Autarquias Locais na Ordem Jurí-dica Portuguesa, Coimbra, 1991, pâgs. 54 e segs.; GOMES CANOTILHO e VITALMOREIRA, op. cit.. pâgs. 880 e segs.; ANTÓNIO CÂNDIDO DE OLIVEIRA, op. cit.. pâgs. 197esegs.; FREITAS DO AMARAL. Curso I, cit., pâgs. 417 e segs.; JORGE CORTÊS, Regiãoadministrativa, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, VII, pâgs, 108 e segs.(3) As autarquias locais estão para as comunidades locais como o Estadopara a República (GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit.. pâgs. 881).Parte lI/-Estrutura Constitucional do Estado 217diferentes dos distritos, os quais serão extintos logo que elas sejam~ concretamente instituídas (art: 291.0);c) A consagração das associações e federações de municípios(art. 253.0);l ..d) A possibilidade de a lei estabelecer nas grandes áreas urba-..nas, de acordo com as suas condições específicas, outras formas deorganização territorial autárquica (art. 236.0, n.O 3);e) A explícita previsão de poder regulamentar próprio(art. 241.0);1) O duplo princípio da justa repartição dos recursos públi-cos pelo Estado e pelas autarquias e da necessária correcção de desi-gualdades entre autarquias do mesmo grau (art. 240.0, n.O 2);g) A participação dos municípios nas receitas provenientes dek impostos directos (art. 254.0);~ h) A possibilidade legal de substituição, nas freguesias de~ P?pul~ção d.iminuta, da assembleia de fregue~ia .pelo p~enârio ~e; cldadaos eleitores (art. 245.0, .n.o !) -o que slgmfica a mtroduçao~ de um elemento de democracia dlrecta;j i) A incorporação das organizações populares de base -cha-madas em 1989 organizações de moradores -nas freguesias(arts. 248.0 e 263.0 e segs.).Na revisão constitucional de 1982 consagrou-se a possibilidade de for-mas de organização territorial específica nas ilhas (art. 236.", n." 3, hoje);admitiram-se consultas directas aos cidadãos eleitores (art. 240.) -querdizer, a democracia semidirecta; cingiu-se a tutela administrativa à tutela delegalidade (art. 242.", n." I); garantiram-se às autarquias quadros de pessoal

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próprios (art. 243.); ligou-se a modificação dos municípios a consulta dosórgãos das autarquias abrangidas (art. 249.); e eliminou-se a possibilidadelegal da obrigatoriedade de federações de municípios (art. 253.).:.. Na revisão de 1989, extinguiram-se os conselhos municipais'e regio-nais, órgãos consultivos de representação de interesses (primitivos arts. 253.0e 261.") e suprimiu-se o princípio da correspondência entre as áreas dasregiões administrativas e das regiões-plano (art. 256.0 primitivo).Finalmente, em 1997, além da já mencionada inclusão do princípioda subsidiariedade entre os princípios fundamentais (art. 6.0, n.O 1), passoua prever-se a existência de polícias municipais para cooperarem na manu-tenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais(art. 237.0, n.O 3), e a admitirem-se poderes tributários das autarquias locais218 Manual de Direito Constitucional-nos termos previstos na lei (art. 238.0, n.O 4); devolveu-se para a lei aforma de eleição dos titulares dos órgãos executivos colegiais, sendo o pre-sidente de cada um deles o candidato da lista mais votada para a assembleiaou para o executivo de acordo com a solução a adoptar nessa lei (art. 239.",n.O 3); explicitou-se a possibilidade de candidaturas de grupos de cidadãos(art. 239.0, n.O 4); admitiu-se a iniciativa popular de referendo (art. 240.",n.O 2); contemplaram-se associações de freguesias (art. 247.0) e atribuiçõespróprias das associações e federações de municípios (art. 253.0); e fez-sedepender a instituição em concreto das regiões administrativas (a instituiçãoem concreto, não a própria existência constitucional) de referendo de alcancenacional e relativo a cada área regional (art. 256.0) (I).IV -Também na maior parte das Constituições de democracia plu-ralista aprovadas nas últimas décadas, senão o postulado geral da descen-tralização, pelo menos o da descentralização territorial e da autonomia localou municipal aparece ai recorrentemente enfatizado (2). E a doutrina tem-sedebruçado sobre ele, procurando captar o seu exacto significado no âmbitodos respectivos sistemas jurídico-políticos ou elaborando estudos compara-tivos (3)..(I) V. Manual..., v, cit., págs. 173-174.(2) Cfr. art. 92." da Constituição japonesa de 1946, art. 5." da Constituição ita-liana de 1947, art. 128." da Constituição alemã de 1949, art. 72:' da Constituição fran-cesa de 1958, art. 137." da Constituição espanhola de 1978, art. 114." da Constitu-ição santomense de 1990, art. 2." da Constituição búlgara de 1991, art. I." daConstituição colombiana de 1991, art. 119." da Constituição romena de 1991, art. 252."

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da Constituição caboverdiana de 1992, art. 16." da Constituição polaca de 1997.Um caso à parte é o do Brasil: cfr. infra.(3) Cfr. CARLO ESPOSlTO, Autonomie loca li e decentramento amministrativoneli' art. 5 dei Ia Costituzione, in La Costituzione Italiana -Saggi, Pádua, 1954,págs. 67 e segs.; C. J. FRIEDRICH, La Démocratie Constitutionnelle, trad., Paris,1958, págs. 205 e segs.; Pouvoirs locaux en Europe, obra colectiva, Milão, 1964;a obra colectiva Decentralist Trends in Western Democracies, Londres, 1979; FRANCOPlZE1TI, /I sistema costituzionale delle autonomie locali, Milão, 1979; DILYS M.HILL, Democratic Theory and Local Government, London, 1974, trad. castelhana Teo-ria democratica y régimen local, Madrid, 1980; ÇHRISTIAN AUTEXIER, L' ancrageconstitutionnel des collectivités de Ia République, in Revue du droit public, 1981,págs. 581 e segs.; LUCIANO PAREJO ALFONSO, Garantia institucional y autono-mias locales, Madrid, 1981; GIUSEPPE DE VERGO1TINI, Modelli compara ti di auto-nomie locali, Roma, 1982; ANDREA PUBUSA, Sovranità popolare e autonomielocali neli' ordinamento costituzionale italiano, Milão, 1983; PASQUALE CIRIELLO,Governo locale e sistema costitucionale francese, Nápoles, 1984; La Libre Admi-Parte [[[-Estrutura Constitucional do Estado 21956. O problema das regiões administrativasI -Quatro factores explicam o aparecimento da nova figura dasregiões administrativas no Continente, em vez de recriação das pro-víncias ou de reconversão dos distritos. Terão sido uma intençãode coerência e de equilíbrio do todo nacional em face da formaçãode regiões autónomas nas Ilhas, a consideração de experiências aná-Iogas noutros países, a procura de uma conexão com as regiões de pla-neamento e a racionalização das autarquias locais (I).As regiões previstas para o Continente seriam de natureza diversada das regiões insulares, as quais compreenderiam especialmente,faculdades legislativas e govemativas. Mas o fenómeno da regio-nalização não poderia deixar de abranger, embora sob formas ade-quadas, o Continente por um princípio de unidade do país, por umnistration des Collectivités Locales, obra colectiva, Paris, Aix-en-Provence, 1984;MAURICE BOURJOL e SERGE BODARD, Droit et libertés des collectivités territoriales,Paris, 1984; MARTIN LoUGELIN, Local government in the modern state, Londres,1986; Central and local government relations: a compara tive analysis ofWest Euro-pean unitary state, obra colectiva, Londres, 1987; LuiS MORELL OcANA. Las Enti-dades locales, elementos integrantes de Ia organización territorial dei Estado y deIas Comunidades Autónomas, in Civitas -Revista espanola de derecho adminis-trativo, 1987, pâgs. 325 e segs.; CHRISTIAN STARCK, L' autonomie de gestion descollectivités territoriales et des autres personnes morales de droit public dans le cadredu fédéralisme allemand, in Revue française de droit administratif, 1989, págs. 93e segs.; MIGUEL SANCHEZ MORÓN, La autonomia local. Antecedentes

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historicos ysignificado constitucional, Madrid, 1990; ANTONiO FRANCO LoRAS, Fundamentosconstitucionales de Ia autonomia local, Madrid, 1990; SERGE REGOURD, De Ia décen-tralisation dans ses rapports avec Ia démocratie, in Revue du droit public, 1990, pâgs.961 e segs.; JosÉ ESTEVES PARDO, Garantia institucional y/o función constitucionalen Ias bases dei regimen local, in Revista Espaliola de Derecho Constitucional,1991, pâgs. 125 e segs.; EBERHARD SCHMIDT-AsSMANN, The Constitution and theRequirements of Local Autonomy, in New Challenges to the German Basic Law,obra colectiva, Baden-Baden, 1991, pâgs. 167 e segs.; FRANCISCO SOSA WAGNER, Laautonomia local, in Estudios sobre Ia Constitución espaliola -Homenaje al Pro-fesor Eduardo Garcia de Enterría, obra colectiva, IV, Madrid, 1991, pâgs. 3185e segs.; ANDRÉ Roux, Droit Costitutionnel Local, Paris, 1995. \,(I) V. Diário da Assembleia Constituinte, n.() 29, reunião de 8 de Agostode 1975, pâgs. 746 e segs.; n.() 104, reunião de 14 de Janeiro de 1976, pâg. 3392;e n.() 106, reunião de 16 de Janeiro de 1976, pâgs. 3457 e segs.220 Manual de Direito Constitucionalprincípio de participação democrática por uma preocupação de dis-tribuição de poderes e por terem de ser corrigidas assimetrias quasetão graves como as ditadas pela insularidade.Em segundo lugar, em vários países europeus -não só a Itá-lia e a Espanha mas também a França, a Bélgica ou a Grã-Breta-nha- estavam sendo ensaiados (embora nem sempre com resul-tados plenamente satisfatórios) esquemas de organização regionalcontrapostos às fórrnulas do passado (1). Embora os modos daregionalização e a extensão da autonomia não surgissem idênticos,quase todas as regiões europeias ocupavam um espaço físico maiore possuiam muitas mais capacidades de intervenção do que os dis-tritos portugueses.Um terceiro motivo prendia-se com o planeamento regional: eleremontava ao regime anterior (2) e era enfatizado pela Constituição(arts. 91.0 e segs.). Ora, para que ele se não tomasse mais um ins-trumento favorito da tecnocracia ou de burocracia, antes uma ins-tância de democratização do Estado e da sociedade, importaria queos correspondentes órgãos assentassem na participação dos cidadãos,e não se via como esta pudesse dar-se com eficácia sem o emergirde autarquias regionais. Nem se justificaria, olhando à escassez derecursos, qualquer duplicação (3).Em quarto lugar, não obstante se querer desenvolver e reforçara autonomia municipal, entendia-se que a maior parte dos concelhossó dificilmente poderiam exercer sozinhos todas as suas atribuições,morrnente as ligadas a novas tarefas de preservação do ambiente, de(I) Cfr., por exemplo, ROBERT LAFONT, La révolution régionaliste, Paris,1967; FRANÇOISE MASSART-PIÉRARD, Pour une doctrine de Ia région en Europe,Bruxelas-Lovaina, 1974. E, mais recentemente, Federalismo, sistemi regionali egoverni loca li in alcune esperienze europee, obra colectiva, Cosenza, 1986; TheTerritorial Distribution ofPower in Europe, obra colectiva, Friburgo, 1990; Lesparadoxes des régions en Europe, obra colectiva, Paris, 1997.(2) O Decreto-Lei n." 48 905, de 11 de Março de 1969, havia criado quatro

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embrionárias regiões de planeamento no Continente (além das duas dos Açores e daMadeira).(3) Era a tese que já em 1970 advogávamos (Aspectos institucionais da pro-moção social comunitária, in Informação Social, n." 17, Janeiro-Março de 1970,págs. 46 e segs.).Parte 111- Estrutura Constitucional do Estado 221urbanismo e de salubridade pública. Apenas num quadro mais vastode articulação orgânica as poderiam exercer (I).II -As atribuições das regiões haviam de consistir na partici-pação na elaboração e na execução dos planos regionais, na coorde-nação e no apoio à acção dos municípios e na direcção de serviçospúblicos (art. 257.0). Revestidas todas de carácter algo instrumental,contrastavam bem com os vastos e diversificados poderes das regiõesautónomas, reconduzíveis ao conceito abrangente de "interesses regio-nais" ou de "interesse específico" (arts. 227.0 e 229.0).Dai que as áreas das regiões devessem corresponder às das regiões-plano(arts. 256.0, n.O 2, e 95.0, n.O I); dai que as assembleias regionais fossem com-postas quer por representantes eleitos directamente pelos cidadãos quer pormembros eleitos pelas assembleias municipais (art. 259.0), ao passo que asassembleias das regiões autónomas -entidades políticas a se -seriamdesignadas exclusivamente por sufrágio universal (art. 233.0, n.O 2); dai queem cada região administrativa houvesse um representante do Governo(art. 262.0) -ao passo que em cada região autónoma haveria um repre-sentante da soberania da República nomeado pelo Presidente da República[arts. 136.0, alínea e), e 232.0, n.O I].Distinguia-se entre criação legislativa de todas as regiões, emsimultaneidade, e a instituição em concreto de cada uma (art. 256.0,n.os 1 e 3), dependente de voto favorável da maioria das assembleiasmunicipais que representassem a maior parte da população da árearegional (art. 256.0, n.O 3); e admitia-se diferenciações de regime(art. 256.0, n.O 1,2.8 parte). Ficava, pois, a cargo da lei ordinária, emmomento ulterior, o cumprimento de tal desígnio -ao passo que asregiões autónomas surgiam desde logo com a Constituição (arts. 227.0e segs. e 302.0) e entrariam em funcionamento ainda em 1976 (2).(1) As regiões eram criadas apenas expressamente no projecto de Constitui-ção do CDS (art. 10.). Porém, o do PPD incumbia a lei de criar regiões adminis-trativas a par das autarquias locais e das regiões autónomas (art. 7.0, n.os 2 e 3), odo MDP-CDE mencionava conselhos regionais (art. 105.0) e o do PCP previa agru-pamentos de concelhos (art. 97.0).(2) O art. 302.0 era uma disposição transitória, que, desde logo, previa prazospara a formação dos estatutos provisórios das regiões autónomas e para as primei-ras eleições, sem que se encontrasse preceito análogo para as regiões administrativas.222 Manual de Direito ConstitucionalIII -As revisões constitucionais de 1982, 1989 e 1997 inter-feririam, em alguns pontos, com as regiões administrativas (I) eem 199 1 viria a ser publicada uma "lei-quadro" (a já citada Lein.O 56/91, de 13 de Agosto). Todavia, até agora as regiões aindanão passaram do texto à prática.

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Também aqui não custa sumariar elementos de diferenciaçãoentre as Ilhas e o Continente e obstáculos de outra ordem. Factoresde diferenciação: o carácter natural das regiões insulares, por umlado, e a falta de um quadro de regionalização ou de consenso quantoàs regiões a constituir no Continente. Obstáculos de outra ordem:1.0) continuadas resistências centralizadoras e também necessidadede o Estado, abalado pelas convulsões revolucionárias e, desde 1985,empenhado na participação nas Comunidades Europeias, se reorga-nizar antes de proceder à regionalização integral; 2.0) receios de que,em fase de acentuada partidarização, a criação das regiões (ou decertas regiões) redundasse em partilha de poder (ou em excessiva(1) Na primeira revisão constitucional, estabeleceram-se: necessidade de audi-ção das assembleias municipais logo para a criação legislativa das regiões em geral(art. 256.", n." I); correspondência entre as áreas das regiões administrativas e as dasregiões-plano (art. 256.", n." 2), em vez de correspondência das primeiras às segun-das (afastando certa subordinação das regiões administativas às regiões-plano); pres-crição de que as tarefas de coordenação e apoio à acção dos municípios se fariamsem diminuição dos respectivos poderes (art. 257.").Da segunda revisão resultaram: separação mais acentuada entre a fase da cria-ção legislativa (art. 255.") e a da instituição em concreto (art. 256."), devendo na pri-meira o respectivo diploma definir os poderes das regiões e a composição, a com-petência e o funcionamento dos seus órgãos; eliminação da correspondência respeitanteàs regiões-plano, por ter desaparecido também a garantia institucional desta; emconexão com essa alteração, explicitação do poder das regiões de elaborarem pla-nos regionais (art. 258."); supressão do conselho regional (art. 259.0); valorização dosufrágio directo, por na eleição dos membros das assembleias regionais a designarpelas assembleias municipais só participarem os membros destas também designa-dos por sufrágio directo (arts. 260." e 251."); constitucionalização ainda aqui dométodo de HONDT (art. 260.").A revisão de 1997, além da referida sujeição da criação das regiões a referendo(art. 256.0), viria a aplicar à designação do presidente da junta regional (art. 261.")o sistema comum de designação do presidente dos órgãos executivos locais, abrindoa possibilidade de ele vir a ser o primeiro candidato da lista mais votada para a assem-bleia regional (art. 239.", n." 3).Parte 111- Estrutura Constitucional do Estado 223força de certos partidos); 3.0) finalmente, todas as dificuldades deri-vadas dos custos financeiros da operação.Estes aspectos -bem como a desnecessidade de novos cen-tros de poder em país pequeno como Portugal e até os riscos para acoesão nacional que a sua formação representaria -têm sido invo-cados como argumentos contra as regiões administrativas. Em res-posta, há quem continue a aceitar as motivações do legislador cons-tituinte de 1976, considerando insuficientes as associações e federações

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de municípios para os fins a atingir e invocando o paralelo com aautonomia dos Açores e da Madeira -uma autonomia político-admi-nistrativa, e não apenas administrativa, e que, nem por isso, põe emcausa a unidade do país (I).Em face da controvérsia assim instalada, o Parlamento optou,em 1997, por estabelecer um referendo especial para o tentar ultra-passar: nem quis manter a mera previsão constitucional das regiões(com a prolongada inércia do legislador ordinário), nem se julgou habi-litado a extinguir, pura e simplesmente, as regiões administrativas enem sequer devolveu ao povo esse poder (porque não se trata deum referendo de revisão constitucional (2).Se o povo se pronunciar favoravelmente, a Assembleia da RepÚ-blica ficará vinculada a concretizar a criação das regiões. Mas, se sepronunciar negativamente, as regiões continuarão a existir nas pertinentesnormas constitucionais e apenas em nova sessão legislativa ou após novaeleição da Assembleia poderá a questão ser recolocada ao sufrágio(I) Cfr. os diversos prismas do Livro Branco sobre a Regionalização (Minis-tério da Administrção Interna), Lisboa, 1981; Conferência sobre regionalização edesenvolvimento, obra colectiva, Lisboa, 1982; MANUEL PORTO, Os pa{ses da Penfn-sula Ibérica e a problemática regional no seio da CEE, in Economia, 1982, págs. 471e segs.; MIGUEL CAETANO et ali, Regionalização e poder local em Portugal. Lisboa,1982; n." 2 de 1982 do Boletim da Sociedade de Geografia; ERNESTO V. S. FIGUEIREDO,Portugal: que regiões?, Braga, 1988; Regionalização do Continente -Colóquio par-lamentar, Assembleia da República, 1989; Luís SÃ, Regiões administrativas -O poderlocal que falta, Lisboa, 1989; FREITAS DO AMARAL, Curso. .., I, cit., págs. 539 e segs.;ANlÓNIO CÁNDIDO DE OLIVEIRA, A regionalização: um caminho aberto, in Scientia juri-dica. 1995, págs. 301 e segs.; Regionalização- sim ou não, Lisboa, 1998.r) V. Diário da Assembleia da República. VII legislatura, 2." sessão legisla-tiva, 1." série, n." 104, reunião de 30 de Julho de 1997, págs. 3937 e seg.224 Manual de Direito Constitucionaldos cidadãos (art. 112.0, n.O 10, da Constituição). O referendo equivalea uma condição suspensiva, não a uma condição resolutiva (I).57. Administração directa, administração indirecta e admi-nistração autónomaI -Antes de se passar adiante, importa aludir à distinção cons-tituciona1 entre administração directa, administração indirecta e admi-nistração autónoma, feita a propósito da competência do Governo[art. 199.0, alínea d)] para "dirigir os serviços e a actividade da admi-nistração directa do Estado, civil e militar, superintender na adminis-tração indirecta e exercer a tutela sobre a administração autónoma" (2)A administração directa corresponde a centralização administra-tiva, com ou sem desconcentração: são órgãos e serviços do Estado,centrais e locais ou peritéricos. A administração indirecta e a autó-noma pressupõem descentralização: são órgãos e serviços de outras

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pessoas colectivas públicas que não o Estado (3) (4).II -A linha divisória entre administração indirecta e adminis-tração autónoma dir-se-ia apenas externa, ligada à diferente natureza(I) As regms especiais sobre este referendo constam dos arts. 245." e segs. daLei n." 15-N98, de 3 de Abril. Fala-se aí em natureza obrigatória (art. 245:'), masisso não significa que a Assembleia seja obrigada a propor a sua realização; o Pre-sidente da República é que fica adstrito a convocá-lo se a Assembleia o propuser;e sem referendo, e referendo de resultado positivo, as regiões administrativas nãopodem ser instituídas em concreto.(2) A referência a tutela também sobre a administração indirecta foi introdu-zida apenas em 1997.(3) A locução "administração autónoma" é nova em Portugal, surgiu na5.a Comissão da Assembleia Constituinte por iniciativa do Deputado Vital Moreira.Não é nova, porém, por exemplo, na Alemanha (onde aparece associada, desde 1808,à autonomia municipal, depois aos grupos socioprofissionais e, após a Constituiçãode Weimar, a áreas crescentes da economia e da cultura).(4) Cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., págs. 181 e 182; JoÃoCAUPERS, A administração periférica..., cit., págs. 197 e segs., maxime 208 e segs.;FREITAS DO AMARAL, Curso..., I, cit., págs. 219 e segs., 331 e 393 e segs.; MARCELOREBELO DE SOUSA, Lições. .., cit., págs. 373 e segs.; VITAL MOREIRA, AdministraçãoAutónoma. .., cit., págs. 78 e segs. c""Parte 111- Estrutura Constitucional do Estado 225dos poderes do Governo ou dos órgãos competentes (como diz, aseguir a 1997, o art. 267.0, n.O 2) (I) -de resto, não sem interpe-netração e de amplitude variâvel quanto às categorias de entidades queentram numa e noutra (2).É preferível, contudo, apontar para um acepção material daadministração autónoma, conotando-a com realidades sociologica-mente distintas (no todo ou em parte) do Estado-comunidade, que oEstado-poder configura como entidades administrativas com grauI qualificado de autonomia. As autarquias locais são as primeiras des-I sas realidades, também no plano histórico e no das normas consti-tucionais (arts. 235.0 e segs.). E como tais podem ainda ser consi-derados as universidades públicas (arts, 76.0 e 77.0) (3); dentre asassociações públicas, sem dúvida as ordens e câmaras profissionais(arts. 47,0 e 267,0, n.O 4) (4); e, na medida das tarefas que alei Ihes(I) Sobre direcção, superintendência e tutela, v., por todos, FREITAS DO AMA-RAL, Curso..., I, cit., págs. 716 e segs.(2) Na verdade, a administração indirecta está também sujeita a tutela (con-forme explicitou a revisão constitucional de 1997) e há entidades pertencentes à admi-nistração autónoma, as associações públicas profissionais, nem sequer sujeitas a tutela.(3) Já tinha havido referências à Universidade e ao ensino superior na CartaConstitucional (art. 145.0, § 32.0), na Constituição de 1838 (art. 28.0, n." 2) e na Cons-

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tituição de 1933 (art. 43.0). Mas foi só a Constituição de 1976, após a revisãode 1982, que garantiu a sua autonomia.À face da Constituição e da Lei n." 108/88, de 24 de Setembro (lei de auto.nomia), as universidades constituem uma categoria a se de pessoas colectivas públi-cas, embora com elementos afins ora das associações públicas, ora dos institutospúblicos. Cfr., algo proximamente, MARCELO REBELO DE SOUSA, A natureza juridicadas Universidades no Direito Português, Lisboa, 1992, págs. 34 e segs.; PAULOOTERO, Institutos públicos, in Dicionário Juridico da Administração Pública, v,págs. 257, 258, 266 e 267 e segs.; VITAL MOREIRA, Constituição e Direito Adminis-trativo, in AB UNO AD OMNES, pág. 1149; GOMES CANOTILHO, Direito Constitu-cional..., cit., pág. 615. E v., doutro prisma, CASALTA NABAIS, Considerações sobrea autonomia financeira das universidades portuguesas, in Estudos em homenagem aoProf. Doutor A. Ferrer Correia, obra colectiva, III, Coimbra, 1991; págs. 359 e segs.(4) Assim, JORGE MlRANDA, As Associações Públicas no Direito Português, Lis-boa, 1985; GoMES CANanLHo e VrrAL MOREIRA, Constituição. .., cit., pâg. 782; JoÃo CAU-PERS, A Administração. .., cit., págs. 210 e segs.; FREITAS 00 AMARAL, op. cit. .págs. 413e segs.; VITAL MOREIRA, Auto-regulação profissional e administração pública, Coim-bra, 1997, maxime págs. 257 e segs.15- Manual de Direito C"nstitucional. III226 Manual de Direito Constitucionalconfina ou os órgãos das freguesias nelas deleguem, as organizaçõesde moradores (arts. 248.0 e 265.0, n.O 2).Às autarquias locais (e, de certa forma, às organizações de mora-dores) correspondem interesses públicos de estrutura semelhante à dosinteresses radicados no Estado. Nas universidades e nas associaçõespúblicas avultam, ao invés, interesses sociais diferenciados e entrela-çam-se descentralização e pluralismo social (I) Em qualquer caso, dá-seo reconhecimento de vontades próprias suportes de auto-administração.Ao contrário da Administração indirecta -a qual reflectesobretudo exigências de racionalização -a Administração autó-noma vincula-se, a uma relativa capacidade de autodeterminaçãoou de orientação político-administrativa. Donde a sua conexãocom o princípio democrático: os corpos da administração autónomasão dirigidos por representantes da própria comunidade cujos inte-resses específicos constituem objectos de auto-determinações (2).As pessoas colectivas aí integradas podem pois, prosseguir ointeresse público de forma distinta ou segundo critérios diferentesdos adoptados pelo Governo (3) (4); os titulares dos seus órgãos-quando entrem no contraditório político -podem pertencer aforças diversas ou de oposição às que detêm o poder central; eeste não pode invocar razões de oportunidade ou de conveniênciapara inflectir tal orientação ou para afectar qualquer acto praticadopor essas pessoas colectivas; só pode fazê-Io em nome do cumpri-mento da lei (que é, conforme corrobora o art. 266.0, tanto a lei ordi-nária quanto a lei constitucional).(1) Para maior desenvolvimento, v. parecer n.o 2/78 da Comissão Constitu-

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cional, de 5 de Janeiro de 1978, in Pareceres. IV, pâgs. 164 e segs. e 173; e As asso-ciaçÕes públicas cit., pâg. 26 (onde falamos em auto-administração pública de inte-resses sociais específicos compenetrados com interesses públicos).(2) VITAL MOREIRA,Administração autónoma cit., pâgs. 172 e segs. (quefala mesmo em autogovemo).(3) Cfr., por exemplo, M. S. GIANNINI, Autonomia. cit., loc. cit.. pâg. 225;JoÃo BAPTISTA MACHAOO, op. cit., pâg. 15; SÉRVULO CORREIA, op. cit.. pâg. 145.-(4) Neste sentido se escreve ainda que a descentralização é não só jurídicamas também política (FREITAS 00 AMARAL, op. cit., I, pâg. 423). Cfr. CASALTANABAIS, A autonomia local (alguns aspectos gerais), Coimbra, 1990, págs. 33 e 82e segs.Parte II/ -Estrutura Constitucional do Estado 227III -Não entram, entretanto, na administração autónoma sobtutela do Governo:a) Por virtude do princípio democrático representativo (arts. 2.0,3.0, 10.0, n.O 1, etc.), a administração eleitoral (art. 113.0, n.O 4);b) Por imposição do princípio da separação dos órgãos desoberania (art. 111.0), a administração acessória de outros órgãosconstitucionais, designadamente da Assembleia da República(art. 181.0) (I) e do Presidente da República (Lei n.O 7/96, de 29de Fevereiro);c) Por decorrência da autonomia político-administrativa regio-nal (arts. 6.0, n.O 2, e 227.0), a administração das regiões autónomas,subordinada ao poder executivo próprio destas [art. 227.0, n.O 1, alí- 4neas m) e 0));d) Por directa imposição de específicas normas constitucio-nais, ou à luz de certas exigências de garantia, alguns órgãos, comoa Alta Autoridade para a Comunicação Social (art. 39.0), o ConselhoSuperior da Magistratura (arts. 217.0 e 218.0), a Procuradoria-Geralda República (art. 220.0), e o Conselho Superior de Defesa Nacional(art. 274.0, n.O 2, in fine) -ditos órgãos ou entidades independentesda Administração (art. 267.0, n.O 3) r);e) Por necessidade de flexibilização, embora com limites derazoabilidade e até de constitucionalidade, a administração pública sobforma jurídico-privadas (sob forma de fundação e sob forma de socie-dade de capitais total ou maioritariamente pública), que tem vindo aalargar-se nos últimos tempos (3).Observa-se que a administração acessória de órgãos de soberaniae a administração independente traduzem um princípio de centralização(1) Cfr. acóroão n.o 205/87 do Tribunal Constitucional, de 17 de Junho de 1987,in Diário da República, I.. série, n.O 150, de 3 de Julho de 1987, pâg. 2609.(2) v. JORGE MIRANDA, Sobre a Comissão Nacional de Eleições, in O Direito,1992, pâgs. 335 e 334, e Manual. .., v, cit., pâgs. 37 e segs.; FREITAS DO AMARAL,Curso..., op. cit., pâgs. 300 e segs.; PAULO OrERO, O poder..., cit., pâgs. 578 e 722e segs.; cit., VITAL MOREIRA, Administração. .., cit., pâgs. 126 e segs.(3) Cfr. MARIA JoÃO EsTORNINHO, A fuga para o direito privado -Contributopara o estudo da actividade de direito privado de Administração Pública, Coimbra,

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1996, maxime pâgs. 47 e segs.228 Manual de Direito Constitucional(OS órgãos ou entidades independentes da administração são inde-pendentes apenas em relação ao Governo ); e que, pelo contrário, aadministração sob forma jurídico-privadas é uma administração des-centralizada, materialmente mais próxima da administração indirecta,mas perante a qual não parece fácil definir os poderes do Governo.Como quer que seja, todos estes tipos de administração não dei-xam de estar submetidos ao controlo contencioso dos tribunais admi-nistrativos (arts. 212.0 e 268.0, n.O 4) e ao jurídico-financeiro do Tri-bunal de Contas ( art. 214.0) e os da administração acessória deórgãos de soberania, da administração independente e da administraçãosob formas jurídico-privadas também à fiscalização da Assembleia daRepública [art. 162.0, alínea a)].58. Descentralização territorial e poder localI -São de diversa natureza a descentralização territorial e ahabitualmente chamada descentralização institucional ou funcional ( 1 ),e inconfundíveis os respectivos regimes jurídicos.A descentralização territonal decorre da existência de comunidadesdefinidas em razão de certo território (2); a descentralização institu-cional de funções ou instituições a que se atribui relevância a se.A primeira dá satisfação a finalidades (imediatamente políticas) deautonomia -já que "a organização democrática do Estado com-preende a existência de autarquias locais" (art. 235.0); a segunda aoobjectivo de "evitar a burocratização, aproximar os serviços daspopulações e assegurar a participação dos interessados na sua gestãoefectiva" (art. 267.0, n.O 1 ).Por isso, as atribuições regionais e locais são definidas atravésde cláusulas gerais: "a autonomia das regiões visa... a promoção e a(I) Cfr., por exemplo, AFONSO QUEIRá, A Descentralização Administrativa"sub specie iuris", Coimbra, 1974; parecer n.o 3182 da Comissão Constitucional,cit., loc. cit., pâgs. 147-148; JoÃo BAJYrISTA MACHADO, Participação e Descentra-lização, cit., pâgs. 8 e segs.; CASALTA NABAIS; Op. cit.. pâgs. 76 e segs.; VITALMOREIRA, Administração..., cit., pâgs. 167 e segs. e 244 e segs.(2) Daí falar-se em pessoas colectivas de população e território, tal como oEstado: MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, I, cit., pâg. 185.Parte III ~ Estrutura Constitucional do Estado 229defesa dos interesses regionais" (art.. 225.0, n.O 2); "as autarquiaslocais são... dotadas de órgãos representativos que visam a prossecuçãode interesses próprios das populações respectivas" (art. 235;0, n.O 2).O princípio da especialidade não está ausente, na medida em que seentenda que as atribuições se recortam a partir da sua localização; nãoobstante, não menos sobressai o contraste com o modo como sãodefinidas as atribuições dos demais entes descentralizados.As regiões autónomas e as autarquias locais são as únicas pessoascolectivas de direito público, como tal declaradas pela Constituição(arts. 221.0, n.O 1, e 235.0, n.O 2) (I) (2); são as únicas que, com oEstado, têm o domínio público (art. 84.0, n.O 2); e são as únicas que,afora o Estado e as universidades públicas (art. 76.0, n.O 1) (3), rece-bem directamente da Constituição poder normativo -poder legisla-tivo e regulamentar as regiões autónomas [art. 227.0, n.O 1, alíneas

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a)a d), i), p) e q)], poder regulamentar as autarquias locais (art. 241.0,como já se viu) (4). As receitas tributárias são constitucionalmenterepartidas entre o Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais[arts. 103.0, 227.0, n.O 1, alínea i), 238.0, n.os 2 e 3, e 254.0].As autarquias locais são as únicas pessoas colectivas da Admi-nistração autónoma apenas submetidas a tutela de legalidade, e nãotambém a tutela de mérito (art. 242.0) (5). A lei ordinária poderár) Estes preceitos (o primeiro só após 1997) falam em "pessoas colectivas ter-ritoriais", mas é óbvio que tal implica personalidade de direito público.r) E, conjuntamente com as universidades (art. 76.0), as empresas públicas(art. 165.0, n.O 1, alínea x)] e as associações públicas (arts. 165.0, n.O 1, alínea u),1e 267.0, n.Os 1 e 4], as únicas entidades públicas para além do Estado nominatiYa-mente indicadas na Constituição.(3) O art. 76.", n.O 2, confere às universidades autonomia estatutária; logo,por maioria de razão hão-de usufruir de poder regulamentar.(4) Além de receberem directamente da Lei Fundamental representação noConselho Económico e Social (art. 92.0, n.O 2).(5) Sobre o sentido da tutela das autarquias locais, cfr. JoÃo BAPTISTAMACHADO, op. cit., págs. 16 e segs.; SÉRVULO CORREIA, Nocões..., cit., pág. 201;VIEIRA DE ANDRADE, Autonomia..., cit., pág. 27; CASALTA NABAIS, op. cit., págs. 65e segs.; GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., pág. 893; ANTÓNIO CÂNDIDODE OLIVEIRA, op. cit., págs. 299 e segs.; e também acórdão do Supremo TribunalAdministrativo de 14 de Janeiro de 1988, in Acórdãos Doutrinais, n.O 324, 1988,págs. 1514 e segs.230 Manual de Direito Constitucionalestabelecer regimes semelhantes, ou até (quiçá) mais favoráveis, paraoutras pessoas colectivas públicas; não está obrigada a estabelecê-los.Enfim, e não pouco significativo, a autonomia das autarquiaslocais e a autonomia político-administrativa dos Açores e da Madeirasão limites materiais de revisão constitucional [art. 288.0, alíneas n)e o)] (I) -embora não a descentralização administrativa em geral.E isso implica tanto a existência de autarquias locais como a própriasubsistência das autarquias concretamente existentes -os municípiose as freguesias (2) (3).II -Inserindo o poder local no âmbito do poder político, aLeiFundamental de 1976 pretende impregná-lo de um relevo mais rico emais sólidQdo que aquele que tinham tido em qualquer momento dopassado as autarquias locais (4). Estas são deslocadas da mera instânciaadministrativa para a instância política e para a directa subordinação aosprincípios e preceitos constitucionais. E o poder político como queassume uma feição tripartida, de limitação recíproca e colaboração (5).São, assim, formulados conjuntamente para o Estado, as regiõesautónomas e o poder local o princípio da conformidade dos actosjurídico-públicos com a Constituição (art. 3.0, n.O 3), o princípio elec-

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tivo (arts. 10.0, n.O I, e 113.0, n.O 1) e em geral todos os princípios deDireito eleitoral (art. 113.0, n.os 2 e segs.), o princípio da competên-cia (art. 111.0, n.O 2), o princípio da colegialidade (art. 116.0, n.O 1),o princípio da responsabilidade política, civil e criminal dos titularesde cargos políticos (art. 117.0) e o princípio da renovação dos mes-mos titulares (art. 118.0).(I) Cfr. Manual..., II, cit., págs. 190 e segs. e autores citados.(2) Já entendíamos assim antes de 1997. O novo art. 256." não viola limitesmateriais de revisão constitucional.(3) Diferentemente, ANTÓNIO CÂNDIDO DE OLIVEIRA, op. cit., págs. 252-253.(4) Todavia. já no século XIX.. havia quem falasse em "poder municipal".como um quarto poder a acrescentar aos três poderes de MONTESQUIEU: assim, logonas primeiras Cortes Constituintes, mas sem êxito (v. PAULO OTERO, op. cit., loc. cit.,págs. 237 e segs.).(5) Cfr. CARLO EsPOSlTO, op. cit.. loc. cit., págs. 82 e segs.; ou GOMES CANO-TILHO, "Espaços de política" e "espaços de competências" nas novas abordagens do"local", Figueira da Foz, 1988, págs. 10 e segs.'.~11 Parte 111- Estrutura Constitucional do Estado 23Idêntica aproximação vai deparar-se noutros preceitos e institutos:, a) O dualismo de órgãos assembleia-órgão colegial executivo..perante ela responsável [arts. 163.0, alíneas d) e e), 187.0 e segs.,231.0 e 239.0];1;1 b) A atribuição aos partidos representados na Assembleia da~ República, nas assembleias legislativas regionais e nas assembleias dasautarquias locais do direito de informação, regular e directamente, peloGoverno, pelos Governos regionais ou pelos executivos locais, res-pectivamente, sobre o andamento dos principais assuntos de inte-resse público ( art. 114.0, n.O 3 );, c) A previsão de referendo nacional de referendo regional e dereferendo .1ocal (arts. 115.0,232.0, n.O 2, e 240.0), todos dependentesde fiscalização preventiva da constitucional idade e da legalidade peloTribunal Constitucional [art. 223.0, n.O 1, alínea 1)];d) A extensão aos funcionários e agentes das autarquias locaisdo regime dos funcionários e agentes do Estado (art. 243.0, n.O 2);e) A reserva absoluta de competência legislativa da Assem-bleia da República sobre a eleição e sobre estatuto dos titulares dosórgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local, bemcomo sobre referendo nacional, regional e local [arts. 161.0, alínea b ),e 164.0, alíneas a), b), j) e I)];1) A reserva absoluta de competência legislativa da Assem-bleia da República sobre regime geral de elaboração e organização dosorçamentos do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais[art. 164.0, alínea r)];g) A forma procedimental de lei orgânica quanto às leis regu-~ ladoras das eleições dos titulares dos órgãos de soberania, das regiõesautónomas e do poder local e quanto aos referendos (art. 166.0, n.O

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2),inc)uindo, designadamente, veto qualificado do Presidente da Repú-II blica (art. 136.0, n.O 3).O relevo concedido pela Constituição às autarquias locais exibe-seainda na reserva absoluta de competência legislativa do Parlamentoacerca do regime de criação, extinção e modificação territorial dasautarquias locais [art. 164.0, alínea n)] (I) e na reserva relativa acerca(1) A criação, a modíficação e a extinção em concreto de autarquias locaiscabem 'TI:o Continente à Assembleia da República (Leis n.OS I 1/82, 142/85, 8/93232 Manual de Direito Constitucionalde estatuto das autarquias locais ()), incluindo regime das finançaslocais [art. 165.0, n.O I, alínea s)].59. Conteúdo da descentralização local autárquicaI -A cláusula geral (2) do art. 235.0, n.O 2, da Constituição-e que o art. 2.0 da lei das autarquias locais (hoje Decreto-Lein.O 100/84, de 29 de Março) reproduz quase ipsis verbis (3) -envolve um alcance reforçado.Mais do que uma garantia institucional da existência de autarquiaslocais, envolve a garantia da prossecução dos interesses locais pelasautarquias locais, a regra da correspondência (embora não exclusiva)entre descentralização territorial e poder local. Mais do que em des-centralização administrativa justifica-se falar em descentralizaçãoautárquica.Não são as autarquias locais, necessariamente, as únicas entidadescolectivas, personalizadas ou não, cuja acção se delimita segundo ofactor territorial. A Constituição prevê, desde logo, como se sabe,associações de freguesias (art. 247.0) associações e federações demunicípios (art. 253.0) e organizações de moradores (arts. 263.0e segs.), e não impede que, por lei, surjam outras (4); o que veda éque para elas sejam transferidas tantas e tais atribuições que esvaziemde sentido as atribuições das autarquias locais.Se não fosse assim, se o Estado pudesse criar institutos públicose 56/91, respectivamente de 2 de Junho, de 18 de Novembro, de 5 de Março ede 13 de Agosto) e nas regiões autónomas às respectivas Assembleias Legislativas[arts. 229.0, n.O I, alinea j), e 234.0, n.O I, da Constituição].(I) Sobre o que seja estatuto das autarquias locais, cfr. ANTÓNIO CÂNDIDO DEOLIVEIRA, op. cit., págs. 240 e segs.(2) Ou principio da universalidade dos interesses próprios das autarquiaslocais (GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., pág. 883). Cfr. LUiS MORELLOcANA, op. cit., loc. cit., pág. 345.(3) O art. 235.0, n.O 2, alude a "interesses próprios", e o art. 2.0, n.O I, da leia "interesses prôprios, comuns e especificos das populações respectivas". O adita-mento parece redundante.(4) Como são as regiões de turismo (Decreto-Lei n.O 327/82, de 16 de Agosto)e como foram as casas do povo até há pouco (até ao Decreto-Lei n.O 246/90, de 27de Julho).i I Parte 111- Estrutura Constitucional do Estado 233~ou associações públicas sem limite e cometer-lhes quaisquer atribuições" de âmbito local, poderia haver ainda descentralização, mas estar-se-ia4 frustrando a razão de ser do poder local. A descentralização

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territorialdeve operar em beneficio das autarquias locais e não, salvo casos con-~ tados, através de outras pessoas colectivas. Por regra, aquilo que é local~ (na medida em que seja local) deve caber às autarquias locais.II -A ideia de descentralização local não é, contudo, um prin-& cípio absoluto e único (não há princípios constitucionais absolutos eúnicos afora o princípio da dignidade da pessoa humana); tem deser entendida em conjugação com outros postulados. O própriomodo como vem declarada é elucidativo.O Estado continua unitário e é neste contexto que têm de ser com-preendidas tanto a autonomia político-administrativa insular e a autonomialocal quanto o princípio da subsidiariedade (art. 6.0 da Constituição,de novo) -tal como o sistema de segurança social é descentralizado,mas unificado (art. 63.0, n.O 2); o serviço nacional de saúde tem gestãodescentralizada, mas é nacional (art. 64.0, n.O 4); as universidades gozamde autonomia nos termos da lei (art. 76.0, n.O 2); e, em geral, a des-centralização e a desconcentração administrativa não afectam a neces-sária eficácia e unidade de acção da Administração (art. 267.0, n.O 2).Não estão aqui em causa somente limites orgânico- formais dedescentralização. Estão igualmente em causa -e será, porventura,isso que mais avulta na perspectiva das autarquias locais -princí-pios materiais, princípios constitucionais ligados à natureza do Estadode Direito democrático (art. 2.0) e às "tarefas fundamentais do Estado"(. (art. 9.0). A descentralização, que não é um fim em si mesma, nãopode sobrepor-se aos fundamentos e aos fins assumidos pela Cons-tituição e qualificativos do regime político..? Impõe-se, por conseguinte, ao legislador uma harmonização ouconcordância prática entre o princípio da descentralização e o prin-cípio da unidade de acção na prossecução do interesse público, demodo a conseguir um equilíbrio eficiente entre os interesses e pode-res em presença (I).(I) VIEIRA DE ANDRADE, Distribuição cit., pág. 20. V., também, JosÉ MIGUFLSARDINHA, op. cit.. págs. 64 e 71 e segs.234 Manual de Direito ConstitucionalIII -Curiosamente, não é no título da Constituição consagradoao poder local, mas sim no título dos direitos económicos, sociais eculturais e no dos princípios gerais da organização económica que seencontram preceitos constitucionais que apontam formas directas eindirectas (ou explícitas e implícitas) de interferência das autarquiaslocais em grandes áreas de actividade Da satisfação de necessidadescolectivas. ,Verifica-se isso no art. 65.0, n.O 2, alínea d), sobre constru~o dehabitações; no art. 65.0, n.O 4, sobre ocupação, uso e transfotmáçãode solos urbanos; no art. 70.0, n.O 3, sobre organizações de juventudç;no art. 73.0, n.O 3, sobre fruição e criação cultí.ri:"al (I); no art. 84.0, n.O(já citado), sobre domínio público; e no art. 92.0, n.O 3, sobre planode desenvolvimento económico social.De todo o modo, nestas áreas e naqueloutras que alei venha abrir ao poder local não se depara ou não se depara sempr ,pela natureza das coisas, uma reserva absoluta de atribuições o

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poder local. Poderá haver, aqui e ali, interesses locais exclusi osou predominantes, más será mais frequente a confluência de jilte-resses locais e interesses nacionais ( ou, nos Açores e na Madeira,de interesses locais e regionais ou de interesses locais, regIonais enacionais) (2). De resto, mais do que nas normas há,.de ser narealidade constitucional que terá de se fazer a destrinça de círcu-los de interesses e, na nossa época, ela revela-s extremamentevolátil. ,Por certo, a confusão de interes locais e nacionais ou aabso:ção sistemátlc~-i>fi .pelos. se?u.ndos infringiria~manifes~i Fundamental. Os pnnclplos da descentrall-zação e de subsidiariedade acenam para o máximo possível deactividade das autarquias locais, a partir da consideração dos inte-resses próprios das populações respectivas. Entretanto, nada jus-(1) Tanto o art. 70.0, n.O 3.. como o art. 73.0, n.O 3, apelam apenas à colabo-ração do Estado com as organizações de moradores para a consecução daquelesobjectivos, mas como estas organizações entroncam na freguesia (arts. 248." e 265.",n.o 2), indirectamente esses preceitos reportam-se ao poder local.(2) Cfr. o parecer n.O 3/82 da Comissão Constitucional, cit., loc. cit., pág. 152;ou o art. 2.0, n.o 1, da Carta Europeia da Autonomia local.'I.'kt~-~~~~~~tificaria a contraposição, a compartimentação a priori ou a irrele-vância dos interesses nacionais a pretexto da relevância dos inte-resses locais (I).Assim como reconhecida e coexistência de uns e outros, nada jus-tificaria a recusa de cooperação entre o Estado e as autarquias locaisna sua prossecução (2) OU a recusa de cooperação entre autarquias domesmo ou de diverso grau r). Nada a justificaria -nem a admi-tiriam as exigências da vida e a integração do poder central e dopoder local no âmbito de um mesmo poder político.IV -Apesar da clâusula geral do art. 2~5.o, n.o 2, o princípioda descentralização não é de aplicaçã~ta,rtão(unciona sem lei.Não hâ atribuições locais por natureza (4). O art. 237~? requer umainterpositio legislatoris (5) (6), O que bem se compreende;'Por aquiloque acaba de ser sublinhado; por si só serve tão somente\{e não épouco) de critério de interpretação e integração. \\Isto não significa, porém, que o legislador goze aí de plenaliberdade. Bem pelo contrârio, o legislador terâ de respeitar o Con-teúdo essencial da autonomia enquanto limite absoluto; não p~eofender o núcleo fundamental de garantia, o espaço de maior inteq-sidade valorativa que dâ carâcter à autarquia local (1). Se o desre~peitar, ocorrerâ desvio de poder (8). ct~,~.I' --j (I) Cfr., ainda antes de 1997, CASALTA NABAIS, op. cit.. pág. 57.(2) Neste sentido, o acórdão n.O 432/93 do Tribunal Constitucional, dede Julho de 1993 (in Diário da República. 2.. série, n.O 193. de 18 de Ago tode 1993): as matérias de ambiente e urbanização interessam também ao Estad , e,por isso, justifica-se a interdependência da sua acção e da acção das auta uias: locais. V. também acórdão n.O 379/96, de 6 de Março de 1996, in Diário da/Repú-blica. 2.. série, n.O 162, de 15 de Julho de 1996, ou acórdão n.O 548/97, de 1 d~Outu-bro de 1997, ibidem. 2.. série, n.o 279, de 3 de Fevereiro de 1997. ;

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(3) Cfr. FERNANDO ALVES CORREIA, Formas jurídica de cooperação i termu-nicipal. Coimbra, 1986.(4) Diversamente, FREITAS DO AMARAL, op. cit.. pág. 477.(5) E também o art. 4.0 da Carta Europeia de Autonomia Local.(6) Daí a especificação ou enumeração de atribuições do art. 2.0 da lei dasautarquias locais.r) VIEIRA DE ANDRADE, Distribuição..., cit., pág. 20. Cfr., na mesm linha,NUNO PIÇARRA, A reserva de Administração, in O Direito. 1990, pág. 56; GOMES236 Manual de Direito ConstitucionalAfora isso, o princípio da descentralização não encerra um domí-nio predeterminado ou uma extensão definida de uma vez portodas (I). O legislador moldará a autonomia -observado essecon-teúdo essencial -à luz das suas opções políticas, dentro da alter-nância propiciada pela democracia pluralista e tendo em conta asvariações das conjunturas económicas e sociais. Moldá-la-á quer notocante ao elenco de atribuições específicas das diversas categorias deautarquias quer no tocante aos modos de colaboração entre elas eentre elas e o Estado. ,E poderá o legislador diminuir as atribuições das autarquiaslocais, retirar atribuições depois de lhas ter concedido? Será aplicávelaqui um princípio do não retorno (2)?Há quem entenda que O legislador não pode voltar atrás; que sóé possível, à face da Constituição, que as atribuições não essenciaisdo Estado vão sendo, cada vez em maior número, transferidas paraos municípios (3). É tese excessiva. Relativamente~~direitos fun-damentais -enunciados e definidos na Constitui -o, um a~m, e nãona base de uma só cláusula ger -a regra do não retorno ~z sen-tido. Já hão relativamente à rganização do poder político, e~ queprevalecem elementos objr6tivos: conferir mais ou menos atr~ui-ções às autarquias locais é!,\ uma questão de divisão de poder, qut( alei -fundada na legitimidMe democrática -poderá equacionarmodos diferentes em sucessivos momentos.CANOTILHO, Direito Constitucional. o ., cit., págs. 339-340; doutro prisma, ANTÓNCÂNDIDO DE OLIVEIRA, op. cit., págs. 177 e segs., maxime 195-196; e no es n-geiro, por exemplo, CHRISTIAN STARCK, op. cit., loc. cit., pág. 98.(8) Sobre este conceito, v. Manual..., II, cit., págs. 344 e segs. e a ores citados.(I) Neste sentido, sob diferentes prismas, MARCELO REBELO D OUSA, opo cito,loc. cit., pág. 30; CASALTA NABAIS, opo cit., pág. 69; GOME NOTILHO e VITALMOREIRA, op. cit., pág. 887.(2) V. Manual..., II, cit., págs. 251-252.(3) FREITAS DO AMARAL, op. cit., págs. 728 e 729; SÉRVULO CORREIA e JORGEBACELAR GOUVEIA, Direito do Ordenamento do Território e Constituição, Lisboa,1998, pág. 139; mais mitigadamente, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, opo cito.pág. 887. Contra, RUI MACHETE, op. cit., loc. cit., págs. 567-568.Parte III -Estrutura Constituciona/do Estado 237CAPÍTULO VO TERRITÓRIO DO ESTADO60. O território, condição de existência do EstadoI -O teITÍtório é o espaço jurídico próprio do Estado, o que sig-nifiea que:a) Só existe poder do Estado quando ele consegue impor a

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sua autoridade, em nome próprio, sobre certo território;h) A atribuição de personalidade jurídica internacional aoEstado ou o seu reconhecimento por outros Estados depende da efec-tividade desse poder;c) Os órgãos do Estado encontram-se sempre sediados, salvoem situação de necessidade, no seu território;d) No seu território cada Estado tem o direito de excluir pode-res concorrentes de outros Estados (ou de preferir a eles);e) ;~ No seu território, cada Estado só pode admitir o exercíciode poderes doutro Estado sobre quaisquer pessoas com a sua autori-zação;1) ( Os cidadãos só podem beneficiar da plenitude de protecçãodos seus direitos pelo respectivo Estado no território deste.Isto não prejudica a opinião atrás expendida de que o territó-rio não é elemento essencial do Estado, mas tão-somente condi-ção de existência do Estado. O território não faz parte da comu-nidade estadual, nem do seu poder ou organização. É, sim,factor de identificação e integração da comunidade, objec.to dopoder do Estado e limite da sua autoridade em face dos .restantesEstados.Nem é o território que define o âmbito de validade do Direitopf' io do Estado. A sua específica relevância não exclui o já refe-rido po ulado da personalidade das leis e, muito menos, o plura-lismo de o enamentos jurídicos.II -Como verifica, o território tem de ser encarado quer naperspectiva do Direi interno quer -ainda mais que a cidadania -238 Manual de Direito Constitucionalna perspectiva do Direito internacional (que também apenas mencio-naremos de relance) (I) (2).Somente no interior das suas fronteiras, o Estado exerce emplenitude o seu poder e nenhum Estado renuncia à faculdade dedeclarar qual o território que considera seu e de estabelecer as par-celas que o compõem. Mas a fixação dessas mesmas fronteiras cabea normas de Direito internacional convencional (sem embargo denão poucas situações de facto à sua margem).III -A configuração e a dimensão do território de qualquerEstado em concreto projectam-se, mais ou menos directa e intensa-mente, na sua forma política.(I) Sobre o tenitórlo em Direito constitucional, v. JELLlNEK, op. cit.. págs. 130e 295 e segs.; JosÉ TAVARES, Ciência do Direito Político, cit., págs. 257 e segs.;ROCHA SARAIVA, C;onstrução jurídica..., cit., ", págs. 30 e segs.; SMEND, op. cit.,págs. 103 e segs.; HELLER,Op. cit... págs. 166 e segs., 245, 265 e 281 e segs.; SANTIROMANO, Principii..., cit., págs. 50-51, 52, 53 e 78 e segs., e Osservazioni nella naturagiuridica dei territorio deito Stato, in Scritti Minori..., 1, Milão, 1950, págs. 167e segs.; CARLO CERETTI, Costituzione e territorio, in Scritti in memoria di \1: E.Orlando, obra colectiva, 1, Milão, 1957, págs. 397 e segs.; COSTANTINO MORTATI, Isti-tuzioni.." cit., I, págs. 130 e segs.; VEZIO CRISARJLLI, Lezioni..., cit., I, págs. 73 e segs.;MARCELLO CAETANO, Direito Constitucional, cit., 1, págs. 162 e segs.; GIUSEPPECHIARELLI, Territorio deito Stato, in Novissimo Digesto Italiano, XIX; 1977, págs. 196e segs.; MARTIN KRIELLE, Op. cit., págs. 123 esegs.; TEMISTOCLE MARTINES, DirittoCostitu.zionale, cit.,.. págs. 153 e segs.; FRANCO FARDELLA, op. cit., págs. 134 e segs.e 150 e segs.; GIORGIO LOMBARDI, Spazio e Irontiera tra eguaglianza e privilegio:

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problemi costituziorÍali Ira storia e diritto, in Diritto e Società, 1985, págs. 47 e segs.;THOMAS FLEINER-GERSTER, op. cit., págs. 165 e segs.; BISCARETTI 01 RUFFIA, Terri-torio, i'n EnCiclopedia dei Diritto, XLIV, págs. 333 e segs.(2) Sobre o território em Direito internacional, v. KELSEN, Théorie du DroitInternational Public, cit., loc. cit., págs. 204 e segs.; ALFRED VERDROSS, Op. cit.,págs. 202 e segs.; BRIERLY, Direito Internacional, trad., Lisboa, 1965, págs. 159 e segs.;MARQUES GUEDES, Território..., in Verbo, XV", pág. 1428; MANUEL DIEZ DE VELASCO,Op. cit., 1, págs. 256 e segs.; CELSO DE ALBUQUERQUE MELLO, Op. cit., I, págs. 717e segs.; NGUYEN QUOC DINH, Op. cit., págs. 376 e segs.; AzEVEDO SOARES, op. cit.,págs. 219 e segs.; IAN BROWNLIE, op. cit., págs. 107 e segs.; MALCON N. SHAW,International Law, 3.. ed., Cambridge, 1991, págs. 276 e segs.; FRANCISCO RESEK,Direito Internacional Público, cit." págs. 163 e segs.; SILVA CUNHA, Direito Interna-cional Público (A Sociedade Internacional), 4.. ed., Lisboa, 1993, págs. 207 e segs.;JEAN COMBACAU e SERGE SuR, op. cit., págs. 417 e segs.Parte 111- Estrutura Constitucional do Estado 239A história mostra como a República Romana não sobreviveumuito tempo à conquista de um vasto império para além da Itália (I);como, em contrapartida, as características de pequenas terras de mon-tanha constituíram um dos factores de criação da Confederação Hel-v ética; como para o Ancien Régime não foi indiferente a evolução dacomposição do território (2); como, na época moderna, uma largaextensão ou a descontiguidade geográfica têm contribuído para aadopção de estruturas federativas ou de descentralização política; ouainda, como os espaços económicos se reflectem em diferentes for-mas de organização política-administrativa do território, a nível internoe a nível internacional (3) (4).61. O território e o Direito do EstadoI -Se o ordenamento jurídico estatal parece regular, antes demais, factos que ocorrem dentro do território, ele não esgota aí asua validade e eficácia. Criado em função das pessoas que com-pÕem a comunidade política -os cidadãos -aplica-se-lhes, oupode aplicar-se-lhes, onde quer que se encontrem (5).Sucede isto com a lei civil e com a lei constitucional, com aleitributária e até com a lei penal (6). E há mesmo regras jurídicas(1) Assim, 01T0 HINTZE, op. cit., págs. 14 e segs.(2) Cfr. ANTÔNIO MANUEL HESPANHA, L'espace politique dans l'ancien régime,in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. LVIII, 1982,págs. 455 e segs.(3) Cfr. FRANCESCO D'ONOFRIO, Ordinamento territoriale, in Enciclopediadei Diritto. xxx.. 1980, págs. 937 e segs.(4) Cfr. JoÃo CAUPERS, op. cit.. págs. 165 e segs.(5) Sobre a aplicação das leis no espaço em geral, cfr., por todos, OLIVEIRAASCENSÃO, O Direito -Introdução e Teoria Geral, 10." ed., Lisboa, 1997, págs. 573e segs.(6) A lei penal portuguesa é aplicável a determinadas categorias de crimes pra-ticados no estrangeiro (designadam_en!e contra a segurança que o Estado), a crimes

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cometidos contra portuguese$/6 a crimê~ o Estado português se tenha obrigado,/ ,por tratado intervencional,á punir (art. 5.0 do Gódigo Penal) -quando o agente nãotenha sido julgado no país da prática do facto ou'quando o agente se haja subtraídoao cumprimento total !ou parcial da condenação (a~ 6.0). Cfr. JULIEN SCHU1fE,O Direito Internaciorl Público e a competência extrat~orial em matéria penal./ ""'// ""'240 Manual de Direito Constitucionalestaduais editadas justamente tendo em vista a sua aplicação noestrangeiro ou por causa de situações ou relações que decorram noestrangeiro (I).II -De igual modo, a consideração do papel do território doEstado não exclui o carácter positivo de outros Direitos, estaduais ounão, com as quais tem, portanto, o Direito do Estado de estabelecerrelações intersistemáticas (2).O pluralismo das ordens jurídicas evidencia-se na observaçãoda realidade. Em Portugal, por exemplo, aplicam-se, como tais, nãoapenas o Direito português (Direito legislado pelo Estado português,e Direito regional, municipal e doutras entidades ou sociedades subor-dinadas ao Estado) mas também o Direito internacional (Direito dacomunidade internacional), o Direito canónico (Direito da IgrejaCatólica) -este não adstrito a nenhuma base territorial -e leisou algumas leis, de outros Estados (mercê de normas de remissão ourecepção, designadamente de recepção formal) (3) (4).orno escreve utor, a doutrina clássica (que remonta a Savigny)pronunciou-se decididarn e a favor da territorialidade das normas deDireito público, entendida esta sentido de que cada Estado aplicava taisnormas indistintamente no seu te .tório a nacionais e estrangeiros, inde-cinRevista de Ciências Criminais. 1993, pá s. II e segs.; ou Luís BARRETO XAVIER,Âmbito espacial de aplicação da lei pena portuguesa, in Direito e J ustiça, 1997,págs. 49 e segs. /(I) Quanto a nonnas constitucio is, v. Manual. .., ", cit., págs. 301 e segs.(2) Sobre as relações de remis o entre sistemas jurídicos, DIAS MARQUES,Introdução ao Estudo do Direito, 4.. ed., Lisboa, 1972, págs. 372 e segs.(3) As regras de conflitos (d Direito internacional privado) pennitem tantoa aplicação de nonnas de Direito aterial português no estrangeiro como a aplica-ção de nonnas de Direito materia estrangeiro em Portugal.(4) Cfr. BALLAOORE PALLIER , op. cit., págs. 89 e segs.; NORBERTO BOBBIO, Teo-ria dell' ordinamento giuridico, rim, 1960, págs. 185 e segs.; FRANÇOIS RJGAUX,Le pluralisme juridiqut: face au rincipe de réalité, in Estudios de Derecho Inter-nacional- Homenaje al Profesor Miaja de Ia Muela, obra colectiva, I, Madrid, 1979,págs. 291 e segs., maxime 295 e segs.; PIERRE MAYER, Le rôle du droit public endroit international privé, in Revu international de droit comparé,

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1986, págs. 467e segs.I,,''"Parte III-Estrutura Constitucional do Estado 241pendentemente do que determinasse, quanto a estes últimos, a respectiva leido domicílio enquanto lei reguladora do estatuto pessoal.A ideia da não aplicação do Direito público estrangeiro está hoje aban-donada, com base na contestação ou no esbatimento da diferença entreDireito público e Direito privado, na necessidade de incrementar a coope-ração internacional e na indispensabilidade de incrementar a harmonia inter-nacional de soluções também no âmbito de matérias de Direito público(o que não significa que não haja graves problemas, como o da qualifica-ção das regras de Direito público estrangeiro e o da sua autolimitação espa-cial) (I).Mais ainda: se o poder do Estado sobre o território implica quetoda a pessoa que aí se encontra está, nos limites do Direito inter-nacional, sujeita à sua autoridade (2), isso não impede que possa serexercida dentro do território uma autoridade que não derive do prÓ-prio Estado (3), desde que se trate de uma autoridade não estadual.É o que sucede com a autoridade da família e com a das Igrejas, as~rto, em coordenação com a autoridade estadual,~uns planos, e em sub~ão, noutros, mas nunca por mera deri-vação da vontade do Estado. ~III -O princípio da territorialida~as leis -enquanto prin-'..cípio geral, não enquanto critério desta ou ~ela norma -deve~entender-se como concernente à execução autorit~ou coerciva,aos modos de garantia da efectividade das normas. ~'.."A territorialidade das leis significa que as normas da ordernjurí-dica de um Estado ou as que ele receba só podem ser execut~as,como tais, no território do mesmo Estado. E a sujeição das pess~sà autoridade do Estado depende, em cada caso, do modo que a exe~\cução deva revestir; o que importa, para que exista, é que se verifi-que uma conexão tal com o território (presença física, titularidade de(I) MARQUES DOS SANTOS, As normas de aplicação imediata no Direito Inter-nacional Privado, Lisboa, 1990, II, págs. 767 e segs.r) Recorde-se o § único do art. 3." da Constituição de 1933: "Os estrangei-ros que se encontrem ou residam em Portugal estão também sujeitos ao Estado e àsleis portuguesas, sem prejuízo do preceituado pelo direito internacional".(3) Como pretende R. ZIPPELIUS, op. cit.. pág. 41.16- Manual de Di~ito Constitucional, III242 Manual de Direito Constitucionaldireitos sobre coisas situadas nesse teuitório...) que pennita a execuçãoda lei (I).Há, de resto, excepções a essa execução coerciva. São, classi-camente, Os privilégios de extrateuitorialidade de que gozam os Che-fes de Estado e os funcionários diplomáticos ou imunidades destinadasao cabal exercício das suas funções (2); são também os privilégios deextraterritorialidade dos navios e aviões públicos; a renúncia a cer-tas faculdades em favor doutros Estados -dando origem a direitosterritoriais menores destes -ou a constituição, por exemplo, dezonas francas (para efeitos tributários) ou de zonas desmilitariza-

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das (3); e ajnda, no âmbito do combate ao crime, a admissibilidademesmo de actos de cooperação de autoridades e agentes de autoridadeestrangeiras com autoridades e agentes de autoridade do Estado no seuteuitório (4).62. Território, poder e povoI -Da referência do teuitório ao Estado através do seu Direitodecorre o princípio da sua unidade jurídica. O território, ainda que~r) MARCELLOCAÉTANO, Direito Constiiuc' nal, cit" I, pág. 164. Cfr. MAR-QuES GUEDEs..lntegração, aplicação e integra o das normas jurídicas, in Ciênciae Técnica Fiscal, 1962, n.OS #45, pág. 196; NSO QUEIRÓ, Lições"" cit., págs. 528e segs.; B~IGITfE STERN, Quelques observ ions sur les regles internationales rela-tives à I' applicationextraterritoriale du !oit, in Annuaire français de droit inter-national, 1986, págs. 7 e segs., maxi 13 e segs.; ALBERTO XAVIER, Direito Tri-butário Internacional, Coimbra, 199 , maxime págs. 18 e 22 e segs.r) E não, quanto aos locais as missões diplomâticas, quaisquer formas deprolongamento do território do Es ado.(3) Cfr. E. w. KEETON, E raterritoriality in International and ComparativeLaw, in Recueil des Cours, 19 , 1, págs. 287 e segs.; MILAN SABOVIC e WILLIAMW. BISHOP, The authority of tJíe State: its range wick respect to persons and places,in Manual of Public Interriational Law, ed. por Max Sorensen, Londres, 1968,págs, 355 e segs.; JORGE MIRANDA, Imunidade diplomática, in Verbo, x, págs. 1089e 1090; R, ZIPPELIUS, Op. cit., pâg. 41; MARCELLO CAETANO, Op. cit., 1, pâg. 165; SILVACUNHA, Op. cit., págs. 261 e segs.(4) Cfr. parecer n.o 153/88 da Procuradoria-Geral da República, de 11 de Maiode 1989, in Boletim do Ministério da Justiça, n." 387, Junho de 1989, pâgs. 31e segs./~",Parte 111- Estrutura Constitucional do Estado 243geograficamente descontíguo, é sempre uno em virtude de ser terri-tÓrio do Estado, sujeito ao mesmo poder e ao mesmo Direito.Dá-se isto tanto em Estado unitário como em Estado com-posto (quando considerado todo o seu território, ou soma dos ter-ritÓrios dos Estados componentes, em relação ao poder políticocentral).' ~II -A unidade do Estado, do povo e do território correspondem /a universalidade e a igualdade dos direitos e deveres dos cidadãos, dos Imembros do Estado: todos eles gozam, em princípio, de todos os !direitos e estão sujeitos a todos os deveres -e aos mesmos.direitos Ie deveres -previstos na Constituição e nas leis (arts. 12.0 e 13.0 d!Constituição) (1).Nem isso é infirmado por diferenças geográficas ou outras, projectadas nas divisões ou circunscrições administrativas ou políticas qoterritório, poderem conduzir a especialidades da lei (mas não a dis-criminações ou privilégios) ou de competências de órgãos legisiati-.,vos e executIvOS. /

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//m -o território é um limite para o poder político ef7Ctivo, nãopara o povo. Os cidadãos do Estado, sem perderem a cidadania,podem sair do território e viver no estrangeiro e aqui cjOhtinuam a per-tencer ao povo. Já o vimos atrás. /163. O direito do Estado sobre o seu t,rritório./I -Problema dIverso vem a ser O ~ natureza do poder ou dodireito do Estado sobre o seu território <fenhorio territorial). Bastanteárduo e com numerosas implicações/apenas se torna possível aqui=vfssima alusãfr) E há uma relação estreití~~ima entre a territorialidade típica do Estadosaído da Revolução francesa e a afirmação do princípio da igualdade perante a lei,a soberania popular e a lei como expressão da vontade geral; não por acaso se afir-mam a unidade e a indivisibilidade da República (GEORGIOLoMBARDI, op. cit., loc.cit., págs. 52-53).---244 Manual de Direito Constituciona.lII -As teses ou teorias mais importantes podem agrupar-seconsoante tomam esse direito ou poder:a) Como direito real, como direito sobre coisas -seja comoespécie de propriedade de Direito internacional (tese clássica) (I),como espécie de domínio eminente (UGO FORTI) (2), ou como direitoreal institucional, direito que põe o bem do território ao serviço dainstituição estadual (DABIN, BURDEAU) (3);b) Como mero reflexo do Direito do Estado sobre as pessoas(JELLINEK) (4) ou como Direito do Estado sobre a própria pessoa(SANTI ROMANO) (5) -coerentemente, num caso e noutro, comotomar-se o território como elemento constitutivo do Estado;c) Como simples âmbito espacial de vigência da ordem jurí-\ dica estadual, pois Direito e Estado identificam-se (KELSEN) (6);d) Como direito de jurisdição, direito que abrange simulta-neamente o território e as pessoas no território ou, melhor, as pessoasatravés do território C) (8).III -Propendemos para esta última teoria, talvez hoje domi-nante, por nos parecer a mais idónea a explicar a complexidade defenómeno e a salientar que o poder do Estado sobre o seu território(1) Cfr. RENATO ALESSI, lntorno..., cit., loc. cit., pâgs. 10 e ll.(2) II diritto dello Stato sul territorio, in Studi di Diritto Pubblico, I, 1937,pâgs. 197 e segs., maxime 216 e segs.(3) Op. cit., II, pâg. 97.(4) Op. cit., pâgs. 298 e segs.(5) Osservazioni sulla natura giuridica deI territorio dello Stato..., cit., loc. cit.,pâgs. 167 e segs. Cfr. ROCHA SARAIVA, op. cit., pâg. 32; ou BISCARETrI DI RUFFIA,op. cit., loc. cit., pâgs. 337 e 339.(6) Teoria Pura..., 11, pâg. 179.r) Nesta linha, por exemplo, TOMASO PERASSI, op. cit., loco cit., pâgs. 152e segs.; MARNOCO E SOUSA, Comentário, cit., pâgs. 28-29; PIETRO CHIMIENTI, Notesu alcune questioni di Diritto Costituzionale, in Studi Ranelleti, obra colectiva,Pâdua, 1936, pâg. 146; QUEIROZ LIMA, op. cit., pâgs. 131 e 132; R. ZIPPELIUS, op.cit., pâg. 40; MARCELO REBELO DE SOUSA, op. cit., pâg. 127.(8) Cfr., algo diversamente, o quadro classificatório de FRANCO

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FARDELLA(op. cit., pâgs. 156 e segs.), que distingue: a teoria do território objecto, a do terri-tório espaço, as teorias mistas, a teoria do Direito internacional privado e a teoria .da competência.//f/I \: Parte 1llyEstrutura Constitucional do Estado 245cifili releva não tanto por causa do espaço físico, em si, que abrange, oudas utilidades que ele daí retira, quanto por causa das pessoas que lá1se encontram e que, então, de certa forma, ficam sujeitas ao seuordenamento jurídico.Esta teoria aproxima-se das teses do direito real, enquanto tomar o território como obj~cto e, por isso, pode adoptar mutatis mutandisalgumag; das análises que elas propõem. Distingue-se dessas teses, porprocurar ver para além da configuração estática e patrimonial (I) e pordar todo o realce à relação, de natureza política, com as pessoas.O poder de mandar e a autoridade pública só podem ser exercidossobre pessoas (2), O direito sobre o território não é fundamento dodireito de senhorio, mas o contrário, e o direito à integridade do ter-ritÓrio não é senão o direito ao respeito do senhorio (3).Por outro lado, não deixa a teoria da jurisdição de colher algunscontributos das duas outras teorias, mas afasta-se, liminarmente,de ambas, em virtude das diferenças de visão global acerca doEstado.IV -Quanto à sua estrutura, o direito de jurisdição territorialdo Estado costuma ser apresentado como sendo um direito ou poderindivisível, inalienável e exclusivo.É indivisível: daí o princípio da unidade jurídica do território.É inalienável: o Estado não pode alienar o seu território, emboraalgumas Constituições admitam a cessão ou alienação de algumasdas suas parcelas.É exclusivo: sobre o território do Estado só este pode ter senho-\ rio, embora possa haver direitos de outra espécie de outros Estadose embora haja como que um desdobramento de tal senhorio no casode se tratar de Estado composto (4).r) Aliás, a tese clássica ostenta uma evidente marca histórica: era a queestava em sintonia com a concepção patrimonial do Estado própria da monarquiaabsoluta.(2) MICHOUD, op. cit., II, págs. 61-62; MARNOCO E SOUSA, op. cit., pág. 29;DUOUIT, Traité, cit.., II, pág. 58; R. ZIPPELIUS, op. cit., pág. 40.(3) TOMASO PERASSI, op. cit., loc. cit., págs. 152 e segs.(4) Cfr. NOUYEN QUOC DINH, op. cit., págs. 419 e segs.246 Manual de Direito Constitucional64. Outros direitos territoriais do Estado e outras situaçõesterritoriaisI -O exame da vida jurídica internacional mostra a necessidadede atender a outros direitos sobre o território do Estado, além dosenhorio territorial.Aproveitando (até certo ponto apenas) o paralelismo com oque se passa em Direito civil, justifica-se discemir entre soberaniaterritorial (titularidade do poder sobre o território) e supremacia ter-

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ritorial (efectividade do poder ou posse do território). E justi-fica-se ainda discemir entre direito territorial máximo ou supre-macia territorial com soberania (em termos homólogos aos dapropriedade, direito real máximo); e direitos territoriais menores oupoderes de um Estado sobre território de outro Estado ou de nenhumEstado, ou supremacia territorial sem soberania (homólogos dosdireitos reais menores como o usufruto, o uso e habitação ou asuperfície) (I).II -Em regra, verifica-se a cumulação da soberania territorialcom a supremacia territorial (posse do território): o Estado, senhordo território, exerce, de harmonia com o Direito internacional, umpoder geral e efectivo sobre esse território. É o que se passa com osEstados soberanos (e até com os Estados exíguos e os Estados con-federados).Todavia, a experiência mostra situações de dissociação, ora emmoldes de supremacia territorial geral, ora em moldes de suprema-cia territorial especial.São casos de supremacia territorial geral sem soberania as ces-(I) Cfr. GIUSEPPE CAVARRETTA, Diritti sui territori altrui, Palerrno, 1905;SUZANNE BASTID, Les problémes territoriaux dans Ia jurisprudence de Ia Cour lnter-nationale de Justice, in Recueil des Cours, 1962, III, pâgs. 365 e segs.; ELIE VANBOGAERT, The Lease of Territory in lnternational Law, in Miscellania w. J. Gans-hofvan der Meersch, Bruxelas, 1972, pâgs. 315 e segs.; NGUYEN Quoc DINH, op.cit., pâgs. 379 e 433 e segs.; IAN BROWNLIE, op. cit., pâgs. 110 e segs.; BISCARETTIDI RufFIA, op. cit., loc. cit., pâgs. 350 e segs.; SILVA CUNHA, Op. cit., pâgs. 267 e segs.;JORGE BACELAR GOUVEIA, O direito de passagem inofensiva no novo Direito doMar, Lisboa, 1993, pâgs. 98 e segs., Parte lI/-Estrutura Constitucional do Estado 247i sões de administração (I) ou por arrendamento (2), os mandatos (3)~ e os fideicomissos internacionais (4), os protectorados internacio-] nais (5) ou os direitos de ocupação militar (6).I São casos de supremacia territorial especial as servidões esta-1 duais {7) ou a fiscalização de alfândegas Ou de portos (8).~ E, se estas situações hoje se encontraltl ultrapassadas ou quasenão existem, certo é que o Direito Internacional do Mar contempo-râneo conhece duas figuras de significativa importância que se recon-duzem ainda apoderes territoriais sem soberania: a zona contígua ea zona económica exclusiva.A zona contígua não pode estender-se para além de 24 milhas, conta-das a partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar ter-ritorial. Nele, o Estado costeiro pode tomar medidas de fiscalização neces-sárias a prevenir ou reprimir infracções -~revenir infracções das suasnormas aduaneiras, fiscais, de imigração ou sanitárias, reprimir a infracçãode quaisquer normas (art. 33.0 da Convenção de Montego Bay, de 1982).A zona económica exclusiva, por seu lado, não pode estender-se paraalém de 200 milhas (art. 57.0 da mesma Convenção). Apesar de aí se falarem "direitos de soberania" (art. 56."), na realidade a ela liga-se um conjuntode poderes tipificados relativos aos recursos naturais, à exploração e aoaproveitamento económico e à jurisdição quanto a ilhas artificiais, investi-ganção científica e meio marinho (art. 56."). Ao mesmo tempo, implica

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determinadas obrigações (arts. 61.0 e segs.) e os demais Estados gozam daliberdade de navegação e de sobrevoo, bem como de outros usos interna-cionalmente lícitos (art. 58.") (9).(I) Situação de Bósnia entre 1878 e 1905 ou de Chipre entre 1878 e 1914.(2) Situação da zona do Canal do Panamá até há pouco.(3) Os mandatos constituídos ao abrigo do Pacto da Sociedade das Nações(Palestina, Sudoeste Africano, etc.).(4) Ou territórios sob tutela previstos no cap. XII da Carta das Nações Unidas.(5) Cfr. supra.(6) No sentido clássico e de que pode aproximar-se o direito de uso de basesmilitares em território estrangeiro.r) o antigo direito de passagem de Portugal entre Damão e Dadrá eNagar-Aveli.(8) Frequentes na América Latina até há pouco.(9) Cfr. Rui MACHETE e GIL GALVÃO, Consequências da evoluçqo do DireitoInternacional do Mar nos tratados e acordos de pescas que Portugal sub$creveu, in.248 Manual de Direito ConstitucionalIII -Em plano diverso situam-se os problemas de contitulari-dade territorial: haver dois ou mais Estados que sobre o mesmo ter-ritÓrio têm e exercem poderes de idêntico conteúdo e cuja hipótesemais importante é a de condomínio ou co-soberania (I). A contitu-laridade territorial não contraria, porém, a regra da exclusividade dodireito de cada Estado sobre o território, visto que aqueles poderes sereconduzem a quotas ideais de um direito único de todos os conti-tulares.Aliás, a regra da exclusividade da soberania só vale, em rigor,para território integrado no Estado (em que vive o povo do Estado,e onde assenta o seu poder político) e não para territórios depen-dentes, sem natureza de Estado. Numa colónia o poder político éestranho à comunidade que aí vive e pode pertencer a um ou maisEstados diferentes.IV -Acrescente-se que há ou tem havido ainda territórios sobre osquais nenhum Estado exerce senhorio ou soberania, mas tão-só suprema-cia r), e territórios sobre os quais nenhum poder se exerce (territórios neu-tros) (3).Além disso, tem havido até territórios sob administração directa de orga-nizações internacionais sem mediação de quaisquer Estados (4) (5).Relações Internacionais, 1982, pâgs. 21 e segs.; VlCENTE MAROTrA RANGEL, O Direitodo Mar e a sua unificação legislativa entre países de língua portuguesa, in Estudosem Homengem ao Prof Doutor A. Ferrer Correia, I, Coimbra, pâgs. 69 e segs.;PEREIRA COUTINHO, Poderes do Estado costeiro sobre os recursos vivos da zonaeconómica exclusiv~, in O Direito. 1988, pâgs. 371 e segs.; MARQUES GUEDES,Direito do Mar, Lisboa, 1989, pâgs. 103 e segs. e 115 e segs.; PEDRO MACHETE,A zona económica exclusiva: um conceito do novo direito internacional do mar, inDireito e Justiça, 1991, pâgs. 221 e segs.; ANGELA DEL VECCHIO, Zona economica

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exclusiva, in Enciclopedia dei Diritto, XLV, 1993, pâgs. 1176 e segs.; JORGE BACE-LAR GOUVEIA, Zona económica exclusiva, in Dicionário Jurídico da AdministraçãoPública, VII, 1996, pâgs. 611 e segs.(I) Assim, o Sudão, ang1o-egípcio antes de 1956, ou as Novas Hébridas (hojeVanuatu), ang1o-francesas até 1981.(2) A cidade de Ber1im, entre a segunda guerra mundial e 1990.(3) Por exemplo, entre o Iraque e a Arâbia Saudita.(4) Assim, o Sarre, entre 1919 e 1935; ou a Nova Guiné Ocidental, entre1962 e 1963; e de jure (mas não de facto) o Sudoeste Africano ou Namíbia de 1966~.Parte 111- Estrutura Constitucional do Estado 249O problema da aquisição de direitos sobre terras livres ou sem dono (outidas como sem dono) foi, como se sabe, da mais alta importância quando1 dos Descobrimentos e da expansão colonial.Hoje, num momento inverso, é uma noção de "património comum dahumanidade" que vai aparecendo. A Convenção das Nações Unidas sobreo Direito do Mar, de 1982, acolheu-a ao estabelecer que os fundos mari-nhos do alto mar e os seus recursos são património comum da humanidade(arts. 136.0 e segs.) r). o mesmo poderá vir a acontecer, em futuro próximo,à Antárctida (sujeita desde 1959 a um tratado pelo qual não se reconhecesobre ela qualquer pretensão territorial).Quanto ao alto mar, ele é declarado, pelo costume e pela referida Con-venção (art. 87.}, aberto a todos os Estados, quer costeiros, quer desprovidosde litoral.65. Referência ao domínio público e ao domínio privadoI -Os direitos do Estado sobre o território correspondentes ajurisdição distinguem-se dos direitos do Estado sobre parcelas doterritório correspondentes grosso modo a propriedade no sentido dedireito real ou de estrutura próxima da propriedade, e estejam estessubmetidos ao Direito público ou submetidos ao Direito privado.Uma coisa é o senhorio territorial; outra coisa o domínio público,ou a propriedade pública, ou o domínio privado do Estado ou opatrimónio do Estado.a pouco antes da independência em 1990; e foi também para a intemacionalizaçãode Jerusalém que apontou a resolução n.o 181/II, de 29 de Novembro de 1947, daAssembleia Geral das Nações Unidas.(5) Cfr., sobre o assunto, MERCEDES SOLA DoMINGO, La competência de admi-nistración de territorios por Ias organizaciones internacionales, in Revista Espaflolade Derecho Constitucional, 1982, pâgs. 125 e segs.(I) Cfr. MAHOMED BEDJAOUI, Para uma nova ordem económica internacional,trad., Lisboa, 1980, pâgs. 239 e segs.; RENÉ-JEAN Dupuv, La notion de patrimoinecommum de l'humanité apliquée aux fonds marins, in Droits et libertés à Ia findu XXeme siecle -Études offertes à C. A. Colliard, obra co\e.ctiva, Paris, págs. \97e segs.; ROBERT A. GOLDWIN, Le droit de Ia mer: sens commun contre "patrimoine

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commun", in Revue Générale de Droit International Public, 1985, pâgs. 719 e segs.;PAULO OTERO, A Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, Lisboa, 1988;SILVA CUNHA, op. cit., pâgs. 317 e segs.; JosÉ MANUEL PUREZA, op. cit., pâgs. 173e segs.250 Manual de Direito ConstitucionalO Estado tem senhorio e exerce junsdição tanto sobre os bens dodomínio público e do domínio privado quanto sobre os bens de pro-priedade dos particulares. A única diferença está em que só atingeos segundos na medida em que exerce jurisdição sobre as pessoas suasproprietárias .II -Por domínio público entende-se o conjunto de coisas públicas oude direitos sobre coisas públicas, sendo coisas públicas as que são subme-tidas por lei ao domínio de uma pessoa colectiva de direito público e sub-traídas ao comércio jurídico privado por causa da sua primacial utilidadecolectiva (I).Do domínio público distingue-se o domínio privado. Este últimoabrange bens sujeitos, em princípio, a um regime de Direito privado e inse-ridos no comércio jurídico, sem embargo das excepções e especialidadesintroduzidas pelas leis administrativas r).Por outro lado, nem todo o domínio público equivale a proprie-dade pública, pois o conceito de propriedade exige a possibilidade de apro-priação:Finalmente, por património do Estado entende-se o conjunto dos bensdo seu domínio público e privado e dos direitos e obrigações com con-~ teúdo económico de que o Estado é titular, como pessoa colectiva de direitopúblico (3).III -Na Constituição de 1933, o art. 49.0 enunciava os bens do domí-nio público do Estado, embora não exaustivamente.A Constituição de 1976, no seu texto inicial, não continha norma seme-lhante, mas, obviamente, os efeitos daquela norma e da paralela legislaçãoordinária não caducaram, ainda que não pudesse admitir-se a sua subsistência,agora como norma ordinária, a título de desconstitucionalização (4). Con-(1) MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, II, 9.. ed., Lisboa,1972, pâg. 857; JosÉ PEDRO FERNANDES, Domínio Público, in Dicionário Jurídicoda Administração Pública, IV, pâgs. 166 e segs.(2) Cfr. MARCELLO CAETANO, op. cit., 11, pâgs. 936 e segs.(3) Art. 2.0 do Decreto-Lei n.O 477/80, de 15 de Outubro (que criou o inven-târio geral do património do Estado).(4) Manual..., II, cit., pâg. 295. Diferentemente, DIOGO FREITAS 00 AMARALe JOSÉ PEDRO FERNANDES, Comentários à Lei dos Terrenos do Domínio Hídrico,Coimbra, 1978, pâgs. 37 e 38.Parte 1[].-Estrutura Constitucional do Estado 253Isso mesmo explícita a Constituição, em preceitos já atrás indi-cados: "o regime político-administrativo próprio dos arquipélagos dosAçores e da Madeira fundamenta-se nas características geográfi-cas..." (art. 225.0, n.O I); "regiões autónomas e as autarquias locais

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são pessoas colectivas territoriais..." (arts. 227.0, n.O 1, e 237.0n.O 1).Por conseguinte, nota básica do Direito municipal ou do Direitoregional é a sua territorialidade. Em regra, nem um nem outro regulaou se aplica senão às pessoas residentes ou domiciliadas na respec-tiva área. Enquanto que as leis dimanadas dos órgãos do Estadotanto podem ser de âmbito geral (e, em Estado unitário, por princí-pio, são-no) como de âmbito local, as leis dimanadas de órgãos deregiões autónomas -assim como os regulamentos de autarquiaslocais -são sempre de âmbito estritamente local.Por outro lado, participação (ou plenitude de participação) navida colectiva regional -e, por maioria de razão, local -só podempossuir os cidadãos residentes nas circunscrições respectivas. Admi-tir o voto de cidadãos não residentes equivaleria a criar uma quali-dade pessoal, uma espécie de subcidadania regional, incompatívelcom a unidade do Estado e do recenseamento (art. 113.0, n.O 2) (I).Assembleia da República, in Diário, III legislatura, 2.. sessão legislativa, 2.. série,n.O 101, págs. 3360 e segs.(1) Assim já O direito eleitoral na Constituição, in Estudos sobre a Consti-tuição, II, Lisboa, 1978, pág. 484. No mesmo sentido, logo se pronunciou a Comis-são Constitucional, pel0 parecer n.O 26/80, de 31 de Julho de 1980 (in Pareceres, XIII,pág. 186), e pelo parecer n.O II/82, de 31 de Março de 1982 (ibidem, XIX, págs. 65e segs.). Em sentido contrário, ÁLVARO MONJARDINO, O voto dos não residentes, inA autonomia como fenómeno cultural e político, obra colectiva, Angra do Heroísmo,1987, págs. 119 e segs.Manifestamente inconstitucional é, por isso, o art. 13.0, n.O 3, do estatuto dosAçores, ao instituir dois círculos eleitorais para eleição dos Deputados à Assem-bleia legislativa regional, um compreendendo os açorianos residentes noutras parcelasdo território português e outro os açorianos residentes no estrangeiro. De resto,não tem sido aplicado.O problema voltaria a ser discutido na quarta revisão constitucíonaJ: v. Diá-rio da Assembleia da República, VII legislatura, 2.. sessão legislativa, 1." série,n.O 103, reunião de 29 de Julho de 1997, págs. 3909-3910 e 3913 e segs.254 Manual de Direito ConstitucionalIII -Os poderes territoriais dos Estados compostos são, emtudo, de natureza idêntica à dos poderes dos Estados simples ou uni-tários, com os problemas conexos.Deles se aproximam até certo ponto os que se exercem em comu-nidades com autonomia sem integração, a que adiante iremos aludir.Ao invés, oferecem-se de carácter limitado, porventura excep-cional e relativamente precário os poderes territoriais das confede-rações. No entanto, o território desempenha um papel não despi-ciendo quer nas confedemções clássicas, quer na Comunidade Europeiaenquanto âmbito de vigência espacial do Direito emanado dos res-pectivos órgãos.67. Composição e limites do território do Estado PortuguêsI -É tradição constitucional portuguesa (mas não da maiorparte dos outros países) definir o território do Estado, embora comdiversidade de critérios: o da enumeração e o da definição genérica.O critério de enumeração foi adoptado pelas Constituições monár-quicas, com base em elementos geográficos temperados por ele-mentos históricos (numa época de reivindicação de territórios colo-

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niais por diversas potências) (I). O da defmição genérica foi adoptadopela Constituição de 1911 r). A soma dos dois critérios deu-se naConstituição de 1933 (3).Por sinal, a tradição viria a ser respeitada, mesmo no refluxo his-tÓrico, quando o art. 2.0 da Lei n.O 7/74, de 27 de Julho, ao reconhe-cer o direito à independência dos povos dos territórios ultramarinos,declarou derrogar a parte correspondente do art. 1.0 da Constituiçãode 1933 (4).(I) Constituição de 1822, art. 20.0; Carta Constitucional de 1826, art. 2.0;Constituição de 1838, art. 20.0(2) Art. 2.0: "O território da Nação Portuguesa é o existente à data da pro-clamação da República,>.(3) Art. 1.0: "0 território de Portugal é o que actualmente lhe pertence ecompreende...". AI.. parte era redundante em face da 2.. parte.(4) 0 mesmo fez o artigo único da Lei n.O 9/74, de 15 de Outubro, que auto-rizou o tratado entre Portugal e a União Indiana relativo ao reconhecimento dasoberania desta sobre Goa, Damão, Diu, Dadrá e Nagar-Aveli.Parte IIJ -Estrutura Constitucional do Estado 255Na Constituição actual, segue-se ainda um critério de enumera-ção (I), pois, conforme o art. 5.0, n.O 1, Portugal abrange o territóriohistoricamente definido no continente europeu e os arquipélagos dosAçores e da Madeira (2). E esse preceito deve aproximar-se doart. 1.0, em que também se fala em Portugal: é Portugal, a Nação Por-tuguesa, .a comunidade política dos portugueses, que traça o perfil doterritório e não o contrário (3).II -Não se preocupa o texto constitucional com uma descrição das Iv~as dimen~e~ do te.rritório, aliás desnecessári_a: é ,óbvio que, na defi- :li mçao do temtono naclonal, se compreendem nao so o espaço terrestre !:1como o espaço hídrico e o espaço aéreo (4). Mas O art. 5.0, n.O 2 diz que ;1'a lei define a extensão e os limites das águas territoriais, a zona econó- !,~mica exclusiva e os direitos de Portugal aos fundos marinhos contíguos.III -O problema da extensão do mar territorial tem suscitadogrande debate em Direito internacional e também algum interesseentre nós (5).À semelhança do decretado noutros países marítimos, a Leiln.O 33/77, de 28 de Maio, fixou-a em 12 milhas (art. 1.0) -o que cor-responde ao limite máximo admitido pela Convenção de Montego Bay I(art. 3.0). Da sua medição cuidam a base I da Lei n.O 2130, de 22 1de Agosto de 1966 (ainda em vigor) (6), e o Decreto-Lei n.O 495/85, 1Ide 29 de Novembro. :Os fundos marinhos contíguos identificam-se no essencial com( I, ,\!.Ir) Nenhuma objecção se levantou na Assembleia Constituinte à formulação:v. Diário, n.o 29, pâgs. 741 e segs.(2) A definição do temtório continental inculca a inclusão de

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Olivença; e a daMadeira, a do arquipélago das Selvagens, que historicamente (embora não geogra-ficamente) lhe pertencem.(3) Como os Açores e a Madeira fazem parte da Nação, não se trata propria-mente do regresso, após a descolonização, aos limites anteriores aos Descobrimentos.(4) O espaço aéreo (objecto da Convenção sobre Aviação Civil de 1944) nãose confunde com o espaço cósmico (regulado pelo Tratado de 1967).(5) Na Assembleia Constituinte não teve acolhimento a tentativa de alargar asâguas territoriais até 200 milhas: v. Diário, n.o 29, pâgs. 741 e segs.(6) Também estâ em vigor a base 11 dessa lei, sobre direito de passagem ino-fensiva de navios de todos os Estados pelas âguas territoriais portuguesas.I256 Manual de Direito Constitucionala plataforma continental, objecto da Lei n.O 2080, de 21 de Marçode 1956, e dos arts. 76.0 e segs. da Convenção de Montego Bay. Aíexerce o Estado direitos de soberania (art. 9.0 da Lei n.O 33/77).A zona económica exclusiva obteve consagração na Constituiçãodesde 1982 (I). Além da Lei n.O 33/77, dela tratam o Decreto-Lein.O 119/78, de 1 de Junho, e o Decreto-Lei n.O 52/85, de 1 de Março.A Lei n.O 2130, feita na sequência de Convenção de Genebra de 1958sobre mar territorial e zona contígua, tinha previsto uma zona contígua,com a largura de 12 milhas. Mas a Lei n.O 33/77 , ao fixar o mar territorialtambém em 12 milhas, revogou as normas dessa lei que se lhe reportavam(bases III e IV).Entretanto, como a zona contígua pode ir até 24 milhas por virtude daConvenção de Montego Bay (atrás citado art. 33.0), cabe perguntar se nãoseria de repristimar tais normas, embora através da disposição expressa deDireito interno (na medida em que a Convenção parece não obrigar os Esta-dos costeiros a ter e exercer os poderes correspondentes; apenas Ihes con-cede uma faculdade) (2).IV -A matéria dos limites do território põe-se menos aguda-mente perante o Direito constitucional do que perante o Direito inter-nacional (3).Para definir os limites, pode haver que proceder a rectificação defronteiras -sempre, pela natureza das coisas, feita por tratado, cuja(I) v. Diário da Assembleia da República. Illegislatura, I.. sessão legislativa,2.. série, 3.0 suplel;nento ao n.o 108, págs. 3332(50)-3332(51); 2.. sessão legislativa,2.0 suplemento ao n." 80, pág. 1508(12), e 2.') suplemento ao n.O 136, pág. 2438(20);e I.. série, n." 250, de 30 de Julho de 1982, pág. 5467.(2) Cfr., diferentemente, SILVA CUNHA, op. cit.. pág. 232.(3) Sobre fronteiras em Direito intemacional cfr. TRUYOL Y SERRA, Las fron-teras y las marcas. in Revista Espaliola de Derecho Internacional. 1057, págs. 805e segs.; JORGE CAMPINOS, La frontiere en droit international public: l' actualité de l' "utpossidetis". policopiado, Poitiers, 1979; DANIEL BARDONNET, Équité et

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frontieresterrestres. in Mélanges o.fferts à Paul Renter. obra colectiva, Paris, 1981, págs. 35e segs.; IAN SINCLAIR, Boundaries. in Le Réglement Pacifique des Différends Inter-nationaux en Europe. obra colectiva, Dordrecht, 1991, págs. 25 e segs.; J. M. CAL-VET DE MAGALHÃES, Fronteira. in Dicionário Jurídico da Administração Pública. IV,págs. 401 e segs.; BISCARETTI DI RUFFIA, op. cit.. loc. cit" págs. 342 e segs.; SILVACUNHA, op. cit., págs. 257 e segs.Parte lIl- Estrutura Constitucional do Estado 257aprovação cabe à Assembleia da República [art. 161.0, alínea i)],sem possibilidade de referendo a seu respeito (art. 115.0, n.O 5) (I).Teoricamente possível é o perigo de fraude à Constituição: rec-tificação de fronteiras só compreende as aquisições e cedências deiparcelas territoriais indispensáveis à exacta definição dos limites doterritório nacional, não quaisquer outras; e deve processar-se emobediência a um princípio de razoabilidade. !V -Diferente de rectificar é alienar o território ou ceder ter-ritÓrio que não seja para rectificação de fronteira (não interessa quecom ou sem contrapartida, e eventualmente, com aumento de terri- :tório por aquisição simultânea ou subsequente de qualquer nova par-Icela). O conceito de alienação não é de diminuição de superficie oude habitantes do território nacional em globo e no conjunto de quais-quer operações; é de diminuição estrita do território por subtracçãode uma sua parcela.'A Constituição veda a alienação de território ou de direitos de Isoberania que sobre ele o Estado exerça (art. 5.0, n.O 3). E a razão :de ser do preceito oferece-se com nitidez: a integridade do territóriodecorre da integridade da Nação e liga-se à garantia da independên-cia nacional e da unidade do Estado, limite material de revisão cons-titucional [art. 288.0, alínea a)].Dele só aparentemente se acerca a regra do art. 2.0 da Consti-tuição de 1933, a qual visava, na concepção de nacionalismo polí-tico do regime, manter perpetuamente sob soberania portuguesa os ter-ritÓrios ultramarinos, o que, além de contrário ao sentido da história ;-como se veria -não tinha precedentes sequer no Direito públicoportuguês, anterior e posterior ao constitucionalismo r) (3).(I) A autonomização jurídico-constitucional dos tratados de rectificação defronteiras -necessariamente submetidos a aprovação parlamentar -remonta ape-nas ao Acto Colonial (art. 7.0); dele passou para a Constituição em 1951 (art. 2.0);e da Constituição de 1933 para a de 1976 [art. 164.0, alíneaj)]. V. JORGE MIRANDA,Tratados de delimitação de fronteiras e Constituição de 1933, in Estado e Direito,1989, págs. II e segs.(2) A Constituição de 1882 previa, implicitamente, a separação de provín-cias do Reino (art. 162.0); a Carta Constitucional e a Constituição de 1838 admitiam17- Manual de Direilo Constitucional. IIIí258 Manual de Direito ConslitucionalDa actual Lei Fundamental deixou de constar, entretanto, a regrapresente nas anteriores Constituições, segundo a qual "a Nação não

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renuncia aos direitos que tenha ou possa vir a ter sobre qualquerterritório" (I). O facto não possui signiticado especial, até porque ouera regra redundante ou inútil ou se referia apenas a direitos territo-riais menores (2).VI -De referir ainda a protecção penal da integridade do território,sendo considerado crime de traição à Pátria tentar por meio de violência,ameaça ou auxílio estrangeiro, separar ou entregar a país estl:angeiro ousubmeter à soberania estran,geira todo ou parte do território português[art. 334.", alínea a), do Código Penal de 1982].Mas, naturalmente, é a lei constitucional (hoje o art. 5." da Constitui-ção) e não à lei penal, que cabe qualificar o território (ou este ou aquele ter-ritÓrio) como português (3).68. A cidadania e O acesso ao território do EstadoI -Uma das manifestações mais directas e imediatas da cida-dania é o direito dos cidadãos a uma livre relação com o território doseu Estado (4).a celebração de tratados de cessão ou de troca de telTitório (respectivamente al1s. 75.0,§ 8.0. e 37.", n." IX); e na revisão da Constituição de 1911, feita pela Lei n.O 1005,de 7 de Agosto de 1920, admitiam-se leis que abrangessem cessões de direitos desoberania [art. 2.", alínea a)]. Sobre o problema. v. LoPES PRAÇA, Estudos sobre aCarta Constitucional I, cit., págs. 5 e segs.; MARNOCO E SOUSA, AdministraçàoColonial, Coimbra, 1905, págs. 374 e segs.(3) Cfr. a Constituição francesa de 1958, cujo art. 53." permite a alienação detelTitórios (ultramarinos), desde que haja o consentimento das populações (comosucedeu, por referendo, com as Comoras e Jibuti).(I) Constituição de 1822, art. 20."; Carta, art. 3.0; Constitl1ição de 1838,art. 2.", § único; Constituição de 1911. art. 2.", § único; Constituição de 1933,art. 1.0, § único.(2) Neste sentido, Ciência Política..., cit., 11, págs. 113-114. Cfr. MARNOCO ESOUSA, Comentário. cit., pág. 27.(3) O contrário já se chegou a pretender, por motivos políticos, após a des-colonização.(4) Cfr. art. 13." da Declaração Universal dos Direitos do Homem.Parte 111- Estrutura Constitucional do Estado 259No caso português, isso comporta:a) Direito de livre deslocação dentro do território nacional(art. 44.0, n.O 1, 1." parte), o que implica livre trânsito entre qual-quer das suas três partes geográficas -Continente, Açores eMadeira -ou livre entrada em qualquer delas (I);b) Direito de livre fixação em qualquer parte do territórionacional (art. 44.0, n.O 1, 2." parte);c) Direito de livre circulação em qualquer local (arts. 27.0e 44.0, n.O I) (2);d) Direito de livre saída do território nacional, incluindo odireito de emigração (art. 44.0, n.O 2, 1." parte) (3);e) Direito de regresso ao território nacional (art. 44.0, n.O 2,

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2." parte).A lei pode regulamentar estes direitos, designadamente dispondosobre o título da entrada e saída do território nacional ou prescrevendoque uma e outra só possam fazer-se pelos postos de fronteira legal-mente estabelecidos e depois de cumpridas as formalidades previstasna lei (art. 1.0 do Decreto-Lei n.O 438/88, de 29 de Novembro). Podecriar condicionamentos, não restrições (4);(I) O art. 230.", alínea a), até 1997 prescrevia-o expressamente como limite, aos poderes das regiões autónomas, mas trata-se de princípio geral e que subsiste" necessariamente como tal. Fórmula semelhante continua a constar, aliás, do art. 120.0da Constituição italiana e do art. 139.", n." 2, da Constituição espanhola.(2) A Lei n." 5/95, de 21 de Fevereiro, ao exigir aos cidadãos maiores de 16anos que sejam portadores de documento de identificação sempre que se encon-trem em lugares públicos, abertos ao público ou sujeitos a vigilância policial (art. 2.")cria um condicionamento que, se não for entendido em termos razoáveis, podeafrontar este princípio. Uma coisa é essa obrigatoriedade genérica, outra coisa o deverespecífico de identificação que impende sobre suspeitos de prática de crimes (art. I.").Por outro lado, a detenção até duas horas no posto policial em caso de impossibi-lidade de identificação (art. 3.") só pode admitir-se quanto a suspeitos, e não quantoa qualquer pessoa [até por força do novo art. 27.", n." 3, alínea g), da Constituição,interpretado à luz do princípio da liberdade]. Cfr., sobre alguns aspectos do problema,o acórdão n." 479/94 do Tribunal Constitucional, de 7 de Julho de 1994, in Diárioda República, I." série-A, n." 195, de 24 de Agosto de 1994.(3) V. o parecer n." 7/80 da Comissão Constitucional, de 20 de Março de 1980,in Pareceres, xx, págs. 3 e segs.(4) Cfr. Manual..., IV, cít., pág. 297.260 Manual de Direito Constitucional1) Impossibilidade de expulsão do território nacional (art. 33.0,n.O I);g) Impossibilidade de extradição, salvo, em condições de reci-procidade estabelecidas em convenção internacional, nos casos deterrorismo e de criminalidade internacional organizada e desde que aordem jurídica do Estado requisitante consagre garantias de um pro-cesso justo e equitativo (art. 33.0, n.O 3, após 1997) (I).II -Os estrangeiros em geral não gozam de direitos idênticos.Não têm a liberdade constitucional de entrada no território portu-guês; só, quanto aos cidadãos de alguns Estados, existe, e com res-triçÕes um direito análogo proveniente de normas internacionais.Nem têm uma liberdade plena de deslocação no interior do país(mesmo à face da Convenção Europeia dos Direitos do Homem) (2).O que a Constituição garante aos estrangeiros em geral é, comojá se disse, um conjunto vasto e preciso de garantias {3):a) Sujeição a controlo judicial de prisão, detenção ou outramedida coactiva respeitante a pessoa que tenha penetrado ou perma-neça irregularmente no território nacional [art. 27.0, n.O 3, alínea c)];b) Decisão só por autoridade judicial, e segundo formas expe-ditas, da expulsão de quem tenha entrado ou permaneça regular-mente no território nacional, de quem tenha obtido autorização de

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resi-dência ou de quem tenha apresentado pedido de asilo não recusado(art. 33.0, n.O 2);c) Inadmissibilidade de extradição por motivos políticos(art. 33.0, n.O 4, I.a parte);d) Inadmissibilidade de extradição por crimes a que corres-ponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena de morte ououtra de que resulte lesão irreversível da integridade física (art. 33.0,n.O 4, 2.a parte) (4) (5);{1) Antes da revisão de 1997, a proibição era absoluta.(2) Cfr, MARIA LuísA DUARTE, A liberdade..., cit" págs. 30 e segs" maxime 32e 33; GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., págs, 210 e segs,(3) Cfr. Manual"" IV, cit" págs, 88 e segs.(4) V. os acórdãos n.OS 417/95 e 1146/96 do Tribunal Constitucional, de 4de Julho de 1995 e de 12 de Novembro de 1996, in Diário da República, 2,. série,Parte 111- Estrutura Constitucional do Estado 261.e) Admissibilidade de extradição por crimes a que corres-ponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena ou medida desegurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuoou de duração indefinida só em condições de reciprocidade estabe-lecidas em convenção internacional e desde que o Estado requisi-tante ofereça garantias de que tal pena ou medida de segurança nãoserá aplicada ou executada (art. 33.0, n.O 5, aditado em 1997) (I);1) Decisão de extradição só por autoridade judicial (art. 33.0,n.06) (2).O único direito (em sentido próprib) contemplado é o direitode asilo de estrangeiros -em certas condições (art. 33.0, n.O 7). Osque dele beneficiem obtêm o estatuto de refugiado nos termos dalei (art. 33.0, n.O 8).III -O regime de entrada e permanência no território nacionalde estrangeiros consta hoje de dois diplomas básicos: um diploma decarácter geral -o Decreto-Lei n.O 244/98, de 8 de Agosto (3); en.O 266, de 1.7 de Novembro de 1995, e 1.. série-A, n." 294, de 20 de Dezembrode 1.996, respectivamente; e as nossas crónicas de jurisprudência, in O Direito,1.995, pá.gs. 429 e segs., e 1996, pá.gs. 111 e segs.Como resul.ta cla~ente desses acórdãos -e bem, sob pena de se frustrar agarantia constitucional. -o probl.ema nunca seria de aplicação ou não em concretode pena de morte, mas de aplicabilidade à face do Direito do Estado requisitante.(5) A proibição de extradição em caso de lesão irreversível da integridadefísica foi acrescentada em 1.997, mas já. era exigida pel.a coerência do sistema cons-titucional (art. 19.0, n." 6, designadamente).(I) No acórdão n." 474/95, de 17 de Agosto de 1.995 (in Diário da RepÚ-blica, 2.. série, n." 266, de 1.7 de Novembro de 1995), o Tribunal Constitucional tinhaal.argado à prisão pelpétua a garantia de não extradição: se a extradição não erapermitida quando o extraditando pudesse ser condenado à morte, porque em Portu-gal. não havia pena de morte (art. 24.0, n." 1 , da Constituição), tão pouco deveria serpermitida quando ele pudesse ser condenado a prisão perpétua, porque em Portugal.não existia igualmente esta pena (art. 34.", n.O 1). E logo apl.audimos esta orienta-

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ção (in O Direito, 1996, pá.gs. 113-1.14). Mas a Assembl.eia da República, na revi-são de 1997, não entendeu assim.r) Cfr. JORGE MIRANDA e MIGUEL PEDROSA MACHADO, Processo de extradi-ção e recurso para o Tribunal Constitucional, in Direito e Justiça, 1995, pá.gs. 226e segs.(3) Que revogou o Decreto-Lei n.O 59/93, de 3 de Março..262 Manual de Direito Constitucionalum diploma de carácter especial, aplicável aos cidadãos dos Estados--membros da Comunidade Europeia -o Decreto-Lei n.O 60/93, de 3de Março. O primeiro, feito também à luz da Convenção de Apli-cação do Acordo de Schengen, apresenta-se fortemente restritivo; osegundo bastante favorável (tendo em conta a "cidadania europeia",a que atrás nos referimos).São duas as principais diferenças:a) Quanto aos estrangeiros em geral, estatui-se que possuam meiosde subsistência suficientes (art. 14.0 do Decreto-Lei n.O 244/98) e inter-dita-se a entrada daqueles que se encontrem em determinadas situações,como haver "fortes indícios de que tencionam praticar factos puníveis gra-ves ou de que constituem uma ameaça para a ordem pública, para a segu-rança nacional ou para as relações internacionais de um Estado-membro daComunidade Europeia ou de Estado onde vigore a Convenção de Aplicação[art. 25.0, n." 2, alínea e)]; não já quanto aos cidadãos de Estados-mem-bros da Comunidade Europeia;h) Quanto aos estrangeiros em geral, eles carecem de uma autorizaçãode residência a pedir às autoridades administrativas (arts. 80." e segs.);quanto aos cidadãos comunitários, admite-se um direito de permanência atítulo definitivo e um direito de residência, verificados determinados pres-supostos (arts. 5." e segs. e 9." e segs. do Decreto-Lei n." 60/93).IV -Cabe legitimamente perguntar se não deveria haver tam-bém um regime especial, paralelo, para os cidadãos dos países de Iín-gua portuguesa (I) (2). À face das regras constitucionais sobre laçosde amizade e cooperação com esses países (arts. 7.0, n,O 4, e 15.0,n.O 3), dir-se-ia até ocorrer uma inconstitucionalidade por omissão,Mas, no tocante ao Brasil, pode, porventura, entender-se quecontinua em vigor o art, 5.0 do Tratado de Amizade e Consultade 1953, segundo o qual cada um dos Estados se compromete a per-mitir o estabelecimento de domicílio no seu território aos nacionais(I) Até porque pode continuar a dizer-se que os Estados-membros mantêmintacta a sua tradicional competência para adoptar as regras atinentes ao estatuto decidadãos de países terceiros (cfr. MARIA LUÍSA DUARTE, A Convenção cit.,págs. 45 e 46).(2) O Projecto de revisão constitucional n." 4IVII previa-o (no art. 15.", n." 3)e o art. I.", n." 2, do Decreto-Lei n." 244198 não o exclui.Parte I//- Estrutura Constitucional' do Estado 263Iide outra parte, com ressalva apenas das disposições relativas à defesada segurança nacional e à protecção da saúde pública (I).Iv- Em plano diferente, situa-se o Acordo de Schengen (cele-

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brado entre vários Estados da Comunidade Europeia em 1986 e a cuja.convenção de aplicação Portugal aderiu em 1993 (2)), por virtudedo qual as fronteiras internas (quer dizer, entre quaisquer dos Esta-dos parte) podem ser transpostas em qualquer local sem controlodas pessoas -mas a que corresponde um redobrado controlo dasfronteiras externas e a criação de um sistema muito completo detroca de informações entre os serviços de polícia.O Acordo representa um passo muito importante para a livrecirculação no interior da Comunidade (embora, até ao momento, semabranger todos os seus membros). Mas não deixa de levantar algunsproblemas quer por afectar alguns tradicionais poderes soberanos emrelação ao território, quer por envolver riscos para certas garantias pes-soais que podem conduzir àquilo a que já se tem chamado a "Europa--fortaleza", quer, no tocante a Portugal, por dificultar ou contrariar aconstrução da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (3).VI -A expulsão de estrangeiros é regulada pelos arts. 99.0 e segs.do aludido Decreto-Lei n.O 244198, que estabelece os seus fundamen-tos e o seu processo. E este é de natureza judicial relativamente aosque tenham entrado ou permaneçam regularmente no território nacio-nal: (arts. 111.0 e segs.) e de natureza administrativa quanto aos quetenham entrado ou permaneçam ilegalmente (arts. 119.0 e segs.).A expulsão não pode ser efectuada para país onde o estrangeiroIpossa ser perseguido pelos motivos que, nos termos da lei, justificama concessão de direito de asilo (art. 105.0, n.O I).\(I) Contra, MARIA LUÍSA DUARTE, op. cit., págs. 61-62.(2) A convenção de aplicação foi aprovada pela Resolução n." 35/93 da Assem-bleia da República, de 25 de Novembro.(3) Cfr. as perspectivas diferentes de MÁRiO TORRES, prefácio a Direito dosEstrangeiros, cit., págs. 26 e 27, e de FRANCiSCO LUCAS PIRES, Schengen cit.,págs. 35 e segs. E, para análise do texto, JosÉ MARQUES VIDAL, Os Tratados Comu-nitários e o Acordo e Convenção de Schengen, in Documentação e Direito Com-parado. n.o 69/70, 1997, págs. 5 e segs.264 Manual de Direito ConstitucionalTodavia, atribui-se efeito meramente devolutivo ao recurso dadecisão de expulsão (arts. 118.0, n.O 2, e 123.0) -o que frustra oprincípio da tutela judicial efectiva dos direitos e interesses legal-mente protegidos (arts. 20.0 e 268.0, n.os 4 e 5, da Constituição); eprevê-se a colocação dos expulsandos em centros de instalaçãotemporária (arts. 107.0 e 108.0) (I) -o que só se tornou superve-nientemente constitucional pela introdução da referência a "medi-das coactivas" no art. 27.0, n.O 3, alínea c), em 1997 r).Vil -A condenação penal de estrangeiros residentes em territ6-rio português não implica a sua expulsão, porque nenhuma pena envolvecomo efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionaisou políticos (art. 30.0, n.O 4, da Constituição) (3). Quando o crime sejade certa gravidade, pode, porém, ser aplicada (não tem de ser) a penaacessória de expulsão (art. 101.0 do Decreto-Lei n.O 244198).69. O direito de asiloI -Se em todas as épocas o asilo noutro país, noutra terra,tem sido o último recurso dos perseguidos pelo poder (4), só noEstado moderno ele aparece formalmente consagrado, seja por impe-rativo de uma maior consciência dos direitos do homem, seja emnome de qualquer solidariedade ideológica ou revolucionária. E, assim

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como um Estado de Direito não pode consentir a expulsão, o bani-mento ou o exílio de quaisquer cidadãos por quaisquer razões (5), tam-bém ele tenderá, naturalmente, a acolher no seu seio quaisquer estran-(I) o regime da instalação consta da Lei n.o 34/94, de 14 de Setembro.(2) Cfr. MÁRIO TORR~, A Lei dos Estrangeiros face à Constituição, in O Cida-dão, Abril-Maio-Junho de 1993, págs. 27 e segs.; e prefácio, cit., pág. 21.(3) Cfr. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português -As conse-quências jurídicas do crime, Lisboa, 1993, págs. 175 e segs.; e acórdão n." 442/93do Tribunal Constitucional, de 14 de Julho de 1993, in Diário da República, 2.. série.de 19 de Janeiro de 1994.(4) Cfr., por todos, CARLOS FERNANDES, op. cit., págs. I e segs.; PHILIPPE DELA CHAPELLE. op.cit., pág. 355.(5) Cfr. MARINO BON VALSASSINA, Esilio (diritto costituzionale}, in Enciclo- ~;~.pedia dei Diritto, xv, 1966, págs. 722 e segs. _:TParte 1/1- Estrutura Constitucional do Estado 265geiros que precisem de protecção contra o arbítrio ou a violênciados govemantes nos respectivos países.A primeira Constituição a proclamar o direito de asilo foi a fran-cesa de 1793 e hoje -apesar de dificuldades surgidas, aqui e ali,por causa de crises económicas ou de manifestações de xenofobia -não são poucas as que lhe seguem o exemplo (I); e, como se sabe, odireito de asilo consta também da Declaração Universal (art. 14.0).No caso português foi só a Constituição de 1976 que o reconheceu (2).Segundo o art. 33.0, n.O 7, da Constituição (art. 22.0, n.O I, na versãoinicial), é garantido o direito de asilo aos estrangeiros e apátridas perse-guidos ou gravemente ameaçados de perseguição em consequência da suaactividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da pazentre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana. É uma fór-mula ainda ideologicamente marcada (3), mas que deve ser lida no con-texto do sistema constitucional e da Declaração Universal.(1) Cfr., em textos vigentes: preâmbulo da Constituição francesa de 1946; art. 10.0da Constituição italiana; art. 16.0-A (após 1994) da Constituição alemã federal; art. 13.0,n.O 4, da Constituição espanhola; art. 42.0 da Constituição nicaraguana; art. 40.0, n.O 4,da Constituição de S. Tomé e Príncipe; art. 64:', n.O 2, da Constituição moçambicana; art.33.0 da Constituição croata; art. 36.0 da Constituição cabo-verdiana; art. 18.0, n.O 2, daConstituição romena; art. 26.0 da Constituição angolana; art. 63.0, n.O I, da Constituiçãorussa; art. 26.0, n.O 2, da Constituição ucraniana; art. 56:' da Constituição polaca.(2) Cfr., na doutrina de outros países, CARLO ESPOSlTO, Asilo ( diritto costitu-zionale), in Enciclopedia del Diritto, III, 1958, págs. 222 e ~egs.; MARiO BETATI,L' asile politique en question, Paris, 1985; PAOLO ZIOTTJ, II diritto d' asilo nell'ordi-namento italiano, Pádua, 1988; FRANÇOIS-JULIEN LAFERRIERE, Le traitement desréfugiés et des demandeurs d'asile au point d'entrée, in Revue

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universelle des droitsde I' homme, 1990, págs. 53 e segs.; DIEGO LóPEZ GARRIDO, EI derecho de asilo,Madrid, 1991; FERNANDO LEDESMA BARTRET, Libertad de circulación y derecho deasilo en Ia Unión Europea. La doctrina dei Consejo de Estado, in Civitas -Revistaespafiola de derecho administrativo, 1996, págs. 5 e segs.; FRANCK MODERNE, Le droitconstitutionnel d'asile dans les pays de I' Union Européenne, Paris, 1997. E, entrenós, a obra colectiva (editada pelo Conselho Português para os Refugiados) O asiloem Portugal, 2 vols., Lisboa, 1994 e 1996.(3) Fontes: art. 5.0, n.O 2, do projecto de Constituição do Movimento Demo-crático Português, art. 28.0 do projecto de Constituição do Partido Socialista eart. 16.0 do projecto de Constituição do Partido Popular Democrático. Cfr. o art. 25.0do nosso projecto de Constituição.V. na Assembleia Constituinte, Diário, n.O 36, reunião de 22 de Agosto de 1975,págs. 385 e segs.266 Manual de Direito ConstitucionalII -Portugal é parte da Convenção de 1951, relativa ao Esta-tuto dos Refugiados, e do Protocolo adicional de 1966 (.I ), bem comoda Convenção sobre a Determinação do Estado Responsável pelaAnálise de um Pedido de Asilo Apresentado num Estado-membrodas Comunidades Europeias, de 1989 (2). E o Tratado de Amester-dão passou a englobar nas políticas comunitárias, além de políticasrelativas a vistos, imigração e livre circulação de pessoas, a políticade asilo (arts. 73.0-1 e 73.0-K do Tratado de Roma, após esse Tratado).A actual lei interna reguladora do direito de asilo é aLein.O 15/98, de 26 de Março (concebida já numa perspectiva de inte-gração europeia) (3).De harmonia com o princípio da cláusula aberta de direitos fundamentaistêm direito de asilo, além das pessoas compreendidas no art. 33.", n." 7, os estran-geiros e apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em virtUdeda sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certogrupo social, não possam ou em virtude desse receio não queiram voltar aoEstado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual (art. I.", n." 2).A concessão do asilo obsta a que tenha seguimento qualquer pedido deextradição do asilando fundada nos factos com base nos quais o asilo éconcedido (art. 5.", n." I).Não podem, porém, beneficiar de asilo os que tenham praticado actoscontrários aos interesses fundamentais ou à soberania de Portugal. ou quetenham cometido crimes contra a paz, crimes de guerra ou crimes contra ahumanidade [art. 3.", ri." 1 , alíneas a) e b )].O asilo só pode ser concedido ao estrangeiro que tiver mais de umanacionalidade, quando os motivos que o justifiquem se verifiquem relativamentea todos os Estados de que seja cidadão (aIt. I.", n." 3). E poderá ser recusadose da sua concessão resultar perigo comprovado ou fundada ameaça para

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asegurança interna ou externa ou para a ordem pública (art. 3.", n." 2) (4).(I) A Convenção foi aprovada para adesão pelo Decreto-Lei n." 43210, de 1de Outubro de 1960, e o Protocolo pelo Decreto n." 207/75, de 17 de Abril.(2) Aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da Repúblican:' 34192, de 18 de Dezembro.(3) Cfr. LUISE DRUKE, A harmoniZIlção da política de asilo e a CIG 1996 -Pers-pectivas de protecção dos refugiados nos países da União Europeia, in O Estado doMundo. obra colectiva, Cascais, 1998, pp. 165 e ss.(4) Na lei anterior (a Lei n." 70/93, de 29 de Setembro) admitia-se ainda arecusa quando a protecção da população, em razão da situação social ou econó-Parte Ill- Estrutura Constitucional do Estado 267Os efeitos do asilo podem -à luz de um objectivo de unidade ou rea-grupamento familiar -ser declarados extensivos ao cônjuge e aos filhosmenores, adoptados ou incapazes do requerente ou, sendo este menor de 18anos, ao pai, à mãe e aos irmãos menores ( art. 4.0).A concessão do asilo depende de procedimento administrativo, com duasfases: uma primeira, respeitante à admissibilidade do pedido, e uma segunda,de decisão (arts. 10.0 e segs.). O Estado português assegura ao requerente,até à decisão final, condições de dignidade humana e apoio social (arts. 49.0e 50.0), incluindo apoio judiciário (art. 52.") (I); e, em caso de recusa, orequerente pode permanecer em território nacional por um período que nãoexceda trinta dias (art. 25.0, n.O I).A perda (em sentido próprio) do direito de asilo e a expulsão do asi-lado implicam processo judicial (arts. 36.0 e segs.).Finalmente institui-se um Comissariado para os Refugiados, com esta-tuto de independência e de imparcialidade (art. 34.0 e Decreto-Lei n." 242/98,de 7 de Agosto).III -A par do asilo, alei prevê duas outras figuras, de alcance maisrestrito: a autorização de residência por razões humanitárias e a protecçãotemporária.É concedida autorização de residência pelo período máximo de cincoanos aos estrangeiros e aos apátridas em relação aos quais se não verifiquemos requisitos de concessão do direito de asilo e que sejam impedidos ou sesintam impedidos de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua resi-dência habitual, por causa de grave insegurança devida a conflitos armadosou à sistemática violação dos direitos do homem (art. 8.0).O Estado Português, em articulação com as medidas tomadas no âmbitoda União Europeia, pode conceder protecção temporária, por um período nãosuperior a dois anos, a pessoas deslocadas do seu país em consequência degraves conflitos armados que originem, em larga escala, fluxos de refugia-dos (art. 9.").

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mica do País, o exigisse (art. 4.", n." 2) -o que devia ter-se por inconstitucional,pois uma coisa consiste em inexistir asilo por motivos económicos (externos), outracoisa inviabilizar o asilo por motivos econórnicos (internos). Mas há quem contestemesmo a constitucionalidade da recusa por razões de segurança interna ou externa:assim, VITAL MOREIRA, O direito de asilo entre a Constituição e a lei, in O direitode asilo, I, pág. 74.(I) Nesse sentido, já acórdão n." 339/95 do Tribunal Constitucional, de 22de Junho de 1995, in Diário da República. 2." série, n." 176, de 1 de Agosto de 1995.268 Manual de Direito Constitucional70. Relevância político-constitucional do territórioI -O território assume uma forte relevância político-constitu-cional no respeitante aos direitos fundamentais, com implicações oranegativas -no sentido de se impedirem diferenciações -ora posi-tivas -no sentido de ele se projectar limitativamente sobre a titu-laridade ou o exercício de certos direitos políticos.As mais importantes dessas implicações (algumas já menciona-das noutros capítulos) são:a) Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado,privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razãodo território de origem (arts. 13.0, n.O 2, e 59.0, n.O I);b) Os cidadãos portugueses que se encontrem ou residam noestrangeiro gozam da protecção do Estado para o exercício dos direi-tos e estão sujeitos aos deveres que não sejam incompatíveis com aausência do país (art. 14.0);c) Os estrangeiros que se encontrem ou residam em Portugalgozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão portu-guês (art. 15.0, n.O 1);d) O estado de sítio ou o estado de en1ergência, com suspen-são de direitos, liberdades e garantias, podem ser declarados -'-- emrazão das suas causas e da necessidade de restabelecimento da nor-malidade constitucional -em todo ou em parte do território nacio-nal (art. 19.0, n.O 2);e) A participação em eleições e em referendos, bem como acapacidade eleitoral passiva, a nível nacional, regional e local, depende,nos termos atrás indicados, em maior ou menor medida, de residên-cia no território.II -Num escrito anterior, defendemos uma total correspondência entrecapacidade eleitoral activa e capacidade eleitoral passiva. Esta dependeria dacapacidade activa: só seria elegível quem fosse eleitor (quem não pudesse omenos não poderia o mais); porque os eleitores do Presidente da Repúblicadevem estar recenseados no território nacional, também o deveriam estar oscandidatos; e porque para eleger uma câmara municipal, é necessário residirna respectiva área, também o deveria ser para se ser elei~o vereador (I).(I) O Direito Eleitoral na Constituição, cit., loc. cit., pâgs. 473 e 474.Parte ll/ -Estrutura Constitucional do Estado. 269Mantemos essa posição a respeito da eleição do Presidente da RepÚ-blica.É certo que o art. 122.0 alude a "cidadãos eleitores" e poderia supor-seque são quaisquer pessoas com direito de sufrágio à face do art. 49.0 Mas

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como o art. 121.0, n.O 2, faz depender a capacidade eleitoral activa na elei-ção presidencial de laços de efectiva ligação à comunidade nacional, tam-bém só os cidadãos que satisfaçam esse requisito, dentre os residentes noestrangeiro, hão-de poder ser eleitos: não se compreenderia que fosse ele-gível um cidadão sem tais laços.Quanto às eleições dos Deputados à Assembleia da República, faze-mos uma precisão: como o seu âmbito é nacional, embora por colégioseleitorais dentro e fora do território português (e trata-se da "assembleiarepresentativa de todos os cidadãos portugueses", como diz o art. 147.0),a correspondência entre capacidade activa e passiva dá-se no conjunto, nãosendo exigível a residência neste ou naquele círculo para se ser por aíeleito. E, mutatis mutandis o mesmo vale para as eleições dos Deputadosao Parlamento Europeu, com a ressalva de que só são elegíveis -por-que só são eleitores -os residentes em países ou territórios da Comu-nidade.Quanto às eleições regionais e locais, adoptamos hoje uma perspectivamenos rígida.A Constituição impõe a residência como requisito de capacidadeactiva, mas não a impõe, nem impede que seja fixada como requisito decapacidade passiva. O legislador ordinário poderá estipulá-la ou não,tendo em conta as funções e as condições de funcionamento dos órgãosregionais e locais.E, assim, o estatutopo1ítico-administrativo da Madeira (art. 12.0) exigea residência habitual como requisito de elegibilidade para a assembleialegislativa; e o mesmo exigia o estatuto dos Açores (art. 13.0) antes dasalterações de 1998. Não as leis eleitorais das autarquias locais (citadoDecreto-Lei n.O 701-B/76, de 29 de Setembro, e art. 2.0 do Decreto-Lein.O 778-PJ76, de 27 de Outubro) (I).Nem se invoque contra a prescrição de residência o direito de acessoa cargos públicos (art. 50.0 da Constituição), conjugado com as regras sobrerestrições de direitos, liberdades e garantias ( art. 18.0, n.O 2), porque podehaver restrições decorrentes de princípios -como os da autonomia regio-(I) No sentido da não inconstitucionalidade do art. 2.0 do Decreto-Lein.O 778-E/76, o acórdão n.O 689/93 do Tribunal Constitucional, de 9 de Novembrode 1993, in Diário da República, 2." série, n.o 16, de 20 de Janeiro de 1994.270 Manual de Direito Constitucionalnal e local- e não só. necessariamente, de preceitos constitucionais ( I).Desproporcionado e, portanto, inconstitucional, seria. sim, o requisito deresidência por certo tempo antes da eleição (2).III -Por seu turno, enunciem-se como principais manifestaçõesde relevância do território quanto à organização política as seguintes:a) São leis gerais da República as leis e os decretos-leis cujarazão de ser envolva a sua aplicação a todo o território nacional e

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queassim o decretem (art. 112.0, n.O 5) (3) e os decretos legislativosregionais regulam matérias de interesse específico para as respectivasregiões [arts. 112.0, n.O 4, e 227.0, n.O 1, alíneas a), h) e c)];h) O Presidente da República não pode ausentar-se do territó-rio nacional, sob pena de perda do cargo, sem o assentimento daAssembleia da República, ou da sua Comissão Permanente se aquelanão estiver em funcionamento (art. 129.0) (4);c) Os Deputados à Assembleia da República são eleitos pelos cír-culos eleitorais geograficamente definidos na lei, a qual pode tambémdeterminar a existência de círculos plurinominais e uninominais, bemcomo a respectiva natureza e complementaridade (art. 149.0, n.O 1).Os Deputados representam, porém, todo o país e não os círculospor que são eleitos (art. 152.0, n.O 2), e o princípio vale também paraos titulares de quaisquer outros órgãos colegiais eleitos por círculoseleitorais (5);d) O número de Deputados por cada círculo plurinominal do ter-ritório nacional, excepto o círculo nacional quando exista, é propor-cional ao número de cidadãos eleitores nele inscritos (art. 149.0, n.O 2);(I) v. Manual..., IV, cit.. págs. 300 e segs.(2) Neste sentido. parecer n." Il/82 da Comissão Constitucional, de 31 deMarço de 1982, in Pareceres. XIX, págs. 93 e segs., e acórdão n." 136/90 do Tribu-nal Constitucional. de 23 de Abril de 1990, in Diário da República. I." série, n." 126,de I de Junho de 1990.(3) V., sobre o assunto. este Manual..., V. cit.. págs. 389 e segs.(4) A Constituição também prevê viagens "sem carácter oficial" (art. 129.".n." 2).(5) É o princípio geral da representação política que outras Constituições játinham igualmente consagrado. V., por todos, o nosso estudo Colégio eleitoral. inDicionário Jurídico da Administração Pública. II. pág. 482.Parte 111- Estrutura Constitucional do Estado 271e) Na 1.a e na 2.a instâncias, os tribunais têm ou podem tercompetência territorial (art. 210.0);1) Quer a autonomia político-administrativa das regiões dosAçores e da Madeira, quer a autonomia administrativa dos concelhos,freguesias e regiões administrativas têm âmbito territorial (arts. 225.0e segs. e 235.0 e segs., de novo);g) As circunscrições territoriais correspondentes a autarquiaslocais são estabelecidos por lei (art. 236.0, n.O 4);h) A fim de intensificar a participação das populações na vidaadministrativa local podem ser constituídas organizações de moradorescorrespondentes a áreas inferiores à da freguesia, a demarcar pelaassembleia de freguesia (art. 263.0);i) A organização de cada uma das forças de segurança e adas Forças Armadas são únicas para todo o território (arts. 272.0,n.04, e 275.0, n.O 2);j) Não pode ser praticado nenhum acto de revisão constitu-cional na vigência do estado de sítio ou do estado de emergência, emqualquer parte do território (art. 289.0);L) .A liberdade do território é condição de livre exercício dasoberania: havendo ocupação do território por forças estrangeiras, oPresidente da República deverá ausentar-se da capital ou do país, nopleno exercício das suas funções (art. 38.0, n.O 3, da Lei n.O 29/82,de II de Dezembro).IV -Em plano diverso, recorde-se que constitui "tarefa fun-

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damental" do Estado "assegurar um correcto ordenamento do terri-tÓrio" [arts. 9.0, alínea e), 65.0, n.O 2, alínea a), 66.0, n.O 2, alínea b),e 93.0, n.O 2] (I).71. O território de MacauI -As Constituições portuguesas anteriores incluíam Macauentre as partes integrantes do território de Portugal (2). Não era,(I) Cfr. Manual IV. cit., págs. 473 e segs.(2) V. JORGE NORONHA E SILVEIRA, Subsídios para a História do Direito Cons-titucional de Macau (1820-1974), Macau, .1991.272 Manual de Direito Constitucionalporém, uma província ultramarina como as outras; a realidade cons-titucional era bem diversa do que diziam os preceitos (I).A Assembleia Constituinte de 1975-1976 procurou ir ao encon-tro dessa realidade, reconhecendo que Macau nem era susceptívelde autodeterminação e independência, nem podia ser tido como ter-ritÓrio do Estado Português (2). Adoptou-se uma fórmula original:"O território de Macau, sob administração portuguesa, rege-se porestatuto adequado à sua situação especial" (art. 5.0, n.O 4, da Cons-tituição, a seguir aos preceitos sobre o território nacional).Em 1987, por tratado -chamado "Declaração Conjunta" -entre Portugal e a China, ficou estabelecido que em 20 de Dezembrode 1999 o Governo da República Popular da China voltaria a assu-mir "o exercício da soberania sobre Macau"; que, contudo, a partirdessa altura e por um prazo de cinquenta anos, ficaria o território cons-tituído em "Região Administrativa Especial"; e que esta gozaria de"alto grau de autonomia, excepto nas relações externas e de defesa",e que teria "poderes executivo, legislativo e judicial independentes,incluindo o de julgamento em última instância" (3) (4).Na sequência deste tratado, a revisão constitucional de 1989transferiu a norma sobre Macau para "Disposições finais e transitó-(1) Cfr. o que perante certos acontecimentos ocorridos no território, dizia,em 1967, OLIVEIRA SALAZAR (segundo FRANCO NOGUEIRA, Um político confessa-se.Porto, 1986, pág. 217): "Existiam sinais exteriores da soberania: a bandeira, amoeda, umas autoridades. Mas os elementos efectivos da soberania haviam-se dis-solvido mais do que em épocas passadas. Não éramos soberanos: sob fiscalizaçãoalheia, administrávamos um condominio".(2) v. o debate, in Diário. n." 29, reunião de 8 de Agosto de 1975, págs. 741e segs. (especialmente as intervenções do Deputado Diamantino Ferreira).(3) V. o debate sobre a aprovação da Declaração Conjunta, in Diário daAssembleia da República. v legislatura, I.. sessão legislativa, I." série, n." 20, reu-nião de II de Dezembro de 1987, págs. 684 e segs.O tratado foi aprovado pela Resolução da Assembleia da República n." 25/87,de 14 de Dezembro.(4) Sobre a "Declaração Conjunta" e o futuro, v. LAZAR FOCSANEANU, Ladéclaration conjointe sino-portugaise sur Macao. in Revue générale de Droit Inter-national Public. 1987, págs. 1279 e segs.; ARNALDO GONÇALVES, Macau, no triân-gulo das relações externas da China com o Ocidente pós 1999- O estatuto polí-tico-constitucional. in Administração, n.o 21, 1993, págs. 569 e segs.Parte 111- Estrutura Constitucional do Estado 273

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.rias" no âmbito do art. 292.0 (sobre estatuto de Macau). E passou adizer-se: "0 território de Macau, enquanto se mantiver sob admi-nistração portuguesa, rege-se por estatuto adequado à sua situaçãoespeciaL." (I).II -Até 1999 Portugal continuará, pois, exercendo poderes emMacau, regidos pela Constituição, pelo estatuto politico-administra-tivo do território e pela "Declaração Conjunta" (2). Esses poderesreconduzem-se a um direito territorial menor sui generis, à seme-lhança dos direitos territoriais menores de diversos tipos há poucomencionados.A organização politico-administrativa local assenta num Gover-nador nomeado pelo Presidente da República e numa AssembleiaLegislativa parcialmente eleita. Embora prima facie próxima da dasantigas províncias ultramarinas, não obsta a um grau bastante elevadode autonomia, reforçado nos últimos anos (3).As alterações ao estatuto são aprovadas pela Assembleia daRepública, mediante proposta da Assembleia Legislativa ou do Gover-nador, nesse caso ouvida a Assembleia, e sempre precedendo parecerdo Conselho de Estado. Sendo a proposta aprovada com modifica-çÕes, o Presidente da República não promulgará o decreto do Parla-mento sem a Assembleia Legislativa ou o Governador, consoante oscasos, se pronunciar favoravelmente (art. 292.0, n.os 3 e 4).(I) V. Diário da Assembleia da República, v legislatura, I.a sessão legislativa,2.a série, n." 55-RC, acta n." 53, pâgs. 1769 e segs., e 2.. sessão legislativa, n.o 99-RC,acta n." 97, pâgs. 2838-2839; e I.. série, n." 86, de 23 de Maio de 1989,pâgs. 4206-4207, e n." 90, de 31 de Maio de 1989, pâgs. 4497-4498.(2) Sobre a aplicação da Constituição em Macau, v. Manual..., II, cit., pâgs. 303e segs.(3) Cfr. AFONSO QUEIRÓ, Lições..., cit., pâgs. 378 e segs. (Macau seria hoje umacolónia autónoma); NUNO BESSA LoPES, A Constituição e o Direito Internacional, Vilado Conde, 1979, pâg. 27, nota (as relações de Portugal com Macau revestiriam aforma de uma comunidade unida pelo Chefe de Estado); VITALINO CANAS, Relaçõesentre o ordenamento constitucional português e o ordenamento jurídico do territÓ-rio de Macau (separata do Boletim do Ministério da Justiça, n.O 365), Lisboa, 1987 ,e Quadros e padrões do fenómeno político em Macau, in Revista da Faculdade deDireito da Universidade de Lisboa, 1992, pâgs. 393 esegs.; GlOVANNl VAGLl, La ques-tione di Macao, in Diritto e Società, 1996, pâgs: 283 e segs.18- Man.al de Direito Constitucional. III274 Manual de Direito Constitucional72. A situação de TimorI -Muito diferente e muito mais dramática é a situação deTimor, juridicamente ainda sob soberania portuguesa, embora não inte-grado (ou tendo deixado de estar integrado) no território de Portugal.A Lei n.O 7/75, de 17 de Julho, estabelecera o processo de des-colonização do território, o qual, não chegou a efectuar-se até agorapor causa do eclipse da autoridade do Estado português em 1975, daguerra desencadeada no território e da ocupação militar pela Indonésia. 1Mas, à face do ordenamento jurídico português, esta lei ainda está em 1vigor, embora careça de ser devidamente interpretada para adequaçãoou actualização de prazos.

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O art. 293.0 da Constituição (correspondente ao art. 307.0 pri-mitivo, com algumas alterações) afirma que Portugal continua vin-culado às responsabilidades que lhe incumbem, de hàrmonia com oDireito internacional, de promover e garantir o direito à autodeter-minação e à independência de Timor Leste, competindo a prática detodos os actos necessária à realização desse objectivo ao Presidenteda República e ao Governo (I). E esta norma (a conjugar com Oart. 7.0, n.O 3, de que atrás tratámos) tem, pelo menos, um bemperemptório sentido: obstar ao reconhecimento de qualquer pretensãode soberania da lndonésia (2).Os tratados intemacionais celebrados por Portugal antes da ocupaçãoe vinculativos também do território (como, por exemplo, o AcordoMissionário de 1940) continuam a aplicar-se de jure em Timor.(1) Sobre a fonnação do preceito, v. Diário da Assembleia Constituinte, n.O 130,de 31 de Março de 1976, pâgs. 4347 e segs. E sobre as suas alterações nas duasprimeiras revisões constitucionais, v. Diário da Assembleia da República, II legislatura,2.. sessão legislativa, 2.. série, 2.0 suplemento ao n." 77, pâg. 1456(44), e suplementoao n." 93, pâg. 1762(21 ), e 2.. sessão legislativa, 1.. série, n." 129, de 29 de Julhode 1982, pâgs. 5432 e segs.; e v legislatura, 1.. sessão legislativa, 2.. série, n." 55-RC,acta n.O 53, pâgs. 1774 e segs., e 2.. sessão legislativa, 2." série, n.O 95-RC., acta n.O 93,pâg. 2771, e 2." sessão legislativa, I." série, n.O 86, de 23 de Maio de 1989, pâgs. 4208e segs, e n.O 89, de 30 de Maio de 1989, pâgs. 4435 e 4454.(2) Que as Nações Unidas tão pouco aceitam: v. a resolução n." 3485(XXX)da Assembleia Geral e outras posteriores (podem ler-se em JORGE BACELAR GOUVEIA,Timor Leste- Textos jurídicos fundamentais, 2.. ed., Lisboa, 1993).Parte 1//- Estrutura Constitucional do Estado 275II -Portugal não exerce de facto os poderes que lhe cabem-e que são poderes de soberania -sobre o território de Timor.Exerce-os, contudo (ou deve exercê-Ios) em relação aos timo-renses que se encontrem ou residem em Portugal e no estrangeiro (I).E estes poderes são poderes de Direito interno (até por força da Lein.O 7/75), e não simplesmente de Direito internacional. Eis aindauma manifestação do princípio da pessoal idade das leis.CAPÍTULO VIFORMAS DE ESTADO§ 1.0As formas do Estado em geral73. Conceito de forma de EstadoI -O conceito de forma de Estado, dos mais trabalhados pelostratadistas de Direito público, é conceito básico com que se tem decontar na configuração em concreto de cada Estado e dos seus diver-sos elementos ou condições de existência. E é, assim, também umconceito de síntese de toda a matéria atinente à estrutura constitucionaldo Estado ou à relação entre comunidade e poder político.Dele se devem distinguir, naturalmente, outros conceitos de for-mas políticas (lato sensu), como tipos históricos de Estado, formas degoverno, sistemas de governo e regimes políticos.II -Formas de Estado não equivalem a tipos históricos deEstado, tal como, desde JELLINEK, são enumerados (Estado oriental,Estado grego, Estado romano, Estado medieval ou pretenso Estadomedieval e Estado moderno) (2).(1) Como cidadãos portugueses que continuam sendo até ao exercício daaut{)determinação, os t.imorenses no estrangeiro beneficiam, como quaisquer outros,

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da protecção diplomática e consular portuguesa.(2) V. Manual. .., I, cit., págs. 49 e segs.276 Manua/ de Direito Constituciona.lOs tipos históricos de Estado são fonnas de organização políticacorrespondentes a concepções gerais sobre o Estado enquanto socie-dade política ao lado de quaisquer outras sociedades humanas e,doutros prismas, a formas de civilização e a estádios históricos deter-minados. Já as formas de Estado apenas têm que ver com as con-cepçÕes e os quadros de relacionamento entre poder, por uma parte,e comunidade política (bem como território), por outra parte.O conceito de formas de Estado só se torna verdadeiramenteoperacional no interior de um mesmo tipo histórico de Estado. Emrigor, só interessa distinguir Estado unitário e Estado federal noâmbito do Estado moderno de tipo europeu e, especialmente a par-tir do despontar do constitucionalismo.III -Fonnas de Estado não se confundem com formas degoverno e com sistemas de governo, tal como, desde há muito,estes conceitos são propostos (como formas de governo dos Últi-mos 200 anos, a monarquia absoluta, o governo representativo libe-ral, o governo jacobino, o governo cesarista, a monarquia constitu-cional propriamente dita ou limitada, a democracia representativa, ogoverno leninista, o governo fascista; e como sistemas de governo,designadamente, os sistemas parlamentar, presidencial, directorial,orleanista, semipresidencial, representativo simples, convencional).Forma de Estado é o modo de o Estado dispor o seu poder emface de outros poderes de igual natureza (em tennos de coordenaçãoe subordinação) e quanto ao povo e ao território (que ficam sujeitosa um ou a mais de um poder político). Fonna de governo é a fonnade uma comunidade política organizar o seu poder ou estabelecer adiferenciação entre governantes e governados; e encontra-se a partirda resposta a alguns problemas básicos -o da legitimidade, o da par-ticipação dos cidadãos, o da liberdade política e o da unidade oudivisão do poder. Muito menos amplamente, sistema de governo éo sistema de órgãos de função política, apenas se reporta à organizaçãointerna do governo e aos poderes e estatutos dos governantes (I).V. o nosso estudo Governo (Formas e sistemas), in Po/is, III, pâgs. 76Parte 111- Estrutura Constitucional do Estado 277Acentuando um pouco mais a distinção entre fonnas de Estado e for-mas e sistemas de governo, vale a pena citar alguns autores:-As fonnas de Estado referem-se à composição geral do Estado, aopasso que as fonnas de governo se referem ao exercício do poder político (I).-As fonnas de Estado são os métodos possíveis de criação da ordemestadual, as fonnas políticas os conteúdos típicos das nonnas reguladoras dacriação do Direito (2).-O problema da fonna de Estado concerne o número de aparelhosgovernamentais e, se há vários, as suas relações; diz respeito à "extensãohumana" da sua competência, à estrutura constitucional da própria colecti-vidade, à sua unidade ou à sua divisão para efeito do poder governamental;já o problema das formas de governo concerne a organização de um dadoaparelho de governo, independentemente da extensão do exercício dos seuspoderes (3).-As fonnas de Estado são os vários processos de combinação jurí-dica dos seus elementos, as fonnas políticas os diferentes sistemas de orga-nização e actuação do Governo (4).-As fonnas de Estado dizem respeito à estrutura do poder no Estado-poder político uno ou associação de poderes; os regimes políticos em

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sen-tido amplo ou fonnas políticas dizem respeito aos fins do poder (regimes polí-ticos em sentido estrito) e às suas modalidades de exercício (5).-As fonnas de Estado reportam-se à configuração externa da socie-dade política, que ora se apresenta como uma unidade, ora se mostra comouma combinação de diferentes unidades; as fonnas de governo referem-seà estrutura ou arranjo interno da sociedade política, à maneira como inte-rionnente se revela organizado (6).IV -Tão pouco se identificam formas de Estado e regimespolíticos, visto que estes não são senão expressões, objectivações ouconcretizações das diferentes Constituições materiais r), ainda quando(I) MARNQCO E SOUSA, Direito Político -Poderes do Estado, Coimbra,1910, pág. 105.(2) KELSEN, Teoria General..., cit" pág. 409.(3) CHARLES, EISENMANN, Cours de Droit Constitutionnel Comparé, poli-copiado, Paris, 1950-1951, pág. 43.(4) QUEIROZ LIMA, op, cit., pág. 162.(5) Seguindo BURDEAU, op. cit., II, 2.a ed., págs. 347-348.(6) MARQUES GUEDES, Teoria.." cit., pág. 41.(1) Cfr., pr6xim~, BURDEAU, op. cit" II, pâg. 347.278 Manual de Direito Constitucionalse reconduzern a grandes tipos constitucionais (Estado liberal, Estadosocial do direito, Estado soviético, Estado fascista).A forma de Estado é, simultaneamente, mais e menos que oregime político.É mais, porque envolve uma permanência que o regime nãotem ou pode não ter: um Estado é unitário ou composto ao longo dasua história ou subsiste muito mais tempo sob certa forma do que sobcerto regime ou sob certa Constituição.É menos, porque a forma de Estado não vai além dos aspectospolíticos estruturais e o regime (que não é tanto o modo como opoder se rege quanto os fins a que se dirige) constrói-se a partir detodos os aspectos da vida política e social políticamente relevantes;no regime para lá da organização do poder, avultam o sistema dedireitos fundamentais e o sistema econórnico.No entanto, cada forma de Estado e cada regime político emconcreto não são sem implicações; na experiência histórica desde oudaquele país condicionam-se ou interpenetram-se.V -Na Constituição portuguesa, estes diversos conceitos (salvoo de tipo histórico de Estado, por natureza pressuposto) aparecem maisou menos explicitamente.A forma de Estado está patente no art. 6.0: "O Estado é unitá-rio... Os arquipélagos dos Açores e da Madeira constituem regiõesautónomas dotadas de estatutos político-administrativos e de órgãosde governo próprio".A forma de governo é definida nos arts. 9.0, alínea c), e 10.0,n.O 2, como "democracia política" e recortada através de elementoscomo a soberania popular (arts. 2.0, 3.0, n.O 1, e 108.0), o pluralismo(art. 2.0), a representação política (arts. 10.0, 49.0 e 113.0) e a separa-ção e a interdependência de órgãos de soberania (arts. 2.0, 110.0 e 111.),das regiões autónomas (arts. 231.0 e 232.0) e do poder local (art. 239.0).O sistema de governo a nível nacional decorre dos poderes, dasacções recíprocas e dos estatutos dos vários órgãos políticos de sobe-rania -Presidente da República, Assembleia da República e Governo

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(maxime arts. 120.0, 121.0, 133.0 e segs., 161.0 e segs., 187.0 e segs.e 197.0 e segs.); e, a nível regional, do relacionamento entre as assem-bleias legislativas e os governos regionais (art. 231.0).Parte II/ -Estrutura Constituciona[ do Estado 279O regime político está explicitado nos arts. 2.0 e 9.0, sobretudo."A República Portuguesa é um Estado de Direito democrático,baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organi-zação política democrática, no respeito e na garantia da efectivaçãodos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdepen-dência dos poderes, visando a realização da democracia económica,social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa".74. A contraposição fundamental: Estados simples e com-postosI -A divisão fundamental, de há muito formulada pela doutrinae ainda hoje válida, dá-se entre Estados simples ou unitários e Esta-dos compostos ou complexos.Critérios de distinção são: unidade (I) ou plural idade de poderespolíticos (ou de poderes soberanos na ordem interna) unidade ou plu-ralidade de ordenamentos jurídicos originários ou de Constituições; uni-dade ou plural idade dos sistemas de funções e órgãos do Estado; e uni-dade ou plural idade de centros de decisão política a se (2). Apesardas diferenças de perspectivas, coincidem nos resultados.II -O Estado unitário tanto pode ser Estado unitário centrali-zado como Estado unitário descentralizado ou regional.Se todos ou quase todos os Estados do mundo admitem des-centralização administrativa, quer de âmbito territorial -através demunicípios ou comunas e através de circunscrições mais vastas (3) -i quer de âmbito institucional ou funcional -através de associações,fundações, institutos ou outras entidades públicas -só alguns Esta-(I) Ou talvez melhor: unicidade.(2) BURDEAU (Traité..., cit., 11, 2.. ed., pág. 348) alude ainda a unidade ouplural idade de ideias de Direito, mas este critério é de rejeitar em nome, exactamente,da distinção entre regime e forma de Estado. Em qualquer Estado, ainda que com-posto, dificilmente pode admitir-se mais de um regime ou mais de uma ideia deDireito (cfr. infra).(3) A descentralização administrativa territorial pode ser, assim, consoante ospaíses, municipal, provincial ou simultaneamente municipal e provincial.~280 Manual de Direito Constitucionaldos comportam descentralização política. E não é a descentralizaçãoadministrativa, mas sim a política que aqui importa.Esta descentralização política é sempre a nível territorial: sãoprovíncias ou regiões que se tornam politicamente autónomas poros seus órgãos desempenharem funções políticas, participarem aolado dos órgãos estaduais, no exercício de alguns poderes ou com-petências de carácter legislativo e governativo (I). Daí que se faleem Estado regional (2).III -Por sua vez, o Estado composto ora se configura como, federação ou Estado federal (3) ora se configura como união real.Num caso e noutro, a sua base de organização é também geográficaou territorial (4).Quer na federação quer na união real regista-se uma associaçãoou união de Estados dando origem a um novo Estado que os vaienglobar ou integrar. A diferença está em que na federação se criamórgãos completamente distintos dos órgãos dos Estados-membros e todoum sistema jurídico e político-constitucional novo, enquanto que na

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união real se aproveitam alguns dos órgãos dos Estados-membros ele-vando-os a comuns. A estrutura federativa é de sobreposição, a daunião real de fusão ou de comunidade institucional.IV -A maior parte dos Estados do mundo, ontem e hoje, cons-tituem-se em Estados unitários e centralizados. Isso não significa que(I) Poderia imaginar-se ainda descentralização política a nível institucional: atra-vés, por exemplo, da atribuição de faculdades legislativas a organismos corporativos.Mas não se conhecem exemplos de tal fenómeno, que seria como que a revivescênciado Estado estamental ou corporativo da passagem da Idade Média para a IdadeModerna. O chamado sufrágio orgânico ou a participação de representantes deorganizações socioprofissionais em órgãos do Estado. deliberativos ou consultivos,tem índole diversa. pois, que, de qualquer modo, tudo se passa aí no interior dosórgãos do Estado.(2) Aliás, região tem a mesma raiz de regere (governar).(3) De foedus, aliança, tratado.(4) Uma excepção parece ser, até certo ponto, o recentíssimo federalismobelga, à face da Constituição de 1993, com a sua estrutura compósita de regiões ecomunidades. v. FRANCIS DELPÉRÉE, Le fédéralisme belge, in Revue européenne dedroit public, 1993, págs. 29 e segs.Parte /11- Estrutura Constitucional do Estado 281a fonna unitária seja a fonna nonnal de existir dos Estados. Tão nor-mais como o Estado centralizado são o Estado regional e o Estadofederal.O que pode dizer-se, entretanto, é que no seio dos Estados com-postos existem sempre Estados unitários. Os Estados componentessão, em geral, com raríssimas excepções, imediatamente Estados uni-tários. E, claro está, qualquer Estado, mesmo o Estado federal, é uni-tário no sentido de que, em si, na respectiva estrutura interna, o seupoder é uno (ou, se se preferir, único).75. O Estado unitário descentralizado ou regionalI -A concepção constitucional específica e a elaboração teóricado regionalismo político são relativamente recentes, sem embargode certas notas características se encontrarem antes. Remontam àConstituição espanhola de 1931 e à italiana de 1947.A doutrina dominante parece inclinar-se para a sua inserção den-tro do Estado unitário. Mas há também quem pense tratar-se de umtertium genus e quem entenda que, por causa dele, fica posta em causaa distinção clássica entre Estados unitários e Estados federais (I).r) Cfr. GASPARRE AMBROSINI, Un tipo intermedio di Stato tra I'unitario e ilfederale caratterizato dall'autonomia regionale, in Rivista di Diritto Pubblico, 1933,pâgs. 92 e segs.; GUlDO LUCATELLO, Lo stato regionale quale nuova forma di Stato,in Atti dei primo convegno di studi regionali, Pâdua, 1955, pâgs. 136 e segs.; CHAR-LES DURAND, De I' État fédéral à I' Etat unitaire décentralisé, in L' évolution du droitpublic -Études en I' honneur d'Achille Mestre, obra colectiva, Paris, 1956, pâgs. 193e segs.; JUAN FERRANDO BADIA, Formas dei Estado desde Ia perspectiva dei Estadoregional, Madrid, 1964; CLAUDE PALAZZOLI, Les régions italiennes.

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Contribution àI' étude de la décentralisation politique, Paris, 1966; FAUSTO DE QUADROS, A des-centralização das funções do Estado nas províncias ultramarinas portuguesas,Braga, 1971; AMÂNCIO FERREIRA, As regiões autónomas na Constituição portu-guesa, Coimbra, 1980, pâgs. II e segs.; RAFAEL ENTRENA CUESTA, Estado regional,Estado autonómico, Estado federal, in Administración y Constitución -Estudios enhomenaje al Professor Mesa Moles, obra colectiva, Madrid, 1982, pâgs. 209 e segs.;JUAN GONZÁLEZ ENCINAR, El Estado unitario regional, Madrid, 1985; GARCIA DEENTERRÍA, Estudios sobre autonomias territoriales, Madrid, 1985; ANTONIO D' ATENA,Costituzione e Regioni, Milão, 1991; L'État autonomique;forme nouvelle ou tran-sitoire en Europe?, obra colectiva, Paris, 1994.282 Manual de Direito ConstitucionalII -Podem ser apontadas várias categorias de Estados des-centralizados.No Estado regional integral, todo o território se divide emregiões autónomas. No Estado regional parcial, encontram-se regiões .politicamente autónomas e regiões ou circunscrições só com des-centralização administrativa, verificando-se pois, diversidade de con-diçÕes jurídico-políticas de região para região.E esta é também uma diferença clara em relação ao Estado fede-ral, sempre integral por natureza (sempre formado, inteiramente, porum maior ou menor número de Estados federados).No Estado regional homogéneo, seja integral ou parcial, a orga-nização das regiões é, senão uniforme, idêntica (a mesma no essen-cial para todos). No Estado regional heterogéneo, ela pode serdife-renciada ou haver regiões de estatuto comum e regiões de estatutoespecial (I).Em geral, as regiões são criadas pela Constituição, mas conhecem-secasos -ainda que de necessária relevância a nível de Constituição mate-rial -de regiões instituídas por lei (caso da Gronelândia) e até pelo Direitointernacional (caso do Alândia).Como exemplos de Estados regionais integrais apontem-se o Brasil(no Império, após a revisão da Constituição em 1834), a Áustria (antesde 1918), a Itália, a Espanha, agora (na vigência da Constituição de 1978)ou a África do Sul (com a Constituição de 1996).Como exemplos de Estados regionais parciais indiquem-se a Finlândia(por causa da Alândia), a Espanha (quando da Constituição de 1931 ), aDinamarca (quanto às Ilhas Feroé e à Gronelândia), Portugal (desde 1976,em virtude das regiões autónomas dos Açores e da Madeira), a Rússia, aUcrânia (por causa da Crimeia), a China (sobretudo, por causa de Hon-congue desde 1997 e de Macau a partir de 1999) ou o Reino Unido (coma Irlanda do Norte, a Escócia e Gales, a partir de 1998 e 1999).Como exemplos de Estados regionais heterogéneos refiram-se a Itália,com regiões de estatuto especial -Sicília, Sardenha, Vale de Aosta, Tren-tino -Alto Ádige r) e Friul -Venécia Júlia -e regiões de estatuto(1) No Estado regional parcial e no Estado regional heterogêneo pode falar-seem regionalismo assimêtrico.

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(2) Esta ainda com a situação particular das duas províncias de Trento eBo1zano.Parte lI/-Estrutura Constitucional do Estado 283~~comum -as restantes -e a Espanha actual (com comunidades autónomasde regimes diversos).III -O grau de descentralização varia muitíssimo; desde regiõesque pouco mais parecem do que colectividades administrativas a regiõesque parecem Estados-membros de uma federação. Geralmente, osestatutos são-lhes outorgados pelo poder central, mas há casos (asregiões italianas, as regiões autónomas portuguesas) em que elas che-gam a participar na elaboração e na revisão desses estatutos (I).A maior semelhança possível entre Estado regional e Estadofederal dá-se quando aquele é integral e as regiões, além de faculdadeslegislativas, possuem faculdades de auto-organização. Mesmo assim,porém, cabe distinguir:I a) Porque o acto final, a vontade última na elaboração ou naalteração dos estatutos regionais pertence ao poder central (2); ouseja, as regiões não têm poder constituinte;b) Porque as regiões tão pouco participam na elaboração e narevisão da Constituição do Estado, como unidades políticas distintasdele; ou seja, o poder constituinte do Estado é de]as independente.Juridicamente o Estado federal dir-se-ia criado pelos Estadosi componentes. Pelo contrário, as regiões são criadas pe]o poder cen-, traI, e as atribuições políticas que têm tanto podem vir a ser alarga-das como extintas por este. Mais ainda: se o Estado federa] desa-parecer, em princípio os Estados federados adquirem ou readquiremplena soberania de Direito internacional; não assim as regiões autó-nomas, as quais, como quaisquer outras colectividades descentralizadas,ou desaparecem com o Estado ou carecem de um acto expecíficopara obterem a soberania (3).Os recentes desmembramentos da União Soviética e da Iugoslávia,com o acesso à plena soberania dos Estados que as compunham, mostra bem(I) No sentido de que só haveria verdadeiramente Estado regional quandoexistisse tal participação das regiões na sua própria organização, FAUSTO DE QUADROS,op. cit.. págs. 58 e segs.r) lbidem, op. cit., pág. 62.(3) Cfr. JELLINEK, op. cit., págs. 371-372."'284 Manual de Direito Constitucional->que, mesmo em federações politicamente fictícias (I), perdura um resíduo deestadualidade pronto a revivescer se as condições o permitem.N -Com a descentralização política regional não se confunde aregionalização, traduzida em desconcentração regional e, sobretudo, nacriação de autarquias supramunicipais, a que aludimos em capítulo anterior.Se a dimensão e alguns dos objectivos das regiões que assim seapresentam em alguns países podem ser semelhantes aos das regiõesautónomas, os meios orgânicos e funcionais oferecem-se bem diver-sos. Só as regiões autónomas possuem órgãos e funções de naturezapolítica e, portanto, afectam a forma do Estado.76. Autonomia política com e sem integraçãoI -A par da autonomia regional, que é efeito de descentralizaçãopolítica ou político-administrativa, conhece-se a autonomia (ou talvez

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melhor, uma gama algo diversificada de formas de autonomia) deque são dotadas certas comunidades territoriais dependentes doutrosEstados ou em regimes especiais.Trata-se aqui de um conceito empírico destinado a descreveralgo de situado entre a não autonomia territorial e o estatuto deEstado independente (2) (3) ou entre a não autonomia territorial e aintegração em Estado independente, em igualdade com quaisqueroutras comunidades que deste façam parte.II -São, designadamente, quatro os tipos de estatutos de auto-nomia de comunidades territoriais:a) Autonomia derivada de antigos laços feudais (a Ilha deMan e as Anglo-Normandas em relação à Coroa Britânica);(I) A!iás, a Constituição soviética reconhecia o direito de secessão das repú-b!icas (art. 72.0 da Constituição de !977).(2) Cfr. DANIEL VIGNES, Sur Ia notion d' autonomie en droit constitutionnel, inRevue internationale d'histoire politique est constitutionnelle, !956, págs. 87 e segs.;ou RUTH LAPlDOTH, Some Rejlections on Authonomy, in Mélanges offerts à PaulReuter, obra co!ectiva, Paris, 198! , págs. 379 e segs.(3) Cfr., supra, o que dissemos acerca das co!ectividades pré-estaduais e daformação de novos Estados.Parte 111- Estrutura Constitucional do Estado 285h) Autonomia ligada a vínculos coloniais ou semicoloniais (ascolónias autónomas e semi-autónomas britânicas, como foram antesde acederem à independência quase todos os países do Commonwe-alth e como ainda hoje são as Bermudas e Gibraltar; de certo modo,os territórios ultramarinos franceses como a Nova Caledónia ou aPolinésia; Guam, em relação aos 'Estados Unidos) (I);c) Autonomia com associação a outros Estados (as AntilhasHolandesas e Aruba em face da Holanda, Porto Rico e Marianas doNorte perante os Estados Unidos, as ilhas Cook e Niue em face daNova Zelândia);d) Autonomia ligada a situações internacionais especiais (Macauem face de Portugal; e ainda Fiume entre 1919 e 1924, o Sarreentre 1919 e 1935 e entre 1945 e 1955, Dânziga entre as duas guer-ras mundiais, Trieste durante alguns anos após a 2.3 guerra; Berlimentre 1949 e 1990 (2); numa fase de preparação para a autodetermi-nação, alguns territórios sob mandato ou sob tutela).III -A estrutura da autonomia das regiões autónomas e adas comunidades territoriais dependentes acabadas de enunciardir-se-iam prima f(;Jcie similares. Há autonomias mais extensasou menos extensas num lado e noutro e também são variáveis ospoderes de controlo e de intervenção das autoridades estatais (3).Mas a natureza e o sentido da autonomia são completamente diver-sos, consoante se trate da autonomia com integração ou sem inte-gração.A autonomia própria das regiões autónomas é uma autono-mia com integração. É a autonomia -sejam quais forem asrazões em que se funde -de comunidades que compõem, comoutras, um povo, ao qual corresponde um certo e determinado Estador) Cfr., sobre os territórios ultramariHos franceses, THIERRY MICHALON, LaRépublique Française. une fédération qui s' ignore ? .in Revue du droit public, 1982,págs. 623 e segs.r) Sobre o estatuto de Berlim. v. HONORÉ MARC CATUDAL, Origins and EarlyDevelopment of the Berlin Problem. in Revue de droit international. 1983, págs. 81e segs.(3) Cfr. RUTH.LAPlDOTH, op. cit., loc. c ii, págs. 384 e segs.286 Manual de Direito Constitucional

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e que, por essa via, têm pleno acesso à soberania desse mesmoEstado.Pelo contrário, a autonomia sem integração -resulte ela delaços feudais, coloniais; associativos, internacionais ou outros -implica uma separação e, ao mesmo tempo, uma subordinação.A comunidade que dela goza não se considera constitutiva do povodo Estado soberano a que se encontra vinculada e está, portanto,numa espécie de capitis deminutio perante ele; o seu território não éparte integrante do território desse Estado soberano (ou se, porven-tura, é declarado parte integrante, encontra-se numa condição parti-cular frente à metrópole),. e, por virtude desta diferenciação, avultaa imperfeição do respectivo estatuto constitucional.No seu estudo iiber Staatsfragmente (trad. castelhana Fragmentos deEstado, Madrid, 1978), JELLINEK faz distinção análoga (pág. 103) acercadas situações de que se ocupa: situações procedentes do Antigo Regime(por exemplo, no Império Austro-Húngaro), a Finlândia e a Alsácia-Lorenado seu tempo, colónias autónomas britânicas, etc. Mas a sua perspectiva édiversa, pois que, embora considere quatro graus de participação das comu-nidades na definição da sua própria organização (pág. 100), para ele trata-seessencialmente do conceito de "fragmentos de Estado" ou "País" (Land)como descritivo de situações em que se deparam a]gum ou a]guns dos e]e-mentos do Estado, mas não todos -quer dizer -situações nas quais. emvez de povo, território e poder político aparecerem reunidos, aparecem dis-saciados uns dos outros (pág. 57). E natura]mente, por isso, JELLINEK exc]uideste conceito os Estados federados (I).Abundantes noutras épocas, as autonomias sem integração sãohoje pouco numero~as, em consequência do princípio da autodeter-minação dos povos levada às suas últimas consequências (de inde-r) Cfr. as observações críticas de SANTI ROMANO, Sui cosidetti "Stoatsfrag-mente", in Scritti Minori, I, págs. 41 e segs.: os três elementos do Estado só o são,quando todos reunidos; se não há os três juntos, também não há nenhum, também nãohá "fragmentos de Estados". Ou as de KELSEN, Teoria General..., cit., págs. 249e segs.: só a grande diversidade e a forma política existente nos teITitórios parciaise certos aspectos de natureza ético-política podem ocultar a unidade jurídica e con-duzir à hipótese perturbadora de uma forma peculiar de descentralização.Parte 111- Estrutura Constitucional do Estado 287pendência ou de integração de pleno direito noutros Estados). Masnão é seguro que se extingam por completo, porque algumas tradu-zem singularidades irredutíveis e outras são geradas por vicissitudesinternacionais ~ que, sob vestes múI.tiplas, não deixam de se repe-tir em sucessivos momentos.77. Os Estados compostos. Federações e uniões reaisI ~ Passemos à análise do Estado composto ou complexo,nas duas grandes formas conhecidas, de união real e de federação~ aquela surgida empiramente, esta em resultado de uma construçãoracional coeva do constitucionalismo moderno.Precisando ainda a distinção: a federação repousa na sobreposi-ção, porque um poder novo e distinto, o poder federal, surge acimados poderes políticos dos Estados nela integrantes, os Estados fede-rados; ao invés, a união real na fusão ou na colocação em comum de

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alguns dos órgãos dos Estado que a constituem, de tal modo quefica a haver, ao lado dos órgãos particulares de cada Estado, um oumais órgãos comuns (pelo menos, o Chefe do Estado é comum) comos respectivos serviços de apoio e execução.Complementarmente, o grau de integração dos Estados compo-nentes e, portanto, a complexidade jurídica da organização são muitomais acentuados no Estado federal do que na união real. O poder cen-tral é mais forte naquele e maiores, por isso, quer a interpenetraçãono plano do Direito interno quer a identidade de sistemas políticos;pelo contrário, os Estados-membros da união real ~ muitas vezes,uma formula de transição ~ conservam as suas peculiaridades e,não raro, mantêm uma limitada capacidade internacional (I).II ~ A união real distingue-se da união pessoal. Esta não é umEstado composto, mas, quando muito, uma associação de Estados: o(I) Parte da doutrina sustenta, por isso, que a união real não é um novoEstado, mas uma associação de Estados, mais próxima da confederação do que dafederação: v., por todos, GARCIA PELAYO, Derecho Constitucional Comparado, 8.. ed.,Madrid, 1967, págs. 206 e segs.288 Manual de Direito ConstitucionalChefe do Estado é também aqui comum aos dois Estados, emborasomente a título pessoal e não orgânico; o que é comum é o titulardo órgão e não o próprio órgão. A união real é regulada por umaConstituição ou por outro acto jurídico específico; a união pessoal nor-malmente (embora nem sempre) resulta da mera coincidência dedesignação da pessoa do Chefe do Estado pelos Direitos próprios dedois ou mais países.Distingue-se outrossim a união real da união incorporada. Esta jánão é um Estado composto, mas um Estado simples ou unitário ou pelomenos, uma fase de transição de um Estado composto (sob a forma deunião real) para um Estado simples. Como escreve um autor, os Estadosincorporados deixam-se absorver pela união e, a par de certa autonomiaadministrativa, apenas conservam a reminiscência da designação honoríficade reinos ou repúblicas (I).III -As federações tendem a corresponder a repúblicas; as uniõesreais, pessoais e incorporadas a monarquias. Mas com atenuações impor-tantes, porque, logicamente, nem as federações têm de ser federações de repú-blicas ou com forma de repúblicas, nem as uniões reais têm de ser uniõesmonárquicas.Federações republicanas: os Estados Unidos, a Suíça ou o Brasil.Federações monárquicas: a Alemanha entre 1871 e 1918 r), a Mal ásia e osEmirados Árabes Unidos, por englobarem Estados monárquicos r). Fede-rações sob forma monárquica: além desses, o Canadá, a Austrália e a Bél-gica. E há federações com diferentes sistemas de governo: com sistema pre-sidencial (Estados Unidos, México), com sistema directorial (Suíça), comsistema parlamentar (Alemanha, Índia).Uniões reais: a Inglaterra e a Escócia a seguir a 1707 (3); a Rússia e aFinlândia de 1809 a 1917; Portugal e o Brasil de 1815 a 1822; a Suécia ea Noruega de 1815 a 1905; a Áustria e a Hungria de 1867 a 1918 (4); a Dina-marca e a Islândia de 1918 a 1944. De união real, sob forma republicana,

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(I) QUEIROZ LIMA, op. cit., pág. 175.(2) Mas o Império alemão também abrangia repúblicas: as cidades hanseáticas.(3) Com o Act of Union.(4) Com antecedentes na Pragmática Sanção de 1713. Cfr. JEAN BÉRENGER,L'Empire Austro-Hongrois, in Le concept de fEmpire, obra colectiva, Paris, 1980,págs. 311 e segs.--~~ ---Parte Il/ -Estrutura Constitucional do Estado 289aproxima-se a união estabelecida entre Tanganica e Zanzibar desde 1964, sobo nome de Tanzânia.Uniões pessoais: Espanha e Império Germânico no tempo de Carlos V;Portugal e a Espanha de 1580 a 1640 (I); Inglaterra e a Escócia de 1603a 1707; Inglaterra e Hanover de 1714 a 1837; Holanda e Luxemburgode 1816 a 1890; Portugal e o Brasil em 1826 (D. Pedro IV) (2); a Grã-Bre-tanha e os países da Commonwealth que mantêm fidelidade à Coroa brítâ-nica (Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Jamaica, etc.) (3).Uniões incorporadas: a Grã-Bretanha ou união entre a Inglaterra e aEscócia, pelo menos, nos dois últimos séculos.Por detrás das fórmulas jurídicas das uniões urge, porém, discemirfenómenos de supremacia,ou domínio político de uns Estados sobre outros,como no caso de Portugal e Espanha em 1580-1640 ou da Inglaterra sobreos outros países das Ilhas Britânicas (4).' "IV -Estados compostos, as federações e as uniões reais são,do mesmo passo, associações de Estados cuja integração orgânica pro-movem. São as mais intensas das associações de Estado (5) que é pos-sível encontrar; as que conduzem ao aparecimento de novos Estados.Delas se distinguem as confederações e as novas realidades jurí-dico-internacionais de integração económica e até política (recondu- f,zíveis ou não àquelas) (6), como as Comunidades Europeias e aiUnião Europeia e a Mercosul (que liga o Brasil, a Argentina, o Uru-guai e o Paraguai).(I) Sobre a união pessoalluso-espanhola, v., recentemente, ANTÓNIO MANUELHESPANHA, Revolta e revoluções: a resistência das elites provinciais, in AnáliseSocial, n.o 120, 1993, págs. 82 e segs.(2) O título de imperador reconhecido a D. João VI pelo tratado luso-brasi-leiro de 1825 era meramente honorífico.(3) Uma espécie de união pessoal -de partido político -foi a atribuição dopoder, entre 1975 e 1980, na Guiné-Bissau e em Cabo Verde ao Partido Africano daIndependência da Guiné e Cabo Verde.(4) Sobre o assunto, v. JIM BULPITr, The making of the United Kingdom:Aspects on English Imperialism, in Parliamentary Affairs, vol. XXXI, n.o 2, 1978,págs. 174 e segs.(5) Cfr. JORGE MIRANDA, União de Estados, in Verbo, XVIII, págs. 439 e segs.e autores citados.(6) Cfr. supra.19- Manual de Direito Constitucional, III290 Manual de Direito Constitucional

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Do pacto confederativo resulta uma entida,de a se, com órgãospróprios (pelo menos, uma assembleia ou dieta eonfederal). Nãochega a emergir um novo poder político ou mesmo uma autoridadesupraestadual com competência genérica. Tudo se passa ainda nocampo do Direito internacional, e não já no do Direito interno comosucede nos Estados compostos (I).Acrescente-se uma nota interessante sobre as Comunidades Euro-peias: é que tendo surgido originariamente separadas -ComunidadeEuropeia do Carvão e do Aço, Comunidade Económica Europeia e comu-nidade Europeia de Energia Atómica -fundiram as suas instituições a par-tir de 1965, embora tenham mantido distintas as individualidades jurídi-cas e as competências dos respectivos órgãos à luz dos seus tratadosconstitutivos; o Acto Único Europeu confirmaria esta evolução, ao for-malizar o Conselho Europeu e ao consagrar a cooperação em políticaexterna; e mais ainda Maastricht e Amesterdão (2). Dir-se-ia uma uniãoreal de organizações internacionais.78. Os Estados federais em particularI -O Estado federal ou federação assenta, repetimos, numaestrutura de sobreposição, a qual recobre os poderes políticos locais(isto é, dos Estados federados), de modo a cada cidadão ficar simul-taneamente sujeito a duas Constituições -a federal e a do Estadofederado a que pertence -e ser destinatário de actos provenientesde dois aparelhos de órgãos legislativos, governativos, administrati-vos e jurisdicionais.Assenta também numa estrutura de participação, em que opoder político central surge como resultante da agregação dospoderes políticos locais, independentemente do modo de forma-(I) Cfr. ALEXIS DE TOCQUEVILLE, op. cit., I, pág. 224; LOUIS LE FUR, ÉtatFédéral et Confédérations d'États, Paris, 1986; CARL J. FRIEDRICH, ConstitutionalGovernment and Democracy, 1950, trad. francesa La Démocratie Constitutionnelle.Paris, 1958, págs. 164 e segs.; ALFRED VERDROSS, op. cit., págs. 280 e 281; PAULREUTER, Confédération et fédération. in Mélanges offerts à Charles Rousseau, obracolectiva, Paris, 1974, págs. 209 e segs.; LUCIO LEVI, Confederazione. in Diziona-rio di Politica, págs. 211 e segs.(2) Daí falar-se em Comunidade Europeia (no singular).Parte IIl-Estrutura Constitucional do Estado 291ção (I): donde, a tern1inologia clássica de Estado de Estados. Se par-ticipação há igualmente na união real, não atinge nesta o desenvol-vimento e a sistemática racionalização que atinge na federação.Tal a nossa maneira de ver (2) -como se verifica, uma maneirade ver dualista da organização federal. Naturalmente, não é original,nem é única: há os que negam ou diminuem o carácter de Estado doEstado federal (assimilando-o à confederação) ou o dos Estados fede-rados (reduzidos a algo parecido com regiões autónomas) e há tam-bém os que tomam o Estado federal como a totalidade ou a somados Estados federados e da união (e só essa totalidade teria a sobe-rania) (3).{1) Pois a história mostra federalismo por agregação (Estados distintos que seunem: caso dos Estados Unidos) e por desagregação (Estados unitários que se trans-formam em federais: caso do Brasil em 1889).(2) V. já o nosso artigo Federação, in Verbo, VII, pág. 486.(3) Cfr. JELLINEK, Teoria General..., cit., págs. 577 e segs.; LABAND, Le Droit

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Public de r Empire Allemand. trad., I, Paris, 1960, págs. 202 e segs.; CARRÉ DEMALBERG, op. cit.. I, págs. 90 e segs.; SMEND, op. cito. págs. 176 e segs. e 235 e segs.;KELSEN, Teoria General..., cit., págs. 272 e segs.; MICHEL MOUSKHÉLY, La théoriejuridique de l'ÉtatFédéral. Paris, 1931; C. SCHMITT, Teoria..., cit., págs. 417 e segs.;auloo LUCATELLO, Lo Stato Federale. I, Pádua, 1939; PABLO LucAs VERDU, EstadoFederal. in Nueva Enciclopedia Juridica, IX, Barcelona, 1958, págs. 1 e segs.; auyHÉRAUD, Aspects juridiques de Ia génese fédérale, in Estudios Juridico-Sociales enHomenaje al Professor Luis Legaz y Lacambra, obra colectiva, Santiago de Com-postela, 1960, 11, págs. 885 e segs.; a. BURDEAU, Traité,.., cit., 11, págs. 461 e segs.;aARCIA PELAYO, op. cito, págs. 215 e segs.; Le fédéralisme et le développement desordres juridiques, obra colectiva, Bruxelas, 1971; E. STEIN, Derecho Politico. trad.,Madrid, 1973, págs. 107 e segs.; R. ZIPPELIUS, op. cit., pá.gs. 220 e segs.; WILLIAMH. STWART, Concepts of Federalism, Lanham, 1984; STANISLAW EHRLICH, Theoreti-cal Reflections ou Federations and Federalism, in Revue internationale de sciencepolitique, vol. 5, n." 4, 1984, págs. 359 e segs.; OLIVEIRA BARACHO, Teoria geral dofederalismo, Rio de Janeiro, 1986; STÉPHANE RIALS, Destin du fédéralisme, Paris,1986; PAUL-CHARLES aOOSSENS, Esquisse d' une typologie différentielle du fédéra-lisme, in Présence du Droit Public et des Droits de r Homme -Mélanges offertsà Jacques Velu, obra co1ectiva, 11, Bruxelas, págs. 929 e segs.; Fédéralisme etCours Suprêmes, obra colectiva, Bruxelas, 1991; SERGIO ORTONI, lntroduzione aldiritto costituzionale federativo, Turim, 1993; Quali dei tanti federalismi. obracolectiva, Pá.dua, 1997; DIRCÊO TORRECILLAS RAMOS, O federalismo assimétrico, SãoPaulo, 1998.292 Manual de Direito ConstitucionalII -De qualquer sorte, a dualidade de Estados não tem de sig-nificar separação ou polarização. A dupla estrutura de sobreposiçãoe de participação só pode sobreviver com integração política e jurí-dica; e esse papel cabe à Constituição federal.Em cada federação, se pode não ter havido historicamente umacto constitutivo, pelo menos ele tem de ser pressuposto (entenda-seou não como acto-união). Mas, formada a federação, doravante é aConstituição federal -obra de um poder constituinte distinto do decada um dos Estados federados, embora resultante da sua interven-ção -que contém o fundamento de validade e de eficácia do orde-namento jurídico federativo; e é ele que define a competência dascompetências (I) (ao passo que na confederação, subsiste sempre, esó, o respectivo pacto confedera]).Por outro lado, à confederação é inerente o direito de secessãodos Estados confederados. Já não à federação, em que tal direito ounão é reconhecidocaos Estados-membros ou depende da Constituiçãofederal.Do mesmo modo, em rigor só em Estado federal há cidadaniacomum e, na maior parte dos casos, a cidadania federal precede a decada Estado federado.

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III -Das duas características expostas -sobreposição e par-ticipação -procedem os seguintes princípios directivos:1.0) Dualidade de soberanias -a de cada um dos Estados fede-rados e a do Estado federal, tendo cada um deles a sua Constituição(e Constituição emanada de um poder constituinte originário, exercidoem nome próprio), bem como o correspondente sistema de funções eórgãos (legislativos, governativos, administrativos e jurisdicionais);2.0) Participação dos Estados federados na formação e na modi-ficação da Constituição federal, seja a título constitutivo, seja a títulode veto colectivo, séja por via representativa, seja por referendosparciais (2);(1) Na conhecida expressão da doutrina alemã.(2) Referendos ou votações populares em que os resultados são apurados porEstados, não bastando a maioria obtida pela soma de votos em toda a união.P{1rte l/l -Estrutura Constitucional. do Estado 2933.0) Garantia (a nível de Constituição federal) da existência edos direitos dos Estados federados;4.0) Intervenção institucionalizada dos Estados federados naformação da vontade política e legislativa federal, através de órgãosfederais com adequada representação dos Estados (senados ou con-selhos federais, os primeiros com titulares eleitos é os segundos comtitulares delegados dos Governos locais) ( I );5.0) Igualdade jurídica dos Estados federados, traduzida emigualdade de direitos dos seus cidadãos, em reconhecimento dovalor dos actos jurídicos neles celebrados e em participação porigual (ou em base proporcional) nos órgãos federais ou em algunsdeles;6.0) Limitação das atribuições federais, o que deriva da ideiade agregação dos Estados como hipótese explicativa da federação epossui o sentido (inverso do da descentralização política e adminis-trativa) de que todas as matérias não reservadas ao Estado federalincumbem ou podem incumbir aos Estados federados (2).IV -Naturalmente, sã-O diferentes as concretizações destesprincípios. Porém, mais do que isso, nem sempre eles se verificame, por isso, torna-se necessário considerar Estados federais de maisde um tipo ou grau: pelo menos, Estados federais perfeitos e imper-feitos (3).Os primeiros são os que apresentam todas aquelas característi-cas (como os Estados Unidos ou a Suíça).Os segundos são os que apresentam a maior parte delas, mas nãotodas, nomeadamente a intervenção dos Estados nas modificaçõesda Constituição federal (como o Brasil ou a Rússia).(I) Cfr. G. LEIBHOLZ, La Rappresentazione nella Democrazia, trad., Milão,1989, págs. 286 e segs.(2) E podem ser consideradas normas centrais da Constituição federal preci-samente as que traduzem estes grandes princípios organizativos da forma federal: cfr.RAÚL MACHADO HORTA, Normas centrais da Constituição federal., in Revista deInformação Legisl.ativa, n." 135, Julho-Setembro de 1997, págs. 175 e segs.(3) Nas duas primeiras edições deste tomo, admitíamos em terceiro termo:Estados federais fictícios.294 Manual de Direito ConstitucionalV -Refiram-se ainda outras distinções.Todos os Estados federais actuais, são de um grau: abaixo do Estadofederal apenas há um grau de Estados federados. Na U. R. S. S., pelo con-trário, a Rússia -uma das repúblicas federadas -era, por seu turno,

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já porsi um Estado federal, que agrupava Estados federados -repúblicas socia-listas soviéticas autónomas (I).As uniões reais nunca agrupam mais de dois ou três Estados e a indi-vidualidade concreta de cada um conta sempre bastante. Mas a federaçãotanto pode ser apenas de dois Estados federados (por exemplo, a Checos-lováquia entre 1969 e 1992), ou de meia dúzia (a Austrália, a ex-Jugoslá-via) como de várias dezenas (os Estados Unidos, o México).Há Estados federais igualitários e não igualitários (o que se prende,quase sempre, com diferenças de dimensão territorial, humana ou econó-mica dos Estados federados) e pode haver hegemonia de um Estado fede-rado sobre os demais (v. g., a Prússia na Alemanha imperial ou a Rússiana U. R. S. S.). \Há federalismos de largos espaços e de pequenos espaços. Os Esta-dos federados, umas vezes, têm grande extensão populacional e territo-rial, (como nos Estados Unidos, no Canadá, no Brasil); outras vezes,pouco mais são que cidades ou distritos (caso dos cantões suíços ou dealguns dos Liinder alemães). Naqueles avulta a complexidade, nestes ocarácter quase municipal, com implicações político-administrativas ine-rentes.VI -Situação particularíssima vem a ser a do Brasil, onde searticulam federalismo a nível de Estados e regionalismo político anível de Municípios.Segundo a Constituição de 1988, a organização político-admi-nistrativa da República compreende a União, os Estados, o DistritoFederal e os Municípios, "todos autónomos" (art. 18.0); compete aosMunicípios legislar sobre assuntos de interesse local, suplementar alegislação federal e a estadual e instituir e arrecadar tributos (art. 30.0);r) A Rússia antes de 1991 era, assim, um Estado federal, mas não um Estadosoberano de Direito internacional (o que mostra que não se pode simplesmente divi-dir os Estados soberanos em unitários e federais).De resto, pode haver ou tem havido federações de entidades políticas nãoestaduais, como antigas federações coloniais britânicas (Índias Ocidentais, Rodésiae Niassa, Arábia do Sul).Parte Il/- Estrutura Constitucional do Estado 295e eles regem-se por leis orgânicas votadas pelas respectivas câmarasmunicipais (art. 29.0).Os municípios são, pois, entidades políticas integrantes da estru-tura do Estado, embora não propriamente entidades estatais de 2.0grau (I) (2).79. O sistema jurídico complexo dos Estados federaisI -A coexistência de várias ordens jurídicas no interior doEstado federal não se presta a uma fácil explicação dogmática.Ela tem, contudo, de se procurar na relação entre a Constituiçãofederal e as Constituições dos Estados federados; envolve suprema-cia, mas em termos de supracoordenação,. e exige uma visão con-jugada de normas e competências.Esta supremacia traduz-se em:a) Os princípios básicos do regime, tal como constam da Cons-tituição federal, impõem-se às Constituições dos Estados federados(conforme estabelecem, v. g., o art. 5.0, secção 3.8, n.O 3, da Consti-

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tuição dos Estados Unidos, o art. 28.0 da Constituição alemã ou osarts. 19.0 e 20.0 da Constituição brasileira);{1) Cfr., algo diversamente, JosÉ AFONSO DA SILVA, O Município na Consti-tuição, São Paulo, 1989, maxime págs. 7 e 8; CARLOS MÁRIO DA SILVA VELLOSO,Estado Federal e Estado Federado na Constituição Brasileira de 1988: do equilí-brio federativo, in Revista de Informação Legislativa, 1992, págs. 66 e segs.;ANDREAS J. KREIL, Diferenças de conceito, desenvolvimento e conteúdo da autono-mia municipal na Alemanha e no Brasil, in Revista de Informação Legislativa,n." 128, Outubro-Dezembro de 1995, págs. 107 e segs.; ROCHA FILHO, O município noBrasil: aspectos históricos, jurídicos e económicos, ibidem, págs. 237 e segs.; MANOELGONÇALVES FERREIRA FILHO, Comentários à Constituição Brasileira de 1988, I,2.. ed., São Paulo, 1997, págs. 204 e segs.(2) Além do Brasil, outros Estados federais contêm "distritos federais" des-tinados a colocar as respectivas capitais fora de influência imediata de qualquer dosEstados federados. A sua natureza jurídica não se oferece fácil. Cfr. NINO OLIVETrIRASON, Washington D. C. tra "centro" e "periferia", in Quaderni Costituzionali, 1990,págs. 192 e segs.; GILBERTO TRISTÃO, O Distrito Federal nas Constituições e na Revi-são Constitucional de 1993, in Revista de Informação Legislativa, n." 118, 1993,págs. 31 e segs.296 Manual de Direito Constitucionalb) As Constituições dos Estados federados não podem con-trariar a Constituição federal, sob pena de inconstitucionalidade -queem rigor, envolve, porém, ineficácia e não invalidade, porque a Cons-tituição federal não é o fundamento de validade das Constituições esta-duais;c) São órgãos federais, designadamente jurisdicionais, quedecidem conflitos de competências;d) O Estado federal pode adoptar medidas coercitivas paraimpor o seu Direito aos ólgãos dos Estados federados.e) A comunicação e a unidade inter-sistemática dos ordena-mentos estaduais assentam no Direito federal.Em contrapartida, o poder constituinte federal tem como limiteabsoluto o respeito do conteúdo essencial das soberanias locais (I);as leis dos Estados federados fundam-se nas respectivas Constituições,e não na Constituição federal (2); e à federação incumbe garantir oexercício efectivo da autoridade dos Estados federados.II -Em quase todos os Estados federais, prevêem-se matériasreservadas aos Estados federados, matérias reservadas à União ematérias concorrentes, bem como diversas formas de intervençãorelativamente a elas (por meio de competências legislativas e pormeio de competências executivas) (3).Há dois sistemas típicos. No federalismo clássico (Estados Uni-dos, Suíça), procede-se a uma repartição horizontal ou material: o dua-lismo de soberania envolve um dualismo legislativo e executivo(o Estado federal faz e executa as suas leis, e o mesmo fazem os Esta-dos federados). No federalismo dito cooperativo (Alemanha), tende-se

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a uma repartição vertical: o Estado federal legisla ou define as basesgerais da legislação e os Estados federados executam ou desenvolvemas bases gerais.(I) Um limite heterónorno de direito interno: v, Manual.." II, cit., págs, 109-110.(2) Sobre lei do Estado federado e lei de região autónorna, cfr, Manual.", v,cit" págs, 381 e 382,(3) V, os arts, 22,0 e segs, da Constituição brasileira,Parte II/ -Estrutura Constitucional do Estado 29780. Os condicionalismos das formas de EstadoI -As formas de Estado não podem ser apercebidas isolada-mente como produtos autónomos. Devem ser vistas nas suas raí-zes, no seu ambiente institucional, nos seus objectivos. As razões porque um país adopta forma unitária ou federativa são sempre peculia-res a ele, conquanto propiciem generalizações (I).Não é, por acaso que à França revolucionária e jacobina, pri-meiro, e, depois, napoleónica se liga o modelo de Estado unitáriocentralizado, reforçando a obra do absolutismomonárquico; nem foipor acaso que a primeira união real surgiu nas Ilhas Britânicas ou ofederalismo nos Estados Unidos -tudo no século XVIII (2).II -Fundamentalmente, o Estado unitário é prova ou expressãode homogeneidade nacional e social, de continuidade histórica, decontiguidade geográfica; e o Estado composto uma resultante de hete-rogeneidade, descontinuidade, descontiguidade. Mas pode o Estadounitário traduzir o desejo de fazer a unidade de regiões ou povos dís-pares através da centralização e o Estado federal representar um pro-cesso de melhor organização de um grande país homogéneo.O factor técnico -distribuição do poder pelos órgãos centraise locais para maior eficiência -o factor económico-fmanceiro -dis-tribuição de receitas e despesas pela Administração central e pelaslocais -e o factor político -papel do Estado perante os outros Esta-dos e na satisfação de aspirações políticas, assim como aproximaçãodos cidadãos do poder -jogam aqui amplamente. Nuns casos, pre-valecem as tendências centrífugas com a diminuição do poder cen-tral; noutros, as tendências centrípetas com o consequente engran-decimento.r) v. ALEXIS DE TOCQUEVILLE, De Ia Démocratie en Amérique, I, cit., págs. 224,231,235 e segs.r) V. Manual..., I, cit., págs. 123, 139 e segs. e 155 e segs. e autores citados.Cfr. o cotejo (embora não em termos jurídicos) que OLIVEIRA MARTINS esta-belece entre os federalismos latino e germânico (em Teoria do Socialismo -Evo-lução política e económica das sociedades na Europa. na edição de 1974, págs. 101e segs.).1J1!.,1 298 Manual de Direito Constitucional\f.j1í Quer O federalismo quer o regionalismo político são tentativasj de equilíbrio: o federalismo, entre a independência dos Estados fede-i rados e a centralização; o regionalismo entre o federalismo e o

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Estado1 unitário centralizado.jJ.1 III -O factor político é, em cada país, determinado por pres-1 supostos históricos -modo como o Estado se constituiu ou expan-j diu; pressupostos geográficos-, afastamento entre as parcelas doj mesmo Estado; pressupostos nacionais, culturais e étnicos -dife-'! renciações no povo; pressupostos sociais e económicos -interesses1 ' a defender ou disfunções sociais e económicas a atender; pressu-i postos ideológicos -filosofias de centralização ou descentralização~ e movimentos partidários ou não, favoráveis ou desfavoráveis.j Há federalismo institucional (Estados Unidos, Suíça, Alemanha),! geográfico (Canadá, Brasil, Austrália), multinacional (Rússia), lin-j guístico (Índia), tribal ou étnico (Nigéria). Há federalismo de origemI (Estados Unidos, Austrália), de tradição (Alemanha), de imitaçãoii' (México, Brasil, ~ene~uela), de necessidad~ ,(Í.ndia), etc. ~ algo desemelhante podena dIzer-se do Estado umtano descentralIzado ou! até do centralizado.1 Hoje, a tendência parece ser para o empolamento do poder cen-I traI, quer seja único quer seja federal. Ao mesmo tempo, assiste-se1 a um realçar de certos aspectos da descentralização política e admi-.1 nistrativa, advogados segundo os diversos quadrantes (em nome der uma maior funcionalidade, ou dos particularismos locais, ou de um! princípio de participação, ou do desenvolvimento ou do equilíbrioI económico-social). E, não raro, sustenta-se mesmo a convergência naI prática de Estados unitários e federais, através da descentralização ef do federalismo cooperativo (I).I!Ij r) Cfr. KLAUS VON BEYME, Federalismo, in Marxismo y Democracia-Poli-! tica, III, obra colectiva, trad., Madrid, 1975, págs. 45 e segs.; MICHEL FROMONT,I L'évolution du fédéralisme allemand depuis 1949, in Mélanges offerts à Georges Bur-! deau -Le pouvoir, págs. 661 e segs.; Descentralist trends in Western Democracies,, obra colectiva, Londres, 1979; Federalismo y regionalismo, obra colectiva, Madrid,1979; VERNON BOGDANOR, The English Constitution and Devolution, in The Politi-cal Quarterly, 1979, págs. 36 e segs.; /l federalismo statunitense ira autonomie e cen-Parte 111- Estrutura Constitucional do Estado 299IV -Não menos relevante vem a ser a relação entre formas deEstado e regimes políticos, realidades independentes só até certo.Um poder autocrático é um poder fortemente centralizado: daí a sub-sistência apenas do Estado unitário ou a redução do federalismo amera fachada (I). Um poder democrático e liberal propenderá a aco-lher a descentralização ou o federalismo: o federalismo é uma espé-cie de separação de poderes de âmbito territorial (C. J. FRIEDRICH) (2),e o mesmo talvez se possa dizer do regionalismo.Em Estado federal, o indivíduo está simultaneamente sujeito adois poderes políticos -o federal e o do Estado federado. Toda-via, o resultado pode não ser, ao contrário do que prima facie seriade supor, ter ele de suportar o peso redobrado da autoridade pública.Na realidade, esse peso pode ser menor, porque as atribuições polí-tralizzazione, obra colectiva, Bolonha, 1979; CONSTANCE GREWE-

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LEYMARIE, Le fédé-ralisme coopératif allemand, Paris, 1981; n.o 16 de Pouvoir, 1981; MACHADO HORTA,Reconstrução do federalismo brasileiro, in Revista Brasileira de Estudos Políticos,1982, págs. 60 e segs., e O Estado-membro na Constituição federal brasileira, inRevista Brasileira de Estudos Políticos, n.OS 69-70, Julho de 1989-Janeiro de 1990,págs. 61 e segs.; número de 1984 de Le Regioni; vol. 5, n.o 4, de 1984, de lnter-national Political Science Rewiew; PHILIP MAWHOOD, The Politics of Survival-Fede-ral States in the Third World, in Revue internationale de science politique, 1984,págs. 521 e segs.; BERNARD SCHWARTZ, O federalismo norte-americano actual, trad.,Rio de Janeiro, 1984; ANTONIO JIMENEZ-BLANCO, Las relaciones de funcionamentoentre el poder central y los entes territoriales, Madrid, 1985; GIOVANNI BOGNETTI,Le Regioni in Europa: alcune riflessioni sui loro probemi e sul loro destino, inStudi in onore di P. Biscaretti di Ruffia, obra colectiva, Milão, 1987, págs. 91I e segs.; JosÉ MARIA BANo LEÓN, Las autonomias territoriales y el princípio deuniformidade de Ias condiciones de vida, Madrid, 1988; ENOCH ALBERTI ROVlRA, Losconvenios entre el Estado y Ias Comunidades Aut6nomas, in Anuario de DerechoConstitucional y Parlamentario, 1990, n.o 2, págs. 71 e segs.; The territorial dis-tribution ofpower in Europe, obra colectiva, Friburgo, 1990; PETER HÃBERLE, Pro-blemi attuali dei federalismo tedesco, in Giurisprudenza Costituzionale, 1992,págs. 3353 e segs.; MAURICE CROISAT, Le fédéralisme d' aujourd' hui: tendances etcontroverses, in Revue française de droit constitutionnel, 1994, págs. 451 e segs.;KEITH RUSEN, Federalism in the Americas in the Comparative Perspective, inlnter-American Law Review, Outubro de 1994, págs. 1 e segs.; número de Dezem-bro de 1995 de Quaderni Costituzionali.(I) Recorde-se os casos da União Soviética ou do Brasil entre 1964 e 1985.(2) Ou um dos aspectos do constitucionalismo moderno: op. cit., pág. 162.300 Manual de Direito Constitucionalticas se dividem entre os dois Estados e os órgãos respectivos,defendendo a sua esfera própria da acção, se limitam reciproca-mente.Em contrapartida, o exercício do poder em comunidades políti-cas ou regionais de dimensão reduzida, com frequência, vem a dege-nerar em abusos ou em intromissões menos suportáveis pelas pessoas;certos localismos podem enfraquecer a liberdade política e a igual-dade. E então há que contar com a garantia dos direitos a prestar pelaautoridade federal ou central (I).Mas a pluralidade de centros de decisão política propicia oufavorece o acesso ao poder de diversos partidos e forças políticasque, assim convivendo e concorrendo umas com as outras, impe-dem o monolitismo (inversamente, o federalismo fica diminuído,quando são sempre as mesmas forças e orientações que dominam a

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nível central e local).Por causa dessa divisão de poder e da complexidade de que serevestem os ordenamentos jurídicos federais e regionais tomam-seentão mais necessários e delicados os mecanismos de fiscalização-política e, sobretudo, jurisdicional -da constitucionalidade dasleis. A experiência confirma-o (2).§ 2.0Portugal, Estado unitário regional81. A transformação de Portugal em Estado unitário regionalI -É uma constante do Direito constitucional português a uni-dade do poder político, com mais ou menos descentralização e des-concentração (embora a locução "Estado unitário" só apareça desdea Constituição de 1911 ). Apenas a Constituição de 1822 esboçara algo(I) Recordem-se a luta pelos direitos civis no sul dos Estados Unidos e areseIVa pela Constituição portuguesa aos órgãos de soberania da legislação sobre direi-tos, liberdades e garantias (arts. 167.0, 168.0 e 229.0).(2) Cfr. tomo II.-Parte IJ/ -Estrutura Constitucional do Estado 301diferente: uma união real com o Brasil (I) -aliás, bastante imper-feita, por faltar uma assembleia própria do Brasil, e logo ultra-passada, por, ainda antes da aprovação final do texto constitucio-nal, o Brasil ter-se declarado independente. Para além disso, nãohouve senão a aplicação tendencial dos princípios da especializa-ção e da descentralização legislativas aos territórios ultramarinospelas Constituições de 1838, 1911 e 1933 e pelo Acto Adicional àCarta de 1852 (2).O art. 6.0 da Constituição actual, em contrapartida, vem, comojá dissemos, converter os Açores e a Madeira em regiões autónomas,dotadas de estatutos político-administrativos e de órgãos de governopróprio (n.O 2) (3). E esta é uma fortíssima alteração qualitativa, intro-duzida não somente na situação dos arquipélagos -cujos distritosdesde 1895 gozavam de maior autonomia administrativa de que osdistritos continentais (4) -mas também na própria estrutura doEstado português -correspondente agora à Nação portuguesa, noseu espaço europeu e atlântico (5) -que, pela primeira vez na his-tória, assim confere poderes substancialmente políticos a órgãosregionais com titulares não designados pelo poder central.Não se adoptou uma regionalização política integral: as regiõesadministrativas previstas para o Continente -se e quando existi-rem -serão, como se sabe, meras autarquias locais. Nem por isso(1) Sob o nome de Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (art. 20.0); masnas Cortes Constituintes chegou a ser preconizado um sistema federal. Cfr., recen-temente, PAULO OTERO, O Brasil nas Cortes Constituintes Portuguesas de 1821-1822,in O Direito, 1988, págs. 399 e segs.r) Sobre o assunto v. JORGE MIRANDA, Decreto, cit., págs. 42 e segs.(3) A referência a órgãos de governo próprio provém da revisão constitucio-nal de 1982.(4) Era o chamado regime autonómico dos distritos das Ilhas Adjacentes, comcredencial constitucional desde 1933 (pois a Constituição desse ano, no art. 124.0,§ 2.0, previa que a divisão administrativa das Ilhas Adjacentes seria regulada porlei especial). V. MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, cit., I,págs. 360 e segs.; e REIS LEITE, A Autonomia dos Açores na Legislação Portuguesa-1892-1947, Horta, 1987.

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(5) Até 1974 dito metrópole (inclusive no art. 150.0 da Constituição de 1933,entre 1951 e 1971).302 Manual de Direito ConstitucionalPortugal deixa de ser hoje um Estado unitário regional (apesar de estadesignação não estar expressamente consagrada no texto constitu-cional) (I) (2).II -Se bem que situada no contexto de 1975-1976 (com oPaís saindo do processo revolucionário, com o poder central enfra-quecido e perante certos receios de separatismos), a decisão consti-tuinte correspondeu a algo de muito profundo. Foi uma respostaadequada tanto às reivindicações de desenvolvimento e autonomiadas populações insulares como aos próprios princípios constitucionaisproclamados de descentralização e participação.Três dos projectos de Constituição apresentados à AssembleiaConstituinte já contemplavam um regime político-administrativo (3),mas O impulso para a sua definição viria das "juntas regionais" entre-tanto constituídas nos dois arquipélagos pelo Governo provisório e,sobretudo, da 8.3 Comissão (4) e dos debates travados no plenário daAssembleia Constituinte quase no termo dos seus trabalhos (5).Entrada em vigor a Constituição, logo o Governo provisóriopublicou -em obediência ao seu art. 302.0 -estatutos provisó-r) Contra, invocando o carácter de excepção, GOMES CANOTILHO, DireitoConstitucional. .., cit., pág. 338.(2) Sobre a questão da designação, v. Diário da Assembleia da República,II legislatura, 2." sessão legislativa, 1." série, n.O 130, pág. 5469.(3) V. art. 9.0, n.O 2, do projecto da Constituição do Centro DemocráticoSocial; art. 99.0 (preceito único de título específico) do projecto do Partido Socia-lista; art. 8.0, n.O 1, do projecto do Partido Popular Democrático. Também o projectodo Partido Comunista Português continha uma disposição sobre "administraçãoregional dos Açores e da Madeira", a que, muito mais tarde (cfr. Diário. n.O 121),se agregou um aditamento relativo às regiões autónomas em oito artigos.No nosso projecto (doutrinário) da Constituição (Braga, 1975) já o preconi-závamos (art. 8.0, n.O 3): "Os Açores e a Madeira terão estatutos especiais comoregiões autónomas dotadas de faculdades legislativas".(4) V. o relatório da comissão, in Diário, n.O 122, reunião de 18 de Marçode 1975, págs. 4050 e segs. Mas na sistematização inicialmente adoptada pelaAssembleia Constituinte não se previa um título sobre regiões autónomas (v. Diá-rio, n.O 13, reunião de 4 de Julho de 1975, págs. 271 e segs.).(5) V. Diário, n.OS 123, 124, 125 e 126, reuniões de 19, 23, 24 e 25 de Marçode 1975, págs. 4072 e segs., 4100 e segs., 4129 e segs. e 4171 e segs., respectiva-mente.Parte /l/ -Estrutura Constitucional do Estado 303rios e leis eleitorais para as primeiras eleições regionais (I). Estes esta-tutos vigorariam até serem elaborados estatutos definitivos (art. 302.0,n.O 3), o que aconteceria, quanto aos Açores, com a Lei n.O 39/80, de 5

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de Agosto (depois alterada pela Lei n.O 9/87, de 20 de Março, e pelaLei n.O 61/98, de 27 de Agosto), e, quanto à Madeira, com a Lein.O 13/91, de 5 de Junho.III -As revisões constitucionais não afectaram no essencial omodelo de autonomia estabelecido em 1976, embora tenham trazido,sobretudo a de 1997, clarificações e modificações importantes sem-pre no sentido de um aumento da autonomia.Em 1982, as regiões autônomas recttberam poder tributário prô-prio, o poder de definir actos ilícitos de mera ordenação social, opoder de criar e extinguir autarquias locais e o poder de participarna definição das políticos respeitantes às águas territoriais, à zonaeconômica exclusiva e aos fundos marinhos contíguos (art. 229.0,hoje 227.0). Foram aperfeiçoadas as regras sobre reserva de compe-tência da assembleia regional e sobre veto do Ministro da República(arts. 234.0 e 235.0, hoje 232.0 e 233.0). Desapareceu a possibilidadede suspensão dos ôrgãos regionais pelo Presidente da República(art. 234.0 inicial). Foi extinta a comissão consultiva para os assun-tos das regiões autônomas (art. 236.0 inicial). Assimilou-se o con-tencioso de legalidade de normas regionais ou perante os estatutosregion&is ao contencioso de constitucional idade (arts. 280.0 e 281.0).Em 1989, reconheceu-se às assembleias agora chamadas legis-lativas regionais o poder de desenvolver leis de bases. Admitiram-seautorizações legislativas da Assembleia da República a essas assem-bleias para efeito de derrogação de leis gerais da República em maté-rias não reservadas aos ôrgãos de soberania. Concedeu-se às regiõeso poder de estabelecer cooperação com entidades regionais estrangeirase de participar em organizações que tenham por objecto fomentar od~logo e a cooperação inter-regionais (art. 229.0, hoje 227.0).Em 1992, nenhum preceito sobre regiões autônomas foi afectado.(I) ~Através dos Decretos-Leis n.OS 318-B/76, 318-C/76, 318-D/76 e 318-FJ76,de 30 de Abril.304 Manual de Direito ConstitucionalPor último, a revisão constitucional de 1997 reforçou o poderlegislativo das regiões, pela subordinação de respectivos decretosaos princípios fundamentais das leis gerais da República, e não sim-plesmente às leis gerais da República (quer dizer, aos preceitos, uma um, destas leis), e pela enunciação, a título exemplificativo, dematérias de interesse específico [arts. 112.0, n.O 4, 227.0, n.O 1, alí-nea a), e 228.0]. Abriu caminho a um regime estável de finançasregionais, objecto de lei orgânica [arts. 164.0, alínea t), 227.0, n.O 1,alínea j), e 229.0, n.O 3]. Consagrou a participação das regiões no pro-cesso de construção europeia [ art. 227.0, n.O 1, alíneas v) e x )] .Eli-minou a cláusula de vedações do art. 230.0 inicial. Reduziu o con-teúdo funcional do estatuto dos Ministros da República, que deixaramde representar a soberania da República, de ter assento em Conselhode Ministros e de exercer funções administrativas, salvo, mediantedelegação do Governo, poderes de superintendência nos serviçosregionais do Estado, e cujos mandatos ficaram a coincidir com o doPresidente da República (art. 230.0). Atribuiu ao governo regional umpoder de auto-organização (art. 231.0, n.O 5). Criou referendo regio-nal (art. 232.0, n.O 2). E passou a admitir a dissolução das assembleiaslegislativas apenas por prática de actos graves contrários à Constituição(art. 234.0).82. Sentido da autonomiaI -O art. 225.0 da Constituição aponta (em parte, parecendo

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uma exposição de motivos) os fundamentos, as finalidade e os limi-tes da autonomia regional:" 1. O regime político-administrativo próprio dos arquipélagosdos Açores e da Madeira fundamenta-se nas suas característicasgeográficas, económicas, sociais e culturais e nas históricas aspi-raçÕes autonomistas das populações insulares. -2. A autonomiadas regiões visa a participação democrática dos cidadãos, o desen-volvimento económico-social e a promoção e defesa dos interessesregionais, bem como o reforço da unidade nacional e dos laços desolidariedade entre todos os portugueses. -3. A autonomia polí-tico-administrativa regional não afecta a integridade da soberaniado Estado e exerce-se no quadro da Constituição."Parte 111- Estrutura Constitucional do Estado 305A despeito de muito denso, deve ser lido em conexão com osarts. 9.0, alínea g), 81.0, alínea d), 90.0 e 229.0, n.O 1: é tarefa funda-mental do Estado promover o desenvolvimento harmonioso de todoo território nacional, tendo em conta, designadamente, o carácterultraperiférico dos arquipélagos dos Açores e da Madeira [art. 9.0,alínea g)]; OS órgãos de soberania asseguram, em cooperação com osórgãos do governo regional, o desenvolvimento económico e socialdas regiões autónomas, visando, em especial, a correcção das desi-gualdades derivadas da insularidade (art. 229.0, n.O 1) (1).A par dos elementos estritamente políticos, põem-se, assim, emfoco elementos económicos e sociais. Para além da autonomia comovalor em si e da maior e mais directa participação dos cidadãos nagestão dos assuntos que Ihes dizem respeito, pretende-se realizar aigualdade efectiva entre os portugueses [ainda art. 9.0, alínea d)].Porque a vida nas ilhas, mormente nas menores e mais afastadas,arrasta carências e obstáculos ao pleno fruir de direitos económicos,sociais e culturais, incumbe ao Estado e às regiões, em diálogo eobra comum, procurar remover tais carências e obstáculos atravésdo desenvolvimento e da solidariedade (2) (3).(I) A referência à insulariedade remonta a 1976, a referência ao carácterultraperiférico vem apenas desde 1997 (decerto, com base em expressões usadasem textos comunitârios europeus). Uma e outra apelam a factores de ordem geo-grâfico.r) Cfr. JORGE MIRANDA, Solidariedade e autonomia. in O Direito. 1996,pâgs. 9 e segs.(3) Sobre as regiões autónomas em gera!, v. AFONSO QUEIRÓ, Lições...,pâgs. 106 e segs.; JORGE MIRANDA, A Constituição de 1976 pâgs. 438 e segs.; LeRegioni Autonome Portoghesi, in Le Regioni. 1986, pâgs. 1042 e segs.; e RegiõesAutónomas. in Polis. V, 1987, pâgs. 182 e segs.; FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, op.cit.; EDUARDO PAZ FERREIRA, As finanças regionais. Lisboa, 1985; A autonomiacomo fenómeno cultural e político. obra colectiva, Angra do Heroísmo, 1987; MAR-GARIDA SALEMA, A divisão de competência e a resolução de conflitos entre o podercentral e as regiões autónomas. in Portugal- O sistema político e constitucio-nal- 1974-1987. obre colectiva, Lisboa, 1987, pâgs. 973 e segs.; FRANCK MODERNE,Les régions autonomes dans Ia jurisprudence constitutionnelle portugaise. in LaJustice Constitutionnelle au Portugal. obre colectiva, Paris, 1989, pâgs. 327 e segs.;DUARTE REGO PINHEIRO, Para o enquadramento jurídico da autonomia. in Atlântida-Ciências Sociais. 1989, pâgs. 81 e segs.; ÁLVARO MONJARDINO, Sobre

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os limites20- Manual de Direito Constitucional. III~, -,~;J."Ji-306 Manual de Direito ConstitucionalII -No essencial, o regime político-administrativo dos Aço-res e da Madeira consiste em:a) Atribuição de poderes atinentes à prossecução dos interes-ses específicos regionais, designadamente poderes legislativos [art. 227.0,n.O 1, alíneas a), b), c), i), j), I) e q)] regulamentares [art. 227.0, n.O 1,alínea d)] e executivos [art. 227.0, n.O 1, alíneas g), h), m) e o)];b) Atribuição também de poderes de participação em actos deórgãos do Estado que afectern especificamente as regiões [ art. 227.0,n.O 1, alíneas e), 1), p), r), s), t), v) e x)];c) Atribuição ainda de poderes adjectivos ou de garantia[arts. 281.0, n.O 2, alínea g), e 283.0, n.O 1 ];d) Criação de uma assembleia representativa e de um governoperante ela responsável como órgãos de governo próprio (arts. 231.0e 232.0);e) Articulação dos órgãos de soberania e dos órgãos de auto-nomia, através de vários poderes do Presidente da República[art. 136.0, alíneas b), d), j) e I)], dos poderes de participação dasregiões (acabados de referir), do Conselho de Estado [art. 242.0, alí-nea e)] e do Ministro da República (arts. 230.0 e seg.);1) Integração da produção legislativa regional no sistema legis-lativo nacional (arts. 112.0, 227.0 e 278.0 e segs.), bem como dasda autonomia, Angra do Heroismo, 1991; GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op.cit., págs. 843 e segs.; CARLOS BLANCO DE MORAIS, A autonomia legislativa regional,Lisboa, 1993; MARIA LúCIA AMARAL, Questões regionais e jurisprudência constitucional;para o estudo de uma actividade conformadora do Tribunal Constitucional, in Estu-dos em mem6ria do Prof. Doutor João de Castro Mendes, obra colectiva, Lisboa,1993, págs. 511 e segs.; ANTÓNIO BARREro, Autonomia regional, descentralização elimites ao poder político: reflexões sobre o caso açoriano, in Análise Social, n.OS 125-126,1994, págs. 267 e segs.; CARLOS PACHECO AMARAL, Autonomia: uma aproximação naperpectiva da filosofia social e política, Ponta Delgada, 1995; I Centenário da Auto-nomia dos Açores, obra colectiva, 5 volumes, Ponta Delgada, 1995; JORGE PEREIRA DASILVA, Regiões Aut6nomas, in Dicionário Jurídico da Administração Pública. VII,1996, págs. 130 e segs.; RUI MEDEIROS e JORGE PEREIRA DA SILVA, Estatuto Polí-tico-Administrativo dos Açores Anotado, Lisboa, 1997; GOMES CANOTILHO, DireitoConstitucional. .., cit., págs. 337 e segs. Cfr. ainda a colectânea de JORGE MIRANDAe JORGE PEREIRA DA SILVA, Estudos de Direito Regional, Lisboa, 1997.É indispensável ainda conhecer a vastissima jurisprudência produzida pelaComissão Constitucional e pelo Tribunal Constitucional.Parte lIl- Estrutura Constitucional do Estado 307finanças regionais no sistema financeiro nacional [arts. 106.0, n.O

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3,alínea e), 164.0, alínea t), 227.0, n.O 1, alíneaj), e 229.0, n.O 3].III -Em confronto com os sistemas regionais mais próximos(o italiano e o espanhol) deparam-se, como notas individualizadorasdo sistema português, além do seu carácter parcial:a) A aprovação do estatuto de cada região por lei ordinária(art. 166.0, n.O 3) e não por lei constitucional, ainda que o seu pro-cesso ofereça significativas particularidades (art. 226.0);b) O valor reforçado do estatuto (arts. 280.0, n.O 2, alíneas b),c) e d), e 281.0, n.O I, alíneas c) e d);c) A definição da autonomia legislativa por meio de cláusulasgerais com conceitos relativamente indeterminados -interesse espe-c(fico e leis gerais da República [arts. 112.0, n.os 4 e 5, e 227.0, n.O 1,alíneas a), b) e c)] -embora completadas, desde 1997, por umelenco de matéria (art. 228.0) (I);d) A explícita consagração constitucional de poderes de inci-dência internacional [art. 227.0, n.O I, alíneas s) a x)] (2);e) A atribuição às regiões não só de poder tributário própriomas também de todas as receitas tributárias nelas cobradas [art. 227.0,n.O 1, alínea i)];1) O sistema de governo regional, diferente do sistema degoverno a nível nacional;g) A instituição do Ministro da República -não tanto porcausa da sua existência (3) quanto pela confluência nele de diversosr) Cfr. art. 117." da Constituição italiana e art. 148." da Constituição espanhola.(2) Poderes análogos não são desconhecidos da prática regional da Itália e daEspanha, mas para além das respectivas Constituições. Cfr. Constitución, comuni-dades autonomas y derecho internacional. obra colectiva, Santiago de Compostela,1982; UGO DE SIERVO, Le Regioni ltaliane ed. i suoi rapporti internazionali, inQuaderni Regionali, 1985, págs. 58 e segs.; ANroNIO LA PERGOLA, Regionalismo, fede-ralismo e potere estero, ibidem, 1985, págs. 923 e segs.(3) Figuras semelhantes ou homólogas, encontram-se, com efeito, noutrospaíses: o prefeito na Alândia, nomeado pelo Presidente da República finlandesacom o acordo do Governo local (art. 6." da respectiva lei de autonomia); o AltoComissário {Rigsombudmand) nas ilhas Feroé; o Comissário do Governo em cadaregião italiana (art. 124.0 da Constituição); o Delegado do Governo em cada comu-l308 Manual de Direito Constitucionalpoderes de coordenação política e administrativa (arts. 230.0, 231.0,n.os 3 e 4, 233.0 e 234.0, n.O 2);h) A proibição de partidos regionais ( art. 311.0, n.O 2, no textoinicial; art. 51.0, n.O 4, hoje) (I ).IV- Na última revisão da Constituição de 1933, a de 1971, asprovíncias ultramarinas (2) foram chamadas "regiões autónomas"(arts. 5.0 e 133.0) "com organização político-ádministrativa adequada àsua situação geográfica e às condições do respectivo meio social"(art. 5.0) (3) (4). Ora, porque poderia supor-se haver algumas similitudesnidade autónoma espanhola (art. 154.0 da Constituição); ou até, apesar de se tratarde Estado federal, o Governador em cada província do Canadá.

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Cfr. AQUlLINOGONZALEZ HERNANDO, EI Delegado dei Gobriem en Ias Comu-nidades Autonomas, Madrid, 1980; MARCO DI RAIMONDO, II comissario dei Governo,Pádua, 1983; CARLOS BLANCO DE MORAIS, O Ministro da República -Digressãosobre as figuras comissariais do Estado em regiões autónomas, Lisboa, 1995.(1) Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA. A proibição de partidos regionais, inDireito e Justiça, 1996, págs. 73 e segs.(2) A designação "províncias ultramarinas" para os territórios sob soberaniaportuguesa de fora da Europa era a que constava das Constituições liberais: Cons-tituição de 1822, arts. 74.0,85.0, 117.0 e 162."; Constituição de 1838, art. 137.0;1." Acto Adicional à Carta, art. 15.0; Constituição de 1911, art. 67." Diversamente,o Acto Colonial de 1930 adoptou o termo "colónias", que passaria para a Consti-tuição de 1933 até à revisão de 1951.Sobre a evolução do Direito colonial português desde o con~titucionalismo,v. MARNOCO E SOUSA, Administração Colonial, cit.; SILVA CUNHA, Questões ultra-marinas e internacionais, 2 vols., Lisboa, 1960; ADRIANO MOREIRA, Política ultra-marina, Lisboa, 1960; NARANA COISSORÓ, Os princípios fundamentais do direitoultramarino português, in Estudos Políticos e Sociais, 1966, págs. 77 e segs.; ANDRÉGONÇALVES PEREIRA, Administração e Direito Ultramarino, policopiado, Lisboa,1971; parecer da Câmara Corporativa sobre a revisão da Lei Orgânica do Ultramarem 1972, in Actas..., x legislatura, n." 100.(3) A concepção do Estado português como Estado regional foi proposta porMARCELLO CAETANO na 5.a ed., de 1967, do Manual de Ciência Política e DireitoConstitucional, pela primeira vez (págs. 125-126 e 491 e segs.). Cfr., na 6.a ed., I vol.,1970, pág. 135.(4) V. a proposta de lei de revisão, in Diário das Sessões da AssembleiaNacional, 1970, 2.0 suplemento ao n." 50, págs. 1048(10) e 1048(15) e segs.; e o pare-cer da Câmara Corporativa, in Actas..., 1971, n." 67, págs. 619,623 e segs. e 662e segs.~' Parte 1/l -Estru~ura Constitucional do Estado 309,. com o actual regime das ilhas atlânticas ('), importa. muitosumaria-, mente, desfazer quaisquer equívocos (o que, aliás, não é difícil).Que a qualificação de "regiões autónomas" aplicada às "províncias ultra-marinas" se devesse ter por correcta, mesmo juridicamente, era já bastanteduvidoso (2). Fosse, porém, como fosse, são patentes as diferenças entre o seuregime -não reforçado, aliás, pela Lei Orgânica do Ultramar de 1972 (3) -e O regime constitucional dos Açores e da Madeira. Com efeito, basta assinalar:a) As províncias ultramarinas, através das suas assembleias legisla-tivas, apenas emitiam parecer sobre os respectivos estatutos [bases

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XIV,n.O I, alínea b), e XXXVI, n.O 5, da Lei Orgânica do Ultramar], os quaiseram "estabelecidos" pelo Ministro do Ultramar [art. 136.0, alínea b), daConstituição e citada base XIV da Lei Orgânica];b) As atribuições legislativas das províncias não abrangiam as maté-rias de seu interesse específico, mas apenas as matérias de interesse exclu-sivo [art. 135.0, alínea b), da Constituição]; o Ministro do Ultramar podiarevogar ou anular, no todo ou em parte, os diplomas legislativos das pro-víncias quando inconstitucionais, ilegais ou contrários aos interesses supe-riores do Estado (base XIV, n.O 2, da Lei Orgânica); e salvo, porventura,autorização dada caso a caso, elas não tinham poder regulamentar das leisgerais emanadas dos órgãos de soberania;c) As províncias ultramarinas não tinham poder executivo próprio,pois, em cada uma, o governador era o chefe dos órgãos executivos locais[art. 136.0, alínea c), da Constituição]; e em Angola e Moçambique o gover-nador-geral era coadjuvado por um Conselho de Governo constituído porsecretários provinciais nomeados e exonerados pelo Ministro do Ultramar(bases XXVIII e XXXIX da Lei Orgânica);, (1) Ou uma continuidade conceptuaI entre uma e outra organização (PAULOOTERO, O poder cit., págs. 684-685).(2) Cfr. FAUSTO DE QUADROS, A descentralização..., cit., págs. 113 e segs.;ANTONIO E. GONZALEZ DIAZ-LIANOS, Una interpretación dei actual sistema polí-tico português, in Estudios de Ciencia Politica -Homenaje al Profesor CarloOllero, obra colectiva, Madrid, 1972, págs. 269 e segs.; JORGE MlRANDA, Ciência Polí-! tica..., II, págs. 150 e segs.; MARQUES GUEDES, A unidade política nacional e a: autonomia das províncias ultramarinas, in Estudos de Direito Público em Honra doProfessor Marcello Caetano, págs. 141 e segs.; FRANCISCO LUCAS PIRES, Soberaniae Autonomia. Coimbra, 1974.(3) Além do parecer já mencionado da Câmara Corporativa, v. os debatessobre a lei orgânica de 1972, na Assembleia Nacional, in Diário das Sessões, x legis-latura, n.Os 184 a 193.310 Manual de Direito Constitucional 1.1d) A assembleia legislativa em cada província ultramarina não tinhanem o exclusivo, nem talvez sequer o primado da competência legislativa,pois o governador podia legislar sobre as matérias que lhe não estivessemreservadas (base XXIII);e) A assembleia legislativa não era formada apenas na base do sufrá-gio directo -também se previa representação das autarquias locais, dos gru-pos populacionais e dos interesses sociais -e era presidida pelo governa-dor (base xxxv) (I).

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83. Os estatutos das regiões autónomasI -As regiões não possuem poder constituinte -porque nãosão Estados federados. Intervêm, todavia, de modo qualificado no pro-cedimento estatutário, através da reserva de iniciativa originária sobreos estatutos e sobre alterações aos estatutos.Cada projecto de estatuto (ou de alteração ao estatuto existente)é elaborado pela respectiva assembleia legislativa regional e enviadopara discussão e aprovação à Assembleia da República. Se o Parla-mento rejeitar o projecto ou lhe introduzir alterações r), remetê-Io-á(I) No fundo, o esquema constitucional de 1971 era, talvez deliberadamente,um esquema ambíguo -donde, as três expressões adoptadas "<regiões autóno-mas", "províncias ultramarinas" e, no art. 133.0, "Estados") -e de transição (deuma transição apenas esboçada e que não chegaria a concretizar-se).r) A Assembleia da República pode, adoptar soluções diversas das preconi-zadas pelas Assembleias legislativas regionais; não tem apenas de aprovar ou rejei-tar as propostas estatutárias destas; pode aprovar propostas de alteração de iniciativa(superveniente) de Deputados e grupos parlamentares.E poderá tratar ex novo matérias não consideradas nas propostas de estatutos?Designadamente, aditar novos preceitos ou fazer alterações aos estatutos em vigornão constantes das propostas vindas das regiões?Respondemos afirmativamente, por causa da rigidez e da restrição aos pode-res do Parlamento -órgão com o primado de competência legislativa -que envol-veria a posição contrária. De resto, perante quaisquer alterações introduzidas pelaAssembleia da República, as Assembleias legislativas regionais terão sempre aindaa faculdade de se pronunciar (art. 228.0, n.O 2). Cfr., porém, diversamente a inter-venção do Deputado Almeida Santos (in Diário da Assembleia da República, IV legis-latura, I.a sessão legislativa, I.a série, n.O 92, reunião de 8 de Julho de 1986,págs. 3505) e relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais (ibidem. IV legis-latura, 2.a sessão legislativa, 2.a série, n.o 31, pág. 1281 ).Parte 111- Estrutura Constitucional do Estado 311à assembleia legislativa regional para apreciação e emissão de parecer.Elaborado o parecer, a Assembleia da República procederá à discussãoe deliberação final (art. 226.0 da Constituição) (I). No demais, o pro-cesso é idêntico ao das restantes leis, havendo nomeadamente, pos-sibilidade de sujeição a veto político pelo Presidente da República(art. 136.~ e a apreciação preventiva da constitucional idade pelo TribunalConstitucional, se o Presidente a solicitar (arts. 278.0 e 279.0).II -Como outras categorias de leis presentes na ordem jurídicaportuguesa -desde o orçamento e a respectiva lei de enquadramentoàs leis de autorizações legislativas -os estatutos devem considerar-seleis ordinárias reforçadas (2). Enquanto vigorarem, não podem sercontrariados por outras leis: a Assembleia da República poderá, decerto,modificá-los a todo o tempo, mas com essa intenção específica (e pre-

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cedendo iniciativa regional, insista-se), não por disposição avulsa.Tão importante se revela este princípio -conexo com umaideia de salvaguarda da autonomia das regiões -que a Constituiçãocoloca a ilegalidade decorrente da violação das normas estatutárias (pornormas emanadas dos órgãos regionais ou por normas emanadas dosórgãos de soberania do Estado), a par da inconstitucionalidade, notocante ao regime de fiscalização (arts. 280.0 e segs.).O regime de fiscalização da constitucionalidade -seja de fisca-lização sucessiva abstracta, seja de fiscalização concreta -estende-seà ilegalidade por infracção de normas dos estatutos regionais (tal como,inversamente, se estende à ilegalidade por infracção de princípios fun-damentais de leis gerais da República por leis regionais). Os tribunaisem geral e o Tribunal Constitucional em particular são os órgãos com-petentes (arts. 204.0 e 280.0 e segs.).III -A função de cada estatuto (note-se político-administra-tivo) consiste em definir as atribuições regionais ( art. 227.0 da Cons-tituição) e o sistema de órgãos de governo próprio da região, incluindo(I) O art. 226.0 fala em projecto, mas a fonna constitucional e regimental deactos de iniciativa externa à Assembleia da República é de proposta de lei,(2) Sobre o conceito, v. Manual,." v. cit., págs. 344 e segs. e autores citados.iI312 Manual de Direito Constitucionalos estatutos dos respectivos titulares (art. 231.0); ou, em geral, emdesenvolver, explicitar ou concretizar as normas do título VI daparte III da Lei Fundamental, adequando-as às especificidades e às cir-cunstâncias mutáveis dessa região; não consiste em estabelecer osprincípios de toda a vida política, económica, social e cultural que aíse desenrola, porque isso cabe à Constituição -que é a Constitui-ção da República, e não só do continente.Há uma reserva de estatuto, com a necessária densificação (querdizer, com adequado, útil e preciso preenchimento de conteúdo) (I).Mas esta reserva define, concomitantemente, o objecto possível decada estatuto em concreto.O estatuto não é uma Constituição com amplitude potencial-mente ilimitada. Cabe-lhe definir o interesse específico, ceme daautonc;>mia, mas não regular matérias de interesse específico. Cabe-Iheassegurar um sistema político regional, mas não substituir-se-lhe ousubstituir-se aos órgãos de soberania.Por outro lado, competindo a iniciativa originária do estatutoou das suas alterações (como bem se compreende) à assembleia legis-lativa regional (art. 226.0), se o estatuto pudesse abarcar qualquermatéria, ficaria, por esse modo, reduzido o poder de iniciativa dosdeputados, dos grupos parlamentares, de grupos de cidadãos ou doGoverno da República relativamente a essa matéria (art. 167.0).A assembleia pode, certamente, apresentar propostas de lei "no res-peitante" à região sobre qualquer objecto (art. 167.0, n.O 1, 2.a parte),O que não se justifica é transformar essa matéria em matéria estatu-tária (2).IV -Se um dos estatutos contiver normas sobre outras maté-rias que não as atinentes às atribuições, aos órgãos e aos titulares dos

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órgãos regionais, essas normas não adquirirão a força jurídica espe-cífica das normas estatutárias. Por conseguinte, poderão ser modi-ficadas ou revogadas, observadas as pertinentes regras gerais da(1) Cfr. o acórdão n.O 637/95 do Tribunal Constitucional. de 15 de Novembrode 1995, in Diário da República, I.. série-A, n.o 296, de 26 de Dezembro de 1995.(2) É a doutrina que sempre temos sustentado, v. Manual. .., v, cit., pág. 366e autores citados.Parte III-Estrutura Constitucional do Estado 313Constituição; ou poderão, desde logo, ser consideradas inconstitu-cionais por invadirem domínios próprios de outras leis (I).84. O conteúdo da autonomia regionalI -A Constituição confere às regiões autónomas uma largasoma de poderes ou atribuições de natureza política, legislativa eadministrativa, sem paralelo em qualquer outro momento de des-centralização do Direito português e que, em alguns pontos, vai muitoalém do que se encontra em Direito comparado.As regiões autónomas portuguesas são chamadas a interferir emtodas as funções do Estado, excepto na função jurisdicional -reser-vada aos tribunais, que são órgãos de soberania da República(arts. 110.0 e 202.0) -e na revisão constitucional -reservada ao Par-lamento (arts. 161.0 e 284.0 e segs.), em consequência directa doprincípio do Estado unitário (2).Mas, como dissemos, as regiões não têm somente poderes de rea-lização de autonomia qua tale ou poderes de prossecução dos inte-resses regionais por meio de órgãos próprios representativos. Têmainda poderes de participação na política e na administração geral doPaís, numa dupla perspectiva de representação regional e integraçãonacional. E detêm ainda poderes instrumentais de defesa da autonomiaperante o Tribunal Constitucional.11- Os poderes de prossecução de interesses regionais poractos próprios são:1.0) Legislar em matéria de interesse específico para as regiõesque não estejam reservadas à Assembleia da República e ao Governo,com respeito pela Constituição e, salvo autorização legislativa daAssembleia da República, pelos princípios fundamentais das leis geraisda República [arts. 112.0, n.O 4, e 227.0, n.O 1, alíneas a), h) e c)];2.0) Exercer poder tributário próprio, nos termos da lei[art. 227.0, n.O 1, alínea i), 1.8 parte], e adaptar O sistema fiscal nacio-(I) Para maior desenvolvimento, tomo v, pâgs. 367 e 368.(2) Inclusive, não têm as regiões o direitos de ser ouvidas pela Assembleia daRepública acerca de projectos de revisão constitucional: v. Manual II, cit.,pâgs. 166-167.314 Manual de Direito Constitucionalnal às especificidades regionais, nos termos da lei-quadro da Assem-bleia da República [art. 227.0, n.O I, alínea i), infine] (I);3.0) Criar e extinguir autarquias locais, bem como modificar asrespectivas áreas, nos termos da lei, e elevar povoações à categoriade vilas ou cidades [art. 227.0, n.O 1, alíneas I) e m)];4.0) Definir actos ilícitos de mera ordenação social e respecti-vas sanções [art. 227.0, n.O 1, alínea q)];5.0) Aprovar o plano económico regional, o orçamento regio-nal e as contas da região [art. 227.0, n.O 1, alíneap), 1.8 parte];6.0) Estabelecer cooperação com entidades regionais estrangei-ras e participar em organizações que tenham por objecto fomentar odiálogo e a cooperação inter-regional, de acordo com as orientaçõesdefinidas pelos órgãos de soberania com competência em matéria depolítica externa [art. 227.0, n.O I, alínea u)];7.0) Participar no processo de construção europeia, mediante

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representação nas respectivas instituições regionais [art. 227.0, n.O 1 ,alínea x), 1.8 parte];8.0) Regulamentar a legislação regional e as leis gerais ema-nadas dos órgãos de soberania que não reservem para estes o res-pectivo poder regulamentar [art. 227.0, n.O 1, alínea d)] (2);9.0) Exercer poder executivo próprio [art. 227.0, n.O 1, alínea g)]-o que significa função administrativa derivada directamente daConstituição, e não da lei, e subtracção da administração regional àtutela do Governo da República, mas não poder executivo exclusivo(pois o Estado conserva serviços administrativos na região) (3);(I) Cfr. SOUSA FRANCO, Sobre a Constituição financeira de 1976-1982. Lisboa,1983. págs. 57 e segs.; TEIXEIRA RIBEIRO, Criação de impostos pelas regiões autóno-mas. in Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.O 3743. Junho de 1986, págs. 33e segs.; MARIA LUÍSA DUARTE, As receitas tributárias das regiões autónomas. in Revistada Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1988, págs. 99 e segs.; EDUARDOPAZ FERREIRA, Estudos de Direito Financeiro Regional. 2 vols., Ponta Delgada. 1995.Ou, por exemplo, acórdão n.O 348/86 do Tribunal Constitucional, de II de Dezembrode 1986, in Diário da República. 1." série, n.O 7, de 9 de Janeiro de 1987.(2) Os regulamentos regionais -tal como os locais (art. 241.0) -tantopodem ser regulamentos de execução como autónomos ou independentes.(3) Cfr. RUI MEDEIROS, Âmbito e limites da autonomia administrativa regio-nal. in 1 Centenário de Autonomia. III, págs. 115 e segs.! Parte lI/-Estrutura Constitucional do Estado 315I10.0) Exercer poder de tutela sobre as autarquias locais [arts. 227.0,n,O 1, alínea m), e 242,0, n,O 1];11,0) Superintender nos serviços, institutos públicos e empre-sas públicas e nacionalizadas que exerçam a sua actividade exclusivaou predominantemente na região e noutros casos em que o interesseregional o justifique [art, 227.0, n,O 1, alínea o )];12,0) Dispor das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas,bem como de uma participação nas receitas tributárias do Estado,estabelecida de acordo com um princípio que assegure a efectivasolidariedade nacional, e de outras receitas que Ihes sejam atribuídase afectá-Ias às suas despesas [art, 227.0, n,O 1, alínea j)];13.0) Administrar e dispor do seu património e celebrar os actose contratos em que tenha interesse [art, 227.0, n,O 1, alínea h)], sendo,porém, este último poder comum às autarquias locais (art. 238,0,n,03).m -Constituem poderes de participação em funções e actos doEstado:1.0) Intervir na feitura dos respectivos estatutos político-admi-nistrativos nos termos já expostos [arts. 226.0 e 227,0, n.O 1, alínea e)];2.0) Exercer iniciativa legislativa sobre matérias respeitantesàs regiões, perante a Assembleia da República [arts, 227,0, n,O 1, alí-nea e ), e 167,0, n.O 1] -entendendo-se que se trata essencialmentede matérias de âmbito regional, e não de matérias de âmbito nacio-nal, salvo quando haja outro poder de participação das regiões [comono art. 227,0, n,O 1, alíneas r) e s)];3.0) Participar na elaboração dos planos nacionais [art, 227,0,n,O 1, alínea p), 2,a parte] (I);

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4,0) Participar na definição e na execução das políticas fiscal,monetária, financeira e cambial, de modo a assegurar o controloregional dos meios de pagamento em circulação e o financiamento dosinvestimentos necessários ao seu desenvolvimento económico-social[art. 227,0, n,O 1, alínea r )];(I) Em conexão com a participação das regiões no Conselho Económico eSocial (art. 92.0, n.O 2).316 Manual de Direito Constitucional5.0) Participar na definição das políticas respeitantes às águasterritoriais, à zona económica exclusiva e aos fundos marinhos con-tíguos [art. 227.0, n.O I, alínea s)];6.0) Participar nas negociações de tratados e acordos interna-cionais que directamente Ihes digam respeito, bem como nos bene-fícios deles decorrentes [art. 227.0, n.O I, alínea t)];7.0) Participar, em matérias de interesse específico, na defini-ção das posições do Estado Português no âmbito do processo deconstrução europeia [art. 227.0, n.O I, alínea v), 2.8 parte] e nas dele-gações envolvidas em processos de decisão comunitária [art. 227.0,n.O I, alínea x), 2.8 parte];8.0) Pronunciar-se, por sua iniciativa ou sob consulta dos órgãosde soberania, sobre as questões de competência destes que Ihes digamrespeito [arts. 227.0, n.O I, alínea v), 1.8 parte, e 229.0, n.O 2].Noutro nível, assinale-se a representação existencial das regiões,através dos presidentes dos governos regionais, em dois órgãos cons-titucionais: no Conselho de Estado [art. 143.0, alínea e), já citado] eno Conselho Superior de Defesa Nacional (art. 46.0 da Lei n.O 29/82,de II de Dezembro) (I).IV -Por último, poderes de garantia são:1.0) Requerer ao Tribunal Constitucional, através da assem-bleia legislativa regional do seu presidente ou do presidente dogoverno regional, a declaração de inconstitucionalidade com forçaobrigatória geral de normas jurídicas emanadas dos órgãos de sobe-rania, por violação dos direitos da região consagrados na Constitui-ção [art. 281.0, n,O 1, alínea a), e n,O 2, alínea g)];2,0) Requerer ao Tribunal Constitucional, através do presidenteda assembleia legislativa regional, do presidente do Governo ou deum décimo dos deputados à assembleia legislativa, a declaração deilegalidade com força obrigatória geral de qualquer norma constantede diploma emanado dos órgãos de soberania, com fundamento em(I) Bem como no Conselho Superior de Informações [art. 18.0, n.O 2, alí-nea c), da Lei n.O 30/84, de 5 de Outubro], no Conselho Superior de SegurançaInterna (art. 11.0, n.O 2, da Lei n.O 20/87, de 12 de Junho) e no Conselho Superiorde Protecção Civil (art. 14.0, n.o 2, da Lei n.O 113/91, de 29 de Agosto).Par1e 111- l:'s# .C, ,..-, .ru.ura OnS1l1UCIO11a1 do EStado:~Olaçã~ dos direitos da região Consagrados no seu estatuto o.1, ~IInea d), e n.O 2, alínea g)]; [art. 281. ,3. ) Requerer ao Tribunal Consti .,da assembleia legislativa regional t~CJOnal, atraves do presidentedireitos das regiões aut6nomas a' c~; U~damento em violaÇão dosCOnstituição POr omissão das m~i;:JIJC~çao, do não cumprimento da nar exequíveis as normas constJ'tu' e~JS(latJvas necessárias para tor-CJonaJS art. 283.0, n.O 1).V -A quase totalidade das atr'b ' -, , normas COnstitucionaisau'oex' ,1 UJçoes regJonaJS decorre de

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l -eqUJveJs S6 o -- tes das alíneas i)J~I 2 " .nao serao as constan-' /, .parte, e r) do n.O 1 do art. 227.085. A função legislativa regionalBmp' , , , -d l"JncJPJO, aos orgaos legislativos centrais(ao ParI e certo modo, ao Gove11JO) com t .amento e,nacional e aos 6rpãos leoJ'slatJ'vpe ~ le~JSlar Para todo o terrjt6rio' -o o Os regJonaJs leoisl ,vas regJoes aut6nomas. o ar Para as respectJ-COntudo, nem sempre são Os 6r -,-legislar para as reoiões.pod-gao,s das regJoes aut6nomas a ' -o, em ser tambem (ou t"orgaos centrais, 6rgãos de soberan ' 11 em mesmo de ser)e Os decretos-Ieis são Para todo o ::. .t,al, ~omo nem sempre as leisuma Parte. SUcede isto, or u rrJ Ol"Jo, Podem Ser apenas ParaEstado federal; COntinua S~dO ~ lado, porq~e, ~Ortugal não é umcentralizado; e, POr OUtro lado, :IiBstad~ un.Jtal"JO, Conquanto des-Integral, é um Estado reoional P .qlUe nao e um Estado regional A' o parcJa .SSJm, a distribuição do POder I. I ,rania e Os 6rgãos de autonom' egJS ativo entre os 6rgãos de sobe- 1 0\RJa assenta nas seguintes notas b' , , ./ eserva absOluta (horiz I) asJcas, mento, à Assembleia da Rep'bl' on(ta de certas matérias ao Parla-2°) .u JCa arts. 161.0, 164.0 e 165).' .Reserva (vertJcal) de certas maté ' , .,latJvas regionais 'art 227° °1I' ~as as assembleJas legis- L' .., n. , a Ineas c) 2" Part ) Ii3.0) Poder das regiões de le .I' .e, i, :' n), p) e q)]. matérias, quando se Verifique' t gJS arem ~~bre quaJsquer OUtras e 227 °n°1I' In eresSe especJfico [arts. 112° n °4., ., a Ineas a) h) e c)] 11 ., .,vectores -exclusividad~ es ' I.d ecortado este a partir de trêsrelevância. , PecJa J ade da matéria, intensidade da318 Manual de Direito Constitucional4.0) Consideração como sendo de interesse específico qual-quer matéria que se subsuma na lista constitucional (art. 228.0) ou esta-tutária ou que, em caso contrário, satisfaça em concreto qualquerdaqueles requisitos.5.0) Fora da dupla reserva (da Assembleia da República e dasassembleias legislativas regionais), concorrência de competênciaslegislativas, em moldes de leis gerais -as leis gerais da República-e de leis especiais -os decretos legislativos regionais.6.0) Prevalência material, por conseguinte, das leis gerais daRepública através dos seus princípios fundamentais, [ arts. 112.0, n.O 4,e 227.0, n.O 1, alínea a)], sendo ilegais os decretos legislativos regio-nais que os contrariem [arts. 280.0, n.O 2, alíneas b) e d), e 281.0, n.O 1,alínea c)] (I).86. Os poderes de participaçãoI -Os poderes de participação das regiões autónomas podemser exercidos por diversas formas, por ordem crescente de intensidade:-Participação através de pronúncia (espontânea);-Participação através de audição dos órgãos de soberania nãoconstitucional, nem legalmente obrigatória;

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-Participação através da formulação de propostas;-Participação através de audição legalmente obrigatória; i-Participação através de audição constitucionalmente obrigatória; ,-Participação através da iniciativa exclusiva ou reservada.II -Assim como é possível contrapor:-.-Parti~i~ação através de relações interorgânicas e participa- Içao mtra-orgamca;-Participação a nível intemo do Estado português e participaçãoa nível internacional.111- Entre a participação prevista nas alíneas t), v) e x), 2.a parte,do n.O 1 do art. 227.0 e no n.O 2 do art. 229.0 e a participação prevista(I) O tratamento destes pontos cabe no tomo v, págs. 381 e segs.Parte lll- Estru.tura Constitucional do Estado 319nas alíneas r) e s) do n.O 1 do art. 227.0 existem sensíveis diferençasde fundo e de forma.Nos primeiros preceitos, trata-se de questões respeitantes àsregiões autónomas -quer dizer, de questões que respeitem a inte-resses predominantemente regionais ou que, pelo menos, mereçam, noplano nacional, um tratamento específico no que toca à sua incidên-cia nas regiões, em função das particularidades destas e tendo em vistaa relevância de que se revestem para elas (I). Já nos outros precei-tos, trata-se de questões respeitantes a todo o Estado Português:estão em causa políticas -económicas, sociais, financeiras, mone-tárias e marítimas -que não podem deixar de ser configurados glo-balmente para todo o País.Por outro lado, ao passo que no n.O 2 do art. 229.0 se postula umainiciativa dos órgãos de soberania competentes para ouvir os órgãosde governos regionais, nos demais preceitos tanto pode a iniciativaser deles como dos órgãos regionais ou traduzir-se em integraçãoem instâncias diplomáticas ou comunitárias. E, enquanto que a pre-terição do dever de audição -não, evidentemente, do dever de con-formação do conteúdo dos actos -envolve inconstitucionalidadeformal, já nos casos das alíneas r) e s) do n.O 1 do art. 227.0 a faltade participação dos órgãos regionais poderá não a determinar (2).IV -O art. 227.0, n.O I, alínea v), e o art. 229.0, n.O 2, impõem,relativamente a cada questão respeitante às regiões autónomas, a defi-nição dos órgãos que aí devem interferir -o órgão do Estado emconcreto que deve ouvir e o órgão da região que deve ser ouvido. E talpressupõe a competência para a prática dos correspondentes actos.Para cada questão, o órgão de soberania é o competente para adecidir e o órgão de governo próprio o que possui competência damesma natureza. Aquele pode ser ou o Parlamento, ou o Governo, ou,(I) Parecer n.O 20/77 da Comissão Constitucional, de 18 de Agosto, in Pare-ceves. II, pág. 166. V. também parecer n.o 2/82, de 12 de Janeiro, ibidem. XVIII,págs. 107-108; ou acórdão n.o 264186 do Tribunal Constitucional, de 23 de Julho,in Diário da República. 2.. série, n.o 275, de 28 de Novembro de 1986.(2) Cfr. parecer n.o 26/78 da Comissão Constitucional, de 16 de Novembro,in Pareceres. VI, págs. 321 e segs.320 Manual de Direito Constitucionalinclusive, o Presidente da República (aquando da nomeação ou da exo-neração dos Ministros da República). Quanto ao órgão regional com-petente é sempre a assembleia legislativa, sendo a matéria legislativa; ogoverno regional, sendo a matéria administrativa; e a assembleia ou o

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governo regional, tratando-se de questão essencialmente política (I).A Lei n." 40/96, de 31 de Agosto, veio re~lar a forma de audição, dis-pondo, designadamente, que:-Com os pedidos de audição devem ser remetidos elementos, tra-balhos preparatórios e informações que possam habilitar os órgãos degoverno próprio a pronunciarem-se (art. 5.");-O competente órgão de governo próprio pronuncia-se através deparecer fundamentado, especialmente emitido para o efeito (art. 3.", n." 2),admitindo-se formas complementares de inforinação (art. 3.", n." 3);-O parecer é emitido no prazo de quinze ou dez dias, consoantecaiba à assembleia legislativa ou ao governo regional, sem prejuízo do dis-posto no estatuto (2) ou de prazo mais dilatado previsto no pedido de audi-ção ou de prazo mais reduzido, em caso de urgência (art. 6.");-Sempre que a audição tenha incidido sobre proposta concreta àqual venham a ser introduzidas alterações que a tomem substancialmente dife-rente ou inovatória, devem ser remetidos aos órgãos de governo própriocópias das mesmas e a respectiva justificação (art. 7.");-Os actos normativos devem conter expressa referência à consulta eo sentido do parecer, quando emitido (art. 8.").87. Os poderes de incidência internacionalI -Os poderes de incidência internacional das regiões autóno-mas recaem, como se viu, uns no conjunto dos poderes de prosse-cução, outros no âmbito dos poderes de participação. Não impli-cam, em caso algum, a transformação das regiões em sujeitos deDireito internacional (3).(I) Cfr. ÁLVARO MONJARDINO, Um caso de inconstitucionalidade formal (a pro-pósito do acórdão n.o 403/89 do Tribunal Constitucional), in Atlântida -CiênciasSociais, 1991, págs. 3 e segs.; GOMES CANOTILHO e VITAL.MOREIRA, op. cit" pág. 868.(2) Segundo o estatuto dos Açores (após 1997), os prazos são de 20 e 15 dias,respectivamente, e de 10 dias em caso de urgência.(3) Cfr. ANTONIO MARTINEZ PUNAL, As Regiões Autónomas dos Açores e daMadeira e a actividade externa de Portugal, separata de Scientia luridica, 1983.~Parte III -Estrutura Constitucional do Estado 321Na cooperação com regiões estrangeiras e na participação emorganizações de cooperação inter-regional verifica-se, por certo, umaactuação externa dos órgãos de governo próprio das regiões. Toda-via, é uma cooperação com entidades que também não têm persona-lidade jurídica internacional e (lembre-se) "de acordo com as orien-taçÕes definidas pelos órgãos de soberania com competência emmatéria de política externa" [referida alínea u), 3.a parte, do n.O 1 doart. 227.0].Quanto à representação em instituições regionais europeias, elarefere-se a um órgão (o 'Comité das Regiões, previsto nos Tratadosde Maastricht e de Amesterdão) sem poderes de decisão; e, de todoo modo, os representantes das regiões só serão titulares desse órgãoa título de representantes do Estado português.Na participação nas negociações dos tratados e acordos inter-nacionais que directamente digam respeito às regiões, pelo contrário,tudo se passa no interior da delegação ou missão diplomática doEstado português, e algo de parecido ocorre em processos de decisõescomunitárias. Não se dá desdobramento. O que se dá é a repre-sentação efectiva da região autónoma na delegação do Estado e,depois, nas comissões de execução ou de fiscalização que venham a

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ser constituídas (art. 84.0 do estatuto dos Açores e art. 58.0 do esta-tuto da Madeira).Tratados que directamente digam respeito às regiões são tratadosque versem sobre matérias acerca das quais ocorreria, paralela-mente, a necessidades de audição dos órgãos regionais pelos órgãosde soberania (art. 229.0, n.O 2, da Constituição, ainda). E o órgãoregional competente não pode deixar de ser o governo [art. 60.0, alí-nea h), do estatuto dos Açores e art. 49.0, alínea a), do estatuto daMadeira].88. Os órgãos de governo regionalI -A autonomia política-administrativa em sistema democráticonão consiste só na concessão formal de um conjunto maior ou menorde poderes ou direitos. Consiste também, ou sobretudo, no exercí-cio destes poderes e direitos por órgãos democraticamente legitima-dos nas regiões: a assembleia legislativa regional e o governo regio-21- Manual de Direito Constitucional, IIIl.322 Manual de Direito Constitucionalnal, que são os órgãos de governo próprio de cada região ( arts. 6.0,n.O 2, e 231.0, n.O 1, da Constituição) .A assembleia legislativa regional é uma assembleia política repre-sentativa formada nos termos gerais (arts. 10.0 e 113.0). O governoregional é politicamente responsável perante ela e o seu presidente énomeado tendo em conta os resultados eleitorais (art. 231.0, n.O 3).A legislatura dura quatro anos ( art. 17.0, n.O 1, do estatuto dos Aço-res e art. 14.0, n.O 1, do estatuto da Madeira).II -A assembleia legislativa regional é eleita por sufrágio uni-versal, directo e secreto, de harmonia com o princípio da represen-tação proporcional (art. 231.0, n.O 2). Seguindo o sistema eleitoral con-sagrado na Constituição para o Parlamento, o legislador ordinárioestabeleceu, por seu lado, a divisão do território regional em círcu-los eleitorais (correspondentes nos Açores a cada uma das nove ilhase na Madeira a cada um dos onze municípios); a reserva das candi-daturas aos partidos, embora com a possibilidade de candidatos nãoinscritos; e o método de Hondt como método proporcional.A assembleia legislativa regional tem competência exclusiva:na feitura das leis regionais, sem possibilidade de delegação nogoverno regional: na iniciativa legislativa perante o Parlamento; noexercício do poder tributário; na criação e na extinção de autarquiaslocais; na defmição de actos ilícitos de mera ordenação social; na apro-vação do orçamento regional, do plano económico e das contas daregião (art. 232.0).Além de órgão legislativo, a assembleia possui competênciaregulamentária (o que não se verifica com a Assembleia da República).Cabe-Ihe regulamentar as leis gerais emanadas dos órgãos de sobe-rania que não reservem para estes a sua regulamentação (art. 232.0,n.O 1) e regulamentar decretos legislativos regionais, quando os res-pectivos decretos regulamentares tenham sido objecto de veto doMinistério da República e o governo os converta em propostas a elasubmetidas (art. 233.0, n.O 4, in fine).A assembleia legislativa regional -e, consequentemente, o govemoregional que dela depende -pode ser dissolvida pelo Presidente daRepública, ouvidos o Conselho de Estado e a Assembleia da RepÚ-blica, mas somente por prática de actos graves contrários à Constitui-Parte 111- Estrutura Constitucional do Estado 323ção (art. 234.0, n.O 1) (I). A fundamentação estrita desta medida nadefesa da Constituição e os seus limites processuais impedem qualquerdecisão por critérios de conveniência ou discordância política, e aindaqualquer analogia com a tutela sobre as autarquias locais (art. 242.0) r).

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..J. Os estatutos podem admitir também outra causa de dissolução,ligada ao funcionamento do sistema político regional (que é seuobjecto próprio): a instabiljdade ou a crise governamental, traduzidaem determinados factos objectivos (v. g., aprovação de uma ou maisde uma moções de censura ao governo regional) {3). O estatuto dosAçores passou a contemplá-la a partir de 1998 (arts. 53.0 e 54.0) (4).De acordo com o princípio geral da Constituição, a dissoluçãoobriga à realização de novas eleições a efectuar no prazo de 60 dias,pela lei eleitoral vigente ao tempo da dissolução, sob pena de ine-xistência jurídica do decreto de dissolução (art. 113.0, n.O 6).li -Constituem o governo regional o seu presidente e secretáriose subsecretários regionais. O Ministro da República nomeia o presi-dente, tendo em conta os resultados eleitorais e, sob proposta deste,nomeia e exonera os restantes membros do governo (art. 231.0, n.os 1 e 4)..A efectivação da responsabilidade política do governo regionalperante a assembleia legislativa regional faz-se -tal como a doGoverno da República perante a Assembleia da República -portrês formas: pela apreciação do seu programa pela assembleia; pelasolicitação de um voto de confiança pelo governo; e pela aprovação! de moção de censura (arts. 49.0 e segs. do estatuto dos Açores et ~. 41.0 e segs. do ~sta~to da Madeira). O voto negativo da assem-bIela envolve a demlsSao do governo.i{;(I) A Constituição italiana (art. 126.0) e a espanhola (art. 155.0) vão maislonge, porque cominam medidas sancionatórias também por violação da lel bem comopor razões de segurança nacional (Itália) ou por grave ofensa ao interesse geral(Espanha). Mas as medidas coercitivas espanholas não abrangem a dissolução.(2) Sob alguns aspectos, a situação mais se aproximará. do instituto da inlervençãofederal nos Estados, consagrado no Brasil (hoje, arts. 34.0 e segs. da Constituição).(3) A questão foi muito discutida, inconclusiva e pouco adequadamenle, naúltima revisão constitucional.(4) Em termos, porém, não muito claros.~324 Manual de Direito ConstitucionalNão há responsabilidade política perante o Ministro da Repúblicaou outra forma de responsabilidade análoga à do Governo perante oPresidente da República (arts. 190.0 e 191.0 da Constituição) e que per-mite a este demiti-lo, "quando tal se torne necessário para asseguraro regular funcionamento das instituições democráticas" (arts. 195.0,n.O 2). Compreende-se a diferença: se o Ministro pudesse demitir, porrazões políticas, o governo regional, seria gravemente afectada a pró-pria esfera da autonomia. Ou seja: o sistema de governo regional sópode ser um puro sistema parlamentar (I).No seio do governo regional, encontra-se, todavia, como noGoverno da República, uma estrutura mista de colegialidade e desupremacia do presidente do governo -de direcção política geral acargo do plenário ou conselho de governo, de coordenação a cargodo presidente e de participação e de responsabilidade política esca-lonada dos secretários regionais (2).A Constituição não explicita as competências do governo regio-nal, salvo, desde 1997, a de auto-organização (art. 231.0, n.O 5). Elasresultam do paralelo com o Governo da República e da natureza de

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algumas das atribuições regionais, não exercitáveis senão através deum órgão com as suas características (assim, a regulamentação dalegislação regional, o exercício do poder executivo regional, a admi-nistração do património regional, a tutela sobre as autarquias locais,a propositura do orçamento e do plano, a participação na definiçãoe na execução da política económica e financeira, a participação emnegociações internacionais, etc.).IV -A instituição do Ministro da República (art. 230.0), ape-sar de alguma desvitalização feita em 1997, continua a apresentarum carácter polivalente interessante (3).(I) Cfr. DUARTE REGO PINHEIRO, Uma concepção do sistema de governoregional, in Diário Insular, de 27-28 de Outubro de 1990.r) JORGE MIRANDA, A posição constitucional do Primeiro-Ministro, separatade Democracia e Liberdade, 1985, págs. 21 e segs.(3) Cfr. JORGE MIRANDA, Ministro da República, in Dicionário Jurídico daAdministração Pública, v, págs. 597 e segs.; BLANCO DE MORAIS, O Ministro. ..,cit., págs. 81 e segs.Parte III-Estrutura Constitucional do Estado 325Ele representa o Estado -em território geograficamente des-contíguo da capital -e, por conseguinte, primeiro que tudo, o órgãoque a Constituição declara mais representativo dessa soberania, oPresidente da República (art. 120.0). Não representa o Governo, mas: é politicamente responsável perante os dois órgãos de soberania (I)..Competem-lhe funções que, a nível central, são cometidas aoPresidente da República -as funções de promover a constituição eo funcionamento de outros órgãos políticos e de intervir em actos des-ses órgãos. E pode ter de assumir, excepcionalmente, por períodolimitado -em caso de dissolução da assembleia legislativa regio-nal -o governo da região (art. 234.0, n.O 2).Por outro lado, pode exercer, mediante delegação do Governo,de forma não permanente, competências de superintendência nos ser-viços do Estado na região r).Coloca-se entre o Presidente da República e o Govemo: nomeadoe exonerado por aquele, a nomeação e a exoneração dependem de pro-posta do Primeiro-Ministro. Como que vigário local do Presidenteda República (3), as suas principais funções são políticas (4), masnão lhe são estranhas certas funções administrativas.E situa-se ainda entre os órgãos de soberania e os órgãos regio-nais (apesar de nunca poder presidir ao plenário do governo regio-nal ou intervir na assembleia legislativa regional). Nomeado pelor) A Constituição não declara expressamente este princípio de dupla res-::.. ponsabilidade, mas ele resulta das funções e do sistema de designação do Ministro.(2) Muito mais forte era aqui o estatuto do Ministro da República antesde 1997, pois lhe competiam também a coordenação da actividade dos serviçoscentrais do Estado no tocante aos interesses da região e a das funções administra-~j tivas exercidas pelo Estado na região com as exercidas pela própria região; e, comcompetência ministerial, tinha assento em Conselho de Ministros nas reuniões quetratassem de assuntos de interesse para a respectiva região (art. 232.0, n.os 2 e 3). Cfr.JORGE MlRANDA, Ministro da República, cit., loc. cit., pâgs. 605 e segs.; RuI MEDEI-ROS, O Ministro da República e a coordenação de actividade dos serviços centrais

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do Estado no tocante aos interesses da Região, in Direito e Justiça, 1993, pâgs. 87e segs.(3) Mas a título independente (BLANCO DE MORAIS, O Ministro. .., cit., pâg. 96).(4) Cfr., pelo contrário, o estatuto do Governador Civil Regional previsto naLei n.O 56/91 (arts. 40.0 e segs.).~326 Manual de Direito ConstitucionalPresidente da República, tem por suplente, na região, o presidente daassembleia legislativa regional (art. 230.0, n.O 4). Representante doEstado, participa em actos específicos ligados à autonomia: a nomea-ção do presidente e dos restantes membros do governo regional, aassinatura dos decretos regionais com poder de iniciativa de fisca-lização da constitucionalidade e com poder de veto (1.). E a suaforma mais intensa de intervenção -a substituição dos órgãosregionais quando dissolvidos (2) -revela-se, simultaneamente,expressão da soberania (é na legitimidade da soberania da RepÚ-blica que repousa) e aflrrnação como órgão que deve então agir à luzdo interesse regional.FIM DO TOMO m(1) Embora o veto (político) deva ser entendido, na perspectiva da autonomia,apenas como poder de pedir uma nova deliberação sobre o diploma.(2) No entanto, neste caso, o poder legislativo regional não é transferido parao Ministro da República. Resulta isto da letra do preceito constitucional, da não pre-visão de outra forma de acto além da de decreto legislativo regional de autoria daassembleia e da circunstância de ser dificilmente configurável uma situação deurgência a nível da região autónoma que não possa esperar pelas novas eleições.O poder legislativo regional nunca pode ser exercido senão por um órgão regio-nalmente legitimado pelo sufrágio.I.lÍNDICES~~),;(..;.JJ,II ÍNDICE DE AUTORES(;ACHMOUR, Ben -70 BALLAOORE PALLIERI, G. -10, 29, 38,ADLER, Max -15 94, 166, 180, 240AGUIAR, Joaquim -64 BANo LEÓN, José Maria -299AGUILAR, Juan Fernando -207 BAJYrISTA MAcHAoo, João- 24, 26, 27,ALBERTI ROVIRA, Enochi -299 151, 181, 184, 212, 226, 228, 229ALBUQUERQUE, Martim de -48, 61, BARAHONA, Ana -32, 97, 101, 10363 BARBIERI, Maria Ste11a -17ALBUQUERQUE CALHEIROS, José -298 BARBOSA DE MELO -11ALBUQUERQUE E AMARAL, Bernardo -BAROONNET, Daniel -256106 BARRETO, Ant6nio --, 306ALBUQUERQUE E MELLO, Celso de -98, BARRETO XAVIER, Luís -240

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l38, 238 BARROW, Clyde W. -15ALESSI, Renato -30, 244 BARTRET, Fernando Ledesma- 265ALFREDSSON, Gudmundur- 70 BASTID, Paul -11ALTÚSIO -II BASTID, Suzanne -246ALVES, M. Isidro -48 BASTOS, Celso -155ALVES CORREIA, Fernando -235 BATTAGLIA, Fe1ipe -37AMARAL, Carlos Pacheco -306 BEAUD, Olivier -178AMARAL, Maria Lúcia -28, 306 BEDJAOUI, Mahomed -249AMBROSINI, Gaspare -172, 281 BERANGER, Thibaut de -205, 207ANTUNES VARELA, João- l5l BÉRENGER, Jean -288ARAGÓN REYES, Manuel -66 BESSA LoPPES, Nuno -273r;... AREIZA CARVAJAS, J. M. -204 BETATI, Mario -267ARNAND, R. P. -173 BIGOTTE CHORÃO -183AUTEXIER, Christian- 218 BISCARETTI DI RUFFIA -238, 244, 246,Ã AVINERI, Shlono- l5 256"""I AzEVEOO, Maria Eduarda -201 BISCONTINI, Giuseppe -32, 138AzEVEOO, Plauto Fáraco de -80 BISHOP, William W. -242AZEVEOO SOARES, Albino -98, l31, BISI, Luca- l37l38, 238 BLANCO DE MORAIS, Carlos -306, 308,324, 325BACELAR GOUVEIA, Jorge -236, 246, BOAS, George -48248, 274 BOBBIO, Norberto -11, 26, 240BADIA, Juan Ferrando- 281 BODARD, Serge -219BALANDIER, Georges -11, 22 BODIN, Jean -l80J330 Manual de Direito Constitucional i1i.1BOGDANOR, Vemon -298 CASTANHEIRA NEVES -25, 166 :BOGNETfI, Giovanni -299 CASTRO MENDES -97, 152 ~BONAVIDES, Paulo -16 CATUDAL, Honoré-Marc- 285 iBONNARD, Roger- 80 CAUPERS, João- 133, 181,239 ,BORGES, Marta -204 CAVARRETfA, Giuseppe -246BORRADO INIESTA, Ignacio -146 CERE1l, Carlo -238BOURJOL, Maurice -219 CERRI, Augusto -68BRAGA DA CRUZ, Manuel -64 CERRONI, Umberto "'-- 79BRAGA DE MACEDO, Jorge -192 CHAN, Johanes M. M. -95, 101, 103BRIERLY, J. L. -138, 140, 238 CHAPUS, René -181BRITO CORREIA, Margarida -206 CHARVIN, Robert -l72BROWNLIE, Ian -32. 173, 238 CHEVALIER, Jacques -26,61, 65BULPITf, Jim -289 CHIARELLI, Giuseppe -29,48, 51.238BURDEAU, Georges -10, 19, 29, 32, CHIMIENTI, Pietro -24447, 48, 56, 64, 78, 163, 197, 277, CÍCERO -48279,291 CIRIELLO, Pasquale -218COISSOR6, Narana -308CABRAL DE MONCADA, Luís -10, 11, COLAÇO ANTUNES, Luís Filipe -21414, 19,31, 77,80,95. 143 COLLARD, Claude-Albert -177CABRAL DE MONCADA, Luís S. -216 COLLIVA, Paolo -47CABRAL, Roque -184 COMBACAU. Jean -98, 101, 138, 173,CAEIRO DA MATfA -37 238CAETANO, Marcello -11, 16,21, 29, CONDE, Enrique Alvarez -3739, 48, 82, 85, 126, 127, 144, 150, COQUERY-VIDROUVITVH, Catherine -61166, 180, 213, 214, 215, 238, 242, CORREIA BAPTISTA, Eduardo -137250, 301, 308 CORTÊS, Jorge -216CAETANO, Miguel- 223 COSTA, Femandes -95CALOGEROPOULOS-STRATIS -54 COSTA LoBo -25, 27CALVET DE MAGALHÃES, J. M. -256 CRISAFULLI, Vezio -18, 29, 34, 61,CAMÕES, Luís -47 197.238CAMPINOS, Jorge -83,86, 177,256 CROISAT, Maurice -299CAMPOS LIMA -16,37 CRUZ COELHO, Maria Helena -213CANAS, Vitalino -273 CRUZ VILLAL6N, Pedro -137, 146CANNADA BARTOLI -248 CUNHA, Paulo -97, 114CANNIZARO, Enzo -207CAPOTORTI, Francesco -69, 72 D. ATENA, Antonio -204, 281

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CARETfI, Paolo -204 DE FINA, Silvio -25CARPIZO, Jorge -171 DE LA CHAPPELLE, Philippe -102,266CARRÉ DE MALBERG -29, 179,291 DELGADO, Maurício Godinho -11CARRILO SALCEDO -l72 DELPÉRÉE, Francis -137, 150,280CARTABIA, Marta -207 DELVECCHIO, Angela -248CARVALHO FERNANDES, L. -97, 152 DE MICHEL, Francine -173CASALTA NABAIS -149, 226, 228, 229, DE SIERVO, Ugo- 307235, 236 DEUTSCH. Karl w. -7CASSESE, Sabino -7, 183 DE VERGOTfINI, Giuseppe -76, 218CASSIRER, Emst -14, 80 DIAS FERREIRA, J. -97, 106, 143fndice de Autores 331DIAS MARQUES, J. -95,97,239 FORSTHOFF, Emst -26,37DIAZ-LIANOS, Antonio E. Gonzalez -FORTI, Ugo -244308 FRANCO LoRAS -219DIEZ DE VELASCO, Manuel- 129, 138, FREITAS 00 AMARAL, -11, 12, 29,30,238 39, 168, 181, 182, 183, 190,213,DONNER, Ruth -98 216, 223, 235, 236, 250, 252D'ONOFRIO, Francesco -239 FREUND, Julien -10,20,22D'ORAZIO, Giustino -146 FRIEDRICH, Carl J. -22, 180,218,290,DRUKE, Luise -266 299DUARTE, Maria Luísa -138, 141, 151, FROMONT, Michel- 298154, 162, 204, 205, 260, 262, 263,314 GALLEGO ANABITARTE, Alfredo -37DUGUIT, Léon- 16,37, 56,245 GALVÃO, Gil- 247Dupuy, René-Jean -249 GALVÃO TELES, Miguel -23, 29, 35,DURAND, Charles -281 39DUVERGER, Maurice -65 GANDRA MAR'nNS, Ives -155GARCIA, Manuel Emídio -64EHRLICH, Stanislaw -61, 62, 291 GARCIA DE ENTERRíA -252, 281EISENMANN, Charles -184,277 GARCIA PELAYO, M. -61, 164, 287,EMíDIO DA SILVA, Femando -215 291ENGELS- 15 GELLNER, Emst -26,61ENTRENA CUESTA, Rafael -281 GENEVOIS, Bruno -207ERMACORA, Feliz -69 GEORGE, Pierre -68ESPOSITO, Carlo -81,218, 230, 267 GERBER, C. F. Von -13, 36ESTEVES DE OLIVEIRA, Mário -181 GIANNINI, Massimo Severo -183, 226ESTEVES PAROO, José -219 GIERKE- 13ESTORNINHO, Maria João -227 GIORGIANNI, Virgilio -10, 23, 37GJIDARA, Marc -69FALCHI, Antonio -10 GOIO, Franco -61FARDELLA, Franco -29, 30, 238, 244 GOMES, Carla -162, 204,205,206FERAL, Pierre-Alexis -204 GOMES CANO'nLHO, J. J. -10, 11, 15,FERNANDES, Ant6nio Teixeira -22 20,44,86,90,91,92,119, 130,135,FERNANDES, Carlos -136, 140, 152, 184, 187, 192, 196, 197,209, 212,264 216,229, 230,232,236, 251,260,FERNANDES, José Pedro -250 301, 306, 320FERNANDEZ, Tomas-Ramon -252 G6MEZ ORFANEL, German -17, 180FERRAJOLI, Luigi -171 GONÇALVES, Amaldo -272FERREIRA, Amãncio -281,305 GONÇALVES FERREIRA, André -32,35,FERRER CORREIA -99 70,75, 173, 181, 196, 197,200, 205,FERRER NETO PAIVA, Vicente -105 252,308FEZAs VITAL -37 GONÇALVES FERREIRA FILHO, ManoelFIGUEIREOO, Emesto -225 -155,295FLEINER, Fritz -68 GONÇALVES DE PROENÇA -107, 116,FLEINER-GERSTER, Thomas -238 123FLOGAITS, Spyridon- 181 GONZÁLEZ ENCIMAR, Juan -281FOCSANEANU, Lazar -272 GONZÁLEZ HERNANOO, Aquilino -308332 Manual de Djrejto ConstjtucjonalGOOSSENS, Paul-Charles -291 KRIELE, Martin- 166,238GREWE, Constance -207,299 KuHN, Helmut- 17,26,47,50, 56,79GR6cIO- 11GROSSFELD, Bemhard -67 LABAND -291GUARINO, Giancarlo -54 LABRIOLLA, Silvano -119GUIMARÃES PEDROZA -105 LAFERRIERE, François Julien -265GULLO, Francesco -181 LAFONT, Robert -220GUSTAPANE, Enrico- 183 LAPENNA, Emesto -97, 100, 101, 103

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LA PERGOLA, Antonio -205,307HÃBERLE, Peter -299 LAPlDOTH, Ruth -284, 285HANF, Dominik -207 LARANJO, José Frederico -10,32,64HARTLEY, Trevor C. -207 LATTANZ, Flavia -54HAURIOU, M. -22,31,47,50,62, 166 LE FuR, Louis -290HEGEL -14, 27 LEIBHOLZ, Gerhardt -25, 48, 293HELLER, Hermann- 10, 18, 25, 48, 63, LENINE- 1580, 238 LEVI, Lucio -290HENCKAERTS, Jean-Marie -141 LIMA, Ant6nio Sebastião de -75HÉRAUD, Guy -66,68, 291 LINZ, JUAN J. -66HESPANHA, Ant6nio Manuel -26, 238, LIPPOLIS, Vincenzo -161289 LOBO D' AVILA, Joaquim Tomás -181HESSE, Konrad -26 LocKE -11, 180HIGUCHI, Yoichi -184 LOMBARDI, Giorgio -238,243HILL, Dilys M. -218 LoPEs PRAÇA -41, 105, 143.. 215,258HINTzE, Otto -58, 239 LoPEZ GARRIDO, Diego -265HOBBES -II, 12, 180 LoUGELIN, Martin- 219HYPOLLlTE, Jean -15 LoUREIRO BASTOS, Femando- 161,202LOURENÇO, João -181JACKSON, Paul -94 LOSCHAK, Daniêle -137JALLES, Maria Isabel -162, 199, 201 LUCATELLO, Guido- 281,291JAUME, Lucien -12 LUCENA, Manuelde -10, 188JELLINEK, G. -10, 16, 22, 28, 29, 30, LUCHAIRE, François -20732,38,47,48,49, 58, 171, 179,238, LUCIANI, Massimo -207275,283, 286,291 LUHMANN, Niklas -22,24JIMENEZ-BLANCO, Antonio -299MACHADO, JÓNATAS -49, 89, 91KANT -11, 12, 49 MACHADO, Miguel Pedrosa -261KARAGIANNIS, Syméon -70 MACHADO HORTA -293, 299KEETON, E. W. -242 MACHADO PAUPÉRIO -180KELSEN- 10, 15, 17,29, 36,48,97, MACHADO VILELA -97,106,116, 120,137, 172, 179, 181,238,277,286, 123, 143291 MACHETE, Pedro -248, 298KISS, Alexandre -54, 138 MACHETE, Rui -10, 236, 247KNIGHT, David P. -54,73 MADRE DE DEUS, Faustino José daKOJANEC, Giovanni -104 -83KREIL, Andreas -295 MAGALHÃES COLLAÇO, Isabel -152fndice de Autores 333MAGALHÃES GODINHO, Vitorino -77 209, 2l2, 2l6, 226, 227, 228, 229,MALDESTAN, André -69 232,236, 251, 260,267,320MALINVERNI, Giorgio -69 MORELL-OcANA, Luís -2l9, 232MALTEZ, José Adelino -12,30,61 MORTA11, Costantiano- 19, 32,47,48,MANCINI -64 l80, 182, 238MANIQUE, Ant6nio Pedro -2l3 MOSCONI, Franco -202MARITAIN, Jacques -48 MOTA CAMPOS, João -199MARNOCO E SOUSA -10, l4, 37, 106, MOURA RAMOS, -97, 98, lOO, lOI,l26, l43, 2l5, 244,245,258,277, 103, l05, .l12, l16, l20, 123, 137,308 l46, l54, l58, l61, l62MARQUES GUEDES -lO, 29, 31, 48, MOUSKHÉLY, Michel- 29ll83, 238,242,248,277,309 MUNCH, Fritz -97, l01MARQUES VIDAL, José -263 MuNoz MACHAOO, Santiago -207MARTINES, Temistocle -29, 238 MUSSOLINI -8lMARTINEZ PuNAI:, Antonio -320MARTINS, Ana Maria -l61, 202 NIGRO, Mario- 252MARX, Karl- 79 NOBRE DE MELO, Martinho- l6, 18lMASSANO, Anton Milian -66 NOCILA, Damiano- 49, 6lMASSART-PIÉRART, Françoise -220 NOGUEIRA, Franco -272MASSERA, Alberto -37 NORONHA E SILVEIRA. Jorge -271MATTEUCI, Nicola -180MAURI- l02 O'CONNEL- l01MAURRAS -86 OLBIETA CHALBAUD, Juan -54, 68MAWHOOD, Philip -299 OLIVEIRA ASCENSÃO, José -97, 239MAYER, Pierre -240 OLIVEIRA BARACHO -l73, 184,291MCKEAN, Warwick -69, l38 OLIVEIRA MAR11NS -297MEDEIROS, Rui -314, 325 OLIVEIRA MARTINS, Afonso D' -22MEIR, Christian -26 OLIVEIRA MARTINS, Guilherme D' -

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MERÊA, Paulo -II 207MICHALON, Thierry -285 OLIVEIRA MARTINS, Margarida SalemaMICHOUD, L. -38, 245 -209, 305MIRANDA, Jorge- 48,84,85, l19, l27, OLOZABALEcHEVERRIA, Juan Jose -l29, l37, 197. 207, 2l0, 2l2, 2l5, 207216, 227,242, 256, 261, 289, 301, ORmNI, Sergio -29l305, 308, 324, 325 OTERo, Paulo -86, l81, l84, 2l2. 227,MIRKINE-GUETZÉVITCH- 8l 230,249, 301, 308MODERNE, Franck -265, 305MOmNHO DE ALMEIDA -l62 PALADIN, Lívio -252MONACO, Riccardo -69 PALAZZOLI, Claude -28lMON]ARDINO, Álvaro -253, 305, 320 PANNUNZIO, Sergio- 48, 8lMONTESQUIEU -49, 55, 230 PANZERA, Antonio Filippo -98MOREIRA, Adriano -II, 27, 92, 286, PAOLO, Alfio Mastro -23308 PAREJO ALFONSO, Luciano -2l8MOREIRA, Vital- 47, 91, l19, l30, l35, PARSONS, Talcott -lO, 20, 98l81, l83, l84, l87, 192, 196, 197, PASINI, Dino -26,50334 Manual de Direito ConstitucionalPASSERIN DE ENTREvES -63 QUERMONNE, Jean-Louis -26, 202PAZ FERRElRA, Eduardo -305,314 Quoc DINH, Nguyen -32, 173, 175,PEPPE, Leo -48 238, 245, 246PERASSI, Tomaso -30, 244, 245PEREIRA COUTINHO -248 RADBRUCH -63,77,78, 166PEREIRA DA SILVA, Jorge -306 RAIMUNDO, Marco -308PEREIRA DE SENA, Pedro -67 RAMOS, Maria Elisa Gomes -162PEREIRA DOS SANTOS -83 RANGEL, Vicente Marotta -248PEREZ TREMPS, Pablo -207 RASON, Nino 01ivetti -295PEREZ TRIVINo, José Luis -166 REALE, Miguel- 180PEROTTI, A. -71 REBELO DE SOUSA, Marcelo -29, 31,PESSOA, Femando -63 39, 181, 183, 192, 199,216,236,PETERSON, Joan -204 244, 308PHILIPS, O. Hood -94 REDPATH, Th. -11PIÇARRA, Nuno -162,235 REGOURD, Serge -219PIERRE-CAPS, Stéphane -70 REiS LEITE -301PINHEIRO, Duarte Rego -305, 324 REMOND, René -59PINTO BARRIGA -37 REUTER, Paul -290PIRES, Francisco Lucas -85, 156, 161, REZEK, José Francisco -98, 99, 100,162,187,202,203,205,206,263, 101,138,154,156,157,238308 RIALS, Stéphane -291PIRES DE LIMA -151 R[DEAU, Joel- 207PITTA E CUNHA, Paulo -199,201,202 RIGAUX, François -240PI7ZErn, Franco -218 RINELLA, Angelo -204PIZZORUSSO, Alessandro -66, 67, 68 ROCHA FILHO -295POPPER, Karl- 15,65 ROCHA SARAIVA -16, 29, 36, 37,38;PORTO, Manuel -223 183POULANTZAS, Nicos -15 RODRIGUES LoBo -47POUMAREDE, Jacques -70 RODRIGUES, José Damião -213PRIETO DE PEDRO, Jesus de -49, 68 RODRIGUES, Manuel -82PUBUSA, Andrea -218 ROMANO, Alberto -183PUENTE OJEA, Gonzalo -79 ROMERO DE MAGALHÃES, Joaquim -PUFFENDORF- 11 213PUREZA, José Manuel- 177,249 ROSA NOGUEIRA, José Carlos -112Puy, Francisco -47 ROSSOLILLO, Francesco- 61ROUSSEAU, Charles -69QUADRI, Rolando -95,98 ROUSSEAU, J. J. -II, 12,49,56, 180QUADROS, Fausto de -32,54,70, 137, ROULAND, Norbert -70173, 184,200,201,202,204,205, Roux, André -219281,283, 308 RUBlO LLORENCE, Francisco -207QUEIRÓ, Afonso -39, 54, 181, 228, RUMBOLI, Roberto- 49242, 273, 305 RUSEN, Keith -299QUEIRÓ, José Gabriel -216QUEIROZ LIMA -29,32,34,244,277, SÁ, ALMENO -216288 SÁ, Luís -61, 162, 187,205,223335SABOVIC, Milan -242 STOCK, Mnriil José -12 !

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SALAZAR, Oliveira -82, 83, 272 STWART, William H" -291SALERNO, F. -69 SUAREZ- 11SANCHÉZ MORÓN, Miguel -219 SUR, Serge -98i 101.,13S, 173,238SANTANA, Eloy Ruiloba- 51 SUREDA, A. Rico -54SANTA-PINTER, J. J. -95 SYMON.IDES, J. ~j77sANTrRoMANo -10, 18, 29, 30, 39,179, 183, .238; 286 TABORDA FF.RREIRA,~o'."...6l, 95,97,SARAIVA, J. Hermano -73 100, 102SARDINHA, José Miguel -216, 232 TAVARES, José -25,29,37,48,63,64,SARTORI, Giovanni -26,48 97, 143, 166,238SCHEUNER, Ulrich -80 TEIXEIRA RIBEIRO -314SCHMITT, Carl- 10, 17,20, 180,291 THOMASHAUSEN, André -67SCHMITTER, Philippe -205 THORNBERRY, Patrick -69SCHRAM, Gunnar G. -102 TINLAND, Franck -12SCHULER, Hagan -62 TOCQUEVILLE, Alexis de -58, 290, 297SCHUTTE, Julien -239 TORRES, Mário -152, 245, 263, 264SCWARTZ, Bernard -299 TOSATO, Egidio, -25, 29, 30, 37, 180SÉBASTIEN, Giles -161 TREVES, Renato -18SEGESVARY, Victor -68 TRISTÃO, Gilberto -295SEILER, Daniel-Louis -181 TRUyOL Y SERRA- 256SÉRVULO CORREIA, José Manuel- 181,216, 226, 229, 236 VAGLI, Giovanni -273SETTON-WATSON, Hugh -61 VALSASSINA, Marino Bon -266SHAW, Malcom N. -238 VANDERSANDEN, Georges -204SIEYEs -58,63 VAN BOGAERT, Elie -246SILVA, Ant6nio Duarte -34 VAN GUNSTEREN, Herman -77SILVA, José Afonso -295 VAN KLEFFENS, E. N. -172SILVA CUNHA -73, 242, 249, 256, 308 VAN LANGENHAVE, F. -72SILVA LEAL, Ant6nio da -46, 85 VAN PANHUYS, H. F. -94, 97, 100, 102,SILVESTRI, Gaetano -180 123, 129SINCLAIR, Ian -256 VEGA, Salvatore -77SMEND- 10, 17,29,92,238,291 VELLOSO, Carlos Mário da Silva -295SMITH, Anthony J. -62 VELOZO, Francisco José -47SOARES, Rogério -10,25,27,38,216 VENTURA, Raúl- 136SOARES MARTINEZ, Pedro -108 VENTURINI, Achille -97SOHN, Louis B. -69 VERDROSS, Alfred -97, 100, 101, 136,SOLA DOMINGO, Mercedes -249 137, 175,238,290SORRENTINO, Francescu -207 VERDU, Pablo Luca -291SOSA WAGNER, Francisco -219 VEYNE, Paul- 26SOUSAFRANCO -314 VIEIRA DE ANDRADE -28, 146, 184,SOUSA MACHAOO, Cristina -117 212,216,229,232,235SPENCER- 13 VIGNES, Daniel -183, 284STARCK, Christian -219, 236 VILLARI, Salvatore -35STEIN, E. -291 VISSCHER, Fernand de -94STERN, Brigitte -242 VOLPE, Galvano Della -79336 Manual de Direito ConstitucionalVON BEYME, Klaus -7, 298 XAVIER, Alberto -242VONIER, Anscar -48VON STEIN, Lorenz -25 ZANOBINI. Guido- 183VUKAS; Budislav -69 ZAPPERI, Roberto -57ZAYAS. Alfred de -70WEBER, Albrecht -207 ZIOTTI, Paol0 -265WEBER, Max- 22 ZIPPELIUS, Reinhold -10, 26, 48, 166,WHELAN, Frederick G. -141 178, 241, 242, 244, 245, 291ÍNDICE GERAL DO TOMO IIIPARTE mESTRUTURA CONSTITUCIONAL DO ESTADOA PROBLEMÁTICA DO ESTADO EM GERALPágs.1. Sequência 72. As grandes correntes doutrinais acerca da natureza ou essência doEstado 93. As concepções mais significativas 114. Outras elaborações doutrinais 175. Posição adoptada 216. As relações entre Estado e sociedade 25

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7. Os elementos ou condições de existência do Estado 288. As vicissitudes do Estado 329. O Estado como pessoa colectiva 3510. O Estado nas Constituições portuguesas 40CAPÍTULO IIO ESTADO COMO COMUNIDADE POLÍTICAII. A comunidade política ou povo 4712. Povo e Estado 5013. O Estado, o povo e a colectividade pré-estadual 5114. A unidade do povo e as distinções políticas entre os cidadãos 5515. Conceitos afins do conceito de povo 6116. A relevância jurídico-política do fenómeno nacional 6317.. A protecção das minorias 6818. Povo e comunidades em diferentes estádios culturais 7219. As concepções político-constitucionais e ideológicas de povo 7620. O povo nas Constituições portuguesas 84338 Manual de Direito ConstitucionalCAPÍTULO IIIA cmADANIA§ 1.0A cidadania ou qualidade de membro do EstadoPágs.21. Povo e cidadania 9322. A cidadania no Direito internacional 9923. A cidadania no Direito constitucional 10324. A evolução do tratamento da cidadania em Portugal, de 1822 a 1974 10425. A problemática da cidadania após 1974 10826. O actual regime de aquisição da cidadania portuguesa 11227. O regime de perda da cidadania 11828. Outros aspectos da disciplina legal da cidadania 12129. A cidadania, dos habitantes de Macau e dos timorenses 124§ 2.0A condição jurídica das pessoas em razão da cidadania30. Cidadãos originários e não originârios 12531. A condição dos cidadãos no estrangeiro 12932. Os direitos políticos dos portugueses residentes no estrangeiro 13133. A condição dos portugueses também cidadãos de outro Estado 13534. A condição dos estrangeiros e o seu enquadramento pelo Direito inter-nacional 13635. A condição dos estrangeiros no Direito português 14236. A condição dos cidadãos dos países de língua portuguesa 15337. A cidadania europeia 158CAPÍTULO IVO PODER POLÍTICO§ 1.0Poder e soberania38. Estrutura e função do poder 16339. O problema da limitação do poder pelo Dire. o 16440. Titularidade e exercício do poder 16941. Poder político e soberania 17042. Sentido da soberania na ordem intemacion 17243. Direitos e deveres dos Estados 175fndice Geral 339Págs.44. Soberania e ordem interna do Estado 17845. Soberania, descentralização, autonomia 18046. Descentralização e subsidiariedade 184§ 2.0A inserção internacional do Estado português47. Soberania e independência nacional na Constituição portuguesa 18648. Dimensões da independência nacional 18949. As relações internacionais do Estado português 19450. A Comunidade dós Países de Língua Portuguesa 198

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51. Portugal e a Comunidade Europeia 19852. A "União Europeia" e as suas implicações 20253. As modificações, constitucionais de 1992 e de 1997 208§ 3.0Descentralização e poder local na Constituição portuguesa54. A descentralização como princípio constitucional 21155. A descentralização local ao longo das Constituições portuguesas 21356. O problema das regiões administrativas 21957. Administração directa, administração indirecta e administração autó-noma 22458. Descentralização territor!al e poder local 22859. Conteúdo da descentralização local autárquica 232! CAPÍTULO V~ O TERRITÓRIO DO ESTADOI' 60. O território, condição de existência do Estado 23761. O território e o Direito do Estado 239: 62. Território, poder e povo 242t 63. O direito do Estado sobre o seu território 243r 64. Outros direitos territoriais do Estado e outras situações territoriais 246" 65. Referência ao domínio público e ao domínio privado 24966. O Estado e outras colectividades territoriais 25267. Composição e limites do território do Estado Português ; 25468. A cidadania e o acesso ao território do Estado 25869. O direito de asilo 264! 70. Relevância político-constitucional do território 268i 71. O território de Macau 271t 72. A situação de Timor 274,pfI1-340 Manual de Direito ConstitucionalCAPÍTULo VIFORMAS DE ESTADO§ 1.0As formas do Estado em geralPágs.73. Conceito de fonna de Estado 27574. A contraposição fundamental: Estados simples e compostos 27975. Estado unitário descentralizado ou regional 28176. Autonomia política com e sem integração 28477. Os Estados compostos. Federações e uniões reais 28778. Os Estados federais em particular 29079. O sistema jurídico complexo dos Estados federais 29580. Os condicionalismos das fonnas de Estado 297§ 2.0Portugal, Estado unitário regional81. A transfonnação de Portugal em Estado unitário regional 30082. Sentido da autonomia 30483. Os estatutos das regiões autónomas 31084. O conteúdo da autonomia regional 31385. A função legislativa regional 31786. Os poderes de participação 31887. Os poderes de incidência internacional 32088. Os órgãos de governo region 1 321ÍndicesÍndice de Autores 329Índice Geral 337