romano, santi. o ordenamento jurídico

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O ORDENAMENTO JURÍDICO

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Tradução de Arno Dal Ri Jr.

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  • O ORDENAMENTOJURDICO

  • O ORDENAMENTOJURDICO

    Traduo de Arno Dal Ri Jnior

    Santi Romano

  • Obra original publicada na Itlia (1946) com o ttulo LORDINAMENTO GIURIDICO SansoniEditore Firenze

    Fundaao Jos Arthur Boiteux Arno Dal Ri Jr.

    Ficha Catalogrfica

    Catalogao na publicao por: Onlia Silva Guimares CRB-14/071

    R759o Romano, Santi O Ordenamento Jurdico / Santi Romano; traduo de Arno Dal Ri Jnior.

    Florianpolis: Fundao Boiteux, 2008. 252p. (Coleo Boiteux Comemorativa aos 75 anos da Faculdade de Direito)

    Traduo de: LOrdinamento Giuridico Inclui bibliografia

    ISBN 978-85-87995-99-5

    1. Direito Filosofia. 2. Jurisprudncia. I. Dal Ri Jnior, Arno. I. Ttulo. CDU: 340.12

    Editora Fundao Boiteux

    Conselho Editorial Prof. Aires Jos RoverProf. Arno Dal Ri Jnior.Prof. Carlos Arajo LeonettiProf. Orides MezzarobaProfa. Thais Luzia Colao

    Secretria executiva Tatiana Fernandes

    Reviso e diagramao Barbara da Silveira Vieira

    Reviso da traduo Beatrice Guimares NbregaMariana Machado Rocha

    Impresso Nova Letra Grfica e Editora(47) 3325-5789 [email protected]

    Capa Studio S Diagramao & Arte Visual(48) 3025-3070 www.studios.com.br

    Endereo UFSC CCJ 2o andar Sala 216Campus Universitrio TrindadeCaixa Postal: 6510 CEP: 88036-970Florianpolis SCTel./Fax: 3233-0390 (Ramal 201)E-mail: [email protected]: www.funjab.ufsc.br

  • SUMRIO

    Introduo - por Paolo Santi ......................................................................... 11

    Nota bio-bibliogrfica sobre Santi Romano - por Alberto Romano ... 33

    Prefcio da Edio de 1945 ............................................................................ 57

    I A NOO DE ORDENAMENTO JURDICO

    1 O direito em sentido objetivo freqentemente concebido como norma.Insuficincia de tal concepo ..................................................................... 61

    2 Alguns indcios gerais desta insuficincia; em particular aqueles quetm a sua provvel origem nas definies correntes do direito ........... 62

    3 Necessidade de distinguir as normas jurdicas do ordenamento jurdicoanalisado enquanto unitrio. Impossibilidade lgica de definir esteltimo como um conjunto de normas ........................................................ 66

    4 Como algumas vezes tenha sido intuda a unidade de um ordenamentojurdico ............................................................................................................. 67

    5 Como um ordenamento jurdico no seja somente um conjunto denormas, consistindo tambm em outros elementos ................................. 69

    6 Como tais elementos sejam implicitamente postulados pela maiorparte das pesquisas sobre as caractersticas especficas do direito ....... 70

    7 Apreciao, deste ponto de vista, daquilo que se diz ser a objetividadedo direito ....................................................................................................... 71

    8 E do elemento sano ............................................................................... 74

  • 9 A expresso ordenamento jurdico ........................................................ 76

    10 Os elementos essenciais do conceito do direito. O direito como instituioe o direito como preceito............................................................................. 76

    11 Os precedentes doutrinrios do conceito de instituio ...................... 78

    12 O nosso conceito de instituio e as suas caractersticas fundamentais:1) a existncia objetiva da instituio; 2) instituio e corpo social; 3)especificidade da instituio; instituies complexas; 4) unidade dainstituio ...................................................................................................... 83

    13 Equivalncia dos conceitos de instituio e de ordenamento jurdico .... 87

    14 Provas de tal equivalncia extradas da doutrina que afirma que odireito somente forma .......................................................................... 90

    15 Meno a alguns problemas que devem ser resolvidos tendo por baseesta equivalncia .......................................................................................... 92

    16 Casos em que a primeira posio do direito no determinada pornormas, mas pelo surgimento de uma instituio, e impossibilidadede reduzir a instituio a normas ............................................................. 94

    17 O conceito de instituio e o ordenamento jurdico internacional .... 96

    18 Instituio e relao jurdica: relao entre mais pessoas .................106

    19 Relaes entre pessoas e coisas: exemplos de tais relaes que,de uma perspectiva mais geral, podem ser identificadas comoinstituies ...................................................................................................109

    20 A instituio e a pessoa jurdica ............................................................113

    21 A nossa concepo do direito a respeito de alguns problemasconcernentes: 1) ao carter jurdico da potestade do Estado; 2) extenso da personalidade do Estado; 3) relevncia jurdica do seuterritrio e da nacionalidade ...................................................................115

    22 Exame crtico dos posicionamentos que salientam o ordenamentojurdico somente enquanto reflete relaes entre mais pessoas. Aplica-es a respeito: 1) sano do direito; 2) ao territrio e nacionalida-de; 3) aos rgos do Estado; 4) aos limites da funo legislativa......119

    23 Algumas conseqncias da nossa concepo a respeito do aspectosubjetivo do direito: quanto relao jurdica; aos status das pessoas;aos direitos reais; quanto correlao entre direitos e obrigaes; igualdade ou desigualdade dos sujeitos ................................................125

    24 Consideraes conclusivas .......................................................................128

  • IIA PLURALIDADE DOS ORDENAMENTOS JUR-

    DICOS E AS SUAS RELAES

    25 A pluralidade dos ordenamentos jurdicos e a doutrina que reduztodo o direito ao Estado ............................................................................137

    26 A falta de fundamento de tal doutrina do ponto de vista histrico eterico ...........................................................................................................139

    27 A falta de fundamento da mesma doutrina tambm a respeito dodireito atual .................................................................................................142

    28 Ordenamentos jurdicos no estatais: o direito internacional ..........143

    29 O direito eclesistico ..................................................................................144

    30 Os ordenamentos de entidades consideradas ilcitas ou ignoradaspelo Estado ..................................................................................................149

    31 Entidades que so reguladas pelo Estado, mas que tambm possuemum ordenamento prprio no reconhecido pelo Estado(ordenamentos disciplinares privados; organizao interna de estabe-lecimentos de trabalho; as chamadas associaes ou instituies noreconhecidas etc.).......................................................................................151

    32 As doutrinas que limitam o conceito de ordenamento jurdico aoordenamento das comunidades em gnero e, em espcie, das comu-nidades necessrias .......................................................................... 156

    33 As relaes entre os diferentes ordenamentos jurdicos. Princpiosque devem ser considerados, conforme: 1) sinstituies origin-rias ou derivadas; 2) aos fins particulares ou gerais das institui-es; 3) aos seusdiferentes substratos; 4) s instituies simplesoucomplexas; 5) perfeitas ou imperfeitas; 6) com ou sem perso-nalidade; 7) independentes, coordenadas, subordinadas ......... 162

    34 Conceito da relevncia de um ordenamento para um outro .... 16635 O ttulo desta relevncia: a) a relao de superioridade e dependncia

    relativa entre dois ordenamentos; b) a relao pela qual umordenamento pressuposto a um outro; c) a relao pela qual maisordenamentos reciprocamente independentes dependem de um outro;d) a relevncia atribuda unilateralmente por um ordenamento a um outrodo qual dependente; e) a relao de sucesso entre mais ordenamentos . 168

  • 36 Diferentes momentos (da existncia, do contedo, da eficcia) em quea relevncia de um ordenamento para um outro pode ser exercida.Casos em que a existncia de um ordenamento depende de um outro: a)completa subordinao do primeiro a respeito do segundo, que o pediretamente ou lhe d uma autonomia limitada. Independncia, quantoa sua existncia, de um ordenamento em casos de subordinao menosestendida (algumas esferas do ordenamento dos Estados-membros deum Estado federal a respeito deste ltimo; ordenamentos dos Estados arespeito do direito internacional) e princpios gerais ............................. 170

    37 b) na hiptese de que um ordenamento seja o pressupostode outro(direito estatal a respeito do direito internacional) ..............................175

    38 A relevncia de um ordenamento para um outro a respeito do seucontedo. Vrios casos: a) ordenamento superior fonte imediata oumediata de um ordenamento inferior; ordenamento superior (direitointernacional, concordatas eclesisticas) que no fonte, mas influide outros modos sobre o contedo de ordenamentos inferiores .......180

    39 b) ordenamento superior que influi sobre o contedo de maisordenamentos submetidos, mas entre si independentes ....................183

    40 c) ordenamento que determina por si mesmo o prprio contedo tendoem conta outro ordenamento submetido ou independente: o direitointernacional privado; o direito eclesistico, que reenvia lei civil; odireito do Estado que reenvia ao direito eclesistico ...........................184

    41 d) ordenamento que se incorpora a um outro .....................................192

    42 A relevncia de um ordenamento para um outro acerca dos seusefeitos; eficcia externa e interna de um ordenamento. Vrios casosde eficcia externa: a) nas relaes entre os ordenamentos,existindoum total ou parcial dependncia entre si; b) nas relaesentre mais ordenamentos independentes, por disposio unilateral deum ou de cada um desses. Direito internacional privado; eficcia civildo direito eclesistico; c) nas relaes entre mais ordenamentos cujoum pressuposto do outro; d) nas relaes entre mais ordenamentosque se sucedem um ao outro ...................................................................195

    43 Diferente extenso da relevncia de um ordenamento para um outro.Aplicaes relativas ao problema das obrigaes naturais ................202

    44 A irrelevncia de um ordenamento para um outro: total ou parcial,recproca ou unilateral ..............................................................................205

  • 45 Ordenamento jurdico irrelevante como tal para um outro, mas relevantesob outros aspectos (ordenamentos considerados ilcitos pelo Estado;organizaes industriais; ou instituies de fato) ................................206

    46 A irrelevncia total de um ordenamento para um outro: possibilidade detal irrelevncia tambm a respeito do ordenamento do Estado .......210

    47 Exame crtico da doutrina contrria. As limitaes do ordenamento doEstado; as suas vrias figuras e conseqncias; exemplos de matriasjuridicamente indiferentes para o Estado (ordenamentos disciplinaresprivados; alguns ordenamentos religiosos; ordenamentos de algumasassociaes no patrimoniais etc.) ..........................................................212

    48 Os ordenamentos internos das instituies, especialmente estatais,perante o ordenamento de outras instituies em que so com-preendidas ................................................................................................. 221

    Referncias .....................................................................................................227

    Os escritos de Santi Romano ......................................................................242

    Tradues de Lordinamento Giuridico .............................................251

  • Prefcio da edio de 1945

    O presente trabalho, escrito com o propsito de dar continuidade aoutros estudos de teoria geral do direito, mas que completamente inde-pendente, foi publicado pela primeira vez em dois fascculos dos Annalidelle Universit toscane, em 1917 e em 1918, e contemporaneamente emuma obra publicada em Pisa, com data de 1918.

    Nesta segunda edio, que vem luz muitos anos aps a primeirater esgotado, me pareceu oportuno reproduzir o texto original sem quefosse realizada alguma variao. Somente nas notas, em inseres feitasentre colchetes, e em novas notas, indicadas da mesma maneira, levei emconsiderao a literatura posterior sobre os vrios assuntos por mim tra-tados e, muito sobriamente, as mais importantes crticas que me foramdirigidas. No fiz, ao contrrio, meno certa literatura e a determina-das crticas que evidentemente so despidas de consistncia cientfica s-ria e demonstram uma total incompreenso dos problemas fundamentaisda teoria geral do direito.

    Espero desde j que, sendo fcil a leitura do livro, no sejam muitosos que falem dele, como freqentemente aconteceu, sem conhec-lo dire-tamente e, por isso, incorrendo em graves mal-entendidos.

    Roma, novembro de 1945.

    Santi Romano

  • 58

    Santi Romano

  • I

    A NOO DE ORDENAMENTO JURDICO

  • 1 O direito em sentido objetivo freqentementeconcebido como norma. Insuficincia de tal concepo

    Todas as definies do direito que foram dadas em sentido objetivotm, sem nenhuma exceo, um elemento comum que representa o genusproximum ao qual o conceito se reduz. Estas concordam entre si ao afir-mar que o direito constitui uma regra de conduta,1 se bem divirjam, ora amais, ora menos, ao esclarecer a differentia specifica pela qual se deveriadistinguir a norma2 jurdica das demais.

    1 Nos ltimos tempos este ponto de vista foi, por assim dizer, exacerbado at as lti-mas conseqncias, em vrios sentidos e por vrias partes. Prescindindo dos trabalhosrealizados em particular por Duguit, nos quais todo outro momento jurdico se resu-me e quase anulado na rgle de droit (v. Ltat, le droit objective et la loi positive. Paris,1901. p. 10 ss., assim como os escritos posteriores), ver, por exemplo, KELSEN, H.Hauptprobleme der Staatsrechtslehre entwickelt aus der Lehre vom Rechtssatze. Tbingen,1911, cujo entendimento salientado j no ttulo da obra [na literatura mais recenteque ser aqui citada, teve-se contestaes a tal concepo vindas de vrios lados e emvrios sentidos].2 Utilizamos de modo indiferente a palavra norma e a palavra regra. importantenotar afim de que sejam evitados equvocos, que, na literatura alem, surgem quando seentra em controvrsia sobre a questo de saber se o direito seja constitudo somente pornormas (v. por exemplo THON, A. Rechtsnorm und subjektives Recht. Weimar, 1878. p. 1 ss.,8; BIERLING, E. R. Juristische Prinzipienlehre. Vol. I. Leipzig, 1894. p. 30 ss.; WINDSCHEID,B. et KIPP, T. Lehrbuch des Pandektenrechts. I. Leipzig, 1906, 27; ENNECCERUS, L. Lehrbuchdes brgerlichen rechts6. Marburg, 1911, I, p. 27 [= na 13. edio, 1931; ecc.), a palavra Normno recebe o significado que utilizamos, de regra, mas o de comando ou proibio,ou seja, de imperativo. Trata-se, deste modo, da questo, que aqui no nos interessa,acerca do carter imperativo do direito. Na Itlia, segue a mesma terminologia,BRUNETTI, G. Norme e regole finali del diritto. Torino, 1913, 5 ss. A respeito do direito comoregra, observa JELLINEK, G. Allgemeine Staatslehre3. Berlin, 1914. p. 332 [as edies poste-riores no sofreram modificaes seja neste, seja nos outros pontos aqui citados]: KeinStreit herrscht darber, dass das Recht aus einer Summe von Regeln fr menschliches Handelnbesteht (No contestado que o direito consista em uma soma de regras relativas aohumana).

  • Santi Romano62

    O primeiro e mais importante escopo do presente trabalho o dedemonstrar que tal modo de definir o direito, mesmo no sendo inexa-to, ao menos de um certo modo e para certos fins, no deixa de serconsiderado inadequado e insuficiente em si e por si, e que, conseqen-temente, necessrio complet-lo com outros elementos quefreqentemente no so levados em conta e que, ao contrrio, pare-cem ser essenciais e caractersticos. Que o direito se apresente tambmcomo norma e que seja necessrio apreci-lo tambm sob este aspecto;que, de resto, tal perspectiva seja freqentemente suficiente, alm denecessrio, em particular no que concerne s finalidades da prticacotidiana; so razes que juntamente a outras explicam porque, naanlise desta definio abstrata no tenhamos ido alm da categoriadas normas. Mas isso, como natural, no exclui que se possa e que sedeva super-la, salientando outros aspectos mais fundamentais e, so-bretudo, antecedentes do direito, tanto pelo ngulo das exigncias l-gicas do conceito, quanto pela exata avaliao da realidade em que odireito se manifesta.

    2 Alguns indcios gerais desta insuficincia; emparticular aqueles que tm a sua provvel origemnas definies correntes do direito

    A melhor e mais convincente demonstrao desta tese ser ofereci-da, naturalmente, pelo conjunto do nosso trabalho se conseguir esclare-cer ou resolver uma srie de problemas concernentes a vrios ramos dodireito que, at agora, permanecem obscuros ou insolveis. No entanto,antes disso, no ser intil aduzir algumas provas e tambm alguns ind-cios indiretos da insuficincia das definies comuns.

    Entre estes ltimos, necessrio listar os que seguem.Em primeiro lugar, o fato de que todos falam e confessam que o con-

    ceito de direito ainda no perfeitamente claro.3 Tal sentimento no podeadvir somente das divergncias que se encontram na doutrina, porqueelas no so nem numerosas, nem graves. Esta ltima, perfeitamente un-

    3 Tambm hoje, salienta RADBRUCK, G. Grundzge der Rechtsphilosophie. Leipzig,1914. p. 30 [no mais na 3. edio de 1932, intitulada Rechtsphilosophie], tm valor aspalavras decisivas de Kant: Noch suchen die Juristen eine Definition zu ihrem Begriffevom Recht.

  • O Ordenamento Jurdico 63

    nime4 no reduzir o direito categoria das normas, distingue as normasjurdicas das outras segundo vrias frmulas que, freqentemente, s di-ferem na aparncia. Este sentimento parece vir da intuio, fosse ela vagae distinta, de que todo o problema no delineado de um modo conveni-ente e que uma resoluo satisfatria no pode ser obtida a no ser que semodifiquem os seus mesmos termos.

    Em segundo lugar, um sintoma relevante o fato de que, enquantouma definio exata do direito se reputa necessria no somente para asdisciplinas mais abstratas, como a filosofia e a teoria geral do direito, tam-bm para as disciplinas jurdicas particulares a definio comum poucoou nada serve a estas ltimas.

    Na verdade, ao determinar os princpios, seja do direito pblico,seja do direito privado, mas, sobretudo do primeiro, chegou-se j a talponto de coordenao e de subordinao, um do outro, que esses pare-cem diretamente e indiretamente descendentes da concepo geral dodireito, e que variam, ao menos de posio e de perspectiva, com o vari-ar desta ltima. As mais profundas divergncias que a determinaodelas suscita indicam de modo claro qual o ponto central e fundamen-tal que seria necessrio ter como referncia. Quem possui algum conhe-cimento dos problemas mais importantes de, por exemplo, direito inter-nacional, direito constitucional ou direito eclesistico, sabe muito bemque na maioria das vezes a discusso destes, entre aqueles que os resol-vem de modos diferentes, torna-se intil, at mesmo impossvel, devido falta de um ponto de partida certo. E sem dvida como j foi salien-tado em outras ocasies5 , este ponto a definio do direito. Aquela deonde implcita ou explicitamente se parte pode at mesmo ser pacfica,mas no serve ao objetivo devido ao fato de somente conter elementosindiferentes e indiferenciados.

    Ainda possui um notvel significado a origem, ao menos provvel,das atuais definies do direito. Estas foram elaboradas ou atravs do

    4 Prescindimos daqueles particularssimos pontos de vista, estes tambm, de resto, sig-nificativos, pelo qual consideramos v a esperana de encontrar o quid proprium dodireito, o seu momento especfico, ou a sua definio to cara generalidade dos filso-fos. Veja, neste sentido [entre outros], MAGGIORE, G. Il diritto e il suo processo ideale.Palermo, 1916. p. 59 ss. [deste autor, ver, contudo, os escritos posteriores que serocitados a seguir].5 Para o direito internacional, v. ANZILOTTI, D., na Rivista di diritto internazionale, VII. 1913.p. 567; para o direito eclesistico, ver por ltimo DEL GIUDICE, V. Il diritto ecclesiastico insenso moderno. Roma, 1915. p. 20 ss.

  • Santi Romano64

    direito privado, que posteriormente as imps aos outros ramos, ou porpontos de vista que no conseguiram superar os que eram prprios detal disciplina. Definies, na realidade, que em relao a esta ltima pa-recem ser muito mais teis do que em outros campos do direito. E mes-mo no direito privado, como veremos, tais questes ganhariam muito separtissem de um conceito mais refinado de direito, mas impossvel ne-gar que, na maior parte dos seus princpios e dos seus problemas, no sesente a necessidade de conceber o direito de outro modo que no sejacomo norma. Em alguns ramos do direito pblico no assim. Este no, como se sabe, o nico exemplo das conseqncias danosas produzi-das pelo fato de que muitos conceitos gerais comuns ao direito pblico eao direito privado foram considerados unilateralmente pela cincia des-te ltimo, enquanto a cincia do primeiro no existia ou se encontravaem um estgio inferior de desenvolvimento. Muito tardiamente estes con-ceitos tiveram de ser retomados, corrigidos e completados, levando emconsiderao uma srie de elementos novos. Quem conhece este difcil,mas importantssimo procedimento de integrao e correo de concei-tos que antes eram exclusivamente de direito privado iniciado naModernidade pelos estudiosos do direito pblico , facilmente intuir anecessidade de realizar um procedimento anlogo para esta definiodo direito a qual, vale ressaltar, o direito pblico e a filosofia do direitoimportaram de olhos fechados do direito privado.

    No que concerne a tal definio necessrio considerar o que existede verdadeiro e muito na antiga e tambm na recente constatao deque o direito principalmente pblico, naquilo que tem de crucial e, qua-se, se diria, de mais essencial. No que deva ser aprovada a modernssimacorrente doutrinria que, exagerando esta verdade, nega a distino en-tre direito pblico e direito privado.6 Mas este ltimo , sem dvida, umasimples especificao do primeiro, uma das suas formas ou orientaes,um dos seus ramos. O direito privado no s depende do direito pblico,que necessrio para a sua tutela e constitui sua raiz e seu tronco, comotambm continuamente dominado por ele, mesmo que, algumas vezes,

    6 Ver especialmente WEYR, F. Zum Problem eines einheitlichen Rechtssystem. Archivfr ff. Recht. XXIII. 1908. p. 529 ss.; KELSEN, H. Hauptprobleme der Staatsrechtslehre. Op.cit., p. X, 268 ss. ; WEYR, F. Ueber zwei Hauptpunkte der Kelsenschen Staatsrechtslehre.Zeitschrift fr das priv. u. ff. Recht. XL. 1913. p. 397 ss.; KELSEN, H. Zur Lehre vom ffentlichenRechtsgeschft, ivi, XXXI (1913), p. 55 ss.; WEYR, F. Zum Unterschiede zwischen ffentlichenu. privatem Recht. Oesterr. Zeitschrift fr ff. R., I. 1914. p. 439 ss.

  • O Ordenamento Jurdico 65

    de modo silencioso.7 Se isto exato, pode-se deduzir que os elementos doconceito geral de direito devem ser extrados mais do direito pblico doque do direito privado. Isso significa que necessrio adotar um procedi-mento inverso ao que prevaleceu at hoje: no, contudo, at o ponto deforjar uma definio de direito que, retirada da anlise exclusiva do direi-to pblico, poderia deixar de servir ao direito privado, repetindo os incon-venientes que aqui deploramos. Em outras palavras, necessria umadefinio geral do direito verdadeira e completa, que leve em conta ele-mentos que at agora no foram, por assim dizer, valorizados, propondo-se no somente o objetivo terico, mas tambm prtico, de servir a todosos ramos especiais do direito, se verdade que este, seja mesmo no niconas suas manifestaes, pode todavia se reduzir a um conceito nico.

    Para confirmar e complementar o que foi observado, pode-se aindadizer que freqentemente os juristas formaram uma noo do direito queno vai alm do direito que se aplica ou que se leva em considerao nostribunais.8 Ora, do ponto de vista do juiz, natural que o direito sejasomente uma regra, ou melhor, uma regra de deciso. E, partindo do pres-suposto de que a proteo judiciria, que antes era quase exclusiva dodireito privado, no existe nem mesmo hoje para grande parte do direitopblico parte que pode ser a fundamental , chega-se a explicao decomo o direito se configurou tendo em vista as normas de deciso dascontrovrsias de direito privado.

    7 Conforme as observaes de PETRONE, I. Il diritto nel mondo dello spirito. Milano, 1910, p.134 ss., s quais porm no aderimos devido ao fato de se ligarem concepo estritamen-te estatal do direito. Ver, em sentido anlogo, COVIELLO, N. Manuale di diritto civile italia-no2. Vol. I. Milano, 1915, 6 [4. edio, 1929]. Mesmo na doutrina mais antiga no faltamafirmaes que procedem da mesma perspectiva. Deste modo, por exemplo, P. ROSSIdizia que o direito civil um captulo cujo princpio se encontra no direito constitucional.A opinio diametralmente oposta (ocultada por diversos escritores, algumas vezes utili-zada para assuntos especiais, e explicitamente formulada por RAV, A. Il diritto comenorma tecnica. Cagliari, 1911. p. 102), que afirma ser o direito privado somente o verdadei-ro direito, enquanto as relaes de direito pblico no seriam intrinsicamente jurdicas,pode ser explicada somente na linha do que dissemos no texto: que a definio comum dodireito, da qual se parte, essencialmente formulada se referindo ao direito privado, e,por isso, em certo sentido exclui o direito pblico do seu mbito conceitual. , ento, umaopinio que pode servir para confirmar a necessidade de rever tal definio do ponto devista pblico.8 Recorda-se o dito de Maitland, para quem escrever a histria das aes inglesas seria omesmo que escrever a histria do direito ingls. E, conforme, as observaes deEHRLICH, E. Der praktische Rechtsbegriff. In: Festschrift fr E. Zitelmann. Mnchen u.Leipzig, 1913. p. 8 ss.

  • Santi Romano66

    3 Necessidade de distinguir as normasjurdicas do ordenamento jurdico analisadoenquanto unitrio. Impossibilidade lgica de definireste ltimo como um conjunto de normas

    Existem tambm argumentos mais diretos e substanciais que demons-tram a necessidade de rever o conceito de direito.

    As inexatides nas definies de idias muito abstratasfreqentemente so geradas e perpetuadas pela indeterminao das pa-lavras que a estas correspondem, pela pobreza da linguagem, que nofornece vocbulos distintos para distingui-las das outras afins. Deste modo,talvez tambm por esse motivo, quando se afirma que o direito normade conduta, no se percebe que a palavra direito na realidade usadaem vrios significados, dos quais seria necessrio salientar a diferena, eque, ao contrrio, nem se suspeita que exista.

    Em um primeiro significado, se entende por direito uma ou maisnormas determinadas uma lei, um costume, um cdigo e assim por di-ante considerando-as cada uma em si ou mesmo agrupando-as materi-almente, segundo o seu objeto comum, a sua fonte, o documento que ascontm, ou outros critrios mais ou menos extrnsecos e particulares. Nes-te caso, a definio comum parece perfeitamente exata.

    Freqentemente, porm, entende-se por direito algo no somentemais amplo, mas tambm substancialmente diferente. Isso se verifica quan-do diz respeito a todo o ordenamento jurdico de uma ente: quando, porexemplo, se fala do direito italiano ou francs, do direito da Igreja catlicaetc. abraando cada um na sua respectiva totalidade. Ento, necessriorecorrer a um expediente para sustentar a definio geralmente adotada:o de conceber cada um destes ordenamentos como um conjunto ou umsistema de normas. , no entanto, um procedimento que parece contrrios leis da lgica em matria de definio e que, pela mesma razo, estbem longe de espelhar a realidade. evidente que se queremos definir todo um ordenamento jurdico nopodemos levar em considerao somente s suas partes individuais ouaquelas que assim se crem, ou seja, as normas que ali esto compreendi-das, para depois dizer que este o conjunto destas partes, mas necess-rio chegar ao ponto que as caracterizam, a natureza deste conjunto oudeste todo. Isso seria desnecessrio somente se fosse admitido que um de-terminado ordenamento jurdico nada mais do que a soma aritmtica

  • O Ordenamento Jurdico 67

    de vrias normas, do mesmo modo que uma lei, um regulamento, umcdigo em uma perspectiva material e extrnseca so somente umasucesso de determinados artigos, que podem ser adicionados entre eles.Se, ao contrrio, admitimos, como certo, que um ordenamento jurdicono sentido dito no a soma de vrias partes, sejam estas ou no simplesnormas, mas uma unidade entre si e uma unidade, note-se bem, noartificial ou obtida atravs de um procedimento de abstrao, mas con-creta e efetiva deve ainda ser reconhecido que este ordenamento algode diferente dos elementos materiais que o compem. Ainda melhor, deveser considerado o fato de que no possvel ter um conceito adequadodas normas que nele esto compreendidas sem antepor o conceito unit-rio desse. Do mesmo modo, no possvel ter uma idia exata dos vriosmembros do homem ou das rodas de uma determinada mquina se nose sabe antes o que o homem ou o que aquela mquina.

    4 Como algumas vezestenha sido intuda a unidadede um ordenamento jurdico

    A necessidade de considerar um ordenamento jurdico como umaunidade, no sentido j mencionado, foi muitas vezes salientada.9 Ela setornou uma espcie de lugar comum na formulao das teorias sobre ainterpretao das leis. Mas estranho o fato de ela nunca ter sido explora-da e levada at as suas conseqncias lgicas no que diz respeito defini-o do direito. Justamente por isso o que no deve ser negligenciado ,esta necessidade ficou pouco mais do que uma afirmao e,freqentemente, como uma simples intuio, uma idia vaga, nebulosa equase incompreensvel mesmo em tais teorias que, ainda assim, constro-em sobre ela alguns dos seus princpios fundamentais. De fato, estas teo-rias no se limitam a salientar que o ordenamento jurdico um sistemade normas concatenadas logicamente entre si, no obstante o fato de seformar por pedaos e de possuir imperfeies. Tal fenmeno poderia serexplicado de modo muito simples atravs da inteno dos rgos

    9 Veja, entre outros, PEROZZI, S. Precetti e concetti dellevoluzione giuridica. In: Atti dellasociet italiana per il progresso delle scienze. V riunione. Roma, 1912. p. 13 ss. Veja tambmREDENTI, E. Intorno al concetto di giurisdizione. In: Scritti in onore del Simoncelli. Napoli,1916. p. 5. [v. recentemente GIANNINI, M. S. Linterpretazione dellatto amministrativo e la teoriagiuridica generale dellinterpretazione. Milano, 1939. p. 111 e autores ivi. cit., e alm desses, aobra de minha autoria Principii di diritto costituzionale generale. Milano, 1945, cap. VI, 7].

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    legislativos, os quais, ao emanar uma lei, no s sabem que esta se une sprecedentes, assim como contam com aquela espcie de amalgama que ainterpretao10 se constitui. Muitas vezes, contudo, se vai alm deste con-ceito, e no parece que seja somente com escopo de colori-lo e de dar a eleimagens mais vivas, mas sim para trazer a discusso um outro conceitosubstancialmente diferente. Deste modo, por exemplo, se fala de uma von-tade, de uma potestade, de uma mens, de uma fora prpria doordenamento jurdico, diferente da fora que as normas individuais pos-suem e independente tambm da vontade do legislador que as emanou.Afirma-se que o ordenamento constitui um todo vivo, um organis-mo, que possui fora prpria, mesmo que latente, de expanso e deadaptao, sobre a qual se fundamenta a admissibilidade da analogia.11 notrio que, para os adeptos da interpretao evolutiva, esta vontadeautnoma do ordenamento jurdico poderia se transformar sem que nelefossem incorporadas novas normas, bastando somente a mutao doambiente social em que deve ser aplicada.

    Ora, parte os exageros to freqentes nesta matria mas que mesmoassim so significativos , os conceitos que, como afirmamos, se tornaramlugares comuns, evidentemente no podem ser considerados como sutisartifcios ou como intrigas dos juristas, enclinados a colocar nuvens e acircundar de mistrios o fundamento do seu ofcio de intrpretes. Taisconceitos, ao contrrio, so intuies justas que porm precisam ser de-monstradas de que a natureza de um ordenamento jurdico no se de-monstra totalmente e no pode ser compreendida enquanto se tenha emexame somente s vrias normas que dele fazem parte, negligenciando aunidade que constitui. Esta unidade do ordenamento algo de diferentedas normas, e, ao menos at um certo ponto, independente. O fato destaunidade como tal no ter sido demonstrada explica, concomitantemente,como de modo freqente se atribui significado inexato ao princpio daexpanso lgica das normas. Isso explica tambm as opinies igual-mente inadmissveis de quem12 acreditou poder destruir totalmente esteprincpio sem preservar o elemento de verdade que contm.

    10 Veja, sobre este ponto, as observaes de THUR, V. Der allgemeine Teil des d. brgerlichenRecht. I Berlin, 1910. p. 37 ss e, tambm, p. XI.11 Ver, por exemplo, COVIELLO, N. Op. cit., 28; MICELI, V. Principii di filosofia del diritto.Milano, 1914, 135: as citaes no mesmo sentido poderiam ser multiplicadas semnenhuma dificuldade.12 Veja, por exemplo, STAMPE, E. Rechtsfindung durch Konstruktion. Deutsche Juristen-Zeitung, X (1905), e, de um certo modo, tambm DONATI, D. Il problema delle lacunedellordinamento giuridico. Milano, 1910, passim e especialmente p. 126 ss.

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    5 Como um ordenamento jurdico no seja somenteum conjunto de normas, consistindo tambm emoutros elementos

    Parece que podemos e devemos ir mais longe. At o presente momen-to afirmamos que a definio do direito no coincide com a definio dasnormas que nele esto compreendidas, mesmo admitindo a hiptese de queno direito somente seja possvel encontrar as normas como elementos es-senciais. Agora assumamos que esta hiptese, que poderia ser consideradacomo um pressuposto pacfico de todas as definies do direito, seja contr-ria realidade. Conseqentemente, afirmaramos que tais definies apre-sentam o vcio de no serem pelas razes que mencionamos verdadei-ras, ou seja, no so exatas do ponto de vista lgico, deixando indeterminadojustamente o que deveriam esclarecer, possuindo tambm o vcio, bem maisgrave, de partir de um postulado totalmente errneo.

    Acreditamos que este assunto possa ser demonstrado de diferentesmodos.

    Antes de tudo, ser til apelar para a experincia geral ou, melhor, aosignificado que a expresso ordenamento jurdico traz espontaneamenteconsigo. Neste sentido, quando se fala, por exemplo, do direito italiano oudo direito francs, no verdade que se venha mente s uma srie deregras ou que se apresente imagem das filas de livros que constituem ascoletneas oficiais de leis e decretos. Aquilo a que os juristas pensam, eainda mais os no juristas que ignoram as definies do direito que men-cionamos , algo mais vivo e animado. , em primeiro lugar, a complexae diversificada organizao do Estado italiano ou francs; os numerososmecanismos e engrenagens, as relaes de autoridade e de fora que pro-duzem, modificam, aplicam, fazem respeitar as normas jurdicas, sem seidentificar com essas. Em outras palavras, o ordenamento jurdico, destamaneira amplamente entendido, uma entidade que por um lado se moveconforme as normas, mas, sobretudo, por outro, ele mesmo as move quasecomo se elas fossem pees em um tabuleiro de xadrez. Deste modo, elasrepresentam mais o objeto e o meio da atividade do ordenamento, do queum elemento da sua estrutura.12 bis Sob determinadas perspectivas poss-vel afirmar que as normas coincidem com os traos essenciais de umordenamento jurdico, quase que por reflexo. Algumas normas podem tam-

    12 bis [Adere a esta minha observao SCHMITT, C. Ueber die drei Arten desrechtswissenschaftlichen Denkens. Hamburg, 1934. p. 24].

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    bm variar sem que os traos mudem, assim como, freqentemente, a subs-tituio de determinadas normas por outras mais o efeito do que a causade uma modificao substancial do ordenamento. No convm, contudo,antecipar a demonstrao deste conceito, que ser retomado mais adiante edele extrado as concluses.

    6 Como tais elementos sejam implicitamentepostulados pela maior parte das pesquisas sobreas caractersticas especficas do direito

    Ser necessrio, no entanto, que permaneamos em um terrenomais concreto e relativamente mais cmodo, utilizando alguns argu-mentos que nos so fornecidos pelas vrias tentativas de estabeleceruma diferena entre a norma jurdica e as outras afins. Ningum gos-taria de afirmar que estas tentativas tenham dado resultadossatisfatrios. Tal fenmeno poderia nos levar a supor a existncia deum erro no modo como o problema freqentemente colocado. Erroque poderia ser o seguinte: tendo sido admitido o postulado de que odireito seja somente norma, se procurou o carter ou as caractersticasespecficas da norma jurdica, mas esta indagao no pode levar ata noo de direito justamente porque este no se resume todo e sempreem normas. O resultado foi que se procurou resumir um problema quepossui uma dimenso mais ampla, acreditando-o equivalente a umoutro, que, ao contrrio, mais limitado. Disso advm uma srie desolues e expedientes que parecem ajudar a esclarecer a nossa tese.De fato, as solues que foram propostas, mais uniformes na sua apa-rente variedade do que se poderia supor, tm em comum o fato de,sem se dar conta, procurarem as caractersticas que diferenciam a nor-ma jurdica em elementos estranhos ao conceito de norma. Assim fa-zendo, essas tentativas contradizem o postulado do qual se originame, mesmo no querendo, afirmam que este o direito no norma.

    No ser intil examinar, de tal ponto de vista, a opinio muita difusade que o direito se diferencia das outras normas principalmente devido ssuas caractersticas formais. J esta expresso por si mesma deveria fa-zer refletir, enquanto, evidentemente, menciona algo que est fora da nor-ma jurdica, que constitui o seu invlucro ou o seu aspecto extrnseco. Fazcom que fique sempre para ser meditado o porqu o direito deveria ser

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    definido mais pelas suas vestes, do que pela substncia das normas que ocompem. A rigor de tal fenmeno se deveria deduzir que o direito no a norma, mas sim o que envolve esta ltima e nela imprime um determi-nado aspecto. Mas no insistamos neste tipo de consideraes, ainda maisque a palavra forma daquelas que se prestam mltiplas interpreta-es13 (ver, mais adiante, o pargrafo 14). Vejamos quais seriam estas ca-ractersticas formais.

    Podemos prescindir de algumas dessas, seja porque no exista una-nimidade ao list-las como tais, seja porque deveremos, em outros dessesnossos estudos, examin-las de uma perspectiva mais aprofundada. Bas-tar que analisemos duas de tais caractersticas, que, mesmo no sendoentendidas de igual modo, recebem o consenso unnime, ou quase, dadoutrina. Trata-se daqueles que freqentemente so colocados sob o nomede objetividade da norma e sano jurdica.

    7 Apreciao, deste ponto de vista, daquilo que sediz ser a objetividade do direito

    Tendo por base a primeira destas duas caractersticas, se afirmaque o direito feito de normas retiradas da conscincia daqueles quedevem observ-las, sendo elas dotadas de uma existncia prpria e au-tnoma. Sem dvida alguma o direito tem a sua raiz profunda nestaconscincia, sendo projetado pelo seu ntimo e sendo um luminoso re-flexo desta, mas ele a transcende, a supera e a ela se contrape. Nor-malmente os indivduos se reconhecem entre si como associados e des-te modo tendem colaborao espontnea e ao respeito recproco dassuas liberdades. Mas, como possvel que venham a surgir divergnci-as e contendas entre eles, necessria a interveno de uma conscin-cia superior que seja o reflexo e represente a sua unio. Esta conscin-cia que encarna as razes da coexistncia e do sistema em que os indi-vduos se unem, que tem o papel de mediador nas relaes entre elas ecom o todo, que como a encarnao do eu social, do socius tpico,

    13 Ver DEL VECCHIO, G. I presupposti filosofici della nozione del diritto. Bologna, 1905. p. 173[de fato, quando este autor, no ensaio Moderne concezioni del diritto. Rivista internazionaledi filosofia del diritto, 1921. p. 6, objeta, no que concerne a minha observao, que as caracte-rsticas formais do direito so as suas caractersticas essenciais porque forma dat esse rei, dizalgo muito exato, mas usa a palavra forma com um significado filosfico que no precisamente o que me refiro no texto].

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    abstrato, objetivo, o direito que expressa. Desta advm a posioformal do direito, que se define como o reino da objetividade.14

    Do ponto de vista lgico isso implica no seguinte princpio: direitono ou no somente a norma posta, mas sim a entidade que a pe.15 Oprocesso de objetivao que d lugar ao fenmeno jurdico no se iniciacom a emanao de uma regra, mas no momento anterior. As normas sosomente a manifestao de tal fenmeno, uma das suas vrias manifesta-es, um meio atravs do qual se afirma o poder daquele eu social que hpoucos falamos. No existe nenhuma razo para considerar que eu socialseja um termo a quo do direito.16 Este o prprio direito, sendo a normasomente a sua voz ou, melhor, uma das vozes, um dos modos com queeste atua e alcana o seu fim. A sua existncia e a sua estrutura, que mar-cam ao mximo grau a objetividade que se afirma como prpria e carac-terstica do direito, devem ser entendidos na linha que circunscreve a fron-teira de um ordenamento jurdico. A objetividade das normas somente

    14 Vide a obra de PETRONE, I. Il diritto nel mondo dello spirito, passim, e do mesmo autor, oescrito precedente: Contributo allanalisi dei caratteri differenziali del diritto. Rivistaitaliana di scienze giuridiche, XXXII. 1897. p. 367 ss. Vide, ainda, MICELI, V. La norma giuridica.Palermo, 1906. p. 197 ss.; MICELI, V. Principii di filosofia del diritto. Op. cit., 54. CROCE, B.Filosofia della pratica. Bari, 1915. p. 323 ss. [5. edio. p. 307 ss.], conforme sua tese, queafirma a reduo do direito economia, pe, deste modo, em uma nica categoria asnormas sociais, como aquelas que o indivduo dita a si mesmo se pondo um programa: eleanula, assim, os elementos formais do direito que seriam fornecidos pela objetividade epela sano, e que representariam conceitos empricos que no poderiam ser utilizadospor nenhuma filosofia. No esta a ocasio para avalizar a teoria de Croce: somente necessrio salientar que ela, ao negar a autonomia do conceito de direito de uma perspec-tiva exclusivamente filosfica, que elide em uma categoria mais ampla, no pode servirde base para quem deve, ao contrrio, afirmar a existncia e a autonomia daquele concei-to, mesmo em sentido emprico. Em outras palavras, qualquer que seja o valor filosficode tal doutrina, no possui e no quer possuir nenhum valor para cincia jurdica propri-amente dita, que no pode certamente deixar de modelar um conceito do direito, semrenegar a si mesma. Sobre a intimidade de toda autoridade e da toda lei, que nofaltaria nem mesmo no foro interno da pessoa, que se diz individual, vide tambmGENTILE, G. I fondamenti della filosofia del diritto. Annali delle Universit toscane. Pisa,1916. p. 39 ss.15 Deste modo observou, partindo da teoria que fundamenta a obrigatoriedade do direitosobre o reconhecimento dos associados, que tal reconhecimento se refere no tanto norma como tal, quanto autoridade da qual emana: ver, ANZILOTTI, D. Corso di dirittointernazionale. Roma, 1912. p. 27. Vol. I. [p. 42 na 3. edio, 1928; p. 32 da edio alem:Lehrbuch des Vlkerrechts. Berlin, 1929. Vol. I.].16 Algumas objees particulares vista que nos parece exata foi sugerida por uma pers-pectiva, que convir mais adiante examinar. Vide, por exemplo, PETRONE, I. Il diritto nelmondo dello spirito. Op. cit., p. 140 ss., e outros que citaremos a seguir.

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    um reflexo, muito mais frgil e algumas vezes absolutamente plido, daobjetividade de tal entidade, sendo que no se saberia nem mesmo defini-la sem ter esta ltima por referncia. No se afirma que a norma jurdica objetiva somente por ser norma escrita ou por ser formulada com exati-do. Se fosse assim, ela no se diferenciaria das muitas outras normassuscetveis a esta extrnseca formulao, alm de que, por vezes so consi-deradas normas jurdicas algumas que em tal sentido no so totalmenteprecisas como, por exemplo, os costumes. O carter da objetividade aqueleligado impessoalidade do poder que elabora e fixa a regra, ao fato deque este mesmo poder algo que transcende e se eleva sobre os indivdu-os, que se constitui ele mesmo direito. Se prescindirmos desta concepo,o carter da objetividade perde o seu significado ou, pior ainda, implicaem erros.

    Tanto verdade que no s podem ser imaginados abstratamente,mas tambm so historicamente fornecidos, como notrio, exemplos deordenamentos jurdicos em que no se encontram normas escritas oumesmo normas no escritas, no sentido apropriado do termo. Foi ditomuitas vezes ser possvel conceber um ordenamento em que no haja lu-gar para a figura do legislador, mas somente para a do juiz. Trata-se deum expediente sugerido pela nossa mentalidade moderna, mas que nocorresponde realidade, o dizer que neste caso o juiz, ao mesmo tempoem que decide o caso concreto, submete ao seu julgamento particular anorma que preside. A verdade , ao contrrio, que este ltimo pode sefundamentar no que chamamos de justia do caso particular, na equidadeou em outros elementos que so bem diferentes da norma jurdica. Estaltima, por sua natureza, visa uma srie ou classe de aes, sendo conse-qentemente abstrata e geral. Se assim, o elemento jurdico, na hiptesemencionada, no deve ser buscado na norma, em que est ausente, masno poder, no magistrado que expressa a conscincia social objetiva atra-vs de meios diferentes daqueles que so prprios de ordenamentos maiscomplexos e evoludos.

    De resto, quem admite, como a opinio que est se difundindo, queo direito objetivo no seja feito somente de normas que tenham o requisitoda generalidade, mas tambm de preceitos individuais e concretos, devetambm admitir que estes preceitos sejam considerados como normas ouque o direito seja composto, alm de normas, por outros elementos. Ora,nos parece claro que a norma tal enquanto geral e abstrata, e que pare-cem vs e sedutoras as tentativas de ampliar o seu conceito at fazer comque nele entrem as prescries ou, melhor, certas prescries especiais. Jus-

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    to por esta razo que freqentemente mal colocada a famosa questo dedireito constitucional sobre se a lei material deve ser geral. Coloca-se opostulado, na nossa opinio errneo, de que a lei em sentido prprio ousubstancial contm somente normas jurdicas, e, depois, se d de frentecom o dilema insolvel: se o carter de lei deve ser negado a certas prescri-es que evidentemente constituem direito em sentido objetivo ou se deveser entendido como norma o que, de modo evidente, no o .16bis

    No final das contas, sempre se torna ao mesmo ponto de partida. Achamada objetividade do ordenamento jurdico no pode ser reduzi-da e limitada s normas jurdicas. Refere-se e se reflete tambm sobreessas, mas parte sempre de um momento lgica e materialmente anteri-or s normas e, algumas vezes, ou melhor, freqentemente, alcana mo-mentos que no podem ser identificados e confundidos com aqueles quecaracterizam as normas. O que equivale a dizer que as normas so oupodem ser uma parte do ordenamento jurdico, mas esto bem longe deesgot-lo.

    8 E do elemento sano

    O outro elemento formal do direito, ou seja, a sua sano quepara alguns o nico elemento formal caracterstico17 , d lugar aconsideraes anlogas. Aqui no o caso de mencionar as muitasquestes relativas ao sentido da palavra sano, e, conseqentemente, oportunidade de substituir tal palavra por qualquer outra que forne-a melhor o conceito: se possvel falar de um carter obrigatrioirrefragvel do direito; se tratando de uma coao ou, como algunspreferem dizer, co-atividade; se, ao contrrio, como acreditamos, bas-te uma simples garantia direta ou indireta, imediata ou mediata, pre-ventiva ou repressiva, segura ou somente provvel. E, portanto, incer-ta, j que , em certo sentido, pr-ordenada e organizada no mesmoedifcio do ordenamento jurdico. Somente necessrio salientar queao se afirmar que o direito norma munida de sano, independente-mente da forma como essa seja entendida, mesmo parecendo que ge-ralmente se acredite o contrrio, no pode significar que o direito seja

    16bis [Para uma formulao mais clara e em parte diferente destes conceitos, ver a obra deminha autoria Principii di diritto costituzionale. Op. cit., captulos VII, 2, nmeros 2 e 3 ; XI, 1 no 10].17 Ver especialmente JHERING, R. Das Zweck im Recht. Leipzig, 1893, I3. p. 435 ss.

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    uma norma somada a uma outra norma que ameace sanes. Se fosseassim, se deveria necessariamente deduzir que esta ltima no umelemento necessrio e essencial do direito. De fato, foi possvel chegara esta concluso atravs de quem obteve todas as conseqncias lgi-cas daquela premissa. Substancialmente, foi assim que se raciocinou.Segundo a opinio dominante, um preceito seria jurdico somente sefosse somado a esse um outro, para proteger o direito criado pelo pri-meiro. Formalmente estes diferentes preceitos podem se encontrar uni-dos, mas, substancialmente, so distintos. Eles do lugar a dois direi-tos, em sentido subjetivo, dos quais um primrio ou principal, e, ooutro, secundrio ou acessrio, e por isso no advm da mesma nor-ma.18 No entanto, para que o segundo preceito possa ser qualificadocomo jurdico, deveria estar acompanhado de um terceiro, e o terceirode um quarto, e assim por diante. Deste modo, necessariamente se che-gar ao momento em que faltar o preceito complementar, tendo-se,por isto, uma norma jurdica sem sano.19 Na verdade este raciocnio,em si mesmo justo mas que foi feito para negar que a sano sejaelemento necessrio do direito , na nossa opinio somente demonstraque a sua premissa no possui fundamento e, por isso, pode ser muitobem utilizado. Acreditamos, de fato, que a sano possa no ser objetode uma norma especfica. Pode, ao contrrio, ser imanente e latentenas engrenagens do aparelho orgnico que constitui o ordenamentojurdico considerado no seu todo; tambm pode ser fora que atua demodo indireto, uma garantia efetiva que no d lugar a algum direitosubjetivo estabelecido por qualquer norma; freio inato e necessrio dopoder social. Pode-se ento dizer que apresentar a sano como umelemento do direito afirmar, mesmo no querendo, que o direito noconsiste unicamente em normas jurdicas, e que estas so ligadas, oumelhor, suspensas, por outros elementos de onde advm toda a suafora. Deste modo a sano, ou seja, estes outros elementos, bem longede serem algo complementar, acessrio s normas, as precedem, for-mando a base na qual fundamentam as suas razes, sendo necessrio,no definir o direito, analis-los antes mesmo do que as prpriasnormas.19bis Tendo por referncia somente estas ltimas, se deve con-

    18 Sobre este ponto ver, ANZILOTTI, D. Teoria generale della responsabilit dello Stato nel dirittointernazionale. Firenze, 1902. p. 61, em nota, e os autores ali citados.19 TRIPEL, H. Vlkerrecht und Landesrecht. Leipzig, 1899. p. 103 ss.19bis [Entre aqueles que agora aderem a estes conceitos, veja AGO, R. Lezioni di dirittointernazionale. Milano, 1943. p. 24 ss.].

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    cluir negando, como foi salientado, que a sano seja um elemento dodireito. E no se deve parar no meio da estrada, como algumas vezesaconteceu, ou seja, admitir tal elemento atribuindo a ele um carterextrajurdico. De fato, j que seria ilgico procurar um elemento essen-cial do direito fora do direito, tal opinio20 necessariamente se resumenaquela que exclui a sano das caractersticas do direito. Este modode ver , de qualquer modo, significativo enquanto alerta que, conce-bendo o direito como norma, conforme a opinio comum, a sanofica preclusa deste, devendo-se dar a ela um outro lugar (ver conformeo ponto 22).

    9 A expresso ordenamento jurdico

    O significado excessivamente literal que freqentemente dado expresso ordenamento jurdico poderia criar alguma dificuldadepara a tese que at agora delineamos como uma crtica s teorias do-minantes e que agora convir demonstrar com argumentos mais posi-tivos. Esta expresso, de fato, traz mente a idia de regras e de nor-mas, fazendo com que no se possa facilmente imaginar umordenamento que no se reduza integralmente a tal idia. A dificulda-de no , contudo, como se v, substancial, mas extrnseca e quaseexclusivamente verbal. Como foi constatado, uma daquelas dificul-dades geradas pela impreciso e pela pobreza da linguagem, que socausas de inexatido nas definies de conceitos muito abstratos. Paraelimin-la, bastaria substituir a palavra ordenamento por qualqueroutra, que no trouxesse assim insistentemente e, por assim dizer,inveterado hbito mental , a idia de norma, mesmo sem exclu-la. Oque seria, por outro lado, no menos insensato.

    10 Os elementos essenciais do conceito do direito. Odireito como instituio e o direito como preceito

    O conceito de direito deve, na nossa opinio, conter os seguintes ele-mentos essenciais:

    20 Sobre esta (MARINONI, M. La responsabilit degli Stati per gli atti dei loro rappresentantisecondo il diritto internazionale. Roma, 1914. p. 35 ss.) retornaremos mais adiante: 22.

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    a) Antes de tudo, levar ao conceito de sociedade. Isso em dois sen-tidos que se completam mutuamente: aquele que no sai da es-fera puramente individual que no supera a vida do indiv-duo como tal no direito, (ubi ius ubi societas)21 e, ainda, noexiste sociedade no sentido verdadeiro da palavra sem que nes-sa se manifeste o fenmeno jurdico (ubi societas ibi ius). Estaltima proposio pressupe um conceito de sociedade, que absolutamente necessrio salientar. Deve-se entender por socie-dade no uma simples relao entre os indivduos, como seria,por exemplo, a relao de amizade, ao qual estranho qual-quer elemento jurdico,22 mas uma entidade distinta dos indiv-duos que a compe, que constitua mesmo formal eextrinsecamente uma unidade concreta. E deve se tratar de umaunidade efetivamente constituda. Tanto para tomar um outroexemplo, uma classe ou um estamento de pessoas no organi-zado como tal, mas determinado por uma simples afinidadeentre as mesmas pessoas, no uma verdadeira sociedade. So-bre este ponto, ser necessrio insistir posteriormente.

    b) O conceito de direito deve, em segundo lugar, conter a idia daordem social: isso serve para excluir todo elemento que possareconduzir ao puro arbtrio ou fora material, ou seja, no orde-nada. Tal princpio, de resto, somente um aspecto do anterior, oumelhor, deve ser entendido nos limites de um corolrio deste lti-mo: toda manifestao social, somente devido ao fato de ser social, ordenada ao menos no que diz respeito aos seus conscios.23

    21 Sobre a opinio de CROCE, B. Filosofia della pratica, p. 323 [5. edio, p. 307 ss.], veja o que consta napgina 18. Tambm ROSMINI, A. Filosofia del diritto. Milano, 1841. p. 146-147. Vol. I., tinha excludoda noo de direito em gnero no o conceito de sociedade, mas aquele de real co-existncia,mas isso no sentido de considerar suficiente uma co-existncia possvel, fazendo com que oindivduo pudesse sempre ser considerado em uma relao hipottica com outros seus smilespossveis. [De resto, a concepo de que o direito no seja essencialmente ligado a uma formaqualquer de sociedade reaparece, como se sabe, continuamente, mesmo na literatura mais recente,mas concepo que, mesmo querendo julg-la do ponto de vista filosfico, implica em umanoo do direito que no aquela do direito positivo da qual o jurista deve partir].22 Que tambm nas relaes como a amizade no falte o elemento da autoridade queadvm da estima, do reconhecimento ntimo etc. (GENTILE, G. Op. cit., p. 47 ss) natural-mente no impede de diferenciar esta sociedade em sentido amplo das outras em sentidoestrito, em que se produz o fenmeno jurdico.23 Como possivel constatar, no analisamos a questo que se quer elaborar na filosofia sobreas relaes gerais entre o direito e a fora, e nem mesmo nos ocupamos do aspecto particular doproblema, que subordinado aquele mais amplo da eticidade do direito, concernente s rela-es entre o chamado direito justo e o direito no justo, mas todavia coativamente imposto

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    c) A ordem social posta pelo direito no advm da existncia denormas de qualquer origem que disciplinam as relaes sociais.Ele no exclui tais normas, mas se serve delas e as integra nasua rbita, sendo que, concomitantemente, vai alm delas, su-perando-as. Isto significa que o direito, antes de ser norma, an-tes de se referir a uma simples relao ou a uma srie de rela-es sociais, organizao, estrutura, atitude da mesma socie-dade em que vigente e que para ele se constitui como unidade,como um ser existente por si mesmo. Tambm este um princ-pio do que foi acima observado para esclarecer e delimitar otipo de sociedade em que se produz o fenmeno jurdico.

    Sendo assim, o conceito que nos parece necessrio e suficiente para forne-cer em termos exatos aquele de direito enquanto ordenamento jurdico tomadono seu todo e unitariamente, o conceito de instituio. Todo ordenamentojurdico uma instituio e, vice-versa, toda instituio um ordenamentojurdico. Existe entre os dois conceitos uma equao necessria e absoluta.

    por isso que, na nossa opinio, a expresso direito em sentidoobjetivo pode possuir um duplo significado. Pode designar, antes de tudo:

    a) Um ordenamento na sua completude e unidade, ou seja, umainstituio;

    b) Um preceito ou um conjunto de preceitos (normas ou disposiesparticulares) agrupados ou sistematizados de forma variada que,para diferenci-los dos no jurdicos, chamamos de institucionais,salientando deste modo a ligao que possuem com todo oordenamento, ou seja, com a instituio da qual so elementos,ligao necessria e suficiente para atribuir seu carter jurdico.

    Deveremos retornar a este ponto em outra ocasio. Neste momentonos interessa desenvolver somente o primeiro dos dois aspectos do direito,salientando o que aproxima o nosso conceito de direito da concepo co-mum, mas tambm o que os distancia. E, antes de tudo, necessrio tor-nar mais claro o significado que damos palavra instituio, suscetvel deser entendida de diferentes formas.

    11 Os precedentes doutrinrios do conceito de instituio

    Deve ser notado que enquanto na linguagem, no diremos vulgar,mas extra-jurdica, freqentemente se atribui palavra instituio um sen-

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    tido muito amplo, que se aproxima ao que ns utilizamos, sendocomunssimas as expresses instituies polticas, instituies religiosase similares. Na terminologia tcnica do direito, ao contrrio, se partiu deum conceito muito limitado de instituio, e s recentemente este, pouco apouco, foi ampliado e valorizado, sem todavia explor-lo completamente.

    At alguns anos atrs, para os juristas, a instituio foi somenteuma espcie do gnero pessoas jurdicas. H algum tempo tem servi-do de modo mais freqente para designar as pessoas jurdicas que nose constituem como corporaes. Conseqentemente tal conceito s encontrado na doutrina das pessoas morais do direito, e j que notriotal doutrina ter sido desenvolvida por primeiro e mais amplamente nocampo do direito privado, a idia de instituio permaneceu infrutfera,ou quase, justo naquele terreno em que a sua utilidade evidentementemaior, ou seja, o do direito pblico. Trata-se de um contexto que foiapenas temperado pela antiga tendncia de considerar os entes moraiscomo entes de interesse pblico. De qualquer modo, permanece semprecomo verdade o fato de que a instituio sempre foi concebida, nemmais, nem menos, como pessoa jurdica. necessrio apenas alertar queno neste sentido e nesta esfera to limitada que analisaremos o seuconceito.

    Nos ltimos tempos, porm, surgiu na literatura alem e na france-sa, uma tendncia a ampliar tal conceito, transportando-o para fora daesfera em que se desenvolveu. Na doutrina germnica, de straforo, ocasio-nalmente e no mximo a propsito das pessoas jurdicas. Na doutrinafrancesa, a noo se desenvolveu de modo mais autnomo ao se referir amuitos problemas do direito pblico, assim como a alguns do direito pri-vado, mas nem sempre com uma elaborao rigorosa e precisa.

    Neste sentido, se deve antes de tudo recordar a teoria24 que encontrao substrato das pessoas jurdicas em uma organizao e, conseqente-mente, pe o conceito desta ltima como um antecedente ao de pessoajurdica. A organizao ou instituio (Einrichtung) no seria um entenatural dotado de vida prpria, mas sim um ente voltado a alcanar de-terminados escopos sociais, sendo pensado ou considerado como sujeitode direito. Mas fica nas sombras o que seria, pois, mais precisamente, estaorganizao, esta nova fora social. Melhor ainda, se afirma que, se tra-

    24 Veja, sobre esta, FERRARA, F. Teoria delle persone giuridiche. Napoli, 1915. p. 315 ss., [emais recentemente FERRARA, F. Le persone giuridiche. In: VASSALLI, F. (dir.). Trattato didiritto civile italiano. Torino, 1938. p. 27 ss.].

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    tando de um conceito elementar, suscetvel de uma anlise ulterior.25Em todo caso, deve ser repetido que na doutrina germnica tal conceitofoi aproveitado para esclarecer a noo de pessoa jurdica. A sua impor-tncia , deste modo, para a nossa tese, somente indireta, se resumindona afirmao de que no mundo do direito existem entidades (que noimporta-nos se e como lhes atribuda a personalidade), as quais no sopuros organismos naturais, mas somente simples instituies, ou seja, or-ganizaes de pessoas (corporaes) ou de outros elementos (fundaes).26

    Foi delineada no campo do direito administrativo alemo a figurada instituio pblica (Anstalt), que no seria uma pessoa jurdica, masum conjunto, uma unidade de meios, materiais ou pessoais, que nas mosde um sujeito da administrao pblica so destinados a servir de manei-ra permanente a um determinado interesse pblico: o exrcito, uma esco-la, um observatrio, uma academia, os correios etc.27

    Na Frana, Hariou delineou em vrios dos seus escritos e com modi-ficaes28 posteriores um conceito mais amplo de instituio, afirmandoque esta constitui, para todos os ramos do direito pblico, uma categoriageral apta a explicar muitos princpios, sendo, portanto, fecundada comnotveis aplicaes.

    Segundo este escritor, a instituio uma organizao social, ou seja,

    toda ordem permanente atravs da qual, no interior de um determinadogrupo social, os rgos que dispem de um poder de dominao so colo-

    25 BEHREND. Die Stiftungen. Marburg, 1905. p. 312 ss. Vol. I. Pode ser importante notar queeste autor limita a figura das pessoa jurdica somente ao campo do direito privado e,conseqentemente, entre as instituies de que ele fala no esto compreendidas as pbli-cas, que para ns so, ao contrrio, as mais tpicas.26 Sobre esta oposio entre organismos e organizao, ver ENNECCERUS, L. Lehrbuch desbrgerlichen Rechts6. I. Marburg, 1911, 96 (p. 231 ss. da 1. parte) [13. edio, 1931. p. 288].27 Ver, principalmente, MAYER, O. Deutsches Verwaltungsrecht. II, 51; FLEINER, F. Institutionendes D. Deutsches Verwaltungsrechts3. Tbingen, 1913, 18 [8. edio, 1928, 19].28 A ltima formulao, que o autor deu para a sua doutrina e qual, conseqentemente,nos atemos aquela contida nos seus Principes de droit public2. Paris, 1916, p. 41 ss [Posteri-ormente, Hauriou retornou ao assunto em diversos escritos: nas edies posteriores dosseus Principes de droit public; na Thorie de linstitution et de la fondation. Paris, 1925, e no Prcisde droit constitutionnel2. Paris, 1929. Sobre a doutrina de Hauriou, veja, entre outros,LEONTOVITSCH, I. Die Theorie der Institution bei M. Hauriou. Archiv fr Rechts undSozialphilosophie, XXIX-XXX, e LEONTOVITSCH, I. La teoria della istituzione di Hauriou eil suo significato per il diritto costituzionale. Bollettino dellIstituto di filosofia del diritto dellaReggia Universit di Roma, II, 1941. p. 85 ss.].

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    cados a servio dos objetivos que interessam ao grupo, por meio de umaatividade coordenada com aquela do conjunto do grupo.NdT

    Deveria-se, na verdade, distinguir duas espcies de instituies: noque concerne as que pertencem categoria das coisas inertes (por exem-plo, um terreno, que considerado por si mesmo no registro, uma ruavicinal etc.) e aquelas que, ao contrrio, formam corpos sociais, ou seja, asinstituies corporativas. Deste modo, sejam as primeiras, sejam as se-gundas, so individualidades sociais. Mas, no sistema jurdico, somenteas instituies corporativas devem ser analisadas como figuras existentespor si mesmas, j que estas, diferentemente das outras, possuem uma au-tonomia. Isso implica que toda instituio deste gnero uma verdadeirarealidade social, uma entidade fechada, diferente dos indivduos que delafazem parte, possuindo uma personalidade prpria ou, ao menos, sendocandidata personificao. Esta entidade, conseqentemente, pode serconsiderada sob dois aspectos: da perspectiva das relaes que possui como mundo exterior, em que se salienta a sua individualidade subjetiva, asua qualidade de pessoa jurdica; e, da perspectiva da sua vida interior,em que se descobre a sua individualidade objetiva. Este seu ltimo aspec-to, que se traduz na sua autonomia, faz da instituio corporativa umafonte originria de direito ao produzir espontaneamente as trs formasdo direito: a disciplinar, a consuetudinria e a estatutria ou legal.

    Este o ncleo fundamental da doutrina de Hauriou, da qual, nestecontexto, podemos mencionar somente os ltimos desenvolvimentos, porserem necessrios para justificar algumas breves observaes crticas asquais nos interessa analisar.

    O principal mrito do jurista francs , na nossa opinio, ter colocado emprimeira linha a idia de reconduzir ao mundo jurdico o conceito de institui-o entendido de um modo amplo, do qual at agora tnhamos somente traos.Estes, tambm, muito suaves, e menos presentes poltica e sociolgica,29 do que

    NdT No original de Santi Romano a citao consta em francs: Tout arrangement permanent par lequel, lintrieur dun groupement social dtermin, des organes disposant dun pouvoir de domination sont mis auservice des buts intressant le groupe, par une activit coordonne celle de lensemble du groupe.29 Esta afirmao vale para a doutrina moderna, a qual nos limitamos, mas no para a doutrinamais antiga que, na ordem deste ponto, como a tantos outros, teve desenvolvimentos que sohoje erroneamente deixados a parte. Pode-se, por exemplo, recordar a anlise do systematade HOBBES no captulo 22 do Leviathan, e dos entia moralia de PUFENDORF, S., no captulo Ido De Iure naturae ac gentium: estas entidades, diferentemente dos fsicas que se originam porcreatio, se originariam por impositio (palavra que o tradutor francs, Barbeyrac, traduz porinstitution). Todavia deve ser observado que, dos entia moralia de Pufendorf, somente os adanalogiam substantiarum concepta podem se aproximar do sentido das nossas instituies.

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    na terminologia. Foi sem dvida oportuno liberar tal conceito daquele de per-sonalidade jurdica, que pode a este se sobrepor quando se verificam determi-nadas condies, podendo tambm estar ausente. Esta distino era talvez maisntida nas primeiras formulaes que Hauriou tinha fornecido a sua teoria,mas tambm agora fica sempre notvel o desenvolvimento dado por ele aoconceito de instituio analisado enquanto individualidade objetiva.

    Parece que a figura da instituio possa, antes de tudo, ser delineadacom maior amplitude e ao mesmo tempo com maior preciso, e, em se-gundo lugar, que a sua essncia, o seu trao fundamental, devem ser de-lineados de modo diferente.

    O nosso pensamento encontra-se exposto de um modo mais comple-to nos pargrafos que seguem, mas, desde j, salientamos nos parecerinjustificado o critrio que Hauriou utilizou como base para limitar o con-ceito de instituio somente a uma espcie de organizao social tendoalcanado um certo grau de desenvolvimento e de aperfeioamento. Almdas instituies que ele qualifica por corporativas existem outras que po-dem, do mesmo modo, serem recebidas no sistema jurdico por possuremuma existncia prpria e serem dotadas de autonomia relativamente am-pla. Tambm no compartilhamos a opinio de que as instituies seriamsomente entes organizados em forma constitucional e representativa; or-ganizaes cujos membros se vm garantir uma liberdade que no sabe-mos em que sentido possa ser qualificada como liberdade... poltica, quandose trata, por exemplo, dos acionistas de uma sociedade comercial; organi-zaes que realizaram uma decentralizao e uma separao de poderes;que se inspiram no princpio da publicidade; e que, enfim, possuem umestatuto constitucional. Evidentemente, Hauriou foi levado pela idia demoldar as suas instituies a imagem e semelhana da maior entre essas,ou seja, o Estado, ou, melhor ainda, o Estado moderno, enquanto se trata-va de delinear uma figura generalssima, cujas caractersticas contingen-tes podem variar e variam, na realidade, infinitamente.

    Alm e isso se vincula nossa viso, que mencionamos e que convirdemonstrar mais positivamente no acreditamos que a instituio seja fon-te do direito, e que portanto este seja um efeito, um produto da primeira, masacreditamos que entre o conceito de instituio e o de ordenamento, conside-rado no seu todo e integralmente, exista uma perfeita identidade. Mas no sepodia chegar a este resultado, a no ser superando a doutrina tradicionalque concebe o direito somente como norma ou conjunto de normas.

    Hauriou, ao contrrio, afirma que a instituio se aproxima a umconjunto de coisas, ou melhor, ela somente uma espcie de coisa; na

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    verdade uma coisa ativa e uma espcie de mecnica.NdT Sem contarque tais expresses manifestam uma incerteza de pensamento e quaseuma dvida, deve ser observado que a tal concepo talvez se tenha che-gado por via de excluso, mais do que por argumentos diretos. Negou-se,justamente, que a instituio fosse uma pessoa jurdica, porque quandodotada de personalidade, seria somente o substrato desta ltima e, por-tanto, um seu pressuposto; nunca se pensou em identific-la com o pr-prio ordenamento jurdico; e, deste modo, se apresentava espontnea, parano dizer necessria, a idia de catalog-la entre as coisas. Ora, mesmoque a denominao de res publica, com a qual os romanos designavam oEstado, ou seja, a instituio mais importante, possa dar um certo suportea tal viso, evidente que, se a palavra coisa usada no seu significadojurdico preciso, certamente no fornece com exatido o conceito de insti-tuio, ou melhor, o anula como categoria em si; se usada em outrosentido mais amplo, ento no explica o mesmo conceito, porque fica aser fixado qual deve ser este sentido. verdade que Hauriou quis salientaro carter objetivo da instituio, porm, este seu carter no faz com queela deva ser considerada como objeto, como res: a instituio , na reali-dade, um ordenamento jurdico objetivo.29bis

    12 O nosso conceito de instituio e as suascaractersticas fundamentais: 1) a existnciaobjetiva da instituio; 2) instituio e corpo social;3) especificidade da instituio; instituiescomplexas; 4) unidade da instituio

    Entendemos por instituio todo ente ou corpo social. A esta defini-o, simples e breve, necessrio, porm, um longo comentrio.

    NdT No original de Santi Romano a citao consta em francs: nest quune sorte de chose; la vrite cest une chose active et une sorte de mcanique.29bis [Posteriormente, foram elaborados na doutrina francesa outros conceitos de instituio,diferentes, deste modo, daquele de Hauriou e do meu, e, de qualquer modo, partindo depontos de vista que transcendem os escopos da indagao jurdica. Isso deve ser dito especi-almente de RENARD, G. Thorie de linstitution. Paris, 1930; de DELOS, J. T. La thorie delinstitution. Archives de philosophie du droit, 1931; de GURVITCH, G. Lide du droit social. Paris,1932, e Lexperience juridique et la philosophie pluraliste du droit. Paris, 1935. Sobre estes autores,vide, entre outros, BOBBIO, N. Istituzione e diritto sociale. Rivista internazionale di filosofia deldiritto, 1936. Veja tambm DESQUEYRAT, A. Linstitution, le droit objectif et la technique positive.Essai historique et doctrinal. Paris, 1923].

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    1) O ente de que falamos deve ter uma existncia objetiva e concre-ta, e, por ser imaterial, sua individualidade deve ser exterior evisvel: para apresentar melhor este seu carter, dissem-lo tam-bm corpo social.29ter Isso implica que utilizemos a palavra ins-tituio no seu significado apropriado e no no sentido figurado,como bastante freqente. Deste modo, quando se fala na lin-guagem comum, por exemplo, da instituio da imprensa ou nalinguagem tcnico-jurdico, da instituio ou, freqentemente, doinstituto da doao, da compra-e-venda etc., no se pensa emuma efetiva unidade social. No primeiro caso, se designa a mani-festao idntica de determinadas foras que na realidade sodesunidas e freqentemente divergentes e, no segundo caso, dasvrias relaes ou normas individuais que tendo em vista a figu-ra comum das caractersticas tpicas que apresentam, soreagrupados somente da perspectiva conceitual.30

    29ter [No sempre fcil verificar quando exista uma instituio com as caractersticasindicadas no texto. Existem casos limites: assim, quando se possuem organizaes muitorsticas, como, por exemplo, aquelas constitudas por uma unio de pessoas em fila parachegar a um guich ou para entrar em um local, ou mesmo, aquelas organizaes menosembrionais, mas todavia no estado difuso que idealmente unem com a observncia deusos ou de outras regras comuns os amantes de jogos e de esportes, os cavalheiros quepraticam normas da cavalaria, aqueles que seguem certos usos mundanos, etc ... Sobreestas instituies, ver CESARINI SFORZA, W. Il diritto dei privati. Rivista italiana per lescience giuridiche, 1929. p. 55 ss. do extr., e La teoria degli ordinamenti giuridici e il dirittopositivo. Foro italiano , 1928 (ver citados outros autores: Perrau, Huguet etc.);CALAMANDREI, P. Regole cavalleresche e processo. Rivista di diritto processuale, 1929, I. p.145 ss. e em Studii sul processo civile. Padova, 1934. p. 1 ss. Vol. III. De qualquer modo, pormais que se queiram adotar critrios muito simples e pouco desenvolvidos de sociedade,no acreditamos que se possa chegar at encontrar o fenmeno jurdico em todos osestados de convivncia humana, como acredita, ao contrrio, ORLANDO, V. E. Recentiindirizzi circa i rapporti fra diritto e Stato. Rivista di diritto pubblico, 1929, e in Dirittopubblico generale. Scritti varii. Milano, 1940. p. 223 ss. com o ttulo Stato e diritto (Ordinamentogiuridico, regola di diritto, istituzione)].30 Algumas vezes, porm, foi fornecido um conceito de instituto jurdico que seria contrastantecom o seu carter de pura e simples abstrao, se no fosse possvel tambm supor que asexpresses com os quais dele se falou tenham tido por intuito somente ser imagens plsticasdo mesmo conceito. Ver, por exemplo, as observaes de Jhering, no programa com o queiniciava a publicao dos seus Jahrbcher fr die Dogmatik etc. (I, p. 10), que, enquanto parecemexcessivas para o instituto jurdico, poderiam bem se referir a nossa instituio: DieGesammtmasse des Rechts erscheint jetzt nicht mehr als ein System von Stzen, Gedanken, sondernals Inbegriff von juristichen Existenzen, so zu sagen, lebenden Wesen, dienenden Geistern. Wirwollen die Vorstellung eines juristichen Krpers beibehalten, da sie die einfachste und naturlichstenist [...]. Dir-se-ia que Jhering intuiu as notas essenciais do direito que tentamos esclarecer,se bem as tenha procurado onde no poderiam ser encontradas.

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    2) Tambm afirmamos que a instituio um ente ou um corposocial no sentido de que manifestao da natureza social eno puramente individual do homem. Mas isso no significaque os homens ligados entre si sempre devem ser o substrato dainstituio. Algumas destas advm, de fato, entre outros seuselementos, de mais indivduos, que podem coexistir ou mesmose suceder mutuamente unidos por interesses comuns ou cont-nuos, ou mesmo, por um objetivo, por uma misso que seja per-seguida por eles. Mas existem instituies que possuem umsubstrato diferente. Elas consistem em um conjunto de meios,materiais ou imateriais, pessoais ou reais, destinados a servirpermanentemente um determinado fim, a favor no de pessoasque pertenam s mesmas instituies, mas de pessoas estra-nhas, que so somente os destinatrios e no os membros destaltima. Neste caso, as instituies, como todas as outras, preci-sam de homens, so administradas e dirigidas por homens, masno so, ao contrrio, composta por homens. Para estes concei-tos, podemos nos remeter, em linha geral e sem entrar em parti-culares controvertidos que, do nosso ponto de vista, so indife-rentes ao desenvolvimento que estes tiveram a propsito da te-oria das pessoas jurdicas. A distino que nesta se fez, entrecorporaes e fundaes ou instituies em sentido estrito, as-sim como as subdivises das duas categorias fundamentais, va-lem tambm para as instituies que se encontrem privadas depersonalidade. Esta ltima uma qualidade que pressupe queo ente tenha uma certa estrutura; mas, certamente, no sobretal critrio que se fundamenta para distinguir as duas categori-as supracitadas, as quais s pessoas jurdicas podem se refletir

    [Outros, ao contrrio, no distinguem ou confundem os dois conceitos, de instituto jurdicoe de instituio no sentido de corpo social: o caso de alguns escritores franceses citados nanota 29bis. CROCE, B. Teoria e storia della storiografia. Bari, 1917. p. 133 (5. edio, 1945. p. 133),fala de institutos, entendendo esta palavra em sentido latssimo, ou seja, compreenden-do nela todos os comportamento prticos dos indivduos e das sociedades humanas, dosmais ntimos sentimentos aos mais vistosos modos de vida, o que naturalmente no inte-ressa ao jurista, e, depois, fala de instituies em sentido estrito [...]: a famlia, o Estado, ocomrcio, a indstria, a milcia, e outros atribuindo palavra instituio um significadomuito mais amplo que o de entidade ou corpo social, que, entre os exemplos por ele adotados,refere-se somente famlia e ao Estado. ORESTANO, F. Filosofia del diritto. Milano, 1941. p.103, 143, mesmo mantendo-se no mbito do direito, confunde evidentemente os dois con-ceitos, o que impede-o de avaliar de modo exato a minha teoria].

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    somente enquanto elas so uma espcie de um gnero maisamplo, ou seja, o das instituies.

    3) A instituio um ente fechado que pode ser examinado em sie por si, justamente porque tem uma individualidade prpria.Isso no significa que ela no possa ter relao com outrosentes, com outras instituies, fazendo com que, de outra pers-pectiva, dessas faa parte mais ou menos integrante. Destemodo, ao lado das instituies simples, so freqentes as insti-tuies que podem ser ditas complexas, ou seja, instituies deinstituies. Por exemplo, o Estado, que por si mesmo umainstituio, compreendido em uma instituio mais ampla, acomunidade internacional, sendo que concomitantemente elecompreende, por sua vez, outras instituies. Tais so os orga-nismos pblicos subordinados ao Estado, as comunas, as pro-vncias, e seus diferentes rgos administrativos; no Estadomoderno o que se chama de poderes legislativo, judicirio eadministrativo, enquanto unidades formadas por repartiesligadas entre elas; os institutos, cuja figura se delineou em es-pecial no direito administrativo, como as escolas, as academi-as, os estabelecimentos de todo gnero e assim por diante. Aautonomia das instituies no necessariamente absoluta,mas pode ser somente relativa; ela concebida em funo depontos de vista que podem variar. Existem instituies que seapresentam como perfeitas, que ao menos fundamentalmen-te, so suficientes a si mesma e possuem amplos meios paraalcanar objetivos que lhes so exclusivos. Existem outras queso imperfeitas ou menos perfeitas, que se apiam das maisvariadas maneiras sobre outras instituies. Pode ser, de fato,que se trate de uma simples coordenao. Mas, algumas ve-zes, se est na presena de entes superiores que compreendementes subordinados. Esta subordinao pode variar, dependen-do do grau de integrao das instituies que temos na estru-tura daquela outra mais ampla, como advm para as reparti-es individuais ou institutos do Estado, ou mesmo, se so so-mente protegidas ou garantidas por esta ltima, como aconte-ce no caso dos entes privados. Enfim, existem instituies quese afirmam em uma posio antagonista em relao s outras,que podem, por sua vez, serem consideradas tambm ilcitas;assim seriam os entes que se propem um escopo contrrio sleis estatais ou as igrejas cismticas no que diz respeito que-

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    las das quais se separaram. Sobre estes vrios aspectos que asinstituies podem apresentar, deveremos retornar de modomais amplo a seguir. Por ora bastar t-los mencionado deuma forma sinttica, tambm para salientar a amplitude doconceito de instituio que formulamos.

    4) A instituio uma unidade fechada e permanente que noperde a sua identidade devido a alteraes dos indivduos queso seus elementos, das pessoas que dela fazem parte, do seupatrimnio, dos seus meios, dos seus interesses, dos seus desti-natrios, das suas normas e assim por diante. Ela pode se re-novar conservando de modo imodificado a sua prpria indivi-dualidade. Disso advm a possibilidade de consider-la comoum corpo isolado sem identific-la com o que pode vir a sernecessrio para lhe dar vida, mas que, dando-lhe vida, seamlgama nela.30bis

    13 Equivalncia dos conceitos de instituio e deordenamento jurdico

    Acabamos salientando, deste modo, os elementos essenciais da ins-tituio, ou seja, aqueles que nos permitem indagar a sua essncia, so-brevoando outros que mencionaremos a seguir. Em que consiste estaessncia?

    Existe uma palavra que at agora temos propositalmente evitado,que poderia parecer necessria e suficiente para esclarecer a natureza dainstituio. Trata-se da palavra organizao. No subsistem dvidasquanto ao fato da instituio ser uma organizao social. Vimos que as-

    30bis [Muitas vezes o meu conceito de instituio foi censurado por indeterminao. Nestesentido, entre outros, por ORLANDO, V. E. Stato e diritto. Op. cit., p. 250, e por ltimo, porGUELI, V. Regime politico e ordinamento del Governo. Milano, 1942. p. 12 ss., nota 7. No conse-guimos dar razo a esta censura, que tem sido mecanicamente repetida por muitos. Paradefinir a instituio bastaria dizer que esta uma entidade ou corpo social, omitindo todosos outros esclarecimentos que tenho trazido, j que todo jurista no pode deixar de ter oconceito de entidade ou corpo social, que um conceito fundamental e, ao mesmo tempo,elementar, sem o qual no possvel entender outros que o pressupem, como, por exem-plo, os conceitos de famlia, de entidade de fato, de pessoa jurdica, ao menos nas figurasque as pessoas jurdicas freqentemente representam no direito moderno. E quando se queresclarecer demais certos conceitos elementares, se consegue somente confundi-los].

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    sim se procurou definir aquelas que, entre as instituies, se constituemcomo pessoas jurdicas, declarando que no possvel analisar ulterior-mente este conceito simples e elementar. Deixando de lado a desconfian-a verdadeiramente justificada que suscita um vocbulo do qual muito seabusou e que freqentemente utilizado para lanar um vu sobre o queno se sabe explicar ou esclarecer, deve-se observar (e isso essencial parans) que o conceito de organizao no pode servir para o jurista enquan-to no for reduzido a conceito jurdico. Para fazer isso no basta certa-mente parafrase-lo ou mencion-lo com outras palavras de significadoidntico ou afim. Falar de corpus mysticum, de estrutura ou edifcio ousistema social, ou mesmo de mecanismo para diferenciar a organizaodo organismo natural, utilizar uma terminologia que tambm pode serexata, que pode servir para tornar imaginvel e tangvel a idia, mas queno jurdica e, conseqentemente, mesmo podendo ajudar o jurista, noo libera da obrigao de substitu-la por uma outra que tenha ao mesmotempo a forma e a substncia necessrias para assumir aquele conceito nomundo que o seu e que no , ao contrrio, o da sociologia.30ter

    30ter [Estas observaes e as outras que seguem no foram levadas muito em consideraoou foram at mesmo mal entendidas por aqueles (veja, entre outros, BONUCCI, A.Ordinamento giuridico e Stato. Contributo alla teoria della definizione. Rivista di dirittopubblico, XII, p. 97 ss.; BOBBIO, N. Op. cit., p. 35-36, em nota; CAPOGRASSI, G. Note sullamolteplicit degli ordinamento giuridici. Rivista internazionale di Filosofia del diritto, 1939, p.6 ss.; ZICCARDI, P. La costituziune dellordinamento internazionale. Milano, 1943. p. 72 etc.)que consideraram que a minha indagao no seja jurdica, mas somente pr-jurdica, queseja sociolgica, que no saliente a diferena entre o fato do ordenamento social e oordenamento jurdico que este d lugar, e assim por diante. Defendeu-me brilhantementede tais crticas ORLANDO, V. E. Ancora del mtodo in diritto pubblico com particolareriguardo allopera di Santi Romano. In: Scritti giuridici in onore di Santi Romano. Padova,1940. p. 17 ss. Vol. I., concluindo que as crticas levantadas se resumem no mais altoelogio j que confirmam aquilo que eu disse constituir uma incomparvel qualidade dotratado de Romano, ou seja, ser um tipo perfeito de um mtodo de indagao pertinenteao direito pblico geral. Por minha conta, afirmo que de modo preciso procurei incluirno mundo jurdico aquele fato do ordenamento social que geralmente era consideradoantecedente do direito, procurando demonstrar que de tal erro advenham os defeitos e asincongruncias das definies comuns de direito, especialmente enquanto tais definiesso obrigadas, algumas mais, outras menos, mas todas indistintamente, a recorrer a ele-mentos ou conceitos no jurdicos. As mencionadas crticas minha concepo de direitoso justamente aquelas que deveriam, ao contrrio, ser dirigir s outras concepes, e,qualquer que seja o julgamento em mrito que sobre esta poder-se- dar, deveria-se aomenos reconhecer que tentei dar uma definio jurdica do direito. Resultado este ao qualsomente se poderia alcanar resumindo o fenmeno jurdico no fenmeno social-institucional e este no fenmeno jurdico, ou seja, identificando um e outro, o que no um crculo vicioso, uma tautologia ou uma petio de princpio, mas a demonstrao daperfeita autonomia do conceito de direito e da sua suscetibilidade de se fechar e se con-cluir inteiramente em si mesmo. De uma forma exata, ORLANDO (no seu outro escrito,Stato e Diritto, na obra Diritto pubblico generale. Op. cit., p. 249), observou, no que concerne

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    A soluo que parece ser dada a tal problema j foi mencionada: ainstituio um ordenamento jurdico, uma esfera em si mesma, maisou menos completa, de direito objetivo. As caractersticas essenciais dodireito j salientadas ( 10) coincidem com as da instituio. No temosdvida de que esta seja um ordenamento: as palavras organizao, sis-tema, estrutura, edifcio etc. com a qual qualificada tendem a eviden-ciar este conceito. Pode-se afirmar o mesmo no que se refere ao significa-do etimolgico da palavra Estado, com o que se designa atualmente amais importante das instituies e que antes tambm eram designadasoutras entidades pblicas, especialmente as Comunas. Que talordenamento seja sempre e necessariamente jurdico, demonstrado pelaobservao de que o objetivo caracterstico do direito precisamenteaquele da organizao social.31 O direito no consagra somente o prin-cpio da co-existncia dos indivduos, mas se prope sobretudo a vencera fraqueza e a limitao das suas foras, a ultrapassar a sua breve exis-tncia, a perpetuar certos desgnios alm da sua vida natural, criandoentes sociais mais poderosos e mais duradouros do que os indivduos.Estes entes realizam a sntese unificante em que o indivduo permanecefechado, regulando no s a sua atividade, mas tambm a sua condio,algumas vezes superior, outras inferior a das demais; coisas e energiasso destinadas a fins permanentes e gerais, ou seja, com um conjunto degarantias, de poderes, de sujeies, de liberdades, de freios, que reduz aum sistema e unifica