6.1 o petróleo como recurso estratégico · ameaça e sim algo a ser estimulado porque significa...
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Capítulo 6
A GEOPOLÍTICA GLOBAL DO PETRÓLEO
42.775
6.1 O petróleo como recurso estratégico
Principal insumo energético no século 20 e também neste início de
século 21, o petróleo se insere no cenário internacional com base em
duas lógicas simultâneas: a econômica e a estratégica. A lógica
econômica se vincula à sua condição de matéria-prima
indispensável para o setor produtivo e para os serviços de todos os
tipos. Sua exploração se sustenta em enormes investimentos,
gerando recursos bilionários para o mercado de capitais, o que
reforça ainda mais a inserção da indústria petrolífera em uma visão
econômico-financeira liberal, cujo objetivo supremo é o lucro. Já a
lógica estratégica tem a ver com o fato de que o petróleo é um
recurso raro, não-renovável, desigualmente distribuído pelo planeta
e, sobretudo, essencial para sobrevivência, a segurança e o bem-estar
de todos os Estados.
Nesse sentido, não pode ser encarado com uma simples
mercadoria. O petróleo contribui para determinar a hierarquia no
cenário internacional. “Para os países importadores de petróleo, a
garantia das entregas de petróleo é a base da segurança econômica.
Já entre os países exportadores, a posse das reservas petrolífera é o
elemento dominante no pensamento econômico”, escreveu o
cientista político Michael T. Klare1. No comércio mundial do
petróleo, as políticas dos Estados na busca de poder e de riqueza se
misturam com os interesses privados de grandes empresas
capitalistas – elas mesmas, com muita freqüência, instrumentos de
estratégias estatais.
A crescente valorização dos hidrocarbonetos traz sérias
implicações para o cenário geopolítico internacional. Há muita
controvérsia em torno da ideia de que estamos no limiar de uma
“corrida mundial” pelo controle das fontes de energia. Alguns
especialistas argumentam que, na medida em que o comércio de
petróleo ocorre nos marcos de um mercado global integrado, torna-
se menos relevante o controle político sobre os países produtores ou
a nacionalidade das empresas que exploram os recursos
energéticos2. Já os autores que alertam para o risco de conflitos
interestatais por energia enfatizam o papel da China na busca do
acesso direto a reservas de petróleo e gás natural por meio de
contratos com governos estrangeiros e da presença de empresas
petroleiras chinesas, todas elas estatais, em projetos de exploração
em um grande número de países, especialmente na África.
Entre os episódios recentes que salientam o predomínio das
considerações geopolíticas sobre os cálculos meramente comerciais
1 KLARE, Michael T. Resource Wars: The New Landscape of Global Conflict. New
York: Metropolitan Books, Henry and Holt Company, 2001, p. 35. 2 MORSE, Edward. “The New Geopolitics of Oil”, The National Interest,
Washington, Winter 2003-2004.
quando está em jogo o controle de recursos energéticos, merece
destaque a tentativa de compra, em 2005, da petrolífera
estadunidense Unocal pela empresa chinesa CNOOC (China
National Offshore Oil Corporation, em que o Estado detém 73% das
ações). A Unocal, com sede na Califórnia, era uma companhia
tradicional, com 115 anos de existência, dona de 1,8 bilhões de
petróleo em reservas localizadas essencialmente no Sudeste
Asiático, no Golfo do México e do Mar Cáspio. A Unocal havia
recebido de outra empresa estadunidense, a Chevron, uma proposta
de compra irresistível, no valor de US$ 16,8 bilhões, e se preparava
para fechar o negócio, quando a CNOOC entrou em cena, com uma
oferta de US$18,5 bilhões. Do ponto de vista da Chevron, a
transação era importantíssima, pois a incorporação do estoque de
hidrocarbonetos da Unocal a ajudaria a compensar a exaustão
gradativa das suas reservas. Imediatamente, iniciou-se uma
campanha política, articulada pela Chevron e por congressistas
conservadores, para convencer o Congresso de que o controle da
China sobre uma parcela –ainda que relativamente pequena – dos
suprimentos estadunidenses constituiu uma ameaça à segurança
nacional dos EUA. Finalmente, o Congresso condicionou o ingresso
de empresas chineses no setor de energia a uma rigorosa
investigação sobre a política energética da China, formando uma
comissão que tinha quatro meses para apresentar suas conclusões.
Como o prazo legal para a decisão dos acionistas da Unocal era de
apenas duas semanas, a decisão legislativa teve o efeito prático de
inviabilizar a oferta da CNOOC, que desistiu do negócio. Sozinha na
parada, a Chevron comprou a Unocal, em um desenlace que revela
ao mesmo tempo a preocupação dos estrategistas dos EUA com o
avanço econômico da China e a hipocrisia do discurso liberal do
“livre comércio”, utilizado pelos ideólogos do capitalismo sempre
que se trata de abrir os mercados dos países em desenvolvimento
aos investimentos e mercadorias dos países centrais.
Na visão do cientista político Michael T. Klare, o episódio da
Unocal revela a crescente influência que o temor da escassez de
energia exerce sobre o comportamento dos Estados:
“No novo sistema internacional de poder que se está se
esboçando, podemos prever que a luta por energia
deverá suplantar todas as demais considerações, que os
líderes nacionais estarão dispostos até mesmo a atitudes
extremas para garantir os suprimentos energéticos para
os seus países e que a autoridade estatal sobre os
assuntos de energia deverá se expandir tanto no plano
doméstico quanto no da política externa. O petróleo
deixará de ser essencialmente uma mercadoria, vendida
e comprada no mercado internacional, para se tornar um
recurso estratégico cuja aquisição, produção e
distribuição irão, cada vez mais, absorver o tempo, o
esforço e a atenção das mais altas autoridades civis e
militares3.”
Só o tempo dirá se a busca simultânea das empresas petroleiras
dos EUA, da China e da Rússia por maior acesso e controle de
recursos energéticos levará a um confronto estratégico no contexto
de um quadro mundial de escassez. Entre os analistas que vêem
com ceticismo a previsão de uma “guerra por recursos”4, encontra-
se o analista Daniel Yergin, defensor da ideia de que os EUA não
precisam se preocupar com a atuação de supostos concorrentes no
exterior. “O investimento da China e da Índia no desenvolvimento
de novos fornecedores de energia ao redor do mundo não é uma
ameaça e sim algo a ser estimulado porque significa que haverá
mais energia disponível para todos nos próximos anos”, escreveu5.
Yergin recomenda às autoridades de Washington um esforço para
envolver a China e a Índia no sistema global de comércio e
investimento em energia, buscando inclusive o seu ingresso na
Agência Internacional de Energia (AIE).
3 KLARE, 2008, p.7. 4 Título do livro de Michael T. Klare, Resource Wars,- The New Landscape of Global
Conflict, New York, Metropolitan Books, 2001.
5 YERGIN, Daniel, Energy Under Stress. In: CAMPBELL, Kurt M.; PRICE,
Jonathon, The Global Politics of Energy. Washington: The Aspen Institute, 2008,
p.39.
6.2 Uma disputa com três jogadores principais: EUA, China e
Rússia
Nesse novo tabuleiro geopolítico da energia, três atores assumem
um papel central: os EUA, a Rússia e a China.
a)Estados Unidos – Nos EUA, os sucessivos governantes encaram
com crescente preocupação a dependência dos suprimentos de
energia importados, em especial o petróleo –matéria-prima que já
foi definida como “o calcanhar-de-aquiles do império”. A trajetória
do país nesse terreno é significativa: de maior exportador mundial
de petróleo, ao final da II Guerra Mundial, os EUA hoje dia
importam seis em cada dez barris do combustível que consomem, e
sua hegemonia política se vê ameaçada pela incapacidade de
controlar os preços e a oferta do insumo mais importante para a
economia global. No entanto, como observa o analista francês
Philippe Sébille-Lopez, “se o petróleo constitui realmente uma das
raríssimas fraquezas da superpotência americana, os Estados
Unidos são contudo a única potência a dispor atualmente não só de
uma política energética e dos meios econômicos e militares dessa
política no plano mundial, mas também no plano da segurança do
seu encaminhamento”6.
6 SÉBILLE-LOPEZ, Philippe. Geopolíticas do Petróleo. Lisboa: Instituto Piaget,
2007, p.41.
A política energética dos EUA é formulada na perspectiva das
grandes companhias petroleiras estadunidenses (integrantes,
juntamente com a BP e a Shell, do grupo chamado de “Big Oil”) e
dos políticos que comandam os dois partidos relevantes, Democrata
e Republicano, ambos fartamente beneficiados pelas doações de
campanha das empresas petroleiras. O principal objetivo das
autoridades de Washington, formulado no início do século XXI, é
garantir uma oferta internacional de combustíveis em volumes cada
vez maiores, de modo a atender ao projetado aumento da demanda
durante as próximas décadas, até que a chamada “transição
energética” se realize, com a substituição do petróleo por outras
fontes de energia. Conforme já foi exposto no Capítulo 5, os EUA se
orientam pela política que ficou conhecida como “estratégia da
máxima extração”, entendida como um esforço de longo prazo para
ampliar o controle sobre as reservas de hidrocarbonetos existentes
no exterior ou, ao menos, persuadir os governos dos países dotados
de recursos energéticos a permitir os investimentos estrangeiros
necessários para aumentar a produção e expandir as exportações7.
A “estratégia da máxima extração” tem como foco principal o
Golfo Pérsico, onde se concentra a maior parte das reservas
provadas de petróleo. Na ocasião do lançamento da National Energy
Policy, em 2001, o indispensável aumento da oferta de combustível
daquela região esbarrava em sérios obstáculos políticos, dos quais o
7 KLARE, 2004, p.83.
mais grave era a presença de Saddam Hussein, um inimigo
ostensivo dos EUA, à frente do governo do Iraque, país onde se
situa a terceira maior reserva petrolífera do mundo, superada
apenas pelas reservas da Arábia Saudita e do Irã8. Essa circunstância
constitui, comprovadamente, o principal motivo para a invasão do
Iraque por forças anglo-estadunidenses em 2003. Apesar da
resistência de forças insurgentes iraquianas à ocupação, o que
prolongou o conflito por nove anos e causou imensos custos
(humanos, econômicos e políticos), a ação militar afastou um rival
incômodo dos EUA na disputa pela hegemonia no Golfo Pérsico e
trouxe o Iraque de volta ao mercado internacional9 do petróleo, ao
mesmo tempo em que garantiu o controle de suas imensas reservas
de hidrocarbonetos por transnacionais, com destaque para as
empresas estadunidenses e britânicas.
A mesma lógica ajuda a entender a campanha dos EUA contra o
regime teocrático iraniano. O Irã também poderia contribuir para o
alívio da escassez de petróleo no futuro, se não fosse alvo de um
boicote internacional promovido pelos EUA e seus aliados
europeus. Ocorre que, por motivos políticos, o chamado “Ocidente”
rejeita a normalização da presença do Irã no mercado global de
combustíveis, já que a ampliação da receita petroleira iraniana
8 De acordo com a edição de 2011 do BP Statistical Review of World Energy, a Arábia Saudita possui em suas
reservas 264 barris de petróleo, o Irã, 137 bilhões de barris, e o Iraque, 115 bilhões. 9 Durante a maior parte do período entre as duas guerras contra os Estados Unidos (1990-91 e 2003), o
Iraque era autorizado a comercializar sua produção mediante um estrito controle internacional, nos termos
do esquema denominado “petróleo por comida”.
levaria ao fortalecimento do regime de Teerã – o principal
adversário à hegemonia dos EUA no Oriente Médio.
Complicadores políticos também afetam a aplicação da política
energética estadunidense em outras partes do globo. Na Ásia
Central, os EUA e seus aliados da União Europeia atuam com o
objetivo de afastar as ex-repúblicas soviéticas da região do Mar
Cáspio (várias delas dotadas de promissoras reservas de
hidrocarbonetos) da esfera de influência da Rússia e garantir que o
petróleo e o gás natural produzidos naquela região tenham como
destino preferencial a Europa. Na busca desses objetivos, o principal
instrumento é a construção de uma rede de gasodutos ligando
diretamente os fornecedores da Ásia Central à Turquia, o único país
do Oriente Médio a integrar a Organização do Tratado do Atlântico
Norte (Otan, a aliança militar liderada pelos EUA). Na América
Latina, os EUA buscam a garantia do acesso de suas empresas aos
recursos energéticos lá existentes da forma mais lucrativa possível,
de acordo com as regras liberais do mercado capitalista. Por isso, o
governo estadunidense combate de todas as formas o “nacionalismo
de recursos”, incorporado à política de Estado em diversos países
sul-americanos a partir do início do século atual. Trata-se, acima de
tudo, de neutralizar a influência do presidente venezuelano Hugo
Chávez, que utiliza a posição privilegiada do seu país como um dos
maiores produtores mundiais de petróleo para desafiar a hegemonia
regional dos EUA.
b) China – A garantia dos recursos energéticos necessários para
manter o crescimento econômico e ampliar as capacidades militares
do país é um objetivo situado no topo das prioridades estratégicas
chinesas. Em 2030, calcula-se que a China precisará de 15 milhões de
barris de petróleo diários, dos quais apenas 4 milhões serão
produzidos internamente. Diante do duro desafio de obter os
restantes 11 milhões de barris, o governo chinês adotou três
prioridades estratégicas10:
- diversificar os fornecedores externos de energia, de modo a
reduzir o impacto de um eventual corte de suprimentos, por
motivos naturais ou políticos;
- utilizar, ao máximo possível, o petróleo e o gás natural
transportados por via terrestre (oleodutos e gasodutos), em vez de
meios marítimos, a fim de diminuir sua vulnerabilidade a um
bloqueio naval ou a sanções econômicas (por exemplo, um embargo
imposto pelos EUA em represália a ações militares da China contra
Taiwan);
- lançar suas empresas petrolíferas estatais ou semi-estatais em um
enorme esforço para obter o controle de reservas de hidrocarbonetos
pelo mundo afora.
O empenho chinês em diversificar as fontes de suprimento de
petróleo se traduz na mudança ocorrida a partir de 1996, quando
10
KLARE, 2008, p.75.
apenas três países fornecedores (Indonésia, Omã e Iêmen)
respondiam por 2/3 das suas importações. Hoje, o leque dos
fornecedores é bem mais variado, incluindo, além dos antigos
parceiros, Irã, Cazaquistão, Angola, Sudão e Venezuela. Nota-se,
nessa lista, a presença de países que mantêm relações conflituosas
com os EUA. Sem dúvida, esse comércio desagrada ao governo
estadunidense – inclusive porque, algumas vezes, as transações
envolvem a venda de armas chinesas –, mas também,
paradoxalmente, acaba sendo compatível com os objetivos de
política energética dos EUA. Como observou o analista Philippe
Sébille-Lopez, os estrategistas de Washington “sabem perfeitamente
que é preciso, a qualquer preço, estimular a oferta mundial,
sobretudo onde suas próprias sanções impedem as companhias
internacionais de cumprirem esse papel”11.
No tocante ao objetivo chinês de priorizar os abastecimentos
terrestres, os olhares de Pequim estão voltados para as ricas reservas
de hidrocarbonetos da Rússia e dos países da Ásia Central. Nesse
terreno, a estratégia da China se encontra em harmonia com os
interesses da Rússia, seu parceiro na Organização de Cooperação de
Xangai (OCX).
...........................................................................
11
SÉBILLE-LOPEZ, 2007, p.268.
SAIBA MAIS
A Organização de Cooperação de Xangai (OCX) foi criada em 2001,
por iniciativa da China, para lidar com questões de segurança e
resolver conflitos fronteiriços, mas direcionada, cada vez mais, para
a meta geopolítica de bloquear a influência dos EUA na Ásia Central
e, especialmente, impedir a instalação de bases militares
estadunidenses por lá. Os membros do OCX são China, Rússia,
Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão e Usbequistão. O Irã
participa como membro observador.
.....................................................................................
As declarações de um importante especialista chinês, Yan
Xuetong, diretor do Instituto de Estudos Internacionais na
Universidade de Tsinghua, em seminário no Instituto de Estudos do
Pacífico Asiático (um dos braços da Academia de Ciências Sociais da
China), em 2011, lançam luz sobre a estratégia chinesa na Ásia
Central:
“Criamos a Organização de Cooperação de Xangai com o
objetivo de resistir à intenção estratégica dos EUA de
estender seu controle militar até a Ásia Central. A
intenção dos EUA de por a Ásia Central sob sua esfera
de influência militar foi abortada. Com a OCX, as
relações entre China e países da região melhoraram
muito. Para estabelecer com os países à sua volta
relações ao estilo das relações que há na OCX, a China
deve (…) criar parcerias estratégicas muito firmes com
aqueles países. Sem isso, a China não conseguirá
construir relações internacionais mais amigáveis que as
que os EUA constroem12”.
Desde o início do atual século, a China e a Rússia têm procurado
compartilhar os benefícios do acesso aos suprimentos baratos de
energia da Ásia Central. A Rússia está construindo gasodutos para
exportar energia da Sibéria Oriental para os mercados asiáticos,
mais próximos das reservas de gás daquela região dos que a Europa.
Já o gás natural russo extraído da Sibéria Ocidental, mais próximo
do próximo do continente europeu, continuará sendo exportado
para a Europa, a menos que os preços na Ásia se tornem tão
compensadores a ponto de justificar a construir de gasodutos que
desviem o fluxo de gás do oeste para o leste.
O estreitamento dos vínculos entre China e Rússia no campo da
energia é motivo de preocupação em Washington, conforme se
depreende desse comentário de dois analistas estadunidenses muito
próximos à Casa Branca, Amy Myers Jaffe e Ronald Soligo:
“Embora ainda sejam necessários alguns anos até que a
Rússia construa toda a enorme infra-estrutura necessária
para ampliar seu fornecimento de energia para a China,
a intensificação do relacionamento entre a Rússia e a 12”Energia e geopolítica: a batalha pela Ásia Central”, Asia Times Online, M. K.
Bhadrakúmar, 9 de junho de 2011.
China poderá se tornar problemático para os EUA no
futuro. No mais extremo dos cenários, um conflito
militar entre Ocidente e uma aliança russo-chinesa –
talvez motivado por questões territoriais ou outro
assunto sem relação com energia – pode levar Moscou a
utilizar sua vendas de energia para a Europa como uma
ameaça, o que aumentará a gravidade daquelo
conflito”13.
A busca chinesa do acesso, controle e exploração de novas
reservas é uma tarefa que mobiliza as três principais companhias
petrolíferas dirigidas pelo Estado: a China National Petroleum
Corporation (CNPC), a China National Petrochemical Corporation
(Sinopec) e a China National Offshore Oil Corporation (CNOOC).
Essas empresas combinam o controle e a propriedade estatais com a
participação do capital privado em um grande número de empresas
subsidiárias, dotadas de um alto grau de autonomia operacional e
financeira. Em última instância, porém, todas elas se orientam por
estratégias estatais e estão voltadas para a prioridade máxima da
busca de recursos energéticos no exterior.
As autoridades chinesas costumam dar preferência às alianças
com as empresas nacionais de petróleo (NOCs, na sigla em inglês)
de países produtores, como a Saudi Aramco, a Nigerian National
13
MYERS, Amy; SOLIGO, Ronald. Militarization of Energy: Geopolitical Threats to the Global Energy System,
Energy Forum – James A. Baker III Institute for Public Policy of Rice University, Houston (TX), 2008, p.37.
Petroleum Corporation, a Gazprom (Rússia), a PdVSA (Venezuela) e
Petrobras. Um exemplo típico é o acordo de “parceria petroleira
estratégica” firmado em 1999 entre a Sinopec e a Saudi Aramco. Por
esse acordo, a Sinopec se compromete a investir no
desenvolvimento de campos de gás natural e petróleo na Arábia
Saudita, enquanto a Aramco ingressa como sócia em refinarias e
usinas petroquímicas na China. Outra iniciativa importante é o
acordo de cooperação da empresa chinesa CNPC com o governo
venezuelano a fim de desenvolver a exploração de petróleo extra-
pesado na Faixa do Orenoco.
c) Rússia – Graças às suas exportações de petróleo e gás e também
ao aumento do preço desses produtos, a Rússia logrou um
impressionante crescimento econômico desde meados da década de
1990. Nas próximas décadas, deverá elevar ainda mais sua
dimensão estratégica, na medida em que as dificuldades nos
suprimentos de energia em outras regiões do mundo tornarão suas
reservas ainda mais importantes. As autoridades russas, sob a
liderança de Vladimir Putin, adotaram uma estratégia de inserção
internacional que tem como principal alicerce o uso do imenso
potencial do país no terreno da energia para recuperar a posição de
grande potência que a Rússia exercia no período da Guerra Fria,
como núcleo político e geoeconômico da extinta União Soviética.
O elemento principal nesse projeto é o alto grau de dependência
da Europa em relação aos suprimentos de energia da Rússia,
fornecidos por uma rede de gasodutos e oleodutos. A Alemanha,
por exemplo, recebe da Rússia 40% do gás e 20% do petróleo que
consome. O Leste Europeu e os países bálticos (Lituânia, Estônia e
Letônia), assim como a Ucrânia e Belarus, são ainda mais
dependentes dos suprimentos russos de energia – um legado do
período soviético. O acelerado crescimento econômico da China, da
Índia e de outros países asiáticos também contribui com os objetivos
da política externa de Moscou, já que grande parte das reservas
russas de hidrocarbonetos se situa no leste da Sibéria, o que facilita
as exportações para o mercado asiático. No médio prazo, a Rússia
poderá vir a ser um grande fornecedor de gás e petróleo para China,
Coréia do Sul, Índia, Japão e países do Sudeste Asiático.
A importância da Rússia como ator geopolítico se sustenta, em
grande medida, na sua posição central no cenário energético na
Eurásia. O país, que separa geograficamente a Europa da Ásia,
controla a maioria das rotas construídas no período soviético e
mantém vínculos privilegiados com as ex-repúblicas soviéticas do
entorno do Mar Cáspio, quase todas elas dotadas de reservas
significativas de petróleo e gás natural. Nessa região, a Rússia trava
uma intensa disputa com os EUA, que desde o fim da União
Soviética, em 1991, tratam de aproveitar o anseio dos governantes
dos jovens Estados da Ásia Central por maior autonomia perante
Moscou para atraí-los ao campo geopolítico de influência
estadunidense. Esse esforço se expressa, no terreno econômico,
pelos contratos bilionários de empresas anglo-estadunidenses para
exploração de hidrocarbonetos no Azerbaijão, Cazaquistão e outros
países, e também pela construção de gasodutos voltados para a
exportação de recursos energéticos diretamente para a Europa, sem
passar pela Rússia ou pelo Irã. Em oposição ao projeto estratégico
estadunidense, a Rússia está firmemente empenhada em impedir o
avanço dos EUA na Ásia Central, de modo a manter a Europa
dependente de remessas energéticas sob o controle russo e, ao
mesmo, estabelecer uma posição privilegiada também como
fornecedora de hidrocarbonetos para os países asiáticos.
A Rússia também pretende elevar o seu poder geoestratégico por
meio da colaboração com o Irã. Moscou tem fornecido equipamento
e tecnologia militar ao regime dos aiatolás e tem utilizado o seu
poder de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas para
bloquear sanções contra as supostas atividades nucleares iranianas.
Embora o Irã e a Rússia sejam competidores em potencial pelo
acesso aos mercados europeus de gás, a possibilidade de uma
aliança entre os dois no terreno da energia pode representar uma
séria ameaça à política energética dos EUA e da União Europeia.
6.3 O grande jogo dos gasodutos na Eurásia
O contexto geopolítico da Ásia Central tem sido comparado, com
frequência, ao “Grande Jogo”, como ficou conhecida a prolongada
disputa, no século 19, entre o Império Britânico e a Rússia czarista,
duas potências imperialistas empenhadas em estender os seus
domínios coloniais sobre aquela região, aproveitando-se do recuo
do Império Otomano (turco), em declínio. Hoje, o “Grande Jogo” é
muito mais complexo. Entre outros motivos porque, em primeiro
lugar, é necessário levar em conta um terceiro jogador importante, a
China. Em segundo lugar, porque na atualidade os recursos em
disputa se encontram sob a jurisdição de Estados soberanos, em
lugar dos canatos do século XIX, formas débeis de poder tribal.
Finalmente, não se trata, agora, de anexações territoriais, mas de
negócios nos quais o desafio é compatibilizar os interesses de
múltiplos atores, o que jamais pode ser obtido simplesmente pela
coerção.
Na versão atual do Grande Jogo, as rotas do transporte de energia
desempenham um papel tão importante quanto o controle direto
sobre a exploração de hidrocarbonetos. Nesse sentido, desenvolve-
se uma corrida em que EUA e Rússia, cada qual por seu lado,
empenham-se na instalação redes concorrentes de oleodutos e
gasodutos com roteiros cuidadosamente traçados para fortalecer
seus interesses geopolíticos. Na década de 2000, a principal cartada
dos EUA foi a construção do oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan (BTC),
que leva o petróleo do Azerbaijão até um porto da Turquia no
Mediterrâneo, passando, no trajeto de 1.760 quilômetros, pela
Geórgia – três países firmemente situados na área de influência
direta dos EUA. A obra, que custou US$ 3,6 bilhões (financiados
graças ao apoio do governo dos EUA), foi apenas o primeiro passo
na implementação da política estadunidense de “múltiplos dutos”
para transportar ao Ocidente os recursos energéticos da Ásia
Central. Conforme explicou em 1999 o secretário de Energia dos
EUA, Bill Richardson, o BTC não é “apenas mais um oleoduto”, mas
“uma estrutura energética que promove os interesses nacionais de
segurança dos Estados Unidos”14. Não por acaso, a região do Mar
Cáspio é citada, no documento oficial estadunidense National Energy
Policy, de 2001, como uma das fontes da diversificação dos
suprimentos de energia dos EUA, do mesmo modo que a África15.
Até 2012, somente o gás do Azerbaijão era transportado pelo BTC,
mas os EUA tinham planos de estender o oleoduto ao redor ou por
baixo do Mar Cáspio para canalizar o fornecimento de
hidrocarbonetos do Cazaquistão, que atualmente fluem através da
Rússia. Outro projeto de Washington é o de duplicar o sistema de
tubos do BTC, agregando a ele um gasoduto, que se chamaria Baku-
Tbilissi-Erzorum, em referência ao porto na Turquia onde seria
instalada uma usina de liquefação de gás para o seu transporte à
Europa, em navios-metaneiros.
O sucesso do gasoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan estimulou os EUA e a
União Europeia a levarem adiante projetos ainda mais ambiciosos.
14
SÉBILLE-LOPEZ. 2007, p.182. 15
ESTADOS UNIDOS, The White House. Reliable, Affordable, and Environmentally Sound Energy for
America’s Future – Report of the National Energy Policy Development Group, 16 de maio de 2001.
Entre eles, destaca-se o consórcio multinacional para a construção
do gasoduto Nabucco, projetado para transportar gás natural do
Mar Cáspio para a Europa Ocidental sem atravessar a Rússia. O
traçado do Nabucco tem seu ponto inicial no campo gasífero off shore
de Shah Deniz, operado pela BP no litoral do Azerbaijão,
estendendo-se por 3.300 quilômetros – distância equivalente ao
trajeto entre São Paulo e Fortaleza – através da Geórgia, Turquia,
Bulgária, Romênia e Hungria, terminando em Baumgarten, na
Áustria. Mas o Nabucco enfrenta difíceis obstáculos, a começar pelo
custo multibilionário, que mantém a captação de recursos
financeiros paralisada desde o início da crise econômica global, em
2008. Existe também o receio dos possíveis investidores quanto aos
conflitos étnicos e geopolíticos na Geórgia, onde minorias russas
protagonizam movimentos separatistas com o apoio de Moscou.
Outro complicador diz respeito à incerteza em relação à fonte dos
suprimentos do Nabucco, já que as reservas do Azerbaijão se
mostram insuficientes para atender o BTC e o Nabucco ao mesmo
tempo. A solução é recorrer às reservas de gás natural do
Turcomenistão, que, no entanto, parece firmemente integrado ao
projetos de energia da Rússia e da China.
Divergências dentro da UE dificultam ainda mais a viabilização
do Nabucco. A Alemanha, ansiosa por assegurar os seus
suprimentos energéticos, já deixou claro que sua prioridade é a
parceria com a Rússia no projeto do Nordstream, um gasoduto de
US$ 12 bilhões que está sendo construído por baixo do Mar Báltico,
ligando diretamente a cidade russa de Vysborg a Greifswald, na
Alemanha, sem passar pelos países bálticos, Polônia ou Suécia. A
construção do Nordstream, cujo principal executivo é o ex-primeiro-
ministro alemão Gerhard Schroeder, deverá aprofundar a
dependência da Alemanha em relação aos suprimentos energéticos
da Rússia, num contexto em que a demanda europeia por gás
natural importado deverá crescer dos atuais 40% para 70% em
202016. Essa perspectiva desagrada especialmente os estrategistas de
Washington, temerosos de que o adensamento das relações entre a
Rússia e a Alemanha no campo energético enfraqueça a aliança
entre a UE e os EUA, erodindo os alicerces da Otan e a liderança
estadunidense na Europa.
Os russos, em resposta às incursões euro-estadunidenses na Ásia
Central, também desenvolvem projetos de novos dutos para o
transporte de hidrocarbonetos na região. A aposta principal é o
gasoduto South Stream, resultado de uma parceria entre a Gazprom
(russa) e a ENI (italiana). Seu trajeto passará por baixo do Mar
Negro, entre a Rússia e Bulgária, seguindo para a Grécia e a Itália.
Um acordo para a construção do South Stream foi assinado pelos
presidentes da Rússia, da Bulgária e da Sérvia em 2008. Outro
projeto importante é o Blue Stream, um gasoduto de 1.213
quilômetros entre a localidaade de Izobilnoi, perto de Stavropol, na
16
STENT, 2008, p. 84.
Rússia, e a capital da Turquia, Ancara, através de Samsun, no litoral
turco. A obra inclui um trecho de 396 quilômetros abaixo do Mar
Negro, a 2.150 metros de profundidade, o que a torna o tubo mais
profundo do mundo, entre oleodutos e gasodutos. O Blue Stream,
em funcionamento desde 2002, é o resultado de um contrato entre a
Turquia e a Rússia que prevê um aumento progressivo das remessas
de gas natural russo à Turquia até atingir, em 2010, 16 milhões de
metros cúbicos diários. O empreendimento é presidido pela
empresa russa Gazprom e teve sua maior parte financiada pela
companhia petrolífera italiana ENI17.
A Gazprom adquire, dessa maneira, uma influência crescente
sobre o fornecimento de gás natural para a Europa. Ainda assim,
persiste no ar uma pergunta decisiva, que a especialista
estadunidense Angela Stent formulou nos seguintes termos: “Será a
Rússia capaz de produzir gás natural suficiene para atender ao
mesmo tempo o crescente consumo doméstico e os volumes a serem
exportados pelos gasodutos¿18”. A produção gasífera da Gazprom
tem crescido a uma proporção de 2% ao ano e a empresa está muito
longe de realizar os investimentos necessários para ampliar a
exploração de gás nos níveis requeridos para atender seus contratos
com a Europa Ocidental. Acredita-se que a Rússia pretende tirar o
máximo proveito de sua posição geográfica privileigiada, como elo
de ligação entre a Ásia e a Europa, para utilizar os recursos de seus
17
SÉBILLE-LOPEZ, 2007, p.181. 18
STENT< 2008, p.84.
vizinhos da região do Mar Cáspio, que seriam então revendidos e
exportados pela rede de gasodutos sob controle de Moscou,
preservando ao mesmo tempo as reservas russas ainda não
exploradas para aproveitamento em décadas futuras, quando se
prevê que os preços dos hidrocarbonetos alcancem patamares muito
mais elevados que os atuais.
Outra preocupação entre os estrategistas pró-EUA diz respeito ao
risco de que a Rússia venha se valer da dependência da Europa
Ocidental em relação aos recursos energéticos russos para impor
concessões políticas aos governos importadores. De acordo com
Angela Stent, esse receio se justifica ao menos em parte, conforme
ela explica:
“A Rússia e a Europa mantém uma relação de
interdependência assimétrica, na qual a Europa é,
supostamente, mais vulnerável a evetuais cortes de
fornecimento do que a Rússia é vulnerável à perda das
receitas europeias. (...) A verdade é que a Rússia e a
Europa dependem uma da outra e assim permanecerão
pelo futuro previsível. A diferença é que a Europa parece
dispor de menos meios para exercer pressão sobre a
Rússia. Afinal, o governo de uma Alemanha democrática
não poderia ameaçar a Rússia com o corte de suas
importações de gás se isso fosse deixar a população da
Baviera – estado alemão que recebe quase a totalidade da
sua energia da Rússia – no escuro e passando frio19”.
Até o momento, as tensões geopolíticas em torno de
suprimentos de energia se limitaram aos episódios de interrupção
das remessas de gás natural da Rússia para a União Europeia pelos
gasodutos que atravessam a Ucrânia e outros países do Leste
Europeu. Em janeiro de 2006, uma disputa em torno dos preços do
gás exportado pela Rússia para a Ucrânia resultou no fechamento
do principal gasoduto que abastece o centro e o leste da Europa,
provocando uma crise energética no período mais frio do inverno. A
Rússia, na ocasião, cortou as remessas de gás para o país vizinho em
resposta à recusa do governo ucraniano em aceitar uma elevação de
preços com base nas cotações internacionais – a Ucrânia pagava
cerca de US$ 50 para cada 1 mil metros cúbicos de gás, quando os
preços cobrados da Europa Ocidental eram superiores a US$ 220
pelo mesmo volume. A Ucrânia reagiu desviando uma parte do gás
russo que passava por seu território em direção ao oeste a fim de
atender à demanda doméstica, o que gerou desabastecimento em
vários países.
Evidentemente, o ato de força praticado por Moscou
transcende as divergências comerciais. O conflito energético russo-
ucraniano só faz sentido no contexto dos atritos políticos a partir da
chamada Revolução Laranja, ocorrida dois anos antes, em que os
19
STENT, 2008, p.87.
ucranianos substituíram, com apoio dos EUA, um governo pró-
russo por dirigentes decididos a reduzir a influência russa no país e
a aproximá-lo do Ocidente, buscando até a mesmo a adesão à Otan.
A crise regional de 2006 – sucedida por várias outras, quase ao ritmo
de uma por inverno20 -- realçou a importância estratégia da Rússia
como ator geopolítico que ocupa o epicentro do cenário energético
na Eurásia. Com a vitória do candidato pró-russo Viktor
Yanukovitch nas eleições presidenciais da Ucrânia em fevereiro de
2010, os dois países se aproximaram no plano político, o que
automaticamente fez desaparecer os conflitos no campo da energia.
Mas um foco permanente de tensão continua ativo na Geórgia,
palco de um breve conflito militar entre tropas russas e georgianas,
em 2008. Essa pequena república ex-soviética se tornou uma aliada
estratégica dos EUA a partir da década de 1990, quando o governo
do presidente Bill Clinton atribuiu à Geórgia o papel de “corredor
energético”, dentro do esforço de promover a exportação dos
hidrocarbonetos da Ásia Central para a Europa à margem do
território russo. Para garantir a segurança da rede de gasodutos e
20Crises regionais semelhantes se repetiram no inverno de 2006/2007, quando a
Rússia ameaçou cortar os suprimentos da Bielorússia e da Geórgia – que se
renderam às exigências russas de revisão dos preços –, e, outra vez, no início de
2009, situação em que alguns países da Europa Ocidental ficaram sem gás
devido a uma nova disputa entre os governos russo e ucraniano.
oleodutos que começou a ser construída através da Geórgia, o
governo estadunidense financiou a construção de um forte
dispositivo militar georgiano, treinado e equipado pelos EUA. Mais:
em uma iniciativa que irritou profundamente as autoridades russas,
propôs o ingresso da Geórgia como membro pleno da Otan, em
ritmo rápido.
Ocorre que, como legado do período soviético, a Geórgia enfrenta
duas complicadas questões territoriais não-resolvidas, que
resultaram em movimentos separatistas nas províncias da Abkházia
e Ossétia do Sul, cujos habitantes – etnicamente russos – recusam a
autoridade política georgiana e reivindicam a incorporação dessas
regiões à Rússia. Em 7 de agosto de 2008, após uma série de
escaramuças entre forças governamentais e milícias separatistas, o
presidente georgiano Mikheil Saakashvili enviou tropas que
invadiram a província separatista da Ossétia do Sul, em um esforço
para capturar sua capital, Tskhinvali. Foi o motivo que o presidente
russo Vladimir Putin estava aguardando para fazer valer a
hegemonia da Rússia na região e, por tabela, demonstrar a
vulnerabilidade dos dutos ocidentais através da Geórgia. As forças
armadas russas intervieram no conflito e derrotaram facilmente o
exército georgiano, em poucos dias de combates. Uma trégua foi
assinada, mas a Rússia reconheceu a soberania das duas províncias
em disputa. A derrota militar e política da Geórgia sinalizou
claramente para os atores externos e para os demais governos da
Ásia Central que a Rússia está disposta a usar todos os meios,
inclusive militares, para manter sob seu controle os recursos
energéticos da região.
6.4 A corrida para a África
Com a crescente valorização comercial dos recursos de energia a
partir do início do século XXI e o aumento das preocupações
estratégicas decorrentes do risco de escassez de petróleo, a África
tem se tornado um foco da cobiça das principais companhias
internacionais de hidrocarbonetos. A disputa pelo controle das ricas
reservas africanas envolve tanto as empresas tradicionais, com
matriz nos EUA e Europa, quanto companhias estatais da China e
de outros países emergentes, empenhadas na disputa por acordos
com os governantes africanos para a exploração do petróleo e do gás
natural. As empresas chinesas obtiveram nos últimos dez anos
direitos de exploração petroleira em Angola, Chade, Guiné
Equatorial, Líbia e Nigéria, além de já liderarem a produção nos
ricos campos petrolíferos do Sudão.
Conforme explica Michael T. Klare, o passado colonial da África
gera condições privilegiadas para os investidores estrangeiros, que
lá obtêm margens de lucros e regras mais favoráveis do que as
vigentes em outras partes do mundo:
“O que torna a África tão tentadora atualmente é
exatamente o mesmo que a levou a atrair predadores
estrangeiros nos séculos anteriores: a vasta abundância
de matérias-primas vitais em um continente
profundamente dividido, politicamente débil e
ostensivamente aberto à exploração internacional. (...)
Por causa das sua história atormentada, a África carece
das defesas contra a exploração estrangeira dos recursos
que outras regiões previamente colonizadas
estabeleceram com o tempo. A descolonização da região
é relativamente recente – as colônias portuguesas, por
exemplo, só conquistaram a independência em 1975.
Com poucos profissionais qualificados, os países
africanos não tiveram escolha senão a de recorrer às
corporações estrangeiras para colocar em operação os
imensos projetos de oil e gás implantados nos últimos
anos. Não surpreende, portanto, que as companhias
transnacionais achem muito mais vantajoso fazer
negócios na África do que no Oriente Médio, na
Venezuela ou até no Mar Cáspio, onde estatais como
como a Aramco, a PdVSA e a KaiMunaiGaz operam sob
rigorosa supervisão governamental, limitando as
oportunidades por acordos muito lucrativos”21.
21
KLARE, 2008, p.146-147.
Devido aos laços coloniais que sobreviveram à independência, as
empresas europeias se destacam entre os investidores estrangeiros.
Petroleiras francesas, especialmente a Total, tem forte presença nas
antigas colônias da França, como o Gabão e a República do Congo.
A presença preponderante da BP e da anglo-holandesa Shell na
Nigéria se explicam, igualmente, pelo fato de se tratar de um país
que até 1960 pertencia ao Império Britânico. As empresas dos EUA
estão presentes na África desde a descolonização, mas só passaram a
encarar o continente africano como prioritário no final da década de
1990. Não por acaso, o governo do presidente George W. Bush
decidiu, em 2007, estabelecer um comando militar específico para
defender os interesses dos EUA na África, o Africom, a exemplo dos
centros de operações que as forças armadas estadunidenses já
mantinham em outros continentes.
Com proteção militar e impulsionadas pela perspectivas de altos
lucros, as principais petrolíferas dos EUA desencadearam uma
ofensiva para se implantar na África. A ExxonMobil e a Chevron
lideram essa corrida, com a aquisição de reservas promissoras na
costa oeste do continente. Na atualidade, a África Ocidental
constitui a principal fonte petróleo bruto dessas duas empresas. Em
Angola, a ExxonMobil é a principal operadora na exploração off
shore. Um único bloco, o maior em águas profundas angolanas, é
responsável, sozinho, por 9% de toda a produção petroleiroa da
empresa no mundo22. Outras petrolíferas estadunidenses também
estão se aproveitando das oportunidades existentes na África para
desenvolver seus próprios projetos de produção. É o caso da
Occidental (Oxy), da ConocoPhillips, da Amerada Hess e da
Marathon.
A chegada das empresas petroleiras chinesas, no início do atual
século, fortaleceu os governos africanos nas negociações com as
transnacionais. Em contraste com o Big Oil – corporações privadas
movidas pela lógica da maximização dos lucros – a CNOOC, a
CNPC e Sinopec são companhias estatais ou, ao menos, controladas
pelo governo. Operam no exterior como agentes dos interesses
nacionais da China, sempre com o foco na busca de segurança
energética por meio da diversificação dos fornecedores e do controle
de reservas de hidrocarbonetos em outros países. Dessa maneira, as
empresas chinesas se mostram mais dispostas do que suas
competidoras ocidentais a ceder nas na negociação com os governos
dos países hospedeiros em temas delicados como a partilha da
renda petroleira, definida nas taxas de royalties e de impostos. Os
investidores chineses também costumam oferecer créditos a juros
baixos, construção de escolas e hospitais, facilidades no acesso de
outras exportações africanas ao mercado consumidor da China e,
principalmente, obras de infra-estrutura.
22
KLARE, 2008, p.160-161.
Um exemplo significativo dos meios de persuasão utilizados pelas
estatais chinesas é o episódio do ingresso da Sinopec em Angola, em
2004, por meio da compra de 50% de um bloco petrolífero off shore
até então controlado na sua totalidade pela BP, na condição de
empresa operadora. A BP pretendia vender a metade da sua
participação para a ONGV Videsh, subsidiária da India’s Oil and
Natural Gas Corporation. Mas o negócio mudou de rumo quando a
empresa nacional de petróleo angolana, Sonangol, determinou que a
parcela fosse entregue à Sinopec, em recompensa pelo empréstimo
de US$ 2 bilhões que o governo chinês ofereceu ao governo
angolano, praticamente sem cobrar juros23. Já no Sudão – principal
exportador de petróleo para a China –, a companhia chinesa CNPC
construiu uma refinaria e uma rede de oleodutos. O principal
diferencial entre a China e os países ocidentais no que se refere aos
investimentos de energia do Sudão se situa no terreno político.
Além de vender armas ao governo sudanês, a China bloqueou, no
Conselho de Segurança da ONU, as propostas de sanções
econômicas contra o regime do presidente sudanês Omar Ahmed
Al-Bashir, acusado de cometer violações aos direitos humanos na
repressão aos rebeldes separatistas no sul e no oeste do país.
Os empreendimentos estrangeiros de exploração dos recursos
energéticos da África também enfrentam sérias complicações
políticas na Nigéria, país que possui as maiores reservas africanas
23
KLARE, 2008, p.168.
de petróleo e gás natural. A renda obtida com essas riquezas é
cronicamente apropriada pela elite militar e pelos grupos civis a ela
vinculados, que controlam o país desde a independência, em 1960.
Mas a exploração, concentrada no delta do Rio Níger, deixa escassos
benefícios para os habitantes locais. A revolta com a injusta
distribuição da receita dos hidrocarbonetos tem alimentado a
formação de grupos armados na área onde operam as
transnacionais. Atualmente, a região é palco da insurgência
protagonizada pelo Movimento pela Emancipação do Delta do
Níger, que promove atos de sabotagem contra as empresas
estrangeiras, incluindo frequentes sequestros de engenheiros e
técnicos envolvidos na exploração do petróleo. Essas ações levaram
a Shell e a BP a suspenderem as atividades na região em 2007, por
falta de segurança. Ainda assim, a Shell continua a liderar o grupo
das petroleiras estrangeiras na Nigéria, graças à operação do campo
off shore de Bonga, a maior fonte de petróleo do país24.
24
KLARE, 2008, p.154.