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Quinta da Confusão – O nascimento de um império 34 bombardeavam cada vez mais espaçadamente os funcionários para poupar munições e assim manter o ataque por mais tempo. Em compensação, atiravam-nas com toda a sua força. A altura das guaritas em relação ao chão variava entre os 6 (pontos mais baixos do telhado em forma de triângulo) e os 10 metros de altura (alto do telhado do Celeiro-forte), o que fazia com que os funcionários tentassem cada vez menos subir ao telhado para não caírem de tão alto. Em vez disso, apostavam no uso de dardos tranquilizantes contra os animais. Por isso mesmo estavam a ficar sem munições, tal como eles. Cada lado tinha algo a perder se se rendesse: os funcionários perderiam o tão aguardado aumento salarial; e os animais iriam para o mercado, podendo nunca mais regressar à Quinta da Confusão. Ninguém saberia qual dos lados sairia vencedor… se não fossem os donos. Estes, no começo do cerco ao Celeiro-forte, tinham ido tomar o pequeno- almoço. Voltaram por volta das 10 horas e logo foram informados da situação. Os donos pensaram logo numa solução para o caso. Disseram aos funcionários que o celeiro estava tão velho que, se eles se atirassem contra as paredes, acabariam por conseguir abrir um buraco do tamanho de uma pessoa para entrarem. Ironicamente, acrescentaram que lhe ficava mais barato fazer um celeiro novo do que reparar o antigo, e que por isso os funcionários podiam demoli-lo que até lhes poupariam o dinheiro da demolição. Os funcionários cumpriram as ordens à risca, como os donos poderiam ver mais tarde. Para horror dos animais que vigiavam o estado das paredes, estes começaram a ouvir fortes pancadas contra elas, e várias exclamações de alegria a dizer que estavam a largar pedaços de madeira. Os animais das guaritas bem tentavam atacar os funcionários do alto, mas de nada adiantava: estes já estavam no chão, pelo que o máximo que lhes acontecia era caírem mas levantarem-se logo a seguir. Os donos viam com alegria as velhas paredes a serem desgastadas, até já haviam várias tábuas reduzidas a metade e que deixavam ver o interior. A única esperança dos animais era o túnel, que estava praticamente no fim. Os animais que trabalhavam nele já tinham escavado os 5 metros de rocha até às cavalariças e mesmo o troço até à superfície. Mas, quando a pá alcançara a superfície, os animais perceberam que a parede das cavalariças estava a meio do buraco, impedindo a passagem de qualquer animal, pelo que tinham agora de escavar ainda mais a rocha junto à superfície para poderem passar pelo buraco. Tinha sido um grande progresso alcançar a superfície, pois o ar estava bastante saturado com o dióxido de carbono expirado pelos animais. Mas faltava ainda alargar o buraco, usando apenas pás tortas de tanto terem esmurrado a rocha. Era nisso que os animais trabalhavam afincadamente, esforçando-se para terminarem o túnel. Como iam frequentemente ao Celeiro-forte, sabiam perfeitamente que os funcionários estavam quase a entrar na fortaleza, e que o túnel era a única rota de fuga dos animais. O

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Quinta da Confusão – O nascimento de um império

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bombardeavam cada vez mais espaçadamente os funcionários para poupar munições e assim manter o ataque por mais tempo. Em compensação, atiravam-nas com toda a sua força. A altura das guaritas em relação ao chão variava entre os 6 (pontos mais baixos do telhado em forma de triângulo) e os 10 metros de altura (alto do telhado do Celeiro-forte), o que fazia com que os funcionários tentassem cada vez menos subir ao telhado para não caírem de tão alto. Em vez disso, apostavam no uso de dardos tranquilizantes contra os animais. Por isso mesmo estavam a ficar sem munições, tal como eles. Cada lado tinha algo a perder se se rendesse: os funcionários perderiam o tão aguardado aumento salarial; e os animais iriam para o mercado, podendo nunca mais regressar à Quinta da Confusão. Ninguém saberia qual dos lados sairia vencedor… se não fossem os donos. Estes, no começo do cerco ao Celeiro-forte, tinham ido tomar o pequeno-almoço. Voltaram por volta das 10 horas e logo foram informados da situação. Os donos pensaram logo numa solução para o caso. Disseram aos funcionários que o celeiro estava tão velho que, se eles se atirassem contra as paredes, acabariam por conseguir abrir um buraco do tamanho de uma pessoa para entrarem. Ironicamente, acrescentaram que lhe ficava mais barato fazer um celeiro novo do que reparar o antigo, e que por isso os funcionários podiam demoli-lo que até lhes poupariam o dinheiro da demolição. Os funcionários cumpriram as ordens à risca, como os donos poderiam ver mais tarde.

Para horror dos animais que vigiavam o estado das paredes, estes começaram a ouvir fortes pancadas contra elas, e várias exclamações de alegria a dizer que estavam a largar pedaços de madeira. Os animais das guaritas bem tentavam atacar os funcionários do alto, mas de nada adiantava: estes já estavam no chão, pelo que o máximo que lhes acontecia era caírem mas levantarem-se logo a seguir. Os donos viam com alegria as velhas paredes a serem desgastadas, até já haviam várias tábuas reduzidas a metade e que deixavam ver o interior. A única esperança dos animais era o túnel, que estava praticamente no fim. Os animais que trabalhavam nele já tinham escavado os 5 metros de rocha até às cavalariças e mesmo o troço até à superfície. Mas, quando a pá alcançara a superfície, os animais perceberam que a parede das cavalariças estava a meio do buraco, impedindo a passagem de qualquer animal, pelo que tinham agora de escavar ainda mais a rocha junto à superfície para poderem passar pelo buraco. Tinha sido um grande progresso alcançar a superfície, pois o ar estava bastante saturado com o dióxido de carbono expirado pelos animais. Mas faltava ainda alargar o buraco, usando apenas pás tortas de tanto terem esmurrado a rocha. Era nisso que os animais trabalhavam afincadamente, esforçando-se para terminarem o túnel. Como iam frequentemente ao Celeiro-forte, sabiam perfeitamente que os funcionários estavam quase a entrar na fortaleza, e que o túnel era a única rota de fuga dos animais. O

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que eles não sabiam era de outro problema, muito mais grave. Através dos buracos nas paredes, os funcionários tinham visto a entrada do túnel, e calcularam que ele se dirigisse para uma das construções da outra margem da ribeira. Por isso, metade dos funcionários e um dos camiões foi para a outra margem da ribeira, para ao pé dessas construções, aguardar a saída dos animais que com certeza iriam fugir por ali. Os restantes funcionários e veículos permaneceram na margem esquerda, a tentar partir as paredes para entrar no Celeiro-forte. Os animais que vigiavam o seu estado tapavam constantemente os buracos pregando-lhes mais tábuas, o que retardou a entrada dos funcionários.

Todavia, os 10 animais não conseguiam reparar os estragos de 75 funcionários a atirarem-se contra o celeiro em simultâneo. Segundos antes de se abrir um buraco do tamanho de 3 pessoas na parede da frente, a maioria dos animais precipitou-se pelo túnel adentro na tentativa de escapar dos funcionários, ao mesmo tempo que o primeiro animal passava pela abertura do túnel 250 metros para este. Quando se abriu um buraco suficientemente grande na parede para os funcionários passarem, 50 precipitaram-se pelo túnel adentro em perseguição dos fugitivos. Quanto aos restantes funcionários, subiram ao 1º andar do celeiro para verem se não havia mais nenhum animal ali. Logo repararam numa coisa: 6 das guaritas estavam com o alçapão aberto e a balançar, prova de que os animais o tinham aberto à pressa para fugirem. Pelo contrário, as 4 dos lados do telhado estavam fechadas e os funcionários foram incapazes de as abrir. Dos 45 animais, 37 tinham fugido para as cavalariças em direcção à sua captura. Mas os restantes 8 tinham reparado nos veículos na outra margem da ribeira e, prudentes, decidiram fechar-se nas guaritas e esperar que estas fossem, afinal, a sua fortaleza. Rapidamente perceberam que sim. Ao mesmo tempo que todos os seus companheiros eram apanhados e metidos nos camiões, os 8 animais fechados nas guaritas ouviam as pancadas furiosas nos alçapões dadas pelos funcionários, mas sem resultado pois as suas portas tinham sido construídas pelos animais, sendo novas e resistentes. Estes tiveram então uma ideia: golpear a madeira do tecto em volta dos alçapões para lhes abrir um buraco onde coubessem, para subirem às guaritas. Durante 5 minutos, os funcionários esmurraram o tecto e bateram-lhe com o cabo da espingarda, esperando que este cedesse para poderem entrar nas guaritas. Mas, em vez disso, foram as guaritas que vieram ter com eles… De repente, ouviram-se uns ruídos esquisitos e, para horror dos funcionários, estes viram que o tecto à volta das guaritas estava a rachar. Os animais perceberam isso igualmente, pois saltaram para o telhado e correram até ao seu alto mesmo a tempo antes do desabamento. Ouviu-se um ruído, e o ar ficou subitamente coberto de poeira. Sentados no ponto mais alto do Celeiro-forte, os 8 animais esperaram pacientemente que esta se dissipasse para verem os estragos.

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Quando a poeira se dissipou, ficou a descoberto a extensão dos estragos. As partes mais baixas do tecto tinham desabado com os golpes dos funcionários, arrastando todo o resto do tecto à excepção da viga do alto e as telhas que lá estavam apoiadas. O peso dos destroços tinha, por sua vez, feito ruir o piso do 1º andar, arrastando consigo os 25 funcionários na queda. Estes jaziam agora no meio dos destroços, magoados mas sem ferimentos graves, interrogando-se sobre o porquê de terem feito tantos estragos numa coisa aparentemente simples. De facto, tinham conseguido alcançar as guaritas porque estas jaziam no meio deles, mas os animais permaneciam em cima da viga do alto do celeiro, a 10 metros de altura e totalmente fora do seu alcance. Os donos, que assistiram a tudo, ficaram pasmados com a extensão dos estragos, e Aníbal comentou «Ó Afonso, e não é que eles seguiram mesmo as nossas ordens à risca? Esfolaram as paredes todas e mandaram o telhado e o 1º andar abaixo». O Celeiro-forte estava agora inutilizado sem tecto, sem 1º andar e com o rés-do-chão coberto de destroços, mas cumprira a sua função ao defender 8 dos animais da Quinta da Confusão. Os 25 funcionários foram juntar-se aos colegas, e pouco depois os 8 animais presos no alto do celeiro viam os seus 37 companheiros a abandonar a quinta a bordo dos camiões em direcção ao mercado, longe da quinta. Quanto aos donos, começaram a sentir pena pelos animais presos, sem comida nem água, mas sem hipótese de os salvar disseram-lhes «Vão ter que arranjar forma de saírem daí sozinhos, daí ninguém vos consegue tirar», e foram para casa. De facto, os donos tinham razão. Eles estavam suspensos a 10 metros de altura, em cima de uma viga de madeira com algumas telhas. Nos pontos menos destruídos, podia-se andar 2 metros até o telhado acabar (o celeiro era um quadrado de 20 metros de lado). Podiam descer pelas paredes, da mesma forma que os funcionários tinham subido por elas, mas os animais receavam que as bases estivessem tão desgastadas pelos seus golpes que as paredes ruíssem durante a descida, tal como os donos receavam (por isso não aconselharam a descida pelas paredes). Não se via nenhum outro modo de os animais saírem dali a não ser saltarem 10 metros até ao chão. Obviamente, essa hipótese estava fora de questão.

Presos dentro dos 2 camiões, a caminho do Porto, os animais resignavam-se com o seu destino. O Celeiro-forte, mesmo tendo salvado 8 deles, falhara a sua missão: mais de 80% dos animais da Quinta da Confusão tinham sido apanhados pelos funcionários. E porque tinha falhado, uma fortaleza tão bem preparada para resistir ao ataque dos funcionários? Teria sido pela falta de munições ou pela fraca resistência das paredes? Os animais concluíram que tinha sido a segunda hipótese a causar a rendição do Celeiro-forte, agora já totalmente inutilizado. Se tivessem reforçado as paredes e o tecto com novas tábuas, como alguns

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animais tinham proposto, assim como posto persianas de madeira nas guaritas para fechar as suas aberturas, o Celeiro-forte teria resistido até os funcionários desistirem do ataque. Mas agora era tarde para pensar no que falhara, pois os animais possivelmente nunca iriam regressar à Quinta da Confusão. Sabiam que os esperava uma estadia no mercado do Porto, ou mesmo a morte no matadouro no caso das vacas e dos porcos. Tristes, limitaram-se a observar a paisagem transmontana, enquanto os camiões seguiam em direcção ao Porto, no meio das carrinhas dos funcionários.

12:30

Duas horas e meia após a rendição do Celeiro-forte, os donos lembraram-se de uma solução para os animais saírem do alto do celeiro: se os animais se agarrassem à borda da parede da porta principal e rastejassem na zona sem tecto até ao algeroz, na esquina do celeiro, poderiam deslizar pelos canos até ao chão. Foi essa solução que os donos gritaram aos animais, que de imediato a puseram em prática. Havia um menor risco de a parede ruir, pois os animais estariam deitados em cima da parede, e espalhariam o seu peso por uma maior área. Mas, apesar desse factor, mal os animais se concentraram junto à parede, a viga começou a fracturar-se. Até àquela altura, os animais ocupavam toda a viga, equilibrando o peso sobre ela. Mas, agora que estavam todos juntos num dos seus lados, esta começava a não aguentar o peso. Rápidos, os animais foram até ao limite das telhas e agarraram-se fortemente à parede, rastejando como se estivessem a atravessar um vale por uma corda. Havia 1 metro de telhas entre a viga e o algeroz, pelo que os animais tinham ainda 9 metros para percorrerem até chegarem aos canos salvadores. Mas, para os animais seguintes terem espaço para se agarrarem à parede, os que já lá estavam tinham que dar algum avanço. Os primeiros 6 animais conseguiram subir para a parede a tempo, mas os últimos 2 não tiveram espaço para o fazer antes da queda da viga. Com um rangido final, esta partiu-se e caiu, acontecendo o mesmo às poucas telhas do telhado. Para horror dos 6 animais que estavam em cima da parede, os dois que ainda não o tinham feito perderam o chão e caíram. Mas, no último segundo, conseguiram agarrar-se à parede, visto que as telhas tinham desaparecido, e subiram para cima dela. Juntos, de barriga para baixo em cima da borda da parede, os animais continuaram a rastejar em direcção ao algeroz, enquanto que a viga e as telhas se juntavam aos destroços acumulados no chão do celeiro.

Quando o primeiro animal alcançou a esquina do algeroz, reparou logo num pormenor: este estava completamente enferrujado, de todas as chuvadas e nevões que apanhara ao longo dos seus 55 anos de existência. Apesar disso, confiou em como aguentaria com ele, pelo que largou a

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parede e se agarrou ao algeroz. Com esse acto, o animal resolveu o problema dos animais em chegarem ao chão, pois de imediato o algeroz começou a cair para trás, arrancando a madeira onde estava aparafusado atrás de si. Por sorte, os 30 cm de neve ampararam-lhe a queda, não o deixando magoar-se muito. Mas a queda do algeroz arrancara um pedaço de parede com meio metro de largura, arrancando ainda pedaços a outras tábuas, ou seja, fazendo-lhes o mesmo efeito que os funcionários obtiveram ao esmurrarem as paredes do celeiro. Foi o golpe de misericórdia ao Celeiro-forte. A parede onde os 7 animais estavam apoiados rangeu e começou a desmoronar-se a partir de baixo. Estes saltaram da parede imediatamente antes de atingirem o chão, e aterraram com uma cambalhota em cima dos destroços. Estavam já no chão, mas ainda não estavam a salvo porque as paredes laterais do celeiro, agora que não tinham a parede da frente como apoio, oscilaram e começaram a cair para dentro. Os animais conseguiram escapar por pouco à queda das paredes, saindo de cima dos destroços e pondo-se a salvo na neve. Quanto à última parede ainda de pé, a das traseiras, não teve qualquer hipótese. Sem apoios, caiu para dentro e fez-se em pedaços no meio dos destroços do Celeiro-forte. Terminava assim uma construção com 55 anos, que servira de armazém para a Quinta da Confusão e, posteriormente, de fortaleza aos animais, sob o nome de Celeiro-forte. Quatro horas antes, estivera ali uma construção imponente, preparada para resistir a 150 funcionários. Agora, restava apenas uma pilha de destroços sem valor. Os donos disseram aos animais «Damos-vos os parabéns por terem escapado ilesos desta aventura, nem todos o conseguiriam fazer. Só foi pena o celeiro, ele era-vos mais útil a vocês do que a nós. Mas, como são racionais, decerto serão capazes de construir o vosso abrigo sozinhos. Boa sorte», e por fim foram para casa. Os animais tinham noção de que tinham perdido a única construção da Quinta da Confusão que lhes poderia servir de abrigo, visto que as outras estavam muito danificadas para essa função. Então, foram revistar os destroços do celeiro em busca de tudo aquilo que lhes poderia ser útil.

Tinham passado por Carrazeda de Ansiães, a capital do concelho onde ficava a Quinta da Confusão. Tinham passado por Vila Real, por Amarante, e por terras e estradas de que nunca ouviram falar. Agora, estavam numa grande estrada cheia de carros, rodeada por prédios, num sítio completamente diferente da Quinta da Confusão. No lugar do verde do campo, do agradável silêncio, do correr das águas da ribeira, estava agora o barulho de motores, prédios de betão, estradas de alcatrão negro, e sobretudo uma total ausência de campo. A cidade do Porto, tal e qual os animais a conheciam quando a deixaram para virem viver na Quinta da Confusão. Propositadamente, os cães e os cavalos tinham sido metidos num camião e as vacas e os porcos noutro. Pouco depois de entrarem no Porto,

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os dois camiões e as carrinhas separaram-se: as carrinhas foram para a sede da empresa onde os funcionários trabalhavam; o camião com os cavalos e os cães foi para o Mercado do Bolhão; e o camião com as vacas e os porcos foi para um pequeno matadouro que havia algures no Porto, onde exactamente os animais nunca haviam percebido, apenas sabiam que ficava a 2 quarteirões do mercado.

O camião com os cavalos e os cães parou num pequeno estacionamento junto ao edifício do mercado1, especialmente para os camiões com mercadorias. Havia um elevador fora do edifício, que ia dar ao primeiro andar. Foi para esse elevador que os empregados do mercado levaram os animais, aos poucos. Para os animais que haviam nascido na Quinta da Confusão, aquilo era uma novidade completa. Assim que a porta do elevador se abria, no primeiro andar, os animais viam-se numa sala enorme, com a maior concentração de animais que alguma vez tinham visto na vida. O sol, entrando pelas janelas, iluminava o chão de madeira clara, as paredes e o tecto brancas e a mais de uma centena de animais que lá estavam. Estes estavam agrupados por quintas de origem, em espaços rodeados por cercas maciças de madeira com 1 metro de altura encostados às paredes. Havia imensas cancelas, com o nome da quinta de origem dos animais afixado, fechadas por um ferrolho electrónico que se podia abrir manualmente. Os espaços junto às paredes estavam quase totalmente ocupados por espaços para animais, à excepção de duas esquinas. Numa, ficava a entrada do elevador, das escadas e o botão do alarme, que teria grande importância no dia seguinte. Na outra esquina vazia, encontrava-se a entrada para as escadas do rés-do-chão, e a passagem para outra sala do 1º andar do Mercado do Bolhão. Havia um comedouro e um bebedouro para cada dois animais. O que mais lhes desagradava ali era o facto de estarem acorrentados por uma pata 24 horas por dia, para não fugirem (só eram libertados quando eram comprados), e a má qualidade das rações que tinham à sua frente permanentemente, em comedouros, que ao que parecia era fabricada numa fábrica da cidade. Os animais vindos da Quinta da Confusão foram presos em zonas vazias, às quais se acrescentou uma placa com o nome da quinta de origem, ao lado do sítio onde estavam os animais presos durante a I Guerra dos Animais. A zona da Quinta da Confusão era a maior do mercado, tendo 47 animais expostos para venda. Não estavam em condições muito más, porque os 3 empregados da sala até eram compreensivos para com eles. Desculpavam-se dizendo «São ordens que temos, temos que as cumprir senão ficamos sem emprego…». Diferentes eram as condições do matadouro, para onde iam as vacas e os porcos.

1 As informações dadas sobre o Mercado do Bolhão são falsas.

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O matadouro, ao contrário do Mercado do Bolhão, era um edifício rectangular dividido em 5 partes, como se fosse uma linha de montagem:

1. O primeiro edifício era o estacionamento para os camiões que viessem descarregar animais, que eram levados para a segunda sala;

2. O segundo edifício era o espaço onde os animais eram presos até serem examinados por médicos. Se fossem considerados saudáveis iam para o edifício seguinte, senão, permaneciam ali até serem curados;

3. O terceiro edifício destinava-se a abater os animais: primeiro davam-lhes um choque eléctrico para desmaiarem, depois penduravam-nos de cabeça para baixo e cortavam a veia jugular (no pescoço), para sangrarem até à morte2, por fim transferiam o animal morto para a sala seguinte;

4. O quarto edifício era o espaço onde os animais mortos eram transformados em carne para consumo e outros produtos de charcutaria. Depois de pronta, esta era despachada para o último espaço;

5. Por fim, o quinto edifício era o estacionamento para os camiões que vinham buscar a carne e os produtos de charcutaria

A sala onde os animais estavam presos tinha boas condições, pois o chão tinha palha para os animais poderem dormir melhor e a ração era biológica. Havia três grandes troncos de madeira suspensos do tecto no espaço com 20 por 50 metros, aos quais os animais estavam presos por uma corrente igualmente por uma pata. Haviam imensas janelas para a luz entrar que muitas vezes estavam abertas para entrar ar fresco, e o tecto era composto por vidro translúcido reforçado com vigas de aço. As paredes eram brancas para não darem um ar de austeridade e clausura. Encontravam-se lá cerca de 100 animais, e todos eles poderiam dizer que se estava bem no matadouro se não fosse a certeza de que, mais tarde ou mais cedo, viriam os funcionários levá-los para a sala em frente. Desconheciam o que havia no interior dessa sala, pois todos os animais que foram levados para lá nunca mais foram vistos. Os funcionários do matadouro diziam-lhes que ali seriam abatidos, e isso bastava aos animais para temerem aquela sala. Mais tarde, haveria animais que fariam tabelas comparando as condições do Mercado do Bolhão com as do matadouro. As condições do Mercado do Bolhão, embora piores do que as do matadouro, eram no fundo melhores porque ali os animais não eram abatidos, a única coisa que lhes aconteceria era ser levados para uma quinta.

2 Este processo é usado de verdade pelos matadouros, para matarem os animais sem

que estes sintam dor.